A Ciência Pode Explicar Tudo
A Ciência Pode Explicar Tudo
A Ciência Pode Explicar Tudo
John Lennox
É um matemático, filósofo da ciência, apologista cristão e professor
de matemática da Universidade de Oxford. É conselheiro do Green
Templeton College, Oxford, e um Fellow em matemática e filosofia
da ciência pela mesma universidade.
Peter Atkins
É um químico britânico e professor do Lincoln College da
Universidade de Oxford. É um produtivo escritor de livros
didáticos populares de química, incluindo Physical Chemistry,
Inorganic Chemistry, e Molecular Quantum Mechanics
Nota ao leitor
Caro leitor,
É com grande alegria que apresentamos a você um dos maiores debates do século
XXI, traduzido pela primeira vez no Brasil.
Quando descobrimos esse conteúdo tão rico (disponível no YouTube pelo link
https://www.youtube.com/watch?v=fSYwCaFkYno) e percebemos que não havia
sequer uma legenda em português, pareceu-nos necessária esta tradução, a fim de
que mais pessoas pudessem ter contato com os argumentos dos professores Lennox e
Atkins, de modo que, ao final, possuíssem maior bagagem para responder à questão do
título.
Se você está aqui, é porque certamente também possui uma curiosidade genuína
sobre esse tema tão recorrente, que é a Fé e a Ciência. São elas excludentes? Pode- se
usar plenamente a razão e, ao mesmo tempo, ter fé? Consegue a ciência explicar
todas as coisas?
Boa leitura!
Matheus e Júlia.
Prima Ratio.
Sobre o evento
O debate sobre se a ciência pode ou não explicar todas as coisas foi realizado em 31
de janeiro de 2019, na Universidade de Southampton, no Reino Unido, tendo sido
transmitido ao vivo, disponibilizado gratuitamente no You Tube no mês seguinte e
assistido por milhares de pessoas, algumas das quais interagiram com o evento
enviando perguntas incríveis, que suscitaram discussões ainda mais profundas. Os
debatedores, ilustres professores de Oxford, foram intermediados por Justin Brierley,
anfitrião de um programa de rádio e de um canal no YouTube que promove a
discussão da fé cristã chamado "Unbelievable?".
A ciência pode explicar tudo?
Anfitrião – Dr. Atkins, o senhor foi um cientista a vida toda. Por acaso o seu ateísmo
tem uma relação direta com isso?
Atkins – Sim, sem dúvidas. A ciência é tão poderosa que mostra que as idéias
tradicionais e antigas, que derivaram da religião, são desnecessárias. A ciência é um
modo maravilhoso de explicar o mundo e eu acho que nós, humanos, deveríamos ser
encantados pelo fato de termos cérebros que nos permitem desvelar os segredos do
universo e descobrir o tecido da realidade. Isso soma um regozijo para a beleza que
nos cerca.
Anfitrião – O senhor diria que sempre foi um ateu ou já teve um lapso de fé na sua
vida?
Atkins – Quando criança eu fui enviado para a igreja por meus pais, porque, bem,
eles queriam as crianças fora do caminho aos domingos. Logo que cheguei à
universidade e comecei a pensar por conta própria, eu pude ver que a religião era
uma fraude.
Anfitrião – John, dê-nos uma noção sobre a sua história. Você cresceu num ambiente
com fé, porém não do tipo que não admitia contestação, não foi?
Lennox – Eu cresci na Irlanda do Norte e foi, de fato, um ambiente de fé. Meus pais
eram cristãos. Eu penso, a propósito, que todas as pessoas têm fé, sejam elas atéias ou
não. Eu tenho as minhas, mas fui encorajado a pensar e, para mim, o cristianismo foi,
em certo sentido, uma das inspirações para fazer ciência. Sou muito diferente do
Peter nesse aspecto. Eu me junto a ele, entretanto, na celebração da maravilha que é
a ciência e, de fato, os livros do Peter têm sido incríveis em me ajudar a entender
muitas coisas que eu não compreendia antes – a propósito, ele escreveu três vezes a
quantidade de livros que eu escrevi, então escutem ele três vezes mais atentamente do
que escutarão a mim. Eu sempre tive em mente esse forte relacionamento entre a
crença em Deus, como um tipo de explicação para o nosso universo e vida, e ciência
como outro tipo, que a complementa.
Anfitrião – Comecemos com você, Peter: pode a ciência tudo explicar?
Atkins – Como não sou um político, lhe darei uma resposta direta: sim. Ela não tem,
ainda, explicado tudo, mas não há ciência que vá parar numa parede de tijolos e parar
de explicar aquilo que ela estuda. Devemos ser claros sobre o que queremos dizer
com “ciência”: ela é, basicamente, um método de descoberta baseado em observação
e em coleta de evidências que possam ser compartilhadas publicamente. Esse é o
núcleo do método científico, embora não seja a única parte do método científico que é
importante, pois as idéias que a ciência gera repousam sobre uma rede de idéias,
como as que emergem da biologia, física, química, psicologia. Elas se apóiam
mutuamente e isso é uma evidência para a adequação da ciência como um meio para a
descoberta da verdade e de tudo que há. Precisamos pensar sobre o que queremos
dizer com os tipos de perguntas que a ciência aborda, e eu acho que há dois desses
tipos: (i) as primeiras são perguntas estúpidas e as outras (ii) são as perguntas reais.
Muitas perguntas estúpidas surgiram como uma extrapolação das preocupações
humanas sobre a natureza do mundo, de projeções de idéias humanas que não se
apóiam em evidência alguma. A ciência lida com questões reais, ou seja, com
questões para as quais há evidências. Então, uma pergunta tipicamente religiosa
como “qual é o propósito do universo?” pode ser dispensada pela ciência por sua
irrelevância, pois não há qualquer evidência de que o universo tem um propósito e, na
verdade, eu acho incrível que essa estranha coleção de galáxias simplesmente esteja
“pendurada por aí” sem qualquer propósito. Isso é, na verdade, um tanto inspirador.
