Aula 06 - Literatura - ITA 2024

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ITA 2024

AULA 06
Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea

Prof. Celina Gil


Prof. Celina Gil

Sumário

1 - Modernismo de 45 3

1.1 – O Brasil da época 3

1.2- Principais Autores 5

2- Literatura Contemporânea 13

3 – Música 21

4 – Exercícios 25

4.1 - Exercícios 25

4.2 – Gabarito 71

4.3 - Exercícios comentados 72

5 – Referências 134

Considerações Finais 134

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Apresentação

Olá!

Vamos falar hoje sobre alguns assuntos que caem bastante no vestibular do ITA:

AULA 05 – Modernismo de 45 e Literatura - Principais autores e suas obras


contemporânea

Essas escolas literárias historicamente são bem exploradas por essa banca. Na prova de 2024, por
exemplo, todas as obras pedidas são de literatura contemporânea.

Vamos lá?

1 - Modernismo de 45
1.1 – O Brasil da época

A terceira geração modernista se inicia junto com o fim da Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo
tempo, também vê o início da Guerra Fria, não conseguindo, portanto, se desvencilhar por completo do
sentimento de conflito. A discussão política entre o capitalismo e o comunismo atinge seu ponto mais
alto: o mundo está dividido entre dois sistemas políticos de governo. E eles disputarão silenciosamente
para decidir quem será o forte.

No Brasil, o período é marcado pelo fim da Era Vargas. Getúlio voltaria ao poder em 1951, mas
dessa vez, eleito pelo povo. Após um governo autoritário, marcado por perseguições políticas e censura,
Getúlio seria eleito democraticamente.

Os escritores do período seguem criticando a sociedade brasileira da época, e mantendo-se


próximos das questões regionais. Os escritores do período, influenciados pela forte experiência da
Segunda Guerra, também se voltam para a sua subjetividade.

Convenciona-se que a terceira fase do modernismo dura até os anos 1960. Após esse período,
entra em vigor a chamada literatura contemporânea. As principais características do Modernismo de 45
são:

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Características

Poesia

• A poesia foi um gênero menos explorado nesse momento.


• Há preocupação principalmente com a forma poética, a estética.
• A métrica e a versificação são valorizadas.

Prosa

• Há três tipos de prosa diferentes predominantes no período.


• Prosa urbana: se passa nos espaços da cidade. Lygia Fagundes Telles é a principal
escritora.
• Prosa intimista: explora temas da ordem do psicológico, do subjetivo. Pensa temas
humanos e suas relações. Clarice Lispector é a grande expoente desse tipo de prosa.
• Prosa regionalista: pensa a vida no campo e no interior. Mantém ainda traços do
português regional e as variantes do português. Guimarães Rosa é o principal
escritor desse tipo de prosa.

Experimentações

• Diferente das gerações anteriores, a experimentação aqui não está no uso da


linguagem, mas nos conteúdos abordados e no modo como são escritos.
• Há o aparecimento de textos de ficcção experimental e de realismo fantástico, ou seja,
textos com escrita que remete à realidade, mas tratando de assuntos da ordem do
fantástico, do impossível.

Linguagem formal

• Os escritores desse período são mais próximos do academicismo.


• Utilização de uma linguagem mais objetiva e formal, com atenção à norma culta e aos
usos da gramática.
• A metalinguagem é uma figura de linguagem comum.

Retorno à rigidez formal

• Os poetas da terceira geração modernista se inspiram em escolas literárias anteriores,


como o simbolismo e o parnasianismo e voltam a trabalhar com rigor na forma.
• Na poesia, a métrica e a rima voltam a ser mais comuns.

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1.2- Principais Autores


Clarice Lispector
Apesar de ser uma das escritoras brasileiras mais
apreciadas, Clarice Lispector (1920 – 1977) não nasceu no Brasil,
mas na Ucrânia. Recém-nascida, porém, veio com os pais para
Maceió. Posteriormente a família mudou para Recife e, depois,
para o Rio de Janeiro.

Em 1943, ingressa o curso de Direito. Na mesma época,


começa a escrever seu primeiro romance, Perto do Coração
Selvagem. O romance provocou estranhamento na crítica literária
da época: ele não se enquadrava nem nos programas políticos
modernistas, nem na prosa regionalista, tão popular no
modernismo de 30. É também nessa época que se casa com um
embaixador, experienciando viver na Europa e nos Estados Unidos.

Em 1959, retorna ao Rio de Janeiro após a separação do marido. A partir dessa época, se torna
colaboradora de jornais e revistas, assinando colunas semanais. Clarice Lispector viveu até 1977, quando
morreu devido a um câncer no útero.

O trabalho de Clarice é fortemente marcado por:

 Dramas existenciais;

 Elementos do dia a dia reinterpretados de maneira filosófica;

 Emprego de metáforas;

 Enredo fragmentado ou deslocamento de situações cotidianas;

 Fluxo de consciência;

 Questionamentos acerca do real;

 Reflexão acerca da ideia de culpa;

 Relações conflituosas entre bem e mal; e

 Subjetividade das personagens

Algumas de suas principais obras são:

 Perto do Coração Selvagem (1943);

 Laços de Família (1960);

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 A Maçã no Escuro (1961);

 A Paixão Segundo GH (1964);

 A Legião Estrangeira (1964);

 Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969);

 Felicidade Clandestina (1971);

 A Vida Íntima de Laura (1973);

 Água Viva (1973); e

 A Hora da Estrela (1977).

Lygia Fagundes Telles


Lygia Fagundes Telles (1923 - ) nasceu em São Paulo, mas
passou a infância no interior do Estado. Seu pai era promotor
público em uma cidade do interior e sua mãe era pianista.
Posteriormente, Lygia ingressou na Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco, da Universidade de São Paulo, onde se formou.

Já adolescente foi incentivada a escrever. Dentre alguns


de seus amigos da época figuravam Carlos Drummond de
Andrade, que a incentivaram sobremaneira. Ainda assim, Lygia
rejeitou um pouco essa primeira literatura, que acredita serem
textos prematuros, que não precisavam ter sido escritos.

A escritora atuou concomitantemente nas letras e como


Procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo
– onde trabalho até aposentar-se. Ela também presidiu a Cinemateca Brasileira – que fora fundada pelo
cineasta e pesquisador Paulo Emílio com quem Lygia foi casada – e é membro da Academia Brasileira de
Letras. É referida frequentemente como a dama da literatura brasileira.

O trabalho de Lygia é fortemente marcado por:

 Apresentação da realidade de maneira lírica, ainda que crítica;

 Aproximações com surrealismo e expressionismo na escrita;

 Atenção à realidade política de sua época;

 Engajamento social;

 Existencialismo;

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 Investigação da subjetividade humana;

 Monólogos interiores e fluxos de consciência;

 Personagens principalmente femininas, marcadas tanto por reflexão quanto por fragilidades;

 Personagens masculinas remetendo a relações de poder ou status; e

 Traços de ironia.

Algumas de suas principais obras são:

 Ciranda de Pedra (1954);

 Verão no Aquário (1963);

 Antes do Baile Verde (1970);

 As Meninas (1973);

 Seminário dos Ratos (1977);

 A Disciplina do Amor (1980);

 As Horas Nuas (1989);

 A Estrutura da Bolha de Sabão (1991).

Ariano Suassuna
Ariano Vilar Suassuna (1927 – 2014) nasceu em Nossa Senhora
das Neves, cidade que hoje se chama João Pessoa (PB). Logo após seu
nascimento, a família se muda para o interior do estado, no sertão
nordestino, para viver na fazenda.

Quando a Revolução de 30 explode, o pai de Ariano é


assassinado por motivos políticos. Após a tragédia, a família se muda
para Taperoá. Foi lá que ele estudou e tomou contato pela primeira
vez com o teatro mamulengo, teatro de bonecos muito ligado à
comédia e ao improviso – duas características que serão muito
marcantes nas obras futuras de Ariano.

É em Recife que faz seu curso de Direito e inicia sua carreira teatral, fundando o Teatro Estudante
de Pernambuco. Apesar de dedicar-se à advocacia por um tempo, Ariano não deixava o teatro de lado.
Ariano só abandonaria a advocacia após a estreia de sua peça de maior projeção: O Auto da Compadecida,
em 1955. Após o grande sucesso da peça, Ariano deixa a carreira de direito e passa a se dedicar à docência

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em Estética na Universidade Federal de Pernambuco. Nessa época, ele também fundaria o Teatro Popular
do Nordeste. Sua carreira no teatro, porém, ficaria interrompida por algum tempo devido à sua dedicação
à universidade.

As principais características de Ariano Suassuna são:

 Aproximação com a literatura de cordel;

 Buscar a criação erudita a partir da cultura popular;

 Formas do teatro medieval, como os autos e as farsas;

 Linguagem popular, com gírias e expressões regionais;

 Religiosidade popular;

 Teatro popular;

 Texto teatral com abertura para a improvisação;

Suas principais obras são:

 Uma Mulher Vestida de Sol (1947)

 Auto de João da Cruz (1950)

 O Rico Avarento (1954)

 Auto da Compadecida (1955)

 O Santo e a Porca (1957)

 Farsa da Boa Preguiça (1960)

 O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971),

João Cabral de Melo Neto


João Cabral de Mello Neto (1920 – 1999) nasceu em Recife,
Pernambuco. O nome longo não chega a contemplar todas as relações
familiares importantes do poeta: ele era primo do poeta Manuel Bandeira
e do historiador Gilberto Freyre.

Passou a infância e adolescência no Pernambuco até se mudar, em


1942, para o Rio de Janeiro junto com sua família. Lá, ele trabalha como

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funcionário público até 1946, quando passa no concurso do Ministério de Relações Exteriores e se torna
diplomata.

Seu trabalho na diplomacia possibilita que ele integre uma série de iniciativas para divulgar o Brasil
no exterior. Isso também o tornará um poeta muito conhecido em todo o mundo, sendo frequentemente
cotado em vida para ganhar o prêmio Nobel de literatura.

João Cabral é considerado o maior poeta brasileiro da 3ª fase do Modernismo. Sua obra, herdeira
de Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, também sofre influência de alguns poetas
estrangeiros como Mallarmé e Paul Valéry. Ele foi também membro da Academia Brasileira de Letras.

As principais características de João Cabral são:

 Aproximação do concreto, do material, ao mesmo tempo que se afasta do sentimentalismo;

 Forte preocupação formal;

 Inspiração surrealista;

 Investigação metalinguística acerca do fazer poético;

 Linguagem precisa, reduzida ao essencial;

 Temas nacionais; e

 Temáticas espanholas, influenciada por seu tempo como diplomata.

Suas principais obras são:

 Pedra do sono, 1942;

 O engenheiro, 1945;

 O cão sem plumas, 1950;

 A educação pela pedra, 1966;

 Morte e vida severina e outros poemas em voz alta, 1966;

 Museu de tudo, 1975;

 A Educação pela pedra (1997).

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Ferreira Gullar
Ferreira Gullar (1930 – 2016) é o pseudônimo de José Ribamar Ferreira,
menino nascido em São Luís, Maranhão, e uma família de 10 irmãos. Ele
escolhe seu nome artístico a partir do sobrenome de solteira de sua mãe,
Goulart. Aos 19 anos de idade, Ferreira Gullar publicaria seu primeiro livro,
ainda pouco próximo do estilo que viria a desenvolver posteriormente.

Ele passa a infância e adolescência no Maranhão até mudar-se para o


Rio de Janeiro em 1951. Lá, trabalha em diversas revistas e veículos de rádio.
Em 1956, ele é convidado para a Exposicão Nacional de Arte Concreta. Em
1959, publica o “Manifesto Neoconcreto”. Este documento, iniciaria o
neoconcretismo no Brasil, movimento artístico que conta com Amilcar de
Castro, Lygia Clark, Franz Waissman, entre outros. Ferreira Gullar, porém, se
afasta do movimento por começar a se envolver com uma produção artística
mais engajada politicamente.

Ele ingressa na militância política através do CPC (Centro Popular de Cultura), grupo fundado em
1961, ligado a artistas e intelectuais de esquerda, cujo objetivo era criar uma arte engajada, capaz de
conscientizar a população. Essa atuação o levará a ser exilado do país durante o Regime Militar. É no exílio
que escreve uma das suas obras mais famosas, Poema Sujo.

As principais características de Ferreira Gullar são:

 Aproximação do pensamento existencialista;

 Exploração das palavras, tanto a partir de seu som quanto a partir de seus recursos gráficos;

 Fundação do concretismo, num primeiro momento, quebrando com concepções líricas;

 Lirismo exacerbado, negando os preceitos concretistas, posteriormente;

 Reflexão profunda acerca da existência humana.

Suas principais obras são:

 Um pouco acima do chão (1949)

 A luta corporal (1954)

 Teoria do não-objeto (1959)

 João Boa-Morte, Cabra Marcado pra Morrer (1962)

 Cultura posta em questão (1964

 Poema sujo (1976)

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 Uma luz no chão (1978)

 Na vertigem do dia (1980)

 Sobre arte (1984)

 Etapas da arte contemporânea (1985)

 Barulhos (1987)

 Indagações de hoje (1989)

 Argumentação contra a morte da arte (1993)

 Autobiografia poética e outros textos (2016)

João Guimarães Rosa


João Guimarães Rosa (1908 – 1967), mais comumente
tratado apenas como Guimarães Rosa, nasceu em Cordisburgo, no
interior de Minas Gerais. Guimarães Rosa tinha muita facilidade em
aprender idiomas. Com 6 anos, Guimarães já havia iniciado seus
estudos em Francês. Ao longo da vida, ele ainda iria aprender mais
outros nove idiomas – fora alguns outros que compreendia com
menor profundidade.

Aos 10 anos, mudou-se para Belo Horizonte, para a casa dos


avós, onde faz sua formação escolar e, em 1925, Guimarães Rosa
ingressa na Faculdade de Medicina de Minas Gerais. É também
nessa época que começa a publicar contos na revista O Cruzeiro.
Atuando como médico no interior de Minas Gerias, Guimarães
toma ainda mais contato com a realidade do dia a dia da população
sertaneja brasileira e das mazelas que atingem o sertão do Brasil.

Em 1934, Guimarães se torna diplomata, passando em segundo lugar no concurso do Itamarati.


Ele atua como cônsul-adjunto em Hamburgo até 1942, quando ocorre o rompimento da relação entre
Brasil e Alemanha motivado pela Segunda Guerra Mundial. O Brasil até então havia se mantido neutro no
conflito.

Depois disso, Guimarães Rosa atua em Bogotá, na Colômbia e, posteriormente, em Paris, na


França, onde passa boa parte de sua vida diplomática e passa a escrever com maior assiduidade, a partir
de 1946. Em 1963, Guimarães Rosa é eleito para a Academia Brasileira de Letras, tomando posse em 1967.
Ele falece apenas três dias após sua posse, na cidade do Rio de Janeiro.

As principais características da literatura de Guimarães Rosa são:

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Cotidiano do sertão - As obras de Guimarães Rosa retratam aspectos do cotidiano das


regiões mais afastadas do interior do Brasil. A região a que ele se refere é o sertão
mineiro, retrando frequentemente da figura do jagunço - semelhante ao cangaceiro
nordestino.

Existencialismo e reflexão psicológica - Guimarães amplia a figura do sertanejo, não o


encarando como uma pessoa simplória, mas sim complexa. As personagens de
Guimarães tem questionamentos profundos acerca da existência humana, vida e morte
entre outros. Além disso, há uma exploração das motivações e características
psicológicas das personagens.

Linguagem inovadora - As inovações da linguagem em Guimarães Rosa aparecem


principalmente em: Arcaísmos, palavras que já perderam seu uso ou mudaram de
significado, porém de maneira ressignificada; Neologismos, a criação de novas palavras,
que não existem na língua portuguesa, fruto principalmente de misturas entre palavras
estrangeiras e brasileiras ou termos eruditos e linguagem popular; e uso do léxico
popular, principalmente expressões típicas da região em que se encontram.

Regionalismo - Guimarães se filia a uma tendência da prosa do Modernismo de 45. A


prosa regionalistas e debruça sobre a vida no campo e no interior. Isso aparece não só
nos conflitos e nos ambientes em que se passam as histórias, como também na
linguagem, fazendo uso frequente de variantes do português.

Ritmo da fala na escrita - Guimarães Rosa reproduz o modo da fala na prosa. Há o uso
frequente de travessões, exclamações, vírgulas mal colocadas, reticências, interrogações,
fluxo de ideias e outros. Dá-se menos importância aos padrões gramaticais, buscando
representar a fala e a oralidade.

Prosa poética - Os textos em prosa poética são aqueles que utilizam muitos recursos
poéticos, porém sem se apegar a métrica ou rima, como nos textos poéticos
tradicionalmente. Utiliza muitas figuras de linguagem, principalmente as figuras de som,
como onomatopeias, aliterações e assonâncias, trazendo uma sonoridade próxima da
poesia.

Superstição e Misticismo - o universo construído por Guimarães Rosa se liga fortemente


ao misticismo. As personagens fazem muitas referências à religiosidade e a superstições
ligadas à cultura popular e à sabedoria do povo. Além disso, há muitas vezes a mistura
do real e o imaginário em Guimarães, colocando elementos da ordem do fantástico no
meio do duro cotidiano do sertão.

Universalidade - apesar de se passarem no sertão brasileiro, as obras de Guimarães Rosa


discutem temas tocantes aos homens como um todo. Questões essenciais como amor,
morte, medo e outras, são tratadas de maneira filosófica e aprofundada, de modo que
são reconhecidas mesmo por aqueles que não conhecem o sertão em si.

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2- Literatura Contemporânea
Chegamos agora em um dos assuntos mais difíceis de sistematizar: a literatura contemporânea. A
verdade, é que não há consenso ainda sobre o que seria essa literatura contemporânea brasileira. O que
vamos fazer aqui é destacar algumas impressões acerca da produção literária brasileira a partir dos anos
1970.

Alguns dados devem ser levados em consideração quando se pensa no Brasil contemporâneo:

 O Brasil passa por uma ditadura militar entre os anos de 1964 e 1985. Isso impacta o modo de
produção das artes, pois era preciso lidar com a censura, tanto imposta pelo governo quanto a
chamada autocensura, ou seja, os próprios artistas limitavam suas ideias para não sofrer represálias.
Essa censura era muito mais moral do que política.

 Enquanto representação política, o homem chega na segunda metade do século XX ainda sem
respostas. A desigualdade e exploração pelo trabalho da sociedade capitalista não foi eliminada; as
tentativas de implantação de estados socialistas ou comunistas falharam, criando Estados com
desigualdades sociais tão profundas quanto, além de um sistema burocrático que imobilizava os
homens.

 A cultura de massa alcança fortemente o Brasil, impactando o modo como os artistas dialogam com
as referências estrangeiras. O cinema e a televisão, principalmente americanos, passam a fazer parte
do cotidiano dos brasileiros.

 Há um aceleramento das informações, principalmente com a internet.

Tendo em mente que não seria uma tarefa fácil tentar analisar o contexto histórico e seus impactos
no pensamento e produção artística contemporânea, optamos por pensar em tendências e processos de
produção da literatura do contemporâneo. Vamos ver como tem sido essa produção da segunda metade
do século XX até hoje.

Cultura de massa
A literatura contemporânea é fortemente
influenciada pela chamada cultura de massa. Chama-se
de cultura de massa os produtos da indústria cultural, ou
Fonte: Pixabay

seja, as expressões da cultura produzidas com o intuito de


serem vendidas e gerar lucro. Seu objetivo é atingir o
grande público. Uma de suas principais características é
ser capaz de absorver aquilo que se opõe a ela: sabe
aquele programa que passa na televisão e fala mal de
televisão? É isso!

As principais influências da cultura de massa na literatura partem do cinema e da televisão. Hoje


em dia, é possível ouvir falar também em cultura pop. São expressões, portanto, intimamente ligadas à
ideia de consumo.

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No Brasil, o diálogo com a cultura de massa mais popular é a Tropicália, movimento musical que
surge nos contextos dos festivais de música do fim dos anos 1960. Os principais integrantes foram Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Os mutantes e Tom Zé. Até hoje, porém, os escritores trabalham com referências a
elementos da cultura pop.

Os diálogos com a cultura de massa têm como uma de suas principais características a referência
à linguagem cinematográfica, principalmente no aspecto da fragmentação, dos flashes de imagens e das
sequências montadas a partir de ideias distintas sobrepostas. Além disso, fazem uso frequente do humor
e da ironia. Veja um trecho do poema “Geleia Geral”, de Torquato Neto, que traz exemplos de referência
à cultura de massa:

“É a mesma dança na sala, no Canecão, na TV


E quem não dança não fala, assiste a tudo e se cala
Não vê no meio da sala as relíquias do Brasil:
Doce mulata malvada, um LP de Sinatra, maracujá, mês de abril
Santo barroco baiano, superpoder de paisano, formiplac e céu de anil
Três destaques da Portela, carne-seca na janela, alguém que chora por mim
Um carnaval de verdade, hospitaleira amizade, brutalidade jardim
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi”

Cotidiano e simplicidade
Alguns autores do contemporâneo voltam seu olhar para o cotidiano e a simplicidade. Isso pode
aparecer de diversas maneiras: nas crônicas de assuntos corriqueiros ou nos textos em prosa sobre
situações banais. Na poesia, o principal aparecimento está no olhar para as coisas simples. Duas poetas
que se dedicam sobre esses temas têm aparecido nos vestibulares:

Cora Coralina (1889 - 1985): Poetisa que só ingressa na vida literária aos 76
anos. Sua poética se baseia nos detalhes, escrevendo sobre o cotidiano com
delicadeza. Seus poemas são muito atentos às miudezas do dia a dia. Veja
um trecho do seu poema “Saber viver”:
“Não sei…
se a vida é curta
ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas. (...)”

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Adélia Prado (1935): A autora publicou seu primeiro livro aos


40 anos, tendo sido rapidamente aclamada pela crítica. Seus
poemas buscam ressignificar o cotidiano, usando linguagem
simples e valorizando as pequenas coisas. Veja um trecho do
seu poema “A serenata”:
“Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa. (...)”

Forma breve
Há um aparecimento significativo de formas literárias breves. Na prosa, isso fica demonstrado na
preferência pelo conto e pela crônica; na poesia, pelos poemas curtos de poucos versos e pelo haicai.

O haicai é um poema de três versos em que o 1º verso possui 5 sílabas poéticas, o 2º verso possui 7 sílabas
poéticas e o 3º verso possui 5 sílabas poéticas.
Ainda que os poetas desse período tenham subvertido um pouco a contagem das sílabas, convencionou-
se chamar haicai os poemas de três versos produzidos no período.

Dentre os poetas que trabalham com o haicai, Alice Ruiz é a que tende a aparecer com
mais frequência nos vestibulares.

Alice Ruiz (1946): Poetisa, compositora e tradutora paranaense.


Desde os anos 1970, investiga a forma poética do haicai e produz
muitos poemas nesse formato.

Veja abaixo um exemplo de poema seu:

“Você deixou tudo a tua cara

Só pra deixar tudo

Com cara de saudade.”

Dentre os principais representantes da prosa curta do período, encontramos:

Contos: Caio Fernando Abreu, Dalton Trevisan, Hilda Hilst e Rubem Fonseca.

Crônica: Fernando Sabino, Lya Luft, Luís Fernando Veríssimo, Millôr Fernandes e Moacyr Scliar.

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Intertextualidade
Os autores contemporâneos frequentemente fazem referência a outros autores. Muitas vezes,
essas referências são bastante explícitas. Noutras, nem tanto. Tem sido muito comum em vestibulares
questões que comparem poemas contemporâneos com outros que os inspiraram. Veremos melhor esse
assunto na aula 10 de nosso curso.

Veja abaixo um exemplo de intertextualidade. Um dos poemas mais conhecidos de Adélia Prado
é este em que ela faz uma referência explícita a um poema de Carlos Drummond de Andrade:

Com licença poética Poema de Sete Faces


(Adélia Prado) (Carlos Drummond de Andrade)
Quando nasci um anjo esbelto, Quando nasci, um anjo torto
desses que tocam trombeta, anunciou: Desses que vivem na sombra
vai carregar bandeira. Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada. As casas espiam os homens
Aceito os subterfúgios que me cabem, Que correm atrás de mulheres
sem precisar mentir. A tarde talvez fosse azul
Não tão feia que não possa casar, Não houvesse tantos desejos
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor. O bonde passa cheio de pernas
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Pernas brancas pretas amarelas
Inauguro linhagens, fundo reinos Para que tanta perna, meu Deus, pergunta
— dor não é amargura. meu coração
Minha tristeza não tem pedigree, Porém meus olhos
já a minha vontade de alegria, Não perguntam nada
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem. (...)

Mulher é desdobrável. Eu sou.

Além disso, há uma tendência a misturar diferentes linguagens nos textos em prosa. Há misturas
entre romance e texto jornalístico, poemas em prosa, textos em prosa poética, biografias com aspectos
ficcionais, contos misturados com crônicas. A não fixação de uma forma é bastante característica da
literatura contemporânea.

Meios digitais
Mais recentemente, um elemento que tem sido importante para a escrita literária é a internet e
os meios digitais. Além das referências temáticas – obras cujos assuntos se debrucem sobre o tema da

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vida digital – a internet modificou a relação da literatura com o público e com a divulgação da obra
literária.

A primeira década dos anos 2000 foi especialmente profícua para os blogs. Atualmente um pouco
em desuso, os blogs eram uma espécie de diário aberto. Ali se podia produzir conteúdo escrito tanto
pessoal quanto ficcional, literário. Muito autores que hoje se dedicam à escrita de livros físicos começaram
suas carreiras escrevendo em blogs nesse período.

A linguagem da internet também é diferente da linguagem acadêmica. Há maior liberdade formal


e maior flexibilidade da norma culta, além de uma capacidade de síntese que permita que a informação
seja passada rapidamente. Essas características também transbordam para a literatura contemporânea.

INSTAPOETAS

Você sabe o que são “instapoetas”?

Instapoetas é o nome dado a uma geração de autores que utilizam plataformas como o Instagram
e o Facebook para publicarem seus conteúdos. Ao invés de procurarem uma editora que aposte em seu
trabalho, esses escritores publicam conteúdo online e formam público leitor. E aí, o contrário acontece:
as editoras é que buscam os autores para publicar livros com suas poesias.

