Trabalho de Direito Contencioso PDF
Trabalho de Direito Contencioso PDF
Trabalho de Direito Contencioso PDF
DE ADMINISTRAÇÃO E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO
1
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 3
Capítulo II – A justiça administrativa em Angola ............................................................ 4
1. Abordagem histórico-jurídica ....................................................................................... 4
2. Modelos de contencioso administrativo .................................................................... 7
3. Organização e competências dos tribunais administrativos ...................................... 9
3.1. Resenha histórica ............................................................................................... 9
3.2. Na ordem jurídica angolana ............................................................................. 13
4. Princípios gerais de acesso aos tribunais................................................................. 16
4.1. O princípio da tutela jurisdicional efectiva ...................................................... 16
4.2. O princípio da proibição da denegação da justiça ........................................... 18
5. Meios processuais de acesso à justiça administrativa ............................................. 18
Capítulo III - As garantias dos particulares .................................................................... 21
1. Abordagem conceptual das garantias dos particulares ............................................ 21
2. As garantias no contexto jurídico angolano ............................................................ 22
2.1. Tipologia das garantias .................................................................................... 22
2.1.1. Garantias graciosas....................................................................................... 22
2.1.1.1. Garantias petitórias ........................................................................................ 22
2.1.1.2. Garantias impugnatórias ................................................................................ 23
2.1.2. Garantias contenciosas ou jurisdicionais ..................................................... 26
Capítulo IV – O Juiz e o contencioso administrativo em Angola .................................. 32
1. O perfil do Juiz no contexto jurídico angolano ................................................... 32
1.1. Resenha histórica ............................................................................................. 32
Capítulo V - Conclusões ................................................................................................. 37
1. O contencioso administrativo angolano .............................................................. 37
Bibliografia/Webgrafia ................................................................................................... 40
2
INTRODUÇÃO
Por fim, produziremos uma análise crítica do papel do juiz no contencioso administrativo
angolano, essencialmente enquanto garante da boa administração da justiça, in casu
administrativa.
3
Capítulo II – A justiça administrativa em Angola
1. Abordagem histórico-jurídica
Não obstante, com as alterações profundas de que foi alvo a Lei n.º 23/92, de 16 de
Setembro, foram criadas premissas constitucionais para a consagração do Estado
democrático de Direito, que veio alargar o reconhecimento e garantia dos direitos e
liberdades fundamentais dos cidadãos, possibilitando aos particulares a garantia da
salvaguarda dos seus direitos e interesses legalmente consagrados. É de salientar que a
mesma perspectiva é reafirmada na CRA de 2010, publicada no D.R., I.ª Série, n.º 23, de
5 de Fevereiro.
Com efeito, uma das obrigações do Estado democrático de Direito para com a sociedade
é a concessão ao cidadão de meios processuais que lhe possibilitem o respeito dos seus
direitos ou interesses legalmente protegidos, através de uma estrutura judicial credível
que ponha ao seu dispor meios adequados para a resolução de litígios.
Assim sendo, tais meios processuais devem ter como objectivo o alcance da tutela
jurisdicional efectiva, partindo do consagrado na CRA, para a jurisdição administrativa,
e apoiada em teorias do conceito de tutela jurisdicional efectiva que materializam a
garantia
efectiva dos particulares através do acesso directo e de forma imediata aos tribunais, com
a protecção dos direitos e interesses legítimos dos particulares por via de um processo
justo e célere121.
Neste sentido, o artigo 43.º da Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro, que aprova a CRA,
preceituava o seguinte: “Os cidadãos têm o direito de impugnar e de recorrer aos tribunais,
contra todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na presente Lei
Constitucional e demais legislação em vigor”.
4
Por sua vez, o artigo 121.º dispunha que “Os tribunais garantem e asseguram a
observância da Lei Constitucional, das leis e demais disposições normativas vigentes, a
protecção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos e das demais instituições e
decidem sobre a legalidade de actos administrativos”.
Com efeito, apesar da evolução legislativa que a justiça administrativa angolana tem sido
alvo, parece não haver dúvidas de que a situação actual do contencioso administrativo
angolano, e em harmonia com as orientações da Constituição, obriga a que se proceda a
uma reforma profunda, a qual deve passar pelo compromisso do poder político em
assumir a responsabilidade de construir um novo modelo de justiça administrativa
adequado, de modo a concretizar as directrizes da Constituição da República de
Angola”122, é de salientar que subscrevemos este entendimento na integra e sem
qualquer tipo de reserva.
Deste modo, afirma o autor123, seguindo Vasco Pereira da Silva, que para se “(…)
perceber muitos dos problemas que vive actualmente (…) o Contencioso Administrativo
[angolano]”, é necessário olharmos para “(…) os acontecimentos históricos que rodeiam
o surgimento e desenvolvimento do Direito Administrativo (…)”.
Assim sendo, refere o autor que “Vasco Pereira da Silva, no seu exercício de psicanálise
jurídica, realça duas principais ‘experiências traumáticas’, ou da sua ligação originária a
um modelo de contencioso dependente da Administração e das circunstâncias que estão
na base da afirmação da sua própria autonomia enquanto ramo do Direito”.
Com efeito, prossegue JOÃO DAMIÃO afirmando que “A primeira dessas experiências
ou acontecimentos traumáticos realçados decorre do surgimento do Contencioso
Administrativo na Revolução Francesa, concebido como ‘privilégio do foro’ da
Administração, destinado a garantir a defesa dos poderes públicos e não a protecção dos
particulares, tendo protagonizado o surgimento do princípio da separação de poderes,
retirando aos órgãos da Administração o privilégio de se julgarem a si próprios, o que
criava uma autêntica confusão entre a função de administrar e de julgar”.
5
Por sua vez, “A segunda experiência ou acontecimento traumático prende-se com as
circunstâncias em que foi afirmada a autonomia do Direito Administrativo ou foi
verificada a preocupação com a garantia da Administração do que a protecção dos
particulares teria de ser”.
Com efeito na óptica de Vasco Pereira da Silva, são três as fases principais da evolução
do contencioso administrativo:
Destarte, em França, no início da segunda metade do séc. XX, mais concretamente com
a reforma de 1953 que criou os tribunais administrativos regionais para substituir os
antigos Conselhos de Prefeitura, completou-se a reforma do contencioso administrativo
francês, criando-se, assim, a duplicidade de justiça, uma comum ou ordinária e a outra
administrativa, fundamentada no facto de o Direito Administrativo ser um direito
especial, razão pela qual impunha-se a existência de uma jurisdição especial com juízes
especializados126.
