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Psicanálise, Ciência e Profissão 4

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PSICANÁLISE, CIÊNCIA E

PROFISSÃO
AULA 4

Prof.ª Giovana Fonseca Madrucci


CONVERSA INICIAL

A PSICANÁLISE COMO CIÊNCIA PARTE 1: A PSICANÁLISE E SUA RELAÇÃO COM


AS CIÊNCIAS HUMANAS E A PSICOLOGIA

Em nossas aulas anteriores, propusemos discussões acerca do que são e como surgiram as

ciências. Partimos de uma linha de raciocínio segundo a qual as ciências são formas de o ser

humano explicar e interagir com o mundo que o cerca. Para tanto, é necessário utilizar um método.

As ciências humanas, nesse contexto, são duramente criticadas pelo fato de não se adequarem ao
modelo de metodologia científica característico das ciências matemáticas e das ciências da

natureza. Nesse cenário, encontram-se a psicanálise e a psicologia.

Sabemos que a psicanálise tem estreita relação com a psicologia, pois apresenta objeto(s) de
estudo semelhante(s): a subjetividade e o comportamento humanos. Entretanto, precisamos

considerar que as origens da psicologia não coincidem com as origens da psicanálise. A psicologia
enquanto ciência é um tanto fragmentada, de modo que podemos considerar que existem várias

psicologias, com diferentes abordagens e áreas de atuação. Desse modo, há duras críticas no
campo científico e metodológico sobre o seu estatuto de unicidade.

Neste momento, você pode indagar: este não é um curso de psicologia, mas sim um curso de

psicanálise, uma prática que não depende da psicologia para ser exercida – apesar de poder ser
utilizada e aplicada em todos os campos nos quais a psicologia está inserida. Apenas com esse

argumento, e partindo da noção de que atualmente o local onde mais se ensina e se aplica a
psicanálise é nos cursos de psicologia, não podemos fugir à discussão de como são e como foram

construídos os saberes do campo da psicologia. Assim, podemos estabelecer semelhanças e


distinções sobre as origens, a metodologia e a concepção de homem.

Nesta aula, inicialmente vamos discutir as origens da psicologia, tanto históricas quanto

epistemológicas, e quais as suas concepções de homem. A partir de tais noções, vamos situar a
concepção de homem da psicanálise, e como ela se insere no campo das ciências humanas e das

ciências de forma geral. Sendo assim, após a discussão sobre a concepção de homem da
psicanálise, vamos estabelecer distinções entre o tratamento de cunho psicanalítico e as

psicoterapias da psicologia.

TEMA 1 – PRÁTICAS PSICOLÓGICAS E A ESTRUTURAÇÃO DA


PSICOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA: INTERFACES ENTRE PSICOLOGIA E
PSICANÁLISE

Em aulas anteriores, estudamos que existe uma relação íntima entre a psicologia e a
psicanálise. Tal aproximação se deve à coincidência do objeto de estudo: o ser humano e o seu

comportamento/subjetividade. É a partir da relação entre elas que podemos situar e até diferenciar a
psicanálise das práticas da psicologia. Sabemos que a psicologia é uma área do conhecimento que

aborda o psiquismo humano de várias maneiras, em diversas áreas de atuação. A psicologia está
interessada em uma enorme variedade de tópicos, examinando o comportamento humano e o

processo mental, do nível neural ao nível cultural. Em psicologia, estudamos questões humanas, que
podem começar desde antes do nascimento e continuar até a morte do sujeito. A psicologia está
nas organizações, na área da saúde, na justiça etc. Onde há ser humano, é possível aplicar e

desenvolver conhecimentos de psicologia. São diversas as possibilidades de atuação na área.

Sendo assim, por conta das diversas abordagens e das diversas áreas de atuação, tem-se que a

psicologia na verdade é um composto de várias “psicologias”. De acordo com Castañon (2008, p.