Quando se faz perguntas para as quais não há evidências, tal como a última ou tal
como “qual é a natureza do pós- vida?”, não há que se falar em esforços para
respondê-las, pois elas são bobagens. A ciência lida com questões reais, ou seja, para
as quais há evidências, sendo que algumas delas são bem profundas. Eu acho, por
exemplo, que uma delas é “por que existe alguma coisa em vez de não existir nada?”,
pois há, certamente, alguma coisa, e nós presumimos que não havia nada
anteriormente. A ciência tenta usar sua objetividade para responder a esse tipo de
pergunta. Outra pergunta profunda é “qual a natureza da consciência e todos os seus
atributos?”, pois nós aparentamos ter consciência, há evidências disso, então é
apropriado que a ciência enfrente isso. Por consciência eu me refiro a todos os seus
atributos, inclusive a moralidade. Essas são as perguntas reais, ou seja, as que a ciência
consegue responder. Não tenho dúvidas de que, nos últimos 300 anos, a ciência tem
cumprido seu papel seriamente, ou seja, coletado evidências, as inserido numa rede de
conceitos e enxergado as maneiras com que elas se apóiam mutuamente. Não há
dúvidas de que nós obtivemos um progresso extraordinário, e não há razão para um
pessimismo no
sentido de que a ciência irá sofrer uma parada e não responder a todas as questões
verdadeiramente importantes sobre a existência.
Anfitrião – Muito obrigado. Um enfático sim para a idéia de que, a princípio, a
ciência pode explicar tudo que vale a pena explicar. John, a mesma pergunta para
você: pode a ciência tudo explicar?
Lennox – É claro que não, haja vista o “Brexit”. Essa é uma resposta cômica, mas eu
tenho mais duas para essa pergunta e vocês vão se surpreender sobre o quanto eu
concordo com o Peter, pois a definição de ciência que ele nos ofereceu, como a coleta
de evidências e observação, é simplificada por ele em seu livro Sobre o Ser: “fazer
observações sobre notas comparadas”. Se for a isso que nos referimos quando
falamos de ciência – e era assim que a tratávamos até o séc. XIX – então é claro que
ela pode explicar tudo. A própria palavra “explicação” significa fazer observações
baseadas em evidências e notas, então minha resposta curta é que, se aceitarmos a
primeira definição, eu concordo com ele inteiramente: a ciência, por definição,
explica tudo. Mas, é claro, o significado da palavra “ciência” tem mudado na
Inglaterra, embora o mesmo não tenha acontecido no continente. Em alemão,
wissenschaft cobre tanto as ciências naturais quanto as humanas. Quando as pessoas
hodiernas dizem que a ciência tudo explica, elas não se referem a fazer observações
sobre notas comparadas. A definição correta se aplicaria para qualquer examinação
histórica ou forense, e minha fé cristã é baseada precisamente no tipo de raciocínio
científico que Peter nos apresentou. A maior questão em discussão atualmente não é
sobre se esse tipo de pensamento apoiado em evidência possa ou não obter conclusões
– Lucas, o escritor do terceiro livro do evangelho, nos diz que esse era exatamente o
seu método, pois ele consultava pessoas, fazia observações e, então, as reunia. O que
está em jogo é: pode a ciência natural responder a todas as questões? E eu acho que
isso é simplesmente uma abordagem errônea. O ganhador do prêmio Nobel Peter
Medawar, que escreveu um livro muito interessante intitulado Os Limites da Ciência,
disse que nós prestamos um desserviço à ciência natural se a utilizamos para abordar
todas as questões. Ele se referiu às principais questões de Karl Popper, as questões de
uma criança, “de onde eu venho?”, “para onde vou?”, “qual é o sentido da vida?”,
ressaltando que a ciência natural não responde a questões como essas. Ele
acrescentou que é na religião, filosofia etc., o lugar apropriado parar buscar
respondê-las. Eu acho que a ciência é imensamente poderosa e excitante, e que ela
desvela muitas coisas sobre nosso universo, mas eu tenho um problema justamente
com ir longe demais – eu sou um matemático, então tenho interesse em lógica -, pois se
dizemos que a ciência pode explicar tudo, isso não é, em si, uma demonstração
científica, mas uma demonstração de crença –
então, se for verdadeiro, é falso. Há um grande problema lógico. Para sintetizar meu
posicionamento: a ciência é poderosa, suas metodologias são extremamente
importantes, inclusive nas esferas da história, análise forense e na religião – mas vou ser
cuidadoso aqui, pois o Peter está certo em suas críticas à superstição, mitologia e
bobagens, posto que a ciência em muito nos ajudou para limpar muitas besteiras que
as pessoas religiosas professaram. O que me coloca muito a favor da fé cristã é que,
desde o princípio, é uma fé baseada em evidências, tendo em seu centro, é claro, a
ressurreição de Jesus Cristo. Então, eu acredito na metodologia do Peter e a utilizo o
tempo todo, mas, de algum modo, ele acredita que um cristão como eu a rejeita no
que diz respeito à minha fé. Eu acho que, na questão “pode a ciência explicar tudo?”,
precisamos explicitar o que queremos dizer por “explicação”; a lei da gravidade não
explica a gravidade, mas nos diz sobre a incrível matemática através da qual podemos
calcular como corpos com massa podem se movimentar. Há uma analogia que eu acho
bem útil: como podemos explicar a água fervendo? Bem, você poderia começar com o
calor, a indução e agitação de moléculas de água; você também poderia dizer que ela
ferve porque você quer uma xícara de chá. Essas duas explicações são muito diferentes:
elas não entram em conflito, e sim complementam uma à outra. A primeira é uma
explicação da ciência natural e a segunda é uma explicação em termos das intenções e
propósitos de um agente. O Peter disse com clareza que a ciência não se enquadra
nesse tipo de propósito, mas isso não significa que esse tipo de propósito não exista –
as pessoas têm apreciado chá por milênios antes de saberem das propriedades do
calor na física. O que eu quero dizer é isto: a explicação de Deus é diferente da
explicação da ciência; Deus não compete mais com a ciência como uma explicação
para o universo do que Henry Ford compete com a física para a explicação do carro
motorizado.
