Os Sons Da Tempestade (Estacoe - Beatriz Garcia

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Obras publicadas da autora

SÉRIE FAIR PLAY


Fair Play
Overtime (Uma história de Fair Play)
End Game (Um Spin-Off de Fair Play)
Game On (Contos de Fair Play)

SÉRIE ESTAÇÕES
De Onde Vem o Frio
O Calor que nos Aquece
Os Sons da Tempestade
O Florescer do nosso Amor (em breve)

LIVROS ÚNICOS
Um Verão em Cartas

SÉRIE GAROTAS EM QUADRA


O Último Lance

DUOLOGIA TOXIC TWINS


Jaded Doll – Livro 2
TÍTULO: Os Sons da Tempestade – Estações livro 3
AUTORA: Beatriz Garcia
PREPARAÇÃO E REVISÃO DE TEXTO: Clarissa Progin
DIAGRAMAÇÃO: Beatriz Garcia
IMAGEM DE CAPA: stock.adobe.com – por ruslan1117
DIAGRAMAÇÃO DE CAPA: Fernanda Freitas e Beatriz Garcia
LEITURA CRÍTICA: Ana Paula Ferreira
LEITURA SENSÍVEL: Reh Saes
LEITURA BETA: Camila Moura, Fernanda Martins, Laura Vitelli, Milena
Fernandes e Nara Gama
ILUSTRAÇÃO: Gabriela Gois
© 2023 Beatriz Garcia
ISBN: 978-65-00-72051-8
Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução, transmissão ou distribuição não autorizada desta


obra, seja total ou parcial, de qualquer forma ou quaisquer meios
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transmitida por qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia,
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autorização da autora.

Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares, eventos e


incidentes são ou os produtos da imaginação da autora, ou usados de forma
fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera
coincidência.

As cidades fictícias, locais, nomes de estabelecimentos, ruas, bairros e


afins, bem como o time de hockey citado foram criados pela autora e NÃO
É autorizado o uso das mesmas por terceiros.
Sumário

Notas da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Prólogo
Agradecimentos
Olá, querido(a) leitor(a)!
Bem-vindo(a) ao outono. Ou, em outras palavras, ao terceiro livro
da série Estações.
Eu até poderia começar brincando e dizer que passou rápido, mas
não é verdade. Mas, acho que é assim que projetos importantes acabam
sendo. Eles sugam nossa vida, eles exigem tudo de nós, mas o resultado é
sempre maravilhoso, gratificante e único.
Diferente das notas de autora dos primeiros dois livros, neste aqui,
não vou precisar me estender muito. O outono e a primavera, a história dos
filhos, vem para ser algo mais leve, mais ameno, um “entre estações”, como
eu gosto de brincar.
Entretanto, atente-se a alguns detalhes. Este livro é recomendado
para MAIORES DE 18 ANOS. Ele possui consumo de bebida alcoólica,
menção a drogas ilícitas, palavras de baixo calão e cenas de sexo explícita.
A história da nossa protagonista, Maya Karlsson, começa o livro de
uma forma que vai te fazer sentir junto com ela uma grande tristeza e
sensação de impotência. Maya foi traída e estava em um relacionamento
abusivo, onde o ex-namorado a manipulava e ela não percebia. Há cenas em
que ele será agressivo com ela, não apenas com palavras, mas também
fisicamente.
Se em algum momento você se sentir incomodado, não prossiga a
leitura deste livro.
Na história do Nick, como já era de se esperar, estamos falando de
um jovem deficiente auditivo, então, em vários momentos você vai ler que
Nick e os demais personagens, sinalizaram e verbalizaram. Nicholas Bennet
teve sorte de ter acessos muito diferentes de grande parte das pessoas que
são deficientes auditivas. Para a deficiência do Nick, contei com leitura
sensível e aprendi muito e muito nesse processo. Espero que você também
aprenda muito com o Nick.
Não espere grandes reviravoltas, um enredo mirabolante e tramas
complexas. Os Sons da Tempestade é um livro leve: uma história sobre
um primeiro amor, sobre se descobrir, sobre acreditar em si mesmo e,
principalmente, sobre família. A série Estações é sobre família e suas
diferentes configurações, não se esqueça disso.
Espero que essa leitura te faça ter vontade de tomar uma bebida
quente e gostozinha para acompanhar. E que você se sinta leve ao terminar
esse livro.
Um beijo cheio de carinho,
Bia.
Epígrafe
Nathan e Manuela encontraram um no outro, uma forma de se
aquecer no inverno. Assim como eu, eles descobriram que era possível
amar e viver mesmo longe de tudo que lhes era familiar.
Mahara e Dave descobriram o amor durante verão. Assim como eu,
eles entenderam que o sol é uma dádiva e que ter pessoas que se importam
com você, faz com que casa seja apenas um conceito.
Nick e Maya encontraram nas temperaturas amenas do outono, uma
forma de ter esperanças. Assim como eu, eles compreenderam que
transições são importantes.
Torço para que Louis permita que o amor floresça durante a
primavera, porque o nascer das flores é um fôlego de esperança.
A verdade é que não importante a época do ano, sei que cada um
desses amores vai perdurar por todas as estações.
Não importam os quilômetros de distância, os fusos horários e os
mais diferentes costumes, casa é onde o seu coração está. E o meu está
espalhado por vários lugares do mundo.
Para aqueles que sonham com um amor que traga conforto.
Que você encontre uma pessoa que não apenas te ame, mas que também
seja capaz de fazer você se sentir livre. Que vibre pelos seus sonhos, te ame
e, acima de tudo, te respeite.
Que a sua liberdade seja mais um motivo para que ela queira estar com
você.
Tem sangue nas minhas mãos. E esse sangue não é meu.
As gotas de chuva escorrem pela minha cabeça e molham meu
rosto. Não tem luz na parte onde estou, mas eu consigo, ainda na penumbra,
saber que minha mão está tingida de vermelho. Não sou capaz de ouvir os
sons da tempestade, mas isso não me impede de saber que a chuva está forte
e de ver através do clarão dos raios o corpo na minha frente. Não ouço os
sons que ele faz, mas sei pela forma como seu rosto se move que ele está
gemendo por conta da dor. Fico feliz que seja por dor, porque ele merece.
Eu vi o que ele estava fazendo e ele merece cada um dos socos que dei em
seu rosto. Odeio violência, odeio com todas as minhas forças, esse não é
meu comportamento normal, mas eu perdi os sentidos, eu não medi os
estragos quando o vi perto dela.
Maya.
É só então que meus olhos procuram por ela.
As folhas do outono rodam pelo ar
Enquanto ela gira
E o meu coração flutua sem parar
Haikai sem nome,
Nicholas Bennet.
Acho que eu sei o que está acontecendo dessa vez
Tem um estranho na minha vida
Você não é a pessoa que eu conheci
Stranger - Hilary Duff

JUNHO

O sol agradável reflete no vidro do trem, o caminho é bonito e eu


admiro a paisagem que passa diante dos meus olhos. São os últimos dias de
primavera, o verão já é uma realidade. e, realmente, é a melhor época do
ano em qualquer lugar que se esteja. Entretanto, eu diria que ela é ainda
melhor quando você mora em países nórdicos, onde, majoritariamente, o sol
não é visto com frequência do meio do outono em diante. Não tem como
ficar triste diante da quantidade de horas extras que o sol faz morada no
verão.
Assim como é impossível conter a empolgação ao saber que estou
fazendo uma surpresa para meu namorado. Verdade seja dita, amo esse
quase um ano que estou em Copenhagen, tendo a chance de dançar para
uma companhia de ballet importante, fazendo parte do corpo de ballet em
um espetáculo conhecido como é o caso do Quebra-Nozes, mas… eu quero
mais. E sorrio ao pensar nas chances que estão por vir.
Ficar longe de Daniel não foi fácil. Posso dizer que só consegui me
sentir menos culpada por tê-lo abandonado nos últimos dois meses talvez.
Fiz de tudo para demonstrar para ele que não estava contente em deixá-lo
sozinho, eu só não podia perder essa chance. Entretanto, agora, penso nos
nossos planos. Quando conversei com Daniel na última semana, ele
comentou que estavam sondando alunos para fazer testes para Gisele, para
protagonizar um espetáculo dirigido por Dimitri Mastrov, um dos
coreógrafos mais conhecidos da atualidade. A expectativa é enorme, os
sonhos são muitos, ainda mais quando ele sussurrou em meu ouvido: “Nós
dois, amor, nós dois no centro do palco, brilhando”. É o melhor dos
mundos: voltar para Estocolmo, não deixar meu namorado sozinho e se
tudo der certo, conquistar um lugar de solista no espetáculo. Repasso a fala
dita por ele e suspiro.
É tudo que mais quero.
Penso comigo mesma, enquanto olho a vegetação verde correr pela
janela, pensando no quanto vai ser incrível dançar com meu namorado em
uma peça que tanto amo. Nós nascemos para isso. Eu nasci para a dança e
tive a sorte de encontrar um cara incrível que tem o mesmo amor que eu
pelo ballet. Seremos nós dois, no centro do palco, amando um ao outro e
dançando juntos.
Os alto falantes do trem avisam que a próxima parada é a estação
central de Estocolmo e eu sorrio feliz por saber que estou chegando. Contei
aos meus pais que iria aproveitar o final de semana livre para visitar Daniel
e, apesar de quererem muito que eu fizesse o caminho oposto e fosse visitá-
los, para ver a finalização da reforma da casa que estão morando, eles
entenderam quando eu disse que queria fazer uma surpresa para meu
namorado. Infelizmente, não consigo deixar de pensar que esse é o único
ponto ruim do meu relacionamento: os pais de Daniel gostam de mim, mas
os meus, não são os maiores fãs do meu namorado.
Mesmo com mais de um ano de namoro, eles não simpatizam cem
por cento com ele. Sei dos defeitos dele, sei que a ambição dele as vezes se
sobressai demais, sei que muitas frases, às vezes, podem soar soberbas para
alguém como a minha mãe, que sempre foi alguém muito humilde, mas não
acho que um pouco de ambição seja ruim. Todos nós somos ambiciosos de
alguma forma.
Me esforço não pensar tanto nisso enquanto o trem começa a parar
na estação, o final do dia se aproxima, mas as horas de sol ainda serão
muitas. Sei que Daniel está em casa, ele foi para o ballet pela manhã, assim
como eu, mas ficou livre no começo da tarde. Trocamos mensagens pela
manhã, mas depois ele não me respondeu mais, imagino que esteja
descansando agora. Penso na surpresa que vou fazer e em seu sorriso
quando me ver chegar ao apartamento, ficando ainda mais animada.
Quando o trem para, pego minha mochila e caminho para a saída do
vagão, feliz por estar na cidade que tanto amo. Copenhagen é apaixonante,
eu adoro a agitação e as muitas bicicletas que dividem espaço com o
trânsito, mas Estocolmo… ah, esse é meu verdadeiro amor.
Vou em direção a transferência entre a estação de trem para a de
metrô e tomo o caminho que já me é tão conhecido. Penso em ligar para
Daniel, mas decido realmente surpreendê-lo, se ele estiver dormindo, como
eu acredito que esteja, vou adorar acordá-lo com alguns beijinhos e quem
sabe, transar com ele. Que saudades de transar.
Um pequeno suspiro me escapa dos lábios quando penso nisso, mas
tento disfarçar, me dedicando à leitura do livro que estou lendo no meu
Kindle para que o caminho se torne mais rápido. O romance, indicação de
uma amiga, mistura um pouco de suspense e me deixa cada vez mais
intrigada a cada capítulo. Lamento quando a estação próxima ao
apartamento de Daniel é anunciada, mas guardo o aparelho na bolsa e
decido pegar um café na franquia que nós tanto gostamos. Saio da estação
com um saquinho de papel nas mãos e um café grande para dividirmos.
Caminho feliz, aproveitando o sol agradável que toca meu rosto e sinto
algumas gotículas de suor escorrerem em meu pescoço.
Ando pelos quarteirões restantes até chegar no apartamento de
Daniel, sorrio ao ver as crianças brincando no parque ao lado da casa dele
enquanto equilibro o copo de café, minha mochila e teclo o código de
acesso para abrir a porta principal. Com a entrada liberada, vou até o
elevador e aciono o botão do segundo andar, a caixa metálica anda mais
devagar do que o convencional, mas apesar do prédio ser antigo, o
apartamento é grande e tem uma varanda agradável que dá para uma rua
simpática e comercial.
Insiro a chave na fechadura e quando entro, um som estranho é a
primeira coisa que escuto.
— Ah!
Isso é…
Não, não pode ser.
— Rebola, gostosa.
Sinto um calafrio percorrer minha espinha quando ouço a frase, e
mais, quando reconheço de quem é essa voz.
Não pode ser.
É comum tirar os sapatos ao chegar na casa de alguém, mas eu não
faço o movimento tão conhecido por mim, simplesmente saio pisando pelo
chão de madeira. E então, ouço novamente.
— Ah!
Não, não pode ser.
Dou passos certeiros até o som, implorando mentalmente para que
seja qualquer outra coisa, menos o que eu estou pensando. Para que não seja
o que está parecendo. Não é possível, ele não…
Entretanto, o pensamento, na mesma velocidade com o qual veio,
desaparece e minha visão fica turva.
O corpo de Daniel, musculoso, forte e que durante tanto tempo eu
admirei, está dobrado em cima do corpo nu de uma garota. As mãos firmes
dele seguram a sua cintura enquanto ele move a bunda dela para que se
choque à sua pélvis.
Não consigo falar. Não consigo me mover. Não consigo nem mesmo
reagir.
Eu só sei me sentir tola.
Insuficiente.
Usada.
Traída.
Sinto minhas mãos começarem a tremer e isso denuncia minha
chegada, porque o copo de café se espatifa no chão. O barulho faz com que
Daniel se vire e a garota faz o mesmo. E é então que eu a reconheço: é
Johanna. Quando eu fui para Copenhagen, ela havia acabado de chegar, não
tivemos tempo de nos conhecer, mas a primeira coisa que Daniel disse a
respeito dela era do talento impecável. Depois disso, ele falou como ela era
forte candidata a ser solista em Gisele.
Os fatos e conversas começam a se conectar quando ele pronuncia
as primeiras palavras.
— Amor, deixa eu explicar...
Sinto meus olhos arderem e as lágrimas imploram para sair dos
meus olhos, mas eu me recuso a dar esse gosto a ele. Uma bailarina pode
sentir dores inimagináveis em seu pé, estar exausta durante um espetáculo,
mas o sorriso deve estar sempre lá. Não é apenas a dança, é também uma
interpretação e por isso, neste momento, eu escolho interpretar. Ele pode
estar me quebrando de todas as formas possíveis, mas não vou deixar ele
saber disso.
— Acabou, Daniel.
Tomando meu tempo, deixo o mundo virar
Eu vou fazer do meu jeito, vai dar tudo certo
Slow Burn - Kacey Musgraves

AGOSTO

Olho para o reflexo que o espelho da sala grande reflete e suspiro


fundo diante da visão que tenho de mim e do restante dos bailarinos. Esse
cenário como um todo em minha vida é algo que estou acostumada. É
complexo e exige muito da minha memória tentar recordar de algum ano da
minha vida em que eu não estive dentro de salas como essa. Repito os
movimentos assim como todos os meus colegas: demi plié e o grand plié
em quinta posição, um na sequência do outro.
— Primeira posição, tendu! — Anuncia em voz alta o professor e,
todos, de forma sincronizada, mudamos da quinta para a primeira posição e
começamos o exercício.
Ele nos observa, passando de um em um para nos corrigir, para
pontuar o que precisamos melhorar. Ao chegar na minha vez, o professor,
um homem de cinquenta anos que todos respeitam e muito, fica parado por
alguns segundos. Sigo com minha postura ereta, o olhar firme no reflexo, a
precisão nos movimentos que eu tão bem conheço e o qual me condicionei
a fazer a vida toda. Eu me esforço e alongo todo o meu corpo, erguendo o
braço da forma certa e segurando a barra com firmeza.
— Muito bem, Maya.
Ele segue pela sala, falando com os demais bailarinos e os corrige.
Sou uma das poucas que não recebe um alerta sobre postura, sobre manter o
pé firme no chão ou qualquer outra falha. O fato de não me corrigir deveria
me deixar feliz, mas como posso me sentir assim quando, mesmo não
cometendo falhas, eu estou em uma sala comum e não ensaiando para
algum espetáculo?
Odeio o amargor que sinto na garganta quando penso isso. Todas as
circunstâncias que rondam essa situação são horríveis, mas a pior delas é a
sensação de ser insuficiente que sinto constantemente. É ingrato comigo
mesma jogar toda a minha trajetória no lixo pelo simples fato de não estar
ensaiando para Gisele, uma nova versão que nossa academia de Ballet está
preparando. Infelizmente, o ditado “quem não é visto, não é lembrado” faz
muito sentido no mundo da dança. Se eu não for vista, não sou descoberta
por olheiros e isso pode me impossibilitar de realizar meus sonhos.
A dança sempre foi a minha vida, o ballet sempre foi a minha vida, é
difícil me lembrar de algum momento em que não houvesse uma sapatilha
em minha bolsa, ensaios ou mesmo períodos em que eu não estivesse
dançando. Mesmo em meio às férias ou ao verão, o ballet sempre esteve
presente, fosse qual fosse o momento. Ninguém da minha família ou
mesmo meus amigos ficaram surpresos quando escolhi a dança como o
caminho que eu iria trilhar no futuro.
O ballet e eu somos uma coisa única. Coexistimos juntos. O amor
que tenho por ele me preenche de uma forma única. Entretanto, todo esse
amor deveria transparecer e transpassar na dança, essa devoção deveria me
fazer chegar lá. Certo?
Então por que eu não consigo o meu lugar de destaque?
Odeio me sentir insuficiente.
Sei que posso sempre melhorar, sei que sou nova e que muitas
vezes, a experiência conta e muito, mas eu só queria ter uma chance. É só
isso que eu desejo: uma chance de mostrar o meu potencial. É tão errado
assim desejar os holofotes sobre mim?
Meus pais deram um duro danado para que eu tivesse todas as
chances de seguir com esse sonho, priorizaram e muito que eu tivesse a
chance de estudar nas melhores escolas de ballet de Estocolmo, se privaram
de viagens para que eu pudesse competir e me apresentar nas mais
diferentes localidades, cidades e até mesmo países. Minha casa respirou
dança junto comigo e, agora, eu quero dar orgulho a eles, quero que eles se
orgulhem da minha trajetória. Quero me orgulhar dela na mesma proporção.
Não que eu não o faça, mas eu só gostaria de ter… uma chance.
Apenas uma chance.
— Levante seus ombros, Maya — o professor me corrige e eu
rapidamente arrumo minha postura.
E suspiro mais uma vez.

Ao final da aula, exausta e com calor, eu me sento para guardar


minha sapatilha na bolsa e organizar minhas coisas antes de ir. As conversas
se misturam e logo, minha atenção é chamada.
— Nós vamos tomar uns drinks, quer ir conosco? — Elke, uma das
minhas colegas de turma, pergunta. Ergo o rosto e vejo que ela tem um
sorriso gentil nos lábios.
— Obrigada, estou um pouco cansada, vou para casa.
— Tem certeza, May? Está calor, não quer aproveitar o restinho de
verão que ainda temos?
Todas as pessoas com quem você conversa sobre o mundo da dança
sempre oferecem a visão de um ambiente recheado de toxicidade e
maldade. Não deixa de ser verdade, assim como todo ambiente de trabalho:
há inveja, há cobiça, há pessoas que trabalham constantemente para
alcançarem o sucesso com base na queda dos demais. É ainda mais difícil
porque, não é apenas uma disputa com base no talento, mas em coisas
piores como peso, quem tem menos curvas, quem teve menos problemas
com a balança ou mesmo com doenças causadas por dietas malucas e
desumanas. Por sorte, nunca tive problemas com isso, mas muitas vezes, eu
sou a exceção e não a regra.
Apesar de tudo isso, apesar de toda a toxicidade muitas vezes
presente, Elke é uma boa amiga, é uma boa pessoa. O problema é que ela
não é apenas minha amiga, mas também é colega de Daniel. E por mais
que, debaixo dos panos, pareça que está tudo bem, isso não significa que eu
esteja disposta a ficar no bar com meu ex-namorado, dividindo a mesma
mesa e cervejas baratas. E, mais ainda, ouvindo ele contar vantagem sobre o
sucesso que está alcançando, enquanto abraça a garota com quem ele estava
me traindo.
Às vezes, eu me pergunto como não percebi essas coisas antes.
Porque não ouvi minha mãe. Como não percebi que, apesar da beleza de
fora, Daniel é uma pessoa horrível por dentro.
Detesto o fato de ainda estar machucada.
— Estou cansada, amanhã devo ir visitar meus pais, então vou
aproveitar um pouco e descansar. Mas, obrigada pelo convite, pessoal —
sorrio de forma gentil para ela e os demais, que acenam com a cabeça e se
despedem depois de arrumarem suas bolsas.
Pouco a pouco, o espaço vai se esvaziando e, antes de o professor ir
embora, eu pergunto se a sala estará livre agora. Ele me confirma que sim,
mas não deixa de me alertar para que eu não exagere. Agradeço a
preocupação e, quando a sala finalmente está silenciosa, eu aproveito para
organizar minhas coisas. Guardo minha sapatilha comum no saco junto às
outras duas que carrego e decido ficar mais um pouco. A maioria das
pessoas, assim como Elke mesmo mencionou, vão aproveitar o final do
verão e o clima quente que ainda se faz presente, assim como a duração
mais longa do sol. Eu deveria fazer o mesmo, mas hoje, neste instante, só
quero um momento meu dentro de um lugar que tanto amo estar. Que me
traz paz.
Apesar da exaustão e de saber que meus pés vão cobrar o preço
disso, eu não resisto ao desejo de colocar a sapatilha de ponta desgastada.
Escolho o modelo da Gaynor que tanto gosto e começo o processo de
proteger meus dedos com um pouco de esparadrapo para, logo na
sequência, colocar a ponteira e vestir as sapatilhas, amarrando as mesmas
com maestria e com a rapidez de quem faz isso constantemente.
Olho para meu reflexo no espelho e me permito sorrir. Posso não ter
conseguido um papel como solista, posso estar sem rumo neste momento e
até mesmo sem saber como vou pagar o aluguel do apartamento que divido
com Ellie, minha amiga de infância, mas há uma coisa que ninguém pode
tirar de mim: o amor pelo ballet. Ainda que, certos dias, seja um amor que
machuca, que me faz acreditar que talvez não tenhamos nascido um para o
outro.
Entretanto, quando me coloco em pé, começando a me aquecer e,
em meu celular, coloco Kacey Musgraves, uma música calma e tranquila
que tanto amo, eu danço como se nada disso importasse, como se todos
esses problemas e dilemas não existissem. Como se não houvesse aluguel,
ex-namorado solista e egocêntrico, traição, ou mesmo como se minha conta
bancária não estivesse em um nível baixo. Danço por amor a dança, um
amor que é único e meu, que me pertence. Danço como sempre faço: com a
minha alma.
Elevo minha perna ao máximo, giro na ponta dos pés, me balanço
no ritmo, acompanho a batida da música, adorando o som lento junto com o
bater da ponta no piso de madeira. Danço até que a música acabe e quando
finaliza, sorrio para o reflexo no espelho. Mesmo sem saber o que fazer, eu
termino esse dia com meu coração cheio. Minha vez vai chegar.

Quando eu decidi seguir o caminho da dança, eu incentivei meus


pais a fazerem o que sempre desejaram: voltar para a cidade menor onde
cresci e que eles tanto amam. Eles relutaram, mas por fim, aceitaram a
ideia. Por isso, com o final de semana livre, eu levanto pela manhã de
sábado para poder pegar o trem e ir visitá-los. A viagem de duas horas é
agradável, mas isso não me impede de acordar cedo e, ainda sonolenta e
preguiçosa, ir em direção à cozinha tomar um copo de água.
Vejo o recado que Ellie, minha amiga e colega de apartamento,
deixou na geladeira, avisando que foi viajar com a namorada para fazerem
uma trilha nova em um arquipélago de ilhas mais ao sul. Sem ninguém para
tomar café, eu opto por comer na rua antes de pegar o ônibus que vai me
levar até meus pais.
Tomo um banho, preparo minha mochila para a viagem e confiro se
tranquei tudo. Ligo meus fones de ouvido em uma playlist calma e começo
meu caminho até a estação de onde saem os trens, ônibus e metrô. Pelo
caminho, vejo um cartaz já desgastado pelo tempo que anuncia sobre
trabalhos de verão. É comum que os jovens tenham empregos temporários
durante essa época do ano, antes do ano letivo começar. Eu acabei não me
inscrevendo para um porque, no ano passado, quando deveria entrar na
Universidade, eu aceitei uma vaga para dançar por alguns meses em uma
Academia de dança em Copenhagen, uma espécie de intercâmbio. Fiquei
fora por alguns meses e, quando voltei, não achei que iria precisar me
inscrever para um emprego temporário.
Eu esperava passar o verão ensaiando para poder estrelar um
espetáculo junto com Daniel. Era a meta, o nosso plano, a ideia que ele
passou algumas boas semanas falando a respeito. Infelizmente, as coisas
não deram tão certo. Não para mim, pelo menos.
Balanço a cabeça para afastar os pensamentos. Não adianta lamentar
pelo que não posso recuperar. E muito menos dar mais atenção a Daniel do
que ele merece. Sigo caminho, apreciando a cidade de Estocolmo, da forma
como uma manhã de sábado deve ser desfrutada antes do final do verão.
Em um dado momento do caminho, passo em frente a um café e
livraria que tanto gostava de frequentar. O atendente, que não é mais o
mesmo que frequentemente me atendia, está circulando pelas mesas e eu
olho para o relógio, vendo que tenho tempo para um café antes do ônibus
partir. Não preciso me contentar com um café qualquer do terminal, posso
me dar a um luxo como esse.
Abro a porta, ouvindo o sininho anunciar minha entrada e me coloco
na fila, aguardando minha vez. Olho distraída para o cardápio quando sinto
uma mão tocar meu ombro.
— Maya?
Viro para trás e vejo um rosto conhecido.
— Sra. Marlen — eu a saúdo.
— Só Hannah, querida. Quanto tempo! —Ela me dá um abraço
polido e eu retribuo o mesmo. — Como você está? — Pergunta e, tão logo,
nossa conversa se inicia.
Hannah Marlen é uma velha conhecida. Eu e Nick, seu filho,
estudamos juntos a vida toda. Nick sempre esteve em minha vida e, por
consequência, sua família também.
— Bem, feliz de estar de volta.
— Como foi em Copenhagen?
Hannah tem um sorriso doce no rosto, é engraçado como os anos
passaram, mas ela não parece ter envelhecido nada. É ainda mais peculiar
olhar para ela e me lembrar exatamente do dia em que a conheci. Minha
família e eu tínhamos acabado de mudar para Estocolmo, já que mamãe
tinha conseguido uma nova oportunidade de emprego. Nós estávamos
visitando escolas e então, numa dessas visitas, Nick e eu nos conhecemos.
Hannah e Dave, os pais de Nick, também estavam passando pelo mesmo
processo que a minha família. Me lembro com carinho de ver meu amigo de
infância parado na sala de espera e, quando minha mãe viu que ele era
deficiente auditivo, chegou próximo a mim e me disse que eu precisava
conversar com ele da mesma forma como fazia com minha prima Anne.
Daquele momento em diante, Nicholas e eu seguimos o mesmo
caminho escolar, fomos para as mesmas escolas, fomos colegas de sala até
nos formarmos e a vida nos direcionar para outros rumos. Em um dado
momento, conforme fomos crescendo, eu fui criando grupos de amizade
diferentes dos de Nick e vice e versa. Apesar de não termos mais a mesma
aproximação de duas crianças durante os primeiros anos de escola, o
carinho se manteve.
Não há lembranças escolares ou festas de aniversário desde os meus
cinco anos em que Nick não estivesse. É até mesmo triste pensar que
seguimos outros rumos de vida. E por ter tanta proximidade com ele e com
seus pais, me sinto à vontade para falar com Hannah sobre como foi o
último ano.
— Foi bom, mas poderia ter sido melhor.
Conto a ela sobre como foi maravilhoso estar em um espetáculo fixo
no teatro de Copenhagen, por conta da Academia de dança, mas igualmente
frustrante não conseguir um papel como solista, tanto lá como aqui. Ela
pergunta sobre Daniel, já que nós namoramos por um tempo longo, mas
quando digo que terminamos, ela não se aprofunda no assunto e volta a
falar da minha carreira.
— Você é nova, Maya, vai conseguir conquistar seu lugar. Conheço
você desde pequena, você nasceu para o ballet — comenta ela com carinho,
enquanto pega seu café e começa a adoçar o mesmo.
— Infelizmente, as contas não deixam de chegar, não é, Hannah? —
Dou uma risada sem graça e ela me acompanha. — Mas e o Nick, como
está? Tenho acompanhado ele nas redes sociais — comento com um sorriso
largo no rosto.
— Ele está bem, mas eu sou suspeita pra falar, sou a mãe, né? —
Ela dá uma risadinha e eu a acompanho.
Nick sempre foi uma criança tímida, durante os anos na escola, o
ensino para ele foi algo diferente. Por conta da deficiência auditiva, ele
levou um pouquinho mais de tempo para aprender certas coisas e as
interações sociais para ele, durante alguns anos, eram mais complicadas,
por ele ser mais fechado.
Nicholas tem um grau severo de surdez, mas aprendeu a língua de
sinais desde pequeno e, graças aos aparelhos, ouve quase setenta por cento.
Conforme foi crescendo, ele foi se soltando mais, foi adquirindo
confiança… e ficando cada vez mais bonito, verdade seja dita. É o que
penso enquanto Hannah continua a me contar a respeito dele e do trabalho
que tem feito nas redes sociais. Nick grava vídeos desmistificando tabus
quanto a deficiência auditiva e é realmente divertido a forma como ele o
faz.
— Mas, me diga uma coisa — Hannah chama minha atenção,
quando nos sentamos em uma mesa para tomar o café — você falou sobre
pagar contas e afins… você está com alguma dificuldade?
— Não, não. Meus pais tem me ajudado.
— Não está trabalhando? — Pergunta ela e eu nego.
— Infelizmente, eu perdi o período de inscrição para os trabalhos de
verão e, para ser sincera, estava esperando voltar e conseguir um papel em
algum espetáculo — comento com pesar.
— Entendo… — ela faz uma pausa, dando um gole em seu café e
continua. — Você teria interesse em trabalhar no LeBlanc's?
Quando ela menciona o nome do bar, um sorriso se expande em meu
rosto. O LeBlanc's Sport Bar é muito conhecido em Estocolmo, quase um
ponto turístico. Hannah é sócia do bar junto com Nathan LeBlanc, um dos
jogadores de hockey mais conhecidos da Suécia. Já o vi algumas vezes e
também já frequentei o bar, afinal de contas, é difícil quem nunca tenha ido
ao LeBlanc's.
— Eu não sei se conseguiria trabalhar tempo integral.
— Imaginei que não, a ideia seria para às sextas-feiras à noite e
finais de semana. Com o começo da temporada de hockey prestes a
começar, quanto mais pessoas trabalhando, melhor.
— Hannah, preciso ser sincera — pontuo de forma honesta —
nunca trabalhei como atendente, não tenho experiências, mas não posso
negar que seria bem viável para mim. Não quero depender dos meus pais,
entende?
— E como, querida. Aprecio muito isso… — ela toca minha mão
em cima da mesa e sorri de maneira doce — sei que você não tem
experiência, mas o Nick mesmo trabalha durante esses dias por lá, tenho
certeza que ele poderia te treinar.
— Me parece uma boa ideia — sorrio para ela.
— Passe por lá na terça-feira e conversamos certinho, pode ser?
— Perfeito.
Fico mais um tempo com ela, até terminarmos nosso café e, ao final,
nos despedimos. Quando saio da cafeteria, sorrio e respiro fundo, aliviada
por enxergar uma nova perspectiva. Talvez eu tenha conseguido um
emprego.
Hoje na escola a professora ensinou a fazer uma dobradura de coração.
Peguei dois pedaços de papel vermelho e fiz dois corações. Um pra mamãe
e outro pra Maya. Ela sorriu quando dei para ela.
Maya é uma amiga muito legal.

Nick Bennet, sete anos.


Eu nunca vou me recuperar, nunca vou ficar bem
Porque e-eu
Talvez eu fique bêbado demais
Para que eu não pense em nós
Loser - Charlie Puth

Seguro firme a cintura de Ana enquanto a deixo mais próxima do


meu corpo, sentindo suas curvas, adorando esse contato. Verdade seja dita,
beijar é muito bom. Enrosco minha língua na dela roubando seu fôlego.
Sinto quando ela quer diminuir o ritmo, já que minha língua não encontra a
dela novamente. Dou alguns beijos breves e me afasto devagar,
agradeçendo pela luz — ainda que baixa, mas existente — iluminar seu
rosto. Isso permite que eu leia seus lábios, sem precisar que ela se afaste por
completo de mim para que precise sinalizar o que vai dizer.
— Você beija bem, Nick.
O sorrisinho em meu rosto é difícil de ser disfarçado. Esse sorriso,
anos atrás, não estaria aqui, eu provavelmente ficaria tímido diante do
elogio, mas agora, me sinto confiante. Meu pai me disse que isso é fruto do
amadurecimento e, de fato, eu me sinto mais maduro. Aos dezenove anos,
fazendo faculdade e tendo mais coragem para me expressar de maneira
geral, eu me sinto mais maduro. Me sinto mais confiante.
— Você também, Ana.
Ela mexe em meus cabelos, despenteando mais um pouco os fios e
então, me beija novamente, colando seu corpo mais um pouco junto ao
meu. Ana é uma garota que eu conheci recentemente, em um grupo de
estudos na faculdade. Ela me encontrou nas redes sociais e entre conversas,
mensagens e um café ou outro no campus, eu a chamei para vir até o
LeBlanc's, o bar esportivo do tio Nate e da minha mãe. O ambiente é
acolhedor para mim não apenas porque trabalho de sexta-feira a domingo,
ou porque cresci vindo aqui. O LeBlanc's é um bar acolhedor para mim pelo
simples motivo de ser ambientado e climatizado de uma forma que seja
confortável para mim de se estar.
As televisões não tem volume, a não ser em dias de jogos muito
importantes — quando eu geralmente não venho justamente por esse
motivo. A música é ambiente e baixa, e além de tudo, ele não fica aberto até
altas horas da noite. É um lugar diferente e especial, construído e
gerenciado por duas pessoas que eu amo, mas que não apenas focaram no
lucro, mas que também buscaram um ambiente familiar e acolhedor, não só
para os muitos turistas e locais que aqui frequentam, mas também para a
família dos donos. Para mim.
Por isso, trazer algum encontro para o LeBlanc's não é um
problema. Nem mesmo um constrangimento para mim. Minha mãe, mesmo
que esteja quase sempre por aqui, sabe respeitar meu espaço e
individualidade. Ela só pede que eu "mantenha o decoro". Nas palavras
delas: "sei que você é jovem, mas para mim, você sempre será o meu bebê".
Não é como se ela precisasse se preocupar, quer dizer, a descrição é algo
inato dos suecos, e ainda que eu seja canadense de nascença, eu também
prezo pela mesma.
Entretanto, em alguns momentos, é um pouco difícil. Como agora,
quando Ana envolve minha nuca, enroscando os fios do meu cabelo em
seus dedos e roçando de uma forma mais ousada em meu corpo. Num
momento como esse, eu deixo o decoro de lado e toco sua bunda de forma
sutil, só por alguns segundos. Até porque, o canto em que estamos — um
local entre o corredor que leva aos banheiros e também a parte onde ficam
mesas mais afastadas e o estoque de bebidas — é, com toda certeza, o local
mais reservado do bar, mas ainda assim, não impede que outras pessoas nos
vejam.
Sinto novamente ela rir em meus lábios e começar a diminuir o
ritmo do beijo. Quando se afasta, ela inclina um pouquinho mais o corpo
em direção a luz e eu consigo ler perfeitamente seus lábios.
— Vou deixar você com algo para pensar à noite — comenta ela
com um sorrisinho malicioso no rosto e eu dou uma piscadinha para ela.
— Gosto disso.

— De nada, Nick. É um prazer ver você tão feliz.


O comentário pode parecer genérico e poderia até fazer sentido em
outro contexto, mas, quando você acaba de sentar na mesa com seu melhor
amigo e ele nem mesmo te cumprimenta, mas logo diz essa frase, as coisas
ficam meio sem sentido.
— Desculpa perguntar — sinalizo e falo em voz alta, assim que
coloco meu copo de cerveja na mesa — mas pelo que eu, hipoteticamente,
estou te agradecendo, Lou?
— Por muitas coisas eu diria — Louis sinaliza e na sequência, faz
menção de pegar o copo de cerveja, o que eu logo intercepto. — É só um
gole, já tenho quinze anos.
— Segundo a lei, quinze anos não te permite beber — respondo, me
sentando e dando um gole, apenas para provocá-lo.
— Me deixar dar um gole na sua cerveja é o mínimo que você
deveria fazer por mim, Bennet. Afinal de contas, se não fosse a minha
brilhante ideia de criar um Instagram para falar sobre deficiência auditiva
com humor — ele se gaba, estufando o peito e jogando os cabelos para trás
— você não estaria dando uns amassos no nosso cantinho secreto.
O sorrisinho de lado e convencido de Louis LeBlanc, também
conhecido como meu melhor amigo, não nega de quem ele é filho. Tio Nate
e ele dividem o mesmo sorriso. Em contrapartida, os olhos, que mais se
parecem com duas bolinhas de gude, são da mãe, a tia Zara. De resto, ele é
uma cópia fiel e irritante — da melhor forma possível — do melhor amigo
do meu pai.
Nós dois somos a prova viva que a vida é cíclica e que as histórias
se repetem. Na minha família, meu pai e Nathan LeBlanc, meu tio de
coração, cresceram juntos, se tornaram melhores amigos. Meu pai, sendo
um ano mais velho que Nathan, amadureceu mais cedo, principalmente
quando eu nasci. Alguns anos depois, quando eu tinha cinco anos, Louis
nasceu. Nossa diferença de idade é considerável, mas ainda assim, isso não
impede que, mesmo sendo eu o mais velho, Louis seja quem mais pega no
meu pé.
— Você só deu a ideia — sinalizo e falo em voz alta. — Quem cria
o conteúdo sou eu.
— Mas quem te deu um empurrão para começar a usar isso a seu
favor, a se permitir conhecer umas garotas, fui eu. — Responde ele. — Por
isso, de nada.
— Você não cansa de me encher o saco?
— Claro que não. Você é meu melhor amigo, está no contrato de
regras a serem seguidas. Agora, anda, me conta — ele se inclina sobre a
mesa, para ficar ainda mais perto do meu rosto. — Marcou de sair com ela
de novo?
— Deixamos em aberto… — respondo, dando um gole na cerveja
na sequência. — Ela tem uma rotina agitada e eu também. Curtimos hoje,
foi bom, além disso, não foi você mesmo que falou que eu não precisava
me apegar?
— Sim, mas nada impede de você… — ele sinaliza as palavras e
logo depois, faz um movimento levemente obsceno, antes de continuar. —
Se é que me entende.
Dou risada da forma como ele fala, mas balanço a cabeça em
negação. Louis pode ser mais novo e pentelhar muito minha vida, mas é
meu melhor amigo e sabe respeitar os momentos em que não quero
discorrer sobre determinado assunto. Por isso, ele prontamente muda o tom
da conversa e começa a falar sobre sua maior paixão na vida: o hockey, a
paixão que ele herdou do pai.
Enquanto nós dois conversamos, não consigo deixar de pensar sobre
o ponto que ele levantou. Sexo para mim durante muito tempo foi quase
como um tabu, eu não conseguia imaginar como seria transar com alguém
por conta da deficiência auditiva. Ainda que o aparelho ajude, que boa parte
das pessoas a minha volta saibam a língua de sinais e que eu seja muito
bom com leitura labial, o sexo parecia um passo quase irreal para mim.
Além disso, a timidez sempre foi um fator que me atrapalhou nesse quesito.
Foi só no último ano do colégio que eu decidi me permitir viver um pouco
mais, me arrisquei de verdade e deixei que acontecesse.
Não foi ruim… mas também não foi incrível. É difícil que todas as
pessoas do mundo entendam que, por exemplo, transar sem os aparelhos
auditivos não é uma escolha fácil, é só porque os ruídos e afins podem
incomodar naquele momento. Além disso, a comunicação no sexo para
mim é… diferente do que é para as demais pessoas.
Me senti de certa forma insuficiente. E também não me senti
conectado com a pessoa, acabou sendo só uma forma de perder a
virgindade. Louis entendeu quando contei isso a ele. Sou uma pessoa que
gosta de se conectar com as outras, que preza por se sentir seguro. Gosto de
sentimento, essa é a verdade. A outra verdade é que, de certa forma, sei que
só uma pessoa realmente fez meu coração disparar durante boa parte da
minha vida.
— Ei, está me ouvindo? — Lou balança a mão na minha frente,
chamando minha atenção.
— Desculpa, me distraí. O que você estava dizendo? — Pergunto.
— Nada demais, estava só contando sobre o garoto que tem tentado
disputar a braçadeira de capitão comigo. É exaustivo e eu não gosto dessa
disputa — meu amigo fala e sinaliza de forma rápida. — O cara chegou
recentemente e já quer botar banca. Fala sério! Eu lutei muito para estar
onde estou.
— A galera ainda implica com o fato de você ser filho do tio Nate?
— Bastante… — responde ele, visivelmente chateado. — Amo meu
pai, amo que ele tenha me apresentado o esporte que eu amo e,
sinceramente, acho difícil que eu faça algo diferente no futuro, mas seguir
os passos dele, ter seu legado como plano de fundo, não significa que eu
não precise me esforçar.
Balanço a cabeça, concordando com o que ele está dizendo. Durante
um curto período da minha infância, eu comecei a fazer aulas de hockey,
parecia algo divertido e eu que eu iria gostar, mas não era para mim. O
contato forte, a forma agressiva dentro do gelo não me agradaram nem um
pouco. A verdade é que eu sempre fui ligado às artes, por isso, escolher
cursar literatura foi um caminho natural para mim, principalmente com
minha mãe voltando a estudar quando eu era mais novo e claro, com
Mahara, a esposa do meu pai, tendo sua coleção pessoal de livros e me
fazendo estar ainda mais rodeado deles.
Sigo conversando com Louis e, quando um dos atendentes que eu
conheço pergunta se queremos algo, nós optamos por comer um lanche
novo que entrou no cardápio recentemente e se tornou nosso favorito. Ser
filhos dos donos tem suas regalias, por isso, nós dois pedimos nosso lanche
com o dobro de queijo e uma porção de asinhas de frango, especialidade da
casa. Ainda é terça-feira, por isso, decido não pedir mais uma cerveja, mas
acompanhar Lou em seu pedido de refrigerante.
O final do verão é uma realidade e nós começamos a perder cada dia
alguns minutos, aumentando a duração das noites. Com isso, as aulas
também retornaram tanto para mim quanto para Lou, que ainda está no
ensino regular. Recém iniciado o segundo ano da faculdade, eu estou
animado para tudo que está por vir e conto empolgado para meu amigo a
nova grade curricular que vou começar neste semestre.
— E você está pensando em seguir na área acadêmica, igual a tia
Manu e a tia Mahara? — Pergunta Lou, antes de dar um gole em seu
refrigerante.
— É uma possibilidade — analiso. — Mas, eu penso em me arriscar
na escrita, sabe?
— Tem tido novas ideias?
— Sempre tenho — dou uma risada sem graça e mexo em meus
cabelos. — Elas aparecem do nada, é bizarro.
— Eu sei — Lou faz uma careta enquanto sinaliza e fala em voz
alta. — Lembra da vez que nós viajamos para a Suíça, para esquiar, e você
cismou que a casa vizinha a nossa era idêntica à que você tinha imaginado
em uma história?
— Você se lembra disso? — Dou risada.
— Claro que me lembro! Você ficou todos os dias enchendo o saco
falando sobre a história que tinha criado. Foi a primeira vez que eu te
ajudei, indiretamente, no roteiro de um livro. Aliás, eu já cansei de te dizer,
você deveria publicar ele primeiro.
— Minha escrita está ruim naquela história, prefiro outros projetos.
Desde pequeno, assim que passou a entender mais as coisas, Louis
foi meu companheiro para dividir ideias. Ele gostava de dar opiniões e não
se importava de me ouvir. Nós dois somos um time e tanto juntos. Em
certos momentos, eu não sinto a diferença de idade, nem um pouco.
Continuo falando para ele sobre as histórias que tem rondado minha
cabeça, sobre planos futuros, mas em um dado momento, Louis desvia o
olhar do meu rosto e vejo que ele arregala os olhos.
— O que foi? — Pergunto para ele.
— Cara, aquela ali não é a sua amiga, a Maya?
A menção ao nome faz meu coração parar por um segundo.
Viro o rosto tão rápido que, se estivéssemos em um desenho
animado, seria como Tom & Jerry, quando o gato torce o pescoço algumas
vezes seguidas. Procuro por quem Louis está falando e não levo mais do
que alguns segundos para encontrar.
Maya Karlsson.
Minha amiga de infância.
O que ela está fazendo aqui?
Ao seu lado, vejo minha mãe e ao me flagrar olhando, mamãe
aponta em nossa direção e então, Maya me olha. Seus olhos castanhos se
arregalam um pouquinho, mas não leva muito mais do que instantes para
que um sorriso doce, o sorriso que eu tão bem conheço de anos apareça em
seu rosto.
Vejo ela falar mais alguma coisa com minha mãe, que não consigo
entender ou mesmo ler seus lábios por conta da distância e, quando as duas
se despedem, Maya começa a caminhar em nossa direção, fazendo com que
eu prenda só um pouquinho a respiração.
Sempre fui bom em disfarçar minhas reações e mesmo emoções,
mas neste momento, me sinto um pouco vulnerável. Ainda mais quando ela
sorri ainda mais em minha direção enquanto caminha. Sei que seus passos
estão em uma velocidade normal mas, para mim, é como se Maya estivesse
caminhando em câmera lenta até a mesa onde eu e Louis estamos. Com sua
baixa estatura, as costas eretas dão a ela uma elegância graciosa. A calça
jeans de lavagem clara delineia seu corpo da forma certa, ela usa um
cardigan creme, que me deixa ver a blusinha de tecido colado que delineia
seu corpo e os seios pequenos. Os cabelos loiros estão soltos e ela parece…
Um anjo.
— Oi, Nick — ela fala em voz alta e sinaliza, quando está a poucos
passos de mim.
E eu me levanto, como se ela me atraísse como um imã.
— Oi, Maya — só então, paro de bloquear minhas expressões e,
hipnotizado por ela, sorrio abertamente.
— Você cresceu mais? — Pergunta, quando finalmente está a minha
frente e precisa inclinar o rosto para me olhar. — Quanto tempo!
Ela estende os braços e eu me preparo para fazer algo que sempre
foi comum entre nós, mas que nunca deixou de me causar um certo frio na
barriga por conta da antecipação. Eu a abraço. Envolvo seu corpo pequeno
em um abraço polido que não sana nem um oitavo das coisas que sinto
quando se trata dela.
— Lou? — Pergunta ela, desviando um pouco o campo de visão.
— Em carne e osso, como vai, Maya? — Meu amigo se levanta e
vem até ela, para cumprimentá-la.
— A comida desse bar tem alguma espécie de fortificante? Você
está enorme também — ela brinca com os cabelos mais compridos de Louis
que ri.
— Fase de crescimento, Maya.
Ele pisca para ela e eu reviro os olhos, Lou é um galanteador nato,
está no sangue dele, deve ser de família.
— O que está fazendo aqui? — Pergunto por fim, quando ela volta a
me olhar. — Achei que estivesse em Copenhagen.
— Voltei recentemente, o intercâmbio acabou e bem… minha vida
sempre foi aqui — ela sinaliza e fala, dando de ombros. — E você,
estudando e trabalhando?
— Basicamente.
— Sua mãe me contou que você trabalha de sexta à domingo aqui,
certo? — questiona e eu assinto. — Legal. E o que você acha de ter uma
aprendiz?
— Como assim?
— Estou precisando de um emprego e sua mãe me ofereceu a vaga,
então… Digamos que você tem uma estagiária agora.
Ela comenta com um sorrisinho fofo e eu sinto meu coração disparar
porque…
Porque, porra. É ela.
— Legal — comenta Louis, animado. — Vai ser mais legal ainda se
você me der cerveja escondido.
— Nem vem com essa, espertinho — Maya responde. — Hannah
bem que me disse que você tentaria alguma gracinha.
— Ele sempre tenta — balanço a cabeça. — Vai ser legal ter você
por aqui, Maya.
Digo de forma sincera por mais que, internamente, alguns Nicks
pequenos deem risada na minha cabeça.
— Vai ser legal ter alguém conhecido para me ajudar. Prometo dar o
meu melhor — diz ela de forma simpática e gentil.
— Tenho certeza que sim — sorrio polido.
O silêncio entre nós se faz presente. Penso em muitas perguntas que
gostaria de fazer, nas conversas que gostaria de ter com ela, mas como
sempre, quando se trata de Maya, eu simplesmente… travo.
— Bom, não vou atrapalhar mais vocês — diz ela de forma polida.
— A gente se vê na sexta? — Pergunta para mim.
— Sexta-feira. — Confirmo.
— Combinado, então — ela sorri e se despede de nós com um
aceno. — Até mais, meninos.
Louis acena para ela, assim como eu. Entretanto, permaneço em pé,
paralisado e acompanhando o caminho que ela faz até a porta. Antes de sair,
ela vira rapidamente e me vê, ainda a observando. Maya sorri uma última
vez e acena, se despedindo. Levando consigo a regularidade das batidas do
meu coração.
Saindo do transe, me sento novamente e dou um gole longo no
refrigerante, tentando a todo custo evitar o olhar atento de Louis para mim.
Sei que ele sabe. Sei que ele sabe o que estou sentindo, afinal de contas, ele
é meu melhor amigo. Quando crio coragem, finalmente olho para ele,
dando meu melhor para disfarçar e fingir indiferença.
— Isso vai ser engraçado — diz ele, sinalizando e dando um
sorrisinho maroto em minha direção.
— Lou — eu o chamo, em sinal de alerta.
— Eu não falei nada — ele ergue os braços em rendição e, na
sequência, volta a pegar o lanche que deixou pela metade.
De fato, ele não falou nada, mas nem precisa.
Maya Karlsson foi a primeira criança que eu conheci quando me
mudei. Nos conhecemos quando nossos pais estavam à procura de uma
escola para nos matricular. Caímos não apenas no mesmo colégio, como
também na mesma turma. Estudei a vida toda com ela. Não me lembro de
uma festa de aniversário, evento de escola, campeonatos ou mesmo dias
comuns de aula sem a presença de Maya, ela sempre esteve ali. Mesmo
quando nossos grupos de amizade se tornaram opostos, ela ainda assim
estava ali.
Maya foi a primeira garota por quem eu descobri que meu coração
poderia disparar. Maya foi meu primeiro amor e esse sentimento cresceu
dentro de mim ao longo dos anos. Mesmo depois de grande, ela ainda era
quem dominava meus pensamentos. Maya sempre foi tema dos meus
poemas, haikaiss e mesmo das minhas passagens de diário.
Infelizmente, eu nunca tive coragem de me declarar e quando nossos
caminhos se separaram, eu entendi que não era para ser.
Achei que esse sentimento havia ido embora.
Entretanto, aqui está ela, de volta para a minha vida. Mostrando que
a simples aparição faz minhas mãos suarem, meu coração disparar e que eu
saiba que, quando deitar a cabeça no travesseiro no dia de hoje, não vou
pensar em Ana e nas coisas que poderíamos ter feito, nas imagens que ela
me deixou para a imaginação.
Vou pensar em Maya. Na forma como ela sempre mexeu comigo.
Eu só queria que você soubesse
Como é bom ver você
See You - Foo Fighters

O problema da vida adulta é que, certas horas, você não quer agir
como adulto. Como, por exemplo, quando você precisa ir até o banco
resolver alguma pendência, ou comprar comida para casa, ou de repente, ter
que agir de forma indiferente quando você encontra com seu ex-namorado
na academia de ballet.
Em momentos como esse, em que preciso estar na mesma roda de
conversa, fingindo que não me incomodo com sua pose superior e que os
flashes do que aconteceu não me passam pela cabeça, me pergunto como eu
pude ficar tanto tempo junto dele. Mentalmente, eu completo essa resposta,
ela não é difícil de ser dada. Daniel Eriksson é um cara atencioso quando
quer, é uma pessoa fácil de se apaixonar: um dançarino espetacular, que
deixa qualquer um de boca aberta devido ao seu talento. Além disso, ele é
muito bonito. Eu costumava brincar com ele que parecia que seu rosto havia
sido esculpido por algum artista renomado, devido à simetria. Isso sem
contar o corpo atlético, cheio de músculos perfeitos, fruto de uma vida,
assim como a minha, dedicada à dança.
Nossa aproximação aconteceu de forma natural, quando dei por
mim, as brincadeiras, os toques, tudo entre nós tinha outra conotação. Uma
noite em questão, depois de uma aula de contemporâneo, ele perguntou se
eu gostaria de jantar com ele. Fomos em um bar, comemos peixe e fritas e
nos beijamos. O namoro foi consequência.
A traição… bem. Eu diria agora que foi óbvia, eu só não quis ver.
Daniel, diferente de mim, nunca mediu esforços para conseguir
chegar onde queria. Se fosse necessário bajular professores, coreógrafos ou
até mesmo, sabotar outros dançarinos, ele não pensava duas vezes. Esse era
um dos principais motivos das nossas brigas, eu sigo desejando os
holofotes, mas me recuso a acreditar que para chegar até eles, eu precise
destruir alguém. Talvez eu esteja errada. Talvez o mundo da dança exija
essas coisas, mas eu prefiro acreditar que estou fazendo o que é certo.
Com a nova namorada, Johanna, os dois são o casal principal do
espetáculo que entrará em cartaz no começo de novembro. É uma porta de
entrada e tanto para que os mais diversos olheiros e coreógrafos estejam de
olhos atentos em novos talentos e prospectos. Daniel e Johanna são os
solistas e, para além disso, o casal popular da academia de ballet. Todos
querem estar por perto, porque qualquer aproximação pode ajudar em algo.
Infelizmente, eu só estou em silêncio nessa roda de conversa
porque, para todos os efeitos, Daniel e eu terminamos bem e temos um ciclo
de amizade em comum. Descobri que ele estava me traindo durante o
intercâmbio: qual foi a minha surpresa quando viajei um final de semana
para vê-lo e ao chegar no apartamento, o encontrei transando com Johanna
na cama que nós tantas vezes dividimos. Com o jogo de lençol que eu havia
comprado pouco antes de viajar.
Ele tentou se justificar.
Para mim não havia justificativa.
Pedi que ele me deixasse em paz e seguisse com sua vida. Para as
pessoas de fora, foi só um acaso nós terminarmos e, pouco tempo depois,
ele e Johanna serem vistos juntos. Boa parte dos nossos amigos sabe a
verdade, mas no mundo dos adultos, muitas vezes, é mais fácil varrer os
problemas para debaixo do tapete.
— Eu já falei muito sobre mim, pessoal — a voz dele me traz de
volta à conversa. Vejo seu sorrisinho cínico, fingindo não adorar ser o
centro das atenções e me pergunto, mais uma vez, se isso sempre esteve
presente nele — Me contem vocês, o que estão fazendo de novo?
As conversas voltam a se misturar e noto que cada um tenta mostrar
que, mesmo não estando como casal principal em um espetáculo, cada um à
sua maneira está fazendo coisas incríveis. É um eterno contar vantagem e
não ficar por baixo. Muitos dos meus colegas tem uma condição financeira
boa, não trabalhar não é algo ruim. É diferente de mim, eu poderia
continuar contando com a ajuda dos meus pais, mas sei que isso implicaria
em prejudicá-los de certa forma.
— E você, Maya? — Pergunta Daniel. — O que tem feito desde que
voltou de Copenhagen?
Acho audacioso da parte dele dirigir a palavra a mim, mas de certa
forma, é previsível. Meu ex-namorado sabe que dentro da academia de
ballet, as fofocas são o principal alimento dos bailarinos. Ele sabe que, por
mais que eu tenha dito a ele que não queria contato, nós dois temos que
conviver por causa da nossa profissão. Vejo os pares de olhos voltados para
nós e sei que estão só esperando por uma fagulha, um motivo. E eu não vou
dar nenhum dos dois para ninguém, então, apenas me limito a responder o
mínimo.
— Organizando minha vida, arrumei um emprego aos finais de
semana.
— Legal, onde? — Pergunta uma das nossas colegas.
— No LeBlanc’s.
— É legal ocupar a cabeça com outra coisa além da dança — Daniel
completa e a conversa toma outro rumo.
A resposta pode parecer neutra, mas reconheço na expressão dele,
nos olhos que eu tantas vezes encarei, o leve sarcasmo, de quem de certa
forma fica feliz em ver que estou em uma posição inferior a ele. Hoje, agora
longe e sem nenhum vínculo com ele, consigo compreender o que minha
mãe falava para mim. Meus pais não eram os maiores fãs de Daniel, mas
respeitaram minha decisão de estar com ele. Entretanto, quando
terminamos, minha mãe me disse que considerava um livramento. “Você
nunca percebeu, mas ele sempre precisava se engrandecer”.
Incrível como as mães estão sempre certas.
Antes que a conversa precise se estender ainda mais, dois
professores aparecem na porta da sala onde estamos. Um deles é Dimitri, o
coreógrafo responsável pelo espetáculo de Gisele que Daniel e Johanna vão
estrelar, e o outro é o professor da aula que eu e os demais teremos agora.
As despedidas são feitas e eu fico grata porque, agora, tudo com o que
preciso me preocupar é com a aula.
Me curvo na barra conforme começamos o aquecimento e deixo
meu corpo se alongar de todas as formas, estico a coluna, os braços, dou o
meu melhor. Posso permanecer frustrada por meus planos terem ido por
água abaixo, posso ainda me sentir traída e tola com tudo que aconteceu,
mas aqui e agora, não vou deixar esses sentimentos virem à tona. Somos só
eu e o ballet. Passei já tempo o suficiente remoendo, mas não vou deixar
nada ficar entre mim e a minha verdadeira paixão: a dança.

O LeBlanc’s é o tipo de bar que todo mundo conhece. Numa cidade


como Estocolmo, cheia de turismo e vida, ser um bar que grande parte dos
turistas inclui em seus roteiros, é motivo de sobra para se vangloriar. Por
isso, apesar das circunstâncias que me trouxeram até aqui serem o fato de
não conseguir um papel em algum espetáculo de outono, ainda assim, visto
a camisa branca, com o logo do bar bordado e sorrio com a imagem que o
espelho reflete.
— Quer comer algo antes de ir? — Ellie aparece na porta do meu
quarto, com um pote em mãos e um sorriso gentil.
— Não precisa, a Hannah disse que temos horário de jantar e os
funcionários sempre comem antes do turno começar — explico, enquanto
analiso a forma como prendi meu cabelo — O que acha? — Pergunto, me
referindo ao penteado.
— Gosto mais de você de cabelo solto. Você tá sempre com ele
preso por conta do ballet.
— Você tem razão — pondero, soltando os fios loiros e voltando a
penteá-los. — Estou tão acostumada…
— E você está bem com isso, May? Pode ser sincera comigo —
minha amiga pergunta e viro para olhá-la nos olhos.
— Cansei de ficar lamentando, sabe? — Digo, por fim. — Não vou
negar, adoraria estar ensaiando para um espetáculo, adoraria ter que me
privar de sair de sexta-feira a noite por conta disso, mas… Lamentar não
vai adiantar de nada. Então, por hora, me sinto feliz que tenho um
emprego.
— Sei que eu não tenho a menor ideia de como funciona o mundo
da dança e afins, mas eu acho que as coisas acontecem para nós na hora
certa, sabe? Lena quem me ensinou isso.
Assinto sorridente ao ouvir Ellie falando da namorada. Minha amiga
tem uma vida completamente diferente da minha, enquanto eu sempre tive a
vida voltada para a dança, Ellie estuda Psicologia e a mente humana é seu
maior fascínio. Apesar de ser apaixonada pela ciência, ela também gosta de
falar sobre os astros, magia, meditação e todas essas coisas. Ela é adepta da
filosofia de que o destino, uma força maior que é atrelada ao que
acreditamos, pensamos e precisamos, é quem traça nossos rumos muitas
vezes. Uma filosofia que ganhou mais força depois que ela começou a
namorar com Lena.
— É, quem sabe — respondo, dando de ombros. — Pelo menos
nesse novo emprego, eu conheço os donos e já tenho um conhecido com
quem vou trabalhar.
— Nick, certo? — Pergunta e eu confirmo.— Vocês estudaram a
vida toda juntos, ele é mais que seu conhecido.
— É, mas… Nós tínhamos grupos diferentes na escola, não somos
mega próximos. Mas, está tudo bem, Nick é uma pessoa gentil.
— Bonito? — Ellie ergue as sobrancelhas e eu faço uma careta para
ela. — Que foi? Só perguntei se ele é bonito.
— Toda vez que você pergunta isso com relação a algum cara, nos
últimos tempos, é só uma tentativa para me fazer dar uma nova chance a
alguém.
— É que ter alguém é tão bom — brinca, suspirando, antes de dar
uma última colherada em seu pote com iogurte. — Você não respondeu…
Pondero por alguns segundos. Nick é bonito. Quero dizer, com os
anos, ele foi ficando ainda mais bonito, e para além da beleza externa, ele é
um cara doce. Podemos não ser as pessoas mais próximas do mundo, mas
conheço ele desde criança, e se tem algo que nunca mudou em Nicholas
Bennet é a sua bondade.
— Ele é bonito — digo por fim. — Mas, antes que você diga
qualquer outra coisa, eu preciso ir trabalhar — aprumo minha postura e
passo por ela, me escorando no batente e indo até meu quarto. — Tive sorte
de ter uma aula a menos hoje na academia, semana que vem devo ir direto
do ballet.
— Espero que eles tenham armários para você guardar todas as suas
bolsas — brinca minha amiga e eu rio.
— Falando em bolsa, antes de ir, me diga uma coisa: teve alguma
resposta das bolsas de intercâmbio que você se inscreveu?
— Infelizmente ainda não, acho que não vou conseguir nenhuma —
Ellie responde triste.
— Sinto muito, El. Sei o quanto você queria que desse certo — me
aproximo dela e envolvo seu corpo em um abraço.
— Tudo bem, há sempre novas oportunidades para tentar — ela
afaga meus cabelos e cheira. — Adoro esse shampoo, posso usar hoje?
— Desde quando você me pede permissão para usar meus produtos?
Se eu falar não, você vai continuar usando que eu sei — cerro os olhos e ela
ri.
— Ainda bem que sabe.
— Sou muito grata pelos nossos caminhos terem se cruzado de novo
— pisco para ela e dou mais um abraço nela.
Ellie Handerman e eu fizemos natação durante anos juntas. Quando
eu comecei a pesquisar locais para alugar, nós nos encontramos em uma
postagem de anúncios e acabamos nos reconhecendo. Morar com ela foi
algo muito legal, ainda que eu saiba que talvez não dure tanto tempo, já que
sua maior meta é estudar em outro país, conhecer novos lugares. Ellie me
abraça um pouquinho mais forte e eu retribuo.
— Qualquer coisa que precisar já sabe, estou a uma ligação de
distância — diz ela. — Bom trabalho, May.
— Obrigada, El.
O bar, que fica na região próxima ao centro de Estocolmo, é uma
construção bonita, o símbolo grande, com letras cursivas em um vermelho
bordô é atrativo e elegante. Passo por ele e vou para os fundos, uma entrada
diferente que Hannah me explicou que eles tinham para os funcionários,
onde eu encontraria um vestiário e um refeitório. Teclo a senha que ela me
passou e, quando a porta se abre, encontro algumas pessoas sentadas em
bancos conversando. Quando os olhos se voltam para mim, fico levemente
tímida. Infelizmente, nenhum deles é o rosto de Nick.
— Maya, certo? — Um cara negro de pele retinta, com dreads se
levanta e vem até mim. — Derick, a Hannah me falou sobre você. Seja
bem-vinda!
— Obrigada, Derick, é um prazer — eu o saúdo.
Na sequência, ele me apresenta para os demais funcionários ali
presentes e não leva muito tempo para que eles me incluam na rotina de
tarefas, me expliquem ainda mais detalhadamente como as coisas
funcionam. O bar já está aberto, já que ele funciona desde a hora do
almoço, mas a troca de turno acontece antes do anoitecer, por isso, ainda
temos uma hora antes de irmos realmente trabalhar. Derick pergunta se eu
tenho experiência em atendimento e eu conto a ele que esta será minha
primeira vez.
De maneira gentil, ele me explica que não há problema e que, se
precisar, eu posso contar com a ajuda de qualquer um dos funcionários. É
realmente agradável estar com pessoas assim, que não parecem querer me
engolir viva ou disputar um lugar. O mundo da dança certas horas torna
você desconfiado de tudo e todos. Mas, quando uma das atendentes, que me
conta que fica predominantemente na mesa do black jack, me pergunta se
eu quero aprender uns truques, não recuso a oferta.
O ambiente se torna ainda mais agradável quando o jantar é servido
e eu sou apresentada ao pessoal da cozinha, que são pessoas igualmente
gentis. A refeição é quase um banquete, o hambúrguer de salmão é
delicioso e ninguém me julga quando eu escolho comer apenas metade,
bem como um pouco de salada. Isso é outra coisa agradável: ninguém está
contando as calorias presentes nos pratos dos demais. Em momentos assim,
me sinto muito grata por essa toxicidade não ter adentrado minha mente.
Quando é dada a troca de turno, aceito de bom grado o bloco de
papel e a caneta com o logo do bar que me é dada e agradeço a forma
solícita com que todos me tratam.
— A primeira mesa é a mais difícil, depois, é como andar de
bicicleta — Derick me dá um aperto gentil no ombro, antes de me mostrar
a área que ficarei responsável.
Como esperado, não demora muito para que meus primeiros clientes
apareçam. É sexta-feira, a expectativa é um fluxo alto de pessoas. Dou o
meu melhor para parecer natural diante do serviço e, quando o casal que
vou atender começa a falar inglês, pergunto de onde eles são e percebo o
nervosismo em suas vozes. Para aliviar a tensão, digo a eles que não
precisam ter medo de errar a pronúncia dos pratos, porque eu também sou
nova na função. O clima fica leve e eu faço questão de mostrar a eles que,
apesar de ser um país conhecido por casos de xenofobia e de ainda haver
pessoas que discriminam as outras por conta do lugar de origem, há muitos
suecos que não pensam mais assim. A grande maioria deles.
Retiro o pedido deles e de outra mesa ao lado e vou para o balcão,
onde o computador fica e faço pedido, bem como solicito o prato para a
cozinha e as bebidas no bar. Sorrio ao ver Nick atrás do mesmo, colocando
gelo na coqueteleira, concentrado em dosar as bebidas. Peço as cervejas a
um dos atendentes que está nas torneiras onde a maioria delas se encontra e
vou até onde Nicholas está.
— Não sabia que você ficava responsável pelos drinks — falo em
voz alta, mas também movimento minhas mãos, sinalizando.
Entretanto, ao erguer os olhos e me ver, Nick leva um sustinho e
derruba a coqueteleira no balcão.
— Desculpa, Nick — digo em voz alta e começo a pegar alguns
papéis para ajudá-lo.
— Está tudo bem, eu só me assustei ao te ver… — diz ele,
sinalizando com a direita enquanto pega papel com a esquerda — quero
dizer, não assustei com você, mas meio que assustei e…
— Eu entendi — dou uma risadinha e continuo a pegar papel para
ajudá-lo. — Aqui — entrego a ele um punhado e nossas mãos se tocam
rapidamente.
Sinto um leve choque percorrer meus dedos e acho que Nick sentiu
o mesmo, pois logo se afasta.
— Obrigado — ele me agradece, mas sua testa está levemente
franzida.
Antes que eu tenha tempo de falar com ele mais alguma coisa, as
cervejas são colocadas na bandeja e o rapaz anuncia o número das mesas
que estou cuidando. Aceno rapidamente, pegando os pedidos e vou para as
mesa entregá-los.
Sigo atendendo os clientes, mas não deixo de lamentar por ter
atrapalhado Nicholas e a forma como ele pareceu nervoso. Entretanto, o
fluxo de clientes me impede de dar atenção para o fato, bem como parar
para conversar com ele outra vez. Hannah, em um dado momento, aparece
brevemente e me pergunta se está tudo nos conformes. Ela diz que deu uma
passada rápida e que, apesar de tentar vir todos os dias, qualquer problema
ou algo que precisar, posso falar diretamente com o gerente, um homem de
meia idade que ela me apresentou no dia em que vim conversar. Eu
agradeço o cuidado e ela diz que está feliz de me ter por aqui.
Algumas horas depois, o fluxo de chegada já diminuiu e agora,
permanecem em sua maioria as pessoas que, depois de comerem, só querem
beber e conversar. O ambiente de certa forma silencioso, quando pensado
em um bar, é confortável. A música é baixa e focada em locais específicos,
ainda assim, não deixo de cantarolar baixinho enquanto limpo algumas
mesas recém esvaziadas.
Uma delas fica próxima a parede de fotos. O LeBlanc’s, apesar de
ser um bar de esportes, foge do conceito onde as paredes são repletas de
quadros, placas, faixas e afins, relacionados a times. A única exceção é a
parede a qual estou na frente, que é decorada com quadros dos mais
diferentes tamanhos e fotos de convidados ilustres que já visitaram o bar,
sempre com Nathan LeBlanc ao lado. Reconheço algumas das pessoas nas
fotos: James Fitzgerald[1], quarterback do San Francisco 49ers, que conheço
por causa do meu pai; Heather Cooper[2], jogadora famosa da seleção
feminina de futebol feminino estadunidense; muitas outras jogadoras de
seleções suecas, jogadores de hockey e a minha favorita, com toda a
certeza, a foto de Nathan com a Fake Affairs[3], uma das minhas bandas
favoritas da vida.
— Você ainda gosta deles?
Tomo um susto ao ouvir a voz atrás de mim e me viro rapidamente,
vendo Nick ao meu lado.
— Agora você que me assustou — sinalizo, enquanto dou risada.
— Me desculpa aquela hora, eu… — ele para de mexer as mãos e
coça a nuca. — Estava concentrado.
— Eu percebi — pisco na direção dele. — Não queria te atrapalhar,
eu só…
— Você não atrapalha — Nick me corta. — Eu esqueci que você
começava hoje, desculpa não ter chegado antes e te ajudado e…
— Nick — toco suas mãos para que ele pare de falar e, quando ele
se vira para me olhar, articulo bem os lábios para que ele possa lê-los. —
Está tudo bem. Você não fez nada de errado.
Os olhos azuis me olham de forma intensa, eles sempre foram azuis
em um tom lindo, mas agora, eles parecem estar brilhando ainda mais.
Sorrio para ele e fico feliz quando ele faz o mesmo. Nick tem um sorriso
lindo, é doce e é a primeira lembrança que tenho dele, quando ainda éramos
duas crianças. Quando meu colega de infância sorri, é como se ele não
tivesse crescido, como se não tivesse quase um metro e noventa de altura e
me fizesse precisar curvar o pescoço para olhar em seus olhos.
É apenas Nick Bennet.
Sinto ele mover as mãos junto das minhas e entendo que quer movê-
las para falar. Eu as solto e ele volta a conversar.
— Como está sendo seu primeiro dia?
— Melhor do que imaginei. Não derrubei nenhuma comida, não
sujei minha camisa e as pessoas foram gentis comigo. É um ambiente legal
de trabalhar.
— Que bom, fico feliz em saber disso — ele acena com a cabeça e
continua a falar. — Estava admirando a foto da sua banda favorita?
— Só um pouquinho — respondo, dando risada e olhando para o
quadro e depois, para ele de novo, para sinalizar. — O que eu mais gosto
nela é que não estão só os quatro. A foto precisa ser maior para caber os
integrantes e também os parceiros deles.
— Eu estava nesse dia — Nick confidencia.
Ele me conta a história de quando a banda que eu gosto veio até
aqui comer e eu sorrio com a história. A conversa se desenrola, mas então,
Derick se aproxima de nós e diz que precisamos voltar ao trabalho. Peço
desculpas e ele diz que não preciso me preocupar.
— Nos falamos depois? — Pergunto a Nick, quando ficamos a sós
novamente.
— Claro. Ah, ia me esquecendo — ele sinaliza e na sequência, pega
algo do bolso da calça, me estendendo. — É um broche. Eu usei quando
comecei a trabalhar aqui, achei que… poderia te trazer sorte. Os primeiros
dias foram complicados para mim, por conta de… bem, de tudo. Mas deu
certo. E eu espero que você se saia bem, Maya.
Pego o broche em mãos e sorrio ao ver o que há gravado no mesmo.
“Iniciante”. Coloco o mesmo na camisa, um pouco acima do logo e vejo
que ele sorri ao ver.
— Obrigada, Nick — sorrio agradecendo a ele.
Ele acena e se vira para voltar ao bar. Eu volto a fazer a higienização
das mesas, mas enquanto me movo pelas mesmas, balanço sutilmente ao
som da música, é difícil ficar parada certas horas, ainda mais quando me
sinto bem em algum lugar. O fato de me sentir acolhida no meu primeiro
dia de trabalho me deixa muito feliz.
Quando finalizo a limpeza, viro para ir em direção ao bar e vejo que
há um par azul de olhos me olhando. É Nicholas e, quando eu o flagro,
sorrio de levinho para ele, meio tímida e ele faz o mesmo.
E sigo a noite me sentindo bem. Feliz por estar aqui. Me sinto leve
como há tempos não me sinto.
Muitas vezes me perguntei se o amor é uma ilusão
Apenas para fazê-lo passar pelos dias mais solitários
All The Love In The World - The Corrs