6
124 DAMIÃO, João, op. cit., p. 43. 125 DAMIÃO, João, op. cit., p. 44. 126 DAMIÃO,
João, op. cit., p. 46.
127 DAMIÃO, João, op. cit., pp. 46-47.
Por outro lado, no modelo subjectivista é o interesse dos particulares que tem um papel
relevante.
7
Ensina CREMILDO PACA129 que “(…) ao tratarmos dos sistemas do contencioso
administrativo, releva sobremaneira o prisma processual e a função do contencioso
administrativo de um dado país, até porque qualquer país tem uma certa organização
jurisdicional; para o caso angolano, tenha-se como paradigma o artigo 121.º da Lei
Constitucional [de 1992]”.
maior protecção ou garantia dos direitos e interesses dos particulares, sustentada numa
maior densificação material e procedimental da fiscalização judicial da actividade
administrativa.
Com efeito, este tem implícita a ideia de uma protecção judicial efectiva, apresentando
como seu baluarte a defesa dos interesses dos cidadãos em detrimento da defesa da
Administração Pública, i.e., tem como função a tutela dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos particulares.
Em suma, neste sistema não faz sentido estabelecer a definitividade do acto como
requisito para a interposição do recurso contencioso. Bastando, por isso, que o acto seja
lesivo, para ser possível desencadear os meios que se encontrarem à disposição dos
8
particulares, de modo a que possam ter acesso à justiça administrativa. Isto é, este sistema
não condiciona o recurso contencioso à definitividade do acto131.
O período do início do século XIX até ao ano de 1930 caracterizou-se por uma grande
instabilidade da organização judiciária administrativa. Neste período já se verificou que
as funções jurisdicionais em matéria administrativa estiveram, em algumas alturas,
cometidas aos tribunais judiciais132/133.
Ainda assim, embora num curto período (1870-1886), a justiça administrativa foi
entregue a tribunais próprios, sendo atribuídas aos conselhos de distrito e ao Supremo
Tribunal Administrativo apenas funções contenciosas. Porém, com a entrada em vigor do
Decreto n.º 18 017, de 28 de Fevereiro de 1930, os tribunais administrativos voltam a ser
separados dos tribunais comuns, sendo criadas as auditorias administrativas.
É de salientar que nem a CRA de 1975, nem as sucessivas revisões constitucionais de que
foi alvo, deram a devida dignidade constitucional à justiça administrativa angolana. Aliás,
o funcionamento dos órgãos do Estado constituía o garante da ordem jurídica tendente ao
socialismo. Em rigor, o controlo jurisdicional dos actos do poder público era inexistente,
confundindo-se os órgãos jurisdicionais com os demais órgãos do Estado, atenta a
ausência manifesta do princípio da separação de poderes e funções do Estado135.
Com efeito, a Lei n.º 18/88, de 31 de Dezembro, na qualidade de Lei Orgânica sobre o
Sistema de Justiça, definiu a divisão e hierarquia judicial, prevendo, no artigo 6.º que “os
Tribunais estão divididos de acordo com a seguinte hierarquia: Tribunal Supremo,
Tribunais Provinciais e Tribunais Municipais”, ou seja em pirâmide o Tribunal Supremo
é o topo e os Tribunais Municipais a base.
9
Posteriormente foi aprovada a Lei n.º 17/90, de 20 de Outubro, que no artigo 27.º
preceitua que para “a apreciação de questões contenciosas que digam respeito à
Administração Pública, bem como à fiscalização dos actos que envolvam nomeação ou
contratação de funcionários da Administração Pública serão competentes as Salas e a
Câmara dos Tribunais Provinciais e do Tribunal Supremo”. Refira-se que estas Salas e
Câmara dizem respeito, de acordo com a Lei n.º 18/88, de 31 de Dezembro, à Câmara e
Sala do Cível e Administrativo quer do Tribunal Supremo, quer do Tribunal Provincial.
Podemos, assim, afirmar que, ainda que tenuemente, as referidas Leis n.º 18/88, de 31 de
Dezembro e n.º 17/90, de 20 de Outubro, constituem a génese do contencioso
administrativo angolano.
ii) A CRA de 1992 consagrou um elenco de direitos fundamentais dos cidadãos, entre
os quais se destaca o “direito à tutela jurisdicional efectiva”, previsto no artigo 43.º,
consubstanciado no direito dos cidadãos impugnarem e recorrerem aos tribunais contra
todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na CRA e demais legislação.
Destarte, a CRA de 1992 não foi inovadora, uma vez que não previu uma instância
judiciária administrativa autónoma, que não se subordine ao Tribunal Supremo, dado que,
apesar de comportar no n.º 3 do artigo 125.º a possibilidade de criação da ordem
jurisdicional administrativa, a verdade é que se limitou, apenas, a consolidar a opção feita
pela Lei-quadro sobre o sistema de justiça. Desta forma, não criou uma norma
constitucional, como tal imperativa, que obrigasse à criação de uma ordem jurisdicional
administrativa autónoma, antes deixando esta possibilidade ao livre arbítrio do legislador
ordinário, podendo o mesmo não a efectivar se a lógica da sua criação residir sempre na
ausência ou insuficiência de condições logísticas e humanas para o efeito137.
Advoga CREMILDO PACA138, posição por nós acolhida, que “(…) a função
jurisdicional administrativa está plasmada no duplo grau de jurisdição ou instância,
cometendo ao Tribunal Supremo e aos Tribunais Provinciais a competência de conhecer
10
os recursos de anulação de actos administrativos e as acções derivadas de contratos
administrativos. Refira- se (…) que a orgânica das instâncias judiciais administrativas em
Angola é vista no quadro da ordem jurisdicional comum, ou seja, a Lei 18/88, de 31 de
Dezembro, integra a Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo e as Salas
do Cível e Administrativo dos Tribunais Provinciais na jurisdição comum”.
Porém, saliente-se que a Lei n.º 18/88, de 31 de Dezembro, foi revogada pela novel Lei
n.º 2/15, de 2 de Fevereiro, parecendo-nos que esta em nada inova ao que diz respeito à
ordem jurisdicional administrativa angolana, uma vez que mantém a Sala do Cível e
Administrativo (cfr. artigo 50.º), presumindo-se que manterá também a Câmara do Cível
e Administrativo do Tribunal Supremo (TS), necessitando, porém, de esperarmos pela Lei
Orgânica do TS (cfr. artigo 36.º, n.º 2).
