Acesso Justica Via Souza
Acesso Justica Via Souza
Acesso Justica Via Souza
RESUMO
O sistema de justiça brasileiro passa por uma grave crise no que se refere à efetivação
de direitos em tempo hábil. No fim do ano de 2017, cerca de 80, 1 milhões de proces-
sos ainda aguardavam alguma solução jurídica, representando um aumento de 244
mil processos em relação ao ano anterior. Por outro lado, a enorme quantidade de
processos não necessariamente implica alargamento do acesso à justiça, visto que
grande parte das demandas gravitam em torno de litigantes já acostumados ao cená-
rio judicial. Surge, assim, a classificação tipológica das partes em litigantes habituais e
litigantes ocasionais. Aqueles utilizam o sistema de justiça de forma frequente, obten-
do certas vantagens em relação a estes, de modo que para o litigante habitual a judi-
cialização excessiva de determinadas questões pode inclusive ser bem-vinda, o que
contribui para o agravamento da crise do judiciário. Nesse sentido, percebe-se que os
repeat players podem utilizar o judiciário de forma predatória, visando a postergar ou
dificultar o acesso a direitos por partes dos litigantes ocasionais. A questão-problema
desse artigo diz respeito ao agravamento da crise do judiciário ante sua utilização
de forma predatória por litigantes habituais. Nesse cenário, apresenta-se a litigância
estratégica como mecanismo de enfrentamento da litigância predatória. Decerto,
concluiu-se que se trata de ferramenta indispensável à concretização da eficiência do
sistema de justiça e resolução de problemas complexos e persistentes.
PALAVRAS-CHAVE
Litigante habitual. Litigante Ocasional. Crise da Justiça. Litigância Estratégica.
1 INTRODUÇÃO
2 DESENVOLVIMENTO
É com tal premissa que Hassan Ribeiro teoriza que, se por um lado o
déficit do legislativo pode ser considerado uma causa de judicializa-
ção, o déficit do judiciário leva ao fenômeno da desjudicialização. Esta
resulta, segundo o autor, da insuficiência do Estado-juiz no mundo
contemporâneo, dado que a sociedade exige outras possibilidades de
soluções, mais eficazes. Essas alternativas apresentam outros olhares
sobre os conflitos, diversos do tradicional que, mediante a coação,
por um ato externo, por um ato estatal, impõe a solução (RIBEIRO;
2013:31).
Por outro lado, não se pode afirmar peremptoriamente que tal aumen-
to seja fruto do alargamento do acesso à jurisdição. Os dados revelam
que a maioria dos processos que tramitam no país giram em torno de
poucos atores, como os integrantes do Sistema Financeiro, do setor
de telefonia e a própria Administração.
1 A pesquisa realizada pela AMB também aponta para a necessidade de se estudar a litigiosida-
de de base. Segundo Sérgio Junkes, seria necessário “olhar para a raiz do litígio no Brasil” para
que se possa desafogar o judiciário (AMB; 2015:92).
Talvez seja por esses fatores que determinados entes têm começado a
desincentivar a frívola judicialização de certos interesses públicos. Em
Minas Gerais, por exemplo, o Projeto de Lei Estadual 5.302/18, propos-
to pelo Governador Fernando Pimentel, autoriza a Advocacia Geral do
Estado (AGE), nos termos de regulamento, a não ajuizar ação ordinária
de cobrança de crédito do Estado e de suas autarquias e fundações,
não passível de inscrição em dívida ativa, cujo valor seja inferior a 3 mil
Ufemgs (cerca de R$ 9.750,00 reais).
Com tal pensamento, Fernando Jayme aduz que, em 2004, 49,5% das
ações versando sobre responsabilidade civil no Juizado Especial Cí-
vel foram propostas contra apenas 16 companhias. Segundo ele, tais
empresas foram condenadas a pagar cerca de R$ 2,3 bilhões de reais,
mas mesmo assim insistem na prática de ilícitos. Isso, para o autor, evi-
dencia a ineficácia do processo enquanto instrumento apto a prevenir
a reiteração de condutas ilícitas (JAYME; 2008:139).
Por esses motivos, repeat players pouco têm a ganhar com o incen-
tivo de métodos consensuais de resolução de controvérsias, pois o
processo judicial pode lhes garantir certas vantagens, mesmo que os
resultados em certas demandas lhes sejam “negativos”. Isso porque
há diferenças entre os resultados almejados pelos diferentes tipos de
litigantes.