— Você pode colocar a salada na mesa, meu amor? — Mahara


estende uma vasilha grande com uma salada colorida e com a cara ótima
para mim.
— Claro — digo a ela e pego a tigela, indo em direção a mesa
grande onde o almoço será servido.
Aos domingos, é comum nós sempre almoçarmos juntos, seja aqui,
na casa do meu pai e de Mah, ou na casa da minha mãe e de James, ou
mesmo no tio Nate. Geralmente, somos mais pessoas, é uma reunião
familiar um tanto quanto cheia, principalmente se tia Zara também se junta
a nós. Hoje, por conta de outros compromissos, seremos em menor
quantidade. Entretanto, isso não impede que um sorriso apareça em meu
rosto quando vejo tia Manu aparecer na sala de jantar assim que eu chego
ao cômodo.
— Oi, príncipe — ela me saúda com o apelidinho que me deu
quando pequeno.
— Oi, tia — envolvo Manu em um abraço quando ela se aproxima,
massageando meus cabelos — onde estão os demais?
— Pegando as comidas, já devem estar vindo — ela sinaliza e quase
como se fosse um comando, Louis aparece na entrada da sala de jantar,
segurando uma travessa, assim como Alex.
— Onde eu coloco isso aqui? — Pergunta ele, enquanto me estende
a mão para darmos um aperto.
— Leva pra tia Mah. — Explica ela. — E você, mocinha, pode me
dar essa travessa aqui — ela diz para Alex, que faz uma careta engraçada.
— Finalmente! — Diz a filha mais nova do tio Nate e da Manu. —
Oi, Nick.
— Oi, Alex — eu sinalizo de volta e me aproximo dela, para encher
seu rosto de beijos e bagunçar seus cabelos um pouquinho, ainda que, agora
aos doze anos, Alex finja se incomodar com todo esse carinho. — Estava
com saudades suas.
— Eu também, mas sabe como é, minha vida anda muito agitada —
desdenha ela, sinalizando rapidamente e pegando o celular do bolso, saindo
da sala de jantar. Tia Manu segue ajeitando a mesa e vejo quando ela ri.
— Acho que ela está gostando de alguém — diz ela com um
suspiro. — Vive no celular o tempo todo, e se a gente chega perto, ela
esconde.
— Tio Nate deve estar com os cabelos em pé — brinco a respeito.
— Eu achei que ele seria pior, mas seu tio até que não está indo tão
mal.
— O que eu não estou indo tão mal? — A voz de Nate sobrepõe
rapidamente a da esposa quando ele entra na sala de jantar. — E aí, Nick?
— Como vai, tio? — Abraço o homem de meia idade forte, com
quase a mesma altura que eu e que me conhece desde que nasci, enquanto a
esposa brinca com ele.
— Falei que você não está agindo como um pai protetor e chato com
a Alex — explica ela.
— Errado seria eu pegar no pé dela e não pegar no pé do Lou. Me
preocupo com os dois igualmente, quero que eles saibam que podem
conversar comigo sobre tudo.
— Alguém fez a lição de casa — meu pai entra na sala e brinca com
o amigo. — Quem diria que você seria um pai tão legal assim.
— Todo mundo diria — meu tio estufa o peito antes de continuar
— Afinal de contas, eu sempre fui um cara legal — Nate pisca para meu
pai e rouba um beijo da esposa, enquanto dou risada da interação que
acontece entre eles.
Logo depois, Mahara aparece, cumprimentando a todos e
carregando uma bandeja com frango. Ela pede que a ajudemos a pegar o
restante das coisas e Louis e eu, como sempre, ficamos responsáveis por
pegar os pratos, talheres e demais utensílios, enquanto os adultos pegam a
comida e bebidas.
Conforme eu fui crescendo, entendendo mais sobre a vida, sobre
tantas questões com as quais cresci envolto, passei a perceber o quanto sou
um cara de sorte, o quanto, mesmo em meio às dificuldades, aos primeiros
anos de vida meio conturbados por conta dos meus pais separados, bem
como a vida escolar e social um pouco mais complicada que o normal, por
conta da deficiência, ainda com tudo isso, de certa forma agindo contra
mim, não dá para negar que eu sou um cara de muita sorte e muito
privilégio.
Durante o decorrer do almoço, eu observo as interações e em certos
momentos, não consigo deixar de pensar como minha vida é boa. Todas as
pessoas do meu convívio usam a língua de sinais, todos sabem se
comunicar comigo. Tenho facilidade em ler lábios, uso aparelhos que me
permitem ouvir quase setenta por cento, mas ainda assim, todos à minha
volta fizeram questão de aprender a língua de sinais.
Nasci no Canadá, mas me mudei para um país tão legal e com
condições igualmente excelentes nessas de saúde e cuidado, bem como
inclusão. Há um longo caminho ainda a ser percorrido, mas nós chegaremos
lá.
Eu tenho um pai e uma mãe que se casaram novamente, mas que
construíram uma relação de respeito e companheirismo. Poucos filhos de
pais separados, ou mesmo de pais que não ficaram juntos, como é o meu
caso, podem dizer que os pais são amigos e se dão bem. Para além disso,
sou agraciado, assim como Louis, por companheiros dos nossos pais que
são maravilhosos conosco.
Minha família é diferente das demais, tenho duas figuras paternas,
duas maternas e, apesar de não ter irmãos de sangue, considero Louis e
Alex meus irmãos de coração. Penso sobre tudo isso enquanto tia Mahara
conta sobre as aventuras que Zayn e o marido, Robbie, estão vivendo
morando em Barcelona.
— Saudades do Zayn — diz Louis. — Lembra da gincana que
fizemos no verão, na casa da minha mãe, no Midsommar[4]?
— Aquela que você roubou a bandeira? — Alex fuzila o irmão e é
claro que Louis não deixa barato.
— Supera que você perdeu, Alex — diz ele enquanto sinaliza. —
Corro mais rápido que você, maninha. Não é porque eu corro no gelo que
eu não mando bem.
— Você trapaceou — resmunga ela novamente. — Até o papai
concordou.
— Ele só concordou porque vocês estavam no mesmo time —
retruca Lou. — Você mima demais sua filha — aponta ele para o pai.
— Eu mimo vocês dois, não tem diferença — explica Nate com
calma.
— Ainda bem, Sr. LeBlanc — Alex cruza os braços sobre o peito
antes de voltar a sinalizar. — Até porque, segundo a mamãe já me contou,
você tinha pavor ao pensar nos filhos jogando futebol. Me minar é o
mínimo.
— Não tem nada disso — visivelmente sem graça, Nathan continua
— Sua mãe gosta de criar intriga — diz, fazendo um biquinho na direção da
esposa. — Por que você foi inventar de falar isso? — Pergunta, enquanto
Manu ri.
— Porque é verdade, ora essa — tia Mah toma frente da conversa.
— Você queria porque queria que seus filhos jogassem hockey.
— E agora eu tenho um jogador de hockey e uma jogadora de
futebol, é o cenário perfeito — orgulhoso, ele estufa o peito. — Só faltou
você, Nick, para fechar o time.
— Quem sabe ele não cria um livro com esportistas — meu pai
comenta, dando uma piscadinha para mim.
— Viu? — Lou chama minha atenção. — Todo mundo apoia sua
carreira de escritor, só falta você assumi-la de uma vez.
— É difícil… — suspiro, enquanto sinalizo. — Criar coragem de
colocar as histórias para o mundo é o mais difícil. E se alguém falar que é
tudo ruim?
— Cara, você já lida com internet, isso ai vai ser fichinha —
comenta Louis.
— E se alguém reclamar, é só mais uma pessoa chata e pedante —
diz Alex.
— Alguém sempre vai criticar nosso trabalho, Nick. Infelizmente. E
cabe a nós aprender a lidar — completa tio Nate.
— E, meu amor, é só uma opinião. — Quem fala por último é
Mahara. — É só uma pessoa falando algo. No final das contas, é a sua
opinião, o que você pensa sobre você e sobre o que faz é tudo o que
realmente importa.
Meu pai toca a mão da esposa, levando a mesma até a boca para
deixar um beijinho na palma e todos olhamos encantados para Mahara. Ela,
mais do que qualquer um nesta mesa, sabe o quanto a opinião das pessoas
durante anos foi mais importante que a dela mesmo, por isso, um conselho
como esse, vindo de quem vem tem um significado muito importante.
No restante do almoço, as conversas se misturam. Eu compartilho
com aqueles que eu amo sobre as ideias que tenho tido; Alex conta sobre os
treinos de futebol e como o time dela está animado para dar seu melhor no
próximo campeonato. Tio Nate conta, pelo terceiro ano seguido, que esse
será o último em que jogará, mas a essa altura, nós só concordamos, porque
sabemos que muito provavelmente ele ainda não vai parar esse ano. Tia
Manu conta sobre a nova matéria de graduação que assumiu, assim como
seu trabalho no museu, catalogando os mais diferentes itens de povos
originários. Mahara também conta como tem sido cuidar de um projeto que
ensina sueco para mulheres refugiadas. Meu pai fala sobre seu trabalho e
dessa forma, o silêncio não tem espaço durante o almoço agradável de
domingo.
Quando as tigelas todas estão quase vazias, é hora dos adultos se
sentarem na sala para conversar, enquanto eu, Louis e Alex assumimos a
posição de limpar tudo, colocando a louça na lava-louças e guardando as
comidas que sobraram em potes.
— Vai trabalhar hoje ainda? — Pergunta Lou ao meu lado, enquanto
vai me entregando os pratos.
— Sim, entro às seis da tarde.
— Legal. E a Maya, ela também vai estar no turno da noite? — A
pergunta poderia ser inofensiva, mas vindo de Louis, sei que não é bem
assim que as coisas funcionam.
— Maya? Esse nome não me é estranho — Alex chama minha
atenção, cutucando meu ombro e sinalizando. — Maya… A sua amiga da
escola? — Pergunta enquanto balança as pernas que estão penduradas, já
que ela está sentada na bancada da cozinha, enquanto Louis e eu fazemos o
serviço. — A que você sempre foi a fim?
Olho para Alex, que parece completamente indiferente ao que disse,
mas, em seguida, fuzilo Louis, que logo compreende o motivo do meu olhar
duro.
— O quê? Eu não falei nada! — Justifica ele, jogando os cabelos
meio compridos para trás.
— Como se precisasse dizer algo. — Alex revira os olhos enquanto
fala. — Só sendo muito sem noção para não ver que você sempre teve uma
queda nela.
— Vocês dois, realmente, são insuportáveis. — Balanço a cabeça e
vejo quando os dois dão uma risadinha cúmplice, dando um toquinho
rápido de mãos.
— Você poderia aproveitar que estão trabalhando juntos e fazer algo
a respeito, sabe? — diz Alex de maneira óbvia.
— Ela namora há tempos… — respondo por fim.
— O Ken humano? — Pergunta Louis e eu afirmo em concordância.
— Tem certeza?
— Certeza eu não tenho, mas por que a pergunta?
— Fui mexer no Instagram dela depois que a encontrei naquele dia
e não vi uma foto dela com o cara… Pelo menos não sozinhos.
— Sério? — Pergunto e na mesma hora, reconheço o tom de voz
usado. É um tom esperançoso e eu logo o freio. — Bom, não importa.
— Imagina se importasse — Alex ri e dá um salto da bancada,
pegando o celular do bolso. — Você e o meu irmão são dois cabeça dura.
— Lá vem você com esse papo — Louis sinaliza rápido enquanto
fala. — Tira essa ideia da sua cabecinha, maninha, eu não gosto dela. Só
porque nós dois adoramos implicar um com o outro, isso não significa que
haja alguma espécie de sentimento reprimido.
— De quem estamos falando? — Pergunto aos dois.
— A nossa vizinha, a Karin.— Responde Alex e eu começo a rir.
— Eu gosto da Karin — comento de forma despretensiosa — E
vocês tem muitas coisas em comum. O hockey, por exemplo.
— Nem começa você também com essa história — repreende Louis
— Aquela garota não aguenta meia dúzia de brincadeiras e me tira do sério
desde que somos crianças, ela seria a última pessoa que eu gostaria no
mundo.
— Aham, tá bom — responde Alex, com um sarcasmo tangível e
assustador para uma pré-adolescente de doze anos.
Ela adora pegar no pé do irmão por conta da irmã mais velha de sua
melhor amiga, mas verdade seja dita, algo acontece entre esses dois, talvez
seja provocação de criança, já que eles se bicam desde pequeno, ou talvez
seja algo a mais, nunca saberemos. Entretanto, com o espírito competidor
que existe em Louis, ele não perde a chance de dar o troco na irmã mais
nova.
— E outra, se você começar a me encher o saco, eu vou abrir a boca
pro papai e pra Manu e contar que eu ouvi você ontem no telefone —
Louis cruza os braços, ajeitando a postura para ficar ainda mais alto que a
irmã e, simulando atender uma ligação, ele começa a imitar Alex. — Ai,
Andrew, eu adoro futebol… ai, Andy, eu também adoraria ir ao cinema…
Ai, Andy…
Louis não continua, porque em segundos, Alex avança em cima do
irmão.
Em horas como essa, é muito bom ser filho único. No emaranhado
que meus amigos formam, não deixo de reparar nos dois. Apesar de
diferentes fisicamente, Alex e Louis são muito parecidos de jeito. Alex tem
os cabelos e olhos castanhos, assim como tia Manu e também como tio
Nate. De personalidade, quando colocada ao lado da mãe, as duas agem de
forma quase igual. Já Louis é uma mistura boa da mãe e do pai, os olhos
são da tia Zara, assim como os lábios e até mesmo o tom pálido da pele.
Mas o jeito… Cem por cento do tio Nate.
Verdade seja dita, ambos são carismáticos como os pais, e apesar de
se darem super bem, os dois também adoram se provocar. Eles se amam e
isso é visível de várias formas, principalmente quando um vai assistir ao
outro jogando. Louis grita mais do que a torcida toda durante os jogos de
futebol de Alex, e ela, em contrapartida, lidera com afinco a torcida
organizada do irmão. É lindo de ver.
Eu os amo e sei que, apesar desse momento, os dois estarem me
enchendo o saco por conta de uma quedinha de escola que já passou, eu sei
que o amor que tenho por eles é recíproco. Quando eles finalmente param,
eu dou por finalizada a organização da cozinha e, juntos, nos unimos aos
nossos pais na sala. Apesar de precisar trabalhar, não vou para o quarto
descansar, fico em um dos sofás, com Alex deitada no meu colo e converso
com aqueles que eu amo.
Todavia, pelo restante da tarde, assim como quando chego ao
LeBlanc's, não consigo evitar um pensamento. Será que Louis está certo?
Será que Maya não está mais namorando? É a pergunta que se repete
durante todo o expediente, ainda mais quando vejo Maya de relance,
atendendo as mesas, mas principalmente, nas pequenas brechas que temos
de contato, quando ela vem me trazer algum pedido. Em um dado
momento, me vejo lamentando por não termos um momento tranquilo para
que possamos conversar.
Entretanto, o domingo à noite é agitado, o bar não para até às onze
horas e quando dou por mim, não parei nem mesmo para comer. Quando
vou até o vestiário, o armário que Maya tem usado está aberto, ou seja, ela
já foi embora.
É melhor assim, Nicholas. Você não precisa de mais gatilhos para
ativar novamente sua paixonite por ela.
Repito isso durante todo o caminho de casa, até acreditar fielmente
nas palavras. Ou, ao menos, torcer para que eu acredite nessas palavras.
Eu tenho uma queda por uma garota
Odeio admitir isso, mas
Meu coração fica acelerado
Girl Crush - Harry Styles

Posso não praticar nenhum esporte, mas eu tenho um time, e ele é


composto por mim e mais uma pessoa: Jordan Lilsson.
Jordan é meu intérprete, nós nos conhecemos há anos e ele se tornou
meu colega de cursos, bem como na escola, quando era necessário, e
depois, na faculdade. Aos quase cinquenta anos, em momentos como esse,
onde o professor está explicando com uma riqueza absurda de detalhes e
debatendo a respeito de uma obra do romantismo inglês, me pergunto se ele
não se sente entediado.
Entretanto, me mostrando o completo oposto, enquanto ele sinaliza
para mim, para que eu não perca nenhum detalhe da explicação, sua
expressão, que eu também conheço pelo tempo que estamos juntos nessa
parceria, ele me mostra que está adorando os levantamentos feitos pelo
professor.
Tento tomar nota do máximo de coisas que posso e, quando a aula
acaba, Jordan rapidamente chama minha atenção.
— Acho que essa é minha aula favorita do semestre.
Dou risada da forma como ele comenta animado.
— Sempre acho que um dia você vai chegar e falar: "olha, Nick,
estou cansado, estou ficando velho, quero cuidar das minhas plantas e estou
exausto de te acompanhar nas aulas" — cito a questão da velhice apenas
para irritá-lo. O que sempre funciona.
— Um dia, eu vou deixar você na mão só para que você não seja tão
insolente — ele sinaliza e fala, mas quando termina, esfrega meu cabelo,
despenteado os fios. — Anda logo, estou liberado?
— Está. Pode ir para sua consulta ao geriatra — não resisto em
provocá-lo novamente, mas quando ele faz uma careta, eu o abraço.
Jordan e eu somos tão próximos que não consigo encará-lo apenas
como meu intérprete, ele é meu amigo. Ainda que soe estranho um cara de
quase vinte anos ter uma amigo perto dos cinquenta.
Nós nos despedimos e eu decido comer pela faculdade mesmo. Na
minha rotina de tarefas do dia, eu preciso gravar conteúdos para o
Instagram, alguns vídeos curtos e programar posts informativos. Nunca
pensei que iria me apegar a ideia de falar sobre deficiência auditiva nas
redes sociais, mas hoje, mais do que uma diversão, sinto que estou fazendo
algo importante. Toda vez que recebo uma mensagem de algum seguidor
falando que, através dos meus vídeos, conseguiu perder um preconceito, ou
compreender melhor a respeito do tema, ou mesmo de pessoas que têm a
mesma condição que eu, que se sentiram acolhidas, enviaram para amigos,
familiares e afins, para que estes pudessem entender, me sinto feliz por estar
fazendo algo útil.
Com mais de cem mil seguidores, não é fácil administrar minha
conta, mas dou o meu melhor para responder as DM's, olhar comentários e
ignorar aqueles que de nada me são úteis. É uma prévia do que posso vir a
enfrentar se decidir seguir a carreira de escritor, é o que meu pai me
lembrou dias atrás, enquanto conversávamos sobre isso. Pelo menos eu
conto com ajuda de uma pessoa que filtra as mensagens e comentários, fez-
se necessário a partir do momento que começou a dar muito certo.
O mundo da internet é maluco.
Porém, não são os comentários, nem mesmo as DM's que fazem
com que eu perca um tempo a mais na rede social de fotos. Mesmo que,
involuntariamente, pego-me entrando no perfil de Maya. Desde o domingo
em que Louis comentou a respeito de não achar que o namorado e ela
estavam mais juntos, eu tenho tentado encontrar algum indício de que seja
verdade. Não gosto de admitir, mas para ser sincero, dei uma verdadeira
atenção para a questão.
Maya e eu temos nos encontrado nos turnos do LeBlanc's, ela está
perto de completar sua terceira semana de trabalho e parece estar indo bem.
Acabei não indo em um dos dias do final de semana passado por conta de
um jogo, o que culminou em TV’s com volume e um ambiente não muito
propício para mim. Entretanto, isso não me impediu de olhar o perfil dela
muito mais vezes do que quero admitir. Assim como estou fazendo agora.
Diferente de mim, que, ironicamente, de um cara tímido, se tornou
realmente ativo nas redes, postando fotos minhas, da minha rotina e afins,
só há um tema constante nas fotos de Maya: o ballet. Desde fotos suas
ensaiando, bem como vídeos, viagens com o corpo de ballet da academia
que faz parte, fotos de espetáculos e vez ou outra, fotos de seu cotidiano
sem que o ballet seja plano de fundo. Uma delas, odeio admitir, mas sou
completamente apaixonado. Gosto da foto porque eu lembro dela sendo
tirada.
Foi no dia que comemoramos nossa formatura. Usando os típicos
chapéus de marinheiro, presente de graduação, nós estávamos prestes a sair
na rua para comemorar, mas todos se reuniram para tirar fotos da turma
toda. Por um acaso do destino, fiquei próximo dela na foto e por conta
disso, vi quando uma das amigas dela virou e disse: “fica assim, May, vou
tirar uma foto”. Com a cabeça apoiada no ombro, o close em seu rosto
permite que eu veja pequenas pintinhas que ela tem na região das
bochechas, o brilho dos olhos castanhos está ressaltado por conta da luz do
sol e ela sorri, feliz.
Simplesmente linda.
Além dessa em especial, eu rolo o feed olhando para suas fotos do
ballet, Maya tem o corpo de uma bailarina, cheia de músculos nas pernas,
magra, mas não de uma maneira que possa ser ruim para a saúde dela, os
cabelos loiros geralmente presos e as mais diferentes posições, sempre com
um ar leve.
Maya transmite leveza em cada uma de suas fotos.
Penso nisso e, felizmente — ou infelizmente — me vejo abrindo o
bloco de notas do telefone para anotar uma ideia de poema, me esforçando
para continuar a seguir na fila e não atrapalhar ninguém. Sigo andando e
digitando, mas sou parado quando sinto uma mão em meu ombro. Viro para
olhar e encontro Ana ao meu lado.
— Escrevendo? — Pergunta, apontando para a tela do meu celular e
eu rapidamente a bloqueio.
— Só anotando umas ideias — digo rapidamente. — Quanto
tempo.
— Desde o LeBlanc’s — ela pisca para mim e se inclina, dando um
beijinho suave em minha bochecha. — Precisando de companhia para
almoçar? — Questiona com um sorrisinho esperto nos lábios.
— Claro.

Passo a tarde na faculdade com Ana, estudando e lendo alguns


textos para as próximas aulas e matérias que temos. Eu aproveito o tempo
também para responder e-mails e roteirizar alguns novos vídeos que
pretendo gravar. Aceito algumas opiniões de Ana sobre como iniciar um
novo quadro no Instagram sobre tirar dúvidas e ela me elogia pela
criatividade. Ao final da tarde, quando estamos nos despedindo, sou pego
de surpresa quando ela dá um beijo mais ousado no canto da minha boca.
Incitado pela vontade, eu aproveito a brecha e a beijo. É algo rápido, nada
muito aprofundado, até porque estamos dentro da faculdade e as pessoas
não deixam de passar por nós.
— Até mais, Nick — sinaliza ela e diz em voz alta, se despedindo
de mim, indo na direção contrária.
Dou um sorrisinho para mim mesmo porque a forma como o dia
terminou me deixou verdadeiramente surpreso.
Vou em direção ao ponto de ônibus e respondo a mensagem do meu
pai, perguntando se vou dormir na casa dele. Minha mãe e meu pai, sempre
procurando me dar uma vida confortável e na presença dos dois, moram
próximos. São algumas ruas de diferença que separam a casa de Hannah e
Dave, por isso, é comum que eu durma em diferentes lugares durante a
semana. Em ambas as casas, eu tenho meu espaço e adoro isso. Respondo a
ele que vou dormir por lá, mas que vou jantar com a minha mãe primeiro, já
que ela me fez o convite.
Ele diz que tudo bem, mas que vai me esperar para continuarmos a
assistir o anime que ele me apresentou recentemente e eu dou risada. Meu
pai está mais animado do que eu com essa maratona que estamos fazendo,
mas eu adoro, é um tempo nosso em família. Enquanto espero o träm,[5]
respondo minha mãe perguntando se ela quer que eu a encontre em casa ou
no LeBlanc’s. Rapidamente, ela diz que está no bar e eu tomo a linha na
direção certa, é mais perto da faculdade e não levo muito tempo para
chegar.
Adentro ao LeBlanc’s e vou até a área do bar cumprimentar alguns
amigos. Esse ambiente é muito familiar para mim, é muito comum de se
estar e eu conheço boa parte das pessoas há tempos. Apesar dos garçons se
renovarem por conta de trabalhos de verão, alguns são fixos e por isso, a
proximidade entre nós é comum. Sento rapidamente no banco quando um
dos chefes de cozinha aparece e começamos a conversar sobre novas
mudanças nos pratos. Depois que Alex descobriu sua intolerância ao glúten,
minha mãe e tio Nate passaram a se preocupar ainda mais com alimentos
sem glúten. Todo restaurante tem opções para intolerantes, mas nós
tentamos sempre melhorar e oferecer mais e mais opções, bem como para
pessoas vegetarianas e veganas.
Depois de conversarmos um pouco, eu peço licença e vou em
direção a parte dos funcionários, o acesso restrito onde o escritório que
minha mãe, tio Nate e outras pessoas trabalham. Minha mãe odeia portas
fechadas, ela conta que é culpa do chefe horrível que teve antes de se mudar
para Estocolmo, por isso, encontrar a porta do escritório dela aberta é algo
comum.
O incomum é reconhecer a pessoa sentada na cadeira em frente a
mesa da minha mãe.
É Maya.
Não as atrapalho, mas minha mãe capta minha presença pela visão
periférica e Maya, talvez por vê-la desviar o olhar, vira o rosto e nossos
olhos se encontram. Podemos não ser melhores amigos, mas eu a conheço
desde sempre. Conheço a expressão em seu rosto, ela está chateada.
— Filho, eu já vou, só… — minha mãe fala e sinaliza.
— Sem problemas, Hannah — diz Maya, começando a sinalizar,
levantando em seguida. — Já tomei muito seu tempo.
— Está tudo bem? — Me vejo fazendo a pergunta e entrando na
sala. Questiono olhando para Maya e vejo quando ela faz um biquinho com
os lábios, mas tenta arrumar a postura.
— Está sim… Quero dizer, nada de grave aconteceu, só uma
mudança nos planos — ela começa a explicar. — Vim pedir meu
desligamento do bar.
— O que houve? — pergunto às pressas.
— Vou precisar me mudar — quando ela diz isso, não consigo
controlar a expressão de decepção. — Vou me mudar para a cidade onde
meus pais estão morando. Minha colega de apartamento conseguiu uma
vaga para estudar na Universidade de Amsterdã e eu não consigo arcar com
o aluguel sozinha, eu não estou em nenhum espetáculo, só com o salário
aqui não consigo fazer tudo…
Ela segue me explicando e enquanto fala, fico pensando em
soluções, refletindo o quanto Maya deve estar frustrada, como é injusto que
ela tenha que desistir de tudo e a forma como ela está triste e se sentindo
insuficiente. Sei como ela se esforçou para conseguir estar onde está, como
a carreira da dança é difícil e não consigo deixar de pensar que é injusto.
— Bom, vocês não precisam saber de todos os detalhes — diz por
fim, me tirando do devaneio, como se estivesse me incomodando. —
Hannah, eu queria agradecer novamente por você…
— Você pode morar com a gente.
Quando dou por mim, as palavras escapam da minha boca sem que
eu me dê verdadeiramente conta do que acabei de dizer e mais, oferecer.
Olho para minha mãe e vejo que ela tem uma expressão de dúvida,
esperando ver onde quero chegar.
— Eu jamais poderia… — Maya começa a falar, mas eu a
interrompo.
— Você conhece a minha casa, nós temos o quarto que fica no
subsolo, no porão para todos os efeitos — começo a explicar — nós já
alugamos ele uma vez. Podemos fazer de novo.
— Nick, eu acho que… — Maya volta a falar, mas novamente,
quem toma a frente é minha mãe.
— Querida, é uma ótima ideia — volto os olhos rapidamente na
direção da minha mãe e ela continua — Não é como ter uma casa só sua,
mas você pode ficar livre para usar a cozinha e como o quarto meu e do
James é suíte, você só dividiria o banheiro com o Nick.
Automaticamente quando ela diz isso, penso no que acabei de
oferecer.
Morar sob o mesmo teto que Maya.
— Não posso abusar de vocês dessa forma — comenta Maya. —
Eu… eu não…
— Você pode pagar um valor simbólico — continua a explicar
minha mãe. — Algo que caiba no seu orçamento e não prejudique.
— E é algo temporário — tomo a frente da conversa novamente. —
Quero dizer, não tem problema nenhum você morar conosco, não vejo
como algo ruim, muito pelo contrário — começo a me embaralhar nas
palavras, mas luto para me concentrar no que realmente quero dizer. —
Pense como algo temporário, até você se ajeitar. Tenho certeza que você vai
conseguir um papel em algum espetáculo.
— Quem dera fosse assim — Maya parece visivelmente frustrada e
triste com isso. É só mais um motivo para que ela não desista, que não
deixe seus sonhos e tudo que conquistou por conta de um apartamento.
— Você é a melhor bailarina que eu conheço — digo de forma
sincera. — É só questão de tempo.
— E quantas bailarinas você conhece, Nicholas? — Pergunta com
um pequeno sorrisinho no rosto e, quando diz meu nome por inteiro, sou
transportado para quando éramos crianças e ela liderava as brincadeiras,
chamando todos os nossos colegas dessa forma.
— Conheço uma, mas sei que ela é a melhor de todas — não me
contenho e a elogio. O sorriso se espalha pelos lábios dela e me vejo
fazendo o mesmo.
— Aceite, querida — minha mãe, que antes só nos observava, volta
a falar. — Se quiser, eu converso com os seus pais a respeito.
Maya olha para minha mãe e vejo quando seus ombros sobem e
descem, enquanto ela respira fundo. Depois, ela olha para mim e, a forma
como seus olhos castanhos se fixam nos meus fazem com que as batidas do
meu coração fiquem desreguladas. É quase como se estivesse sentindo a
vibração da bateria, que eu tanto gosto de tocar. Mas, então, para piorar
tudo de uma vez, eu vejo um brilho diferente no olhar dela. São pequenas
lágrimas que começam a se formar.
— Nunca vou conseguir agradecer isso. Nunca! — diz ela, olhando
para mim e vira para minha mãe. — Eu aceito, Hannah.
Minha mãe, com seu olhar doce e gentil, sorri para Maya e então, as
duas começam a conversar sobre detalhes. Elas comentam sobre marcar
uma ligação com os pais de Maya, que por sua vez, diz que ainda tem mais
duas semanas para se mudar, já que a amiga vai organizar o restante das
coisas enquanto mora com a namorada, para evitar precisar pagar mais um
mês de aluguel. Participo da conversa delas, dizendo que posso ajudar na
mudança dela e do que precisar e por fim, com boa parte dos detalhes
acertados, Maya agradece mais uma vez minha mãe, dando um abraço
caloroso nela.
Quando ela vai se despedir de mim, sou pego de surpresa quando ela
se coloca na ponta dos pés e envolve os braços em meu pescoço, me
abraçando. Envolvo o corpo pequeno de Maya e inalo o cheiro dela. Maya
tem cheiro de lavanda e tangerina, é fresco, é leve. É ela. Meu coração bate
um pouco mais acelerado, ainda mais quando sinto os dedos dela alisando
meus cabelos. Quando se afasta, ela deposita um beijo em minha bochecha
e eu sinto como se meu corpo estivesse flutuando pelo escritório da minha
mãe.
— Obrigada por sempre ser maravilhoso comigo, Nick — ela diz e
sinaliza. — Obrigada por acreditar em mim.
— Sempre, May — respondo. — Sempre.
Ela sorri mais uma vez e então, se despede por fim, já que ainda não
é dia de escala de trabalho. Só então, quando ela pega suas coisas é que vejo
as duas bolsas que ela carrega, provavelmente ela veio direto do ballet.
Vejo pela visão periférica quando minha mãe vem até o meu lado, já
com sua bolsa na mão, assim como a chave do carro.
— Então… — ela me chama e eu viro para ela. — Vamos querer
falar a respeito disso?
Fecho os olhos devagar e respiro fundo, ciente do que minha
progenitora está se referindo.
Ofereci um quarto da minha casa para Maya morar conosco.
Ela aceitou.
Vou dividir minha casa com a garota por quem sempre fui
apaixonado. É inegável dizer que meus sentimentos por ela falaram mais
alto neste momento. De alguma forma, ainda que Maya não seja nada além
de uma amiga, uma colega de infância, não fiz isso porque gosto dela
apenas como amiga. Fiz isso porque simplesmente… Não sei. Acho que
não consegui imaginar ficar longe dela de novo, não agora que estamos nos
aproximando. Não consegui imaginar ficar longe dela. Não consegui
suportar a expressão de tristeza em seu rosto. Mais do que isso, tenho
ciência de que, se não houvesse uma solução como oferecer o quarto extra
que temos em casa para ela, eu muito provavelmente teria passado um bom
tempo pensando em outra alternativa.
Porque é assim que me sinto quando se trata de Maya Karlsson.
Sentimentos inexistentes? Quem eu quero enganar!
Eu sinto que eu seria capaz de fazer tudo por ela.
Com toda a certeza, fica nítido perceber que eu não superei meus
sentimentos por ela.
Como vou morar sob o mesmo teto que a garota que detém meus
pensamentos e as batidas do meu coração? A sensação de frio na barriga,
como se eu estivesse descendo em alta velocidade de um brinquedo radical
me atinge, e é só quando minha mãe toca meu queixo, fazendo com que eu
erga o rosto, é que dou uma resposta para ela.
— Podemos conversar depois do jantar? — Faço minha melhor
expressão de quem aprontou algo, como se estivesse tentando escapar de
uma bronca ou de um sermão.
Minha mãe começa a rir, mas faz exatamente o que eu imaginei que
faria. Ela me abraça pelos ombros e não diz mais nada, porque, no fundo,
bem no fundo, eu sei que ela sabe exatamente o que me motivou a fazer o
que fiz.
Fizemos uma caça aos ovos na escola hoje. Quem pegasse mais ovos
ganhava um prêmio, e eu sou muito bom nisso. Eu tinha encontrado todos os
ovos e quando ia levar até a professora, vi a Maya chorando. Ela não tinha
encontrado nenhum. Fiquei triste e acabei dando alguns dos meus ovos para
ela, não queria que Maya ficasse sem prêmio.
Mamãe disse que eu sou um ótimo amigo.

Nick Bennet, dez anos.


Eu só fico feliz quando chove
Eu só fico feliz quando é complicado
Only Happy When It Rains - Garbage

Nós nunca temos dimensão do acúmulo de coisas que temos até


fazer uma mudança. É um fato, e contra fatos, não há argumentos. Passei
um ano em Copenhagen e, nesse um ano, acumulei bastante coisa, precisei
trazer uma mala média com novas roupas, acessórios, itens de decoração e
afins. Fui uma pessoa relativamente contida durante esse um ano que passei
fora, mas quando voltei para Estocolmo, mesmo que meus pais tenham
montado meu quarto na casa deles e que boa parte de móveis,
eletrodomésticos e itens básicos do apartamento que divido com Ellie sejam
dos proprietários, aqui estou eu: fechando a terceira caixa grande de
papelão.
— Vou sentir falta de encontrar esparadrapos pela casa toda — a voz
de Ellie me desperta e quando ergo o rosto, ela está segurando dois rolos de
fita.
— Eu sempre acho que está acabando, acabo comprando um rolo e,
quando vejo, tenho uns cinco pela metade — sorrio para ela, pegando os
mesmos de sua mão. — Obrigada.
— Vem aqui — ela abre os braços e eu aceito o abraço que me
oferece. — Como posso estar feliz e triste ao mesmo tempo? Quero dizer,
não vejo a hora de ir para Amsterdã, mas estou com o coração apertado de
deixar você e Lena.
— É seu sonho, El, você tem que estar radiante. — respondo
sincera, dando um passo para trás para olhar em seu rosto, afastando uma
de suas mechas de cabelo castanho e alisando sua pele bronzeada, graças
aos muitos dias de praia e escaladas que ela e a namorada fazem. — Estou
muito orgulhosa de você. Poucas semanas atrás você achava que não ia dar
em nada e agora, olha só pra você. Indo para Amsterdã passar um ano
estudando, com chance ainda de renovar.
— Eu sei, só… Já me sinto com saudades de vocês. Além disso,
deixei você na mão… — ela faz um biquinho com os lábios.
— Não deixou não — digo por fim. — E eu já arrumei um lugar
para morar, já deu tudo certo.
— Me lembre de agradecer ao Nick quando ele chegar. Ele foi
muito legal ao sugerir a casa dele, eu diria até… Ousado — Ellie ergue as
sobrancelhas e não contenho a risada.
— Você não perde uma, não é? — Questiono, me afastando dela
para continuar a guardar minhas coisas. — Ele só foi gentil.
— E o inferno é só uma sauna — Elle brinca, fazendo referência a
um dos filmes que ama e eu viro para ela, rindo, jogando uma almofada em
seu rosto.
— Me leva a sério!
— Eu levo! — Com a almofada nas mãos, ela ergue os braços em
sinal de rendição. — Vamos, o que posso fazer para ajudar?
Pelo restante do tempo, Ellie e eu guardamos minhas coisas e
aproveitamos o tempo juntas, afinal de contas, ela viajará em breve. Foi um
choque quando cheguei em casa alguns dias atrás, depois do ballet, e Ellie
estava eufórica com a notícia que tinha recebido. Ela e o orientador haviam
inscrito o projeto de pesquisa dela para as mais diferentes vagas de
intercâmbio, mas ela não tinha sido aceita em nenhuma.
Ellie já tinha desistido da ideia de estudar fora quando recebeu a
resposta positiva da Universidade de Amsterdã, uma das melhores para o
curso de Psicologia.
Eu sabia que havia a chance de ter que me mudar caso ela passasse,
mas quando a encontrei e aceitei os termos… Bem, minha vida estava bem
diferente. Eu ainda tinha um namorado e achava que estaria escalada em um
espetáculo. Não imaginei que estaria tão desamparada. Quando penso nisso,
não consigo evitar o sentimento de chateação que toma conta de mim, de
frustração. Posso não sentir mais nada por Daniel, mas ainda assim, não é
tão fácil me perdoar e entender que não sou um fracasso completo, ou uma
tola que caiu nas meias palavras e se deixou levar pelo jeitinho convencido
do ex-namorado.
— Ei! — Ellie toca meu ombro e eu levo um breve sustinho. —
Desculpa, mas você ficou meio aérea.
— Foi mal, estava só… pensando.
— Quer dividir seus pensamentos?
— Não me leve a mal, não estou chateada com você por estar se
mudando, muito pelo contrário. É triste que vamos ficar longe,
principalmente porque depois de tantos anos sem notícias uma da outra, nós
nos reencontramos — sorrio e Ellie concorda. — Eu sabia das condições,
mas…
— Mas, na época, sua vida estava de outra forma. — completa ela,
sem que eu precise falar. — Você tem se encontrado com ele? Com o
Daniel?
— É inevitável, né? Ele ensaia por lá… — respiro fundo — Ouvi
umas conversas soltas de que eles estão tendo algumas questões com o
diretor, mas sabe, eu não quero ficar sabendo sobre. Não vou torcer pelo
fracasso da peça, nem pelo dele ou de Johanna — falo com certa rapidez,
demonstrando o quanto o assunto me incomoda. — Quero conquistar meu
lugar sem precisar puxar o tapete de ninguém.
— E é por isso, amiga — Ellie se aproxima, enquanto enrola um
quadro no plástico bolha. — Por causa do seu coração bom, que você vai
conseguir tudo o que quiser, porque as coisas boas acontecem para aqueles
de coração puro.
— Ainda bem que você acredita nisso. — Respondo, levemente
desanimada, pegando o quadro da mão dela e guardando na caixa.
— Não vai ser um babaca que não merecia o seu amor, ou um
espetáculo que vai te fazer desacreditar em si mesma. E eu posso estar em
Amsterdã daqui alguns dias, mas quero que saiba que pode contar comigo,
pra tudo.
As palavras de Ellie me tocam e eu sorrio mais uma vez. Vou sentir
falta dela. Depois que me formei na escola, logo na sequência me mudei por
conta do intercâmbio e boa parte das minhas amigas de escola também se
mudaram para estudar em outros países e cidades, é algo comum. Fora isso,
é triste admitir, mas com Daniel, eu acabei me aproximando muito mais dos
amigos e amigas dele e deixei meu próprio círculo pessoal de lado.
Ninguém te conta que, quando você termina um namoro, os amigos
da outra pessoa acabam encerrando a relação com você.
— Prometo te visitar sempre que puder — abraço minha amiga
mais um pouco, mas antes que possamos continuar a conversar, o interfone
toca. — Deve ser o Nick, você atende para mim?
— Claro — diz ela, saindo do quarto.
Continuo a guardar as últimas coisas e pondero o pedido de
desculpas que vou fazer a Hannah e James quando chegar a casa deles. Já
foi muito gentil da parte deles me deixar alugar o quarto, mas não posso
abusar do espaço da casa, eu não contava que teria tantas coisas para levar.
Pondero ver com meus pais de levar algumas coisas para a casa deles, mas
meus pensamentos se perdem quando ouço a porta da frente ser aberta e a
voz de Ellie e de Nick sobressair o silêncio.
Instantes depois, as vozes se aproximam do meu quarto e logo, Nick
está parado no batente da porta.
— Oi — diz ele enquanto sinaliza.
Nick está usando uma camiseta preta com alguns desenhos no canto
esquerdo, calças jeans de lavagem escura e o Vans cinza com xadrez. Os
cabelos dele estão mais compridos do que quando estudávamos juntos, não
chega a ser compridos como os do amigo, Louis, mas estão maiores. O tom
de loiro escuro contrasta com o claro do meu, mas estão estilosos penteados
para trás, como se ele estivesse imitando o estilo de cabelo dos homens nos
anos cinquenta.
Nick sempre foi um cara bonito, mas agora… Uau. Ele parece estar
ainda mais neste momento.
— Oi, Nick — digo por fim, deixando os segundos de silêncio
enquanto divagava de lado. — Obrigada por vir ajudar.
— Imagina — responde e vejo que o sorrisinho tímido se faz
presente em seu rosto. — Cheguei muito adiantado? Precisa de ajuda?
— Não, a Ellie me ajudou. Tem inclusive muita coisa, já peço
desculpas desde já por ocupar tanto espaço, prometo que…
— Você fala como se estivesse fazendo algo de errado — ele me
corta — Você está mudando de casa, tem coisas para levar, está tudo bem.
— Eu sei, é que sua mãe, James e você já foram tão solícitos, não
quero abusar.
— Não se preocupe com isso, de verdade. Vai ser bom ter você
conosco — quando diz essas palavras, quase posso jurar ver um tom mais
avermelhado nas bochechas claras de Nicholas, mas ele rapidamente volta a
falar. — Tem alguma coisa que eu já posso ir levando para o carro?
— Claro, essas duas caixas aqui e essa mala — digo, apontando
para os itens em questão — Espera, eu te ajudo…
— Não esquenta.
Ele responde rapidamente e coloca a alça da mala de mão no ombro,
enquanto empilha as duas caixas. Tento me aproximar dele para ajudar, mas
Nick mostra que tem tudo sob controle.
São duas caixas pesadas, quando foi que ele ficou tão forte?
Vejo Ellie igualmente surpresa quando ele termina de se ajeitar e
ela, prontamente, toma a frente do caminho para abrir a porta. Eu o
agradeço mais uma vez e, quando fico sozinha no quarto novamente, volto
a guardar as coisas, dessa vez mais rápido.
— Escuta — Ellie aparece na porta do quarto, chamando minha
atenção. — Quando você pretendia me contar que ia morar com um
príncipe nórdico?
Reviro os olhos mas não consigo evitar a risada que me escapa dos
lábios.
— Não era você que não gostava de monarquia? Vive falando do
papel figurante e antiquado da família real sueca e tudo mais...
— Não fuja do assunto, estou falando sério — minha amiga faz uma
pose séria, colocando as mãos na cintura. — Tonta você seria de não aceitar
morar com ele e a família.
— Ellie… — eu a repreendo — Não tem nada a ver e você sabe
disso.
— Eu sei, mas tem outra coisa que eu também sei. — ela começa a
erguer os dedos para elencar. — Um, esse cara é lindo, e olha que nem faz o
meu tipo — ela brinca, fazendo referência ao fato de ser lésbica. — E, dois,
ele é um doce de pessoa. Só pelos minutos que passou aqui, já deu pra
perceber que ele faz parte do time dos bonzinhos. E sabe qual a melhor
parte? — Ellie faz uma pausa dramática antes de continuar. — Tem cara de
bonzinho, mas que beija bem.
Estou pronta para responder a ela, mas a voz de Nick reverbera na
porta do quarto.
— Posso pegar mais alguma coisa? — Nós duas pulamos do lugar,
sendo pegas de surpresa. Ele olha levemente assustado e logo começa a se
desculpar. — Desculpa. A porta ficou aberta e eu entrei, não queria…
— Está tudo bem, Nick — rapidamente, eu sinalizo e falo para ele.
— Vou te ajudar a levar as coisas agora. Pode pegar essa última caixa aqui,
se não se importar.
Ele assente e pega a caixa, tomando a frente do caminho. Assim que
sai do quarto novamente, Ellie olha para mim e sussurra baixinho.
— Será que ele ouviu o que falamos?
— Não sei, eu espero que não — digo rapidamente. — Você e essa
sua língua enorme.
— Desculpa, amiga — ela faz uma careta e mostra a língua. — Mas,
ainda assim, mantenha isso em mente, quem sabe…
Aceno com a mão para que ela pare de falar essas coisas e, rendida,
Ellie decide me ajudar a fazer o que é necessário. Pegamos minhas coisas e
começamos a levar até o térreo, onde o carro de Nick está estacionado. Nós
o ajudamos a colocar as coisas no porta-malas e também no banco do
passageiro e quando tudo está carregado, eu passo alguns bons minutos me
despedindo de Ellie. Vou realmente sentir sua falta e isso fica evidente
quando ela fica um pouco emocionada e eu também. Ficamos pouco tempo
morando juntas, mas tenho para mim que se as circunstâncias fossem
outras, tanto ela quanto eu teríamos continuado dividindo o apartamento por
muito e muito tempo.
Quem sabe num futuro distante isso não volte a acontecer.
Despedidas feitas, Nick e eu entramos no carro e ele dá partida,
comigo acenando para Ellie e o prédio que foi meu lar por um curto período
de tempo. Quando viramos no farol e eu não consigo mais ver minha amiga,
o silêncio se faz presente no carro. Nick e eu nunca ficamos sozinhos assim,
nessas circunstâncias.
— Você está bem? — Pergunta Nick, quebrando o silêncio entre
nós.
— Estou sim, é difícil despedidas, mas… Eu meio que estava
preparada para isso. — Começo a explicar. — Ellie tinha chances de passar
em um edital para estudar fora e quando aceitei morar com ela… bem, as
condições eram outras.
— Eu entendo — responde Nick. — Posso… te perguntar uma coisa
sem parecer invasivo?
— Claro.
— O seu namorado, o Daniel, ele…
— Ex-namorado — respondo, entendendo onde ele quer chegar —
esse foi um dos motivos pelos quais eu aceitei morar com Ellie. Quando
aceitei morar com ela, eu sabia que havia chances de precisar sair, mas eu…
Bem, eu tinha Daniel e eu achei que…
Nick balança a cabeça em concordância e, quando ele para no farol,
olha para mim. É curioso como mesmo sem sermos íntimos ou mesmo
melhores amigos, por nos conhecermos há tanto tempo, eu reconheço seus
trejeitos. Reconheço no olhar dele que, se eu não quiser falar mais nada,
não preciso, porque ele vai respeitar meu espaço.
— Sinto por isso.
— Não sinta. Ele não merece e nunca mereceu um pingo do meu
amor.
— Isso é verdade — me surpreendo com as palavras dele, mas antes
que o farol se abra, Nick completa sua fala. — Você merece alguém que
seja completamente apaixonado por você. Que ame cada detalhe seu.
A forma como ele diz essas palavras me tocam. Sei que é algo
óbvio, sei que mereço alguém que verdadeiramente me ame, mas a forma
como ele diz, de alguma forma me deixa inquieta, faz com que eu sinta meu
rosto aquecer um pouquinho, talvez até mesmo ficar avermelhado.
— Você também, Nick — digo por fim. — Você também merece
alguém que te ame e seja completamente apaixonado por você.
Rapidamente, ele desvia o rosto do trânsito e me olha, dando um
sorriso bonito, doce e meigo.
Fazemos o restante do caminho com a música no carro como
companhia e ao chegarmos em sua casa, James e Hannah vem ao nosso
encontro, para ajudar a descarregar as coisas. James é jogador de hockey
assim como Nathan, o tio de Nick. Os dois jogaram durante anos no mesmo
time, mas James recebeu uma boa proposta de outro time anos atrás e os
dois deixaram de ser colegas. A rotina do padrasto de Nick é intensa,
principalmente com o começo do campeonato, por isso, fico surpresa ao
encontrá-lo aqui.
Eles começam a me ajudar e, ainda que não seja cem por cento
necessário, me apresentam a casa e as acomodações. O quarto que será meu
fica na parte debaixo, o porão, mas, me deixando ainda mais chocada,
Hannah, James e Nick cuidaram do espaço para que eu pudesse me sentir o
mais acolhida possível.
— Deixamos ele predominante com tons claros, estava precisando
de uma reforma de qualquer forma — explica Hannah. — Mas você pode
decorar da forma como quiser.
— Se tiver algum quadro, eu posso pregar — diz James.
— Eu aproveitaria se fosse você — brinca Hannah. — Não é
sempre que ele está em casa.
Os dois dão um beijinho rápido e vejo Nick encostado no batente da
porta, depois de colocar as caixas no chão, mordendo o lábio inferior, com a
expressão pensativa.
— Posso ajudar também… se precisar de algo — diz ele por fim.
— Muito obrigada por tudo, gente. Nossa, eu… Nunca terei
palavras o suficiente para agradecer.
— Sinta-se à vontade, ok? — Hannah faz um carinho leve em meu
braço. — Bom, vou deixar você se instalar. Depois, quando puder, me fala
sobre os seus horários do ballet, só para ficarmos cientes de entrada e saída,
essa questão de segurança, ok?
— Claro.
James e ela acenam e se retiram. Nick ainda permanece parado no
batente, mas quando vou falar algo, ele também quebra o silêncio.
— Eu só queria…
— Olha, eu…
Nós dois paramos e rimos assim que vemos a confusão que nossas
falas atravessadas causaram.
— Par ou ímpar para ver quem fala primeiro? — Brinca ele, fazendo
referência a uma das muitas brincadeiras que tínhamos na época da escola.
— Dessa vez eu deixo você ir primeiro — sorrio para ele, incapaz
de não me sentir contagiada com a leveza que ele me transmite.
— Nem parece que você adorava ser a líder das brincadeiras quando
criança — desdenha ele, dando uma risadinha, mas logo volta a falar e
sinalizar. — Queria só dizer que… Espero que se sinta bem aqui. E que se
precisar de qualquer coisa, não precisa hesitar em pedir, tá?
— Obrigada, Nick. Obrigada por tudo, de coração. Nunca vou
cansar de te agradecer.
— Sem problemas, de verdade. — finaliza ele. — E o que você
queria me dizer?
Olho para ele, para a forma como Nick me observa de maneira
atenta, como se qualquer coisa que eu fosse falar realmente fosse
importante, como se realmente estivesse prestando atenção em tudo que
estou prestes a dizer. Em momentos como esse, quando sinto a forma de
cuidado, atenção e zelo de alguém para comigo, me pergunto como eu pude
achar em algum momento que Daniel realmente gostava de mim.
Nesses momentos, sou muito grata por tudo que aconteceu. Pode ser
irônico, mas ter descoberto a traição e ter terminado com ele, me faz
perceber o quanto o que Nick disse no carro é verdade.
Mereço alguém que me ame de verdade.
— Queria dizer que é legal estar aqui. Que estou feliz que os nossos
caminhos se cruzaram de novo.
Nicholas olha para mim e por alguns segundos, o silêncio que se
estabelece entre nós parece dizer algo, não sei decifrar com certeza, mas
sinto que há algo sendo dito. O brilho intenso dos olhos azuis dizem muita
coisa e eu me vejo hipnotizada.
Entretanto, nosso contato é quebrado quando ele desencosta do
batente e caminha em minha direção. Nossa diferença de altura faz com que
eu precise inclinar o rosto para olhá-lo, mas isso não o torna intimidante,
muito pelo contrário.
Tento ler seus próximos passos e ações, mas Nick faz exatamente o
que eu espero dele: ele age com doçura, com carinho. Ele coloca a mão no
bolso da calça e de lá tira um chaveiro delicado.
Uma sapatilha de ponta e uma chave grande.
Quando ele me estende a mesma, ele sorri e diz uma frase
acolhedora, fazendo que eu, de alguma forma, me sinta realmente bem-
vinda aqui.
— É bom ter você por aqui também.
Era uma vez um garoto
Ele queria tocar as estrelas, mas não podia voar
Todas as noites, ele olhava para o céu e pensava
“Quero tocar uma estrela”
Um dia, ele encontrou uma garota
Ela dançava e rodopiava
Ela usava um vestido cheio de estrelas prateadas
E, vendo ela dançar, o garoto pensou
“Talvez eu não precise ir até o céu para tocar uma estrela”.

Estrelas, por Nicholas Bennet


Não me culpe por me apaixonar
Eu era apenas um garotinho
To Be So Lonely - Harry Styles

O começo do outono marca o início da temporada de hockey, o que,


na minha família, é algo de extrema importância, já que ela é composta por
três jogadores. Tio Nathan, James e Louis, a partir dessa época, ficam até
meados de maio — quando tudo dá certo nos campeonatos — focados no
esporte. Geralmente, nós todos revezamos para estar presente nas partidas,
nem sempre é possível, mas fazemos nosso melhor. Hoje, por exemplo, é a
estreia de Louis, mais um ano sendo capitão do time de hockey em que
joga. A partida anterior a dele foi a abertura do campeonato feminino, que
eu também vim assistir. Karin Bergström, a vizinha dos LeBlanc, tem a
mesma idade de Lou e é uma jogadora incrível. Atuando na defesa, ela é
quase uma muralha, o time adversário nem teve chance. As garotas
ganharam de onze a dois.
E, no final, a faixa “lugar de mulher é dentro do rinque” levou toda
a torcida à loucura. Louis, mesmo que tendo sua implicância com Karin,
aplaudiu e muito as jogadoras. O respeito é nítido, mesmo que, ao final da
partida, quando Karin veio perto de nós, para cumprimentar Alex, ela não
tenha perdido a chance de provocá-lo. "Espero que tenha aprendido como
se joga". Alex e eu começamos a rir, os dois simplesmente não conseguem
ficar sem irritar um ao outro.
Agora, é a vez da estreia do time dos meninos. Louis desliza no gelo
pegando um rebote e o disco é apenas um vulto preto enquanto ele bloqueia
jogadores do outro time. Ele passa o disco para outro jogador, mas
infelizmente o colega erra o gol. Enquanto a jogada recomeça, tia Zara grita
para Louis.
— Vai, filho! Arrebenta eles! — Tia Zara constantemente vem
assistir o filho jogar, principalmente agora que declarou sua aposentadoria
das passarelas.
— Espero que ele entenda isso como um incentivo e não como algo
para bater nos outros jogadores — brinca tio Nate com a mãe do seu filho.
— Ah, dá um tempo, Nathan! — Os dois dão risada e tia Manu, que
está ao meu lado, me cutuca, chamando minha atenção.
— Cinco coroas que daqui a pouco seu tio começa a gritar mais alto
que a Zara — ela estende a mão em minha direção.
— Não vou perder dinheiro à toa — respondo para ela, que começa
a rir.
— Garoto esperto! — Ela dá um beijinho em meu rosto e
continuamos a prestar atenção no jogo.
A dinâmica familiar entre nós é única, mas eu sou grato por saber
que o respeito e o amor são o que regem a minha família. Não importa os
comentários, os olhares ou mesmo o passado. O que importa somos nós.
Não consigo deixar de pensar o quanto é bizarro que algumas pessoas se
sintam no direito de se incomodar com isso, com famílias formadas de
diferentes formas. O mundo ainda tem muito o que aprender.
— E como você está, príncipe? — Tia Manu volta a falar comigo.
— Como está a faculdade, o trabalho?
— Tudo bem, estou mais empolgado esse semestre, agora com as
matérias específicas… — explico. — Estou pensando em focar mais na
escrita e na literatura.
— Faz sentido, deixa a parte da linguística com a Mah — Manu
pisca na minha direção. — Até hoje não sei como ela consegue gostar
tanto.
— Eu também, as duas matérias obrigatórias que tive ano passado
serviram pra me mostrar que quero ficar bem longe.
Nós dois damos risada, mas a conversa é interrompida quando tio
Nate e tia Zara gritam alto em uma quase chance de gol. Estamos
desfalcados hoje com a torcida porque Erik, marido de Zara, está em uma
viagem a trabalho, mas é fato que somos uma das torcidas mais animadas.
— E em casa — Manu volta a falar comigo, sinalizando. — Fiquei
sabendo que a Maya alugou o quarto vago.
— É, ela está morando por lá — comento de forma tão
despretensiosa que, internamente, eu caçoo de mim mesmo. “Nem parece
que você está fugindo dela”.
— Ela é uma garota legal, lembro muito dela nas suas festas de
aniversário. Ela ainda dança, certo?
— Sim, o ballet é a vida dela. Quase não a vejo direito, a rotina da
Maya é agitada, fora a academia logo cedo, ela vai para a escola de ballet
logo na sequência e passa boa parte do dia lá. E agora, de sexta a domingo,
ela trabalha no bar, então…
— Rotina agitada mesmo… — diz tia Manu. — Acho fofo como os
caminhos de vocês dois sempre se cruzam de alguma forma. — Ela termina
de falar e sinalizar e vejo o sorrisinho em seu rosto.
Tia Manu é o tipo de pessoa que você nunca precisa dizer as coisas,
ela meio que sabe. Mahara é quem sempre fala isso, diz que a melhor amiga
a conhece de tal forma que chega a parecer uma conexão que vem de outras
vidas. Mah, depois de se libertar das amarras da família, se permitiu
acreditar em muitas coisas, na ciência, no destino, em forças maiores...
enfim, tia Mah é uma pessoa de muitas fés. Por acreditar em tantas coisas,
ela realmente acredita que Manuela tenha um poder especial de
simplesmente saber das coisas.
Neste momento, acho que concordo com ela. O olhar rápido que ela
me dirigiu, assim como o sorrisinho, é quase como se soubesse que,
mentalmente, estou uma confusão completa. Ou talvez seja apenas eu
mesmo admitindo que ter Maya Karlsson por perto de novo é como estar no
céu e no inferno ao mesmo tempo.
Desde que ela se mudou, não é exagero dizer que nós não nos
encontramos muitas vezes. Nossos horários não são os mesmos e eu me
divido bastante entre passar um tempo na casa da minha mãe e também na
do meu pai. A faculdade tem exigido bastante de mim nos últimos tempos,
tenho ficado além do meu horário estipulado para estudar, ler ou mesmo
para me dedicar aos meus escritos. Tenho me sentido motivado para
escrever, estou animado com a nova ideia que tive.
Meu plano não era evitar ficar em casa, eu realmente estava
determinado a tratar o fato dela morar sob o mesmo teto que eu como algo
natural. Afinal de contas, se fui eu quem deu a sugestão, nada mais coerente
do que arcar com minhas ações.
Parecia tudo bem. Até três noites atrás.
Já era tarde quando cheguei em casa, tinha jantado com meu pai e
Mah e até mesmo cogitado dormir por lá. Mas, em um ímpeto de provar
para mim mesmo que não estava fugindo de Maya, decidi voltar para casa.
Minha mãe já estava no quarto e James também, já que os dois têm o hábito
de dormir cedo.
A casa estava escura e, quando entrei, olhei rapidamente em direção
às escadas que levam ao quarto dela, tudo estava apagado também. Tirei os
tênis, deixei minha bolsa no armário próximo a porta de saída e comecei a
subir os degraus para ir até o meu quarto, que fica no último andar. No
caminho, eu precisava passar pelo banheiro, e quando vi a luz acesa através
da fresta, sabia que ela estava lá. Afinal de contas, somente eu e ela
dividimos aquele cômodo.
Eu não esperava que ela fosse abrir a porta. Muito menos que fosse
vê-la de pijamas, com os cabelos enrolados na toalha e que seu cheiro iria
inundar minhas narinas. Lavanda e tangerina. Ou mesmo esperava ver suas
pernas torneadas expostas por conta do shorts curto e a blusinha justa,
deixando seu corpo pequeno e perfeito, delineado.
— Oi, Nick — ela me saudou e sorriu.
E o meu coração errou completamente as batidas, assim como o
meu corpo respondeu de uma forma… Não correta para o momento.
— Oi… Desculpa te atrapalhar, já estou indo para o quarto —
respondi e sinalizei às pressas, dizendo um boa noite ainda mais curto e
subindo as escadas sem olhar para trás. Sem olhar para ela novamente.
Entretanto, a imagem de Maya inundou meus sonhos naquela noite.
E na outra, depois na outra e…
O ciclo segue se repetindo. Continuo tentando negar, mas a verdade
é que Maya Karlsson mexe comigo, a verdade ainda mais nua e crua é que
eu ainda estou apaixonado por ela, eu ainda gosto da garota com quem eu
convivi a vida toda. Um ano longe não foi o suficiente para fazer com que
esse sentimento fosse embora. E agora, ela está literalmente em todos os
lugares: no meu trabalho, na minha casa, na minha vida de novo.
Será que é verdade essa história de que o primeiro amor nós nunca
esquecemos?
— Mäl! [6]— Sou desperto dos devaneios quando vejo a torcida
vibrar pelo gol marcado pelo time de Louis.
Bato palmas para comemorar, mas rapidamente, minha mente volta
para ela. Para Maya. Respiro fundo, ciente de que vou dormir na casa do
meu pai novamente essa noite.

É início da tarde de sexta-feira quando eu saio das aulas, me


despeço de Jordan e envio uma mensagem para meu pai perguntando se ele
está pelo escritório e se já almoçou. Ele responde dizendo que trabalhou de
casa e pergunta se quero comer o shawarma da noite anterior junto com ele,
o que eu aceito de bom grado.
Pego o ônibus em direção a casa dele e quando chego, não me
surpreendo ao encontra-lo arrumando a mesa para almoçarmos.
— Dia de trabalhar de casa? — Questiono assim que entro em casa,
andando até à cozinha.
— Muitas reuniões, às vezes eu prefiro o silêncio de casa, o
escritório sabe ser um ambiente meio caótico quando quer.
Dou risada da careta que ele faz enquanto fala e sinaliza, em
seguida, indo pegar os utensílios que precisamos para almoçar. Ele me
pergunta como foi a aula, eu conto a ele sobre o que aprendi, mas percebo
que, talvez, meu pai gostaria de me dizer mais alguma coisa. Entretanto,
ele volta a comer e nossos assuntos cotidianos são nosso tópico principal.
Depois de almoçar, pergunto a ele se vou atrapalhar caso decida tocar um
pouco de bateria e meu pai sorri, dizendo que não há problema nenhum.
Eu poderia tirar uma boa soneca, já que vou trabalhar à noite, ou
mesmo colocar alguma leitura em dia, mas a ideia de visitar minha velha
amiga me soa muito mais tentadora neste momento, e é por isso que vou até
o quarto dos fundos, onde a biblioteca pessoal de Mahara se encontra e
sorrio para minha companheira de anos.
As aulas de bateria foram uma das primeiras atividades que dei
início assim que me mudei para Estocolmo. Foi a recomendação de uma
professora e também da minha fonoaudióloga na época, ainda no Canadá,
que eu fizesse aulas, e que o instrumento seria de ótima ajuda para mim. E
de fato foi.
Nunca pensei em seguir no meio musical, a bateria, bem como a
música, sempre foram um refúgio para mim, uma forma de extravasar.
Fosse felicidade, tristeza, alegria, raiva ou até mesmo pura diversão, a
bateria era meu alívio. Por isso, ao me sentar no banco e pegar as baquetas
da bateria eletrônica, eu fecho os olhos e simplesmente toco. Sem busca
pela perfeição, sem me importar se estou meio enferrujado, ou se errei
alguma virada, sou apenas eu e o instrumento musical que amo. Toco de
olhos fechados, tentando me concentrar apenas no ritmo. Infelizmente, nem
mesmo a necessidade de me concentrar no ritmo e nos meus movimentos
me impede de pensar em Maya.
Sempre fui bom em criar histórias, minha imaginação sempre foi
muito minha amiga, mas nestes últimos dias, me pergunto se essa
criatividade toda é realmente uma dádiva ou o meu martírio pessoal. Não
consigo evitar imaginar como seria se eu tivesse coragem de fazer algo a
respeito de Maya, se eu, simplesmente, naquele encontro de dias atrás,
tivesse segurado seu corpo pela cintura e colado meus lábios aos dela.
Como seria sentir sua pele junta a minha, como seria o encaixe das nossas
bocas, ou seu gosto. Tenho pra mim que Maya tem gosto de hortelã, por
conta da pasta de dente que vi no banheiro.
Gostaria de poder dizer que só imagino o gosto de sua boca, mas
minha imaginação vai muito mais além. Minha cabeça projeta uma imagem
que nunca vi, mas que me faz perder os sentidos, suspirar, desejar mais do
que tudo que seja verdade. Imagino o corpo de Maya nu, a perfeição dela e
de cada parte de seu corpo. Seus seios pequenos, meu rosto no meio de suas
pernas, nós dois transando como loucos. Ou então ela me chupando,
engolindo meu pau até o fundo da garganta.
Imagino ela e eu fazendo coisas que um amigo não deveria
imaginar.
Droga!
Eu nem mesmo sei dizer se somos amigos.
Quero dizer, somos conhecidos, estudamos juntos a vida toda, mas
não somos confidentes.
“É claro que não são, você foge dela o tempo todo”, penso comigo
mesmo.
Realmente, minha mente e eu não somos melhores amigos
atualmente. Acho válido dizer que estamos em um pé de guerra. Enquanto
bato mais forte nos bumbos e nos pratos, lembro do meu professor antigo
de bateria, que dizia que durante o tempo que as baquetas estivessem em
mãos, eu deveria tocar com meu coração. Se estivesse bravo, descontar nos
bumbos, se estivesse feliz, que tocasse melodias alegres. Ele dizia que a
música era uma ótima forma de me expressar, e é isso que faço enquanto
realizo a sequência de viradas, tocando uma das muitas bandas que meu pai
me ensinou a gostar.
Quando finalizo a música, estou suando e só então abro os olhos e
encontro meu progenitor, parado na soleira da porta, me observando. Ele
tem uma toalha de rosto pendurada no ombro. Os braços cruzados, apesar
de cheios de tatuagem, que eu tanto gostava de delinear quando criança, não
me passam uma mensagem de medo, ou mesmo de que ele veio me dar uma
bronca. E isso só se comprova quando ele vem até mim, estende a toalha e
sinaliza.
— Posso me sentar? — Ele aponta para a cadeira próxima a bateria,
onde Mahara provavelmente senta para ler.
Aceno em positivo e ele vai até ela, se ajeitando. Enxugo as
pequenas gotículas de suor do rosto e da nuca, demorando um pouco para
voltar minha atenção para ele. Quando não tenho mais porquê evitar seu
olhar, nós nos encaramos.
Sou uma versão mais nova do meu pai, é incrível como somos
parecidos, e mesmo que ele não seja tão velho quanto os demais pais de
amigos e amigas, vejo os traços da idade escondidos atrás de sua armação
clássica. Tenho para mim que meu pai usa a mesma armação há anos, ou
talvez sejam apenas variações sem muitas mudanças.
— Melhor? — Meu pai sinaliza e pergunta.
— Melhor — respondo. — Estava com saudades de tocar.
— Só saudades de tocar ou tem alguma outra coisa aí? — Ele
sinaliza e depois, aponta com indicador em direção ao meu peito.
Aparentemente, todo mundo consegue perceber que não estou cem por
cento. — Não leve a mão o que vou dizer, filho, mas… Você tem passado
bastante tempo aqui. E confia em mim, não tem nada do que eu e a Mah
amamos mais do que ter você por perto. Por mim, você poderia morar
conosco, mas sei que seria injusto com a sua mãe — meu pai sorri para
mim e continua a falar. — Mas, eu acho que você está usando a bateria, o
anime que estamos assistindo e até mesmo seu quarto aqui como rota de
fuga.
— Eu gosto de ficar aqui — começo a explicar, tentando me
defender de alguma forma. — Sua casa e a casa da mamãe são minha casa.
— Eu sei que são — meu pai sorri de forma doce para mim. — Mas,
é como eu disse, eu acho que você está evitando estar na casa da sua mãe.
Ok, de nada adianta inventar desculpas. É óbvio que meu pai sabe.
— Como você… — dou início a perguntar, mas enquanto pondero
as palavras, meu pai toma a frente da fala.
— Você é muito parecido comigo, nos trejeitos, sabe? Na verdade,
acho você uma boa mistura minha e da sua mãe, mas no quesito amoroso,
acho que você e eu somos bem parecidos — com uma piscadinha singela,
ele prossegue. — Posso te fazer uma pergunta?
— Claro.
— Por que você não diz a ela de uma vez?
Olho para o meu pai com as sobrancelhas franzidas, como se eu não
pensasse nisso, como se fosse algo simples. Como se eu já não tivesse
ensaiado ao longo da vida fazer esse diálogo tantas vezes com ela.
— Não é tão simples. Ela é ela e eu…
— O que tem você? — Meu pai sinaliza a pergunta.
— Eu sou… Eu sou tipo o Homem-Aranha — digo e meu pai dá
uma risadinha, virando o rosto, como se tentasse entender. — Quero dizer,
sou mais como o Peter Parker e os sentimentos dele com relação a Mary
Jane.
— Ah, entendi! — Diz ele. — Você fica tímido perto dela.
— Se fosse só a timidez… — respiro fundo e disparo a falar. — Sou
fascinado por ela desde sempre. Tenho medo dela reagir de forma ruim se
eu contar como me sinto. Tenho medo de ter perdido tempo, de
simplesmente… ser rejeitado. É mais fácil lidar com meus sentimentos sem
que ela saiba de nada. E sabe, eu achei que ia passar, achei que tinha
passado, mas aqui está ela, de novo na minha vida.
Paro de falar e sinalizar, vendo que meu pai me observa de forma
atenta, há uma expressão serena em seu rosto, um sorriso gentil e que eu tão
bem conheço.
— Quando eu conheci a Mahara, eu já não era um cara tímido, eu já
tinha aprendido e muito sobre a vida, já era seu pai… — sorrindo como
sempre faz quando fala a respeito da paternidade, ele continua. — As
circunstâncias entre eu e a Mah eram mais complicadas e complexas, mas
sabe o que tinha em comum com a sua história? — Nego com a cabeça e
ele prossegue. — Eu também tinha medo do que sentia perto dela, tinha
medo da avalanche de sensações que me dominavam só de olhar para ela —
a forma como ele fala apaixonado pela esposa sempre me toca. Sempre me
faz pensar que, do meu jeito, sinto o mesmo pela Maya. — Tentei negar
durante muito tempo o que sentia por ela, mas em um dado momento, só
não fazia mais sentido. Talvez você esteja se sentindo assim porque, de
alguma forma, esteja cansado de negar.
— Pode até ser, mas… — respiro fundo, levemente frustrado. — O
que eu posso fazer?
— Posso ser sincero com você?
— Por favor — digo por fim.
— Antes de tudo, pare de fugir dela — diz ele de forma direta. —
Você não tem porquê fugir. Eu costumava acreditar muito só em números,
em lógica e todas essas coisas, mas uma amiga minha uma vez me disse que
“a vida não é uma linha de códigos” e que as melhores coisas da vida,
muitas vezes, não são racionais.
— Ok, fomos muito longe agora, mesmo pra mim que adoro
metáforas e ler nas entrelinhas — digo brincando e meu pai se levantando,
vindo até onde estou. — O que isso significa no final das contas?
— Significa que, talvez, Maya não tenha voltado para a sua vida à
toa. Talvez seja a hora de você finalmente dar vazão ao que sente.
— Mas e se…
— Se você quebrar o coração? — Pergunta e eu assinto. — Todo
coração quebrado se cura, Nick. Confie em mim, eu tive o meu quebrado e
posso te dizer uma coisa: ele bate com ainda mais intensidade hoje.
Sei que ele tem razão. De alguma forma, também não consigo
pensar que deve haver algum motivo para Maya estar novamente em minha
vida. Talvez esteja na hora de criar coragem, talvez esteja na hora de perder
o medo de estar perto dela. Talvez meus sentimentos mudem, talvez eu
perceba que não necessariamente gosto dela, mas acabei me acostumando a
sempre me sentir dessa forma com relação a ela. Posso, de repente,
descobrir que na verdade, podemos realmente ser bons amigos.
— Obrigado pela conversa, pai — agradeço, me levantando para
ficar à sua altura. — Amo você.
— Eu também, filhão — ele me abraça forte e eu me sinto grato por
ter um pai como ele.
Ficamos ali alguns segundos até que ele se afasta e eu logo entendo
o motivo.
— Oi, meninos — olho para a porta e vejo Mahara parada, nos
olhando. — Tivemos um show por aqui?
— Só um ensaio de banda de garagem — brinco com ela, indo em
sua direção.
— Momento de pai e filho — Dave pisca para a esposa e vem junto
comigo ao encontro dela.
— Espero não ter atrapalhado — diz, de forma gentil e tímida.
— Você nunca atrapalha, raio de sol — meu pai a abraça pela
cintura e deposita um beijo em sua testa.
— Querem um café? Acabei de preparar, e para comemorar o
outono oficialmente, comprei pumpkin spice[7].
— Com toda certeza — comemoro, dando um beijo em seu rosto.
— Você é a melhor, tia Mah.
Eu a chamo pela forma como fazia quando criança e Mahara sorri,
me abraçando e depositando um beijo carinhoso em meu rosto. Posso estar
passando mais tempo por aqui para evitar encontrar com Maya, mas eu amo
meu pai e Mahara com todo o meu ser.
Você me faz sorrir com lágrimas nos meus olhos
Eu nunca me senti tão extasiada
Happy & Sad - Kacey Musgraves

Apesar de saber que posso usar a cozinha, eu opto por sair mais
cedo na sexta-feira, ir para o meu treino para aproveitar a academia vazia e,
antes de ir para o ballet, eu passo na cafeteria próxima da escola, para
finalmente, tomar meu café da manhã. É setembro. estamos no outono, só
há uma escolha de pedido a ser feita.
— Hej[8] — saúdo a atendente. — Eu gostaria de pedir um pumpkin
spice latte[9] e um kardemummabullar[10].
Minha dieta vai por água abaixo numa refeição como essas, assim
como o treino pesado na academia, mas a época do pumpkin spice é só no
outono e dura um mês e meio, dois no máximo. Mereço aproveitar, mereço
me mimar. Pondero meu horário ao ver pelo celular as horas e ainda estou
com tempo, consigo sentar no próprio café para fazer a refeição. Sento-me
próxima à janela para apreciar a vista.
O outono e a primavera são as estações mais coloridas e, apesar de
ser completamente e cem por cento a favor do calor, as cores do outono são
as minhas favoritas. Com a transição do clima, ainda é possível ver algumas
folhas verdes entre a predominância dos tons alaranjados, bordô e até
mesmo um rosa escuro. É realmente lindo, é bonito ver as folhas caindo,
ainda que também seja nessa época que as ruas ficam perigosas. Neve e
gelo são complicados, mas ninguém conta que, por trás de toda foto de
outono, há um chão cheio de folhas molhadas por conta da chuva que torna
as ruas escorregadias. Fora isso, é um clima difícil para se vestir
adequadamente e a capa de chuva se torna a maior aliada do sueco.
O céu fica mais acinzentado, nós passamos a perder todos os dias
alguns minutos de luz, até a chegada do inverno e o dia mais curto do ano, o
solstício de inverno.
Mas, ainda assim, o ambiente quase bucólico não me deixa triste.
Há algo de poético em tomar um café bem doce, enquanto como um doce
que tanto gosto e observo as pessoas caminhando na chuva fina que cai. De
alguma forma, me sinto bem com isso.
— Não me surpreende te encontrar aqui.
Estou de costas e ouço a voz atrás de mim, mas não preciso que a
pessoa se mova para o meu lado para saber exatamente quem está falando
comigo. Entretanto, não atendendo ao meu pedido silencioso, Daniel se
coloca ao meu lado, segurando um copo bem menor de café que o meu e
seu sorrisinho cínico de sempre.
— Não vai me dar oi? — Pergunta ele, quando apenas o olho de
canto e dou um gole em minha bebida.
— Oi, Daniel. — Digo por fim, sem me alongar muito.
— Como você está? — Sem pedir, ele puxa a cadeira ao meu lado e
se senta. — Faz tempo que não nos falamos.
Olho para ele, me perguntando o que de tão errado há comigo, ou
com os sinais que dou, para que ele entenda que pode se aproximar de mim
e conversar comigo como se nada tivesse acontecido entre nós.
— Você fala como se nós tivéssemos muito o que conversar.
— Só porque nós terminamos…
— Eu terminei com você — eu o corto, mas ele prossegue.
— Não significa que não possamos conversar.
— Você fala como se tivesse sido um término pacífico, uma decisão
mútua de não ficarmos mais juntos.
— E não foi? — Questiona ele com uma tranquilidade que me faz
sentir um impulso enorme de dar um soco em seu nariz milimetricamente
reto.
— Você me traiu, Daniel. — Digo por fim, exausta de ter que falar
isso em voz alta.
— E eu te pedi desculpas por isso, você quem não aceitou. Eu te
disse, foi um…
— Aham, um deslize — completo, revirando os olhos e odiando
cada segundo dessa conversa. — De verdade, Daniel, não existe nenhum
motivo para você vir tirar minha paz neste momento, então: estou ótima,
obrigada por perguntar, agora se me dá licença, eu tenho uma aula para ir.
Me levanto da cadeira, não me importando em deixar pouco menos
da metade do meu café intacto, pronta para ir embora. Todavia, me assusto
quando Daniel segura meu pulso mais forte.
— Para que toda essa grosseria. Quero falar com você.
— Você pode falar comigo sem segurar meu pulso — digo séria,
puxando meu braço, mas ele não o solta.
— Não tive alternativa, você com essa pose toda de superior não
sabe agir como uma adulta.
— Me solta! — Minha voz sai irritada.
— Me escute primeiro então. — Com a voz igualmente irritada, ele
ainda me segura no lugar — Não vim fazer a política da boa vizinhança,
vim falar sobre um assunto sério. Se você fosse, minimamente, civilizada
como finge ser na frente dos nossos amigos, me deixaria falar o que preciso.
Há chances de você entrar em Gisele.
Quando ele diz isso, minha expressão é de completa confusão e a
força que eu usava antes, forçando meu braço para que ele o soltasse, se
perde um pouco.
— Como é que é? — Pergunto incrédula.
— Sabia que conseguiria sua atenção — ele se gaba e, finalmente,
solta meu pulso. — Digamos que, eu e Johanne não estamos nos dando tão
bem assim.
— E o que isso tem a ver comigo?
— Ora, Maya — diz ele de forma doce, uma falsa doçura que eu
passei a reconhecer. — Você sabe o quanto é importante que um casal tenha
química. E nós temos isso… de sobra eu diria.
Eu o encaro incrédula. O quanto eu me deixei enganar por esse cara
ao ponto de não perceber esse ego enorme, a falta de sensibilidade e, mais
do que isso, como ele pode ser infiel? A forma como ele fala não deixa
margem para que haja outra interpretação além da que, ele está falando isso
usando duplo sentido e mais do que isso, descartando não apenas a
namorada atual como também sua colega de palco e espetáculo. Como se,
sabe-se lá qual motivo esteja causando a falta de sintonia dos dois na dança
seja apenas culpa dela e não dele.
— Não quero fazer parte disso. — Respondo sem hesitar.
— Do que?
— De Gisele, do espetáculo.
— Como é? — Daniel me encara como se eu fosse a pessoa mais
estúpida em quem ele já colocou os olhos.
Talvez eu realmente seja.
— Não quero o papel de Johanna em Gisele.
— Você não pode estar falando sério.
— Eu estou, Daniel. Porque apesar de você achar que, um — ergo o
indicador — tudo e todos no mundo orbitam ao seu redor e dois — ergo o
dedo médio — todas as pessoas do mundo gostam de passar as outras para
trás para chegar onde querem, eu não sou assim. Nem todo mundo é assim.
Seja lá o que esteja acontecendo entre você e sua namorada, não me
importa.
— Maya — ele me chama antes que eu tenha tempo de dar as costas
para ele. — Não deixe que o ressentimento por um erro bobo jogue fora o
seu futuro, isso não é…
— Você, por um acaso, ouve a si mesmo? — A pergunta sai um
tom mais alto, mas eu pouco me importo. Estou exausta dele. — Eu caí na
sua lábia meses atrás de que nós iríamos protagonizar um espetáculo juntos
e você não apenas me traiu, como fez isso para ter vantagem na hora de
conseguir o papel. Você pode se achar mais esperto que todo mundo, mas as
pessoas sabem o seu joguinho sujo — aponto para ele e começo a ver o
rosto de Daniel, branco como papel, ganhar um tom avermelhado. — As
pessoas só escolhem ou não jogar junto com você, mas eu não sou uma
dessas. Não quero sobras, quero meu lugar por merecimento.
— Quer uma salva de palmas agora ou depois por esse discursinho?
— O sarcasmo em sua voz é horrível. — Esse é o seu problema, você se
acha muito superior, diferente de mim e dos demais, mas no fundo, você
quer a mesma coisa que qualquer um naquela academia. Mas, se ser a
"policial boa" — ele faz aspas no ar e se levanta, ficando mais alto que eu,
me intimidando de certa forma — te deixa dormir em paz, então que seja.
Quem perde é você.
E fazendo com que eu me sinta ainda pior, é Daniel quem sai
primeiro, me deixando parada em frente a mesa olhando para a janela,
refletindo tudo o que ele me disse. Fazendo mais uma vez com que eu me
sinta uma tola.
Desperto do transe quando me dou conta de que vou me atrasar para
a aula, não posso deixar que Daniel e suas palavras ruins me atinjam e
façam com que meu dia seja ruim. Não posso, não posso e não posso.
Repito essa curta frase até chegar a academia de ballet, continuo
repetindo quando vou até a sala onde terei aula, continuo a repetir enquanto
passo esparadrapo nos meus dedos, visto a ponteira e tento não associar o
azar de uma das fitas da minha sapatilha soltar antes de vesti-la, a péssima
forma com que meu dia começou.
Não vou deixar que ele estrague meu dia. Não posso, não posso e
não posso.