Com efeito, o Tribunal Provincial que inclui a Sala do Cível e Administrativo (cfr. artigo
18.º da Lei n.º 2/94) funciona como tribunal de 1.ª instância e compete-lhe conhecer:
“a) Dos recursos dos actos administrativos dos órgãos locais do poder do Estado, abaixo
do Governador Provincial, das pessoas colectivas de direito público e das empresas
gestoras dos serviços públicos de âmbito local;
b) Das acções derivadas de contratos de natureza administrativa, celebrados pelos
órgãos e organismos referidos no número anterior;
c) De outros recursos e acções que lhe sejam cometidos por lei”.
“a) Dos recursos actos administrativos dos membros do governo, dos governadores
provinciais e das pessoas colectivas de direito público de âmbito nacional;
11
administrativa angolana, prevista na Lei 18/88 e desenvolvida pela Lei 2/94, através da
Câmara e Salas do Cível e Administrativo, não está estruturada e muito menos funciona
como uma jurisdição especializada”. Refere, também, o autor, posição que merece a nossa
concordância, que “É demasiado ambígua e prolixa a formulação legal para aferirmos que
a Câmara e as Salas do Cível e Administrativo têm natureza especializada. Que
especialidade é esta que faz um ‘casamento’ – até que a reforma os separe (…) – entre o
cível e administrativo e do qual resulte a Câmara ou a Sala (...) [do] ‘cível e
administrativo’?”. Na opinião do autor, que avocamos, “Trata-se de uma união a
contragosto da verdadeira vocação da jurisdição administrativa, de tal maneira que as
questões administrativas controvertidas são apreciadas por juízes da jurisdição ordinária
comum, quando de facto, requerem a especialização de matérias e do seu corpo
aplicador”140.
12
Por outro lado, “A tese da não efectividade (ou da não execução do direito à tutela
jurisidicional efectiva), segundo a qual o artigo 43.º da LC atribui dignidade
constitucional ao direito à impugnação contenciosa como direito fundamental. A tutela
jurisdicional efectiva, como direito fundamental, implica a concretização do seu conteúdo
preceptivo mínimo, de tal modo que se pode dizer que o modelo angolano não deu
execução à lei fundamental ou não extraiu a máxima efectividade do artigo 43.º da LC,
porquanto o legislador ordinário apenas prevê o contencioso dos actos e dos contratos
administrativos (não prevendo o contencioso
É nosso entendimento que a “tese das opções” é aquela que mais se adequa à
implementação de um modelo de contencioso administrativo subjectivista, pelo que é que
defendemos.
Nos termos do artigo 174.º, n.º 1 da CRA, “Os tribunais são o órgão de soberania com
competência de administrar a justiça em nome do povo”, porém a inexistência de tribunais
especializados em função da matéria na ordem jurídica angolana, no âmbito da jurisdição
administrativa, contrariamente ao que acontece em outros sistemas judiciais, como por
exemplo o português, arrasta como nefasto corolário a impossibilidade de resolver quer
os problemas de congestionamento do volume de processos endereçados à jurisdição
administrativa, em função de a priori enfrentar o vício de desdobramento funcional, quer
de dar resposta perfeita e satisfatória aos litígios em matéria de função pública, uma vez
que o tribunal não é de competência especializada nesta matéria144”.
Com efeito, actualmente, provêm da Administração Pública a maior parte dos processos
da justiça administrativa, pelo que o excesso de expediente dirimido por um só tribunal,
atenta a ausência de tribunais especializados nesta matéria (funcionalismo público),
exponencia o risco de não se resolver os casos intentados naquele tribunal, constituindo,
deste modo, uma fonte de obstáculos aos particulares que legitimamente pretenderem
fazer prevalecer os seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Com efeito, podemos afirmar que desde a CRA de 1976 até às revisões produzidas pela
Lei n.º 1/86, de 1 de Fevereiro, e pela Lei n.º 2/87, de 31 de Janeiro, o contencioso
administrativo em Angola era uma realidade inexistente, como meio de garantia dos
particulares e do respeito dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana.
13
i) Tribunal Popular Supremo;
ii) Tribunais Populares Provinciais;
iii) Tribunais Populares Municipais.
Não obstante, em momento posterior, a Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro, veio estabelecer
uma nova orgânica judiciária dos tribunais angolanos, em que o “Tribunal Popular
Supremo” deixou de existir, tendo sido criado o “Tribunal Supremo”, o qual se encontra
estruturado por Plenário, Câmaras e Salas, de acordo com o disposto na alínea c), do
artigo 125.º, da CRA de 1992. O TS, com sede em Luando, capital do país, exerce a sua
jurisdição em todo o território nacional.
Por seu turno, á Lei n.º 18/88 de 31 de Dezembro prevê que para apreciação de questões
contenciosas, é competente a Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Popular
Supremo e a Sala do Cível Administrativo do Tribunal Provincial, e a Lei n.º 17/90, de
20 de Outubro, preceitua no artigo 27.º, que para apreciação de questões que digam
respeito à Administração Pública serão competentes as Salas e Câmaras dos Tribunais
Provinciais e do Tribunal Popular Supremo.
De uma forma vanguardista, dizemos nós, JOÃO DAMIÃO145 afirma que “(...) tendo
em conta a Constituição da República de Angola – 2010, de 5 de Fevereiro, e das
anteriores leis constitucionais deve ser actualizada a Lei n.º 18/88, de 31 de Dezembro,
do Sistema Unificado de Justiça, que, até ao presente momento146, se tornou menos
unificado em relação à sua construção primitiva”, o que se veio a efectivar com a entrada
em vigor da anteriormente referida Lei n.º 2/2015, de 2 de Fevereiro.
Com efeito, a entrada em vigor da Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro (LIAA), começou-se a
trilhar a história do contencioso administrativo angolano, verdadeiro baluarte da
protecção geral dos cidadãos contra erros, excessos ou abusos dos órgãos públicos,
consequência da tomada de
14
“a) dos recursos dos actos administrativos dos órgãos locais do poder do Estado, abaixo
dos Governadores Provinciais, das pessoas colectivas de Direito Público e das empresas
gestoras de serviços de âmbito local;
b) das acções derivadas dos contratos de natureza administrativa celebrados pelos
órgãos e organismos referidos na alínea anterior;
c) outros recursos e acções que lhe sejam cometidos por lei”.
