Lições de Procedimento e Processo Tributário - 7 Edição

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Lições de Procedimento

e Processo Tributário
Lições de Procedimento
e Processo Tributário
2019 • 7.ª Edição

Joaquim Freitas da Rocha


LIÇÕES DE PROCEDIMENTO
E PROCESSO TRIBUTÁRIO
autor
Joaquim Freitas da Rocha
editor
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
Rua Fernandes Tomás, n.ºs 76-80
3000-167 Coimbra
Tel.: 239 851 904 · Fax: 239 851 901
www.almedina.net · editora@almedina.net
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Capa: Edições Almedina
pré-impressão
EDIÇÕES ALMEDINA, SA
impressão e acabamento
NORPRINT
outubro, 2019
depósito legal
.......

Os dados e as opiniões inseridos na presente publicação são da exclusiva


responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).
Toda a reprodução desta obra, por fotocópia ou outro qualquer processo,
sem prévia autorização escrita do Editor, é ilícita e passível de procedimento
judicial contra o infrator.

__________________________________________________
biblioteca nacional de portugal – catalogação na publicação
ROCHA, Joaquim
Lições de procedimento e processo
tributário. – 7ª ed. - (Manuais universitários)
ISBN 978-972-40-8869-3
CDU 336
AGRADECIMENTOS

Estamos muito gratos à Mestre Joana Polónia-Gomes pela colaboração


efetiva no sentido de melhorar o conteúdo da obra.
Ao colega Hugo Flores da Silva agradecem-se os contínuos incenti-
vos à reflexão.

5
PLANO DAS LIÇÕES

INTRODUÇÃO
1. O Direito tributário substantivo e o Direito tributário adjetivo
2. A atividade administrativa tributária
3. A jurisdição tributária
4. A privatização da atividade tributária. A desadministrativização e a interven-
ção dos privados
5. As garantias dos contribuintes (primeira abordagem)
6. Caracteres essenciais do Direito tributário adjetivo
7. O sistema português de Direito Tributário adjetivo

PARTE I
O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO
1. A noção de procedimento
2. As fases do procedimento, em geral
3. Princípios aplicáveis ao procedimento tributário
4. Os atores do procedimento
5. Os procedimentos tributários em especial

PARTE II
O PROCESSO TRIBUTÁRIO
1. Enquadramento do processo tributário
1. Princípios estruturantes do processo tributário
2. Os atores do processo tributário
3. O objeto do processo tributário (remissão)
4. O formalismo processual
5. Os meios processuais (contencioso tributário)

7
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

6. Contencioso cautelar
7. Os recursos das decisões dos tribunais tributários (recursos jurisdicionais)

PARTE III
RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
1. Desjurisdicionalização, matéria tributária e princípios constitucionais
2. Quadro tipológico dos meios alternativos de resolução da litigiosidade tri-
butária
3. Em particular, a arbitragem tributária

PARTE IV
PRAZOS
(a relevância do tempo na prática de atos no procedimento
e processo tributário)
§ único: sequência
1. A exigência de limitação temporal das situações jurídicas
2. Prescrição
3. Caducidade

8
NOTAS IMPORTANTES

1 – Objetivo
Esta é uma obra destinada, em primeiro lugar, a alunos, investigadores e estu­
diosos, não se pretendendo, muito longe disso, um manual de funciona­
lismo ou um guia para a resolução de casos. A prática e a técnica não cons­
tituem missão da Universidade.
Sem prejuízo, a mesma pode ser útil para quem já exerce funções
práticas, pois o estudo e o conhecimento – e não outros fatores como o
“copy-paste”, a mera antiguidade, a ajuda do colega, ou o desembaraço, –
permitem sempre (sempre!) um melhor desempenho.

2 – Referências bibliográficas
As referências bibliográficas apenas abrangem obras e textos que foram efe-
tivamente utilizados e que influíram decisivamente na construção do pen-
samento do autor e, tirando situações muito excecionais e perfeita­mente
justificadas – como, por exemplo, aquelas em que se entendem necessárias
remissões imediatas para desenvolvimentos efetuados por outros –, não são
vertidas ao longo do discurso, mas apenas numa listagem final. O propó­sito
é sempre o mesmo – tornar o discurso escorreito e deixá-lo ser o que ele
pretende ser: Lições, como reflexo de um edifício científico-ana­lítico de pen-
samento (e não o mostruário de um pretensioso repositório de erudição).

3 – Jurisprudência
Os muitos acórdãos referidos ou citados poderão ser consultados em www.
dgsi.pt. (acórdãos dos Tribunais da jurisdição administrativa e tributária),
ou em www.tribunalconstitucional.pt. (acórdãos do Tribunal constitucio-
nal), quando outra fonte não se encontrar indicada.

9
Introdução

1. O Direito tributário substantivo e o Direito tributário adjetivo

1.1. Termos da distinção


O estudo juridicamente adequado do procedimento e do processo tri-
butários não pode ser levado a efeito sem se ter presente a ideia de que
estamos perante realidades de Direito adjetivo.
No contexto destas Lições, vamos entender por “Direito adjetivo” o
conjunto de normas jurídicas que dizem respeito à aplicação normativa
em matéria tributária, a qual, de um prisma subjetivo, pode ser levada
a efeito por três entidades distintas: entidades públicas administrati-
vas (Administração tributária lato sensu1), entidades públicas jurisdicio-
nais (Tribunais tributários) e também entidades privadas. Todos estes
atores – Administração, Tribunais e privados – podem ser convocados
pelo legislador a aplicar normas tributárias a um determinado caso em
concreto, embora, compreensivelmente, o sejam em circunstâncias dis-
tintas e debaixo de pressupostos também distintos, como teremos oca-
sião adiante de assinalar convenientemente. Por agora, importa subli-
nhar que estamos em presença de atuações de natureza marcadamente

1
Adverte-se que, para efeitos meramente pedagógicos (e apenas estes), quando utilizada
nesse sentido amplo, a Administração tributária será referida frequentemente sob a sigla
“AT”; diversamente, quando utilizada num sentido mais restrito, de aparato organizatório
integrado no Ministério das Finanças, será utilizada a sigla “ATA” (Autoridade tributária e
aduaneira). V., infra, I., 4.3.1.1..

11
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

individual e concreta, em contraposição com o que sucede no quadro do


Direito Tributário substantivo que, tendo por objeto o conjunto de normas
jurídicas respeitantes à criação normativa em matéria tributária, é carac­
terizado por um conjunto de problemas de natureza marcadamente ge-
ral e abstrata (criação de tributos, interpretação das normas tributárias,
critérios de aplicação das normas tributárias no tempo e no espaço, etc.).
Ora, a referência às “normas tributárias” e à “matéria tributária” exige
a clarificação destas realidades, o que levanta a questão prejudicial de
encontrar uma noção juridicamente adequada de tributo, o que procura-
remos fazer de seguida.
Será pertinente realçar, desde já, que a perceção de uma conveniente
noção de tributo permitirá possuir o arsenal principiológico e concei­
tual necessário para enfrentar de modo cabal bastantes dificuldades
com as quais os aplicadores normativos se têm vindo a deparar neste
domínio. Algumas dessas questões são verdadeiros nódulos problemá-
ticos e reclamam muito tempo para a sua resolução, como por exemplo,
as que dizem respeito à cobrança coerciva de dívidas a empresas conces-
sionárias respeitantes a portagens nas vias com pórticos eletrónicos; de
dívidas a empresas municipais pelo abastecimento público de águas, de
saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos;
ou de dívidas a Autarquias locais pela utilização do subsolo para insta­
lação de cabos de fibra ótica.
Em todos estes casos, o nomen iuris utilizado pelo criador normativo
é enganador e a simples menção a uma taxa, a um preço, ou a uma ta-
rifa não permite por si só revelar o regime jurídico-normativo aplicável
(Direito tributário, Direito fiscal, Direito administrativo, Direito do
consumo etc.), pelo que somente a abordagem científica e teorético-
-conceitual poderá constituir contributo válido2.

1.2. Uma noção adequada de tributo


Por tributo entendemos toda a prestação coativa com finalidades financeiras.
Densifiquemos esta noção.

2
V., por exemplo, acórdãos do STA de 17 de maio de 2017, processo n.º 01174/16; de 25 de
junho de 2015, processo n.º 045/14; de 28 de outubro de 2015, processo n.º 0125/14; de 4 de
novembro de 2015, processo n.º 0124/14; e de 10 de abril de 2013, processo n.º 015/12 e infra
II, 6.5.1. e ss.

12
INTRODUÇÃO

Em primeiro lugar, o tributo há-de ser uma prestação coativa. A coa-


tividade da prestação, neste domínio, deve revelar-se a um duplo nível:
(i) coatividade quanto à origem e (ii) coatividade quanto à conformação
do conteúdo.
i) No que diz respeito à sua origem, o tributo será sempre fixado por
ato normativo, o que, nesta matéria, e em face dos dados do orde­
namento jurídico-constitucional português, significará uma lei,
um decreto-lei –autorizado ou simples (concorrente), consoante os
casos – ou um regulamento. Assim sendo, deve ser absolutamente
irrelevante qualquer manifestação de vontade privada com eficácia
constitutiva neste domínio, pelo que serão contrários ao ordena-
mento jurídico todos os supostos “tributos” criados por entidades
privadas (empresas privadas prestadoras de serviços, igrejas, enti-
dades patronais, senhorios, etc.).
ii) Mas não apenas quanto à origem as manifestações de vontade pri-
vada serão irrelevantes. Também o serão quanto à fixação do con-
teúdo, pois este também deverá ser imperativamente fixado por
ato normativo. Com efeito, algumas posições jurídicas subjetivas
protegidas por normas de direitos fundamentais poderiam ser
postas em causa se o ordenamento permitisse que determinadas
prestações tributárias, não obstante a sua criação por norma jurí-
dica, pudessem ver o seu conteúdo ajustado ou fixado por acordo
com entidades privadas. Pense-se, por exemplo, nas consequências
que poderiam surgir ao nível do princípio da igualdade se fosse
de admitir a negociação do valor das taxas de registo, das taxas de
parqueamento, das taxas moderadoras na saúde, das taxas de jus-
tiça ou das propinas nas universidades públicas, podendo-se com
facilidade chegar a situações de desigualdade material ou de ver-
dadeiro confisco, violadoras do princípio do Estado de Direito na sua
exigência de proporcionalidade ou proibição do excesso.

Em segundo lugar, como dissemos, o tributo há-de ser estabelecido


para prosseguir finalidades financeiras. Tal significa que os tributos devem
ser exigidos com vista à produção de bens públicos e semipúblicos, des-
tinados a satisfazer necessidades de carácter tendencialmente coletivo
e público (diplomacia, defesa, segurança, iluminação pública, saúde,
educação, ordenação do trânsito, ordenação de determinado sector da

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LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

atividade económica, etc.). Desta forma, ultrapassam o âmbito finan-


ceiro e jurídico dos tributos todas as receitas públicas coativas que não
prossigam tais finalidades, como será o caso de prestações devidas a
favor de entidades públicas com finalidades ressarcitórias (indemniza-
ções), sancionatórias (multas, coimas) ou outras.
Por conseguinte, e tendo em atenção os requisitos acima referidos,
na alçada da figura do tributo cairão – independentemente da sua deno-
minação jurídica – os impostos, as taxas e as contribuições financeiras
a favor de entidades públicas, incluindo as denominadas “contribuições
especiais”, pelo que “normas tributárias” e “matéria tributária” serão
conceitos que sempre a tais realidades dirão respeito3.
Como se verá em momento mais adiantado das presentes Lições,
esta delimitação conceitual revelar-se-á de uma importância inafastá-
vel, atendendo, por exemplo, aos problemas relacionados com a legiti-
midade para intervir como exequente num processo de execução fiscal
(por exemplo, quando estiverem em causa entidades concessionárias
ou serviços públicos diversos não integrados na Administração Tributá-
ria e Aduaneira ) ou com o objeto desse mesmo processo (por exemplo,
cobrança de dívidas de portagens, propinas, taxas moderadoras, tarifas
municipais e outras)4.

1.3. Importância da denominação: Direito tributário e jurisdição


tributária
A delimitação da noção de tributo e do âmbito de incidência do Direito
Tributário, feita nos moldes supra descritos, assume especial importân-
cia a vários níveis, designadamente em sede de delimitação do âmbito
da jurisdição dos Tribunais.
A este respeito, e em primeiro lugar, surge um problema terminoló-
gico de fundo: dever-se-á falar em “Tribunais fiscais” ou em “Tribunais
tributários”? A resposta a esta questão não poderá deixar de passar pela
resolução de uma outra que se afigura prévia e prejudicial que é a de
saber sobre que litígios incide o seu âmbito de atuação, podendo, em
abstrato, perspetivar-se uma de duas soluções possíveis:
i) Ou se entende, por um lado, que os Tribunais em questão apenas
são competentes para dirimir conflitos de pretensões que digam

3
Cfr., a respeito, art.º 4.º da LGT.
4
V., infra, II., 6.5.5.1. e 6.5.2..

14
INTRODUÇÃO

respeito a relações jurídicas de imposto e, em tal caso, falaremos


em “Tribunais fiscais”. Consequentemente, os conflitos de preten-
sões que digam respeito a relações jurídicas de taxas ou outros tri-
butos seriam dirimidos por outros Tribunais (v.g., Tribunais admi-
nistrativos);
ii) Ou se entende, por outro lado, que tais Tribunais são competentes
para dirimir conflitos de pretensões que digam respeito a todas re-
lações jurídicas tributárias e então a denominação “Tribunais tri-
butários” será, rigorosamente, a mais apropriada.