Infelizmente eu falho.
Passo seis horas na aula errando passos, em um dado momento, a
professora me faz repetir tantas vezes uma série de piruetas sur le cou-de-
pied, que ao final da aula, como há tempos não acontecia, sinto uma dor
mais intensa no dedão do pé esquerdo, onde o peso fica mais concentrado
durante os exercícios.
Somente quando deixo a aula e estou no träm em direção ao
LeBlanc's é que me permito realmente respirar. E é neste momento que
percebo o quanto estou me sentindo sozinha. Não tenho ninguém com quem
dividir as frustrações do dia de hoje, minhas amigas do ballet se limitam a
isso, apenas colegas. Fora daquelas paredes, tenho me sentido muito
sozinha. Poderia mandar uma mensagem para Ellie, mas me pergunto se
esse não é o tipo de coisa que, durante algumas horas ou no máximo um
dia, consomem sua mente, mas depois disso, já não possuem tanta
relevância.
Me esforço para deixar a sensação de lado e sigo o caminho,
ajeitando minhas bolsas, guardando minhas roupas de ballet de maneira
mais organizada nas mesmas e aproveito para me maquiar um pouco, tentar
disfarçar as olheiras, ou mesmo a feição abatida. Não sou a maior adepta do
batom vermelho, mas na última vez que visitei meus pais, minha mãe me
convenceu a comprar um lindo que encontramos, e decido usá-lo. Por conta
do coque, meu cabelo está com leves ondas, mas não me incomodo, isso dá
um certo volume para os fios loiros e ao final, quando estou quase
chegando, a imagem que o espelho pequeno reflete é bonita.
Assim que desço no ponto, ando aos curtos passos que me levam até
a entrada dos fundos, e me surpreendo ao encontrar Nick.
— Ei — ele me saúda.
— Oi, Nick — digo sem muito ânimo.
É irônico que eu esteja morando na casa dele, mas não o encontre
com frequência? É estranho que, neste momento, talvez movida por uma
série de sentimentos estranhos, eu sinta que ele está me evitando?
Por que estou pensando tudo isso?
Por que meu peito parece estar doendo?
— Maya… — ouço Nick me chamar e só quando ele diz as palavras
é que me dou conta do que está acontecendo. — Por que você está
chorando?
— Eu… — sinto minha voz embargada e não tenho forças para
continuar.
Mas então, algo que eu não esperava acontece.
Sinto quando Nicholas se aproxima e seus braços longos circundam
meu corpo.
Ele me abraça.
E por Deus, como eu estava precisando disso.
Não penso em nada, não penso no que preciso ou não dizer, apenas
me agarro a ele e o abraço. Afundo meu rosto em seu peito e deixo que as
lágrimas escorram, deixo que toda a frustração que senti ao longo do dia, e
que vem sendo tanto minha companheira nos últimos tempos seja despejada
aqui e agora. Nick me abraça forte, como se eu pudesse me desfazer, ele me
abraça e me acalenta, esfregando meus cabelos e minhas costas de levinho.
— Todo mundo tem um dia daqueles, não é? — Sua voz sai um
pouco rouca próxima ao meu ouvido e pela primeira vez no dia, mesmo em
meio às lágrimas, eu sorrio.
Sinto os meus lábios se repuxarem porque sei exatamente de onde
veio essa frase. Quando estudávamos na pré-escola juntos, Nick e eu
adorávamos ir à biblioteca, era nossa parte favorita na semana. Entre os
muitos livros, nós dois sempre disputamos um em específico, repleto de
fotos preto e brancas de animais com alguma frase que ornava com a
mesma. O livro chamava "Um dia daqueles", e a segunda foto tinha essa
legenda: "Todo mundo tem um dia daqueles".
— Como você consegue lembrar de tantos detalhes da nossa
infância? — Pergunto, com a voz abafada, ainda encostada em seu peito e
sentindo seu perfume. Nick tem um cheiro amadeirado de capim limão e
sândalo.
— Eu não sei, só… guardo bem as coisas — diz e eu me afasto para
olhá-lo. Vejo em sua expressão que ele parece triste, como se olhar para
mim neste momento o deixasse arrasado. E isso só se confirmando quando
ele diz as próximas palavras. — Não gosto de ver você chorar.
— Também não gosto de chorar — eu me afasto um pouquinho,
mas ainda assim, permanecendo perto de seu corpo, começando a sinalizar
enquanto falo. — Eu estava precisando de um abraço.
— Quer me contar o que aconteceu? — Pergunta Nick de uma
maneira fofa. — Você não precisa, mas…
— Eu quero. — Digo rapidamente. — Estou me sentindo sozinha,
preciso muito conversar.
Vejo que Nick sorri quando digo isso e então, ele dá um passo para
trás, abrindo o caminho para mim.
— Vem, vou te levar até um lugar secreto.

De todos os lugares que imaginei que Nick me levaria, fico surpresa


quando ele me leva até uma sala pequena, mas aconchegante, onde
antigamente, era uma brinquedoteca e quarto usado por ele. Como Hannah
sempre gostou de administrar o bar e ainda assim, conciliar com suas outras
obrigações, Nick acabava vindo com ela para o LeBlanc's. A sala fica
próxima ao escritório da mãe e, hoje, ainda mantém algumas coisas de
quando Nicholas era pequeno.
Ele pediu que eu o esperasse ali e quando voltou, trouxe o jantar,
bem como bebidas e um pedaço de torta de morango, uma especialidade do
LeBlanc's. Enquanto comemos, contei a ele tudo, abri verdadeiramente
minha vida e meu coração a ele, falando desde a traição, a frustração de não
não fazer o teste para Gisele e nem conseguir um papel em outro
espetáculo, como essa disputa e a constante sensação de que todos querem
passar um ao outro para trás me incomoda e por fim, relato o incidente com
Daniel hoje pela manhã.
Quando paro de falar, Nick está sentado com as costas retas,
encostado na parede, os braços cruzados e as pernas esticadas. A expressão
dele é séria e dura, não preciso perguntar para saber que ele está com raiva,
é nítido. As duas rugas em sua testa não negam.
— Posso ser bem sincero? — Pergunta ele. Eu assinto e deixo que
ele prossiga. — Odeio violência, com todas as minhas forças, mas esse seu
ex-namorado merecia um belo soco no rosto.
Sorrio com a forma como ele fala. De fato, Nicholas Bennet e
violência são duas coisas que não combinam nem um pouco.
— Acho que até eu daria um soco nele se pudesse.
— Não gostei da forma como ele falou com você e muito menos de
saber que ele segurou você pelo pulso. — Nick balança a cabeça de um lado
para o outro. — Com que direito ele acha que pode fazer isso?
— Minha mãe, por ser engenheira, sempre brincou que gostaria de
ter metade da autoestima de um homem hétero branco — dou risada ao
lembrar da expressão que tantas vezes ouvi ao longo da vida. — Acho que é
um pouco como ele se sente.
— Bom, longe de mim querer dizer algo como "nem todo homem",
mas gosto de pensar que eu sei tratar todas as pessoas com respeito. Esse
cara claramente desconhece o conceito.
— É, provavelmente sim… — respondo e sinalizando, com a voz
um pouco mais fraca. — Entende porque eu me sinto tão mal? Quero dizer,
como eu pude…
— Ficar com ele? — Completa Nick. — O fato dele ser um babaca
não é sua culpa.
— Mas de não ter percebido antes meio que é — finalizo.
— Você tenta ver o lado bom das pessoas e das coisas, Maya. E
outra, você se culpar só mostra o quanto ele é o errado nisso tudo, porque
de alguma forma, ele ainda faz com que as atitudes ruins dele se virem
contra você, como se você fosse a culpada.
Ao dizer isso, noto o quanto Nick está certo. Sempre acabo me
colocando como culpada de certa forma, como tola por não ter percebido
quem realmente Daniel era, mas, na verdade, a culpa não é minha. Em
conversas como essa que estou tendo agora, ou mesmo que já tive com a
minha mãe e Ellie, vejo como eu estive em um relacionamento abusivo de
certa forma. Onde só a opinião dele importava, como tudo era sobre ele,
como eu abdicava de certas coisas, opiniões e decisões porque Daniel me
fazia acreditar que ele sempre estava certo e não dava espaço para
contrariá-lo.
— É difícil constatar essas coisas, sabe? Me dói. — Digo,
sinalizando e sentindo meus olhos arderem mais um pouco. — Caramba,
como estou emotiva hoje! — brinco, tentando disfarçar com uma risada.
— Se você quiser não trabalhar, não tem problema — ele pega o
celular do bolso, provavelmente para falar com Hannah —, ligo para minha
mãe e…
— Não — eu o paro, tocando em sua mão com o telefone. —
Prefiro trabalhar do que ficar sozinha com a minha cabeça pensando ainda
mais sobre isso. Já tive um dia ruim no ballet, não quero que ele estrague
isso.
— Então não vamos deixar — Nick envolve minha mão e a dele
com a esquerda. — Hoje, durante todo o expediente, toda hora que você me
olhar, vai me ver fazendo uma careta. Eu prometo. Vou te fazer rir o tempo
todo.
— E como você vai saber quando eu estiver te olhando? — Eu o
desafio.
— Simples — diz ele, dando de ombros. — Vou ficar o tempo todo
olhando para você.
Sinto meu coração bater um tiquinho mais rápido quando ele diz
isso. Talvez seja porque minhas emoções estão todas bagunçadas no dia de
hoje; talvez seja pela forma como ele está sendo zeloso comigo. Ou talvez
sejam seus olhos azuis tão intensos e lindos que me olham de forma
atenciosa e carinhosa.
A forma como Nick tem sido incrível comigo desde o primeiro dia
em que nos reencontramos só me faz querer ficar mais perto dele. Talvez
Ellie estivesse certa, talvez essa aproximação nossa tenha algum motivo,
não amoroso, mas quem sabe, para me trazer um amigo. Alguém com quem
eu possa contar, que não me faça sentir tão sozinha.
— Nick? — Eu chamo sua atenção, apertando com um pouquinho
mais de força sua mão.
— O que? — Pergunta ele, me liberando.
Então, assim como ele sempre me mostra que se lembra da nossa
infância, eu faço o mesmo. Mostro a ele que me lembro também, talvez não
com tantos detalhes e de tantos momentos, mas me recordo. Ergo as mãos e
sem dizer com a voz, eu faço a ele uma pergunta.
— Quer ser meu amigo? — Sinalizo.
Nicholas sorri. E meu coração acelera mais um pouquinho. E então,
eu sorrio junto com ele quando meu colega de infância sinaliza a resposta.
— Eu quero muito ser seu amigo.
Acho que gosto de Maya Karlsson.
Assisti um filme ontem a tarde, junto com a vovó e o vovô, já que eles estão
nos visitando, e o menino do filme sentia o coração dele bater rápido toda
vez que via sua amiga.
Meu coração bateu rápido quando vi Maya chegar na escola.
Quando o coração bate rápido significa que gostamos de alguém, mas ouvi a
vovó Quinn dizer ao papai que se o coração bate rápido demais, é perigoso.
Agora não sei se meu coração bateu por causa da Maya ou porque tem algo
errado comigo.

Perguntei pra mamãe. Disse a ela que tinha sentido meu coração bater muito
forte e falei que estava com medo disso. Ela perguntou quando tinha
acontecido isso e eu falei que foi na escola, quando Maya entrou na sala de
aula.
Mamãe me falou que meu coração está bem, mas que se isso acontecer de
novo, é porque a Maya é alguém especial para mim.

Nick Bennet, onze anos.


Eu acho que você vai ficar bem
Você vai ficar bem
Would You Be Happier - The Corrs

Cumprir a promessa que fiz para Maya antes do nosso expediente no


LeBlanc’s começar não é nada difícil. “Vou ficar o tempo todo olhando para
você”.
Que grande desafio, não é mesmo, Nicholas?
Aparentemente, eu e minha cabeça estamos novamente de bem, até
mesmo brincar comigo mesmo estou conseguindo. Nada que um pouco de
bateria, uma conversa com meu pai e ver Maya chorando não tenham
ajudado. Quando a encontrei no vestiário dos funcionários, a expressão
abatida teria entregue de qualquer forma que ela não estava bem. Mas
quando ela começou a chorar… foi o fim para mim. Naquele momento, foi
como se eu tivesse uma confirmação de que manter a distância de Maya não
me faria sentir melhor.
Quero conversar com ela, quero entendê-la, quero estar próximo.
Como continuar tentando construir um muro entre nós sendo que, no final
das contas, eu não quero que ele exista? Vê-la chorar e sentir seus braços
me apertando firme quando a envolvi em um abraço, foi como se eu
recebesse uma resposta aos meus dilemas. Não consigo me manter
indiferente à Maya, principalmente quando ela abriu o seu coração e me
contou tudo o que tem acontecido nos bastidores. Não quando ela
demonstrou se sentir sozinha. Não quando aquele babaca quebrou o coração
dela e a faz sentir inferior constantemente.
Maya precisa voltar a confiar nas pessoas, a entender que não há
problema nenhum em ter um coração puro. Ela precisa de um amigo. E eu
serei esse amigo para ela. Ainda que, no fundo, eu sinta que as batidas
desreguladas do meu coração não são apenas fruto da amizade e do carinho
de anos que tenho por ela, pela nossa história compartilhada durante os anos
em que estudamos juntos.
É por esse e outros motivos que, durante o nosso turno no LeBlanc’s,
mesmo quando estou preparando drinks ou enchendo copos de cerveja,
mantenho meus olhos atentos nela.
Todas as vezes em que ela me olha, eu sorrio e, instantemente, faço
uma careta.
Todas as vezes, ela sorri e dá risada, balançando a cabeça, tentando
disfarçar.
Alguns colegas não entenderam a princípio o que eu estava fazendo,
mas depois, quando viram para quem eu estava olhando, deram risada e não
comentaram nada. A descrição sueca nessas horas vem muito a calhar. Não
me importo no que as pessoas estão pensando, não me importo neste
momento com a minha confusão de sentimentos, ou se preciso assumir isso
ou aquilo. O que verdadeiramente importa é que Maya precisa de um amigo
e eu serei isso para ela.
Seria isso para qualquer pessoa, é verdade. Mas por ela…
Bem, eu serei o que ela precisar.
Entretanto, mesmo sorrindo, fazendo caretas e trabalhando
freneticamente como em uma boa sexta-feira de movimento no bar, não
consigo deixar de pensar na história que ela me contou do ex-namorado.
Nenhuma pessoa no mundo merece passar por isso, nunca fui traído, mas
não preciso que isso aconteça para ter empatia pela história que me contou.
Além disso, não é nem apenas o fato do término e todo o contexto que me
incomoda, o que me deixa de fato irritado é que, como se não bastasse tudo
que fez, ele ainda tem coragem de procurá-la para jogar o joguinho sujo
dele de passar a perna nas pessoas.
Chacoalho a coqueteleira com raiva só de pensar nisso, de pensar
nele segurando Maya pelo pulso e falando coisas horríveis para ela.
Babaca!
Por sorte, minha feição fechada não dura muito tempo porque Maya
aparece no meu campo de visão, em uma mesa próxima ao bar. Ela está de
costas, atendendo a mesa, mas sei que quando se virar, nossos olhos vão se
encontrar. Volto ao momento que partilhamos no meu lugar secreto do bar,
a sala que eu usava como quarto quando era pequeno e que minha mãe,
muito sabiamente, me alertou que não deveria usá-la com outro
fundamento.
“Você é grande o suficiente para entender o que quero dizer,
Nicholas”.
É, eu sei o que ela quis dizer. E nunca levei ninguém lá.
Quero dizer, não até hoje. Até levar Maya. Felizmente, não
descumpri a regra. Ou infelizmente, eu não saberia dizer. Minha cabeça
ainda está conflitante.
Mas, toda a confusão desaparece quando Maya se vira, terminando
de anotar o pedido e sendo chamada por outra mesa. Caminhando na
direção em que foi chamada, quase acho que ela não vai olhar para mim,
mas então, no meio do caminho ela para e vira em minha direção.
Eu balanço a cabeça, mostrando a língua para ela e reviro os olhos
algumas vezes. Quando olho para ela novamente, vejo seu sorriso e, mesmo
longe, consigo imaginar o som de sua risada.
Ela precisa de um amigo. Ela precisa sorrir sempre assim.
E é por esse motivo, por amar ver seus lábios pintados de vermelho
sorrindo para mim, que eu serei o que ela precisar. Eu serei seu amigo.

Ao final do nosso expediente, eu começo a fazer algumas mudanças


na dinâmica entre Maya e eu. Quando estamos fechando, eu a aviso para me
esperar e quando eu termino de ajeitar todas as coisas do bar, vou até o
vestiário. Como tenho mais tempo trabalhando aqui, por cuidar do bar e
conhecer todos os processos com a palma da mão, tenho algumas
responsabilidades que me demandam mais tempo, por isso, desde que Maya
começou a trabalhar aqui, ela tem ido embora antes que eu, mesmo já
morando na mesma casa.
Mas agora, decidido a parar de afastá-la, eu peço que ela me espere.
Quando passo pela porta, encontro Maya sentada no chão fazendo algo um
tanto quanto inusitado.
— Tudo certo por ai? — Digo em voz alta e sinalizo, chamando sua
atenção.
Com as pernas abertas, usando uma calça de moletom, uma blusa de
lã maior que ela e com os cabelos agora presos, mas ainda meio
desarrumados, ela está compenetrada segurando uma sapatilha de ponta na
mão, enquanto na outra, uma agulha e linha.
— Oi, foi mal — diz ela rapidamente. — Eu aproveitei o tempo
livre para costurar essa sapatilha. Imaginei que fosse demorar mais, mas eu
posso guardar só…
— Tá tudo bem — eu a interrompo. — Pode continuar, não temos
pressa para ir embora. O gerente ainda vai fazer mais algumas coisas antes
de fechar tudo, temos tempo.
Para mostrar a ela que está tudo bem, eu me sento próximo e sorrio
de forma acolhedora.
— Essa sapatilha descosturou hoje antes da aula e como eu quero
usá-la amanhã, decidi aproveitar o tempo livre.
— E com que sapatilha você dançou hoje?
— Com a Suffolk — Maya sinaliza e aponta para uma bolsa, mas
quando vê minha cara de confusão, ela logo começa a rir e se corrige. —
Desculpa. Estou tão acostumada a falar sobre marcas de sapatilha, ballet e
todos esses termos com pessoas que fazem parte do meu mundo que
esqueço. Suffolk é uma marca, mas eu geralmente ando com pelo menos
três pares na bolsa.
— Três pares de sapatilhas de ponta? — Questiono curioso e
intrigado.
— Fora a roupa, bolsa com todos os esparadrapos, fitas, band-aid,
ponteira, sapatilhas sem ponta, enfim… — explica ela, fazendo uma cara de
cansada — duas bolsas não são uma escolha à toa.
— Mas você ama, não é? — Sei a resposta, mas ainda assim,
pergunto.
— É tudo para mim. — Os olhos castanhos dela brilham com
paixão, enquanto ela deixa a sapatilha no chão para falar comigo e sinalizar.
— Não trocaria o ballet por nada nesse mundo.
— Preciso ver você se apresentar, a última vez nós éramos muito
novos.
— Nossa, eu ainda era muito ruim — comenta Maya com desdém,
enquanto volta a costurar a sapatilha.
— Disso eu tenho que discordar, você sempre dançou bem.
— É que você só vê a apresentação, não vê os erros. — Explica ela,
parando um pouquinho para sinalizar enquanto fala, mas logo em seguida,
voltando sua atenção à sapatilha.
— Pode até ser, mas eu vejo outra coisa — faço uma pausa e ela me
olha. — Eu vejo que você nasceu para isso.
Maya permanece olhando para mim e eu faço o mesmo. Quando ela
sorri, me vejo fazendo a mesma coisa, como se estivesse olhando para um
espelho, refletindo exatamente a mesma expressão. Eu vejo que ela termina
de costurar a fita e então, corta um pedaço da linha com uma tesoura
pequena, começando a guardar todos os materiais. Ao terminar, ela respira
fundo, com as duas mãos apoiadas nas coxas, ela volta a olhar para mim.
— Não sei se deixei claro o quanto foi importante o que você fez
por mim hoje — fala e sinaliza.
— As caretas ao longo do expediente? Não foi nada, só vou precisar
que, se alguém me perguntar o que havia de errado comigo, você confirme
a história — eu dou de ombros e Maya ri.
— Não só isso… ainda que essa parte tenha sido muito divertida —
ela dá uma piscadinha e eu não consigo conter o sorriso. — Estou falando
de tudo mesmo. O abraço, me levar pro seu canto secreto, me escutar… se
importar. Isso foi muito importante para mim. Tenho me sentido muito
sozinha, mas, desde que comecei a trabalhar aqui, as conversas que tenho
tido com os outros funcionários, distrair a cabeça, pensar em outra coisa
que não seja o ballet… me aproximar de você — ela diz essa última parte
sorrindo. — Tudo isso me ajudou muito.
— Conte comigo para o que precisar, May — respondo de forma
sincera.
— Eu vou.
— Estive pensando… Que tal fazermos alguns combinados a partir
de agora?
— Tipo termos de amizade, huh? — Brinca ela. — Ok, parece justo.
Estabeleça suas cláusulas.
— Primeiro, quero que a gente sempre vá embora juntos a partir de
agora — começo a explicar. — Não faz sentido não nos esperarmos se
vamos para o mesmo destino.
— Também acho, é que como nos últimos tempos você tem ficado
mais na casa do seu pai, eu achei que não fazia sentido sugerir isso.
Mentalmente, me repreendo por ter ficado distante, é claro que ela
percebeu.
— Estamos viciados em um anime, então acabei me empolgando em
ficar por lá e assistir — não deixa de ser verdade, mas ainda assim, não
deixa também de ser um pouco mentira. — De todo modo, o dia que eu for
para o meu pai, ainda assim é um caminho que muda pouco, vamos juntos,
ok?
— Combinado. — Assente ela. — E eu posso incluir cláusulas
também?
— Vá em frente — digo, achando graça do termo que ela usa.
— Sessões de filme — a empolgação em sua voz, bem como o
brilho no olhar não negam que há um motivo por trás do pedido. — Sempre
assisti filmes de sexta-feira à noite até o domingo, desde pequena. Quando
passei a morar com Ellie, nós sempre arrumamos um dia para fazer isso. E,
bem, agora chegou a sua vez.
— Tudo bem, eu gosto da ideia.
— Quando podemos começar? — Ela bate algumas palminhas,
animada.
— Quando você quiser.
— Amanhã está bom? Depois do trabalho? Já que domingo estamos
de folga.
— Parece uma boa.
— Combinado então — Maya bate nas coxas. — Encontro
marcado.
Quando ela diz as palavras, sei que não há nenhuma conotação por
trás, mas ainda assim, mesmo que ela não diga nada e volte a arrumar suas
coisas, não consigo deixar de pensar que, de fato, isso é o mais próximo de
um encontro com Maya que eu poderei ter.
E o meu coração acelera um pouquinho.
Como é conflitante estar perto dela.
— Você não vem?
Ela me chama e eu noto que, de pé, ela já está colocando as bolsas
sobre o ombro.
— Deixa eu levar essa — digo, me colocando de pé e pegando a
mesma de seu ombro.
— Obrigada — ela sorri para mim e me entrega a bolsa mais
pesada.
Tomamos um pouco de chuva até chegar ao ponto de ônibus e
também quando descemos do mesmo. Como estou com capa de chuva e
touca, consigo proteger bem meus aparelhos auditivos. Por isso, ofereço
meu guarda-chuva para ela, ainda que ela insista em não precisar.
Pelo restante do caminho, vamos conversando sobre as nossas
rotinas. Eu a atualizo sobre minha vida acadêmica, conto sobre meu
Instagram se tornou um trabalho, mas também é igualmente gratificante de
produzir conteúdos, e que, nas quartas feiras e nos sábados pela manhã, eu
aproveito o tempo livre para gravar o conteúdo da semana e explico como
funciona essa parte da minha vida. Ela me confidencia que adora meus
conteúdos e eu fico surpreso de saber que ela acompanha, principalmente
quando ela cita alguns vídeos em específico.
Abro a porta de casa e juntos, tiramos os tênis e eu entrego a ela sua
bolsa. Tanto Maya quanto eu vamos para a cozinha juntos, ainda
conversando enquanto bebemos um copo de água cada um.
Depois, é a hora de nos separarmos, e ao pé da escada, comigo indo
na direção do andar de cima e ela do subsolo, não sei se meu coração é
realmente iludido, mas é como se nem eu nem ela quisermos nos separar.
Eu a olho mais uma vez antes dela dizer as palavras.
— Boa noite, Nick.
— Boa noite, May.
E com um sorriso no rosto, ela se vira em direção ao seu quarto.
E eu sorrio ainda mais, porque sei que estou fazendo a coisa certa.
Sei que estar perto de Maya é o que verdadeiramente quero. Mais do que
isso, é o que ela precisa neste momento.
Maya poderia me pedir o céu e as estrelas. Tenho para mim que eu
daria um jeito de conseguir.
Ah, talvez, talvez, talvez eu possa dividir isso com você
Eu me comporto, eu me comporto, eu me comporto então eu posso dividir
isso com você
Stranger Things Have Happened - Foo Fighters

A sala de ballet está ainda vazia, mas eu não me importo com o


silêncio. Tomo esse tempo para poder me aquecer bem e fazer as coisas
com calma. Aos sábados, é comum que os bailarinos cheguem mais
próximo do horário da aula, até porque, não estando em um espetáculo ou
com ensaios intensos, nada impede que eles tenham seu tempo de diversão.
Ainda que esteja cansada, não consegui passar muito tempo na
cama, poderia ter enrolado um pouco mais, até porque cheguei tarde na
noite passada, mas estava animada. É incrível como, às vezes, coisas
singelas são capazes de nos fazer bem. O abraço de Nick ontem foi apenas
o estopim necessário para que nós dois pudéssemos conversar de verdade,
para que eu me permitisse ficar mais próxima dele. Depois de tomar um
banho e me deitar na noite anterior, não pude deixar de pensar a respeito da
nossa história.
Nick e eu nos conhecemos desde criança. Eu me lembro ainda hoje
do dia em que nos conhecemos, ele foi a segunda criança com quem me vi
usando a língua de sinais. Tenho uma prima que também nasceu deficiente
auditiva e, por conta dela, muitas pessoas na família se propuseram a
aprender. Apesar de não morarmos mais perto há uns bons anos, foi por
causa dela que minha comunicação e, por consequência, aproximação com
Nick aconteceu.
Durante os primeiros anos, nós éramos muito próximos, fazíamos
parte do mesmo grupo de amigos, mas, conforme fomos crescendo, cada
um foi seguindo seu caminho. Todavia, durante a noite de ontem, não
consegui deixar de pensar o quanto Nicholas Bennet me transmite essa
sensação. De carinho, conforto, de nostalgia, mas também de familiaridade,
como se os anos não tivessem passado.
Sei que nós envelhecemos e muitas coisas mudaram. Como, por
exemplo, o fato de que Nick é muito alto, que agora não é mais tão tímido
como quando éramos mais novos, ou mesmo que ele chama atenção das
mulheres. Constatei isso enquanto atendia uma mesa de garotas na noite
anterior, enquanto eu anotava seus pedidos, estava me afastando, mas não
pude deixar de ouvir seus comentários.
“Vocês já viram o bartender daqui? Ele é simplesmente lindo”.
Sabia que elas estavam se referindo a Nick e não pude evitar a
risadinha baixa. E mesmo deixar de concordar porque, apesar de prometer
que ele iria fazer caretas ao longo do nosso expediente e que estaria de olho
em mim a noite toda, em alguns momentos, ele não estava prestando
atenção. O que é completamente plausível. Mas eu estava. E naquele
momento, depois do comentário da garota, eu olhei para Nick e não pude
deixar de pensar que ela estava certa. Misturando as bebidas na coqueteleira
e arregaçando um pouco mais as mangas da camisa de botões do LeBlanc's,
não consegui deixar de pensar que ele estava… Lindo.
Nick tem uma beleza singela. No país onde moro, ter cabelos loiros,
pele branca e olhos claros é comum, muito mais do que deveria ser, mas
apesar de não ter nada de “especial”, digamos assim, é inegável que
Nicholas é bonito.
Lindo. Tanto por fora mas, principalmente, por dentro.
Enquanto eu flexiono a ponta dos pés na bola que usamos para o
aquecimento, antes de vestir a sapatilha, me lembro do comentário de Ellie
a respeito dele. “Cara de bonzinho e de quem beija bem”. Rapidamente, a
imagem dos lábios de Nick me vem à mente. Talvez ela não esteja de todo
errada…
De onde veio esse pensamento?, penso comigo mesma.
Talvez seja um pouco de carência. Fiquei mais de um ano
namorando com Daniel e, depois disso, me fechei para toda e qualquer
interação com outros caras. Sinto falta de beijar, de dar carinho para outra
pessoa… de transar.
Respiro fundo e afasto o pensamento. Minhas necessidades físicas
não são minha prioridade neste momento. Termino meu aquecimento e
decido me concentrar no ballet, aproveitar o bom humor e o dia bonito de
outono que faz do lado de fora da sala de aula. Um grupo de alunos começa
a entrar na sala, eu os cumprimento e entre a turma, vejo Elke. Ela vem ao
meu encontro e coloca suas coisas ao meu lado.
— Bom dia, May — me cumprimenta, sentando ao meu lado,
começando o mesmo ritual de sempre. — Daria tudo para que a aula de
hoje fosse cancelada.
— Pegou pesado ontem? — Brinco com ela, dando um beijinho em
seu rosto, retribuindo o cumprimento.
— Não era a ideia, mas as fofocas renderam — diz ela. Enquanto
Elke prende suas tranças em um coque, ela continua a falar. — Sei que você
talvez não queira saber, mas as coisas estão meio complicadas em Gisele.
Só de ouvir o nome do espetáculo sinto meu corpo se retrair,
lembrando da conversa com Daniel.
— Infelizmente, eu gostaria de não saber, mas ele me procurou
ontem — comento e olho para minha amiga, sabendo que ela vai entender a
quem me refiro quando digo ele. — Parece que Johanna e ele não estão
com muito entrosamento…
— Foi isso que ele te falou? — Elke ri, enquanto começa a cortar
pedaços de fita para enfaixar seu pé direito. — Por que será que isso não me
surpreende?
— O que quer dizer?
— Quero dizer que ele te passou a versão errada. Quem está dando
problemas no espetáculo é ele e não a Johanna.
Quando ela diz essa frase, uma parte de mim repete a mesma
pergunta feita por ela.
“Por que isso não me surpreende?”.
— Como assim?
— Parece que o Daniel e o estrelismo dele estão confrontando
Dimitri — me explica
Elke — Ele fica dando mil e uma opiniões, discordando da direção e
ao que parece, foi rude com um dos funcionários da academia sem a
menor necessidade.
— O problema claramente não é Johanna. — concluo, mordendo o
lábio inferior.
— Não. — reforça ela — E tem mais, parece que Dimitri disse que
iria substitui-lo se ele continuasse assim.
Se isso for verdade, explica ainda mais a irritação latente dele e o
fato de vir me procurar, numa tentativa de me fazer disputar com Johanne,
ou mesmo de tentar suavizar o problema, que no caso, é ele mesmo.
A conversa é encerrada quando a professora entra na sala e pede que
nos posicionemos na barra para começarmos a fazer alguns jetés. Faço os
movimentos com precisão e a mesma excelência de sempre. Não me sinto
feliz pelo fracasso de Gisele e muito menos feliz por saber que meu ex-
namorado me procurou na busca de tentar prejudicar sua parceira. É triste,
repugnante e só me mostra que realmente quero outra realidade, não quero e
não vou compactuar com nada disso.
Ao final da aula, no entanto, estou pronta para ir embora quando a
professora pede para que eu espere, pois quer falar comigo. Todos os olhos
se voltam para mim e sinto o medo me atingir. Marta Gröna é um nome
conhecido no meu meio. Primeira bailarina do ballet real, o Kungliga
Baletten, uma das companhias mais antigas da Europa. É uma honra ter
aulas com ela, ainda que estas aconteçam apenas aos sábados, já que nos
outros dias, ela dá aulas na companhia do ballet real.
Quando todos saem, ainda que sob os olhares atentos, eu me
encaminho para onde a professora está.
— Está nervosa? — É a primeira pergunta que ela me faz quando
me aproximo dela. Ela ergue o rosto do celular e sua expressão é fria.
— Um pouco — opto pela sinceridade. — Ao mesmo tempo, não
sei do que ter medo, não me recordo de ter feito nada de errado.
— Em alguns momentos, seu pé não estava na posição correta
durante os jetés de terceira posição — ela aponta meu erro. — Além disso,
você precisa elevar mais a perna esquerda, mas percebi que você não
estava conseguindo manter seu equilíbrio. Está com dor no pé?
— Um pouco para ser sincera, usei a sapatilha errada ontem.
— Fique atenta a isso na próxima vez…
— Certo. Darei o meu melhor — falo, mas não percebo que a pausa
breve ainda daria continuidade a sua fala.
— Principalmente quando você for fazer o teste para a Kungliga.
Quando ela diz essas palavras, meu coração para de bater. Juro que
sinto o sangue parar de ser bombeado pelo meu corpo.
— Como…
— Estamos à procura de novos talentos, Srta. Karlsson. Precisamos
renovar nosso corpo de bailarinos e você sabe que procuramos excelência.
A monarquia pode não ter mais sua relevância, mas o ballet real sueco
ainda é um dos mais conceituados na Europa.
— Eu sei… — comento, sentindo minha boca secar.
— A senhorita não fez os testes para Gisele — salienta ela. —
Algum motivo em específico?
Respiro fundo ciente de que não posso mentir, não posso dizer que
não queria, quando: primeiro, esta não é a verdade, e segundo, porque ela
não precisa me conhecer há anos para saber que eu estaria mentindo.
— Meu ex-namorado estava fazendo testes para o papel principal,
eu estava voltando de um ano longe, fiquei na Companhia de Ballet de
Copenhagen e, bem…
— Você nem mesmo tentou fazer os testes?
— Não, senhora.
Marta me olha com o rosto erguido e não preciso me esforçar para
saber que ela está reprovando e muito minha atitude. Foi algo que poucas
pessoas ficaram sabendo, eu me inscrevi para os testes, mas não compareci.
Para todo mundo, eu acabei passando mal, um acaso do destino, como se
fosse uma premonição de que a vaga não era para ser minha.
A verdade é que eu desisti no meio do caminho, porque no fundo,
sabia do jogo sujo que estava rolando entre Daniel, estava ressentida. Na
minha cabeça, eu não tinha a menor chance.
— Vou te dar dois conselhos, Maya — a professora se aproxima de
mim, mas não me intimida de uma forma ruim, pelo contrário, recebo seus
conselhos como uma verdadeira mentoria. — Nunca deixe que um homem
te impeça de fazer o que você deseja. E, segundo, ajeite essa postura e
esteja pronta para treinar todos os dias, a partir de segunda-feira, antes das
aulas.
— Treinar? — Repito o verbo, assustada com o que ela está
dizendo.
— A senhorita quer ter uma chance de entrar no ballet real? Porque
vejo potencial em você e, com a minha ajuda, podemos aperfeiçoar. Você
tem interesse, ou prefere continuar nas coxias?
Prontamente, eu respondo.
—Tenho muito interesse, Sra. Gröna.
— Ótimo — diz ela por fim. — Terça-feira, às seis e meia aqui. Fui
clara?
— Muito clara — respondo.
— Descanse então e esteja preparada. Traga as sapatilhas que,
normalmente, utilizaria para solos e também para dançar durante um
espetáculo. Venha de meia calça e collant apenas, prefiro minhas bailarinas
assim.
— Ok.
Ela dá um sorriso curto e começa a sair da sala de aula.
— E, srta. Karlsson? — Ela me chama novamente.
— Sim?
— A senhorita tem muito potencial. Eu não a teria escolheria para
ser minha aposta diante de tantas alunas.
Não tenho tempo de responder, apenas aceno com a cabeça e,
quando ela finalmente me deixa sozinha, sinto meus olhos começarem a
arder. Diferente de ontem, as lágrimas que irrompem meus olhos não são de
tristeza, mas sim, alegria.
“As coisas boas acontecem para aqueles de coração puro”. A frase
dita por Ellie corre por minha mente com velocidade. Sei que não tenho
garantias de nada, mas quero falar com minha amiga, quero contar a ela
sobre o que aconteceu. Penso nos meus pais e em como vai ser um almoço
de domingo empolgante poder contar para eles que uma bailarina que tanto
admiro está disposta a me treinar para conseguir um lugar numa das
companhias de ballet mais importantes da Europa. E por fim, quero chegar
logo em casa. Quero contar a Nick essa novidade.
Olho para o grande espelho que preenche boa parte da sala de ballet
e pela primeira vez em muito tempo, sorrio para o reflexo não apenas por
mera formalidade, mas agora, de felicidade. Mesmo diante da tempestade
de sentimentos que se sucedeu no dia anterior, depois da chuva, realmente,
o céu limpo brilha.
É nessa metáfora que me apego quando passo pelas portas da saída
da academia de ballet e, diferente do clima chuvoso que cheguei antes da
aula, encontro um céu em um tom azulado singelo e o sol brilhando um
pouco. É um dia de outono para todos os efeitos, mas para mim, ele tem o
sabor tão semelhante quanto a um dia de verão.
O caminho entre as árvores alaranjadas e em tons marrons nunca me
pareceram tão bonito como agora, assim como, dentro do transporte
público, apesar de saber que o dia ensolarado é um convite cheio para que a
lotação seja grande, eu não me importo em me espremer entre famílias
animadas, crianças, carrinhos de bebê ou mesmo jovens adolescentes que
estão preocupados com tudo, menos com respeitar o espaço no transporte
público.
Sigo o caminho em direção a casa de Nick e a música agitada nos
fones de ouvido é um convite para que eu sorria um pouco mais. Me pego
pensando o que se passa na cabeça das pessoas que me veem sorrindo sem
motivo, mas se a felicidade é feita de momentos assim, então eu não me
importo de esbanjar simpatia pela rua.
Ao chegar na entrada da casa, vejo pela janela da cozinha, que dá
para a rua, que Nick e Hannah estão juntos ali. Talvez seja as emoções à
flor da pele, mas ao ver mãe e filho rindo e sorrindo, não consigo deixar de
achar a cena bonita, de me encantar com o amor entre eles. É engraçado
sentir um quentinho no coração ao pensar em contar para Nicholas a
notícia, até mesmo para Hannah, eles têm me acolhido e me tratado tão
bem.
Como se sentisse minha presença, Nick olha para janela e, quando
me vê, ele acena de forma tímida, sorrindo para mim. Acabo com a
distância que me separa da porta e, ao entrar, tiro os sapatos, deixando
minhas duas bolsas no canto e entrando na cozinha. Nicholas já está parado
na cozinha, segurando um tomate na mão enquanto Hannah segue picando
algumas folhas de alface crespa.
— Oi, May — diz Hannah primeiro. — Chegou bem na hora do
almoço — ela olha por cima do ombro do filho em minha direção. — Tudo
bem, querida?
— Tudo ótimo — respondo, sorrindo — Minha professora falou
comigo no final da aula — começo a contar, falando em voz alta e
sinalizando. — Vou começar a sair mais cedo de casa.
— Por que? — Só então, Nick se manifesta. Mas, pela forma como
ele sorri, suspeito de que de alguma forma, ele sabe que vou contar algo
bom.
— Ela e eu vamos treinar para uma audição no ballet real.
Sorrio tanto que parece que minhas bochechas nunca mais vão
voltar ao normal. Ouço quando Hannah começa a comemorar, mas não
tenho tempo de agradecê-la porque, me surpreendendo mais uma vez, Nick
vem até mim, ainda segurando o tomate nas mãos e me abraça.
Dois dias seguidos que esse abraço me transmite uma sensação de
aconchego, de familiaridade, de felicidade.
— Viu só? Não sou só eu que te acho a bailarina mais incrível do
mundo — a voz de Nick ressoa em meu ouvido e eu não consigo conter o
sorriso, ainda mais quando ele se afasta e me olha com tamanho orgulho,
como se se estivesse tão feliz quanto eu.
— Obrigada. — Olhando para ele, faço uma brincadeira. — Acho
que você me traz sorte, Bennet.
— Quanto tempo eu não ouvia você o chamando assim — dessa
vez, é Hannah quem fala, aparecendo ao lado do filho. — Parabéns, Maya.
Eu tenho certeza que vai dar certo — ela termina de enxugar a mão com o
pano de prato e me dá um abraço também. — Se por um acaso você
precisar parar de trabalhar, não quero que…
— Não, por favor, não será necessário — explico rapidamente. —
Vou dar conta.
— Eu sei que dará, mas se precisar, saiba que não há problemas, ok?
Falei com seus pais e eles me falaram que se for necessário, eles podem
arcar com as despesas, ainda que eu tenha frizado que não é necessário.
— Eu agradeço por isso, Hannah. Mas o LeBlanc’s é importante
para mim, peguei apreço pelo lugar. Além disso, gosto de trabalhar por lá,
gosto das trocas que tenho ali — respondo, mas dou uma olhadinha de
canto para Nick, notando que ele me observa. Quando digo as últimas
palavras, ele sorri um pouquinho mais.
— Como preferir, querida — diz ela, balançando a cabeça em
concordância.
— Querem ajuda com algo?
— Não se preocupe — Nick pisca para mim enquanto sinaliza —, o
almoço é por nossa conta. Enquanto isso, eu e você podemos discutir os
filmes que vamos assistir hoje.
— Quem disse que você vai ter direito de escolha? — Questiono
ele, fingindo falsa seriedade.
— Parece que a Maya, líder das brincadeiras, voltou à vida.
— É a convivência.
Nicholas dá risada e eu o acompanho, só então, quando desvio os
olhos dele é que vejo Hannah encostada na bancada nos observando.
Entretanto, nossa atenção é desviada quando James aparece nas escadas.
— Ei, Maya — ele me saúda. — Ouvi a conversa, parabéns. — O
padrasto de Nick me dá um abraço polido e eu retribuo.
— Obrigada.
— Arrumou a luz do banheiro? — Pergunta Hannah ao marido,
segurando a faca na direção dele.
— Sim, senhora, pode abaixar sua arma — James ergue a mão em
sinal de rendição e conforme se aproxima, vejo que a mãe de Nick segura a
risada. — Um banheiro perfeitamente em ordem para minha amada esposa.
— É bom mesmo, se não eu iria pedir o anulamento do casamento
para o Elvis — brinca ela e os dois dão um beijo.
James é bem alto, assim como Nick, ele é bonito também, com o
corpo atlético, olhos castanhos, a pele mais branca do que a de Hannah e
um sorriso simpático, ainda que, por conta do esporte, ele tenha algumas
cicatrizes no rosto. Os cabelos escuros estão ganhando algumas mechas
brancas e, apesar de atuar na defesa do time de hockey em que joga, ele é
um cara muito tranquilo. E é notável o amor dos dois quando se abraçam,
conversando baixinho e imersos em sua bolha particular. Enquanto assisto a
cena, sinto quando a boca de Nick se aproxima do meu ouvido.
— Ainda bem que o casamento em Las Vegas não tem nenhum
valor legal.
Dou risada quando ele diz isso e me viro para olhá-lo. Inclinando
um pouquinho a cabeça para olhar em seus olhos, penso no começo da
semana, na forma como ela iniciou e como está terminando.
Na segunda-feira, eu era apenas uma bailarina frustrada, que estava
morando na casa do colega de infância e que sentia que nada estava dando
certo. Mas agora, mesmo tendo se passado apenas alguns dias, sinto que as
coisas mudaram de fato, me sinto corajosa para o que está por vir, feliz por
saber que meu talento realmente não é apenas fruto da minha cabeça, que
meu esforço está sendo valorizado e que, diferente da segunda-feira, em que
eu me sentia tão sozinha, neste momento, com Nick brincando comigo,
sendo um verdadeiro companheiro e tão gentil, como ele sempre foi, me
sinto cuidada, me sinto não mais solitária.
— O que você está pensando? — Meu amigo me pergunta, me
tirando do devaneio.
— Estou pensando que, posso ter brincado, mas talvez você
realmente me traga sorte.
Vejo as bochechas de Nick ficarem mais vermelhas, mas não
desgrudo os olhos dos dele. A forma como ele me olha me faz pensar que
talvez…
Não sei. Talvez tenha algo a mais.
E se tiver?, é a pergunta que retumba em minha cabeça enquanto ele
volta a chamar minha atenção.
— Você faz sua própria sorte, Maya. — Diz ele, sinalizando ainda
com o tomate em mão. — Quando uma pessoa nasce para iluminar o
mundo, não tem nada que a impeça disso — ele joga a fruta no ar, dá uma
breve piscadinha para mim e vai em direção a área da cozinha, onde antes,
ele estava cortando os legumes.
E, dessa forma, simples assim, de uma maneira quase poética e
profunda, eu sinto meu coração acelerar um pouquinho. Mas só um
pouquinho.
ela me perguntou se eu tinha um sonho
internamente, eu respondi que meu sonho era ela
mas eu apenas respondi que queria dar vida às histórias da minha
cabeça

ela me perguntou se eu tinha um sabor favorito


internamente, eu respondi que era o dos lábios dela
mas eu apenas respondi que gostava de baunilha

ela me perguntou onde eu me via no futuro


internamente, eu respondi ao lado dela
mas, dessa vez, eu criei coragem
eu respondi que me imaginava amando alguém

e para a minha surpresa


ela disse que, no futuro dela, nós dois estávamos de mãos dadas

entretanto, quando eu toquei a mão dela


Eu acordei.
Quando eu sonho,
Por Nicholas Bennet
Agora me lembro como é a sensação de voar
Você me dá frio na barriga
Butterflies - Kacey Musgrave

A chuva fina cai e me faz andar com a cabeça baixa, apenas olhando
para o chão. Apesar de estar de capa de chuva, botas e de saber que um
clima desses seria perfeito para pelo menos mais uma hora e meia de sono,
não me permito reclamar. Estou indo mais cedo para a academia de dança
por um motivo importante e muito bom: estou correndo atrás do meu
sonho.
Chego ao ponto de ônibus e me sinto agradecida por ele estar vazio
e também por não ter me atrasado e precisar esperar por pouco tempo.
Quando meu ônibus passa, ao entrar, aproveito os bancos vazios para
relaxar um pouco. Estou prestes a mudar a playlist que toca em meus fones
de ouvido quando vejo as notificações. Sorrio ao ver duas mensagens, uma
delas eu esperava receber, mas a outra, me pega de surpresa.
Opto por abrir primeiro a que vai me acolher e me fazer sanar as
saudades daqueles que eu tanto amo. Abro primeiro a conversa com minha
mãe. Mesmo que tenha acabado de acordar, eu não duvidaria que Emily
Karlsson ainda esteja deitada enquanto digita as mensagens.
Mamma: Você vai se sair muito bem hoje. Essa vaga já é sua e eu
não tenho a menor dúvida disso.
Mamma: Já sinto saudades suas, do seu cheirinho. Nessas horas,
sinto muitas saudades de morar em Estocolmo 🙁
Mamma: Se cuida, jag älskar dig [11]<3

Estive com meus pais ontem, saí cedo no domingo para visitá-los e
voltei tarde da noite, mas de fato, eu igualmente já sinto saudades deles. É
maravilhoso ter meu espaço e minha independência, morar sozinha durante
um ano em Copenhagen me ensinou muita coisa sobre espaço pessoal e
sobre eu mesma como indivíduo. Mas, apesar de amar e de não me ver
trocando de vida, voltando a morar com meus pais, isso não muda o fato de
que amo o colo da minha mãe, seu abraço quentinho quando chego em sua
casa. Os mimos que meu pai faz, como comprar todos os tipos de doce que
eu adoro e sempre dizer que está abrindo exceção para a regra sueca de só
comer doces aos sábados.
É impossível evitar o sorriso ao lembrar dos dois me abraçando
felizes quando dei a notícia, eles sabem o quanto eu estava mal, como toda
a situação foi caótica e mais do que ninguém, meus pais me apoiam e
sempre me apoiaram a seguir meus sonhos. Sou muito grata por ter uma
família tão acolhedora e amável, que me respeita, torce por mim e me ama
acima de tudo.
Envio uma foto minha fazendo careta por conta da chuva e digo a
minha mãe que também a amo. Pulo outras mensagens de grupos que estão
para ser lidas e vou para outra conversa que me chama atenção. É bem cedo
e por isso, eu não esperava que Nick estaria acordado, mas, aparentemente,
meu colega de casa não cansa de demonstrar atenção e carinho para
comigo. Clico na conversa e automaticamente abro um sorriso.

Nick: “As folhas do outono rodam pelo ar


Enquanto ela gira
E meu coração flutua sem parar"
Nick: Boa sorte no seu ensaio :)
Leio a mensagem algumas vezes até entender que se trata de um
poema. Fico surpresa porque não conheço a autoria, mas, se tratando de
Nick e pelo curso que ele faz, não é difícil imaginar que ele conheça muito
mais poetas e poetisas do que eu. Rapidamente, eu teclo uma resposta.

Maya: Isso é um trecho de um poema?


Nick: É um hai-kai :)
Maya: Eu adorei! Quem é o autor?
Nick: Achei na internet, não sei de quem é a autoria.
Maya: Que pena, eu adorei <3
Maya: Agora, volta a dormir, está cedo demais.
Nick: Tá legal, vou aproveitar mais uns minutinhos na cama
Nick: Bom ensaio

Envio apenas um emoji e aumento o volume dos fones de ouvido,


admirando a paisagem do caminho que me leva até o outro lado da cidade,
onde a academia de ballet fica, e não consigo deixar de sorrir. Estou feliz
pela oportunidade que estou tendo, estou feliz por estar trilhando meu
caminho e, além disso, me sinto bem por saber que, aqueles que estão
cientes da oportunidade que me foi dada, estão torcendo por mim.
Prometi a mim mesma que não vou contar para as pessoas o que está
acontecendo na minha vida, ao menos as partes boas. Se me perguntarem
como estou, direi que estou bem, se me perguntarem quais são minhas
próximas metas, serei sucinta. Minha mãe me deu esse conselho durante
nosso tempo juntas, enquanto me contava como foi o processo dela de
conseguir a vaga de emprego para Estocolmo, quando eu era pequena. O
cargo de chefia que ela conseguiu era visado por muitas pessoas e,
infelizmente, há aqueles que torcem pelo nosso sucesso e aqueles que
também não vibram tanto assim.
Quando penso nisso, não consigo evitar associar isso com Daniel,
com a forma como ele nunca parecia cem por cento feliz com minhas
conquistas. É diferente, por exemplo, de Nick, que não precisa vibrar com
nada, ele não me deve absolutamente nada, mas ele simplesmente escolhe
ser atencioso, ser carinhoso. Meu amigo de infância me trata como se estar
presente, fazer parte da minha vida, me dar seu ombro para chorar ou
mesmo assistir um filme tarde da noite no sábado fosse um privilégio.
É incrivelmente desconcertante e doce como ele simplesmente tem
estado presente na minha vida desde que nos reencontramos.
Impossível pensar nisso e não lembrar de mais uma das conversas
que tive com meus pais no dia anterior. Enquanto eu contava a eles sobre
todas as minhas mudanças, eu mencionei como o LeBlanc's, um emprego
que era apenas para não me fazer ficar a mercê deles e para me sentir mais
independente, tem me feito bem. Um ambiente verdadeiramente acolhedor,
com pessoas que são gentis e se mostram proativas para me ensinar, para
trocarem uma piada ou conversar de forma leve durante o expediente. Além
disso, é muito bom estar em um ambiente diferente do ballet e da dança.
Falei como Hannah e James me acolheram de forma tão gentil em
sua casa e, claro, falei muito sobre Nick e sua maneira atenciosa de me
tratar, de falar comigo, de se mostrar presente. Não tive coragem de contar
sobre o incidente com Daniel porque não queria preocupá-los, mas
mencionei sobre meu dia ruim no ballet e como Nicholas foi meu ombro
amigo quando eu estava me sentindo tão sozinha.
É essa conversa que me vem à mente enquanto o caminho passa
diante dos meus olhos, e mais do que isso, em como o olhar cúmplice dos
meus pais um para o outros fez com que eles comentassem o que pensam a
respeito do meu amigo.
"Nicholas sempre foi um garoto sensível, gentil e amável. E, sabe do
que mais? Eu acho que ele gosta de você".
Quando meu pai comentou isso fiquei surpresa. Andrew Karlsson
nunca teve aquele senso de ciúmes e proteção que os pais costumam ter
com as filhas, com exceção de Daniel, por quem ele nunca nutriu nem
afeto. Entretanto, essa foi a primeira vez que ele disse algo a respeito de um
garoto para mim, não de uma forma ruim, como se quisesse que eu
mantivesse a distância de Nick, mas de uma forma amável, como se…
Como se aprovasse nós dois.
Sendo honesta comigo mesma, não consigo negar que, de alguma
maneira, Nick tem mexido comigo. A maneira como ele me olha, o jeito
como em certos momentos fica meio tímido, fazendo jus ao garoto com
quem eu cresci. Ao mesmo tempo, a maneira como ele é inegavelmente
bonito, charmoso sem fazer esforço, atencioso, como se não fosse uma
máscara que ele veste, mas sim, algo inato dele.
Nick Bennet faz com que eu sorria por motivos simples, como a
nossa primeira sessão de filmes, feita no sábado. Nós nos sentamos no sofá,
escolhemos o filme e, para a minha surpresa, Nick também é do tipo que
gosta de fazer comentários ao longo do filme. Foi como se nós tivéssemos
feito isso sempre. Essa sensação tem feito meus sentimentos balançarem
com relação a ele.
Familiaridade.
Nick faz com que eu me sinta em casa. É como chegar de um dia
exaustivo e saber que ainda assim, haverá um motivo para sorrir. Ou
quando você conhece uma pessoa, mas vocês têm tantos assuntos em
comum, que é como se não fossem meros conhecidos. Uma brisa de verão
em um dia quente de praia; uma coreografia favorita feita sem pressão; uma
aula de ballet contemporâneo, quando você só tem a obrigação de sentir a
música.
Uma xícara de pumpkin spice quentinha em um dia com ventos de
outono.
A sensação de encontrar abrigo em meio a uma tempestade
repentina.
Nick me transmite conforto. E, por sentir isso, eu me pergunto se
talvez, o meu coração e a minha mente não estejam começando a vê-lo de
outra forma.
Automaticamente, ao pensar nisso, me lembro de quando nos
tornamos adolescentes, o momento em que começamos a mudar, crescer. O
momento em que você começa a realmente olhar com outros olhos para as
pessoas.
Nicholas fazia parte do grupo de pessoas tímidas da nossa sala, da
escola como um todo. Ele meio que passava despercebido.
Mas não para mim.
Eu talvez só fosse muito tola para me dar conta. Talvez eu só não
tenha me permitido olhá-lo de outra forma.
Duas perguntas permeiam minha mente nesse instante, enquanto
dou sinal para descer no próximo ponto, próximo a academia.
Eu quero vê-lo de outra forma? Ou melhor: seria algo ruim vê-lo
com outros olhos?
Algo dentro de mim se remexe quando penso nisso, e mais ainda,
quando fecho os olhos por alguns instante e embalada por uma música que
fala sobre borboletas no estômago, eu tento vislumbrar um cenário diferente
da sessão de filmes no sábado.
Se, ao invés de só afastar minha mão de levinho quando ela
encontrou a dele, eu tivesse tomado seus dedos junto aos meus. Se eu
tivesse me aproximado um pouco, lentamente, selando meus lábios nos dele
de forma casta, para depois ele pedir passagem com sua língua para
encontrar a minha. A comprovação de que a teoria de Ellie é verdade, que
ele beija bem.
— Foco, Maya. Foco. — Digo a mim mesma com a voz baixa. —
Pelo menos agora, um pouco de foco.
Desço do ônibus e ajeito minha postura, disposta a mudar meu foco.
Agora, não há nada mais importante que o ballet e a chance que estou
tendo.
A oportunidade que será minha.

— Pontual — diz Marta assim que entra na sala de aula em que


combinamos de nos encontrar. — Gosto disso.
— Bom dia, Sra. Gröna — eu a saúdo com um sorriso polido.
— Pode me chamar de Marta. Já basta meus documentos todos me
lembrarem que eu tenho como sobrenome uma cor[12].
Seguro o riso um pouquinho e apesar da pose séria, Marta também
dá um repuxar de lábios.
— Certo — assinto, mostrando que entendi o pedido e que assim o
farei. — Por onde começamos?
— O próximo espetáculo que o ballet real quer apresentar é sobre
sonhos. Quatro atos, quatro sonhos diferentes — Marta começa explicar de
forma quase misteriosa. — Se você tivesse a chance de escolher uma peça
para dançar, para fazer um solo, srta. Karlsson, qual seria? Seu verdadeiro
sonho?
A pergunta não me abala, porque a resposta é só uma há muitos
anos.
— Don Quixote, o grand pas de deux. A coreografia dançada por
Svetlana Zakharova e Andrei Uvarov.
— Bem específico. E por que?
— Sou fascinada por essa apresentação desde muito nova —
começo a explicar e sou incapaz de esconder meu sorriso. — Era um dos
vídeos que me faziam lembrar porque eu dançava tanto, porque eu
precisava melhorar mais e mais. Foi vendo essa apresentação que eu soube
que nada na minha vida poderia ser tão importante quanto o ballet.
Enquanto eu não tivesse aquilo, aquela excelência, leveza e precisão nos
palcos, eu não estaria feliz. — Levemente extasiada ao pensar na Maya tão
nova que sonhava com grandes palcos, eu finalizo. — Já me apresentei
muitas vezes, já estive em muitos palcos, mas eu…
— A senhorita quer mais. Quer a chama no coração — conclui e eu
assinto. — Temos muito trabalho daqui até um mês e meio.
Quando ela diz o prazo, sinto meu coração saltar dentro do peito. É
pouco tempo, talvez não seja suficiente, talvez eu não seja boa…
Rapidamente eu me repreendo. Nenhum pensamento como esse vai
me fazer chegar onde quero.
— Estou disposta a ensaiar até meus pés sangrarem. Estou aqui
cento e dez por cento, Marta.
Os olhos verdes dela me analisam com cuidado, mas eu vejo quando
ela sorri, orgulhosa da minha atitude.
— Ótimo. Vamos ao trabalho: na barra, quinta posição, plié,
cambré.

Marta me libera uma hora e meia depois, estou suada e cansada, mas
ainda tenho minha rotina corriqueira de aulas, então, ainda que deseje mais
do que tudo um copo de café, me contento em ir a lanchonete da academia e
tomar um suco verde e pegar uma barra de proteínas. Com o suco em mãos,
sigo o caminho até a parte administrativa, onde fica o que nós brincamos de
“almoxarifado de sapatilhas”. Apesar de achar que meu par mais antigo não
está tão velho assim, quando a Sra. Gröna disse que eu deveria trocá-las,
apenas acatei.
Por isso, vou até Philipe, o responsável pelas compras de sapatilha,
bem como por nos fornecer as mesmas e juntos, ele me ajuda a escolher um
par melhor para mim. O mundo do ballet, durante anos, não se preocupou
em oferecer sapatilhas com cores para cada tom de pele. Só havia uma
opção de cor de: a “cor de pele”. Foram anos de luta e, mesmo nunca tendo
sofrido para encontrar sapatilhas para mim, jamais deixei de apoiar a luta de
bailarinos e bailarinas negras. Por esse motivo, sempre que venho até aqui e
vejo as mais diferentes prateleiras com todas as cores, sorrio por ver que de
pouco em pouco, as coisas estão mudando.
Depois de escolher meu novo par, eu volto para a parte do prédio
onde ficam as salas. E é então que eu vejo certo burburinho, vários grupos
de bailarinos conversando. Alguma coisa está acontecendo. Quando vejo
Elke, ela acena para mim e eu me aproximo.
— Ei, chegou adiantada hoje — diz ela me saudando.
— Levantei mais cedo e decidi não enrolar, precisava passar no
almoxarifado também — explico. — O que está havendo?
— Dimitri vai assistir algumas aulas hoje para selecionar um novo
bailarino. Achei que ia demorar para acontecer, mas…
Ela não precisa dizer mais nada.
Daniel será substituído no espetáculo de Gisele.
Quase como uma premonição, as conversas ficam mais baixas e não
leva muito tempo para que eu compreenda o motivo. Vindo pelo corredor,
com a feição fechada, cara de poucos amigos e segurando sua bolsa com
força, Daniel começa a passar pelos grupos, mas quando me vê, eu sinto um
arrepio na espinha. Ele demora o olhar um pouco mais em mim, mas
felizmente, ele segue o caminho.
Entretanto, o arrepio permanece.
Quando ele desaparece de vista, os burburinhos retornam e Elke
sussurra baixinho para mim.
— O karma é uma merda, não é?
Dou um sorriso murcho para ela e não comento mais nada. É
irônico, talvez até mesmo estranho diante de todo o cenário e de toda a
minha história com Daniel, mas eu não me sinto feliz de saber que ele está
se dando mal, nunca gostei de vibrar pelas derrotas das pessoas. E ainda que
eu tenha todos os motivos do mundo para ter raiva, ódio e até mesmo me
sentir satisfeita pelo fracasso dele, essa não sou eu. Nunca vou ser assim.
Posso ser chamada de otária e tola, mas que seja. Meu coração não é assim.
— Acabou a fofoca — nosso professor bate palmas. — Todos para o
centro da sala.
Rapidamente, eu e os demais bailarinos seguimos para dentro e
vamos para nossas posições.

No final da tarde, meus pés estão doloridos e meu corpo implora por
descanso. A chuva deu uma trégua depois do almoço, mas agora, ela volta a
cair. Estou andando distraída pela rua, indo em direção ao ponto de ônibus
quando sinto um puxão em meu braço.
Antes que eu consiga gritar, meus olhos encontram um rosto
conhecido.
— Você deve estar adorando, não é? — Daniel fala pelos dentes.
— Do que você está falando?
— Não se faça de sonsa — ele me segura um pouco mais forte.
— Me solta! — Digo com a voz levemente tremelicante. Nunca vi
ele agir dessa forma.
— Você acha que eu não sei do seu teste para o ballet real? —
Quando ele diz as palavras, só consigo me perguntar como ele pode saber.
— Você fazendo teste para o ballet real, eu sendo expulso injustamente de
Gisele. Johanna e eu terminando… você deve estar amando achar que eu
estou caindo.
— Eu não acho nada, me solta! — Puxo o braço com mais firmeza e
consigo me desvincular dele. — Qual o seu problema?
— O meu problema é que eu estou ficando para trás, Maya. E eu
não gosto disso — enquanto fala, percebo que ele funga várias vezes. E só
então, quando olho para suas pupilas, o brilho de seus olhos não está ali,
eles parecem opacos.
Será que…
— Você está usando drogas? — A pergunta deixa meus lábios sem
que eu me dê conta.
Daniel me olha com ira, como se estivesse vendo a pior pessoa na
sua frente. Felizmente para mim, algumas pessoas passam por nós, olhando
desconfiadas e isso faz com que ele se afaste, com que sua postura dura e
rígida se desmonte. Talvez alguém tenha ouvido o que falei.
— Não brinque comigo, Maya. Você não sabe do que eu sou capaz.
Tão rápido quanto apareceu, Daniel vai embora, me deixando
parada na calçada assustada. Preocupada. Com medo. Ainda mais chocada
por, mais uma vez, me perguntar como eu pude me iludir tanto com uma
pessoa.
E se eu tiver que escolher
Meu coração ou você
Eu vou perder, sim
Hard Place - H.E.R

A maioria das pessoas gosta de ficar em seus quartos, é


majoritariamente o refúgio de qualquer um. De fato, meu quarto é meu
espaço favorito da casa, mas há um lugar em especial que divide meu
coração, um outro espaço que eu costumo passar boa parte do tempo.
Na casa do meu pai, o terreno térreo conta apenas com o porão no
subsolo e um quintal grande nos fundos, onde fazemos churrascos, Mah
planta suas flores e cuida de uma pequena plantação de especiarias e, anos
atrás, uma caixinha de areia era o meu passatempo favorito.
Diferente dela, a casa da minha mãe e de James é um sobrado de
três andares. O subsolo, com a lavanderia, um quarto pequeno que usamos
de depósito e o quarto maior, que agora é de Maya. O térreo por assim dizer
é onde fica a entrada de casa e a cozinha, um ambiente que também adoro;
o andar do meio é onde fica o banheiro e o quarto da minha mãe e por fim,
o último andar, onde fica o meu quarto e também a sala de estar.
É uma configuração diferente, mas eu adoro. É na sala de estar que
se encontra o meu segundo lugar favorito de casa: a estante grande de
livros, a lareira e uma mesa de estudos. O meu canto de escrita, o lugar que
eu considero meu refúgio.
Sentado ao lado da estante, eu admiro as lombadas dos livros
enquanto dou minha pausa de escrita. Aprendi lendo muito sobre processos
criativos, bem como biografias de autores e autoras que cada um tem o seu
processo, sua forma de escrever e aquilo que funciona. Nem todos os dias
me sinto inspirado, nem todos os dias quero sentar e escrever. Pelo
contrário, há dias em que eu simplesmente poderia jogar tudo que escrevi
na lixeira do notebook e começar outra história.
Hoje é um desses dias. Olho para a tela do computador e sinto meu
cérebro derreter, não gostei de uma linha que coloquei no arquivo e por
incrível que pareça, estou com calor, levemente incomodado.
Desisto de ficar na frente da tela e não ficar satisfeito com a escrita,
decido tomar um banho e talvez, adiantar meu conteúdo para o Instagram.
Posso não ter escrito tão bem no meu novo livro, mas ao menos os roteiros
de vídeos deram certo. Vou para o quarto e antes de tomar banho, higienizo
bem meus aparelhos auditivos. É uma rotina que eu estou verdadeiramente
acostumado, desde muito novo aprendi a cuidar deles, o que podia ou não
fazer. É quase algo inato.
Devidamente higienizados, eu pego roupas limpas e vou em direção
ao banheiro. Em dias que a escrita não rende para mim, eu sempre acabo
por prolongar meu tempo no banho, fico mais tempo ali refletindo sobre a
história. Recentemente, ouvi um podcast de um autor que falava que, no
banho, ele constantemente tinha ideias para seus livros, me senti
representado porque comigo acontece a mesma coisa. Uso o tempo a mais
também para me barbear e, quando estou devidamente limpo, visto a boxer,
a calça de moletom e uma camiseta e decido ver algo para comer, já que
minha mãe, com certeza, vai ligar para saber se me alimentei.
Com James começando a temporada, mamãe vai viajar com ele para
assistir alguns jogos. Não é uma constância porque o LeBlanc’s é a
prioridade dela, mas, dessa vez, ela escolheu ir. Enquanto desço as escadas,
penso que, dessa vez, não estou sozinho em casa, tenho Maya também.
Faço menção de pegar meu celular no bolso da calça, para mandar outra
mensagem para ela e perguntar se ela está vindo para casa, mas não é
necessário. Assim que chego ao térreo, vejo a porta de entrada se fechando
e Maya tirando sua jaqueta.
— Oi — estou pronto para perguntar como foi seu dia, mas então,
ela ergue o rosto e me olha. Maya está mais pálida que o normal e
reconheço a vermelhidão em seus olhos. — May…
Antes que eu possa perguntar o que houve, ela vem até mim e me
abraça apertado. Eu a seguro forte e só consigo pensar que há duas coisas
que a fariam estar chateada no dia de hoje, quando ela tem todos os motivos
para estar feliz. Ou o ensaio com a professora não foi tão bom quanto ela
imaginou, ou o otário do ex-namorado fez algo para ela. E eu apostaria uma
boa quantidade de dinheiro na segunda opção.
— O que ele fez? — Faço a pergunta sem rodeios. Maya afasta o
rosto do meu peito e vejo que ela parece chocada.
— Como sabe…
— Reconheço um otário facilmente — explico. — E ele já deu
motivos antes.
— Não sei o que está acontecendo, Nick. Eu nunca…
— Que tal um chá e aí você me conta tudo?
Ela assente e, juntos, vamos para a cozinha. Maya está visivelmente
abatida e, antes que comece a me contar o que aconteceu entre ela e Daniel,
eu já começo a odiá-lo por estragar o primeiro dia de ensaio dela. Maya me
conta sobre seu dia desde o início, a forma como se sentiu desafiada de uma
maneira boa por sua professora, como se esforçou e que a sensação logo foi
embora quando ela ficou sabendo que Daniel havia sido expulso do
espetáculo.
Quando ela diz que não ficou feliz por saber disso, sinto duas coisas
diferentes: primeiro, penso que ela é muito mais nobre do que eu porque,
mesmo sem conhecê-lo de verdade, a primeira coisa que me veio à mente
quando ela mencionou que ele não era mais solista, foi “bem-feito”. Em
segundo lugar, eu penso o quanto o coração de Maya Karlsson é tão lindo
quanto sua beleza exterior.
Entretanto, minha ira começa a aumentar quando ela conta da forma
como se sentiu quando ele a olhou com raiva no corredor da academia de
ballet. Mas piora gradativamente no momento em que ela confidencia que
Daniel a confrontou depois, já que o encontrou assim que ela saiu do
treino.
— Isso está começando a me deixar preocupado, Maya. — Com os
braços cruzados, não consigo conter a irritação. — Você contou para os seus
pais sobre o que está acontecendo?
— Não quero preocupá-los — explica ela. — Sei que o que estou
contando é motivo de sobra para gerar preocupação, mas, eu namorei com
ele por muito tempo. Ele nunca agiu dessa forma.
— Eles nunca agem, May.
— Eu sei, mas… — pondera ela, mordendo o lábio inferior, como
se estivesse tentando encontrar uma resposta — eu acho que ele não estava
em seu… estado normal.
Quando ela para de sinalizar, olho em seus olhos castanhos, como se
eles pudessem dizer mais do que ela está me contando.
— Isso é comum, no meio da dança?
— Drogas? — Sinaliza ela. — Gostaria de dizer que não, mas
depois de temporadas pesadas de espetáculos, ou noites com poucas horas
de sono… Bem, não é difícil que aconteça, vez ou outra.
— Maya, eu realmente não estou com um bom pressentimento
quanto a isso — me sentindo realmente impotente, penso no que posso
fazer para ajudá-la. — Não quero controlar sua vida, nem nada do gênero,
mas… Vamos estabelecer um combinado — começo a explicar. — Se em
algum momento, seja o dia ou horário que for, você sentir medo de voltar
sozinha, ou mesmo de ir sozinha para os ensaios, me avise. Eu vou com
você.
— Tudo bem — assentindo, ela finalmente dá um sorriso bonito. —
Obrigada por se importar comigo.
— Isso é o mínimo que eu posso fazer. E acredite quando digo que
isso me frustra muito — a resposta não poderia ser mais sincera.
— Sei me cuidar sozinha também, eu prometo.
— Se tem uma coisa que eu aprendi com a família que tenho, é que
você e todas as mulheres do mundo sabem se cuidar sozinhas. Não pense
por um segundo sequer que estou te subestimando.
— Eu sei que não — Maya sorri e se levanta, vindo até mim, com a
xícara de chá vazia em mãos. — Você é especial, Nick. Você faz com
que…
Ela para de falar, colocando a xícara na pia e eu sinto a expectativa
crescer dentro de mim.
— O que eu faço?
— Você faz com que eu me sinta em casa. Acolhida. Bem. Você me
traz a sensação de familiaridade.
Quando ela diz essas palavras, eu sorrio, porque sei exatamente do
que ela está falando. É exatamente a forma como eu me senti, muitos anos
atrás, quando vim para visitar meu pai e no final das contas, acabei ficando.
Mudando para um país diferente, ficando longe dos meus avós paternos e
maternos, mas não só isso, precisando me adaptar a uma nova escola,
quando eu não apenas precisei me esforçar em aprender o inglês, mas
também o sueco.
Tudo aquilo que pudesse me trazer a sensação de familiaridade era
muito bem-vindo naquela época, mesmo que eu fosse apenas um garoto de
cinco anos. Foi assim que eu me senti durante meu primeiro dia de aula,
quando minha professora usou a língua de sinais comigo. Ou quando
brinquei pela primeira vez na neve, durante o primeiro inverno que me
mudei.
Essa sensação que ela descreve sentir comigo…Isso é poderoso.
— Do que depender de mim, May, você vai sempre se sentir assim.
Nossos olhos não se desgrudam um do outro e, por breves instantes,
começo a achar que estou alucinando, que talvez eu esteja vendo coisas,
porque por um segundo, eu vejo os olhos dela correrem para minha boca.
Talvez seja um reflexo do que eu estou fazendo, é difícil dizer, a forma
como estamos próximos, a maneira como quero cuidar dela, o jeito como
me importo com Maya, o desejo de simplesmente livrá-la de toda a dor.
Meu coração erra as batidas por ela.
Infelizmente, o magnetismo do nosso olhar acaba quando meu
telefone começa a vibrar no meu bolso, o som da vibração quebra o silêncio
entre nós e ela se afasta rapidamente. Pego o aparelho e vejo que é uma
ligação da minha mãe, que eu atendo na sequência.
Ela me pergunta se eu já jantei, se Maya chegou, como foi meu dia,
mas não é uma ligação muito longa, assim que encerrada, eu guardo o
celular no bolso e me viro para Maya. Ela está com o dedo na boca,
mordendo o cantinho da unha. Ela costumava fazer bastante isso quando
estudávamos juntos.
— Você come unha quando está nervosa — sinalizo e digo em voz
alta, tirando ela do devaneio que estava. — Sei disso porque, quando o
professor de química nos dava prova e nos colocava sentados em ordem
alfabética, eu sempre pegava você fazendo isso.
— Vou parar — ela esconde a mão atrás das costas e ri de maneira
fofa.
— Pensei numa coisa enquanto estava no telefone — de forma
misteriosa, eu coloco a mão no queixo, fingindo estar pensando sobre um
assunto. — Que tal uma sessão de filmes?
Maya respira fundo e balança a cabeça, rindo.
— Nicholas Bennet… — fazendo uma pausa dramática, ela finaliza
— você, realmente sabe mexer com o coração de uma garota. — Ela pega
as bolsas que deixou na cadeira. — Vou tomar um banho e te encontro na
sala.
— Combinado.
Ainda rindo, ela se afasta e enquanto eu a assisto ir para o andar
debaixo, um único pensamento me vem à mente.
Você também sabe como mexer com o meu coração, Maya.

