Psicanálise, Ciência e Profissão 4
Psicanálise, Ciência e Profissão 4
Psicanálise, Ciência e Profissão 4
PROFISSÃO
AULA 4
Em nossas aulas anteriores, propusemos discussões acerca do que são e como surgiram as
ciências. Partimos de uma linha de raciocínio segundo a qual as ciências são formas de o ser
humano explicar e interagir com o mundo que o cerca. Para tanto, é necessário utilizar um método.
As ciências humanas, nesse contexto, são duramente criticadas pelo fato de não se adequarem ao
modelo de metodologia científica característico das ciências matemáticas e das ciências da
Sabemos que a psicanálise tem estreita relação com a psicologia, pois apresenta objeto(s) de
estudo semelhante(s): a subjetividade e o comportamento humanos. Entretanto, precisamos
considerar que as origens da psicologia não coincidem com as origens da psicanálise. A psicologia
enquanto ciência é um tanto fragmentada, de modo que podemos considerar que existem várias
psicologias, com diferentes abordagens e áreas de atuação. Desse modo, há duras críticas no
campo científico e metodológico sobre o seu estatuto de unicidade.
Neste momento, você pode indagar: este não é um curso de psicologia, mas sim um curso de
psicanálise, uma prática que não depende da psicologia para ser exercida – apesar de poder ser
utilizada e aplicada em todos os campos nos quais a psicologia está inserida. Apenas com esse
argumento, e partindo da noção de que atualmente o local onde mais se ensina e se aplica a
psicanálise é nos cursos de psicologia, não podemos fugir à discussão de como são e como foram
Nesta aula, inicialmente vamos discutir as origens da psicologia, tanto históricas quanto
epistemológicas, e quais as suas concepções de homem. A partir de tais noções, vamos situar a
concepção de homem da psicanálise, e como ela se insere no campo das ciências humanas e das
ciências de forma geral. Sendo assim, após a discussão sobre a concepção de homem da
psicanálise, vamos estabelecer distinções entre o tratamento de cunho psicanalítico e as
psicoterapias da psicologia.
Em aulas anteriores, estudamos que existe uma relação íntima entre a psicologia e a
psicanálise. Tal aproximação se deve à coincidência do objeto de estudo: o ser humano e o seu
comportamento/subjetividade. É a partir da relação entre elas que podemos situar e até diferenciar a
psicanálise das práticas da psicologia. Sabemos que a psicologia é uma área do conhecimento que
aborda o psiquismo humano de várias maneiras, em diversas áreas de atuação. A psicologia está
interessada em uma enorme variedade de tópicos, examinando o comportamento humano e o
processo mental, do nível neural ao nível cultural. Em psicologia, estudamos questões humanas, que
podem começar desde antes do nascimento e continuar até a morte do sujeito. A psicologia está
nas organizações, na área da saúde, na justiça etc. Onde há ser humano, é possível aplicar e
Sendo assim, por conta das diversas abordagens e das diversas áreas de atuação, tem-se que a
fisiologia. Isso acaba gerando um tipo de conflito, pois tendo em mente a questão levantada em
nossa aula anterior, de que a fisiologia como ciência natural apresenta compreensões e métodos
específicos, e de que a filosofia é uma forma de construção de conhecimento acerca dos fenômenos
a partir do questionamento, a psicologia fica em um tipo de “meio-de-campo”. Assim, é preciso
avaliar como trazer uma unidade a essas influências distintas (Castañon, 2008).
compreensão dos fenômenos do psiquismo humano. Porém, antes de situar em que condição a
psicanálise adentra no campo psi (da psicologia), vamos retomar a história da psicologia. Abib
(2009) descreve que a psicologia foi proposta como uma ciência no final do século XIX, por Wilhelm
Wundt e William James. Segundo o autor, foram eles que elaboraram de modo sistemático o projeto
de uma psicologia científica, estruturando a psicologia como área do saber à parte, tanto da
concepção de psiquismo era atrelada à fisiologia, ou seja, ele buscava entender como o cérebro
respondia a determinados estímulos. Após certo tempo de trabalho e pesquisa, em 1879 ele abriu
o primeiro laboratório de psicologia do mundo, situado na Universidade de Leipzig, o laboratório de
psicologia experimental. Esse evento é considerado o início oficial da psicologia como disciplina
científica separada e distinta. Ainda segundo Abib (2009), a psicologia de Wundt é de base empírica
criativos, ele se aproxima das ciências da cultura. O seu método de trabalho considera a
introspecção, ou seja, aquilo que é produzido na subjetividade a partir da experiência. Tal noção nos
aproxima de uma causalidade psíquica, incompatível com a causalidade física. “Devido à
causalidade psíquica e ao princípio dos resultantes criativos, a psicologia de Wundt não é ciência
XIX. Paralelamente ao trabalho de Wundt, William James emergiu como um dos principais
psicólogos americanos durante esse período. James publicou um livro que se tornaria clássico, Os
Princípios da Psicologia. Por conta dessa publicação, ele passou a ser conhecido como o pai da
psicologia americana, que encontra alta difusão mundo afora. Abib (2009) nos situa que, para
James, “a psicologia como ciência é ciência natural. Como uma ciência natural, a psicologia estuda
atividades dos hemisférios cerebrais, bem como as atividades corporais que deles decorrem”.