12), a psicologia é uma disciplina dividida, pois o seu objeto de estudo apresenta aspectos

abordáveis, aspectos inabordáveis e aspectos apenas parcialmente abordáveis pelo método


científico. Mas isso se deve a quê? A psicologia deriva de duas grandes influências: a filosofia e a

fisiologia. Isso acaba gerando um tipo de conflito, pois tendo em mente a questão levantada em

nossa aula anterior, de que a fisiologia como ciência natural apresenta compreensões e métodos

específicos, e de que a filosofia é uma forma de construção de conhecimento acerca dos fenômenos
a partir do questionamento, a psicologia fica em um tipo de “meio-de-campo”. Assim, é preciso

avaliar como trazer uma unidade a essas influências distintas (Castañon, 2008).

Considerando as várias influências pertinentes ao surgimento dessa ciência chamada


psicologia, a psicanálise adentra esse imbróglio (ou confusão) como uma possibilidade para a

compreensão dos fenômenos do psiquismo humano. Porém, antes de situar em que condição a

psicanálise adentra no campo psi (da psicologia), vamos retomar a história da psicologia. Abib
(2009) descreve que a psicologia foi proposta como uma ciência no final do século XIX, por Wilhelm
Wundt e William James. Segundo o autor, foram eles que elaboraram de modo sistemático o projeto

de uma psicologia científica, estruturando a psicologia como área do saber à parte, tanto da

fisiologia quanto da filosofia.

Wundt era fisiologista. Suas primeiras pesquisas remontam à utilização de métodos de


pesquisa científica das ciências naturais para investigar os tempos de reação de uma pessoa. A sua

concepção de psiquismo era atrelada à fisiologia, ou seja, ele buscava entender como o cérebro

respondia a determinados estímulos. Após certo tempo de trabalho e pesquisa, em 1879 ele abriu
o primeiro laboratório de psicologia do mundo, situado na Universidade de Leipzig, o laboratório de

psicologia experimental. Esse evento é considerado o início oficial da psicologia como disciplina

científica separada e distinta. Ainda segundo Abib (2009), a psicologia de Wundt é de base empírica

(a partir da experiência direta) e fisiológica, o que a aproxima das ciências da natureza.

Entretanto, a partir da concepção de que da experiência direta do sujeito derivam resultantes

criativos, ele se aproxima das ciências da cultura. O seu método de trabalho considera a

introspecção, ou seja, aquilo que é produzido na subjetividade a partir da experiência. Tal noção nos
aproxima de uma causalidade psíquica, incompatível com a causalidade física. “Devido à

causalidade psíquica e ao princípio dos resultantes criativos, a psicologia de Wundt não é ciência

natural: é uma ciência intermediária” (Abib, 2009, p. 198).

A psicologia floresce nos Estados Unidos durante a segunda metade do século

XIX. Paralelamente ao trabalho de Wundt, William James emergiu como um dos principais

psicólogos americanos durante esse período. James publicou um livro que se tornaria clássico, Os

Princípios da Psicologia. Por conta dessa publicação, ele passou a ser conhecido como o pai da
psicologia americana, que encontra alta difusão mundo afora. Abib (2009) nos situa que, para

James, “a psicologia como ciência é ciência natural. Como uma ciência natural, a psicologia estuda

os fatos mentais, descrevendo-os e examinando-os em relação com o ambiente físico e com as

atividades dos hemisférios cerebrais, bem como as atividades corporais que deles decorrem”.

Não é nosso objetivo estudar com profundidade as escolas que originaram a psicologia como a

conhecemos hoje, afinal de contas este não é um curso de psicologia. Entretanto, um aspecto

bastante importante a ser observado e compreendido com o nosso retorno à história da psicologia é
que, dentro do campo das ciências psicológicas, houve uma tentativa de enquadrar o sujeito humano
em metodologias tidas como científicas (ligadas às ciências exatas e da natureza). Isso gerou algum

nível de conflito no enquadramento das ciências que estudam o humano dentro do campo mais

geral das ciências, pois a previsibilidade que se espera dificilmente é alcançada pela utilização de
tais metodologias.

