dEWEY E ANISIO TEIXEIRA
dEWEY E ANISIO TEIXEIRA
dEWEY E ANISIO TEIXEIRA
Kurlan Frey 1
RESUMO
Estudar John Dewey revela-se fundamental para compreender as bases da luta por uma escola
pública de qualidade para todos os brasileiros, luta fortemente empreendida por Anísio
Spínola Teixeira após período de estudos junto a Dewey nos Estados Unidos. Elementos
basilares e que perpassam pelo pensamento deweyano como a experiência, a ciência e a
democracia ajudam a compreender o caminho da educação pública brasileira, especialmente a
escola em tempo integral. Os avanços da educação brasileira a partir de 1930 se devem, em
grande parte, a vinda dos escritos provocativos de Dewey. O artigo tem por objetivo fazer um
percorrido desde os fundamentos de Dewey, passando especialmente pela Escola Nova com
contribuições de Anísio Teixeira até chegar as primeiras experiências de escola pública em
tempo integral no Brasil.
ABSTRACT
Studying John Dewey proves to be fundamental to understanding the basis of the struggle for
a quality public school for all Brazilians, a fight strongly undertaken by Anísio Spínola
Teixeira after a period of study with Dewey in the United States. Basic elements that
permeate the thinking of Dewey as experience, science and democracy help understand the
path of Brazilian public education, especially full-time school. The advances of Brazilian
education since 1930 are due, in large part, to the coming of Dewey's provocative writings.
The article aims to make a journey from the foundations of Dewey, passing especially by the
New School with contributions of Anísio Teixeira until arriving the first experiences of public
school full time in Brazil.
INTRODUÇÃO
O tema que se pretende trazer ao longo do artigo tem uma relevância muito grande
quando no campo educacional brasileiro uma vez que durante muito tempo na história do
país, a educação pública ficou às margens de políticas que garantissem uma qualidade
mínima, uma atenção as estruturas, aos professores, aos alunos.
1
Professor do Curso de Pedagogia da FAI Faculdades, mestrando em Educação na Universidade Comunitária da
Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ e bolsista CAPES. E-mail: kurlanfrey@yahoo.com.br
O objetivo é realizar um percorrido pelos escritos de Anísio Teixeira, identificando a
sua forte influência para com a educação pública brasileira, bem como identificar a base que
traz do seu mestre, professor, o filósofo pragmatista, norte americano, John Dewey. Com este
percorrido acredita-se que se chegará a um dos movimentos mais fortes na educação
brasileira, ou seja, a Escola Nova, que teve forte influência dos ideais dos dois pesquisadores
citados.
A presente escrita, pesquisa tem uma relevância muito grande justamente por
acompanhar a trajetória de vida, mas muito mais, a pesquisa e as contribuições, o legado
deixado por Anísio Teixeira para a educação pública e a escola de tempo integral pública
brasileira. Sua forma de pensar, sua luta pela educação de qualidade para todos os brasileiros
tem deixado marcas e contribuições que se repercutem até os dias atuais. As pesquisas de
Anísio Teixeira embasadas na filosofia de John Dewey interessa a acadêmicos, especialmente
os dos cursos de Pedagogia, aos professores que seguem sua luta pela qualidade na educação
pública e a comunidade em geral também por que, afinal, somos todos frutos, em grande
parte, do que a escola nos permitiu ser.
2
John Dewey (1859-1952), filósofo, psicólogo e pedagogo liberal norte-mericano, exerceu grande influência
sobre toda a pedagogia contemporânea. Ele foi o defensor da Escola Ativa, que propunha a aprendizagem
através da atividade pessoal do aluno. Sua filosofia da educação foi determinante para que a Escola Nova se
propagasse por quase todo o mundo (GADOTTI, 1999, p. 148).
começar a compreender a proposta de Dewey para a educação, ou seja, a educação que não é
para a vida, mas é sim a própria vida, o próprio desenvolvimento.
