Os Sons Da Tempestade (Estacoe - Beatriz Garcia
Os Sons Da Tempestade (Estacoe - Beatriz Garcia
Os Sons Da Tempestade (Estacoe - Beatriz Garcia
SÉRIE ESTAÇÕES
De Onde Vem o Frio
O Calor que nos Aquece
Os Sons da Tempestade
O Florescer do nosso Amor (em breve)
LIVROS ÚNICOS
Um Verão em Cartas
Notas da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Prólogo
Agradecimentos
Olá, querido(a) leitor(a)!
Bem-vindo(a) ao outono. Ou, em outras palavras, ao terceiro livro
da série Estações.
Eu até poderia começar brincando e dizer que passou rápido, mas
não é verdade. Mas, acho que é assim que projetos importantes acabam
sendo. Eles sugam nossa vida, eles exigem tudo de nós, mas o resultado é
sempre maravilhoso, gratificante e único.
Diferente das notas de autora dos primeiros dois livros, neste aqui,
não vou precisar me estender muito. O outono e a primavera, a história dos
filhos, vem para ser algo mais leve, mais ameno, um “entre estações”, como
eu gosto de brincar.
Entretanto, atente-se a alguns detalhes. Este livro é recomendado
para MAIORES DE 18 ANOS. Ele possui consumo de bebida alcoólica,
menção a drogas ilícitas, palavras de baixo calão e cenas de sexo explícita.
A história da nossa protagonista, Maya Karlsson, começa o livro de
uma forma que vai te fazer sentir junto com ela uma grande tristeza e
sensação de impotência. Maya foi traída e estava em um relacionamento
abusivo, onde o ex-namorado a manipulava e ela não percebia. Há cenas em
que ele será agressivo com ela, não apenas com palavras, mas também
fisicamente.
Se em algum momento você se sentir incomodado, não prossiga a
leitura deste livro.
Na história do Nick, como já era de se esperar, estamos falando de
um jovem deficiente auditivo, então, em vários momentos você vai ler que
Nick e os demais personagens, sinalizaram e verbalizaram. Nicholas Bennet
teve sorte de ter acessos muito diferentes de grande parte das pessoas que
são deficientes auditivas. Para a deficiência do Nick, contei com leitura
sensível e aprendi muito e muito nesse processo. Espero que você também
aprenda muito com o Nick.
Não espere grandes reviravoltas, um enredo mirabolante e tramas
complexas. Os Sons da Tempestade é um livro leve: uma história sobre
um primeiro amor, sobre se descobrir, sobre acreditar em si mesmo e,
principalmente, sobre família. A série Estações é sobre família e suas
diferentes configurações, não se esqueça disso.
Espero que essa leitura te faça ter vontade de tomar uma bebida
quente e gostozinha para acompanhar. E que você se sinta leve ao terminar
esse livro.
Um beijo cheio de carinho,
Bia.
Epígrafe
Nathan e Manuela encontraram um no outro, uma forma de se
aquecer no inverno. Assim como eu, eles descobriram que era possível
amar e viver mesmo longe de tudo que lhes era familiar.
Mahara e Dave descobriram o amor durante verão. Assim como eu,
eles entenderam que o sol é uma dádiva e que ter pessoas que se importam
com você, faz com que casa seja apenas um conceito.
Nick e Maya encontraram nas temperaturas amenas do outono, uma
forma de ter esperanças. Assim como eu, eles compreenderam que
transições são importantes.
Torço para que Louis permita que o amor floresça durante a
primavera, porque o nascer das flores é um fôlego de esperança.
A verdade é que não importante a época do ano, sei que cada um
desses amores vai perdurar por todas as estações.
Não importam os quilômetros de distância, os fusos horários e os
mais diferentes costumes, casa é onde o seu coração está. E o meu está
espalhado por vários lugares do mundo.
Para aqueles que sonham com um amor que traga conforto.
Que você encontre uma pessoa que não apenas te ame, mas que também
seja capaz de fazer você se sentir livre. Que vibre pelos seus sonhos, te ame
e, acima de tudo, te respeite.
Que a sua liberdade seja mais um motivo para que ela queira estar com
você.
Tem sangue nas minhas mãos. E esse sangue não é meu.
As gotas de chuva escorrem pela minha cabeça e molham meu
rosto. Não tem luz na parte onde estou, mas eu consigo, ainda na penumbra,
saber que minha mão está tingida de vermelho. Não sou capaz de ouvir os
sons da tempestade, mas isso não me impede de saber que a chuva está forte
e de ver através do clarão dos raios o corpo na minha frente. Não ouço os
sons que ele faz, mas sei pela forma como seu rosto se move que ele está
gemendo por conta da dor. Fico feliz que seja por dor, porque ele merece.
Eu vi o que ele estava fazendo e ele merece cada um dos socos que dei em
seu rosto. Odeio violência, odeio com todas as minhas forças, esse não é
meu comportamento normal, mas eu perdi os sentidos, eu não medi os
estragos quando o vi perto dela.
Maya.
É só então que meus olhos procuram por ela.
As folhas do outono rodam pelo ar
Enquanto ela gira
E o meu coração flutua sem parar
Haikai sem nome,
Nicholas Bennet.
Acho que eu sei o que está acontecendo dessa vez
Tem um estranho na minha vida
Você não é a pessoa que eu conheci
Stranger - Hilary Duff
JUNHO
AGOSTO
O problema da vida adulta é que, certas horas, você não quer agir
como adulto. Como, por exemplo, quando você precisa ir até o banco
resolver alguma pendência, ou comprar comida para casa, ou de repente, ter
que agir de forma indiferente quando você encontra com seu ex-namorado
na academia de ballet.
Em momentos como esse, em que preciso estar na mesma roda de
conversa, fingindo que não me incomodo com sua pose superior e que os
flashes do que aconteceu não me passam pela cabeça, me pergunto como eu
pude ficar tanto tempo junto dele. Mentalmente, eu completo essa resposta,
ela não é difícil de ser dada. Daniel Eriksson é um cara atencioso quando
quer, é uma pessoa fácil de se apaixonar: um dançarino espetacular, que
deixa qualquer um de boca aberta devido ao seu talento. Além disso, ele é
muito bonito. Eu costumava brincar com ele que parecia que seu rosto havia
sido esculpido por algum artista renomado, devido à simetria. Isso sem
contar o corpo atlético, cheio de músculos perfeitos, fruto de uma vida,
assim como a minha, dedicada à dança.
Nossa aproximação aconteceu de forma natural, quando dei por
mim, as brincadeiras, os toques, tudo entre nós tinha outra conotação. Uma
noite em questão, depois de uma aula de contemporâneo, ele perguntou se
eu gostaria de jantar com ele. Fomos em um bar, comemos peixe e fritas e
nos beijamos. O namoro foi consequência.
A traição… bem. Eu diria agora que foi óbvia, eu só não quis ver.
Daniel, diferente de mim, nunca mediu esforços para conseguir
chegar onde queria. Se fosse necessário bajular professores, coreógrafos ou
até mesmo, sabotar outros dançarinos, ele não pensava duas vezes. Esse era
um dos principais motivos das nossas brigas, eu sigo desejando os
holofotes, mas me recuso a acreditar que para chegar até eles, eu precise
destruir alguém. Talvez eu esteja errada. Talvez o mundo da dança exija
essas coisas, mas eu prefiro acreditar que estou fazendo o que é certo.
Com a nova namorada, Johanna, os dois são o casal principal do
espetáculo que entrará em cartaz no começo de novembro. É uma porta de
entrada e tanto para que os mais diversos olheiros e coreógrafos estejam de
olhos atentos em novos talentos e prospectos. Daniel e Johanna são os
solistas e, para além disso, o casal popular da academia de ballet. Todos
querem estar por perto, porque qualquer aproximação pode ajudar em algo.
Infelizmente, eu só estou em silêncio nessa roda de conversa
porque, para todos os efeitos, Daniel e eu terminamos bem e temos um ciclo
de amizade em comum. Descobri que ele estava me traindo durante o
intercâmbio: qual foi a minha surpresa quando viajei um final de semana
para vê-lo e ao chegar no apartamento, o encontrei transando com Johanna
na cama que nós tantas vezes dividimos. Com o jogo de lençol que eu havia
comprado pouco antes de viajar.
Ele tentou se justificar.
Para mim não havia justificativa.
Pedi que ele me deixasse em paz e seguisse com sua vida. Para as
pessoas de fora, foi só um acaso nós terminarmos e, pouco tempo depois,
ele e Johanna serem vistos juntos. Boa parte dos nossos amigos sabe a
verdade, mas no mundo dos adultos, muitas vezes, é mais fácil varrer os
problemas para debaixo do tapete.
— Eu já falei muito sobre mim, pessoal — a voz dele me traz de
volta à conversa. Vejo seu sorrisinho cínico, fingindo não adorar ser o
centro das atenções e me pergunto, mais uma vez, se isso sempre esteve
presente nele — Me contem vocês, o que estão fazendo de novo?
As conversas voltam a se misturar e noto que cada um tenta mostrar
que, mesmo não estando como casal principal em um espetáculo, cada um à
sua maneira está fazendo coisas incríveis. É um eterno contar vantagem e
não ficar por baixo. Muitos dos meus colegas tem uma condição financeira
boa, não trabalhar não é algo ruim. É diferente de mim, eu poderia
continuar contando com a ajuda dos meus pais, mas sei que isso implicaria
em prejudicá-los de certa forma.
— E você, Maya? — Pergunta Daniel. — O que tem feito desde que
voltou de Copenhagen?
Acho audacioso da parte dele dirigir a palavra a mim, mas de certa
forma, é previsível. Meu ex-namorado sabe que dentro da academia de
ballet, as fofocas são o principal alimento dos bailarinos. Ele sabe que, por
mais que eu tenha dito a ele que não queria contato, nós dois temos que
conviver por causa da nossa profissão. Vejo os pares de olhos voltados para
nós e sei que estão só esperando por uma fagulha, um motivo. E eu não vou
dar nenhum dos dois para ninguém, então, apenas me limito a responder o
mínimo.
— Organizando minha vida, arrumei um emprego aos finais de
semana.
— Legal, onde? — Pergunta uma das nossas colegas.
— No LeBlanc’s.
— É legal ocupar a cabeça com outra coisa além da dança — Daniel
completa e a conversa toma outro rumo.
A resposta pode parecer neutra, mas reconheço na expressão dele,
nos olhos que eu tantas vezes encarei, o leve sarcasmo, de quem de certa
forma fica feliz em ver que estou em uma posição inferior a ele. Hoje, agora
longe e sem nenhum vínculo com ele, consigo compreender o que minha
mãe falava para mim. Meus pais não eram os maiores fãs de Daniel, mas
respeitaram minha decisão de estar com ele. Entretanto, quando
terminamos, minha mãe me disse que considerava um livramento. “Você
nunca percebeu, mas ele sempre precisava se engrandecer”.
Incrível como as mães estão sempre certas.
Antes que a conversa precise se estender ainda mais, dois
professores aparecem na porta da sala onde estamos. Um deles é Dimitri, o
coreógrafo responsável pelo espetáculo de Gisele que Daniel e Johanna vão
estrelar, e o outro é o professor da aula que eu e os demais teremos agora.
As despedidas são feitas e eu fico grata porque, agora, tudo com o que
preciso me preocupar é com a aula.
Me curvo na barra conforme começamos o aquecimento e deixo
meu corpo se alongar de todas as formas, estico a coluna, os braços, dou o
meu melhor. Posso permanecer frustrada por meus planos terem ido por
água abaixo, posso ainda me sentir traída e tola com tudo que aconteceu,
mas aqui e agora, não vou deixar esses sentimentos virem à tona. Somos só
eu e o ballet. Passei já tempo o suficiente remoendo, mas não vou deixar
nada ficar entre mim e a minha verdadeira paixão: a dança.
Apesar de saber que posso usar a cozinha, eu opto por sair mais
cedo na sexta-feira, ir para o meu treino para aproveitar a academia vazia e,
antes de ir para o ballet, eu passo na cafeteria próxima da escola, para
finalmente, tomar meu café da manhã. É setembro. estamos no outono, só
há uma escolha de pedido a ser feita.
— Hej[8] — saúdo a atendente. — Eu gostaria de pedir um pumpkin
spice latte[9] e um kardemummabullar[10].
Minha dieta vai por água abaixo numa refeição como essas, assim
como o treino pesado na academia, mas a época do pumpkin spice é só no
outono e dura um mês e meio, dois no máximo. Mereço aproveitar, mereço
me mimar. Pondero meu horário ao ver pelo celular as horas e ainda estou
com tempo, consigo sentar no próprio café para fazer a refeição. Sento-me
próxima à janela para apreciar a vista.
O outono e a primavera são as estações mais coloridas e, apesar de
ser completamente e cem por cento a favor do calor, as cores do outono são
as minhas favoritas. Com a transição do clima, ainda é possível ver algumas
folhas verdes entre a predominância dos tons alaranjados, bordô e até
mesmo um rosa escuro. É realmente lindo, é bonito ver as folhas caindo,
ainda que também seja nessa época que as ruas ficam perigosas. Neve e
gelo são complicados, mas ninguém conta que, por trás de toda foto de
outono, há um chão cheio de folhas molhadas por conta da chuva que torna
as ruas escorregadias. Fora isso, é um clima difícil para se vestir
adequadamente e a capa de chuva se torna a maior aliada do sueco.
O céu fica mais acinzentado, nós passamos a perder todos os dias
alguns minutos de luz, até a chegada do inverno e o dia mais curto do ano, o
solstício de inverno.
Mas, ainda assim, o ambiente quase bucólico não me deixa triste.
Há algo de poético em tomar um café bem doce, enquanto como um doce
que tanto gosto e observo as pessoas caminhando na chuva fina que cai. De
alguma forma, me sinto bem com isso.
— Não me surpreende te encontrar aqui.