Neste campo, parece-nos que resulta aparentemente infeliz a reda­


ção da Constituição que, no seu art.º 212.º n.º 3 refere que “compete
aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos
contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das
relações jurídicas administrativas e fiscais ”. Revelando articulação com
este preceito, o ETAF no seu art.º 1.º, n.º 1, prescreve que “os tribunais da
jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com compe-
tência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compre-
endidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.
Ora, a correta delimitação do círculo de atuação do Direito Tributá-
rio (mais amplo) em face, nomeadamente, do Direito Fiscal (mais res-
trito) assume aqui especial importância e apresenta-se como um instru-
mento extremamente útil. Parece-nos que será de entender que, apesar
de a Constituição e o ETAF se referirem apenas às relações fiscais, a refe-
rência deve ser entendida como sendo feita às relações tributárias, e isto
por dois motivos:
– Em primeiro lugar, um argumento de ordem histórica – quer a reda-
ção do antigo ETAF, quer a jurisprudência, vão no sentido de con-
siderar que os Tribunais tributários (e não os “Tribunais fiscais”)
são os órgãos competentes para dirimir os litígios emergentes das
relações jurídicas tributárias, logo respeitantes a todos os tributos e
não apenas aos impostos;
– Em segundo lugar, e não obstante a interpretação literal apontar em
sentido diferente, uma interpretação sistemática dos vários precei-
tos induzirá essa conclusão. Por exemplo: é-nos dito no ETAF [art.º
49.º, n.º 1, alínea a) subalínea iii)] que os Tribunais tributários julgam
todos os litígios surgidos no âmbito do processo de execução fiscal,

15
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

e no CPPT [art.º 148.º, n.º 1, alínea a)] refere-se que esse mesmo pro-
cesso se aplica a todos os tributos. A conclusão parece-nos, deste
modo, óbvia: os Tribunais tributários exercem a sua atividade juris-
dicional no âmbito, não apenas dos impostos em particular, mas dos
tributos em geral.

1.4. O conteúdo do Direito Tributário adjetivo. Sequência


Dissemos acima que o Direito tributário adjetivo tem por referência a
aplicação das normas tributárias aos casos em concreto, e que tal apli-
cação terá como principais atores a Administração tributária, os Tri-
bunais tributários e os sujeitos privados. Com propósitos meramente
introdutórios e de um modo propositadamente superficial, atentemos
apenas nos seguintes exemplos que servirão para clarificar esta afirma-
ção simples:
i) A prática de atos de inspeção tributária, a liquidação de certos im-
postos, o reconhecimento de um pedido de isenção, o indeferi-
mento de uma reclamação graciosa, a instauração de um processo
de execução fiscal contra um contribuinte devedor ou a autoriza-
ção para o pagamento de uma dívida tributária em prestações, são
exemplos de atos praticados por órgãos da Administração tributária;
ii) O conhecimento de uma impugnação judicial intentada pelo con-
tribuinte, a autorização para a Administração ter acesso aos dados
bancários de certo sujeito passivo, ou a resolução de uma oposição
à execução fiscal, são exemplos de atos praticados pelo Tribunal tri-
butário (maxime, o juiz);
iii) A entrega de declarações de rendimentos, a prestação de informa-
ções, a manutenção da contabilidade organizada, a liquidação do
IRC, a cobrança de um imposto por retenção na fonte por parte de
uma entidade patronal ou de um banco, constituem exemplos de
atos praticados por sujeitos privados.

Este último núcleo, de resto, tem vindo a assumir uma importância


crescente, na medida em que se verifica com cada vez maior frequência a
atribuição de tarefas tributárias a entidades privadas, o que pode ser visto
quer de um ponto de vista positivo quer de um ponto de vista nega­
tivo: por um lado, pode significar uma maior colaboração por parte dos
contribuintes na importante tarefa de arrecadação de receitas públicas,

16
INTRODUÇÃO

atribuindo à relação jurídica tributária um carácter menos autoritário


e mais conciliador, levando a que já se possa falar num Direito tributário
flexível; por outro lado, pode significar uma desresponsabilização das
entidades públicas, que “empurram” para o contribuinte um conjunto
alargado de tarefas declarativas, contabilísticas, investigatórias e cobra-
tórias, no que pode significar uma oneração desmesurada e porventura
inconstitucional – por violação do princípio da proporcionalidade – da
sua esfera jurídica.
Em todo o caso, a constatação desta tendência para a privatização
permite afastar uma ideia que tradicionalmente fez escola e que, nos
dias de hoje, parece desajustada: a de que o Direito tributário seria um
sub-ramo ou uma parte do Direito administrativo. Sendo certo que a
atividade administrativa, e particularmente a prática de atos administra­
tivos, constitui uma parte significativa da atividade tributária, não é me-
nos certo que outra parte não negligenciável resulta da prática de atos
por entidades não administrativas e privadas, no que constitui uma carac­
terística marcante dos sistemas tributários atuais5.

***

Voltando à exposição, e em termos de sequência, será tendo presente


o quadro tripartido acima referido que desdobraremos o discurso subse-
quente, dedicando a nossa atenção introdutória sucessivamente à ativi-
dade administrativa tributária, à jurisdição tributária e à privatização da
atividade tributária.

2. A atividade administrativa tributária


Pode definir-se a atividade administrativa tributária como o conjunto de
atos da Administração tributária de aplicação das normas tributárias ao
caso em concreto.
A correta compreensão desta definição implica o desenvolvimento
da análise subsequente em dois segmentos distintos: primeiro pro­
curando compreender o que se deve entender por Administração tribu­

5
Importa salientar que a expressão “atos” utilizada no texto tem subjacente um sentido
amplo e genérico, significando, quer verdadeiros atos jurídicos, quer simples operações
materiais (como a entrega de declarações, a prestação de informações, a mera arrecadação e
entrega de um imposto ou taxa, etc.).

17
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

tária (ponto 2.1.); depois, procurando averiguar que tipo de atos pode
ela praticar (ponto 2.2.).
É o que faremos de seguida.

2.1. Noção de Administração tributária (AT) e enquadramento da


sua atividade
Para estes efeitos, deve adotar-se uma noção ampla de Administração
tributária (AT), que não se reduza à visão corrente de “serviços de fi-
nanças”, “repartições de finanças” ou ”tesourarias da fazenda pública”6 –
trata-se de muito mais do que isso. A este respeito, o próprio legislador
traça uma noção bastante lata, englobando no seu perímetro de abran-
gência todas as “entidades públicas legalmente incumbidas da liquida-
ção e cobrança dos tributos”7.
A partir dessa noção, é possível afirmar que a AT em sentido amplo
abrangerá:
i) Em primeiro lugar a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA ou
AT em sentido restrito), a qual consiste num serviço da adminis­tração
direta do Estado, integrado na orgânica do Ministério das finan-
ças, e que tem por missão, designadamente “(...) administrar os
impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atri-
buídos (...)”8. Aqui se tem por referência, por exemplo, os “serviços
de finanças” e as “direções de finanças”, os quais devem assegurar,
por exemplo, a liquidação e a cobrança dos impostos sobre o rendi­
mento, sobre o património e sobre o consumo;
ii) Em segundo lugar, outras entidades públicas, como as Autarquias
locais (que podem criar, disciplinar juridicamente e cobrar taxas
de saneamento, de licenciamento urbanístico, de publicidade,
etc.), as Universidades públicas (taxas de propina), os Hospitais pú-
blicos (taxas moderadoras), as Conservatórias (taxas de registo), os
diversos Institutos públicos sectoriais (nos sectores do vinho e da
vinha, do azeite, do turismo, da navegação marítima ou aérea, do

6
Importa observar que as “tesourarias” cessaram a sua existência com o DL 237/2004, di-
ploma que determinou a sua integração nos serviços de finanças, como mais uma secção
(Secção de Cobrança).
7
Assim, art.º 1.º, n.º 3, da LGT.
8
Cfr., para especificações, o DL n.º 118/2011, que aprova a orgânica da Autoridade Tributária
e Aduaneira.

18
INTRODUÇÃO

transporte ferroviário, etc.) ou as Entidades de regulação e super-


visão (no sector bancário, da energia, da saúde e do medicamento,
etc.). Igualmente aqui se consideram, inclusivamente, os membros
do Governo, quando exerçam competências administrativas no
domínio tributário (Ministro das finanças, Ministro da Economia,
Ministro da agricultura, Secretário de estado dos assuntos fiscais,
etc.).

Importa, contudo, antecipar que a simples existência das entidades


refe­ridas não basta, por si só, para que se possa afirmar que se está em
presença de atividade administrativa tributária, na medida em que as
mesmas podem levar à prática atos jurídicos e materiais que pouco ou
nada têm a ver com Direito tributário. Pense-se, por exemplo, na ema-
nação de uma orientação normativa sobre o pagamento dos vencimen-
tos ou subsídios aos trabalhadores (funcionários), ou na abertura de um
concurso para recrutamento.
Por aqui se depreende que a consideração da existência da Adminis-
tração tributária (AT) pressupõe não apenas a verificação de uma dimen-
são subjetiva (integrar uma das entidades referidas), mas também uma
dimensão objetiva (praticar atos de Direito tributário).
Ora, a atividade administrativa tributária levada à prática por todos
estes sujeitos jurídicos ganha forma através da execução de atos diver-
sos, que tanto podem ser atos meramente materiais (como a receção de um
documento ou petição, a passagem de uma certidão, a análise da con-
tabilidade ou da escrita de certa empresa, ou a audição de um contri­
buinte) como verdadeiros atos jurídicos, fixadores de efeitos jurídicos na
esfera de determinado sujeito (como a liquidação de um tributo, a ava-
liação de um bem, o indeferimento de uma reclamação ou a penhora de
um imóvel). Como se sabe, para estes atos individuais e concretos fixa-
dores de efeitos jurídicos reserva-se a designação de atos administra­tivos.
Contudo, sobre as espécies de atos e respetivos contornos debruçar-
-nos-emos num momento posterior desta análise.
Neste momento, interessa destacar que esta atividade administrativa
(i) é juridicamente enquadrada – devendo obediência, nomeadamente,
aos princípios da constitucionalidade, da legalidade, da proporcionali-
dade e da obrigatoriedade de fundamentação –, (ii) goza de uma pre-
sunção de legalidade e (iii) pode ser jurisdicionalmente impugnável.

19
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Importa destacar igualmente que, do ponto de vista jurídico, a AT deve


ser perspetivada como um verdadeiro sujeito de Direito, ao qual é re-
conhecida pelo legislador a titularidade de determinadas situações jurí­
dicas subjetivas merecedoras de tutela. Entre tais situações jurídicas
sobressaem não apenas direitos subjetivos (de carácter concreto e de-
terminado) – por exemplo, o direito à perceção da receita tributária em
relação àquele contribuinte, ou o direito a exigir-lhe juros compensató-
rios em determinadas situações – mas também poderes jurídicos (de
natureza abstrata) – por exemplo, o poder de proceder às diligências
necessárias ao apuramento da verdade material em relação a qualquer
contribuinte; o poder de liquidar os tributos; de rever os atos tributários
por si praticados; ou de emitir orientações genéricas no sentido da uni-
formização da aplicação das normas tributárias. Compreensivelmente,
a cada uma destas situações subjetivas abstratas tituladas pela Adminis-
tração corresponderá uma situação jurídica passiva à qual determinado
sujeito (v.g., contribuinte) está adstrito: o dever de entregar a prestação
tributária nos cofres do Estado; de manter a contabilidade organizada;
ou de se sujeitar a inspeções.
Também não pode ser perdido de vista que a AT não tem nem pros-
segue interesses próprios, mas sempre interesses heteronomamente
deter­minados – pelo legislador – e que se subsumem à ideia de prosse-
cução do Interesse público. Este último não deve ser confundido com o
inte­resse de arrecadação da receita tributária, nem a primeira pode ser
perspetivada como uma mera cobradora de tributos, com “interesse”
no incremento do volume de receita, antes devendo ser encarada como
uma entidade imparcial que prossegue a verdade material, seja em
que sentido for que esta última aponte (cobrança ou não cobrança de
tributos).
Em todo o caso, prosseguindo o Interesse público (ao contrário dos
contribuintes), a atuação da AT deve estar revestida de um invólucro pro-
tetor especial que lhe permita atuar de um modo mais célere e seguro.
No quadro desse invólucro, podem destacar-se, a título meramente
exemplificativo, as seguintes prerrogativas:
– Os seus atos gozam frequentemente de um privilégio (benefício) de
execução prévia, na medida em que os respetivos efeitos podem ser
levados à prática independentemente de discussão da legalidade,
até porque os meios impugnatórios eventualmente interpostos

20
INTRODUÇÃO

pelos contribuintes não têm efeito suspensivo (a não ser que se


preste garantia adequada)9 ;
– Os seus créditos gozam, em determinadas circunstâncias, de pri-
vilégio ou preferência no pagamento relativamente a outros (como
salários, dívidas a fornecedores, etc.)10;
– As suas certidões de dívida consideram-se título executivo, não ne-
cessitando de recorrer a Tribunal para obter uma sentença declara-
tória dizendo que os contribuintes estão em falta11;
– As suas dívidas podem ser cobradas através de um processo de exe-
cução especial, distinto do aplicável às dívidas comuns12;
– Esse processo de execução é célere (em regra, um ano de duração
máxima)13;
– Para determinados efeitos criminais, os funcionários da ATA, no
exercício das funções que nessa qualidade lhes sejam cometidas,
consideram-se investidos de poderes de autoridade pública14.