Por outro lado, para o litigante habitual, mesmo que seja condenado
- o que efetivamente tem acontecido no Brasil, conforme informa-
ções supracitadas – o acolhimento de apenas um argumento, de uma
tese que possa influenciar nas decisões futuras já lhe pode ser tomado
como resultado favorável.
Com razão, Barbosa Moreira já nos alertava para o fato de que uma das
causas da morosidade dos processos judiciais diz respeito a ser con-
veniente a uma das partes estender a marcha processual da maneira
mais demorada quanto possível.
‘Nesse sentido, pode-se dizer que tais atores têm dominado o sistema
judicial brasileiro, utilizando dos institutos processuais como meios de
atenuarem suas possibilidades de perdas, de modo que grande par-
te do tempo de juízes e servidores é dispendida para atender a um
2 Com razão, expõe Ada Pelegrini que “Resulta daí que o método contencioso de solução das contro-
vérsias não é o mais apropriado para certos tipos de conflito, em que se faz necessário atentar para os
problemas de relacionamento que estão à base da litigiosidade, mais do que aos meros sintomas que
revelam a existência desses problemas” (GRINOVER; 2008:25)
Por outro lado, é interessante salientar que muitas medidas já foram to-
madas com a pretensão de adequar a prestação jurisdicional a tempos
de litigiosidade massificada. Institutos como mediação, conciliação e
arbitragem são as apostas mais discutidas no campo do processo civil
moderno. Em apertada síntese, trata-se das chamadas ADR’s ou méto-
dos consensuais de resolução de conflitos, apontados por Humberto
Theodoro Júnior como ferramentas capazes de gerar a diminuição da
litigiosidade e, por consequência, minorar a crise do judiciário.
Não obstante, tal não será possível senão por meio de grandes trans-
formações na forma como se estuda, ensina e se exerce o Direito.
Como qualquer ciência, o Direito não encontrará soluções para pro-
blemas do nosso tempo – como a crise do judiciário e a litigiosidade
repetitiva – caso continue sendo interpretado e exercido da mesma
A litigância estratégica tem grande potencial para ser esse novo modo
de compreensão do litígio, visto que se trata de método consistente
em estratégias de seleção, organização, estruturação e discussão de
questões sociais a partir das quais é possível conquistar mudanças de
grande impacto, tais como alterações nos padrões decisórios, na le-
gislação, nas políticas públicas e até mesmo na própria estrutura de
governo ou Estado (MONTOYA; 2008: 149). Tudo com o objetivo de se
concretizar direitos em larga escala.
3 Em crítica ao projeto de lei que deu origem ao Novo CPC, Fernando Gonzaga Jayme aduz que a nova
legislação processual não seria eficaz no combate à morosidade justamente por não priorizar mecanis-
mos de efetivação dos direitos (JAYME; 2012: 149).
4 Nesse sentido, sobre Accountability no âmbito do poder judiciário são elucidativas as teorizações do
Prof. MENDES, Conrado Hübner. Desempenho deliberativo de cortes constitucionais e o STF. In: MACE-
DO JR., Ronaldo Porto; BARBIERI, Catarina Helena Cortada (Orgs.). Direito e interpretação: racionali-
dade e instituições. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 337-361.
5 Nesse sentido, Cf: MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, separação de poderes e delibera-
ção. 2008. 219 f. Tese: Doutorado em Ciência Política. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, 2008.
É por isso que se entende que a litigância estratégica deve ser utilizada
no enfrentamento da litigância habitual, principalmente quando alguns
atores utilizam o sistema de justiça para postergar o acesso a direitos.
4.CONCLUSÃO
O sistema judicial brasileiro passa por uma grave crise no que se refere
ao seu objetivo de propiciar o acesso à ordem jurídica justa e efetiva.
Traço marcante de tal crise é a morosidade dos processos judiciais, os
quais aguardam anos para serem solucionados definitivamente. Algu-
mas das causas da chamada crise do judiciário dizem respeito a fatores
institucionais e outros podem estar relacionados até mesmo com a
excessiva judicialização de demandas em torno de poucos litigantes.
Com razão, segundo as pesquisas realizadas pelo CNJ e pela AMB, po-
de-se concluir que o judiciário está acostumado a receber determina-
dos litigantes com mais frequência que outros, daí a clássica distinção
entre litigantes ocasionais e habituais. Estes, desfrutando de todas as
REFERÊNCIAS
GALANTER, Marc. The Duty Not to Delivery Legal Services. In: U. Mi-
ami L. Rev. 929 1975-1976.
GALANTER, Marc. Why the Haves Come Out Ahead: The Classic Essay
and New Observations. New Orleans: Quid Pro Books, 2014 (Classic
of Law and Society)