Estou de costas e ouço a voz atrás de mim, mas não preciso que a
pessoa se mova para o meu lado para saber exatamente quem está falando
comigo. Entretanto, não atendendo ao meu pedido silencioso, Daniel se
coloca ao meu lado, segurando um copo bem menor de café que o meu e
seu sorrisinho cínico de sempre.
— Não vai me dar oi? — Pergunta ele, quando apenas o olho de
canto e dou um gole em minha bebida.
— Oi, Daniel. — Digo por fim, sem me alongar muito.
— Como você está? — Sem pedir, ele puxa a cadeira ao meu lado e
se senta. — Faz tempo que não nos falamos.
Olho para ele, me perguntando o que de tão errado há comigo, ou
com os sinais que dou, para que ele entenda que pode se aproximar de mim
e conversar comigo como se nada tivesse acontecido entre nós.
— Você fala como se nós tivéssemos muito o que conversar.
— Só porque nós terminamos…
— Eu terminei com você — eu o corto, mas ele prossegue.
— Não significa que não possamos conversar.
— Você fala como se tivesse sido um término pacífico, uma decisão
mútua de não ficarmos mais juntos.
— E não foi? — Questiona ele com uma tranquilidade que me faz
sentir um impulso enorme de dar um soco em seu nariz milimetricamente
reto.
— Você me traiu, Daniel. — Digo por fim, exausta de ter que falar
isso em voz alta.
— E eu te pedi desculpas por isso, você quem não aceitou. Eu te
disse, foi um…
— Aham, um deslize — completo, revirando os olhos e odiando
cada segundo dessa conversa. — De verdade, Daniel, não existe nenhum
motivo para você vir tirar minha paz neste momento, então: estou ótima,
obrigada por perguntar, agora se me dá licença, eu tenho uma aula para ir.
Me levanto da cadeira, não me importando em deixar pouco menos
da metade do meu café intacto, pronta para ir embora. Todavia, me assusto
quando Daniel segura meu pulso mais forte.
— Para que toda essa grosseria. Quero falar com você.
— Você pode falar comigo sem segurar meu pulso — digo séria,
puxando meu braço, mas ele não o solta.
— Não tive alternativa, você com essa pose toda de superior não
sabe agir como uma adulta.
— Me solta! — Minha voz sai irritada.
— Me escute primeiro então. — Com a voz igualmente irritada, ele
ainda me segura no lugar — Não vim fazer a política da boa vizinhança,
vim falar sobre um assunto sério. Se você fosse, minimamente, civilizada
como finge ser na frente dos nossos amigos, me deixaria falar o que preciso.
Há chances de você entrar em Gisele.
Quando ele diz isso, minha expressão é de completa confusão e a
força que eu usava antes, forçando meu braço para que ele o soltasse, se
perde um pouco.
— Como é que é? — Pergunto incrédula.
— Sabia que conseguiria sua atenção — ele se gaba e, finalmente,
solta meu pulso. — Digamos que, eu e Johanne não estamos nos dando tão
bem assim.
— E o que isso tem a ver comigo?
— Ora, Maya — diz ele de forma doce, uma falsa doçura que eu
passei a reconhecer. — Você sabe o quanto é importante que um casal tenha
química. E nós temos isso… de sobra eu diria.
Eu o encaro incrédula. O quanto eu me deixei enganar por esse cara
ao ponto de não perceber esse ego enorme, a falta de sensibilidade e, mais
do que isso, como ele pode ser infiel? A forma como ele fala não deixa
margem para que haja outra interpretação além da que, ele está falando isso
usando duplo sentido e mais do que isso, descartando não apenas a
namorada atual como também sua colega de palco e espetáculo. Como se,
sabe-se lá qual motivo esteja causando a falta de sintonia dos dois na dança
seja apenas culpa dela e não dele.
— Não quero fazer parte disso. — Respondo sem hesitar.
— Do que?
— De Gisele, do espetáculo.
— Como é? — Daniel me encara como se eu fosse a pessoa mais
estúpida em quem ele já colocou os olhos.
Talvez eu realmente seja.
— Não quero o papel de Johanna em Gisele.
— Você não pode estar falando sério.
— Eu estou, Daniel. Porque apesar de você achar que, um — ergo o
indicador — tudo e todos no mundo orbitam ao seu redor e dois — ergo o
dedo médio — todas as pessoas do mundo gostam de passar as outras para
trás para chegar onde querem, eu não sou assim. Nem todo mundo é assim.
Seja lá o que esteja acontecendo entre você e sua namorada, não me
importa.
— Maya — ele me chama antes que eu tenha tempo de dar as costas
para ele. — Não deixe que o ressentimento por um erro bobo jogue fora o
seu futuro, isso não é…
— Você, por um acaso, ouve a si mesmo? — A pergunta sai um
tom mais alto, mas eu pouco me importo. Estou exausta dele. — Eu caí na
sua lábia meses atrás de que nós iríamos protagonizar um espetáculo juntos
e você não apenas me traiu, como fez isso para ter vantagem na hora de
conseguir o papel. Você pode se achar mais esperto que todo mundo, mas as
pessoas sabem o seu joguinho sujo — aponto para ele e começo a ver o
rosto de Daniel, branco como papel, ganhar um tom avermelhado. — As
pessoas só escolhem ou não jogar junto com você, mas eu não sou uma
dessas. Não quero sobras, quero meu lugar por merecimento.
— Quer uma salva de palmas agora ou depois por esse discursinho?
— O sarcasmo em sua voz é horrível. — Esse é o seu problema, você se
acha muito superior, diferente de mim e dos demais, mas no fundo, você
quer a mesma coisa que qualquer um naquela academia. Mas, se ser a
"policial boa" — ele faz aspas no ar e se levanta, ficando mais alto que eu,
me intimidando de certa forma — te deixa dormir em paz, então que seja.
Quem perde é você.
E fazendo com que eu me sinta ainda pior, é Daniel quem sai
primeiro, me deixando parada em frente a mesa olhando para a janela,
refletindo tudo o que ele me disse. Fazendo mais uma vez com que eu me
sinta uma tola.
Desperto do transe quando me dou conta de que vou me atrasar para
a aula, não posso deixar que Daniel e suas palavras ruins me atinjam e
façam com que meu dia seja ruim. Não posso, não posso e não posso.
Repito essa curta frase até chegar a academia de ballet, continuo
repetindo quando vou até a sala onde terei aula, continuo a repetir enquanto
passo esparadrapo nos meus dedos, visto a ponteira e tento não associar o
azar de uma das fitas da minha sapatilha soltar antes de vesti-la, a péssima
forma com que meu dia começou.
Não vou deixar que ele estrague meu dia. Não posso, não posso e
não posso.
Infelizmente eu falho.
Passo seis horas na aula errando passos, em um dado momento, a
professora me faz repetir tantas vezes uma série de piruetas sur le cou-de-
pied, que ao final da aula, como há tempos não acontecia, sinto uma dor
mais intensa no dedão do pé esquerdo, onde o peso fica mais concentrado
durante os exercícios.
Somente quando deixo a aula e estou no träm em direção ao
LeBlanc's é que me permito realmente respirar. E é neste momento que
percebo o quanto estou me sentindo sozinha. Não tenho ninguém com quem
dividir as frustrações do dia de hoje, minhas amigas do ballet se limitam a
isso, apenas colegas. Fora daquelas paredes, tenho me sentido muito
sozinha. Poderia mandar uma mensagem para Ellie, mas me pergunto se
esse não é o tipo de coisa que, durante algumas horas ou no máximo um
dia, consomem sua mente, mas depois disso, já não possuem tanta
relevância.
Me esforço para deixar a sensação de lado e sigo o caminho,
ajeitando minhas bolsas, guardando minhas roupas de ballet de maneira
mais organizada nas mesmas e aproveito para me maquiar um pouco, tentar
disfarçar as olheiras, ou mesmo a feição abatida. Não sou a maior adepta do
batom vermelho, mas na última vez que visitei meus pais, minha mãe me
convenceu a comprar um lindo que encontramos, e decido usá-lo. Por conta
do coque, meu cabelo está com leves ondas, mas não me incomodo, isso dá
um certo volume para os fios loiros e ao final, quando estou quase
chegando, a imagem que o espelho pequeno reflete é bonita.
Assim que desço no ponto, ando aos curtos passos que me levam até
a entrada dos fundos, e me surpreendo ao encontrar Nick.
— Ei — ele me saúda.
— Oi, Nick — digo sem muito ânimo.
É irônico que eu esteja morando na casa dele, mas não o encontre
com frequência? É estranho que, neste momento, talvez movida por uma
série de sentimentos estranhos, eu sinta que ele está me evitando?
Por que estou pensando tudo isso?
Por que meu peito parece estar doendo?
— Maya… — ouço Nick me chamar e só quando ele diz as palavras
é que me dou conta do que está acontecendo. — Por que você está
chorando?
— Eu… — sinto minha voz embargada e não tenho forças para
continuar.
Mas então, algo que eu não esperava acontece.
Sinto quando Nicholas se aproxima e seus braços longos circundam
meu corpo.
Ele me abraça.
E por Deus, como eu estava precisando disso.
Não penso em nada, não penso no que preciso ou não dizer, apenas
me agarro a ele e o abraço. Afundo meu rosto em seu peito e deixo que as
lágrimas escorram, deixo que toda a frustração que senti ao longo do dia, e
que vem sendo tanto minha companheira nos últimos tempos seja despejada
aqui e agora. Nick me abraça forte, como se eu pudesse me desfazer, ele me
abraça e me acalenta, esfregando meus cabelos e minhas costas de levinho.
— Todo mundo tem um dia daqueles, não é? — Sua voz sai um
pouco rouca próxima ao meu ouvido e pela primeira vez no dia, mesmo em
meio às lágrimas, eu sorrio.
Sinto os meus lábios se repuxarem porque sei exatamente de onde
veio essa frase. Quando estudávamos na pré-escola juntos, Nick e eu
adorávamos ir à biblioteca, era nossa parte favorita na semana. Entre os
muitos livros, nós dois sempre disputamos um em específico, repleto de
fotos preto e brancas de animais com alguma frase que ornava com a
mesma. O livro chamava "Um dia daqueles", e a segunda foto tinha essa
legenda: "Todo mundo tem um dia daqueles".
— Como você consegue lembrar de tantos detalhes da nossa
infância? — Pergunto, com a voz abafada, ainda encostada em seu peito e
sentindo seu perfume. Nick tem um cheiro amadeirado de capim limão e
sândalo.
— Eu não sei, só… guardo bem as coisas — diz e eu me afasto para
olhá-lo. Vejo em sua expressão que ele parece triste, como se olhar para
mim neste momento o deixasse arrasado. E isso só se confirmando quando
ele diz as próximas palavras. — Não gosto de ver você chorar.
— Também não gosto de chorar — eu me afasto um pouquinho,
mas ainda assim, permanecendo perto de seu corpo, começando a sinalizar
enquanto falo. — Eu estava precisando de um abraço.
— Quer me contar o que aconteceu? — Pergunta Nick de uma
maneira fofa. — Você não precisa, mas…
— Eu quero. — Digo rapidamente. — Estou me sentindo sozinha,
preciso muito conversar.
Vejo que Nick sorri quando digo isso e então, ele dá um passo para
trás, abrindo o caminho para mim.
— Vem, vou te levar até um lugar secreto.
Perguntei pra mamãe. Disse a ela que tinha sentido meu coração bater muito
forte e falei que estava com medo disso. Ela perguntou quando tinha
acontecido isso e eu falei que foi na escola, quando Maya entrou na sala de
aula.
Mamãe me falou que meu coração está bem, mas que se isso acontecer de
novo, é porque a Maya é alguém especial para mim.
A chuva fina cai e me faz andar com a cabeça baixa, apenas olhando
para o chão. Apesar de estar de capa de chuva, botas e de saber que um
clima desses seria perfeito para pelo menos mais uma hora e meia de sono,
não me permito reclamar. Estou indo mais cedo para a academia de dança
por um motivo importante e muito bom: estou correndo atrás do meu
sonho.
Chego ao ponto de ônibus e me sinto agradecida por ele estar vazio
e também por não ter me atrasado e precisar esperar por pouco tempo.
Quando meu ônibus passa, ao entrar, aproveito os bancos vazios para
relaxar um pouco. Estou prestes a mudar a playlist que toca em meus fones
de ouvido quando vejo as notificações. Sorrio ao ver duas mensagens, uma
delas eu esperava receber, mas a outra, me pega de surpresa.
Opto por abrir primeiro a que vai me acolher e me fazer sanar as
saudades daqueles que eu tanto amo. Abro primeiro a conversa com minha
mãe. Mesmo que tenha acabado de acordar, eu não duvidaria que Emily
Karlsson ainda esteja deitada enquanto digita as mensagens.
Mamma: Você vai se sair muito bem hoje. Essa vaga já é sua e eu
não tenho a menor dúvida disso.
Mamma: Já sinto saudades suas, do seu cheirinho. Nessas horas,
sinto muitas saudades de morar em Estocolmo 🙁
Mamma: Se cuida, jag älskar dig [11]<3
Estive com meus pais ontem, saí cedo no domingo para visitá-los e
voltei tarde da noite, mas de fato, eu igualmente já sinto saudades deles. É
maravilhoso ter meu espaço e minha independência, morar sozinha durante
um ano em Copenhagen me ensinou muita coisa sobre espaço pessoal e
sobre eu mesma como indivíduo. Mas, apesar de amar e de não me ver
trocando de vida, voltando a morar com meus pais, isso não muda o fato de
que amo o colo da minha mãe, seu abraço quentinho quando chego em sua
casa. Os mimos que meu pai faz, como comprar todos os tipos de doce que
eu adoro e sempre dizer que está abrindo exceção para a regra sueca de só
comer doces aos sábados.
É impossível evitar o sorriso ao lembrar dos dois me abraçando
felizes quando dei a notícia, eles sabem o quanto eu estava mal, como toda
a situação foi caótica e mais do que ninguém, meus pais me apoiam e
sempre me apoiaram a seguir meus sonhos. Sou muito grata por ter uma
família tão acolhedora e amável, que me respeita, torce por mim e me ama
acima de tudo.