Naturalmente que a prática de todo os atos por parte da AT não se


faz de uma forma súbita ou instantânea, antes pressupondo um com­
plexo de passos, uma série gradual de operações, de onde resulta o
carácter eminentemente faseado, concatenal ou procedimental da ati­
vidade tributária.
Como veremos oportunamente, para esta sequência de atos com vista
à produção de uma vontade administrativa, reserva-se a designação de
procedimento tributário.

2.2. A automatização da vontade administrativa e a questão dos


“atos informáticos”
Antes de avançar no sentido do conhecimento mais profundo das espé­
cies de atos que a AT pode praticar – estabelecendo tipologias ade­

9
Cfr., por exemplo, art.os 67.º, n.º 1, 69.º, alínea f ) e 103.º, n.º 4 do CPPT.
10
Cfr. art.os 733.º e ss. do Código civil.
11
Cfr. art.º 162.º do CPPT.
12
Cfr. art.º 148.º do CPPT.
13
Cfr. art.º 177.º do CPPT.
14
V. art.º 64.º-C da LGT. Esta especial qualificação poderá ser relevante, por exemplo, para
efeitos de subsunção ao tipo criminal de desobediência, previsto no art.º 348.º do Código
penal.

21
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

quadas dentro das quais os mesmos se possam subsumir –, será porven-


tura útil fazer uma referência, ainda que breve e concisa, a uma questão
que tem ganho especial relevo com os progressos da técnica e da ciên-
cia aplicada: a de saber se os atos administrativo-tributários podem ser
praticados por esquemas operativos automáticos, sem a intervenção
hu­mana15. Por outras palavras: será possível afirmar a existência de atos
desta natureza que sejam imputados à AT, mas sem que esta tenha uma
intervenção “pessoal”, na medida em que os mesmos foram concebidos,
programados e efetivados por um computador?
A aceitar-se a resposta afirmativa, está a assumir-se uma conceção de
administração automatizada16, e a tomar por certa a existência de verdadei-
ros atos informáticos, no âmbito dos quais os funcionários e agentes da
AT são substituídos por máquinas, produtoras de uma vontade indepen-
dente e de muito difícil responsabilização futura.
Estas questões ultrapassam em muito a dimensão teorética e demons-
tram imensa relevância prática. Basta pensar, por exemplo, que, num
quadro de massificação da atividade tributária como o que caracteriza
grande parte dos sistemas atuais, uma parte significativa das notificações
pode ser efetuada por via eletrónica, do mesmo modo que pode ser o
próprio computador a instaurar uma execução, a ordenar a pe­nhora de
um certo bem, a solicitar o acesso a dados bancários, a apensar deter-
minadas execuções ou a proceder à compensação entre débitos e cré-
ditos de um certo contribuinte. Naturalmente que a menção ao “pró-
prio computador” traz assumida a ideia de que o mesmo já se encontra
pré-formatado, configurado, encerrando em si os dados e as ferramen-
tas informáticas necessários para a aferição maquinal de determinados
pressupostos legais (por exemplo, prazos, valores, falta de submissão de
determinados documentos, falhas no envio de dados, etc.) à prática dos
mencionados atos.

15
Sobre o problema, e em geral, v. a excelente abordagem de Gonçalves, Pedro, O ato admi-
nistrativo informático, in Scientia Iuridica, tomo XLVI, 1997, n.º 265/267, 47 e ss.
16
Em termos conceptuais precisos, essa Administração automatizada não se confundirá com a
Administração desmaterializada, na medida em que o conceito de “desmaterialização” está ligado
intrinsecamente à substituição do suporte de arquivo e fluxo de informação. Na verdade, po-
derá haver automação com pouquíssima desmaterialização (caso os processos se desenrolem
na sua quase totalidade em papel, mas os atos resultem de processos informáticos automati-
zados), do mesmo modo que poderá existir desmaterialização sem qualquer automação.

22
INTRODUÇÃO

Poderá dizer-se que estes atos – alguns caracterizados como meras


operações materiais, é certo, mas outros configurados como verdadeiros
atos jurídicos (por exemplo, a penhora ou a compensação) – foram pra-
ticados pelo computador?
Pensa-se que não.
Um enquadramento adequado deste problema não poderá deixar de
passar pela consideração de que os referidos esquemas operativos automá-
ticos não conseguem, apenas por si mesmos, produzir uma vontade autó-
noma, esclarecida e ponderada como um humano consegue. Na verdade,
a máquina limitar-se-á a receber as informações que alguém – uma pessoa
biológica (ou outra máquina, mas sempre após o input de uma pessoa
biológica) – lhe forneceu, não criando informação autonomamente.
Após a inserção dos dados por esse alguém, a máquina pode efetuar a
tarefa automática de subsunção dos factos à norma jurídica e, decor-
rentemente, emanar uma ordem determinada a qual, posteriormente,
há-de ser “apropriada” por um agente administrativo a quem a decisão
subjetivamente se imputará. Correntemente, esta apropriação poderá
ser efetuada por via da assinatura do ato de notificação.
Enfim, e como bem salienta a jurisprudência17, a automação só por si
é insuscetível de produzir um ato jurídico (a máquina não decide), não
se aceitando que um computador produza atos administrativo-tributá-
rios propriamente considerados.
Note-se, a finalizar, que a mencionada tarefa automática de subsun-
ção dos factos à norma jurídica deve ser isso mesmo: automática ou si-
logística. Deve tratar-se de uma subsunção acrítica, no âmbito da qual
não se exijam ponderações valorativas (por exemplo, situações em que
o legis­lador utiliza cláusulas como “se entender adequado” ou “quando
considere conveniente”) nem escolhas em espaços abertos de gradua­
ção (por exemplo, aberturas legais para opção entre mínimos e máxi-
mos, como nos casos de agravamentos à coleta ou de coimas), pois aqui
a intervenção humana nunca pode ser dispensada.

2.3. Noção e classificação dos atos da Administração tributária


Como já deixamos intuído, a Administração tributária, entendida nos
moldes acima descritos, pode praticar atos de diversa natureza.

17
V. acórdão STA de 9 de janeiro de 2013, processo n.º 0745/12.

23
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Terá chegado o momento de, nestas Lições, estabelecer uma tipolo-


gia juridicamente adequada dos mesmos. Para este fim, adotaremos uma
noção operativa de ato administrativo tributário: ato da Administração tri-
butária de aplicação da norma tributária ao caso em concreto e produtor
de efeitos jurídicos na esfera jurídica de determinado sujeito.
Deste modo, fora da nossa análise ficarão os simples atos ou atuações
materiais (a in loco audição de uma pessoa, a receção de uma petição em
mão, a entrega de um documento, a elaboração de um simples relatório,
etc.) que, embora importantes no contexto do desenvolvimento da ativi-
dade administrativa, não fixam nem produzem efeitos jurídicos autóno-
mos e não podem, por esse motivo, assumir importância jurídica de per si
(não podendo, inclusivamente, ser autonomamente impugnados).
Do mesmo modo, e pelo mesmo motivo – não produção de efei-
tos jurídicos autónomos – serão desconsiderados os atos opinativos ou
com natureza parecerística, não obstante a sua indiscutível relevância
tributária, por exemplo ao nível da fundamentação dos verdadeiros atos
finais18.

***

Procuremos então conhecer melhor o universo de atos administrati-


vos que podem ser emanados no âmbito tributário, tendo naturalmente
presente que muitas destas classificações se podem “cruzar” entre si,
dando origem a atos com características múltiplas.

a) Atos singulares (individuais) e atos gerais


A primeira dicotomia classificatória diz respeito ao âmbito subjetivo de
abrangência do ato em causa e permite distinguir, por um lado aque-
les atos que têm um destinatário individualizado – produzindo efeitos
numa esfera jurídica determinada e numa situação jurídica concreta – e,
por outro lado, aqueles atos que têm um campo de abrangência poten-
cialmente geral e abstrato, sendo aptos a atingir com os seus efeitos um
número indeterminado ou indeterminável de pessoas e de situações.
Como exemplos dos primeiros – que são a larga maioria – podem
apontar-se os atos de liquidação (isto é, de quantificação em concreto

18
Cfr. art.º 77.º, n.º 1, da LGT.

24
INTRODUÇÃO

da obrigação tributária de determinado contribuinte, determinando-se


quanto é que ele vai pagar ou receber de imposto), o reconhecimento
de um benefício fiscal, a prestação de uma informação vinculativa ou a
avaliação de um bem ou de um conjunto de bens. Já quanto aos segun-
dos, o exemplo mais significativo materializa-se nas orientações gené-
ricas que a Administração pode emanar para proceder à uniformização
da interpretação ou aplicação das normas tributárias, nos casos em que
nestas normas são utilizados, por exemplo, conceitos indeterminados ou
polissémicos19.
Esta classificação assume uma enorme importância porque, em prin-
cípio, apenas poderão ser alvo de controlo por via de reclamação, re­
curso ou impugnação – tanto administrativa como jurisdicionalmente –
os atos individuais e concretos. Isto porque, no âmbito das garantias dos
contribuintes, um dos requisitos exigidos é a legitimidade para recla­
mar, recorrer ou impugnar, e tal legitimidade apenas existe se um con­
creto direito ou interesse legalmente protegido tiver sido afetado.

b) Atos unilaterais e atos consensuais


Neste particular, o critério distintivo diz respeito ao modo como são fi-
xados os efeitos jurídicos que o ato principal do procedimento vai ser
apto a produzir: em alguns casos – também a larga maioria, como na
classificação anterior – tal fixação é feita de um modo unilateral por par-
te da Administração, podendo com propriedade falar-se numa fixação
autoritária de efeitos ou num ato autoritário, que se repercute ineluta-
velmente na esfera jurídica do destinatário e sem que este o possa im-
pedir. Pense-se, por exemplo, no já referido ato de liquidação, no ato de
penhora de um bem no quadro de uma execução fiscal, no ato de derro-
gação do sigilo bancário ou ainda na revogação de uma redução de isen-
ção.
Já em outros casos – que em matéria tributária ainda continuam a
ser escassos – tal fixação de efeitos é efetuada de uma forma pactuada,
convocando-se a vontade de ambos os sujeitos procedimentais (Admi-
nistração e contribuinte), resultando daí um acordo sobre determinada
questão tributária. A este respeito, os princípios da legalidade e tipici-
dade tributárias – com a consequente indisponibilidade dos direitos

19
Cfr., a respeito, art.os 55.º e 56.º do CPPT.

25
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

emergentes da relação jurídica20 – deixam pouco espaço de conforma-


ção para a vontade contratualizada, pelo que a grande maioria dos atos
tributários se consubstancia em atos unilaterais. Ainda assim, é possível
identificar na lei algumas situações em que se reconhece a existência
de verdadeiros atos tributários bilaterais ou acordos fiscais, justificados,
entre outros motivos, pelo facto de a aplicação unilateral da lei ao caso
em concreto poder gerar uma multiplicidade de obrigações indepen-
dentes e continuadas que poderiam acarretar alguma burocracia e in-
segurança21. Como exemplo deste segundo grupo de situações podem
apontar-se ainda o acordo encontrado em sede de pedido de revisão
da matéria tributável fixada por métodos indiretos – em sede do qual
o Fisco e contribuinte tentam chegar a uma concordância sobre o valor
da base de determinado tributo22 – ou o acordo prévio sobre preços-
-transferência23.
Em rigor, e bem vistas as coisas, aqui já não se pode falar propria-
mente numa vontade administrativa tributária nem num ato adminis-
trativo, ao menos exclusivamente, na medida em que o querer admi-
nistrativo só por si é insuficiente para despoletar os efeitos jurídicos
pretendidos e normativamente previstos.
Interessa destacar desde já a ideia de que mesmo nos atos autoritá-
rios ou unilaterais o contribuinte ou interessado não é deixado total-
mente à margem do iter decisório, uma vez que, em muitas situações,
ele pode participar na formação da decisão, exercendo o seu direito de
audição (embora o ato final seja sempre um ato administrativo e não um
ato consensual)24.
Em termos de futura impugnação jurisdicional, em princípio, ape-
nas os atos unilaterais poderão ser colocados em crise por parte do inte-
ressado, pois que nos atos consensuais este último já deu o seu assenti­
mento à produção de efeitos, e se o ato é praticado exatamente nos

20
Cfr. art.º 30.º, n.º 2, da LGT.
21
A LGT admite (v. art.º 37.º, n.º 2) que os contratos fiscais possam ser celebrados desde que
sejam respeitados os princípios da legalidade, igualdade, boa fé e indisponibilidade.
22
Cfr. art.os 91.º e, particularmente, 92.º, n.º 1 da LGT, onde se pode ler que “o procedimento
de revisão (...) assenta num debate contraditório (...) e visa o estabelecimento de um acordo
(...)”.
23
Cfr. art.º 138.º do CIRC.
24
Cfr. art.º 60.º da LGT.