— Consegue levar essa vasilha? — Pergunto para Maya e ela


assente, surpresa ao voltar do banho e ver um mini banquete preparado para
nossa sessão.
— Consigo — responde ela e começa a subir as escadas. Quando
chegamos ao último andar, ela coloca a vasilha na mesa de centro e se joga
no sofá. — Era disso que eu precisava. O que vamos assistir?
— Achei que você iria escolher sempre os filmes — digo
brincalhão.
— Sou sempre a favor da democracia, ainda que, como você não
cansa de dizer, eu também seja um pouquinho mandona.
— Só um pouquinho? — Imito ela, fazendo uma pinça com o dedo.
— Nem sempre ser mandona é algo ruim, vai por mim — Maya
pisca em minha direção e, automaticamente, eu me vejo interpretando a
frase com outra conotação. Olho para ela de forma intensa, imaginando os
mais diferentes cenários onde ela poderia ser mandona, mas logo afasto os
pensamentos.
— Ok — minha voz sai um pouco rouca, mas eu rapidamente limpo
a garganta. — Isso significa que eu posso escolher?
— Pode. Hoje é a sua vez.
Começo a procurar pelo catálogo de filmes opções que possam
agradar e no fim das contas, escolho um filme de produção nórdica de
suspense, que já estava na minha lista para assistir.
Assim como da primeira vez, Maya e eu vamos discutindo sobre o
enredo, personagens e nossas suspeitas ao longo do filme, é divertido e isso
torna a dinâmica ainda melhor para mim. Entretanto, mesmo quando ela
está focada no filme, com os olhos voltados para a tela, eu não consigo
deixar de desviar por alguns segundos o olhar para vê-la. Além disso, Maya
lavou os cabelos e o cheiro de seu shampoo está exalando dos fios loiros e
nós estamos tão próximos.
Ao final do filme, ela está esparramada pelo sofá e com os cabelos
bagunçados em uma das almofadas.
— Que final e tanto! — Exclama ela.
— Foi bom, né? Eu não esperava por esse final.
— Você tem bom gosto para filmes, Bennet — brinca Maya, se
endireitando no sofá, virando para mim.
— Eu tenho um gosto ótimo para várias coisas.
Não foi minha intenção soar com duplo sentido, mas a forma como
ela me olha, como joga os cabelos pelas costas e como morde a parte
interna da bochecha me faz pensar que talvez ela tenha interpretado de
outra forma.
— Nunca vou cansar de agradecer por tudo, Nick.
— Não tem o que agradecer, May.
— Tem sim — diz de forma enfática. — E quer saber mais?
— O que?
Maya vem para perto de mim me surpreendo quando ela alisa
devagar meu rosto, passando os dedos de forma delicada na minha
bochecha.
— Você, atualmente, é minha pessoa favorita no mundo.
— Quer saber de uma coisa? — Repito a pergunta, hipnotizado por
ela, por seus olhos castanhos, pelo seu rosto doce e o sorriso que tanto me
encantou ao longo da vida.
— O que?
— Você foi minha primeira pessoa favorita aqui. Você pode não
saber, mas foi… importante para mim ter alguém da minha idade que
soubesse a língua de sinais.
Maya arregala os olhos quando digo a ela a verdade. Posso ser
apaixonado por Maya, meus sentimentos por ela podem ir, hoje, além da
amizade, mas não foi sempre assim. Gostar dela foi algo progressivo na
minha vida, nasceu aos poucos, mas começou primeiro, com o mesmo
sentimento que ela me confessou hoje, enquanto conversávamos.
Começou com familiaridade.
Ela toca no meu rosto mais uma vez e então, ergue a mão esquerda
na minha frente, estendendo o mindinho.
— Jura juradinho? — Leio seus lábios e sorrio, estendendo minha
mão direita e repetindo o mesmo movimento que o dela.
— Juro juradinho.
Transei pela primeira vez.
Camile era o nome dela. Nós nos conhecemos na festa que fui hoje, era na casa de um dos
meus colegas de escola. Piscina, sol, bebida e um ambiente propício para tudo.
Isso, é claro, se as coisas fossem diferentes.
Não estava com meus aparelhos boa parte do dia, estava aproveitando a piscina, então tive
que tomar um cuidado extra e me esforçar muito para entender toda a conversa, ler lábios não é fácil
e, infelizmente, ela não tinha dimensão disso.
Não tenho coragem de contar todos os detalhes, pelo menos não agora. Mas, quando chegou
a hora, eu disse que poderia ser mais complicado por conta da minha audição. Sei que não foi por
mal, mas quando terminamos, ela não estava satisfeita, eu sabia disso.
Me senti insuficiente porque não consegui conversar com ela durante aquele momento, não
soube onde errei porque… não consegui me comunicar.
Não queria me sentir insuficiente. Mas é exatamente assim que me sinto.
Não me arrependo de ter transado, sinto que tirei esse tabu da minha frente, mas gostaria que
as circunstâncias tivessem sido diferentes.
Não me senti pertencente aquele momento, na minha primeira vez.
Talvez eu precise me conectar com alguém de verdade, ter sentimentos por uma pessoa para
poder fazer isso novamente.

Nicholas, dezessete anos.


Você dança pelo ambiente
Para além do fascínio
Como eu obsessivamente te adoro
Heaven - Niall Horan

— Se eu me mexer, vai doer. Mas saiba que se não fosse por isso, eu
daria um tapinha na sua cabeça.
Dramático como sempre, Louis está deitado em sua cama, com as
costas encostadas em uma pilha de travesseiros, enquanto eu faço
companhia para ele em seu quarto. Aproveitei o tempo livre depois da
faculdade e mandei uma mensagem para ele, para nos encontrarmos. Não
pude ir ao último jogo do meu amigo, mas ao que parece, um dos jogadores
do time adversário prensou ele na parede de acrílico, vindo em uma
velocidade rápida demais que ocasionou um roxo e tanto na lateral do
corpo.
Ele está acostumado com esse tipo de coisa, mas isso não o impede
de fazer um pouco de drama enquanto segura uma bolsa de gelo.
— Você consegue se mexer se quiser… — desdenho.
— Então você quer apanhar? — Como o bom adolescente que é, e
que adora colocar uma piadinha de segunda intenção nas suas falas, Lou
sorri para mim e dá uma piscadinha. — Já contou pra Maya desse seu lado
mais selvagem?
— Vai se foder!
— Ah, é! Me esqueci. — Ignorando meu xingamento, ele continua a
falar e sinalizar. — Você está morando debaixo do mesmo teto que ela, mas
não está usando isso a seu favor.
— Me pergunto o que você espera que eu faça.
— Simples: tome uma atitude — diz ele de forma óbvia, revirando
os olhos. — Vocês estão solteiros, morando sob o mesmo teto, passando
tempo juntos em casa e fora do trabalho. Vocês estão fazendo noites de
filmes. — Ele enfatiza essa última parte. — Eu repito: você e sua paixão de
infância passam tempo juntos, assistindo filmes. E, ainda assim, você segue
fazendo o que? Isso mesmo: NADA.
Louis é um garoto engraçado, isso é impossível de negar.
— E qual sua grande solução? Chegar no quarto dela e falar: "oi,
quer transar?"
— Basicamente isso.
Antes que ele termine sua fala, eu jogo uma almofada em seu rosto.
Infelizmente, com reflexos muito melhores que os meus, Louis pega a
mesma no ar e me dá um chutinho leve na perna.
— Você não tem jeito mesmo — rindo um pouquinho, eu balanço a
cabeça de um lado para o outro. — As coisas não funcionam assim.
— Eu sei que não — Lou arruma a postura, ainda que faça uma
careta de dor e, jogando os fios castanhos de cabelo para trás, ele volta a
falar sério. — Você sabe que eu te amo, não sabe? — Pergunta ele e eu não
contenho o sorriso.
— Sei.
— Então, tendo ciência desse amor, você tem noção do quanto é
frustrante ver que você está com tudo trabalhando ao seu favor e, ainda
assim, você não aproveitou a oportunidade que a vida está te dando?
Suspiro de forma audível.
Sei o que ele quer dizer.
E, de alguma maneira, entendo a indignação e, mais do que isso,
sinto que ele está certo. Quando Maya apareceu no LeBlanc's pela primeira
vez, pouco mais de um mês atrás, tive vontade de bater a cabeça na parede.
Achei que era a vida me dando mais um tapa na cara, pronta para me fazer
ser, novamente, apenas um mero expectador na vida dela.
Porém, as circunstâncias são outras. Maya e eu estamos nos
aproximando de novo, isso é inegável. Depois que eu, finalmente, parei de
fugir dela e percebi que a última coisa que eu desejava era ficar longe e
evitá-la, eu parei de resistir. Fiz o que precisava ser feito e me mostrei ali
para ela. E ao mesmo tempo que essa aproximação é uma dádiva, ela
também me soa como uma má sorte. Nossa proximidade está me travando.
De novo.
— Ela precisa de um amigo, Lou — começo a explicar e logo vejo
ele revirar os olhos. — Olha o babaca que ela namorava.
— Você está preocupado com isso, não é? Com essa meio que
perseguição dele.
— Um pouco — assumo para ele. — Vou ficar atento, ainda que ela
ache que não tem porque se preocupar tanto. Mas, enfim, isso com certeza
tem um peso. Pensa comigo, você, por um acaso, acha que eu tenho alguma
chance com ela neste momento? Depois de tudo que ela passou?
— Mas, Nick… — Louis olha para o teto, como se estivesse falando
com alguma divindade. — Vocês estão vendo, certo? Deus, deuses, ET's,
criaturas sobrenaturais e místicas, vocês são prova de que eu estou
tentando…
— Precisamos mesmo de todo esse drama?
— Depende. Eu paro com o drama se você parar de arrumar
desculpas.
— Lou…
— Nick, presta atenção — Louis se ajeita na cama e vejo que faz
uma careta quando se move para o lado esquerdo. De fato ele deve estar
com dor. — Realmente, pode ser que a Maya precise de um amigo agora,
mas uma coisa não exclui a outra. Você pode continuar se fazendo presente
para ela, mas você não precisa anular seus sentimentos por isso.
— Não quero que ela pense que eu estou me aproveitando. — Mexo
nos cabelos depois de sinalizar, como se isso pudesse fazer com os meus
pensamentos se alinhassem. — Além disso, eu não sei se gosto dela dessa
forma — minto.
— Quem você quer enganar? Eu ou a si mesmo? — Pergunta ele. —
Seus olhos brilham quando você fala dela, Nick. E outra coisa, você precisa
saber que a Maya te conhece — ao dizer essas palavras, Lou coça o queixo.
Diferente de mim, que sempre deixo o rosto sem barba, Louis tem uma
barba rala, mas ainda assim, deixa os pelos ali. Ele coça a região mais um
pouco e volta a falar e sinalizar. — Ela pode não saber, por exemplo, que o
seu pé é feio, ou que você consegue comer três cachorros-quentes de uma
vez só — dou risada quando ele diz essas particularidades. — Mas, falando
sério, ela te conhece, Nick. Todo mundo que te conhece, um pouco que seja,
sabe que você jamais se aproveitaria da vulnerabilidade de alguém.
— Eu sei, mas… — fico sem saber o que responder e apenas deixo
minhas mãos paradas no ar.
— Mas, é ela, né? — Louis me olha e faz um biquinho com os
lábios. — Deve ser difícil se declarar para a pessoa que dominou seus
pensamentos e seu coração a vida toda.
— Você não faz ideia – respiro fundo.
O silêncio se faz entre nós enquanto eu reflito sobre o que ele disse.
Verdade seja dita, na maioria das situações, eu não me sinto mais como o
garoto tímido que estudou com ela a vida toda. Mudei muito mesmo em tão
pouco tempo, afinal de contas, pouco mais de um ano não é um grande salto
temporal, mas eu me sinto diferente. Por mais que seja contraditório, me
sinto até mais corajoso quando se trata de Maya. Troco sorrisos com ela,
piscadinhas, até mesmo abraços…
Quando penso nisso, nesses "grandes" avanços, lembro novamente
do exemplo que dei para o meu pai durante nossa conversa sincera.
— Peter Parker — digo em voz alta e Lou volta a me olhar, com a
feição de quem não entendeu. — Me sinto como o Peter Parker com
relação a ela.
— O do Toby McGuire, Andrew Garfield, Tom Holland ou Miles
Morales?
— Acho que estou mais para os três primeiros. O Miles é muito
mais foda que todos os outros.
— Resposta certa, Bennet — Louis brinca comigo. Nós dois somos
apaixonados pela animação do Homem-Aranha.
— Eu prometo que vou me esforçar, ok? Pensar sobre tudo que você
disse. — Respondo por fim.
— Todas as vezes que você me escutou, você se deu bem.
— Aham — balanço a cabeça, fingindo concordar, enquanto sinalizo
e falo, com a feição cerrada na direção dele. — Aquela vez, por exemplo,
que eu entrei numa trilha esquisita com você e a gente saiu de lá com um
monte de carrapato na perna, realmente, foi uma ótima ideia.
— Nós tiramos fotos incríveis, fala sério!
— E depois tivemos que ir ao hospital e ser torturados durante uma
hora para tirarem os carrapatos. Fora a bronca que levamos de todo mundo:
meus pais, seus pais, tia Manu, a Mah, Erik, James…
— Tá legal, já entendi — sinaliza ele, com o rosto bravo. — Não
ouça nunca mais os meus conselhos, ok?
Dou risada da forma como ele fica bravo e vou até ele, bagunçando
seus cabelos compridos e, mesmo que ele esteja sentindo dor, eu o abraço
forte, formando uma pilha de Louis e Nicholas.
— Obrigado pelas palavras. — Eu me levanto e o agradeço,
mostrando que apesar de toda a brincadeira, sou grato por ele me ouvir. —
Obrigado por me conhecer tão bem.
— Sempre, cara. Irmãos não de sangue… — ele me estende a mão e
eu faço o mesmo com a minha, para completar a frase.
— Mas de vida — aperto a mão dele.

Quarta-feira é sempre o dia da semana em que eu coloco minha vida


em ordem, principalmente com a faculdade de volta e minha carga horária
de trabalho aos finais de semana, eu gosto de manter tudo organizado. As
leituras eu tento sempre manter em dia, lendo tudo o que posso e, quando
sobra tempo, fazendo leituras complementares também. E claro, nas quarta-
feiras também é o momento que tiro para gravar conteúdos para o
Instagram.
Os vídeos curtos, de um minuto e meio, onde eu tento desmistificar
certos "tabus" acerca da surdez começaram de forma despretensiosa,
comigo apenas sentado e gravando, sem muito direcionamento. Hoje, eu
sempre produzo o texto que vou falar, roteirizo, faço de uma forma mais
profissional.
Vou gravar um último vídeo e, depois disso, darei início para a parte
que mais estou empolgado: escrever. Suspiro, dando uma última lida no
roteiro, indo até a cadeira que fica disposta no cenário onde eu gravo, uma
parte do meu quarto com alguns quadros pendurados e, por fim, ajeito o
cabelo olhando pela câmera do celular.
Respiro fundo, solto os braços para relaxar um pouco e por fim, toco
na tela para começar a gravar.
— Três coisas que talvez você não saiba sobre língua de sinais. —
Sinalizo e falo em voz alta. — Número um, é possível sussurrar usando
língua de sinais. Se eu quero falar sobre uma pessoa, fazer uma fofoca
talvez, e não quero que ela veja, eu posso colocar minhas mãos mais para
baixo, escondendo elas na mesa, por exemplo. Ou mesmo, virar meu corpo,
ficando de costas para a pessoa de quem estou falando e fazer os sinais
“menores” — movo meu corpo, exemplificando o que estou dizendo,
sinalizando e movendo as mãos de uma forma mais rápida. — Lembre-se
sempre: o que você não vê, você não ouve.
Continuo a seguir o roteiro, explicando, por exemplo, que é possível
sinalizar apenas com uma mão e por fim, conto um pouco sobre diferenças
entre a língua de sinais americana e a sueca. Gravar vídeos falando sobre
coisas que são tão comuns no meu dia-a-dia começou com algo
despretensioso, mas hoje, mesmo que me dê trabalho, eu me divirto
fazendo.
Respondo mais alguns e-mails, subo os vídeos para editar e, com
tudo finalmente finalizado, pego meu computador e me sento no meu canto
favorito. Minhas mãos ganham vida, como minha mãe gosta de dizer, e eu
começo a digitar no meu manuscrito. É uma história nova, uma ideia que
durante muito tempo eu deixei guardada mas que, agora, começa a ganhar
vida. É difícil, não deixa de ser, escrever um suspense com mistério, onde
vários personagens dão indícios de serem os culpados, requer esforço. Além
disso, é a primeira vez que coloco um pouco de romance na história, são
dois novos desafios, mas eu sinto que estou no caminho certo. Com quase
cento e cinquenta páginas escritas, tenho para mim que essa será a minha
melhor história.
Ouço uma notificação no celular e olho rapidamente para a tela. É
minha mãe.
Mãe: Estou indo para o LeBlanc’s, posso subir rapidinho para te dar
um beijo?
Nick: Não só pode, como deve.

Não leva mais do que alguns instantes para que olhe para a escada e
veja minha mãe caminhando na minha direção. Com os cabelos loiros mais
curtos, um corte que ela usa há anos, mamãe envelheceu, é verdade, mas
continua sendo uma mulher linda. Como de costume, ela está usando um de
seus muitos ternos de alfaiataria, calças jeans e meias coloridas, como ela
sempre gosta de usar.
— Como estamos?
— Progredindo — digo, olhando para a tela e depois me virando
para olhar em seu rosto. — Acho que essa é a melhor história que já
escrevi.
— Eu não tenho a menor dúvida disso — mamãe pisca para mim
antes de vir me dar um beijo no rosto. — James vai me encontrar no bar,
devemos voltar mais tarde, ok?
— Claro.
— E veja se não se alimenta apenas de café, ouviu? —
Massageando meus cabelos, ela se despede. — Te amo, filho.
— Também te amo, mãe.
Despedidas feitas, eu viro minha cadeira novamente, em direção ao
computador e volto a escrever, relendo a última frase para dar segmento.
Estalo os dedos das mãos e dou um gole em minha garrafa de água antes de
dar início a maratona de escrita.
Não sei dizer quanto tempo fico ali, imerso na realidade que criei
para o livro, ou mesmo debruçado sobre a tela, mas sou despertado do
transe quando meu celular vibra na mesa, mostrando uma nova notificação.
É uma mensagem de Maya, o que, automaticamente, me faz sorrir.

Maya: Está em casa?


Nick: Na sala de estar.
Maya: Cheguei agora e meu nariz logo me atraiu para a cafeteira.
Quer café? :)
Sorrio ao ler suas palavras. Lembro que, quando éramos mais novos,
Maya era uma das crianças que levava em sua lancheira, uma garrafa
térmica de leite com café. Conforme fomos crescendo, ela sempre tomava
café nos intervalos. É incrível como ao meu redor, é difícil quem não goste
da bebida.
Nick: Eu aceito :)

Maya: Estou levando aí.

Automaticamente, meu foco se perde. Não sou capaz de escrever


mais uma linha que seja enquanto espero que Maya desponte na escada, o
que não leva muito tempo para acontecer. Quando a vejo, ela está
segurando duas canecas de café e, com toda certeza, acabou de voltar do
ballet. Os cabelos estão presos em um coque, mas há duas mechas loiras
moldando seu rosto. Os lábios estão levemente avermelhados, talvez por
conta do vento mais forte que está fazendo lá fora e, mesmo com roupas
confortáveis, ela não deixa de estar linda. O cardigan bege cobre boa parte
de seu corpo, o collant por baixo marca suas curvas, me fazendo pensar em
coisas que…
— Está tudo bem? — Me estendendo a xícara, Maya sinaliza e
pergunta em voz alta. — Você ficou parado me olhando…
— Foi mal, estava… Imerso nas ideias — digo rápido, agradecendo
pela xícara.
— Roteiro de algum vídeo? Lembro de você falando que às quarta-
feiras é o dia em que você grava.
— Essa parte já foi cumprida — sorrio antes de dar um último gole
no café. — Neste momento, estou imerso numa nova história e…
— Pera aí. História? — A pergunta vem com um tom de surpresa e
também, de um sorriso doce. — Você escreve? — Balanço a cabeça em
concordância. — Como eu nunca soube disso?
— É a primeira regra de todo escritor: manter as palavras dele só
para si — a brincadeira não poderia ter um fundo maior de verdade. — Eu
costumava não contar para ninguém, hoje em dia eu só… falo de forma
mais aberta.
— Ninguém deveria esconder algo assim — as palavras saem de
forma doce. — E, bom, eu mais do que qualquer outra pessoa sei o quanto é
ruim ser interrompida quando se está concentrado. Não quero atrapalhar seu
processo, eu vou... — ela se vira em direção a escada, mas eu rapidamente a
paro.
— Não, fica — sem que eu me dê conta, seguro a mão dela com a
minha.
Um choque elétrico percorre meu corpo, indo direto e de forma
certeira para o meu coração. Tanto eu quanto Maya olhamos para nossas
mãos unidas e por um ou dois segundos, me pergunto se ela sentiu a mesma
coisa que eu.
— Não quero te atrapalhar…
— Você não atrapalha. Eu estava na minha pausa — não é verdade,
mas com ela aqui, não existe a menor chance de eu escolher voltar a
escrever do que dar atenção a ela. — Fica.
Vejo Maya sorrir para mim e, droga! Esse sorriso.
Ela sempre teve bochechas fofas, desde criança e ainda hoje, já
adulta, Maya continua tendo bochechas grandes e quando ela sorri, é difícil
explicar, mas parece que a imagem dela que eu tenho quando novo se
fundem com a versão atual.
Como ela pode ser tão linda?
Não percebo que ainda estou segurando sua mão e que, para além
disso, estou alisando a pele macia dela, até que vejo ela olhar para a região.
Sutilmente, eu solto e limpo a garganta de forma sutil, dando um gole no
café.
— Então… Já que você me confidenciou a respeito de mais esse seu
lado artístico, me conte: o que Nicholas Bennet escreve? — Se ajeitando ao
meu lado, Maya encosta o corpo na mesa e eu me afasto, dando um espaço
para que ela se aproxime um pouco.
— De tudo um pouco. Estou trabalhando em um suspense agora,
mas pela primeira vez, acho que não vai ser apenas um suspense, mas terá
um romance também.
— Isso é incrível. — Ela dá um gole no café e permanece olhando
para mim. — Alguma coisa te inspirou a colocar um romance na história?
— Vai parecer maluco — dou uma risada, constrangido. — Mas eu
estava voltando um dia para casa. Sabe o parque que tem aqui perto? — Ela
sinaliza que sim com a cabeça e eu prossigo. — Vi um casal de
adolescentes, um pouco mais novos que a gente, brigando. O cara parecia…
— movo os lábios de um lado para o outro, ponderando em um exemplo. —
Lembra daquele aluno da nossa escola, que andava sempre de preto e era
muito branco?
— O Frost? — Maya questiona.
— Ele mesmo!
— Ele tinha esse apelido por conta de um cara daquelas bandas
esquisitas norueguesas, que tocam uns rocks pesados, não é?
— Exatamente — digo de forma astuta, feliz por ela lembrar dos
detalhes.
— Ok, isso está interessante — vejo que ela procura um espaço
onde se sentar e eu afasto o computador. Uma oferta para que ela se sente
na mesa. — Posso?
— Vá em frente — digo e ela dá um impulso curto, sentando na
mesa próxima a mim.
— Ok, tenho café e estou sentada. Prossiga.
Pelo restante do tempo, eu não saberia dimensionar quanto, eu conto
toda a ideia para Maya. Explico que ver o casal brigando me lembrou de um
dos livros de suspense que mais amo.
Quando dou por mim, ela está me ajudando a criar a ideia, explico
os pontos que não encontrei uma forma de se conectarem e ela, assim como
Louis fez ao longo da vida comigo, começa a me ajudar a levantar
hipóteses, ideias e soluções.
— Nick, essa ideia é incrível! — Quando o silêncio se faz
brevemente presente entre nós, Maya me elogia. — Não sei se fico brava
por só ficar sabendo do seu talento agora, ou se me sinto privilegiada por
ouvir em primeira mão essa história.
— Gosto mais da segunda opção. — Sorrio para ela, me sentindo
ainda mais eufórico por ver que minhas ideias conseguiram cativá-la. É
maravilhoso quando mesmo só contando, alguém fica interessado no que
você escreve.
— Promete que, quando se tornar um autor famoso, mundialmente
conhecido, você ainda vai lembrar de mim?
Mentalmente, tenho vontade de rir. Se ela soubesse como é
impossível esquecê-la.
— Depende — pondero, cerrando os olhos na direção dela. — Você
ainda vai lembrar de mim quando se tornar a primeira bailarina do ballet
real?
— Vou — ela diz com convicção. — E sabe por quê?
— Por quê? — questiono curioso, hipnotizado pelo brilho castanho
de seus olhos.
— Porque vou fazer questão que você esteja na primeira fileira. Vou
dedicar minha primeira apresentação a você.
Minha boca fica completamente seca.
Sinto meu coração disparar e bater tão rápido que, facilmente, eu
poderia dizer que ela é capaz de ouvir.
— Bom, então acho que devemos fazer um combinado — pondero,
tentando regular os batimentos do meu coração. — Você dedica a primeira
apresentação para mim e meu primeiro livro autografado será seu.
— Parece uma troca justa — pondera. — Isso se eu passar, é claro.
— Você vai. — Deposito a caneca em cima da mesa e movo a
cadeira um pouquinho mais para perto dela. — Só você ainda duvida disso.
— É difícil, o nível de exigência é maior, eu sinto que preciso ser
perfeita e isso é exaustivo. — parecendo cansada, ela mexe os pés. — Mas
eu… eu quero tanto, Nick. — Maya diz meu nome e eu olho para ela, em
completa adoração. — Sabe, quando tudo deu errado, quando eu descobri a
traição e quando eu desisti do teste para Gisele, eu achei que tinha perdido
uma grande chance. Mas, olhando agora, eu sinto que coisas melhores estão
por vir.
— E estão mesmo. Você nasceu para brilhar, Maya.
— Você também, Nick — ela toca minha mão de leve.
E esse toque me faz pensar em muitas coisas. Como a minha vida e
a de Maya continuam cruzando uma com a outra. Me remete às palavras de
Louis, sobre as chances que a vida está me dando. Se Maya tivesse feito o
teste para Gisele, ela talvez não estivesse agora treinando para entrar no
ballet real. Se ela não tivesse encontrado minha mãe e começado a trabalhar
no LeBlanc’s, nós dois não teríamos nos aproximado novamente.
A vida é uma sucessão de encontros e desencontros. Acasos. Maya e
eu somos um desses acasos. Tenho para mim que, assim como o outono, a
estação das mudanças, as folhas que caem e a transição dos dias longos para
mais curtos, nós dois estamos mudando.
Há algo mudando entre nós. Há algo acontecendo.
Olho para Maya e vejo que suas bochechas estão levemente coradas.
Talvez eu não esteja interpretando, talvez algo realmente esteja
acontecendo, talvez essa seja a minha chance, talvez…
— Nick?
A voz dela me desperta, quase como se eu saísse do transe.
— Oi — minha voz sai um pouquinho rouca, mas eu tento parecer
neutro. Indiferente ao toque de sua mão com a minha e a forma como me
perco em sua beleza, em seus olhos castanhos e no sorriso mais lindo que já
vi.
— Posso te perguntar uma coisa?
— Claro.
— O hai-kai, aquele que você me mandou dias atrás… — noto que
ela morde a bochecha internamente, olha para nossas mãos e depois,
novamente para mim. — Foi você quem escreveu, né?
Não posso mentir. Não para ela.
Encontrei aqueles versos em um caderno antigo e me lembro
exatamente do momento em que os escrevi. Nossa turma estava no
intervalo de aulas, no penúltimo ano de escola, eu estava sentado com meu
amigos, jogando xadrez, mas ainda que disfarçadamente, eu estava olhando
para Maya, que, do outro lado do pátio, estava dançando com suas amigas.
— Sim — confesso — fui eu.
— E o que isso significa? — Pergunta ela, inclinando a cabeça para
o lado.
Significa que eu simplesmente adoro você, penso comigo.
As coisas estão mudando entre nós e eu não posso perder essa
chance.
Não posso deixar ela ir novamente.
Por isso, eu respiro fundo e movido por uma coragem que até
mesmo eu desconheço, eu me torno protagonista deste momento.
— Significa que eu queria te fazer uma outra pergunta — com
minha mão ainda junto da dela, eu entrelaço nossos dedos, erguendo um
pouco mais nossas mãos, para que elas fiquem na frente do meu rosto.
— Pode fazer.
— Você aceita estender o expediente no sábado?
Algo te deu a coragem
De tocar na minha mão
It’s Nice to have a Friend - Taylor Swift

— Um, dois, três — Marta faz a contagem enquanto bate palmas,


para me ajudar no ritmo — quatro, cinco, seis, sete e oito. De novo — ela
repete a contagem e eu sigo girando.
Giro tantas vezes no mesmo ponto que começo a sentir um
pouquinho de pressão no dedão, mas não me importo, não ligo nem um
pouco se ficarei com os pés doloridos, porque estou ensaiando uma
coreografia que sempre quis dançar. Quando Marta me perguntou qual era
minha coreografia dos sonhos e eu citei Don Quixote, o grand pas de deux,
eu temi que ela não fosse aceitar adaptarmos para que eu pudesse dançar
sozinha, mas poucos dias depois, nós começamos a ensaiar um dos atos.
A música é rápida e exige de mim, mas é bom. É mais do que bom
para falar a verdade. Sinto que estou no caminho certo, sinto que estou
dando o meu melhor, me sinto tão capaz de fazer essa apresentação que não
consigo evitar o sorriso. Bailarinas normalmente precisam sorrir, faz parte
do espetáculo também. Mas, neste momento, não sorrio por obrigação,
sorrio de felicidade.
Quando a música acaba, eu finalizo ficando na ponta dos pés, em
quinta posição.
— Muito bom, Srta. Karlsson. — Marta me olha séria e me estende
a garrafa de água. — Uma pausa de três minutos e voltamos.
— Ok — assinto e dou um longo gole na garrafa.
Sento um pouco no chão, esticando minhas pernas e rapidamente,
olho para meu celular. Ellie me enviou uma mensagem, alegando que
podemos nos ligar depois que eu sair do ensaio, o que eu respondo que,
assim que sair, ligarei. Há uma mensagem dos meus pais, que eu também
prontamente respondo e, por último, mas não menos importante, uma
mensagem de Nick.

Nick: Tudo certo para hoje?

Sinto meu estômago gelar um pouquinho. A semana foi agitada e eu


ainda tenho algumas horas de ensaio para enfrentar, mas verdade seja dita,
não vejo a hora de chegar no final do dia, mais precisamente no final do
expediente do LeBlanc’s.
Meu encontro com Nick.
É um encontro? Eu quero que seja?
Sorrio ao pensar na resposta dessa pergunta, porque ela é simples.
Eu quero. Nicholas Bennet cruzou meu caminho novamente e eu não tenho
conseguido ignorar as sensações que ele tem me despertado. Descubro um
pouco mais sobre ele a cada momento que compartilhamos. Não é como se
ele fosse um desconhecido, pelo contrário, eu o conheço há tempos. Porém,
agora, é como se eu estivesse vendo aquele garoto de olhos claros de outra
forma, vendo Nick com outras lentes, para além do garotinho que eu
conheci no primeiro dia de aula, ou o garoto que cresceu comigo, estudando
nas mesmas escolas.
Nicholas agora é um homem.
E meu corpo, minha mente e meu coração tem respondido a ele de
uma forma diferente.
— Vamos voltar? — A voz de Marta me desperta e eu assinto.
— Só um segundo.
Ergo o indicador e antes de guardar o telefone na bolsa, eu teclo
rapidamente uma resposta para ele.
Maya: Sim. Estou ansiosa :)

— Não acredito que você tem um encontro com o príncipe nórdico.


Eu sabia, era questão de tempo — Ellie começa a rir e eu não me contenho
porque, bem… ela de fato sabia.
— Acho peculiar o fato de que você insiste em chamá-lo de
príncipe. Logo você, que acha a monarquia a coisa mais antiquada do
mundo.
— E é, mas isso não vem ao caso. O que importa é que, mesmo sem
ver o seu rosto, pela sua voz eu consigo perceber que você está sorrindo.
— Eu estou — digo, olhando para o espelho.
— Saber que você está feliz é tudo que importa, amiga. Sinto
saudades suas.
— Eu também, El. — Respondo, olhando para o espelho enquanto
abro minha necessaire de maquiagem. — Vamos aproveitar que estou ainda
com tempo, me conte como tem sido seus dias, como está Amsterdã.
Ellie dá início a conversa sobre como anda sua vida depois da
mudança e, enquanto converso com ela por ligação, com meus fones de
ouvido plugados, faço uma maquiagem leve no rosto. Depois de um longo
dia de ensaio, eu aproveitei o vestiário da academia de ballet, tomei um
banho para me livrar do suor de passar o dia todo dançando e agora, já no
LeBlanc’s, estou no banheiro dos funcionários me arrumando um pouco.
O vento gelado e as mudanças bruscas de temperatura tendem a
deixar minha pele irritada, por isso, não passo muitos produtos, apenas um
pouco de creme hidratante e uma camada generosa de rímel, para ficar com
os cílios bem separados e levantados, do jeito que gosto. Passo um pouco de
protetor labial e por fim, dedico um tempo para ajeitar meus cabelos. Os
fios loiros estão em ondas por terem ficado boa parte do dia preso, mas
gosto da forma como eles ficam meio rebeldes em dias assim, dão um
volume que normalmente eu não tenho.
Enquanto finalizo, Ellie me conta sobre como é viver em uma
cidade agitada como Amsterdã, sobre andar de bicicleta e até mesmo sobre
se aventurar em um coffee shop, locais onde é possível usar maconha.
— Você parece tão feliz, El — comento com um sorriso no rosto,
ainda que ela não possa ver.
— Eu estou. E espero que você esteja também. — Sua voz é doce do
outro lado da linha. — Fico feliz de saber que você está deixando o passado
para trás.
— Como assim?
— Ora essa, Maya, olha tudo que está acontecendo na sua vida: a
chance de entrar no ballet real, um emprego legal, ainda que seja
complicado trabalhar aos sábados e domingos e, agora, um encontro. Você
está deixando aquele babaca do Daniel no passado.
Infelizmente, quando ela diz o nome dele, sinto um arrepio subir por
meu corpo. Tirando Nick, não contei para mais ninguém sobre o incidente
mais recente com Daniel, porque não quero preocupar as pessoas à minha
volta. Entretanto, desde aquele dia, ele não tem aparecido na academia e seu
lugar já foi devidamente ocupado no espetáculo. Sinto algo estranho com
relação a ele, sinto medo e isso me preocupa.
— É o lugar ao qual ele pertence, o passado — respondo, ignorando
a sensação estranha que me acomete ao pensar nisso. — Por agora, só quero
pensar em coisas boas.
— Como na chance de se abrir para novas possibilidades —
completa Ellie. — De preferência, possibilidades que tenham cabelos
loiros, olhos azuis e sejam extremamente doces, certo?
Olho para o espelho e sorrio para o meu reflexo.
— Isso mesmo — respondo para minha amiga e para mim. —
Quero dar uma chance para a forma como meu coração tem se aquecido.
— Então faça isso, Maya. Dê uma chance — repete minha amiga e,
por fim, nós duas começamos a nos despedir.
Desligo a chamada, prometendo ligar para ela em breve e, quando
guardo meu celular no bolso, bem como os fones em sua caixinha, pego o
vidrinho pequeno de perfume que carrego comigo e borrifo um pouco em
cada lado do pescoço. Satisfeita com o resultado, caminho em direção a
saída do banheiro, mas sou pega de surpresa quando a porta se abre no
mesmo momento em que eu toco a mesma.
— Desculpa, eu… — começo a falar, mas não leva mais do que um
segundo para ver quem está do outro lado.
Nicholas.
Com a camisa do LeBlanc’s, os cabelos estão penteados para trás e
as mangas dobradas, como ele usualmente as usa. Ele tem uma das mãos
atrás das costas e quando me vê, suas bochechas ficam um pouco coradas,
mas um sorriso se espalha por seu rosto. Respiro fundo e inalo seu cheiro, é
como se ele tivesse acabado de sair do banho.
— Oi — diz ele. — Não sabia que você estava aqui, desculpa.
— Não precisa se desculpar… — balanço a cabeça — eu estava de
saída, estava só me arrumando um pouco, tentando ficar mais aceitável.
— Como assim aceitável? — Pergunta ele, sinalizando apenas com
uma mão.
— Mais arrumada, sabe? Como se eu tivesse tido tempo de
descansar e não passado horas e horas ensaiando. Mais bonita, digamos
assim.
Nick inclina a cabeça para o lado, como se estivesse se esforçando
para me entender e, por alguns instantes, me pergunto se ele conseguiu ler
meus lábios, já que, com as duas mãos ocupadas, não consegui sinalizar.
Estou prestes a falar novamente quando ele dá um passo para mais perto de
mim, fazendo com que eu precise inclinar um pouco mais o pescoço para
olhá-lo por conta da altura.
— Isso é impossível.
— O que é impossível? — Pergunto, sem entender.
— Você precisar se arrumar para ficar mais bonita — diz ele,
sinalizando e também com a voz um pouco mais rouca. — Você é
simplesmente linda, Maya.
Só então, quando diz essas palavras, ele move a mão que estava para
trás para frente, estendendo uma margarida entre nós, colocando ela na
frente do meu rosto.
— Obrigada — digo aceitando a flor. — Pelo elogio e pela flor.
— De nada. — Ele dá uma piscadinha e me dá espaço para sair. Não
consigo dizer nada além disso porque ainda estou tentando regular as
batidas do meu coração. Entretanto, eu nem mesmo tenho a chance de
conseguir, porque ouço quando Nick me chama novamente. — Maya?
— Sim? — Respondo, me virando em sua direção.
— Mas, para não dizer que seu esforço foi em vão… — ele segura a
porta e dá um sorrisinho em minha direção. — Você está linda.

Trabalhar no LeBlanc’s é muito bom, o público, apesar de diverso, é


muito respeitoso com o horário e até mesmo com o decoro. Claro que há
dias e dias, como hoje, quando um grupo de homens adultos decidiu beber
um pouco mais do que o normal, o que rendeu um trabalho a mais para
Derick, eu e outros atendentes. Tivemos dificuldade em acertar a conta
deles ou mesmo em fazê-los entender que era hora de ir.
Por sorte, Hannah apareceu no final do expediente e isso facilitou
um pouco mais o processo. Tanto ela quanto Nathan LeBlanc, seu sócio,
são muito respeitados por quem frequenta o bar, a mãe de Nick sabe se
impor quando é preciso, por isso, ela ajudou no processo de fechar o bar e
também cuidar do restante dos procedimentos, como fazer inventários e
afins.
Ela se despediu de nós, sem comentar a respeito de estendermos o
horário e só reforçou que Nick precisava trancar tudo direitinho. Hannah
sorriu para mim antes de ir embora e só então, Nicholas e eu ficamos a sós.
O que não durou muito porque, agora, estou no vestiário, tirando a camisa
do bar e trocando por uma blusinha que trouxe na bolsa. Enquanto isso,
espero que ele volte para me buscar, já que Nick mencionou que precisava
ajeitar o local para mim. Sorrio ao pensar no que ele está fazendo, mas ouço
uma batida na porta assim que termino de vestir minha blusa limpa.
Nick aparece na porta e vejo que ele também trocou de roupa,
colocando uma camisa jeans de botões, mantendo a mesma dobrada, assim
como a anterior.
— Liberado? — pergunto a ele.
— Liberado — responde com um sorrisinho no rosto. — Vamos?
Eu, igualmente, sorrio para ele e assinto, caminhando em sua
direção, sentindo a excitação correr por meu corpo. Num silêncio
confortável, nós caminhamos novamente em direção ao salão principal.
Diferente de antes, em que a música ambiente ecoava pelas caixas de som,
agora, só há o som baixo vindo de uma caixa menor, portátil.
E posicionado bem onde Nick costuma fazer os drinks, há um vaso
improvisado, feito com uma garrafa de vidro de água e quatro margaridas,
igual a que ele me deu antes do expediente.
— Teremos drinks feitos pelo bartender? — brinco, quando ele para
em frente ao banco.
— Qual você quiser, até mesmo se não estiver no cardápio — Nick
comenta, andando para se colocar na posição usual de trabalho. Ele se
ajeita, arrumando a postura e pigarreia, antes de voltar a falar. — O que eu
posso fazer por você, senhorita?
— Eu gostaria de um drink doce — me sento no banco e inclino
meu corpo sobre o balcão, entrando no personagem. — De preferência com
uma cor que me agrade.
— Qual cor a senhorita gosta? — pergunta Nick e eu abro a boca
para responder, mas ele me interrompe. — Deixe-me adivinhar. Rosa? Tons
mais claros?
— É um bom caminho — sorrio, porque é claro que ele saberia
minha preferência de cores. — Me surpreenda, Bennet.
— Deixa comigo.
Nick pega a coqueteleira e começa a fazer a mistura de bebidas com
maestria. Ele se move com elegância, pegando um pouco de gelo com uma
pá e colocando em uma taça e, na sequência, colocando mais uma
quantidade generosa de pedras na coqueteleira. Noto que ele olha para as
bebidas à sua disposição e pondera, como se estivesse refletindo sobre a
combinação.
Eu aproveito o momento de concentração dele e tomo esse momento
para admirá-lo. Nicholas Bennet é um cara lindo, é o tipo de beleza que
tende a incomodar outras pessoas porque há quem se esforce de todas as
formas para ser instigante e fisicamente bonito como ele, mas não é o caso
de Nick. É natural. Os traços doces de sua personalidade refletem em sua
beleza física. Enquanto eu o observo, me pergunto o porquê demorei tanto
para admirar seus traços, como a marca das covinhas em suas bochechas, a
sobrancelha grossa e clara, o nariz fino e levemente arrebitado e a forma
como ele sempre umedece os lábios com a língua.
Me vejo hipnotizada pelo movimento, cantando baixinho a música
que sai da caixa de som e, enquanto ele faz as misturas de bebidas, seu
olhar desvia rapidamente para mim, como se soubesse que eu o estou
observando. Nick sorri um pouquinho, sem mostrar os dentes e eu faço o
mesmo, ainda o admirando.
Tampando a coqueteleira, ele começa a chacoalhar e eu ajeito minha
postura, observando a forma como os músculos de seus braços tensionam
enquanto ele faz o movimento. Tanto Nick quanto eu nos olhamos, sem
dizer nada, apenas… absorvendo a presença um do outro. Ele para de
misturar as bebidas e então, pega um coador para colocar o drink em minha
frente.
De um tom rosado claro, eu não me surpreendo quando ele finaliza
com uma casca de laranja e me estende a taça.
— Um cosmopolitan.
— Uau! — Pego a taça com delicadeza e beberico um pouco do
drink. — Isso está simplesmente delicioso.
— Que bom que gostou.
— Mas, e você, o que vai beber? — Pergunto. E não me surpreendo
nem um pouco quando ele pega um copo limpo e começa a servir uma
cerveja escura para si.
— Um brinde a nós? — Estendo a taça para ele.
Vejo quando Nick me olha de forma profunda e sorri, fazendo com
que meu coração bata um pouquinho mais rápido.
— A nós. — Ele bate o vidro contra o meu e juntos, damos um gole.
— E aí? — colocando o copo sobre o balcão, ele sinaliza e fala. — O que
quer comer?

É quase uma da manhã quando Nick e eu começamos a rir


lembrando de situações engraçadas da nossa adolescência. Depois de,
novamente, me surpreender ao ter pensado em diferentes tipos de refeições
e ter conversado com um dos chefes do bar para deixar pratos e porções
separadas, comi uma salada ceasar e agora, tomando o segundo drink que
Nick preparou para mim, só consigo pensar que não quero que essa noite
acabe.
— Fazia tempo que eu não me lembrava dessas coisas — seguro o
riso, jogando os cabelos para o lado. — Você também tem essa impressão?
De que nem se passou tanto tempo assim, mas você mudou muito?
— E como! — Exclama Nick. — Me sinto muito diferente de quem
eu era antes.
— Você mudou mesmo. Claro que você ainda é você, mas…
— Toda vez que tem um “mas” na frase, alguma coisa não é boa —
ele faz uma careta e eu dou risada.
— Não tem nada disso. É algo bom — explico a ele. — Você parece
mais à vontade, sabe? Menos tímido.
— De fato é verdade, mudei bastante desde o último ano da escola,
acho que foi uma progressão. Mas há coisas que eu nunca imaginei que
faria.
— Tipo o quê? — Questiono ele, curiosa.
Vejo que Nick hesita, como se estivesse pensando no que responder,
ponderando suas palavras, mas antes que eu ou ele possamos voltar a falar,
a caixa de som pequena começa a tocar uma música que nós dois
conhecemos. E que gostamos.
É Pearl Jam, uma banda que eu e Nick sempre amamos.
— Eu sou completamente apaixonada por essa música — digo para
ele, me levantando. — Passei horas a fio hoje dançando, mas eu…
— Deixa eu adivinhar: quer dançar de novo? — Pergunta, com um
sorrisinho esperto nos lábios. — Maya Karlsson querendo dançar, que
novidade!
Cerro os olhos na direção dele e me coloco à frente dele.
— Dança comigo?
— Você não se lembra de como eu nunca fui muito bom em
dançar?
— Eu lembro, mas isso aqui é só um passo pra cá, outro pra lá —
me movo mostrando para ele e estendo a mão — Vamos! A música vai
acabar.
— Podemos colocar de novo — explica, pegando o celular e
recomeçando a mesma.
— Você vai dançar agora? — faço um biquinho com os lábios e vejo
quando Nick começa a se levantar, mexendo nos cabelos loiros,
bagunçando um pouquinho os fios.
— Por que você é assim? — Questiona ele, mas vem até mim,
parando bem próximo do meu corpo. E, pela forma como fala, eu sei que
ele aceitou meu pedido. — Ok, vamos lá. O que eu faço?
— Primeiro, você coloca um sorriso nesse rosto — me colocando na
ponta dos pés, eu me estico até que esteja na altura do rosto dele e, com os
dedos, estico seus lábios, fazendo com que ele sorria e dê risada. — Bem
melhor, viu?
— E agora?
— Agora, você coloca as duas mãos aqui — seguro as mãos dele e
as coloco em minha cintura. Instantaneamente, sinto meu estômago gelar e
uma revoada de borboletas. — E, por fim, você só me acompanha.
Dito isso, eu começo a me mover devagar, balançando meu corpo de
um lado para o outro. É algo simples, mas noto que Nick fica olhando para
o chão, como se estivesse se esforçando para não pisar no meu pé ou
qualquer coisa do tipo. Entretanto, o que estou sentindo neste momento,
aqui neste bar vazio com ele, como tenho me sentido nos últimos tempos,
só me fazem querer que ele não olhe para o chão, mas sim, para mim.
— Estou fazendo certo? — Pergunta ele, ainda olhando para baixo.
Eu toco seu queixo de forma gentil, movendo a mão direita que
estava em seu ombro e ergo seu rosto, para que ele me olhe. Não digo com
palavras, mas uso uma mão para sinalizar.
— Você tem que olhar para mim.
Ele assente e então, na última estrofe da música curta que nós tanto
gostamos, os olhos azuis intensos de Nick não desgrudam dos meus, e eu
percebo o que está acontecendo aqui, o que tem acontecido desde que nós
começamos a verdadeiramente nos aproximar.
Meu coração bate mais rápido. Minha boca fica levemente seca e eu
tenho um reflexo, uma visão rápida do que poderia acontecer se eu… ou
mesmo se ele, se um de nós tomasse uma atitude. Aperto seu ombro
devagar e com a mão esquerda, eu a movo um pouquinho, centímetro por
centímetro até que esta esteja em seu pescoço. Vejo quando Nick respira
fundo, quando sinto que ele está lutando contra algo.
Talvez ele esteja pensando o mesmo que eu.
Talvez haja algo entre nós.
Movida pela sensação de calor que há entre nós, quando Eddie
Vedder canta pela última vez o verso que diz para que a garota abaixe seus
braços e se renda, eu mesma me rendo.
Os sons da bateria que encerram a música são a melodia que ecoa
quando eu me coloco na ponta dos pés e selo meus lábios com os de
Nicholas Bennet.
Porque eu continuo apaixonado por você
Eu quero te ver dançar novamente
Porque eu continuo apaixonado por você
Nesta lua cheia
Harvest Moon - Neil Young

Abro os olhos um segundo antes de Maya. É apenas um instante,


mas esse tempo curto faz toda a diferença. Ele faz com que eu acredite no
que acabou de acontecer. Que foi real e não fruto da minha imaginação.
Maya Karlsson, a mulher que detém as batidas do meu coração,
minha paixão de adolescência, meu primeiro amor. Essa garota… ela me
beijou. Estou completamente em choque e em transe. Tanto é verdade que
só me dou conta de que ela está falando e sinalizando depois de mais um
segundo se passar, quando ela começa a se afastar.
— …Eu não quis ser invasiva, não quero que você se sinta mal por
uma atitude dessas, eu…
Ela continua a falar e eu continuo não absorvendo suas palavras. Ou
melhor, suas desculpas. Porque tudo o que importa é que ela me beijou.
Maya Karlsson me beijou.
E tudo o que eu mais quero no mundo é beijá-la de volta.
— Desculpa se eu interpretei as coisas de maneira errada, eu não…
Inclino meu rosto na direção do dela e a beijo. Eu silencio Maya
com o beijo e sinto como se as temperaturas do lado de fora do bar não
estivessem próximas do zero, como se não estivéssemos muito mais
próximos do inverno do que do verão. Aqui e agora, o clima entre nós não é
ameno.
Nada entre nós pode ser ameno.
Entretanto, dou tempo ao tempo e por isso, apenas toco seus lábios
com os meus, sem aprofundar, apenas sentindo a textura da boca dela com a
minha, torcendo para que esse desejo entre nós realmente não seja coisa da
minha cabeça. Para que Maya entenda que não há motivos para se
desculpar, porque quero mais.
Abro os olhos e dessa vez, encontro Maya me olhando. Ela parece
igualmente reflexiva do que acabou de acontecer entre nós. Isso até seus
olhos descerem para minha boca, eu repito o movimento, olhando para os
lábios dela, observando o peito dela, que sobe e desce de uma forma
irregular. A cena poderia acontecer em câmera lenta, mas a verdade é que
tudo é muito rápido.
Maya sobe na ponta dos pés e eu entendo o que vai fazer. Eu abraço
seu corpo pequeno com meu braço esquerdo, erguendo seu corpo para ficar
mais junto do meu e quando me dou conta, ela está envolvendo minha nuca
com os braços e nossas bocas se fundem. Dessa vez, não é um beijo casto e
até mesmo inocente. Nossas bocas se abrem e eu recebo a língua dela junto
da minha.
Ela tem gosto de suco de cranberry. É delicioso e eu chupo sua
língua como se isso pudesse me fazer extrair até o último resquício de
sabor, Maya puxa meus cabelos entre os dedos e seu corpo se esfrega junto
ao meu. Minha mão esquerda a segura pela cintura, mas não há muito
tempo para aproveitar, porque Maya dá um impulso e eu logo entendo o que
ela quer. É como se nossos corpos já soubessem do que precisam porque,
quando ela dá um pulinho curto, eu a puxo para cima, deixando que ela
entrelace meu tronco com suas pernas.
A mesa onde estávamos sentados é próxima do balcão, eu não penso
duas vezes em colocá-la em cima da madeira e ficar entre suas pernas. Em
nenhum momento nossas bocas se afastam e eu nem quero que isso
aconteça, eu simplesmente aproveito, eu me deleito deste momento, ciente
de que não há mais volta. Não tem como ignorar nem por um segundo que
seja o que há entre Maya e eu.
Movo minha língua em sincronia com a dela, impressionado como
nossas bocas não se estranharam. Sabe aquele momento que você precisa se
adaptar ao beijo de uma pessoa, encontrar o ritmo perfeito entre vocês dois?
Não tive isso com ela, nossas bocas simplesmente entraram em sintonia.
Minhas mãos tocam a cintura de Maya e quando eu aperto um pouquinho,
sentindo suas curvas, meu corpo instantaneamente vai mais de encontro ao
dela. Maya me segura pelos ombros, com a respiração entrecortada e sinto
quando ela começa a desabotoar o primeiro botão da minha camisa.
Não sou capaz de me opor, apenas deixo que ela faça, porque se isso
for o paraíso, eu me recuso a dizer não. Eu me recuso a ignorar a chance
que estou tendo de beijar a garota dos meus sonhos.
Uma das minhas mãos começa a subir por seu corpo enquanto eu
sinto Maya chegar aos últimos botões da minha camisa. E por mais que eu
queira, anseie e deseje mais do que tudo deixar que isso aconteça, eu
também sei que há coisas a serem ditas.
“Você precisa parar, Nicholas”.
É o que minha mente diz.
Mas meus lábios e minhas mãos simplesmente não obedecem.
Ainda mais quando ela toca meu abdômen e eu sinto meu estômago
gelar, minhas mãos automaticamente sobem um pouco mais, beirando seus
seios. Chupo seu lábio inferior e então, quando estou prestes a começar a
mover minha boca em direção ao seu pescoço, ouço quando a voz abafada
de Maya chama por mim.
— Nick… — ela toca meu ombro e meu abdômen com delicadeza e
eu me afasto para olhar para ela. — Acho que precisamos… ir com calma.
Quando ela diz isso, automaticamente, dou uma risadinha e não
consigo evitar provoca-la.
— Quem estava desabotoando a minha camisa era você…
— Eu não tenho culpa se você… — Maya olha para mim e, na
sequência, para meu corpo desnudo.
Caralho! Como essa sensação é boa.
— Meus olhos estão aqui, linda — ergo seu queixo com o indicador
e vejo quando ela ri.
— Eu sei, mas... — ela respira fundo — Precisamos conversar sobre
isso — diz ela com um sorriso doce no rosto.
E no fundo, sei que ela está certa. Nós realmente precisamos, não há
como ignorar o que aconteceu aqui e muito menos esconder a verdade dela.
— Quer começar? — Ofereço a ela a chance de começar, porque
sinto que talvez, a parte dela seja mais simples que a minha.
— Acho que, bom… — Maya pondera as palavras e eu acho fofo
com ela parece tentar escolher a melhor forma de falar. Como se
precisasse.
— Nos conhecemos desde sempre, Maya, pode falar sem medir as
palavras.
— É aí que está toda a questão, Nick — sinaliza ela, balançando a
cabeça e verbalizando também as palavras. — Nós dois não somos meros
conhecidos, é verdade, mas eu sinto que… Nesses últimos tempos, eu
realmente estou conhecendo você. O cara que sempre foi tão doce, gentil,
carinhoso comigo, mas que agora, também é meu colega de casa, meu
colega de trabalho, o cara que me traz a sensação de familiaridade. Você faz
com que eu me sinta bem, eu quero estar perto de você e isso é novo de
certa forma.
Saber que ela tem sentido tudo isso a meu respeito me transmite um
conforto enorme no coração. Faz com que as palavras de Louis façam
sentido, que ela de fato me conhece, ela conhece o Nicholas que sempre
esteve aqui por ela. E mais do que nunca, Maya precisa saber disso.
— Você também faz com que eu queira estar perto de você — repito
suas palavras e vejo que ela suspira, erguendo a mão para tocar em meu
rosto. Entretanto eu paro seu ato no meio, segurando de forma gentil a mão
dela com a minha. — Mas isso não é de hoje.
— Então desde quando? — Pergunta ela curiosa.
— Desde… sempre? Talvez? — Quando as palavras deixam minha
boca, é como se eu tivesse eliminado um peso absurdo das costas.
— Sempre? — Repete ela. — Sempre quando?
— Desde muito novo.
— Tipo, no ensino médio?
— Talvez um pouco antes… eu não saberia dizer ao certo. Eu só sei
que… Sempre esteve lá, linda. — Declaro, ciente de que não tem como ser
mais verdadeiro que isso — Achei que com os anos isso ia passar e
confesso a você, durante um tempo ficou adormecido, mas quando você
apareceu aqui aquele dia… Foi como se uma avalanche de sentimentos
voltasse com tudo.
— Nick — ela aperta minha mão gentilmente, e eu entendo como
um pedido para que eu a solte. Faço isso e deixo que ela então toque meu
rosto, alisando meu queixo, olhando no fundo dos meus olhos. — Por que
nunca me disse?
— Essa pergunta vale facilmente um milhão de coroas suecas —
dou uma risada nervosa e Maya me acompanha. — Você sempre pareceu
tão… distante. Não no sentido de ser fria, mas você sempre foi tão radiante,
tão perfeita, tão… você. E eu sempre fui muito tímido.
— Você não parecia um cara tímido minutos atrás, enquanto me
beijava — ela pisca para mim, mordendo o lábio inferior. — Muito pelo
contrário, eu diria…
— Digamos que eu aprendi uma ou duas coisas, sabe? — Aproximo
meu rosto do dela, adorando que ela incline a cabeça para trás, para poder
ficar ainda mais próxima dos meus lábios.
— Uma ou duas coisas, huh? — Murmura ela e em seguida, seus
lábios tocam os meus.
Retribuo o beijo lento, saboreando mais um pouco dela. Pensando
em como o Nicholas do passado estaria neste momento nervoso, se sentindo
inseguro, com medo, pessimista de que as coisas não dariam certo. Como
esse Nick era tolo.
Deixo que Maya comande este momento, deixo que me beije o
quanto quer e quando se afasta, eu faço o mesmo. Olhando em seus olhos,
observando de forma atenta cada um de seus detalhes, não consigo conter
um suspiro, muito menos um sorriso quando ela diz as próximas palavras.
— Quero dar uma chance a isso. Uma chance a nós.
— Eu também, linda. — Sinalizo e movo minha mão para seus
cabelos. — Quero ser o responsável por desregular as batidas do seu
coração, assim como você faz comigo. Quero te observar dançar, adorar
você da forma como merece, mas mais do que isso, quero que você saiba
que, se não quiser nada disso, se não me quiser, eu vou respeitar — olho
para ela de forma intensa, tentando mostrar através dos meus olhos, das
minhas palavras e da forma como sinalizo que estou sendo cem por cento
verdadeiro. — Não quero que você ache que eu estou me aproveitando só
porque você mora comigo, ou porque trabalha aqui, ou porque seu ex-
namorado é um babaca. Não quero que pense que estou me aproveitando de
algum momento de vulnerabilidade, eu só…
Mais uma vez nesta noite, um de nós dois cala o outro com um
beijo, e eu sou incapaz de achar isso ruim. Quando Maya me beija dessa
vez, não sinto apenas o tesão que havia entre nós minutos atrás, sinto algo a
mais. Sinto familiaridade, sinto compreensão e carinho dentro desse gesto.
Ela deixa beijinhos em meu lábio e se afasta novamente.
Eu a olho e da forma como ela fez tantas vezes comigo, ela não
verbaliza com voz, mas sim, sinaliza apenas.
— Eu conheço você, Nick.
E isso basta para que eu saiba que ela entendeu o que quis dizer.
— Então você aceita? Dar uma chance para nós? — Pergunto
sinalizando, sentindo meu coração bater tão rápido que dessa vez, tenho
certeza que ela é capaz de ouvir.
— Eu aceito, Nick. — Diz ela, dessa vez sinalizando e em voz alta.
— Jura juradinho? — Estendo o dedinho para ela e Maya ri. A
risada dela me fascina, me faz sentir como se eu fosse o cara mais sortudo
do mundo.
— Juro juradinho. — Selando nosso acordo, ela entrelaça o dedinho
junto do meu. — Agora, me beija.
E eu o faço, ciente de que no dia de hoje, eu sou o cara mais sortudo
do mundo todo.
Cansaço
Substantivo masculino
1. efeito de cansar(-se); estado de fadiga provocado por esforço
físico ou mental ou por doença.
2. FIGURADO
estado de aborrecimento; tédio.
3. Nicholas Bennet está cansado de não ter coragem. Cansado de
sua timidez. Cansado de sentir que está perdendo. Cansado de
gostar da mesma garota e não conseguir mover um fio de
cabelo para mudar a situação.

É só falar, eles dizem.


Quem foi que falou que isso é algo fácil? Em que parte do manual
de regras da vida se declarar para a pessoa que você gosta é algo tão
simples assim?
Estou cansado. Talvez esse não seja um bom dia para escrever.

Nicholas, quatorze anos.


Fica difícil saber o que ele está pensando
Você ama um tolo que sabe exatamente como te provocar
Boyfriends - Harry Styles

O vento balança as copas das árvores do lado de fora da casa dos


meus pais, mas com um tricô novo, presente da minha mãe, e próxima à
lareira, eu aproveito o aquecimento da casa enquanto admiro a paisagem do
lado de fora. Ligá-la talvez seja um exagero neste momento, estamos
apenas no outono, mas não me opus quando meu pai se propôs a acender,
orgulhoso por ter cortado pedaços de madeira tão simétricos.
Sorrio enquanto olho pela janela grande.
Mas a verdade é que meu sorriso não é apenas reflexo de estar na
casa dos meus pais, ou por estar de folga tanto de ensaios quanto do
expediente do LeBlanc's. Meu sorriso tem nome e sobrenome.
Nicholas Bennet.
Não sou capaz de conter as lembranças, de rememorar tudo que
vivemos ontem, desde os mínimos detalhes, como a margarida singela que
ele me deu antes de começarmos a trabalhar; o drink que ele preparou para
mim; o fato de ter pensado em todos os detalhes e ter diversas opções de
comida para jantarmos; a dança… O beijo.
Puxo a gola do tricô subindo o mesmo até tampar minha boca numa
tentativa de esconder de ninguém, além de mim mesma, o sorriso que não
quer sair dos meus lábios quando me lembro da boca de Nick junto da
minha. Pela manhã, quando acordei, uma mensagem sucinta de Ellie já
esperava minha resposta.

Ellie: E aí, ele beija bem?

A resposta foi um “sim” em letras maiúsculas.


Sinto um choque correr pelo meu corpo só de pensar em todos os
beijos que trocamos ontem, que não ficaram limitados apenas ao balcão do
bar. Depois dali, nós passamos o caminho até em casa apenas abraçados, o
vento frio e o ônibus vazio foram a desculpa perfeita para dividirmos um
banco e ficarmos bem próximos, aproveitando o silêncio da noite e também
a presença um do outro. Nick fez questão de carregar minhas bolsas até o
momento em que passamos pela porta de entrada da casa.
Mas ele, igualmente, fez questão de jogá-las no chão com um baque
audível quando me puxou pela mão e me beijou novamente.
— Precisamos ser silenciosos — murmurou ele em meus lábios.
— Prometo ficar bem quietinha.
Meu estômago gela ao pensar na forma como ele me segurou firme
depois que disse essas palavras e em como sua boca exigiu da minha. Já
beijei muitas pessoas, já tive dois relacionamentos sérios, mas, nenhum
deles, nenhum beijo pode ser classificado ou categorizado no mesmo
patamar com os beijos que Nick e eu trocamos ontem.
Beijei meu amigo de infância e teve gosto de pertencimento.
Nicholas me beijou como se tivesse esperado a vida toda por aquele
momento, como se sua vida dependesse daquilo. Ele me beijou como se
estivesse me adorando. E é exatamente assim que me sinto agora: adorada,
encantada… excitada. Lembro de quando Nick e eu nos separamos, depois
que eu não contive meus instintos e comecei a desabotoar os botões de sua
camisa e lembro de seu tronco nu, uma visão que eu já tinha tido, mas que
naquele momento ganhou ainda mais relevância: o abdome com alguns
músculos começando a ficar definidos, a barriga lisa, sem pelos, o peito
levemente definido…
Suspiro apenas com a mera lembrança.
— Comeu pouco, está suspirando sem parar, sentada na janela
admirando a vista… eu tenho uma hipótese — ouço minha mãe falar, atrás
de mim e quando viro o rosto, sorrio por ver o que ela tem em mãos. Uma
xícara de café.
— E qual seria sua hipótese? — Questiono, já sabendo que ela vai
acertar. Ela sempre acerta.
— Paixão. — Com um olhar intenso, com seus olhos castanhos
parecidos com os meus, os cabelos um pouco mais claros por conta dos fios
brancos, mas ainda assim, as bochechas rosadas e grandes, herança genética
que tenho dela, mamãe senta ao meu lado, dobrando as pernas da mesma
forma como estou. — Acertei?
— Um pouquinho — faço uma pinça com os dedos e ela dá uma
risadinha.
— Quer me contar esse pouquinho?
Balanço a cabeça em afirmação e dou início ao nosso momento mãe
e filha. Amo meu pai com todas as forças, mas há certas coisas que tenho
mais intimidade para falar com a minha mãe. Sempre contei para ela sobre
minhas paixões, por exemplo, ou quando estava gostando de algum garoto,
ou mesmo quando começava a namorar, era para ela quem eu contava
antes.
Por isso, eu começo contando sobre como tem sido morar debaixo
do mesmo teto que Nick, sobre como as coisas com ele são naturais. Como
me abrir para ele é fácil, como a conversa flui entre nós, como me sinto em
relação a ele.
— Ele é um garoto muito especial mesmo, sempre foi — comenta
minha mãe, dando mais um gole no café. — Você acha que está gostando
dele?
— Eu… — hesito em responder porque esse é justamente o
questionamento que vim fazendo durante o caminho até a casa dos meus
pais. — Vai soar estranho se eu disser que tenho medo de dizer sim?
— Depende, meu amor — minha progenitora pega alguns fios de
cabelo meus e passa para trás da minha orelha —, o que te dá medo?
— Não quero que pareça que estou substituindo uma pessoa por
outra — digo de forma sincera. — Não quero que pareça que estou fazendo
ele de estepe ou coisa do tipo, e…
— Maya — minha mãe toca minha mão, chamando minha atenção
para ela. — Gosto de pensar que você é o melhor ser humano que já pisou
nessa terra. E, mais do que isso, sou feliz por ver as diferenças que você
tem em relação a mim e ao seu pai, mas, se me permite, vou elogiar um
pouco seu pai e eu — ela dá uma piscadinha e continua a falar. — Nós dois
te educamos de uma forma que você valorize as pessoas, que não se
aproveita delas.
— Sim, eu não sou esse tipo de pessoa.
— Então, se você sabe disso, se você tem ciência de quem você é,
por que esse medo?
Olho para minha mãe e me pergunto se, um dia, eu serei tão sábia
quanto ela, porque sei que ela está certa. Ela foi precisa nas palavras usadas:
a quem eu estou tentando provar algo, sendo que no fundo, eu sei a
verdade?
— Como você consegue? — Questiono curiosa.
— O quê?
— Ser tão sábia — pontuo de maneira sincera e ela sorri, dando
risada na sequência.
— Querida, com os anos você vai aprender que, no mundo dos
adultos, tudo é questão de fingir falar com propriedade. No fundo, estamos
todos tão perdidos quanto jovens adolescentes.
Caio na gargalhada quando ela diz isso porque, de certa forma,
mesmo ainda sendo nova, entendo um pouco o que ela quer dizer. A vida
quando adulto cobra de nós mais postura, mas, às vezes, não passa de
aparências.
— O que mais te aflige? — Quando para de rir, minha mãe chama
minha atenção novamente.
— Fico me sentindo mal por não ter percebido antes. Por não ter
notado que, talvez, Nick sempre esteve afim de mim. Não é como se eu
estivesse ignorando os sentimentos dele, eu só… Não sabia.
— E nem tinha como saber — completa minha mãe. — Posso te dar
um conselho, meu amor?
— Quantos quiser.
— Pare de tentar se privar da felicidade — a frase impactante, vem
acompanhada de um carinho gentil em meu rosto. — Olha quantas coisas
boas a vida tem colocado no seu caminho: teste para o ballet real,
permanecer em Estocolmo, um trabalho diferente de tudo que você já fez e,
agora… Nick de novo na sua vida.
Deposito a caneca de café na mesa ao lado do sofá e olho para
minha mãe com amor, eliminado os centímetros que ainda nos deixam
longe uma da outra e abraço seu corpo, adorando estar em seus braços, o
melhor lugar do mundo. O abraço da minha mãe.
— Obrigada por sempre me dizer a coisa certa quando eu preciso.
Por me lembrar que ser feliz não é um problema. — Com o rosto apoiado
em seu peito, inalo seu cheirinho, tão familiar e tão gostoso. — Sei que
você vai entender o que eu quero dizer, mas… Quando estou com o Nick,
eu me sinto assim.
— Como?
— Em casa — digo por fim. — É familiar. Sei que ter algo além da
amizade com ele vai me fazer conhecer outras facetas dele, me tornar mais
íntima de certa forma. Sei também que estou dizendo isso como se já
estivéssemos tendo algo, mas, de alguma maneira é isso que eu sinto. Eu
me sinto em casa quando estou com ele.
— Casa não é um lugar fixo, meu amor. Você pode se sentir em casa
nos mais diferentes lugares. — Ela apoia o queixo em cima da minha
cabeça e faz carinho em meu cabelo. — E sabe por que eu digo isso?
Porque você sempre teve duas casas — quando ela diz essas palavras, ergo
minha cabeça para olhá-la. — Aqui, comigo e com o seu pai e os palcos.
Não existe nada mais poderoso do que um coração que se sente acalentado
nos mais diferentes lugares. É como diz aquela música que a gente ama…
— Casa é qualquer lugar onde eu esteja com você — digo, sabendo
exatamente de que letra ela está falando.
— Talvez o Nick se torne sua nova casa, talvez não, mas o que
importa agora não é o futuro, mas sim, o presente, e vai por mim, querida
— mamãe beija meu rosto, pede licença para poder se levantar e, enquanto
recolhe as duas xícara de café, ela finaliza. — Eu já o adoro por
simplesmente ter colocado um sorriso tão verdadeiro em seu rosto. Um
sorriso que há tempos eu não via.
Mamãe sorri e caminha em direção a cozinha e enquanto me deixa
sozinha, ouço quando meu pai acorda de seu cochilo da tarde e avisa que
vai fazer algumas panquecas para nós. Aviso que já vou até a cozinha para
ajudá-los, mas antes, decido olhar meu celular e enviar uma mensagem para
Nick. Saí cedo pela manhã e não quis acordá-lo, ou mesmo parecer
desesperada para vê-lo ou algo do gênero, mas agora, depois dessa conversa
franca, só consigo pensar que quero vê-lo. Quero muito.
Quando desbloqueio a tela do celular, eu não consigo evitar morder
o lábio inferior, tentando conter um sorriso de felicidade ao ver que eu não
era a única com vontade de falar com ele. Porque, nas notificações, já há
uma mensagem de Nick me esperando.

Nick: Vou ficar hoje na casa do meu pai…

Essa mensagem automaticamente me faz ficar um pouco triste. Eu já


estava pensando em sugerir uma sessão de filmes depois que ele chegasse
do LeBlanc's já que, ao contrário de mim, Nicholas não está de folga.
Porém, vejo o balão avisando que outra mensagem está sendo digitada e eu
aguardo a resposta.

Nick: Acho que agora, eu posso contar a você a verdade.


Nick: Durante os primeiros dias da sua mudança, eu fiquei mais
tempo no meu pai porque… Bem, porque estava nervoso de ter que dividir
a mesma casa com a garota por quem eu, secretamente, nutria uma paixão.
Nick: Mas, então, eu percebi que não queria ficar longe de você e,
por isso, eu acabei deixando a casa do meu pai de lado.
Nick: Em resumo, ele usou a desculpa da saudade. E eu também
estou com saudades de ficar com ele e com a Mah, então, vou trabalhar no
LeBlanc's e volto amanhã à noite para casa.
Nick: Só queria dizer que… não estou te evitando.
Nick: Pelo contrário. Só consigo pensar em você <3

Ao ler a última mensagem, eu me pergunto quantas vezes Nick será


capaz de roubar o meu fôlego. Se isso significa estar gostando de alguém,
se é assim que devemos nos sentir, então, eu não quero que essa sensação
desapareça nunca mais.
Por isso, eu digito uma mensagem de volta, sendo sincera com ela
assim como ele está sendo comigo.
Maya: Tudo bem, Nick. Eu espero que você aproveite o tempo com
seu pai.
Maya: Fiz isso hoje e foi maravilhoso.
Maya: Mas quero que você saiba que também estou pensando em
você… E torcendo para que amanhã chegue logo.