Anfitrião – Obrigado. Muito boas demonstrações introdutórias de ambas as partes.
Estou certo de que há muito a que você queira responder, Peter. Por onde quer
começar?
Atkins – Há tantos absurdos... Foquemos no núcleo da sua abordagem, ou seja, a
ressurreição de Jesus. Jamais aconteceu.
Lennox – Bem, isso é uma asserção, Peter. O que acha de alguma evidência? Atkins –
Bem, o que acha de alguma evidência de que isso de fato aconteceu alémde pessoas
que estavam fazendo evangelhos 80 anos depois do evento do qual elas
pretendiam estar falando sobre? Não, é claro que não aconteceu. Como poderia
acontecer? Creio que a ciência pode ir tão longe quanto em dizer, simplesmente,
que não poderia acontecer. Quando se tem um corpo sem vida, isso decai
imediatamente e não há uma maneira pela qual isso se reconstituiria. É um absurdo.
Eu aceito o fato de que isso é a fundação da fé cristã, mas isso não significa dizer que
é verdade. Dispensemos isso, portanto, como algo para o qual não há evidências, de
qualquer maneira.
Anfitrião – Antes de dispensar isso, escutemos uma resposta, pois esse é um aspecto
obviamente importante sobre o que conta como evidência e o que não conta.
Atkins – Eu suponho que você argumentaria no sentido de que a ciência não pode
explicar a ressurreição.
Lennox – Eu não argumentaria exatamente nesse sentido, mas diria que a ciência não
pode proibir uma ressurreição, porque, veja, a ciência continua a descobrir as
regularidades com que a natureza funciona e tem, inclusive, feito um trabalho muito
impressionante. O fato de que nós sabemos que corpos sem vida normalmente não se
erguem de volta demonstra uma lei da natureza, e isso significa que nós reconhecemos
que algo muito especial aconteceu, caso a ressurreição seja real. Há dois problemas
aqui: primeiro, há o problema principiológico, a partir do qual nós sempre
desembocamos em David Hume, que disse que milagres são violações das leis da
natureza, e eu não acredito que eles são violações – eu poderia adentrar mais nisso, o
que você acha?
Atkins – Defina “milagre”, pois eu o entendo como algo que desafia as leis da
natureza.
Lennox – Ah! Eu não os defino assim de modo algum. “Milagroso” significa, em latim,
“algo para se admirar”, mas estamos falando de algo subrenatural. Ora, parece claro
que quando Hume disse que milagres violam as leis da natureza, ele realmente não
estava entendendo o grande intérprete...
Atkins – Oh, não...
Lennox – O ponto é este: C. S. Lewis contou, há um tempo, uma pequena analogia: se
ficar num hotel esta noite, ponha cem libras na gaveta; faça o mesmo na próxima
noite e haverá duzentas libras na gaveta, pois que 1+1=2. Se eu acordar na manhã do
terceiro dia e achar somente cinquenta libras, isso significa que as leis violadas foram
as da aritmética ou as da Inglaterra? Claramente, eu digo que as leis da Inglaterra
foram violadas, e como eu posso saber? Porque as leis da aritmética simplesmente
não foram quebradas; é o nosso reconhecimento do que acontece normalmente que
nos ajuda a verificar uma exceção. Se eu estivesse reinvindicando que o corpo de
Jesus se ergueu dos mortos por processos naturais, isso estaria
errado. Não estou afirmando isso, mas que o Deus que criou o universo e construiu as
regularidades pode...
Atkins – Pura especulação... Não vale a pena ouvir isso.
Lennox – Peter, é fácil demais dizer que isso simplesmente não vale a pena ser
escutado. Você me tenta a dizer o mesmo sobre algumas coisas que você fala, mas eu
não farei isso, porque me parece que é muito importante ouvir o que a cristandade
reivindica antes de julgá-la, e o que é alegado é que o Deus que criou o universo e o
sustenta não se sujeita a leis, como se fossem de direito da propriedade; Ele
configurou as regularidades e pode alimentar nelas um novo evento, sendo, portanto,
a alegação cristã no sentido de que Deus ressuscitou Jesus mediante uma imputação
de poder colossal.
Atkins – Oh, Jesus... Todos sabem que isso é bobagem. O que você está inventando é
um agente que pode fazer o que bem quiser, e essa é a maneira mais preguiçosa de
contabilizar as observações – por vezes observações que nós nunca fizemos de fato.
Explicações religiosas que resultam em “Deus fez isso” são intelectualmente
preguiçosas, pois o que elas são como explicação? Você se deita e diz “Deus fez” e
todos respondem “Ah, eu entendo agora”. Elas são fáceis de serem aceitas pelos que
não pensam. A ciência é difícil de se aceitar, pois envolve muitos pensamentos. É
necessário provar os processos com que os eventos ocorrem. Não se pode
simplismente dizer “Deus fez”, e sim se entremear na biologia, na química e na física
dos processos subjacentes. Eu admito que, na física, deve-se aprofundar no tecido
matemático, seja lá o que for que eu quero dizer com isso – e isso é trabalho duro. É
mais satisfatório, no entanto, quando você atinge o fim de uma explicação do que
aquele meio extraordinariamente preguiçoso de fingir uma explicação, como
“abacadabra, Deus fez”. Isso é intelectualmente corrupto.
Lennox – Peter, isso é confundir dois tipos diferentes de explicações.