Para Dewey,
Ora, se a vida não é mais que um tecido de experiências de toda a sorte, se não
podemos viver sem estar constantemente sofrendo e fazendo experiências, é que a
vida é toda ela uma longa aprendizagem. Vida, experiência, aprendizagem – não se
podem separar. Simultaneamente vivemos, experimentamos e aprendemos
(DEWEY, 1973, p. 16).
[...] Trata-se de uma transformação, diz ele, que se compara com a de Copérnico em
nosso sistema planetário. O eixo da escola se desloca para a criança. Não é mais o
adulto, com os seus interesses, a sua ciência, a sua sociedade, que governa a escola,
mas a criança, com as suas tendências, os seus impulsos, as suas atividades e os seus
projetos (TEIXEIRA, 2000, p. 56).
Desta forma compreende-se que John Dewey sinaliza a necessidade de uma revisão
crítica do passado, das tendências pedagógicas vigentes, uma vez que seus sistemas refletiam
uma visão pré-científica do mundo natural, pré-tecnológica da situação da indústria e pré-
democrática da situação política. Os ideias de Dewey tem grande relevância no sentido de
atualizar e chamar a atenção para o fato da educação estática, autoritária não conseguir mais
responder aos desafios de um novo mundo, de uma nova realidade. Todo o significado do
trabalho pedagógico, da relação professor e aluno precisa estar voltada para a experiência que
leve ao desenvolvimento da criança.
A escola, na concepção de Dewey, não está mais conseguindo acompanhar os avanços
e os contextos em constante mudança.
Não poderia, portanto, a escola permanecer ou preparar para um mundo que não
existia mais. Os avanços tecnológicos, da ciência, os novos mercados, as novas relações
desafiaram e continuam desafiando a escola. “Por tudo isso, a escola teve que deixar de ser a
instituição isolada, tranquila, do outro mundo, que era, para se impregnar do ritmo ambiente e
assumir a consciência de suas funções. Se depressa marcha a vida, mais depressa há de
marchar a escola” (TEIXEIRA, 2000, p. 111).
Isabel Alarcão nos ajuda a refletir neste mesmo sentido quando afirma que “a escola
também precisa mudar para acompanhar a evolução dos tempos e cumprir a sua missão na
atualidade” (ALARCÃO, 2001, p. 10). Passamos grande parte do tempo na escola, para que
ela se constitua num espaço de aprendizagem e desenvolvimento é imprescindível que
acompanhe os grandes desafios do contexto, da realidade.
Assim como Dewey, percebe-se Alarcão defendendo a escola como um espaço
dinâmico, de experiências. “A escola tem a função de preparar cidadãos, mas não pode ser
pensada apenas como tempo de preparação para a vida. Ela é a própria vida, um local de
vivência da cidadania” (ALARCÃO, 2001, p. 18).
Evidencia-se cada vez mais que Dewey pensa uma educação que auxilia no
desenvolvimento da criança possibilitando, facilitando a sua vida na escola, na sociedade que
para o autor não se diferenciam em nada.
Percebe-se que Dewey e sua forma de pensar a educação causou grande impacto no
cenário norte americano, mas também em todo o mundo. Sua obra foi trazida ao Brasil
através do educador Anísio Spindola Teixeira. Teixeira, filho de um típico coronel do
nordeste realizou seus estudos em colégios jesuítas formando-se advogado. Em uma de suas
viagens teve contato com Dewey nos Estados Unidos. “A primeira viagem à América durou
sete meses e foi realizada em 1927. Nela Anísio Teixeira iniciou-se no pensamento de John
Dewey” [...] (TEIXEIRA, p. 18). A segunda viagem, mais prolongada foi realizada “em
meados de 1928 e 1929, quando teve oportunidade de estudar (NUNES, 2010, p. 18).