“a) dos recursos dos actos administrativos dos membros do Executivo, dos Governos
Provinciais e das pessoas colectivas do Direito Público de âmbito nacional;
Por sua vez, o Plenário do Tribunal Supremo, que constituiu a última instância
jurisdicional administrativa angolana, é a quem compete conhecer em primeira instância,
nos termos do consagrado nos artigos 15.º e 16.º, alínea b) da LIAA:
Por sua vez, no que concerne ao âmbito da jurisdição administrativa, afirma CREMILDO
PACA149, que “A lei substantiva do contencioso administrativo angolano trata esta
questão no artigo 8.º da Lei 2/94, de 14 de Janeiro, ao estabelecer as exclusões e, deste
modo, ficam de fora da competência da jurisdição administrativa, nos termos do seu n.º
1, os actos administrativos proferidos em processo de natureza disciplinar, laboral, fiscal
15
ou aduaneira ou de natureza política (trata-se duma delimitação negativa dos actos
recorríveis contenciosamente). Também o objecto do recurso contencioso incide sobre as
decisões materialmente administrativas, ou melhor, tomadas em matéria administrativa e
visam a produção de efeitos jurídicos numa situação individual, num caso concreto (artigo
63.º do Decreto-Lei 16-A/95)”. Abarcando-se “(…) aqui os actos não organicamente
administrativos, praticados por órgãos estranhos à Administração Pública”
Já quanto aos limites da jurisdição administrativa dividem-se em materiais e funcionais.
A propósito dos limites funcionais, é de salientar que, atento cariz objectivista do sistema
do contencioso administrativo angolano, a jurisdição administrativa congrega limites
funcionais quanto ao conteúdo dos poderes dos juízes, os quais apenas têm um papel
fiscalizador, limitando-se a anular ou a declarar nulo, não tendo competência para
condenar a Administração na prática do acto administrativo devido, como acontece no
sistema subjectivista151.
Porém, e aqui reside o problema, o legislador ordinário, nessa altura, não se socorreu de
instrumentos de tutela que salvaguardassem a defesa dos direitos e interesses legítimos
dos particulares através do contencioso administrativo, promovendo, como se impunha.
16
Outrossim, a CRA de 2010 reveste-se de grande significado, pelo menos em tese, para a
ordem jurídica angolana sedimentando a garantia atribuída aos cidadãos, ao assegurar-
lhes o acesso ao Direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, e ao estabelecer a proibição da justiça ser denegada por
insuficiência de meios económicos.
Com efeito, de acordo com o previsto no artigo 29.º da CRA, o princípio da tutela
jurisdicional efectiva garante os direitos e interesses juridicamente protegidos dos
particulares na relação com a Administração Pública.
17
Posteriormente a revisão da CRA, operada pela Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro,
introduziu profundas modificações no sistema político e económico de Angola, as quais
criaram as bases constitucionais tendentes à ampliação, reconhecimento e garantia dos
direitos fundamentais dos cidadãos, concretamente plasmados no artigo 43.º, da Lei n.º
23/92, de 16 de Setembro que consagrou a constitucionalização da tutela jurisdicional
efectiva, nos seguintes termos: “Os cidadãos têm o direito de impugnar e de recorrer aos
tribunais, contra todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na presente Lei
Constitucional e demais legislação”.
No fundo, este princípio é um catalisador do mais elementar que pode existir na ordem
jurídica de qualquer Estado de Direito, que é a não denegação de justiça por falta de meios
económico-financeiros de quem à mesma necessita de recorrer.
Importa debruçarmo-nos agora sobre os meios processuais através dos quais é possível
alcançar a dimensão de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado na
CRA, de acordo com a jurisdição administrativa angolana.
18
153 MACHADO, Jónatas E. M., COSTA, Paulo Nogueira da e HILÁRIO, Esteves Carlos
– Direito Constitucional Angolano, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pp. 100-
101.
Deste modo, em 1988 foi criado o Sistema Unificado de Justiça, através da Lei n.º 18/88,
de
31 de Dezembro, que instaurou na ordem judiciária angolana a Câmara do Cível e
Administrativo junto do Tribunal Supremo e as Salas do Cível e Administrativo dos
Tribunais Provinciais, competentes para dirimir litígios decorrentes das relações jurídico-
administrativas.
Assim, parece-nos seguro afirmarmos que a Lei n.º 18/88 constituiu a géneses da criação
da jurisdição administrativa em Angola, não obstante, os condicionalismos de natureza
política e ideológica não permitiam aos particulares o uso comum deste meio para fazer
valer os seus direitos.
Consequentemente, como já vimos, a revisão da CRA, operada pela Lei n.º 23/92, de 16
de Setembro, consagrou a constitucionalização da tutela jurisdicional efectiva.
Por outro lado, o RPCA determina que têm direito a accionar a iniciativa processual para
o recurso contencioso de impugnação do acto administrativo o particular ou o
19
representante do MP que tenha intervindo no procedimento administrativo de reclamação
ou recurso hierárquico que o antecede, de acordo com o preceituado no artigo 39.º.
Não obstante, determina a alínea d), do n.º 1, do artigo 45.º do RPCA que o juiz deve
lavrar despacho ou acórdão preliminar ou ainda exposição no prazo de 10 dias do qual
conste o comprovativo do cumprimento da precedência do procedimento administrativo
de reclamação e recurso hierárquico, previsto no artigo 12.º da LIAA.
Também assim entende JOÃO DAMIÃO155, quando afirma que “(…) tanto o recurso a
vias graciosas estabelecidas na [LIAA], como a vinculação do juiz na apreciação prévia
do cumprimento da precedência obrigatória do procedimento administrativo, previsto no
artigo 12.º [do mesmo diploma legal], para proferir o despacho ou acordo preliminar,
conforme o estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 45.º do [RPCA], limitam o acesso
ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, para que os particulares façam valer os seus
direitos e interesses legalmente protegidos, conforme o previsto no artigo 29.º da
Constituição”.
Podemos, deste modo, afirmar que o recurso consiste no pedido de impugnação feito
perante um tribunal, com o intuito de se obter a anulação de um acto administrativo ou
ainda de um regulamento ilegal, ou seja, consiste no pedido de reapreciação jurisdicional
de uma decisão administrativa. Com efeito, no contencioso administrativo angolano, ao
contrário do português, o recurso é contra o acto administrativo, sendo, por isso,
20
tradicionalmente designado por recurso contencioso de anulação. Não obstante, é possível
também pedir-se ao tribunal a declaração de invalidade ou inexistência.