Também é possível perceber, inicialmente, a organização e a sistematização daquilo que se

define como ciência, no estudo da subjetividade e do comportamento humanos, com foco na

consciência. Não havia, até o surgimento da psicanálise, outra forma de conceber a subjetividade
humana que não transitasse por tal via. Isso por si só já distingue, de forma muito importante, a

psicanálise das práticas psicológicas.

No fim do século 19, quando Freud começa a desenvolver a hipótese de um psíquico inconsciente,

a psicologia era, sobretudo, uma ciência da consciência — ou, ao menos, o projeto de uma tal
ciência. As propostas para uma psicologia científica que surgem nesse período, como aquelas de

Wundt, Brentano e William James, trabalharam sempre com a hipótese dessa identidade entre o
mental e o consciente, tendo esses autores devotado passagens inteiras de seus principais

trabalhos para demonstrar que estados mentais inconscientes eram uma impossibilidade de fato e

de direito. (Simanke, 2009, p. 32)

TEMA 2 – PSICOLOGIA, PSICANÁLISE E A CONCEPÇÃO INOVADORA


DO SUJEITO DO INCONSCIENTE

Adentramos neste momento no terreno que realmente nos interessa: a psicanálise.

Paralelamente às tentativas de sistematização de um conhecimento acerca do psiquismo humano

por Wundt e James, surgem os trabalhos de Freud e a consequente formalização da psicanálise.


Sigmund Freud mudou o rosto da psicologia de maneira dramática, ao propor uma teoria da

personalidade e uma concepção de homem com ênfase a um outro aspecto do psiquismo humano

que não a consciência, como era a feito até então. Esse novo aspecto da subjetividade a ser

considerado era o inconsciente. De acordo com Freud, como vimos anteriormente, o sofrimento o
humano e os distúrbios psicológicos são resultado de conflitos de ordem inconsciente. Em seu

trabalho clínico com pacientes que sofriam de histeria e outras doenças de ordem psicológica, Freud

sistematizou que as experiências da primeira infância e os impulsos e conteúdos provenientes


desse inconsciente contribuem para o desenvolvimento da personalidade e do comportamento dos

adultos.
Neto (2019) aponta que a psicanálise surge da necessidade de Freud de desenvolver uma

compreensibilidade causal dos fenômenos psíquicos, extrapolando a esfera da consciência,


trabalhada até então. Foi da noção de que o sofrimento histérico não se explicava e nem se tratava

em um plano da consciência que surge essa nova concepção. Para explicar os fenômenos com os

quais estava lidando (experiência empírica e clínica, importante frisar), foi necessário apelar para
essa outra ordem de causas, que não aparece na superfície da consciência: a ordem do

inconsciente. Com isso, surge a concepção de homem da psicanálise, a do sujeito do inconsciente.

Essa outra ordem é designada como inconsciente, e suas relações causais invisíveis em jogo são

tematizadas pela metapsicologia proposta por Freud.

A metapsicologia seria, assim, um conjunto de elaborações de nível teórico que possibilita

formalizar a vida psíquica para além dos fenômenos superficiais da consciência. A partir da

metapsicologia, compreendemos a dinâmica e a topologia psíquicas. Desse modo, é por meio dela

que se sustenta a concepção de homem do sujeito do inconsciente. Neto (2019, p. 24) ainda nos

situa que “a metapsicologia seria um esforço especulativo necessário para dar conta de explicar o
desenrolar dos dados da consciência que sem ela seriam episódios alheios uns aos outros, sendo

impossível traçar uma trama que os interligasse”.

A teoria proposta e sistematizada por Sigmund Freud, a psicanálise, impactou profundamente o


pensamento do século XX. Suas influências extrapolaram o campo da saúde mental e da psicologia,

como bem sabemos, adentrando outras áreas, como a arte, a educação e a pedagogia, a literatura, a

cultura popular etc. Devido à noção de cientificismo dominante (que leva em conta os métodos

propostos nas ciências exatas e da natureza para a construção de conhecimento), a psicanálise tem

de enfrentar um certo descrédito. Houve na psicologia um movimento que tentou adequar os

métodos utilizados em outras ciências para o estudo da subjetividade e do comportamento

humanos.