Envio uma foto minha fazendo careta por conta da chuva e digo a
minha mãe que também a amo. Pulo outras mensagens de grupos que estão
para ser lidas e vou para outra conversa que me chama atenção. É bem cedo
e por isso, eu não esperava que Nick estaria acordado, mas, aparentemente,
meu colega de casa não cansa de demonstrar atenção e carinho para
comigo. Clico na conversa e automaticamente abro um sorriso.
Marta me libera uma hora e meia depois, estou suada e cansada, mas
ainda tenho minha rotina corriqueira de aulas, então, ainda que deseje mais
do que tudo um copo de café, me contento em ir a lanchonete da academia e
tomar um suco verde e pegar uma barra de proteínas. Com o suco em mãos,
sigo o caminho até a parte administrativa, onde fica o que nós brincamos de
“almoxarifado de sapatilhas”. Apesar de achar que meu par mais antigo não
está tão velho assim, quando a Sra. Gröna disse que eu deveria trocá-las,
apenas acatei.
Por isso, vou até Philipe, o responsável pelas compras de sapatilha,
bem como por nos fornecer as mesmas e juntos, ele me ajuda a escolher um
par melhor para mim. O mundo do ballet, durante anos, não se preocupou
em oferecer sapatilhas com cores para cada tom de pele. Só havia uma
opção de cor de: a “cor de pele”. Foram anos de luta e, mesmo nunca tendo
sofrido para encontrar sapatilhas para mim, jamais deixei de apoiar a luta de
bailarinos e bailarinas negras. Por esse motivo, sempre que venho até aqui e
vejo as mais diferentes prateleiras com todas as cores, sorrio por ver que de
pouco em pouco, as coisas estão mudando.
Depois de escolher meu novo par, eu volto para a parte do prédio
onde ficam as salas. E é então que eu vejo certo burburinho, vários grupos
de bailarinos conversando. Alguma coisa está acontecendo. Quando vejo
Elke, ela acena para mim e eu me aproximo.
— Ei, chegou adiantada hoje — diz ela me saudando.
— Levantei mais cedo e decidi não enrolar, precisava passar no
almoxarifado também — explico. — O que está havendo?
— Dimitri vai assistir algumas aulas hoje para selecionar um novo
bailarino. Achei que ia demorar para acontecer, mas…
Ela não precisa dizer mais nada.
Daniel será substituído no espetáculo de Gisele.
Quase como uma premonição, as conversas ficam mais baixas e não
leva muito tempo para que eu compreenda o motivo. Vindo pelo corredor,
com a feição fechada, cara de poucos amigos e segurando sua bolsa com
força, Daniel começa a passar pelos grupos, mas quando me vê, eu sinto um
arrepio na espinha. Ele demora o olhar um pouco mais em mim, mas
felizmente, ele segue o caminho.
Entretanto, o arrepio permanece.
Quando ele desaparece de vista, os burburinhos retornam e Elke
sussurra baixinho para mim.
— O karma é uma merda, não é?
Dou um sorriso murcho para ela e não comento mais nada. É
irônico, talvez até mesmo estranho diante de todo o cenário e de toda a
minha história com Daniel, mas eu não me sinto feliz de saber que ele está
se dando mal, nunca gostei de vibrar pelas derrotas das pessoas. E ainda que
eu tenha todos os motivos do mundo para ter raiva, ódio e até mesmo me
sentir satisfeita pelo fracasso dele, essa não sou eu. Nunca vou ser assim.
Posso ser chamada de otária e tola, mas que seja. Meu coração não é assim.
— Acabou a fofoca — nosso professor bate palmas. — Todos para o
centro da sala.
Rapidamente, eu e os demais bailarinos seguimos para dentro e
vamos para nossas posições.
No final da tarde, meus pés estão doloridos e meu corpo implora por
descanso. A chuva deu uma trégua depois do almoço, mas agora, ela volta a
cair. Estou andando distraída pela rua, indo em direção ao ponto de ônibus
quando sinto um puxão em meu braço.
Antes que eu consiga gritar, meus olhos encontram um rosto
conhecido.
— Você deve estar adorando, não é? — Daniel fala pelos dentes.
— Do que você está falando?
— Não se faça de sonsa — ele me segura um pouco mais forte.
— Me solta! — Digo com a voz levemente tremelicante. Nunca vi
ele agir dessa forma.
— Você acha que eu não sei do seu teste para o ballet real? —
Quando ele diz as palavras, só consigo me perguntar como ele pode saber.
— Você fazendo teste para o ballet real, eu sendo expulso injustamente de
Gisele. Johanna e eu terminando… você deve estar amando achar que eu
estou caindo.
— Eu não acho nada, me solta! — Puxo o braço com mais firmeza e
consigo me desvincular dele. — Qual o seu problema?
— O meu problema é que eu estou ficando para trás, Maya. E eu
não gosto disso — enquanto fala, percebo que ele funga várias vezes. E só
então, quando olho para suas pupilas, o brilho de seus olhos não está ali,
eles parecem opacos.
Será que…
— Você está usando drogas? — A pergunta deixa meus lábios sem
que eu me dê conta.
Daniel me olha com ira, como se estivesse vendo a pior pessoa na
sua frente. Felizmente para mim, algumas pessoas passam por nós, olhando
desconfiadas e isso faz com que ele se afaste, com que sua postura dura e
rígida se desmonte. Talvez alguém tenha ouvido o que falei.
— Não brinque comigo, Maya. Você não sabe do que eu sou capaz.
Tão rápido quanto apareceu, Daniel vai embora, me deixando
parada na calçada assustada. Preocupada. Com medo. Ainda mais chocada
por, mais uma vez, me perguntar como eu pude me iludir tanto com uma
pessoa.
E se eu tiver que escolher
Meu coração ou você
Eu vou perder, sim
Hard Place - H.E.R
— Se eu me mexer, vai doer. Mas saiba que se não fosse por isso, eu
daria um tapinha na sua cabeça.
Dramático como sempre, Louis está deitado em sua cama, com as
costas encostadas em uma pilha de travesseiros, enquanto eu faço
companhia para ele em seu quarto. Aproveitei o tempo livre depois da
faculdade e mandei uma mensagem para ele, para nos encontrarmos. Não
pude ir ao último jogo do meu amigo, mas ao que parece, um dos jogadores
do time adversário prensou ele na parede de acrílico, vindo em uma
velocidade rápida demais que ocasionou um roxo e tanto na lateral do
corpo.
Ele está acostumado com esse tipo de coisa, mas isso não o impede
de fazer um pouco de drama enquanto segura uma bolsa de gelo.
— Você consegue se mexer se quiser… — desdenho.
— Então você quer apanhar? — Como o bom adolescente que é, e
que adora colocar uma piadinha de segunda intenção nas suas falas, Lou
sorri para mim e dá uma piscadinha. — Já contou pra Maya desse seu lado
mais selvagem?
— Vai se foder!
— Ah, é! Me esqueci. — Ignorando meu xingamento, ele continua a
falar e sinalizar. — Você está morando debaixo do mesmo teto que ela, mas
não está usando isso a seu favor.
— Me pergunto o que você espera que eu faça.
— Simples: tome uma atitude — diz ele de forma óbvia, revirando
os olhos. — Vocês estão solteiros, morando sob o mesmo teto, passando
tempo juntos em casa e fora do trabalho. Vocês estão fazendo noites de
filmes. — Ele enfatiza essa última parte. — Eu repito: você e sua paixão de
infância passam tempo juntos, assistindo filmes. E, ainda assim, você segue
fazendo o que? Isso mesmo: NADA.
Louis é um garoto engraçado, isso é impossível de negar.
— E qual sua grande solução? Chegar no quarto dela e falar: "oi,
quer transar?"
— Basicamente isso.
Antes que ele termine sua fala, eu jogo uma almofada em seu rosto.
Infelizmente, com reflexos muito melhores que os meus, Louis pega a
mesma no ar e me dá um chutinho leve na perna.
— Você não tem jeito mesmo — rindo um pouquinho, eu balanço a
cabeça de um lado para o outro. — As coisas não funcionam assim.
— Eu sei que não — Lou arruma a postura, ainda que faça uma
careta de dor e, jogando os fios castanhos de cabelo para trás, ele volta a
falar sério. — Você sabe que eu te amo, não sabe? — Pergunta ele e eu não
contenho o sorriso.
— Sei.
— Então, tendo ciência desse amor, você tem noção do quanto é
frustrante ver que você está com tudo trabalhando ao seu favor e, ainda
assim, você não aproveitou a oportunidade que a vida está te dando?
Suspiro de forma audível.
Sei o que ele quer dizer.
E, de alguma maneira, entendo a indignação e, mais do que isso,
sinto que ele está certo. Quando Maya apareceu no LeBlanc's pela primeira
vez, pouco mais de um mês atrás, tive vontade de bater a cabeça na parede.
Achei que era a vida me dando mais um tapa na cara, pronta para me fazer
ser, novamente, apenas um mero expectador na vida dela.
Porém, as circunstâncias são outras. Maya e eu estamos nos
aproximando de novo, isso é inegável. Depois que eu, finalmente, parei de
fugir dela e percebi que a última coisa que eu desejava era ficar longe e
evitá-la, eu parei de resistir. Fiz o que precisava ser feito e me mostrei ali
para ela. E ao mesmo tempo que essa aproximação é uma dádiva, ela
também me soa como uma má sorte. Nossa proximidade está me travando.
De novo.
— Ela precisa de um amigo, Lou — começo a explicar e logo vejo
ele revirar os olhos. — Olha o babaca que ela namorava.
— Você está preocupado com isso, não é? Com essa meio que
perseguição dele.
— Um pouco — assumo para ele. — Vou ficar atento, ainda que ela
ache que não tem porque se preocupar tanto. Mas, enfim, isso com certeza
tem um peso. Pensa comigo, você, por um acaso, acha que eu tenho alguma
chance com ela neste momento? Depois de tudo que ela passou?
— Mas, Nick… — Louis olha para o teto, como se estivesse falando
com alguma divindade. — Vocês estão vendo, certo? Deus, deuses, ET's,
criaturas sobrenaturais e místicas, vocês são prova de que eu estou
tentando…
— Precisamos mesmo de todo esse drama?
— Depende. Eu paro com o drama se você parar de arrumar
desculpas.
— Lou…
— Nick, presta atenção — Louis se ajeita na cama e vejo que faz
uma careta quando se move para o lado esquerdo. De fato ele deve estar
com dor. — Realmente, pode ser que a Maya precise de um amigo agora,
mas uma coisa não exclui a outra. Você pode continuar se fazendo presente
para ela, mas você não precisa anular seus sentimentos por isso.
— Não quero que ela pense que eu estou me aproveitando. — Mexo
nos cabelos depois de sinalizar, como se isso pudesse fazer com os meus
pensamentos se alinhassem. — Além disso, eu não sei se gosto dela dessa
forma — minto.
— Quem você quer enganar? Eu ou a si mesmo? — Pergunta ele. —
Seus olhos brilham quando você fala dela, Nick. E outra coisa, você precisa
saber que a Maya te conhece — ao dizer essas palavras, Lou coça o queixo.
Diferente de mim, que sempre deixo o rosto sem barba, Louis tem uma
barba rala, mas ainda assim, deixa os pelos ali. Ele coça a região mais um
pouco e volta a falar e sinalizar. — Ela pode não saber, por exemplo, que o
seu pé é feio, ou que você consegue comer três cachorros-quentes de uma
vez só — dou risada quando ele diz essas particularidades. — Mas, falando
sério, ela te conhece, Nick. Todo mundo que te conhece, um pouco que seja,
sabe que você jamais se aproveitaria da vulnerabilidade de alguém.
— Eu sei, mas… — fico sem saber o que responder e apenas deixo
minhas mãos paradas no ar.
— Mas, é ela, né? — Louis me olha e faz um biquinho com os
lábios. — Deve ser difícil se declarar para a pessoa que dominou seus
pensamentos e seu coração a vida toda.
— Você não faz ideia – respiro fundo.
O silêncio se faz entre nós enquanto eu reflito sobre o que ele disse.
Verdade seja dita, na maioria das situações, eu não me sinto mais como o
garoto tímido que estudou com ela a vida toda. Mudei muito mesmo em tão
pouco tempo, afinal de contas, pouco mais de um ano não é um grande salto
temporal, mas eu me sinto diferente. Por mais que seja contraditório, me
sinto até mais corajoso quando se trata de Maya. Troco sorrisos com ela,
piscadinhas, até mesmo abraços…
Quando penso nisso, nesses "grandes" avanços, lembro novamente
do exemplo que dei para o meu pai durante nossa conversa sincera.
— Peter Parker — digo em voz alta e Lou volta a me olhar, com a
feição de quem não entendeu. — Me sinto como o Peter Parker com
relação a ela.
— O do Toby McGuire, Andrew Garfield, Tom Holland ou Miles
Morales?
— Acho que estou mais para os três primeiros. O Miles é muito
mais foda que todos os outros.
— Resposta certa, Bennet — Louis brinca comigo. Nós dois somos
apaixonados pela animação do Homem-Aranha.
— Eu prometo que vou me esforçar, ok? Pensar sobre tudo que você
disse. — Respondo por fim.
— Todas as vezes que você me escutou, você se deu bem.
— Aham — balanço a cabeça, fingindo concordar, enquanto sinalizo
e falo, com a feição cerrada na direção dele. — Aquela vez, por exemplo,
que eu entrei numa trilha esquisita com você e a gente saiu de lá com um
monte de carrapato na perna, realmente, foi uma ótima ideia.
— Nós tiramos fotos incríveis, fala sério!
— E depois tivemos que ir ao hospital e ser torturados durante uma
hora para tirarem os carrapatos. Fora a bronca que levamos de todo mundo:
meus pais, seus pais, tia Manu, a Mah, Erik, James…
— Tá legal, já entendi — sinaliza ele, com o rosto bravo. — Não
ouça nunca mais os meus conselhos, ok?