Não é nosso objetivo estudar com profundidade as escolas que originaram a psicologia como a
conhecemos hoje, afinal de contas este não é um curso de psicologia. Entretanto, um aspecto
bastante importante a ser observado e compreendido com o nosso retorno à história da psicologia é
que, dentro do campo das ciências psicológicas, houve uma tentativa de enquadrar o sujeito humano
em metodologias tidas como científicas (ligadas às ciências exatas e da natureza). Isso gerou algum
nível de conflito no enquadramento das ciências que estudam o humano dentro do campo mais
geral das ciências, pois a previsibilidade que se espera dificilmente é alcançada pela utilização de
tais metodologias.
consciência. Não havia, até o surgimento da psicanálise, outra forma de conceber a subjetividade
humana que não transitasse por tal via. Isso por si só já distingue, de forma muito importante, a
No fim do século 19, quando Freud começa a desenvolver a hipótese de um psíquico inconsciente,
a psicologia era, sobretudo, uma ciência da consciência — ou, ao menos, o projeto de uma tal
ciência. As propostas para uma psicologia científica que surgem nesse período, como aquelas de
Wundt, Brentano e William James, trabalharam sempre com a hipótese dessa identidade entre o
mental e o consciente, tendo esses autores devotado passagens inteiras de seus principais
trabalhos para demonstrar que estados mentais inconscientes eram uma impossibilidade de fato e
personalidade e uma concepção de homem com ênfase a um outro aspecto do psiquismo humano
que não a consciência, como era a feito até então. Esse novo aspecto da subjetividade a ser
considerado era o inconsciente. De acordo com Freud, como vimos anteriormente, o sofrimento o
humano e os distúrbios psicológicos são resultado de conflitos de ordem inconsciente. Em seu
trabalho clínico com pacientes que sofriam de histeria e outras doenças de ordem psicológica, Freud
adultos.
Neto (2019) aponta que a psicanálise surge da necessidade de Freud de desenvolver uma
em um plano da consciência que surge essa nova concepção. Para explicar os fenômenos com os
quais estava lidando (experiência empírica e clínica, importante frisar), foi necessário apelar para
essa outra ordem de causas, que não aparece na superfície da consciência: a ordem do
Essa outra ordem é designada como inconsciente, e suas relações causais invisíveis em jogo são
formalizar a vida psíquica para além dos fenômenos superficiais da consciência. A partir da
metapsicologia, compreendemos a dinâmica e a topologia psíquicas. Desse modo, é por meio dela
que se sustenta a concepção de homem do sujeito do inconsciente. Neto (2019, p. 24) ainda nos
situa que “a metapsicologia seria um esforço especulativo necessário para dar conta de explicar o
desenrolar dos dados da consciência que sem ela seriam episódios alheios uns aos outros, sendo
como bem sabemos, adentrando outras áreas, como a arte, a educação e a pedagogia, a literatura, a
cultura popular etc. Devido à noção de cientificismo dominante (que leva em conta os métodos
propostos nas ciências exatas e da natureza para a construção de conhecimento), a psicanálise tem
humanos.
Grandes alterações na compreensão da psicologia como ciência durante o início do século XX.
Paralelamente à psicanálise, uma outra escola de pensamento de origem americana (ou seja, com
observável. Assim, acabou trazendo uma grande mudança em relação às perspectivas teóricas
anteriores (como as de Wundt e Freud), rejeitando a ênfase tanto na mente consciente quanto no
inconsciente, com foco naquilo que poderia ser observado e “metrificado”: o comportamento.