No que concerne à acção, consiste no pedido feito ao tribunal, com o intuito de uma
primeira definição do direito aplicável a um litígio que oponha a Administração a um
particular. Desta forma, a acção contenciosa, para além da principal sobre contratos
administrativos, pode ter como motivo o reconhecimento de um direito ou interesse
legalmente protegido. Ou seja, consiste na propositura de uma acção declarativa pelo
particular para o reconhecimento de um seu direito.
Seguindo Marcello Caetano, o autor158 afirma a este propósito que “A finalidade das
garantias são imediatas e impeditivas, ou seja, são todos os meios criados pela ordem
jurídica com a finalidade imediata de prevenir ou remediar as violações do Direito
Objectivo vigente (garantias de legalidade) ou as ofensas dos direitos subjectivos ou
interesses legítimos dos particulares (garantia dos administrados) ”.
Como ensina Marcelo Rebelo de Sousa159, também citado por JOÃO DAMIÃO, “(…)
‘as garantias dos administrados constituem direitos subjectivos que visam
primordialmente proteger um bem consistente na prevenção ou sanção da violação de
direitos e interesses legalmente protegidos desses administrados, provocados por
comissão ou omissão da Administração Pública’”.
21
órgão público independente, que tem por objecto a defesa dos direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, através de meios informais, junto da Administração Pública.
Aliás, esta posição é reafirmada na CRA de 2010, ao prever uma secção específica com
instituições essenciais à administração da justiça, como órgãos independentes, que têm
por missão a defesa dos direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, acautelando, através dos meios informais, a justiça e a legalidade
da actividade da Administração Pública. Por exemplo, no que concerne ao Provedor de
Justiça e ao exercício da advocacia (Cfr. artigos 192.º a 197.º).
Não obstante, embora consagrada na Lei n.º 23/92, a figura do Provedor de Justiça apenas
foi realmente criada com a publicação da Lei n.º 4/06, de 28 de Abril, que aprova o
Estatuto do Provedor de Justiça, assim como a entrada em vigor da Lei n.º 5/06, de 28 de
Abril, que aprova a Orgânica da Provedoria de Justiça. Porém a respectiva actividade
encontra-se constitucionalmente delimitada, pois é independente dos meios graciosos e
contenciosos estabelecidos pela ordem jurídica angolana.
22
160 PACA, Cremildo, op. cit., pp. 20-23.
Pelo que, quando os argumentos aduzidos pelos particulares forem fortes, podem, em
rigor, fazer com que a Administração mude o sentido da decisão, revendo a decisão ou o
projecto a executar.
Como ensina CREMILDO PACA161, “Se nas garantias petitórias ainda não estamos
diante dum facere, dum acto administrativo, pelo contrário, aqui [nas garantias
impugnatórias] já existe uma acção ou omissão, uma decisão administrativa, perante a
qual o particular reage, pedindo a reapreciação, uma nova valoração factual e/ou jurídica
dessa decisão administrativa”.
Dispõe a este propósito o artigo 100.º, do D.L. n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro, que “aos
particulares assiste o direito de solicitar a revogação ou a modificação dos actos
administrativos”. Destarte, o animus desta norma consubstancia-se na possibilidade da
23
Administração rever a sua decisão, rectificando-a, alterando-a, revogando-a ou
substituindo-a por outra.
i) A reclamação
Nos termos da alínea a), do artigo 9.º da Lei n.º 2/94, a reclamação traduz-se na
apresentação de um pedido de reapreciação do acto administrativo ao autor do mesmo.
Assim, podemos afirmar que reclamar é dirigir um pedido, uma contestação, ao órgão
autor do acto administrativo objecto de reclamação para que o modifique ou revogue. Em
bom rigor, a reclamação pressupõe o pedido de uma nova valoração da decisão, feito ao
próprio autor do acto, com o intuito de o convencer que decisão foi mal tomada ou, se for
caso disso atento os novos factos aduzidos pelo reclamante, a decisão seja alterada pelo
seu autor.
Já o artigo 102.º, n.º 1 da LNPAA, dispõe que: “Têm legitimidade para reclamar ou
recorrer os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se
considerem lesados pelo acto administrativo”.
Por seu turno, o artigo 9.º, alínea a), da Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro (LIAA), determina
que: “A impugnação dos actos administrativos pode ser feita por meio de reclamação,
dirigida ao órgão de que dimana o acto; e o artigo 12.º, alínea a), do mesmo diploma legal,
dispõe que: “O recurso contencioso é obrigatoriamente precedido de reclamação, quanto
aos actos administrativos de membros do governo, governadores provinciais e
administradores municipais;”.
24
Referindo-se à possível inconstitucionalidade do preceito referido no parágrafo anterior,
o autor socorre-se, e bem, da opinião de Carlos Feijó, o qual “(…) chega a duvidar da
constitucionalidade dessa norma, ao obrigar à precedência da reclamação e do recurso
hierárquico, se tivermos em conta o princípio da lesividade eficaz e imediata, cujo
critério,
entende-se hoje, deve ser o da lesão que resulta do conteúdo essencial do princípio da
tutela jurisdicional efectiva [já abordado na nossa dissertação], previsto no artigo 43.º da
Lei Constitucional [de 1992], de modo que se permita a impugnação contenciosa directa
ou imediata”.
Este tipo de recurso encontra-se consagrado no artigo 118.º do D.L. n.º 16-A/95, de 15 de
Dezembro, que no n.º 1 dispõe que: “É considerado impróprio o recurso hierárquico
interposto para um órgão que exerça poder de supervisão sobre outro órgão da mesma
pessoa colectiva, fora do âmbito da hierarquia administrativa”.
Este recurso apelida-se de “impróprio”, uma vez que é interposto para uma entidade que
não tem uma relação de hierarquia com a entidade autora do acto administrativo objecto
do recurso.
25
Não obstante, apesar de não haver essa relação hierárquica, a entidade administrativa deve
receber o recurso interposto e analisá-lo, revogando ou modificando o acto administrativo
objecto do recurso, através do poder de supervisão de que é detentora.
Encontra-se consagrado no artigo 119.º, n.º 1, do D.L. n.º 16-A/95, que determina que:
“O recurso tutelar tem por objecto actos administrativos praticados por órgãos de pessoas
colectivas públicas sujeitas à tutela ou superintendência".
26
Destarte, o contencioso administrativo, alicerçado na aplicação de normas de Direito
Administrativo (substantivas e procedimentais), mais não é do que o conjunto de litígios
entre a Administração Pública e os administrados dirimidos pelos tribunais.