A maioria dos instapoetas produzem textos curtos, com versos livres e brancos. As temáticas
favoritas são o amor e os relacionamentos. Há também o aparecimento de temas sociais, como
preconceito, por exemplo. As poesias costumam aparecer em imagens com design bem pensado,
acompanhadas de ilustrações ou com fontes diferentes. Eu aposto que você já viu vários desses perfis
pela internet!

Alguns instapoetas bastante populares no Instagram são:


- João Doederlein: @akapoeta
- Rupi Kaur: @rupikaur_
- Ryane Leão: @ondejazzmeucoracao
- Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente: @textoscrueisdemais

Memorialismo
Uma outra tendência importante do contemporâneo é a vontade de se debruçar sobre a questão
da memória. São comuns os livros que misturam elementos ficcionais com relatos autobiográficos. Alguns
autores que tinham sido exilados durante o regime militar, ao retornar para o Brasil, produziram
autobiografias com traços reflexivos, revendo a sua própria história.

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Outro traço do memorialismo na literatura brasileira é o interesse em publicar diários. Por muito
tempo, entendeu-se literatura como obras de ficção. No contemporâneo, os relatos pessoais, não fictícios,
começam a ser vistos dessa forma também. Dois diários se tornaram muito conhecidos na literatura
contemporânea:

Quarto de despejo: diário de uma favelada

O livro foi escrito por Carolina Maria de Jesus, moradora de


uma favela em São Paulo. Lançado em 1960, o livro reproduz o diário
de Carolina, narrando seu cotidiano vivendo na pobreza na cidade de
São Paulo dos anos 1940. Como muitos diários, tem linguagem
simples e marcada pela oralidade, característica acrescida pelo fato
de que Carolina era uma mulher muito simples e praticamente sem
escolaridade.

Feliz ano velho

Feliz ano velho é o primeiro livro de Marcelo Rubens Paiva. O livro


retrata suas memórias a partir de um acidente que muda sua vida: aos
vinte anos, ele sobe em uma pedra e mergulha numa lagoa, sem perceber
que ela era muito rasa. O acidente faz com que ele perca os movimentos
do corpo. O livro relata todo o processo de recuperação parcial do autor e
dos pensamentos de um jovem que compreendia sua nova condição.

Poesia Marginal
A produção literária com viés social fica
prejudicada com a censura. Foi preciso se valer de mimeógrafo: é a avó da impressora. Consistia em uma
máquina que copiava os textos a partir de uma matriz.
meios que driblassem a censura, então a
Escrevia-se numa folha especial (matriz) e colocava-se
linguagem mais metafórica e as referências essa folha num cilindro de feltro embebido em álcool.
indiretas acabavam sendo muito acessadas. Quando em contato com uma folha em branco, o
Alguns poetas driblaram a censura de outro álcool transferia o conteúdo da matriz. As cópias
modo, porém: publicando e distribuindo eles tinham cheiro muito forte de álcool e possuíam cor
próprios sua poesia. Esses são os poetas azul-arroxeada.
marginais.

Os poetas marginais encontraram outros meios de distribuir sua poesia que não precisasse passar
pelo crivo da censura. Assim, os autores produziam e vendiam a valores baixos revistas, folhetos, cartazes
etc., sempre em pequenas tiragens. As obras eram impressas em mimeógrafo. Por isso, eram também
chamados de Geração Mimeógrafo. Os poemas eram em sua maioria curtos, com referências visuais e
linguagem coloquial. Muitas das temáticas eram ligadas ao erotismo e ao cotidiano – principalmente da
vida das cidades. Há também a presença de gírias, palavrões e palavras de baixo calão. Os autores mais
populares da poesia marginal nos vestibulares são:

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Paulo Leminski (1944 – 1989): Poeta, tradutor, crítico literário e


professor, Leminski ficou conhecido por seus poemas breves,
usando com frequência o haicai. Observe a experimentação formal
presente em um de seus poemas mais conhecidos:

Ana Cristina Cesar (1952 – 1983): Poetisa, tradutora e crítica


literária, Ana Cristina Cesar ficou conhecida como uma das vozes
femininas mais importantes da geração. Sua poesia discute questões
ligadas à feminilidade e relacionamentos. Observe um poema em
prosa da autora:

noite carioca

Diálogo de surdos, não: amistoso no frio. Atravanco na


contramão. Suspiros no contrafluxo. Te apresento a mulher mais
discreta do mundo: essa que não tem nenhum segredo

Vozes dissonantes
Outra característica importante da literatura contemporânea é a presença das vozes dissonantes,
ou seja, da abertura de espaço para autores com perfis que normalmente não estavam na literatura.
Você deve ter percebido que há escritores com perfis bastante diferentes nessa aula: homes e
mulheres, negros e brancos, pessoas de origem pobre ou não... isso é um traço do contemporâneo. Há
interesse em ouvir vozes diferentes. Se durante boa parte da história, a literatura era feita por homens
de classe alta, no contemporâneo há uma maior abertura para pessoas com outras vivências.

Isso se deve também, em parte, às mudanças no modo de produção e divulgação das obras. Com
o maior acesso que a internet permitiu, mais pessoas puderam produzir textos. Além disso, a internet
facilita a criação de comunidades, espaço de interesse comum. Nas redes sociais, é possível encontrar
grupos que incentivam a leitura de obras de determinados estratos sociais, o que ajuda na circulação de
obras que, por vezes, não ganhavam atenção das editoras.

Ainda assim, fora do meio da internet, o perfil do escritor brasileiro é parecido ao longo de todo o
período contemporâneo. Pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos em Literatura Contemporânea a UnB
revelou que ainda hoje, cerca de 70% dos autores são homens e 97% são brancos¹. Isso indica que ainda
que tenha havido diversificação aparente nos autores, a realidade é que as vozes dissonantes ainda estão
em grande minoria.

¹Disponível em: <https://www.metropoles.com/entretenimento/literatura/pesquisa-da-unb-perfil-do-escritor-brasileiro-nao-


muda-desde-1965> Acesso em 13 mai. 2019.

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Preparamos uma lista de filmes em que as questões sobra a contemporaneidade levantadas aqui
aparecem. São todos filmes bem recentes. Quantos você já viu?

Ex_Machina: Instinto Artificial Clube da Luta (Dir.: David Fincher, Babel (Dir.: Alejandro González
(Dir.: Alex Garland, 2015) 1999) Iñárittu, 2007)

Meios digitais Cultura de massa Forma breve/fragmentação

Programador ganha concurso Jovem executivo insatisfeito que Três histórias correm em paralelo,
cujo prêmio é testar uma dribla sua mediocridade como pequenos contos que se
inteligência artificial criada por consumindo sem parar. Ele conhece misturam: um casal no Marrocos,
um bilionário excêntrico. Ele um estranho misterioso e fundam atingido por um tiro; uma babá
acaba se envolvendo com a um clube secreto em que mexicana cuidando de duas crianças; e
criatura e já não sabe em quem extravasam suas frustrações em um homem no Japão com sua filha
confiar. lutas violentas. surda.

Aos treze (Dir.: Catherine O amor não tira férias (Dir.: Nancy Atlanta (Dir.: Donald Glover, 2016)
Hardwicke, 2003) Meyers, 2006)

Poesia marginal
Memorialismo Cotidiano/simplicidade
Alguns dos herdeiros das experiências
Drama autobiográfico. O roteiro Duas mulheres trocam de casa para marginais foram as batalhas de rap. A
conta a história da própria suas férias. Elas mudam série Atlanta mostra o cotidiano de um
diretora que, no início da completamente de vida: uma, vai rapper e um pretenso empresário
adolescência, faz amizade com para uma pequena cidade inglesa e musical tentando crescer de maneira
uma garota popular da escola a outra para uma mansão em Los independente.
que a leva para um mundo de Angeles. Elas passam a encontrar
drogas, criminalidade, entre beleza no cotidiano.
outros.

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3 – Música
Por fim, vamos pensar em um último tipo de texto literário que tem aparecido no vestibular do
ITA: a música. Daqui de onde estou, eu consigo escutar todas as dúvidas de vocês:

Música é texto literário??

Agora a gente analisa música??

Música não é pra ouvir e curtir??

Eu nunca aprendi a tocar nada, como vou analisar música??

Calma! Vamos pensar tudo isso por partes. E vamos começar do mais básico: o que é música?

O que é música?
A palavra “música” vem do grego (mousiké). Significa “a arte das
musas”. As musas são figuras da mitologia greco-latina que se acreditava
serem capazes de inspirar os homens na criação artística – e por vezes
científica. A arte que misturava diversos traços das musas ficou conhecida
pela palavra música.

A etimologia da palavra, porém, não responde à pergunta: como


definir o que é música?

A música é uma combinação de sons e silêncios, gerando um todo


de sentido. Ela é composta de três elementos:

Harmonia: é a combinação de sons e os intervalos entre eles. Se refere à


organização das notas musicais. Dependendo de como elas são
organizadas podem transmitir diferentes emoções, como alegria, tristeza,
entre outros.

Melodia: é uma sequência de notas tocadas sucessivamente. Sabe quando


você assobia uma canção ou entona seu som, sem cantar nenhuma palavra? Esse som é a melodia.

Ritmo: tem a ver com velocidade e tempo. O ritmo organiza o som num Alphonse Mucha, Music. From the arts series
espaço de tempo: dita se uma música será mais rápida ou mais lenta, (1898).
por exemplo.

Para a análise literária, o mais importante são as canções. Uma canção é uma forma musical
composta por um texto poético e uma música. A maioria dos vestibulares apresentará as letras de

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canções para que você interprete. A canção, portanto, é um texto com elementos verbais e não verbais
a serem interpretados, principalmente quando aparecem canções que conhecemos, pois se torna mais
difícil não ler o texto já na melodia em que ele é cantado.

Música e literatura

Historicamente, a relação entre a música e a literatura é antiga. No período greco-romano, música


e poesia eram praticamente indissociáveis. Os poemas épicos da antiguidade, como a Ilíada e a Odisseia
de Homero foram pensados para serem cantados, pois acreditava-se que a música facilitava a
memorização.

Não é por acaso que nós decoramos muitas


canções facilmente, enquanto poesias, já nem tanto.
Pense quantas canções você sabe de cor! Então por
muito tempo, antes da popularização da escrita – o que
só deve acontecer por volta do século XV, com a
invenção da imprensa por Gutemberg – a música é
uma aliada na transmissão da literatura. A poesia era,
portanto, feita para se declamada.

Em português, tendemos a chamar o texto


poético que compõe a canção de letra de música.
Como esse é o termo mais comum nas provas de
vestibulares, vamos nos referir ao texto poético dessa
maneira.

Como interpretar uma canção


Podemos pensar em dois modos possíveis de interpretar uma música: análise musical e crítica musical:

Análise musical: Crítica musical:


Comentário voltado para o valor
Se foca sobre os sons, os elementos
estético de uma música ou canção, ou
que os compõe e as estruturas
seja, procura valorar em bom e ruim,
musicais. Pensa a forma e o conteúdo
dependendo de critérios tomados
a partir da matéria, não da opinião
como base, que podem ser pessoais
pessoal.
ou não.

É muito importante que você lembre dessa diferença. Interpretar uma canção nada tem a ver
com seu gosto pessoal. Você pode encontrar letras de músicas que você não gosta na prova. É preciso

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que você deixe sua opinião pessoal de lado para interpretar uma canção. Você deve fazer uma análise,
não uma crítica.

Interpretar uma letra de música é como interpretar um poema. Preste atenção à estrutura (forma)
e ao conteúdo, buscando relacioná-los. Lembre-se do que compõe a forma poética:

Estrutura do poema

Verso: cada uma


Estrofe: conjunto Métrica:
das linhas do Rima: repetição Eu lírico: a
de versos. número de
texto. fonética, pessoa que se
especialmente no sílabas do verso. expressa no
fim dos versos texto. Não é
Regulares, ou seja, sempre necessariament
com o mesmo número de e a mesma
sílabas ou rimas frequentes. pessoa que o
poeta

Livres, ou seja, versos sem


métrica.

Brancos, ou seja, sem rimas.

Quando o texto poético for uma letra de música, eis alguns tópicos para prestar a atenção:
Artista: Ter algum conhecimento sobre o artista que escreveu a canção e o período em que se encontra
pode ser um trunfo na hora de interpretar letras de músicas.

Figuras de linguagem: canções costumam contar com um bom uso de figuras de linguagem. Metáforas e
antíteses são algumas das mais comuns, mas não são as únicas.

Sonoridade: o som das palavras e a melodia da canção podem ser aliados na hora de interpretar. Se você
conhece a canção, tem grandes chances de perceber quais as partes mais importantes, indicadas pelo
refrão ou por alguma mudança na melodia, por exemplo.

Título da canção: costuma sintetizar o conteúdo da letra ou os elementos mais importantes do texto.

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Linha do tempo da música brasileira

Ícones: Freepik, de
Infográfico: Showeet

www.flaticon.com

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4 – Exercícios
Você encontra aqui tanto exercícios do ITA quanto de outros vestibulares. Não deixe de praticar.
Esse conhecimento pode ajudar você a interpretar as obras literárias cobradas.

Vamos lá?

4.1 - Exercícios
1. (ITA - 2015)

O poema abaixo, de João Cabral de Melo Neto, integra o livro A escola das facas.

A voz do canavial
Voz sem saliva da cigarra,
do papel seco que se amassa,

de quando se dobra o jornal:


assim canta o canavial,

ao vento que por suas folhas,


de navalha a navalha, soa,

vento que o dia e a noite toda


o folheia, e nele se esfola.
Sobre o poema, é INCORRETO afirmar que a descrição
a) compara o som das folhas do canavial com o da cigarra.
b) põe em relevo a rusticidade da plantação de cana de açúcar.
c) destaca o som do vento que passa pela plantação.
d) associa o som do canavial com o amassar das folhas de papel.
e) faz do vento a navalha que corta o canavial.

2. (ITA - 2010)

Na obra Quaderna (1960), João Cabral de Melo Neto incluiu um conjunto de textos, intitulado “Poemas
da cabra”, cujo tema é o papel desse animal no universo social e cultural nordestino. Um desses poemas
é reproduzido abaixo:

Um núcleo de cabra é visível


por debaixo de muitas coisas.

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Com a natureza da cabra


Outras aprendem sua crosta.

Um núcleo de cabra é visível


em certos atributos roucos
que têm as coisas obrigadas
a fazer de seu corpo couro.

A fazer de seu couro sola.


a armar-se em couraças, escamas:
como se dá com certas coisas
e muitas condições humanas.

Os jumentos são animais


que muito aprenderam da cabra.
O nordestino, convivendo-a,
fez-se de sua mesma casta.

Acerca desse poema, NÃO se pode afirmar que:


a) o poeta vê a cabra como um animal forte e que influencia outros seres que vivem em condições
adversas.
b) aquilo que a cabra parece ensinar aos demais seres é a resignação e a paciência diante da
adversidade.
c) a cabra oferece uma espécie de modelo comportamental para aqueles que precisam ser fortes para
enfrentar uma vida dura.
d) a cabra é um animal resistente ao meio hostil em que vive, assim como outros animais também o
são, como o jumento.
e) há no poema uma aproximação entre a cabra e o homem nordestino, pois ambos são fortes e
resistentes.

3. (UNICAMP – 2020)

Texto I

Leia os versos iniciais da peça Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come (1966), de Oduvaldo
Vianna Filho e Ferreira Gullar. Em formato de cordel, os versos são cantados por todos os atores.

Se corres, bicho te pega, amô.


Se ficas, ele te come.

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Ai, que bicho será esse, amô?

Que tem braço e pé de homem?

Com a mão direita ele rouba, amô,

e com a esquerda ele entrega;

janeiro te dá trabalho, amô,

dezembro te desemprega;

de dia ele grita "avante”, amô,

de noite ele diz: "não vá":

Será esse bicho um homem, amô,

ou muitos homens será?

(Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 3.)

Texto II

Observe a charge de Laerte que fez parte da mostra Maio na Paulista, em 2019.

Considerando a relação entre os textos I e II, conclui-se que a charge

a) resgata a temática do cordel, rompendo com o impasse vivido pelos personagens.

b) reafirma o dilema dos personagens da peça, parafraseando os versos iniciais do cordel.

c) evidencia a tradição popular nordestina, utilizando a imagem para sofisticar os versos.

d) confirma a força transformadora da versificação popular, reproduzindo-a em imagens.

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4. (UFPR - 2019)

Em Morte e vida severina, Severino é um retirante que sai do interior com a intenção de chegar ao
litoral, à cidade do Recife. Quando atinge a Zona da Mata, última região antes da chegada ao Recife,
diz ele:

– Nunca esperei muita coisa,


digo a Vossas Senhorias.
O que me fez retirar
não foi a grande cobiça;
o que apenas busquei
foi defender minha vida
da tal velhice que chega
antes de se inteirar trinta;
se na serra vivi vinte,
se alcancei lá tal medida,
o que pensei, retirando,
foi estendê-la um pouco ainda.
Mas não senti diferença
entre o Agreste e a Caatinga,
e entre a Caatinga e aqui a Mata
a diferença é a mais mínima.
Está apenas em que a terra
é por aqui mais macia;
está apenas no pavio,
ou melhor, na lamparina:
pois é igual o querosene
que em toda parte ilumina,
e quer nesta terra gorda
quer na serra, de caliça,
a vida arde sempre
com a mesma chama mortiça.
[…]
Sim, o melhor é apressar
o fim dessa ladainha,
fim do rosário de nomes
que a linha do rio enfia;
é chegar logo ao Recife,

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derradeira ave-maria
do rosário, derradeira
invocação da ladainha,
Recife, onde o rio some
e esta minha viagem se finda.

(MELLO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 186-187.)

Considerando o trecho acima e a leitura integral do auto de João Cabral de Melo Neto, assinale a
alternativa correta.

a) O auto de João Cabral foi concluído em 1955, tempo em que ainda se iluminavam as casas com
lamparinas, e, nessa situação, a percepção que Severino tem dos lugares que conhece é prejudicada
pelas limitações da época e por sua própria ignorância.
b) A comparação de Recife com a “derradeira ave-maria/ do rosário”, assim como as várias rezas
que Severino testemunha ao longo da viagem, mostra a presença constante da religiosidade como
um fator de atraso na vida dos nordestinos.

c) Ao final, fica claro para o leitor que a vida no Recife também seria semelhante à das regiões menos
desenvolvidas da Caatinga, do Agreste e da Zona da Mata, porque a pobreza não é causada pelas
condições naturais, mas por uma estrutura social excludente.

d) O empenho social de João Cabral de Melo Neto é o de sugerir aos retirantes que não saiam de
sua terra, visto que, sem preparo, eles enfrentam dificuldades enormes no Recife, valendo mais a
pena procurar desenvolver sua própria região.

e) Ao chegar ao Recife, Severino ouve uma longa conversa entre dois coveiros e, percebendo que
sua viagem havia sido inútil, entende a conversa como uma sugestão e se suicida, atirando-se no rio
Capibaribe.

5. (IFAL - 2019)
01
Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam
tontos, 02 era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
03 04
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a
verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar?
05
Ele foi simples:
06
- Sim, já beijei antes uma mulher.
07
- Quem era ela? – perguntou com dor.

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08
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
09 10
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em
algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos,
finos e 11 sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir
– era tão bom. 12 A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.
13
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor,
14
rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! Como deixava a garganta seca.
15
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca 16
ardente engolia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, não tirava a sede.
Uma 17 sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
18
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio-dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo
19
nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.
20
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por 21
instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, talvez
horas, 22 enquanto sua sede era de anos.
23
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e
24
seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos,
espreitando, 25 farejando. [...]

LISPECTOR, Clarice. O primeiro beijo. In:


Felicidade Clandestina. Rocco: Rio de Janeiro, 1998.

Como se pode perceber, o conto literário, de Clarice Lispector, contém passagens dialogais. Numa
delas, o interlocutor 2 utiliza a seguinte estrutura sintática para responder a uma pergunta: “- Sim,
já beijei antes uma mulher” (Ref. 6). Assim, há uma inversão de termos, o que pode se configurar
como a figura de sintaxe.

a) silepse

b) hipérbato

c) eufemismo

d) elipse

e) anáfora

6. (ENEM - 2019)
Uma ouriça

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Se o de longe esboça lhe chegar perto,

se fecha (convexo integral de esfera),

se eriça (bélica e multiespinhenta):

e, esfera e espinho, se ouriça à espera.

Mas não passiva (como ouriço na loca);

nem só defensiva (como se eriça o gato);

sim agressiva (como jamais o ouriço),

do agressivo capaz de bote, de salto

(não do salto para trás, como o gato):

daquele capaz de salto para o assalto.

Se o de longe lhe chega em (de longe),

de esfera aos espinhos, ela se desouriça.

Reconverte: o metal hermético e armado

na carne de antes (côncava e propícia),

e as molas felinas (para o assalto),

nas molas em espiral (para o abraço).

MELO NETO, J. C. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

Com apuro formal, o poema tece um conjunto semântico que metaforiza a atitude feminina de

a) tenacidade transformada em brandura.

b) obstinação traduzida em isolamento.

c) inércia provocada pelo desejo platônico.

d) irreverência cultivada de forma cautelosa.

e) desconfiança consumada pela intolerância.

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Texto para as próximas questões

Das vantagens de ser bobo

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é
capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma
coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando.".
1
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio
da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão
atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples
pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez.
No entanto, muitas vezes, 2o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido


para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: 3ele disse que o aparelho era novo,
praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o
aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de
que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas,
em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo,
enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no
estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem
menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase:
"Até tu, Brutus?".

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto
não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma
criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por
bobos. 4Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. 5Bem-
aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que
saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo,
com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em
Minas!

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Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar o
excesso de amor que o bobo provoca. É que só 6o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz
o bobo.

LISPECTOR, Clarice. Das vantagens de ser bobo. Disponível em: http://www.revistapazes.com/das-vantagens-de-ser-


bobo/. Acesso em 10 de maio de 2017. Originalmente publicado no Jornal do Brasil em 12 de setembro de 1970.

7. (IME - 2018)

Considere o trecho abaixo, retirado do texto:

Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que
saibam que eles sabem (referência 6).

A autora discorre sobre a posse de um saber. A respeito desse saber, podemos afirmar que

a) os bobos que se fazem de bobos estão praticando, na verdade, a sabedoria que os espertos
deveriam ter.

b) os bobos que aparentemente se fazem de bobos estão praticando, na verdade, a sabedoria dos
espertos.

c) os bobos, por serem naturalmente criativos, comprovam possuir a sabedoria necessária para
vencer.

d) os bobos, por serem naturalmente criativos, não permitem que ninguém desconfie de sua
dissimulada esperteza, que nada mais é do que produto de sua criatividade; assim definimos sua
estratégia para vencer na vida.

e) os bobos acabam por se tornar espertos e, por isso, ganham as lutas da vida, já que não se
importam que “saibam que eles sabem”.

8. (IME - 2018)

Sobre as considerações a respeito de ser esperto vs. ser bobo encontradas no texto, assinale o par
de análises que destoa das considerações feitas pela autora.

a) Os espertos pretendem conquistar o mundo pela sagacidade; o bobo ganha o mundo por sua
espontaneidade.

b) Os espertos muitas vezes atingem seus objetivos; os bobos podem ser facilmente ludibriados.

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 33


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c) O esperto preocupa-se todo o tempo em entender o mundo para tirar proveito desse
entendimento; ser bobo é sentir o mundo e tomar parte nele.

d) Os sentimentos do esperto são mais intensos que os do bobo; o coração do bobo é pouco
acessível.

e) O esperto é prevenido; o bobo muitas vezes precisa lidar com complicações em que se mete por
ser bobo.

9. (FUVEST – 2018 adaptada)

Sarapalha

– Ô calorão, Primo!... E que dor de cabeça excomungada!

– É um instantinho e passa... É só ter paciência....

– É... passa... passa... passa... Passam umas mulheres vestidas de cor de água, sem olhos na cara,
para não terem de olhar a gente... Só ela é que não passa, Primo Argemiro!... E eu já estou cansado
de procurar, no meio das outras... Não vem!... Foi, rio abaixo, com o outro... Foram p’r’os infernos!...

– Não foi, Primo Ribeiro. Não foram pelo rio... Foi trem-de-ferro que levou...

– Não foi no rio, eu sei... No rio ninguém não anda... Só a maleita* é quem sobe e desce, olhando
seus mosquitinhos e pondo neles a benção... Mas, na estória... Como é mesmo a estória, Primo?
Como é?...

– O senhor bem que sabe, Primo... Tem paciência, que não é bom variar...

– Mas, a estória, Primo!... Como é?... Conta outra vez...

– O senhor já sabe as palavras todas de cabeça... “Foi o moço-bonito que apareceu, vestido com
roupa de dia-de-domingo e com a viola enfeitada de fitas... E chamou a moça p’ra ir se fugir com
ele”...

– Espera, Primo, elas estão passando... Vão umas atrás das outras... Cada qual mais bonita... Mas
eu não quero, nenhuma!... Quero só ela... Luísa...

– Prima Luísa...

– Espera um pouco, deixa ver se eu vejo... Me ajuda, Primo! Me ajuda a ver...

– Não é nada, Primo Ribeiro... Deixa disso!

– Não é mesmo não...

– Pois então?!
– Conta o resto da estória!...

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– ...“Então, a moça, que não sabia que o moço-bonito era o capeta, ajuntou suas roupinhas melhores
numa trouxa, e foi com ele na canoa, descendo o rio...”

Guimarães Rosa, Sagarana.

*maleita: malária

No texto de Sarapalha, constitui exemplo de personificação o seguinte trecho:

a) “No rio ninguém não anda”.

b) “só a maleita é quem sobe e desce”.

c) “O senhor já sabe as palavras todas de cabeça”.

d) “e com a viola enfeitada de fitas”.

e) “ajuntou suas roupinhas melhores numa trouxa”.

10. (FUVEST - 2018)

Tendo como base o trecho “só a maleita é quem sobe e desce, olhando seus mosquitinhos e pondo
neles a benção...”, o termo em destaque foi empregado ironicamente por aludir ao inseto

a) causador da malária.

b) causador da febre amarela.

c) transmissor da doença de Chagas.

d) transmissor da malária.

e) transmissor da febre amarela.

11. (ENEM - 2018)

– Famigerado? [...]

– Famigerado é “inóxio”, é “célebre”, “notório”, “notável” ...

– Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É
caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?

– Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos ...

– Pois ... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia de semana?