26
INTRODUÇÃO

mesmos moldes do acordado uma impugnação poderia significar um ve-


nire contra factum proprium25.

c) Atos impositivos e atos não impositivos


Nesta tipologia, o que releva é o conteúdo dos efeitos jurídicos a pro-
duzir, sendo possível constatar a existência de dois tipos de atos: os atos
impositivos são os que fixam ou impõem efeitos jurídicos desfavoráveis
para o seu destinatário, nomeadamente mediante a restrição de direitos
fundamentais, particularmente direitos, liberdades e garantias. No qua-
dro tributário, os direitos constitucionalmente protegidos mais suscetí-
veis de ofensa poderão ser o direito de propriedade, o direito à reserva
da vida privada, o direito ao livre exercício da profissão ou o direito de
iniciativa económica, sendo que como exemplos de atos desfavoráveis
podem ser apontados todos aqueles que:
– Conduzem à tributação e à exigência de determinada quantia pe-
cuniária (ato de liquidação);
– Obrigam a um comportamento (entrega de uma declaração ou da
contabilidade);
– Representam uma intromissão em dados respeitantes à sua vida
privada (derrogação do sigilo bancário, inspeções nas instalações
do contribuinte);
– Oneram o seu património (penhora).

Os atos não impositivos, pelo contrário, fixam efeitos jurídicos favo-


ráveis, reconhecendo – oficiosamente ou a pedido – um determinado
direito ou interesse em matéria tributária, ou alargando o seu âmbito.
Será o que acontece com os atos que afastam a tributação ou deferem
uma pretensão como sejam, ainda a título exemplificativo, o ato de con-
cessão de uma redução de taxa, o de deferimento de uma reclamação,
o reconhecimento de uma isenção, a autorização para o pagamento de
uma dívida tributária em prestações ou o levantamento de uma penhora
que havia sido constituída sobre determinado bem.
Compreensivelmente, apenas os atos desfavoráveis poderão ser alvo
de censura e de sindicância administrativa ou jurisdicional, pois apenas
nestes haverá um interesse legítimo para recorrer, reclamar ou impug-

25
V., por exemplo, art.º 86.º, n.º 4, da LGT.

27
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

nar (ressalvados, naturalmente, os casos de atos parciais, como os deferi-


mentos parciais de pedidos).

d) Atos definitivos e atos não definitivos


A expressão “ato definitivo” pode ser utilizada em vários sentidos, po-
dendo-se, com base nos ensinamentos da melhor doutrina, e com efei-
tos meramente pedagógicos, apontar os seguintes26:
i) Em primeiro lugar, ato definitivo no sentido de ato fixador de efei-
tos jurídicos finais. Está aqui a apelar-se a um critério cronológico
e a reportar à denominada definitividade material dos atos adminis-
trativos, devendo-se contrapor aos atos definitivos os atos precá-
rios ou provisórios27. Por exemplo, a liquidação administrativa dos
pagamentos por conta exigidos por lei e feitos durante o ano fiscal
a determinado contribuinte não constitui, neste sentido, ato tribu-
tário definitivo, na medida em que no final do ano ainda deverá ser
feito o englobamento dos rendimentos e os correspondentes acer-
tos em matéria de valor de imposto final a pagar ou a receber28.
Por isso, os pagamentos por conta são exatamente isso: “por conta”
do valor a pagar, constituindo uma espécie de adiantamento do
imposto e revestindo, como tal, natureza provisória (o mesmo se
dizendo a respeito de determinadas retenções na fonte29).
ii) Em segundo lugar, ato definitivo como sinónimo de ato decisó-
rio concludente de um procedimento (definitividade horizontal),
ou seja, como contrário de ato intermédio ou preparatório. Aqui
adota-se um critério procedimental, devendo ter-se presente a no-
ção de que todos os atos devem ser integrados numa cadeia mais
ampla da qual fazem parte (procedimento tributário) e que nem
todos eles fixam de um modo último efeitos jurídicos – pense-se,

26
V., a respeito, acórdão do STA de 5 de abril de 2006, processo n.º 01286/05. Quanto à
abordagem doutrinal, remete-se para as referências de base administrativista constantes
da listagem bibliográfica final, particularmente para as obras de Marcello Caetano e de
Freitas do Amaral.
27
O art.º 60.º do CPPT parece querer referir-se a esta primeira espécie de definitividade ao
prescrever que “os atos tributários praticados por autoridade fiscal competente em razão da
matéria são definitivos quanto à fixação dos direitos dos contribuintes, sem prejuízo da sua
eventual revisão ou impugnação nos termos da lei”.
28
Cfr., por exemplo, art.º 102.º do CIRS.
29
Cfr. por exemplo, art.os 98.º e ss. do CIRS.

28
INTRODUÇÃO

por exemplo numa situação em que um certo contribuinte é no-


tificado de uma avaliação da sua matéria tributável com recurso a
indícios ou presunções fixando-se um valor presumido de € 5 000
(avaliação indireta), à qual se seguirá uma liquidação de imposto
devido sobre essa mesma matéria. Neste caso, o ato de avaliação,
embora produtor de efeitos jurídicos relevantes, não é um ato defi-
nitivo em sentido horizontal, na medida em que na cadeia procedi-
mental vai-se-lhe seguir um outro, esse sim definitivo, que é o ato
de liquidação. Do mesmo modo, quando determinado contribuinte
é notificado da compensação entre um reembolso a que tem di-
reito e uma dívida à AT, o ato definitivo será o posterior ato de
liquidação, e o ato de compensação – por vezes processado infor-
maticamente – configura-se como um ato intermédio. O mesmo
se diga, finalmente, das situações de revogação de um benefício
fiscal seguida de uma exigência de tributo. Importa observar que
a noção de ato definitivo não tem de coincidir necessariamente
com a de ato último praticado no procedimento – este, muitas ve-
zes, é o ato de notificação o qual, como ato meramente declarativo
que é, não é um ato decisório e não produz efeitos jurídicos por si
mesmo, limitando-se a “atestar” uma situação pré-existente e cria-
da por outro ato30.
iii) Em terceiro lugar, ato definitivo como sinónimo de ato que ex-
pressa a última palavra da Administração, ou seja, a manifestação
de vontade do seu mais elevado superior hierárquico (definitividade
vertical), tendo como seu antónimo o ato “inferior”. Aqui, vale o
critério da hierarquia e interessa discernir se sobre aquela questão
jurídica a decisão administrativa ainda é suscetível de reapre­ciação
por parte de uma entidade superior sendo que em caso afirmativo
o ato não se pode considerar verticalmente definitivo. Neste qua-
dro, o ato de liquidação não será um ato verticalmente definitivo,
considerando que posteriormente ainda é possível interpor recla-
mação graciosa com o objetivo de o anular.

Em termos de apreciação por parte do Tribunal, o legislador exige,


salvo raras exceções, que os atos sejam horizontalmente definitivos, não

30
Cfr., a respeito, art.º 77.º, n.º 6, da LGT.

29
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

se admitindo a impugnação contenciosa de atos intermédios (v.g., pro-


jetos de decisão, avaliações, compensações, relatórios de inspeção tribu-
tária). Deste modo, aquando da impugnação jurisdicional do ato final,
poderão ser invocados todos os vícios anteriores ao mesmo31.
Todavia, já não se exige como regra a definitividade material nem
vertical, prevendo-se quer a impugnação de atos provisórios32 quer a
impugnação de atos inferiores (no que a este último caso diz respeito,
apenas excecionalmente se exige o esgotamento das vias hierárquicas
administrativas para se abrir a via contenciosa33).

e) Atos de primeiro grau e atos de segundo grau


Intimamente relacionada com a questão acabada de referir da definiti-
vidade vertical dos atos da Administração encontra-se a questão da dis-
tinção entre atos de primeiro e de segundo grau (idêntica distinção se
poderá fazer, como veremos adiante, em relação aos procedimentos).
Neste contexto, os atos de primeiro grau incorporam a primeira pro-
núncia decisória da Administração tributária sobre determinada questão,

31
V. art.º 54.º do CPPT. De resto, nos casos em que o contribuinte ou lesado pode atacar
diretamente o ato intermédio (porque o legislador em concreto o prevê), tal deve ser en-
tendido como o exercício de uma simples ou mera faculdade e não de um dever efetivo,
pois, como refere o Tribunal constitucional, está-se aqui em presença de uma possibilida-
de do destinatário do ato lesivo, que poderá ou não utilizá-la, “sem quaisquer repercus-
sões futuras”, isto é, sem que a sua não utilização inviabilize a impugnação da decisão final
do procedimento, com base em vícios próprios daquele ato. V., a respeito, acórdão do TC
n.º 410/2015. Neste acórdão, o órgão máximo da jurisdição constitucional portuguesa foi
perentório (se bem que num processo de controlo concreto da constitucionalidade) ao con-
siderar que “ao impedir que a impugnação do ato de liquidação do imposto se funde em ví-
cios próprios do ato de cessação do benefício fiscal, a interpretação que a decisão recorrida
fez do artigo 54.º do CPPT desprotege gravemente os direitos do contribuinte, assim ofen-
dendo princípio da tutela judicial efetiva e o princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e
268.º, n.º 4, da CRP”. Por conseguinte, decidiu “[j]ulgar inconstitucional a interpretação do
artigo 54.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que, qualificando como um
ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocu-
tórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões
finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles (...)”.
Cfr. ainda acórdãos do STA de 14 de julho de 2010, processo n.º 0375/10, e do TCA–N de 12
de maiode 2010, processo n.º 01534/09.7BEBRG.
32
Cfr., por exemplo, art.os 131.º e ss. do CPPT, onde se admite, designadamente, a impugna-
ção da liquidação administrativa dos pagamentos por conta.
33
Cfr., por exemplo, art.os 86.º, n.º 5, da LGT e 117.º do CPPT.

30
INTRODUÇÃO

materializando-se na primeira apreciação da situação de facto e de Di-


reito que é colocada à sua frente. Diferentemente, os atos de segundo
grau incorporam uma reapreciação de uma questão, procedendo à sin-
dicância de uma anterior decisão. Como está bom de ver, estes atos de
segundo grau são proferidos em sede de procedimentos recursivos ou
impugnatórios, como as reclamações ou os recursos, no âmbito dos
quais o sujeito passivo ou interessado solicita ao órgão administrativo
competente que revise uma anterior decisão, anulando-a, revogando-a
ou suspendendo-a.
Pode também adiantar-se desde agora a ideia de que, na maior parte
dos casos, tais reclamações ou recursos têm eficácia meramente devolu-
tiva e não eficácia suspensiva, o que significa que, não obstante a inter-
posição do meio impugnatório, o ato impugnado continua a produzir os
seus efeitos (por exemplo, não obstante a interposição de uma reclama-
ção graciosa, o contribuinte deve pagar o imposto respetivo – sendo res-
tituído em caso de deferimento – pois aquela não suspende a produção
de efeitos da liquidação impugnada)34.

f ) Atos expressos e atos tácitos


Outra importante classificação relaciona-se com o modo como o órgão
administrativo decisor manifesta a sua vontade. Em determinadas situa­
ções, ele exterioriza o seu querer através de um comportamento que
revela inequivocamente um determinado sentido decisório, positivo
ou negativo. Fala-se, então, em decisão expressa, que é o que aconte-
ce quando o órgão decisor responde a uma petição e evidencia de um
modo direto que aceita ou que não aceita determinada pretensão do
contribuinte (deferimento ou indeferimento expresso).
Em outras situações, porém, o sentido decisório resulta de um com-
portamento indireto, mas que revela com probabilidade um determi-
nado sentido, falando-se em decisão tácita. Embora em abstrato várias
situações de comportamentos de tal natureza possam ser apresentadas
– por exemplo, duas avaliações sucessivas relativas ao mesmo facto tri-
butário pode querer significar uma revogação tácita da primeira; ou a
ausência de contestação de uma petição de impugnação judicial apre-
34
Cfr., a propósito, embora em outro contexto, acórdão do STA de 16 de agosto de 2006,
processo n.º 0689/06. V., ainda acórdão do STA de 8 de fevereiro de 2017, processo
n.º 0177/15.