Declaração Universal dos Direitos do Homem [DUDH]164, com a Carta Africana dos
Direitos dos Homens e dos Povos [CADHP]165”, e com o PIDCP, de 16 de Dezembro
de 1966.
Assim sendo, determina o artigo 8.º da DUDH que: “Toda a pessoa tem direito a recurso
efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra actos que violem os direitos
fundamentais reconhecidos pela Constituição e pela Lei”.
Por sua vez, nos termos do artigo 28.º do mesmo texto internacional, “Toda a pessoa tem
direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem jurídica capaz de
tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciadas na Declaração
Universal e na legislação interna dos Países”.
Na mesma linha legislativa, preceitua o artigo 14.º, n.º 1, primeira parte, do PIDCP, que
“Todos são iguais perante os tribunais de justiça, todas as pessoas têm direito a que a sua
causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal competente e imparcial,
estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de qualquer acusação em matéria
penal dirigida contra elas quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de
carácter civil”.
a) O direito de recorrer aos tribunais nacionais competentes de qualquer acto que viole os
direitos fundamentais que lhe são reconhecidos e garantidos pelas convenções, as leis, os
regulamentos e os costumes em vigor.
b) (…);
c) o direito de defesa, incluindo o de ser assistido por um defensor da sua escolha;
d) o direito de ser julgado num prazo razoável por um tribunal imparcial”.
27
Salienta a este propósito JOÃO DAMIÃO166 que a CADHP “(…) estabelece, para além
das leis e regulamentos, que se deve consagrar a garantia de acesso ilimitado aos
tribunais”. Pelo
164 Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na Resolução n.º 217-A (III),
de 10 de Dezembro de 1948.
165 Adoptada pela XVIII Conferência dos Chefes de Estado e do Governo, em Junho de
1981.
166 DAMIÃO, João, op. cit., p. 95.
que, “(…) a salvaguarda dos direitos e interesses legalmente protegidos determina que se
confirme em diversos diplomas legais a garantia de acesso à justiça, o recurso aos
costumes vigentes”. (destacado nosso)
Com efeito, o direito de acesso à justiça é o corolário do Estado de Direito, não sendo
possível falar em Estado de Direito quando aos cidadãos não lhes é permitido o direito de
acesso aos tribunais de modo eficaz e em condições de igualdade, a fim de
salvaguardarem as suas posições jurídicas subjectivas.
A prova disso é que, em Angola, o tribunal não tem competência para de forma coerciva
obrigar a Administração Pública à prática de um comportamento devido, limitando-se a
proceder à anulação do acto administrativo caso seja ilegal, deixando, por isso, para plano
secundário os direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos de que os
particulares são titulares. Ou seja, a razão de ser do recurso à justiça ou jurisdição
administrativa fundamenta-se no acto administrativo ilegal praticado pela Administração,
não estando directamente relacionado com a violação do direito e interesses legítimos dos
cidadãos.
Pelo que, impõe-se uma alteração do quadro legislativo a este respeito, no sentido do
tribunal passar a ter competência para coercivamente obrigar a Administração à prática
de um acto devido.
28
se reconheça aos juízes administrativos o poder de emitirem todo o tipo de pronúncias
correspondentes aos diferentes tipos de pretensões deduzidos e, por outro, se lhes
outorgue o poder de promoverem a execução forçada das respectivas decisões”.
Com efeito, a função jurisdicional administrativa em Angola é levada a cabo pelas Salas
do Cível e Administrativo dos Tribunais Provinciais, na Câmara do Cível e
Administrativo do Tribunal Supremo e no Plenário do Tribunal Supremo, devendo os
tribunais administrativos, o que não acontece em Angola, assegurar a execução das suas
sentenças, nomeadamente aquelas que proferem contra a Administração, ora através de
sentença que produza os efeitos do acto administrativo devido, quando a prática e o
conteúdo deste acto sejam estritamente vinculados, ora diligenciando no sentido de que
efectivamente haja uma concretização material daquilo que foi sentenciado.
Como ensina Marcelo Rebelo de Sousa169, também citado por JOÃO DAMIÃO, “(…)
‘as garantias dos administrados constituem direitos subjectivos que visam
primordialmente proteger um bem consistente na prevenção ou sanção da violação de
direitos e interesses legalmente protegidos desses administrados, provocados por
comissão ou omissão da Administração Pública’”.
Destarte, aliás como anteriormente já abordado, a Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro, que
aprova a CRA, consagrava no artigo 142.º, a figura do Provedor de Justiça como um órgão
público independente, que tem por missão a defesa dos direitos, liberdades e garantias
dos cidadãos, através de meios informais, junto da Administração Pública.
29
Em suma, as garantias procedimentais estão directamente relacionadas com a
possibilidade dos particulares poderem defender os seus direitos e interesses
legitimamente protegidos perante a Administração Pública, i.e. perante as entidades e os
órgãos que têm e exercem o poder administrativo.
2.2. O poder judicial como garantia dos direitos e interesses dos particulares
Propugna JOSÉ ALEXANDRINO170, entendimento por nós seguido, que "O papel dos
tribunais na protecção dos direitos fundamentais está desde logo associado às origens dos
direitos fundamentais e à origem do Estado constitucional: por um lado, há muito se
desenvolveu a ideia de que o primeiro direito fundamental tenha sido histórica e
Entende, deste modo, o autor que “É assim visível que esse primeiro direito fundamental
(Ur- Grundrecht) surge com o simultâneo reconhecimento da separação de poderes e da
independência do poder judicial e que se vislumbra, logo nesse instante fundador de finais
do século XVII na Inglaterra, que, [citando novamente Nuno Piçarra], ‘os direitos
fundamentais só têm real eficácia se houver um órgão do Estado capaz de os sobrepor aos
actos lesivos de outros órgãos’”. (destacado nosso)
Destarte, e continuando o autor a citar Nuno Piçarra “(…) esse papel dos tribunais viria a
alcançar um patamar mais elevado a partir do momento em que, em certos ordenamentos,
os juízes passaram a poder declarar nulas as leis que contrariassem a Constituição, donde
decorreram duas extraordinárias consequências: a primeira foi a de que o poder
legislativo, o poder executivo e o poder judicial passaram a estar em pé de igualdade; a
segunda foi a de que o poder judicial não podia continuar a ser concebido, como pretendia
Montesquieu, como um poder nulo”. “O terceiro momento na caminhada da relação entre
os direitos fundamentais e o poder judicial dá-se com a criação dos Tribunais
Constitucionais e com a progressiva transformação destes em ‘tribunais dos direitos
fundamentais’”, de acordo com a opinião de Catarina Santos Botelho, citada pelo autor.