— Vocês todos estão um desastre hoje! — As palavras duras,


direcionadas a minha turma do ballet, são ditas por uma das professoras
mais rigorosas que temos. — Essas pernas podem ir mais alto. Vamos! Um,
dois e três e quatro e.. Alto! Alto! Alto!
Andando pela sala em diagonal, cada um dos alunos faz elevés,
tentando atender as expectativas da professora, que são impossíveis. Uma
aula como essa tempos atrás me faria duvidar da minha capacidade, mas,
pela manhã, durante o ensaio com Marta Gröna, os elogios que ele faz e as
críticas pontuais e necessárias, me fazem ver que estou no caminho certo.
Não será uma professora criteriosa que me fará deixar de acreditar em mim
mesma.
No final da aula, estamos todos exaustos e cansados, mas ainda
temos uma quantidade de aulas ao longo do dia pela frente, incluindo uma
aula de chão, que constantemente fazemos para melhorar nossa
flexibilidade. Elke está sentada ao meu lado, tirando sua sapatilha de ponta
quando um burburinho chama nossa atenção.
Entrando na sala, vejo Johanna. E ela está caminhando na minha
direção.
— Oi, Elke — ela se abaixa e senta ao lado da minha amiga. — Oi,
Maya.
— Oi — digo de forma polida, sem saber muito como reagir.
Johanna e eu não tivemos muito contato. A forma como nos conhecemos
então foi… bem, complicada.
— Eu posso falar com você? A sós? — Pergunta ela, ajeitando a
postura.
Vejo que Elke hesita e olha para mim, como se esperasse por uma
confirmação, mas ao mesmo tempo, me mostrasse que, ainda que não
sejamos muito próximas ou melhores amigas, ela está ali por mim. Sorrio
para ela e aceno em concordância, mostrando que está tudo bem. Seja como
for, de uma forma ou de outra, se eu quero ser feliz, também preciso deixar
toda essa história que envolve Johanna no passado.
— Quer que eu te espere para almoçar? — Elke pergunta, só para ter
certeza.
— Pode ir na frente, se quiser fazer meu pedido, quero o peixe com
salada e purê de batata — Elke acena com a cabeça e, por fim, recolhe suas
bolsas e nos deixa a sós.
Noto que Johanna acompanha minha amiga até que ela desapareça
pela porta da sala, quando se vira novamente para mim, percebo o motivo
dela ter ficado tanto tempo olhando na direção da saída. Posso não conhecer
Johanna, mas é perceptível que ela está nervosa, e algo me diz que eu sei o
motivo.
— Maya, eu… — ela começa a falar, mas logo para, puxando o ar
com força pelo nariz, como se isso pudesse ajudá-la. — Adiei muito essa
conversa com você, não porque não queria, mas porque achei que não era
justo vir falar com você.
— Como assim?
— Eu não sabia o que esperar de você, nem mesmo sabia se eu tinha
direito de falar com você. Porque falar sobre isso, sobre ele — ela enfatiza
o pronome e eu sei bem de quem ela está falando. — Seria admitir que eu
fui protagonista nisso, na traição.
— Você sabia? — Questiono, ciente de que, ela sabia, afinal de
contas, todos sabiam do nosso relacionamento. É apenas uma forma de
confirmar o que sempre soube, que Daniel é um babaca. Ela balança a
cabeça em afirmação. Eu já sabia disso, mas uma parte de mim se
perguntava como.
— Entende como é complicado? — Johanna dá uma risada sem
graça e vejo que, tanto ela quanto eu estamos desconfortáveis com esse
momento. — Eu poderia passar um tempo aqui falando sobre como ele
disse que o relacionamento de vocês não estava bom, que a carência e a
saudades eram difíceis de controlar, sobre os mil planos que ele fez quando
viu que eu já era carta marcada para Gisele, mas… Nada disso me parece
justo. Jogar o jogo dele não é o tipo de coisa que eu quero fazer aqui.
— Eu… — pigarreio, tentando limpar o incômodo que se instaura
em minha garganta. — Não sei muito o que dizer a respeito.
— Queria só que você soubesse que eu sinto muito, Maya. Sinto
muito por ter feito você sofrer. Antes eu tivesse ficado sem esse papel em
Gisele e…
— Não diga isso — eu a interrompo na mesma hora e vejo que ela
fica surpresa com a minha reação. — Seu sucesso no ballet não tem nada a
ver com o que aconteceu entre você, eu e Daniel. Nunca duvidei da sua
capacidade e do seu talento, Johanna. Fiquei arrasada por ter sido traída e
por ter presenciado tudo, mas seu sucesso no ballet é seu. Não é mérito
dele.
— Mas se eu não tivesse me destacado, talvez ele não teria visado
tanto o sucesso a qualquer preço e…
— Se aproveitado de alguma vulnerabilidade sua? — Completo. —
Ele fez isso comigo também. Quantas vezes, por mais que eu me
destacasse, ele arrumava um jeito de colocar as conquistas dele acima das
minhas? Quantas vezes eu me irritei com a forma como ele parecia disposto
a eliminar tudo e todos, a qualquer custo para ter sucesso? Nós fomos só um
dos muitos empecilhos no caminho dele.
Vejo quando Johanna limpa uma gota de lágrima que escorre de seu
rosto e só então me dou conta do que verdadeiramente aconteceu com nós
duas. Deixamos que Daniel nos manipulasse, acreditamos nas palavras dele,
nas promessas e cada uma a sua forma, deixamos que o fracasso dele
refletisse em nós. Como se fossemos culpadas por termos sucesso, por
sermos quem somos.
— Como duas mulheres como nós, nos deixamos ser atingidas por
um homem como ele?
— Acredite em mim, eu me fiz essa pergunta muitas vezes — rio
nasalado, enquanto mexo meus pés, uma mania que tenho, fazendo meia-
ponta. — Mas acho que a melhor resposta que podemos dar a ele é
simplesmente seguir nossas vidas, conquistarmos nosso lugar de maneira
justa — me aproximo dela um pouquinho e sussurro, como se fosse um
segredo — sermos felizes.
Johanna balança a cabeça algumas vezes e vejo o quanto ela está
sensível, o quanto ela parece um reflexo meu de tempos atrás. Ela,
novamente, enxuga uma lágrima que escorre de seu olho e quando ergue o
rosto, eu sorrio de forma doce para ela.
— Ainda me sinto no dever de te pedir perdão pelo que fiz. Eu sabia
e ainda assim… fui lá e fiz.
— Obrigada pela sinceridade — eu a agradeço. — Não vou dizer
que você não precisa se desculpar ou coisa do gênero porque, bem… —
dou uma risadinha sem graça e ela me acompanha. — Mas acho que, mais
do que isso, nós podemos começar uma relação nova. De respeito. Minha
mãe me ensinou que quando mulheres se unem, nós somos capazes de
mudar o mundo e eu acredito fielmente nisso.
— Eu também. — Pela primeira vez desde que começamos a
conversar, Johanna sorri para mim. — Obrigada por me ouvir.
Eu aceno em concordância e, por fim, Johanna se despede com um
aceno curto de mão. Não somos melhores amigas, talvez nem mesmo
chegaremos a ser amigas, mas nós nos respeitamos, respeitamos nossas
histórias e deixamos o que passou para trás.
Saio da sala de ballet um tempo depois um pouco mais leve, é como
se todas as peças do quebra-cabeça que eu posso chamar de vida estivessem
se encaixando. Me sinto orgulhosa de como as coisas estão sendo
conduzidas. Talvez me tornar adulta não seja algo tão ruim.
Mas tudo isso é só distração
Já vi o mundo, você ainda é para onde eu quero ir
Montana Sky - Jonas Brothers

São poucas as vezes em que não consigo acompanhar o que Jordan


está sinalizando, isso geralmente acontece quando meu foco não está na
aula, na matéria que está sendo ministrada ou quando estou com algum
problema pessoal. Não acho a matéria chata, mas meu foco não está aqui
dentro desta sala de aula. Não estou com problemas pessoais, muito pelo
contrário, para falar a verdade, eu deveria estar radiante diante de tudo que
aconteceu.
O único problema é que…Estou com medo.
Sabe quando tudo parece perfeito demais e você teme que tudo pode
ir por água abaixo? É exatamente como me sinto.
Maya e eu ficamos. Nós nos beijamos. Nossos beijos foram de outro
mundo, uma conexão que eu torcia para encontrar nos lábios dela, mas que
achava que não seria real, algo apenas da minha imaginação de garoto
sonhador apaixonado pela amiga de infância.
Mas não foi. Há algo na forma como nós nos conectamos, e isso me
gera medo. E se eu estragar tudo que estou começando a construir com
Maya por conta das minhas inseguranças? Seria hipócrita da minha parte
dizer que, desde que nos beijamos, eu não venho pensando em como será
encontrá-la de novo e a forma como as coisas podem correr entre nós. Não
no sentido amoroso, essa parte sei que temos que progredir, temos ainda
muito o que conhecer um do outro. Mas, falo da parte física. Do sexo.
Maya é uma mulher linda e que nunca teve problemas em se
relacionar com as pessoas, fosse no quesito amizade, como também
amoroso. Sei que, no quesito experiência, ela tem uma vantagem muito
maior que eu, e apesar de isso ser uma vergonha no mundo dos homens, eu
não poderia me importar menos com isso. O que verdadeiramente me gera
incômodo e, desde a noite de sábado me faz pensar, pensar e pensar é que: e
se eu não for suficiente para ela? E se eu não souber satisfazê-la? E se eu
fracassar de novo nesse quesito?
Jordan chama minha atenção e sinaliza para mim uma advertência,
bem ao estilo Jordan de ser.
— Estou aqui falando sozinho, foco, garoto!
Sinalizo um pedido de desculpas e tento me concentrar ao máximo
no restante da aula, anoto algumas coisas e até mesmo faço menção de
erguer a mão para fazer uma pontuação sobre o tema, afinal de contas,
participação nas aulas conta como parte da nota. Todavia, desisto quando
alguns dos meus colegas fala o que eu estava prestes a dizer. Isso só me
mostra o quanto estou alheio ao que acontece na aula. “Um dia daqueles,
todo mundo tem um dia daqueles”, é o que repito a mim mesmo até o final
da aula
Quando o professor se despede, Jordan me segura pelo braço de
forma gentil e pede que eu espere que os colegas saiam da sala. Conforme o
fluxo vai diminuindo, ele sinaliza uma pergunta.
— Que tal uma conversa em ASL?
Sorrio diante do questionamento. É um código meu e de Jordan.
Apesar de ambos sermos deficientes auditivos e falarmos sueco e língua de
sinais, quando queremos conversar apenas entre nós dois, só sinalizamos.
Apesar do acesso ao ensino de língua de sinais ser fácil no país em que
vivo, ainda assim, é mais fácil que alguém não consiga acompanhar sinais
do que sueco.
— Eu topo — sinalizo a resposta.
— Quer me contar o que está acontecendo? Você estava em outro
lugar hoje.
— Estou com… — faço uma pausa, pensando o que dizer a ele. —
Um problema.
— É familiar ou pessoal?
— Pessoal.
Ele faz uma cara de pensativo antes de fazer uma pergunta.
—Tem algo que eu possa fazer por você, garoto?
Jordan e eu temos uma relação de anos, mas nunca conversei com
ele sobre isso, sobre sexo, mas neste momento, penso se ele não seria uma
das poucas pessoas capazes de verdadeiramente me entender. É fácil para
uma pessoa que não tem uma deficiência, seja ela qual for, dizer que não há
com o que se preocupar. É até mesmo utópico pensar que alguém diria que,
de fato, eu tenho motivos para estar inseguro. Ainda que eu saiba que meus
pais estariam prontos para me ouvir, me aconselhar e me acolher, e não só
eles, como Louis, Mahara e até mesmo tio Nate e tia Manu, nenhum deles é
capaz de entender minha questão.
Eles são empáticos a ela, mas não acho que entender é a palavra
certa. Não é possível entender como é a vida de um deficiente auditivo
quando você não o é.
Por esse motivo, eu olho para Jordan, para seus cabelos que estão
começando a ficar grisalhos, para sua expressão de quem aguarda paciente
minha resposta, mostrando que está disposto a me ouvir e então, eu abro
meu coração.
— Estou apaixonado por uma garota –— ele sorri quando digo isso.
— Acho que estamos chegando em algum lugar, mas estou com medo.
— Do que está com medo?
— De não ser suficiente para ela, sabe? No quesito…
Jordan assente e de alguma forma, sem que eu precise continuar,
sinto que ele já entendeu o que quero dizer.
— Você já teve alguma experiência? — Pergunta ele, retomando a
conversa.
— Uma vez — explico. — Ela não me condenou, nem mesmo foi
insensível ou coisa do tipo, mas acho que ela não entendeu totalmente que
seria algo… diferente. — Ele assente, em concordância. — Falhei com ela e
não quero que isso aconteça de novo.
— Eu entendo, Nick. Não sei se você vai se sentir consolado, mas,
eu também já falhei nesse quesito.
Quando ele diz isso, me sinto um pouco aliviado, não posso negar.
Às vezes é bom saber que todo mundo erra, diz algo errado, comete uma
gafe ou, simplesmente, é humano.
— Acho que o que ajudou também a não ser incrível é porque…
Talvez eu precise estar conectado de verdade com a pessoa, sabe?
— Você precisa confiar, Nick. Eu entendo. É algo muito pessoal,
que envolve não apenas nossos desejos físicos, como também o de outra
pessoa. Mas eu acho que você está no caminho certo — ele para de sinalizar
por um instante, me lançando um sorriso acolhedor.
— Por que diz isso?
— Porque se você está apaixonado, significa que de alguma forma,
essa pessoa te conquistou de algum jeito. A confiança se constrói aos
poucos, e se ela realmente valer a pena, ela vai entender e ir no seu tempo.
Balanço a cabeça em concordância, absorvendo suas palavras.
Penso em Maya e nas muitas conversas e momentos que ainda quero
partilhar com ela, penso na forma como ela reagiu quando eu disse a ela
sobre meus sentimentos, como em momento algum ela me criticou por não
ter dito a ela antes.
E, por pensar nela, nessas pequenas demonstrações de que ela é
alguém que se importa comigo, eu dou um sorriso doce para meu amigo.
— Obrigado pela conversa — sinalizo o agradecimento.
— Sempre que precisar, garoto — Jordan diz em voz alta dessa vez,
encerrando nossa conversa somente em língua de sinais.

A casa da minha mãe é meu lar, é onde, majoritariamente, minhas


coisas estão, onde eu passo a maior parte do tempo. E a casa do meu pai é
meu lar também, mas eu costumo me referir a ela como meu refúgio, o lar
que ele e Mahara construíram transmite paz e acolhimento. É um ambiente
que você, automaticamente, ao entrar, se sente bem. Tenho um lugar
favorito quando estou aqui, o quarto dos fundos, conhecido pelo espaço
onde minha bateria fica e também a biblioteca de Mahara.
É um lugar que tem tudo que amo: música e livros.
Passo o dedo pelas lombadas. Entre os muitos títulos de teoria,
linguística e estudos de fonética e fonologia, há uma parcela ainda maior de
romances, alguns em versões duplicadas, em inglês e sueco.
Pego um livro em mãos, olho o título e quando me viro, vejo que
Mahara está parada na porta.
— Não sabia que estava por aqui — diz ela, sinalizando e vindo ao
meu encontro.
— Gosto de passar um tempo aqui — respondo, com um sorriso
quando ela vem até mim e me abaixo para que ela possa beijar minha
bochecha. — Seu cabelo está bonito.
— Gostou? Fiz umas mechas mais claras que o castanho escuro —
passando a mão nos cabelos, ela sorri de uma maneira fofa. — Seu pai disse
que eu merecia um dia relaxante, então acabei de voltar de um ida ao SPA e
ao salão.
Sorrio para ela. Essa época do ano é complicada para Mahara, todos
os anos. Quando me mudei, eu era pequeno para entender a situação toda
que rodeava ela e também o relacionamento com meu pai. Conforme fui
crescendo, as histórias foram sendo contadas e eu passei a entender. Mahara
ama os verões, mas os outonos são meio melancólicos para ela, já que foi
nessa época que ela e Zayn, seu irmão, se afastaram da família.
— Você está bem? — Pergunto, oferecendo um abraço.
— Vou ficar. Sempre fico, ainda mais se você me der um abraço
bem forte.
E é exatamente o que faço. Eu abraço Mahara com todo o amor que
sinto por ela. Podemos não ter nenhum laço de sangue, mas eu a amo como
uma segunda mãe, porque é isso que ela sempre foi para mim, muito mais
do que apenas a esposa do meu pai, Mah sempre foi especial para mim, e
sempre vai ser.
Nunca conheci os pais dela e de tio Zayn, duvido que um dia isso vá
acontecer para ser bem sincero, mas uma coisa que eu aprendi desde sempre
é que: família é muito mais do que genética. Nós também podemos escolher
nossa família, e eu sou grato por Mahara ter me escolhido para fazer parte
da dela.
— Mas, e você? — Pergunta, se afastando meu abraço. —
Procurando uma indicação de leitura?
— Talvez. Ler coisas acadêmicas cansa um pouco.
— Você não faz ideia — rindo, ela ajeita os cabelos. — Alguma
tema em específico? Temos para todos os gostos.
— Não sei… — faço uma careta e decido brincar com ela. — Tem
um amigo meu que está tentando conquistar uma garota, sabe?
— E você acha que os livros podem ajudá-lo? — Ela faz um
biquinho fofo, segurando a risada. — Olha, é uma boa ideia. Eu tive um
amigo, anos atrás, que fez a mesma coisa. Esse seu amigo e esse meu amigo
devem ser parecidos.
Sei muito bem de que amigo ela está falando. É do meu pai. E de
fato, esse amigo dela e meu são bem parecidos.
— O que ele quer ser para essa garota? — Pergunta Mahara de
volta.
— Tudo — digo sincero. — Ele quer ser tudo, quer ser suficiente
para ela em todos os quesitos.
Mahara sorri e então respira fundo, começando a olhar para a
estante. Vejo quando ela pondera sobre alguns títulos, sei disso porque,
conforme os anos foram passando, a ruguinha que se forma no meio da
sobrancelha de Mahara se tornou mais proeminente, um vestígio de que
todos nós estamos envelhecendo. Vejo quando ela faz menção de pegar um
livro, mas então volta a mão e segue encarando suas estantes. Amo isso,
porque entendo exatamente o ponto. Quando se ama livros, quando se ama
as palavras, você se torna incapaz de escolher um livro só como favorito, ou
como o melhor. Se tem algo que eu como leitor e aspirante a escritor
aprendi é que é possível amar e habitar em muitos mundos, histórias e
mentes diferentes.
A dádiva da imaginação.
— Sabe — Mahara volta a falar e sinalizar —, tem muitas histórias
que podem ajudar esse seu amigo, mas eu acho que você pode dizer a ele
que a melhor história de todas, vai ser a que ele construir ao lado dessa
pessoa. Nenhum livro seria capaz de superar ou mesmo ajudá-lo nisso
porque, no final das contas, é a história que ele irá contar fora das páginas
que realmente vai importar.
Em momentos como esse, quando Mahara fala coisas assim, sorri
dessa forma e me acolhe com tanto amor, é simplesmente muito fácil e
óbvio de entender porque meu pai se apaixonou por ela à primeira vista.
— Vou passar o recado para ele — beijo o topo de sua cabeça. — Te
amo, sabia disso?
— Ah, meu amor, eu te amo ainda mais. — Esfregando minhas
costas, ela me dá um abraço de lado. — Obrigada por ser a minha família.
— Obrigado por ser a minha também.
Mahara me chama para tomar um café e eu vou para a cozinha com
ela. Enquanto conversamos sobre a vida, meu curso, sobre livros e planos
futuros, penso em como sou sortudo pelas pessoas que tenho à minha volta.
Tive duas conversas fundamentais no dia de hoje, que me ajudaram a
entender mais uma vez que a sinceridade é a chave do negócio, e que, para
além disso, eu sou capaz de escrever este capítulo da minha vida.
Sou suficiente para qualquer coisa. Me basto, mas quero mostrar a
Maya que posso ser tudo que ela precisa, porque é isso que quero ser para
ela. Quero ser uma montanha lisa de neve, que você se joga e ri sem parar
porque foi uma escolha errada. Quero ser um dia infinito de sol, onde você
não quer dormir para aproveitar cada minuto de luz. Quero ser a transição
das folhas de outono, um não tão colorido quanto a primavera, mas
igualmente bonito de se ver. Quero ser o nascer das flores, a transição
rápida entre a grama seca, para o verde claro e vivo.
Quero ser tudo para Maya, porque de alguma forma, eu sinto que ela
também pode ser meu tudo.
Estive esperando e esperando você tomar uma iniciativa
Antes que eu tomasse uma iniciativa
Então, amor, venha me acender
Into You - Ariana Grande

Respiro fundo conforme vou me aproximando de casa. Apesar de


fazer pouco tempo, não consigo me referir a casa de Nick como somente o
lugar onde estou morando de forma provisória, me sinto bem aqui. Mas
hoje, não posso negar que estou nervosa para chegar e saber como as coisas
vão ser, como vamos agir.
Meus pés estão doendo, as aulas hoje e o ensaio foram todos muito
intensos, fora isso, meu corpo está todo dolorido e cansado. Estaria
mentindo se dissesse que não estou sonhando com um banho quente, um
pijama confortável e uma massagem. O último talvez seja mais difícil, eu
deveria aproveitar o desconto no SPA que a academia de ballet oferece, uma
massagem e uma sauna não fariam mal a ninguém. Ao pensar na sauna,
uma ideia se passa em minha cabeça, mas eu trato de silenciá-la, porque há
outras coisas antes de chegarmos em momentos como os que minha cabeça
vinha imaginando, onde Nick, eu e as mãos dele…
— Foco, Maya Karlsson — murmuro para ninguém além de mim
mesma.
Digo essas palavras enquanto abro o portão pequeno de entrada. O
carro de Hannah e o de James não estão ali, o que significa que não estão
em casa. Meu celular ficou sem bateria e eu não consegui carregar na
academia, portanto, se Nick tiver me mandando mensagem, eu não vi. Não
sei se Nick está em casa, passo pelo gramado da parte da frente e então abro
a porta. Ao entrar, não é preciso esperar muito para obter uma resposta
porque, descendo as escadas apenas de calça de moletom e os pés
descalços, Nicholas aparece e, ao me ver, ele para no último degrau.
Cheirando maravilhosamente bem, com os cabelos penteados e o
peito nu, Nick é simplesmente o cara mais bonito em quem já coloquei
meus olhos. A beleza física dele nunca foi uma questão, mas o coração dele
e seu jeito doce de ser, fazem com que ele se torne ainda mais lindo. Sorrio
para ele, mas meus olhos não permanecem em seu rosto por muito tempo,
eles descem, escrutinando cada pedaço de seu corpo, imaginando como
deve ser a textura em minha mão, como deve ser o contato de nossos peitos
nus, molhados de suor por conta do sexo e…
Foco, Maya, Foco.
— Oi, linda — a voz dele me desperta e eu volto a olhar para seu
rosto, sentindo minhas bochechas esquentarem um pouquinho por ter sido
flagrada.
— Oi — respondo com um suspiro, tentando disfarçar.
Droga! Eu simplesmente não consigo evitar, Nick tem dominado
meus pensamentos desde sábado, desde os beijos que trocamos. Mais do
que isso, desde antes, Nick tem sido parte importante da minha rotina.
Passei o dia todo sonhado com o momento que iríamos nos encontrar, com
o que poderia acontecer. No que eu quero que aconteça e agora, eu não
consigo falar nada porque não consigo controlar o tesão que sinto ao olhar
para o corpo dele, imaginar as coisas que podemos fazer, a forma como
quero tocá-lo e…
— Maya?
— Oi — respondo rapidamente ao seu chamado.
— Posso te beijar? — Diz Nick com a voz rouca, como se estivesse
com dor, mas também com tesão.
Nick e eu somos amigos, ele me conhece e eu também o conheço.
Há muitas coisas que para mim são claras a respeito dele, sei reconhecer
nele muitas de suas expressões, sentimentos, sorrisos e caras. Mas, neste
momento, eu estou conhecendo mais uma faceta dele. O tesão. A forma
como ele me olha faz meu corpo esquentar, faz meu coração acelerar um
pouquinho, faz com que eu perceba o quanto isso está certo, o quanto eu
não quero que essa euforia, essa vontade de estar perto de alguém, de ter
alguém como ele junto de mim, é algo realmente especial.
Por isso, eu respondo a pergunta dele da forma mais sincera que
consigo.
— Não peça para me beijar, apenas faça.
Com passos decididos e firmes, Nick desce o último degrau da
escada e vem até onde estou. Quando ele para à minha frente, suas mãos
grandes seguram meu rosto e sua boca se aproxima da minha, depositando
um selinho delicado. Não é um beijo afobado, não é um beijo selvagem, é
calmo, pacífico, da forma como Nicholas Bennet é para mim.
Ele é tranquilidade, ele é doçura. Ele é leveza. É como a brisa fresca
que bate nas árvores e faz com que as folhas caiam. É acolhedor e
aconchegante como um café cremoso. Mas, quando ele pede passagem com
a língua e eu concedo, o beijo se torna um pouco menos calmo. Nossas
bocas se unem e ele suspira quando sua língua enrosca na minha, fazendo
com que o meio das minhas pernas latejem.
Quero muito mais dele.
Por isso, eu deixo de ficar apenas parada e ser beijada por ele e entro
em ação. A bolsa grande que estou carregando cai com um baque no chão e
com a mão direita, eu enrosco os dedos em seu cabelo, enquanto a esquerda
toca em seu peito nu, na parte bem acima de seu coração.
Está batendo rápido e isso faz com que meu coração comece a bater
rápido também. Beijo Nicholas com tudo de mim, sentindo o calor de seu
corpo na palma da mão. Não consigo nem mesmo me importar com o fato
de que ainda estou com as botas dentro de casa, só quero beijá-lo. Quero
beijá-lo todos os dias assim, quero chegar em casa e sempre ser recebida
dessa forma.
O ar começa a faltar entre nós e o beijo começa a ficar cada vez
mais intenso, o ritmo diminui e quando nós damos alguns beijinhos mais
castos, Nick afasta só um pouco seu rosto do meu, ainda segurando o
mesmo com suas duas mãos. Abro os olhos e encontro suas íris azuis me
encarando com admiração.
— Oi — em meio a uma risada, eu o saúdo de novo.
— Oi, linda.
Adoro quando ele me chama assim.
— Posso me acostumar com esse apelidinho.
— Você prefere esse do que "Maya mandona"? — Diz ele, sorrindo
um pouquinho mais. Lembrando mais uma vez de um detalhe da nossa
infância.
— Bem mais — respondo sincera. — Quando você me chama
assim, faz com que eu queira beijar você.
Minha resposta sincera faz com que as bochechas de Nicholas
fiquem um pouco vermelhas, eu adoro como ele consegue transitar entre a
doçura em pessoa, mas ao mesmo tempo, quando sua boca toca a minha, eu
sinto que Nick tem um lado diferente, um que eu quero muito conhecer, que
pode me enlouquecer, no melhor sentido possível.
— Droga — diz ele, massageando minhas bochechas.
— O que foi? — Questiono, piscando os olhos de forma inocente.
— Eu preparei um jantar simples para nós, mas você me faz querer
pular essa parte e ir logo para o momento que eu não desgrudo a boca da
sua. — Diz ele, com um olhar que transita entre a admiração e o tesão.
Nicholas Bennet com tesão, me desejando é, realmente, um
problema.
— Você fez planos para nós?
— Não é nada muito complexo, é um jantar, talvez uma música ao
fundo, um encontro tranquilo — quando diz a palavra “encontro”, vejo que
ele fica nervoso. — Quero dizer, não precisa ser um encontro se você não
quiser rotular assim, mas bem, eu…
— Eu não me importo se for um encontro — digo de forma sincera
e vejo quando ele sorri diante dessas palavras, dando um suspiro baixo.
— Bom, eu tinha planos, muitos planos, mas eu quero deixá-los
todos de lado desde a hora que você entrou, porque, a forma como você me
olhou, como se… — Nick encosta nossas testas e eu sinto sua respiração
entrecortada, assim como a minha, bater perto da minha boca.
— Como se o que? — Eu o instigo.
— Se me quisesse.
— E eu quero, Nick. — Minha voz sai um pouco rouca, mas eu não
poderia ser mais sincera do que neste momento, aqui e agora. — Mas, sabe
o que eu também quero?
— O que?
— Um banho quente, um pijama confortável e tirar essas botas,
meus pés precisam descansar um pouco. — Dou uma risadinha para ele e
fecho os olhos rapidamente, enquanto ele segue fazendo carinho em meu
rosto.
— Que tal assim: eu termino de preparar o jantar enquanto você
toma um banho, nós comemos e depois…
— Depois… — repito a palavra. É uma promessa escondida entre
nós. — Parece perfeito.
Nick deposita mais um beijo em meus lábios antes de suspirar e me
dar espaço, pegando minha bolsa do chão e me entregando a mesma. Tiro
as botas e calço o chinelo, indo em direção a escada que me levará para o
meu quarto. Enquanto isso, Nick volta para a cozinha. Sem que ele note, eu
paro alguns segundos no primeiro degrau e o observo se mover pela
cozinha, cortando alguns legumes para a salada que está preparando. De
costas, os braços deles se movem com os movimentos e o vinco em suas
costas faz com que eu imagine meus dedos correndo por ali.
Sendo pega no flagra, Nick se vira e eu adoro o sorriso que me
lança. Todas as vezes que ele sorri para mim, só consigo pensar que quero
ser a culpada desses sorrisos para sempre, quero presenciá-lo mais e mais
vezes.
— O que? — Pergunta ele, me despertando do devaneio.
— Estava ansiosa para te ver — admito.
— Eu também, linda. Como eu estava ansioso.

— Isso aqui está incrível — dou mais uma garfada na batata,


comendo um pouquinho mais do molho bernaise junto. — Onde você
aprendeu a cozinhar assim?
— Você vai rir, mas foram as muitas maratonas de programas de
culinária com minhas avós — conta ele, de forma tímida — tanto a mãe da
minha mãe, como do meu pai, adoram esse tipo de programa.
— Me lembre de agradecê-las depois. Sério, Nick, isso está
incrível.
— Obrigado — agradece ele de forma tímida. — Agora, me diga
uma coisa — chamando minha atenção, ele toca minha mão de forma gentil
— como foi o seu dia?
— Muito ballet, muitos esparadrapos e uma dor intensa nos pés
agora, mas nada de novo.
— Não me importo que não tenha novidades para contar, ainda
assim, quero saber como foi seu dia, linda.
Suspiro pela milésima vez porque, quando estou perto de Nick, isso
é uma constância. E enquanto olho de forma intensa para seus olhos e ele
olha para minha boca, eu conto a ele sobre meu dia, falo sobre os ensaios
intensos, sobre a coreografia que estou treinando para o teste no ballet real e
conto sobre a conversa do Johanna. Não gosto de falar sobre Daniel e
quanto mais ele ficar no esquecimento, melhor será. Entretanto, essa foi
realmente uma parte importante do meu dia e a forma como Nick ouve tudo
que digo como se fosse o assunto de maior relevância do mundo, faz com
que eu queira compartilhar tudo com ele.
— Posso te perguntar uma coisa?
— Claro — dou permissão a ele.
— Daniel te procurou mais alguma vez?
— Não — respondo a verdade — ele está sumido, faz tempo que
não o vejo.
— Para ser sincero, não sei se me preocupo com esse sumiço, ou se
fico feliz por ele. Me preocupo com você — ele sorri e eu faço o mesmo.
— Não tem com que se preocupar, de verdade. — Digo as palavras
e ele assente.
— Se ele voltar a te procurar, você promete me contar?
— Prometo — aperto sua mão direita junto a minha. — Agora, me
conte, como foi seu dia?
Nick e eu comemos enquanto ele me conta sobre seu dia, fala sobre
a faculdade, sobre suas aulas e também que foi até a casa do pai e tomou
um café com Mahara, sua madrasta, a quem ele sempre chamou de tia Mah.
Me lembro dela, a família de Nicholas sempre foi muito presente em sua
vida.
Eu pergunto a ele sobre sua rotina como produtor de conteúdo no
Instagram e ele me revela mais alguns bastidores, sobre ter sido convidado
para uma palestra na faculdade de Medicina. Nick tem feito coisas incríveis
e é verdadeiramente impressionante a forma como a deficiência é algo que
não o parece limitar, para falar a verdade, talvez seja questão de convívio e
hábito, mas eu mesma não encaro isso como algo que nos diferencia. Usar a
língua de sinais enquanto falo com ele é algo natural, ou mesmo mover os
lábios de forma mais pausada para quando ele precisa ler meus lábios, é
natural para mim. Entretanto, quando ele me conta sobre as muitas
mensagens que recebe, sobre como pessoas como ele enfrentam
dificuldades muito maiores que as dele, lidam com o preconceito ou mesmo
com outras limitações, só consigo pensar o quanto Nick, de certa forma, é
sortudo, como ele mesmo afirma.
— Sei que não posso mudar o mundo sozinho — diz ele com um
sorriso doce no rosto —, mas se eu puder fazer algo para ajudar, que seja
desmistificar questões, fazer com que pessoas assim como eu dêem risada
com meus vídeos, ou auxiliar da forma que seja, eu já serei feliz.
Sinto meu coração aquecer diante das palavras dele. É impossível
não admirar a bondade de Nick, a forma pura como ele sempre agiu, a
maneira como ele pensa no próximo, como ele sempre foi assim, como os
anos não o mudaram, mas sim, só intensificaram quem ele é. Nicholas
Bennet pode ser lindo por fora, mas por dentro ele é ainda mais.
— Por que está me olhando assim? — Pergunta ele e só então me
dou conta de que fiquei paralisada, sem falar nada, apenas olhando-o.
Penso sobre tudo que minha mãe me falou, sobre me permitir ser
feliz, penso forma como me senti quando ele me beijou pela primeira, como
meu coração disparou quando entrei em casa e o vi, penso não apenas na
forma como ele me desperta tesão, mas principalmente, na forma como ele
me faz admirá-lo, gostar de estar perto dele, amar ter um dia agitado e cheio
de dança, mas sorrir de alegria ao pensar que, enquanto eu vinha para casa,
eu iria encontrá-lo. Penso na sensação de pertencimento, de acolhimento, de
familiaridade.
E por isso, diante desse aquececimento do meu coração que meu
amigo de infância é capaz de despertar, eu me levanto da cadeira e vou até o
outro lado da mesa, onde ele está sentando. Quando me vê caminhar até ele,
Nick se vira, ficando de frente para mim. Mesmo sentado, ele tem a minha
altura e por isso, nossos rostos ficam paralelos, eu olho para ele, para seus
olhos azuis intensos e tão lindos e peço passagem para sentar em seu colo.
Quero sentir seu calor, quero senti-lo de todas as formas. Entendendo meu
pedido, Nick toca minha mão e eu me acomodo, com as pernas uma de cada
lado do seu corpo, me sentando, colando nossos corpos.
Vejo quando ele engole seco, o pomo de adão subindo e descendo.
Faço um carinho em seu rosto, adorando ver seus olhos atentos a cada ação
minha, amando a forma como consigo ver, olhando de perto, os pontinhos
da barba recém feita, a pintinha próxima ao nariz, no lado direito, o tom
rosado de seus lábios e, mais do que isso, adorando como meu coração bate
rápido. Por causa dele.
— Maya… — ele me chama e eu o olho de forma atenta. — Não
quero que você ache que estou apressando as coisas nem nada, mas…
— Mas? — Instigo ele a continuar.
Nick toma minha mão direita e a coloca em seu peito, agora coberto
por uma camiseta branca lisa. Com a mão em cima de seu coração, eu sinto
as batidas fortes.
— Mas meu coração fica assim por sua causa.
Olho para ele de forma intensa e repito o movimento que ele fez
comigo, pegando sua mão e colocando em cima do meu coração. Deixo que
ele sinta bem as batidas e, por fim, falo de forma pausada para que ele
consiga entender cada uma das minhas palavras.
— Meu coração fica assim por sua causa.
Nicholas Bennet sorri. Eu sorrio.
E, então, ele me beija e tudo que eu consigo pensar é que eu o
quero. Eu quero que este momento dure para sempre, quero que meu
coração fique para sempre dessa forma. Quero ele de todas as formas
possíveis. Transmito nesse beijo, na forma como nossas línguas se tocam,
que tudo que ele tiver para me oferecer, eu quero. Começo a me mover em
seu colo, mostrando a ele como eu o quero e sinto o quanto ele me quer. As
mãos de Nick tocam minha cintura com força, com determinação e eu sinto
quando seu pau fica duro. Me esfrego em sua ereção e um gemido baixinho
escapa tanto dos meus lábios quanto dos dele.
Movo minha boca por seu rosto até chegar em seu pescoço, beijando
e sugando um pouquinho de sua pele, adorando inalar seu cheiro, mas
quando chego próximo ao lóbulo de seu ouvido esquerdo, ouço Nick
chamar.
— Linda?
Eu afasto minha boca de sua pele e olho para ele, diretamente em
seus olhos.
— Está tudo bem? Fiz algo de errado?
— Nada que você faz é errado — as palavras deixam seus lábios
enquanto ele sinaliza e reconheço o nervosismo em sua voz e na expressão
que emoldura seu rosto. — É que… as coisas são diferentes para mim. Por
exemplo, se você tivesse chegado com a boca mais perto do meu ouvido,
daria microfonia no aparelho e…
Nick suspira audivelmente e vejo o quanto ele está nervoso. É então
que entendo o que ele quer dizer e mais do que isso, compreendo uma
faceta que nunca tinha parado para pensar com relação a ele. A surdez pode
ser algo relativamente tranquilo para Nick, mas ainda assim, há limitações,
há questões que são diferentes para o sexo na minha vida e na dele.
— Desculpa eu ser assim, é que…
— Nick! — eu o paro. — Não peça desculpas por ser assim. Se
você não fosse desse jeito, o meu coração não iria bater da forma como está
batendo. É por você, entenda isso.
— Quero que ele continue a bater dessa forma, linda. É tudo que
mais quero, não quero estragar o que estamos construindo, você não faz
ideia de quantas vezes eu imaginei momentos como esse, não quero botar
tudo a perder, tenho tanto receio de…
— Ei, ei! — Chamo a atenção dele. — Você não precisa ter receio
comigo, Nick. Nenhum. — Digo de forma sincera, olhando profundamente
em seus olhos enquanto sinalizo. — Quero que você se sinta aberto para
dizer tudo para mim, quero que você saiba que não tem que ser bom apenas
para mim, precisa ser bom para você também.
— Não tem como ser ruim para mim. Quero dizer, é você, a garota
que eu sempre quis, é humanamente impossível que seja ruim — ele para
de falar e sinalizar e vejo que suas bochechas ficam vermelhas, tímido pelo
que acabou de confessar.
— Fico lisonjeada por saber que a Maya mandona é a garota que
você sempre quis — pisco para ele e sorrio ao ver que ele dá risada. — E
saiba que eu posso ter descoberto esses sentimentos novos com relação a
você há menos tempo, mas isso não muda o fato de que eu estou disposta a
te conhecer mais, a desbravar esse sentimento. — Aliso seu rosto quando
termino de falar. — Que tal irmos devagar?
— Me sinto um tolo por isso. Quero dizer, quem em sã consciência
pede para ir devagar no sexo?
— Alguém que sabe que a expectativa é a chave do negócio. —
Explico, mas não resisto em provocá-lo de uma forma bem gostosa. — E
alguém que sabe que sempre pode começar lento, e ir aumentando a
velocidade aos poucos. Ou vai me dizer que se eu fizer isso — vou para
frente e para trás em seu colo, em um movimento de vai e vem lento. — É
ruim? Eu posso ir rápido também — me movo, indo bem rápido algumas
vezes e depois volto a me mover devagar. — As duas formas são boas.
— E as duas me deixam excitado — diz ele, apertando minha
cintura e me deixando em cima de sua ereção.
— Gosto de saber disso — sorrio para ele e o beijo, roubando um
selinho demorado, amando a textura de seus lábios junto aos meus. —
Devagar, ok?
— Ok. — Responde ele — Obrigado por entender.
— Obrigada por ser sincero comigo. Promete ser sempre? — Estico
o mindinho para ele e como de praxe, Nick entrelaça ao dele junto ao meu.
— Sempre.
— Ótimo. Agora me beija de novo.
— Caramba, eu adoro a Maya mandona — diz ele antes de me
beijar de novo.
Nós passamos um bom tempo nos beijando, tocando o corpo um do
outro, nos descobrindo aos poucos, entendendo como nós funcionamos.
Nick descobre rápido que eu amo que ele puxe um pouco meus cabelos.
Assim como eu descubro o quanto ele gosta que eu morda seu lábio
inferior. Mas tudo melhora ainda mais quando a falta de ar faz com que eu
tome uma decisão.
Me levanto de seu colo e sob seu olhar atento, eu recolho os pratos e
talheres que usamos, colocando na lava-louças, organizando o restante das
coisas. Quando termino, Nick ainda está sentado no mesmo lugar e eu vou
até ele, estendendo minha mão em um convite, que ele aceita de bom grado.
Andando de costas, eu o conduzo até a escada, os poucos degraus que me
levam até meu quarto. Ouço quando ele ri ao perceber minhas intenções,
amando o som de sua risada, mas gostando mais ainda quando entra em
meu quarto e fecha a porta com seu corpo, me puxando para si.
— Se minha mãe perguntar, nós estávamos fazendo a lição de casa.
Uma risada alta escapa dos meus lábios e eu o beijo rindo, o melhor
tipo de beijo. O tipo de beijo que me mostra, mais uma vez, como uma
relação saudável e gostosa se constrói. Com confiança, com sorrisos soltos,
jantares comuns e escapadas no meio da noite. O tipo de amor que nasce dia
após dia, com calma, devagar, como deve ser.
Mas quando se trata de amor
Eu simplesmente não posso te tirar de minha mente
Can't Get You Off My Mind - Lenny Kravitz

É verdadeiramente bom saber que ir devagar não significa limitar o


que estamos construindo, muito pelo contrário, dizer a verdade a Maya não
mudou o clima entre nós. Em um primeiro momento, quando ela se sentou
no meu colo e nós começamos a nos beijar, mesmo com ela dizendo que as
batidas de seu coração estavam fortes daquele jeito por minha causa, a
insegurança bateu mais forte. Como dizer para ela que as coisas não são tão
simples? Que um simples beijo na orelha poderia ser prazeroso, mas
igualmente causar desconforto?
Mas, então, eu criei coragem para ser sincero e ao invés de ver
frustração em seu olhar, eu vi determinação. Ao invés de me sentir
insuficiente, senti que, junto dela, dizendo a verdade, eu poderia fazer
qualquer coisa. Por isso, neste momento, enquanto estou deitado em cima
dela, beijando Maya e sentindo meus lábios um pouquinho dormentes, eu
não sinto que estou frustrando suas expectativas. Sinto que, quando a hora
chegar, vai ser incrível.
As mãos de Maya deslizam para dentro da minha camiseta mais um
pouco e eu sinto meu pau ficar ainda mais duro — como se isso fosse
possível — quando ela corre a ponta das unhas pela minha pele. Roço meu
corpo no dela e sinto o gemido novamente escapar de seus lábios. Estamos
no escuro, iluminados apenas pela luz que entra da janela dela, que, por
ficar em um andar mais baixo da casa, é iluminada pela luz da rua. Quando
ela me empurra de levinho para cima, ergo o rosto, finalizando nosso beijo,
enquanto a mão direita dela tateia a mesa de cabeceira, até encontrar a
tomada para acender o abajur.
A luz faz com que nós dois fechemos um pouco os olhos para nos
acostumar com a claridade, pisco algumas vezes e, quando olho novamente
para Maya, simplesmente amo a visão que encontro. Os cabelos loiros
espalhados pelo travesseiro, os lábios inchados, o sorriso relaxado. Como é
bom ver que ela estava aproveitando esse momento assim como eu.
— Queria muito que você ficasse aqui mais tempo — ela sinaliza,
sem verbalizar as palavras. — Mas acho que sua mãe ou James chegaram.
Nós dois damos uma risadinha contida e eu decido dizer algo antes
que ela possa pensar algo de errado.
— Espero que você não ache que estou com vergonha do que
estamos fazendo, nem que estou escondendo deles… quero dizer, eu estou
mas…
— Devagar, Nick — Maya pisca para mim — Devagar, as coisas
podem ser muito gostosas, vai por mim.
A forma que ela fala é como se ela riscasse um fósforo e jogasse na
gasolina. Não quero sair desse quarto, ela não está ajudando nem um pouco,
ir devagar é a última coisa que desejo e a maneira como seus olhos
castanhos me encaram demonstram que ela sabe bem disso. A faceta de
Maya Karlsson que me deixa verdadeiramente excitado é incrível e eu não
vejo a hora de conhecer mais e mais esse lado, por isso, eu a beijo mais uma
vez.
Mergulho minha língua dentro de sua boca e me delicio de seu
gosto, da textura dela. Seguro sua cintura com um pouco mais de força,
enquanto massageio seus cabelos com a outra mão. Sinto quando ela ri em
minha boca e eu faço o mesmo, lutando com todas as minhas forças para
me erguer e começar a me afastar.
— Te vejo amanhã? — Pergunto, quando me levanto da cama e ela
responde com um aceno de cabeça, mordendo a pontinha do dedo.
Que inferno de mulher linda e sexy.
— Que tal jantarmos juntos amanhã? Dessa vez por minha conta?
— Maya pergunta, se levanta, jogando os cabelos pelas costas, penteando
os fios para trás. É a visão mais linda do mundo.
— Perfeito — respondo, me referindo ao acordo, mas também, de
alguma forma, a ela.
— Boa noite, Nick. — Sinaliza ela.
— Boa noite, linda — sinalizo de volta, finalmente, criando
coragem para me virar e sair pela porta, fechando a mesma com delicadeza.
Subo as escadas devagar e logo constato que ela estava certa, minha
mãe e James chegaram. Com a rotina dos jogos, James sempre a encontra
depois da partida, ou vice e versa, e eles voltam juntos para casa. Vejo o
carro parado em frente a garagem e ouço, ainda que baixo, os passos no
andar de cima. Subo devagar, torcendo para que nenhum dos dois apareça.
Todavia, eu sou um jovem de dezenove anos, quase vinte, e não
seria tão fácil assim escapar de qualquer um dos dois. Ao subir o segundo
lance de escada, dou de frente com James. Vestido com seu pijama, ele
segura a escova de dentes na boca, James tem o hábito de andar pela casa
escorrendo os dentes, é engraçado. Ele me olha e eu vejo quando dá um
sorrisinho esperto para mim.
Ele sabe. É claro que sabe.
— Sua mãe está tomando banho — sinaliza ele, já que não consegue
falar com a escova na boca. — Ela bem que comentou que a casa estava
silenciosa demais.
— Em minha defesa, eu… — começo a sinalizar e ele me para.
— Nick, sei que eu sou um cara mais quieto, na minha, mas saiba
que me preocupo com você. Quando eu e sua mãe nos conhecemos, eu
prometi a ela que, além de amá-la, eu também iria cuidar de você. Posso
ficar mais na minha, mas não deixo de me preocupar.
— Eu sei disso — digo com um sorriso no rosto.
James e eu temos uma relação boa, sempre tivemos. Ele de fato é
mais quieto, mas isso nunca foi um problema entre nós, pelo contrário. Eu o
respeito muito e sei que ele tem um carinho enorme por mim.
— Se você sabe disso, espero que não ache ruim o que vou te
perguntar — sinaliza ele, fazendo uma pausa. — Estão se protegendo?
Sinto meu rosto queimar diante da pergunta.
— Nós não fizemos…
— Mas farão, vai por mim. — Ele sorri e eu fico ainda mais tímido.
— E pode ser a qualquer hora e em qualquer lugar, então…
— Vou me cuidar, prometo — respondo rapidamente.
James assente e entra no quarto, indo em direção ao banheiro. Eu o
aguardo por alguns instantes e quando ele volta, já não está mais com a
escova na boca.
— Pronto, agora sim — retoma ele, voltando a porta. — Espero que
não se importe com o que eu perguntei, não quero soar invasivo.
— Você não foi — digo por fim. — Obrigado por se preocupar.
— Não tive filhos, Nick, mas você é como um para mim. Sempre
vou me preocupar.
Vou até James e o surpreendo com um abraço, é polido, mas ainda
assim, sincero. Ele me abraça de volta com carinho e quando nos afastamos,
ele sorri para mim.
— Boa noite, garoto.
— Boa noite.
Me despedindo, subo o restante dos degraus até chegar ao meu
quarto, fechando a porta e indo direto para a minha cama. Penso nos
momentos que vivi pouco tempo atrás, nos lábios de Maya, em seu corpo,
na maneira como descobri cada uma de suas curvas, como ela é perfeita em
cada pequeno detalhe. Relembro o gosto de seu beijo, de suas mãos me
tocando e meu pau volta a ganhar vida, ficando duro. Suspiro fundo, não
contando um sorriso sincero.
— Devagar — digo a mim mesmo.
Levanto rapidamente, tiro meus aparelhos, higienizando os mesmo e
os colocando na caixa e quando me deito novamente, além das memórias
físicas, penso nas conversas sinceras que tive no dia de hoje, e como todas
elas me levaram a mais importante: dizer a Maya a verdade. Intimidade
para algumas pessoas pode significar se mostrar vulnerável e eu
compreendo aqueles que têm dificuldade com isso, mas apesar de me expor
para Maya, não me senti vulnerável, não senti que ela em momento algum
me julgou. Senti, mais uma vez, carinho, afeto e cuidado por parte dela.
Tempos atrás, se me falassem que um dia, eu estaria sendo
responsável pelas batidas irregulares do coração de Maya Karlsson, eu teria
desacreditado. Teria desacreditado mais ainda se me falassem que nós
iríamos nos envolver. Talvez até mesmo diria que era um sonho impossível.
Mas, neste momento, olhando para o teto do meu quarto, só consigo pensar
que ainda eu achava um sonho impossível porque, de alguma forma, não
tinha fé em mim mesmo.
Porém, aqui estou eu, sorrindo ao pensar na garota que dorme no
andar debaixo da minha casa, onde passei a última hora dentro, beijando
seus lábios. Quero voltar no tempo e ainda estar dentro do quarto dela, mas
também quero viver os próximos capítulos, desbravar ainda mais esse
sentimento que tem tomado conta do meu coração e do dela. Quero mais,
quero tudo dela. Pego o celular em cima da mesa de cabeceira e, inspirado,
digito para Maya uma mensagem.

Nick: Quando estou com você, fico desejando que o tempo pare, só
para ficarmos mais tempo juntos.
Nick: Mas agora, deitado na minha cama, torço para que as horas
passem rápido.
Nick: Só para te ver de novo :)

No dia seguinte, eu chamo Jordan para almoçar comigo e vamos ao


restaurante que tanto gostamos, é uma forma de agradecer pelo que ele tem
feito por mim e, também, um acordo que temos: uma vez por mês
almoçamos juntos, revezando quem paga a conta. É a minha vez, então eu
deixo que ele escolha entre nossas opções favoritas o que quer comer.
Decido ir para casa ao invés de ficar estudando na faculdade, já que
hoje, excepcionalmente, uma atividade dos calouros está deixando o
campus agitado. Estou indo em direção ao ponto de ônibus quando vejo um
rosto conhecido. É Ana, e ela não está sozinha, mas sim, abraçada com uma
garota que parece ter a nossa idade.
Ao me ver, ela acena e eu vou até as duas.
— Oi, Ana — eu a saúdo.
— Oi, Nick. Faz tempo que não nos vemos — ela me cumprimenta
e me apresenta a garota ao seu lado. — Essa é Lauren, minha namorada.
— É um prazer conhecê-la — estendo a mão para a garota que dá
um sorriso polido para mim.
Vejo que Ana me olha um pouco envergonhada, mas o silêncio não
dura muito tempo, não dou margem para que ela ache que estou bravo com
isso, continuo conversando com as duas normalmente. Pergunto o curso que
Lauren faz e me surpreendo quando ela diz que estuda moda em outra
faculdade, o que se torna perceptível depois que analiso suas roupas,
coloridas e com estampas, de uma forma que combinam e ornam
perfeitamente. Um dos ônibus que ali passam para e as duas se despedem
rapidamente, aceno para Lauren e tanto eu quanto Ana, assistimos a
namorada dela embarcar e partir.
— Espero que você não tenha ficado chateado — Ana, assim que o
ônibus segue seu caminho, chama minha atenção. — Quando nós ficamos,
eu ainda a estava conhecendo e nós não firmamos exclusividade, então…
— Você não precisa se preocupar comigo, Ana. Curtimos juntos, foi
legal, continuo achando você uma garota incrível, mas não há nenhum
problema em você estar namorando.
— Nessas horas, eu entendo porque me encantei por você. — Ela dá
uma risadinha e eu a acompanho. — Você foi o único cara com quem fiquei
depois de um bom tempo.
— Obrigado? — Sinalizo a pergunta e ela ri. — Mas, sério, está
tudo bem. É bom ver você feliz.
— Você também parece bem, se é que me entende — sorrio para
ela, assentindo. — Encontramos uma musa inspiradora para seus livros?
— É… Talvez — respondo por fim.
Ana e eu conversamos mais um pouco até o ônibus dela passar e nos
despedirmos. Pouco tempo depois, embarco no meu, com destino a minha
casa, pensando que, novamente, não vejo a hora de encontrar com Maya.
Enquanto olho o caminho pela janela do ônibus, vendo as gotas de chuva
molharem a janela, penso nas muitas coisas que ainda quero fazer com ela.
Uma ideia se passa em minha mente e eu decido digitar uma mensagem
para ela.

Nick: Estive pensando em uma coisa.

Assim que digito, a mensagem aparece visualizada.


Maya: Eu estava prestes a te digitar uma mensagem :)
Maya: Vou precisar ficar até mais tarde por aqui, preciso ensaiar
com afinco. Errei a coreografia toda hoje…
Maya: Culpa sua.

Leio a mensagem e dou risada.

Nick: O que eu fiz?


Maya: Muitas coisas.
Maya: Ficou me chamando de linda, me preparou um jantar
delicioso, disparou meu coração e ficou me beijando na minha cama.
Maya: Não consegui parar de pensar em você…
Maya: E agora, vou precisar ficar até mais tarde para compensar e
tudo que eu queria era te ver.

Termino de ler as mensagens e sorrio tanto que, em um dado


momento, olho para os lados para ver se alguém está me observando sorrir
e rir sozinho. Das coisas que eu achei que poderiam acontecer esse ano, ter
Maya Karlsson morando no mesmo teto que eu, trabalhando comigo e
agora, mandando mensagens dizendo que quer me ver e que ficou pensando
em mim durante seu ensaio, com certeza, nem mesmo estavam na lista de
objetivos. Mas, se tem uma coisa que eu aprendi com a história dos meus
pais, de seus companheiros e até mesmo de tio Nate e Manu, é que algumas
coisas na vida acontecem sem que sejam planejadas. Muitas vezes, essas
surpresas da vida são as melhores coisas.
Por isso, eu desbloqueio novamente o telefone e teclo uma nova
mensagem.

Nick: Convidados podem assistir seu ensaio?


Maya: Nem sempre, por que?
Nick: Veja se é possível, se der, me avise.
Nick: Isso pode ajudar meu plano a dar certo…
Maya: Você está muito misterioso. Que plano é esse?
Nick: Todos os dias transformamos nossos encontros em
"encontros" ;)
Maya não responde de imediato, mas vejo que a mensagem foi
visualizada, me pergunto se disse algo de errado, mas decido dar um tempo
de dúvida a ela. Alguns minutos se passam e quando estou cogitando
mandar uma nova mensagem, meu celular acende, mostrando uma
notificação.

Maya: Excepcionalmente, hoje, estamos aceitando visitantes.


Maya: Venha com uma roupa confortável, talvez eu convença você
a dançar de novo.
Nick: Você vai precisar ser bem persuasiva para conseguir isso.
Maya: Não duvide de mim, Bennet. Eu sei muito bem ser
persuasiva quando quero :)
Me pegue pela mão
Me leve para algum lugar novo
I'm With You - Avril Lavigne

Termino a última aula do dia e, diferentemente dos demais


bailarinos, ao invés de ir para a saída, caminho em direção a uma sala na ala
próxima ao teatro que temos dentro da academia. Conversei com Marta e
ela reservou a mesma para que pudesse ensaiar. Disse a ela que Nick viria
me assistir e, ainda que desconfiada, ela permitiu que ele viesse. Quando
contei um pouco sobre Nick, que estávamos saindo, mas que nos
conhecíamos há anos e que, para além disso, eu queria fazê-lo ter a
experiência de dançar em uma sala de ballet, ela sorriu de uma forma
diferente, quase cúmplice.
Enquanto me despeço de algumas pessoas, pego meu telefone
celular e digito uma mensagem para Nick, perguntando onde ele está e
decido esperar por ele, próximo a entrada. Antes, tiro minhas sapatilhas,
mas não removo os esparadrapos, já que vou colocá-las novamente em
breve. Decido ir até o banheiro, apenas para ajeitar meu cabelo em um rabo
de cavalo, hoje eu acabei decidindo não fazer um coque, muito porque
demorei para me arrumar pela manhã.
Nick me envia a resposta dizendo que não deve demorar muito e eu
enquanto respondo, não olho para o caminho que faço. Ao me chocar com
um corpo, começo a pedir desculpas.
— Perdão, eu não te vi…
Olho para a pessoa em quem trombei e sinto o sangue esvair do meu
rosto. É impressionante a capacidade do destino de colocar Daniel no meu
caminho quando estou tão bem, como se fosse um lembrete de que a
felicidade está sempre há um fio de se esvair.
— Sorriso solto, Maya — debocha ele. — Deixe-me adivinhar, já
está dando pra outro cara?
As palavras dele me atingem como um soco porque, a forma como
ele diz, cuspindo as palavras, soa como se eu estivesse fazendo algo de
errado, como se eu fosse algo sujo, como se eu estivesse errada por estar
feliz.
— O que eu faço ou deixo de fazer não te convém.
— Você é tão ingrata, sabia? — Daniel mexe nos cabelos loiros e o
cheiro de sua colônia invade minhas narinas, é forte, de uma forma que eu
não me lembrava. — Se não fosse por mim, você nem mesmo teria feito
aquela porcaria de intercâmbio.
“Ele só está tentando te manipular, Maya”, digo para mim mesma,
internamente, essas palavras, antes de respirar fundo, em uma tentativa de
controlar o nervosismo que toma conta do meu corpo.
— Você não pode ver alguém se dando melhor do que você, isso te
fere de uma forma que não é normal, Daniel — digo as palavras com a voz
dura. — Mas, você não vai mais fazer com que eu me sinta que eu não
mereço meu sucesso. Ou que sinta que estou errada por estar bem, muito
menos me fazer duvidar do meu próprio talento.
Tento passar por ele, mas Daniel segura meu braço, me parando no
lugar.
— Não acabei de falar com você.
— Mas eu já. Me solta!
— Já te falei que essa sua pose de boa moça, de superior, não
engana ninguém. Você não passa de uma ambiciosa como todos nós aqui,
você só disfarça melhor — a voz dele é banhada de maldade e ele continua
segurando meu braço.
— Durante muito tempo, eu me importei com o que você falava,
subestimei a mim mesma e, por sua causa, achei que era uma fracassada.
Mas hoje, eu vejo o quanto você é uma pessoa ruim — ele afrouxa o aperto
do meu braço e eu me solto. — Não fiz nada para você despejar essa raiva
toda sobre mim, Daniel. A vida está te mostrando que jogar sujo não
funciona. Você perdeu seu lugar em Gisele, perdeu sua namorada e agora,
de alguma forma, você quer achar um culpado. Mas eu não tenho culpa de
nada, minha verdadeira culpa é não ter percebido a pessoa horrível que você
é.
— Quer palmas agora por essa sua atuação? — Ironizando minhas
palavras, ele bate palmas devagar, de forma não ritmada. — É engraçado,
não é, Maya? Agora que eu estou na pior e você acha que está se dando
bem, eu sou horrível — com a maldade destilada em cada palavra, ele
prossegue. — Você não me achou horrível quando dançamos juntos no
espetáculo da academia, antes de nos formarmos no colégio. Espetáculo
esse que te deu a chance de ir para o intercâmbio.
— Um intercâmbio que você passou semanas me fazendo repensar
se eu deveria ir — respondo, elevando minha voz. — Hoje eu consigo ver a
chantagem emocional que você fez. “Vou sentir sua falta”, “como vamos
ficar tanto tempo longe?” — replico algumas das frases. — E, quando eu
fui, ficava me sentindo culpada por estar longe, dava tudo de mim para
conseguir te ligar, falar com você o máximo de tempo que pudesse.
— Como eu sou uma pessoa horrível por dizer que ia sentir falta da
minha namorada — debocha ele.
— Você me traiu, Daniel. E você nem mesmo mostrou remorso.
— Foi um deslize, Maya. E quer saber? Foi melhor assim, você
nunca me mereceu.
— Quem nunca me mereceu foi você! — Respondo, sentindo a
garganta fechar diante das emoções. Como eu pude não enxergar quem ele
sempre foi?
— Você fala como se eu fosse a pior pessoa do mundo.
— Porque você é. — Minha voz se eleva mais que a dele. — Por
favor, pela última vez, eu não quero mais falar com você, não quero mais
discutir sobre o passado. Sinto muito que as coisas estejam indo de mal a
pior para você, mas isso não é minha culpa. Você é responsável pela sua
vida, me deixe em paz.
— Está tudo bem aqui? — Ouço uma voz ao fundo do corredor e,
quando me viro, vejo quem é, respirando aliviada.
— Ótimo, mais uma — Daniel revira os olhos e desdenha de
Johanna. — Tudo mais do que certo.
— Então por que você não a deixa passar? — Vindo em nossa
direção, Johanna está com sua bolsa pendurada e as sapatilhas em mãos. Ela
para ao meu lado, se colocando de frente para Daniel. — Ela já pediu para
você fazer isso, mais de uma vez, eu ouvi — as palavras dela também vem
carregada de raiva.
— Vai defendê-la agora? — O sorrisinho sarcástico dele banha seu
rosto. — Que lindo. Me conte, desde quando você se importa? Até onde eu
saiba, você não ligou para ela quando decidiu cair na minha cama.
Tanto Johanne quanto eu ficamos chocadas com a forma como ele
fala, jogando nós duas uma contra a outra, nos colocando como vilãs de
diferentes formas.
— Você é sujo — cuspo as palavras com nojo. — Falar do passado
não vai fazer com que você volte a ter o que tanto quer. Nos deixe em paz.
— Você perdeu, Daniel. Você realmente perdeu tudo — Johanna
fala com ainda mais raiva. — Você perdeu ela, perdeu a mim, perdeu Gisele
e perdeu sua chance de nos fazer ser inimigas.
— Eu posso ter perdido agora, mas as coisas não vão ficar assim —
ele dá mais um passo em nossa direção e sussurra entre os dentes. — Se eu
sou esse monstro que vocês adoram dizer, então vocês não viram o meu
pior ainda.
— Está tudo bem por aqui?
É a segunda vez que essa mesma pergunta é pronunciada, mas dessa
vez, não é Johanna. Viro meu rosto só para confirmar que não estou
delirando e que a voz que ouvi é realmente de quem penso. No corredor
principal da academia de ballet, vindo da direção da entrada, vejo Nick
parado.
A feição doce que eu tão bem conheço não está presente em seu
rosto, a expressão dura e os olhos azuis estão escuros, mais do que o
normal. Com passos firmes, ele parece ainda mais alto neste momento,
caminhando sem olhar diretamente para mim ou para Johanna. Ele mantém
os olhos firmes em Daniel e, ao chegar próximo a nós três, ele se posiciona
bem atrás de mim.
— Eu conheço você — diz Daniel, olhando para Nick.
— Bom para você — responde Nick. — Está tudo bem por aqui? —
Pergunta novamente.
Daniel sustenta o olhar de Nicholas por um ou dois segundos, mas
depois intercala o olhar entre nós. Quando ele dá um sorrisinho de lado, sei
que vai abrir a boca para dizer algo horrível.
— Você estudava com ela. — Daniel dá um sorriso maldoso quando
diz essas palavras — Esse é o cara que está comendo você agora, Maya?
Seu ex-coleguinha de escola? Que fofo.
Vejo quando Nicholas dá um passo mais para frente, encostando o
corpo mais um pouco junto ao meu. Sinto a tensão no ar, mas diferente do
que qualquer cara faria, ele não entra na provocação, ele toca minha cintura
de forma leve e faz com que eu o olhe.
— Está sim, ele está indo embora — digo, ignorando a provocação e
respondo para Nick.
— Ele, com certeza, está indo embora — Johanna afirma, com a voz
banhada em ira.
— Ótimo — diz Nick com a voz firme.
Daniel olha para mim, depois para Johanna e por fim para Nicholas,
mas não diz nada. É como se seus olhos tivessem perdido o brilho, só é
possível ver raiva em seu olhar.
— Um espetáculo só acaba quando as cortinas se fecham. E as
cortinas do nosso ainda não se fecharam.
Com a frase enigmática, Daniel passa por nós, trombando nos
ombros de Nick de propósito, mas não recebe nada em troca, apenas a
indiferença. Ouço os passos se afastando e sinto quando Nick toca
levemente minha cintura novamente, me fazendo virar para ele. Johanna
igualmente se vira e logo, somos um roda pequena.
— Você está bem? — Pergunta Nick para mim e depois olha para
Johanna.
— Estamos — respondo, respirando fundo. — Obrigada, Jo.
— Ele está piorando — diz ela, com a voz séria. — Tenho andado
mais atenta por causa dele, fico com medo de sair muito tarde da academia.
Por sorte, estou sempre acompanhada.
— Isso não está certo — alerta Nick. — Eu não sabia que a situação
estava assim.
— Fazia tempo que ele não aparecia — explico a ele. — Eu até
mesmo achei que ele tinha saído da academia.
— Cogitaram expulsá-lo — confessa Johanna —, mas ele tem pais
influentes, a mãe é uma bailarina conhecida, o pai é empresário… Bem,
você sabe — ela dá de ombros enquanto eu assinto — estão tentando
encontrar um novo espetáculo para ele, mas Daniel está com a credibilidade
em baixa, depois de todos os problemas e brigas que arrumou com os
produtores de Gisele.
— O que esse cara quer, afinal de contas? — Questiona Nick com a
voz dura.
Olho para Johanna e ela faz o mesmo, em uma linguagem
silenciosa, nós duas sabemos bem a resposta dessa pergunta.
— Sucesso a todo custo — respondo, sentindo meus ombros caírem
um pouco e as lágrimas quererem inundar meus olhos. — Como eu não
percebi antes a pessoa horrível que ele é? Eu só…
— Linda — Nick toca meu rosto com gentileza. — Não deixe que
ele faça você se sentir culpada por nada.
— Não podemos deixar ele ser maior do que verdadeiramente é,
May — dessa vez é Johanna quem me ampara. — Sei que não temos
intimidade, que eu te causei tudo aquilo, mas, se precisar…
— Eu sei — toco sua mão, apertando a mesma com gentileza. —
Obrigada.
Johanna assente e se despede de nós, deixando apenas a mim e a
Nick parados no corredor. Quando ela some de vista, olho para ele e respiro
fundo, sentindo meu corpo ceder um pouquinho a tristeza.
— Nunca senti isso — ele começa a falar. — Quero dizer, já senti
raiva na vida, mas agora foi diferente. Eu poderia desfigurar a cara dele,
queria bater nele até fazer essa sensação passar, a forma como ele estava
encurralando não só você, como ela — a voz de Nick tem um tom sombrio,
que eu nunca ouvi e que não reconheço. É perceptível que ele está com
ódio.
— Ei — chamo sua atenção, me colocando na ponta dos pés e
tocando seu rosto. — Olha para mim — peço e ele atende ao meu pedido.
— Não posso dizer que estou cem por cento bem, porque sempre que ele
fala comigo, sempre que age dessa forma, me atinge de alguma forma, mas
não quero que ele faça isso com você também.
— Sei que não tenho direito de interferir na sua vida, Maya, sei
disso de todo o meu coração, mas o que eu vi… — pondera ele. — Por
favor, me deixa fazer algo. Me deixa te acompanhar até as aulas.
— Nick…
— Por favor, linda — suplica ele. — Se algo acontecer com você,
nunca vou me perdoar.
Nicholas encosta nossas testas e sinto quando a respiração dele bate
em meu rosto. Fecho meus olhos junto aos dele e sinto meu coração
batendo forte, não só por tudo que aconteceu, mas porque diferente de todas
as coisas ruins lançadas contra mim, do aperto de Daniel em meu braço, das
palavras horríveis e da maldade que ele destila tanto para mim quanto para
Johanna, Nick me dá o completo oposto. Ele me oferece consolo, ele me
oferece carinho, coisas boas.
Amor.
— Tudo bem — digo por fim. — Vamos tentar amanhã, ok? Ver se
seus horários casam com os meus — afago seus cabelos, ainda ficando de
olhos fechados.
— Ok — responde ele, com um suspiro. Ele se afasta devagar e,
com a mão ainda em minha cintura, quando Nick abre os olhos e nossas íris
se encontram, não vejo mais a ira de antes. Seus olhos azuis estão mais
claros novamente, sua expressão parece mais suave e, quando ele sorri, eu o
acompanho. — Posso pedir só mais uma coisa?
— Pode.
— Não vamos deixar ele estragar nosso encontro — quando diz
essas palavras, eu não consigo deixar de sorrir mais um pouco. — Quero te
ver dançar.
A verdade é que essa é a última coisa que quero fazer neste
momento. Estou prestes a abrir a boca para dizer que prefiro ir para casa,
que não me importo com ensaios, mas então, as palavras de Johanna, de
minha mãe e até mesmo de Nick me veem a mente. Deixar o passado no
passado, deixar Daniel no lugar que ele merece, transformá-lo em algo
insignificante.
— Vem — digo para ele, esticando minha mão. — Vou te levar para
meu lugar de paz.
Nick sorri de uma forma que faz meu coração aquecer e então, ele
toma meus dedos e une junto aos seus.
— Me leve para qualquer lugar, linda.
Eu quero sentir o seu toque
Me dê amor como um oceano
Heights - Nick Jonas