– Famigerado? Bem. É: “importante”, que merece louvor, respeito ...


ROSA, G. Famigerado. In: Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

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Nesse texto, a associação de vocábulos da língua portuguesa a determinados dias da semana remete
ao

a) local de origem dos interlocutores.

b) estado emocional dos interlocutores.

c) grau de coloquialidade da comunicação.

d) nível de intimidade entre os interlocutores.

e) conhecimento compartilhado na comunicação.

12. (FGV - 2017)

Foi exatamente durante o almoço que se deu o fato.

Almira continuava a querer saber por que Alice viera atrasada e de olhos vermelhos. Abatida, Alice mal
respondia. Almira comia com avidez e insistia com os olhos cheios de lágrimas.

– Sua gorda! disse Alice de repente, branca de raiva. Você não pode me deixar em paz?!

Almira engasgou-se com a comida, quis falar, começou a gaguejar. Dos lábios macios de Alice haviam
saído palavras que não conseguiam descer com a comida pela garganta de Almira G. de Almeida.

– Você é uma chata e uma intrometida, rebentou de novo Alice. Quer saber o que houve, não é? Pois
vou lhe contar, sua chata: é que Zequinha foi embora para Porto Alegre e não vai mais voltar! Agora
está contente, sua gorda?

Na verdade Almira parecia ter engordado mais nos últimos momentos, e com comida ainda parada na
boca.

Foi então que Almira começou a despertar. E, como se fosse uma magra, pegou o garfo e enfiou-o no
pescoço de Alice. O restaurante, ao que se disse no jornal, levantou-se como uma só pessoa. Mas a
gorda, mesmo depois de ter feito o gesto, continuou sentada olhando para o chão, sem ao menos olhar
o sangue da outra.

Alice foi ao pronto-socorro, de onde saiu com curativos e os olhos ainda regalados de espanto. Almira
foi presa em flagrante.

Na prisão, Almira comportou-se com delicadeza e alegria, talvez melancólica, mas alegria mesmo. Fazia
graças para as companheiras. Finalmente tinha companheiras. Ficou encarregada da roupa suja, e dava-
se muito bem com as guardiãs, que vez por outra lhe arranjavam uma barra de chocolate.

(Clarice Lispector. A Legião Estrangeira, 1964. Adaptado)

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Assinale a alternativa em que a preposição “de” forma uma expressão indicativa de causa.

a) ... por que Alice viera atrasada e de olhos vermelhos.

b) ... e insistia com os olhos cheios de lágrimas.

c) – Sua gorda! disse Alice de repente, branca de raiva.

d) ... pegou o garfo e enfiou-o no pescoço de Alice.

e) Mas a gorda, mesmo depois de ter feito o gesto...

13. (ENEM - 2016)

A partida de trem

Marcava seis horas da manhã. Angela Pralini pagou o táxi e pegou sua pequena valise. Dona Maria
Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos.
A velha bem-vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido
na idade, e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se a
um certo ponto – e o que foi não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-
se. Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a subir
no vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs
em movimento, surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e
sentara-se de costas para o caminho.

Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:

— A senhora deseja trocar de lugar comigo?

Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo.
Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filigranado de ouro, espetado no
peito, passou a mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:

— É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar?

LISPECTOR, C. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980 (fragmento).

A descoberta de experiências emocionais com base no cotidiano é recorrente na obra de Clarice


Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a)

a) comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada.

b) anulação das diferenças sociais no espaço público de uma estação.

c) incompatibilidade psicológica entre mulheres de gerações diferentes.


d) constrangimento da aproximação formal de pessoas desconhecidas.

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e) sentimento de solidão alimentado pelo processo de envelhecimento.

14. (UNIFESP - 2016)

Leia o excerto da crônica “Mineirinho” de Clarice Lispector (1925-1977), publicada na revista Senhor
em 1962.

É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por que
está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que
mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o
assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se
sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos
irredutíveis, mas revolta irredutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na
própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais;
e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a
justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria:
“O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho
certeza de que ele se salvou e já entrou no céu”. Respondi-lhe que “mais do que muita gente que
não matou”.

Por quê? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não
matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim
não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim.

Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio
de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem
de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo
minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo
chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero
ser o outro.

Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo
e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como
primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se
eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno,
o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos.
Até que treze tiros nos acordam, e com horror digo tarde demais – vinte e oito anos depois que
Mineirinho nasceu – que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu
erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos
salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que
em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me

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espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva. Em Mineirinho se rebentou o meu
modo de viver.

(Clarice Lispector. Para não esquecer, 1999.)

facínora: diz-se de ou indivíduo que executa um crime com crueldade ou perversidade acentuada.

Mineirinho: apelido pelo qual era conhecido o criminoso carioca José Miranda Rosa. Acuado pela
polícia, acabou crivado de balas e seu corpo foi encontrado à margem da Estrada Grajaú-
Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

“O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro.” (3° parágrafo)

Em relação à oração que a precede, a oração destacada tem sentido de

a) consequência.

b) conclusão.

c) alternância.

d) causa.

e) finalidade.

15. (ENEM- 2016)

PINHÃO sai ao mesmo tempo que BENONA entra.

BENONA: Eurico, Eudoro Vicente está lá fora e quer falar com você.

EURICÃO: Benona, minha irmã, eu sei que ele está lá fora, mas não quero falar com ele.

BENONA: Mas Eurico, nós lhe devemos certas atenções.

EURICÃO: Você, que foi noiva dele. Eu, não!

BENONA: Isso são coisas passadas.

EURICÃO: Passadas para você, mas o prejuízo foi meu. Esperava que Eudoro, com todo aquele
dinheiro, se tornasse meu cunhado. Era uma boca a menos e um patrimônio a mais. E o peste me
traiu. Agora, parece que ouviu dizer que eu tenho um tesouro. E vem louco atrás dele, sedento,
atacado de verdadeira hidrofobia. Vive farejando ouro, como um cachorro da molest’a, como um
urubu, atrás do sangue dos outros. Mas ele está enganado. Santo Antônio há de proteger minha
pobreza e minha devoção.

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SUASSUNA, A. O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013 (fragmento).

Nesse texto teatral, o emprego das expressões “o peste” e “cachorro da molest’a” contribui para

a) marcar a classe social das personagens.

b) caracterizar usos linguísticos de uma região.

c) enfatizar a relação familiar entre as personagens.

d) sinalizar a influência do gênero nas escolhas vocabulares.

e) demonstrar o tom autoritário da fala de uma das personagens.

16. (ENEM - 2015)

Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do


álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais
perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava,
lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]

Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião,
fiquei furiosa. [...]

É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano
se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha
feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela
queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-
lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida
fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima,
mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?

TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói


modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)

a) convivência frágil ligando pessoas financeiramente dependentes.

b) tensa hierarquia familiar equilibrada graças à presença da matriarca.

c) pacto de atitudes e valores mantidos à custa de ocultações e hipocrisias.

d) tradicional conflito de gerações protagonizado pela narradora e seus tios.


e) velada discriminação racial refletida na procura de casamentos com europeus.

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17. (FGV - 2015)

Redundâncias

Ter medo da morte


é coisa dos vivos
o morto está livre
de tudo o que é vida

Ter apego ao mundo


é coisa dos vivos
para o morto não há
(não houve)
raios rios risos

E ninguém vive a morte


quer morto quer vivo
mera noção que existe
só enquanto existo
(Ferreira Gullar, Muitas vozes)

Em relação à oração – é coisa dos vivos –, os enunciados – Ter medo da morte – (1.ª estrofe) e – Ter
apego ao mundo – (2.ª estrofe) exercem a função sintática de

a) sujeito.

b) predicativo do sujeito.

c) objeto direto.

d) adjunto adnominal.

e) complemento nominal.

18. (FUVEST - 2011)

Leia o seguinte texto:


1
Era o que ele estudava. “A estrutura, quer dizer, a estrutura” – ele repetia e abria as mãos
branquíssimas ao esboçar o gesto redondo. Eu ficava olhando seu gesto impreciso porque uma
bolha de sabão é mesmo imprecisa, nem sólida nem líquida, nem realidade nem sonho. Película e
oco. “A estrutura da bolha de sabão, compreende?” Não compreendia. Não tinha importância.

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5
Importante era o quintal da minha meninice com seus verdes canudos de mamoeiro, quando
cortava os mais tenros que sopravam as bolas maiores, mais perfeitas.

Lygia Fagundes Telles, A estrutura da bolha de sabão, 1973.

A “estrutura” da bolha de sabão é consequência das propriedades físicas e químicas dos seus
componentes. As cores observadas nas bolhas resultam da interferência que ocorre entre os raios
luminosos refletidos em suas superfícies interna e externa.

Considere as afirmações abaixo sobre o início do conto de Lygia Fagundes Telles e sobre a bolha de
sabão:

I. O excerto recorre, logo em suas primeiras linhas, a um procedimento de coesão textual em que
pronomes pessoais são utilizados antes da apresentação de seus referentes, gerando expectativa
na leitura.
II. Os principais fatores que permitem a existência da bolha são a força de tensão superficial do
líquido e a presença do sabão, que reage com as impurezas da água, formando a sua película visível.

III. A ótica geométrica pode explicar o aparecimento de cores na bolha de sabão, já que esse
fenômeno não é consequência da natureza ondulatória da luz.

Está correto apenas o que se afirma em

a) I.

b) I e II.

c) I e III.

d) II e III.

e) III.
Comentários
I: correta. Os pronomes “ele” e “eu” são mencionados antes dos referentes. Ou seja, “ele” se liga
à pessoa que explicava as propriedades físicas e químicas da estrutura da bolha de sabão e o
próprio narrador se exprime na primeira pessoa, com expressões como “Eu ficava olhando (...)”
(L. 2) e “minha meninice” (L. 5).
II: incorreta. Sem entrar no mérito da explicação científica, pode-se inferir que, se a reação das
impurezas da água com o sabão fosse a responsável pela formação da bolha, esta não aconteceria
com água limpa.
III: incorreta. Não é a ótica geométrica que estuda a interferência da luz sobre os objetos, mas sim
a ótica física. Atenção: trata-se de uma questão interdisciplinar.
Gabarito: A
19. (FUVEST - 2001)

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1
Só os roçados da morte

compensam aqui cultivar,

e cultivá-los é fácil:

simples questão de plantar;


5
não se precisa de limpa,

de adubar nem de regar;

as estiagens e as pragas

fazem-nos mais prosperar;

e dão lucro imediato;


10
nem é preciso esperar

pela colheita: recebe-se


na hora mesma de semear.

(João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina).

Nos versos acima, a personagem da “rezadora” fala das vantagens de sua profissão e de outras
semelhantes. A sequência de imagens neles presente tem como pressuposto imediato a ideia de:

a) técnicas agrícolas adequadas ao sertão.

b) dificuldade de plantio na seca.

c) sepultamento dos mortos.

d) necessidade de melhores contratos de trabalho.

e) escassez de mão de obra no sertão.

20. (FUVEST – 2009)

1
Vestindo água, só saído o cimo do pescoço, o burrinho tinha de se enqueixar para o alto, a salvar
também de fora o focinho. Uma peitada. Outro tacar de patas. Chu-áa! Chu-áa... – ruge o rio, como
chuva deitada no chão. Nenhuma pressa! Outra remada, vagarosa. No fim de tudo, tem o pátio, com
os cochos, muito milho, na Fazenda; e depois o pasto: sombra, capim e sossego... 5Nenhuma pressa.
Aqui, por ora, este poço doido, que barulha como um fogo, e faz medo, não é novo: tudo é ruim e
uma só coisa, no caminho: como os homens e os seus modos, costumeira confusão. É só fechar os
olhos. Como sempre. Outra passada, na massa fria. E ir sem afã, à voga surda, amigo da água, bem

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com o escuro, filho do fundo, poupando forças para o fim. Nada mais, nada de graça; nem um
arranco, fora de hora. Assim.

João Guimarães Rosa. O burrinho pedrês, Sagarana.

Em trecho anterior do mesmo conto, o narrador chama Sete-de-Ouros de “sábio”. No excerto, a


sabedoria do burrinho consiste, principalmente, em

a) procurar adaptar-se o melhor possível às forças adversas, que busca utilizar em benefício próprio.

b) firmar um pacto com as potências mágicas que se ocultam atrás das aparências do mundo natural.

c) combater frontalmente e sem concessões as atitudes dos homens, que considera confusas e
desarrazoadas.

d) ignorar os perigos que o mundo apresenta, agindo como se eles não existissem.
e) escolher a inação e a inércia, confiando inteiramente seu destino às forças do puro acaso e da
sorte.

21. (FUVEST - 2006)

Ele se aproximou e com voz cantante de nordestino que a emocionou, perguntou-lhe:

⎯ E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear?

⎯ Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de ideia.

⎯ E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?

⎯ Macabéa.

⎯ Maca ⎯ o quê?

⎯ Bea, foi ela obrigada a completar.


⎯ Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.

⎯ Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte
se eu vingasse, até um ano de idade eu não era chamada porque não tinha nome, eu preferia
continuar a nunca ser chamada em vez de ter um nome que ninguém tem mas parece que deu certo
⎯ parou um instante retomando o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor ⎯ pois
como o senhor vê eu vinguei... pois é...

⎯ Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande dívida de honra.

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Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma
loja de ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E
Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado:

⎯ Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?

Da segunda vez em que se encontraram caía uma chuva fininha que ensopava os ossos. Sem nem
ao menos se darem as mãos caminhavam na chuva que na cara de Macabéa parecia lágrimas
escorrendo.

Clarice Lispector, A hora da estrela.

Neste excerto, as falas de Olímpico e Macabéa

a) aproximam-se do cômico, mas, no âmbito do livro, evidenciam a oposição cultural entre a mulher
nordestina e o homem do sul do País.
b) demonstram a incapacidade de expressão verbal das personagens, reflexo da privação econômica
de que são vítimas.

c) beiram às vezes o absurdo, mas, no contexto da obra, adquirem um sentido de humor e sátira
social.

d) registram, com sentimentalismo, o eterno conflito que opõe os princípios antagônicos do Bem e
do Mal.

e) suprimem, por seu caráter ridículo, a percepção do desamparo social e existencial das
personagens.

22. (FUVEST - 2005)

Devo registrar aqui uma alegria. É que a moça num aflitivo domingo sem farofa teve uma inesperada
felicidade que era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando o leve êxtase,
ambicionou logo outro: queria ver, como uma vez em Maceió, espocarem mudos fogos de artifício.
Ela quis mais porque é mesmo uma verdade que quando se dá a mão, essa gentinha quer todo o
resto, o zé-povinho sonha com fome de tudo. E quer mas sem direito algum, pois não é?

(Clarice Lispector, A hora da estrela).

Considerando-se no contexto da obra o trecho sublinhado, é correto afirmar que, nele, o narrador

a) assume momentaneamente as convicções elitistas que, no entanto, procura ocultar no restante


da narrativa.

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b) reproduz, em estilo indireto livre, os pensamentos da própria Macabéa diante dos fogos de
artifício.

c) hesita quanto ao modo correto de interpretar a reação de Macabéa frente ao espetáculo.

d) adota uma atitude panfletária, criticando diretamente as injustiças sociais e cobrando sua
superação.

e) retoma uma frase feita, que expressa preconceito antipopular, desenvolvendo-a na direção da
ironia.

Texto para as próximas questões

Catar Feijão

1.
Catar feijão se limita com escrever:

joga-se os grãos na água do alguidar

e as palavras na folha de papel;

e depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,

água congelada, por chumbo seu verbo:

pois para catar esse feijão, soprar nele,

e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:

o de que entre os grãos pesados entre

um grão qualquer, pedra ou indigesto,

um grão imastigável, de quebrar dente.

Certo não, quando ao catar palavras:

a pedra dá à frase seu grão mais vivo:

obstrui a leitura fluviante, flutual,

açula a atenção, isca-a como o risco.

João Cabral de Melo Neto

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23. (INÉDITA)

Sobre o trabalho que comenta o eu lírico no poema do modernista:

a) a materialidade da pedra não se verifica na palavra, que deveria ser “cozinhada” antes de escrita.

b) palavras estão numa relação de antonímia com pedras, embora ambas sejam concretas.

c) escrever é superior ao trabalho de cozinhar e catar feijão, pois neste pode haver pedras.

d) fazer poesia é relativamente mais seguro do que trabalhar na cozinha, com risco de queimadura.

e) o trabalho poético pode ser comparado com o braçal, sendo que em ambos há riscos.

24. (INÉDITA)

Em relação ao risco mencionado pelo eu lírico,

a) constitui num obstáculo intransponível a não ser que o leitor seja alfabetizado.
b) um grão indigesto é inexoravelmente negativo, podendo inclusive mesmo causar a morte.

c) aquilo que não é mastigável está na mesma qualidade da pedra e de uma palavra qualquer.

d) a pedra em meio ao feijão, embora imastigável, confere vida ao todo.

e) o fato de o leitor precisar atenção redobrada a um texto faz ele se sentir mal do estômago.

25. (ITA - 2017)


Sobre o poema de Manuel Bandeira,

Irene no céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:


– Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
– Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
(Em: Libertinagem. Rio de Janeiro: Pongetti, 1930.)

é INCORRETO afirmar que a relação afetiva entre o sujeito lírico e Irene


a) faz com que a descrição dela seja permeada pela visão carinhosa dele.
b) torna a linguagem mais coloquial, espelhando a ligação afetuosa dos dois.
c) é responsável pelo tratamento informal dado a uma entidade religiosa.

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d) é um mero disfarce da desigualdade entre brancos e negros.


e) é, na visão dele, compartilhada até mesmo por São Pedro.

26. (ITA - 2015)


O poema abaixo, de Manuel Bandeira, pertence ao livro Lira dos cinquentanos.

Velha chácara
A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Ah quanto tempo passou!


(Foram mais de cinquenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)

A usura fez tábua rasa


Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...

– Mas o menino ainda existe.

O poema apresenta uma diferença entre


I. o passado (a infância) e o presente (a velhice) vivido pelo eu lírico.
II. um espaço puramente natural (o campo) e outro sociofamiliar (a casa).
III. o que é desfeito pelo tempo (a casa) e o que ele não apaga (a lembrança).
IV. a chácara (espaço ideal) e a cidade (espaço arrasado pela usura).

Estão corretas apenas:


a) I, II e III.
b) I, II e IV.
c) II e III.
d) II, III e IV.
e) III e IV.

27. (ITA - 2015)


O poema abaixo, de João Cabral de Melo Neto, integra o livro A escola das facas.

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Sobre o poema, é INCORRETO afirmar que a descrição


a) compara o som das folhas do canavial com o da cigarra.
b) põe em relevo a rusticidade da plantação de cana de açúcar.
c) destaca o som do vento que passa pela plantação.
d) associa o som do canavial com o amassar das folhas de papel.
e) faz do vento a navalha que corta o canavial.

28. (ITA - 2015)


O poema abaixo, de Alice Ruiz, faz parte do livro Jardim de Haijin.

passeio no Ibirapuera
uma cerejeira florida
interrompe a conversa

No texto, NÃO há
a) sentimento de amor pela natureza, exacerbado e de raiz romântica.
b) emoção estética despertada pela vegetação naquele que passeia.
c) descrição de parte da flora que integra o parque do Ibirapuera.
d) surpresa, durante o passeio pelo parque, causada por uma beleza inesperada.
e) referência a um local específico, o parque situado na cidade de São Paulo.

29. (ITA - 2011)


Considere o poema abaixo, “A cantiga”, de Adélia Prado:

“Ai cigana ciganinha,


ciganinha, meu amor”.
Quando escutei essa cantiga
era hora do almoço, há muitos anos.
A voz da mulher cantando vinha de uma cozinha,

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ai ciganinha, a voz de bambu rachado


continua tinindo, esganiçada, linda,
viaja pra dentro de mim, o meu ouvido cada vez melhor.
Canta, canta, mulher, vai polindo o cristal,
canta mais, canta que eu acho minha mãe,
meu vestido estampado, meu pai tirando boia da panela,
canta que eu acho minha vida.
(Em: Bagagem. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.)

Acerca desse poema, é INCORRETO afirmar que


a) a poeta tem consciência de que seu passado é irremediavelmente perdido.
b) existe um tom nostálgico, e um saudosismo de raiz romântica.
c) a cantiga faz com que a poeta reviva uma série de lembranças afetivas.
d) predomina o tom confessional e o caráter autobiográfico.
e) valoriza os elementos da cultura popular, também uma herança romântica.

30. (ITA - 2011)


Considere o poema abaixo, de Ronaldo Azeredo:

Esse texto
I. explora a organização visual das palavras sobre a página.
II. põe ênfase apenas na forma e não no conteúdo da mensagem.
III. pode ser lido não apenas na sequência horizontal das linhas.
IV. não apresenta preocupação social.

Estão corretas
a) I e II.
b) I, II e III.
c) I e III.

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d) II e IV.
e) todas.

31. (ITA - 2010)


Na obra Quaderna (1960), João Cabral de Melo Neto incluiu um conjunto de textos, intitulado
“Poemas da cabra”, cujo tema é o papel desse animal no universo social e cultural nordestino. Um
desses poemas é reproduzido abaixo:

Um núcleo de cabra é visível


por debaixo de muitas coisas.
Com a natureza da cabra
Outras aprendem sua crosta.

Um núcleo de cabra é visível


em certos atributos roucos
que têm as coisas obrigadas
a fazer de seu corpo couro.

A fazer de seu couro sola.


a armar-se em couraças, escamas:
como se dá com certas coisas
e muitas condições humanas.

Os jumentos são animais


que muito aprenderam da cabra.
O nordestino, convivendo-a,
fez-se de sua mesma casta.

Acerca desse poema, NÃO se pode afirmar que:


a) o poeta vê a cabra como um animal forte e que influencia outros seres que vivem em condições
adversas.
b) aquilo que a cabra parece ensinar aos demais seres é a resignação e a paciência diante da
adversidade.
c) a cabra oferece uma espécie de modelo comportamental para aqueles que precisam ser fortes
para enfrentar uma vida dura.
d) a cabra é um animal resistente ao meio hostil em que vive, assim como outros animais também
o são, como o jumento.

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e) há no poema uma aproximação entre a cabra e o homem nordestino, pois ambos são fortes e
resistentes.

32. (ITA - 2010)


O poema abaixo faz parte da obra Livro sobre nada (1996), de Manoel de Barros:

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá


mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
existem
nos encantos de um sabiá.

Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.

Os sabiás divinam.

É certo dizer que estamos diante de um poema


a) que mostra que o estudo dos sabiás tem mais a ver com adivinhação do que com informação.
b) no qual o autor mostra que a ciência é muito limitada para entender a anatomia do sabiá.
c) segundo o qual a ciência consegue entender a anatomia do sabiá, mas não explicar por que ele
nos encanta.
d) que mostra que há mistérios na natureza que a ciência tenta desvendar, como o encanto de um
sabiá.
e) que afirma ser impossível um saber acerca do sabiá.

33. (ITA - 2010)


No último livro que publicou em vida, Teia (1996), a escritora Orides Fontela escreveu o poema
abaixo.

João

I
De barro
o operário
e a casa

(de barro
o nome

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e a obra).

II
O pássaro-operário
madruga:

construir a
casa
construir
o canto

ganhar – construir –
o dia.

III
O pássaro
faz o seu
trabalho
e o trabalho faz
o pássaro.

IV
O duro
impuro
labor: construir-se.

V
O canto é anterior
ao pássaro

a casa é anterior
ao barro

O nome é anterior
à vida.

Podemos afirmar que:

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I. nem a parte I nem a II indicam que o pássaro “joão-de-barro” pode ser visto como metáfora de
um determinado tipo social.
II. apenas a parte III sugere que o trabalho feito pelo joão-de-barro aproxima-se daquele feito por
um operário.
III. o poema, em seu todo, aproxima metaforicamente o “joão-de-barro” de um trabalhador
brasileiro (um “João”, como o título indica).
IV. como no caso do pássaro, também para o operário vale a ideia de que o homem faz o trabalho
e o trabalho faz o homem.

Estão corretas apenas as afirmações:


a) I e III.
b) I e IV.
c) II e III.
d) II e IV.
e) III e IV.

34. (ITA - 2009)


Leia o poema abaixo, “Na contramão”, de Chacal.
ela ali tão sem
eu aqui sem chão
nós assim ninguém
cada um na mão

Acerca desse poema, considere as seguintes afirmações:


I. Ele possui uma das marcas mais típicas da poesia contemporânea, que é a brevidade.
II. É notória a informalidade da linguagem, que afasta o poema da tradição culta e erudita.
III. Há um sentimentalismo contemporâneo que filtra os excessos da expressão sentimental.
IV. Existe a persistência do tema do desencontro amoroso (tradicional na literatura).

Está(ão) correta(s)
a) apenas a I.
b) apenas I e II.
c) apenas I, II e III.
d) apenas III e IV.
e) todas.

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35. (IME - 2016)


SOLUÇÃO
João Paiva
Eu quero uma solução
homogênea, preparada,
coisa certa, controlada
para ter tudo na mão.
Solução para questão
que não ouso resolver.
Diluída num balão
elixir pra me entreter.
Faço centrifugação
para ter ar uniforme
uso varinha conforme,
seja mágica ou não.
Busco uma solução
tudo lindo, direitinho
eu quero ter tudo certinho
ter o mundo nesta mão.
Procuro mistura,
então aqueço tudo em cadinho.
E vejo não ter solução
mas apenas um caminho...
PAIVA, João. Quase poesia, quase química. Disponível em: <http://
www.spq.pt/files/docs/boletim/poesia/quase-poesia-quase-quimica-jpaiva2012.pdf> Acesso em: 22/04/2015

Sobre o texto podemos inferir que


I. o autor do texto nos traz uma mensagem altamente negativa e pessimista do fazer científico.
II. o vocábulo que confere título ao texto pode ter o mesmo valor semântico no primeiro e quinto
versos, o que confirma a intenção do cientista em “para ter tudo na mão” (verso 4).
III. o cientista falha quando não encontra meios em seu trabalho cotidiano para solucionar, com
extrema precisão, tudo o que lhe vier às mãos para fazer.

Marque a opção correta:


a) I apenas.
b) II apenas.
c) II e III
d) III apenas.

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e) nenhuma das alternativas.

