PSICOLOGIAS
PSICOLOGIAS
PSICOLOGIAS
DE CIÊNCIA EM PSICOLOGIA
Ronalisa Torman1
O homem adquiriu conhecimentos seguros e úteis acerca de seu meio muito antes do surgi-
mento do pensamento científico moderno e isso é o que podemos denominar de senso comum.
Em um meio sociocultural em que a Psicologia popular e o senso comum podem ter per-
cepções incorretas sobre o funcionamento cognitivo, tornam-se matéria importante de análise
psicológica, cabendo aos psicólogos explicar os processos mentais e os esquemas ou as repre-
sentações que as pessoas usam para formular juízos, interagir com os outros e perceber o meio
que as rodeiam.
O homem, de modo geral, realiza avaliações sobre diversos assuntos, na medida em que a
sobrevivência da espécie humana depende de uma interpretação adequada das reações dos
nossos semelhantes quando interagimos uns com os outros. A percepção correta de como as
pessoas agem e se comportam é uma vantagem considerável nas interações sociais. Em geral,
de Psicologia todos sabemos um pouco, do mesmo modo que julgamos saber de educação, ges-
tão, futebol e televisão. Mas, de onde nos vem esse conhecimento psicológico?
Diariamente somos bombardeados com novelas, músicas, canções, programas de TV, con-
ferências e debates, livros, revistas e jornais que tratam de assuntos ligados à Psicologia, ao
comportamento, a dificuldades de relacionamento, a tragédias, ao sucesso e à felicidade. Por
muito desatenta que uma pessoa possa ser, algumas dentre essas informações acabarão por
1
Psicóloga (UNISINOS), Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (Universidade Feevale), Mes-
tre em Ciências Sociais Aplicadas (UNISINOS), Professora e Supervisora do Curso de Psicologia (Universidade
Feevale), Coordenadora do Curso de Especialização em Teoria Psicanalítica da Universidade Feevale 1ª edição
(2012/2013) e atual Coordenadora do Projeto de Extensão Tecendo Histórias de Vida: bem-estar da mulher
e da pessoa idosa (Universidade Feevale). E-mail: ronalisa@feevale.br.
transitar ou serem absorvidas. No que se refere à Psicologia, o problema não está no pouco
que sabemos, ou no muito que julgamos saber, mas antes em julgar que sabemos o suficiente
e de modo preciso e correto. Estará fundamentado o que julgamos saber? Será que podemos
aplicar os conselhos gerais ao nosso caso? Será que também sabemos de outras áreas, como a
Física ou a Química?
No dia a dia não é habitual utilizarmos um procedimento científico para determinadas ações,
como, por exemplo, utilizar um termômetro, instrumento de precisão para medir a tempera-
tura, para sabermos o momento em que o fogo deve ser apagado quando um alimento estiver
supostamente cozido. Pois bem, se conhecimentos úteis puderam ser adquiridos mediante
somente o emprego de uma observação do senso comum, qual é a vantagem que se obtém ao
A ciência, portanto, não surge do nada, ela sempre emerge de contextos sociais específicos
e com características determinadas, em íntima interação com os fenômenos históricos e movi-
mentos filosóficos, criados e vividos pelos homens. O processo de criação de uma nova ciência
é muito complexo, “[...] é preciso mostrar que ela tem um objeto próprio e métodos adequados
ao estudo desse objeto, que ela é, enfim, capaz de firmar-se como uma ciência independente
das outras áreas de saber” (FIGUEIREDO; SANTI, 2000, p. 14).
O psicólogo britânico William McDougall definiu a Psicologia, ao que parece, pela pri-
meira vez em 1908, como sendo a “ciência do comportamento” e, dessa forma, por volta
do começo do século XX, a psicologia americana conseguia a sua independência em relação
à Filosofia. Desenvolvia laboratórios nos quais aplicar os métodos científicos formavam
sua própria associação científica e definia-se formalmente como ciência: a ciência do com-
portamento (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009).