Há coisas que, às vezes, você faz por um bem maior, por saber que é
a decisão mais sábia para se tomar, pode não ser a que você
verdadeiramente quer, mas é a que terá melhor eficácia. Como escolher não
tomar gelado quando está frio, não sair de cabelo molhado no inverno, ou,
por exemplo, não correr por cada canto de Estocolmo em busca do ex-
namarado abusivo de Maya e bater em seu rosto debochado e cínico.
Não sou assim, nunca senti algo parecido com isso, mas, nos
últimos tempos, toda vez que Maya me revela a culpa que sentiu por causa
de Daniel, ou que chorou comigo por ter encontrado com ele e escutado
suas palavras duras, a forma como eu sei que ele segurou seu punho outra
vez e a maneira como desconfio que ele tenha segurado ela antes de eu
chegar, todos esses são motivos de sobra para me fazer borbulhar de ódio.
Só de pensar nele chegando próximo dela de novo, sinto que eu poderia…
— Nick? — A voz de Maya me desperta e quando a olho, vejo que
o caminho da academia passou por meus olhos como um vulto, estamos
entrando em uma sala de ballet.
— Sim? Desculpa, eu me distraí.
— Eu reparei — diz ela com a voz doce. — Você parece
incomodado.
— É impressão sua — disfarço e ela dá uma risadinha.
— Essa ruguinha aqui não costuma aparecer com frequência —
tocando minha testa, sinto seus dedos trazendo uma sensação de paz.
— Desculpa, linda — peço a ela, segurando sua cintura de leve. —
Tenho certeza que ela vai desaparecer quando te ver dançar.
— Então vamos fazer isso logo — piscando, Maya fecha a porta,
trancando a mesma e, habituada com o ambiente, ela vai até a parte onde o
sistema de som fica. Com um dos controles, ela liga o ar-condicionado,
apenas para deixar o ambiente climatizado.
— Onde eu fico? — Pergunto, correndo meus olhos pela sala.
— No lugar onde preferir, a coreografia não exige que eu use muito
espaço — explica, vindo em minha direção. — Estou pensando agora que
esse ambiente deve ser completamente novo para você, não é?
— Bastante. Mas eu gosto, tudo serve de inspiração — brinco com
ela, me sentando ao lado de suas bolsas, enquanto Maya se inclina para
remover suas botas. Faço o mesmo e agradeço quando ela as pega e coloca
junto das suas no canto da sala.
— Alguma bailarina ou bailarino nos seus futuros projetos? — Se
sentando ao meu lado, ela começa a pegar suas sapatilhas enquanto eu a
assisto se movimentar.
— Por enquanto, não, só na vida real mesmo — as palavras saem
com leveza dos meus lábios, porque quando estou com ela, me sinto assim.
Leve.
Maya ergue o olhar para mim e sorri, e nossa! Quando ela sorri,
quando Maya Karlsson me olha desse jeito e sorri, é como se tudo fizesse
sentido, se torna completamente fácil entender porque essa garota, de
alguma forma, sempre dominou minha mente. Os sentimentos ruins
desaparecem e tudo que existe aqui é ela e eu.
— Sabe o que eu me toquei só agora? — Maya questiona e deixa o
par de sapatilha que estava na mão no chão, inclinando seu corpo até mim.
— Não te beijei ainda.
— Eu também não.
— Então me beija, Nick.
Com a boca próxima da minha, eu a beijo. Seguro seu rosto com
delicadeza em minha mão direita e toco seus lábios com gentileza,
movendo uma das mãos para seus cabelos, adorando sentir os fios soltos em
seu rabo de cavalo. Peço passagem com a língua e quando a dela toca a
minha, mando todos os sentimentos ruins e a raiva latente para o fundo da
mente, não dando mais espaço para isso.
Eu a beijo mais um pouco e simplesmente amo quando ela começa a
avançar em minha direção, empurrando meu corpo de levinho. Rio em seus
lábios e ela faz o mesmo, mas sou incapaz de pará-la, vou cedendo meu
corpo até que esteja deitado no piso de madeira e sinta Maya sobre meu
corpo, me beijando de forma delicada, mas ainda assim, intensa. Quando
ela começa a diminuir o ritmo, eu faço o mesmo, ainda que queira mais do
que tudo que ela continue exatamente onde está. Ao se afastar, abro os
olhos e vejo as íris castanhas dela, seu nariz levemente arrebitadinho, as
bochechas fofas que eu tanto gosto. Terrivelmente perfeita. Especialista em
fazer meu coração descompassar.
— Agora sim — diz ela, dando um beijinho rápido na minha boca.
— Oi, Nick.
— Oi, linda — eu a saúdo, sorrindo pela forma como ela parece
bem melhor e da forma como eu deveria tê-la encontrado antes: feliz.
— Sinto que agora conseguirei ensaiar melhor — piscando, ela se
levanta de cima do meu corpo. — Obrigada.
— De nada — rio para ela e puxo um pouco a calça de moletom que
estou usando, no intuito de evitar que minha ereção fique muito aparente.
Me ajeitando, vejo que ela olha para mim, com uma expressão um pouco
indecifrável. — O que foi?
— Nada, só algumas ideias — explica, mas balança a cabeça,
voltando a se sentar. — Você não trouxe um livro ou algo para fazer
enquanto ensaio?
— Claro que não, por que faria isso?
— Porque me assistir dançar uma vez eu até entendo, mas vou
repetir a coreografia uma quantidade boa de vezes, uma hora você vai
cansar.
Enquanto conversa comigo, Maya volta a pegar suas sapatilhas e
uma necessaire, não olhando diretamente para mim, por isso, ela não vê
minha expressão de bobo apaixonado quando diz essas palavras. Ela,
realmente, não tem dimensão do quanto estar perto dela para mim não é um
sacrifício, mas sim, um privilégio.
— Eu duvido muito que eu seja capaz de me cansar — é tudo que
digo.
Erguendo o rosto, Maya faz um biquinho fofo e segue com sua
preparação. Como o bom curioso que sempre fui, pergunto o porquê ela
coloca mais esparadrapos, reforçando os da ponta do dedão do pé e, dessa
forma, ela inicia uma conversa interessante sobre como funcionam as
sapatilhas de ponta. Ela me conta que cada bailarina tem sua forma de
adaptar os pares, mostra a costura que ela costuma fazer na ponta, que eu
nunca havia reparado, bem como me explica sobre as fitas, que cada
bailarina costura, assim como o elástico que ajuda a manter a sapatilha
firme nos pés. Devidamente calçada, Maya se coloca de pé e eu observo
suas ações, mas minha expressão neutra se torna levemente surpresa quando
ela começa a tirar a blusa de moletom que está usando, bem como a calça
que está vestindo.
— Isso não é um striptease, eu prometo. — Explica ela, quando vê
minha cara surpresa — Pelo menos não ainda.
Com uma piscadinha, ela deixa as roupas e bolsas em outro canto da
sala e eu acompanho seus passos, admirando a beleza pura e simples de
Maya. Todas as vezes em que a vi dançar, ela estava usando os tutus, ou
mesmo saias de ballet, mas agora, ela está apenas de collant e com a meia-
calça por cima. Consigo ver seu corpo com detalhes, as pernas torneadas, a
bunda nem tão pequena, mas nem tão grande, assim como seus seios,
contornados pelo tecido justo. Parada em frente a parede de espelhos, ela
apoia as duas mãos na barra e então começa a descer e subir na ponta.
Há um silêncio confortável entre nós. Eu me acomodo no fundo da
sala e simplesmente a assisto. Eu a olho como ela deve ser olhada, com
adoração, como se fosse um privilégio assistir seus ensaios, porque de fato
é. Quando ela termina de se aquecer, vira para mim e dá uma piscadinha,
indo até sua bolsa e pegando um leque. Imagino que o objeto faça parte da
coreografia e então, ela vai até o sistema de som e coloca a música. Ela
pega o final de uma melodia e então, se posiciona no canto da sala, o
silêncio entre uma música e outra é o tempo necessário para que ela me
olhe pelo espelho. Sorrio em incentivo e ela responde ao mesmo.
E, então, ela se transforma.
Quando o som da harpa começa, Maya caminha na ponta dos pés,
abre e fecha o leque algumas vezes, se posiciona no centro da sala quando a
melodia começa. O toque suave, mesclado com a leveza de seus passos e
sua beleza fazem com que eu fique completamente hipnotizado. A
sequência que vem é ela movendo as pernas uma a uma, ficando na ponta,
dobrando e depois movendo a mesma para trás, o que faz com que ela vá
andando no ritmo da música. É como se ela estivesse dentro de uma caixa
de música, dançando perfeitamente.
É uma das coisas mais lindas que já vi em toda minha vida. A
música termina e estou prestes a bater palmas quando uma melodia mais
rápida começa, Maya deixa rapidamente o leque em um canto e então, ela
começa a girar sobre o mesmo eixo, rápidas e repetidas vezes, é
simplesmente eletrizante a forma como ela gira, gira e gira sem parar, sem
perder o equilíbrio. Quando a música acaba, ela para na ponta dos pés em
perfeito equilíbrio.
— Você é perfeita! — É a única coisa que consigo dizer quando ela
desce da ponta e me olha no espelho, o momento em que eu entendo que
posso falar com ela, sem tirar sua concentração.
— Não foi tão ruim — diz ela dando de ombros, enquanto sinaliza
—, fiz pior durante o dia de hoje.
— Esse é o pior? — Seguro a risada. — O que é considerado o
perfeito?
— Vai por mim, quando eu dançar certo, você vai ver. — Maya
inclina o corpo para frente, se alongando. Virando o rosto para mim, ela
volta a falar. — Estou com o corpo tenso, duro. Realmente preciso de uma
massagem, um dia para relaxar.
Mentalmente, penso que eu poderia me voluntariar para relaxá-la,
mas sei que ela está falando sobre relaxar de outra forma, por isso, controlo
minha língua dentro da boca.
— Tem certeza que você não quer nada para te distrair? Eu
realmente preciso ensaiar.
— Você é distração o suficiente, acredite — pisco para ela, enquanto
sinalizo e Maya ri, revirando os olhos um pouquinho. — Se serve de
consolo, posso ler pelo celular.
— Tive uma ideia melhor — indo novamente até sua bolsa, ela abre
a mesma, se inclinando e procurando entre suas roupas algo. Quando
encontra, ela solta um "achei", baixinho. — Aqui.
Ela me estende um aparelho Kindle e eu sorrio.
— Conheço bem isso aqui — brinco, aceitando o aparelho e
olhando para a tela, reconhecendo na mesma hora o título. — Está lendo
suspense?
— Uma amiga minha de Copenhagen me viciou nessa autora — ela
aponta para a tela, enquanto sinaliza, se inclinando para ficar mais próxima
a mim. — Não sei se você conhece.
— Já ouvi falar, mas nunca li esse — explico, clicando no botão que
liga o aparelho.
— Eu terminei hoje, adorei. Acho que você pode gostar, pode te
inspirar e, neste momento, te distrair um pouco, para não se tornar tão
monótono me assistir.
— Nada que você faz é monótono — digo de forma sincera.
— Você realmente sabe como melhorar meu dia, Nick — me dando
um selinho rápido ela se coloca de pé. — Mais uma hora de ensaio e aí
estaremos livres, ok?
— Sem pressa, linda.
Maya assente e vai novamente até o sistema de som, vejo quando
ela coloca em repetição a música e se posiciona no mesmo lugar da sala,
recomeçando a coreografia. Apesar de não haver nada no mundo que eu
queira mais do que passar a próxima hora olhando para ela dançar, não
quero fazer desfeita ao fato de que ela me ofereceu seu Kindle e, para além
disso, passo os olhos pela sinopse e me interesso pelo tema. Então, pela
próxima hora, eu intercalo meus olhos entre Maya e o livro que tenho em
mãos.
Tempos depois, eu não saberia dizer quanto, estou um pouco
distraído quando a música recomeça, mas ouço o baque da sapatilha de
Maya batendo no chão e quando ergo os olhos da tela, vejo que ela está
desligando a música do aparelho.
— Já terminou? — Pergunto, desligando o Kindle e me colocando
de pé.
— Já? Fiquei mais de duas horas ensaiando — explica ela, com um
sorrisinho no rosto. — Ainda bem que você se distraiu ao ponto de não
perceber.
— Eu poderia assistir você dançar por muito mais tempo — encurto
os passos que nos distanciam e quando ela se coloca a minha frente, eu a
abraço. — Você é linda.
— Confia em mim — massageando meus cabelos, ela olha para
mim com ternura. — Você é ainda mais lindo, Nick.
Sorrio sem jeito, mas amo quando ela beija meu sorriso, começando
pelo canto direito da boca, depois o esquerdo, para enfim, beijar meus
lábios. Dessa vez, o beijo ganha fôlego logo no começo, minhas mãos
seguram sua cintura de forma firme e Maya puxa meus cabelos com um
pouquinho mais de força. Não controlo quando minha mão direita começa a
subir por seu corpo e simplesmente amo quando a mão dela encontra a
minha e a coloca em cima do seu seio.
— Eles não são grandes, mas…
— Mas nada.
Eu a interrompo e massageio o mesmo, sentindo o mamilo
endurecer em minha palma. Maya não está usando sutiã e eu começo a ficar
ainda mais excitado, a forma como ela me envolve, como nosso beijo é
perfeito, como qualquer coisa que ela faça me faz delirar, só aumenta as
fantasias em minha cabeça.
— Nick? — Com os lábios ainda nos meus, ela me chama.
— Oi? — Me afasto, para que ela possa falar.
— Sei que falamos sobre ir devagar — explica ela, apenas
sinalizando —, mas eu queria testar uma coisa.
Sinto meu coração errar as batidas, mas verdade seja dita, eu a quero
tanto que chega a doer. Eu quero Maya há tanto tempo que me pergunto o
quão devagar precisamos ir, parece algo muito mais torturante continuar
nesse processo do que simplesmente me arriscar.
— O que quer fazer? — Pergunto.
Maya sorri e então, me surpreendendo, ela se afasta, indo até o
sistema de som, mexendo no celular, deslizando o dedo pela tela. Vejo
quando ela morde a ponta do dedinho, de um jeito fofo, mas igualmente
sexy, como fez na outra noite e então, uma melodia lenta começa a tocar.
Caminhando novamente até mim, ela apenas sinaliza.
— Me acompanha.
Fico com os braços duros ao lado do meu, sem saber o que fazer,
mas então, Maya chega até mim, parando a minha frente. Nossos corpos
estão a um fio de distância, mas ainda assim, eu consigo acompanhar seus
lábios se moverem.
— Está tudo na forma como você me olha — diz ela. — Mantenha
os olhos em mim e você vai saber o que fazer.
Maya segura meus braços e os ergue para cima, unindo nossas
mãos acima da cabeça e então, ela se coloca na ponta dos pés e vejo quando
ela começa a se balançar de um lado para o outro. Eu a acompanho,
olhando para seus olhos, mantendo nosso contato visual e então, começo a
entender o que ela quer. Maya quer mostrar que somos capazes de nos
comunicar apenas pelo olhar e, de alguma forma, eu percebo que está certa.
Conforme começo a me balançar, tentando sincronizar meu movimento
junto ao dela, ela começa a descer nossas mãos e quando as solta, eu sei
para onde elas devem ir.
Envolvo seu corpo com um braço e ergo seu corpo do chão, apenas
um pouquinho, o suficiente para ela que seja sustentada apenas por mim.
Com nossos rostos, agora, colados, bochecha com bochecha, eu sigo nos
balançando, adorando sentir seu perfume, me deleitando da melodia sexy
que toca nas caixas de som, que fala sobre querer a outra pessoa.
É como me sinto em relação a ela. Quero Maya.
Coloco ela novamente no chão e quando faço isso, toco seu rosto
com a mão e trago sua boca junto da minha. Entretanto, o beijo não dura
muito, porque Maya afasta os lábios do meu e se vira de frente, encostando
suas costas em meu peito, olhando para frente. Encontro seu olhar no
espelho e quando isso acontece, a atmosfera muda ainda mais.
Principalmente quando ela apenas move os lábios, dizendo uma frase curta
mas que me faz perder o ar.
— Me toca.
Sigo olhando para ela pelo reflexo do espelho e quando Maya ergue
o braço, envolvendo meu pescoço, eu aproveito o contato para alisar sua
pele, para tocar cada parte, deslizando meus dedos com sutileza, adorando
ver que ela se arrepia. Delineio seu corpo, tocando a lateral de seu seio e
indo mais além, tudo isso, olhando fixamente para ela através do vidro.
Quando chego na costura de sua meia-calça, Maya suspira, abrindo um
pouquinho a boca e, na sequência, balança a cabeça, assentindo, me dando
permissão para continuar.
Não sei se é ela, a música ou fato de que o espelho está ajudando
neste momento, porque consigo ver suas reações, suas expressões, mas
quando minha mão esquerda adentra a meia-calça rosa, me sinto mais do
que capaz de ir além. Desço mais, encontrando o meio de suas pernas e
enlouquecendo ao ver a boca de Maya se abrir ainda mais. Ela repousa a
mão livre em cima da barriga e então, desce a mesma até encontrar a minha,
no meio de sua perna. Olho para a região através do espelho, mas quando
meu olhar sobe e encontra o dela novamente, ela repete o comando.
— Me toca.
Ela me ajuda a afastar o tecido elástico do collant e eu sinto não
apenas ele como o de sua calcinha. Em segundos, não há mais nenhum
pedaço de tecido separando meus dedos da pele dela. De sua boceta. Sinto
seus lábios molhados e começo a passar dois dedos de forma delicada pela
região, sentindo sua textura, entendo como seu corpo funciona. Quando
meu indicador toca seu clítoris, eu preciso me segurar para não morrer de
tanto tesão. Maya encosta a cabeça em meu peito, fazendo com que nossos
corpos fiquem ainda mais colados. Intercalo meu olhar entre o espelho e o
rosto de Maya, inclinado para cima, mas tudo só melhora quando começo a
fazer movimentos circulares e sinto o corpo dela se mover junto da minha
mão, no ritmo da música.
Penso na possibilidade de alguém nos flagrar, mas não consigo
parar, não posso parar. Sinto quando Maya usa a mão que não está em meu
pescoço e aperta minha coxa. Olho para frente e vejo seu rosto, no mais
puro prazer refletido no espelho, então, ela move os lábios.
— Dedos.
Ela não precisa dizer mais uma vez.
Circundo com o dedo do meio sua entrada, sentindo o quanto ela
está molhada e então, eu a penetro devagar, sentindo meu pau ficar um
pouco mais duro quando ela abre a boca e solta um gemido alto. É neste
momento que tomo coragem para falar com ela, para me comunicar em um
momento que sempre pareceu tão difícil de fazer isso. Movo minha boca
para seu ouvido direito e sussurro.
— Você precisa gemer baixinho, linda — falo e então, entro mais
fundo com o dedo do meio em sua boceta. — E não esquece, olha para o
espelho.
Ela faz o que eu peço e quando nossos olhos se encontram, eu a
penetro com mais um dedo, fazendo movimentos de vai e vem enquanto
massageio com o polegar seu clítoris.
Maya luta para ficar com os olhos abertos, mas o faz, porque sabe
que o nosso contato visual é essencial nesse momento, principalmente
quando ela diz mais um comando.
— Mais rápido.
Aumento a velocidade, sentindo sua lubrificação facilitar cada vez
mais a forma como meus dedos entram, saio e entro com uma velocidade
deliciosa, sentindo minha mão doer, mas não há a menor chance de parar.
Quero vê-la gozar, quero ser capaz de dar prazer a ela.
Maya começa a apertar mais minha perna e cada vez mover seu
quadril de encontro aos meus dedos, os olhos estão abertos, mas noto
quando ela começa a reviver as orbes, entregue às sensações. Pela primeira
vez, eu sinto que posso dizer algo que a incite a chegar ao seu ápice, por
isso, eu acelero também os movimentos do meu polegar e falo ao pé de seu
ouvido, sustentando seu olhar no espelho.
— Goza pra mim, linda.
E ela faz. Com mais alguns movimentos de vai e vem, sua boca
aberta no mais perfeito arco, seus músculos internos apertam meus dedos e
eu sinto seu líquido escorrer em meus dedos. O corpo de Maya fica mole e
eu a sustento. Sorrio tanto diante da imagem dessa garota satisfeita, por
minha causa, que não sou capaz de explicar a forma como me sinto.
Vou guardar esse momento para sempre dentro de mim.
Removo meus dedos de dentro dela, ajeitando o tecido da calcinha e
do collant novamente no lugar e quando tiro minha mão de dentro de sua
meia-calça, eu a viro para mim, sentindo meu coração bater ainda mais
rápido ao ver a forma como ela me olha. As íris castanhas brilham, ela tem
a feição relaxada, mas ao mesmo tempo, é como se ainda quisesse fazer isso
mais muitas e muitas vezes. É exatamente como me sinto. Com a umidade
ainda presente em meus dedos, ela pega meus dedos e prova seu gosto,
chupando-os devagar.
Um gemido escapa da minha boca conforme eu observo sua boca
chupar o indicador e o médio, soltando com um estalo. Meu corpo queima
com a visão.
— Correr perigo nunca foi tão bom quanto agora — Maya brinca,
ficando novamente na ponta dos pés para me beijar. — Quem diria que eu e
você poderíamos cometer loucuras?
— Se você quiser cometer loucuras assim outras vezes… — deixo
no ar a frase, não é uma pergunta feita com todas as letras, mas a depender
de sua resposta, vou saber se ela realmente gostou.
— Ah, Bennet — Maya mexe em meus cabelos e volta a falar. —
Tem muitas outras loucuras que estou mais do que disposta a cometer com
você.
Sorrio para Maya e roubo mais um beijo de seus lábios, mostrando
com esse gesto o que ainda vou dizer a ela com todas as letras. Tem muito
ainda que quero dizer a essa garota, muitas coisas mesmo, mas neste
momento, sinto que há algo verdadeiramente importante a dizer.
— Obrigado por isso.
— Você está me agradecendo por me dar um orgasmo?
— Estou agradecendo por você me mostrar que eu era capaz de dar
prazer a uma garota.
Digo isso sem vergonha de admitir a verdade, de mostrar a ela o
quanto algo como esse momento pareceu impossível, como me bloqueou de
viver, como eu me achava incapaz, mas neste momento, me sinto
suficiente.
Nossos olhos permanecem um no outro, como ela estivesse me
transmitindo uma mensagem e eu faço mesmo.
— Nick — me chamando, ela toca meu rosto com gentileza. — Não
existe absolutamente nada que você não seja capaz.
Ao dizer essas palavras, eu a beijo de novo, sentindo meu coração
bater descompassado, constatando mais uma que nada entre mim e Maya
pode ser ameno, absolutamente. Essa garota detém cada pedaço de mim e
eu estou disposto a dar tudo para ela.
Em seus olhos, ela viu a verdade
Era como se as histórias ganhassem vida
Como se a imaginação virasse realidade

Em seu sorriso, ela viu sinceridade


Em um mundo de mentiras
Ela viu veracidade

Em seus lábios, ela encontrou amor


Uma forma pura de um sentimento
Que muitas vezes ela confundiu com dor

Em suas palavras, ela encontrou o que precisava


Ela encontrou o que lhe faltava

E quando ele a olhou


Ele encontrou o que sempre procurou

Encontros,
Por Nicholas Bennet
Eu tenho um coração jovem
E ele é selvagem e livre
E não sei por onde começa
Mas termina com você e eu
You and Me - Niall Horan

Minha mãe costumava dizer que se apaixonou pelo meu pai através
do olhar dele. Eu sempre achei a coisa mais romântica do mundo, quero
dizer, imagine se conectar com uma pessoa ao ponto de apenas ao olhar,
você compreender o que não está sendo dito, saber o que ela está sentindo.
É algo que, verdadeiramente, exige conhecer seu parceiro ou parceira.
Com meu primeiro namorado, nós éramos muito novos, o namoro
não durou muito, nós nem mesmo tivemos a chance de conhecer um ao
outro a esse ponto. Com Daniel, por sempre estarmos juntos, a conexão
pelo olhar não era forte, não era do mesmo jeito que minha mãe falava. Em
um dado momento, eu achava que algo assim não poderia acontecer
comigo.
Eu não poderia estar mais enganada.
Porque, enquanto eu caminho pelo salão do LeBlanc's, atendendo da
melhor forma que posso, todas as vezes que ergo meu rosto e olho na
direção do bar, eu encontro os olhos de Nick sobre mim.
A nossa rotina depois de terça-feira nos atropelou como um trator.
Eu precisei ficar mais tempo ensaiando ao longo da semana, Nick ficou
ocupado com seu trabalho nas redes sociais, a faculdade e sua família.
Hannah pegou um resfriado que a deixou de repouso, o que demandou tanto
de James e de Nick um pouco mais de atenção e cuidado. É fato que não
tivemos muitos mais momentos sozinhos, a não ser pelas idas e voltas da
academia de ballet.
Depois do incidente com Daniel, não houve forma de fazer Nick
desistir da ideia de me levar e me buscar, e, de certa forma, não consegui
recusar a oferta. Com a rotina agitada, esses foram os momentos que
conseguimos ficar juntos, de conversar, de nos beijar, um pouquinho que
seja. Nick me contou sobre seu pico de criatividade com a nova história e
eu me diverti com as discussões de roteiros e ideias ao longo das idas e
vindas.
Enquanto anoto o pedido que uma mesa grande de homens
engravatados faz, sorrio para eles, não apenas por educação e simpatia, mas
porque, ainda que esteja focada no trabalho, minha mente vagueia pelos
momentos tão comuns, mas igualmente bons que Nick e eu compartilhamos
ao longo desse tempo que estamos convivendo juntos em quase todos os
lugares.
— Posso confirmar o pedido de vocês? — Pergunto, anotando a
última parte antes de recitar novamente. — Duas porções de asinha de
frango, com molho garlic e barbecue, uma porção de nachos com queijo e
outra com queijo e carne e seis cervejas. Certo?
— Jä! [13]— confirma o homem de meia idade que está na ponta. —
Täck så mycket.[14]
Agradeço a eles, avisando que já trago as bebidas e vou em direção
ao balcão, para registrar o pedido em um dos computadores. Pelo caminho,
brinco com uma das atendentes mais antigas, passando pela mesa do black
jack, dando uma piscadinha para ela, chegando ao computador. Registro o
pedido, evitando a todo custo olhar para onde Nick está. Me pergunto se
alguém já notou o que está acontecendo entre nós nos últimos tempos, mas
verdade seja dita, eu não poderia me importar menos com isso.
E, ainda que não esteja olhando para ele, eu me lembro das palavras
da minha mãe, sobre sentir essa conexão, porque, de alguma forma, eu sinto
que ele está me olhando. Incapaz de resistir, eu ergo o rosto rapidamente,
enquanto ainda bato na tela do computador para registrar o pedido,
encontrando o rosto de Nicholas olhando em minha direção. Nossos olhares
se encontram e eu sorrio para ele. E nas íris azuis, mesmo que a certa
distância, eu sou capaz de reconhecer o que ele está pensando. Em nós. Em
nossos beijos, no que vivemos no começo da semana.
Vejo desejo e saudade misturados.
Respiro fundo, balançando a cabeça um pouquinho e então, com o
pedido computado, pego uma bandeja e vou para onde Nick está.
— Seis cervejas — eu peço a ele, falando e sinalizando.
— É pra já — responde, enquanto faz uma brincadeira, pegando
alguns copos e fazendo uma malabarismo. — Mais alguma coisa?
— Não, só isso mesmo — faço um biquinho fofo e me inclino no
balcão.
Vejo o olhar de Nick acompanhar meu movimento e noto quando ele
umedece o lábio inferior. Será que ele tem noção do quanto isso é sexy?
— Tenho um pedido para te fazer — a voz dele me desperta do
devaneio de observar sua boca.
— Qual?
Terminando de servir dois copos ao mesmo tempo, Nicholas os
coloca na bandeja que está a sua frente e se inclina, para falar próximo a
mim.
— Quero que me encontre no meu lugar secreto na sua pausa —
recita ele com a voz um pouco mais rouca. — Que, se eu não estou
enganado, é daqui meia hora, certo?
— Isso — assinto, mas, incitada pela forma como ele faz meu
estômago gelar diante do pedido, eu o provoco. — Posso saber qual o
motivo?
Nick morde a parte interna da bochecha e pela primeira vez, eu vejo
um brilho diferente em suas íris, o que só se intensifica quando ele termina
de servir mais dois copos e chega ainda mais próximo a mim.
— Quero quebrar a promessa que fiz para minha mãe, de não usá-la
para outras coisas.
— Que outras coisas? — Eu o instigo, adorando a conversa nas
entrelinhas que estamos tendo.
— Várias coisas — responde. — De preferência envolvendo pouca
conversa e essa sua camisa no chão.
Encaro Nick com surpresa, não apenas por suas palavras, mas pela
maneira como ele diz isso como uma promessa, como se ele realmente
estivesse planejando tirar minha camisa, quebrar uma regra que ele fez com
a mãe. Sei o quanto obedecer os pais é importante, respeito Hannah e sei
que Nick também, mas…
Somos jovens. E tudo que eu mais quero é beijá-lo.
— Bom, vamos ver — digo a ele, pegando a bandeja e a
equilibrando nas mãos. — Vamos ver meu chefe me libera.
Pisco para Nick e me viro dando uma risadinha, ouço quando ele faz
o mesmo e me viro rapidamente para olhá-lo, e não consigo controlar meu
coração bater um pouquinho mais rápido quando vejo o sorriso que ele abre
para mim. É isso que significa se apaixonar por alguém? Porque se for, eu
não quero nunca que essa sensação passe.
Mas, mais do que isso, neste momento, tudo que eu mais quero é
que trinta minutos passem rápido.
Durante o restante do tempo, tento dar o meu melhor para focar no
trabalho, mas constantemente, me pego olhando para o relógio em meu
pulso, conferindo as horas, aguardando ansiosamente pela minha pausa.
Atendo alguns casais, um deles em especial, em um primeiro encontro e
acho fofa a forma como eles dão beijinhos discretos, como se estivessem
sendo vigiados. Penso no quanto quero fazer o mesmo com Nick e olho
mais uma vez para o relógio.
Quando, finalmente, chega a hora da minha pausa, meu estômago
tem várias borboletas voando e a expectativa é uma crescente dentro de
mim. Nick não está no bar, ele saiu alguns minutos antes. Passo por Derick,
avisando que vou para a minha pausa e distraído, ele não diz nada além de
um tudo bem. Acho que estamos bem no quesito descrição. Faço o
caminho que leva até a parte administrativa do bar e quando chego ao
corredor curto onde a sala de Hannah fica, vejo Nick parado ao lado da
porta de seu esconderijo secreto.
Com os braços cruzados e o pé sutilmente apoiado na parede, tomo
alguns instantes para admirá-lo. Nicholas é alto, ele deve ter mais de um e
oitenta com certeza, o que faz sentido, já que seu pai também é muito alto.
Os cabelos são loiros mais escuros que os de Dave, mas os olhos são azuis
em um tom mais acinzentado, mais parecidos com os de Hannah. A camisa
que ele está usando, igual a minha, está dobrada nas mangas, deixando os
antebraços expostos. Uma das coisas que mais gosto quando ele deixa essa
parte exposta é que as veias dos braços, que são mais proeminentes, ficam à
mostra.
Eu não sabia o quanto gostava disso até botar reparo em como isso é
sexy em Nick.
— Seu chefe te liberou? — A voz dele sobressai o silêncio
confortável no corredor e eu sorrio quando chego perto dele.
— Liberou — respondo, chegando até ele. — Mas, neste momento,
não quero pensar nele.
— Nem eu.
Nick segura minha mão e abre a porta da sala, me puxando para ela
e antes mesmo de fechá-la, sua boca está na minha. É um beijo urgente que
mesmo afobado, não deixa de ser delicioso. Rio da forma como ele me
segura firme com seus braços, mas a graça acaba quando ele nos vira,
fazendo com que eu esteja com as costas apoiadas na madeira da porta e seu
corpo grande prensando o meu.
— Não consigo parar de pensar em você — beijando minha boca,
Nick começa a mover os lábios para meu rosto, indo em direção ao meu
pescoço.
— Eu também — com a voz ofegante, me deleito da forma com que
ele me beija com mais força, sugando minha pele.
Com uma das mãos em minha cintura e a outra em meus cabelos,
sinto quando ele começa a subir a mesma por meu corpo, passando por
cima dos meu seio direito, arrancando um suspiro dos meus lábios,
principalmente quando ele chega até os botões.
— Posso? — Pede, com a boca próxima ao meu ouvido.
Assinto, adorando esse lado mais sexy, ousado e tentador de
Nicholas Bennet. Ele abre os botões de forma lenta, até chegar nos quatro
finais, afasta o tecido um pouco e suga a pele do meu pescoço mais uma
vez antes de se afastar para me olhar.
E droga! A forma como ele me olha, ele não precisa dizer nada, tudo
está sendo dito em seu olhar. Um misto de surpresa com tesão, com desejo e
adoração. Eu adoro me sentir adorada por esse cara.
— Estou quebrando muitas regras ao estar aqui com você aqui,
dessa forma — diz ele, envolvendo com a mão esquerda meu pescoço,
fazendo um carinho delicado.
— Desculpa — peço.
— Não se desculpe, linda. Eu quebraria todas as regras do mundo
para fazer muito mais do que isso — suspira ele. — Mas, mesmo que não
possamos, vou me contentar com esses minutos que temos.
Nicholas pisca e então, me surpreendendo, ele abaixa a cabeça e
beija o arco dos meus seios. Não sei se é a sensação, de estar com pressa, se
é a expectativa ou talvez a falta que senti dessa maior proximidade com ele
ao longo da semana, mas quando os lábios dele tocam minha pele dessa
forma, um gemido escapa dos meus lábios, só o instigando a ir além.
Quando ele afasta o tecido, expondo meu seio direito, eu me derreto ao
sentir o hálito dele em meu mamilo e quando ele suga o mesmo… Eu vejo
estrelas. Meu corpo automaticamente vai mais para frente, precisando de
mais contanto de ele, precisando de mais dele. Arqueio, colocando meus
seios mais em seu rosto, segurando seus cabelos e deixando a cabeça de
Nick no lugar que tanto quero.
Ele lambe, suga e dá uma leve mordida, indo na sequência para o
esquerdo. Sinto minha calcinha ficar molhada, mas essa é só mais uma
coisa que esse cara tem feito comigo com uma frequência deliciosa. Quero
mais dele, quero ouvir suas histórias, quero ser a responsável por seus
sorrisos fofos e doces, mas também quero ser a responsável por fazê-lo
gemer. Ele assopra meu mamilo esquerdo e eu não resisto em puxar seus
cabelos um pouquinho mais, para trazer sua boca junto a minha. Com os
lábios abertos, eu mergulho minha língua, sentindo seu gosto e amando o
nosso amasso no intervalo do trabalho.
— Você é uma caixa de surpresas, Nick.
— E você, definitivamente, é a minha ruína — diz ele contra meus
lábios, arrancando uma risada, mas também um suspiro quando ele
massageia meu seio com a mão.
Nós continuamos nos beijando por mais um tempo, aproveitando
nossa pausa, tocando um ao outro, conhecendo mais de nós mesmos, dessa
nova versão. Mas então, nosso momento acaba quando sinto o bolso de
Nick vibrar.
— Meu celular — diz ele, pegando o aparelho e erguendo para
mostrar que nossa pausa acabou. — Não é engraçado?
— O que? — Pergunto, quando ele se afasta e começo a colocar
minhas roupas no lugar.
— Você e eu moramos sobre o mesmo teto, estou te levando e
buscando no ballet, trabalhamos no mesmo bar, mas ainda assim, não
parece suficiente. — Explica ele, massageando seus cabelos, mas não
deixando de correr os olhos pelos meus movimentos, enquanto eu ajeito o
sutiã e minha camisa, fechando os botões. — Nem nos separamos e eu já
quero que estejamos juntos de novo.
Termino de fechar minha camisa e movo minha mão direita para
seus cabelos, massageando os fios e descendo a mesma até seu rosto, dando
um beijo casto em seus lábios, adorando saber que, assim como eu, ele
também quer estar por perto, que não parece o suficiente. Nunca.
— Acho que precisamos ficar mais juntos, para ver se essas
saudades acabam.
— Sei que parece que te chamei aqui só para, bem… — ele coça a
nuca e eu acho engraçado sua expressão.
— Para dar uns amassos? — Completo. — Bom, se for só isso,
quero que saiba que não me importo. Nem um pouco, quero dizer… como
você beija bem. Cara de bonzinho e de quem beija bem.
— É, a Ellie pelo jeito sabia das coisas — Nick pisca para mim e
então, é a minha vez de corar de vergonha.
— Claro que você ouviu — constato, segurando uma risada sem
graça.
— Ouvi e torci para que ela estivesse certa, para que você
comprovasse essa teoria.
— Vai por mim, você passou com um dez, honras e méritos nesse
quesito — brinco com ele. — Mas, me diga, se você não me chamou só
para isso, você me chamou para…
— Eu queria perguntar se você quer ir comigo ver o jogo do Louis
amanhã— explica ele. — Prometi que iria assisti-lo. Ele reclamou que faz
tempo que não nos encontramos e que se recusava a me ver apenas no meu
aniversário.
— É verdade! — Dou um tapinha na testa ao me lembrar que o
aniversário dele está perto. — Já pensou o que quer fazer na data?
— Não sei. James vai jogar numa cidade mais ao sul, ainda não sei
se minha mãe vai, mas de qualquer forma, o domingo, que é a data mesmo,
será um almoço com a minha família na casa do meu pai.
— Entendo. Podemos fazer algo antes então, não quero atrapalhar
seus planos com sua família…
— Não, linda — Nick me interrompe e continua a falar e sinalizar.
— Quero você junto também, mas como sei que você estará perto do teste
do ballet real e que aos domingos você visita seus pais, eu não falei nada
porque…
— Acho que meus pais não vão se importar se eu ficar por aqui para
o aniversário do cara que está roubando cada batida do meu coração.
Nicholas sorri, mostrando todos os dentes e de uma forma tão
verdadeira que eu não consigo deixar de pensar o quanto ele é tem sido tudo
para mim.
— Quero você comigo no jogo amanhã — diz ele. — Quero você
comigo depois do expediente, quero você no meu aniversário, quero você
de tantas formas que eu poderia passar horas falando. Horas e mais horas.
Precisamos sair dessa sala, estamos atrasados para voltar para o
trabalho, mas nenhum de nós resiste ao impulso de se beijar novamente.
Nick segura meu rosto com delicadeza e eu repouso minha mão bem acima
de seu coração, sentindo o quanto ele bate rápido.
— Precisamos voltar — digo com a boca ainda na dele.
— Eu sei — diz ele. — Você aceita ir comigo amanhã? — Pergunta
novamente, afastando o rosto, alisando meus cabelos.
— Com uma condição — faço um biquinho ponderando.
— O que quiser, linda.
— Noite de filmes quando voltarmos?
Mantenha suas mãos nas minhas mãos
Mantenha sua boca na minha boca
Não diminua a velocidade
Love You For a Long Time - Maggie Rogers

Minha família é formada por histórias de amor no mínimo


inusitadas, mas igualmente lindas. Com meu pai e Mahara, os dois gostam
de dizer que foi amor à primeira vista, tia Mah sempre diz que sabia que a
vida dela iria mudar de ponta cabeça quando conheceu meu pai. Minha mãe
e James foram um romance mais difícil, meu padrasto sempre fala que teve
que esforçar para conquistar minha mãe. Tio Nate e tia Manu começaram
um relacionamento falso, para silenciar a mídia, mas foi questão de tempo
para que ficassem juntos.
O que todas essas histórias têm em comum é que, em um dado
momento, eles sabiam que estavam destinados um ao outro, que aquele
sentimento que crescia entre eles era certo.
Tio Nathan e Manuela se apaixonaram no inverno. Meu pai e
Mahara durante o verão e agora, enquanto mantenho os braços em volta de
Maya durante o trajeto para casa, me pergunto se, de alguma forma, estamos
seguindo uma ordem, se no final das contas, o meu amor por ela está
ganhando vida durante o outono.
Talvez seja apenas meu lado artístico e poético falando mais alto,
mas, de uma coisa eu sei. Dentro de mim, enquanto aspiro o cheiro dos
cabelos loiros de Maya e a aqueço em meus braços, só consigo pensar que é
isso. É hoje. Nenhuma insegurança, nenhum medo ou qualquer coisa do tipo
pode tirar a certeza de que sinto dentro de mim de que… É ela. Sempre foi.
Sempre foi Maya Karlsson e, agora, tudo que eu quero é amá-la de todas as
formas.
Ela dá sinal para que o ônibus pare no próximo ponto e eu dou um
beijo em sua cabeça antes de me levantar e estender a mão para que juntos,
possamos ir na direção da porta.
— Você está bem? — Pergunta Maya, chamando minha atenção. —
Você está quietinho.
Estou pensando como eu sou completamente apaixonado por você.
— Vai soar piegas, mas até mesmo o silêncio com você é
confortável, é gostoso.
Maya mexe nos cabelos, jogando os mesmos pelas costas e sorrindo
de uma maneira linda, acelerando ainda mais as batidas do meu coração.
— Você sempre lembra de alguma coisa da nossa infância — Maya
volta a falar quando a porta do ônibus abre e nós descemos. Fico feliz pela
chuva ter parado e por isso, não coloco meu capuz para proteger os
aparelhos. — Mas, agora que você falou isso, eu me lembrei de uma coisa.
Sabe quando íamos à biblioteca, nas quinta-feiras, durante a pré-escola?
— Claro que lembro — digo, enquanto sinalizo e caminho ao seu
lado. — Você gostava sempre de pegar os mesmos livros que eu.
— Isso é verdade — responde ela, brincando, mas me parando por
um instante. — Mas acho que agora, eu sei o porquê. — Ouço quando ela
diz isso e sinalizo a pergunta. "Por que?". E, então, Maya sorri e volta a
sinalizar. — Porque você era o único que ficava em silêncio enquanto lia, eu
conseguia me concentrar na história. Acho que no fundo, eu sempre gostei
da sua companhia.
— Eu também sempre gostei da sua companhia — digo por fim.
Maya e eu sorrimos um para o outro e, com o rosto inclinado para
me olhar nos olhos, eu só consigo pensar que a última coisa que quero fazer
quando chegarmos em casa, é ver filmes com ela. Estendo minha mão
novamente, como um convite, e ela aceita, entrelaçando nossos dedos
enquanto caminhamos juntos, em um silêncio, novamente, confortável.
Ao entrarmos na rua da minha casa, eu me dou conta de o quanto o
cenário é perfeito, como as coisas realmente acontecem na hora certa. Minha
mãe e James estão fora. Ele jogou em Askinsstad, uma cidade que fica a três
horas de Estocolmo, mas por questão de conforto, eles, juntamente com o
time todo, devem ter dormido na cidade ao invés de voltarem tarde da noite.
Estamos a sós.
Maya e eu passamos pelo portão e enquanto ela abre a porta, eu
reflito no que devo fazer, em como me aproximar, em como não posso
deixar que minhas inseguranças falem mais alto, e além disso, como a minha
experiência anterior não vai ditar o que pode acontecer aqui e agora.
— Nick? — A voz doce de Maya me chama e eu me dou conta de
que ainda estou parado na porta. — Está tudo bem, amor?
Amor.
Ela me chamou de amor.
Movido por essa simples palavra e por tudo o que essa garota tem
despertado em mim há tanto tempo, eu entro em casa, fecho a porta
passando a tranca rapidamente e tiro meus sapatos de qualquer jeito, indo
até ela a passos firmes, envolvendo sua cintura com meu braço e beijando-
a.
Beijo Maya Karlsson com todo o meu ser. Beijo Maya como o
Nicholas pré-adolescente jamais imaginou que faria. Beijo como o Nick
adolescente fantasiava. Beijo ela como o Nick, o amor, o cara que,
finalmente, pode tocá-la, quer fazer. Eu a beijo com amor. Porque eu posso
ter adormecido esse sentimento, lutado contra ele, mas a verdade é que ele
nunca deixou de existir.
Ela segura meus cabelos e move a boca, exigindo mais de mim e eu
dou, a toco da forma que Maya merece. Aperto sua cintura com força, subo
minha mão para tocar seu seio e morro quando ela geme em minha boca,
adorando engolir seu gemido em meus lábios.
— Nick — ela me chama, ofegante. — Nós íamos devagar, lembra?
— Mudança de planos — digo, virando seu corpo para encostá-la na
parede. – Não quero mais perder um segundo…
Dessa vez, é ela quem me beija, antes mesmo que eu termine de
falar. Assim como da primeira vez que nos beijamos, Maya dá um impulso e
entrelaça suas pernas em meu tronco e eu entendo isso como um sim. É mais
um sim dessa mulher.
A mochila de Maya fica no caminho quando eu começo a conduzi-la
escada acima, em direção ao meu quarto. Sinto a risada dela enquanto eu a
seguro firme, subindo os degraus com o maior cuidado possível e adorando
a forma como ela me beija, como se também precisasse disso tanto quanto
eu. Quando chego, finalmente, ao terceiro andar, vou para o meu quarto, me
abaixando ao chegar na minha cama para colocá-la ali. Me afasto um
pouquinho para olhá-la em um lugar que eu nunca achei que de fato ela
estaria.
— Pare de admirar, Bennet — sem falar, ela apenas sinaliza, depois
de se inclinar na mesa de cabeceira e acender o abajur, para nos iluminar. —
Se me quer, você precisa pegar.
Ela não precisa pedir duas vezes.
Inclino meu corpo, colocando Maya no centro do colchão, adorando
quando ela se apoia nos cotovelos, me deixando de joelhos para poder
começar a desabotoar delicadamente cada um dos botões da minha camisa.
Quando ela finaliza, eu me afasto e tiro a mesma, jogando no chão, vendo
Maya olhar para meu corpo, para cada centímetro de pele exposta.
— Quero lamber o seu tanquinho.
Dou risada da forma como, da mesma forma que essa frase me deixa
com vergonha, ela também me excita. E muito.
— Todo seu, linda. — Respondo, mas minha voz falha quando ela
coloca a mão no botão da minha calça e segura firme o cós.
— A Maya mandona pode assumir um pouco? — Ela passa a língua
pelos lábios e eu sei que, se momentos antes, se os beijos que partilhamos
antes, já haviam sido o começo do desastre, agora eu estou completamente
perdido.
Assinto e ela avança sobre mim, colocando sua boca na minha, mas,
dessa vez, ficando por cima, enquanto eu me deito aos pés da cama. Maya
toca meu peito desnudo e então, desce a mão para o botão da minha calça
novamente, abrindo com uma destreza impressionante e sem perder tempo,
enfiando a mão direita dentro da minha calça.
Eu estou completamente e cem por cento duro. Quando ela toca meu
pau, eu preciso me controlar para não acabar com o momento só de sentir
seus dedos envolta dele. Ela faz movimentos de vai e vem, tocando cada
hora de uma forma, como se estivesse descobrindo de qual jeito eu gosto
mais. Minha língua se enrosca na dela e eu começo a repetir o movimento
que fiz horas atrás, de desabotoar sua camisa. Entretanto, ela para meus
movimentos quando tira a mão de dentro da minha calça e se levanta,
ficando sentada em meu colo, bem em cima da minha ereção. Ela se ajeita,
se esfregando de forma não proposital em meu pau, mas isso só faz com que
eu fique ainda mais duro.
— Nick — ela faz o sinal do meu nome e eu a olho. — Lembra da
questão do olhar?
— Lembro — respondo, só usando a língua de sinais, igual ela está
fazendo.
— Podemos não ter o espelho agora, mas não deixe de olhar para
mim, ok?
— Ok.
— Jura juradinho? — Pergunta e na sequência, estende o mindinho.
— Juro juradinho. — Entrelaço meu dedo com o dela e quando o
solto, Maya termina de desabotoar os botões restantes, deixando a camisa
sair e roubando completamente o ar dos meus pulmões, assim como o ritmo
do meu coração, quando sua mão vai para trás e, com agilidade, ela abre o
fecho do sutiã, deixando tecido branco de renda cair entre nós.
Minhas mãos, como se fossem imãs, vão uma de cada lado para sua
cintura e eu a seguro firme, sentindo o quão sedosa é sua pele, admirando os
mamilos rosa claro que eu já havia vislumbrado rapidamente horas mais
cedo. Suspiro diante da visão dela em cima do meu colo, como a deusa
poderosa que eu sempre a vi. Olho para seu rosto e vejo em seus olhos
castanhos o que ela quer. A permissão de que eu posso ir além.
Movo minhas mãos para cima e seguro seus dois seios, são
pequenos, mas são perfeitos. Ela é inteira perfeita. É ainda mais perfeita
quando sua cabeça inclina para trás e eu vejo seus lábios se abrirem um
pouquinho enquanto eu os massageio.
— Isso! — Diz ela, com um gemido baixo e voltando a olhar para
mim. — Isso é tão bom. Mas eu tenho outros planos para você.
Inclinando o corpo para se deitar novamente sobre mim, Maya toma
minha boca e me beija intensamente, entrelaçando nossas línguas de uma
maneira sensual. O beijo não dura muito, porque logo ela começa a
depositar beijos em meu peitoral, descendo por minha barriga e lambendo a
pele, como ela disse que queria fazer.
Entretanto, as coisas se tornam ainda mais sérias quando ela chega
novamente a minha calça e, com o botão já aberto, desce o zíper e me olha,
segurando dos dois lados o cós da calça. É um pedido, ela está esperando
minha confirmação e eu assinto, ciente de que não há mais volta, do quanto
me sinto à vontade neste momento, no quanto eu quero que façamos isso e
muito mais.
Ajudo ela a remover a calça e a boxer cinza que estou usando,
jogando as peças de roupa no chão. Vejo quando ela passa alguns instantes
me admirando, olhando cada centímetro do meu corpo, se demorando em
meu pau.
— Você é... — A voz dela falha e suas mãos param no ar, sem
terminar de sinalizar.
— Eu sou? — pergunto, me sentindo um pouquinho nervoso.
— Você é lindo. E gostoso! — ela lambe os lábios e olha novamente
para o meu pau. Minhas bochechas coram e uma risada sem graça escapa.
— Linda... eu não sei como reagir diante de elogios.
— Tudo bem — ela sinaliza e começa a se abaixar — Sei
exatamente como arrancar uma resposta boa de você. — E então, ela segura
meu pau com a mão direita e eu prendo a respiração. — Olhos em mim, ok?
— Ok.
É neste momento que uma das minhas muitas fantasias ganham
realidade quando Maya abaixa a cabeça, segurando meu pau com a mão
direita, lambendo todo o comprimento. Respiro profundamente, tentando a
todo custo não estragar esse momento gozando em segundos. Mas a
dificuldade aumenta progressivamente quando ela lambe mais algumas
vezes antes de chupar a ponta e então, me colocar por inteiro em sua boca,
começando a bombear com a mão junto. Não que eu tenha recebido uma
quantidade absurda de boquetes, mas este, com ela engolindo meu pau
enquanto me olha, esse contato visual que não se quebra intensifica ainda
mais as coisas.
Sinto uma pressão em minhas pernas assim como alguns tremores
começam a se espalhar por meu corpo, minha boca começa a ficar seca e eu
umedeço os lábios um pouco. Pela primeira vez, não tenho vergonha de
escutar meus gemidos e também de deixá-los acontecer. Mas o meu fim é
quando Maya, com a mão livre, pega meu braço direito e coloca minha mão
em sua cabeça. Soltando meu pau, ela ergue o rosto só um pouco para que
eu a veja e seja capaz de ler seus lábios.
— Me conduza.
Porra!
Meus instintos tomam conta de mim e eu enrolo seus cabelos em
minhas mãos direcionando a boca dela novamente para o meu pau. Movo
minha pélvis junto, sentindo quando a ponta bate em sua garganta, mas ela
não para. Maya deixa que eu foda sua boca.
Quando minhas pernas tremem, eu sinto que vou gozar, faço menção
de afastar a boca dela, mas Maya me impede, indo mais rápido. Eu a olho
em súplica e ela balança a cabeça bem de levinho, assentindo para que eu
continue. A realidade e a fantasia já não existem mais quando eu gozo na
boca dela, só então me permito fechar os olhos, relaxando diante do
orgamos que só a boca dela foi capaz de me dar.
Maya deposita beijinhos leves em minha barriga, subindo até chegar
ao meu rosto. Abro os olhos e vejo ela paira sobre mim.
— Bom? — Pergunta ela com um sorriso mais do que sacana,
limpando o cantinho do lábio.
Sério mesmo que ela está perguntando isso?
— Linda — sinalizo, tentando regular as batidas do meu coração e a
falta de ar que ainda se faz presente. — Você ainda tem alguma dúvida?
— Gosto de ser elogiada, obrigada — ela se gaba, sorrindo e dando
risada.
— Tenho uma ideia melhor do que só te elogiar — seguro Maya pela
cintura e com facilidade, eu inverto nossas posições novamente, nos
deitando no lado certo da cama e ficando por cima dela. — Deixa eu te
recompensar de uma forma melhor.
— Sou toda sua — Ela abre os braços na cama e eu reivindico sua
boca com a minha, beijando Maya por alguns instantes até começar a descer
a boca por seu pescoço. Entretanto, me inclino um pouco demais e sinto
quando meu aparelho cai entre nós.
Automaticamente, minha confiança se esvai um pouco.
Pego o aparelho rapidamente, com um pouco de vergonha, mas antes
que eu possa fazer qualquer coisa, Maya segura minha mão com delicadeza.
— Nick — sinalizando novamente, ela usa apenas uma mão para
falar comigo. — Se você quiser ficar sem, não tem problema.
De fato, há muitas pessoas que transam com os aparelhos, há quem
prefira ouvir e se incomodar um pouco com os barulhos e ruídos, do que
ficar sem escutar nada. Mas, para mim, eu sinto que será melhor sem, o
aparelho cair é apenas uma das coisas que podem acontecer.
— Se eu fizer isso — sinalizo — as coisas podem ficar mais difíceis,
mas…
— Você vai se sentir mais confortável? — Pergunta ela.
Eu assinto.
Maya sorri de uma maneira doce e então, abre sua mão, fazendo o
mesmo com a minha.
— Então, se vai ser bom para você, vai ser bom para mim também.
Transar com Maya provavelmente seja a melhor coisa que já me
aconteceu, mas mais do que isso, me sinto respeitado por ela, saber que ela
está visando o meu conforto ainda que não seja cem por cento fácil, que até
mesmo possa complicar um pouco nossa comunicação, isso é ainda mais
emocionante. É tocante. É ela. Somos nós.
Por isso, eu crio coragem e removo o outro aparelho, indo até a mesa
de cabeceira e colocando ambos dentro da caixa. O mundo fica um pouco
mais silencioso a partir desse momento, mas não menos excitante do que
antes. Maya toca meu rosto, dando um beijo suave em cada uma das minhas
bochechas, depois em meus olhos e por fim, na ponta do meu nariz, antes de
colocar um pouco mais de distância entre nós, indo até o abajur e movendo
o mesmo para que nós dois fiquemos completamente iluminados.
Olho cada detalhe de seu corpo, sua pele branca e salpicada de
pequenas pintinhas nos ombros, as costelas um pouquinho visíveis, seus
mamilos rosados, os cabelos em cascata e volto a olhar para seu rosto e suas
mãos quando ela sinaliza.
— Olhe para mim. Olhe nos meus olhos, sempre. Você vai saber o
que fazer.
Assinto e, então, volto a beijá-la. Deito seu corpo na cama
novamente beijando cada parte dela, descobrindo seu corpo, passeando
minhas mãos por ela e por fim, criando coragem para descer minha boca
centímetro a centímetro, passando pelo vale de seus seios, beijando a barriga
durinha e chegando a sua calça. Olho para ela e seu quadril rapidamente se
levanta com urgência, me dando permissão para tirar sua calça e a calcinha
em um movimento só.
Nua em minha cama.
Nua e completamente linda.
Nua e minha.
É o que penso quando olho para o corpo perfeito de Maya, adorando
a forma como ela esfrega as pernas uma na outra, o jeito como morde a
pontinha do indicador e o sorriso que ela me dá.
Me coloco de joelhos, afastando suas pernas e olhando diretamente
para sua boceta com uma faixa sutil e fina de pelos. Salivo diante do que
estou prestes a fazer. Mas antes de me abaixar, eu a olho uma última vez e
sinalizo.
— Me conduza.
Maya assente e eu me abaixo, depositando um beijo em seus lábios,
me lembrando de uma vez que li um poema érotico, de um desconhecido na
internet e dizia que, se mulheres tinham lábios, eles mereciam ser beijados.
Fiquei alguns segundos tentando entender o contexto, até que fiz a conexão.
Lembro deste verso quando beijo os lábios grandes de Maya e na sequência,
toco seu clitoris com a minha língua, de forma firme.
Rapidamente, as duas mãos de Maya chegam aos meus cabelos e ela
usa os fios como rédeas, esfregando a boceta em meu rosto. Eu mergulho a
língua em sua entrada, lambendo de baixo para cima algumas vezes, sem
nunca deixar de olhar em seus olhos. Maya vista desse ângulo me faz pensar
se existe alguma forma que a faça parecer menos do que perfeita. Quanto
mais ele esfrega a boceta em minha cara, mais duro meu pau fica, eu quero
muito mais do que isso, eu quero tudo dela.
Chupo seu clítoris com vontade e quando ela toca minha mão, que
está espalmada em sua barriga, eu entendo o que ela quer, principalmente
quando ergue o meu indicador. Movo a mão para o meio de suas pernas e a
penetro com o dedo, sentindo o quão apertada ela é, mas igualmente o quão
molhada ela está. Sigo com o movimentos e, quando os olhos de Maya
reviram para trás e ela arqueia as costas, sinto suas pernas tremerem um
pouquinho e lambo todo o seu gozo, adorando o gosto dela em minha língua
quando ela goza.
Maya relaxa na cama e depois de mais algumas lambidas, eu ergo
meu rosto quando ela ameniza o aperto dos meus fios de cabelo. Balanço a
cabeça algumas vezes, jogando o cabelo para trás e quando olho para ela
novamente, sorrio tanto que é como se eu tivesse conquistado o maior
prêmio do mundo. De novo, mais uma vez, eu consegui dar prazer a ela, de
uma forma diferente. É por minha causa que os cabelos loiros dela estão
espalhados pelo travesseiro. É por minha causa que ela espelha a expressão
de relaxamento pleno. É por minha causa que suas bochechas estão
vermelhas, que a respiração está mais rápida e que ela sorri dessa forma.
É a mim que ela chama com um movimento sexy feito com o
indicador.
Coloco um braço de cada lado de seu corpo e com o rosto pairando
acima do dela, vejo quando ela sinaliza o que deseja.
— Quero você dentro de mim.
E, dessa vez, neste momento, eu não me sinto nem um pouco
inseguro. Vou até a mesa de cabeceira, abro a gaveta e fico feliz por ter um
pacote de camisinhas fechado, uma lembrancinha do meu pai alguns meses
atrás quando eu disse a ele que não precisava, já que não estava saindo com
ninguém.
"Foi assim que eu e sua mãe concebemos você", me lembro das
exatas palavras dele enquanto pego a embalagem e não contenho a risada.
— O que foi? — Maya sinaliza, achando graça.
— Nada — respondo, segurando a embalagem com uma mão. —
Outra hora eu te conto. Agora, me deixa comer você.
Maya lambe os lábios quando digo isso, mas rapidamente assente.
Abro a embalagem, deslizando o látex por meu membro e decido que, mais
do que olhar para ela de cima, quero que nossos olhos estejam um de frente
para o outro. Por isso, ao invés de me deitar sobre ela, eu me movo,
sentando com a costas na cabeceira da cama, ao lado de Maya e faço um
movimento com o indicador chamando por ela.
Entendendo meu pedido, Maya move seu corpo até o meu, sentando
em meu colo e tocando meu pau, conduzindo o mesmo até sua entrada.
Milímetro a milímetro, eu entro nela até estar por inteiro. E com a luz do
abajur banhando nossos corpos, ela começa a subir e descer, num ritmo
sensual, torturante e gostoso. Nosso.
Da forma como deve ser.
Com os lábios abertos, nossas respirações se mesclam quando ela se
aproxima ainda mais da minha boca e começa a aumentar o ritmo. Seguro
firme sua cintura, ajudando ela nos movimentos. Não me sinto um cara
inexperiente, sinto como se eu só estivesse esperando por esse momento,
para ser dela. Mesmo sem conseguir ouvir perfeitamente os sons que ela faz,
seus rosto não nega que ela está gostando. Na ânsia por sentir seus gemidos,
eu movo uma das mãos para o seu pescoço, para sentir a vibração de sua voz
e de seus gemidos. Maya arregala um pouco os olhos diante da minha ação,
mas quando faço menção de me afastar, ela balança a cabeça em negação.
Sinto a vibração de suas cordas vocais quando ela abre mais a boca e
senta mais forte, fazendo com que eu vá ainda mais fundo nela.
É enlouquecedor. É melhor do que qualquer coisa que eu já tenha
experimentado. Maya Karlsson está arruinando toda e qualquer outra coisa
que eu poderia viver. Entretanto, enquanto olho para seus olhos castanhos,
embebidos de desejo, só consigo pensar que não quero experienciar nada
que não envolva ela, eu e nossos corpos juntos.
Meu corpo começa a dar sinais de um novo orgasmo e eu vejo
quando ela começa a se mover mais rápido, esfregando a pélvis na minha
pele, aumentando ainda mais nosso contato. Seguro um pouco mais firme
seu pescoço, apertando um pouco, entrando e saindo dela com ainda mais
velocidade e quando ela fecha os olhos, eu a assisto gozar, chegando ao meu
ápice com mais alguns movimentos.
Paro por alguns instantes, tentando regular minha respiração e
regular as batidas rápidas do meu coração, inspiro e respiro algumas vezes,
buscando por um pouco mais de ar e quando abro os olhos, encontro a visão
do paraíso.
Sentada no meu colo, com os braços um de cada lado do meu
pescoço, as bochechas avermelhadas e alguns fios de cabelo grudados em
sua testa devido ao suor, Maya sorri para mim. Ela encosta a testa na minha
e assim nós ficamos, apenas absorvendo a presença um do outro,
processando o que acabamos de viver, as experiências e prazeres que fomos
capazes de dar um ao outro.
Mas, quando ela se afasta, sem sinalizar, eu leio seus lábios a frase
que me derruba a última das minhas estruturas.
— Estou completamente apaixonada por você.
Você é o café que eu preciso de manhã
Você é meu raio de Sol na chuva, quando ela está caindo
Best Part - H.E.R

Apesar de não ouvir o barulho do celular me despertando, sei que


está na hora de acordar. Sei disso porque acordo cedo aos sábados há tantos
anos que, mesmo quando estou de folga e posso dormir até mais tarde, eu
desperto. Abro os olhos lentamente e não preciso fazer qualquer esforço
para saber onde estou.
Flashes da noite passada inundam minha mente, cada toque, cada
beijo, cada orgasmo, a conexão através do olhar e a constatação do óbvio.
De como estou completamente e cem por cento apaixonada por Nicholas
Bennet, a quem pertence os braços que me envolvem neste momento, bem
como a respiração baixinha que sinto em meu pescoço.
Sei que ele está dormindo, sei que me mexer, neste momento, pode
fazer com que ele desperte, mas quero olhar seu rosto, quero admirar Nick
mais um pouco, por isso, começo a me mexer devagar, de pouquinho em
pouquinho, até que os braços dele cedem um pouco mais e eu consigo me
virar, deixando de olhar para a janela e tendo agora, como visão, o rosto
sereno de Nick.
Como ele é bonito!
Olho para cada detalhe dele, gravando mais uma vez pequenas
peculiaridades e absorvendo novas. Perto como estamos, consigo ver os
pontinhos pretos da barba feita, ainda que seus pelos sejam loiros. Observo
como suas sobrancelhas são levemente arqueadas, como se alguém tivesse
feito de propósito, o nariz mais fino, mas ainda assim, charmoso. Os lábios
rosados, num tom perfeito, com o arco do cupido bem definido. Se em
algum momento eu duvidei que Nicholas Bennet era um cara bonito, neste
momento, absorvendo tanto seus detalhes, só consigo pensar que ele beira a
perfeição.
Lindo.
De tantas formas e jeitos diferentes que não consigo deixar de me
perguntar se um dia serei capaz de parar de suspirar por causa dele, se em
algum momento essa sensação de pertencimento vai deixar de ser tão
latente. Espero que não, porque se há uma coisa que os últimos tempos me
mostraram é que Nick e eu tínhamos que estar juntos, nosso destino sempre
foi se encontrar. Sermos colocados um na vida do outro quando pequenos
não foi acaso. De alguma forma, aquele garotinho tímido tinha que estar na
minha vida, assim como eu tinha que estar na dele.
Minha mão direita se ergue um pouco, indo até seu rosto, prestes a
passar o dedo de forma delicada por sua testa, quase não tocando a pele
para não despertá-lo. Entretanto, antes que eu consiga fazer o movimento,
os olhos de Nick se abrem devagar. Paro o movimento e vejo quando ele
abre e fecha os olhos algumas vezes, acordando. Por fim, quando ele
realmente os abre e me olha, meu coração simplesmente dispara,
principalmente quando o braço que antes estava na minha cintura se ergue e
ele encontra sua mão com a minha, no ar, entrelaçando nossos dedos,
trazendo para perto de sua boca e dando um beijo doce nas juntas dos meus
dedos.
Olhando para mim, ele solta minha mão e sinaliza.
— Bom dia — encostando o polegar no queixo, ele faz o
movimento com a mão aberta, passando pelo rosto.
— Bom dia — respondo, repetindo o movimento e sorrindo para
ele.
Nick aproxima o rosto do meu, ficando a um fio de distância da
minha boca. Noto que ele espera, como se estivesse aguardando por uma
permissão e, para mostrar a ele que quero tanto quanto ele que este beijo
aconteça, eu avanço, acabando com o espaço entre nós e tocando sua boca
com a minha. Estamos nus, abraçados, com cada parte de nós tocando um
ao outro. É íntimo, gostoso e quase casto. Quase.
Porque quando Nick me envolve com seu braço, eu sinto seu
membro duro entre nós. Um lembrete da noite passada. Um desejo de
repetir a dose. Todavia, há algo que eu quero fazer antes de me perder no
corpo dele e, muito provavelmente, me atrasar para o ensaio do ballet com
Marta. Quero falar com Nick, quero saber o que faremos daqui em diante,
porque em meu coração e em minha mente, não há dúvidas de que eu o
quero.
Antes que eu faça menção de me afastar, Nicholas, como se pudesse
ler meus pensamentos, encerra nosso beijo e ao abrir os olhos, ele está me
observando. Ele ergue a mão novamente e sinaliza uma pergunta.
— Podemos conversar?
Assinto para ele, dizendo que sim e Nick se afasta mais um
pouquinho, dessa vez, se levantando, virando o corpo para estar com as
pernas fora da cama. Não contenho o olhar e observo o vinco em suas
costas, bem como seu corpo nu. Passo meu dedo pelas suas costas, não
resistindo ao desejo, e sorrio sapeca para ele quando Nick me olha por cima
do ombro e sorri.
Ouço quando abre a caixa de seus aparelhos auditivos, limpa os
mesmos e coloca primeiro o direito e depois o esquerdo. Por fim, ele se
levanta, e eu aproveito os últimos segundos dele sem roupa, antes que ele
coloque a boxer e vá até sua estante de livros. Vejo que ele vai até um nicho
e puxa uma caixa de pano, de onde ele tira alguns cadernos. Reconheço
algumas estampas que eu mesma tive durante nossa época de escola e
espero ele voltar até a cama, com alguns deles, antes de voltar a conversar
com ele.
— Vamos estudar geografia e eu não estou sabendo? — Pergunto,
quando Nick vira em minha direção novamente, fazendo menção a uma
matéria de escola que nós dois tínhamos um pouco de dificuldade.
— Acho que estudar geografia seria mais fácil do que isso — com a
voz mais rouca e levemente sem graça, ele volta a se sentar na cama, ao
meu lado.
— Você parece sério — digo, me erguendo para ficar sentada,
segurando o edredom sobre meu corpo. — Estou me sentindo exposta —
brinco, tentando me cobrir.
— Gosto de você exposta — ele pisca e eu cerro os olhos em sua
direção.
— Engraçadinho. — Balanço a cabeça. —Você está me deixando
curiosa, por que os cadernos?
Nick olha para eles por alguns instantes antes de abrir um,
começando a folhear as páginas até encontrar o que procura.
— Posso ler para você uma coisa?
— Mais um poema para mim? — Sorrio ao lembrar do hai-kai que
ele me enviou um tempo atrás.
— Quase isso — responde de forma enigmática.
— Pode.
Observo a forma como ele me olha, como mexe nos cabelos antes
de voltar os olhos para o caderno e erguer o mesmo um pouco. Nick
suspira, como se estivesse tentando criar coragem e isso só aumenta
progressivamente minha curiosidade, mas eu dou a ele seu tempo, não o
atrapalho. Eu aguardo mais alguns instantes até que ele começa, finalmente,
a ler a página.
— Hoje foi um dia complicado na escola. Meus aparelhos
começaram a fazer um barulho estranho e meus pais foram me buscar.
Fiquei chateado porque, hoje, era o dia que podíamos levar nossos
brinquedos favoritos. — Ele faz uma pausa e me olha rapidamente antes de
continuar. — Queria muito ter brincado com minha pista de carrinho, mas
tive que ir embora antes. Quando estava indo embora, me despedi dos meus
amigos, acenando chateado, mas Maya me parou e disse que não tinha
problema, que ela ia falar com a nossa professora e pedir para fazermos um
novo dia de brinquedos logo. — Ao me olhar novamente, eu começo a
entender o que ele está lendo para mim. Entretanto, ele continua. — Me
senti um pouco melhor quando ela disse isso. Espero que possamos brincar
juntos logo.
— Nick… — eu o chamo, mas ele passa mais algumas páginas e
volta a falar.
— Ganhei muitos presentes legais no meu aniversário. Tio Nate me
deu um dinossauro enorme, papai e mamãe também me deram uma coleção
inteira de dinossauros. Fiquei triste quando outras pessoas me deram roupa,
prefiro brinquedos. Mas, aí, eu abri um presente muito legal. Maya me deu
uma camiseta com um dinossauro e uma girafa. O meu bichinho favorito e
o bichinho favorito dela.
Quando ele me olha de novo, começo a sentir meus olhos
marejarem ao perceber o que ele está lendo para mim. Ele fecha esse
caderno e abre outro, folheando as páginas. Sinto minha boca secar e meu
coração começar a bater mais rápido quando ele pigarreia e volta a ler.
— Me pergunto se em algum momento meu coração será capaz de
não disparar quando a vê. Certos dias, parece possível, certos dias ela só
está lá. Mas, então, há dias como hoje, em que interagimos de maneira
simples, apenas um "boa sorte" antes da prova. Ela sorri e eu sinto como se
estivesse tocando a música mais rápida do mundo na bateria. Se gostar dela
fosse uma música, com certeza eu precisaria usar pedais duplos.
— Sou eu de novo? — Faço uma pergunta óbvia, mas Nick assente.
Ele folheia mais uma página e volta a ler.
— Queria poder beijá-la. Queria ter coragem, queria conseguir dizer
a ela que estou apaixonado por ela. — Ele fez uma pausa e, então, lê a
última frase — Estou apaixonado por você, Maya. Não parece simples?
Não parece fácil? Então por que eu simplesmente não consigo?
Nick fecha o caderno e o coloca em cima do outro e eu o admiro.
Porque ele acabou de fazer o que o Nicholas do passado tanto tinha medo.
Ele se declarou. E o sentimento que cresce dentro do meu peito
também habita o dele.
— Eu sempre tive uma queda por você, linda — Nick volta a falar e
vejo o quanto ele está derrubando barreiras, o quanto, neste instante, aqui
em seu quarto, ele está ainda mais exposto do que antes, do que na noite de
ontem. — Você é um sonho, Maya. Sempre foi o meu sonho, sempre foi
você. Ontem, enquanto voltávamos para casa, pensei nas histórias de amor
da minha família, nos exemplos que tenho, exemplos reais. Meu tio Nate e
Manu tiveram sua história de amor no inverno. Meu pai se apaixonou no
verão. E agora, aqui estou eu, completamente e cem por centro entregue a
você durante o outono. Dizem que nessa época, as temperaturas são mais
amenas, mas a verdade, linda, é que nada pode ser ameno entre nós. Nunca
poderia.
— Como você consegue? — Questiono.
— O que?
— Roubar todo o ar dos meus pulmões. — Suspiro diante das
palavras profundas e lindas ditas por Nick e sorrio para ele. — Nada entre
nós pode ser ameno, Nick. Nada. A forma como você mexe comigo, as
coisas que você me faz sentir, isso aqui — tomo a mão dele e coloco no
meio do meu peito, onde ele pode sentir meu coração. — Isso aqui não é
ameno, nunca poderia ser.
Nicholas sorri e vejo quando ele balança a cabeça de levinho,
abrindo e fechando os olhos, como se estivesse tentando acreditar que não
se trata de um sonho. Mas então, ele sinaliza uma pergunta.
— Você aceita namorar comigo? — Os olhos azuis dele brilham de
forma intensa e ele verbaliza aquilo que eu também venho sentindo. —
Quero você na minha vida por completo. Quero ser o primeiro a levantar
para bater palmas para você em um espetáculo. Quero assistir você costurar
suas sapatilhas, quero te acompanhar pelo mundo. Quero te esperar aqui se
for preciso, mas quero você, Maya. Quero ser seu e quero que você seja
minha.
— Com uma condição — ergo o indicador e me movo, deixando
que o edredom caia, relevando meu corpo nu. Vejo quando Nick olha para
mim e agradeço quando ele me segura pela cintura e me puxa para si, me
colocando em cima de seu colo, onde eu de fato quero estar.
— Qual condição? — Pergunta, quando eu me acomodo entre seu
tronco, com cada uma das pernas de um lado.
— Promete se apaixonar por mim nas outras estações também? No
inverno, na primavera e no verão?
Beijo os lábios dele de levinho e massageio seus cabelos, adorando
a textura dos fios sobre meus dedos.
— Eu prometo me apaixonar um pouco mais por você todos os dias,
linda. Porque, no fundo, a verdade é que eu te amo, sempre te amei.
Meu coração para de bater por um segundo quando ele diz as três
palavras. Não me surpreendo com elas e menos ainda sinto que é
precipitado, porque a verdade é que, de alguma forma, eu também o amo.
Eu o amei quando éramos apenas amigos que brincavam na escola. Eu o
amei quando ele se tornou o meu refúgio, a minha casa.
Eu o amo por quem ele é. Pela forma como ele franze a testa quando
está confuso, pelo silêncio nem um pouco desconfortável que se faz entre
nós. Eu o amo por cuidar de mim, por se importar com as pessoas, por ser
um filho dedicado e zeloso. Eu o amo por ter sido meu primeiro amigo na
escola. Eu o amo porque ele também me ama. Ele ama a Maya mandona, a
bailarina, a viciada em sessões de filme, a versão safada e a versão triste.
Ele me ama por quem eu sou.
E é assim que deve ser.
— Então você também precisa saber que eu te amo, Nick. Amo
você, amor.
Quando digo essas palavras, ele me aperta em um abraço,
repousando a cabeça em meu ombro, respirando fundo em meus cabelos e
colando nossos corpos. Ele me abraça como se eu fosse a casa dele. E eu o
abraço como se ele fosse meu lugar favorito do mundo de estar, porque de
fato ele é.
— Sim? — Diz ele ao meu pé do ouvido.
Eu me afasto um pouco só para poder olhar em seus olhos e
responder a pergunta dele, da forma como merece.
— Sim. — Afago seus cabelos, sorrindo para ele. — Eu aceito
namorar com você.
Nicholas então rouba um beijo, um encostar de lábios casto, doce,
mas ainda assim, intenso, assim como uma ventania de outono. Por fim, eu
abro os olhos quando ele se afasta e graças a claridade que entra pela janela,
admiro a pintura particular que estamos protagonizando neste momento. As
folhas laranjas, vermelhas e marrons, adornando uma parte da janela de
Nick, graças às árvores da rua. Os fios loiros escuros bagunçados por minha
causa, a expressão serena e de completa devoção em seu rosto, como se eu
fosse um sonho.
— Sabe de uma coisa? — Eu chamo sua atenção e Nick ergue a
cabeça, num aceno sutil para que eu continue a falar. — Você é o meu lar.
— Você também, linda.
Hoje eu fiquei muito bravo na escola. Um grupo de meninos de
outra turma decidiu roubar o lanche do Elijah. Não é a primeira vez que isso
acontece e eu me senti muito mal por não conseguir fazer nada outras
vezes. Mas hoje, Elijah só tinha um bolinho na lancheira, quando vieram
pegar, eu empurrei o garoto.
Ele me empurrou no chão de volta e meu aparelho direito caiu.
Fiquei morrendo de medo dele pisar nele, então segurei firme na mão
fechada e levantei pronto para bater nele. Mas o mais legal foi que não
estava sozinho, rapidinho, outros amigos meus se levantaram para defender
Elijah. Maya e outras amigas dela também apareceram. Formamos um time
de defesa, mas não foi preciso batermos no garoto, porque a professora logo
veio até nós saber o que estava acontecendo.
Todos nós contamos e os garotos foram levados para a diretoria.
Me senti orgulhoso por termos defendido um amigo. Somos muito
corajosos.

Nicholas, nove anos.


Você é tão maldoso, eu não gosto de você, foda-se de qualquer maneira
Você me faz querer gritar até acabar com meus pulmões
Afraid - The Neighbourhood

Começo a manhã do sábado pedindo Maya em namoro e, na


sequência, resistindo fortemente a ideia de pedir que ela diga a sua
professora que está doente, só para termos uma desculpa para ela faltar ao
ensaio, bem como a aula de ballet, para podermos ficar na cama, de
preferência sem nenhuma roupa.
Entretanto, há algo ainda melhor do que inventar essa desculpa: é
saber que não precisamos, porque temos agora um infinito de
possibilidades, de momentos, de horas e segundos para ficar juntos, porque
Maya é minha.
“Então você também precisa saber que eu te amo, Nick. Amo você,
amor”.
Seguro a xícara de café na frente do rosto, numa péssima tentativa
de esconder meu sorriso, mas não há como enganar a mim mesmo. Nem
minha mãe e James. Quando ergo os olhos para ver os dois sentados à
minha frente, eles estão igualmente sorrindo.
— Isso me lembra quando nós começamos a ficar — James quebra
o silêncio, falando com minha mãe. — Lembra? Quando nós ficávamos
apenas olhando um para o outro sorrindo?
— Lembro — diz minha mãe, erguendo a mão para tocar os cabelos
de James. Os dois se olham profundamente e vejo quando ele suspira, em
completa adoração para a minha mãe. Tenho a mais absoluta certeza que
meu rosto, quando estou olhando para Maya, fica exatamente assim. Minha
mãe o beija rapidamente e vira para me olhar — Então… Deu certo? Criou
coragem de se declarar? — Pergunta para mim.
— É, podemos dizer que sim — respondo, depositando a xícara na
mesa. — Estamos namorando.
— Bom, pelo visto tivemos muito mais encontros de madrugada do
que eu havia pensado — com os olhos cerrados, ela se inclina sobre a mesa,
ficando um pouquinho mais próxima de mim.
Fico com vergonha e começo a pensar em desculpas.
— Desculpa, mãe, eu espero que você não pense que estou te
desrespeitando ou coisa do tipo, é só que…
— Nick — ela me corta. — Sei que tem muitas pessoas que
achariam isso antiquado e tudo mais, muita liberdade e todo esse blá-blá-blá
— fazendo uma careta, James e eu rimos de sua expressão. — Mas eu já
tive a sua idade. Já me apaixonei, já vivi essa fase. Acho extremamente
ingênuo da minha parte achar que você não faria as mesmas coisas que eu.
O que quero dizer é que estou bem com isso. Quero te ver feliz e te conheço
bem demais, sei que se apaixonar por ela não é de agora.
— Não mesmo. — explico — Eu gosto dela há anos.
— Eu sei disso, filho — minha mãe estica o braço para tocar meu
rosto — e eu adoro a Maya, sempre gostei dela. É uma boa garota, gosto
dos pais dela e sei que seu pai também. Se tivesse que dizer algo, seria que
vocês tem minha benção — piscando os olhos azuis tão parecidos com o
meu ela ri.
— Obrigado — digo e sinalizo.
— Mas, isso não me impede de te advertir de algumas coisas — ela
ergue o indicador, ajeitando a postura. — A regra de não usar a sala do
LeBlanc's para outros fins permanece — quando diz isso, eu sinto meu
rosto esquentar e ela arregala um pouquinho os olhos. — Nicholas!
— Não fizemos nada, eu juro! — Não é uma mentira, mas também
não é cem por cento verdade. — Eu a levei lá duas vezes para conversarmos
a sós.
James dá uma risadinha baixa antes de beber mais um gole de seu
chá. Mamãe me encara e eu tento transparecer em meu olhar que estou
dizendo a verdade, ao menos parcialmente. Quero dizer, não fizemos nada,
mas também não nos beijamos de uma maneira tão inocente.
— Nada mais do que conversas, está bem? — Pontua com a voz
séria. — E se protejam, ok? — Faço uma careta quando ela diz isso. —
Acredite em mim, Nicholas, essa conversa não é tão agradável quanto
parece. Falar sobre isso significa que você cresceu e isso deixa qualquer
mãe com o coração acelerado.
— Eu já cresci faz tempo — brinco com ela.
— Você entendeu o que eu quis dizer — Hannah Marlen me encara
e cruza os braços no peito, sua posição clássica para passar seriedade e
autoridade. — Se protejam, não é só por conta de gravidez, tem doenças
também.
— Eu sei, eu sei — respondo com a voz séria, mas doce, mostrando
que estou absorvendo o que ela está falando.
— Ótimo — diz ela com um sorriso esperto no rosto. — Mas, o
mais importante de tudo, você está feliz?
Sorrio tanto para ela que minha resposta não precisa ser
verbalizada.
— Podemos chamar os pais dela para jantar aqui, o que acham? —
Pergunta James — Posso preparar o jantar.
— Podemos chamar Mahara e Dava também — ressalta minha mãe.
— Podemos chamá-los para o seu aniversário.
— Parece uma ótima ideia — assinto.
— Aliás, quais os seus planos? — Pergunta minha mãe — James vai
jogar no sábado, pensei em irmos antes, passarmos um tempinho juntos, já
que você estará de folga e, aí, no domingo voltamos e almoçamos na casa
do seu pai para comemorar.
— É uma ótima ideia, mãe, mas… Bem, eu… — pondero as
palavras que vou dizer porque não quero que ela pense que a estou
rejeitando. — Bem, a Maya estará perto de fazer o teste para o ballet real e
eu tinha pensado em…
Minha mãe dá uma risadinha e começa a balançar a cabeça de um
lado para o outro. James puxa ela para seus braços e, igualmente, rindo, dá
um beijinho na cabeça dela.
— Ele já está nos trocando, amor — comenta minha mãe para o
marido. — Eu já estou ficando de escanteio.
— Mãe! — Eu a chamo, me esticando ao máximo na mesa para
chamar sua atenção. — Não é nada disso.
— Estou fazendo drama, querido. — ela me responde, segurando
minha mão novamente. — Faz parte do pacote de ser mãe, fazer drama. —
Com um sorriso acolhedor, ela conclui. — Que tal assim: sábado é seu dia
com a Maya, eu vou com James viajar para o jogo e, aí, no domingo,
ficamos todos juntos: eu, você, James, seu pai, Mahara… Enfim, todo
mundo. E a Maya também. O que acha? Uma comemoração em família?
Quando ela se refere a Maya como parte da família, mais uma
certeza de que isso, que esse sentimento, esse amor e esse relacionamento
que acaba de nascer entre eu e Maya é certo. Minha família é a coisa mais
importante que tenho na vida e saber que minha namorada fará parte dela
faz com que tudo seja ainda mais especial.
— Me parece perfeito, mãe — digo em voz alta e então, recuo um
pouquinho e, ao invés de verbalizar, eu sinalizo uma última resposta. — Eu
te amo até a lua, ida e volta.
Minha mãe sorri diante da nossa frase especial. A frase que ela lia
para mim em um dos meus livros favoritos de quando eu era criança.
— Ida e volta, filho. — Sinaliza a resposta.