Texto para as próximas questões


Poesia Matemática
Millôr Fernandes
1 Às folhas tantas
2 do livro matemático
3 um Quociente apaixonou-se
4 um dia
5 doidamente
6 por uma Incógnita.
7 Olhou-a com seu olhar inumerável
8 e viu-a do ápice __ base
9 uma figura ímpar;
10 olhos romboides, boca trapezoide,
11 corpo retangular, seios esferoides.
12 Fez de sua uma vida
13 paralela à dela
14 até que se encontraram
15 no infinito.
16 "Quem és tu?", indagou ele
17 em ânsia radical.
18 "Sou a soma do quadrado dos catetos.
19 Mas pode me chamar de Hipotenusa."
20 E de falarem descobriram que eram
21 (o que em aritmética corresponde
22 a almas irmãs)
23 primos entre si.
24 E assim se amaram
25 ao quadrado da velocidade da luz
26 numa sexta potenciação
27 traçando
28 ao sabor do momento
29 e da paixão
30 retas, curvas, círculos e linhas senoidais
31 nos jardins da quarta dimensão.
32 Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
33 e os exegetas do Universo Finito.

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34 Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.


35 E enfim resolveram se casar
36 constituir um lar,
37 mais que um lar,
38 um perpendicular.
39 Convidaram para padrinhos
40 o Poliedro e a Bissetriz.
41 E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
42 sonhando com uma felicidade
43 integral e diferencial.
44 E se casaram e tiveram uma secante e três cones
45 muito engraçadinhos.
46 E foram felizes
47 até aquele dia
48 em que tudo vira afinal
49 monotonia.
50 Foi então que surgiu
51 O Máximo Divisor Comum
52 frequentador de círculos concêntricos,
53 viciosos.
54 Ofereceu-lhe, a ela,
55 uma grandeza absoluta
56 e reduziu-a a um denominador comum.
57 Ele, Quociente, percebeu
58 que com ela não formava mais um todo,
59 uma unidade.
60 Era o triângulo,
61 tanto chamado amoroso.
62 Desse problema ela era uma fração,
63 a mais ordinária.
64 Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
65 e tudo que era espúrio passou a ser
66 moralidade
67 como aliás em qualquer
68 sociedade

RELEITURAS. Poesia matemática. Disponível em: <


http://www.releituras.com/millor_poesia.asp>. Acesso em 09/05/2013.

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36. (IME - 2014)


A repetição da conjunção “e” nos versos 41, 44 e 46 do texto revela um traço estilístico que
a) dá uma ideia de ênfase à sequência de ações do casal.
b) dá uma ideia de monotonia aos acontecimentos.
c) dá uma ideia de confusão à sequência de ações do casal.
d) ajuda a prever o desfecho da separação anunciada ao final.
e) deixa perceber a que movimento literário se filia o autor do texto.

37. (IME - 2014)


Leia atentamente as assertivas a seguir, todas referentes ao texto desta prova
I. A partir de conceitos matemáticos construiu-se uma narrativa poética em terceira pessoa cujo
tema é a traição numa relação amorosa.
II. O adjetivo ordinária (V. 63) está carregado de um tom moralizante e deixa entrever um juízo de
valor relativo ao comportamento feminino no relacionamento entre a Hipotenusa e o Quociente.
III. É coerente com o tom moralizante da Poesia Matemática associar o nome dado ao elemento
masculino da relação amorosa narrada, Quociente, ao adjetivo consciente, isto é, aquele que faz
uso da razão.
IV. A quebra de paradigmas científicos requerida pela Teoria da Relatividade einsteiniana é
associada, à quebra de paradigmas morais nas sociedades modernas.

Dentre as afirmativas acima


a) apenas a I e a II estão corretas.
b) apenas a II e a III estão corretas.
c) apenas a III está correta.
d) apenas a III e a IV estão corretas.
e) todas estão corretas.

38. (UNICAMP - 2019)


Para driblar a censura imposta pela ditadura militar, compositores de música popular brasileira
(MPB) valiam-se do que Gilberto Vasconcelos chamou de “linguagem da fresta”, expressão inspirada
na canção “Festa imodesta”, de Caetano Veloso.

(...)
Numa festa imodesta como esta
Vamos homenagear
Todo aquele que nos empresta sua testa
Construindo coisas pra se cantar
Tudo aquilo que o malandro pronuncia

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E que o otário silencia


Toda festa que se dá ou não se dá
Passa pela fresta da cesta e resta a vida.

Acima do coração que sofre com razão


A razão que volta do coração
E acima da razão a rima
E acima da rima a nota da canção
Bemol natural sustenida no ar
Viva aquele que se presta a esta ocupação
Salve o compositor popular
(Gilberto de Vasconcelos, Música popular: de olho na fresta. Rio de Janeiro: Graal, 1977.)

É correto afirmar que, na canção, essa “linguagem da fresta” transparece


a) na contradição entre “festa” e “fresta”, que funciona como crítica ao malandro.
b) na repetição de palavras com pronúncia semelhante para louvar a MPB.
c) na referência à “fresta” como forma de o compositor se pronunciar.
d) na incoerência da rima entre “festa” e “imodesta” para prestigiar o compositor.

39. (UERJ - 2019)


Tempo Rei
Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito
Que tem sido
Transcorrendo, transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos

(...)

Tempo Rei, ó Tempo Rei, ó Tempo Rei


Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó Pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei

Pensamento, mesmo fundamento singular


Do ser humano, de um momento para o outro
Poderá não mais fundar nem gregos nem baianos

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Mães zelosas, pais corujas


Vejam como as águas de repente ficam sujas
Não se iludam, não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar por um segundo

Tempo Rei, ó Tempo Rei, ó Tempo Rei

(...)
GILBERTO GIL, letras.com.br

O tempo, além de relacionado aos fenômenos naturais, é também condicionador das vidas
humanas.
Na letra da canção de Gilberto Gil, a dimensão do tempo histórico destacada é denominada:
a) evolução
b) aceleração
c) linearidade
d) descontinuidade

40. (FGV - 2018)


O século 20, com suas guerras mundiais e os conflitos que semearam, deixou muitas cicatrizes
sobre a face da Terra. Entre elas, o famigerado Muro de Berlim, cuja demolição marcou o fim da
Guerra Fria e o suposto final da história.
A história não termina, contudo. Novos e gigantescos muros continuam a ser erguidos, com
alturas e extensões suficientes para deixar na sombra a barreira à liberdade erguida na capital
alemã, que existiu por 28 anos.
A proliferação desses obstáculos a apartar pessoas e comunidades motivou a série de
reportagens da Folha “Um Mundo de Muros”.
O Brasil tem os seus, desde sempre para manter a distância entre ricos e pobres – como o que
impede a visão da miséria e do esgoto a céu aberto da Vila Esperança, em Cubatão/SP, a quem
trafega pela via Imigrantes.
Nada diverso dos 10 km do Muro da Vergonha que apartam, na capital peruana, a esquálida
comunidade de Pamplona Alta do afluente bairro Casuarinas, outro retrato desolador.
São situações, problemas e conflitos muito díspares, contra os quais se erguem barreiras que
evocam o pior do século passado.
(Folha de S.Paulo, 10.09.2017. Adaptado)

O texto mostra que

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a) a superação das diferenças, que semearam conflitos pelo mundo, faz com que as sociedades de
hoje se protejam delas.
b) a segregação, que deixou muitas marcas no planeta, ainda tem presença expressiva em várias
sociedades nos dias de hoje.
c) a sociedade contemporânea vive diuturnamente a combater as formas de segregação, na
esperança de um mundo mais justo.
d) a existência dos conflitos ainda perturba a sociedade, mas hoje eles estão praticamente
superados na maior parte do planeta.
e) a permanência de problemas e conflitos tão antigos mostra a falta de interesse das pessoas pela
busca de um mundo melhor.

Textos para as próximas questões:


Muribeca
Lixo? Lixo serve pra tudo. A gente encontra a mobília da casa, cadeira pra pôr uns pregos e
ajeitar, sentar. Lixo pra poder ter sofá, costurado, cama, colchão. Até televisão. É a vida da gente o
lixão. E por que é que agora querem tirar ele da gente? O que é que eu vou dizer pras crianças? Que
não tem mais brinquedo? Que acabou o calçado? Que não tem mais história, livro, desenho? E o
meu marido, o que vai fazer? Nada? Como ele vai viver sem as garrafas, sem as latas, sem as caixas?
Vai perambular pela rua, roubar pra comer? E o que eu vou cozinhar agora? Onde vou procurar
tomate, alho, cebola? Com que dinheiro vou fazer sopa, vou fazer caldo, vou inventar farofa? Fale,
fale. Explique o que é que a gente vai fazer da vida? O que a gente vai fazer da vida? Não pense que
é fácil. Nem remédio pra dor de cabeça eu tenho. Como vou me curar quando me der uma dor no
estômago, uma coceira, uma caganeira? Vá, me fale, me diga, me aconselhe. Onde vou encontrar
tanto remédio bom? E esparadrapo e band-aid e seringa? O povo do governo devia pensar três vezes
antes de fazer isso com chefe de família. Vai ver que eles tão de olho nessa merda aqui. Nesse
terreno. Vai ver que eles perderam alguma coisa. É. Se perderam, a gente acha. A gente cata. A
gente encontra. Até bilhete de loteria, lembro, teve gente que achou. Vai ver que é isso, coisa da
Caixa Econômica. Vai ver que é isso, descobriram que lixo dá lucro, que pode dar sorte, que é luxo,
que lixo tem valor. Por exemplo, onde a gente vai morar, é? Onde a gente vai morar? Aqueles
barracos, tudo ali em volta do lixão, quem é que vai levantar? Você, o governador? Não. Esse
negócio de prometer casa que a gente não pode pagar é balela, é conversa pra boi morto. Eles jogam
a gente é num esgoto. Pr'onde vão os coitados desses urubus? A cachorra, o cachorro? Isso tudo
aqui é uma festa. Os meninos, as meninas naquele alvoroço, pulando em cima de arroz, feijão.
Ajudando a escolher. A gente já conhece o que é bom de longe, só pela cara do caminhão. Tem uns
que vêm direto de supermercado, açougue. Que dia na vida a gente vai conseguir carne tão barato?
Bisteca, filé, chã-de-dentro - o moço ta servido? A moça? Os motoristas já conhecem a gente. Têm
uns que até guardam com eles a melhor parte. É coisa muito boa, desperdiçada. Tanto povo que
compra o que não gasta - roupa nova, véu, grinalda. Minha filha já vestiu um vestido de noiva, até

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 61


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a aliança a gente encontrou aqui, num corpo. É. Vem parar muito bicho morto. Muito homem, muito
criminoso. A gente já tá acostumado. Até o camburão da polícia deixa seu lixo aqui, depositado.
Balas, revólver 38. A gente não tem medo, moço. A gente é só ficar calado. Agora, o que deu na
cabeça desse povo? A gente nunca deu trabalho. A gente não quer nada deles que não esteja aqui
jogado, rasgado, atirado. A gente não quer outra coisa senão esse lixão pra viver. Esse lixão para
morrer, ser enterrado. Pra criar os nossos filhos, ensinar o nosso ofício, dar de comer. Pra continuar
na graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não faltar brinquedo, comida, trabalho. Não, eles nunca vão
tirar a gente deste lixão. Tenho fé em Deus, com a ajuda de Deus eles nunca vão tirar a gente deste
lixo. Eles dizem que sim, que vão. Mas não acredito. Eles nunca vão conseguir tirar a gente deste
paraíso.
FREIRE, Marcelino. Muribeca. In:_____. Angu de sangue. São Paulo: Ateliê, 2000. p. 23-25.

Texto II
Nem luxo, nem lixo

Como vai você?


Assim como eu
Uma pessoa comum
Um filho de Deus
Nessa canoa furada
Remando contra a maré
Não acredito em nada
Até duvido da fé

Não quero luxo, nem lixo


Meu sonho é ser imortal
Meu amor!
Não quero luxo, nem lixo
Quero saúde pra gozar no final
LEE, Rita Lee; CARVALHO, Roberto de. Nem luxo, nem lixo. In: LEE, Rita. Rita Lee. [LP]. Brasil: Som Livre, 1980.

41. (UFJF - 2015)


A ideia central, defendida pelo eu-lírico, na letra da canção de Rita Lee e Roberto de Carvalho (Texto
II) está melhor explicada em:

a) a liberdade só é possível com fé.


b) a imortalidade depende do sonho.
c) os bens materiais se justificam pela imortalidade.

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 62


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d) o bem-estar é o principal valor da vida.


e) as dificuldades devem sempre ser enfrentadas.

42. (UFJF - 2015)


A oposição existente entre os sentidos de “luxo” e “lixo”, presente na canção de Rita Lee e Roberto
de Carvalho (Texto II), é invertida na seguinte ideia, depreendida do conto de Marcelino Freire
(Texto I):
a) o lixo tem valor econômico.
b) o lixo sem tratamento é vetor de doenças.
c) na pobreza deve sempre haver alegria.
d) o luxo não é privilégio dos ricos.
e) o luxo pode ser um lixo.

43. (Insper - 2015)


Sintaxe à vontade
Sem horas e sem dores,
Respeitável público pagão,
Bem-vindos ao teatro mágico.

A partir de sempre
Toda cura pertence a nós.
Toda resposta e dúvida.
Todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser,
Todo verbo é livre para ser direto ou indireto.
Nenhum predicado será prejudicado,
Nem tampouco a frase, nem a crase, nem a vírgula e ponto final!
Afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas,
E estar entre vírgulas pode ser aposto,
E eu aposto o oposto: que vou cativar a todos,
Sendo apenas um sujeito simples.
Um sujeito e sua oração,
Sua pressa, e sua verdade, sua fé,

Que a regência da paz sirva a todos nós.


Cegos ou não,
Que enxerguemos o fato
De termos acessórios para nossa oração.
Separados ou adjuntos, nominais ou não,

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Façamos parte do contexto da crônica


E de todas as capas de edição especial.
Sejamos também o anúncio da contracapa,
Pois ser a capa e ser contra a capa
É a beleza da contradição.
É negar a si mesmo.
E negar a si mesmo é muitas vezes
Encontrar-se com Deus.
Com o teu Deus.

Sem horas e sem dores,


Que nesse momento que cada um se encontra aqui e agora,
Um possa se encontrar no outro,
E o outro no um...
Até por que, tem horas que a gente se pergunta:
Por que é que não se junta
Tudo numa coisa só?

(O Teatro Mágico)

À semelhança dos manifestos literários do início do século XX, que propunham inovações no campo
artístico, essa canção defende um determinado posicionamento a respeito da linguagem. Em
“Sintaxe à vontade”, defende-se que
a) o desmazelo à norma culta acarreta frequentes ruídos de comunicação.
b) os falantes da língua portuguesa são escravizados pela norma culta.
c) a inventividade para criar a própria língua é fruto da liberdade de expressão.
d) a obediência à gramática normativa cerceia a criatividade do falante.
e) a impossibilidade do domínio da norma culta causa angústia aos falantes.

44. (FGV - 2015)


Eram tempos menos duros aqueles vividos na casa de Tia Vicentina, em Madureira, subúrbio
do Rio, onde Paulinho da Viola podia traçar, sem cerimônia, um prato de feijoada - comilança que
deu até samba, "No Pagode do Vavá". Mas como não é dado a saudades (lembre-se: é o passado
que vive nele, não o contrário), Paulinho aceitou de bom grado a sugestão para que o jantar
ocorresse em um dos mais requintados italianos do Rio. A escolha pela alta gastronomia tem seu
preço. Assim que o sambista chega à mesa redonda ao lado da porta da cozinha, forma-se um círculo
de garçons, com o maître à frente. [...]

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 64


Prof. Celina Gil

Paulinho conta que cresceu comendo o trivial. Seu pai viveu 88 anos à base de arroz, feijão,
bife e batata frita. De vez em quando, feijoada. Massa, também. "Mas nada muito sofisticado."
Com exceção de algumas dores de coluna, aos 70 anos, goza de plena saúde. O músico credita
sua boa forma ao estilo de vida, como se sabe, não dado a exageros e grandes ansiedades.
T. Cardoso, Valor, 28/06/2013. Adaptado.

Argumento (Paulinho da Viola)


Tá legal
Eu aceito o argumento
Mas não me altere o samba tanto assim
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De um cavaco, de um pandeiro
Ou de um tamborim.

Sem preconceito
Ou mania de passado
Sem querer ficar do lado
De quem não quer navegar
Faça como um velho marinheiro
Que durante o nevoeiro
Leva o barco devagar.

Se a expressão “mania de passado”, usada na letra da canção, for comparada à frase do primeiro
texto “é o passado que vive nele, não o contrário”, quanto ao sentido que assumem no contexto, é
correto afirmar que a referida expressão
a) é uma crítica a um comportamento, o qual está sugerido no trecho “não o contrário”.
b) contradiz o que a frase pretende transmitir a respeito do modo de pensar do compositor.
c) deve ser entendida de forma positiva assim como o trecho “é o passado que vive nele”.
d) refere-se a maneiras de pensar coletivas, ao contrário da frase, que considera apenas o aspecto
individual.
e) atribui à palavra “passado” um sentido diverso do que esse termo assume na frase citada.

Texto para as próximas questões


Mau despertar
Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 65


Prof. Celina Gil

Não sei na madrugada


se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorrem
uns restos de treva
(Ferreira Gullar. Muitas vozes, 2013.)
45. (UNIFESP - 2015)
A leitura do poema permite inferir que
a) o despertar do eu lírico apaga as más lembranças da madrugada.
b) a noite é problema para o eu lírico, perturbado mais física que mentalmente.
c) o eu lírico atribui o seu mau despertar a uma noite de difícil sono.
d) o eu lírico encontra na noite difícil uma forma de enfrentar seus medos.
e) o mau despertar acentua as feridas e as dores que perturbam o eu lírico.

46. (UNIFESP - 2015)


Analisando-se as três estrofes do poema, atribui-se a cada uma os seguintes sentidos,
respectivamente,
a) a lembrança do sono – as consequências do mau sono – a libertação da noite mal dormida.
b) a consciência do despertar – as hipóteses acerca do sono – a tentativa de se restaurar.
c) a expectativa com o despertar – a certeza da noite mal dormida – a certeza de um dia ruim.
d) a causa do sono conturbado – a possibilidade de recuperação – a ansiedade pela melhora.
e) a renovação ao despertar – a possibilidade de enfrentar o mau sono – a busca por um dia melhor.

47. (FUVEST - 2011)


A ROSA DE HIROXIMA
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 66


Prof. Celina Gil

Pensem nas feridas


Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Vinicius de Moraes, Antologia poética.
Neste poema,
a) a referência a um acontecimento histórico, ao privilegiar a objetividade, suprime o teor lírico do
texto.
b) parte da força poética do texto provém da associação da imagem tradicionalmente positiva da
rosa a atributos negativos, ligados à ideia de destruição.
c) o caráter politicamente engajado do texto é responsável pela sua despreocupação com a
elaboração formal.
d) o paralelismo da construção sintática revela que o texto foi escrito originalmente como letra de
canção popular.
e) o predomínio das metonímias sobre as metáforas responde, em boa medida, pelo caráter
concreto do texto e pelo vigor de sua mensagem.

48. (Insper - 2008)


Pela Internet
Gilberto Gil
Criar meu web site
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje

Que veleje nesse informar


Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve um oriki do meu velho orixá
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé

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Prof. Celina Gil

Um barco que veleje nesse informar


Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve meu e-mail até Calcutá
Depois de um hot-link
Num site de Helsinque
Para abastecer

Eu quero entrar na rede


Promover um debate
Juntar via Internet
Um grupo de tietes de Connecticut

De Connecticut acessar
O chefe da Macmilícia de Milão
Um hacker mafioso acaba de soltar
Um vírus pra atacar programas no Japão

Eu quero entrar na rede pra contactar


Os lares do Nepal, os bares do Gabão
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular
Que lá na praça Onze tem um vídeopôquer para se jogar

Pode-se afirmar sobre a canção de Gilberto Gil que:


a) É uma descrição do que pode ser feito hoje com a Banda Larga
b) Para ele, o compositor do presente só pode criar se tiver acesso às novas ferramentas oferecidas
pela Internet
c) É uma crítica à má utilização por parte da polícia do aparato tecnológico
d) É uma visão positiva e exaltadora das vantagens do avanço tecnológico
e) Defende a ideia de que a canção não deve vazar pela Internet antes do lançamento oficial

49. (Insper - 2014) adaptada


Canção do exílio
Gonçalves Dias
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá,
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

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Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Cinco estrelas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. Coleção Literatura em Minha Casa.

(José Paulo Paes, A poesia está morta, mas juro que não fui eu. São Paulo: Duas Cidades, 1998)

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A respeito da referência intertextual presente no poema, é correto afirmar que


a) os advérbios “aqui” e “lá”, diferentemente do que ocorre nos versos originais de Gonçalves Dias,
apontam para um espaço geográfico idealizado.
b) José Paulo Paes ironiza a tese da unificação da língua portuguesa arduamente defendida por
Gonçalves Dias em seu poema.
c) ao transcrever os versos da “Canção do Exílio” em seu poema, José Paulo Paes reproduz, com
fidelidade, o sentimento de patriotismo expresso por Gonçalves Dias.
d) a disposição gráfica dos versos simula um debate entre os poetas José Paulo Paes e Gonçalves
Dias, no qual o escritor romântico tem a palavra final.
e) na releitura proposta por José Paulo Paes, as aves podem simbolizar os falantes do português, e
os gorjeios, as variantes regionais.

50. (Estratégia Militares 2020 – Profa. Luana Signorelli)

Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que
testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me
alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só
quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão
e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.
Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da
popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada
em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra
a ideia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas?
Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto
de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver
a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.
ROSA, Guimarães. A terceira margem do rio. In: ROSA, Guimarães. Ficção completa: volume II. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1994 (p. 409-413).

Levando em conta o contexto do conto, em qual das alternativas há um sentido semelhante ao de


“que nessas artes não vadiava”?
a) “que estudou aquele artesanato”
b) “que era um preguiçoso”
c) “que era um especialista”
d) “que não entendia daquele assunto”
e) “que simplesmente ignorava a questão”

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4.2 – Gabarito
1. E 18. A 35. B
2. B 19. C 36. A
3. A 20. A 37. E
4. C 21. C 38. C
5. B 22. E 39. D
6. A 23. E 40. B
7. C 24. D 41. D
8. D 25. D 42. A
9. B 26. A 43. C
10. D 27. B 44. A
11. C 28. A 45. C
12. C 29. A 46. B
13. E 30. C 47. B
14. D 31. B 48. D
15. B 32. C 49. E
16. C 33. E 50. D
17. A 34. E

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4.3 - Exercícios comentados


1. (ITA - 2015)

O poema abaixo, de João Cabral de Melo Neto, integra o livro A escola das facas.

A voz do canavial
Voz sem saliva da cigarra,
do papel seco que se amassa,

de quando se dobra o jornal:


assim canta o canavial,

ao vento que por suas folhas,


de navalha a navalha, soa,

vento que o dia e a noite toda


o folheia, e nele se esfola.

Sobre o poema, é INCORRETO afirmar que a descrição


a) compara o som das folhas do canavial com o da cigarra.
b) põe em relevo a rusticidade da plantação de cana de açúcar.
c) destaca o som do vento que passa pela plantação.
d) associa o som do canavial com o amassar das folhas de papel.
e) faz do vento a navalha que corta o canavial.
Comentários
Alternativa A: correta. Os versos “Voz sem saliva da cigarra, / (…) assim canta o canavial” deixam
nítida a relação entre o som das folhas do canavial e da cigarra.
Alternativa B: correta. Os elementos aproximados ao som das folhas do canavial indicam a
rusticidade, elemento típico da poesia de João Cabral de Melo Neto: “voz sem saliva”, “papel
seco” e “navalha”.
Alternativa C: correta. O poema é composto de aproximações relativas ao som do vento que passa
pela plantação: “ao vento que por suas folhas, / de navalha a navalha, soa, / vento que o dia e a
noite toda / o folheia, e nele se esfola”.
Alternativa D: correta. A associação é nítida nos versos “de quando se dobra o jornal: / assim
canta o canavial”.
Alternativa E: incorreta. O vento não corta o canavial; seu som é que se aproxima de uma navalha:
“ao vento que por suas folhas, / de navalha a navalha, soa”.
Gabarito: E
2. (ITA - 2010)

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Na obra Quaderna (1960), João Cabral de Melo Neto incluiu um conjunto de textos, intitulado “Poemas
da cabra”, cujo tema é o papel desse animal no universo social e cultural nordestino. Um desses poemas
é reproduzido abaixo:

Um núcleo de cabra é visível


por debaixo de muitas coisas.
Com a natureza da cabra
Outras aprendem sua crosta.

Um núcleo de cabra é visível


em certos atributos roucos
que têm as coisas obrigadas
a fazer de seu corpo couro.

A fazer de seu couro sola.


a armar-se em couraças, escamas:
como se dá com certas coisas
e muitas condições humanas.

Os jumentos são animais


que muito aprenderam da cabra.
O nordestino, convivendo-a,
fez-se de sua mesma casta.

Acerca desse poema, NÃO se pode afirmar que:


a) o poeta vê a cabra como um animal forte e que influencia outros seres que vivem em condições
adversas.
b) aquilo que a cabra parece ensinar aos demais seres é a resignação e a paciência diante da
adversidade.
c) a cabra oferece uma espécie de modelo comportamental para aqueles que precisam ser fortes para
enfrentar uma vida dura.
d) a cabra é um animal resistente ao meio hostil em que vive, assim como outros animais também o
são, como o jumento.
e) há no poema uma aproximação entre a cabra e o homem nordestino, pois ambos são fortes e
resistentes.
Comentários
Alternativa A: correta. A alternativa A não apresenta incorreções, pois o poeta de fato
apresenta a cabra como um animal forte que “arma-se em couraças” e com quem “outras
naturezas aprendem”, pois espelhando-se em seu comportamento, os homens podem aprender.

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Alternativa B: incorreta – gabarito. Não há no poema referências à ideia de “resignação”


ou de “paciência”. Pelo contrário, há uma referência a “a armar-se em couraças, escamas”, ou
seja, colocar uma armadura, o que costuma significar embate. Por isso, a alternativa incorreta é
alternativa B.
Alternativa C: correta. A alternativa C não apresenta incorreções, pois no trecho “O
nordestino, convivendo-a, / fez-se de sua mesma casta” fica claro que o homem aprendeu com a
cabra como se comportar diante de certas situações: armando-se.
Alternativa D: correta. A alternativa D não apresenta incorreções, pois no poema, há
comparação entre a cabra e o jumento em “Os jumentos são animais / que muito aprenderam da
cabra”.
Alternativa E: correta. A alternativa E não apresenta incorreções, pois, assim como na
alternativa C, o trecho “O nordestino, convivendo-a, / fez-se de sua mesma casta” comprova a
relação entre o homem e a cabra.
Gabarito: B.