Grandes alterações na compreensão da psicologia como ciência durante o início do século XX.

Paralelamente à psicanálise, uma outra escola de pensamento de origem americana (ou seja, com

influência do pensamento de James de modo a adequar a psicologia às metodologias tidas como

científicas), conhecida como behaviorismo, ganhou espaço no cenário da psicologia. O


behaviorismo faz um grande esforço para tornar a psicologia uma disciplina que se enquadra na

noção de ciência socialmente dominante, concentrando-se puramente no comportamento

observável. Assim, acabou trazendo uma grande mudança em relação às perspectivas teóricas
anteriores (como as de Wundt e Freud), rejeitando a ênfase tanto na mente consciente quanto no

inconsciente, com foco naquilo que poderia ser observado e “metrificado”: o comportamento.

TEMA 3 – PSICANÁLISE ENQUANTO CIÊNCIA: DISCUSSÕES


EPISTEMOLÓGICAS ACERCA DA CIENTIFICIDADE

É importante ter em mente que a psicologia é fruto de diversas linhas de pensamento. Todas

elas podem vir a receber ou já receberam críticas quanto à sua cientificidade ou quanto à sua

concepção de homem. A psicanálise também sofreu importantes críticas quanto à sua

cientificidade. Chauí (2000) reitera que, segundo Karl Popper, pensador da teoria das ciências, o valor

de uma teoria ou conhecimento seria medido pela possibilidade de ela ser falsa. Como assim? A

falseabilidade (ou a possibilidade de a teoria ser falsa) seria o critério mais importante para avaliar a

validade das teorias científicas, pois seria uma garantia da ideia de progresso científico. Por quê?
Porque, com esse critério, uma mesma teoria pode ser corrigida por fatos novos que a “falsificam”. É

exatamente isso que a torna verdadeira: a possibilidade de ser transformada e alterada.

Popper foi um grande crítico da psicanálise, pois defendia que ela não se enquadra no critério
de falseabilidade, e que por isso se trata de uma teoria que se explica apenas em si mesma, não se

encaixando em critérios válidos de cientificidade. Sendo assim, ressaltamos a importância de

entender mais profundamente a teoria psicanalítica, seja enquanto técnica, seja enquanto

construção de saber acerca do ser humano e concepção de homem.

Neto (2019) reitera que, apesar das especificidades marcantes de cada autor que se ocupou da

questão da psicanálise enquanto ciência, podemos entender de forma geral que a obra de Freud foi

marcada por uma cisão de “dois freuds”. O primeiro deles é aquele focado na prática clínica e no

método terapêutico (ou melhor, em uma construção empírica e sistematizada de conhecimento),

bastante elogiado por conta de sua inovação metodológica no contato com o psíquico. O segundo

Freud seria o da metapsicologia (ou da topologia psíquica e da psicodinâmica), que produziu teses

sem fundamentos acerca do funcionamento psíquico. Tais teses estariam embutidas “de resquícios
de uma metafísica positivista, mecanicista e energética”. Assim, ele “era incapaz de apreender os

caprichos das relações de sentido, compreendido como campo da experiência humana por

excelência” (Neto, 2019, p. 28).


Neto (2019) ainda explica que a obra de Freud recebeu muitas críticas, tanto por ser “científica

demais”, quanto “científica de menos”, o que nos dá uma ideia da aproximação que a psicanálise

estabeleceu tanto com a filosofia (que a considera científica demais), quanto com a fisiologia (que a

considera científica de menos), além de outras abordagens do campo psicológico. Não vamos nos

ater ao aspecto de uma cientificidade exagerada, pois o que nos interessa é situar a psicanálise

dentro de uma concepção de cientificismo vigente (mais afastado da filosofia), com a acusação de

pseudociência, a partir da crença de que uma ciência que se aproxima da matemática e da natureza

é superior a outros tipos de ciência. Assim, a evolução do homem seria avaliada de acordo com esse
princípio.