Dou risada da forma como ele fica bravo e vou até ele, bagunçando
seus cabelos compridos e, mesmo que ele esteja sentindo dor, eu o abraço
forte, formando uma pilha de Louis e Nicholas.
— Obrigado pelas palavras. — Eu me levanto e o agradeço,
mostrando que apesar de toda a brincadeira, sou grato por ele me ouvir. —
Obrigado por me conhecer tão bem.
— Sempre, cara. Irmãos não de sangue… — ele me estende a mão e
eu faço o mesmo com a minha, para completar a frase.
— Mas de vida — aperto a mão dele.
Não leva mais do que alguns instantes para que olhe para a escada e
veja minha mãe caminhando na minha direção. Com os cabelos loiros mais
curtos, um corte que ela usa há anos, mamãe envelheceu, é verdade, mas
continua sendo uma mulher linda. Como de costume, ela está usando um de
seus muitos ternos de alfaiataria, calças jeans e meias coloridas, como ela
sempre gosta de usar.
— Como estamos?
— Progredindo — digo, olhando para a tela e depois me virando
para olhar em seu rosto. — Acho que essa é a melhor história que já
escrevi.
— Eu não tenho a menor dúvida disso — mamãe pisca para mim
antes de vir me dar um beijo no rosto. — James vai me encontrar no bar,
devemos voltar mais tarde, ok?
— Claro.
— E veja se não se alimenta apenas de café, ouviu? —
Massageando meus cabelos, ela se despede. — Te amo, filho.
— Também te amo, mãe.
Despedidas feitas, eu viro minha cadeira novamente, em direção ao
computador e volto a escrever, relendo a última frase para dar segmento.
Estalo os dedos das mãos e dou um gole em minha garrafa de água antes de
dar início a maratona de escrita.
Não sei dizer quanto tempo fico ali, imerso na realidade que criei
para o livro, ou mesmo debruçado sobre a tela, mas sou despertado do
transe quando meu celular vibra na mesa, mostrando uma nova notificação.
É uma mensagem de Maya, o que, automaticamente, me faz sorrir.
Nick: Quando estou com você, fico desejando que o tempo pare, só
para ficarmos mais tempo juntos.
Nick: Mas agora, deitado na minha cama, torço para que as horas
passem rápido.
Nick: Só para te ver de novo :)
Há coisas que, às vezes, você faz por um bem maior, por saber que é
a decisão mais sábia para se tomar, pode não ser a que você
verdadeiramente quer, mas é a que terá melhor eficácia. Como escolher não
tomar gelado quando está frio, não sair de cabelo molhado no inverno, ou,
por exemplo, não correr por cada canto de Estocolmo em busca do ex-
namarado abusivo de Maya e bater em seu rosto debochado e cínico.
Não sou assim, nunca senti algo parecido com isso, mas, nos
últimos tempos, toda vez que Maya me revela a culpa que sentiu por causa
de Daniel, ou que chorou comigo por ter encontrado com ele e escutado
suas palavras duras, a forma como eu sei que ele segurou seu punho outra
vez e a maneira como desconfio que ele tenha segurado ela antes de eu
chegar, todos esses são motivos de sobra para me fazer borbulhar de ódio.
Só de pensar nele chegando próximo dela de novo, sinto que eu poderia…
— Nick? — A voz de Maya me desperta e quando a olho, vejo que
o caminho da academia passou por meus olhos como um vulto, estamos
entrando em uma sala de ballet.
— Sim? Desculpa, eu me distraí.
— Eu reparei — diz ela com a voz doce. — Você parece
incomodado.
— É impressão sua — disfarço e ela dá uma risadinha.
— Essa ruguinha aqui não costuma aparecer com frequência —
tocando minha testa, sinto seus dedos trazendo uma sensação de paz.
— Desculpa, linda — peço a ela, segurando sua cintura de leve. —
Tenho certeza que ela vai desaparecer quando te ver dançar.
— Então vamos fazer isso logo — piscando, Maya fecha a porta,
trancando a mesma e, habituada com o ambiente, ela vai até a parte onde o
sistema de som fica. Com um dos controles, ela liga o ar-condicionado,
apenas para deixar o ambiente climatizado.
— Onde eu fico? — Pergunto, correndo meus olhos pela sala.
— No lugar onde preferir, a coreografia não exige que eu use muito
espaço — explica, vindo em minha direção. — Estou pensando agora que
esse ambiente deve ser completamente novo para você, não é?
— Bastante. Mas eu gosto, tudo serve de inspiração — brinco com
ela, me sentando ao lado de suas bolsas, enquanto Maya se inclina para
remover suas botas. Faço o mesmo e agradeço quando ela as pega e coloca
junto das suas no canto da sala.
— Alguma bailarina ou bailarino nos seus futuros projetos? — Se
sentando ao meu lado, ela começa a pegar suas sapatilhas enquanto eu a
assisto se movimentar.
— Por enquanto, não, só na vida real mesmo — as palavras saem
com leveza dos meus lábios, porque quando estou com ela, me sinto assim.
Leve.
Maya ergue o olhar para mim e sorri, e nossa! Quando ela sorri,
quando Maya Karlsson me olha desse jeito e sorri, é como se tudo fizesse
sentido, se torna completamente fácil entender porque essa garota, de
alguma forma, sempre dominou minha mente. Os sentimentos ruins
desaparecem e tudo que existe aqui é ela e eu.
— Sabe o que eu me toquei só agora? — Maya questiona e deixa o
par de sapatilha que estava na mão no chão, inclinando seu corpo até mim.
— Não te beijei ainda.
— Eu também não.
— Então me beija, Nick.
Com a boca próxima da minha, eu a beijo. Seguro seu rosto com
delicadeza em minha mão direita e toco seus lábios com gentileza,
movendo uma das mãos para seus cabelos, adorando sentir os fios soltos em
seu rabo de cavalo. Peço passagem com a língua e quando a dela toca a
minha, mando todos os sentimentos ruins e a raiva latente para o fundo da
mente, não dando mais espaço para isso.
Eu a beijo mais um pouco e simplesmente amo quando ela começa a
avançar em minha direção, empurrando meu corpo de levinho. Rio em seus
lábios e ela faz o mesmo, mas sou incapaz de pará-la, vou cedendo meu
corpo até que esteja deitado no piso de madeira e sinta Maya sobre meu
corpo, me beijando de forma delicada, mas ainda assim, intensa. Quando
ela começa a diminuir o ritmo, eu faço o mesmo, ainda que queira mais do
que tudo que ela continue exatamente onde está. Ao se afastar, abro os
olhos e vejo as íris castanhas dela, seu nariz levemente arrebitadinho, as
bochechas fofas que eu tanto gosto. Terrivelmente perfeita. Especialista em
fazer meu coração descompassar.
— Agora sim — diz ela, dando um beijinho rápido na minha boca.
— Oi, Nick.
— Oi, linda — eu a saúdo, sorrindo pela forma como ela parece
bem melhor e da forma como eu deveria tê-la encontrado antes: feliz.
— Sinto que agora conseguirei ensaiar melhor — piscando, ela se
levanta de cima do meu corpo. — Obrigada.
— De nada — rio para ela e puxo um pouco a calça de moletom que
estou usando, no intuito de evitar que minha ereção fique muito aparente.
Me ajeitando, vejo que ela olha para mim, com uma expressão um pouco
indecifrável. — O que foi?
— Nada, só algumas ideias — explica, mas balança a cabeça,
voltando a se sentar. — Você não trouxe um livro ou algo para fazer
enquanto ensaio?
— Claro que não, por que faria isso?
— Porque me assistir dançar uma vez eu até entendo, mas vou
repetir a coreografia uma quantidade boa de vezes, uma hora você vai
cansar.
Enquanto conversa comigo, Maya volta a pegar suas sapatilhas e
uma necessaire, não olhando diretamente para mim, por isso, ela não vê
minha expressão de bobo apaixonado quando diz essas palavras. Ela,
realmente, não tem dimensão do quanto estar perto dela para mim não é um
sacrifício, mas sim, um privilégio.
— Eu duvido muito que eu seja capaz de me cansar — é tudo que
digo.
Erguendo o rosto, Maya faz um biquinho fofo e segue com sua
preparação. Como o bom curioso que sempre fui, pergunto o porquê ela
coloca mais esparadrapos, reforçando os da ponta do dedão do pé e, dessa
forma, ela inicia uma conversa interessante sobre como funcionam as
sapatilhas de ponta. Ela me conta que cada bailarina tem sua forma de
adaptar os pares, mostra a costura que ela costuma fazer na ponta, que eu
nunca havia reparado, bem como me explica sobre as fitas, que cada
bailarina costura, assim como o elástico que ajuda a manter a sapatilha
firme nos pés. Devidamente calçada, Maya se coloca de pé e eu observo
suas ações, mas minha expressão neutra se torna levemente surpresa quando
ela começa a tirar a blusa de moletom que está usando, bem como a calça
que está vestindo.
— Isso não é um striptease, eu prometo. — Explica ela, quando vê
minha cara surpresa — Pelo menos não ainda.
Com uma piscadinha, ela deixa as roupas e bolsas em outro canto da
sala e eu acompanho seus passos, admirando a beleza pura e simples de
Maya. Todas as vezes em que a vi dançar, ela estava usando os tutus, ou
mesmo saias de ballet, mas agora, ela está apenas de collant e com a meia-
calça por cima. Consigo ver seu corpo com detalhes, as pernas torneadas, a
bunda nem tão pequena, mas nem tão grande, assim como seus seios,
contornados pelo tecido justo. Parada em frente a parede de espelhos, ela
apoia as duas mãos na barra e então começa a descer e subir na ponta.
Há um silêncio confortável entre nós. Eu me acomodo no fundo da
sala e simplesmente a assisto. Eu a olho como ela deve ser olhada, com
adoração, como se fosse um privilégio assistir seus ensaios, porque de fato
é. Quando ela termina de se aquecer, vira para mim e dá uma piscadinha,
indo até sua bolsa e pegando um leque. Imagino que o objeto faça parte da
coreografia e então, ela vai até o sistema de som e coloca a música. Ela
pega o final de uma melodia e então, se posiciona no canto da sala, o
silêncio entre uma música e outra é o tempo necessário para que ela me
olhe pelo espelho. Sorrio em incentivo e ela responde ao mesmo.
E, então, ela se transforma.
Quando o som da harpa começa, Maya caminha na ponta dos pés,
abre e fecha o leque algumas vezes, se posiciona no centro da sala quando a
melodia começa. O toque suave, mesclado com a leveza de seus passos e
sua beleza fazem com que eu fique completamente hipnotizado. A
sequência que vem é ela movendo as pernas uma a uma, ficando na ponta,
dobrando e depois movendo a mesma para trás, o que faz com que ela vá
andando no ritmo da música. É como se ela estivesse dentro de uma caixa
de música, dançando perfeitamente.
É uma das coisas mais lindas que já vi em toda minha vida. A
música termina e estou prestes a bater palmas quando uma melodia mais
rápida começa, Maya deixa rapidamente o leque em um canto e então, ela
começa a girar sobre o mesmo eixo, rápidas e repetidas vezes, é
simplesmente eletrizante a forma como ela gira, gira e gira sem parar, sem
perder o equilíbrio. Quando a música acaba, ela para na ponta dos pés em
perfeito equilíbrio.
— Você é perfeita! — É a única coisa que consigo dizer quando ela
desce da ponta e me olha no espelho, o momento em que eu entendo que
posso falar com ela, sem tirar sua concentração.
— Não foi tão ruim — diz ela dando de ombros, enquanto sinaliza
—, fiz pior durante o dia de hoje.
— Esse é o pior? — Seguro a risada. — O que é considerado o
perfeito?
— Vai por mim, quando eu dançar certo, você vai ver. — Maya
inclina o corpo para frente, se alongando. Virando o rosto para mim, ela
volta a falar. — Estou com o corpo tenso, duro. Realmente preciso de uma
massagem, um dia para relaxar.
Mentalmente, penso que eu poderia me voluntariar para relaxá-la,
mas sei que ela está falando sobre relaxar de outra forma, por isso, controlo
minha língua dentro da boca.
— Tem certeza que você não quer nada para te distrair? Eu
realmente preciso ensaiar.
— Você é distração o suficiente, acredite — pisco para ela, enquanto
sinalizo e Maya ri, revirando os olhos um pouquinho. — Se serve de
consolo, posso ler pelo celular.
— Tive uma ideia melhor — indo novamente até sua bolsa, ela abre
a mesma, se inclinando e procurando entre suas roupas algo. Quando
encontra, ela solta um "achei", baixinho. — Aqui.
Ela me estende um aparelho Kindle e eu sorrio.
— Conheço bem isso aqui — brinco, aceitando o aparelho e
olhando para a tela, reconhecendo na mesma hora o título. — Está lendo
suspense?
— Uma amiga minha de Copenhagen me viciou nessa autora — ela
aponta para a tela, enquanto sinaliza, se inclinando para ficar mais próxima
a mim. — Não sei se você conhece.
— Já ouvi falar, mas nunca li esse — explico, clicando no botão que
liga o aparelho.
— Eu terminei hoje, adorei. Acho que você pode gostar, pode te
inspirar e, neste momento, te distrair um pouco, para não se tornar tão
monótono me assistir.
— Nada que você faz é monótono — digo de forma sincera.
— Você realmente sabe como melhorar meu dia, Nick — me dando
um selinho rápido ela se coloca de pé. — Mais uma hora de ensaio e aí
estaremos livres, ok?
— Sem pressa, linda.
Maya assente e vai novamente até o sistema de som, vejo quando
ela coloca em repetição a música e se posiciona no mesmo lugar da sala,
recomeçando a coreografia. Apesar de não haver nada no mundo que eu
queira mais do que passar a próxima hora olhando para ela dançar, não
quero fazer desfeita ao fato de que ela me ofereceu seu Kindle e, para além
disso, passo os olhos pela sinopse e me interesso pelo tema. Então, pela
próxima hora, eu intercalo meus olhos entre Maya e o livro que tenho em
mãos.