3. (UNICAMP – 2020)

Texto I

Leia os versos iniciais da peça Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come (1966), de Oduvaldo
Vianna Filho e Ferreira Gullar. Em formato de cordel, os versos são cantados por todos os atores.

Se corres, bicho te pega, amô.

Se ficas, ele te come.

Ai, que bicho será esse, amô?

Que tem braço e pé de homem?

Com a mão direita ele rouba, amô,

e com a esquerda ele entrega;

janeiro te dá trabalho, amô,

dezembro te desemprega;

de dia ele grita "avante”, amô,

de noite ele diz: "não vá":

Será esse bicho um homem, amô,

ou muitos homens será?

(Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 3.)

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Texto II

Observe a charge de Laerte que fez parte da mostra Maio na Paulista, em 2019.

Considerando a relação entre os textos I e II, conclui-se que a charge

a) resgata a temática do cordel, rompendo com o impasse vivido pelos personagens.

b) reafirma o dilema dos personagens da peça, parafraseando os versos iniciais do cordel.

c) evidencia a tradição popular nordestina, utilizando a imagem para sofisticar os versos.

d) confirma a força transformadora da versificação popular, reproduzindo-a em imagens.


Comentários
Alternativa A está correta. No cordel, os personagens discutem o impasse do ditado “se correr o
bicho pega, se ficar o bicho come”, aplicando-o aos empregadores nos versos “janeiro te dá
trabalho, amô,/ dezembro te desemprega;”; na charge o dilema se resolve quando os
trabalhadores se reúnem e fazem o “bicho” correr.
Alternativa B está incorreta. Há reafirmação da temática do cordel na charge, mas a alternativa
desconsidera a resolução do embate na charge.
Alternativa C está incorreta. A charge não foi feita para ilustrar o cordel.
Alternativa D está incorreta. A versificação popular é uma forma de transmitir uma ideia; a ideia
transforma, a forma encanta, logo não é a força transformadora do verso que leva a reprodução
da imagem.
Gabarito: A
4. (UFPR - 2019)

Em Morte e vida severina, Severino é um retirante que sai do interior com a intenção de chegar ao
litoral, à cidade do Recife. Quando atinge a Zona da Mata, última região antes da chegada ao Recife,
diz ele:
– Nunca esperei muita coisa,
digo a Vossas Senhorias.

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O que me fez retirar


não foi a grande cobiça;
o que apenas busquei
foi defender minha vida
da tal velhice que chega
antes de se inteirar trinta;
se na serra vivi vinte,
se alcancei lá tal medida,
o que pensei, retirando,
foi estendê-la um pouco ainda.
Mas não senti diferença
entre o Agreste e a Caatinga,
e entre a Caatinga e aqui a Mata
a diferença é a mais mínima.
Está apenas em que a terra
é por aqui mais macia;
está apenas no pavio,
ou melhor, na lamparina:
pois é igual o querosene
que em toda parte ilumina,
e quer nesta terra gorda
quer na serra, de caliça,
a vida arde sempre
com a mesma chama mortiça.
[…]
Sim, o melhor é apressar
o fim dessa ladainha,
fim do rosário de nomes
que a linha do rio enfia;
é chegar logo ao Recife,
derradeira ave-maria
do rosário, derradeira
invocação da ladainha,
Recife, onde o rio some
e esta minha viagem se finda.

(MELLO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 186-187.)

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Considerando o trecho acima e a leitura integral do auto de João Cabral de Melo Neto, assinale a
alternativa correta.

a) O auto de João Cabral foi concluído em 1955, tempo em que ainda se iluminavam as casas com
lamparinas, e, nessa situação, a percepção que Severino tem dos lugares que conhece é prejudicada
pelas limitações da época e por sua própria ignorância.

b) A comparação de Recife com a “derradeira ave-maria/ do rosário”, assim como as várias rezas
que Severino testemunha ao longo da viagem, mostra a presença constante da religiosidade como
um fator de atraso na vida dos nordestinos.

c) Ao final, fica claro para o leitor que a vida no Recife também seria semelhante à das regiões menos
desenvolvidas da Caatinga, do Agreste e da Zona da Mata, porque a pobreza não é causada pelas
condições naturais, mas por uma estrutura social excludente.

d) O empenho social de João Cabral de Melo Neto é o de sugerir aos retirantes que não saiam de
sua terra, visto que, sem preparo, eles enfrentam dificuldades enormes no Recife, valendo mais a
pena procurar desenvolver sua própria região.

e) Ao chegar ao Recife, Severino ouve uma longa conversa entre dois coveiros e, percebendo que
sua viagem havia sido inútil, entende a conversa como uma sugestão e se suicida, atirando-se no rio
Capibaribe.
Comentários
Alternativa “a”: incorreta. Na verdade, no fragmento dado, o eu lírico usa a metáfora dolamparina
na qual o querosene que alimenta a chama é sempre o mesmo, ou seja, a exploração que queima
a vida dos retirantes é sempre igual. A comparação não denota limitação de análise, o eu lírico
manifesta tomada de consciência da própria realidade.
Alternativa “b”: incorreta. A comparação com o rosário de fato remete à religiosidade, mas isso
não está ligado ao “atraso na vida dos nordestinos”.
Alternativa “c”: correta. O eu lírico chega ao Recife e faz uma constatação parecida com a que fez
nesse fragmento, ele encontra a mesma “vida severina”, devido às condições sociais de existência.
Alternativa “d”: incorreta. Morte e Vida Severina expõe as condições extremas de quem vive na
miséria, e, na obra, não existe diferença entre sertão e Recife, ou seja, não há sugestão de que
os miseráveis não deveriam ir para Recife e muito menos algum tipo de conselho de que devam
se preparar para o tipo de trabalho da capital pernambucana.
Alternativa “e”: incorreta. Ele não se suicida. No momento em que manifestou essa intenção,
alguém o chama para ver nascer a criança que representa o novo.
Gabarito: C
5. (IFAL - 2019)
01
Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam
tontos, 02 era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.

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03 04
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a
verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar?
05
Ele foi simples:
06
- Sim, já beijei antes uma mulher.
07
- Quem era ela? – perguntou com dor.
08
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
09
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em 10
algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos,
finos e 11 sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir
– era tão bom. 12 A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.
13
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor,
14
rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! Como deixava a garganta seca.
15
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca 16
ardente engolia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, não tirava a sede.
Uma 17 sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
18
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio-dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo
19
nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.
20 21
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por
instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, talvez
horas, 22 enquanto sua sede era de anos.
23
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e
24
seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos,
espreitando, 25 farejando. [...]

LISPECTOR, Clarice. O primeiro beijo. In:


Felicidade Clandestina. Rocco: Rio de Janeiro, 1998.

Como se pode perceber, o conto literário, de Clarice Lispector, contém passagens dialogais. Numa
delas, o interlocutor 2 utiliza a seguinte estrutura sintática para responder a uma pergunta: “- Sim,
já beijei antes uma mulher” (Ref. 6). Assim, há uma inversão de termos, o que pode se configurar
como a figura de sintaxe.

a) silepse

b) hipérbato
c) eufemismo

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d) elipse

e) anáfora
Comentários: A figura de sintaxe que pode ser definida pela inversão de termos é o hipérbato.
Assim, a alternativa correta é alternativa B.
A alternativa A está incorreta, pois a silepse acontece quando a concordância entre os termos se
dá pelo sentido, pelas ideias, e não pela gramática, e não há problemas de concordância na oração
destacada.
A alternativa C está incorreta, pois eufemismo ocorre quando se utilizam palavras ou expressões
no lugar de outras a fim de suavizar seu significado, e o interlocutor não suaviza nenhuma
informação nessa frase.
A alternativa D está incorreta, pois elipse ocorre quando há omissão de um termo ou palavra sem
prejuízo de sentido e o autor apenas mudou a ordem dos termos da oração, sem suprimir.
A alternativa E está incorreta, pois a anáfora ocorre quando há repetição de termos no início das
orações ou períodos, e aqui há apenas uma oração em questão.
Gabarito: B
6. (ENEM - 2019)

Uma ouriça

Se o de longe esboça lhe chegar perto,

se fecha (convexo integral de esfera),

se eriça (bélica e multiespinhenta):

e, esfera e espinho, se ouriça à espera.


Mas não passiva (como ouriço na loca);

nem só defensiva (como se eriça o gato);

sim agressiva (como jamais o ouriço),

do agressivo capaz de bote, de salto

(não do salto para trás, como o gato):

daquele capaz de salto para o assalto.

Se o de longe lhe chega em (de longe),

de esfera aos espinhos, ela se desouriça.

Reconverte: o metal hermético e armado


na carne de antes (côncava e propícia),

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e as molas felinas (para o assalto),

nas molas em espiral (para o abraço).

MELO NETO, J. C. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

Com apuro formal, o poema tece um conjunto semântico que metaforiza a atitude feminina de

a) tenacidade transformada em brandura.

b) obstinação traduzida em isolamento.

c) inércia provocada pelo desejo platônico.

d) irreverência cultivada de forma cautelosa.

e) desconfiança consumada pela intolerância.


Comentários
Alternativa “a”: correta – gabarito. O título do poema contém um vocábulo criado por João Cabral,
aproximando a mulher de um animal, em explícita analogia. Da mesma forma que o ouriço, ao
sentir-se ameaçada, a mulher se fecha para se proteger, assumindo até uma atitude agressiva,
“capaz de bote, de salto”. Mas “Se o de longe lhe chega em”, “de esfera aos espinhos, ela se
desouriça”, ou seja, se o desconhecido se aproxima de modo não ofensivo, ela se desarma,
acabando por transformar sua aparência “multiespinhenta” “na carne de antes”, pronta para
oferecer-lhe seu “abraço”. O poema metaforiza, assim, a atitude feminina de tenacidade
transformada em brandura.
Alternativa “b”: incorreta. Não se isola de todo, conforme o verso “mas não passiva”.
Alternativa “c”: incorreta. Não está presente aqui o desejo platônico, entendido aqui como ideal.
Alternativa “d”: incorreta. Não é irreverente, mas sim cautelosa.
Alternativa “e”: incorreta. Não é intolerante, embora seja desconfiada, cautelosa.
Gabarito: A
Das vantagens de ser bobo

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é
capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma
coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando.".
1
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio
da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão
atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples

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pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez.
No entanto, muitas vezes, 2o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido


para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: 3ele disse que o aparelho era novo,
praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o
aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de
que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas,
em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo,
enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no
estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem
menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase:
"Até tu, Brutus?".
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto
não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma
criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por
bobos. 4Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. 5Bem-
aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que
saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo,
com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em
Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar o
excesso de amor que o bobo provoca. É que só 6o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz
o bobo.

LISPECTOR, Clarice. Das vantagens de ser bobo. Disponível em: http://www.revistapazes.com/das-vantagens-de-ser-


bobo/. Acesso em 10 de maio de 2017. Originalmente publicado no Jornal do Brasil em 12 de setembro de 1970.

7. (IME - 2018)

Considere o trecho abaixo, retirado do texto:

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 81


Prof. Celina Gil

Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que
saibam que eles sabem (referência 6).

A autora discorre sobre a posse de um saber. A respeito desse saber, podemos afirmar que

a) os bobos que se fazem de bobos estão praticando, na verdade, a sabedoria que os espertos
deveriam ter.

b) os bobos que aparentemente se fazem de bobos estão praticando, na verdade, a sabedoria dos
espertos.

c) os bobos, por serem naturalmente criativos, comprovam possuir a sabedoria necessária para
vencer.

d) os bobos, por serem naturalmente criativos, não permitem que ninguém desconfie de sua
dissimulada esperteza, que nada mais é do que produto de sua criatividade; assim definimos sua
estratégia para vencer na vida.

e) os bobos acabam por se tornar espertos e, por isso, ganham as lutas da vida, já que não se
importam que “saibam que eles sabem”.
Comentários: A autora afirma que os bobos não agem pensando na opinião dos outros ou em
comparar-se com os ditos “espertos”. Eles vivem o cotidiano de forma criativa e espontânea. A
alternativa que melhor se adequa a essa ideia é alternativa C.
A alternativa A está incorreta, pois os bobos não “se fazem de bobos”, ou seja, seu
comportamento não é fingido, mas sim espontâneo.
A alternativa B está incorreta, pois, assim como em A, não há no texto a ideia de que o bobo
dissimule seu comportamento.
A alternativa D está incorreta, pois os bobos apenas vivem, sem planejar ou dissimular seus
sentimentos e ações.
A alternativa E está incorreta, pois os bobos não se tornam espertos a partir desse
comportamento. A autora não tenta aproximar os comportamentos no texto, como se um
pudesse virar o outro.
Gabarito: C
8. (IME - 2018)

Sobre as considerações a respeito de ser esperto vs. ser bobo encontradas no texto, assinale o par
de análises que destoa das considerações feitas pela autora.

a) Os espertos pretendem conquistar o mundo pela sagacidade; o bobo ganha o mundo por sua
espontaneidade.
b) Os espertos muitas vezes atingem seus objetivos; os bobos podem ser facilmente ludibriados.

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c) O esperto preocupa-se todo o tempo em entender o mundo para tirar proveito desse
entendimento; ser bobo é sentir o mundo e tomar parte nele.

d) Os sentimentos do esperto são mais intensos que os do bobo; o coração do bobo é pouco
acessível.

e) O esperto é prevenido; o bobo muitas vezes precisa lidar com complicações em que se mete por
ser bobo.
Comentários: No último parágrafo do texto, a autora faz referência à relação que o bobo tem com
o amor em “o amor faz o bobo”. Por isso, não é possível dizer que o coração do bobo é pouco
acessível. A alternativa que apresenta par de análises que destoa é alternativa D.
A alternativa A não apresenta incorreções, pois essa é a relação estabelecida ao longo do texto: o
esperto se esforça para vencer enquanto o bobo só age naturalmente.
A alternativa B não apresenta incorreções, pois o texto afirma que os espertos tendem a conseguir
o que querem pela audácia, enquanto os bobos, por confiarem demais, podem ser enganados.
A alternativa C não apresenta incorreções, pois o texto afirma que o esperto está sempre
elaborando esquemas, enquanto o bobo apenas vive no mundo.
A alternativa E não apresenta incorreções, pois o texto afirma que os espertos planejam seus
passos, enquanto o bobo faz as coisas espontaneamente.
Gabarito: D
9. (FUVEST – 2018 adaptada)

Sarapalha

– Ô calorão, Primo!... E que dor de cabeça excomungada!

– É um instantinho e passa... É só ter paciência....

– É... passa... passa... passa... Passam umas mulheres vestidas de cor de água, sem olhos na cara,
para não terem de olhar a gente... Só ela é que não passa, Primo Argemiro!... E eu já estou cansado
de procurar, no meio das outras... Não vem!... Foi, rio abaixo, com o outro... Foram p’r’os infernos!...

– Não foi, Primo Ribeiro. Não foram pelo rio... Foi trem-de-ferro que levou...

– Não foi no rio, eu sei... No rio ninguém não anda... Só a maleita* é quem sobe e desce, olhando
seus mosquitinhos e pondo neles a benção... Mas, na estória... Como é mesmo a estória, Primo?
Como é?...

– O senhor bem que sabe, Primo... Tem paciência, que não é bom variar...

– Mas, a estória, Primo!... Como é?... Conta outra vez...

– O senhor já sabe as palavras todas de cabeça... “Foi o moço-bonito que apareceu, vestido com
roupa de dia-de-domingo e com a viola enfeitada de fitas... E chamou a moça p’ra ir se fugir com
ele”...

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– Espera, Primo, elas estão passando... Vão umas atrás das outras... Cada qual mais bonita... Mas
eu não quero, nenhuma!... Quero só ela... Luísa...

– Prima Luísa...

– Espera um pouco, deixa ver se eu vejo... Me ajuda, Primo! Me ajuda a ver...

– Não é nada, Primo Ribeiro... Deixa disso!

– Não é mesmo não...

– Pois então?!

– Conta o resto da estória!...

– ...“Então, a moça, que não sabia que o moço-bonito era o capeta, ajuntou suas roupinhas melhores
numa trouxa, e foi com ele na canoa, descendo o rio...”

Guimarães Rosa, Sagarana.


*maleita: malária

No texto de Sarapalha, constitui exemplo de personificação o seguinte trecho:

a) “No rio ninguém não anda”.

b) “só a maleita é quem sobe e desce”.

c) “O senhor já sabe as palavras todas de cabeça”.

d) “e com a viola enfeitada de fitas”.

e) “ajuntou suas roupinhas melhores numa trouxa”.


Comentários: A personificação, ou prosopopeia, ocorre na alternativa B. A malária é uma doença
e a ela são atribuídas no texto ações humanas como “subir” e “descer”.
A alternativa A está incorreta, pois não há ações humanas atribuídas ao “rio” nessa oração.
A alternativa C está incorreta, pois não há ações humanas atribuídas a “palavras” ou “cabeça”
nessa oração.
A alternativa D está incorreta, pois não há ações humanas atribuídas a “viola” nem a “fitas” nessa
oração.
A alternativa E está incorreta, pois não há ações humanas atribuídas a “roupinhas” ou “trouxa”
nessa oração.
Gabarito: B
10. (FUVEST - 2018)

Tendo como base o trecho “só a maleita é quem sobe e desce, olhando seus mosquitinhos e pondo
neles a benção...”, o termo em destaque foi empregado ironicamente por aludir ao inseto
a) causador da malária.

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b) causador da febre amarela.

c) transmissor da doença de Chagas.

d) transmissor da malária.

e) transmissor da febre amarela.


Comentários: Essa é uma questão interdisciplinar. Acessa conhecimentos de Biologia e Português.
Uma doença não poderia ser classificada como uma “benção”. Portanto, há ironia no uso da
palavra.
Para acertar essa questão, o aluno precisaria lembrar que o inseto é o transmissor da doença. O
causador da doença é o parasita (Plasmodium vivax) que o mosquito transmite. Portanto, a
alternativa correta é a D.
A alternativa A está incorreta, pois o inseto é transmissor da doença, não causador.
A alternativa B está incorreta, pois a maleita é a malária, não a febre amarela.
A alternativa C está incorreta, pois a maleita é a malária, não a doença de Chagas.
A alternativa E está incorreta, pois a maleita é a malária, não febre amarela.
Gabarito: D
11. (ENEM - 2018)

– Famigerado? [...]

– Famigerado é “inóxio”, é “célebre”, “notório”, “notável” ...

– Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É
caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?

– Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos ...

– Pois ... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia de semana?

– Famigerado? Bem. É: “importante”, que merece louvor, respeito ...

ROSA, G. Famigerado. In: Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

Nesse texto, a associação de vocábulos da língua portuguesa a determinados dias da semana remete
ao

a) local de origem dos interlocutores.

b) estado emocional dos interlocutores.

c) grau de coloquialidade da comunicação.


d) nível de intimidade entre os interlocutores.

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e) conhecimento compartilhado na comunicação.


Comentários
Alternativa “a”: incorreta. Não está em jogo que origem é essa.
Alternativa “b”: incorreta. Não é bem um estado emocional, eles apenas discutem o
entendimento de um vocábulo.
Alternativa “c”: correta – gabarito. A linguagem do “em dia-de-semana”, nas palavras do jagunço,
remete ao grau de coloquialidade da comunicação, ou seja, à fala comum segundo contextos de
comunicação e da necessidade humana no cotidiano do sertão brasileiro.
Alternativa “d”: incorreta. O que está sendo discutido é o entendimento de uma palavra e não a
familiaridade entre os falantes.
Alternativa “e”: incorreta. A discussão acerca da linguagem é metalinguística e consiste no estilo
de Guimarães.
Gabarito: C
12. (FGV - 2017)
Foi exatamente durante o almoço que se deu o fato.

Almira continuava a querer saber por que Alice viera atrasada e de olhos vermelhos. Abatida, Alice mal
respondia. Almira comia com avidez e insistia com os olhos cheios de lágrimas.

– Sua gorda! disse Alice de repente, branca de raiva. Você não pode me deixar em paz?!

Almira engasgou-se com a comida, quis falar, começou a gaguejar. Dos lábios macios de Alice haviam
saído palavras que não conseguiam descer com a comida pela garganta de Almira G. de Almeida.

– Você é uma chata e uma intrometida, rebentou de novo Alice. Quer saber o que houve, não é? Pois
vou lhe contar, sua chata: é que Zequinha foi embora para Porto Alegre e não vai mais voltar! Agora
está contente, sua gorda?

Na verdade Almira parecia ter engordado mais nos últimos momentos, e com comida ainda parada na
boca.

Foi então que Almira começou a despertar. E, como se fosse uma magra, pegou o garfo e enfiou-o no
pescoço de Alice. O restaurante, ao que se disse no jornal, levantou-se como uma só pessoa. Mas a
gorda, mesmo depois de ter feito o gesto, continuou sentada olhando para o chão, sem ao menos olhar
o sangue da outra.

Alice foi ao pronto-socorro, de onde saiu com curativos e os olhos ainda regalados de espanto. Almira
foi presa em flagrante.

Na prisão, Almira comportou-se com delicadeza e alegria, talvez melancólica, mas alegria mesmo. Fazia
graças para as companheiras. Finalmente tinha companheiras. Ficou encarregada da roupa suja, e dava-
se muito bem com as guardiãs, que vez por outra lhe arranjavam uma barra de chocolate.
(Clarice Lispector. A Legião Estrangeira, 1964. Adaptado)

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Assinale a alternativa em que a preposição “de” forma uma expressão indicativa de causa.

a) ... por que Alice viera atrasada e de olhos vermelhos.

b) ... e insistia com os olhos cheios de lágrimas.

c) – Sua gorda! disse Alice de repente, branca de raiva.

d) ... pegou o garfo e enfiou-o no pescoço de Alice.

e) Mas a gorda, mesmo depois de ter feito o gesto...


Comentários: O “de” expressa relação de causa na alternativa C: ela estava branca porque estava
com raiva (branca por causa da raiva).
A alternativa A está incorreta, pois “de olhos vermelhos” relata o estado em que Alice veio, mas
não indica causa.
A alternativa B está incorreta, pois “de lagrimas” identifica do que os olhos estavam cheios, não
porque estavam cheios.
A alternativa D está incorreta, pois “de Alice” indica de quem é o pescoço, portanto não há relação
de causa, mas pertencimento.
A alternativa E está incorreta, pois “depois de” indica posterioridade, não causa.
Gabarito: C
13. (ENEM - 2016)

A partida de trem

Marcava seis horas da manhã. Angela Pralini pagou o táxi e pegou sua pequena valise. Dona Maria
Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos.
A velha bem-vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido
na idade, e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se a
um certo ponto – e o que foi não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-
se. Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a subir
no vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs
em movimento, surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e
sentara-se de costas para o caminho.

Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:

— A senhora deseja trocar de lugar comigo?

Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo.
Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filigranado de ouro, espetado no
peito, passou a mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:

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— É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar?

LISPECTOR, C. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980 (fragmento).

A descoberta de experiências emocionais com base no cotidiano é recorrente na obra de Clarice


Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a)

a) comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada.

b) anulação das diferenças sociais no espaço público de uma estação.

c) incompatibilidade psicológica entre mulheres de gerações diferentes.

d) constrangimento da aproximação formal de pessoas desconhecidas.

e) sentimento de solidão alimentado pelo processo de envelhecimento.


Comentários
Alternativa “a”: incorreta. Mulheres de condições sociais diferentes, o que se pressupõe pela
troca de lugar.
Alternativa “b”: incorreta. Pelo contrário: demarcação dessas desigualdades sociais.
Alternativa “c”: incorreta. Embora de classes diferentes, havia um diálogo entre elas.
Alternativa “d”: incorreta. A pergunta em “ofendida?” pressupõe uma técnica que deixa vago,
solto no ar, se esse constrangimento ou não.
Alternativa “e”: correta – gabarito. Expressões como “Uma velha não pode comunicar-se” ou
“Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora”, assim como a última fala de Dona Maria
Rita ao expressar surpresa perante o fato de alguém se interessar pelo seu conforto, sugere que
o narrador pretende enfatizar o sentimento de solidão alimentado pelo processo de
envelhecimento.
Gabarito: E
14. (UNIFESP - 2016)

Leia o excerto da crônica “Mineirinho” de Clarice Lispector (1925-1977), publicada na revista Senhor
em 1962.

É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por que
está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que
mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o
assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se
sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos
irredutíveis, mas revolta irredutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na
própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais;

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e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a
justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria:
“O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho
certeza de que ele se salvou e já entrou no céu”. Respondi-lhe que “mais do que muita gente que
não matou”.

Por quê? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não
matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim
não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim.

Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio
de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem
de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo
minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo
chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero
ser o outro.

Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo
e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como
primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se
eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno,
o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos.
Até que treze tiros nos acordam, e com horror digo tarde demais – vinte e oito anos depois que
Mineirinho nasceu – que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu
erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos
salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que
em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me
espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva. Em Mineirinho se rebentou o meu
modo de viver.

(Clarice Lispector. Para não esquecer, 1999.)

facínora: diz-se de ou indivíduo que executa um crime com crueldade ou perversidade acentuada.

Mineirinho: apelido pelo qual era conhecido o criminoso carioca José Miranda Rosa. Acuado pela
polícia, acabou crivado de balas e seu corpo foi encontrado à margem da Estrada Grajaú-
Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

“O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro.” (3° parágrafo)

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 89


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Em relação à oração que a precede, a oração destacada tem sentido de

a) consequência.

b) conclusão.

c) alternância.

d) causa.

e) finalidade.
Comentários: O conectivo “porque” é majoritariamente de causa. Nesse caso, a relação de causa
estabelecida é bastante clara: a causa do tiro me assassinar é que “eu sou o outro”. Logo, a
alternativa correta é alternativa D.
A alternativa A está incorreta, pois não há relação de consequência. É possível confirmar isso
adicionando um conectivo de consequência: “O décimo terceiro tiro me assassina — de modo
que eu sou o outro.”
A alternativa B está incorreta, pois não há relação de conclusão. É possível confirmar isso
adicionando um conectivo de conclusão: “O décimo terceiro tiro me assassina — logo, eu sou o
outro.”
A alternativa C está incorreta, pois não há relação de alternância. É possível confirmar isso
adicionando um conectivo de alternância: “Ora décimo terceiro tiro me assassina, ora eu sou o
outro.”
A alternativa E está incorreta, pois não há relação de finalidade. É possível confirmar isso
adicionando um conectivo de finalidade: O décimo terceiro tiro me assassina —a fim de que eu
seja o outro.”
Gabarito: D
15. (ENEM- 2016)

PINHÃO sai ao mesmo tempo que BENONA entra.