A metapsicologia é um fundamento da psicanálise, podendo ser utilizada para pautar as

discussões sobre a sua cientificidade. Ela se aproxima de uma noção de funcionamento cerebral e
fisiológico do psiquismo; portanto, está próxima das ciências naturais. “O modelo seria uma forma

de formalizar os eventos observáveis empiricamente, dando-lhes uma organização através da

suposição das relações que se estabelecem entre os diversos elementos observados” (Neto, 2019,

p. 33). A metapsicologia se torna um modelo à medida que estabelece regras que estão por trás das

cortinas do campo da experiência e do perceptível pela consciência, estabelecendo assim um nexo

explicativo para tais eventos, particulares do humano.

Neto (2019) ainda descreve que as principais críticas feitas à cientificidade da psicanálise

partem de um autor chamado Grunbaum, que fundamenta as suas críticas sustentando que os

conceitos da psicanálise e da metapsicologia se baseiam em inferências. “Grunbaum acredita que

ao focar a crítica na relação entre inferências causais e método clínico ele derrubaria não somente a
psicanálise freudiana, mas também toda a psicanálise pós freudiana” (Neto, 2019, p. 48), tendo em

vista que a psicanálise pós-freudiana também trabalha com inferências causais (admitidas ou não),

mesmo que fundamentadas na experiência clínica.

Essa peculiaridade do objeto psicanalítico (a do inconsciente, que mesmo oculto se faz

presente) é o que distingue a psicanálise dos métodos científicos tidos como tradicionais. Também

distingue a psicanálise, em grande medida, do objeto da psicologia, devido à sua concepção de

homem, como sujeito do inconsciente. Sendo assim, as particularidades do campo psicanalítico

evidenciam a dificuldade daqueles que não são psicanalistas, ou que não passaram por uma análise,

de entenderem de que se trata a psicanálise – como já diria Freud (Neto, 2019). Essa particularidade,

portanto (a de tirar a experiência humana da consciência e daquilo que é visível e metrificável), é a


fonte de tanta confusão a respeito da legitimidade da psicanálise como ciência empírica e do seu

lugar dentro das ciências do campo psi.

TEMA 4 – PSICANÁLISE E CIÊNCIAS HUMANAS: APROXIMAÇÕES E


POSSIBILIDADES

Mezan (2007) define que, sob a nomenclatura genérico de “ciências humanas”, convivem na

verdade disciplinas muito diferentes. Algumas, como a geografia, trabalham com objetos bem

próximos dos naturais. Outras utilizam instrumentos matemáticos, como a sociologia, quando

realiza pesquisas por amostragem, ou a economia, em seus estudos de fenômenos passíveis de


quantificação. Existem ainda outras formas de estudo nas ciências humanas: documentos, registros,

análises via observação...

A própria Psicologia se divide em diversas áreas, segundo a concepção que tenham os psicólogos

do que é o seu objeto: os behavioristas utilizam experimentos em laboratório, enquanto as práticas


terapêuticas (em boa parte influenciadas pela Psicanálise) trabalham com o método clínico; já a

Psicologia social opera com representações coletivas, pois seu objeto se conecta com os da
Sociologia e da História. As ciências políticas estudam de que modo os diferentes grupos e

classes sociais se confrontam na arena pública, promovendo seus interesses no interior dos

marcos jurídicos aceitos como legítimos nos diversos Estados. (Mezan, 2007, p. 353)

O que todos elas teriam em comum? É o tipo do objeto que garante alguma homogeneidade a

esse campo. Mas essa homogeneidade, bastante relativa, não resulta tanto das semelhanças entre

esses objetos, uns com os outros, mas da diferença radical entre eles e os objetos naturais das
ciências “tradicionais”. Outro fator que garante homogeneidade às ciências humanas seria

a ausência de um método experimental, cuja exceção é a psicologia experimental, citada

anteriormente, que se esforçou para enquadrar o comportamento humano como um objeto natural.

Não sendo objeto das ciências humanas “matematizáveis”, o método experimental não é adequado;

assim, surgiu a necessidade de encontrar outras formas de tratá-lo.