31
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

sentada pelo contribuinte pode significar aquiescência com a sua pre-


tensão – a verdade é que em matéria tributária o exemplo mais signifi-
cativo é revelado pelo silêncio em face de uma pretensão apresentada.
Neste domínio, vale a regra do indeferimento tácito, presumindo-se que
a ausência de resposta, num determinado prazo fixado na lei (4 meses)
a uma petição ou a um pedido determinado faz presumir a sua não pro-
cedência35.

g) Atos vinculados e atos não vinculados (discricionários)


Neste segmento de análise, o acento tónico será colocado na relação que
se estabelece entre a norma (lei, decreto-lei ou regulamento) e o ato
admi­nistrativo que procede à sua aplicação ao caso em concreto, inte-
ressando colocar o discurso nos seguintes termos:
– Em certas situações, o criador normativo fixa em termos abso­lutos,
completos e exaustivos todos os pressupostos de aplicação da norma
ao caso em concreto, restando ao agente aplicador (v.g., Adminis-
tração tributária) a tarefa de simples subsunção a esse caso em con-
creto, sem a mínima possibilidade de conformação conteudística.
É o que acontece, por exemplo, em matérias de incidência pessoal
ou real dos impostos ou das respetivas taxas, em que a lei disci­plina
pormenorizadamente todos os aspetos da tributação e a Adminis-
tração se limita a aplicar à factualidade da situação em concreto
o que nela está previsto, não tendo poderes, nomeadamente, de
“esco­lher” quem pode ou não ser considerado sujeito passivo ou
se determinado rendimento está ou não está sujeito a tributação.
A sua conduta, nestas situações, é absolutamente vinculada, assim
como os correspondentes atos.
– Em outras situações, o criador normativo traça apenas a moldura
geral de aplicação da norma ao caso em concreto, delineando os as-
petos essenciais do respetivo regime jurídico, colocando nas mãos
do agente administrativo uma margem decisória no momento da
aplicação, concedendo-lhe uma liberdade que, em termos amplos,
se pode designar por discricionariedade (em sentido impróprio).
Nestes casos, a Administração tributária, mais do que se limitar
a subsumir acriticamente, goza de verdadeiras prerrogativas de

35
V. art.º 57.º, n.º 5 da LGT.

32
INTRODUÇÃO

escolha e seleção, podendo conformar o conteúdo da decisão. Estas


situações são particularmente frequentes por via da previsão nor-
mativa de situações de “pode” (o órgão X “pode autorizar”, “pode
conceder”, “pode aplicar”, etc. – logo, também o pode não fazer),
ou quando se concede uma margem decisória dentro de determi-
nadas balizas pré-estabelecidas (um mínimo e um má­x imo), em
que o legislador autoriza a emanação de verdadeiros atos discri­
cionários. A título exemplificativo, atentemos nas seguintes situa-
ções simples36:
 Os art.os 28.º ou 39.º, n.º 3, do Estatuto dos benefícios fiscais
(EBF) determinam que o Ministro das Finanças pode conceder
isenção total ou parcial de IRS ou de IRC relativamente a deter-
minados juros de capitais provenientes do estrangeiro ou aufe-
ridos por pessoas deslocadas no estrangeiro;
 O art.º 71.º, n.º 1, do Código do IMI (CIMI) prevê que um de-
terminado prazo pode ser prorrogado pelo Diretor de Finanças
“quando as circunstâncias o justifiquem”;
 O art.º 60.º, n.º 6, da LGT estabelece que a AT pode alargar o prazo
de exercício do direito de audição até o máximo de 25 dias em
função da complexidade da matéria (na verdade, aqui, até esta­
mos em presença de dois momentos de liberdade decisória:
“pode...” e “até...”)37;
 O art.º 68.º, n.º 13, da LGT prescreve que quando o entender conve-
niente, a Administração tributária procede à audição do reque-
rente no âmbito de um pedido de informações vinculativas;
 O art.º 77.º do CPPT prevê que nas situações em que o contri-
buinte apresenta uma reclamação sem que existam motivos
que razoavelmente a fundamentem, o órgão da Administração
tributária aplicará uma sanção (um agravamento à coleta) gra-
duado até 5% da coleta objeto do pedido (isto é, entre 0% e 5%
desta);
 Os art.os 201.º e 202.º do CPPT preveem a possibilidade de o
Minis­tro das finanças autorizar ou não o pedido de dação em pa-
gamento apresentado pelo contribuinte;

36
A respeito do tema, cfr. acórdão do STA de 12 de julho de 2006, processo n.º 01003/05.
37
No mesmo sentido, art.º 60.º, n.º 2, do RCPITA.

33
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Esta dicotomia classificatória assume crucial importância em sede de


controlo jurisdicional das atuações administrativas, na medida em que
os atos ditos discricionários “escapam” a tal controlo. Quer isto dizer que
nas situações em que o legislador atribui ao agente aplicador prerro-
gativas decisórias discricionárias, o Tribunal não pode, em sede de im-
pugnação contenciosa, sindicar a oportunidade ou a conveniência da
atuação do agente – dizendo que ele “não devia” ter concedido a isen-
ção; “não devia” ter autorizado o pagamento faseado, etc. – devendo-
-se limitar a exercer o controlo de legalidade, o qual nunca deixará de
fazer, e que se limita a averiguar se os requisitos legais (competência,
forma, tempestividade, procedimento, fundamentação) foram cumpri-
dos. Não poderá é sobrepor-se às escolhas administrativas – que o legis-
lador auto­rizou, recorde-se – e sugerir que as suas seriam melhores ou
mais adequadas.
Por último, refira-se que a concessão de espaços discricionários não
se confunde com a utilização pelo legislador de conceitos indetermina-
dos ou polissémicos. Nestes casos, o agente aplicador não goza de ne-
nhuma liberdade discricionária, pois tudo se resume a uma função de
interpretação, a qual, como tarefa jurídica que é, não escapa ao controlo
efetuado pelo juiz38.

h) Atos válidos e atos inválidos. Atos eficazes e atos ineficazes


Por último, resta apreciar uma classificação de atos da Administração
que se relaciona com a sua conformidade ou não com o ordenamento
normativo.

38
V., a propósito, o significativo acórdão do STA de 27 de novembro de 2013, processo
n.º 01159/09, de 27.11.2013, no qual, em referência ao conceito de “razões económicas váli-
das” se pode ler: “[n]o preenchimento e concretização de conceitos indeterminados, a admi­
nistração está obrigada a desenvolver uma atividade vinculada de interpretação da norma e
há-de chegar, em princípio, a uma única solução para o caso concreto, não lhe sendo possí-
vel guiar-se por uma liberdade subjetiva ou por critérios de oportunidade. A indetermina-
ção do enunciado não se traduz numa indeterminação de suas aplicações, e ao intérprete
administrativo caberá identificar se a situação fáctica está ou não abrangida pelo conceito
indeterminado contido na norma. Pelo que, também nesta medida, está em causa um poder
vinculado, que o tribunal tem de poder sindicar”. Adiante: “ (...) o próprio processo de con-
cretização do juízo administrativo e os parâmetros de avaliação utilizados não são inteira-
mente livres, na medida em que têm de se revelar como apropriados, coerentes e razoáveis,
estando a administração legalmente vinculada a respeitar as regras técnicas para que a lei re-
mete. E, nessa perspetiva, o tribunal não pode eximir-se ao controlo judicial desse processo”.

34
INTRODUÇÃO

Ora, se determinado ato tiver cumprido todos os requisitos que o


ordenamento exige para que possa estar apto, em potência, a produ-
zir efeitos jurídicos (entrar em vigor), respeitando as prescrições das
normas superiores que o enquadram – a saber: ter sido emanado pela
entidade competente, de acordo com a forma legalmente prevista, de
acordo com o procedimento legalmente exigido e no respeito dos con-
teúdos superiormente impostos – diz-se que se está em presença de um
ato vá­lido. Pelo contrário, se o ato não respeita as exigências que o orde-
namento coloca para que possa entrar em vigor, violando as prescrições
normativas que o fundamentam e enquadram, será inválido.
Para os atos inválidos reserva-se a designação um pouco imprópria
de ilegalidade que, em termos tributários, mais não significa do que o que
acabou de se referir: desconformidade com o ordenamento. Adota-se,
por isso, um conceito amplíssimo de ilegalidade que abarca a contrarie-
dade entre o ato da Administração e qualquer norma, ou parâmetro nor-
mativo, que o enquadre, especificamente:
– Normas constitucionais;
– Normas de Direito internacional (v.g., normas de tratados que têm
por objetivo evitar ou atenuar a dupla tributação);
– Normas de Direito da União Europeia (primário ou secundário);
– Normas legais (v.g., Códigos fiscais, como o CIRS, CIRC, CIVA,
CIMI, CIMT);
– Normas regulamentares (regulamentos do Governo, das Autarquias
locais, etc.); e até
– Outros atos administrativos em sentido amplo (informações vin­
culativas, avaliações prévias, etc.39)

A consequência prescrita para os atos ilegais ou inválidos é, em regra,


a anulabilidade (apenas invocável por um núcleo restrito de interessados

39
Cfr., respetivamente, art.os 57.º e 58.º do CPPT. Embora tenhamos oportunidade de referir
este aspeto adiante, será conveniente realçar a ideia de que a própria contrariedade entre
determinado ato administrativo e um ato administrativo anterior que o enquadra poderá,
para efeitos tributários, caber no conceito de ilegalidade. Pense-se na situação em que, a pe-
dido do contribuinte, a Administração emana uma informação vinculativa dizendo que ele
tem direito a determinado regime de tributação mais favorável, e a posterior liquidação é
efetuada submetendo-o ao regime geral. Neste caso, o ato de liquidação poderá ser conside-
rado ilegal por violação do ato administrativo anterior de informação vinculativa.

35
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

e dentro de limites temporais apertados), embora, nos casos mais gra-


ves – por exemplo, violação do núcleo essencial de um direito, liberdade
ou garantia –, se determine a sua nulidade (a invocação pode ser efetu-
ada por qualquer interessado e a todo o tempo)40. Compreende-se que
assim seja pois, como refere o STA, estabelecer em matéria tributária
como regra a nulidade “teria a consequência inaceitável de criar uma
insustentável incerteza generalizada e perpétua no domínio das finan-
ças públicas, cujos reflexos negativos se produziriam permanentemente
nesse sector de relevo primacial para o funcionamento global do Estado
e das instituições públicas que se veriam impossibilitados de qualquer
programação financeira consistente a médio prazo”. Por isto, não se
compreenderia que se eternizasse, de forma generalizada, a possibilida-
de de o contribuinte questionar a legalidade dos atos de liquidação de
impostos41.

Em ambas a situações – anulação ou declaração de nulidade –, a in-


validação do ato pelo órgão competente (administrativo ou jurisdicio-
nal) terá efeitos retroativos, retirando-se o ato do ordenamento desde a
sua entrada em vigor, e implicará a restituição de tudo quanto haja sido
prestado42.

***

Contudo, os conceitos de validade e de invalidade não se confundem


com os de eficácia e ineficácia, pois apesar de existente e válido, o ato da
Administração pode ainda não estar apto a desencadear em concreto
– embora o esteja em potência – os efeitos jurídicos que lhe são assa-
cados, faltando-lhe a verificação de um requisito de eficácia, nomeada-
mente a publicação ou a notificação ao interessado, consoante os casos.

40
Cfr., por exemplo, acórdãos do STA de 3 de maio de 2017, processo n.º 0924/16; de 14 de
fevereiro de 2013, processo n.º 049/13; e de 18 de janeiro de 2006, processo n.º 0901/05.
V., com interesse, SILVA, Hugo Flores da, O impacto da reforma do CPTA e do CPA no pro­cesso e
procedimento tributário, in Procedimento e processo tributário 2016, Centro de estudos judi­
ciários, Lisboa, 2016, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_
Procedimento_Processo_Tributario2016.pdf , pp. 51 e ss.
41
Assim, acórdão do STA de 23 de novembro de 2005, processo n.º 0612/05.
42
Quanto às anulações parciais, v. acórdãos do STA de 19 de abril de 2017, processo
n.º 0100/17, e de 10 de abril de 2013, processo n.º 0298/12.

36
INTRODUÇÃO

Por exemplo, o ato de liquidação é um ato que determina e quantifica


em concreto os contornos e o montante da obrigação tributária; todavia,
não produz os seus efeitos no momento em que é praticado, mas apenas
com a posterior notificação ao contribuinte, o qual apenas a partir deste
momento é que se encontra obrigado a pagar (aliás, só com a notifica-
ção é que começa a correr o prazo para pagamento). É neste sentido,
aliás, que a própria LGT determina que “a eficácia da decisão depende
da notificação”43.
No rigor dos conceitos, e na medida em que não produzem efeitos
jurídicos autónomos, os atos meramente comunicativos ou declarativos
nem deverão ser qualificados como verdadeiros atos administrativos,
mas sim como simples operações materiais de comunicação.