BENONA: Eurico, Eudoro Vicente está lá fora e quer falar com você.

EURICÃO: Benona, minha irmã, eu sei que ele está lá fora, mas não quero falar com ele.

BENONA: Mas Eurico, nós lhe devemos certas atenções.

EURICÃO: Você, que foi noiva dele. Eu, não!

BENONA: Isso são coisas passadas.

EURICÃO: Passadas para você, mas o prejuízo foi meu. Esperava que Eudoro, com todo aquele
dinheiro, se tornasse meu cunhado. Era uma boca a menos e um patrimônio a mais. E o peste me
traiu. Agora, parece que ouviu dizer que eu tenho um tesouro. E vem louco atrás dele, sedento,
atacado de verdadeira hidrofobia. Vive farejando ouro, como um cachorro da molest’a, como um

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 90


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urubu, atrás do sangue dos outros. Mas ele está enganado. Santo Antônio há de proteger minha
pobreza e minha devoção.

SUASSUNA, A. O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013 (fragmento).

Nesse texto teatral, o emprego das expressões “o peste” e “cachorro da molest’a” contribui para

a) marcar a classe social das personagens.

b) caracterizar usos linguísticos de uma região.

c) enfatizar a relação familiar entre as personagens.

d) sinalizar a influência do gênero nas escolhas vocabulares.

e) demonstrar o tom autoritário da fala de uma das personagens.


Comentários
Alternativa “a”: incorreta. Trata-se de uma variação linguística nordestina. Iremos aprender
melhor sobre isso num momento posterior.
Alternativa “b”: correta – gabarito. A peça teatral O santo e a porca é da autoria de Ariano
Suassuna, escritor paraibano que sempre dedicou atenção especial ao conhecimento das formas
de expressão populares tradicionais da região. Assim, é correta a opção [B], pois o emprego das
expressões “o peste” e “cachorro da molest’a”, termos linguísticos típicos da cultura nordestina,
contribui para caracterizar o falar dessa região.
Alternativa “c”: incorreta. O uso dessas variantes não é porque o registro é informal, mas sim
porque há variação linguística regional.
Alternativa “d”: incorreta. Não do gênero (variação sociocultural), mas sim da região.
Alternativa “e”: incorreta. Pelo contrário, a situação tende à coloquialidade.
Gabarito: B
16. (ENEM - 2015)

Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No princípio. As mulheres, principalmente as mortas do


álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais
perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava,
lançado em redor olhares complacentes, lamentando os que não faziam parte do nosso clã. [...]

Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião,
fiquei furiosa. [...]

É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos. Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano
se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha
feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela
queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o convento abriu-

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 91


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lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida
fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima,
mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?

TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Representante da ficção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói


modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)

a) convivência frágil ligando pessoas financeiramente dependentes.

b) tensa hierarquia familiar equilibrada graças à presença da matriarca.

c) pacto de atitudes e valores mantidos à custa de ocultações e hipocrisias.

d) tradicional conflito de gerações protagonizado pela narradora e seus tios.


e) velada discriminação racial refletida na procura de casamentos com europeus.
Comentários
Alternativa “a”: incorreta. O caso mencionado é de uma relação pautada no interesse pelo
dinheiro, ou casamento por conveniência.
Alternativa “b”: incorreta. As relações eram tensas, não podemos inferir sobre hierarquia nem
matriarca.
Alternativa “c”: correta – gabarito. No excerto, a narradora exprime a sua revolta quando
Margarida desconstrói a versão idealizada da família que a avó, orgulhosamente, pretendia
transmitir aos que a ouviam. Ao invés de virtudes e de comportamento digno, são revelados os
podres familiares, mantidos em segredo para manter as aparências. Assim, é correta a opção [C],
pois o núcleo familiar afirma-se, hipocritamente, em um pacto de atitudes e valores mantidos à
custa de ocultações e falsidades.
Alternativa “d”: incorreta. O conflito não é de gerações, mas sim comportamentais.
Alternativa “e”: incorreta. O casamento era por interesse financeiro, não racial.
Gabarito: C
17. (FGV - 2015)

Redundâncias

Ter medo da morte


é coisa dos vivos
o morto está livre
de tudo o que é vida

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Ter apego ao mundo


é coisa dos vivos
para o morto não há
(não houve)
raios rios risos

E ninguém vive a morte


quer morto quer vivo
mera noção que existe
só enquanto existo
(Ferreira Gullar, Muitas vozes)

Em relação à oração – é coisa dos vivos –, os enunciados – Ter medo da morte – (1.ª estrofe) e – Ter
apego ao mundo – (2.ª estrofe) exercem a função sintática de

a) sujeito.

b) predicativo do sujeito.

c) objeto direto.

d) adjunto adnominal.

e) complemento nominal.
Comentários: Os períodos a serem analisados são:
Ter medo da morte é coisa dos vivos
Oração principal: é coisa dos vivos
Oração subordinada: ter medo da morte
Essa oração é uma oração subordinada substantiva subjetiva, ou seja, exerce a função de
sujeito em relação à principal. Se substituirmos a oração por um “isso”, teremos: Isso é
coisa dos vivos.
Classificando-se todos os termos:
Sujeito: Ter medo da morte
Verbo: é (verbo de ligação)
Predicativo do sujeito (coisa dos vivos)

O mesmo ocorre na outra oração destacada:


Ter apego ao mundo é coisa dos vivos

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 93


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Oração principal: é coisa dos vivos


Oração subordinada: Ter apego ao mundo
Essa oração é uma oração subordinada substantiva subjetiva, ou seja, exerce a função de
sujeito em relação à principal. Se substituirmos a oração por um “isso”, teremos: Isso é
coisa dos vivos.
Classificando-se todos os termos:
Sujeito: Ter apego ao mundo
Verbo: é (verbo de ligação)
Predicativo do sujeito (coisa dos vivos)

Portanto, as orações exercem ambas a função de sujeito da oração.


Gabarito: A
18. (FUVEST - 2011)

Leia o seguinte texto:


1
Era o que ele estudava. “A estrutura, quer dizer, a estrutura” – ele repetia e abria as mãos
branquíssimas ao esboçar o gesto redondo. Eu ficava olhando seu gesto impreciso porque uma
bolha de sabão é mesmo imprecisa, nem sólida nem líquida, nem realidade nem sonho. Película e
oco. “A estrutura da bolha de sabão, compreende?” Não compreendia. Não tinha importância.
5
Importante era o quintal da minha meninice com seus verdes canudos de mamoeiro, quando
cortava os mais tenros que sopravam as bolas maiores, mais perfeitas.

Lygia Fagundes Telles, A estrutura da bolha de sabão, 1973.

A “estrutura” da bolha de sabão é consequência das propriedades físicas e químicas dos seus
componentes. As cores observadas nas bolhas resultam da interferência que ocorre entre os raios
luminosos refletidos em suas superfícies interna e externa.

Considere as afirmações abaixo sobre o início do conto de Lygia Fagundes Telles e sobre a bolha de
sabão:

I. O excerto recorre, logo em suas primeiras linhas, a um procedimento de coesão textual em que
pronomes pessoais são utilizados antes da apresentação de seus referentes, gerando expectativa
na leitura.

II. Os principais fatores que permitem a existência da bolha são a força de tensão superficial do
líquido e a presença do sabão, que reage com as impurezas da água, formando a sua película visível.

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 94


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III. A ótica geométrica pode explicar o aparecimento de cores na bolha de sabão, já que esse
fenômeno não é consequência da natureza ondulatória da luz.

Está correto apenas o que se afirma em

a) I.

b) I e II.

c) I e III.

d) II e III.

e) III.
Comentários
I: correta. Os pronomes “ele” e “eu” são mencionados antes dos referentes. Ou seja, “ele” se liga
à pessoa que explicava as propriedades físicas e químicas da estrutura da bolha de sabão e o
próprio narrador se exprime na primeira pessoa, com expressões como “Eu ficava olhando (...)”
(L. 2) e “minha meninice” (L. 5).
II: incorreta. Sem entrar no mérito da explicação científica, pode-se inferir que, se a reação das
impurezas da água com o sabão fosse a responsável pela formação da bolha, esta não aconteceria
com água limpa.
III: incorreta. Não é a ótica geométrica que estuda a interferência da luz sobre os objetos, mas sim
a ótica física. Atenção: trata-se de uma questão interdisciplinar.
Gabarito: A
19. (FUVEST - 2001)
1
Só os roçados da morte

compensam aqui cultivar,

e cultivá-los é fácil:

simples questão de plantar;


5
não se precisa de limpa,

de adubar nem de regar;

as estiagens e as pragas

fazem-nos mais prosperar;

e dão lucro imediato;


10
nem é preciso esperar

pela colheita: recebe-se


na hora mesma de semear.

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 95


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(João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina).

Nos versos acima, a personagem da “rezadora” fala das vantagens de sua profissão e de outras
semelhantes. A sequência de imagens neles presente tem como pressuposto imediato a ideia de:

a) técnicas agrícolas adequadas ao sertão.

b) dificuldade de plantio na seca.

c) sepultamento dos mortos.

d) necessidade de melhores contratos de trabalho.

e) escassez de mão de obra no sertão.


Comentários
Aqui, trata-se de uma questão sobre “pressuposto”, como é cobrado no enunciado. Não é
necessário ter lido o poema inteiro para gabaritar a questão. Por exemplo, se no enunciado é dito
que “nos versos acima, a personagem da ‘rezadora’ fala das vantagens de sua profissão e de
outras semelhantes”, acreditem, pois é isso mesmo, trata-se de uma afirmação.
Em relação à alternativa “b”, não pode se dizer que este trabalho é difícil, pois no quarto verso (L.
4), “simples questão de plantar”, é-nos revelado que o trabalho é simples, quase como se ele se
fizesse por ele mesmo, sem dificuldade, sendo que a alternativa “b” sugere o oposto, que haveria
dificuldade.
No caso da alternativa “c”, ainda que ela sugira o conhecimento de matérias que ainda não vimos,
poderíamos gabaritá-la ainda sim sem esse conhecimento. Trata-se da figura de linguagem da
metáfora, isto é, transferência, translação, transporte (MOISÉS, 2013, p. 290), e ainda
comparação, ou um símile comprimido (TAVARES, 2002, p. 368). Aqui, no caso, você não
precisaria saber o nome específico ou técnico dessa figura de linguagem em particular; bastava
apenas que vocês identificassem que se trata de uma relação de correspondência, entre o ato de
cultivar – jogar uma semente no chão – e o ato de enterrar um defunto, o que nos faz assinalar a
alternativa “c”.
As alternativas “d” e “e” não procedem: termos como “contratos” e “mão de obra” forçaria um
viés mercadológico, consumista ao poema, o que não procede. A princípio, contentem-se com a
explicação básica de que viés significa direção oblíqua; porém, iremos estudar isso com mais
profundidade em aulas futuras. Se soubéssemos de antemão que se tratava de uma metáfora,
também poderíamos responder com mais facilidade: a relação consiste numa correspondência
direta, e não oblíqua.
Gabarito: C
20. (FUVEST – 2009)
1
Vestindo água, só saído o cimo do pescoço, o burrinho tinha de se enqueixar para o alto, a salvar
também de fora o focinho. Uma peitada. Outro tacar de patas. Chu-áa! Chu-áa... – ruge o rio, como
chuva deitada no chão. Nenhuma pressa! Outra remada, vagarosa. No fim de tudo, tem o pátio, com
os cochos, muito milho, na Fazenda; e depois o pasto: sombra, capim e sossego... 5Nenhuma pressa.

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 96


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Aqui, por ora, este poço doido, que barulha como um fogo, e faz medo, não é novo: tudo é ruim e
uma só coisa, no caminho: como os homens e os seus modos, costumeira confusão. É só fechar os
olhos. Como sempre. Outra passada, na massa fria. E ir sem afã, à voga surda, amigo da água, bem
com o escuro, filho do fundo, poupando forças para o fim. Nada mais, nada de graça; nem um
arranco, fora de hora. Assim.

João Guimarães Rosa. O burrinho pedrês, Sagarana.

Em trecho anterior do mesmo conto, o narrador chama Sete-de-Ouros de “sábio”. No excerto, a


sabedoria do burrinho consiste, principalmente, em

a) procurar adaptar-se o melhor possível às forças adversas, que busca utilizar em benefício próprio.

b) firmar um pacto com as potências mágicas que se ocultam atrás das aparências do mundo natural.

c) combater frontalmente e sem concessões as atitudes dos homens, que considera confusas e
desarrazoadas.

d) ignorar os perigos que o mundo apresenta, agindo como se eles não existissem.

e) escolher a inação e a inércia, confiando inteiramente seu destino às forças do puro acaso e da
sorte.
Comentários
A personagem do burrinho pedrês atravessa o sertão durante um período de chuvas. A
serenidade de Sete-Ouros é aperfeiçoada durante anos. Isso lhe confere sabedoria, até mesmo
vantagem em relação às adversidades enfrentadas na vida.
Alternativa “a”: correta – gabarito. O conhecimento mais sábio ao qual ele chega é que ele não
deve lutar contra a correnteza, mas sim usá-la a seu favor para conseguir a travessia. Dessa forma,
ele é capaz de salvar Badu, personagem que representa o vaqueiro bêbado que levava em seu
dorso, e Francolim.
Alternativa “b”: incorreta. Cuidado: o livro no qual há um pacto entre o protagonista, Riobaldo, e
potências mágicas ocultas – no caso, o diabo – é Grande sertão: veredas, do mesmo autor.
Alternativa “c”: incorreta. “Desarrazoada” significa sem razão, sem sentido. O burrinho pedrês
não combate as atitudes dos homens, nem as julga confusas – ele aprende com elas.
Alternativa “d”: incorreta. Ele aprende com os perigos do mundo, não os despreza.
Alternativa “e”: incorreta. Ele não é uma personagem levada pelo acaso; ele está em constante
movimento, em sua travessia, e sua ação é movida pelo seu aprendizado.
Gabarito: A
21. (FUVEST - 2006)

Ele se aproximou e com voz cantante de nordestino que a emocionou, perguntou-lhe:

⎯ E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear?


⎯ Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de ideia.

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⎯ E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?

⎯ Macabéa.

⎯ Maca ⎯ o quê?

⎯ Bea, foi ela obrigada a completar.

⎯ Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.

⎯ Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte
se eu vingasse, até um ano de idade eu não era chamada porque não tinha nome, eu preferia
continuar a nunca ser chamada em vez de ter um nome que ninguém tem mas parece que deu certo
⎯ parou um instante retomando o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor ⎯ pois
como o senhor vê eu vinguei... pois é...

⎯ Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande dívida de honra.

Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma
loja de ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E
Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado:

⎯ Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?

Da segunda vez em que se encontraram caía uma chuva fininha que ensopava os ossos. Sem nem
ao menos se darem as mãos caminhavam na chuva que na cara de Macabéa parecia lágrimas
escorrendo.

Clarice Lispector, A hora da estrela.

Neste excerto, as falas de Olímpico e Macabéa

a) aproximam-se do cômico, mas, no âmbito do livro, evidenciam a oposição cultural entre a mulher
nordestina e o homem do sul do País.

b) demonstram a incapacidade de expressão verbal das personagens, reflexo da privação econômica


de que são vítimas.

c) beiram às vezes o absurdo, mas, no contexto da obra, adquirem um sentido de humor e sátira
social.

d) registram, com sentimentalismo, o eterno conflito que opõe os princípios antagônicos do Bem e
do Mal.

e) suprimem, por seu caráter ridículo, a percepção do desamparo social e existencial das
personagens.
Comentários

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Alternativa “a”: incorreta. Não saber o que falar nem se expressar, dizer que gosta de parafuso e
prego, é uma situação humana trágica, e não cômica, se bem que nesta obra há vários veios
tragicômicos e a junção dos dois, como poderia ser considerado esse trecho. Porém, não há
oposição, pois Olímpio não é homem do sul, mas nordestino como Macabéa.
Alternativa “b”: incorreta. A incapacidade verbal não é exatamente reflexo do meio econômico,
mas todo um meio maior, social, cultural, geográfico.
Alternativa “c”: correta – gabarito. Eis a definição do tragicômico, o melodrama que a autora
destaca no livro.
Alternativa “d”: incorreta. A obra é filosófica, mas o antagonismo entre Bem e Mal não é o seu
foco. A obra não é sentimentalista, pois é moderna, e essa é uma característica do movimento
literário do Romantismo.
Alternativa “e”: incorreta. O desamparo e a crise existencial são profundos no livro, em nenhum
momento são suprimidos.
Gabarito: C
22. (FUVEST - 2005)

Devo registrar aqui uma alegria. É que a moça num aflitivo domingo sem farofa teve uma inesperada
felicidade que era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando o leve êxtase,
ambicionou logo outro: queria ver, como uma vez em Maceió, espocarem mudos fogos de artifício.
Ela quis mais porque é mesmo uma verdade que quando se dá a mão, essa gentinha quer todo o
resto, o zé-povinho sonha com fome de tudo. E quer mas sem direito algum, pois não é?

(Clarice Lispector, A hora da estrela).

Considerando-se no contexto da obra o trecho sublinhado, é correto afirmar que, nele, o narrador

a) assume momentaneamente as convicções elitistas que, no entanto, procura ocultar no restante


da narrativa.

b) reproduz, em estilo indireto livre, os pensamentos da própria Macabéa diante dos fogos de
artifício.

c) hesita quanto ao modo correto de interpretar a reação de Macabéa frente ao espetáculo.

d) adota uma atitude panfletária, criticando diretamente as injustiças sociais e cobrando sua
superação.

e) retoma uma frase feita, que expressa preconceito antipopular, desenvolvendo-a na direção da
ironia.
Comentários
O trecho sublinhado trata-se de uma pergunta retórica, isto é, um questionamento sem resposta
lançado ao público, o que quer dizer que a autora não responde, mas sim direciona a resposta ao

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público. Atenção: mesmo que seja cobrado só um trecho, comandos que mencionam “contexto
da obra” pressupõem a leitura dela inteira.
Alternativa “a”: incorreta. Não é momentaneamente, pois o narrador o livro inteiro marca a sua
postura de distanciamento e refinamento em relação à sua protagonista, a criatura Macabéa.
Alternativa “b”: incorreta. No caso, não há a técnica estilística do discurso indireto livre, pois não
há apropriação da voz da personagem Macabéa.
Alternativa “c”: incorreta. Apesar de haver uma pergunta retórica, o narrador não hesita. A
pergunta retórica ao final pode ser meramente uma função fática da linguagem, isto é, testando
o canal, meio que pedindo para o leitor concordar com ele.
Alternativa “d”: incorreta. Não chega a ser partidário ou panfletário, mas apenas um recurso
estilístico e literário, um jogo de distanciamento, mas, em alguns momentos, aproximação.
Alternativa “e”: correta – gabarito. O narrador retoma o provérbio: “quando se dá a mão, quer-
se todo o resto” (frase feita) e depois expressa preconceito por meio da expressão pejorativa,
marcada ainda pelo diminutivo como recurso de rebaixamento, “zé-povinho”. A ironia é porque
transmite uma ideia contrário: em oposição a esse nojo elitista, Macabéa só quer viver e ser feliz.
Gabarito: E
Catar Feijão

1.

Catar feijão se limita com escrever:

joga-se os grãos na água do alguidar

e as palavras na folha de papel;

e depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,

água congelada, por chumbo seu verbo:

pois para catar esse feijão, soprar nele,

e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:

o de que entre os grãos pesados entre

um grão qualquer, pedra ou indigesto,

um grão imastigável, de quebrar dente.


Certo não, quando ao catar palavras:

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a pedra dá à frase seu grão mais vivo:

obstrui a leitura fluviante, flutual,

açula a atenção, isca-a como o risco.

João Cabral de Melo Neto

23. (INÉDITA)

Sobre o trabalho que comenta o eu lírico no poema do modernista:

a) a materialidade da pedra não se verifica na palavra, que deveria ser “cozinhada” antes de escrita.

b) palavras estão numa relação de antonímia com pedras, embora ambas sejam concretas.

c) escrever é superior ao trabalho de cozinhar e catar feijão, pois neste pode haver pedras.

d) fazer poesia é relativamente mais seguro do que trabalhar na cozinha, com risco de queimadura.

e) o trabalho poético pode ser comparado com o braçal, sendo que em ambos há riscos.
Comentários
Alternativa “a”: incorreta. Pelo contrário, a associação de uma palavra à pedra se dá justamente
pela sua materialidade. Inclusive, o motivo da pedra é bem famoso na poesia cabralina, tendo
modernista escrito livros como A educação pela pedra.
Alternativa “b”: incorreta. Pelo contrário, a relação é de sinonímia. Na realidade, recorre-se a uma
figura de linguagem, a metáfora.
Alternativa “c”: incorreta. Não é superior, pois a relação não é de hierarquia.
Alternativa “d”: incorreta. Queimaduras não são mencionadas e, além disso, na poesia também
há riscos.
Alternativa “e”: correta – gabarito. No caso, o trabalho braçal seria o de cozinhar, sendo que
ambos têm os seus riscos, os seus perigos.
Gabarito: E
24. (INÉDITA)
Em relação ao risco mencionado pelo eu lírico,

a) constitui num obstáculo intransponível a não ser que o leitor seja alfabetizado.

b) um grão indigesto é inexoravelmente negativo, podendo inclusive mesmo causar a morte.

c) aquilo que não é mastigável está na mesma qualidade da pedra e de uma palavra qualquer.

d) a pedra em meio ao feijão, embora imastigável, confere vida ao todo.

e) o fato de o leitor precisar atenção redobrada a um texto faz ele se sentir mal do estômago.
Comentários
Alternativa “a”: incorreta. A questão da alfabetização não é mencionada no poema.

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Alternativa “b”: incorreta. O risco não é tamanho quanto seria o de morte; de qualquer forma,
“inexoravelmente” significa “que não cede ou se abala diante de súplicas e rogos; inflexível,
implacável” (dicionário Houaiss). No caso, é o contrário: um grão imastigável é um risco, mas que
é positivo, pois consiste no grão mais vivo.
Alternativa “c”: incorreta. Não seria uma palavra qualquer, mas uma palavra mais difícil,
intragável tal qual uma pedra.
Alternativa “d”: correta – gabarito. O que pode ser constatado no verso: “a pedra dá à frase seu
grão mais vivo”.
Alternativa “e”: incorreta. A dificuldade do risco não diz respeito a males alimentícios, mas a
alimentos que são mais difíceis de tragar, mas que no fundo acabamos ingerindo, como pedras e
impurezas que sempre estarão em meio ao feijão. Há palavras mais difíceis que outras, mas elas
seriam positivas, pois demandam do leitor mais atenção, concentração.
Gabarito: D
25. (ITA - 2017)
Sobre o poema de Manuel Bandeira,

Irene no céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:


– Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
– Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
(Em: Libertinagem. Rio de Janeiro: Pongetti, 1930.)

é INCORRETO afirmar que a relação afetiva entre o sujeito lírico e Irene


a) faz com que a descrição dela seja permeada pela visão carinhosa dele.
b) torna a linguagem mais coloquial, espelhando a ligação afetuosa dos dois.
c) é responsável pelo tratamento informal dado a uma entidade religiosa.
d) é um mero disfarce da desigualdade entre brancos e negros.
e) é, na visão dele, compartilhada até mesmo por São Pedro.
Comentários: O poema, ainda que faça a referência às etnias (Irene preta e São Pedro branco),
não se propõe a discutir criticamente a relação entre negros e brancos. Por isso, a alternativa
incorreta é alternativa D.
A alternativa A não apresenta incorreção, pois o tom carinhoso fica explícito em expressões como
“Irene boa” e na coloquialidade do diálogo entre Irene e São Pedro.

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A alternativa B não apresenta incorreção, pois o uso do imperativo “entra”, ao invés de “entre”,
como seria correto na norma culta, denota proximidade com a oralidade.
A alternativa C não apresenta incorreção, pois a personagem Irene se dirige ao santo com
intimidade afetuosa, referindo-se a ele como “meu branco”.
A alternativa E não apresenta incorreção, pois São Pedro afirma que Irene pode entrar sem pedir
licença, o que denota intimidade e afetuosidade entre os dois.
Gabarito: D
26. (ITA - 2015)
O poema abaixo, de Manuel Bandeira, pertence ao livro Lira dos cinquentanos.

Velha chácara
A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Ah quanto tempo passou!


(Foram mais de cinquenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)

A usura fez tábua rasa


Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...

– Mas o menino ainda existe.

O poema apresenta uma diferença entre


I. o passado (a infância) e o presente (a velhice) vivido pelo eu lírico.
II. um espaço puramente natural (o campo) e outro sociofamiliar (a casa).
III. o que é desfeito pelo tempo (a casa) e o que ele não apaga (a lembrança).
IV. a chácara (espaço ideal) e a cidade (espaço arrasado pela usura).

Estão corretas apenas:


a) I, II e III.
b) I, II e IV.
c) II e III.
d) II, III e IV.
e) III e IV.

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Comentários:
O item I está correto, pois há uma oposição clara entre passado e presente. Isso fica claro em
expressões como “A casa era por aqui” e “Ah quanto tempo passou”.
O item II está correto, pois o “riacho”, elemento natural, ainda é o mesmo, enquanto a “casa”,
elemento sociofamiliar, já não existe mais.
O item III está correto, pois há oposição entre aquilo que era material, como a casa, e se acabou,
e o que é abstrato, como a memória, e permanece, driblando a ação do tempo.
O item IV está incorreto, pois não há no poema nenhuma referência ao espaço urbano, tornando
essa oposição impossível.
Gabarito: A
27. (ITA - 2015)
O poema abaixo, de João Cabral de Melo Neto, integra o livro A escola das facas.