30
efectivamente o garante dos direitos e interesses dos particulares, como corolário do, já
analisado, princípio da tutela jurisdicional efectiva, trave mestra de qualquer Estado de
Direito Democrático, embora com as vicissitudes já demonstradas.
Com efeito, há lugar à suspensão das decisões judiciais quando a pronta execução de uma
sentença judicial (proferida em sede de contencioso administrativo) transitada em
julgado, for susceptível de causar prejuízo grave para o Estado. Podendo, nos termos do
disposto no artigo 2.º da LSEAA, o órgão da Administração ou a pessoa colectiva de
Direito Público a quem compete executá-la, requerer ao tribunal a suspensão da sua
execução por um período máximo de seis meses.
A este respeito importa dizer que a sentença tem efeitos processuais e substantivos. No
que concerne aos efeitos processuais da sentença anulatória, há que ter em consideração
o caso julgado formal e o caso julgado material, consagrados nos artigos 671.º e 672.º do
CPC, referindo-se essencialmente ao caso julgado, como tal insusceptível de recurso
ordinário.
Por seu turno, no que diz respeito aos efeitos substantivos, os mesmos variam em função
do tipo de sentença, i.e., consoante a sentença der, ou não, provimento ao recurso. Na
primeira situação, o tribunal aceita o pedido ou concede provimento ao recurso,
produzindo efeitos declarativos, nos casos em que a sentença declara a nulidade ou
inexistência do acto, ou
efeitos confirmativos, nos casos em que o tribunal, por via da sentença que profere, rejeita
o pedido, nega provimento ao recurso, confirmando, deste modo, a validade do acto
administrativo objecto de recurso judicial.
Deste modo, como é óbvio, a sentença que conceda provimento ao recurso tem um efeito
executório, facto este que se traduz na obrigação ou o dever da entidade recorrida arcar
com os efeitos jurídicos da anulação ou declaração de nulidade ou inexistência do acto,
surgindo o dever de executar a sentença.
31
Porém, no entendimento de CREMILDO PACA171, que corroboramos, “O chamado
dever de executar que impende sobre a Administração Pública para o cumprimento da
sentença, seja ela declarativa ou de anulação, é de difícil exequibilidade, aliás bastante
complexa e está conexionada com a maturidade jurídica do próprio Estado, por razões
que se prendem, desde logo, com o facto de ser a própria Administração a executar uma
decisão contra a qual está em desacordo;”, com efeito, “(…) o contencioso administrativo
angolano é, essencialmente, virado para o contencioso de anulação, um contencioso que,
somente, tem em vista a anulação dos actos. O tribunal limita-se a anular o acto e nada
mais”. (destacado nosso)
Com efeito, após a decisão judicial, a entidade demandada pode, no prazo de 15 dias a
contar da notificação, suspender a execução da decisão judicial ou promover a sua
inexecução, de acordo com o estipulado no artigo 108.º do RPCA, devendo o tribunal
avaliar e decidir sobre a verificação dos pressupostos invocados. Em caso de inexecução,
se o tribunal considerar os pressupostos invocados precedentes, o particular tem o direito
a ser indemnizado pelos prejuízos que a inexecução lhe causar, de acordo com o definido
no artigo 4.º da LSEAA.
No que concerne às causas de inexecução ilícita das sentenças por parte da Administração,
nos termos em que a Administração Pública se recusa a executar uma sentença sem
nenhuma causa de justificação de inexecução, o ordenamento jurídico angolano prevê a
eventual responsabilidade disciplinar, civil e criminal dos titulares com deveres de
executar.
Destarte, o artigo 7.º da Lei n.º 21/90, de 22 de Dezembro, que tem por objecto os crimes
cometidos por titulares dos cargos de responsabilidade, determina que “o titular de cargo
de
responsabilidade que, no exercício das suas funções, não acatar ou se opuser à execução
de decisão do tribunal transitada em julgado, que por dever de cargo lhe caiba, será punido
com prisão e multa correspondente”. Constituindo, como é bom de ver, uma forte garantia
contra a contra a inexecução ilícita da sentença condenatória.
32
Como ensina ANTÓNIO HOMEM172, “A compreensão do estatuto dos juizes não pode
ser dissociada da nova teoria legal. O Code Civil de 1804 (art. 4.º) determina que o juiz
que se recuse a julgar com o fundamento no silêncio, obscuridade ou insuficiência da lei
será punido como culpado de denegação de justiça”.
172 In HOMEM, António Pedro Barbas, PINTO, Eduardo Vera-Cruz, SILVA, Paula
Costa e, VIDEIRA, Susana e FREITAS, Pedro – O perfil do juiz na tradição ocidental.
1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 64.
173 In HOMEM, António Pedro Barbas, PINTO, Eduardo Vera-Cruz, SILVA, Paula
Costa e, VIDEIRA, Susana e FREITAS, Pedro, op. cit., p. 65.
174 In HOMEM, António Pedro Barbas, PINTO, Eduardo Vera-Cruz, SILVA, Paula
Costa e, VIDEIRA, Susana e FREITAS, Pedro, op. cit., p. 272.
Preconiza CREMILDO PACA175, posição por nós acolhida, que “Existem vários
critérios para classificar estes princípios”, seguindo a classificação preconizada por Vieira
de Andrade, “(...) que adopta os seguintes critérios: quanto à promoção ou iniciativa
processual; quanto ao âmbito do processo; quanto à prossecução processual; quanto à
prova ou instrução e quanto à forma processual”. (destacado nosso)
33
Deste modo, quanto aos princípios relativos à promoção processual, a iniciativa
processual compete aos particulares interessados nos actos administrativos a impugnar,
desencadeando o processo (princípio do dispositivo, artigo 2.º RPCA), i.e., este direito
que os particulares têm de dar o impulso processual, traduz o princípio da iniciativa ou
promoção particular.
Com efeito, o artigo 3.º do RPCA determina que, em regra, têm legitimidade para
demandar no contencioso administrativo as partes interessadas, não obstante, nem sempre
assim é, uma vez que em algumas situações a iniciativa pode ser de terceiros co-
interessados (cfr. alínea c) desta norma).