É um dia mais gelado de outono, as temperaturas já são mais baixas,


a chuva cai com frequência, mesmo que seja fina, mas a cidade não deixa
de ficar charmosa com os tons marrons e laranjas. Piso nas folhas
molhadas, mas fico feliz de não precisar usar a touca neste momento, para
evitar que os aparelhos molhem. Sou apaixonado pelo verão desde criança,
mas esse outono está excepcional para mim, e eu sei que isso é muito mais
uma somatória de fatores do que, necessariamente, culpa da estação.
Caminho com as mãos no bolso da jaqueta feliz por estar buscando
Maya e pelo nosso dia juntos. Levá-la para almoçar em um dos meus
restaurantes favoritos, ver o jogo de Louis, pela noite, irmos trabalhar
juntos e, por fim, terminar o dia com ela em meus braços. Cruzo os dedos
no bolso da jaqueta, fazendo figas, torcendo para que nós dois consigamos
ficar sozinhos da forma como quero, com ela nua e eu adorando seu corpo
como ela merece. Penso no gosto de Maya, nos beijos, nos toques dela, na
forma como as cenas da noite anterior estão gravadas em minha mente. Me
sinto invencível. Quero dizer: transar com Maya, dar prazer a ela e ainda
por cima, perder meu medo de me declarar e para finalizar, começar a
manhã de sábado com ela se tornando minha namorada?
Não resisto em dar uma dançadinha feliz, na pior imitação Peter
Park comemorando.
Uma senhora de cabelos grisalhos e andador passa por mim,
sorrindo de forma gentil quando me flagra na dancinha animada. Sorrio
para ela porque… bem, porque a felicidade está irradiando por cada um dos
meus poros.
Respiro fundo, sentindo o cheiro de grama molhada por conta da
chuva recente e sigo os próximos metros até entrar na rua onde a academia
de ballet de Maya fica e estou prestes a pegar meu celular no bolso, para
mandar uma mensagem para ela. Entretanto, não é preciso, porque, em
frente às escadas que levam até a porta principal da academia, eu vejo Maya
de pé com sua mochila e bolsa transversal. Infelizmente, ela não está
sozinha e toda a minha alegria de minutos antes desaparece porque, parado
em frente a ela, está Daniel.
Acelero os passos, começando a sentir a raiva correr pelo meu
corpo, a sensação de felicidade dá lugar a um sentimento que eu não gosto
nem um pouco. Raiva, ódio e desprezo.
— Tudo bem aqui? — Digo em voz alta, chamando a atenção tanto
dele quanto de Maya.
Quando ela vira o rosto em minha direção, vejo que o rosto dela não
esboça medo, ela parece irada assim como eu. Chego próximo a ela, pela
segunda vez em pouco tempo, me coloco atrás de suas costas, em uma
atitude protetora.
— Não se envolva, cara — diz Daniel. — Não estou falando com
você.
— Está tudo bem aqui, linda? — Ignoro o babaca em minha frente,
ainda que meu desejo seja dar uma boa má resposta a ele.
— Tudo bem, amor, ele estava de saída — responde Maya olhando
para mim e depois para o ex.
— Você acha que eu me atinjo por você estar namorando com ele?
— Daniel começa a falar e eu me esforço para manter o controle. — Quero
que você se foda, Maya.
Meu sangue ferve diante das palavras dele, vejo tudo nublado e fico
completamente cedo de ódio.
— Se falar com a minha namorada assim de novo eu quebro a sua
cara! — Avanço um passo, mas há Maya bem a minha frente, me
impedindo de ficar mais próxima dele, para intimidá-lo.
— Tente — ele me desafia.
E bem, ele não perde por esperar. Eu avanço mais uma vez, mas
Maya me paralisa no lugar.
— Não entra nessa, Nick. Ei, ei, amor, olha pra mim, olha pra mim
— ela me chama, tocando em meu rosto e, só então, ainda olhando
intensamente para Daniel, sentindo que posso agir por impulso, eu abaixo o
rosto para olhar para ela. — Olha pra mim. Só pra mim — diz com a voz
doce. — Ele só quer me desestabilizar, mas não vai conseguir.
— Errado — diz ele, ignorando a conversa que está acontecendo
entre Maya e eu —, eu quero o que é meu por direito, Maya. Você me deve
isso.
— Eu não devo nada a você! — Diz Maya com a voz mais alta. —
Eu não te devo nada. Tudo que eu consegui é mérito meu, você está
destruindo sua carreira sozinho!
— Minha carreira está sendo destruída por conta de você e de
Johanna, suas…
— Abra a boca! — Eu grito. — Eu te desafio a continuar essa frase,
seu filho da puta!
Quando eu o xingo, Daniel avança para mim e eu me vejo fazendo o
mesmo, completamente entorpecido pelo ódio. Mas, por sorte — ou não —
ouço uma voz grossa chamar nossa atenção.
— Ei, você aí! — Ergo o rosto e vejo um homem de terno, alto e
forte, vindo até nós. — Já chega disso!
— Ele está nos provocando — Maya toma a frente, falando alto com
o homem. — É ele, Jonathan.
— Eu sei — o homem responde e para ao lado de Daniel, o puxando
para trás. — Sr. Eriksson, acho que, como ex-aluno, o senhor não tem mais
direito de estar aqui.
Neste momento, eu entendo o que está acontecendo. Daniel
oficialmente foi expulso, a confusão de problemas e casos que ele mesmo
criou culminou no pior para ele, e é óbvio que, como o bom covarde que é,
Daniel é incapaz de admitir seus erros e está procurando um culpado. E
como ele é, acima de tudo, uma péssima espécie de ser humano, ele tenta
atingir Maya, quem ele provavelmente deve considerar alguém “fraco”.
Bom, mal sabe ele a potência de mulher que ele teve a chance de ter ao lado
e, mais ainda, que se ele pensa que ela está sozinha aqui porque os pais
moram em outra cidade, ele não poderia estar mais enganado.
— Vou precisar chamar a polícia, Sr. Eriksson? — O homem
novamente alerta Daniel, que continua fuzilando a mim e a Maya com o
olhar.
— Não será preciso — responde, com a voz fria como gelo.
Sem dizer mais nada, ele desce os degraus restantes da escadaria e
entra em um carro preto esportivo, dando partida e saindo em uma
velocidade um pouco acima.
Maya respira fundo e só então eu toco sua mão, sentindo que ela
está tremendo. Eu odeio esse cara com todas as minhas forças. Entrelaço
nossos dedos enquanto ela fala com o homem, dizendo que estamos bem e
agradecendo pela intervenção dele, faço o mesmo e quando estamos
sozinhos novamente, eu a abraço pela cintura, fazendo com que suas costas
estejam bem coladas em meu peito.
— Não estou tremendo de medo — diz ela com firmeza. — Estou
com ódio.
— Eu também, linda — viro ela, para que estejamos frente a frente e
volto a falar e sinalizar. — O que ele falou para você?
— Disse que era injusto, que eu e Johanna éramos ingratas.
Começou com um discurso que quase me fez ter pena dele — confessa ela,
respirando fundo. — Ele foi convidado a se retirar da academia. Dessa vez,
não importou que o pai dele tem grana e que a mãe é uma bailarina
conhecida, ele perdeu o que tinha…
— Esse cara é tão estrelinha assim? — Pergunto. — Não que ele
tenha direito a ser passivo agressivo com ninguém, mas não me surpreende
que ele aja dessa forma, parece que ele teve tudo que sempre quis.
— Menos agora — explica ela. — Ele está agindo com raiva,
irritado porque nem seu nome, suas influências e o fato de que ele já foi
considerado um dos melhores bailarinos aqui está valendo de algo. O
estrelismo dele e essa mania de passar por cima de tudo e todos para
conseguir o que quer, finalmente, está caindo por terra.
— Já não era tempo! — Exclamo, irritado. — Não admito a forma
como ele falou com você. Nós precisamos falar sobre isso, Maya. Não sinto
algo bom vindo dele, fico receoso e, agora, com você perto de fazer o teste,
ele parece estar tentando te atingir ainda mais.
— Ele está, Nick. Ele quer me desestabilizar, mas sabe, eu cansei de
responder de forma passiva e, me deixar atingir por ele. Daniel não vai mais
ter esse poder sobre mim.
— Linda, eu amo que você está mandando esse cara a merda, mas…
Eu ainda acho que devemos falar para alguém o que está acontecendo. Seus
pais, a polícia, eu não sei…
— A direção da academia já está ciente — me surpreendo quando
ela diz essas palavras. — Johanna e eu fizemos uma reclamação, contamos
o que tem acontecido. Acho que isso foi a cereja do bolo para a expulsão
dele. Por isso ele veio tão furioso e… — vejo que Maya para de falar,
respirando fundo novamente, visivelmente exausta. — Quer saber? Eu
estou exausta de dar tanta atenção a ele. A melhor resposta que podemos
dar é ignorar a ele e o discurso raivoso.
Eu a abraço quando ela termina de falar, feliz por saber que ela
comunicou alguém a respeito do que tem acontecido, feliz que esse cara não
vai mais estar aqui durante a semana, tentando me acalmar de que vai ficar
tudo bem com ela.
— Vou continuar te trazendo e buscando nas aulas — digo, antes de
dar um beijinho em seus cabelos e sinto quando ela ri em meu peito, se
afastando.
— Ótimo, porque eu quero que você continue a fazer isso. Se não te
atrapalhar, é claro.
— Você nunca atrapalha, linda.
Maya massageia meu rosto delicadamente e o puxa para um beijo
delicado, que faz meu coração se acalmar, meu corpo ficar menos tenso. É
incrível o poder que ela tem sobre mim, de me tocar de formas diferentes e
me despertar os mais diferentes tipos de emoções. Maya me toca agora
como doçura, é confortável e delicioso igual o tecido de que é feita a blusa
de gola alta dela.
— Não vamos deixar que ele estrague nosso dia — diz, ao se
afastar. — Não vai ser meia dúzia de palavras que vão estragar nosso
primeiro dia como namorados.
Quando ela me lembra disso, eu sorrio tanto que posso jurar que do
outro lado do país, alguém seria capaz de ver.
— Deixa então eu te beijar como minha namorada.
Enlaço a cintura de Maya e volto a beijá-la, dessa vez, pedindo
passagem com a língua por entre seus lábios e adorando quando nossas
bocas se unem em um encaixe perfeito. Na ponta dos pés, ela envolve
minha nuca com seus braços, me apertando para si, como se tivéssemos
ficado longe por dias. Beijo Maya até que falte ar em nossos pulmões, até
que eu me lembre o motivo de tê-la vindo buscar.
— Pronta para ver um jogo de hockey? — Questiono, quando me
separo um pouco dela e admiro seus olhos cor de avelã.
— Pronta para fazer tudo com você, amor.
Tomo sua mão com a minha e dessa forma, eu simplesmente me
acalmo, decidido a ter o melhor primeiro dia de namoro com ela, com a
garota dos meus sonhos.
Você é tão bonita e eu amo essa vista
Nós nos apaixonamos em outubro, por isso eu amo o outono
We Fall in Love in October - girl in red

Dizer que estou cem por cento tranquila seria uma mentira, tentar
fazer com que as palavras de Daniel não me atinjam é um desafio árduo,
mas depois que eu e Johanna tomamos uma providência quanto a isso, uma
parte de mim sabia que a retaliação viria de alguma forma. Porém, eu estou
cansada de deixar que ele me faça mal, de me deixar sentir que não mereço
o que tenho.
Não. Eu me recuso a dar esse gosto para ele.
Por isso, quando Nick e eu nos afastamos da academia de ballet, eu
não penso no que Daniel me disse, na forma como suas palavras duras
diziam que eu iria pagar por ele ser expulso, eu deixo de lado a dor no pé
por conta do ensaio intenso e muito menos penso no quanto está próximo
meu teste para o ballet real.
Eu simplesmente escolho viver esse dia de outono com meu
namorado, aproveitando cada segundo com ele. Quando Nick e eu entramos
no träm, ao invés de procurar um lugar para sentar com ele, eu fico em pé e
o puxo para perto de mim, abraçando sua cintura e inalando seu cheiro.
Quando ele me leva para o centro velho, entrando nas ruas estreitas,
disputando espaço com turistas, mas me leva para uma franquia de kebab
que ele diz adorar, eu deixo as calorias de lado e peço um lanche saboroso
com falafel e o molho de sobra. Quando digo que ele vai precisar me ajudar
a malhar, Nick me olha de cima a baixo e diz que vai pensar em um
exercício físico que nos faça gastar muitas calorias.
Eu roubo um beijo da boca dele, adorando esse lado malicioso.
Amando cada segundo ao lado de Nicholas Bennet. Durante o caminho para
o centro esportivo onde Louis treina e onde será o jogo, eu pergunto a Nick
sobre um dos meus assuntos favoritos quando se trata dele. Suas histórias.
— Então a sua ideia é que a garota do mal seja a boazinha? —
Surpresa, eu o questiono, depois que ele me conta o novo rumo que está
dando a história. — O que aconteceu com o roteiro que você me falou há…
— tento fazer as contas com um dos dedos. — Ok, não me lembro, mas
nem faz tanto tempo.
— Não sei explicar, linda — Nick ri e continua a explicar. — Eu
tinha uma ideia pronta, mas eu escrevi dois capítulos e vi que ia precisar
mudar, não estava condizente com os personagens.
— Eu preciso ser sincera — explico. — Não sei se compreendo o
que você quer dizer.
— Vai por mim, é coisa de escritor — dando de ombros, ele
continua. — Tenho um grupo com algumas pessoas que escrevem, que
também estão nesse processo de maturação de um livro e tudo mais e é
mais comum do que parece. Quem manda são eles, os personagens — Nick
fala, sorrindo. — Eu sou apenas o mensageiro, eu só escrevo o que eles
querem me contar.
— Sabe de uma coisa? — Eu chamo sua atenção, a poucos metros
antes de chegarmos ao centro esportivo. — Eu posso não entender isso,
porque não sou ligada a esse tipo de arte, mas eu acho que esse processo
todo que você conta, é uma das coisas mais incríveis. Obrigada por dividir
sua arte comigo.
— Sinta-se muito especial, linda — Nick nos para e se coloca a
minha frente. — Todo escritor tem receio de compartilhar suas ideias e sua
escrita com as pessoas.
— Você não deveria. Se você soubesse como eu te imagino no
futuro…
— Como você imagina?
Nick sorri para mim enquanto aguarda a resposta e eu o observo
tanto ele como o cenário à nossa volta, assim como fiz pela manhã. O céu
acinzentado sobre nossas cabeças, o caminho de árvores com as folhas
vermelhas, amarelas, laranjas e marrons, cores que eu tanto amo. Reflito
sobre o que ele me disse de manhã, a forma poética sobre nos apaixonamos
no outono e como não poderia haver época melhor para isso. Minha estação
preferida. Olho para seus cabelos loiros mais escuros, seus olhos azuis, o
maxilar marcado, o sorriso com as duas covinhas sutis e, por fim, depois de
alguns instantes admirando-o, eu digo como o imagino no futuro.
— Você assinando pilhas e pilhas de livros, se tornando conhecido
por ser um autor incrível, mas mais do que isso — paro, dando um passo
em sua direção —, eu imagino eu sendo sua fã número um.
— Que bom — Nick envolve meu rosto com suas mãos de forma
delicada. — Porque eu sempre fui o seu fã número um. O líder do fã-clube,
com carteirinha e tudo.
Dou risada da forma como ele fala e eu o beijo, adorando o vento
mais gelado que bate em nossos rostos e bagunça meus cabelos. Não é um
beijo rápido, mas é um beijo com promessas: para hoje, para amanhã, para
o futuro.
— Vamos nos atrasar assim — diz ele, ainda próximo a minha
boca.
— Desculpa, prometo afastar minhas mãos de você — ergo-as em
sinal de rendição.
— Por favor, nunca afaste suas mãos de mim, linda.
Eu já deveria ter me acostumado com a forma como Nick rouba o ar
dos meus pulmões, mas sinto que ainda vai levar um tempo para isso.
Felizmente, eu não me importo.
O centro esportivo está um pouquinho cheio, mas com espaços de
sobra para escolhermos onde nos sentar. Deixo que ele me conduza, indo
em direção a um lugar específico e vejo quando acena para uma garotinha
mais nova. Eu a reconheço como a irmã de Louis, eu a vi algumas vezes,
mas ela está maior do que me lembro. Ao nos aproximarmos dela, vejo um
rosto ainda mais conhecido: é Zara Holmgren, a modelo famosa que é mãe
de Lou e, ao seu lado, um homem de meia idade, que sorri para nós.
— Oi, Nick — a garotinha é a primeira a nos saudar. — Oi, Maya.
Pelo visto, finalmente ele se declarou para você.
— Alex! — Nick a repreende e eu dou risada. — Você é uma
pestinha!
— Vocês precisam parar de reclamar da minha sinceridade. — Ela
revira os olhos de forma teatral. — É melhor ser assim do que ficar
mentindo.
— A sua sorte é que eu amo você — meu namorado vai até a garota
e a enche de beijos. É perceptível o carinho que eles têm um pelo outro.
Faltam poucos minutos para o jogo começar, mas eu aproveito para
cumprimentar Alex com um abraço polido, assim como Zara e Erik, seu
marido. Nick pergunta se eu quero uma pipoca ou algo para comer, mas
recuso, aceitando apenas uma água. Juntos de Alex, nós vamos até uma
máquina para pegar água e chocolates e, pelo caminho, os dois comentam
sobre o almoço do dia seguinte, assim como o jogo de Nathan, pai de Louis,
que não pôde vir.
— Papai disse que vai parar de jogar esse ano… de novo — explica
Alex, sinalizando com uma mão enquanto escolhe seu chocolate. — Ele
disse que não quer mais perder nenhum jogo do Lou e meu.
— Tio Nate sempre fala isso, e eu sei que ele detesta perder os jogos
de vocês, mas ele também ama o esporte — comenta Nick.
— Eu entendo — entro na conversa. — É difícil largar algo que a
gente ama.
— Vai ser legal ter outra esportista nos almoços de domingo —
brinca Alex.
E a forma como ela me inclui nos planos futuros e o jeito como
Nick aperta minha mão me mostra como a família é algo importante para
eles, como é gostosa essa sensação de pertencimento e familiaridade.
— Posso dar umas aulas de ballet para vocês — sugiro e ela ri.
— Dois jogadores de hockey, uma jogadora de futebol — aponta
para si mesma — e um garoto desengonçado como o Nick? Há! Boa sorte
para você.
— Eu não sou tão desengonçado — responde Nick.
— Fala sério! — Ela faz piada, enquanto pega o chocolate. — Você
não sabe mexer esses quadris.
Antes que Nick possa respondê-la, duas garotas se aproximam de
nós. Rapidamente, elas se apresentam, uma delas se chama Clara e a outra é
Karin, que está vestindo um moletom com o logo de um time. Elas
comentam entre si sobre resultados de jogos, colocação no campeonato e eu
entendo que Karin também joga hockey. As garotas começam a ir na frente,
voltando para a arquibancada enquanto Nick e eu ficamos uns passos atrás,
andando de mãos dadas.
— Qual é a de vocês com os atletas? — Brinco, fazendo menção a
conversa de antes. — Tem muitos na sua família, é impressionante.
— Já me perguntei isso também — responde ele, puxando minha
mão para dar um beijinho. — Fazer o quê? Sua habilidade com o corpo me
deixa sem ar.
Olho para ele rapidamente e vejo um sorrisinho que passei a
reconhecer e muito bem. É um sorriso safado, de quem está pensando
sacanagem. Não deixo barata a provocação.
— Bom, em sua defesa, não quis contar vantagem, mas você sabe
mexer os quadris. E mexe muito bem. — Pisco para e, antes de que
possamos descer os degraus que nos levam de volta a arquibancada, Nick
me vira em direção a parede, colando seu corpo junto do meu.
— Não posso ver o jogo do meu melhor amigo desse jeito.
— De que jeito?
— Excitado.
A língua dele se move quando ele diz essa palavra simples, sinto
meu corpo inteiro se aquecer. Quero tanto repetir a dose da noite anterior,
quero tanto o corpo dele junto do meu de novo, mas também, quero instigá-
lo, quero provocá-lo, quero tudo com ele.
— Mais tarde? — Estico meu pescoço perto dele e o beijo de
levinho no queixo.
— Mais tarde!
É uma promessa, e eu não vejo a hora de cumprí-la.
Voltamos ao nossos lugares bem na hora em que os times começam
a entrar. Um a um, os jogadores de hockey deslizam pelo gelo, pergunto
para Nick onde está Louis e ele me aponta a camiseta número quatorze,
com a braçadeira de capitão. Quando o jogo começa, fico feliz de ver que a
parte em que estamos é a mais animada e a que mais torce pelo time.
Sempre gostei dessa vibração, dos gritos animados, e mesmo que haja
diferença, faz com que eu me lembre das muitas salvas de palmas,
exclamações e da torcida quando eu competia, ou mesmo nos muitos
espetáculos.
Alex e Zara são as que mais vibram por Lou, a mãe dele comemora
empolgada em todas as tentativas de gol e reclama quando há pegadas mais
fortes entre os jogadores.
— Ele joga bem — comento por alto para Nick e Alex.
— Não fala isso perto da Karin — brinca a irmã mais nova de
Louis. — Ela fica toda irritada.
— Você adora colocar lenha nesse fogo, né, LeBlanc? — A garota
de cabelos castanhos, com muitas mechas loiras e corte curto vira para
Alex. Vejo em seus olhos acinzentados um brilho diferente. Apesar do tom
de provocação, ela sorri para a irmã de Louis — Não é à toa que é irmã
dele.
— Só estou falando a verdade, você sempre fica irritadinha quando
o assunto é o Lou.
— Porque seu irmão é extremamente chato. E tem um ego enorme.
E, claro, porque ele adora implicar comigo. — Pontua Karin. — Mas, sim,
ele joga bem.
— Você está elogiando ele? — Pergunta Alex surpresa. — Prepare-
se para um dilúvio hoje, Maya.
— Alex, você realmente não tem jeito! — Nick bagunça os cabelos
dela e todos nós rimos.
— É normal, Maya — dessa vez, é Zara quem chama minha
atenção. — Não é, Erik?
— O que, querida? — Pergunta o homem, sem tirar os olhos do
gelo.
— Essa turminha implicando um com o outro — explica ao marido.
— Karin e Louis então… Desde sempre.
— Ainda espero o dia em que ele se tornarão amigos — Erik
responde e, rapidamente, Karin vira o rosto.
— Sinto muito, Erik, mas eu duvido muito que isso aconteça.
Todos caímos na risada, mas nossa atenção logo volta para o rinque
de gelo, quando Louis toma um rebote certeiro e desliza rápido pelo gelo,
marcando o primeiro ponto antes do fim do primeiro tempo.
— Bem-vinda à família, linda — Nick beija minha bochecha e
continua a falar. — Espero que não se importe com a bagunça.
Olho para ele e esfrego seu rosto com delicadeza.
— Sempre gostei de uma boa bagunça, amor.
Ele me beija e o nosso grupinho bate palmas, isso até ouvirmos
batidas no acrílico que separa o rinque da arquibancada. Ouço quando Alex
nos chama e ao me separar de Nick, olho para frente e vejo Louis, já sem o
capacete, balançando os cabelos, mas quando nos olha, ele faz um coração
com a mão para nós dois.
Sorrio para ele, dando um aceno breve e tudo que consigo pensar é
que essa é realmente a melhor resposta a ser dada para Daniel. Minha
felicidade. E ela é minha e de mais ninguém.

O time de Louis ganha o jogo e nós todos nos reunimos depois da


partida para tomarmos um café juntos antes de Nick e eu irmos para o
último compromisso da noite, o turno no LeBlanc’s. Apesar da chuva fraca
e do vento gelado, o bar tem um movimento intenso, não deixando brechas
para que eu e Nicholas consigamos fazer pausas juntos, muito menos
escaparmos um pouquinho.
É uma noite agitada, mas mesmo assim, eu não me sinto menos
feliz por isso, porque todas as vezes que volto meus olhos para o bar, eu
encontro os olhos cor de Iolita direcionados a mim. A pedra preciosa é
apenas uma metáfora bonita para falar dos olhos de Nick e de como é lindo
o brilho de suas orbes todas as vezes que nossos olhares se encontram.
Aos sábados, esporadicamente, Hannah aparece para ver como está
o movimento, por isso, não me surpreendo tanto ao vê-la passar pela
entrada. Nossos horários são diferentes, mas vez ou outra nos encontramos
em casa. Entretanto, agora é diferente. Nick e eu estamos namorando e ela é
minha sogra. É a primeira vez que estou encontrando-a depois dessa
mudança de status. Por isso, quando ela vem até mim e pergunta se tenho
uns minutos para conversamos, meu estômago gela.
Assinto e começo a segui-la. Rapidamente, olho para Nick e vejo ele
sorrir para mim. Se ele está bem com isso, talvez eu não precise temer, eu
espero. Sigo ela pelos corredores, vejo ela cumprimentando os funcionários
e a forma como ela realmente se importa com o bem-estar de todos e não só
do sucesso do bar. Todos adoram Hannah.
Chego à porta de seu escritório e ela me dá um sorriso gentil quando
dá passagem para que eu entre.
— Acho que você deve saber o motivo por que te chamei até aqui,
certo? — A voz dela é impossível de identificar, ainda mais porque estou de
costas.
— Eu sei, mas Hannah, eu gostaria de dizer… — começo a falar,
virando para ela, mas assim que o faço, ela abre os braços e vem até mim.
— Estou feliz por vocês. — Respiro aliviada quando ela diz isso e
vou de encontro ao seus braços.
— Talvez eu esteja cheirando a fritura.
— Não me importo com o cheiro da minha nora.
Nora.
Sorrio tanto que retribuo o abraço um pouquinho mais forte.
— Sei que você e o Nick foram ao jogo do Lou hoje — assinto,
enquanto ela continua a falar. — Então, acho que você já teve um gostinho
de como funciona essa família… Pra lá de diferente, digamos.
— Eu adorei — respondo, me afastando dela. — Sempre fomos eu e
meus pais. Meus avós de ambos os lados morreram cedo, então não temos
tantos laços próximos. É bom se sentir parte de algo.
— Por muitos anos eu achei que seríamos apenas eu e Nick —
confidencia ela. — Mas Dave e eu nos acertamos, ele se casou, eu também,
Nathan e eu viramos sócios. Bom, a vida aconteceu e, hoje, eu sou feliz por
dizer que tenho uma família no Canadá e outra aqui — balanço a cabeça,
absorvendo suas palavras. — A família é algo importante para ele, Maya.
— Eu sei.
— E cada um de nós ama Nick de forma incondicional — vejo que
ela se emociona um pouquinho e eu me sinto tocada pela forma como ela
fala. — Só preciso saber de uma coisa: você está disposta a amá-lo de
verdade? Não será fácil todos os dias, mas aquele garoto, ele te ama muito e
eu sei que ele dará o melhor para ser o melhor para você.
— Não tenho dúvidas disso — sorrio para ela. — Tive um
relacionamento bem conturbado, Hannah. Meu último namorado, ele… —
respiro fundo — não me fez bem. Mas, Nick, ele é minha segunda casa —
digo de todo o meu coração. — Sei que somos jovens, sei que acabei de
aceitar o pedido de namoro dele, mas quero que saiba que eu respeito muito
vocês e que quero somar a vida dele, nunca o contrário.
Hannah me olha de forma intensa, com os mesmos olhos de Nick,
intensos e azuis, com algumas diferenças. Vejo muito do meu namorado na
mãe, os dois são muito ligados, assim como eu e minha mãe. Entendo
porque estamos tendo essa conversa, não tenho a menor dúvida de que
mamãe fará a mesma coisa.
— Cuide bem do coração dele, está bem?
— Pode deixar.
Ela estica a mão e eu a aperto, adorando essa cumplicidade. É como
se eu só estivesse formalizando uma proximidade que sempre tive. Nick
sempre esteve em minha vida, conheço sua família, conheço sua história,
conheço essas pessoas, a diferença é que, agora, estamos estreitando nossos
laços.
— Bom, de volta ao trabalho — diz ela, indo para a porta.
Quando a abre, vejo Nick parado na parede em frente a madeira, ele
está com os braços cruzados de forma despojada, mas quando nos vê, ele
sorri para nós.
— E então, ela passou no teste? — Pergunta ele para a mãe,
sinalizando junto e com um sorriso lindo nos lábios.
— Passou. — Hannah pisca para o filho. — Ela está aprovada.
Dou risada da forma como eles falam e me aproximo de Nick,
abraçando ele, envolvendo seu corpo em meus braços e erguendo o rosto,
para depositar um beijo em seus lábios.
— Você faz meu coração disparar, linda.
— Você também, Nick.
Nós nos beijamos de novo, mas antes que possamos nos envolver
mais, Hannah pigarreia e eu me afasto um pouquinho dele, rindo.
— Lembra do que combinamos, certo, Nicholas?
Olho para ela e depois para ele, quando ele responde com um “sim,
senhora”. Hannah faz um biquinho, cerrando os olhos para nós dois, mas se
afasta, voltando para a área do bar.
— Perdi alguma coisa? — Questiono Nick e ele ri.
— Ela me proibiu de usar meu lugar secreto para transar com você.
Dou risada da forma como ele fala e o abraço mais um pouco.
— Não vamos quebrar esse combinado então.
— Não — diz ele com a voz rouca — Ainda bem que ela não disse
nada sobre o seu quarto.
Olho para ele, adorando o desejo que emana dele, a excitação, as
muitas promessas feitas ao longo do dia.
— Mais tarde. — Repete ele a promessa feita mais cedo e eu sorrio,
porque sei que ele vai cumpri-la.
Vamos pular todo o papo furado e ir direto para o seu quarto
Eu estive pensando no que faria quando estivesse sozinho com você
Small Talk - Niall Horan

Eu sei que a minha mãe sabe.


Eu sei que James sabe.
Maya e eu sabemos que os dois sabem.
Ainda assim, ao entrarmos em casa, nós evitamos fazer barulhos
muito altos e mesmo que nós dois tenhamos o mesmo desejo de ir para o
mesmo lugar — seja o meu quarto ou o dela —, nós fazemos o que um
casal adolescente faria: uma sessão de filmes. O que, considerando a
namorada que eu tenho, não é algo imprevisível e muito menos entediante
para ela. Deixo que ela vá tomar banho primeiro e, enquanto isso, organizo
meu quarto e vou preparar um chá para mim. Maya não toma outra coisa
além de café, por isso, ela recusa minha oferta.
Com o chá em mãos, eu subo para o andar do meu quarto, arrumo
minha cama, as coisas que estão fora do lugar e aproveito para limpar meus
aparelhos auditivos. Deixo eles na caixinha e espero que Maya apareça na
porta do meu quarto para me avisar que é minha vez. Quando ela surge,
fazendo sombra na porta, eu ergo os olhos e babo um pouquinho diante da
visão. O pijama de calça azul escura é largo, assim como a camiseta que ela
usa, mas ainda assim, ela é com toda a certeza do mundo a mulher mais
bonita em pijamas folgados. E, para completar, ela cheira a lavanda e
tangerina.
É simplesmente a visão do paraíso e o cheiro mais delicioso do
mundo.
— Banho — sinaliza ela. — Sua vez. Vou fazer uma curadoria do
que podemos assistir.
Penso comigo que a única coisa que eu gostaria de assistir é ela me
cavalgando de novo, mas só o pensamento faz minhas bochechas
esquentarem um pouquinho. Eu umedeço os lábios e balanço um pouquinho
a cabeça para afastar os pensamentos. Caminho até ela com passos firmes e
adoro o fato de que ela vai me acompanhando com o olhar e, quando chego
perto dela, Maya precisa inclinar a cabeça para trás para me olhar.
Adorando a forma como conheço essa mulher bem demais. Podemos ter
começado uma relação amorosa há pouco tempo, mas o fato de nos
conhecermos há anos me permite reconhecer suas expressões bem.
Bem demais.
Ao ponto de reconhecer o tesão em seus olhos.
— Para — diz ela sem sinalizar, apenas movendo bem os lábios e
repousando a mão em meu peito.
— O que eu fiz? — Sinalizo.
— Está com essa pose toda de gostoso. Sua mãe está no andar
debaixo, eu preciso me comportar.
Sorrio para ela, segurando a risada. Não resisto em provocá-la.
— É você quem está me olhando dessa forma, eu não estou fazendo
nada — sinalizo a última palavra e ergo as mãos em sinal de rendição.
Maya me encara com os olhos cerrados de forma séria. Eu sustento
o olhar dela, mas percebo as pequenas nuances em sua expressão que
demonstram que ela quer rir, que está adorando essa nossa brincadeira.
Quando seus lábios descem para a minha boca, eu faço o mesmo. Há tanta
química no ar que eu não consigo evitar pensar que, se eu tivesse sido
corajoso antes, se tivesse revelado meus sentimentos para ela, nós já
teríamos vivido momentos como esse muito tempo antes.
Todavia, quando ela alisa meu rosto com a mão direita, numa carícia
doce, eu fecho os olhos e penso sobre as coisas acontecerem na hora certa.
Ela delineia meu rosto com o indicador e eu aproveito o carinho, adorando
o fato de que nenhuma distância é boa o suficiente para nós.
Volto a abrir os olhos e não me surpreendo quando ela rouba um
beijinho dos meus lábios rapidamente, sem me dar tempo de aprofundá-lo,
dando dois passos para trás.
— Banho — ela repete o sinal e aponta para o andar debaixo.
Dou risada da forma mandona, quase como uma bronca, com a qual
ela fala, como sua expressão está dura, mas ainda assim, divertida, e decido
obedecê-la. Volto para dentro do quarto, só para pegar uma cueca limpa e
vou para o andar debaixo, passando por Maya enquanto esta se ajeita no
sofá.
Entro no banheiro, tiro a roupa, colocando a camisa do LeBlanc's no
cesto de roupa suja e tomo um banho, optando por lavar os cabelos no dia
seguinte, já que lavei pela manhã. Finalizado o banho, eu saio do box e me
seco. Começo a vestir a cueca, mas então, decido provocar Maya mais um
pouco. Deixo a peça de lado, enrolando a toalha novamente na cintura,
escovando os dentes.
Saio do banheiro e vou subindo as escadas, enquanto Maya começa
a falar comigo, quando estou nos últimos degraus. Como estou sem
aparelhos, não compreendo o que ela diz, mas olho rapidamente a TV e
noto que ela passa pelas diferentes categorias, atenta a qualquer coisa que
possa saltar aos seus olhos. Ao chegar ao último degrau, ela se vira para
mim e começa a sinalizar.
— O que você acha de nós…
A frase morre no ar quando eu me apoio no corrimão e cruzo os
braços sobre o peito, esperando que ela continue. Na noite anterior, ela disse
que queria lamber meu tanquinho e bem, como Louis sempre adorou
brincar comigo, um bom jogador sabe usar tudo a seu favor.
— O que estava dizendo? — Sinalizo de volta.
Maya ainda está com o controle na mão, mas seu rosto não está mais
focado na televisão, mas em sim, em mim. Os orbes cor de avelã percorrem
meu corpo devagar, depois sobem de novo para o meu rosto e por mim, ela
fecha os olhos e respira fundo. Acho a sequência de ações engraçadas, mas
não atrapalho o momento dela. Pelo contrário, eu espero. Instantes depois,
Maya abre os olhos, aperta o botão de desligar e coloca o controle em cima
da mesa de centro da sala, se levantando em um pulinho rápido e vindo até
mim em passos lentos.
— Você quer brincar de provocar, Bennet? — Ela move os lábios,
mas igualmente sinaliza. — Ok, você venceu. — Parando a um fio de
distância de mim, ela coloca a mão de forma sutil na toalha e,
automaticamente, meu pau ganha vida. — Meu quarto.
São as únicas duas palavras que ela diz antes de passar por mim e
começar a descer a escada. Sorrio pelas costas delas e bem… Eu provoquei.
Eu de fato gostaria de disfarçar um pouco melhor, mas a verdade é que não
quero perder um minuto a mais sem ter essa garota em meus braços, sem
poder amá-la do jeito que merece, sem dar prazer a ela e mais do que
conhecer seus trejeitos, ser capaz de decorar cada detalhe de seu corpo,
cada marquinha, cicatriz, bem como suas curvas, porque cada mínimo
detalhe faz de Maya Karlsson a garota que eu sempre sonhei.
Vou até meu quarto, coloco os aparelhos e levo a caixa deles junto
com a cueca. Saio do cômodo e desço para o subsolo no maior silêncio
possível. A porta está fechada, mas eu sei que não preciso bater para pedir
para entrar, por isso, eu apenas faço o movimento com o máximo de
silêncio possível.
Porém, nem mesmo uma entrada lenta como essa poderia me
preparar para a visão que tenho assim que a abro. A calça e a camiseta do
pijama já sairam e os cabelos, que antes estavam presos, agora emolduram
seu rosto, batendo em suas costas em ondas suaves e loiras. Mas a melhor
parte, com toda certeza, é o body que ela usa. Uma versão semelhante com
os que ela usa no ballet, marcando seu corpo, mas mil vezes mais sexy, já
que ele é todo rendado deixando meu queixo caído e pouco espaço para a
imaginação porque…
Porra! Está tudo ali. Tudo visível. O corpo completamente perfeito
dela.
— Se você tivesse sido um pouquinho mais paciente — ela faz uma
pinça com o indicador e o polegar da mão direita, enquanto coloca a outra
mão na cintura, inclinando o corpo da forma certa. — Eu teria revelado essa
roupa de um jeito bem mais sexy.
Não consigo me justificar, nem mesmo verbalizar alguma coisa que
seja, minha boca está completamente seca, eu simplesmente perdi as
estruturas. Quero dizer, ela…
— E-e-u — começa a gaguejar e limpo a garganta. — B-o-o-m,
eu…
— Você provocou, amor — ela joga os cabelos pelos ombros e
cruza os braços delicadamente sobre o peito. — Agora, você tem que
cumprir todas as promessas que me fez ao longo dia.
— Promessas?
— Você prometeu muitas coisas implícitas quando falou "mais
tarde", lembra? — Maya dá passos certos até mim e, então, ela me cala
novamente quando toca o nó da toalha que ainda estou usando e a tira do
meu corpo. — Quero saber o que você tanto prometeu.
É como se nós estivéssemos nos provocando, incitando um ao outro
e, caralho, como isso é bom. Como ela é capaz de me fazer sentir que eu
posso seduzi-la, que posso dar prazer a ela, que posso ser confiante dentro
dessas quatro paredes e virá-la do avesso, porque, verdade seja dita, eu
quero deixá-la extasiada, assim como ela faz comigo apenas ao dizer essas
coisas. Apenas usando um body cinza escuro rendado. Apenas sendo… ela.
Chuto a toalha para outro canto, me sentindo confiante mesmo
estando completamente nu e estico o braço rapidamente para deixar a cueca
e caixa do aparelho na cômoda que ela tem ao lado da porta. Faço todos
esses movimentos sem desgrudar os olhos dela, e então, com as mãos livres,
eu envolvo seu corpo com meu braço direito e beijo sua boca esperta,
adorando o gosto de enxaguante bucal que ainda está presente em sua
língua, sentindo meu pau duro entre nós e amando quando ela se esfrega
nele, me excitando ainda mais. Começo a levá-la para a cama, mas Maya
me segura no lugar, afastando a boca da minha para poder falar.
— Só tem uma condição — fala ela, enquanto sinaliza.
— Qual?
— O espelho — ela aponta para trás de mim para o espelho de chão
que ela tem. — Use ele a nosso favor.
Como ela pode ser tão sexy falando sobre um espelho?
— Combinado, agora venha aqui! — Respondo, rapidamente
movendo minhas mãos para a bunda de Maya e ela geme baixinho em
minha boca.
Tomo a boca dela com vontade, beijando Maya sem delicadeza, mas
da forma como ela merece, sendo adorada, mostrando como eu a quero,
como ela mexe comigo, como é capaz de fazer meu coração errar as batidas
e também não me importar se minha mãe nos ouvir. Eu acordaria a
vizinhança se isso fosse possível. Felizmente, o isolamento das casas é bom
e a chance de alguém nos ouvir é quase nula.
Corro minhas mãos por seu corpo, indo de baixo para cima, alisando
a renda e sentindo o quanto a parte de trás é pequena, porque sua bunda está
boa parte descoberta. Aliso a pele sedosa, amando que ela se esfregue no
meu pau, ainda mais quando eu puxo um pouco do tecido em meus dedos,
soltando-o e fazendo com que o elástico do body faça um barulho baixo ao
se chocar com sua pele de novo. Quando ela geme, sinto que há muitas
coisas que posso explorar com Maya.
Nossas cabeças se movem em uma dança sensual, assim como
nossas línguas. Maya morde meu lábio inferior entre um beijo e outro e
quando faz isso uma terceira vez, eu aproveito para começar a beijar seu
rosto, passando por seu pescoço, até chegar ao seu ouvido.
— Esse body é simplesmente… — mordo o lóbulo de sua orelha
quando ela geme.
— Gostou? Você pode tirar quando quiser — ela está ofegante e eu
amo isso.
— Nem pensar! — Respondo, começando a descer minha boca por
seu corpo — Vou te comer com você ainda nele.
Sinto a risada de Maya fazendo o corpo dela vibrar e decido ousar.
Com a luz do abajur nos iluminando bem e com a confiança latente dentro
de mim, faço uma escolha de não tirar os aparelhos neste primeiro momento
e testar, ver como será esse momento com ele. Continuo contornando seu
corpo com a boca até chegar aos seios, onde eu os encho com minhas mão,
os coloco para cima e chupo a pele que está a mostra, descendo um
pouquinho até chegar no tecido fino, onde sugo o mamilo esquerdo e depois
o direito, continuando o caminho até me ajoelhar entre suas pernas. Olho
para seu rosto e faço um sinal com o indicador e o médio, indo e voltando
entre meus olhos e os dela.
— Olhos em você, amor. Sempre e sempre.
Quando ela diz isso, com a voz ofegante por conta da expectativa,
eu a movo só um pouquinho, para ficar ainda mais na direção da luz, para
que eu veja completamente suas expressões. Olho para ela e da forma como
estou, na posição onde estou, só consigo pensar que ela realmente é uma
deusa, pois estou completamente de joelhos por ela. Dou um beijo ainda por
cima do tecido em sua boceta e finalmente, afasto o tecido para o lado,
mergulhando a língua em seus lábios.
— Ah! Nick! — Diz ela, com os olhos ainda em mim.
Ver e ouvir os gemidos dela, sinceramente, não tem preço.
É uma nova experiência, é diferente. Preciso tomar cuidado com a
forma como me mexo, para evitar que os aparelhos possam cair, mas acaba
se tornando mero detalhe enquanto minha língua se movimenta de forma
ágil, tocando seu clítoris e lambendo de baixo para cima. Maya segura
minha cabeça de uma forma que eu fique em um ângulo bom, tanto para
mim quanto para ela. Vou alternando os movimentos da língua, ora rápidos,
ora mais lentos, lambendo também de um lado para o outro e, depois,
voltando a dar atenção o clitóris.
— Isso! Deus, isso! Não para! — Fala ela novamente, mas então, a
mão esquerda, que antes estava em meu cabelo, sobe para sua boca.
Não consigo ouvir o que ela diz porque tudo se torna completamente
abafado, mas conforme ela continua a se mover em direção a minha boca e
seu corpo parece não conseguir se manter em pé, eu entendo.
Ela está gemendo. E, novamente, eu me sinto o cara mais foda do
universo inteiro.
Continuo a mover minha língua, segurando ela pelas pernas, mas em
um dado momento, quando ela começa a se esfregar ainda mais em meu
rosto, ela dá um puxão leve em meu cabelo e nos olhamos de novo, eu
entendo que ela quer que eu pare. Me levanto na mesma hora e começo a
falar.
— Fiz algo de errado?
— Nem um pouco — ofegante, ela continua —, você só acerta, é
que eu quero gozar junto com você.
Respiro fundo quando ela diz isso e meu pau fica mais um pouco
duro, ainda mais quando ela toca a cabeça e espelha a gotinha de pré-gozo
pela região.
Seguro seu rosto e a beijo profundamente, com o gosto dela se
misturando em nossas bocas, com o tesão explodindo entre nós, lutando
para conter os gemidos quando ela começa a me masturbar lentamente,
apertando meu comprimento, descendo e subindo de uma forma que me faz
delirar. Sinto quando ela começa a empurrar meu corpo para trás e, como
Maya é uma verdadeira caixa de surpresas e a personificação de Afrodite,
deixo que ela me guie alguns passos. Novamente, não estamos indo em
direção à cama e me pergunto o que ela está planejando. Ela me para no
lugar e dá por encerrado nosso beijo, se afastando.
— Você quer tirar os aparelhos? — Pergunta sinalizando.
— Não — respondo sincero. — Quero testar como será com eles.
— Tem certeza? Se sente bem para isso?
Assinto com um aceno, adorando a forma como ela se preocupa
com o meu bem estar e, por isso, me inclino para dar mais um beijo em sua
boca.
— Só preciso que você me guie.
Maya me beija e sinto através do toque dos nossos lábios quando ela
sorri. Quando se afasta, ela vira meu corpo de frente para o espelho e então,
eu começo a entender o que ela está querendo. Mas tudo melhora quando
ela contorna meu corpo e se coloca a minha frente, para poder falar comigo.
— Não sou eu quem vai guiar — diz e enquanto sinaliza e, por fim,
vira de frente para o espelho, ficando de costas para mim. — É você quem
vai guiar — ela apenas sinaliza e eu a compreendo através do reflexo. —
Você sabe o que fazer — ela move as mãos e então, se inclina, empinando a
bunda na direção da minha pélvis.
É simplesmente a ação mais sexy que eu já vi em toda a minha vida.
Esqueça minha imaginação, isso aqui, essa mulher, essa Maya poderosa,
sexy, mandona, gostosa, é tudo que eu sempre quis. Que eu quero.
E ela é minha.
E ela me quer mesmo com minhas inseguranças, mesmo que eu não
tenha tanta experiência quanto ela, ou mesmo que, neste momento,
enquanto eu puxo sua cintura, para que sua bunda venha para mais perto de
mim, minhas mãos tremam um pouquinho. Afinal de contas, ela sabe agir
de forma sexy e segura naturalmente. Já eu… bem, eu não tenho tanta
experiência assim.
— Nick?
Ouço quando ela me chama e olho para o reflexo.
— Eu amo você, amor.
Há quem diga que dizer que ama a pessoa na hora do sexo é uma
forma de quebrar o clima, ou em outros casos, uma forma banal, dita fora
de hora para iludir a outra pessoa com quem se está relacionando, mas, aqui
e agora, neste quarto, sobre a luz do abajur e o reflexo do espelho, mesmo
que Maya esteja em uma pose pra lá de sexual, as três palavras não são um
inimibir de sensações, muito pelo contrário, elas só potencializam tudo que
estou sentindo, tudo que quero fazer com ela. Essa declaração me comprova
mais uma vez que acima de tudo, o coração de Maya é meu.
Por isso, eu a puxo para mim, fazendo com que ela fique novamente
reta, com as costas encostadas em meu peito e a beijo de forma apaixonada,
mostrando que entendi seu gesto, que aprecio e mais do que isso.
— Eu te amo ainda mais, linda. — digo em sua boca, antes de me
afastar e fazer uma última pergunta. — Você tem camisinha?
— Segunda gaveta da mesa de cabeceira.
Sorrio para ela e vou até onde ela mencionou, encontrando uma
caixinha de preservativos. Rasgo a embalagem, envolvo meu membro com
o látex e então, me aproximo novamente dela, dessa vez, adorando quando
ela empina mais a bunda, apoiando as mãos dos lados da parede, com o
espelho no meio. Uma última vez, eu afasto o tecido de seu body e então,
entro em um movimento só em Maya.
Ouço o meu gemido e também o dela.
O sexo adquire novamente uma nova sensação, uma nova forma de
experiênciá-lo. Saio por inteiro e entro de novo, quando Maya geme mais
uma vez.
— Linda — eu a chamo e me inclino sobre seu corpo. — Pode
gemer alto dessa vez. Pouco me importo se alguém ouvir.
Como se fosse um combustível a mais, a boca dela se abre em um
“O” perfeito e ela geme. Movo minha pélvis, entretanto e saindo
lentamente, num ritmo torturante, sentindo sua boceta apertado. Seguro sua
cintura e então, entendo o que ela quis dizer com o comando. Sou eu quem
dito o ritmo em que vou foder a boceta dela, a forma como vai ser, e as
coisas só ficam ainda melhores porque eu acompanho seu corpo, mas
também vejo suas expressões e o restante de seu corpo refletido no
espelho.
Não poupo os esforços, chocando nossas peles por conta do
movimento e em um dado momento, eu a seguro pela cintura e pelo body,
puxando um pouco do tecido para mantê-la no lugar. É uma explosão de
sensações: o tato do tecido em meus dedos, a textura de sua pele junto com
a minha; os sons de seus gemidos e da minha respiração entrecortada que,
ainda que não seja algo cem por cento confortável, neste momento, sou
capaz de abstrair leves incômodos e adorar os sons que escuto. O cheiro do
corpo dela, do cabelo, de lavanda e tangerina e, claro, a visão dela
gemendo. Os cabelos loiros caem em seu rosto e ela vez ou outra precisa
jogá-los pelas costas, a boca entreaberta revela o quanto ela está gostando,
seus seios pequenos balançam, em uma explosão de sensações, de texturas e
sons.
Quanto mais eu entro nela, quanto mais toco seu corpo, quanto mais
vejo o prazer exalar dela, mais eu sinto que estou próximo. Começo a
aumentar o ritmo, próximo de chegar ao meu limite, mas então, olhando
para o reflexo dela, compreendo que há algo que ela quer me dizer. Eu a
puxo em direção ao meu corpo e paro de me mover, mas ainda permaneço
dentro dela. Com as costas encostadas em meu peito, eu sussurro em seu
ouvido.
— Linda, eu não vou durar…
Paro de falar quando olho para ela pelo reflexo e vejo Maya colocar
o indicar em cima do próprio lábio, me pedindo silêncio. O peito dela sobe
e desce em um ritmo mais rápido, mas quando nossos olhares ficam presos
um ao outro, eu entendo que ela quer falar comigo por ali.
E minha sanidade se esvai quando ela move as mãos, sinalizando
uma letra de cada vez, formando a frase que me destrói por completo, da
melhor forma possível.
— G-o-z-a c-o-m-i-g-o?
Seguro ela firme pela cintura e meto fundo nela. Rápido, forte e
bruto.
Gozo forte, sentindo meu corpo ir para frente junto do dela, vejo
seus olhos, pela primeira vez, se fecharem enquanto sua boca se abre e
emite um gemido alto e delicioso quando ela chega ao seu ápice. Encosto
minha testa em seu ombro, lutando com todas as forças para controlar
minha respiração, sentindo meu coração bater forte e minhas pernas
amolecerem. Dou beijinho suaves em sua pele e quando a sinto mais firme,
eu me afasto, saindo lentamente dela para remover a camisinha, dando um
nó e descartando na lixeira.
Me viro novamente para Maya, encontra os cabelos loiros claros
completamente desalinhados, as bochechas grandes vermelhas e a boca
ainda um pouquinho aberta, tentando recuperar o fôlego. Vou até ela em
passos lentos e, quando paro a sua frente, começo a descer a alça esquerda
do body.
— Já quer de novo? — Pergunta ela surpresa — Preciso de cinco
minutos.
Dou uma risadinha da forma exausta como ela fala, mas balanço a
cabeça negativamente, mostrando que não é essa a minha ideia. Abaixo a
outra e começo a descer o tecido por seu corpo, passando pelo busto, pela
cintura, fazendo o tecido cair aos seus pés, o que ela rapidamente chuta para
o lado. Quando Maya fica nua em minha frente, eu decido admirá-la em
outro lugar, por isso, eu me abaixo, passando meu braço por trás de seus
joelhos e a pegando em meu colo. Ouço sua risadinha baixa e a coloco
deitada na cama, no centro do colchão.
Perco alguns instantes admirando sua beleza, admirando a forma
como tudo nela, cada pintinha, cada detalhe, cada parte é completamente e
cem por cento perfeito.
— Agora sim — digo. — Agora eu posso fazer o que quero. Só falta
uma coisa.
— O que?
Vou até a cômoda e dessa vez, retiro meus aparelhos auditivos. A
experiência de transar com eles foi um bom teste, mas para o que eu quero
fazer agora, sinto que vai ser igualmente especial me conectar a ela cem por
cento através do olhar. Guardo os mesmos na caixinha e me viro para Maya
novamente, sorrindo quando a encontro apoiada pelos cotovelos na cama.
— Agora eu posso fazer amor com você, linda.
Ela suspira e eu faço o mesmo.
Me inclino na cama, me apoiando com o joelho e aproximo meu
rosto do dela, adorando quando ela o emoldura com suas mãos pequenas e
delicadas.
— Eu te amo, Nick Bennet. — Sinaliza ela.
Ainda é surreal compreender essas palavras, mas é ainda mais
surreal poder confessar o que sempre esteve em meu coração.
— Eu sempre te amei, Maya Karlsson.
É natural voltar para a casa antes do Sol se pôr
E colocar suas chaves entre os dedos quando há garotos por perto
Boys Will Be Boys – Dua Lipa

Giro no mesmo ponto do chão da sala repetidas vezes, vendo meu


reflexo distorcido no espelho por conta da rapidez. Sei que a senhora Gröna
está observando meus passos, mesmo que não esteja fazendo a contagem do
tempo em voz alta, junto com as palmas. Chego até mesmo a sentir falta,
principalmente porque sei que ela está apenas observando por um único
motivo: a essa altura, eu preciso estar dançando sem nenhum erro. Preciso
ser perfeita.
O teste para o Kungliga Baletten acontecerá em alguns dias. A partir
de agora, todo tempo de ensaio é pouco e precioso. Entretanto, mesmo
sabendo da importância, mesmo com dores no corpo, nos pés e com a
ansiedade começando a falar mais alto, não tiro o sorriso do rosto e dessa
vez, não é só porque preciso sorrir, porque faz parte da dança.
Estou sorrindo porque estou feliz.
Nos últimos dias tenho me sentido dentro de um romance digno dos
cinemas. Nessa história protagonizada por mim, eu sou uma mistura de
todas as protagonistas que muitas vezes admirei nessas histórias. Sou a
garota dos sorrisos leves, a bailarina que busca pela perfeição sem ferir a si
mesma ou prejudicar sua saúde, mas principalmente, eu sou a protagonista
que se permitiu ser amada e que está amando. Nos últimos passos da
coreografia, eu penso em Nick e em tudo que temos vivido, na forma como
ele tem sido mais do que meu namorado, mas meu amigo desde antes do
nosso envolvimento. Meu companheiro favorito para tudo.
Penso no almoço de família que tivemos com todos os membros da
dele e sorrio mais um pouco. Lembro do jantar mais recente, que meus pais
vieram até Estocolmo para, oficialmente, contarmos sobre o namoro e a
maneira como parecia um dia normal, como se nosso relacionamento já
fosse coisa de anos, como se nossas famílias fizessem isso sempre. Mamãe
e papai ficaram verdadeiramente felizes, os sorrisos, as conversas, as
risadas, nada disso foi forçado, porque os dois aprovaram minha escolha,
eles gostam de Nick. É diferente namorar uma pessoa que seus pais gostam
e eu consigo perceber isso nitidamente.
Finalizo o giro e paro na ponta dos pés, olhando para o espelho,
imaginando que há uma plateia me assistindo. É assim que tenho feito nos
últimos dias, eu tenho me permitido sonhar com o futuro, e neste futuro,
diferente de uma sala cheia de espelhos, há um público me assistindo e me
aplaudindo. Eu estou em um palco, no lugar onde sempre quis estar, a
minha segunda casa, como mamãe gosta de dizer.
— Muito bom, srta. Karlsson. — A voz de Marta ressoa e eu desço
da ponta. — Muito bom.
Ela dá um sorriso polido e isso é muita coisa. Um "muito bom" de
Marta Gröna é muita coisa. Sorrio mais uma vez para ela, incapaz de
disfarçar a felicidade que irradia de mim.
— Obrigada, Marta.
— Uma pausa para a água e vamos de novo?
— Combinado.
Ela sai da sala para ir pegar um novo café e eu me sento no chão,
pegando minha garrafa de água enorme e dando um gole generoso. Na
sequência, pego o celular para mandar uma mensagem para Nick. Mas é
claro que, a essa altura, eu não deveria mais me surpreender por ver que ele
já mandou uma mensagem.
Nick: Meu professor recomendou um filme na aula, algo
completamente optativo
Nick: Mas a primeira coisa que eu pensei foi…
Nick: Sessão de filmes com a minha namorada <3

Sorrio quando ele diz "minha namorada" porque é tão gostoso esse
carinho de Nick, é tão bom ser amada. É quase como se eu tivesse me
esquecido da sensação e estivesse experienciando isso tudo novamente, pela
primeira vez. De certa forma, é algo diferente mesmo, porque com ele, eu
sinto que estou realmente amando e sendo amada de volta. Não é algo
unilateral, é recíproco. É bom. É perfeito.
Por isso, eu respondo a mensagem com um sorrisinho bobo no
rosto.

Maya: Estou dentro!


Maya: Eu não sei do que eu gosto mais, do termo "minha
namorada" ou o "linda".
Nick: Acho que depende, por aqui deve ser o "minha namorada"
Nick: Mas ontem, enquanto a gente transava, provavelmente o
"linda" ;)

A versão Nicholas Bennet sem pudor é, com toda certeza, a surpresa


mais agradável e uma das facetas que eu mais gosto de descobrir com nosso
relacionamento.
Fecho os olhos e relembro da noite anterior, ao momento do qual ele
se refere, um dia comum nosso de semana: cheguei do ensaio à noite — já
que Marta e eu estamos ensaiando também fora do horário oficial — e Nick
estava gravando o conteúdo do Instagram para as próximas semanas.
Enquanto ele gravava, fiquei no quarto junto com ele, ajeitando minhas
sapatilhas, costurando um elástico mais grosso no par que estou usando e,
depois, continuei a ler o livro que ele está trabalhando, adorando dar minhas
opiniões e ser uma das primeiras leitoras. Jantamos junto com Hannah,
vimos os lances do jogo de James e por fim, nos deitamos em meu quarto
para ficarmos juntos mais um pouco. E então transamos baixinho, e foi tão
bom.
Tudo com ele tem sido bom.
Maya: É, acho que gosto dos dois
Maya: Mas acho que é porque eu gosto de tudo com você, amor

— Pronta? — A voz de Marta chama minha atenção enquanto ela


entra pela porta com uma nova xícara de café.
— Pronta.
Estou prestes a bloquear a tela quando vejo a resposta de Nick.

Nick: Eu amo tudo com você, linda


Nick: Bom ensaio, vou voltar para a aula
Nick: E não esquece
Nick: Enquanto você gira, meu coração flutua sem parar <3

O hai-kai sem nome. O primeiro poema que ele me mandou e que


agora eu sei que é sobre mim, assim como tantas coisas que ele já escreveu.
Meu coração enche mais um pouco de amor enquanto eu teclo a última
mensagem e me levanto, pegando o leque na mão e pronta para voltar a
ensaiar, porque o meu coração também flutua enquanto danço e agora,
ainda mais por saber que há para quem voltar.

Desligo a ligação longa com Ellie, feliz por saber que minha amiga
está feliz em Amsterdã. É bom ver que aqueles que você ama estão bem e
mais ainda, é ainda melhor conversar com pessoas que também vibram pelo
seu sucesso. O restaurante está um pouco cheio e é um pouco longe da
academia de ballet, mas há um motivo bom para estar aqui. Olho para a
porta e coincidentemente, vejo meu convidado do almoço chegar, dou um
aceno para Louis e ele entra com suas duas mochilas enormes e o taco de
hockey.
— E aí, Maya — com um sorrisinho de lado, ele começa a tirar o
casaco que está usando, assim como touca, balançando os cabelos
compridinhos para os ajeitar. — Demorei um pouco porque um professor
acabou nos segurando um pouco a mais.
— Está tudo bem, Lou, obrigada por ter vindo — sorrio para ele e
pego o cardápio em mãos. — Já fiz meu pedido, espero que não se importe.
— Que nada! — Ele se senta. — Eu sempre peço a mesma coisa, a
Emma já sabe — quando diz isso, ele ergue o rosto e eu vejo a piscadinha
esperta que dá para a atendente para quem fiz o pedido. Ela deve ser mais
velha que Louis, mas a forma que sorri para ele…
— Bem que o Nick disse que você tem esse charme todo. — Dou
risada.
— É de família — brinca ele, rindo. — Mas não é nada demais, é só
porque eu venho aqui sempre, a gente já se conhece há tempos. — Dando
de ombros, ele se ajeita na cadeira. — Vamos ao que importa: teve alguma
ideia do que fazer no aniversário do Nick?
— Sim. Alguns planos foram frustrados, mas outros vão dar certo
— começo a explicar. — Vou precisar ensaiar no sábado, vai estar perto do
teste então todo tempo é precioso.
— Está tudo bem, meu jogo vai ser na sexta-feira, então consigo
cuidar das coisas. Falou com a tia Hannah?
— Sim, ela deixou que façamos a comemoração depois do
expediente. O Nick não vai trabalhar, mas ele deve ir me buscar, então é a
desculpa perfeita.
— Certo, do seu lado está tudo acertado — comemora Louis. —
Falei com a Manu, ela tem um contato de uma mulher que faz um bolo
maravilhoso, pode deixar essa parte comigo.
— Você consegue levar?
— Sim, peço uma carona pro meu pai, vou dormir lá já que teremos
a outra festa no domingo.
— Perfeito! — Bato palminhas animadas. — Será que ele vai
gostar?
— May, vai por mim, ele ia gostar de qualquer coisa que você
fizesse. Aliás, olha que irado — Louis pega o celular do bolso, bate
algumas vezes na tela e vira a mesma para mim. — A Manu que desenhou.
— São vocês dois? — Pergunto, pegando o telefone em mãos,
admirando a foto.
— Sim. Eu achei essa foto esses dias e ela decidiu fazer um
desenho, no estilo dela. Vamos dar no domingo para ele.
— É lindo, Lou — devolvo o telefone para ele sorrindo, mas ao
mesmo tempo preocupada. — Não faço ideia do que dar de presente para
ele.
— Vai por mim, você já é o presente perfeito pro Nick.
— Você me entendeu — respondo rindo. — Queria dar algo
significativo, que ele goste, sabe?
— Quer minha ajuda? Tenho até às três e meia livre antes de ir pro
treino, podemos ir em algumas lojas e procurar algo.
— Gosto dessa ideia — sorrio quando ele sugere me ajudar.
Nossos pokes chegam, junto com a água, e logo começamos a
comer, ficando em silêncio por alguns instantes.
— Mas, May, de verdade — Louis volta a chamar minha atenção.
— Quando digo que você é o melhor presente, é verdade. Aquele cara
sempre foi apaixonado por você, não sei se você tem dimensão disso —
fazendo uma pausa, ele limpa a boca com um guardanapo e sorri. — E vê-
lo feliz como eu tenho visto, não tem preço.
Sinto meu coração aquecer e transbordar tanto pela forma como
Louis fala do melhor amigo, com um amor genuíno e verdadeiro,
novamente, me mostrando como é maravilhoso ter pessoas que vibram pela
nossa felicidade, como é o caso dele e de sua família que, nitidamente,
estão felizes por nós.
— Acho que só consigo ter essa dimensão, entender o quanto estou
fazendo Nick feliz porque é recíproco — suspiro ao dizer essas palavras. —
Quero fazer questão de mostrar isso todos os dias, mas a verdade é que,
acho que o Nick me salvou, Lou. — Sinto-me até mesmo um pouco
emotiva a dizer isso — Foi ele quem me mostrou o que é amor de verdade.
— Fico feliz por vocês, Maya. Vocês merecem e muito ser felizes —
Lou sorri, os olhos azuis claros brilhando intensamente. — É legal ter você
na família. Uma atleta bem mais elegante do que qualquer um de nós.
— Não vou desistir de ensinar vocês alguma coisa de ballet —
brinco, fazendo referência ao almoço de domingo, onde eu tentei dar uma
aula de dança para ele, Nick e Alex.
— Então você vai precisar ficar com o Nick por muitos e muitos
anos, porque vai levar um bom tempo para aprendermos algo.
Louis e eu começamos a rir, mas a menção de muitos e muitos anos
junto com Nick é algo que me parece bom. Muito bom.
O almoço com o melhor amigo de Nick é divertido. Louis me conta
um pouco mais sobre o campeonato e sua vida, a rotina na escola e as
histórias engraçadas que ele protagonizou anos atrás, em seus primeiros
anos de vida, quando a mídia tinha os holofotes voltados para o pai dele e a
mãe. Anos depois, tanto ele quanto eu só conseguimos pensar como é
surreal pensar numa mídia sueca que invadia o espaço pessoal de pessoas
com influência e certo grau de fama, como Zara e Nathan. Entretanto, é
ainda mais legal ver que isso repercutiu de uma forma boa para ele, é legal
a forma como ele conta isso com humor e mais, como isso de certa forma o
motivou na escolha de carreira. Louis é novo, mas pensa em cursar
jornalismo, com foco na área esportiva, ainda que, ele não negue que muito
provavelmente será apenas um meio para o fim: os rinques e o hockey.
Devidamente alimentados, vamos em direção a uma rua
movimentada com muitas lojas e, por fim, eu encontro um presente que
tanto eu quanto Lou chegamos a conclusão que irá agradar Nick. O caderno
com as iniciais dele gravadas na capa preta e um anel de prata, simples,
fininho, mas que eu peço para gravar algo na parte de dentro.
Por fim, nós nos separamos e eu vou em direção a academia, para
fazer meu treino diário antes de voltar para o ballet e para mais uma parte
de ensaios. É uma rotina agitada, mas eu não sou capaz de reclamar porque,
pela primeira vez em um bom tempo, eu me sinto em paz. Me sinto em paz
comigo mesmo, me sinto confiante, me sinto bem. Me sinto amada.

A semana passa diante dos meus olhos como um borrão. As


temperaturas começam a cair ainda mais e a luz do sol está dando cada vez
menos o seu ar da graça. As árvores estão começando a perder cada vez as
folhas e, para ajudar, choveu a semana toda. Na sala de ensaio onde estou,
as janelas refletem somente um pouco a chuva que está caindo, está escuro
e por isso eu não consigo muito bem ver se ela está forte ao ponto de não
conseguir ir embora a pé, ou se somente a capa de chuva será o suficiente.
Marta teve uma emergência familiar e, por isso, estou ensaiando
sozinha. Eu poderia ter ido embora com ela, mas a verdade é que quanto
mais o teste se aproxima, mas eu quero usar cada minuto livre que tenho
para ensaiar. Além disso, vou me sentir melhor se usar todo o tempo que
tenho ensaiando, me aperfeiçoando ainda mais na coreografia que, a essa
altura, eu já sinto que faz parte de mim.
Danço uma última vez e por fim, dou como encerrado o dia, até
porque, já está tarde. Estou exausta, mas feliz porque, no dia seguinte, terei
a festa de aniversário surpresa de Nick e no domingo, seu aniversário de
fato. Não vejo a hora de dar os presentes para ele e, ainda mais, passar um
tempo de qualidade com meu namorado.
Ajeito minhas coisas na bolsa, tirando a sapatilha de ponta com um
suspiro audível e, enquanto mexo os dedinhos, abrindo as pernas em um
ângulo de cento e oitenta graus, eu pego meu celular e enquanto me alongo,
envio uma mensagem para Nick.

Maya: Estou livre.


Nick: Estou atrasado, linda, me desculpe.
Nick: Acabei perdendo a hora com uma leitura e enquanto escrevia
uma parte do trabalho que preciso entregar na semana que vem.
Maya: Sem problemas, amor.

Vejo um clarão na janela e me dou conta de que é um raio.


Rapidamente, teclo uma nova mensagem.

Maya: Quer que eu vá embora sozinha? Está chovendo forte pelo


visto.
Nick: Está chovendo bastante, mas não se preocupa, estou só
esperando minha mãe chegar de carro e estou indo.
Maya: Tudo bem, amor, te espero.

Bloqueio o telefone e começo a ajeitar minhas coisas. Como Nick


usa aparelhos auditivos, em dias de chuva forte como hoje, ele precisa
tomar cuidado para não molhá-los, por isso, não me surpreende que ele
esteja esperando o carro de Hannah para vir. Por sorte, o caminho da casa
dele até aqui não é longo.
Sinto meu estômago roncar e decido ir até uma máquina de
alimentos perto da entrada, já que o café da academia já está fechado a essa
hora. Me alongo mais um pouco, ansiando pelo dia de massagem que terei
na semana que vem, graças ao desconto da academia em um SPA, eu bem
que estou precisando. Guardo minhas coisas com calma, visto minha bota e
mais uma blusa de manga comprida, deixando a sala e andando pelos
corredores que, a essa hora, estão um pouco mais escuros.
Vou até a máquina e procuro por alguma opção que não me encha
tanto, mas que sane um pouco da fome, encontro um barra proteica que me
apetece um pouco mais e tento algumas vezes fazer o pedido, encostando o
cartão na leitora. Infelizmente, a sorte não está do meu lado, porque a
máquina debita o valor, mas o produto não cai. Bato algumas vezes na
lateral, mas nada acontece.
— Que maravilha! — Digo em voz alta para ninguém além de mim
mesmo.
— É frustrante quando as coisas não dão certo, não é, Maya?
Viro o rosto rapidamente assustada, me surpreendendo ao encontrar
Daniel atrás de mim.
— O que faz aqui? — Pergunto seca, não gostando da forma como
ele está parado me olhando.
— Vim atrás do que é meu — ele dá um passo para frente e eu recuo
um, assustada ainda por ele estar aqui.
— Do que está falando?
— Você achou mesmo que seu momentinho a sós com o novo
namorado não seria descoberto, Maya?
Quando ele diz isso, sinto meu corpo inteiro congelar.
Eu sei o que fizemos, sei que foi arriscado, sei que alguém poderia
chegar e ouvir, mas… Droga, eu não pensei nas consequências, não naquele
momento e sei que foi errado. Não posso me eximir dessa culpa, mas o
estranho é que, como justamente ele sabe sobre isso?
— Como você…
— Você é tola — diz ele com raiva na voz. — Não era você que
batia no peito, dizendo que eu fazia tudo para conseguir o que eu queria? Se
você acredita nisso, então deveria saber que eu não gosto de ser passado
para trás.
— Eu não consigo entender o que você quer, eu não consigo
entender o porquê você me culpa tanto, eu não fiz nada para você — as
palavras saem com uma mistura de medo e raiva juntos.
— Você e Johanna ficam repetindo a mesma coisa. "Não sei o que
fiz, não sei porque você age assim" — ele faz uma imitação da minha voz,
dando mais um passo em minha direção. — Sendo que é por culpa de vocês
que eu perdi tudo o que eu tinha.
Ele dá mais um passo à minha frente e então eu percebo: as pupilas
sem brilho e um resquício branco em seu nariz. Nessa hora, eu me dou
conta de que a situação é bem mais grave do que eu poderia imaginar,
Daniel não está apenas frustrado, ele está perseguindo a mim e a Johanna,
ele está usando drogas, ele está no estágio mais puro de frustração, ele está
com ódio. Ele está com raiva.
Pela primeira vez, eu não sinto raiva ao olhar para ele, eu não sinto
que preciso dar um esporro nele ou mesmo responder a altura. Eu preciso
fugir, eu preciso sair de perto dele porque há uma sensação que me domina
ainda mais.
Medo.
Os olhos que um dia eu gostei de admirar não têm brilho. O rosto
que um dia eu achei doce, que um dia eu tanto admirei pela beleza, agora é
o reflexo de uma pessoa que eu não conheço, de alguém que eu me
pergunto se em algum momento eu realmente conheci. Ele é um estranho,
ele é uma ameaça a mim.
— Você está fora de si… — digo com a voz baixa.
— Não queira jogar comigo, Maya — ele avança e eu me vejo ainda
mais acuada, sentindo o vidro da máquina de comida bater em minhas
costas por conta do passo que recuo. — Não encontrei com a diretora da
academia hoje, mas vou encontrar ela amanhã e vou contar que você ficou
usando uma sala de ensaio para dar uns amassos com seu namoradinho de
merda. E aí, eu quero ver quem vai continuar tendo tanta moral para fazer
um teste para o ballet real.
Ele quer me destruir a qualquer custo, ele quer ver todo mundo se
dar mal pelo simples motivo de que, se ele não está no topo, ninguém pode
estar. É aterrorizante constatar isso, é um estranho na minha frente. Quem
vai acreditar em mim? Quem vai acreditar em Johanna se contarmos isso?
O que mais nós podemos fazer? Só então, me lembro que estou com o
celular em mãos, preciso fazer algo, registrar de alguma forma o que ele
está dizendo, só assim terei provas.
— Por que está fazendo isso? — Faço a pergunta para ganhar tempo
hábil. Dou tudo de mim para tentar fingir que estou calma. Daniel gosta de
falar de si mesmo, se eu alimentar seu ego ainda agora nessa situação
estranha, posso ganhar tempo.
— Ora, Maya, porque como eu já cansei de te dizer, nós dois
queremos a mesma coisa — ele começa a falar com a voz sombria e, ainda
olhando para ele, eu movo a mão para trás, de maneira disfarçada,
desbloqueando a tela com a digital.
Movo o dedo na tela, deslizando para a esquerda para que a câmera
se abra e eu consiga gravar um vídeo. Não preciso da imagem, apenas do
som. Tento controlar o tremor nas mãos enquanto toco a tela e ouço as
palavras de Daniel.
— Eu só quero uma chance, Daniel. — Digo, torcendo que tenha
tocado nos lugares certos para iniciar a gravação.
— E você teve, só não soube aproveitar. Olha — Daniel dá mais um
passo, ficando mais um pouco perto de mim. — Não é minha culpa que
você não é uma bailarina boa o suficiente para a academia de ballet de
Copenhagen, ou mesmo para Gisele. Eu estava visando o melhor para mim,
assim como você está fazendo agora. — Ele explica, como se cada uma das
palavras que está dizendo não pudessem ferir a mim.
— E o seu grande plano é destruir minha carreira e a de Johanna?
— O meu plano é ter o meu lugar por direito. — A voz sai mais
grossa. — Eu era o bailarino principal de Gisele, eu estava fazendo tudo
certo, mas a nossa sintonia não estava dando certo e por algum motivo, as
pessoas achavam que eu estava sendo arrogante e exigente. E você, bem —
ele desdenha —, você vai perder sua chance porque é tola.
Ele ri com escárnio e eu torço para que meu celular esteja gravando
o que ele está falando.
— Não vai dar certo — as palavras escapam da minha boca, movida
pela raiva, pelo medo, pela tristeza. Sinto as lágrimas escorrerem dos meus
olhos e minha garganta embarga. — Você é um monstro!
— Repita! — A voz dele é grossa e, quando eu vejo que ele vai
avançar sobre mim, meu instinto de sobrevivência fala mais alto. Eu corro.
Disparo na direção do corredor.
— Socorro!
Grito alto, na esperança de que haja alguém ali, entretanto, os
corredores com as luzes mais fortes estão em completo silêncio, a não ser
pelas pisadas fortes das minhas botas e das botas dele. Daniel está correndo
atrás de mim e eu avanço, agradecendo pela porta da saída que está logo à
minha frente.
Abro a mesma acionando o botão ao lado, odiando que ela leve um
segundo para abrir, mas saindo em disparada. Vejo um carro alto entrando
na rua e mesmo com a escuridão da noite, reconheço o carro de Hannah. É
Nick, está tudo bem, estou a salvo.
— Nick! — Grito alto, mas não tenho tempo de descer o último
degrau, porque sinto uma mão segurar meus cabelos molhados.
Sou puxada para trás.
A chuva cairá
Lave toda a dor
Ela protege a alma
Feels Like Foverer - Of Mice and Men

Tem sangue nas minhas mãos. E esse sangue não é meu.