Atkins – De fato.
Lennox – Se você estivesse se referindo ao carro a motor e dissesse “Henry Ford fez
isso” e isso fosse tudo o que tivesse para dizer, então eu concordaria com você, mas o
argumento é que, enquanto eu me sento e leio seus livros sobre a química e penso “isso
é incrível”, isso não contradiz a explicação de Deus, porque ela diz que você, como
químico, tem o universo como objeto de estudo porque Deus o criou, para início de
conversa. As duas coisas não estão competindo! Na verdade, interessantemente, e
isso tem sido sempre um tipo de determinação para mim, nos capítulos iniciais de
Gênesis, Deus diz para os humanos nomearem os animais – Ele
inicia a taxonomia, que é a disciplina intelectual básica. Noutras palavras, Ele disse
“vá você fazer a ciência", o que é fascinante.
Atkins – Você não sabe se Deus estava começando uma ciência divertida; ele
poderia ter ficado tão entediado com a sua criação que ele quis diverti-los.
Lennox – Quem está especulando agora?
Atkins – Eu estou! Acho que qualquer especulação que usa a palavra “Deus” é
intelectualmente corrupta.
Lennox – Isso é absurdo...
Atkins – Deus não existe. Não há um pingo de evidência para a existência de Deus...
Lennox – Há muitas evidências para Ele...
Anfitrião – Deixem-me resumir: pode ser que toda especulação nesse sentido seja
corupta, mas por que, para você (John), esse não seria o caso?
Lennox – Primeiramente, tome a própria ciência. Por que sou apaixonado por ela?
Por que eu acredito que a ciênca pode ser feita? Porque eu acredito que, de certo
modo, a mente humana, interiormente, tem acesso ao mundo natural, exteriormente
– por que acredito nisso? De vez em quando eu pergunto para meus amigos ateus
(embora não o tenha feito para Peter): com o que você faz ciência? Eles quase
prontamente respondem “com a minha mente!”, mas logo se dão conta de que não é
politicamente correto dizer “mente”, então dizem “meu cérebro!”. E eu digo: “Fale-me
sobre o seu cérebro!”. Um homem se surpreendeu: “Você quer mesmo a resposta mais
curta”, prosseguindo para “meu cérebro é o produto final de um processo irracional
não guiado”. Eu olhei para ele, sorri e disse: “E você confia nele?”, perguntando em
seguida: “Supondo que você soubesse que seu computador é um produto final de um
processo irracional não guiado, você confiaria nele?”, e para essa pergunta eu sempre
tive como resposta um não. Eu continuo dizendo “Veja, você tem um problema;
noutras palavras, sua posição atéia e materialista prejudica minha confiança na
racionalidade que eu preciso para fazer ciência; se você virar a moeda, a ciência
moderna explodiu no séc. XVI e no séc. XVII, sendo que seus pioneiros, como
Galileu, Kepler, Newton, Clark, Maxwell etc., foram todos crentes em Deus, em sua
maioria cristãos”. A questão é que sua crença em Deus não atrapalhou a ciência
deles, mas foi o motor que a impulsionou. Então, por duas razões: (i) a legitimidade
de fazer ciência propriamente dita é uma das razões que me fazem crer em Deus; Deus,
como uma explicação, faz mais sentido e tem mais poder explanatório do que aquela
ateísta, que prejudica a confiança na racionalidade, o que que até alguns ateus, como
Thomas Negel, estão começando a perceber.
Anfitrião – O argumento de John, Peter, essencialmente, diz que o próprio fato de
que podemos fazer ciência aponta para uma lógica racional por trás do universo e de
nossa habilidade para entendê-lo – eu suponho que isso se enquadre melhor com uma
ideia de um Deus do que com a ideia de acaso, de acidente.
Atkins – Para mentes preguiçosas, isso é certamente verdade. O problema é: se os
filósofos são pessimistas porque eles são pagos para duvidar da capacidade do
entendimento humano, os cientistas são otimistas, pois pensam que, dado um certo
tempo e colaboração (muito importante), eles alcançarão explicações que não
requerem a inserção de palavras como “Deus”. Deus é não mais do que uma palavra,
francamente, que é usada para disfarçar a inabilidade para compreender alguma
coisa – nós ouvimos uma boa quantia disso nessa noite, se me permite dizer.
Enquanto teólogos ofuscam, cientistas iluminam. Nós estamos mostrando que, de
algum modo através da evolução, e apenas através da evolução, nós desenvolvemos
cérebros que são capazes de um entendimento extraordinário. Agora, se me permitem
um momento para envolver um aviso sobre isso tudo: temos cérebros grandes o
suficiente para entender absolutamente tudo? Isso é uma questão legítima. Temos
que confrontar a possibilidade de que nossos cérebros não são fortes o suficiente para
entender absolutamente tudo, o que pode nos aproximar de uma concordância, mas
há diferentes tipos de entendimento, assim como John estava dizendo, mas de
natureza diferente daqueles aos quais ele se referia. Tomemos a mecânica quântica:
você pode formular equações e resolvê-las num nível extraordinário de precisão, mas
há aspectos dela, como o emanharamento quântico, que nós talvez nunca
entendamos, porque fomos trazidos num mundo de eventos clássicos. Na medida em
que descemos das árvores, descobrimos que o mundo era, majoritariamente, clássico.
Do séc. XX ao XXI nós descobrimos esse comportamento quântico extraordinário, e
pode muito bem ser que nossos cérebros simplesmente não são equipados para
entender o fenômeno quântico que estamos descobrindo, mas ainda podemos fazer
as equações e resolvê-las precisamente - eu acho que isso significa que, em certo
sentido, nós entendemos o tecido da realidade, ainda que não consigamos intuí-lo,
posto que nossos cérebros são construídos classicamente. Eu concordo que possa
haver limitações em nosso entendimento, mas apenas sobre um entendimento desse
tipo.