2.4. Os atos tributários em particular (noção ampla e noção res­


trita). Importância da autonomização
A partir de tudo quanto foi dito até ao momento, pode ensaiar-se uma
primeira noção de ato tributário: ato da Administração tributária, produ-
tor de efeitos jurídicos, de carácter individual e concreto, de aplicação
da norma tributária substantiva a um caso determinado.
Esta é uma noção ampla de ato tributário, que abrange um vasto número
de atuações que vão desde a liquidação de um imposto, ao reconheci-
mento de uma isenção, à prestação de uma informação vinculativa ou à
avaliação de um bem para efeitos de cálculo de um tributo, pois em todos
estes casos se verificam os elementos constitutivos da noção acima dada.
Ora, no quadro deste amplo universo de atos decisórios e produtores
de efeitos jurídicos que a Administração pode praticar, torna-se impres-
cindível efetuar uma delimitação analítica de extrema importância, em
face do regime jurídico que em concreto vai ser aplicado:
i) Por um lado, deve-se observar que um determinado tipo de atos
em particular merece realce e tratamento jurídico destacado, quer
por causa da sua frequência, quer pelo facto de ser considerado
o ato impositivo por excelência: a liquidação. Esta consiste no ato
de deter­minação em concreto do sujeito passivo tributário44 e do

43
Assim, art.º 77.º, n.º 6, da LGT.
44
Não de definição (abstrata) desse sujeito passivo! Como se sabe, tal tarefa (substantiva) de
desenho dos obrigados tributários encontra-se nas mãos do legislador ou criador normativo,

37
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

quantum do tributo, e é por via dele que determinado sujeito


previsto na lei fica a saber realmente quanto é que deve pagar ou
receber de tributo. Na realidade, pode dizer-se que até então – isto
é, desde o nascimento da relação jurídica (com a verificação do
facto tributário previsto na lei) até ao momento da liquidação –,
o sujeito apenas está adstrito a uma obrigação abstrata ou ilíquida
de pagamento de tributo, e é só a partir de tal momento que a sua
obrigação se torna concreta, certa e determinada (naturalmente
que, após o ato de liquidação, ainda surgirá um outro que é o ato
de cobrança ou reembolso). A importância do ato de liquidação no
domínio do Direito tributário é tal que o legislador, a doutrina e a
jurisprudência lhe reservam uma especial denominação: ato tribu-
tário, embora agora num sentido técnico e mais preciso. Por con-
seguinte, o ato tributário em sentido restrito é o ato de determinação
concreta da dívida tributária.
ii) Todos os outros atos, que se integram na noção ampla de ato tri-
butário acima dada mas não são atos de liquidação, são os atos
administrativos em matéria tributária (ou, para utilizar, por exemplo, a
linguagem do ETAF45, o ato administrativo “respeitante a questões
fiscais”), e abrangerão, nomeadamente, os atos de prestação de in-
formações vinculativas46, de avaliação prévia47, de reconhecimento
de benefícios fiscais48, de compensação entre dívidas tributárias49,
de indeferimento de um pedido de pagamento da dívida tributária
em prestações50, etc.

através das denominadas “normas de incidência pessoal”. Cfr., em matéria de impostos, art.º
103.º, n.º 2, da CRP.
45
Cfr. art.os 26.º, alínea c), e 38.º, alínea b).
46
V. art.º 57.º do CPPT.
47
V. art.º 58.º do CPPT.
48
V. art.º 65.º do CPPT.
49
V. art.º 89.º do CPPT.
50
V. art.os 42.º da LGT e 196.º e ss. do CPPT.

38
INTRODUÇÃO

Esquematicamente:
Atos tributários stricto sensu (liquidação)
Atos tributários
lato sensu
Atos administrativos em matéria tributária

Como se constata, não se pode afirmar que as designações “ato da


administração tributária”, “ato administrativo em matéria tributária” e
“ato tributário” sejam sinónimas, e a confusão entre elas pode conduzir,
não apenas a equívocos linguísticos, mas mesmo à errada utilização das
garantias dos contribuintes ou dos seus mais variados meios de defesa.
Isto porque os meios administrativos e jurisdicionais apenas podem ser
utilizados em referência a determinado tipo de atos e não indiscrimina-
damente em relação a todos. Apenas a título exemplificativo, registemos
as seguintes situações:
– A reclamação graciosa apenas pode ser utilizada para colocar em crise
a validade de atos tributários em sentido restrito, próprio ou técnico
(atos de liquidação), não sendo o meio adequado para sindicar qual-
quer outro ato administrativo (neste último caso, estarão previstos
outros meios de reação, como o recurso hierárquico ou os pedidos
de revisão)51.
– A ação administrativa (prevista no CPTA) apenas pode ser utilizada,
em Tribunal, para proceder ao controlo de atos administrativos em
matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade
da liquidação, como o não reconhecimento de benefícios fiscais,
não sendo correta a sua utilização em presença de atos tributários
propriamente ditos52.

3. A jurisdição tributária

3.1. As finalidades e o enquadramento da jurisdição tributária


Do Direito tributário adjetivo faz também parte, como dissemos, a juris-
dição tributária, que compreende o conjunto de atuações levadas a efeito
pelos órgãos jurisdicionais (Tribunais) em matéria tributária.

51
Cfr. art.º 68.ºdo CPPT.
52
Cfr. art.º 97.º, n.º 2, do CPPT.

39
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

O primeiro problema que pode aqui ser analisado é o de saber qual


a finalidade desta jurisdição, e a resposta, salvo melhor opinião, não
po­derá deixar de ser neutra e formal: os Tribunais, bem assim como os
meios processuais que perante os mesmos se desenvolvem, têm como fi-
nalidade resolver litígios, isto é, dar a última palavra acerca da composição
de um conflito de pretensões que oporá, na maior parte das situações, o
fisco e o contribuinte. O objetivo é, assim, obter a pacificação do mundo
do Direito, o qual ficou alterado com a introdução de um fator de per-
turbação (o litígio, o diferendo, o dissídio) que urge erradicar.
É este o sentido do princípio da reserva do juiz constitucionalmente
consagrado (art.º 202.º da CRP).
Por conseguinte, o julgador deve preocupar-se, em primeiro lugar,
em resolver tal litígio, aquietando a situação e restaurando a normali­
dade jurídica, e não tanto em “proteger” o contribuinte ou “acautelar”
a perceção da receita pública. Não será esse o seu papel num Estado de
Direito responsável.

***

Agora, a resolução desse litígio poderá ser feita, numa segunda linha
de reflexão, convocando uma postura objetivista ou uma postura subje-
tivista.
A este propósito, e aproveitando a lição da melhor doutrina – refe-
rente às finalidades da justiça administrativa, mas possível de transposi-
ção para este discurso –, podemos apontar duas teses:
i) Em primeiro lugar, pode ser afirmado que os esquemas organiza-
tórios e formais de justiça tributária estão orientados à proteção
do Interesse público globalmente considerado e de certos valores
ou bens jurídicos valiosos, tais como a estabilidade das situação
financeira pública, a legalidade da atuação dos agentes da Admi-
nistração tributária, a justiça tributária em sentido substantivo ou
material (reconduzida à ideia de igualdade tributária), a correta
execução da política orçamental pública, entre outros;
ii) Em segundo lugar, pode ser afirmado que a orientação que preside
à justiça tributária é a tutela ou proteção das posições jurídicas sub-
jetivas dos contribuintes e outros obrigados tributários, evi­tando
que os seus direitos fundamentais sejam violados ou restringidos
ilegal ou inconstitucionalmente.

40
INTRODUÇÃO

A jurisprudência e a doutrina dominantes têm-se inclinado para a


segunda das orientações referidas (subjetivismo), num alinhamento
que nos parece merecer algum reparo científico. Com efeito, não é in-
comum a referência à justiça tributária – e particularmente ao processo
de impugnação judicial – como uma estrutura ancorada num “modelo
subjetivista, funcionalmente estruturado para tutela jurisdicional efe­tiva
dos direitos e interesses dos administrados (...), que não da Adminis-
tração”. Neste contexto – prosseguem estes sectores argumentativos –,
compreende-se por exemplo que a legitimidade para a impugnação seja
atribuída apenas aos particulares lesados, e não aos sujeitos ativos da re-
lação tributária ou aos destinatários da receita fiscal (como uma Autar-
quia local). Isto porque “são aqueles, e não outros, os potenciais lesados
com a atuação administrativa ilegal, ao menos no plano tributário, sendo
por isso apenas àqueles que haverá que reconhecer legitimidade para
impugnar o ato”53.
Ora, com o devido respeito, parece-nos que se trata, esta última, de
uma visão porventura redutora da questão, lateralizando dimensões
constitucionais incontornáveis e adotando uma visão “paternalista” em
relação aos contribuintes, carecendo de sentido normativo num Estado
de Direito com quadros sólidos e bem estruturados, no qual o tributo
não pode ser diabolizado e a Administração não pode deixar de estar
vinculada ao princípio da imparcialidade.
A solução a adotar passará, estamos em crer, pela consideração do
enquadramento constitucional que é dispensado a estas matérias e pela
resolução da questão prévia – que seria nesta sede desfocada – das fina-
lidades das normas consagradoras dos direitos fundamentais (falando-
-se, a este respeito, em posições ou teorias personalistas e em posições
ou teorias transpersonalistas). De toda a forma, e apesar de não ser o lu-
gar indicado para levar a cabo um estudo aprofundado destes temas,
sempre se poderá recordar a dupla dimensão (doppelcharakter) que deve
anco­rar qualquer visão dos direitos fundamentais: a dimensão subje­tiva,
reveladora da ideia de que qualquer norma de direitos fundamentais
incor­pora uma ou mais posições abstratas juridicamente tuteladas (v.g.,
direito de propriedade, direito à reserva da vida privada, direito à livre
iniciativa económica, etc.) e a dimensão objetiva, reveladora da ideia de

53
Cfr., por exemplo, acórdão do STA de 17 de novembro de 2010, processo n.º 0624/10.

41
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

que qualquer norma de direitos fundamentais incorpora um ou vários


valores a defender por uma determinada comunidade politicamente
orga­nizada (sustentabilidade, legalidade, justiça, igualdade, proporcio-
nalidade, etc.).
Por conseguinte, e sem pretender contornar a questão, parece-nos
que a pedra de toque residirá na consideração conjunta de ambas as di-
mensões, procedendo-se a uma tarefa de “concordância prática” entre
as visões referidas, procurando-se enfatizar (i) que não apenas os con-
tribuintes, mas também a Administração tributária54 e outros atores
podem merecer proteção do ordenamento por via do contencioso e (ii)
por vezes, acima desses interesses subjetivos poderão existir outros da-
dos constitucionalmente relevantes (verdade material, estabilidade das
finanças públicas, nível de execução de direitos sociais, manutenção do
serviço público de saúde, educação, segurança, ou proteção social, etc.)
que devam merecer tutela jurídico-normativa.
Seja como for, reitera-se a ideia assumida: a finalidade essencial do
contencioso tributário é obter a paz jurídica e não tanto – embora, reco-
nheça-se, também – proteger posições jurídicas subjetivas ou bens jurí-
dicos abstratamente considerados.

3.2. Dimensões constitucionais da jurisdição tributária


Por outro lado, e como se compreende, toda a justiça tributária deve-
rá estar constitucionalmente enquadrada, pelo que o estudo dos vários
mecanismos de proteção em sede tributária não ficaria completo se
não fosse feita uma referência, ainda que breve, a esse enquadramento.
Natu­ralmente que, por razões de ordem temporal e pedagógica, tal en-
quadramento não pode ser feito de uma forma exaustiva e intensiva,
mas, pelo contrário, deve-se debruçar apenas sobre aqueles aspetos
basi­lares que constituem as traves mestras de todo o edifício garantís-
tico tributário, principalmente o edifício jurisdicional. Tais aspetos, no
essencial, passam pela consideração de alguns princípios fundamentais
e pelo desenho que o legislador constituinte dispensou às denominadas
“garantias dos contribuintes”55.
54
Importa salientar que, ao contrário do preconceito comum, a AT não tem interesses pró-
prios (designadamente arrecadatórios), mas interesses heteronomamente determinados
pela Constituição e pela lei.
55
Para um enquadramento histórico desta jurisdição, com a sinalização dos principais mo-
mentos do seu percurso evolutivo, v. Ferreira, Ricardo Matos, Autonomia e limites da Juris-

42
INTRODUÇÃO

a) O princípio da constitucionalidade
O estudo dos princípios estruturantes da justiça tributária não pode dei-
xar de começar por ser feito com a referência ao princípio da constitu-
cionalidade.
Como é sabido, tal princípio afirma a subordinação de todos os ór-
gãos do Estado, e dos correspondentes atos, à Constituição56, devendo-
-se retirar do ordenamento jurídico, ou pelo menos não aplicar, os atos
com esta desconformes.
Os Tribunais desempenham, neste particular ponto, um importantís-
simo papel de guardiães das normas fundamentais. Ao contrário do que
acontece com os órgãos administrativos – que, em regra, não se podem
recusar a aplicar uma norma com “simples” fundamento em inconsti-
tucionalidade57 –, impende sobre aqueles um verdadeiro dever ex officio
de desaplicação da norma inconstitucional pois, nos termos da própria
CRP “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais apli-
car normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios
nela consignados”58. Em consonância com este preceito, o art.º 1.º, n.º 2,
do ETAF vem precisar este dever para os Tribunais da jurisdição admi-
nistrativa e fiscal.
Daqui resultam duas importantes consequências:
i) O Tribunal não está – não pode estar – dependente da arguição da
inconstitucionalidade por parte dos outros atores processuais (v.g.,
partes no processo); constatando que tem diante de si uma norma
inconstitucional, deve, sem mais, desaplicá-la;
ii) A questão da inconstitucionalidade nunca surgirá diante de si a
título principal, mas apenas a título incidental. Significa isto que
o problema da conformidade de uma norma com a Constituição
apenas será por si analisado porque suscitado no decurso de um
processo em andamento, que, esse sim, levou as partes a Tribunal
e no qual se está a discutir uma questão jurídica (tributária) di-
versa.

dição Tributária (dissertação de mestrado), in http://tributarium.net/teses.html, pp. 28 e ss.