Tempos depois, eu não saberia dizer quanto, estou um pouco
distraído quando a música recomeça, mas ouço o baque da sapatilha de
Maya batendo no chão e quando ergo os olhos da tela, vejo que ela está
desligando a música do aparelho.
— Já terminou? — Pergunto, desligando o Kindle e me colocando
de pé.
— Já? Fiquei mais de duas horas ensaiando — explica ela, com um
sorrisinho no rosto. — Ainda bem que você se distraiu ao ponto de não
perceber.
— Eu poderia assistir você dançar por muito mais tempo — encurto
os passos que nos distanciam e quando ela se coloca a minha frente, eu a
abraço. — Você é linda.
— Confia em mim — massageando meus cabelos, ela olha para
mim com ternura. — Você é ainda mais lindo, Nick.
Sorrio sem jeito, mas amo quando ela beija meu sorriso, começando
pelo canto direito da boca, depois o esquerdo, para enfim, beijar meus
lábios. Dessa vez, o beijo ganha fôlego logo no começo, minhas mãos
seguram sua cintura de forma firme e Maya puxa meus cabelos com um
pouquinho mais de força. Não controlo quando minha mão direita começa a
subir por seu corpo e simplesmente amo quando a mão dela encontra a
minha e a coloca em cima do seu seio.
— Eles não são grandes, mas…
— Mas nada.
Eu a interrompo e massageio o mesmo, sentindo o mamilo
endurecer em minha palma. Maya não está usando sutiã e eu começo a ficar
ainda mais excitado, a forma como ela me envolve, como nosso beijo é
perfeito, como qualquer coisa que ela faça me faz delirar, só aumenta as
fantasias em minha cabeça.
— Nick? — Com os lábios ainda nos meus, ela me chama.
— Oi? — Me afasto, para que ela possa falar.
— Sei que falamos sobre ir devagar — explica ela, apenas
sinalizando —, mas eu queria testar uma coisa.
Sinto meu coração errar as batidas, mas verdade seja dita, eu a quero
tanto que chega a doer. Eu quero Maya há tanto tempo que me pergunto o
quão devagar precisamos ir, parece algo muito mais torturante continuar
nesse processo do que simplesmente me arriscar.
— O que quer fazer? — Pergunto.
Maya sorri e então, me surpreendendo, ela se afasta, indo até o
sistema de som, mexendo no celular, deslizando o dedo pela tela. Vejo
quando ela morde a ponta do dedinho, de um jeito fofo, mas igualmente
sexy, como fez na outra noite e então, uma melodia lenta começa a tocar.
Caminhando novamente até mim, ela apenas sinaliza.
— Me acompanha.
Fico com os braços duros ao lado do meu, sem saber o que fazer,
mas então, Maya chega até mim, parando a minha frente. Nossos corpos
estão a um fio de distância, mas ainda assim, eu consigo acompanhar seus
lábios se moverem.
— Está tudo na forma como você me olha — diz ela. — Mantenha
os olhos em mim e você vai saber o que fazer.
Maya segura meus braços e os ergue para cima, unindo nossas
mãos acima da cabeça e então, ela se coloca na ponta dos pés e vejo quando
ela começa a se balançar de um lado para o outro. Eu a acompanho,
olhando para seus olhos, mantendo nosso contato visual e então, começo a
entender o que ela quer. Maya quer mostrar que somos capazes de nos
comunicar apenas pelo olhar e, de alguma forma, eu percebo que está certa.
Conforme começo a me balançar, tentando sincronizar meu movimento
junto ao dela, ela começa a descer nossas mãos e quando as solta, eu sei
para onde elas devem ir.
Envolvo seu corpo com um braço e ergo seu corpo do chão, apenas
um pouquinho, o suficiente para ela que seja sustentada apenas por mim.
Com nossos rostos, agora, colados, bochecha com bochecha, eu sigo nos
balançando, adorando sentir seu perfume, me deleitando da melodia sexy
que toca nas caixas de som, que fala sobre querer a outra pessoa.
É como me sinto em relação a ela. Quero Maya.
Coloco ela novamente no chão e quando faço isso, toco seu rosto
com a mão e trago sua boca junto da minha. Entretanto, o beijo não dura
muito, porque Maya afasta os lábios do meu e se vira de frente, encostando
suas costas em meu peito, olhando para frente. Encontro seu olhar no
espelho e quando isso acontece, a atmosfera muda ainda mais.
Principalmente quando ela apenas move os lábios, dizendo uma frase curta
mas que me faz perder o ar.
— Me toca.
Sigo olhando para ela pelo reflexo do espelho e quando Maya ergue
o braço, envolvendo meu pescoço, eu aproveito o contato para alisar sua
pele, para tocar cada parte, deslizando meus dedos com sutileza, adorando
ver que ela se arrepia. Delineio seu corpo, tocando a lateral de seu seio e
indo mais além, tudo isso, olhando fixamente para ela através do vidro.
Quando chego na costura de sua meia-calça, Maya suspira, abrindo um
pouquinho a boca e, na sequência, balança a cabeça, assentindo, me dando
permissão para continuar.
Não sei se é ela, a música ou fato de que o espelho está ajudando
neste momento, porque consigo ver suas reações, suas expressões, mas
quando minha mão esquerda adentra a meia-calça rosa, me sinto mais do
que capaz de ir além. Desço mais, encontrando o meio de suas pernas e
enlouquecendo ao ver a boca de Maya se abrir ainda mais. Ela repousa a
mão livre em cima da barriga e então, desce a mesma até encontrar a minha,
no meio de sua perna. Olho para a região através do espelho, mas quando
meu olhar sobe e encontra o dela novamente, ela repete o comando.
— Me toca.
Ela me ajuda a afastar o tecido elástico do collant e eu sinto não
apenas ele como o de sua calcinha. Em segundos, não há mais nenhum
pedaço de tecido separando meus dedos da pele dela. De sua boceta. Sinto
seus lábios molhados e começo a passar dois dedos de forma delicada pela
região, sentindo sua textura, entendo como seu corpo funciona. Quando
meu indicador toca seu clítoris, eu preciso me segurar para não morrer de
tanto tesão. Maya encosta a cabeça em meu peito, fazendo com que nossos
corpos fiquem ainda mais colados. Intercalo meu olhar entre o espelho e o
rosto de Maya, inclinado para cima, mas tudo só melhora quando começo a
fazer movimentos circulares e sinto o corpo dela se mover junto da minha
mão, no ritmo da música.
Penso na possibilidade de alguém nos flagrar, mas não consigo
parar, não posso parar. Sinto quando Maya usa a mão que não está em meu
pescoço e aperta minha coxa. Olho para frente e vejo seu rosto, no mais
puro prazer refletido no espelho, então, ela move os lábios.
— Dedos.
Ela não precisa dizer mais uma vez.
Circundo com o dedo do meio sua entrada, sentindo o quanto ela
está molhada e então, eu a penetro devagar, sentindo meu pau ficar um
pouco mais duro quando ela abre a boca e solta um gemido alto. É neste
momento que tomo coragem para falar com ela, para me comunicar em um
momento que sempre pareceu tão difícil de fazer isso. Movo minha boca
para seu ouvido direito e sussurro.
— Você precisa gemer baixinho, linda — falo e então, entro mais
fundo com o dedo do meio em sua boceta. — E não esquece, olha para o
espelho.
Ela faz o que eu peço e quando nossos olhos se encontram, eu a
penetro com mais um dedo, fazendo movimentos de vai e vem enquanto
massageio com o polegar seu clítoris.
Maya luta para ficar com os olhos abertos, mas o faz, porque sabe
que o nosso contato visual é essencial nesse momento, principalmente
quando ela diz mais um comando.
— Mais rápido.
Aumento a velocidade, sentindo sua lubrificação facilitar cada vez
mais a forma como meus dedos entram, saio e entro com uma velocidade
deliciosa, sentindo minha mão doer, mas não há a menor chance de parar.
Quero vê-la gozar, quero ser capaz de dar prazer a ela.
Maya começa a apertar mais minha perna e cada vez mover seu
quadril de encontro aos meus dedos, os olhos estão abertos, mas noto
quando ela começa a reviver as orbes, entregue às sensações. Pela primeira
vez, eu sinto que posso dizer algo que a incite a chegar ao seu ápice, por
isso, eu acelero também os movimentos do meu polegar e falo ao pé de seu
ouvido, sustentando seu olhar no espelho.
— Goza pra mim, linda.
E ela faz. Com mais alguns movimentos de vai e vem, sua boca
aberta no mais perfeito arco, seus músculos internos apertam meus dedos e
eu sinto seu líquido escorrer em meus dedos. O corpo de Maya fica mole e
eu a sustento. Sorrio tanto diante da imagem dessa garota satisfeita, por
minha causa, que não sou capaz de explicar a forma como me sinto.
Vou guardar esse momento para sempre dentro de mim.
Removo meus dedos de dentro dela, ajeitando o tecido da calcinha e
do collant novamente no lugar e quando tiro minha mão de dentro de sua
meia-calça, eu a viro para mim, sentindo meu coração bater ainda mais
rápido ao ver a forma como ela me olha. As íris castanhas brilham, ela tem
a feição relaxada, mas ao mesmo tempo, é como se ainda quisesse fazer isso
mais muitas e muitas vezes. É exatamente como me sinto. Com a umidade
ainda presente em meus dedos, ela pega meus dedos e prova seu gosto,
chupando-os devagar.
Um gemido escapa da minha boca conforme eu observo sua boca
chupar o indicador e o médio, soltando com um estalo. Meu corpo queima
com a visão.
— Correr perigo nunca foi tão bom quanto agora — Maya brinca,
ficando novamente na ponta dos pés para me beijar. — Quem diria que eu e
você poderíamos cometer loucuras?
— Se você quiser cometer loucuras assim outras vezes… — deixo
no ar a frase, não é uma pergunta feita com todas as letras, mas a depender
de sua resposta, vou saber se ela realmente gostou.
— Ah, Bennet — Maya mexe em meus cabelos e volta a falar. —
Tem muitas outras loucuras que estou mais do que disposta a cometer com
você.
Sorrio para Maya e roubo mais um beijo de seus lábios, mostrando
com esse gesto o que ainda vou dizer a ela com todas as letras. Tem muito
ainda que quero dizer a essa garota, muitas coisas mesmo, mas neste
momento, sinto que há algo verdadeiramente importante a dizer.
— Obrigado por isso.
— Você está me agradecendo por me dar um orgasmo?
— Estou agradecendo por você me mostrar que eu era capaz de dar
prazer a uma garota.
Digo isso sem vergonha de admitir a verdade, de mostrar a ela o
quanto algo como esse momento pareceu impossível, como me bloqueou de
viver, como eu me achava incapaz, mas neste momento, me sinto
suficiente.
Nossos olhos permanecem um no outro, como ela estivesse me
transmitindo uma mensagem e eu faço mesmo.
— Nick — me chamando, ela toca meu rosto com gentileza. — Não
existe absolutamente nada que você não seja capaz.
Ao dizer essas palavras, eu a beijo de novo, sentindo meu coração
bater descompassado, constatando mais uma que nada entre mim e Maya
pode ser ameno, absolutamente. Essa garota detém cada pedaço de mim e
eu estou disposto a dar tudo para ela.
Em seus olhos, ela viu a verdade
Era como se as histórias ganhassem vida
Como se a imaginação virasse realidade
Encontros,
Por Nicholas Bennet
Eu tenho um coração jovem
E ele é selvagem e livre
E não sei por onde começa
Mas termina com você e eu
You and Me - Niall Horan
Minha mãe costumava dizer que se apaixonou pelo meu pai através
do olhar dele. Eu sempre achei a coisa mais romântica do mundo, quero
dizer, imagine se conectar com uma pessoa ao ponto de apenas ao olhar,
você compreender o que não está sendo dito, saber o que ela está sentindo.
É algo que, verdadeiramente, exige conhecer seu parceiro ou parceira.
Com meu primeiro namorado, nós éramos muito novos, o namoro
não durou muito, nós nem mesmo tivemos a chance de conhecer um ao
outro a esse ponto. Com Daniel, por sempre estarmos juntos, a conexão
pelo olhar não era forte, não era do mesmo jeito que minha mãe falava. Em
um dado momento, eu achava que algo assim não poderia acontecer
comigo.
Eu não poderia estar mais enganada.
Porque, enquanto eu caminho pelo salão do LeBlanc's, atendendo da
melhor forma que posso, todas as vezes que ergo meu rosto e olho na
direção do bar, eu encontro os olhos de Nick sobre mim.
A nossa rotina depois de terça-feira nos atropelou como um trator.
Eu precisei ficar mais tempo ensaiando ao longo da semana, Nick ficou
ocupado com seu trabalho nas redes sociais, a faculdade e sua família.
Hannah pegou um resfriado que a deixou de repouso, o que demandou tanto
de James e de Nick um pouco mais de atenção e cuidado. É fato que não
tivemos muitos mais momentos sozinhos, a não ser pelas idas e voltas da
academia de ballet.
Depois do incidente com Daniel, não houve forma de fazer Nick
desistir da ideia de me levar e me buscar, e, de certa forma, não consegui
recusar a oferta. Com a rotina agitada, esses foram os momentos que
conseguimos ficar juntos, de conversar, de nos beijar, um pouquinho que
seja. Nick me contou sobre seu pico de criatividade com a nova história e
eu me diverti com as discussões de roteiros e ideias ao longo das idas e
vindas.
Enquanto anoto o pedido que uma mesa grande de homens
engravatados faz, sorrio para eles, não apenas por educação e simpatia, mas
porque, ainda que esteja focada no trabalho, minha mente vagueia pelos
momentos tão comuns, mas igualmente bons que Nick e eu compartilhamos
ao longo desse tempo que estamos convivendo juntos em quase todos os
lugares.
— Posso confirmar o pedido de vocês? — Pergunto, anotando a
última parte antes de recitar novamente. — Duas porções de asinha de
frango, com molho garlic e barbecue, uma porção de nachos com queijo e
outra com queijo e carne e seis cervejas. Certo?