Lennox – Não tenho dificuldades com isso, pois a coisa que eu jamais diria é que “A
mecânica quântica é extremamente difícil e eu não entendo o emanharamento
quântico, então Deus o fez”; eu nem sonharia em reagir assim porque tentar entender
o emanharamento quântico é o trabalho da ciência, da física e nós
continuaremos, como você sugere, até que se esgote o poder cerebral. Veja, Deus
responde a um tipo diferente de questão, que estimula a ciência e não a inibe.
Atkins – Eu acho que esse é um ponto muito importante, que Deus é uma motivação
para a ciência. Eu acho que Deus também é uma motivação para a arte –
maravilhosas pinturas, músicas, literaturas induzidas pela crença em Deus. Entretanto,
isso não significa que Deus exista de fato, mas que esses produtores acreditam nisso.
Anfitrião – Eu ia dizer que no próprio livro que você escreveu (Peter), a
demonstração que você usa no início é de Bacon, que era um cristão; vocês quis dizer
que isso se deu meramente pelo espírito da época?
Atkins – Para eles, era real e , de fato, motivou seu excelente e inspirador trabalho,
bem como nas humanidades, mas isso não siginifica dizer que aquilo em que
acreditavam é verdade.
Lennox – É claro! E isso não significa dizer que é falso. Seu comentário [Peter] foi
que eles todos acreditavam em Deus naqueles dias, o que é falso. É muito
interessante pensar na ascenção da ciência moderna na Europa Ocidental. Foi
Richard Dawkings quem pontuou a mesma coisa que você há anos atrás. Não eram
todas as pessoas que acreditavam em Deus antigamente – os chineses não
acreditavam, por exemplo. Há uma pesquisa muito interessante feita por Joseph
Needham, de Cambridge, que é um brilhante signologista e químico (também), na
qual ele escreveu vários volumes do dicionário de conquistas tecnológicas na China,
tendo ficado muito intrigado sobre o porquê da ciência abstrata, como a conhecemos
hoje, não ter surgido por lá. Devo dizer que ele foi um neomarxista e que tentou
explicar isso nas bases de seu ateísmo marxista, mas não pôde fazê-lo, pois chegou a
uma conclusão fascinante: no fim, a única diferença que ele podia ver entre o
Ocidente e o Oriente, que desenvolveu tecnologias, mas não a ciência propriamente
dita, era que o Oriente não tinha o conceito unificador de um criador racional,
responsável por gerar o universo.
Atkins – Isso não significa dizer que ter a ideia de que Deus existe é o mesmo que
demonstrar que Ele existe.
Lennox – Peter, isso é óbvio! A questão é que isso é parte das evidências que
cumulam num poder explanatório, pois, na maioria dessas áreas nós fazemos
inferências para a melhor explicação, e uma explicação que faz sentido para mim é a
que demonstra que a razão pela qual podemos fazer ciência é que o Deus que criou o
universo também está por trás da mente humana, e isso faz muito mais sentido do que
uma razão que diz que somos meros produtos finais de um processo irracional não
guiado.
Anfitrião – Quero falar de razões, pois vocês dois trouxeram isso à tona. Peter, você
disse que há questões bobas que nós simplesmente não deveríamos fazer, pois elas não
são do tipo que deveríamos estar perseguindo, como “há um propósito para o
universo?”. John, pelo que me parece, você acredita que essas são questões válidas...
Lennox – Questões sobre propósito e intenção estão entre as perguntas mais
importantes que podemos fazer.
Anfitrião – Eu obtive uma pergunta da audiência, que é: “Não é muito conveniente
rotular perguntas que a ciência não responde como ‘estúpidas’ ou ‘irreais’?”.
Atkins - Parece sensato clarear o caminho para que possamos ter conversas sensatas
sobre questões reais...
Anfitrião – Mas por que a pergunta “por que estamos aqui?” não é uma pergunta
real, na sua visão?
Atkins – Porque não há nenhuma evidência de que há um propósito no universo;
temos que buscar evidências. Eu disse no começo que as questões reais são baseadas
em evidências e que as perguntas bobas e falsas são baseadas no extrapolar da
experiência humana. Nós temos propósitos; eu tenho um propósito para vir aqui nesta
noite, embora eu deva confessar que eu esqueci qual é...
Lennox – Então você acredita em propósito, mas não num propósito último?
Atkins – Eu acredito que pessoas têm propósitos efêmeros e temporários. Mas a
existência de um propósito no universo é uma extrapolação dessa atitude. Não há
evidência de que o universo tem um propósito, de forma alguma, então é
inapropriado para a ciência fazer séries de experimentos para descobrir um propósito.
Lennox – Você diz que não há evidências. O cristianismo não é uma mera filosofia,
mas está equipado pela história. Me parece que toda a explicação inicial “No início,
Deus fez o céu e a terra” marca uma enorme metanarrativa, responsável por dar aos
seres humanos um grande significado, como feitos “à imagem e semelhança” de
Deus. Isso pode ser verdadeiro ou falso, mas, de qualquer forma, faz algum sentido?
Não é como uma bobagem. Isso certamente faz sentido e, incidentemente, algumas das
mentes mais bilhantes da história passaram anos pensando sobre essas coisas...
Atkins – Acabei de ler um pouco da História Moderna da Civilização Ocidental, de
Anthony Kenny, cujas 900 páginas mostram como a filosofia foi uma perda de tempo
quando as pessoas estavam se preocupando com a natureza de Deus e suas
propriedades... Agostinho, Tomás de Aquino, seja quem for, disperdiçaram
completamente suas vidas por pensar sobre “não perguntas”...
Lennox – Essa é a sua crença, Peter.
Atkins – Sim, mas não há evidências para Deus – esse é o núcleo da minha crença...
Anfitrião – Essa é uma suposição que você adota?