(último acesso em 08 de junho de 2019).
56
Cfr. art.º 3.º, n.º 3, da CRP.
57
V., por exemplo, acórdão do STA de 30 de janeiro de 2019, processo n.º 0564/18.2BALSB.
58
Assim, art.º 204.º da CRP.

43
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

De salientar que o princípio em análise afirma a subordinação a todas


as normas constitucionais. Deste modo, os Tribunais tributários devem
igualmente obediência a princípios constitucionais não escritos, princí-
pios esses que farão parte, não da constituição formal propriamente dita,
mas antes da denominada constituição material.

b) O princípio da independência dos tribunais


Da leitura dos art.º 203.º da CRP e 2.º do ETAF resulta que “os tribunais
da jurisdição administrativa e fiscal são independentes e apenas estão
sujeitos à lei e ao Direito”. Trata-se da consagração explícita do princí-
pio da independência da função jurisdicional e dos juízes.
O que significa, neste contexto, tal independência?
Para que tal prerrogativa – ou melhor, garantia – possa ser plenamente
compreendida, deve ser efetuada uma distinção entre independência obje-
tiva e independência subjetiva, nos seguintes termos:
– Independência objetiva, ou obediência à lei, significa que os Tribunais
não estão (nem podem estar, aliás) sujeitos a qualquer espécie de
comando ou diretiva de que poder for, designadamente do poder
político ou administrativo59. Por outro lado, ao dizermos que os Tri-
bunais e os juízes estão subordinados à lei, não nos estamos a referir,
evidentemente, à lei em sentido formal (ato normativo solene ema-
nado do órgão legiferante primário), até porque tal subordinação já
resultaria do princípio da constitucionalidade e da hierarquia nor-
mativa que a Constituição estabelece. Com tal referência, estamos
a pretender dizer que (i) os Tribunais estão subordinados a todas as
“leis”, no sentido de atos normativos (normas constitucionais, leis,
decretos-lei, tratados internacionais, normas de Direito da União
Europeia, regulamentos) e que (ii) os Tribunais estão subordinados
somente às leis, na medida em que independem de qualquer outro
“constrangimento”, no sentido acima referido. Obviamente que em
todos estes casos, estamo-nos sempre a referir a uma subordinação
a normas favor legis, isto é, normas legítimas, uma vez que estamos a

59
Adiantando um pouco do que teremos ocasião de referir num momento mais avan­çado,
pode-se dizer que uma das expressões ou consequências práticas dessa independência dos
Tribunais em relação ao poder administrativo se materializa na não obrigatoriedade de
acompanhamento das informações vinculativas prestadas pela Administração tributária aos
contribuintes (cfr. art.º 68.º, n.º 14 in fine da LGT).

44
INTRODUÇÃO

pressupor os quadros dimensionantes de um Estado de Direito, no


qual os órgãos jurisdicionais devem sempre respeitar a hierarquia
emergente da Constituição ou da lei, e aplicar a norma com valor
hierárquico superior, preterindo a aplicação das restantes. Assim
seriam de desaplicar, por exemplo, um decreto-lei autorizado que
viole a respetiva lei de autorização legislativa, uma lei inconstitucio-
nal, etc.;
– A independência subjetiva corporiza-se nas garantias de inamovibi-
lidade e de irresponsabilidade quanto às decisões tomadas. Com
efeito, uma das garantias reais de independência dos órgãos juris-
dicionais é precisamente a impossibilidade de, por exemplo, trans-
ferência por motivos que não os expressamente previstos na lei.
De facto, não estariam asseguradas as necessárias garantias de im-
parcialidade se os juízes a todo o momento, e em virtude das suas
decisões no caso concreto, pudessem ser transferidos para outras
comarcas. Tal circunstância favoreceria o nascimento de um cli-
ma de suspeição e desconfiança em relação ao exercício da função.
Aliás, também esta é uma exigência postulada, não apenas pelo
ETAF60, mas também pela própria CRP, ao dizer, no seu art.º 216.º
n.º 1 que “os juízes são inamovíveis, não podendo ser transferidos,
suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na
lei”. Por outro lado, afirmar que os Tribunais não podem ser respon-
sabilizados pelas sentenças e acórdãos que profiram significa que
não poderá ser pedida ao(s) juiz(es) qualquer espécie de “prestação
de contas” derivada dessa mesma decisão. Os Tribunais são inde-
pendentes, não tendo de dar satisfações a quem estiver fora e à mar-
gem do exercício da função jurisdicional61. É óbvio que tal exigência
arrasta consigo uma outra de cariz inverso: a de responsabilização
interior e consciencialização dos juízes pelas decisões que tomam.
Mas este terá de ser um dado adquirido, no sentido de admitirmos
que, quando um juiz toma uma decisão, teremos de partir do prin-
cípio de que a tomou no bom sentido, e motivado estritamente pela
obediência à lei, no sentido atrás apurado.

60
Cfr. art.º 3.º, n.º 1, do ETAF.
61
Cfr. art.os 216.º, n.º 2 da CRP e 3.º, n.º 2 do ETAF.

45
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

c) O princípio da reserva da função jurisdicional em matéria tribu­


tária
Da leitura conjugada dos artigos 202.º, n.º 1, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF
resulta que os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os ór-
gãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome
do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas
e fiscais. Resulta daqui um princípio de reserva da função jurisdicional ou
reserva do juiz, significativo da ideia de que apenas os tribunais podem di-
rimir (definitivamente) litígios e ditar Direito ou, por outras palavras, o
exercício da função jurisdicional está reservado ao Tribunal, e, no âm-
bito deste, ao juiz62. Assim, só ao juiz e ao Tribunal é que podem ser
atribuídas competências para praticar atos jurisdicionais, sendo incons-
titucional qualquer atribuição a outros órgãos, designadamente, admi-
nistrativos.
Para estes efeitos, um “ato jurisdicional” será um ato praticado exclu­
sivamente de acordo com critérios de juridicidade (não de oportuni­
dade ou conveniência) com o objetivo de resolver uma “questão jurí­
dica” (um conflito de pretensões ou controvérsia sobre a violação ou não
da ordem jurídica). O fim do mesmo será sempre a obtenção da paz jurí-
dica decorrente de tal resolução.
Um dos pontos controvertidos que se poderá aqui debater prende-
-se com a problemática da atribuição de competências jurisdicionais a
outras entidades que não o juiz – e da atribuição de tal qualificação às
mesmas –, e pode-se dizer que, em abstrato, até se pode admitir a possi-
bilidade de atribuição de competências para o exercício da função juris-
dicional a certas entidades não jurisdicionais. Todavia, tal atribuição só
não será inconstitucional se tiver uma finalidade meramente coadjutora.
Ou seja, não poderemos, in limine afirmar que um ato jurisdicional pra-
ticado por um órgão administrativo origina, por si, uma inconstituciona-
lidade; agora, o que já consubstancia uma verdadeira contrariedade à lei
fundamental é, por via de tal facto, a atribuição da categoria de jurisdicio-
nal ao órgão que o pratica.
Por último deve-se afastar liminarmente um critério subjetivo de
consideração da função jurisdicional. Não é somente pelo facto de
deter­minado órgão praticar um ato que, materialmente, até poderá ser

62
Cfr. acórdão do TC n.º 449/93, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt.

46
INTRODUÇÃO

considerado um ato jurisdicional, que tal órgão poderia ser considerado


um órgão jurisdicional. A ser assim, teríamos um completo esvaziamento
do sentido da reserva da função jurisdicional, pois de nada adiantaria
reservar para determinados órgãos a competência para praticar atos
jurisdicionais, se, com tal prática, esse órgão adquiriria essa qualidade.
Deste modo, para que um órgão possa como tal ser qualificado – e para
que, em consequência, lhe seja reservada a prática de determinado tipo
de atos – torna-se imprescindível que se verifique outro apertado e exi­
gente requisito: a independência do órgão em causa, nos termos já acima
descritos.
Todas estas questões serão relevantes quando forem abordadas as
temá­ticas da natureza de determinados processos tributários, e da qua-
lificação dos respetivos atos como jurisdicionais ou administrativos (por
exemplo, a propósito do processo de execução fiscal)63.

d) O princípio da proteção jurídica


O princípio da proteção jurídica está previsto na CRP no art.º 20.º e é, nos
seus vários números, densificado através das seguintes manifestações:
– Direito de acesso ao Direito;
– Direito de acesso aos Tribunais;
– Direito à informação e consulta jurídicas;
– Direito ao patrocínio judiciário;
– Direito a uma decisão jurídica em tempo razoável;
– Direito a um processo equitativo.

Em rigor, os direitos à informação e consulta jurídicas e ao patrocí-


nio judiciário são já corolários do direito de acesso ao Direito, pelo que
a sua repetição se pode afigurar eventualmente desnecessária. De qual-
quer forma, todas estas exigências constitucionais refletem uma vincada
preocupação de operatividade prática, de modo a que a proteção jurí­
dica efetivamente dispensada seja uma verdadeira proteção e não ape-
nas uma manifestação teórica de um princípio abstrato. Por isso, aos
mencionados, entende a jurisprudência que deve acrescer – ou consi­

63
V. supra, II, apartado 6.5.4.

47
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

derar-se incluído – o direito à produção de prova, o qual não pode ser


limitado sem justificação razoável64.
No que particularmente à justiça tributária diz respeito, tal opera-
tividade ganha especial significado em face dos atos da Administração
tributária potencialmente lesivos de posições jurídicas subjetivas prote-
gidas dos contribuintes em geral e só será verdadeiramente atingida se
for assegurada uma “tutela jurisdicional efetiva”65, que além do tradicio-
nal contencioso de anulação (meio jurisdicional destinado a controlar a
legalidade dos atos administrativos tributários, invalidando-os66), consa-
gre igualmente processos com carácter de urgência e meios de prote-
ção em face de situações de omissão administrativa (ou seja, casos em
que a Administração tributária não se pronuncia – devendo-o fazer– so-
bre uma pretensão que lhe foi dirigida). Como exemplos de tais meios
podemos apontar a ação para reconhecimento de direitos ou interesses
legalmente protegidos em matéria tributária e a intimação para com-
portamentos67.

e) O princípio da reserva legal das garantias dos contribuintes


As garantias dos contribuintes, cujo elenco iremos fazer de seguida e
cujo estudo mais exaustivo será feito num momento mais avançado,
estão sujeitas ao princípio constitucional da reserva de lei, no duplo
sentido de reserva de lei formal e reserva de lei absoluta. Significa isto
que (i) as matérias a elas relativas apenas poderão ser objeto de disci-
plina jurídica mediante ato solene do órgão legiferante primário ou de
órgão por este autorizado (o que, em termos práticos, vale por dizer que
apenas poderão ser disciplinadas por lei ou por decreto-lei autorizado)
e (ii) tal ato solene deve conter a sua disciplina exaustiva e completa,

64
V. acórdão do STA de 19 de fevereiro de 2014, processo n.º 096/14, a respeito da inadmis-
sibilidade de “proibições absolutas” (no caso, de prova testemunhal).
65
V. art.º 268.º, n.º 4, da CRP. Quanto às dificuldades inerentes à salvaguarda dessas posi-
ções jurídicas subjetivas junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), v.
Palma, Rui Camacho, Jurisprudência recente do tribunal europeu dos direitos do homem em matéria
tributária, in Temas de Direito Tributário 2017: insolvência, taxas, jurisprudência do TEDH e do TJ
(ebook), CEJ, Lisboa, 2017, pp. 43 e ss, disponível em formato digital em http://www.cej.
mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_TemasDireitoTributario2017_II.pdf
(último acesso em 08 de abril de 2019).
66
V., por exemplo, art.os 99.º e ss. do CPPT.
67
V., respetivamente, art.os 145.º e 147.º do CPPT.