O princípio da limitação do juiz pela causa de pedir, de acordo com o qual, como refere
o autor, “Ao decidir (...) o tribunal pode unicamente basear a sua decisão em factos
invocados no processo”, ou seja “(...) só as razões de facto e de direito alegadas pelas
partes podem constituir fundamento da decisão que há-de ser tomada”. Porém, existem
excepções, já que “Se forem apresentados fundamentos de anulabilidade, o juiz pode,
igualmente, conhecer da nulidade, pelas mesmas razões de interesse público, por poderem
ser invocados a todo o tempo e o seu conhecimento pode ser oficioso”, aliás “Só no
Processo Civil vigora até ao extremo o princípio do dispositivo”.
34
exemplo quando “(...) no requerimento inicial, o demandante não alega um determinado
facto, em virtude de não o conhecer ou, então, pela circunstância de o mesmo não se ter
ainda verificado (facto superveniente). Admitindo que, no decurso do processo, o
demandante vem a tomar conhecimento desse facto, é de admitir que o possa ainda
invocar”.
Ora os juízes, no exercício da sua actividade, deverão observar estes princípios, como
forma de alicerce de uma decisão justa e equitativa.
O princípio da tipicidade da tramitação processual, sobre o qual o autor afirma que “(...)
impõe que os trâmites e a sequência dos actos processuais devam ser fixados por lei”, i.
e., “(...) os trâmites e a respectiva sequência devem ser determinados por lei”.
35
O princípio da limitação dos meios de prova, que configura, no entendimento do autor,
que acompanhamos, “(...) outra excepção ou desvio ao princípio do inquisitório ou da
investigação. Aqui, o juiz também está limitado quanto aos meios de prova aceitáveis”.
Com efeito, “Não se admitem todas e quaisquer provas, pelo que as provas que ofendam
os direitos fundamentais ou contrariem preceitos constitucionais não são permitidas, tais
como as escutas telefónicas não autorizadas”.
No que concerne a estes três princípios, estão directamente relacionados com a marcha
do processo, com as diligências tendentes ao apuramento da verdade material.
Por fim, no que concerne aos princípios relativos às formas processuais, CREMILDO
PACA defende180, e bem, estamos perante “(...) princípios relativos à forma e à
publicidade das decisões. Quanto ao primeiro, no contencioso administrativo não tem
importância nenhuma o princípio da oralidade, porque o processo contencioso
administrativo assume
sempre a forma escrita (artigo 105.º [do RPCA])”, não seguindo “(...) a regra da audiência,
discussão e julgamento, nem o princípio da imediação”. Por outro lado, “Quanto ao
segundo (...) as decisões dos tribunais devem ser notificadas às partes e dadas a conhecer
publicamente”. Pelo que, “Em qualquer processo, as partes devem ser notificadas dos
actos judiciais que as afectam directamente ou que lhes são destinados. Os actos judiciais
que põem fim ao processo devem ser publicados (artigo 58.º [do RPCA])”.
36
Não obstante, em Angola, apesar da existência de uma Lei sobre a Assistência Judiciária
(D.L. n.º 15/95, de 10 de Novembro), o patrocínio judiciário junto dos mais necessitados
não é uma realidade efectiva, pelo que defendemos que o apoio judiciário, quer na figura
da nomeação de patrono, quer na figura da isenção total ou parcial de custas judicias, é
um campo que carece de evolução no sentido de se tornar realmente efectivo,
proporcionando, desta forma, o recurso aos tribunais a qualquer cidadão,
independentemente da sua condição sócio-económica.
Com efeito, a evolução do patrocínio judiciário que aqui defendemos deverá passar não
só por alterações legislativas, como também pelo investimento estatal em meios humanos
e logísticos que tornem real este desiderato, factor deveras importante num Estado de
Direito Democrático.
Capítulo V - Conclusões
II. Apesar da evolução legislativa que a justiça administrativa angolana tem sido
alvo, é nosso entendimento que o actual modelo de contencioso administrativo angolano
carece de uma reforma, com um intuito de concretizar os preceitos constitucionais sobre
este domínio.
III. Para percebermos muitos dos problemas que vive actualmente o contencioso
administrativo angolano, é necessário olharmos para os acontecimentos históricos que
rodeiam o surgimento e desenvolvimento do Direito Administrativo.
V. Porém, desde a CRA de 1976 até às revisões produzidas pela Lei n.º 1/86, de 1 de
Fevereiro, e pela Lei n.º 2/87, de 31 de Janeiro, o contencioso administrativo em Angola
era uma realidade inexistente.
administrativo por natureza, um contencioso que trata dos actos administrativos, cujas
regras resultam do RPCA.
37
VII. O modelo do contencioso administrativo angolano deveria de ser o subjectivista,
em sede do qual o interesse dos particulares tem um papel relevante, ou seja tem implícita
a ideia de uma protecção judicial efectiva, apresentando como seu baluarte a defesa dos
interesses dos cidadãos em detrimento da defesa da Administração Pública, i.e., tem como
função a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
XI. A CRA de 2010 reveste-se de grande significado, pelo menos em tese, para a
ordem jurídica angolana sedimentando a garantia atribuída aos cidadãos, ao assegurar-
lhes o acesso ao Direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos (artigo 29.º), e ao estabelecer a proibição da justiça ser denegada
por insuficiência de meios económicos.
XII. O direito de impugnar e recorrer aos tribunais contra os actos que violem os
direitos e legítimos interesses dos particulares (artigo 29.º da CRA), visa garantir aos
mesmos o acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, porém, o legislador ordinário
não estabeleceu na justiça administrativa angolana o mesmo direito, i.e., a previsão
constitucional deste direito devia ter sido introduzida na jurisdição administrativa.
XIV. O RPCA determina que têm direito a accionar a iniciativa processual para o
recurso contencioso de impugnação do acto administrativo o particular ou o representante
do MP que tenha intervindo no procedimento administrativo de reclamação ou recurso
hierárquico que o antecede.
38
contenciosa, pois a tutela jurisdicional efectiva já prevista na CRA de 1992 e devidamente
reforçada na CRA de 2010, não se encontra concretizada, ao contrário do que acontece
no contencioso administrativo português, pelo legislador ordinário.
ser impossível a execução; existir grave prejuízo para o interesse público; existirem
circunstâncias de ordem, segurança e tranquilidade públicas que obstem à execução.
XXI. O direito ao patrocínio judiciário deve ser encarado como um direito fundamental
do cidadão, não lhe podendo ser negado, apenas porque não possui os meios económicos
exigidos para propor ou contestar uma acção perante um tribunal.
39
Bibliografia/Webgrafia
40