Atkins – Espere... Não há evidências para Deus – essa é a rocha sobre a qual eu
construo meu sistema de explicações. A sua rocha é um tipo de elaboração, como esse
pouco provável evento fisiológico da ressurreição...
Lennox – É imensamente improvável fisiologicamente, mas as evidências dela não se
resumem no pouquíssimo que eu te disse. A rocha, na minha vida, é: eu busco por uma
munidividência que dá sentido à vida e que me dá uma metanarrativa grande o
suficiente pela qual e na qual viver. Estivemos falando até agora, nessa noite, sobre
ciência e evidências que provenham do mundo natural. Eu acredito que as leis
naturais, sobre as quais o Peter escreve brilhantemente, e eu invejo sua habilidade, são
indicadores de uma mente divina. O fato de que no coração da biologia está a palavra
mais longa que já descobrimos – o código genético – é consistente com a ideia de que
este universo é um universo baseado na palavra – “No começo, havia o verbo e dele
todas as coisas foram feitas” –, então eu vejo evidências de inteligência racional em
toda a ciência, mas eu entendo que a visão de mundo alternativa, o ateísmo, destrói
essa visão como um poder explanatório, embora perceba a mesma inteligência
racional. Eu disse que o cristianismo não é puramente uma filosofia e, se Jesus Cristo
realmente ressuscitou dos mortos, isso abre enormes possibilidades de encontros
pessoais na minha própria vida. A grande razão pela qual eu acredito que o
cristianismo é verdade é – e aqui trago novamente a ciência como base – porque o
cristianismo é testável...
Atkins – Que bobagem. Como poderia ser testado?
Lennox – Muito bem, Peter, deixe-me tratar disso. Cristo disse que, se uma pessoa
considerasse as evidências e acreditasse que ele fosse o Deus encarnado, que estava
morrendo numa cruz para trazer perdão e trazer a paz com Deus, essa pessoa poderia
testar isso. Eu testei e vi centenas de pessoas fazerem o mesmo. Como exemplo: eu
estava lecionando em Harvard para alguns milhares de pessoas e, quando eu
terminei, um jovem estudante chinês se levantou e disse “Olhem para mim”, e nós
olhamos; eu perguntei “Por que deveríamos olhar para você?” – ele estava
absolutamente radiante –, e tive como resposta “Vocês deveriam olhar para mim
porque, há seis meses atrás eu fui a uma palestra que você deu na Universidade de
Penn State; eu estava perdido, minha vida estava uma bagunça total e uma coisa que
você disse engatilhou-me uma pesquisa; eu comecei a ler o novo testamento, tornei-
me um cristão e olhem para mim agora”. Senhoras e senhores,
eu vi isso acontecer, não uma ou duas vezes, mas dezenas de vezes. Quando se vê o
vício em drogas tornar-se comida na mesa, quando se vê o conserto de
relacionamentos arruinados e se pergunta às pessoas o que aconteceu com elas, elas
respondem que se tornaram cristãs. Você começa a somar dois mais dois e perceber
quatro como resultado. Eu não me sentaria aqui por um nanosegundo se não
acreditasse que essas promessas que Jesus fez pudessem ser cumpridas na vida de uma
pessoa. Isso é imensamente importante para mim: a testabilidade do relacionamento
cristão.
Atkins – É também o tipo de testabilidade que você deveria deixar para os psicólogos
e psiquiatras...
Lennox – Eu não me importo em contar com eles... O que você quer dizer por
“deixar” para eles?
Atkins – Eles entenderão como essas pessoas acharam conforto – aceitemos que isso
pode ser simplesmente um conforto...
Lennox – Mas isso não significa que o que eu disse está errado, para usar o seu
argumento. O fato de que o cristianismo traz conforto não é uma evidência contra
ele, pois pode muito bem ser o contrário, mas se ele trouxesse desconforto e
destruísse a vida das pessoas...
Atkins – Um outro argumento que você pontuou foi o de estar encantado com o
universo e o conceito de Deus, porque você vê que isso providencia uma explicação
para a racionalidade de tudo. No livro que publiquei no ano passado, ao qual você
aludiu, eu falo sobre as origens das leis da natureza – o que eu acho que esteja por trás
do seu conforto – através de 3 princípios: (i) indolência, (ii) anarquia, (iii) ignorância.
Eu demonstro, no livro, que esses três princípios bastam para uma explicação das leis
da natureza, da maneira que as identificamos. Não preciso de um agente por trás disso,
a não ser que esse agente seja infinitamente indolente, anárquico ou ignorante – o
que não acho que descreveria as qualidades do seu Deus. Não preciso de um Deus
para explicar este mundo.
Anfitrião – O que mais me chocou no seu livro [Peter], foi a afirmação de que, do
nada, alguma coisa surgiu. Você mencionou isso, não foi, John?
Lennox – Bem, isso parece bobagem para mim... O que você quer dizer com nada,
nesse contexto?
Atkins – Eu quero dizer a ausência de espaço-tempo.
Lennox – Você não quis dizer o que a maioria de nós quer, ou seja, a ausência de
alguma coisa?
Atkins – Sim, foi o que eu quis dizer.
Lennox – Bem, eu me interesso muito pelo nada, na realidade eu dou palestras sobre
o nada atualmente, e eu tive a oportunidade de entrar numa discussão como essa no
Clube de Faculdades MIT, de Harvard, estando cercado de especialistas, de Don
Lincoln e Alan Guth, alguns dos cosmologistas mais famosos do mundo, e de fazer
algo que eu normalmente não faço: disse que gostaria de fazer a primeira pergunta
para Alan Guth, que é o pai da teoria da inflação e com quem eu tive uma discussão
muito amsistosa, que foi: “Alan, lá fora há muito barulho sobre o nada, eu gostaria de
saber se quando você, um cosmologista, usa a palavra ‘nada’, quer dizer o que a
maioria de nós diz, que é a ausência de qualquer coisa?”. Ele disse “não, não
queremos dizer isso”.