As gotas de chuva escorrem pela minha cabeça e molham meu
rosto. Não tem luz na parte onde estou, mas eu consigo, ainda na penumbra,
saber que minha mão está tingida de vermelho. Não sou capaz de ouvir os
sons da tempestade, mas isso não me impede de saber que a chuva está forte
e de ver através do clarão dos raios o corpo na minha frente. Não ouço os
sons que ele faz, mas sei pela forma como seu rosto se move que ele está
gemendo por conta da dor. Fico feliz que seja por dor, porque ele merece.
Eu vi o que ele estava fazendo e ele merece cada um dos socos que dei em
seu rosto. Odeio violência, odeio com todas as minhas forças, esse não é
meu comportamento normal, mas eu perdi os sentidos, eu não medi os
estragos quando vi ele perto dela.
Maya.
Tudo aconteceu tão rápido.
Eu estava dirigindo, animado com a perspectiva de encontrá-la,
pronto para sugerir de comermos em um restaurante de frutos do mar que
eu amo e, depois, irmos para casa aproveitar. Mamãe e James vão viajar
pela manhã no sábado e eu teria o dia todo com Maya, ia combinar de
vermos um filme todos juntos e depois, dormir com ela abraçados, curtindo
o som agradável da chuva. Era para ser uma noite tranquila.
Entretanto, olho para minhas mãos sujas de sangue. Sangue dos
socos que dei em Daniel. Quando entrei na rua da academia de ballet dela, o
farol alto iluminou a entrada e eu vi ela sair correndo, parei o carro na hora,
no meio fio. Tirei os aparelhos auditivos, colocando-os de qualquer jeito no
porta copos e abri a porta do carro.
Foi então que vi o que ele fez. Daniel puxou Maya pelos cabelos e
ela caiu no chão. O ódio tomou conta de mim e eu simplesmente avancei.
Deixei a porta aberta do carro e corri até a entrada.
— Solta ela, seu filho da puta! — Eu o empurrei, gritando.
Ouvi muito baixo o que ele disse, as coisas aconteceram rápido, só
me dei conta do que estava acontecendo quando senti um soco atingir meu
rosto. Fechei minhas mãos e simplesmente bati nele de volta. Um soco,
outro e outro e outro e outro sem parar. A verdade me atinge de uma forma
que faz com que eu queira gritar. Mas, primeiro, eu me viro para o lado para
olhá-la, encontrando seus olhos amedrontados. Dou passos até ela e Maya
me abraça forte. Sinto seu corpo tremer enquanto ela chora assustada, a
adrenalina ainda corre em minhas veias e só então eu começo a me dar
conta do que fiz.
Eu bati em Daniel Eriksson, o ex-namorado abusivo de Maya. Ele
ergue o rosto e mesmo com a luz relativamente fraca, eu consigo ver sua
expressão de dor. Entretanto, quando sinto o corpo de Maya vibrando em
meus braços, vendo sua expressão de sofrimento. Os olhos cheios de
lágrimas, os cabelos loiros molhados pela chuva que está começando a
diminuir, o rosto assustado, o corpo tremendo.
— Você me salvou, Nick — ela sinaliza cada uma das palavras
devagar. — Mas, eu acionei o botão de emergência do celular, eu fiquei
assustada, com medo do que ele poderia fazer com você e... — ela sinaliza
rápido enquanto as palavras começam a sair rápido de seus lábios e eu
preciso me esforçar para acompanhar.
O rosto que eu sou apaixonado transparece medo, e eu o odeio mais
um pouco. Conheço essa garota desde sempre. Eu a amo há tanto tempo que
não me lembro uma única vez em que tenha olhado para ela e meu coração
não tenha errado o ritmo das batidas. Balanço a cabeça em negação. Não
me importo com isso, eu só preciso saber que ela está bem. Ergo as mãos
devagar, ainda sujas de um pouco de sangue para verbalizar as palavras, ao
mesmo tempo em que digo em voz alta.
— Você está bem?
Ela balança a cabeça devagar e então, eu a abraço, sentindo seu
corpo junto ao meu, sentindo meu coração bater mais forte. O momento de
quase calmaria não dura muito porque logo, vejo luzes azuis brilhando em
nossa direção. Sei que há sirenes tocando. Maya move a boca e sinaliza
meu nome.
— Nick…
Eu não sei o que vai acontecer, mas mesmo com medo, eu sei que
fiz a coisa certa. Meus pais sempre me ensinaram que a violência nunca é a
resposta, mas, como posso me arrepender de bater nesse cara, se ele estava
machucando a garota que eu amo?
O carro para e um policial desce bem no momento que Daniel se
levanta, como se tivesse superado um pouco a dor.
O policial começa a falar e Maya sinaliza o que ele está dizendo
para mim, para que eu também compreenda a conversa.
Daniel é o primeiro a falar mas eu não compreendo com clareza, é
então que Maya toma a frente, começando a falar e sinalizar tudo o que
estão dizendo.
— Ele estava me perseguindo, senhor — explica. — Esse é meu
namorado, ele chegou e me defendeu.
Outro policial desce do carro e vejo que ele observa a cena
atentamente, mas a situação neste momento é pior para mim, porque Daniel
está com o nariz sangrando e o olho esquerdo bem inchado, assim como o
lábio inferior com um corte fino. Ele tem sangue no rosto e eu nas mãos, é
difícil de explicar.
Conforme a adrenalina começa a baixar, eu sinto a dor latente no
lado do rosto onde ele me atingiu. Enquanto isso, Maya fala com um
policial e Daniel com outro e eu fico sem saber o que fazer, como agir, o
que falar. A verdade é que o pico de coragem que tive, neste momento, foi
substituído por uma grande parcela de medo. Maya segue sinalizando não
apenas o que está falando, mas também o que o policial fala.
— Acho melhor vocês três nos acompanharem para a delegacia. —
me surpreendendo, o policial sinaliza o que disse, com um pouco de
lentidão, provavelmente por não usar muito a língua de sinais.
— Sim, senhor — diz Maya. — Eu quero fazer uma denúncia
formal contra ele — ela aponta para Daniel.
— Não vou a delegacia nenhuma! — Maya segue sinalizando até
mesmo o que Daniel diz, mas mesmo sem ouvir, a expressão de ira é latente
no rosto dele.
— Abaixe o tom, senhor! — Repreende o policial que outrora falava
com Maya, sinalizando também. — Vamos, me acompanhe.m
— Aquele é o seu carro? — Pergunta o outro policial e eu
compreendo quando Maya sinaliza para para mim e eu aceno em
concordância.
Maya assente e me puxa para junto dela. A passos rápidos,
caminhamos para meu carro que ainda está parado no meio fio, mal
estacionado e me surpreendo quando ela não vai para o lado do passageiro e
sim, para o motorista. Vou para o outro lado e quando fecho a porta, em um
movimento sincronizado com o dela, abro o porta-luvas, onde minha mãe
sempre deixa uma toalha e caixa de lenços. Faço de tudo para secar o
máximo que posso meus ouvidos e meus cabelos, para poder colocar os
aparelhos auditivos novamente. Quando o faço, o carro da polícia aciona a
sirene e Maya dá partida no carro.
O silêncio entre nós dessa vez não é confortável, ele é um
incômodo, eu não sei se ela está brava comigo, não sei o que aconteceu para
que aquele momento entre ela e Daniel acontecesse e eu sinto o desespero
correr por minhas veias. Preciso falar com ela, preciso saber que Maya não
está com medo de mim por conta da minha reação violenta.
— Linda, me desculpa — é a primeira coisa que digo. — Eu não
pensei na hora. Eu só vi ele puxando seu cabelo e…
— Amor, eu sinto tanto.
Ao dizer essas palavras, Maya começa a soluçar alto e chorar. Ela
chora copiosamente mesmo dirigindo. É uma cena quase tão pior do que a
que vi antes, ela despedaça meu coração em ainda mais, em cacos
pequenos. Maya não desvia os olhos da rua, mas as lágrimas não param de
cair e eu me sinto ainda mais impotente. Nenhum daqueles socos dados no
rosto de Daniel compensam, ou mesmo são capazes de evitar que Maya
chore, que o que quer que ele tenha feito com ela seja reparado. Sinto um
calafrio percorrer meu corpo, é nesse momento que começo a pensar o que
ele pode ter feito enquanto eu ainda não tinha chegado.
— Linda, ele fez algo? Ele te…
— Não! — Ela responde rapidamente, tentando controlar a voz e a
respiração por conta do choro. — Ele só disse coisas horríveis.
— O que aconteceu? Como ele entrou na academia?
— Eu não sei, Nick, eu realmente não sei. Ele está usando drogas, vi
o pó branco no nariz, eu só… — ela respira fundo e então, tira uma das
mãos do volante, com uma expressão assustada e tateia os bolsos da calça
— Aqui, pega o meu celular.
Ela pede que eu desbloqueie o aparelho e assim que a tela se abre,
que há um vídeo ali.
— O que é isso? Por que está gravando um vídeo?
— Dá o play, por favor.
Eu o faço e logo, começo a entender o que ela fez. Ouço a voz de
Daniel mesmo que não haja uma imagem a não ser tudo preto.
— Graças aos céus deu certo. — Com a voz embargada, ela
continua a falar — Com essa gravação, talvez tenhamos uma chance de
comprovar o que ele estava fazendo — diz ela, limpando o rosto
rapidamente com uma mão. — Nada vai acontecer com você, ok? Eu
prometo. Não vou deixar que a bagunça da minha vida te atinja.
— Linda, para! — Balanço a cabeça negativamente e olho para ela.
— Não estou preocupado comigo, estou preocupado com você. Não pense
nem por um segundo que eu me arrependo de ter te defendido, muito pelo
contrário. Eu faria mil vezes se fosse preciso.
Maya para o carro no farol, atrás ainda do carro da polícia e eu
aproveito esse momento para dar um abraço rápido nela. Preciso sentir seu
corpo, preciso acalmá-la. Aperto seu corpo o máximo que posso do meu,
mas a solto rapidamente porque estamos parados no trânsito.
— Nós vamos ficar bem, ok? Eu prometo — respondo a ela,
tentando dar forças.
— Eu sei. Eu vou conseguir provar que ele está perseguindo não só
a mim como também a Johanna. Ele confessou isso — quando diz as
palavras, o farol abre e eu balanço a cabeça, fechando as mãos ainda sujas
em punhos cerrados.
— O que ele tanto quer? Porra, o que esse babaca tem com vocês
duas?
— Raiva — diz ela simplesmente. — Ele não suporta que nós duas
estejamos bem sem ele. Além disso, ele anda nos espionando, ele… Ele me
ameaçou.
— O que ele disse? — Pergunto preocupado.
— Ele mencionou nosso encontro na sala de ballet — ao dizer isso,
entendo todo o pânico em Maya, entendo ainda mais a gravidade da
questão.
— Eu assumo a culpa, linda. Eu falo com quem for preciso para
evitar que isso respingue em você.
— Não, Nick — diz ela, dando seta e virando o carro para a
esquerda, ainda acompanhando a polícia. — Não tenho o que temer. Sei que
o que fizemos é errado, mas confie em mim, não fomos os primeiros nem
seremos os últimos. Posso levar uma bronca por isso, mas não é com essa
questão que estou realmente preocupada, mas sim, com o fato de que
Daniel está seguindo não apenas a mim como Johanna. Ele é alguém
perigoso.
— Como você vai comprovar que ele estava te seguindo?
— A gravação — aponta ela para o telefone, que ainda tenho em
mãos. — O começo dela é a conversa minha e de Daniel ainda dentro da
academia de ballet. Eu acho que consegui gravar pelo menos um pouco.
Sinto um misto de raiva por ela precisar ter feito isso e mas também
orgulho por ela ter pensado em algo assim em um momento que deve ter
sido assustador para ela.
— Essa é a minha garota — digo, com a voz um pouquinho que seja
mais animada. — Você é muito corajosa, linda.
— Eu não era, mas eu tive que ser, e sabe por que? — Com a voz
firme, Maya para o carro ao lado do da polícia, quando chegamos a
delegacia. — Porque eu não vou deixar que ele destrua meus sonhos e
menos ainda a minha felicidade.
Balanço a cabeça em concordância, orgulhoso da forma firme e
decidida com que ela diz essas palavras. É hora de agir, é hora de colocar
esse cara no lugar dele e de fazer com que ele pague por tudo de ruim que
tem feito para a minha garota. Denunciar Daniel é uma forma de evitar que
o ciclo de abuso continue. Ele já segurou Maya pelo pulso e agora, partiu
para a agressão, além disso, está sob o efeito de drogas.
Há uma série de bandeiras vermelhas e sirenes ressoando,
mostrando que, se não tomarmos uma atitude, as coisas podem piorar muito
mais. A academia de dança de Maya precisa tomar uma atitude, afinal de
contas, ele não está ameaçando apenas a minha garota.
Acredito na justiça, preciso acreditar para que possa ter forças e
ajudar Maya.
Estou com ela para tudo e é isso que verbalizo.
— Vamos resolver isso, linda. Eu e você — puxo seu rosto para o
meu e encosto nossas testas. — Estamos juntos nessa.
Tempo, tempo místico
Me ferindo, e depois me curando completamente
Haviam pistas que eu não vi?
invisible string - Taylor Swift

Dos mais diferentes cenários que uma sexta-feira à noite poderiam


me proporcionar, terminar em uma delegacia nem sequer passou pela minha
cabeça. Os policiais nos conduzem para diferentes salas para prestar
depoimentos, Nick e eu somos separados, assim como Daniel. Me sinto
grata quando, juntamente de um dos policiais que chegou a academia de
ballet, uma policial mulher se junta a ele.
— Maya Karlsson? — Sua voz é polida quando ela entra na sala que
eu bem conheço por conta dos seriados, mas que nunca imaginei que estaria
em uma.
— Eu mesma.
— Oficial Björn — ela se apresenta e senta à minha frente, na
cadeira disposta do outro lado da mesa. — O oficial Hans e eu vamos
colher seu depoimento, você pode nos contar o que houve?
Sinto minhas mãos tremerem em cima da mesa, ainda estou
tentando recuperar minha calma, ainda sinto o medo tomar de mim e ainda
sinto o rabo de cavalo frouxo. É esse detalhe tão supérfluo que me faz
procurar dentro de mim algum resquício de coragem que ainda exista dentro
de mim. O cabelo preso de qualquer jeito é um lembrete do puxão de cabelo
que Daniel me deu, da queda no chão, da agressão. De mais uma, além dos
apertos de braço nas conversas hostis desde que voltei para Estocolmo.
— Daniel Eriksson é meu ex-namorado — começo a contar. — Nós
fazemos parte da mesma academia de ballet e namoramos por mais de um
ano. Ele me traiu, nós terminamos e desde então, ele começou a me
perseguir…
Respiro fundo e falo tudo. Eu conto tudo o que tem acontecido
desde a tarde de sábado em que peguei Daniel me traindo e como, daquele
momento em diante, as coisas se tornam caóticas. Conto sobre as conversas
intimidadoras, os apertos no pulso e nos braços, os abusos verbais, minha
desconfiança sobre ele estar usando drogas e a denúncia formal que eu e
Johanna fizemos para a diretora da academia de ballet. A policial toma nota
de tudo, mas ainda assim, tem seus olhos atentos a mim.
Quando menciono a gravação de vídeo, os dois olham um para o
outro e me pedem para ver. Respiro aliviada ao ver que a voz de Daniel soa
clara no vídeo. Ouço meu próprio grito de socorro e revivo novamente o
momento de terror, o áudio ainda revela o momento em que ele puxa meu
cabelo e eu dou um grito caindo no chão.
— Bom, eu acho que temos material para que você possa prestar
queixa contra o Sr. Eriksson, nós só vamos bater os depoimentos para…
Duas batidas no vidro soam alto, eu não vejo nada além do meu
próprio reflexo no espelho, mas sei que do outro lado as pessoas conseguem
nos ver. Os dois policiais pedem um instante e se levantam, saindo da sala e
me deixando ali sozinha, apenas lidando com meu próprio nervosismo,
olhando a imagem que o espelho reflete. Estou um caco, estou ainda mais
branca, a maquiagem leve que eu tinha no rosto desapareceu e meus fios de
cabelo ainda estão um pouco úmidos.
— Eu só quero que esse pesadelo acabe — digo em voz baixa, em
um sussurro, como se fosse uma prece, um pedido para que, seja lá quem
possa me ouvir, atenda a esse chamado.
Algumas lágrimas voltam a escorrer, como se eu estivesse cada vez
me dando conta de tudo que vem acontecendo ao longo desses meses. Eu,
que tanto li sobre sinais de relacionamentos abusivos, que até mesmo ajudei
uma amiga minha em Copenhagen a perceber os problemas de seu
relacionamento, agora, me dou conta de que mesmo diante de todos os
sinais, eu não percebi.
Como posso não achar que a culpa é minha? Como posso não me
sentir culpada diante de tudo que aconteceu? Como pude deixar isso atingir
até mesmo Nick? Meu namorado, o cara que me mostrou como o amor de
verdade deve ser e que agora, nas vésperas do seu aniversário, está em uma
delegacia por minha causa. Os pais dele vão me odiar. Ele vai me odiar.
Nem mesmo o amor que existe entre nós será suficiente para fazer com que
ele me perdoe por o colocar no meio dessa bagunça.
O choro se torna mais forte diante do pavor crescente que se aflora
diante de mim. Abaixo a cabeça na mesa fria de metal e choro, deixo que
tudo saia. Entretanto, ergo a cabeça ao ouvir o som da porta sendo aberta
novamente e, dessa vez, apenas a policial mulher aparecer.
— Aqui — ela me estende um pedaço de papel e um copo de papel
com água.
— Obrigada — digo com a voz embargada, começando a limpar as
lágrimas. — Por favor, me diga que eu posso fazer uma denúncia formal
contra ele.
— A senhorita pode — a oficial logo começa a explicar. — Nós
vamos precisar recolher a maior quantidade de provas possíveis. Batemos o
seu testemunho com o do senhor Bennet, as informações coincidem — eu
respiro aliviada enquanto ela continua a falar. — O senhor Eriksson não
está em um cenário favorável. Além do estado alterado, ele estava portando
drogas, uma quantidade relativamente baixa, mas ainda assim.
— Não o vi usar, mas quando ele me encontrou hoje, vi um pouco
de sujeira em seu nariz.
— Isso explica o estado agressivo… Mas não o justifica — a
policial pontua de forma séria e eu olho para ela. — Preciso que a senhorita
entenda que não é sua culpa.
Quando ela diz isso, é como se tivesse lido minha mente e meus
pensamentos, como se soubesse que estou me culpando. Eu não consigo
segurar o choro e volto a soluçar, sentindo meu corpo tremer.
— Nenhum homem tem direito de levantar a voz ou a mão para uma
mulher. Independente das circunstâncias, se era uma briga entre casal, uma
discussão sobre dinheiro, uma disputa entre vagas em espetáculos, não
importa. Isso não dá direito a ele fazer nada contra você ou qualquer outra
pessoa — a voz dela é calma, mas firme. — Não vou dizer que será fácil,
mas você não pode deixar de tentar. Sempre que achar que é culpada, repita
para si mesma: a culpa não é minha. — Balanço a cabeça em positivo. —
Agora, eu preciso saber. A senhorita acha que a outra garota, que você
mencionou, estaria disposta a depor também? Quanto mais pessoas
tivermos, melhor. A senhorita pode fazer uma ligação para seus pais e
também para um advogado de confiança se tiver.
Absorvo cada uma das palavras dela da melhor forma que posso e
quando sou liberada, encontro Nick sentado em uma das cadeiras da sala de
espera. Visivelmente nervoso, ele balança as pernas sem parar, com a
cabeça baixa e os antebraços apoiados nas coxas. Ele ergue o rosto e eu
sinto mais uma vez a culpa me corroer. O inchaço no lado direito do rosto
dele não nega que Nick levou um soco ou dois antes de conseguir
desestabilizar Daniel.
— Linda — ele me chama, enquanto sinaliza e eu vou até ele.
Me jogo em seus braços quando ele se levanta e me permito
novamente chorar.
— Me perdoa, Nick, me perdoa, me perdoa! — Digo com a voz
abafada por estar com o rosto espremido em seu peito. Repito tantas vezes
que em um dado momento, sei que se torna impossível de compreender
cada uma das minhas palavras.
— Para, linda. Só para, por favor — Nick me aperta mais forte em
um abraço e continua a falar. — Não é sua culpa. Nada disso é sua culpa,
Maya. Nada!
Tento controlar o meu choro, mas a essa altura, sinto que passarei
um bom tempo transitando entre parar e voltar a chorar. Ergo meu rosto
para olhá-lo e só então eu crio coragem para falar.
— Eles te interrogaram?
— Sim. Me perguntaram o que tinha acontecido e eu falei tudo.
Contei que estava indo te buscar porque Daniel vinha perseguindo você,
contei que estávamos os dois receosos, falei sobre quando… — sinto o
corpo dele ficar tenso antes de dizer as próximas palavras. — Quando vi ele
puxar seus cabelos e que isso culminou na briga.
— Eu odeio tanto que isso esteja acontecendo — respondo com a
voz embargada, erguendo a mão para tocar com cuidado o lado inchado de
seu rosto. — Dói?
— Nada dói mais do que ver você sofrer.
— Como você pode estar preocupado comigo? Olha o que eu estou
fazendo você passar — balanço a cabeça de um lado para o outro,
incrédula. — O que seus pais vão pensar de mim, de nós, de um
relacionamento que trouxe você para a delegacia?
— Eles vão entender que eu fiz o que fiz para proteger a mulher que
eu amo, Maya — quando ele diz essas palavras, as duas mãos de Nick
envolvem meu rosto com delicadeza. — Eu amo você, Maya, há tempos, há
anos talvez. Eu atravessaria céus e inferno para te defender. Posso não
gostar de violência e posso até mesmo não me reconhecer nesse
comportamento, mas eu jamais poderia não fazer nada, não te defender.
Sinto meu coração se apertar diante das palavras de Nicholas, mas
ainda mais por sentir o tamanho e a magnitude do amor que ele tem por
mim, por sentir as minhas dores e mais do que isso, por mostrar que ele não
vai a lugar nenhum. Ele está aqui comigo, por mim, para mim, para ser
mais do que o meu namorado, ser meu amigo, meu companheiro, meu
alicerce.
Meu lar.
Toco com sua testa com a minha, apenas absorvendo sua presença,
agradecendo ao destino por ter colocado Nick na minha vida quando
éramos apenas crianças. De alguma forma, eu tinha que conhecê-lo, nós
dois tínhamos que passar pelo que passamos para que nossos caminhos se
cruzassem novamente.
— Não é minha culpa — digo baixo, como se verbalizar as palavras
pudessem me fazer acreditar nas mesmas.
— Não é sua culpa, linda — repete Nick com os lábios próximos
aos meus. — Agora, me diga, o que você precisa fazer?
— Vou chamar Johanna — explico, me afastando dele. — Vou dar
uma ligação para ela e também para a diretora da academia, ela vai poder
comprovar que fizemos uma denúncia antes do incidente de hoje.
— O policial me falou que ele estava com drogas nos bolsos —
confirmo, com um aceno de cabeça. — Você bem que desconfiou. Eu
deveria ter dado mais atenção a isso antes.
— Não é minha culpa e não é sua culpa também — eu repito para
ele. — Já ligou para os seus pais?
No momento em que Nick abre os lábios para falar, ouço passos
atrás de nós e também a voz de Dave, pai dele.
— Filho! — Viro a tempo de ver tanto ele, quanto Hannah se
aproximando.
— Nick! — Hannah o chama e eu me afasto devagar, para que os
dois possam falar com o filho. — Pelo amor de Deus, como você veio parar
em uma delegacia?
— Vocês dois estão bem? — Pergunta Dave, visivelmente
preocupado e assustado.
— Agora estamos — responde Nick enquanto sinaliza. — Linda —
ele me chama —, quer ir ligando para a Johanna? Eu explico para eles.
Aceno em concordância e me afasto, indo para a recepção da
delegacia, onde a oficial Björn está parada, conversando com outros
oficiais. Quando me aproximo, ela se vira para mim e com um olhar gentil,
pergunta para quem eu quero ligar.
— Johanna Andersson.

Horas mais tarde, estamos em uma sala relativamente grande, mas


que, para a quantidade de pessoas, se torna um pouco pequena. Johanna, eu
e a diretora da nossa academia de ballet me ajudam a prestar o depoimento,
sendo testemunhas, assim como Nick. Os pais de Daniel aparecem também
com um advogado e eu vejo na expressão de sua mãe a decepção, até
porque, por conta da posse de drogas e da agressão, Daniel ficará sob
custódia. É um cenário horrível e se torna cada vez mais complicado
conforme os depoimentos são colhidos. Johanna conta que precisou trocar a
fechadura de sua casa porque ele estava se recusando a devolver a chave
reserva, ela conta que também ficou sendo perseguida por Daniel quase ao
mesmo tempo que eu.
Meus pais chegam algum tempo depois, assustados. Nos braços da
minha mãe, eu choro e peço desculpas por não ter dito antes o que estava
acontecendo. Vejo nos olhos do meu pai uma raiva que nunca antes eu
havia visto e quando conto que Nicholas me defendeu, vejo um aceno de
cabeça entre os dois, uma espécie de pedido de agradecimento.
Já é madrugada quando nos sentamos todos na casa de Hannah e
James. Enquanto Mahara prepara um café para todos nós, a mesa está com
todas as cadeiras ocupadas. Graças aos contatos rápidos de Dave e Nathan,
um advogado importante se compromete a aceitar meu caso e fazer o que
for possível para manter Daniel bem longe de nós.
— Vamos torcer para não haver mais uma outra vez — comenta
James. — Mas, por favor, se algo fora do normal, seja o que for, voltar a
acontecer, nos avisem.
— Querida… — minha mãe chama minha atenção. — Não é porque
seu pai e eu moramos em outra cidade que não precisamos saber de cada
passo seu. Sei que você morou um ano longe, que tem sua independência e
sabe o quanto amamos isso, mas por favor, filha — a voz dela embarga e eu
a abraço, tão sensibilizada quanto ela.
— Somos seus pais — reforça meu pai. — Precisamos saber o que
está acontecendo com você.
— E nós podemos não ser seus pais, Maya — reforça Dave, olhando
para Hannah. — Mas nos preocupamos com você, não apenas por ser
namorada do Nick.
— Nick — Hannah chama a atenção do filho. — Sei que você não
tinha como imaginar a proporção que isso poderia tomar, mas a qualquer
sinal de desconfiança, nos avise. Você sabe que pode falar com qualquer um
de nós — ela aponta para James, Mahara e Dave.
— Eu sei — meu namorado se defende. — E eu sei também que
bater não é a solução, eu só… Eu não podia deixar aquilo acontecer. Eu só
soube sentir ódio, eu só queria tirar ele de perto dela. — Sinaliza com uma
mão, enquanto com a outra, ele segura um saco de gelo na parte que ainda
está inchada.
— Nós conhecemos você, meu amor — dessa vez, é Mahara quem
fala, vindo até a mesa com uma jarra de café. — Sabemos que não é da sua
índole fazer isso.
— Mas — pontua meu pai —, Ainda que seja errado, eu gostaria de
agradecer, Nick. — Ele ergue a mão e a estende para meu namorado. —
Obrigado por cuidar da minha menina.
— Sempre, senhor. Vou sempre cuidar dela.
Nick me olha e eu movo os lábios em um sorriso fraco, mas
murmuro baixo duas palavras que eu sei que ele vai entender.
Te amo. É o que digo a ele.
Te amo mais. É a resposta dele.

Já passa das três da manhã quando meus pais vão embora, assim
como Dave e Mahara. A história toda ainda terá muito o que se desenrolar,
não sabemos ao certo o que vai acontecer, mas quando me deito em minha
cama, de banho tomado e os cabelos levemente úmidos, é como se voltasse
a respirar novamente. Deixo o celular carregando e fecho os olhos, tentando
relaxar o máximo possível, mas não consigo, estou sentindo meu corpo todo
tensionado.
A porta do quarto se abre e eu vejo Nick entrar. Usando uma calça
de pijama parecida com a minha, só que preta, vejo que ele está segurando
um livro em mãos.
— Posso ficar com você? — Pergunta ele. — Vou entender se você
quiser ficar sozinha, o dia foi… bem, como explicar o dia de hoje?
— Por favor, fica comigo — respondo às pressas. — Hoje, mais do
que nunca, não quero dormir sozinha.
Nick vem até mim e eu dou espaço para que ele se deite, como
temos feito há algum tempo. Ele se ajeita ao meu lado e posiciona o abajur
de uma forma que nós dois estejamos bem iluminados. Só então, eu vejo a
capa do livro que ele tem em mãos.
— Reconhece?
— Como você tem isso? — Indago, pela primeira vez, sorrindo
nesta noite.
— Eu gostava muito desse livro quando criança — com uma
piscadinha esperta, ele ajeita um travesseiro nas costas, para ficar ereto. —
O que acha de eu ler para você?
Suspiro, olhando para ele, para seus olhos azuis, para a forma como
ele é tudo para mim e não contenho mais uma vez algumas lágrimas que
começam a escorrer.
— Não aguento mais chorar — digo exausta. — Nunca imaginei
que tudo isso poderia acontecer.
— Eu também, linda. Não quero mais te ver chorar, mas, sabe de
uma coisa?
— O que?
— Está tudo bem chorar também — ao dizer isso, ele me puxa
delicadamente para que eu apoie minha cabeça em seu peito desnudo,
sentindo o cheiro fresco de sua pele, a textura lisa, com alguns pelinhos
pequenos no peito e como ela é quente sobre a minha palma. — Isso não
vai fazer de você uma mulher menos corajosa.
— Você me acha corajosa? — Questiono, com a voz sem graça.
— Não só acho, você é. — beijando o topo da minha cabeça, ele
continua. — Você tem lutado bravamente contra esse cara desde que nos
reencontramos. Olha tudo que você passou e ainda assim, aqui está você,
linda — olho para Nick e reconheço em cada detalhe de seu rosto a verdade
em suas palavras. — Você não só é corajosa como é bondosa, Maya. Você
não precisava perdoar a Johanna, mas você o fez. Você poderia fazer dos
dias na academia de ballet um cenários deprimente, mas você continuou a
dar o seu melhor. Você enfrentou ele todas as vezes. Quer mais do que o
fato que você teve expertise de gravar as palavras dele, num momento de
medo? Caralho, linda! — Exclama ele, soltando um suspiro baixinho. —
Você já era, mas agora, oficialmente, você faz parte da lista pessoal do Nick
de mulheres fodas que conheço.
Dou risada da forma como ele fala, da maneira como, mesmo
diante de um cenário tão conturbado, Nicholas ainda é capaz de iluminar
tudo, iluminar minha vida. Ainda que estejamos em um período do ano em
que a cada dia, perdemos um pouco de luz do sol, só consigo pensar que, se
Nick estiver por perto, eu não vou lamentar pela falta de luz, porque ele
irradia minha vida. Nada vai ficar entre mim e ele. E ainda que, neste
momento, eu não me sinta a mulher mais corajosa do mundo, amanhã é um
novo dia. Uma nova chance de responder o mal com o bem, a tristeza dar
lugar a alegria.
— E quer saber do que mais? — Chamando minha atenção
novamente, ele volta a falar — Sabe por que eu te acho a mulher mais foda
do mundo?
— Por que?
— Porque a primeira coisa que você disse antes de entrarmos
naquela delegacia foi que você não iria permitir que ele destruísse seus
sonhos e sua felicidade. Foi você que me fez ter coragem e perceber que, se
você era forte, eu também poderia ser.
Diante das palavras bonitas dele, da forma como ele fala a meu
respeito com orgulho, com verdade e com amor, eu me movo até encostar
em seus lábios, em uma carícia leve, doce, nossa.
— Melhor? — Pergunta, quando eu me afasto.
— Um pouquinho — faço uma pinça com os dedos. — Talvez eu
precise de uma leitura, sabe?
Nick sorri para mim, da forma como eu tanto ansiava ver durante
meu dia, ele sorri com a alma, ele sorri para mim como se eu fosse a coisa
mais importante de sua vida. E eu retribuo, porque ele é a coisa mais
importante da minha.
— Bom, eu tenho a história perfeita para isso — ele pega o livro,
mas antes, eu me aconchego em seu peito. Nick limpa a garganta algumas
vezes, até que abre o livro e pergunta. — Posso começar?
— Por favor.
E então, ele abre o livro pequeno e preto, de capa dura, que nós
tanto folheamos quando éramos crianças.
— "Um dia daqueles". — ele recita a primeira frase — "Todo
mundo tem um dia daqueles".
Nós seremos uma linha tênue
Nós vamos ficar bem
Fine Line - Harry Styles

Na manhã de domingo, eu acordo com uma porção de beijos sendo


depositados em meu rosto. Apesar de delicados e apesar de ainda sentir uma
dor bem suave, mas ainda assim, existente no lado direito, eu pouco me
importo, porque é meu aniversário e porque eu estou recebendo beijos da
garota da minha vida.
Abro os olhos lentamente e, mesmo com a penumbra do quarto, o
fio fino de luz que irradia o ambiente faz com que eu consiga ver com
clareza o rosto lindo de Maya Karlsson. Os cabelos loiros caem em seu
rosto, os olhos castanhos brilham quando encontram os meus, mas o que eu
mais amo, com toda a certeza, é o sorriso dela, que levanta um pouco mais
suas bochechas, deixando sua expressão ainda mais linda.
— Feliz aniversário — sem verbalizar, ela sinaliza, subindo em
cima de mim e apoiando a cabeça em meu peito.
Faço um carinho agradável em seu rosto, em seus cabelos e apenas a
olho, refletindo que, ainda que o final de semana do meu aniversário tenha
começado de forma conturbada, ainda que eu esteja preocupado com ela,
não vou deixar que a situação ocorrida estrague o que verdadeiramente
importa: meus vinte anos. Meu primeiro aniversário com Maya ao meu
lado, como minha namorada.
— Posso te dar seu presente? — Pergunta ela sinalizando,
visivelmente empolgada.
— Não precisava comprar nada — digo, porque é a verdade.
— Para com isso! — Ela ralha, fazendo uma careta brava e
rapidamente se levantando da cama.
Dou risada da forma como ela levanta agitada e, enquanto ela pega o
meu presente, aproveito o momento para colocar meus aparelhos. Maya
mexe em sua cômoda e depois de alguns instantes, volta com dois pacotes
em mãos, de tamanhos diferentes.
— Feliz aniversário, amor — ela estica os embrulhos, dando um
beijo rápido em minha boca e então, se senta ao meu pé. — Vamos, abra!
— Achei que a festa de ontem já era meu presente.
— Foi um dos presentes, sabe como é, gosto de aniversários.
É, eu sei disso. Maya sempre amou fazer festas de aniversário,
assim como também ama dar presentes. Tanto é verdade que, na noite
passada, mesmo com tudo tendo acontecido e sendo tão recente, ela
arrumou um jeito de trabalhar no LeBlanc's e, quando fui busca-la, ela me
surpreender com uma festa surpresa. Todos os meus amigos do bar estavam
lá, assim como alguns amigos da faculdade e Louis. Apesar dos planos
terem mudado um pouco, já que minha mãe ficou em casa e James viajou
sozinho para o jogo, Maya e eu conseguimos aproveitar e muito a noite
anterior.
— Por qual você quer que eu comece? — Pergunto olhando para os
dois pacotes.
— Hm — Maya morde a pontinha do dedo de uma forma fofa, mas
também, sexy, que eu tanto amo, mas então, aponta para o embrulho menor.
— Esse aqui. Porque, se você não gostar do outro, já vai ter ganhado um
mais legal.
— Não existe a possibilidade de eu não gostar, linda. — Balanço a
cabeça, mas começo a abrir o embrulho menor.
O saquinho pequeno e de papel revela um anel de prata fininho e
bonito.
— Olha dentro — pede ela.
É então que, quando eu olho para a parte de dentro do aro de prata,
eu vejo um desenho único: uma mão com o polegar, o indicador e o
mindinho erguidos. Na língua de sinais, eu sei exatamente o que isso
significa.
— Eu te amo muito mais.
Coloco o anel no indicador, testando em qual ele fica melhor e
quando visto no dedo do meio, admiro minha mão, adorando o resultado.
Vez ou outra, uso anéis, houve até mesmo uma fase na escola, no penúltimo
ano que eu usava dois anéis, um em cada mão. Eles acabaram se perdendo e
eu nunca mais comprei outros. Tempos atrás, nós comentamos sobre isso e
Maya deve ter guardado a informação.
Sorrio ao pensar no quanto ela presta atenção em cada detalhe.
— Gosto de você de anéis.
— É, eu também gosto, tinha me esquecido disso — me inclino em
sua direção e ela faz o mesmo, vindo até mim. — Obrigado, linda. Eu
adorei.
Damos um beijo apaixonado, dessa vez com mais tempo, mais
pressão e mais língua. Amo acordar assim, amo acordar com ela me
beijando, amo tudo nela. Amo tanto que não resisto ao instinto de começar
a puxá-la para cima de mim.
— Nada disso — Maya me para, se afastando. — Presentes
primeiro.
— Você não pode ser meu presente? — Faço minha melhor
expressão de carência e fico ainda mais feliz ao vê-la rir.
— Chantagem agora não vai funcionar comigo.
— Mas eu sou o aniversariante, eu não deveria ser mimado?
— Não faça com que eu me arrependa de te comprar presentes,
Nicholas!
Com as mãos na cintura, ela faz um cara de brava e acho que, neste
momento, ela não tem noção de como é bom ver a versão da Maya
mandona. Como é bom ver ela sorrindo, brincando, se divertindo, me
amando e com o rosto alegre, como deve ser. Quero vê-la sempre assim,
quero ser um dos motivos para vê-la feliz, quero que ela seja feliz por si
própria, mas que também me permita ser feliz junto com ela.
— Tá legal, eu me rendo — ergo as mãos e começo a abrir o
segundo pacote.
Dessa vez, vejo que ela tem ainda mais expectativa do que antes e
por isso, não demoro para abrir. Em um primeiro momento, acho que é um
livro por conta do formato, mas então quando removo o embrulho, olho
para o caderno de capa dura preto com as iniciais N.B na frente, as minhas
iniciais. Olho para a caneta, igualmente bonita e depois, olho para Maya.
— Ele é lindo.
— Por que não abre na primeira folha?
Rapidamente, eu faço o que ela pede e então, corro os olhos pela
primeira linha, reconhecendo a caligrafia. A letra fina e redonda dela.

Não sou tão boa nas palavras quanto você, mas espero que essas
folhas em branco sejam testemunhas de muitas histórias, poemas e mesmo
pensamentos seus. Você me fascina, Nicholas Bennet. Você me encanta,
você me deixa sem palavras, ao mesmo tempo que me faz querer usar todas
elas para poder falar sobre você, com você.
Espero que nossa história possa ser escrita em muitos e muitos
cadernos como esse. Mas espero mais ainda que você saiba que, para além
de me amar, você também me salvou. Você me mostrou o que é amar e ser
amada. Você me deu sua amizade, mas também me deu o seu amor. Ser sua
amiga é maravilhoso, mas ser sua…
Nossa!
Ser sua é simplesmente a melhor sensação do universo.
Obrigada por ser meu.
Eu te amo, Bennet.

Da sua primeira amiga (e para sempre sua),


Maya.

Ergo os olhos da página e, automaticamente, movo minha mão


direita para o meu peito, bem onde fica meu coração.
É, ele segue batendo. E eu diria mais, ele está batendo ainda mais
forte por ela, porque escrever é uma das coisas que mais amo no mundo,
saber que minhas palavras podem tocar outras pessoas é um dos meus
maiores sonhos, mas tão bom quanto essa sensação que eu tanto espero
conseguir despertar no futuro, em meus leitores, não há nada mais poderoso
do que também ser tocado pelas palavras. É o que ela acabou de fazer
comigo.
— Esse é o melhor presente de todos — fecho o caderno com
delicadeza e aliso a capa preta, enquanto olho para ela. — O melhor
presente que já ganhei na vida.
— Mais legal do que aquele lava-rápido que seus pais te deram em
um natal?
— Com toda certeza.
— Mais do que os dinossauros de borracha?
— Completamente insignificantes.
— Mais do que esse aqui?
Me pegando de surpresa, Maya se coloca de joelhos na cama e
engatinha de maneira sensual até que seu rosto paire em cima do meu.
Sorrio, sabendo exatamente aonde isso vai nos levar, mas antes que ela
possa dar continuidade e eu me perca em seu corpo da forma que eu tanto
gosto, eu me ergo um pouquinho, para poder falar e sinalizar para ela.
— Esse presente talvez seja quase tão bom, mas tem um que é ainda
melhor do que ele.
— Qual?
— O seu coração.
Roubo um beijo dos lábios dela e, então, deixo que meu aniversário
comece da melhor forma possível: fazendo amor com Maya.
E, no final do dia, com toda a minha família reunida em volta da
mesa, eu assopro as velas do bolo e faço um pedido. Eu peço para que todos
nós fiquemos bem, porque se aqueles que eu amo estiverem bem e felizes,
eu também estarei bem.

Nos dias que se seguem, as consequências das ações de Daniel,


finalmente, acontecem. O advogado de Maya e Johanna consegue uma
medida protetiva que impede que Daniel se aproxime das duas. Ainda que
não seja o cenário ideal, por conta da posse de drogas e da denúncia de
agressão e perseguição, o advogado dele conseguiu que ele se safasse de
uma pena maior, então ele irá cumprir serviço comunitário. É uma pena
leve, mas a verdade é que de toda forma, a imagem dele, bem como sua
reputação já estão completamente comprometidas de forma negativa. A
academia de ballet reforçou a segurança e ele está veementemente proibido
de pisar no local.
Maya e eu tomamos a decisão de ir até a diretora da academia e
contar a ela sobre nosso… momento. Nós dois chegamos a conclusão de
que, a fim de evitar qualquer tipo de chantagem, seria melhor enfrentarmos
as consequências. A reação da mulher de meia idade que gere o corpo de
dança, bem como professores e espetáculos, diante da nossa confissão foi,
no mínimo, inusitada. Em um primeiro momento, ela ficou visivelmente
irritada, mas depois, se deu conta de que, pela primeira vez, uma bailarina
estava assumindo algo desse tipo, uma coisa que poderia muito bem ter
passado por debaixo dos panos.
Quando ela pediu, gentilmente, que nunca mais fizessemos esse tipo
de coisa nas instalações da academia, nós três demos uma risada sem graça.
Mas, no final das contas, tudo ficou bem.
Com boa parte das coisas resolvidas, a vida volta ao normal para
mim e para Maya, com exceção é claro, da nítida ansiedade conforme os
dias passam e o teste se aproxima. Levo e busco Maya nos ensaios,
principalmente porque ela tem ficado todos os dias até tarde para ensaiar o
máximo que pode. O tempo dela está escasso, ela está cansada e sei que, de
alguma forma, ainda está abalada, mas eu tenho dado o meu melhor para
acalmá-la, bem como para dar suporte e dizer que ela não tem nada a temer.
Daniel não vai fazer mais nada contra ela e quanto ao teste… Soa até piegas
dizer isso, mas eu sei que a vaga é dela. Não porque Maya é minha
namorada, mas porque eu sinto que é o momento dela. É o momento em
que todo o esforço dela terá valido a pena.
E por esse motivo, por saber que ela está ansiosa, por saber que hoje
é o último ensaio antes do grande teste, amanhã, eu peço o carro
emprestado e vou mais cedo buscar Maya. Estaciono o carro em frente a
academia e depois de trancá-lo, cumprimento o segurança que, a essa altura
já me conhece, e adentro o local, indo na direção da sala que ela,
usualmente ensaia. Ao chegar, ouço a música que agora sei de cor e
salteado e ouço o barulho da sapatilha no piso de madeira. Me aproximo
devagar, vendo Maya usando um tutu branco com preto. É semelhante ao
que ela pretende usar amanhã, cujos detalhes ela estava costurando ontem à
noite no sofá, enquanto assistimos a um dos filmes favoritos dela.
Paro ao lado da porta, com os braços cruzados e a assisto dançar.
Marta Gröna, a professora que a está treinando, me dá um aceno de mão e
eu retribuo o gesto. A música segue tocando e eu sei que Maya me viu
através do reflexo, mas ela não para, segue dançando, porque nada pode
atrapalhá-la neste momento.
Eu simplesmente amo vê-la dançar, eu poderia assistir para sempre
ela desse jeito, mas a verdade é que, por mais que eu saiba que ela ama as
salas, o lugar dela é nos palcos. A música acaba e ela fica na ponta dos pés,
perfeitamente reta e equilibrada.
— Oi, amor — diz ela, ainda olhando para o espelho e voltando à
posição normal. — Você chegou adiantado, ainda vamos ensaiar mais um
pouco.
— Você precisa descansar, Maya.
Não sou eu quem diz essas palavras, mas sim, a própria professora.
— Mas, o teste…
— É amanhã, e você está preparada — Marta vai até Maya e eu
apenas observo as duas conversando. — Você se dedicou e muito durante
todo esse tempo. Você também enfrentou muita coisa, senhorita Karlsson —
quando diz isso, vejo os ombros de Maya se encolherem. — E mesmo
assim, você cumpriu o que me prometeu quando a chamei para treinar:
arrumou a postura e não deixou que um homem te impedisse de fazer o que
desejava.
Sinto um tremendo orgulho ao ouvir essas palavras e mais ainda ao
ver que minha garota se emociona ao ouvir de outra pessoa o quanto ela foi
forte. O quanto ela é forte.
— Senhor Bennet? — a professora dela me chama e eu ajeito a
postura, como se fosse um bailarino.
— Sim, senhora?
— O senhor tem uma função para esta noite — pontua ela, de forma
séria. — Distraia a senhorita Karlsson. Leve-a para jantar, algo leve, por
favor. Vá ao cinema, um boliche, ou mesmo um karaokê, mas estejam de
volta às onze horas em casa, está bem? Ela precisa dormir bem.
— Sim, senhora. Darei o meu melhor — sorrio para Maya e a amo
um pouquinho mais por vê-la emotiva, mas igualmente sorrindo.
— Liberada, senhorita Karlsson. Nos vemos amanhã no teatro.
Maya assente e eu estendo a mão para ela, em um convite silencioso
para que ela venha comigo. E quando ela a toma, eu sei que vou fazer tudo,
vou mover céus e terra, montanhas e mares para fazer com que ela se divirta
um pouco essa noite.
Ela me pede alguns minutos para poder se arrumar e eu deixo que
ela tire as sapatilhas e passe no vestiário para trocar de roupa. Devidamente
vestida e agasalhada, eu decido levá-la a um dos lugares que nós mais
gostávamos de ir quando criança: o Gröna Lund. Gasto boa parte do meu
dinheiro tentando disputar com ela um ursinho em formato de unicórnio
enorme, mas no final das contas, os únicos prêmios que ganhamos é uma
barra gigante de chocolate Daim, o favorito dela e meu. Compro um
cachorro-quente para mim e um lanche natural para ela. Levamos um susto
junto por conta da decoração de halloween e de um espantalho mecânico
que dá sustos nas pessoas.
Faço Maya rir.
Beijo ela cada vez que nossos olhares se encontram.
E, no final da noite, eu a coloco para dormir.
— Tem certeza que não quer dormir comigo? Tem espaço para nós
dois — diz ela, se enfiando debaixo das cobertas.
— Você precisa de uma boa noite de sono e, sejamos justos, nós nos
esprememos demais aqui — dou uma risadinha e ela me acompanha.
— Obrigada por hoje — segurando minha mão, ela faz um carinho
gentil. — Por algumas horinhas, eu consegui me esquecer de amanhã.
— Está nervosa?
— Apavorada — confessa ela. — Uma parte de mim, eu não sei
só… Acha que vai dar certo e a outra fica tentando reprimir isso.
— Linda, por que você está reprimindo confiança? — Peço um
pouquinho de espaço para ela, para me sentar.
— Não seria arrogância minha acreditar que eu tenho chances?
Quero dizer, quem em sã consciência confia tanto em si a esse ponto?
— Alguém que sabe que se esforçou e deu o seu melhor —
respondo de forma sincera. — Sei porquê você está se sentindo assim. Mas,
linda, não sabote o seu sucesso por causa dele. Você não tem nada igual a
ele, nada, nada e nada. Nem um fiozinho sequer assim — faço uma
simulação com os dedos e ela ri. — Você nasceu para brilhar, Maya. E você
vai! Nossa, eu não vejo hora, sabe?
— Do que?
— De gastar todo o meu dinheiro comprando buquês de flores pra te
entregar todo final de espetáculo. — Maya ri da forma como eu digo essas
palavras e eu me sinto ainda mais feliz por ver que, ainda que ansiosa, ela
consiga rir um pouquinho, ficar um instante que seja menos tensa. — Você
vai conquistar o mundo, linda. Eu sei disso.
— Sabe de uma coisa, Nick? — Maya se levanta um pouquinho e
fica de frente para mim. — Eu vou mesmo! E quer saber mais?
— O que?
— Quando eu dançar amanhã, será por mim, mas a minha primeira
apresentação eu não vou dedicar a você, ela vai ser para você.
Mas então houve um dia em que ele criou coragem. Ele olhou fundo nos
olhos dela e disse que a amava, que cada batida de seu coração pertencia a
ela, que cada palavra que ele escrevia, ele precisava se esforçar para não ser
sempre sobre ela. Sobre eles. Sobre o amor que ele sonhava em viver ao seu
lado.
Olhando profundamente em seus olhos, ele se arriscou.
Ela se levantou sem dizer uma palavra, vestiu suas sapatilhas e dançou. Na
ponta dos pés, ela dançou com seu coração, com toda a sua alma, era nítido
que aquela era a dança da vida dela.
Quando ela parou, olhou para ele e disse.
"Toda vez que danço, é pensando em você".
E ele, então, soube que a arte também era uma forma de dizer eu te amo.

Nicholas Bennet, vinte anos.


Silêncio, quando ninguém estiver por perto, meu querido
Você vai me encontrar na ponta dos pés
Girando em meus saltos mais altos, amor
Brilhando apenas para você
mirrorball - Taylor Swift

Um ano depois

Sapatilhas de ponta novas sempre exigem uma preparação antes de


usar. Costurar o elástico que vai permitir que ela fique mais presa ao pé,
amolecer o box, a parte da ponta, para que fique mais fácil de dançar, bem
como evitar que faça um som muito alto. Quebrar um pouco da palmilha,
para que ela fique na curvatura certa do seu pé. São muitos os processos,
uma rotina comum para mim desde os onze anos.
Entretanto, essa é a primeira vez que faço isso antes da minha
primeira apresentação como primeira bailarina no Royal Swedish Opera,
com a presença da família real.
Minha noite de estreia.
É uma noite fria de meio de novembro, a neve já deu suas caras. As
árvores que outrora estavam tingidas em tons de amarelo, laranja e marrom,
agora só possuem alguns resquícios do que um dia foi a minha estação
favorita. Mas, mesmo que esteja frio, dentro do camarim, com a correria de
bailarinas e bailarinos, figurinos, maquiagem e muito falatório, o calor se
faz presente. Em cada sorriso que recebo, em cada boa sorte ou “quebre a
perna”, em cada abraço carinhoso do corpo de ballet que tão amavelmente
me recebeu um ano atrás.
— Maya — ouço uma voz que reconheço e ergo os olhos das
sapatilhas que estou finalizando a costura.
— Marta! — Me levanto da cadeira e vou abraçar a professora que
me trouxe até aqui. — Não imaginava te ver aqui nas coxias.
— Estou com meu lugar reservado, mas queria vir aqui te dar um
abraço — ela me envolve em seus braços, se atrapalhando um pouco
enquanto segura um buquê. — Nervosa?
— Um pouco, não vou mentir — dou uma risada baixa. — Mas
acho que é esperado. Quero fazer tudo direito.
— Você vai fazer, não tenho dúvidas disso.
— Obrigada por tudo. — Digo a ela de todo o meu coração. — Sem
você eu não estaria aqui.
— Eu só fui um meio, um auxílio para fazer você chegar onde
merecia. Mas a vaga foi sua no momento em que você pisou no palco para
o teste.
Eu anuo em concordância. Pouco mais de um ano atrás, quando fiz
aquele teste, muitas coisas tinham acontecido, meu psicológico estava
abalado, ainda que meu coração estivesse transbordando de amor pelo
início de namoro. Minha confiança em mim mesma era quase nula, mas
naquele dia, naquele teste, quando eu me apresentei para o corpo de jurados
do ballet real, quando a música começou a tocar, eu dancei com a alma.
Dancei com a minha vida, dei tudo de mim.
— Ainda assim — com a voz levemente embargada, eu volto a falar.
— Obrigada por ter visto em mim, naquela época, algo que eu não
enxergava.
— Quebre a perna, senhorita Karlsson! Mas, mais do que isso,
dance com a sua alma.
Marta me abraça novamente e por fim, me entrega o buquê que tem
em mãos.
— Obrigada.
Pergunto como está sua família, ela faz o mesmo e depois de
trocarmos mais algumas palavras, ela se despede de mim. Um dos diretores
de palco nos avisa que temos meia hora antes do primeiro ato começar e eu
volto para o camarim para finalizar a costura e a maquiagem. Respiro
fundo, olhando para o espelho e finalizo o delineado e a sombra, na
sequência, colando os cílios postiços. Espero os mesmos secarem e então, é
a hora de vestir o tutu vermelho para o primeiro ato. O espetáculo sonhos.
O meu sonho.
Ouço uma nova batida na porta e quando esta é aberta, vejo
Frederick, meu parceiro de dança ao longo da noite.
— Oi, meu amor — ele entra com um buquê enorme nas mãos.
— Achei que só veria você no palco — dou uma piscadinha para
ele. — Que flores lindas!
— São para você! — Diz, me entregando o buquê. — Depois da
meditação, eu estava vindo falar com você, desejar um boa sorte, mas
encontrei com o Nick — sorrio ao ouvir o nome do meu namorado. — Ele
estava procurando alguém para poder te entregar isso e eu disse que estava
vindo te encontrar.
— Ele vai acabar comprando uma floricultura inteira — brinco,
pegando as flores e cheirando.
— Aquele homem seria capaz de ir até a lua por você — diz
Frederick, de maneira apaixonada. — Temos sorte de termos namorados tão
especiais.
— Temos mesmo — digo, olhando para o cartão que há no meio das
flores. — Nervoso?
— Um pouco. Mas confiante também, você é uma bailarina
maravilhosa, sei que vamos ter muito sucesso.
Deixo as flores em cima da penteadeira e, com as mãos livres, pego
as de meu amigo junto das minhas.
— Queria dizer que é uma honra dividir os palcos com você,
Freddie — digo o apelidinho que ele não gosta muito e meu amigo ri. Os
olhos azuis brilham de forma emotiva e imagino que reflitam a forma como
os meus também estão. — Você é muito mais do que meu companheiro de
dança, você é um amigo que a vida me deu em um momento tão crucial.
— É uma honra dividir os palcos com você, Maya. E minha casa
também, ainda que você deixe um milhão de esparadrapos espalhados em
todos os lugares possíveis.
Dou risada da forma como ele fala e o puxo para um abraço.
Quando comecei a dançar pelo ballet real, com um salário melhor e
algumas economias, eu estava disposta a procurar um lugar para morar.
Estar sobre o mesmo teto que Nick é maravilhoso, mas sabia que também
precisava do meu espaço, um lugar e um refúgio, um lugar meu. Quando
conheci Frederick, ele também estava em uma situação semelhante,
precisando de um lugar para ele, por isso, nós unimos forças e encontramos
um espaço nosso para dividir. O apartamento aconchegante que alugamos é
um lugar de amor, união e também, um lar. Que se torna ainda mais perfeito
quando Nick está junto de mim, o que é uma constância, pelo menos quatro
vezes por semana.
— Ok, termine de se arrumar, vista essa sapatilha — Fred me aperta
mais um pouquinho e se afasta. — Passe resina na ponta, não se esqueça.
— Pode deixar. Te vejo nas coxias em breve.
— Serei o cara com a roupa preta cheia de brilhos — ele aponta
para si mesmo e eu dou risada.
— Serei a de tutu vermelho.
— Adoro essa cor.
Ele pisca e sai do camarim, me deixando a sós novamente. Antes de
vestir as sapatilhas e ir para o meu lugar, eu pego o cartão no meio das
flores, o abro e vejo a caligrafia do homem que eu tanto amo.

Eu poderia te desejar boa sorte, mas isso é para quem precisa.


Você não.
Você só está no lugar que sempre mereceu.
Eu te amo, linda. Eu te amo tanto que não sei se meu coração vai
aguentar de orgulho até o final da apresentação.
Por falar nela, quero te levar a um lugar especial.
Nós nos falamos depois.
Dance com a sua alma.
Seu Nick

Respiro fundo diante das palavras dele e sorrio para o meu reflexo
no espelho. O cabelo loiro preso em um coque bonito, os olhos castanhos
brilhando e perfeitamente delineados pela maquiagem, vejo meu sorriso:
verdadeiro, sincero, bonito, orgulhoso.
Estou orgulhosa de mim mesma. Estou feliz comigo mesma e
finalmente, estou no lugar que eu sempre quis estar.
Sento novamente e, com os dedos já com esparadrapo, visto a
ponteira de pano, passando a meia-fina rosa por cima, colocando a
sapatilha de ponta, primeiro no pé direito, depois no esquerdo. Prendo bem
as fitas, faço algumas vezes o movimento de meia ponta para a ponta para
aquecer. Elas estão bem em meu pé.
Olho uma última vez para o espelho e, então, com um sorriso
enorme no rosto, saio do camarim, indo em direção às coxias. Passo resina
na ponta, assim como na sola, recebo sorrisos acolhedores, boas sortes e
ouço o som do público que está do outro lado da cortina. Me posiciono na
lateral do palco e faço um exercício de respiração, mentalizo coisas boas.
Fecho os olhos e só vislumbro um cenário: uma plateia cheia, mas apenas
um par de olhos que realmente importa, o de Nick. Na primeira fileira, ele
me olha com amor, com admiração, como se eu fosse a coisa mais
importante do mundo para ele.
Abro novamente os olhos quando ouço o último aviso antes do
espetáculo começar. Do lado esquerdo do palco, na minha frente, vejo Fred
sorrir para mim. Nós dois nos olhamos e mandamos um beijo um para o
outro, um ato de carinho, um último boa sorte.
O teatro fica em silêncio e eu ouço o regente bater a batuta no
pedestal onde fica a partitura, eu não o vejo, mas sei exatamente cada uma
de suas ações.
É dada a hora.
Ouço o início da música com a harpa e as cortinas começam a subir.
Vejo o público ainda na lateral do palco e então, a entrada do violino. O
meu momento de entrar. Ando de forma graciosa até o meio do palco,
vendo Fred fazer o mesmo até chegar ao meu lado e então, subo na ponta.
Instantes antes de começar, mentalmente, eu dedico essa dança a ele.
“É para você, amor. É para você, Nick”.
E, então, a música começa.
E eu danço com a minha alma, sabendo que, da plateia, o coração
dele flutua junto com o meu.

Quando as cortinas descem, depois que cumprimentamos o público,


Fred e eu nos abraçamos forte, emocionados pela primeira apresentação
oficialmente encerrada, por sabermos que demos o nosso melhor, que
entregamos nossa alma e tudo de nós nessas duas horas dançando. Eu
abraço demais bailarinos, agradeço a cada um que nos ajudou, a cada
pessoa da produção que encontro e enquanto caminho pelos bastidores,
recebendo os parabéns, só consigo pensar que eu consegui, eu dei o meu
melhor, eu realizei meu sonho. Me aproximando do meu camarim, eu logo
vejo um amontoado de pessoas ali me esperando. Não leva mais do que
alguns segundos para reconhecer os rostos e me fazer correr um pouquinho
para ir de encontro ao primeiro abraço que quero dar.
— Filha! — Mamãe me envolve em seus braços com a voz
embargada. — Meu Deus, você estava simplesmente perfeita. Parabéns,
meu amor, eu estou tão orgulhosa!
— Eu te amo, mãe! — Próxima ao seu ouvido, eu a agradeço. —
Obrigada por todos os sacrifícios, todas as noites costurando minhas roupas,
as viagens que você não fez para me proporcionar as melhores escolas de
ballet, por nunca desistir de mim. Obrigada por tudo, obrigada, obrigada,
obrigada!
— É uma honra ser sua mãe, Maya. É realmente um presente do
universo. Eu te amo tanto! — Nós nos abraçamos novamente, emocionadas
e emotivas.
Quando me afasto, a próxima pessoa a me estender um buquê de
tulipas vermelhas, minhas favoritas, é meu pai.
— Parabéns, filha! Você foi espetacular.
Abraço meu pai, igualmente agradecendo por tudo que ele fez por
mim, por seu amor e seu apoio incondicional e, igualmente emocionados,
ele me diz que sou seu projeto de maior orgulho na vida. E eu deixo que
mais algumas lágrimas caiam.
Por fim, quando ele me solta de seus abraços, eu olho para a última
pessoa que está ali me esperando. Vestido todo de esporte fino, a calça de
sarja preta modela seu corpo da forma certa, os vans pretos — um presente
de um ano de namoro que dei a ele — dão um ar despojado, mas ainda
assim, lindo. A camisa branca está perfeitamente alinhada em seus braços,
assim como seus cabelos estão perfeitamente penteados.
Mas o sorriso… O sorriso de Nicholas Bennet ainda hoje me faz
perder a compostura.
— Foi para você — sinalizo apenas. — Essa apresentação foi para
você, amor.
— Eu sei, linda — verbaliza ele a resposta — Acho que, realmente,
eu poderia explodir de amor.
Acabo com a distância que existe entre nós e, na ponta dos pés, eu
me coloco à frente dele e o beijo. Nos lábios doces de Nick Bennet, eu me
perco e me encontro ao mesmo tempo. Eu me perco em seu amor, mas
também me encontro. Porque esse cara é meu lar, minha casa, meu refúgio.
Seus braços me envolvem com delicadeza e eu simplesmente amo essa
sensação, amo ele. Amo nós.
Desço da ponta e me afasto só um pouquinho para poder olhar em
seus olhos. E adoro a forma como o azul de seus orbes são como ler seus
diários, como se eu pudesse ver tudo que ele está pensando, sentindo e
tentando expressar. Vejo orgulho, amor, admiração, mas mais do que isso,
vejo um espelho de mim mesma, de tudo o que sinto com relação a ele.
— São suas! — Ele coloca o buquê de tulipas rosas que estava em
suas mãos à minha frente. — Eu disse que gastaria uma boa quantia de
dinheiro com flores.
— Não me sinto culpada por isso — dou de ombros. — Afinal de
contas, você agora é um autor publicado.
Um ano é capaz de trazer muitas mudanças, e foi exatamente o que
aconteceu comigo e com Nick. Quando ele finalizou a primeira versão de
seu livro, eu o incentivei a enviar para alguns agentes literários, ou mesmo
publicar de forma independente. Como eu imaginava, eu não era a única
que se tornaria fã da escrita dele. O livro de suspense, protagonizado por
uma garota com deficiente auditiva, rendeu muitas leituras e um contrato de
uma editora pequena. São pequenos passos, mas eu sei que esse é o só o
começo para Nicholas Bennet e sua carreira como escritor.
— Obrigado por me apoiar — diz ele, me abraçando novamente.
— Obrigada por ter acreditado em mim.
— Obrigado por me amar.
— Amor — eu esfrego seu rosto com delicadeza. — Amar você é
simplesmente a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. Você é a
melhor coisa que aconteceu na minha vida.
Vejo quando os olhos de Nick brilham um pouco mais diante das
minhas palavras e por isso, eu o beijo mais uma vez.
— Vocês dois, uma foto. Esse momento merece — minha mãe
chama nossa atenção e eu dou risada, mas faço o que ela pede.
Me posiciono ao lado de Nick, ele me abraça pela cintura e eu estico
uma das pernas, como se estivesse fazendo uma reverência no palco,
sorrindo para foto. Quando mamãe diz "mais uma", eu viro para ele e nós
dois damos um beijinho. Nós dois nos afastamos, e então, ele me faz uma
pergunta.
— Topa ir para um lugar comigo?
— Eu topo qualquer coisa com você, Nick.

Ainda que seja tarde, eu comemoro a noite de estreia com aqueles


que eu amo. No restaurante francês que eu tanto gosto, meus pais, Hannah e
James, Mahara e Dave, Manu e Nathan, assim como Louis e Alex
preenchem a mesa grande e brindam ao meu sucesso. Quando eu pensava
em família, anos atrás, eu só conseguia pensar nos meus pais, mas com
Nick, depois desse tempo convivendo com a família dele, eu também os
considero parte da minha. Família não é necessariamente aqueles que
possuem laços de sangue, mas sim, aqueles que fazem com que você se
sinta bem onde quer que esteja, seja de bom ou mal-humor, triste ou feliz,
em casa ou em outro continente. E mesmo tão diferentes, com realidades
tão distintas, vivências das mais diversas e até mesmo outros idiomas, em
meio a esse jantar, eu só consigo pensar que sou sortuda por muitas coisas e
uma delas, é por me sentir bem junto dessas pessoas.
No final do jantar, eu me despeço de cada um, agradecendo por
terem vindo à apresentação e, quando resta apenas Nick e eu, não resisto em
tentar sanar minha curiosidade.
— E então, quais os planos para agora?
— Você estaria roendo as unhas se pudesse, não é?
Ele me conhece tão bem.
— Só um pouquinho — faço um biquinho fofo. — Você não deu
uma pista do que quer fazer.
Nick suspira, segurando minhas mãos com as deles, massageando
devagarinho a parte de cima da direita.
— Prometo que vai valer a pena — ele pisca para mim e sorri de
uma das muitas maneiras que eu amo. — Vamos?
Balanço a cabeça e de mãos dadas, eu deixo que ele me guie para
fora do restaurante. Entretanto, fico surpresa quando ele adentra o hotel que
fica ao lado e me leva até a recepção. Ele dá boa noite ao recepcionista e
anuncia que tem uma reserva em seu nome.
— Vamos passar a noite em um hotel caro? — Pergunto curiosa.
— Quase isso. — Nick dá uma piscadinha para mim e agradece
quando o atendente lhe entrega dois cartões chaves e diz que está tudo
pronto.
Meu namorado agradece e juntos, vamos para o elevador. O quarto
fica no terceiro andar conforme dada a informação, mas eu me surpreendo
quando Nick aperta o botão que leva até o último andar.
— Você está todo misterioso.
— E você toda curiosa — ele rouba um beijo da minha boca — só
quero te levar em um lugar bonito.
— Com você eu vou para qualquer lugar.
— Bom saber disso — diz ele no momento em que as portas se
abrem.
Me guiando pelos corredores, ele me leva até uma porta grande
metálica que dá para uma escada. Nick vai na frente subindo os degraus e
eu o acompanho. Por fim, chegamos em uma nova porta grande.
— Tudo bem se passarmos um pouquinho de frio? — Questiona ele,
ajeitando a gola do meu casaco.
— Tudo bem, eu não me importo tanto assim com o friozinho.
Ele sorri e então abre a porta. Estamos no terraço do hotel, mas a
visão além de espetacular é surpreendente, principalmente quando eu vejo
uma estufa toda de vidro com algumas luzes acesas dentro. Ando até o
lugar, sentindo o vento gelado bater em meu rosto, mas o frio é mero
detalhe, porque quando abro a porta, perco completamente o ar ao ver a
quantidade de flores ali.
— Que lugar lindo! — Digo, olhando para todas as flores, de
diferentes cores e formatos tão bem preservadas. — Como você descobriu
esse lugar?
— Mahara — explica ele. — Ela adora flores, ela disse que o lugar
escondido permanecia florido mesmo com as temperaturas mais frias,
quando vi fotos, fiquei igualmente maravilhado.
— É lindo! Olha aquelas tulipas — aponto para um vaso com
tulipas roxas lindas, comuns durante a primavera. — Você não brincou
quando disse que iria me presentear com tantas flores assim na minha
estreia, isso é completamente…
As palavras somem da minha boca quando eu viro novamente para
Nick mas, diferentemente de antes, eu o encontro abaixado, em um joelho.
Automaticamente, meus olhos começam a arder, principalmente quando ele
sorri, visivelmente feliz, mas também um pouco nervoso. Conheço esse
homem com a palma da minha mão, sei ler exatamente cada uma de suas
expressões.
— Linda — Ele sinaliza apenas. — Anos atrás, eu fiz uma viagem
longa para visitar o meu pai. Ele tinha se mudado para um lugar muito,
muito longe de mim — ele para de mover as mãos e me olha atentamente.
— E, enttão, para a minha surpresa, a viagem que parecia só de férias, se
tornou minha mudança. Um dia, eu acordei e meus pais me falaram:
“vamos procurar uma escola para você?”. Não posso mentir, eu fiquei com
muito medo. Mas então, na segunda visita, eu vi uma garotinha parada do
outro lado da sala, usando uma roupa toda cor de rosa. Eu queria brincar
com ela, mas eu achei que ela não iria entender o meu jeito de conversar,
afinal de contas, eu só falava assim… com as mãos.
— Nick… — digo seu nome com a voz embargada e ele continua a
sinalizar.
— Mas então, ela veio até mim e de repente, ela moveu a mão e
disse “oi”. Do mesmo jeito que eu fazia. E nós começamos a brincar. —
Quando ele sorri para mim novamente, vejo que uma lágrima escapa do
olho direito dele. — Eu era muito pequeno para entender as coisas, mas
quando meus pais me falaram que eu iria voltar para aquela escola, eu
pensei comigo. “Tomara que aquela garotinha esteja lá quando eu voltar,
assim eu vou ter com quem conversar”.
Ponho a mão na boca, mas mesmo assim, não consigo abafar o
soluço quando ele sinaliza mais essa parte. É simplesmente a coisa mais
tocante que ele poderia me contar.
— Você esteve na minha durante todos esses anos, Maya. Você
sempre diz eu te salvei, mas você me salvou primeiro. Eu não sei
exatamente quando eu descobri que era apaixonado por você, mas o que eu
sei é que eu não quero ficar nenhum dia da minha vida sem você — Nick
para de sinalizar e então, coloca a mão direita dentro do bolso da calça e
pega uma caixa de veludo preta. Quando ele a abre, um anel pequeno,
delicado, singelo e brilhante reflete entre nós. E dessa vez, ele não sinaliza,
ele verbaliza cada uma das palavras. — Eu sei que somos novos, você tem
o mundo para conquistar e eu também. Não precisa ser agora, nem ano que
vem. Pode daqui três, quatro ou dez outonos, mas eu preciso te fazer essa
pergunta, linda. — Ele respira fundo e finalmente a faz: — Maya Karlsson,
você aceita se casar comigo?
Choro tanto neste momento que sinto meu corpo inteiro tremer. Que
pergunta mais audaciosa!
— Nick — eu sinalizo seu nome. — Eu me casaria com você em
qualquer estação do ano.
— É um sim?
— É um grande sim, amor.
Nick se levanta e eu pulo em seus braços, chorando copiosamente,
sentindo o coração dele bater rápido, inalando seu cheiro tão familiar, mas
mais do que isso, eu abraço o meu melhor amigo, meu lar, meu namorado e
meu futuro marido.
Nicholas Bennet é a minha pessoa.
Dizem que o outono é o momento em que as flores e as folhas
morrem, é quando as temperaturas começam a cair e os dias se tornam mais
curtos, mas a verdade é que o outono nada mais é do que uma promessa.
Ele é o fechamento de um ciclo e a promessa de uma nova fase. É com a
queda das folhas das árvores que nasce a certeza de uma nova primeira. São
os ventos mais gelados que trazem as mudanças.
Nick e eu temos muito ainda o que mudar, temos muitas transições
pelas quais vamos passar. Mas entre nós, uma certeza se faz presente neste
momento: ainda que venha o inverno, haverá sempre uma primavera à
nossa espera, novas esperanças e novas histórias para escrevermos e
vivermos. Haverá sempre um verão para nos fazer viver intensamente. E no
outono, nós sempre iremos nos renovar, nascer e renascer. Juntos.
— Eu te amo — diz ele ainda me apertando forte. — Eu te amo, eu
te amo, eu te amo.
Nick se afasta para poder me olhar e eu sinalizo para ele.
— Eu te amo muito mais.
— Posso? — Ele me mostra a caixinha e eu assinto, estendendo a
mão direita para ele, para que ele coloque o anel no dedo anelar.
Quando o aro desliza pelo meu dedo, ele dá um beijinho na pedra.
— Nós. Para sempre — ao dizer essas palavras, eu selo essa
promessa da forma mais Maya e Nick possível.
— Jura juradinho? — Eu estendo o mindinho para ele.
— Juro juradinho.

Mas, pela última vez: se eu fosse você... Virava a página.


— Como é que é?
Olhando para o meu pai neste momento, eu só consigo pensar no
quanto somos parecidos. E pensar que em algum momento, antes de eu
nascer, houveram dúvidas de quem era meu pai. Uma história engraçada
contada agora, muitos anos depois, mas que gerou certa tensão na minha
família. Amo meu padrasto, Erik, amo como um pai que ele também é para
mim, mas quando olho para Nathan LeBlanc, meu pai biológico, como
estou fazendo neste momento, só consigo pensar que nós dois somos
realmente, muito parecidos.
Apesar da idade e dos cabelos dele agora serem mais curtos, e dos
nossos olhos serem de cores diferentes — o dele, castanhos e meus azuis
bem claros — as semelhanças físicas são muitas. Como o sorriso. As
pessoas sempre dizem que temos o mesmo sorrisinho de lado e eu
concordo, é realmente idêntico.
Mas, neste momento, com essa pergunta ainda pairando entre nós,
reflito sobre o fato de que as semelhanças entre nós não se limitam apenas a
aspectos físicos. Os caminhos que trilhamos também são parecidos. O
hockey, a paixão da vida dele e a minha também. E agora, a minha… vida
amorosa.
— Achei que você tivesse entendido o que eu disse — digo,
respondendo a pergunta dele.
— Eu entendi, Lou, eu só estou… — ele olha para mim e depois
para Manuela, sua esposa e uma das minhas pessoas favoritas do mundo. —
Chocado?
— Por que está olhando para mim? — Pergunta Manu olhando para
o marido. — Eu não me surpreendo nem um pouco — comenta rindo. — E
me surpreendo menos ainda por ser com quem é.
— Bom, quanto a isso, eu confesso que não me surpreendo também
— meu pai dá uma risadinha e pisca para mim. — Nós sempre amamos
ela.
— E pelo visto, você também a ama, não? — pergunta Manu para
mim.
— Eu…
Pondero a resposta.
Eu amo Karin Bergström?
Que pergunta estúpida! É claro que eu a amo.
— Você a ama — meu pai responde por mim — assim como eu me
apaixonei pela minha namorada de mentira, você também se apaixonou pela
sua.

Vejo vocês em breve, na primavera, nossa última estação.


Depois de duas estações intensas, de sentimentos variados, muitas
lágrimas, muitos sorrisos, mas também muita dor, o outono veio. Uma
história leve, mas extremamente sensível, do jeito que eu queria que fosse.
Da forma como Nick e Maya mereciam.
Gostaria de começar agradecendo ao meu companheiro de vida.
Felipe, você nunca deixa de me apoiar. Assim como o Nick, você acredita
em mim mais do que eu mesma muitas vezes. Obrigada por me lembrar
que, em qualquer lugar do mundo em que eu esteja, se você estiver junto,
sempre será casa.
Obrigada especial a minha mãe (cujas referências na relação das
mães dos meus personagens estão sempre presentes). Ao meu pai, meu
padrasto e meu irmão por todo o apoio sempre. Aos meus amigos Ana
Carol, Alessandra Ferreira, Eduardo de Almeida, Fernanda Biffi, Giovana
Leão e Thais Oliveira, que nunca deixam de me apoiar, ainda que se percam
nos muitos projetos de livros. Amo vocês.
Obrigada mais que especial as minhas leitoras betas e igualmente
amigas: Camila Moura, Fernanda Martins, Laura Vitelli, Milena Fernandes
e Nara Gama. Obrigada também a Reh Saes, minha leitora sensível, que me
ensinou tanto sobre deficiência auditiva e com quem tive trocas que foram
fundamentais para o desenvolvimento do Nick.
Clarissa Progin por mais uma revisão. Fernanda Freitas pela capa de
mais um livro da série Estações. Aline Bianca (ou também, particularmente
conhecida como Robertinha), minha assessora, por segurar minha mão e me
ajudar nesse processo todo. Dividir minhas responsabilidades com alguém é
muito difícil, mas você tem tornado essa tarefa mais fácil.
Gabriela Goes, Sara Teresa e Nia Arts pelas ilustrações e claro, Mayra
Furtado pelos vídeos lindos produzidos.
E sempre: obrigada a você, leitor e leitora, que se entrega de coração
e alma nas minhas histórias. Certas horas, eu me pergunto se estou fazendo
a coisa certa, se histórias fofas como essa ainda tocam o coração de cada
um de vocês. E todas as vezes que eu duvido da minha capacidade, vocês
me mostram que eu estou no caminho certo. Obrigada por estarem ao meu
lado.
Nos vemos na primavera!
SOBRE MIM

Nascida na Grande São Paulo, Beatriz formou-se em Letras pela


Universidade de São Paulo. Quando não está escrevendo, passa a maior
parte do tempo lendo, ouvindo música, vendo filmes e planejando viagens.
Não dispensa um café quentinho, shows e uma tarde com os amigos.
Não necessariamente nessa ordem. Atualmente, passando muito frio, mora
na Suécia com o marido e seu cachorro Baleia.

REDES SOCIAIS
Para acompanhar próximos lançamentos, me siga nas redes sociais:
Instagram e Twitter: @autorabeatrizg
OUTROS LIVROS DA AUTORA

Série Estações

De Onde Vem o Frio

O Calor que nos Aquece


Série Fair Play

Fair Play

Overtime (Uma história de Fair Play)

End Game (Um Spin-Off de Fair Play)


Game On (Contos de Fair Play)

Livros únicos

Um Verão em Cartas

Série Garotas em Quadra


O Último Lance

Duologia Toxic Twins


Jaded Doll
[1]
Personagem do livro Fração de Segundo, Kels Peres.
[2]
Personagem do livro Fair Play.
[3]
Banda fictícia do livro Jaded Doll.
[4]
Celebração do solstício de verão, comumente celebrada na Suécia.
[5]
Nome dado ao transporte comum na Suécia, similar ao bonde.
[6]
“Gol”em sueco.
[7]
Especiaria de abóbora.
[8]
“Oi”, em sueco.
[9]
Bebida sazonal com as especiarias de abóbora, café e leite.
[10]
Doce semelhante ao kannellbule, mas feito de cardamomo.
[11]
“Eu te amo”, em sueco.
[12]
“Gröna”, em sueco, significa “verde”.
[13]
“Sim”, em sueco.
[14]
“Muito obrigado”, em sueco.

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