— Jä! [13]— confirma o homem de meia idade que está na ponta. —
Täck så mycket.[14]
Agradeço a eles, avisando que já trago as bebidas e vou em direção
ao balcão, para registrar o pedido em um dos computadores. Pelo caminho,
brinco com uma das atendentes mais antigas, passando pela mesa do black
jack, dando uma piscadinha para ela, chegando ao computador. Registro o
pedido, evitando a todo custo olhar para onde Nick está. Me pergunto se
alguém já notou o que está acontecendo entre nós nos últimos tempos, mas
verdade seja dita, eu não poderia me importar menos com isso.
E, ainda que não esteja olhando para ele, eu me lembro das palavras
da minha mãe, sobre sentir essa conexão, porque, de alguma forma, eu sinto
que ele está me olhando. Incapaz de resistir, eu ergo o rosto rapidamente,
enquanto ainda bato na tela do computador para registrar o pedido,
encontrando o rosto de Nicholas olhando em minha direção. Nossos olhares
se encontram e eu sorrio para ele. E nas íris azuis, mesmo que a certa
distância, eu sou capaz de reconhecer o que ele está pensando. Em nós. Em
nossos beijos, no que vivemos no começo da semana.
Vejo desejo e saudade misturados.
Respiro fundo, balançando a cabeça um pouquinho e então, com o
pedido computado, pego uma bandeja e vou para onde Nick está.
— Seis cervejas — eu peço a ele, falando e sinalizando.
— É pra já — responde, enquanto faz uma brincadeira, pegando
alguns copos e fazendo uma malabarismo. — Mais alguma coisa?
— Não, só isso mesmo — faço um biquinho fofo e me inclino no
balcão.
Vejo o olhar de Nick acompanhar meu movimento e noto quando ele
umedece o lábio inferior. Será que ele tem noção do quanto isso é sexy?
— Tenho um pedido para te fazer — a voz dele me desperta do
devaneio de observar sua boca.
— Qual?
Terminando de servir dois copos ao mesmo tempo, Nicholas os
coloca na bandeja que está a sua frente e se inclina, para falar próximo a
mim.
— Quero que me encontre no meu lugar secreto na sua pausa —
recita ele com a voz um pouco mais rouca. — Que, se eu não estou
enganado, é daqui meia hora, certo?
— Isso — assinto, mas, incitada pela forma como ele faz meu
estômago gelar diante do pedido, eu o provoco. — Posso saber qual o
motivo?
Nick morde a parte interna da bochecha e pela primeira vez, eu vejo
um brilho diferente em suas íris, o que só se intensifica quando ele termina
de servir mais dois copos e chega ainda mais próximo a mim.
— Quero quebrar a promessa que fiz para minha mãe, de não usá-la
para outras coisas.
— Que outras coisas? — Eu o instigo, adorando a conversa nas
entrelinhas que estamos tendo.
— Várias coisas — responde. — De preferência envolvendo pouca
conversa e essa sua camisa no chão.
Encaro Nick com surpresa, não apenas por suas palavras, mas pela
maneira como ele diz isso como uma promessa, como se ele realmente
estivesse planejando tirar minha camisa, quebrar uma regra que ele fez com
a mãe. Sei o quanto obedecer os pais é importante, respeito Hannah e sei
que Nick também, mas…
Somos jovens. E tudo que eu mais quero é beijá-lo.
— Bom, vamos ver — digo a ele, pegando a bandeja e a
equilibrando nas mãos. — Vamos ver meu chefe me libera.
Pisco para Nick e me viro dando uma risadinha, ouço quando ele faz
o mesmo e me viro rapidamente para olhá-lo, e não consigo controlar meu
coração bater um pouquinho mais rápido quando vejo o sorriso que ele abre
para mim. É isso que significa se apaixonar por alguém? Porque se for, eu
não quero nunca que essa sensação passe.
Mas, mais do que isso, neste momento, tudo que eu mais quero é
que trinta minutos passem rápido.
Durante o restante do tempo, tento dar o meu melhor para focar no
trabalho, mas constantemente, me pego olhando para o relógio em meu
pulso, conferindo as horas, aguardando ansiosamente pela minha pausa.
Atendo alguns casais, um deles em especial, em um primeiro encontro e
acho fofa a forma como eles dão beijinhos discretos, como se estivessem
sendo vigiados. Penso no quanto quero fazer o mesmo com Nick e olho
mais uma vez para o relógio.
Quando, finalmente, chega a hora da minha pausa, meu estômago
tem várias borboletas voando e a expectativa é uma crescente dentro de
mim. Nick não está no bar, ele saiu alguns minutos antes. Passo por Derick,
avisando que vou para a minha pausa e distraído, ele não diz nada além de
um tudo bem. Acho que estamos bem no quesito descrição. Faço o
caminho que leva até a parte administrativa do bar e quando chego ao
corredor curto onde a sala de Hannah fica, vejo Nick parado ao lado da
porta de seu esconderijo secreto.
Com os braços cruzados e o pé sutilmente apoiado na parede, tomo
alguns instantes para admirá-lo. Nicholas é alto, ele deve ter mais de um e
oitenta com certeza, o que faz sentido, já que seu pai também é muito alto.
Os cabelos são loiros mais escuros que os de Dave, mas os olhos são azuis
em um tom mais acinzentado, mais parecidos com os de Hannah. A camisa
que ele está usando, igual a minha, está dobrada nas mangas, deixando os
antebraços expostos. Uma das coisas que mais gosto quando ele deixa essa
parte exposta é que as veias dos braços, que são mais proeminentes, ficam à
mostra.
Eu não sabia o quanto gostava disso até botar reparo em como isso é
sexy em Nick.
— Seu chefe te liberou? — A voz dele sobressai o silêncio
confortável no corredor e eu sorrio quando chego perto dele.
— Liberou — respondo, chegando até ele. — Mas, neste momento,
não quero pensar nele.
— Nem eu.
Nick segura minha mão e abre a porta da sala, me puxando para ela
e antes mesmo de fechá-la, sua boca está na minha. É um beijo urgente que
mesmo afobado, não deixa de ser delicioso. Rio da forma como ele me
segura firme com seus braços, mas a graça acaba quando ele nos vira,
fazendo com que eu esteja com as costas apoiadas na madeira da porta e seu
corpo grande prensando o meu.
— Não consigo parar de pensar em você — beijando minha boca,
Nick começa a mover os lábios para meu rosto, indo em direção ao meu
pescoço.
— Eu também — com a voz ofegante, me deleito da forma com que
ele me beija com mais força, sugando minha pele.
Com uma das mãos em minha cintura e a outra em meus cabelos,
sinto quando ele começa a subir a mesma por meu corpo, passando por
cima dos meu seio direito, arrancando um suspiro dos meus lábios,
principalmente quando ele chega até os botões.
— Posso? — Pede, com a boca próxima ao meu ouvido.
Assinto, adorando esse lado mais sexy, ousado e tentador de
Nicholas Bennet. Ele abre os botões de forma lenta, até chegar nos quatro
finais, afasta o tecido um pouco e suga a pele do meu pescoço mais uma
vez antes de se afastar para me olhar.
E droga! A forma como ele me olha, ele não precisa dizer nada, tudo
está sendo dito em seu olhar. Um misto de surpresa com tesão, com desejo e
adoração. Eu adoro me sentir adorada por esse cara.
— Estou quebrando muitas regras ao estar aqui com você aqui,
dessa forma — diz ele, envolvendo com a mão esquerda meu pescoço,
fazendo um carinho delicado.
— Desculpa — peço.
— Não se desculpe, linda. Eu quebraria todas as regras do mundo
para fazer muito mais do que isso — suspira ele. — Mas, mesmo que não
possamos, vou me contentar com esses minutos que temos.
Nicholas pisca e então, me surpreendendo, ele abaixa a cabeça e
beija o arco dos meus seios. Não sei se é a sensação, de estar com pressa, se
é a expectativa ou talvez a falta que senti dessa maior proximidade com ele
ao longo da semana, mas quando os lábios dele tocam minha pele dessa
forma, um gemido escapa dos meus lábios, só o instigando a ir além.
Quando ele afasta o tecido, expondo meu seio direito, eu me derreto ao
sentir o hálito dele em meu mamilo e quando ele suga o mesmo… Eu vejo
estrelas. Meu corpo automaticamente vai mais para frente, precisando de
mais contanto de ele, precisando de mais dele. Arqueio, colocando meus
seios mais em seu rosto, segurando seus cabelos e deixando a cabeça de
Nick no lugar que tanto quero.
Ele lambe, suga e dá uma leve mordida, indo na sequência para o
esquerdo. Sinto minha calcinha ficar molhada, mas essa é só mais uma
coisa que esse cara tem feito comigo com uma frequência deliciosa. Quero
mais dele, quero ouvir suas histórias, quero ser a responsável por seus
sorrisos fofos e doces, mas também quero ser a responsável por fazê-lo
gemer. Ele assopra meu mamilo esquerdo e eu não resisto em puxar seus
cabelos um pouquinho mais, para trazer sua boca junto a minha. Com os
lábios abertos, eu mergulho minha língua, sentindo seu gosto e amando o
nosso amasso no intervalo do trabalho.
— Você é uma caixa de surpresas, Nick.
— E você, definitivamente, é a minha ruína — diz ele contra meus
lábios, arrancando uma risada, mas também um suspiro quando ele
massageia meu seio com a mão.
Nós continuamos nos beijando por mais um tempo, aproveitando
nossa pausa, tocando um ao outro, conhecendo mais de nós mesmos, dessa
nova versão. Mas então, nosso momento acaba quando sinto o bolso de
Nick vibrar.
— Meu celular — diz ele, pegando o aparelho e erguendo para
mostrar que nossa pausa acabou. — Não é engraçado?
— O que? — Pergunto, quando ele se afasta e começo a colocar
minhas roupas no lugar.
— Você e eu moramos sobre o mesmo teto, estou te levando e
buscando no ballet, trabalhamos no mesmo bar, mas ainda assim, não
parece suficiente. — Explica ele, massageando seus cabelos, mas não
deixando de correr os olhos pelos meus movimentos, enquanto eu ajeito o
sutiã e minha camisa, fechando os botões. — Nem nos separamos e eu já
quero que estejamos juntos de novo.
Termino de fechar minha camisa e movo minha mão direita para
seus cabelos, massageando os fios e descendo a mesma até seu rosto, dando
um beijo casto em seus lábios, adorando saber que, assim como eu, ele
também quer estar por perto, que não parece o suficiente. Nunca.
— Acho que precisamos ficar mais juntos, para ver se essas
saudades acabam.
— Sei que parece que te chamei aqui só para, bem… — ele coça a
nuca e eu acho engraçado sua expressão.
— Para dar uns amassos? — Completo. — Bom, se for só isso,
quero que saiba que não me importo. Nem um pouco, quero dizer… como
você beija bem. Cara de bonzinho e de quem beija bem.
— É, a Ellie pelo jeito sabia das coisas — Nick pisca para mim e
então, é a minha vez de corar de vergonha.
— Claro que você ouviu — constato, segurando uma risada sem
graça.
— Ouvi e torci para que ela estivesse certa, para que você
comprovasse essa teoria.
— Vai por mim, você passou com um dez, honras e méritos nesse
quesito — brinco com ele. — Mas, me diga, se você não me chamou só
para isso, você me chamou para…
— Eu queria perguntar se você quer ir comigo ver o jogo do Louis
amanhã— explica ele. — Prometi que iria assisti-lo. Ele reclamou que faz
tempo que não nos encontramos e que se recusava a me ver apenas no meu
aniversário.
— É verdade! — Dou um tapinha na testa ao me lembrar que o
aniversário dele está perto. — Já pensou o que quer fazer na data?
— Não sei. James vai jogar numa cidade mais ao sul, ainda não sei
se minha mãe vai, mas de qualquer forma, o domingo, que é a data mesmo,
será um almoço com a minha família na casa do meu pai.
— Entendo. Podemos fazer algo antes então, não quero atrapalhar
seus planos com sua família…
— Não, linda — Nick me interrompe e continua a falar e sinalizar.
— Quero você junto também, mas como sei que você estará perto do teste
do ballet real e que aos domingos você visita seus pais, eu não falei nada
porque…
— Acho que meus pais não vão se importar se eu ficar por aqui para
o aniversário do cara que está roubando cada batida do meu coração.
Nicholas sorri, mostrando todos os dentes e de uma forma tão
verdadeira que eu não consigo deixar de pensar o quanto ele é tem sido tudo
para mim.
— Quero você comigo no jogo amanhã — diz ele. — Quero você
comigo depois do expediente, quero você no meu aniversário, quero você
de tantas formas que eu poderia passar horas falando. Horas e mais horas.
Precisamos sair dessa sala, estamos atrasados para voltar para o
trabalho, mas nenhum de nós resiste ao impulso de se beijar novamente.
Nick segura meu rosto com delicadeza e eu repouso minha mão bem acima
de seu coração, sentindo o quanto ele bate rápido.
— Precisamos voltar — digo com a boca ainda na dele.
— Eu sei — diz ele. — Você aceita ir comigo amanhã? — Pergunta
novamente, afastando o rosto, alisando meus cabelos.
— Com uma condição — faço um biquinho ponderando.
— O que quiser, linda.
— Noite de filmes quando voltarmos?
Mantenha suas mãos nas minhas mãos
Mantenha sua boca na minha boca
Não diminua a velocidade
Love You For a Long Time - Maggie Rogers
Dizer que estou cem por cento tranquila seria uma mentira, tentar
fazer com que as palavras de Daniel não me atinjam é um desafio árduo,
mas depois que eu e Johanna tomamos uma providência quanto a isso, uma
parte de mim sabia que a retaliação viria de alguma forma. Porém, eu estou
cansada de deixar que ele me faça mal, de me deixar sentir que não mereço
o que tenho.
Não. Eu me recuso a dar esse gosto para ele.