Sobre o poema, é INCORRETO afirmar que a descrição


a) compara o som das folhas do canavial com o da cigarra.
b) põe em relevo a rusticidade da plantação de cana de açúcar.
c) destaca o som do vento que passa pela plantação.
d) associa o som do canavial com o amassar das folhas de papel.
e) faz do vento a navalha que corta o canavial.
Comentários: Não há referências no poema a uma rusticidade do canavial, mas sim aos sons que
partem dele. Por isso, a alternativa incorreta é alternativa B.
A alternativa A não apresenta incorreções, pois se lermos o poema de modo linear, já que ele é
constituído por apenas um período, teremos “Voz sem saliva da cigarra, do papel seco que se
amassa, de quando se dobra o jornal: assim canta o canavial”. Assim, fica fácil perceber que o
poeta trata a voz da cigarra como o canto do canavial.
A alternativa C não apresenta incorreções, pois as últimas duas estrofes do poema citam o contato
do vento com o canavial, destacando o som que ele produz.
A alternativa D não apresenta incorreções, pois no segundo verso aparece essa associação em:
“do papel seco que se amassa”, seguida de “assim canta o canavial”.
A alternativa E não apresenta incorreções, pois na última estrofe fica explícita a relação
metafórica de que o vento é a navalha que corta o canavial.
Gabarito: B

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28. (ITA - 2015)


O poema abaixo, de Alice Ruiz, faz parte do livro Jardim de Haijin.

passeio no Ibirapuera
uma cerejeira florida
interrompe a conversa

No texto, NÃO há
a) sentimento de amor pela natureza, exacerbado e de raiz romântica.
b) emoção estética despertada pela vegetação naquele que passeia.
c) descrição de parte da flora que integra o parque do Ibirapuera.
d) surpresa, durante o passeio pelo parque, causada por uma beleza inesperada.
e) referência a um local específico, o parque situado na cidade de São Paulo.
Comentários: Pelo que está escrito no texto, não é possível afirmar que a autora tenha um
sentimento amoroso em relação à natureza, tampouco que esse sentimento seja de raiz
romântica, já que não há idealização da natureza. Por isso, a alternativa correta é alternativa A.
A alternativa B está incorreta, pois o ato de interromper a conversa ao ver a cerejeira indica que
a natureza gera uma emoção no eu lírico, que interrompe o passeio para visualizar o que está
ocorrendo.
A alternativa C está incorreta, pois é possível saber que há cerejeiras no parque do Ibirapuera,
portanto, há descrição de parte da flora do parque.
A alternativa D está incorreta, pois há surpresa no fato da conversa ser interrompida para
observar a beleza da natureza.
A alternativa E está incorreta, pois há de fato referência a um local específico, que é o parque do
Ibirapuera em São Paulo.
Gabarito: A
29. (ITA - 2011)
Considere o poema abaixo, “A cantiga”, de Adélia Prado:

“Ai cigana ciganinha,


ciganinha, meu amor”.
Quando escutei essa cantiga
era hora do almoço, há muitos anos.
A voz da mulher cantando vinha de uma cozinha,
ai ciganinha, a voz de bambu rachado
continua tinindo, esganiçada, linda,
viaja pra dentro de mim, o meu ouvido cada vez melhor.
Canta, canta, mulher, vai polindo o cristal,

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canta mais, canta que eu acho minha mãe,


meu vestido estampado, meu pai tirando boia da panela,
canta que eu acho minha vida.
(Em: Bagagem. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.)

Acerca desse poema, é INCORRETO afirmar que


a) a poeta tem consciência de que seu passado é irremediavelmente perdido.
b) existe um tom nostálgico, e um saudosismo de raiz romântica.
c) a cantiga faz com que a poeta reviva uma série de lembranças afetivas.
d) predomina o tom confessional e o caráter autobiográfico.
e) valoriza os elementos da cultura popular, também uma herança romântica.
Comentários: No poema, através da canção, a poetisa afirma ser capaz de reencontrar a mãe, o
vestido estampado, o pai e “minha vida”. Portanto, seu passado não está irremediavelmente
perdido. Ele pode ser retomado a partir do contato com a canção. Por isso, a alternativa incorreta
é alternativa A.
A alternativa B não apresenta incorreções, pois ao retomar seu passado e a relação que ela tinha
com a cantiga e seu cotidiano, imprime-se um tom de nostalgia e saudosismo ao poema.
A alternativa C não apresenta incorreções, pois através da cantiga, a poetisa revive elementos de
seu passado, como expresso nos três últimos versos.
A alternativa D não apresenta incorreções, pois por ser escrito em primeira pessoa e tratar de
lembranças do passado, fica claro o tom confessional e o caráter autobiográfico.
A alternativa E não apresenta incorreções, pois ao dar valor à cantiga, um elemento da cultura
popular, valoriza por consequência elementos populares.
Gabarito: A
30. (ITA - 2011)
Considere o poema abaixo, de Ronaldo Azeredo:

Esse texto

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I. explora a organização visual das palavras sobre a página.


II. põe ênfase apenas na forma e não no conteúdo da mensagem.
III. pode ser lido não apenas na sequência horizontal das linhas.
IV. não apresenta preocupação social.

Estão corretas
a) I e II.
b) I, II e III.
c) I e III.
d) II e IV.
e) todas.
Comentários:
O item I. está correto, pois a palavra “velocidade” vai se materializando aos poucos, como se
estivesse entrando na folha. Assim, a organização visual das letras é importante para a
compreensão do poema.
O item II. está incorreto, pois a ideia de velocidade tem a ver com os conceitos do futurismo,
movimento que inspira a poesia concreta.
LEMBRE-SE: A organização visual chamativa é uma característica da poesia concreta.
O item III. está correto, pois é possível ler o poema na vertical também, de cima para baixo, sem
prejuízo de seu significado.
O item IV. está incorreto, pois a denúncia do tema da “velocidade” é comum aos escritores
modernistas, que se preocupam com o aceleramento da vida no século XX.
Gabarito: C
31. (ITA - 2010)
Na obra Quaderna (1960), João Cabral de Melo Neto incluiu um conjunto de textos, intitulado
“Poemas da cabra”, cujo tema é o papel desse animal no universo social e cultural nordestino. Um
desses poemas é reproduzido abaixo:

Um núcleo de cabra é visível


por debaixo de muitas coisas.
Com a natureza da cabra
Outras aprendem sua crosta.

Um núcleo de cabra é visível


em certos atributos roucos
que têm as coisas obrigadas
a fazer de seu corpo couro.

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A fazer de seu couro sola.


a armar-se em couraças, escamas:
como se dá com certas coisas
e muitas condições humanas.

Os jumentos são animais


que muito aprenderam da cabra.
O nordestino, convivendo-a,
fez-se de sua mesma casta.

Acerca desse poema, NÃO se pode afirmar que:


a) o poeta vê a cabra como um animal forte e que influencia outros seres que vivem em condições
adversas.
b) aquilo que a cabra parece ensinar aos demais seres é a resignação e a paciência diante da
adversidade.
c) a cabra oferece uma espécie de modelo comportamental para aqueles que precisam ser fortes
para enfrentar uma vida dura.
d) a cabra é um animal resistente ao meio hostil em que vive, assim como outros animais também
o são, como o jumento.
e) há no poema uma aproximação entre a cabra e o homem nordestino, pois ambos são fortes e
resistentes.
Comentários: Não há no poema referências à ideia de “resignação” ou de “paciência”. Pelo
contrário, há uma referência a “a armar-se em couraças, escamas”, ou seja, colocar uma
armadura, o que costuma significar embate. Por isso, a alternativa incorreta é alternativa B.
A alternativa A não apresenta incorreções, pois o poeta de fato apresenta a cabra como um animal
forte que “arma-se em couraças” e com quem “outras naturezas aprendem”, pois espelhando-se
em seu comportamento, os homens podem aprender.
A alternativa C não apresenta incorreções, pois no trecho “O nordestino, convivendo-a, / fez-se
de sua mesma casta” fica claro que o homem aprendeu com a cabra como se comportar diante
de certas situações: armando-se.
A alternativa D não apresenta incorreções, pois no poema, há comparação entre a cabra e o
jumento em “Os jumentos são animais / que muito aprenderam da cabra”.
A alternativa E não apresenta incorreções, pois, assim como na alternativa C, o trecho “O
nordestino, convivendo-a, / fez-se de sua mesma casta” comprova a relação entre o homem e a
cabra.
Gabarito: B
32. (ITA - 2010)

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O poema abaixo faz parte da obra Livro sobre nada (1996), de Manoel de Barros:

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá


mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
existem
nos encantos de um sabiá.

Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.

Os sabiás divinam.

É certo dizer que estamos diante de um poema


a) que mostra que o estudo dos sabiás tem mais a ver com adivinhação do que com informação.
b) no qual o autor mostra que a ciência é muito limitada para entender a anatomia do sabiá.
c) segundo o qual a ciência consegue entender a anatomia do sabiá, mas não explicar por que ele
nos encanta.
d) que mostra que há mistérios na natureza que a ciência tenta desvendar, como o encanto de um
sabiá.
e) que afirma ser impossível um saber acerca do sabiá.
Comentários: Na primeira estrofe do poema fica explícito que “ciência pode classificar e nomear
os órgãos de um sabiá / mas não pode medir seus encantos”. Portanto, a alternativa correta é
alternativa C.
A alternativa A está incorreta, pois o poeta afirma que a ciência é capaz de estudar o sabiá em
diversos aspectos. O que fica à cargo da emoção é o porquê dele nos encantar.
A alternativa B está incorreta, pois ele afirma no primeiro verso que “ciência pode classificar e
nomear os órgãos de um sabiá”.
A alternativa D está incorreta, pois o poema não afirma que compreender a razão do encanto do
sabiá seja uma função da ciência, tampouco sua pretensão.
A alternativa E está incorreta, pois há saberes, os científicos, que é possível nomear. O que não se
pode ter é o saber acerca do seu encantamento sobre nós.
Gabarito: C
33. (ITA - 2010)
No último livro que publicou em vida, Teia (1996), a escritora Orides Fontela escreveu o poema
abaixo.

João

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I
De barro
o operário
e a casa

(de barro
o nome
e a obra).

II
O pássaro-operário
madruga:

construir a
casa
construir
o canto

ganhar – construir –
o dia.

III
O pássaro
faz o seu
trabalho
e o trabalho faz
o pássaro.

IV
O duro
impuro
labor: construir-se.

V
O canto é anterior
ao pássaro

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a casa é anterior
ao barro

O nome é anterior
à vida.

Podemos afirmar que:


I. nem a parte I nem a II indicam que o pássaro “joão-de-barro” pode ser visto como metáfora de
um determinado tipo social.
II. apenas a parte III sugere que o trabalho feito pelo joão-de-barro aproxima-se daquele feito por
um operário.
III. o poema, em seu todo, aproxima metaforicamente o “joão-de-barro” de um trabalhador
brasileiro (um “João”, como o título indica).
IV. como no caso do pássaro, também para o operário vale a ideia de que o homem faz o trabalho
e o trabalho faz o homem.

Estão corretas apenas as afirmações:


a) I e III.
b) I e IV.
c) II e III.
d) II e IV.
e) III e IV.
Comentários:
A afirmação I está incorreta, pois o termo “operário”, presente nas estrofes I e II, pode fazer
referência tanto à característica de trabalhador do pássaro quanto ao próprio trabalhador da
construção civil.
A afirmação II está incorreta, pois a comparação com o trabalhador braçal permeia todo o poema,
não apenas a terceira estrofe.
A afirmação III está correta, pois o poeta soma o nome “João”, muito comum no Brasil, com a
condição de trabalhador braçal, operário, outra profissão bastante comum no Brasil.
A afirmação IV está correta, pois a estrofe IV fica evidente que construir a si próprio, representado
pela forma reflexiva “construir-se” é associado ao “duro, impuro labor”.
Gabarito: E
34. (ITA - 2009)
Leia o poema abaixo, “Na contramão”, de Chacal.
ela ali tão sem
eu aqui sem chão

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nós assim ninguém


cada um na mão

Acerca desse poema, considere as seguintes afirmações:


I. Ele possui uma das marcas mais típicas da poesia contemporânea, que é a brevidade.
II. É notória a informalidade da linguagem, que afasta o poema da tradição culta e erudita.
III. Há um sentimentalismo contemporâneo que filtra os excessos da expressão sentimental.
IV. Existe a persistência do tema do desencontro amoroso (tradicional na literatura).

Está(ão) correta(s)
a) apenas a I.
b) apenas I e II.
c) apenas I, II e III.
d) apenas III e IV.
e) todas.
Comentários:
O item I. está correto, pois a brevidade das formas é de fato um traço da poesia contemporânea.
O item II. está correto, pois há traços de linguagem coloquial no poema, como na expressão “na
mão”.
O item III. está correto, pois o contemporâneo de fato é um momento de dificuldade na expressão
dos sentimentos nas relações interpessoais.
O item IV. está correto, pois o desencontro amoroso nesse poema fica evidente em “ela ali” e “eu
aqui”, na oposição dos pronomes demonstrativos.
Gabarito: E
35. (IME - 2016)
SOLUÇÃO
João Paiva
Eu quero uma solução
homogênea, preparada,
coisa certa, controlada
para ter tudo na mão.
Solução para questão
que não ouso resolver.
Diluída num balão
elixir pra me entreter.
Faço centrifugação
para ter ar uniforme

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uso varinha conforme,


seja mágica ou não.
Busco uma solução
tudo lindo, direitinho
eu quero ter tudo certinho
ter o mundo nesta mão.
Procuro mistura,
então aqueço tudo em cadinho.
E vejo não ter solução
mas apenas um caminho...
PAIVA, João. Quase poesia, quase química. Disponível em: <http://
www.spq.pt/files/docs/boletim/poesia/quase-poesia-quase-quimica-jpaiva2012.pdf> Acesso em: 22/04/2015

Sobre o texto podemos inferir que


I. o autor do texto nos traz uma mensagem altamente negativa e pessimista do fazer científico.
II. o vocábulo que confere título ao texto pode ter o mesmo valor semântico no primeiro e quinto
versos, o que confirma a intenção do cientista em “para ter tudo na mão” (verso 4).
III. o cientista falha quando não encontra meios em seu trabalho cotidiano para solucionar, com
extrema precisão, tudo o que lhe vier às mãos para fazer.

Marque a opção correta:


a) I apenas.
b) II apenas.
c) II e III
d) III apenas.
e) nenhuma das alternativas.
Comentários:
A afirmação I está incorreta, pois não é possível atribuir juízo de valor ao que o autor disse, já que
ele apenas realiza uma descrição do método científico.
A afirmação II está correta, pois “solução”, aqui, não é empregada no sentido da química
(composto homogêneo), mas sim como “resolução de problemas”. Portanto, o autor brinca com
a polissemia da palavra “solução”, utilizando também termos relacionados à química, para falar
sobre a solução de problemas.
A afirmação III está incorreta, pois não se pode dizer que o cientista falha, já que ele afirma que,
apesar de não haver “solução”, há um caminho.
Gabarito: B
Texto para as próximas questões

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Poesia Matemática
Millôr Fernandes
1 Às folhas tantas
2 do livro matemático
3 um Quociente apaixonou-se
4 um dia
5 doidamente
6 por uma Incógnita.
7 Olhou-a com seu olhar inumerável
8 e viu-a do ápice __ base
9 uma figura ímpar;
10 olhos romboides, boca trapezoide,
11 corpo retangular, seios esferoides.
12 Fez de sua uma vida
13 paralela à dela
14 até que se encontraram
15 no infinito.
16 "Quem és tu?", indagou ele
17 em ânsia radical.
18 "Sou a soma do quadrado dos catetos.
19 Mas pode me chamar de Hipotenusa."
20 E de falarem descobriram que eram
21 (o que em aritmética corresponde
22 a almas irmãs)
23 primos entre si.
24 E assim se amaram
25 ao quadrado da velocidade da luz
26 numa sexta potenciação
27 traçando
28 ao sabor do momento
29 e da paixão
30 retas, curvas, círculos e linhas senoidais
31 nos jardins da quarta dimensão.
32 Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
33 e os exegetas do Universo Finito.
34 Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
35 E enfim resolveram se casar
36 constituir um lar,

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37 mais que um lar,


38 um perpendicular.
39 Convidaram para padrinhos
40 o Poliedro e a Bissetriz.
41 E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
42 sonhando com uma felicidade
43 integral e diferencial.
44 E se casaram e tiveram uma secante e três cones
45 muito engraçadinhos.
46 E foram felizes
47 até aquele dia
48 em que tudo vira afinal
49 monotonia.
50 Foi então que surgiu
51 O Máximo Divisor Comum
52 frequentador de círculos concêntricos,
53 viciosos.
54 Ofereceu-lhe, a ela,
55 uma grandeza absoluta
56 e reduziu-a a um denominador comum.
57 Ele, Quociente, percebeu
58 que com ela não formava mais um todo,
59 uma unidade.
60 Era o triângulo,
61 tanto chamado amoroso.
62 Desse problema ela era uma fração,
63 a mais ordinária.
64 Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
65 e tudo que era espúrio passou a ser
66 moralidade
67 como aliás em qualquer
68 sociedade

RELEITURAS. Poesia matemática. Disponível em: <


http://www.releituras.com/millor_poesia.asp>. Acesso em 09/05/2013.

36. (IME - 2014)


A repetição da conjunção “e” nos versos 41, 44 e 46 do texto revela um traço estilístico que

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a) dá uma ideia de ênfase à sequência de ações do casal.


b) dá uma ideia de monotonia aos acontecimentos.
c) dá uma ideia de confusão à sequência de ações do casal.
d) ajuda a prever o desfecho da separação anunciada ao final.
e) deixa perceber a que movimento literário se filia o autor do texto.
Comentários: A repetição do conectivo “e” é comumente empregada para passar a ideia de
sucessão de fatos, progressão temporal. Por isso, a alternativa correta é alternativa A.
A alternativa B está incorreta, pois não há, nesse momento, a noção de monotonia. O casal ainda
está no início da relação, fazendo seus planos.
A alternativa C está incorreta, pois as ações estão bastante ordenadas nesse trecho, inclusive em
ordem cronológica.
A alternativa D está incorreta, pois o indicativo de que as coisas vão acabar mal está no uso do
conectivo “até” em “até aquele dia / em que tudo vira afinal / monotonia”, não na sucessão dos
“e”.
A alternativa E está incorreta, pois essa é uma figura de linguagem que pode ser utilizada em
diversos momentos, por diversos movimentos. Não se refere a uma época específica.
Gabarito: A
37. (IME - 2014)
Leia atentamente as assertivas a seguir, todas referentes ao texto desta prova
I. A partir de conceitos matemáticos construiu-se uma narrativa poética em terceira pessoa cujo
tema é a traição numa relação amorosa.
II. O adjetivo ordinária (V. 63) está carregado de um tom moralizante e deixa entrever um juízo de
valor relativo ao comportamento feminino no relacionamento entre a Hipotenusa e o Quociente.
III. É coerente com o tom moralizante da Poesia Matemática associar o nome dado ao elemento
masculino da relação amorosa narrada, Quociente, ao adjetivo consciente, isto é, aquele que faz
uso da razão.
IV. A quebra de paradigmas científicos requerida pela Teoria da Relatividade einsteiniana é
associada, à quebra de paradigmas morais nas sociedades modernas.

Dentre as afirmativas acima


a) apenas a I e a II estão corretas.
b) apenas a II e a III estão corretas.
c) apenas a III está correta.
d) apenas a III e a IV estão corretas.
e) todas estão corretas.
Comentários:

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A afirmação I. está correta, pois essa é de fato a descrição do texto, o que pode-se comprovar
pela observação de trechos do poema:
Conceitos matemáticos: “quociente”, “incógnita”, “ímpar”, “paralela”, “infinito” etc.
Narrativa em 3ª pessoa: "Quem és tu?", indagou ele / em ânsia radical.
Traição numa relação amorosa: “Ele, Quociente, percebeu / que com ela não formava mais um
todo, / uma unidade. / Era o triângulo, / tanto chamado amoroso.”
A afirmação II. está correta, pois há uma brincadeira com a polissemia de “ordinária”: como fração
ordinária (aquela em que o numerador da fração é um número inteiro) e pessoa ordinária (pessoa
de comportamento reprovável moralmente).
A afirmação III. está correta, pois o poeta brinca com o som de “quociente” e “consciente”. Então
o “quociente” é aquele que detém a razão, a consciência.
A afirmação IV. está correta, pois o poeta faz uso do conceito comum de “relatividade”, em que
“tudo é relativo”. Assim, aquilo que era um conceito moral sólido, já não é mais, pois agora tudo
é relativo.
Gabarito: E
38. (UNICAMP - 2019)
Para driblar a censura imposta pela ditadura militar, compositores de música popular brasileira
(MPB) valiam-se do que Gilberto Vasconcelos chamou de “linguagem da fresta”, expressão inspirada
na canção “Festa imodesta”, de Caetano Veloso.

(...)
Numa festa imodesta como esta
Vamos homenagear
Todo aquele que nos empresta sua testa
Construindo coisas pra se cantar
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
E que o otário silencia
Toda festa que se dá ou não se dá
Passa pela fresta da cesta e resta a vida.

Acima do coração que sofre com razão


A razão que volta do coração
E acima da razão a rima
E acima da rima a nota da canção
Bemol natural sustenida no ar
Viva aquele que se presta a esta ocupação
Salve o compositor popular

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(Gilberto de Vasconcelos, Música


popular: de olho na fresta. Rio
de Janeiro: Graal, 1977.)

É correto afirmar que, na canção, essa “linguagem da fresta” transparece


a) na contradição entre “festa” e “fresta”, que funciona como crítica ao malandro.
b) na repetição de palavras com pronúncia semelhante para louvar a MPB.
c) na referência à “fresta” como forma de o compositor se pronunciar.
d) na incoerência da rima entre “festa” e “imodesta” para prestigiar o compositor.
Comentários: Num momento de censura, é preciso encontrar modos cifrados, menos óbvios para
se expressar. A “fresta”, aqui, equivale a “brecha”, ou seja, pequeno espaço encontrado pra se
pronunciar. Isso fica claro no poema nos versos “Toda festa que se dá ou não se dá / Passa pela
fresta da cesta”. Assim, a alternativa correta é alternativa C.
A alternativa A está incorreta, pois não há contradição expressa entre “festa e “fresta”. O que
ocorre é uma brincadeira linguística com palavras de sons parecidos, mas com significados
diferentes.
A alternativa B está incorreta, pois o objetivo da música não tem o objetivo de louvar a MPB, mas
sim falar sobre a posição do cantor popular.
A alternativa D está incorreta, pois não há incoerência na rima apresentada, já que são sons
semelhantes ao leitor.
Gabarito: C
39. (UERJ - 2019)
Tempo Rei
Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito
Que tem sido
Transcorrendo, transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos

(...)

Tempo Rei, ó Tempo Rei, ó Tempo Rei


Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó Pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei

Pensamento, mesmo fundamento singular


Do ser humano, de um momento para o outro

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Poderá não mais fundar nem gregos nem baianos

Mães zelosas, pais corujas


Vejam como as águas de repente ficam sujas
Não se iludam, não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar por um segundo

Tempo Rei, ó Tempo Rei, ó Tempo Rei

(...)
GILBERTO GIL, letras.com.br

O tempo, além de relacionado aos fenômenos naturais, é também condicionador das vidas
humanas.
Na letra da canção de Gilberto Gil, a dimensão do tempo histórico destacada é denominada:
a) evolução
b) aceleração
c) linearidade
d) descontinuidade
Comentários: A passagem do tempo, para a música, causa transformações na vida humana. A
principal questão levantada é a descontinuidade, pois como diz o verso “Vejam como as águas de
repente ficam sujas”, aquilo que uma hora se mostrava de um jeito, logo pode se modificar. A
alternativa correta é alternativa D.
A alternativa A está incorreta, pois não aparece a noção de evolução, ou seja, de mudança gradual
e permanente, vista popularmente como uma mudança de um estado para outro melhor, no
poema.
A alternativa B está incorreta, pois a noção de mudança que o tempo promove não está
necessariamente ligada à rapidez. Algumas coisas, segundo o poema, vão se “transformando”, o
que indica uma ação que transcorre em determinado tempo.
A alternativa C está incorreta, pois o tempo não obedece a uma ordem linear, podendo ocorrer
fatos inesperados que modifiquem a direção que se seguia até então.
Gabarito: D
40. (FGV - 2018)
O século 20, com suas guerras mundiais e os conflitos que semearam, deixou muitas cicatrizes
sobre a face da Terra. Entre elas, o famigerado Muro de Berlim, cuja demolição marcou o fim da
Guerra Fria e o suposto final da história.