Atkins – Bem, ele estava errado. Ele devia usar nesse sentido, pois – tentemos falar
no seu tipo de linguagem – se houve uma criação, então, presumivelmente, o “alguma
coisa” da nossa experiência foi precedido pela ausência de alguma coisa, o que
podemos chamar de nada. Presumivelmente, na criação, de alguma forma, o absoluto
nada se tornou... alguma coisa.
Lennox – São esses os princípios da indolência, anarquia e ignorância?
Atkins – Não, esses vêm depois.
Lennox – Ah, sim. Eu preciso ler isso, me desculpe. Finalize seu argumento.
Atkins – Então você supostamente acredita que não havia nada, a partir do qual
alguma coisa surgiu, e que havia um agente causando isso. Isso é a criação?
Lennox – Eu não me colocaria dessa forma. Eu diria que o universo não provém de
algo físico, e não que não provenha de nada. Deus não é um nada. Na realidade, nós
entendemos tudo ao contrário. Nós tendemos a pensar, parcialmente por causa da
maneira com que somos educados cientificamente, que massa-energia é o substrato
básico do. Eu gostaria de dizer que não acredito nisso, bem como que Deus não é
físico, mas espírito, sendo a base fundamental do universo a mente e o espírito, então
o universo não é derivado de algo físico, o que não significa que venha do nada, mas
de Deus; “Que haja luz. E houve luz”. Essa é a minha posição.
Anfitrião – Essa não é uma posição que você considera conflitante com a ciência que
fazemos hoje, não é?
Lennox – De maneira alguma. O big bang é maravilhoso, porque ele simplesmente nos
diz que houve um começo. A ciência recolheu isso da bíblia na década de 1960. A
ciência estava enlaçada a Aritóteles por séculos na crença de um universo eterno.
Agora nós acreditamos num começo – quer você se refira a um começo para o
multiverso ou universo, o que não importa, pois os
teoremas mais recentes de Guth dizem que há um começo absoluto. A bíblia disse isso
há séculos.
Anfitrião – Você admitiria ao menos a ideia de começo absoluto, Peter?
Atkins – Cautelosamente. Poderia ser que o tempo é circular e que nós estejamos
apenas analisando alguns poucos bilhões de anos e, por isso, pareça reto, mas estou
pronto para aceitar que possa ter tido um começo.
Anfitrião – Muitas pessoas não pensariam na sua afirmação de que tudo surgiu do
nada como algo contraditório?
Atkins – Bem, já que contamos com coisas e que não havia nada originalmente, eu
acho que isso deve ser verdade – que o nada se transformou em algo –, mas é preciso
termos cuidado...
Lennox – Não é uma questão de um nada se tornando alguma coisa, mas uma
questão de um criador...
Atkins – O que a ciência faz é simplificar perguntas até elas chegarem ao ponto em que
permanecem abertas para, talvez, serem respondidas. Se olharmos para o universo
como um todo, podemos ver que ele consiste, eu acho, de quantidades iguais de coisas
opostas. Tomemos como exemplo as cargas elétricas: sabemos que há carga positiva no
universo, bem como a negativa. Também sabemos, através da observação, que, por
conta da grande força da interação eletromagnética comparada à gravidade, se
houvesse qualquer desequilíbrio quantitativo entre cargas positivas e negativas, o
universo seria explodido. O que eu acho que aconteceu foi: quando se tem um
absoluto nada, não se tem carga alguma, mas na origem do universo esse nada se
separou em opostos, o que explica as quantidadesiguais de cargas contrárias...
Lennox – E o que as separou?
Atkins – Bem, essa é a segunda pergunta. Acho que podemos continuar analisando
outros aspectos do universo, como a quantidade de energia existente e que, quando se
soma tudo isso, o resultado é zero. Então, embora pareça que há muita energia por
aí, há tipos de energia opostos em quantidade igual. Embora eu não esteja alegando
saber como o nada se separou em opostos, o que eu acho que isso mostra é que a ciência
simplificou a questão. Em vez de termos de dizer “de onde vêm as cargas?”, “de onde
veio toda a energia?”, tudo o que temos de fazer agora, ainda que não o tenhamos
feito até agora, é verificar como isso se dividiu em opostos.
Anfitrião – Vamos para um último comentário e, então, para as perguntas.
Lennox – Eu peço perdão por ser um pouco cético aqui, Peter, mas eu me deparei
com esse argumento muitas vezes. Isso soa para mim como “porque meu saldo se
equaliza com minhas dívidas, nada está acontecendo por trás disso”.
Atkins – Sim, eu estou dizendo isso. Eu acho que essa é uma maravilhosa
simplificação que é anterior à maior questão de todas, que é “por que o universo
existe?”.
Anfitrião – Qual problema você vê em colocar as coisas nesses termos, John? Lennox
– Essas cargas, uma vez existentes, certamente não estão somando para onada – há
todo um sistema funcionando...
Atkins – Mas resultam em zero.
Lennox – Sim, mas elas não são as únicas coisas existentes; há o espaço-tempo e tudo
o mais. O que eu gostaria de dizer é que, nas minhas examinações sobre o que as
pessoas acreditam ser o nada, há Stephen Hawking e Laurence Krauss e, tendo lido
todos os seus livros, eu descobri que a maneira com que eles obtém algo do nada –
não suponho ser essa a sua opinião, pois preciso investigar seu livro –, é redefinindo o
nada, o que é uma jogada muito esperta. Laurence Krauss, na página 5 do seu livro
Um Universo do Nada, diz que “porque uma coisa é física, o nada deve ser físico,
especialmente se você o define como a ausência de alguma coisa” – isso é pura
bobagem.
Atkins – Sim, eu acho que isso é bobagem!
Lennox – Isso é ótimo!