Escolher Dewey, de quem seria o primeiro tradutor no Brasil, era optar por uma
alternativa que substitui os velhos valores inspirados na religião católica e abraçados
com sofreguidão. Era apostar na possibilidade de integrar o que, nele, estava
cindido: o corpo e a mente, o sentimento e o pensamento, o sagrado e o secular.
Percebe-se que a Escola Nova efetivamente vêm com o propósito de sacudir as bases
da educação vigente que estava centrada no professor, favorecendo a dimensão intelectual,
estática e sem compromisso social. A educação ajudava, até então, a manter a sociedade da
forma como estava organizada, ou seja, elites concentrando as riquezas intelectuais, culturais
e econômicas.
É importante considerar que a Escola Nova não foi pensada ou liderada, no Brasil,
unicamente por Anísio Teixeira, e sim por um grupo de educadores brasileiros, especialmente
Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, que lideraram, também o marco da
Escola Nova no Brasil, o Manifesto dos Pioneiros3.
A atuação de Anísio começa num contexto desafiador. A situação das escolas, da
educação como um todo é precária quando Anísio assume o cargo de Inspetor Geral do
Ensino o que o comprometia a dirigir a instrução pública da cidade de Salvador.
[...] O governo não oferecia mobiliário escolar, nem o professor a adquiria. Cabia ao
aluno fornecer cadeiras e mesas improvisadas com barricas, caixotes, pequenos
bancos de tábua, tripeças estreitas e mal equilibradas, cadeiras encouradas ou tecidos
de junco. Anísio chegou a presenciar que era comum os estudantes escreverem no
chão, estirados de bruços sobre papeis de jornal ou, então, fazerem seus exercícios
de joelhos, ao redor de bancos ou à volta das cadeiras (NUNES, 2010, p. 17).
3
O “Manifesto” apresenta-se, pois, como um instrumento político, como é próprio, aliás, desse “gênero
literário”. Expressa a posição de um grupo de educadores que se aglutinou na década de 1920 e que vislumbrou
na Revolução de 1930 a oportunidade de vir a exercer o controle da educação no país (SAVIANI, 2013, p. 254).
Anísio passa a ser precursor para avanços e mudanças na educação brasileira. Não se
conforma com a situação, muito pelo contrário, inicia uma longa luta pela melhoria da
educação no país. Não se conforma com a condição e começa a empreender uma longa
jornada em defesa por políticas públicas que colocam em evidência a necessidade de uma
educação de qualidade para todos os brasileiros.
[...] A reforma por ele conduzida empurrou a escola para fora de si mesma,
ampliando sua área de influência na cidade. Atravessou o espelho da cultura
europeia e norte-americana, articulando o saber popular ao acadêmico. Retirou o
problema da educação da tutela da Igreja e do governo federal [...] (NUNES, 2010,
p. 25).
[...] uma escola pública com um Ensino Básico de qualidade para todos, onde a
pesquisa é assumida como componente do ensino, e em que os espaços e os tempos
da educação sejam significativos para cada sujeito dentro dela. Uma escola bonita,
moderna integral em que o trabalho pedagógico apaixona e compromete professores
e alunos. Uma escola que construa um solidário destino humano, histórico e social
[...] (NUNES, 2010, p. 31).
[...] No Brasil, a classe dominante sempre teve escola de tempo integral. Os colégios
jesuíticos do período colonial eram de tempo integral; os colégios e liceus onde
estudava a elite imperial eram também de tempo integral e, na maioria das vezes,
internatos; o mesmo pode-se dizer dos grandes colégios da República, dirigidos por
ordens religiosas ou por empresários laicos. [...] (GIOLO, 2012, p. 94).