Não é simples apresentarmos a relação entre Psicologia e a ciência. Isso porque, como
revela até mesmo uma rápida análise da história da Psicologia, não há uma única relação,
mas muitas relações e muitas interpretações do que a ciência significa para a Psicologia.
Ainda hoje, após mais de cem anos de esforços para se criar uma Psicologia científica, os
estudos psicológicos mantêm relações estreitas com muitas ciências naturais e sociais (FI-
GUEIREDO; SANTI, 2000).
O processo desenvolvido para se considerar a Psicologia como uma ciência foi extre-
mamente moroso, e o principal empecilho para que isso acontecesse foi o seu objeto de
estudo: a psyché, entendida como sendo a mente, pois ela não se apresenta como objeto
observável, não se enquadrando, portanto, nas exigências do Positivismo de Augusto Com-
te (1798-1857), vigente na época de seu surgimento.
Quatro cientistas estão apontados como responsáveis diretos pelas primeiras aplicações
do método experimental ao objeto de estudo da Psicologia: Hermann Von Helmholtz, Ernst
Weber, Gustav Theodor Fechner e Wilhelm Wundt. Os quatro estudiosos eram alemães,
estudavam Fisiologia e eram conhecedores dos impressionantes desenvolvimentos dessa
área de conhecimento e da ciência havidos na metade do século XIX (SCHULTZ; SCHULTZ,
2009).
Wilhelm Wundt
Wilhelm Wundt (1832-1920): fundador da
Psicologia como disciplina acadêmica formal. A
primeira pessoa na história da Psicologia a ser
designada, adequada e irrestritamente, como
psicólogo. Wundt fundou o primeiro laboratório
de Psicologia Experimental do mundo em Leip-
zig, na Alemanha, em 1879, e foi o responsável
pela formação de muitos psicólogos. Editou a
primeira revista e deu início à Psicologia Experi-
mental como ciência. As áreas que ele investigou
— incluindo a sensação e a percepção, a atenção,
o sentimento, a reação e a associação — se tor-
naram capítulos básicos em manuais que ainda
não haviam sido escritos. O fato de uma parte
tão grande da história da Psicologia depois de
Wundt consistir numa oposição à sua concep-
ção de Psicologia não diminui as suas realiza-
ções e contribuições como fundador (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2009).
Para Wundt, o objeto de estudo da Psicologia era a experiência imediata dos sujeitos,
definida como ‘’[...] a experiência tal como o sujeito a vive antes de se pôr a pensar so-
bre ela, antes de comunicála, antes de conhecê-la. É, em outras palavras, a experiência
tal como ela é’’ (FIGUEIREDO; SANTI, 2000, p. 58).
Wilhelm Wundt reconhecia elementos ou conteúdos da consciência, mas a sua aten-
ção se concentrava primordialmente na organização ou síntese desses elementos em
processos cognitivos de nível superior, mediante o princípio da percepção. Para ele, a
mente tinha o poder de sintetizar espontaneamente elementos, uma posição que con-
trariava a noção mecânica e passiva da associação favorecida pela maioria dos empi-
ristas e associacionistas britânicos (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009).
Ao definir a Psicologia como ciência da experiência imediata, Wundt pretendia ata-
car uma concepção de Psicologia muito comum em sua época, que tratava a mente
como se fosse uma substância ou entidade, seja espiritual (espiritualismo) ou material
(materialismo). Para ele, essa forma de fazer Psicologia estaria equivocada porque se
baseava em hipóteses metafísicas que extrapolavam toda a possibilidade de experiên-
cia.
Como sua intenção era fundar uma nova Psicologia - autônoma e independente de
teorias metafísicas -, a única alternativa era recusar por completo essas concepções
metafísicas acerca do objeto da Psicologia e propor uma outra, que se atinha à expe-
riência psicológica propriamente dita. Na Psicologia wundtiana, só há aquilo que é
dado na experiência, entendida sempre como um conjunto de processos interligados
(ARAÚJO, 2007).