Anfitrião – Ah, alguma concordância afinal!
PERGUNTAS E RESPOSTAS DA AUDIÊNCIA
Pode a ciência nos ajudar a saber como deveríamos usar a tecnologia que ela
nos dá?
Atkins – Essa é uma pergunta traiçoeira, digo, ela nos nos traz para o reino da
política. Talvez aqui poderia-se dizer que a ciência não pode explicar tudo, mas então
eu digo para mim mesmo: “eu posso entender a política por investigações
científicas?”, e essa é uma pergunta interessante; eu acho que é preciso entender a
psicologia do político, se ele tiver uma, alguns claramente não tem, mas temos de
olhar para sua educação geral e atitude de um modo científico, talvez até estatístico.
Eu acho que podemos usar o método científico em questões sobre como as decisões
políticas devem ser tomadas.
Anfitrião – É comum ouvir que a ciência pode nos dar uma bomba atômica, mas ela
não pode nos dizer se é correto ou não usá-la. Isso é algo que nos cabe decidir e que é
alheio à esfera científica.
Atkins – Sim...
Lennox – Eu acho que eu teria usado essa analogia de que quando os cientistas
descobriram que eles detinham esse poder, enfrentaram um enorme dilema moral. No
nível mais simples, a ciência – a química, eu acredito, poderia me dizer que, se
eu colocar arsênico no chá de minha avó, isso dará a ela uma experiência bem
complicada, a ciência, a química, não pode me dizer se eu deveria ou não fazer isso
para pegar o dinheiro dela.
Anfitrião – Então o que nos diz? Eu pressinto que você [Peter] nos dirá que Deus não
é quem deveria nos dizer.
Atkins – Oh, claramente! Já que não há um Deus, não é ele quem deveria nos dizer.
Lennox – Minha reação para essa questão é no sentido de que todos os humanos são
moralmente programados em algum nível. Minha crença diz que isso é porque
eles são feitos à imagem de Deus e são seres morais, mas se deixarmos isso de lado,
o fato é que as pesquisas têm mostrado que, ao redor de todo o mundo, se você
apresentar dilemas morais para as pessoas, elas chegarão a respostas muitíssimo
similares. Há um núcleo básico da moralidade em que é possível encontrar a chamada
regra de ouro, qual seja: “Faça aos outros o que você gostaria que fizessem a você”
que pode ser observada em todas as religiões ou filosofias...
Atkins – Isso não nos permite dizer que Deus baforou isso em sua criação... Lennox –
Eu ainda não disse isso. Eu disse no sentido de deixar Deus fora disso.Ainda assim,
isso está presente...
Atkins – Mas através da evolução é que alcançamos esse chão comum.
Lennox – Não estou argumentando isso. Tudo o que estou dizendo é que isso existe.
É um fato, portanto, que nós tomamos decisões morais, quer sejamos ateus ou não, e
que essas decisões frequentemente serão absolutamente idênticas. Agora, minha
explicação para isso é que isso é um resultado de termos sido feitos à imagem de Deus,
mas o mais importante no sentido prático é que nós parecemos ter esse núcleo
comum, caso contrário a sociedade colapsaria completamente.
Atkins – É claro, mas a minha explicação não é que “Deus fez”...
Lennox – Não, mas que “a evolução fez”.
Atkins – Minha explicação é que todos nós passamos por um processo evolucionário
bem similar, que envolveu não apenas a sobrevivência do indivíduo, mas do grupo.
Lennox – Mas isso pode ser parte do todo. É bem interessante: até um grande
intelectual ateu, como Jurgen Habermas, falando sobre esse assunto, disse:“Quando se
trata de moralidade básica, a fonte de direitos humanos, a base de nossas instituições no
Ocidente, tudo se resume ao legado judeu-cristão, sendo todo o resto barulho pós-
moderno”. Eu acompanharia isso, pois creio que, neste país, nós devemos muito ao
cristianismo nesse nível.
Atkins – Sim, eu acho que prefiro viver num país cirstão do que, digamos, num país
muçulmano, porque, no geral, vocês [cristãos] têm um tratamento um tanto melhor.
Anfitrião – Nós estaríamos melhores num país ateu, entretanto?
Atkins – Ah, muito melhor...
Lennox – Oh! Peter... Eu passei muito tempo na Rússia e conversei com tantos
intelectuais russos... Eu sinto que isso é uma afirmação maluca. Muitas vezes eu
sentei com pessoas como o Peter na Academia de Ciências que me disseram o
seguinte: “Nós pensamos que poderíamos nos livrar de Deus e manter valores para os
seres humanos, porém, já tarde demais, descobrimos que não poderíamos”.
Atkins – Qual o seu posicionamento sobre o aborto?
Lennox – O que isso tem a ver com o tópico desta noite?
Atkins – É uma questão moral.
Lennox – Bem, nós vamos lidar com questões morais nesta noite? Eu não me
esquivaria de uma pergunta como essa. Há sempre circunstâncias excepecionais, mas,
uma vez começada uma vida, e se a vida provém de Deus, não se trata meramente de
um conjunto de células complexas; eu pergunto: “Que direito temosde pará-la?”.
Atkins – Aí está o ponto crucial do que temos falado neste noite, pois você [John]
baseará sua decisão num Deus não existente; eu basearei a minha em argumentos
naturais e irei em favor do aborto, enquanto você irá contra.
Lennox – Nem todo ateu partilha da sua visão sobre o aborto.
Atkins – Não me importo com o que eles pensam. Eu sei o que eu penso. Um cristão
dirá “não” para uma mulher que quer abortar, independentemente das
consequências, o que eu acho profundamente mau – acredito que esse é um dos
males que a crença em Deus inspira.
Anfitrião – Deixaremos essa questão de lado no momento. Vamos para a próxima, por
ora.
Fique ligado!
https://www.instagram.com.br/prima.ratio