É importante ter em mente que a psicologia é fruto de diversas linhas de pensamento. Todas
elas podem vir a receber ou já receberam críticas quanto à sua cientificidade ou quanto à sua
cientificidade. Chauí (2000) reitera que, segundo Karl Popper, pensador da teoria das ciências, o valor
de uma teoria ou conhecimento seria medido pela possibilidade de ela ser falsa. Como assim? A
falseabilidade (ou a possibilidade de a teoria ser falsa) seria o critério mais importante para avaliar a
validade das teorias científicas, pois seria uma garantia da ideia de progresso científico. Por quê?
Porque, com esse critério, uma mesma teoria pode ser corrigida por fatos novos que a “falsificam”. É
Popper foi um grande crítico da psicanálise, pois defendia que ela não se enquadra no critério
de falseabilidade, e que por isso se trata de uma teoria que se explica apenas em si mesma, não se
entender mais profundamente a teoria psicanalítica, seja enquanto técnica, seja enquanto
Neto (2019) reitera que, apesar das especificidades marcantes de cada autor que se ocupou da
questão da psicanálise enquanto ciência, podemos entender de forma geral que a obra de Freud foi
marcada por uma cisão de “dois freuds”. O primeiro deles é aquele focado na prática clínica e no
bastante elogiado por conta de sua inovação metodológica no contato com o psíquico. O segundo
Freud seria o da metapsicologia (ou da topologia psíquica e da psicodinâmica), que produziu teses
sem fundamentos acerca do funcionamento psíquico. Tais teses estariam embutidas “de resquícios
de uma metafísica positivista, mecanicista e energética”. Assim, ele “era incapaz de apreender os
caprichos das relações de sentido, compreendido como campo da experiência humana por
demais”, quanto “científica de menos”, o que nos dá uma ideia da aproximação que a psicanálise
estabeleceu tanto com a filosofia (que a considera científica demais), quanto com a fisiologia (que a
considera científica de menos), além de outras abordagens do campo psicológico. Não vamos nos
ater ao aspecto de uma cientificidade exagerada, pois o que nos interessa é situar a psicanálise
dentro de uma concepção de cientificismo vigente (mais afastado da filosofia), com a acusação de
pseudociência, a partir da crença de que uma ciência que se aproxima da matemática e da natureza
é superior a outros tipos de ciência. Assim, a evolução do homem seria avaliada de acordo com esse
princípio.
discussões sobre a sua cientificidade. Ela se aproxima de uma noção de funcionamento cerebral e
fisiológico do psiquismo; portanto, está próxima das ciências naturais. “O modelo seria uma forma
suposição das relações que se estabelecem entre os diversos elementos observados” (Neto, 2019,
p. 33). A metapsicologia se torna um modelo à medida que estabelece regras que estão por trás das
Neto (2019) ainda descreve que as principais críticas feitas à cientificidade da psicanálise
partem de um autor chamado Grunbaum, que fundamenta as suas críticas sustentando que os
ao focar a crítica na relação entre inferências causais e método clínico ele derrubaria não somente a
psicanálise freudiana, mas também toda a psicanálise pós freudiana” (Neto, 2019, p. 48), tendo em
vista que a psicanálise pós-freudiana também trabalha com inferências causais (admitidas ou não),
presente) é o que distingue a psicanálise dos métodos científicos tidos como tradicionais. Também
evidenciam a dificuldade daqueles que não são psicanalistas, ou que não passaram por uma análise,
de entenderem de que se trata a psicanálise – como já diria Freud (Neto, 2019). Essa particularidade,
Mezan (2007) define que, sob a nomenclatura genérico de “ciências humanas”, convivem na
verdade disciplinas muito diferentes. Algumas, como a geografia, trabalham com objetos bem
próximos dos naturais. Outras utilizam instrumentos matemáticos, como a sociologia, quando
A própria Psicologia se divide em diversas áreas, segundo a concepção que tenham os psicólogos
Psicologia social opera com representações coletivas, pois seu objeto se conecta com os da
Sociologia e da História. As ciências políticas estudam de que modo os diferentes grupos e
classes sociais se confrontam na arena pública, promovendo seus interesses no interior dos
marcos jurídicos aceitos como legítimos nos diversos Estados. (Mezan, 2007, p. 353)
O que todos elas teriam em comum? É o tipo do objeto que garante alguma homogeneidade a
esse campo. Mas essa homogeneidade, bastante relativa, não resulta tanto das semelhanças entre
esses objetos, uns com os outros, mas da diferença radical entre eles e os objetos naturais das
ciências “tradicionais”. Outro fator que garante homogeneidade às ciências humanas seria
anteriormente, que se esforçou para enquadrar o comportamento humano como um objeto natural.