E a Psicanálise? Pelo exposto até aqui, ela encontra seu lugar entre as ciências humanas. Seu

objeto - quer seja definido como o inconsciente, quer como o funcionamento psíquico, ou de
qualquer outra maneira - é claramente relativo ao homem. Seu método - aqui considerado no que

se refere ao modo de teorizar, e não à prática clínica - é a interpretação de atos e produções

psíquicas a fim de reconstruir os processos que os geraram (tanto intra individuais quanto
relacionais). Suas exigências de consistência no uso dos conceitos, na classificação dos
fenômenos (por exemplo, na psicopatologia) e na validação de hipóteses em todos os planos de

investigação são semelhantes às de outras disciplinas humanas. (Mezan, 2007, p. 355)

O objeto da psicanálise pertence ao campo do humano. Seus métodos são similares aos das

ciências humanas, e seu perfil epistemológico apresenta muitos elementos em comum com outras

disciplinas humanas. Assim, faz sentido concluir que ela é uma ciência humana. Nesse ponto de
nossa aula, é necessário esclarecer que a discussão sobre o que é ou não ciência – considerando

um tipo de “determinismo” psíquico de que a psicanálise é acusada, bem como a acusação de que

ela é uma pseudociência – é da alçada da epistemologia, que discute a teoria das ciências. Assim,

é necessário entender o movimento do homem em direção à construção de um conhecimento de

mundo, com suas razões e falhas.

A ciência é uma das formas como o homem entende o mundo. Uma posição acrítica acerca da

ciência enquanto verdade absoluta é tão grave quanto um conhecimento construído sem

fundamento – ambos os caminhos nos levam a dogmatismos. Assim, cabe compreender que a

psicanálise não pretende ser um conhecimento apenas teórico, nem apenas prático: ela é

sustentada em uma práxis calcada em teoria e prática clínica, áreas que se comunicam e justificam
a si mesmas.

Considerando o que definimos como construção do saber no campo das ciências humanas,

outra necessidade pertinente às críticas à cientificidade da psicanálise é que os métodos das

ciências humanas são e devem ser outros que não os utilizados nas ciências exatas e naturais. Ela
se enquadra no campo das ciências humanas, apesar de certo esforço de Freud no caminho

contrário. Desse modo, podemos dizer que a sua metodologia tem de ser própria, por conta da

peculiaridade de seu objeto.

TEMA 5 – A PSICANÁLISE E AS PSICOTERAPIAS: UMA INTRODUÇÃO

Neste ponto, estabeleceremos algumas discussões acerca do que diferencia a psicanálise de


outros tipos de psicoterapia, considerando as distinções e aproximações que estabelecemos entre

psicanálise e psicologia. De acordo com Carvalho e Fontenele (2019), o termo psicoterapia foi criado

pelo médico inglês Daniel Hack Tuke, em 1872. Entretanto, foi Bernheim - contemporâneo de Freud,

que contribuiu com as pesquisas relacionadas ao método hipnótico e com o método da pressão na

testa, por meio do uso combinado de hipnotismo e sugestão – quem popularizou o uso do termo. A
utilização do método hipnótico, como trabalhamos em aulas anteriores, acaba sendo superada por

Freud. Entretanto, não podemos esquecer que ela foi a primeira proposta de tratamento para o

adoecimento psicológico, daí a sua relação com o termo psicoterapia.

Segundo Roudinesco (2000, citado por Carvalho e Fontenele, 2019, p. 104), a psicanálise, desde

a sua inserção nos EUA, foi recebida como uma espécie de teologia da libertação e da expansão

individual, apesar de Freud ter se esforçado no sentido contrário a essa promessa. “Conforme

observa essa historiadora, mais de setecentas escolas de psicoterapia floresceram no mundo a

partir de 1950, sobretudo nos Estados Unidos. A organização destas escolas é centrada na figura do

psicoterapeuta, o condutor da cura.”