Mesmo que não tenhamos a origem das escolas de tempo integral no movimento
escolanovista, temos certamente a tentativa de avançar com essa escola, de tempo integral,
como direito de todos os cidadãos, ou seja, escola em tempo integral pública. A escola de
qualidade que era para poucos começa a ser pensada para todos. A experiência que se destaca
é o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, na Bahia. Assim outras experiência
foram surgindo, Ginásios Vocacionais em São Paulo, os Centros Integrados de Educação
Pública CIEPs, os Centros de Atenção integral à Criança e ao Adolescente - CIACs e os
Centros de Atenção Integral à Criança e aos Adolescentes – CAICs (ESQUINSANI,
Não objetiva-se adentrar em cada um destes por não ser o maior objetivo do presente
texto. Com estas iniciativas quer-se evidenciar que o movimento escolanovista teve grande
influência na oferta de educação pública em tempo integral com grande contribuição dos
escritos de John Dewey trazidos e atualizados, no Brasil, por Anísio Teixeira.
Durante o texto busca-se evidenciar a influência e a força do pensamento de John
Dewey, especialmente através das lutas empreendidas por Anísio Teixeira. Fundamentos
teóricos e características desta influência foram, especialmente, o conceito de experiência que
traz a criança para o centro das atenções no processo pedagógico, educativo e a democracia
entendida como uma aprendizagem na relação com as demais crianças facilitada pelo modelo
de escola em tempo integral.
Na democracia ainda quando nas lutas de Anísio se percebe uma busca incessante por
uma educação pública de qualidade para todos os brasileiros. Para as elites já havia escolas,
inclusive em tempo integral, mas para os demais brasileiros havia poucas escolas e em
péssimas condições o que levou Teixeira a uma luta pela causa da educação.
O propósito do presente texto é de iniciar as inserções nos escritos de Dewey e de
Teixeira na busca por fundamentos que ajudem a compreender o cenário educacional e, por
que não, ajudar a avançar atualizando a escola, a educação nas respostas aos desafios atuais.
Durante o texto vimos que o mundo está em constante evolução e por isso a escola não pode
parar, muito pelo contrário, precisa trazer elementos que ajudem a compreendê-la e intervir no
mesmo de forma precisa e atual.
Que as experiências vividas na escola tenham sempre grande relação com a vida.
Assim o aluno se motiva para envolver-se cada vez mais com a escola e com a vida
compreendendo que uma não pode ser sem a outra.
CONSIDERAÇÕES
Durante muitos anos na história da educação brasileira a educação foi pensada para as
elites, mais tarde, com a necessidade de escolarização por conta do desenvolvimento
industrial brasileiro as escolas passaram a ter mais importância para as classes trabalhadoras
do país. A escola que agora passava a fazer parte da vida da maioria dos brasileiros se
diferenciava e oferecia uma educação propedêutica, de qualidade para as elites e uma
educação basilar para as classes trabalhadoras.
Anísio Teixeira tem uma importância muito grande no tocante as políticas públicas
educacionais brasileiras porque passa a empreender uma luta para a qualidade da educação
pública para todos. Uma educação que passava a protagonizar o educando, que atualizava os
avanços científicos, tecnológicos, uma educação voltada à valorizar a democracia, as
experiências. Grande parte das lutas de Teixeira se justificam pela sua filosofia baseada nos
estudos junto ao filósofo norte-americano John Dewey.
Se temos, na atualidade, uma preocupação com a qualidade da educação pública
brasileira, grande parte se deve às provocações, escritos, lutas do educador Anísio Teixeira,
que durante sua vida se dedicou às políticas públicas na defesa de uma educação de qualidade
para todos os brasileiros.
REFERÊNCIAS
DEWEY, John. Vida e Educação. 8.ed. Tradução ANÍSIO S. TEIXEIRA. São Paulo: Edições
Melhoramentos, 1973.
GADOTTI, Macir. Histórias das Ideias Pedagógicas. 8. Ed. Sã Paulo: Ática, 1999.
NUNES, Clarice. Anísio Teixeira. Recife: Massangana – Fundação Joaquim Nabuco, 2010.
(Coleção Educadores).
SAVIANI, Dermeval. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. 4.ed. Campinas: Autores
Associados, 2013.