Não sendo objeto das ciências humanas “matematizáveis”, o método experimental não é adequado;
E a Psicanálise? Pelo exposto até aqui, ela encontra seu lugar entre as ciências humanas. Seu
objeto - quer seja definido como o inconsciente, quer como o funcionamento psíquico, ou de
qualquer outra maneira - é claramente relativo ao homem. Seu método - aqui considerado no que
psíquicas a fim de reconstruir os processos que os geraram (tanto intra individuais quanto
relacionais). Suas exigências de consistência no uso dos conceitos, na classificação dos
fenômenos (por exemplo, na psicopatologia) e na validação de hipóteses em todos os planos de
O objeto da psicanálise pertence ao campo do humano. Seus métodos são similares aos das
ciências humanas, e seu perfil epistemológico apresenta muitos elementos em comum com outras
disciplinas humanas. Assim, faz sentido concluir que ela é uma ciência humana. Nesse ponto de
nossa aula, é necessário esclarecer que a discussão sobre o que é ou não ciência – considerando
um tipo de “determinismo” psíquico de que a psicanálise é acusada, bem como a acusação de que
ela é uma pseudociência – é da alçada da epistemologia, que discute a teoria das ciências. Assim,
A ciência é uma das formas como o homem entende o mundo. Uma posição acrítica acerca da
ciência enquanto verdade absoluta é tão grave quanto um conhecimento construído sem
fundamento – ambos os caminhos nos levam a dogmatismos. Assim, cabe compreender que a
psicanálise não pretende ser um conhecimento apenas teórico, nem apenas prático: ela é
sustentada em uma práxis calcada em teoria e prática clínica, áreas que se comunicam e justificam
a si mesmas.
Considerando o que definimos como construção do saber no campo das ciências humanas,
ciências humanas são e devem ser outros que não os utilizados nas ciências exatas e naturais. Ela
se enquadra no campo das ciências humanas, apesar de certo esforço de Freud no caminho
contrário. Desse modo, podemos dizer que a sua metodologia tem de ser própria, por conta da
psicanálise e psicologia. De acordo com Carvalho e Fontenele (2019), o termo psicoterapia foi criado
pelo médico inglês Daniel Hack Tuke, em 1872. Entretanto, foi Bernheim - contemporâneo de Freud,
que contribuiu com as pesquisas relacionadas ao método hipnótico e com o método da pressão na
testa, por meio do uso combinado de hipnotismo e sugestão – quem popularizou o uso do termo. A
utilização do método hipnótico, como trabalhamos em aulas anteriores, acaba sendo superada por
Freud. Entretanto, não podemos esquecer que ela foi a primeira proposta de tratamento para o
Segundo Roudinesco (2000, citado por Carvalho e Fontenele, 2019, p. 104), a psicanálise, desde
a sua inserção nos EUA, foi recebida como uma espécie de teologia da libertação e da expansão
individual, apesar de Freud ter se esforçado no sentido contrário a essa promessa. “Conforme
partir de 1950, sobretudo nos Estados Unidos. A organização destas escolas é centrada na figura do
conquistas estariam ligadas à reeducação dos pensamentos, processo que seria facilitado pelo
amparadas em um ideal de normalidade (imposto aos pacientes como cura), que seria alcançado a
partir da relação entre terapeuta e paciente. Ou seja, na psicoterapia buscamos um ideal de cura, que
Nesse sentido, os autores apontam que a psicoterapia seria um tipo de trapaça, muitas vezes
bem-sucedida, pois seria ajustada socialmente. Já a psicanálise seria uma operação destinada ao
fracasso, pois não compartilharia do mesmo objetivo. Por quê? Quando falamos em psicanálise, não
buscamos o ideal de cura proposto pela psicologia americana. “Mas seria exatamente nisto que
consistiria alguma possibilidade de sucesso, pois, daí, o sujeito poderia advir” (Carvalho; Fontenele,
2019, p. 105). Como assim? A psicanálise aponta esse ideal de cura como algo que surge por
acréscimo, como um efeito do processo analítico, mas não como seu objetivo maior.