Ainda de acordo com Carvalho e Fontenele (2019), as concepções de psicoterapia estavam

focadas no tratamento do ego, o que subentendia a conquista de felicidade e do sucesso. Tais

conquistas estariam ligadas à reeducação dos pensamentos, processo que seria facilitado pelo

alargamento do ego e de sua possibilidade compreensiva. Desse modo, as psicoterapias estariam

amparadas em um ideal de normalidade (imposto aos pacientes como cura), que seria alcançado a
partir da relação entre terapeuta e paciente. Ou seja, na psicoterapia buscamos um ideal de cura, que

seria alcançado a partir de um tipo de normatização de condutas e comportamentos. O objetivo


seria ajustar tais comportamentos e condutas socialmente, para que deixassem de causar
incômodos ou controvérsias. Por exemplo: o objetivo no tratamento de uma pessoa dependente de

drogas seria que ela parasse com o uso.

Nesse sentido, os autores apontam que a psicoterapia seria um tipo de trapaça, muitas vezes

bem-sucedida, pois seria ajustada socialmente. Já a psicanálise seria uma operação destinada ao
fracasso, pois não compartilharia do mesmo objetivo. Por quê? Quando falamos em psicanálise, não

buscamos o ideal de cura proposto pela psicologia americana. “Mas seria exatamente nisto que
consistiria alguma possibilidade de sucesso, pois, daí, o sujeito poderia advir” (Carvalho; Fontenele,

2019, p. 105). Como assim? A psicanálise aponta esse ideal de cura como algo que surge por
acréscimo, como um efeito do processo analítico, mas não como seu objetivo maior.

Conforme já demonstrado por Freud (1910) em “As perspectivas futuras da terapêutica

psicanalítica”, a busca pela cura seria um severo obstáculo para a análise, como também, em outro
texto de sua autoria -“Linhas de progresso na terapia psicanalítica”- Freud(1919) critica a adoção,

por parte do analista, de uma postura fanática pela higiene psíquica e nos diz que por meio de
operações de deslocamento e da criação de satisfações substitutivas, podemos perceber, por
parte do doente, o risco da proliferação, da multiplicação acentuada de sua produção sintomática,

o que favoreceria, por sua vez, a cristalização e a perpetuação de sua neurose. (Carvalho;
Fontenele, 2019, p. 106)

Essa passagem nos dá indícios da principal diferença entre a psicoterapia e a psicanálise: o seu
fundamento e o seu objetivo. Fica claro que o fundamento da psicanálise não é a consciência e o Eu,

nem a cura, mas sim o sujeito do inconsciente. Já as psicoterapias se amparam na supremacia do


eu. “Nelas, considera-se ser o eu do paciente uma zona livre de conflitos a ser preservada e

dominada. Essa zona proporcionaria a aliança terapêutica a ser estabelecida entre o eu do terapeuta
e a suposta parte sã do eu do doente” (Carvalho; Fontenele, 2019, p. 107). Nas psicoterapias, o

trabalho com foco na instância imaginária do eu obstaculiza a manifestação discursiva espontânea


do paciente (por meio da associação livre), o que dificultaria a emergência do sujeito do
inconsciente.

O que observamos, assim, são concepções de homem bem distintas, como éticas diferentes.

Enquanto as psicoterapias buscam um tipo de adequação do sujeito à normalização, a psicanálise


trabalha justamente com aquilo que não é adequável, que não se pode controlar no ser humano. Ela
não visa o bem-estar e a cura, mas sim a emergência do sujeito do inconsciente. Todo o resto seria

consequência.

NA PRÁTICA

Há muito o que se pode dizer sobre a parte prática e sobre o que sustenta as diferenças entre a
psicanálise e a psicologia, considerando qual deve ser a ética que sustenta o fazer do psicanalista.
Como discutimos durante esta aula, a preocupação do psicanalista não deve ser curar ou melhorar o

paciente, mas sim compreender a construção que sustenta o sofrimento do paciente, para que o
sujeito possa se haver e agir a partir daquilo que pôde construir em análise.