Por isso, quando Nick e eu nos afastamos da academia de ballet, eu
não penso no que Daniel me disse, na forma como suas palavras duras
diziam que eu iria pagar por ele ser expulso, eu deixo de lado a dor no pé
por conta do ensaio intenso e muito menos penso no quanto está próximo
meu teste para o ballet real.
Eu simplesmente escolho viver esse dia de outono com meu
namorado, aproveitando cada segundo com ele. Quando Nick e eu entramos
no träm, ao invés de procurar um lugar para sentar com ele, eu fico em pé e
o puxo para perto de mim, abraçando sua cintura e inalando seu cheiro.
Quando ele me leva para o centro velho, entrando nas ruas estreitas,
disputando espaço com turistas, mas me leva para uma franquia de kebab
que ele diz adorar, eu deixo as calorias de lado e peço um lanche saboroso
com falafel e o molho de sobra. Quando digo que ele vai precisar me ajudar
a malhar, Nick me olha de cima a baixo e diz que vai pensar em um
exercício físico que nos faça gastar muitas calorias.
Eu roubo um beijo da boca dele, adorando esse lado malicioso.
Amando cada segundo ao lado de Nicholas Bennet. Durante o caminho para
o centro esportivo onde Louis treina e onde será o jogo, eu pergunto a Nick
sobre um dos meus assuntos favoritos quando se trata dele. Suas histórias.
— Então a sua ideia é que a garota do mal seja a boazinha? —
Surpresa, eu o questiono, depois que ele me conta o novo rumo que está
dando a história. — O que aconteceu com o roteiro que você me falou há…
— tento fazer as contas com um dos dedos. — Ok, não me lembro, mas
nem faz tanto tempo.
— Não sei explicar, linda — Nick ri e continua a explicar. — Eu
tinha uma ideia pronta, mas eu escrevi dois capítulos e vi que ia precisar
mudar, não estava condizente com os personagens.
— Eu preciso ser sincera — explico. — Não sei se compreendo o
que você quer dizer.
— Vai por mim, é coisa de escritor — dando de ombros, ele
continua. — Tenho um grupo com algumas pessoas que escrevem, que
também estão nesse processo de maturação de um livro e tudo mais e é
mais comum do que parece. Quem manda são eles, os personagens — Nick
fala, sorrindo. — Eu sou apenas o mensageiro, eu só escrevo o que eles
querem me contar.
— Sabe de uma coisa? — Eu chamo sua atenção, a poucos metros
antes de chegarmos ao centro esportivo. — Eu posso não entender isso,
porque não sou ligada a esse tipo de arte, mas eu acho que esse processo
todo que você conta, é uma das coisas mais incríveis. Obrigada por dividir
sua arte comigo.
— Sinta-se muito especial, linda — Nick nos para e se coloca a
minha frente. — Todo escritor tem receio de compartilhar suas ideias e sua
escrita com as pessoas.
— Você não deveria. Se você soubesse como eu te imagino no
futuro…
— Como você imagina?
Nick sorri para mim enquanto aguarda a resposta e eu o observo
tanto ele como o cenário à nossa volta, assim como fiz pela manhã. O céu
acinzentado sobre nossas cabeças, o caminho de árvores com as folhas
vermelhas, amarelas, laranjas e marrons, cores que eu tanto amo. Reflito
sobre o que ele me disse de manhã, a forma poética sobre nos apaixonamos
no outono e como não poderia haver época melhor para isso. Minha estação
preferida. Olho para seus cabelos loiros mais escuros, seus olhos azuis, o
maxilar marcado, o sorriso com as duas covinhas sutis e, por fim, depois de
alguns instantes admirando-o, eu digo como o imagino no futuro.
— Você assinando pilhas e pilhas de livros, se tornando conhecido
por ser um autor incrível, mas mais do que isso — paro, dando um passo
em sua direção —, eu imagino eu sendo sua fã número um.
— Que bom — Nick envolve meu rosto com suas mãos de forma
delicada. — Porque eu sempre fui o seu fã número um. O líder do fã-clube,
com carteirinha e tudo.
Dou risada da forma como ele fala e eu o beijo, adorando o vento
mais gelado que bate em nossos rostos e bagunça meus cabelos. Não é um
beijo rápido, mas é um beijo com promessas: para hoje, para amanhã, para
o futuro.
— Vamos nos atrasar assim — diz ele, ainda próximo a minha
boca.
— Desculpa, prometo afastar minhas mãos de você — ergo-as em
sinal de rendição.
— Por favor, nunca afaste suas mãos de mim, linda.
Eu já deveria ter me acostumado com a forma como Nick rouba o ar
dos meus pulmões, mas sinto que ainda vai levar um tempo para isso.
Felizmente, eu não me importo.
O centro esportivo está um pouquinho cheio, mas com espaços de
sobra para escolhermos onde nos sentar. Deixo que ele me conduza, indo
em direção a um lugar específico e vejo quando acena para uma garotinha
mais nova. Eu a reconheço como a irmã de Louis, eu a vi algumas vezes,
mas ela está maior do que me lembro. Ao nos aproximarmos dela, vejo um
rosto ainda mais conhecido: é Zara Holmgren, a modelo famosa que é mãe
de Lou e, ao seu lado, um homem de meia idade, que sorri para nós.
— Oi, Nick — a garotinha é a primeira a nos saudar. — Oi, Maya.
Pelo visto, finalmente ele se declarou para você.
— Alex! — Nick a repreende e eu dou risada. — Você é uma
pestinha!
— Vocês precisam parar de reclamar da minha sinceridade. — Ela
revira os olhos de forma teatral. — É melhor ser assim do que ficar
mentindo.
— A sua sorte é que eu amo você — meu namorado vai até a garota
e a enche de beijos. É perceptível o carinho que eles têm um pelo outro.
Faltam poucos minutos para o jogo começar, mas eu aproveito para
cumprimentar Alex com um abraço polido, assim como Zara e Erik, seu
marido. Nick pergunta se eu quero uma pipoca ou algo para comer, mas
recuso, aceitando apenas uma água. Juntos de Alex, nós vamos até uma
máquina para pegar água e chocolates e, pelo caminho, os dois comentam
sobre o almoço do dia seguinte, assim como o jogo de Nathan, pai de Louis,
que não pôde vir.
— Papai disse que vai parar de jogar esse ano… de novo — explica
Alex, sinalizando com uma mão enquanto escolhe seu chocolate. — Ele
disse que não quer mais perder nenhum jogo do Lou e meu.
— Tio Nate sempre fala isso, e eu sei que ele detesta perder os jogos
de vocês, mas ele também ama o esporte — comenta Nick.
— Eu entendo — entro na conversa. — É difícil largar algo que a
gente ama.
— Vai ser legal ter outra esportista nos almoços de domingo —
brinca Alex.
E a forma como ela me inclui nos planos futuros e o jeito como
Nick aperta minha mão me mostra como a família é algo importante para
eles, como é gostosa essa sensação de pertencimento e familiaridade.
— Posso dar umas aulas de ballet para vocês — sugiro e ela ri.
— Dois jogadores de hockey, uma jogadora de futebol — aponta
para si mesma — e um garoto desengonçado como o Nick? Há! Boa sorte
para você.
— Eu não sou tão desengonçado — responde Nick.
— Fala sério! — Ela faz piada, enquanto pega o chocolate. — Você
não sabe mexer esses quadris.
Antes que Nick possa respondê-la, duas garotas se aproximam de
nós. Rapidamente, elas se apresentam, uma delas se chama Clara e a outra é
Karin, que está vestindo um moletom com o logo de um time. Elas
comentam entre si sobre resultados de jogos, colocação no campeonato e eu
entendo que Karin também joga hockey. As garotas começam a ir na frente,
voltando para a arquibancada enquanto Nick e eu ficamos uns passos atrás,
andando de mãos dadas.
— Qual é a de vocês com os atletas? — Brinco, fazendo menção a
conversa de antes. — Tem muitos na sua família, é impressionante.
— Já me perguntei isso também — responde ele, puxando minha
mão para dar um beijinho. — Fazer o quê? Sua habilidade com o corpo me
deixa sem ar.
Olho para ele rapidamente e vejo um sorrisinho que passei a
reconhecer e muito bem. É um sorriso safado, de quem está pensando
sacanagem. Não deixo barata a provocação.
— Bom, em sua defesa, não quis contar vantagem, mas você sabe
mexer os quadris. E mexe muito bem. — Pisco para e, antes de que
possamos descer os degraus que nos levam de volta a arquibancada, Nick
me vira em direção a parede, colando seu corpo junto do meu.
— Não posso ver o jogo do meu melhor amigo desse jeito.
— De que jeito?
— Excitado.
A língua dele se move quando ele diz essa palavra simples, sinto
meu corpo inteiro se aquecer. Quero tanto repetir a dose da noite anterior,
quero tanto o corpo dele junto do meu de novo, mas também, quero instigá-
lo, quero provocá-lo, quero tudo com ele.
— Mais tarde? — Estico meu pescoço perto dele e o beijo de
levinho no queixo.
— Mais tarde!
É uma promessa, e eu não vejo a hora de cumprí-la.
Voltamos ao nossos lugares bem na hora em que os times começam
a entrar. Um a um, os jogadores de hockey deslizam pelo gelo, pergunto
para Nick onde está Louis e ele me aponta a camiseta número quatorze,
com a braçadeira de capitão. Quando o jogo começa, fico feliz de ver que a
parte em que estamos é a mais animada e a que mais torce pelo time.
Sempre gostei dessa vibração, dos gritos animados, e mesmo que haja
diferença, faz com que eu me lembre das muitas salvas de palmas,
exclamações e da torcida quando eu competia, ou mesmo nos muitos
espetáculos.
Alex e Zara são as que mais vibram por Lou, a mãe dele comemora
empolgada em todas as tentativas de gol e reclama quando há pegadas mais
fortes entre os jogadores.
— Ele joga bem — comento por alto para Nick e Alex.
— Não fala isso perto da Karin — brinca a irmã mais nova de
Louis. — Ela fica toda irritada.
— Você adora colocar lenha nesse fogo, né, LeBlanc? — A garota
de cabelos castanhos, com muitas mechas loiras e corte curto vira para
Alex. Vejo em seus olhos acinzentados um brilho diferente. Apesar do tom
de provocação, ela sorri para a irmã de Louis — Não é à toa que é irmã
dele.
— Só estou falando a verdade, você sempre fica irritadinha quando
o assunto é o Lou.
— Porque seu irmão é extremamente chato. E tem um ego enorme.
E, claro, porque ele adora implicar comigo. — Pontua Karin. — Mas, sim,
ele joga bem.
— Você está elogiando ele? — Pergunta Alex surpresa. — Prepare-
se para um dilúvio hoje, Maya.
— Alex, você realmente não tem jeito! — Nick bagunça os cabelos
dela e todos nós rimos.
— É normal, Maya — dessa vez, é Zara quem chama minha
atenção. — Não é, Erik?
— O que, querida? — Pergunta o homem, sem tirar os olhos do
gelo.
— Essa turminha implicando um com o outro — explica ao marido.
— Karin e Louis então… Desde sempre.
— Ainda espero o dia em que ele se tornarão amigos — Erik
responde e, rapidamente, Karin vira o rosto.
— Sinto muito, Erik, mas eu duvido muito que isso aconteça.
Todos caímos na risada, mas nossa atenção logo volta para o rinque
de gelo, quando Louis toma um rebote certeiro e desliza rápido pelo gelo,
marcando o primeiro ponto antes do fim do primeiro tempo.
— Bem-vinda à família, linda — Nick beija minha bochecha e
continua a falar. — Espero que não se importe com a bagunça.
Olho para ele e esfrego seu rosto com delicadeza.
— Sempre gostei de uma boa bagunça, amor.
Ele me beija e o nosso grupinho bate palmas, isso até ouvirmos
batidas no acrílico que separa o rinque da arquibancada. Ouço quando Alex
nos chama e ao me separar de Nick, olho para frente e vejo Louis, já sem o
capacete, balançando os cabelos, mas quando nos olha, ele faz um coração
com a mão para nós dois.
Sorrio para ele, dando um aceno breve e tudo que consigo pensar é
que essa é realmente a melhor resposta a ser dada para Daniel. Minha
felicidade. E ela é minha e de mais ninguém.
Sorrio quando ele diz "minha namorada" porque é tão gostoso esse
carinho de Nick, é tão bom ser amada. É quase como se eu tivesse me
esquecido da sensação e estivesse experienciando isso tudo novamente, pela
primeira vez. De certa forma, é algo diferente mesmo, porque com ele, eu
sinto que estou realmente amando e sendo amada de volta. Não é algo
unilateral, é recíproco. É bom. É perfeito.
Por isso, eu respondo a mensagem com um sorrisinho bobo no
rosto.
Desligo a ligação longa com Ellie, feliz por saber que minha amiga
está feliz em Amsterdã. É bom ver que aqueles que você ama estão bem e
mais ainda, é ainda melhor conversar com pessoas que também vibram pelo
seu sucesso. O restaurante está um pouco cheio e é um pouco longe da
academia de ballet, mas há um motivo bom para estar aqui. Olho para a
porta e coincidentemente, vejo meu convidado do almoço chegar, dou um
aceno para Louis e ele entra com suas duas mochilas enormes e o taco de
hockey.
— E aí, Maya — com um sorrisinho de lado, ele começa a tirar o
casaco que está usando, assim como touca, balançando os cabelos
compridinhos para os ajeitar. — Demorei um pouco porque um professor
acabou nos segurando um pouco a mais.
— Está tudo bem, Lou, obrigada por ter vindo — sorrio para ele e
pego o cardápio em mãos. — Já fiz meu pedido, espero que não se importe.
— Que nada! — Ele se senta. — Eu sempre peço a mesma coisa, a
Emma já sabe — quando diz isso, ele ergue o rosto e eu vejo a piscadinha
esperta que dá para a atendente para quem fiz o pedido. Ela deve ser mais
velha que Louis, mas a forma que sorri para ele…
— Bem que o Nick disse que você tem esse charme todo. — Dou
risada.