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A história não termina, contudo. Novos e gigantescos muros continuam a ser erguidos, com
alturas e extensões suficientes para deixar na sombra a barreira à liberdade erguida na capital
alemã, que existiu por 28 anos.
A proliferação desses obstáculos a apartar pessoas e comunidades motivou a série de
reportagens da Folha “Um Mundo de Muros”.
O Brasil tem os seus, desde sempre para manter a distância entre ricos e pobres – como o que
impede a visão da miséria e do esgoto a céu aberto da Vila Esperança, em Cubatão/SP, a quem
trafega pela via Imigrantes.
Nada diverso dos 10 km do Muro da Vergonha que apartam, na capital peruana, a esquálida
comunidade de Pamplona Alta do afluente bairro Casuarinas, outro retrato desolador.
São situações, problemas e conflitos muito díspares, contra os quais se erguem barreiras que
evocam o pior do século passado.
(Folha de S.Paulo, 10.09.2017. Adaptado)

O texto mostra que


a) a superação das diferenças, que semearam conflitos pelo mundo, faz com que as sociedades de
hoje se protejam delas.
b) a segregação, que deixou muitas marcas no planeta, ainda tem presença expressiva em várias
sociedades nos dias de hoje.
c) a sociedade contemporânea vive diuturnamente a combater as formas de segregação, na
esperança de um mundo mais justo.
d) a existência dos conflitos ainda perturba a sociedade, mas hoje eles estão praticamente
superados na maior parte do planeta.
e) a permanência de problemas e conflitos tão antigos mostra a falta de interesse das pessoas pela
busca de um mundo melhor.
Comentários: O fato de que ainda se construam muros nas cidades, alguns referidos no texto
como “Muro da vergonha”, por exemplo, é uma prova que a segregação ainda tem presença
expressiva nas sociedades, que não conseguiram ainda superar suas diferenças ou pré-
julgamentos. Por isso, a alternativa correta é alternativa B.
A alternativa A está incorreta, pois a existência de muros como os descritos no texto até hoje
indica que as diferenças não foram superadas, tampouco a segregação.
A alternativa C está incorreta, pois não há no texto indicativos que a sociedade esteja trabalhando
em prol da diminuição da segregação.
A alternativa D está incorreta, pois o texto afirma que o mundo ainda é um lugar repleto de
conflitos, tanto que anda há muitos muros espalhados.
A alternativa E está incorreta, pois o texto não fala sobre a existência ou não da vontade em
mitigar os conflitos, apenas expõe que eles ainda existem na sociedade.
Gabarito: B

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Textos para as próximas questões:


Muribeca
Lixo? Lixo serve pra tudo. A gente encontra a mobília da casa, cadeira pra pôr uns pregos e
ajeitar, sentar. Lixo pra poder ter sofá, costurado, cama, colchão. Até televisão. É a vida da gente o
lixão. E por que é que agora querem tirar ele da gente? O que é que eu vou dizer pras crianças? Que
não tem mais brinquedo? Que acabou o calçado? Que não tem mais história, livro, desenho? E o
meu marido, o que vai fazer? Nada? Como ele vai viver sem as garrafas, sem as latas, sem as caixas?
Vai perambular pela rua, roubar pra comer? E o que eu vou cozinhar agora? Onde vou procurar
tomate, alho, cebola? Com que dinheiro vou fazer sopa, vou fazer caldo, vou inventar farofa? Fale,
fale. Explique o que é que a gente vai fazer da vida? O que a gente vai fazer da vida? Não pense que
é fácil. Nem remédio pra dor de cabeça eu tenho. Como vou me curar quando me der uma dor no
estômago, uma coceira, uma caganeira? Vá, me fale, me diga, me aconselhe. Onde vou encontrar
tanto remédio bom? E esparadrapo e band-aid e seringa? O povo do governo devia pensar três vezes
antes de fazer isso com chefe de família. Vai ver que eles tão de olho nessa merda aqui. Nesse
terreno. Vai ver que eles perderam alguma coisa. É. Se perderam, a gente acha. A gente cata. A
gente encontra. Até bilhete de loteria, lembro, teve gente que achou. Vai ver que é isso, coisa da
Caixa Econômica. Vai ver que é isso, descobriram que lixo dá lucro, que pode dar sorte, que é luxo,
que lixo tem valor. Por exemplo, onde a gente vai morar, é? Onde a gente vai morar? Aqueles
barracos, tudo ali em volta do lixão, quem é que vai levantar? Você, o governador? Não. Esse
negócio de prometer casa que a gente não pode pagar é balela, é conversa pra boi morto. Eles jogam
a gente é num esgoto. Pr'onde vão os coitados desses urubus? A cachorra, o cachorro? Isso tudo
aqui é uma festa. Os meninos, as meninas naquele alvoroço, pulando em cima de arroz, feijão.
Ajudando a escolher. A gente já conhece o que é bom de longe, só pela cara do caminhão. Tem uns
que vêm direto de supermercado, açougue. Que dia na vida a gente vai conseguir carne tão barato?
Bisteca, filé, chã-de-dentro - o moço ta servido? A moça? Os motoristas já conhecem a gente. Têm
uns que até guardam com eles a melhor parte. É coisa muito boa, desperdiçada. Tanto povo que
compra o que não gasta - roupa nova, véu, grinalda. Minha filha já vestiu um vestido de noiva, até
a aliança a gente encontrou aqui, num corpo. É. Vem parar muito bicho morto. Muito homem, muito
criminoso. A gente já tá acostumado. Até o camburão da polícia deixa seu lixo aqui, depositado.
Balas, revólver 38. A gente não tem medo, moço. A gente é só ficar calado. Agora, o que deu na
cabeça desse povo? A gente nunca deu trabalho. A gente não quer nada deles que não esteja aqui
jogado, rasgado, atirado. A gente não quer outra coisa senão esse lixão pra viver. Esse lixão para
morrer, ser enterrado. Pra criar os nossos filhos, ensinar o nosso ofício, dar de comer. Pra continuar
na graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não faltar brinquedo, comida, trabalho. Não, eles nunca vão
tirar a gente deste lixão. Tenho fé em Deus, com a ajuda de Deus eles nunca vão tirar a gente deste
lixo. Eles dizem que sim, que vão. Mas não acredito. Eles nunca vão conseguir tirar a gente deste
paraíso.
FREIRE, Marcelino. Muribeca. In:_____. Angu de sangue. São Paulo: Ateliê, 2000. p. 23-25.

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Texto II
Nem luxo, nem lixo

Como vai você?


Assim como eu
Uma pessoa comum
Um filho de Deus
Nessa canoa furada
Remando contra a maré
Não acredito em nada
Até duvido da fé

Não quero luxo, nem lixo


Meu sonho é ser imortal
Meu amor!
Não quero luxo, nem lixo
Quero saúde pra gozar no final
LEE, Rita Lee; CARVALHO, Roberto de. Nem luxo, nem lixo. In: LEE, Rita. Rita Lee. [LP]. Brasil: Som Livre, 1980.

41. (UFJF - 2015)


A ideia central, defendida pelo eu-lírico, na letra da canção de Rita Lee e Roberto de Carvalho (Texto
II) está melhor explicada em:

a) a liberdade só é possível com fé.


b) a imortalidade depende do sonho.
c) os bens materiais se justificam pela imortalidade.
d) o bem-estar é o principal valor da vida.
e) as dificuldades devem sempre ser enfrentadas.
Comentários: A letra da canção afirma que “não quero luxo, nem lixo / quero saúde pra gozar no
final”, ou seja, mais importante que todas as outras coisas é o bem-estar, a saúde. Por isso, a
alternativa correta é alternativa D.
A alternativa A está incorreta, pois não há referência na letra da canção que associe liberdade
com fé.
A alternativa B está incorreta, pois ao dizer “meu sonho é ser imortal” o eu lírico apensas expressa
um desejo. Não há condicionamento real entre sonhar e ser imortal.
A alternativa C está incorreta, pois o eu lírico afirma que “não quer luxo”, mas sim “saúde”. Não
há ligação entre a imortalidade e os bens materiais.

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 122


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A alternativa E está incorreta, pois a ideia central da letra da canção é a sobrepujança do bem-
estar sobre “luxo ou lixo”. A necessidade de lutar contra as adversidades aparece em “Nessa
canoa furada / Remando contra a maré”, mas não é o centro do texto.
Gabarito: D
42. (UFJF - 2015)
A oposição existente entre os sentidos de “luxo” e “lixo”, presente na canção de Rita Lee e Roberto
de Carvalho (Texto II), é invertida na seguinte ideia, depreendida do conto de Marcelino Freire
(Texto I):
a) o lixo tem valor econômico.
b) o lixo sem tratamento é vetor de doenças.
c) na pobreza deve sempre haver alegria.
d) o luxo não é privilégio dos ricos.
e) o luxo pode ser um lixo.
Comentários: ao opor “luxo” e “lixo”, o eu lírico da canção deixa implícito que são elementos de
valor oposto. Enquanto o luxo seria associado ao valor econômico, o lixo seria a ausência de valor.
No texto I há a ideia de que o lixo deve ter valor econômico para ser gerado em tamanhas
quantidades , o que se comprova no trecho “Vai ver que é isso, descobriram que lixo dá lucro, que
pode dar sorte, que é luxo, que lixo tem valor.”. Por isso, a alternativa correta é alternativa A.
A alternativa B está incorreta, pois não há na letra da canção de Rita Lee a referência a doenças
causadas pelo lixo, portanto, essa ideia não poderia ter sido invertida no conto,
A alternativa C está incorreta, pois os textos não entram no mérito da alegria ou tristeza ligada à
condição financeira.
A alternativa D está incorreta, pois a ideia de luxo é popularmente ligada à ideia de riqueza e,
portanto, às camadas mais ricas.
A alternativa E está incorreta, pois tal afirmação é proferida ironicamente no texto I, não no texto
II. Não há na música essa ideia presente.
Gabarito: A
43. (Insper - 2015)
Sintaxe à vontade
Sem horas e sem dores,
Respeitável público pagão,
Bem-vindos ao teatro mágico.

A partir de sempre
Toda cura pertence a nós.
Toda resposta e dúvida.
Todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser,
Todo verbo é livre para ser direto ou indireto.

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Nenhum predicado será prejudicado,


Nem tampouco a frase, nem a crase, nem a vírgula e ponto final!
Afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas,
E estar entre vírgulas pode ser aposto,
E eu aposto o oposto: que vou cativar a todos,
Sendo apenas um sujeito simples.
Um sujeito e sua oração,
Sua pressa, e sua verdade, sua fé,

Que a regência da paz sirva a todos nós.


Cegos ou não,
Que enxerguemos o fato
De termos acessórios para nossa oração.
Separados ou adjuntos, nominais ou não,
Façamos parte do contexto da crônica
E de todas as capas de edição especial.
Sejamos também o anúncio da contracapa,
Pois ser a capa e ser contra a capa
É a beleza da contradição.
É negar a si mesmo.
E negar a si mesmo é muitas vezes
Encontrar-se com Deus.
Com o teu Deus.

Sem horas e sem dores,


Que nesse momento que cada um se encontra aqui e agora,
Um possa se encontrar no outro,
E o outro no um...
Até por que, tem horas que a gente se pergunta:
Por que é que não se junta
Tudo numa coisa só?

(O Teatro Mágico)

À semelhança dos manifestos literários do início do século XX, que propunham inovações no campo
artístico, essa canção defende um determinado posicionamento a respeito da linguagem. Em
“Sintaxe à vontade”, defende-se que
a) o desmazelo à norma culta acarreta frequentes ruídos de comunicação.

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 124


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b) os falantes da língua portuguesa são escravizados pela norma culta.


c) a inventividade para criar a própria língua é fruto da liberdade de expressão.
d) a obediência à gramática normativa cerceia a criatividade do falante.
e) a impossibilidade do domínio da norma culta causa angústia aos falantes.
Comentários: A canção defende que se possa ser livre para comunicar-se e criar relações, unindo
ainda mais as pessoas. No trecho “Todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser, / Todo
verbo é livre para ser direto ou indireto” fica claro essa postura, de que as pessoas sejam livres
para inventar sua própria forma de falar. Por isso, a alternativa correta é alternativa C.
A alternativa A está incorreta, pois a canção defende que as pessoas possam estabelecer relações
baseadas no seu uso da língua, não necessariamente obedecendo à norma culta.
A alternativa B está incorreta, pois não há referência a um potencial aprisionamento das pessoas
pela norma culta.
A alternativa D está incorreta, pois não há referências no texto a cerceamento da liberdade, mas
sim à possibilidade de se comunicar como quiser, independente se obedecendo à norma culta ou
não.
A alternativa E está incorreta, pois não há passagens em que se denote frustração por não saber
a norma culta no texto. O que há é uma defesa que todos possam falar como quiserem.
Gabarito: C
44. (FGV - 2015)
Eram tempos menos duros aqueles vividos na casa de Tia Vicentina, em Madureira, subúrbio
do Rio, onde Paulinho da Viola podia traçar, sem cerimônia, um prato de feijoada - comilança que
deu até samba, "No Pagode do Vavá". Mas como não é dado a saudades (lembre-se: é o passado
que vive nele, não o contrário), Paulinho aceitou de bom grado a sugestão para que o jantar
ocorresse em um dos mais requintados italianos do Rio. A escolha pela alta gastronomia tem seu
preço. Assim que o sambista chega à mesa redonda ao lado da porta da cozinha, forma-se um círculo
de garçons, com o maître à frente. [...]
Paulinho conta que cresceu comendo o trivial. Seu pai viveu 88 anos à base de arroz, feijão,
bife e batata frita. De vez em quando, feijoada. Massa, também. "Mas nada muito sofisticado."
Com exceção de algumas dores de coluna, aos 70 anos, goza de plena saúde. O músico credita
sua boa forma ao estilo de vida, como se sabe, não dado a exageros e grandes ansiedades.
T. Cardoso, Valor, 28/06/2013. Adaptado.

Argumento (Paulinho da Viola)


Tá legal
Eu aceito o argumento
Mas não me altere o samba tanto assim
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De um cavaco, de um pandeiro

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 125


Prof. Celina Gil

Ou de um tamborim.

Sem preconceito
Ou mania de passado
Sem querer ficar do lado
De quem não quer navegar
Faça como um velho marinheiro
Que durante o nevoeiro
Leva o barco devagar.

Se a expressão “mania de passado”, usada na letra da canção, for comparada à frase do primeiro
texto “é o passado que vive nele, não o contrário”, quanto ao sentido que assumem no contexto, é
correto afirmar que a referida expressão
a) é uma crítica a um comportamento, o qual está sugerido no trecho “não o contrário”.
b) contradiz o que a frase pretende transmitir a respeito do modo de pensar do compositor.
c) deve ser entendida de forma positiva assim como o trecho “é o passado que vive nele”.
d) refere-se a maneiras de pensar coletivas, ao contrário da frase, que considera apenas o aspecto
individual.
e) atribui à palavra “passado” um sentido diverso do que esse termo assume na frase citada.
Comentários: A oração “é o passado que vive nele, não o contrário” significa que as referências
ao passado estão dentro de Paulinho da Viola. O contrário seria “Paulinho da Viola vive no
passado”, o que não é verdade. A expressão “mania de passado” denota um comportamento
negativo, um hábito de ficar sempre pensando no passado. O comportamento que “mania de
passado” critica é justamente a ideia de que se viva no passado, elemento representado pela
oração “não o contrário”. Por isso, a alternativa correta é alternativa A.
A alternativa B está incorreta, pois o fato de Paulinho da Viola não viver no passado corrobora sua
crítica à “mania de passado”.
A alternativa C está incorreta, pois “mania de passado” possui conotação negativa: é alguém que
não consegue se desprender do passado.
A alternativa D está incorreta, pois o comportamento de viver no passado não precisa caracterizar
necessariamente apenas um comportamento individual, mas também de um grupo.
A alternativa E está incorreta, pois a palavra “passado” possui a mesma conotação (momento
temporal anterior ao presente) em ambas as referências.
Gabarito: A
Texto para as próximas questões
Mau despertar
Saio do sono como
de uma batalha

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 126


Prof. Celina Gil

travada em
lugar algum

Não sei na madrugada


se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorrem
uns restos de treva
(Ferreira Gullar. Muitas vozes, 2013.)
45. (UNIFESP - 2015)
A leitura do poema permite inferir que
a) o despertar do eu lírico apaga as más lembranças da madrugada.
b) a noite é problema para o eu lírico, perturbado mais física que mentalmente.
c) o eu lírico atribui o seu mau despertar a uma noite de difícil sono.
d) o eu lírico encontra na noite difícil uma forma de enfrentar seus medos.
e) o mau despertar acentua as feridas e as dores que perturbam o eu lírico.
Comentários: Palavras como “batalha” e “hematomas”, somadas ao despertar difícil descrito pelo
eu lírico, denotam que ele teve uma noite de sono conturbado. Por isso, a alternativa correta é
alternativa C.
A alternativa A está incorreta, pois não se pode afirmar, pelo que está escrito no poema, que o
despertar apague más lembranças da madrugada. Só o que está dito é que ao lavar o rosto, o eu
lírico se livra dos restos de treva dos olhos.
A alternativa B está incorreta, pois ainda que haja a menção de muitos elementos físicos no
poema, fica claro que também há o aspecto psicológico envolvido, como, por exemplo, o fato de
acordar sem saber bem qual a “batalha travada” na noite anterior.
A alternativa D está incorreta, pois o poema apenas descreve o acordar do eu lírico, sem indicar
se a noite que passou o ajudou ou não em alguma medida.
A alternativa E está incorreta, pois o mau despertar não acentua as feridas e dores. Elas são
causadas pela má noite de sono.
Gabarito: C
46. (UNIFESP - 2015)

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 127


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Analisando-se as três estrofes do poema, atribui-se a cada uma os seguintes sentidos,


respectivamente,
a) a lembrança do sono – as consequências do mau sono – a libertação da noite mal dormida.
b) a consciência do despertar – as hipóteses acerca do sono – a tentativa de se restaurar.
c) a expectativa com o despertar – a certeza da noite mal dormida – a certeza de um dia ruim.
d) a causa do sono conturbado – a possibilidade de recuperação – a ansiedade pela melhora.
e) a renovação ao despertar – a possibilidade de enfrentar o mau sono – a busca por um dia melhor.
Comentários: A melhor descrição do conteúdo de cada uma das estrofes é:
1ª estrofe: o acordar do eu lírico. Ele percebe o estado em que despertou.
2ª estrofe: eu lírico levanta hipóteses do que teria ocorrido com ele durante o sono para que ele
acordasse naquele estado.
3ª estrofe: na tentativa de melhorar seu estado, o eu lírico se levanta e lava o rosto.
Por isso, a alternativa correta é alternativa B.
A alternativa A está incorreta, pois não se pode dizer que a primeira estrofe seja uma lembrança
do sono, já que o eu lírico afirma que não sabe quais batalhas travou.
A alternativa C está incorreta, pois não há na terceira estrofe a certeza de que o dia será ruim,
apenas uma tentativa de se recompor para enfrentar o dia.
A alternativa D está incorreta, pois não se apresenta na primeira estrofe nenhuma causa para o
que teria causado a má noite de sono, mas sim o início do despertar do eu lírico.
A alternativa E está incorreta, pois não há na segunda estrofe a possibilidade de enfrentar o mau
sono, mas sim um levantamento de hipóteses do que teria causado um despertar tão difícil e uma
noite de sono tão mal dormida.
Gabarito: B
47. (FUVEST - 2011)
A ROSA DE HIROXIMA
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 128


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A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Vinicius de Moraes, Antologia poética.
Neste poema,
a) a referência a um acontecimento histórico, ao privilegiar a objetividade, suprime o teor lírico do
texto.
b) parte da força poética do texto provém da associação da imagem tradicionalmente positiva da
rosa a atributos negativos, ligados à ideia de destruição.
c) o caráter politicamente engajado do texto é responsável pela sua despreocupação com a
elaboração formal.
d) o paralelismo da construção sintática revela que o texto foi escrito originalmente como letra de
canção popular.
e) o predomínio das metonímias sobre as metáforas responde, em boa medida, pelo caráter
concreto do texto e pelo vigor de sua mensagem.
Comentários: A rosa é uma das flores mais populares que existem. Ganhar rosas é comumente
associado a bons momentos ou a situações boas. Ao atribuir características como “radioativa” e
“com cirrose” à rosa, o poeta inverte o modo como ela é comumente vista, ligando-a à destruição.
Por isso, a alternativa correta é alternativa B.
A alternativa A está incorreta, pois o autor não investe na objetividade. A linguagem é poética e
subjetiva, ainda que tratando de um tema histórico.
A alternativa C está incorreta, pois há preocupação na escolha de palavras e na métrica do poema.
Repare que os versos todos contêm cinco sílabas poéticas.
A alternativa D está incorreta, pois o paralelismo é um recurso que cria frases semelhantes,
criando padrão equivalente. Isso ocorre no início do poema, mas isso não significa que seja um
recurso das canções. Esse poema não foi escrito para ser musicado. Ele foi transformado em
canção apenas 30 anos depois de sua escrita.
A alternativa E está incorreta, pois o predomínio é das metáforas, principalmente descrevendo a
“rosa”.
Gabarito: B
48. (Insper - 2008)
Pela Internet
Gilberto Gil
Criar meu web site
Fazer minha home-page

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 129


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Com quantos gigabytes


Se faz uma jangada
Um barco que veleje

Que veleje nesse informar


Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve um oriki do meu velho orixá
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé

Um barco que veleje nesse informar


Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve meu e-mail até Calcutá
Depois de um hot-link
Num site de Helsinque
Para abastecer

Eu quero entrar na rede


Promover um debate
Juntar via Internet
Um grupo de tietes de Connecticut

De Connecticut acessar
O chefe da Macmilícia de Milão
Um hacker mafioso acaba de soltar
Um vírus pra atacar programas no Japão

Eu quero entrar na rede pra contactar


Os lares do Nepal, os bares do Gabão
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular
Que lá na praça Onze tem um vídeopôquer para se jogar

Pode-se afirmar sobre a canção de Gilberto Gil que:


a) É uma descrição do que pode ser feito hoje com a Banda Larga
b) Para ele, o compositor do presente só pode criar se tiver acesso às novas ferramentas oferecidas
pela Internet
c) É uma crítica à má utilização por parte da polícia do aparato tecnológico
d) É uma visão positiva e exaltadora das vantagens do avanço tecnológico
e) Defende a ideia de que a canção não deve vazar pela Internet antes do lançamento oficial

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 130


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Comentários: Ao longo do texto, o autor aponta vantagens do avanço tecnológico, principalmente


no tocante a comunicação e informação. Por isso, a alternativa correta é alternativa D.
A alternativa A está incorreta, pois ao dizer que “eu quero entrar na rede para ...” o cantor deixa
claro que está projetando coisas que ainda quer fazer com a internet.
A alternativa B está incorreta, pois não há referências na letra ao trabalho do compositor em
exclusividade com a internet. Ele apenas aponta possibilidades.
A alternativa C está incorreta, pois não há crítica ao trabalho policial, apenas uma referência a
uma ação possível da polícia usando a tecnologia.
A alternativa E está incorreta, pois não há referência ao vazamento de canções antes do
lançamento na música.
Gabarito: D
49. (Insper - 2014) adaptada
Canção do exílio
Gonçalves Dias
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá,
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 131


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Sem que desfrute os primores


Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Cinco estrelas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. Coleção Literatura em Minha Casa.

(José Paulo Paes, A poesia está morta, mas juro que não fui eu. São Paulo: Duas Cidades, 1998)

A respeito da referência intertextual presente no poema, é correto afirmar que


a) os advérbios “aqui” e “lá”, diferentemente do que ocorre nos versos originais de Gonçalves Dias,
apontam para um espaço geográfico idealizado.
b) José Paulo Paes ironiza a tese da unificação da língua portuguesa arduamente defendida por
Gonçalves Dias em seu poema.
c) ao transcrever os versos da “Canção do Exílio” em seu poema, José Paulo Paes reproduz, com
fidelidade, o sentimento de patriotismo expresso por Gonçalves Dias.
d) a disposição gráfica dos versos simula um debate entre os poetas José Paulo Paes e Gonçalves
Dias, no qual o escritor romântico tem a palavra final.
e) na releitura proposta por José Paulo Paes, as aves podem simbolizar os falantes do português, e
os gorjeios, as variantes regionais.
Comentários: José Paulo Paes faz uma intertextualidade com o poema de Gonçalves Dias,
citando-o textualmente. Paes, porém, cria uma associação: as aves são as pessoas e os gorjeios
são as expressões que variam do português de Portugal para o do Brasil. Por isso, a alternativa
correta é alternativa E.
A alternativa A está incorreta, pois “aqui” e “lá” compõe o par de opostos do poema de Gonçalves
Dias que indica o espaço geográfico idealizado (a minha terra) e o que se encontra nesse
momento.

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 132


Prof. Celina Gil

A alternativa B está incorreta, pois não há ideia de unificação da língua portuguesa no poema de
Gonçalves Dias.
A alternativa C está incorreta, pois o sentimento do poema de José Paulo Paes é uma ironia com
as diferenças do português, não uma afirmação nacionalista.
A alternativa D está incorreta, pois não há indicativo de diálogo no poema de José Paulo Paes,
mas sim de comentários do eu lírico com ele próprio.
Gabarito: E
50. (Estratégia Militares 2020 – Profa. Luana Signorelli)

Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que
testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me
alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só
quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão
e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.
Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da
popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada
em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra
a ideia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas?
Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto
de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver
a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.
ROSA, Guimarães. A terceira margem do rio. In: ROSA, Guimarães. Ficção completa: volume II. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1994 (p. 409-413).

Levando em conta o contexto do conto, em qual das alternativas há um sentido semelhante ao de


“que nessas artes não vadiava”?
a) “que estudou aquele artesanato”
b) “que era um preguiçoso”
c) “que era um especialista”
d) “que não entendia daquele assunto”
e) “que simplesmente ignorava a questão”

Comentários: É uma questão que mistura Semântica e Interpretação de Texto com Literatura. Isso envolve
a linguagem inovadora trabalhada pelo modernista Guimarães Rosa.

Alternativa “a”: incorreta. Nesse caso, “artes” não é necessariamente sinônimo de “artesanato” (técnicas,
trabalhos manuais). “Artes” significa assuntos, matérias.

Alternativa “b”: incorreta. Cuidado: no contexto do conto, “vadiar” não significa ser preguiçoso.

Alternativa “c”: incorreta. Pelo contrário: era algo no qual ele não era versado, que ele não entendia.

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 133


Prof. Celina Gil

Alternativa “d”: correta – gabarito. Atenção: todo o trecho “Seria que, ele, que nessas artes não vadiava,
se ia propor agora para pescarias e caçadas?” corresponde ao discurso indireto livre, isto é, representa
um questionamento, um pensamento da mãe. E por meio do advérbio de tempo “agora” pode-se inferir
que agora ele irá trabalhar com algo que ele não domina, não conhece.

Alternativa “e”: incorreta. “Ignorar” até pode ser sinônimo de “desconhecer”, mas o advérbio de modo
“simplesmente” não se aplica.

Gabarito: D

5 – Referências
BARBOSA, Pe. A. Lemos. Pequeno Vocabulário Tupi-Português. Rio de Janeiro: Livraria São José,
1951.
BENEDETTI, Nildo Maximo. Sagarana: o Brasil de Guimarães Rosa. São Paulo: Hedra, 2010.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexicon,
2010.
ROSA, Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das letras, 1982.
COELHO, Nelly Novaes. O ensino da literatura. São Paulo: José Olympio, 1973.
COSTA, Angela Marques e SCHWARCZ, Lilia. 1890 – 1914: No tempo das certezas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
PASCOALIN & SPADOTO. Gramática: teoria e exercícios. São Paulo, FTD, 1996.

Considerações Finais
Qualquer dúvida estou à disposição no fórum ou nas redes sociais.
Prof.ª Celina Gil

/professora.celina.gil Professora Celina Gil @professoracelinagil

AULA 06 - Modernismo de 45 e Literatura Contemporânea 134

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