É importante enfatizar que, também de acordo com a definição apresentada por
Wundt, não há uma diferença essencial de natureza entre o mundo interno e o exter-
no, uma vez que a experiência é um todo organizado que abrange ambos, mas apenas
uma diferença na maneira de abordá-los. Por isso, a relação entre a Psicologia e as Ci-
ências da Natureza deve ser de complementaridade. Elas se complementam na medida
em que fornecem relatos diferentes da mesma experiência, sem que haja a possibili-
dade de haver uma subordinação ou redução de uma à outra.
No século XIX, portanto, Wundt estruturou seus estudos no comportamento e com a
experimentação e o uso de metodologia científica de base positivista. Foi dessa forma
que esses estudos adquiriram o status de ciência. No entanto, com o passar dos anos,
evidenciou-se a necessidade de instrumentos capazes de propiciar medidas mais con-
fiáveis das habilidades humanas. Assim, no início do século XX, esse pensamento foi
representado pela Psicometria2, com seus testes de inteligência, fazendo surgir uma
nova área de pesquisa.
Já em meados do século XX, surgiram trabalhos com estratégias observacionais, em
que a preferência era um meio natural para a realização dos estudos, salientando a
importância dos sujeitos na pesquisa. Esses estudos foram os etológicos e trouxeram
a necessidade de ampliar as pesquisas para além dos laboratórios, negando o rigor de
controle de variáveis e valorizando a observação e o ambiente natural (BIASOLI-ALVES
apud BIASOLI-ALVES e ROMANELLI, 1998).
Nas últimas décadas do século XX, sob a influência de outras áreas do conhecimen-
to, tais como a Sociologia, a Educação, a Antropologia e a História, a Psicologia passou
a conceber o homem como o seu objeto de estudo, sendo ele um ser histórico e social.
Para Bock, Furtado e Teixeira (2009), o status da Psicologia como ciência foi con-
quistado quando, através de estudos rigorosos, foram elaboradas formas de investi-
gação científica, objetos de estudo, delimitação dos campos de estudo e métodos para
estudar os objetos e as teorias de conhecimento.
Podemos afirmar que foi então a partir dos estudos de Wundt que surgiram as pri-
meiras escolas teóricas da Psicologia: o Estruturalismo, o Funcionalismo, o Associa-
cionismo, o Behaviorismo e a Psicanálise. Neste capítulo serão aprofundadas as três
primeiras escolas teóricas.
2
De acordo com Pasquali (2009, p. 993): “[...] Etimologicamente, psicometria representa a teoria e a
técnica de medida dos processos mentais, [...] a psicometria consistia na medida do comportamento do
organismo por meio de processos mentais”.
O Estruturalismo
O fundador do Estruturalismo foi Edward Brad-
ford Titchener (1867-1927), discípulo de Wundt e
responsável pelo desenvolvimento, pela sistema-
tização e pela divulgação da sua obra nos Estados
Unidos. Foi estabelecida como a primeira escola
americana de pensamento no campo da Psicolo-
gia (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009).
Titchener aceitou o foco empirista e associacio-
nista sobre os elementos ou conteúdos mentais e
sua ligação mecânica através do processo da as-
sociação. Descartou a ênfase wundtiana na per-
cepção e concentrou-se nos elementos que com-
põem a estrutura da consciência. Segundo esse
cientista, a tarefa fundamental da Psicologia era
descobrir a natureza das experiências conscien-
tes elementares, ou seja, analisar a consciência
em suas partes separadas e, assim, determinar a
sua estrutura. Para tanto, Titchener modificou o
método introspectivo de Wundt.
Referências
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lhelm Wundt. (Tese) -Departamento de Psicologia, Universidade de Campinas. Campinas,
2007.
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ROMANELLI, G. (Orgs.).
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_______. Ironias da Educação: mudança e contos sobre mudança. Rio de Janeiro: DP&A,
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