Por isso mesmo, o lugar da psicanálise se distingue do lugar das outras “psicologias”. A
psicanálise se sustenta naquilo que não se sabe, naquilo que não está acessível à consciência,

enquanto as psicologias que seguem a tendência americana visam adequar o sujeito, promovendo
um “alargamento” do ego. A diferença entre um tipo de intervenção e o outro fica visível quando

consideramos, por exemplo, um sujeito que sofre de compulsão alimentar. Enquanto as terapias do
ego buscam a transformação do ego para que o paciente reduza a sua ingestão de alimentos, a
preocupação dos psicanalistas não é transformar o sujeito, mas sim compreender a construção que
se esconde por detrás da cortina da compulsão alimentar.

O que isso quer dizer? Enquanto psicanalistas, devemos tentar construir, captar com o sujeito,
que função que a compulsão alimentar exerce em sua vida. Qual seria o ganho secundário, ou ainda

o que se cristaliza enquanto aquele sujeito está comendo. O controle sobre a compulsão seria,
talvez, uma consequência do percurso. O sujeito pode, no curso de uma análise, assumir outra

posição diante da comida, a partir do momento em que se dá conta do movimento inconsciente que
sustenta aquela posição.

Por não ser uma prática que se afina com a noção de cura e bem-estar, a psicanálise não
pretende ser um tratamento tradicional de modelo médico, mas sim uma investigação acerca dos

fenômenos do inconsciente. Só isso já a sustenta em um lugar peculiar, tanto dentro das práticas
psicológicas quanto no campo das ciências.

FINALIZANDO

Nesta aula, estabelecemos contraposições entre psicologia e psicanálise, situando a


psicanálise dentro do campo das ciências. Eis os aspectos mais importantes trabalhados em aula:

A psicologia tem familiaridade tanto com a filosofia quanto com a fisiologia, de modo que é um
campo de origens e metodologias múltiplas. A psicanálise flerta com a psicologia, por conta do

seu objeto de estudo (a subjetividade).


Dois nomes são fundamentais na história da psicologia: Wilhelm Wundt e William James.

Wundt levou em conta um tipo de introspecção, enquanto James se esforçou para adequar os
métodos da psicologia aos métodos tidos como científicos (das ciências naturais e das
ciências exatas), sendo assim considerado o pai da psicologia americana.

A psicologia americana é influenciada pelo comportamentalismo e por métodos que tiram a


psicologia do rol das ciências puramente humanas, esforçando-se por adequar-se aos

métodos da psicologia.
A psicologia teve, desde sempre, um enfoque na consciência. A psicanálise se diferencia

devido à peculiaridade de seu objeto: a subjetividade. Entretanto, não se trata de uma


subjetividade que obedece às normas da consciência, mas sim do inconsciente.
As controvérsias sobre a cientificidade da psicanálise se devem principalmente à
metapsicologia. O que fundamenta a psicanálise como ciência é a adequação de seu método

ao seu objeto de estudo: a subjetividade e o inconsciente.


A distinção entre a psicanálise e outros métodos de psicoterapia reside justamente no enfoque

da psicanálise no sujeito do inconsciente, enquanto as psicoterapias trabalham com o eu e a


consciência.

Uma outra distinção importante entre psicanálise e outros tipos de psicoterapia é a questão de
um ideal de cura e bem-estar. Na psicanálise, não buscamos adequar o sujeito, mas sim

garantir que ele possa emergir. Sendo assim, qualquer melhora ou adequação é apenas mera
consequência, e não o objetivo final de uma análise.
O que sustenta a psicanálise, seja enquanto ciência ou enquanto profissão (ou ainda como um

fazer), é a sua ética – a ética do sujeito do inconsciente e do desejo. Seu manejo não busca
fortificar o ego ou adequar o sujeito, mas sim trazê-lo à tona, entendendo o que justifica e o que

constitui o sujeito enquanto tal.

REFERÊNCIAS

ABIB, J. A. D. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, v. 7, p. 195-

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CARVALHO, F. de; FONTENELE, L. Psicanálise, Psicoterapia e Autoajuda. Psicanálise & Barroco

Em Revista, v. 8, n. 2, 2019.

CASTAÑON, G. A. Filosofia como fundamento e fronteira da psicologia, Revista Universidade


Rural - Série Ciências Humanas, Seropédica-RJ, v. 30, n. 1, p. 10-18, jan.-jun. 2008.

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