psicanalítica”, a busca pela cura seria um severo obstáculo para a análise, como também, em outro
texto de sua autoria -“Linhas de progresso na terapia psicanalítica”- Freud(1919) critica a adoção,
por parte do analista, de uma postura fanática pela higiene psíquica e nos diz que por meio de
operações de deslocamento e da criação de satisfações substitutivas, podemos perceber, por
parte do doente, o risco da proliferação, da multiplicação acentuada de sua produção sintomática,
o que favoreceria, por sua vez, a cristalização e a perpetuação de sua neurose. (Carvalho;
Fontenele, 2019, p. 106)
Essa passagem nos dá indícios da principal diferença entre a psicoterapia e a psicanálise: o seu
fundamento e o seu objetivo. Fica claro que o fundamento da psicanálise não é a consciência e o Eu,
dominada. Essa zona proporcionaria a aliança terapêutica a ser estabelecida entre o eu do terapeuta
e a suposta parte sã do eu do doente” (Carvalho; Fontenele, 2019, p. 107). Nas psicoterapias, o
O que observamos, assim, são concepções de homem bem distintas, como éticas diferentes.
consequência.
NA PRÁTICA
Há muito o que se pode dizer sobre a parte prática e sobre o que sustenta as diferenças entre a
psicanálise e a psicologia, considerando qual deve ser a ética que sustenta o fazer do psicanalista.
Como discutimos durante esta aula, a preocupação do psicanalista não deve ser curar ou melhorar o
paciente, mas sim compreender a construção que sustenta o sofrimento do paciente, para que o
sujeito possa se haver e agir a partir daquilo que pôde construir em análise.
Por isso mesmo, o lugar da psicanálise se distingue do lugar das outras “psicologias”. A
psicanálise se sustenta naquilo que não se sabe, naquilo que não está acessível à consciência,
enquanto as psicologias que seguem a tendência americana visam adequar o sujeito, promovendo
um “alargamento” do ego. A diferença entre um tipo de intervenção e o outro fica visível quando
consideramos, por exemplo, um sujeito que sofre de compulsão alimentar. Enquanto as terapias do
ego buscam a transformação do ego para que o paciente reduza a sua ingestão de alimentos, a
preocupação dos psicanalistas não é transformar o sujeito, mas sim compreender a construção que
se esconde por detrás da cortina da compulsão alimentar.
O que isso quer dizer? Enquanto psicanalistas, devemos tentar construir, captar com o sujeito,
que função que a compulsão alimentar exerce em sua vida. Qual seria o ganho secundário, ou ainda
o que se cristaliza enquanto aquele sujeito está comendo. O controle sobre a compulsão seria,
talvez, uma consequência do percurso. O sujeito pode, no curso de uma análise, assumir outra
posição diante da comida, a partir do momento em que se dá conta do movimento inconsciente que
sustenta aquela posição.
Por não ser uma prática que se afina com a noção de cura e bem-estar, a psicanálise não
pretende ser um tratamento tradicional de modelo médico, mas sim uma investigação acerca dos
fenômenos do inconsciente. Só isso já a sustenta em um lugar peculiar, tanto dentro das práticas
psicológicas quanto no campo das ciências.
FINALIZANDO
A psicologia tem familiaridade tanto com a filosofia quanto com a fisiologia, de modo que é um
campo de origens e metodologias múltiplas. A psicanálise flerta com a psicologia, por conta do
Wundt levou em conta um tipo de introspecção, enquanto James se esforçou para adequar os
métodos da psicologia aos métodos tidos como científicos (das ciências naturais e das
ciências exatas), sendo assim considerado o pai da psicologia americana.
métodos da psicologia.
A psicologia teve, desde sempre, um enfoque na consciência. A psicanálise se diferencia
Uma outra distinção importante entre psicanálise e outros tipos de psicoterapia é a questão de
um ideal de cura e bem-estar. Na psicanálise, não buscamos adequar o sujeito, mas sim
garantir que ele possa emergir. Sendo assim, qualquer melhora ou adequação é apenas mera
consequência, e não o objetivo final de uma análise.
O que sustenta a psicanálise, seja enquanto ciência ou enquanto profissão (ou ainda como um
fazer), é a sua ética – a ética do sujeito do inconsciente e do desejo. Seu manejo não busca
fortificar o ego ou adequar o sujeito, mas sim trazê-lo à tona, entendendo o que justifica e o que
REFERÊNCIAS
208, 2009.
Em Revista, v. 8, n. 2, 2019.
MEZAN, R. Que tipo de ciência é, afinal, a Psicanálise? Nat. hum., São Paulo, v. 9, n. 2, p. 319-