— É de família — brinca ele, rindo. — Mas não é nada demais, é só
porque eu venho aqui sempre, a gente já se conhece há tempos. — Dando
de ombros, ele se ajeita na cadeira. — Vamos ao que importa: teve alguma
ideia do que fazer no aniversário do Nick?
— Sim. Alguns planos foram frustrados, mas outros vão dar certo
— começo a explicar. — Vou precisar ensaiar no sábado, vai estar perto do
teste então todo tempo é precioso.
— Está tudo bem, meu jogo vai ser na sexta-feira, então consigo
cuidar das coisas. Falou com a tia Hannah?
— Sim, ela deixou que façamos a comemoração depois do
expediente. O Nick não vai trabalhar, mas ele deve ir me buscar, então é a
desculpa perfeita.
— Certo, do seu lado está tudo acertado — comemora Louis. —
Falei com a Manu, ela tem um contato de uma mulher que faz um bolo
maravilhoso, pode deixar essa parte comigo.
— Você consegue levar?
— Sim, peço uma carona pro meu pai, vou dormir lá já que teremos
a outra festa no domingo.
— Perfeito! — Bato palminhas animadas. — Será que ele vai
gostar?
— May, vai por mim, ele ia gostar de qualquer coisa que você
fizesse. Aliás, olha que irado — Louis pega o celular do bolso, bate
algumas vezes na tela e vira a mesma para mim. — A Manu que desenhou.
— São vocês dois? — Pergunto, pegando o telefone em mãos,
admirando a foto.
— Sim. Eu achei essa foto esses dias e ela decidiu fazer um
desenho, no estilo dela. Vamos dar no domingo para ele.
— É lindo, Lou — devolvo o telefone para ele sorrindo, mas ao
mesmo tempo preocupada. — Não faço ideia do que dar de presente para
ele.
— Vai por mim, você já é o presente perfeito pro Nick.
— Você me entendeu — respondo rindo. — Queria dar algo
significativo, que ele goste, sabe?
— Quer minha ajuda? Tenho até às três e meia livre antes de ir pro
treino, podemos ir em algumas lojas e procurar algo.
— Gosto dessa ideia — sorrio quando ele sugere me ajudar.
Nossos pokes chegam, junto com a água, e logo começamos a
comer, ficando em silêncio por alguns instantes.
— Mas, May, de verdade — Louis volta a chamar minha atenção.
— Quando digo que você é o melhor presente, é verdade. Aquele cara
sempre foi apaixonado por você, não sei se você tem dimensão disso —
fazendo uma pausa, ele limpa a boca com um guardanapo e sorri. — E vê-
lo feliz como eu tenho visto, não tem preço.
Sinto meu coração aquecer e transbordar tanto pela forma como
Louis fala do melhor amigo, com um amor genuíno e verdadeiro,
novamente, me mostrando como é maravilhoso ter pessoas que vibram pela
nossa felicidade, como é o caso dele e de sua família que, nitidamente,
estão felizes por nós.
— Acho que só consigo ter essa dimensão, entender o quanto estou
fazendo Nick feliz porque é recíproco — suspiro ao dizer essas palavras. —
Quero fazer questão de mostrar isso todos os dias, mas a verdade é que,
acho que o Nick me salvou, Lou. — Sinto-me até mesmo um pouco
emotiva a dizer isso — Foi ele quem me mostrou o que é amor de verdade.
— Fico feliz por vocês, Maya. Vocês merecem e muito ser felizes —
Lou sorri, os olhos azuis claros brilhando intensamente. — É legal ter você
na família. Uma atleta bem mais elegante do que qualquer um de nós.
— Não vou desistir de ensinar vocês alguma coisa de ballet —
brinco, fazendo referência ao almoço de domingo, onde eu tentei dar uma
aula de dança para ele, Nick e Alex.
— Então você vai precisar ficar com o Nick por muitos e muitos
anos, porque vai levar um bom tempo para aprendermos algo.
Louis e eu começamos a rir, mas a menção de muitos e muitos anos
junto com Nick é algo que me parece bom. Muito bom.
O almoço com o melhor amigo de Nick é divertido. Louis me conta
um pouco mais sobre o campeonato e sua vida, a rotina na escola e as
histórias engraçadas que ele protagonizou anos atrás, em seus primeiros
anos de vida, quando a mídia tinha os holofotes voltados para o pai dele e a
mãe. Anos depois, tanto ele quanto eu só conseguimos pensar como é
surreal pensar numa mídia sueca que invadia o espaço pessoal de pessoas
com influência e certo grau de fama, como Zara e Nathan. Entretanto, é
ainda mais legal ver que isso repercutiu de uma forma boa para ele, é legal
a forma como ele conta isso com humor e mais, como isso de certa forma o
motivou na escolha de carreira. Louis é novo, mas pensa em cursar
jornalismo, com foco na área esportiva, ainda que, ele não negue que muito
provavelmente será apenas um meio para o fim: os rinques e o hockey.
Devidamente alimentados, vamos em direção a uma rua
movimentada com muitas lojas e, por fim, eu encontro um presente que
tanto eu quanto Lou chegamos a conclusão que irá agradar Nick. O caderno
com as iniciais dele gravadas na capa preta e um anel de prata, simples,
fininho, mas que eu peço para gravar algo na parte de dentro.
Por fim, nós nos separamos e eu vou em direção a academia, para
fazer meu treino diário antes de voltar para o ballet e para mais uma parte
de ensaios. É uma rotina agitada, mas eu não sou capaz de reclamar porque,
pela primeira vez em um bom tempo, eu me sinto em paz. Me sinto em paz
comigo mesmo, me sinto confiante, me sinto bem. Me sinto amada.
Já passa das três da manhã quando meus pais vão embora, assim
como Dave e Mahara. A história toda ainda terá muito o que se desenrolar,
não sabemos ao certo o que vai acontecer, mas quando me deito em minha
cama, de banho tomado e os cabelos levemente úmidos, é como se voltasse
a respirar novamente. Deixo o celular carregando e fecho os olhos, tentando
relaxar o máximo possível, mas não consigo, estou sentindo meu corpo todo
tensionado.
A porta do quarto se abre e eu vejo Nick entrar. Usando uma calça
de pijama parecida com a minha, só que preta, vejo que ele está segurando
um livro em mãos.
— Posso ficar com você? — Pergunta ele. — Vou entender se você
quiser ficar sozinha, o dia foi… bem, como explicar o dia de hoje?
— Por favor, fica comigo — respondo às pressas. — Hoje, mais do
que nunca, não quero dormir sozinha.
Nick vem até mim e eu dou espaço para que ele se deite, como
temos feito há algum tempo. Ele se ajeita ao meu lado e posiciona o abajur
de uma forma que nós dois estejamos bem iluminados. Só então, eu vejo a
capa do livro que ele tem em mãos.
— Reconhece?
— Como você tem isso? — Indago, pela primeira vez, sorrindo
nesta noite.
— Eu gostava muito desse livro quando criança — com uma
piscadinha esperta, ele ajeita um travesseiro nas costas, para ficar ereto. —
O que acha de eu ler para você?
Suspiro, olhando para ele, para seus olhos azuis, para a forma como
ele é tudo para mim e não contenho mais uma vez algumas lágrimas que
começam a escorrer.
— Não aguento mais chorar — digo exausta. — Nunca imaginei
que tudo isso poderia acontecer.
— Eu também, linda. Não quero mais te ver chorar, mas, sabe de
uma coisa?
— O que?
— Está tudo bem chorar também — ao dizer isso, ele me puxa
delicadamente para que eu apoie minha cabeça em seu peito desnudo,
sentindo o cheiro fresco de sua pele, a textura lisa, com alguns pelinhos
pequenos no peito e como ela é quente sobre a minha palma. — Isso não
vai fazer de você uma mulher menos corajosa.
— Você me acha corajosa? — Questiono, com a voz sem graça.
— Não só acho, você é. — beijando o topo da minha cabeça, ele
continua. — Você tem lutado bravamente contra esse cara desde que nos
reencontramos. Olha tudo que você passou e ainda assim, aqui está você,
linda — olho para Nick e reconheço em cada detalhe de seu rosto a verdade
em suas palavras. — Você não só é corajosa como é bondosa, Maya. Você
não precisava perdoar a Johanna, mas você o fez. Você poderia fazer dos
dias na academia de ballet um cenários deprimente, mas você continuou a
dar o seu melhor. Você enfrentou ele todas as vezes. Quer mais do que o
fato que você teve expertise de gravar as palavras dele, num momento de
medo? Caralho, linda! — Exclama ele, soltando um suspiro baixinho. —
Você já era, mas agora, oficialmente, você faz parte da lista pessoal do Nick
de mulheres fodas que conheço.
Dou risada da forma como ele fala, da maneira como, mesmo
diante de um cenário tão conturbado, Nicholas ainda é capaz de iluminar
tudo, iluminar minha vida. Ainda que estejamos em um período do ano em
que a cada dia, perdemos um pouco de luz do sol, só consigo pensar que, se
Nick estiver por perto, eu não vou lamentar pela falta de luz, porque ele
irradia minha vida. Nada vai ficar entre mim e ele. E ainda que, neste
momento, eu não me sinta a mulher mais corajosa do mundo, amanhã é um
novo dia. Uma nova chance de responder o mal com o bem, a tristeza dar
lugar a alegria.
— E quer saber do que mais? — Chamando minha atenção
novamente, ele volta a falar — Sabe por que eu te acho a mulher mais foda
do mundo?
— Por que?
— Porque a primeira coisa que você disse antes de entrarmos
naquela delegacia foi que você não iria permitir que ele destruísse seus
sonhos e sua felicidade. Foi você que me fez ter coragem e perceber que, se
você era forte, eu também poderia ser.
Diante das palavras bonitas dele, da forma como ele fala a meu
respeito com orgulho, com verdade e com amor, eu me movo até encostar
em seus lábios, em uma carícia leve, doce, nossa.
— Melhor? — Pergunta, quando eu me afasto.
— Um pouquinho — faço uma pinça com os dedos. — Talvez eu
precise de uma leitura, sabe?
Nick sorri para mim, da forma como eu tanto ansiava ver durante
meu dia, ele sorri com a alma, ele sorri para mim como se eu fosse a coisa
mais importante de sua vida. E eu retribuo, porque ele é a coisa mais
importante da minha.
— Bom, eu tenho a história perfeita para isso — ele pega o livro,
mas antes, eu me aconchego em seu peito. Nick limpa a garganta algumas
vezes, até que abre o livro e pergunta. — Posso começar?
— Por favor.
E então, ele abre o livro pequeno e preto, de capa dura, que nós
tanto folheamos quando éramos crianças.
— "Um dia daqueles". — ele recita a primeira frase — "Todo
mundo tem um dia daqueles".
Nós seremos uma linha tênue
Nós vamos ficar bem
Fine Line - Harry Styles
Não sou tão boa nas palavras quanto você, mas espero que essas
folhas em branco sejam testemunhas de muitas histórias, poemas e mesmo
pensamentos seus. Você me fascina, Nicholas Bennet. Você me encanta,
você me deixa sem palavras, ao mesmo tempo que me faz querer usar todas
elas para poder falar sobre você, com você.
Espero que nossa história possa ser escrita em muitos e muitos
cadernos como esse. Mas espero mais ainda que você saiba que, para além
de me amar, você também me salvou. Você me mostrou o que é amar e ser
amada. Você me deu sua amizade, mas também me deu o seu amor. Ser sua
amiga é maravilhoso, mas ser sua…
Nossa!
Ser sua é simplesmente a melhor sensação do universo.
Obrigada por ser meu.
Eu te amo, Bennet.
Um ano depois
Respiro fundo diante das palavras dele e sorrio para o meu reflexo
no espelho. O cabelo loiro preso em um coque bonito, os olhos castanhos
brilhando e perfeitamente delineados pela maquiagem, vejo meu sorriso:
verdadeiro, sincero, bonito, orgulhoso.
Estou orgulhosa de mim mesma. Estou feliz comigo mesma e
finalmente, estou no lugar que eu sempre quis estar.
Sento novamente e, com os dedos já com esparadrapo, visto a
ponteira de pano, passando a meia-fina rosa por cima, colocando a
sapatilha de ponta, primeiro no pé direito, depois no esquerdo. Prendo bem
as fitas, faço algumas vezes o movimento de meia ponta para a ponta para
aquecer. Elas estão bem em meu pé.
Olho uma última vez para o espelho e, então, com um sorriso
enorme no rosto, saio do camarim, indo em direção às coxias. Passo resina
na ponta, assim como na sola, recebo sorrisos acolhedores, boas sortes e
ouço o som do público que está do outro lado da cortina. Me posiciono na
lateral do palco e faço um exercício de respiração, mentalizo coisas boas.
Fecho os olhos e só vislumbro um cenário: uma plateia cheia, mas apenas
um par de olhos que realmente importa, o de Nick. Na primeira fileira, ele
me olha com amor, com admiração, como se eu fosse a coisa mais
importante do mundo para ele.
Abro novamente os olhos quando ouço o último aviso antes do
espetáculo começar. Do lado esquerdo do palco, na minha frente, vejo Fred
sorrir para mim. Nós dois nos olhamos e mandamos um beijo um para o
outro, um ato de carinho, um último boa sorte.
O teatro fica em silêncio e eu ouço o regente bater a batuta no
pedestal onde fica a partitura, eu não o vejo, mas sei exatamente cada uma
de suas ações.
É dada a hora.
Ouço o início da música com a harpa e as cortinas começam a subir.
Vejo o público ainda na lateral do palco e então, a entrada do violino. O
meu momento de entrar. Ando de forma graciosa até o meio do palco,
vendo Fred fazer o mesmo até chegar ao meu lado e então, subo na ponta.
Instantes antes de começar, mentalmente, eu dedico essa dança a ele.
“É para você, amor. É para você, Nick”.
E, então, a música começa.
E eu danço com a minha alma, sabendo que, da plateia, o coração
dele flutua junto com o meu.
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