Direito e Justiça
Direito e Justiça
Direito e Justiça
componente do Direito não exige a sua prevalência sobre os demais. A justiça ganha
significado quando se refere ao fato social, por intermédio de normas jurídicas. A justiça é
importante não apenas no campo do Direito, mas em todos os fatos sociais por ela alcançados.
A vida em sociedade, sem ela, seria insuportável. Ao referir-se à justiça, o filósofo Kant
declarou: “Se esta pudesse perecer, não teria sentido e nenhum valor que os homens vivessem
sobre a Terra”.
61.2. Espécies. Distinguimos, nas leis injustas, uma divisão tricotômica: as injustas por
destinação, as casuais e as eventuais. As injustas por destinação são as que vão cumprir uma
finalidade já prevista pelo legislador. São leis que já nascem com o pecado original e levam
consigo o selo da imoralidade. As casuais são as que surgem em decorrência de uma falha de
política jurídica. A regulamentação do fato social é feita de uma forma infeliz, em
consequência de inépcia na apreciação do fenômeno e na consagração dos valores. Não há,
por parte do órgão que as edita, consciência dos efeitos prejudiciais que irão causar. As suas
normas são injustas não apenas em concreto, ou seja, no momento da subsunção, mas
também em abstrato, independentemente das características peculiares do fato real. As leis
injustas eventuais, do mesmo modo que as casuais, não têm por base a má-fé do legislador.
Surgem por incompetência de técnica legislativa. Em abstrato, são justas, podendo, contudo,
tomar feição oposta eventualmente, de acordo com as particularidades do caso em si. Na
dependência, pois, das coordenadas da questão, a lei poderá ser injusta ou não. Sê-lo-á,
portanto, eventualmente.
O Problema da Validade das Leis Injustas. Em torno das leis injustas, o problema de maior
indagação refere-se à sua validade ou não. Entre os jusfilósofos, encontramos quatro posições
diferentes. Os positivistas consideram válidas e obrigatórias as leis injustas, enquanto
permanecem em vigor. Iniciam a sua argumentação em estilo socrático: o que se deve
entender por leis injustas e qual o critério para o seu reconhecimento? Daí passam a analisar
os riscos e a confusão que reinaria, caso fossem passíveis de discussão. Por outro lado, onde a
segurança das pessoas em seus negócios e em outras espécies de interação jurídica? A
previsibilidade, companheira dos homens prudentes, deixaria de existir, do mesmo modo a
segurança jurídica, que representa um dos mais sérios anseios
da sociedade. Os jusnaturalistas, de modo geral, negam validade às leis injustas. Esta corrente
de pensamento considera o Direito como um meio a serviço dos fins procurados pela
sociedade, em determinado momento e ponto do espaço. A sua concepção do Direito é
teleológica, julgando-o bom ou mau, segundo realize bons ou maus valores. O Direito Positivo,
sendo criado pelos homens, deve por estes ser dominado e não erigir-se em dominador do
próprio homem. A lei como súdita e não como suserana!23 Em posição eclética, encontram-se
os pensamentos de Santo Tomás, Gustav Radbruch e John Rawls. O primeiro, apesar de
considerar todas as leis injustas ilegítimas, reconhece validade naquelas cujo mal provocado
não chega a ser insuportável. Pensava que a não observância de uma lei injusta pode, às vezes,
dar origem a um mal maior, daí a necessidade da tolerância nesses casos. Mas, uma vez
incompatível o preceito jurídico com a natureza e dignidade humanas, não deverá ser
cumprido, pois nem Direito será. Para John Rawls, filósofo e cientista político norte-americano,
“há normalmente um dever (e, para alguns, também uma obrigação) de acatar leis injustas
desde que não excedam certos limites de injustiça”. O autor de Uma Teoria da Justiça parte do
princípio de que as “Leis injustas não estão todas no mesmo nível”. A resistência se mostra
razoável quando a lei injusta se distancia de “padrões publicamente reconhecidos... Se,
todavia, a concepção vigente de justiça não for violada, a situação será outra”.24 Finalmente,
há aqueles que, como Kelsen, negam a existência das leis injustas, por considerarem que a
justiça é apenas relativa. Fiel à sua teoria pura, Kelsen só concebe como injustiça a não
aplicação da norma jurídica ao caso concreto. Entendemos que não cabe ao aplicador do
Direito, em princípio, abandonar os esquemas da lei, sob a alegação de seu caráter injusto.
Alguns resultados positivos poderão ser alcançados mediante os trabalhos de interpretação do
Direito objetivo. Uma lei injusta normalmente é um elemento estranho no organismo jurídico,
a estabelecer um conflito com outros princípios inseridos no ordenamento. Ora, como o
aplicador do Direito não opera com leis isoladas, mas as examina e as interpreta à luz do
sistema jurídico a que pertencem, muitas vezes logra constatar uma antinomia de valores,
princípios ou critérios, entre a lei injusta e o ordenamento jurídico. Como este não pode
apresentar contradição interna, há de ser sempre uma única voz de comando, o conflito
deverá ser resolvido e, neste caso, com prevalência da índole geral do sistema.
Ordem do Sumário:
52 – Emil Brunner, La Justicia; Goffredo Telles Júnior, Filosofia do Direito; Aristóteles, Ética a
Nicômaco; 53 – Emil Brunner, op. cit.; Hans Kelsen, Que es la Justicia?; 54 – Texto; 55 – Emil
Brunner, op. cit.; Chaim Perelman, De la Justicia; 56 – Edgar Bodenheimer, Ciência do Direito,
Filosofia e Metodologia Jurídicas; Aristóteles, op. cit.; Del Vecchio, A Justiça; 57 – Goffredo
Telles Júnior, op. cit.; 58 – Emil Brunner, op. cit.; Del Vecchio, op. cit.; Mouchet y Becu,
Introducción al Derecho; 59 – Luño Peña, Derecho Natural; Alípio Silveira, Repertório
Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol. V;
60 – Aristóteles, op. cit.; 61 – Paulo Nader, Lvmina Spargere, vol. 5, Revista da Universidade
Federal de Juiz de Fora.