48
INTRODUÇÃO

não se admitindo a outorga de quaisquer poderes de conformação (v.g.,


espa­ços discricionários) aos aplicadores das normas.
Desta forma, toda a atuação jurídica que não obedeça a estas exigên-
cias, além de obviamente inconstitucional, confere ao lesado um direito
de resistência68. Pense-se, por exemplo, numa situação em que um órgão
da Administração tributária emana um regulamento encurtando os pra-
zos de interposição de reclamação ou de recurso, previstos na lei, ou em
que é liquidado um tributo com uma taxa de imposto alterada pelo ór-
gão administrativo.
Todavia, deve-se colocar em saliência que as possibilidades de exe­
cução de tal direito podem revelar-se fragilizadas, pois, como conve-
nientemente se deve alertar, é difícil compatibilizar um direito a resistir
com um privilégio de execução prévia que beneficia os agentes adminis-
trativos.

3.3. A força das decisões jurisdicionais e a execução de julgados

3.3.1. A inequívoca prevalência da decisão do juiz


De modo a obter-se uma compreensão inicial satisfatória de todo o Di-
reito tributário adjetivo, e particularmente da articulação entre a ati-
vidade administrativa e a atividade jurisdicional em matéria tributária,
deve efetuar-se uma sumária alusão ao problema dos efeitos das deci-
sões jurisdicionais em face da Administração tributária.
Trata-se, esta, de uma matéria complexa e relativamente à qual o le-
gislador tributário se demonstra bastante omisso – demasiadamente
omisso, dir-se-ia – e que, por tal motivo, reclama um esforço acrescido
de convocação das ferramentas jurídicas necessárias à tarefa de integra-
ção de lacunas. Em todo o caso, mediante o apelo às coordenadas cons-
titucionais existentes sobre a matéria e, principalmente, mediante a
aplicação subsidiária de normas disciplinadoras do processo administra-
tivo (constantes do CPTA), é possível encontrar-se soluções satisfatórias
ou, no mínimo, jurídico-normativamente lógicas.
Antes de avançar, impõe-se efetuar um ponto de ordem: sendo certo
que o problema da execução das decisões jurisdicionais se projeta de
igual modo relativamente à AT e aos obrigados tributários (contri­

68
V. art.os 21.º e 103.º, n.º 3, da CRP.

49
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

buintes) – na medida em que em relação a ambos se pode colocar o pro-


blema da falta de seguimento de uma decisão do juiz –, a verdade é que
é em relação à primeira que os mais significativos nódulos problemáti-
cos emergem. Isto porque quando se está em presença de situações nas
quais os Tribunais tributários reconhecem razão ao Fisco, este dispõe
de meios adequados e suficientemente persuasivos para obrigar ao cumpri-
mento, designadamente através de penhoras em processo de execução
fiscal, compensações oficiosas, liquidações adicionais, etc.; pelo contrá-
rio, quando se trata de obrigar a AT a dar sequência à decisão jurisdicio-
nal a favor do contribuinte, aqui já é frequente a omissão de execução,
ou pelo menos a sua delonga em termos pouco aceitáveis.
Por isso, o enfoque será colocado nos problemas atinentes à execu-
ção a favor dos contribuintes, podendo nessa medida considerar-se que
se está em presença de mais uma garantia jurídica dos mesmos (a par
de outras mais conhecidas e já de seguida a estudar, como os direitos de
informação, audição, reclamação, recurso, etc.).

***

Nestas matérias, o enquadramento básico é fornecido logo pelo le-


gislador constituinte, ao prescrever (art.º 205.º, n.º 2, da CRP) que
“[a]s decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades pú-
blicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autorida-
des”. Naturalmente – e sem qualquer espécie de dúvidas ou hesitações
– que entre as “entidades públicas” referidas se inclui a Administração
tributária no sentido amplo já acima estudado (ATA e outras pessoas
cole­tivas de Direito público com competência para liquidar e cobrar tri-
butos, como Autarquias locais, Institutos públicos, Associações públi-
cas, Entidades públicas empresariais)69.
De resto, e no seguimento desse normativo constitucional, o legis-
lador ordinário determina que a prevalência daquelas decisões sobre
as das autoridades administrativas “implica a nulidade de qualquer ato
admi­nistrativo que desrespeite uma decisão judicial”, além de fazer
incor­rer os respetivos infratores em eventual responsabilidade civil,

69
Cf. supra apartado 2.1. [Noção de Administração tributária (AT) e enquadramento da sua
atividade].

50
INTRODUÇÃO

criminal e/ou disciplinar70. Particularmente enfática é a tipificação como


desobediência qualificada daqueles comportamentos em que o agente
admi­nistrativo se recusa a cumprir (por ação ou por omissão) uma sen-
tença, quando expressamente notificado para o efeito, ou a cumpre de
modo diverso do que foi jurisdicionalmente imposto71.
Em termos de efeitos jurídicos, e em geral, as decisões dos Tribunais
que reconhecem razão aos contribuintes ou outros obrigados tributários
(deferindo as suas pretensões e dando-lhes razão) podem implicar uma
ou várias das seguintes consequências:
– Anulação de um ato administrativo-tributário, expurgando-o do
ordenamento jurídico com efeitos retroativos;
– Condenação da AT à realização de uma prestação de facto (e.g., en-
trega ou devolução de um bem) ou jurídica (como a emanação de
um ato administrativo de reconhecimento);
– Condenação de AT à entrega de uma quantia pecuniária (resti­
tuindo determinada quantia indevidamente entregue, pagando
juros, etc.).

Sendo a AT condenada, o cumprimento dos deveres inerentes a tal


condenação não se inclui nos tradicionais poderes administrativos nem
no quadro de um procedimento administrativo convencional, mas antes
num dever especial de executar o julgado. Vale isto por dizer que as exigên-
cias clássicas que vinculam a atividade administrativa (como os prazos,
a acrescida fundamentação, o dever de notificação para o exercício do
direito de audição, etc.) se poderão considerar aligeiradas. Ponto é que o
julgado esteja a ser executado nos precisos termos descritos na decisão
jurisdicional respetiva.
Além disso – e este é um aspeto extremamente importante – fica o
agente administrativo proibido de praticar um ato exatamente igual ao
que foi declarado ilegal, sob pena de violação do caso julgado72.

70
Cf. art.º 158.º, n.º 2, do CPTA. V., ainda, art.º 161.º, n.º 2, alínea i) do Código de Procedi-
mento Administrativo (CPA).
71
Cf. art.º 159.º, n.º 2, do CPTA.
72
Poderá porém, em determinadas situações – quando existam vícios materiais, formais ou
procedimentais – praticar um ato equivalente expurgado dos vícios – o que não será possível
em casos de vícios orgânicos –, desde que os prazos legais que balizam a sua atuação (como

51
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Especificamente em matéria tributária, prescreve o art.º 100.º da


LGT que a AT está obrigada “à imediata e plena reconstituição da situa­
ção que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”. Por exem-
plo, a decisão do Tribunal que em sede de impugnação judicial anula
o ato administrativo de liquidação de um tributo tem como efeito o
afastamento deste ato do ordenamento jurídico, com eficácia retroativa
e com destruição dos efeitos que ele haja eventualmente produzido.
Em particular, tal implica a restituição de tudo quanto haja sido pago (e,
possivelmente, o pagamento de juros indemnizatórios73). No mesmo ali-
nhamento de raciocínio, a anulação de um ato administrativo de revoga-
ção de benefício fiscal implicará a manutenção deste último (benefício),
desde a data em que o mesmo foi revogado, com a inerente devolução
do tributo que possa eventualmente ter sido pago após isso.
Enfim, torna-se patente que as decisões jurisdicionais (sentenças e
acórdãos) – ao contrário evidentemente das decisões administrativas –
têm uma força vinculativa superior e formam caso julgado, não podendo as
partes proceder de modo diverso do que nelas for estabelecido (salvo,
naturalmente, havendo causa legítima de inexecução, nos termos que
já adiante se verá). Essa força vinculativa superior permite afirmar que
as decisões jurisdicionais possuem um invólucro jurídico protetor que um
comum ato administrativo-tributário não tem, invólucro esse que lhes é
reconhecido diretamente pela Constituição.
Como modo de conferir operatividade à força vinculativa superior
das decisões jurisdicionais proferidas por Tribunais tributários exis-
tem meios processuais de execução de julgados, a correr termos perante
os mesmos Tribunais74, e cuja disciplina essencial consta do CPTA, aqui
aplicável por remissão direta do CPPT (constante do art.º 146.º, n.º 1)75.

3.3.2. A execução de julgados


A maneira como os julgados são executados obedece a regras precisas,
e a correta captação destas matérias obriga ao desdobramento da expo­

o prazo geral de caducidade da liquidação dos tributos, constante do art.º 45.º da LGT) o
permitam.
73
Cfr. art.º 43.º da LGT
74
Assim, art.º 146.º, n.º 3, do CPPT.
75
V., acórdão de 15 de maiode 2013, processo n.º 01317/12.

52
INTRODUÇÃO

sição em dois segmentos analíticos distintos: (i) um respeitante à execu-


ção espontânea, e (ii) outro respeitante à execução coerciva.
i) Quanto à execução espontânea, não é demais enfatizar esta ideia: as
sentenças e os acórdãos devem (deveriam) ser espontaneamente
executados pela AT, sem hesitação e sem subterfúgios ou subtile-
zas jurídicas. Tal decorre, como se viu, da CRP e do princípio do
Estado de Direito, o qual afirma uma indubitável prevalência do
caso jul­gado. Em termos operacionais, prescreve o CPTA – recor-
de-se, aqui aplicável subsidiariamente – que poderá ser a própria
decisão jurisdicional a fixar o prazo para que tal se efetive, sendo
que, na ausência dessa determinação valem as balizas temporais
legal­mente previstas (em regra, 30 ou 90 dias, consoante os ca-
sos76). Porém, a AT poderá opor-se à execução invocando uma cau-
sa legítima de inexecução, nos termos abaixo especificados. Por fim,
deve salientar-se que, legalmente, o art.º 146.º, n.º 2, do CPPT refere
que o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos
tribunais tributários conta-se a partir da data do seu trânsito em
julgado.
ii) Quando a AT não dê execução espontânea à sentença no prazo ju-
risdicional ou legalmente estabelecido, nos termos antecedentes,
pode o interessado (e.g., contribuinte, obrigado tributário, parte
que teve provimento no processo) pedir, no prazo-regra de um
ano, a respetiva execução coerciva ao tribunal que a tenha proferido77.
Na petição, o interessado pode, consoante os casos (condenação a
prestação de facto ou ao pagamento de quantia pecuniária, anula-
ção de ato administrativo, etc.), (i) especificar os atos e operações
em concreto que considera deverem ser praticados, (ii) pedir a fi-
xação de um prazo para a concretização dos mesmos, (iii) solicitar
a eventual compensação de créditos como modo de extinguir ou
reduzir a sua dívida tributária e, bem assim, (iv) requerer a emissão
de sentença que produza os efeitos do ato ilegalmente omitido, ou
(v) demandar a imposição de uma sanção pecuniária compulsória

76
Cf. art.os 162.º, n.º 1 (sentenças condenatórias à prestação de factos ou à entrega de coisas),
170.º, n.º 1 (sentenças condenatórias ao pagamento de quantia certa) e 175.º, n.º 1 (sentenças
anulatórias de atos administrativos) do CPTA.
77
Cf. art.os 164.º, n.º 1, 170.º, n.º 2, e 176.º, n.º 1, do CPTA.

53
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

aos agentes administrativos infratores78. Apresentada a petição,


em regra segue-se a notificação da entidade relapsa para executar
a sentença ou deduzir oposição (com efeito suspensivo), designa-
damente invocando facto superveniente, a circunstância de a exe-
cução ter sido entretanto efetuada, ou causa legítima de inexecução79.
Neste último caso, trata-se de alegar uma motivação juridicamente
fundada e absolutamente excecional no sentido de convencer que a
aplicação dos efeitos daquela sentença poderá conduzir a um re-
sultado mais nefasto do que aquele que emergiria caso tal aplicação
não sucedesse, e tal motivação só pode ter na base uma de duas
razões: impossibilidade absoluta (física ou legal) e o excecional
prejuízo para o interesse público80. Contudo, tal invocação apenas
é admitida em determinadas situações, designadamente quando
se esteja em presença de decisões jurisdicionais que condenem à
prestação de facto, ou à entrega de coisas, ou que anulem um ato
administrativo81. Diversamente, quando se estiver face a sentenças
ou acórdãos que coajam ao pagamento de uma quantia pecuniária
– como sucede, por exemplo, nos processos de impugnação judicial
sem efeito suspensivo –, tal invocação não será possível82. Importa
enfatizar que a inexistência de verba ou cabimento orçamental não
constitui fundamento de oposição à execução, sem prejuízo de poder ser
causa de exclusão da ilicitude da inexecução espontânea da sen-
tença83. Em situações de ausência ou improcedência da oposição,

78
Nos termos do art.º 169.º do CPTA, uma sanção pecuniária compulsória materializa-se na
imposição ao agente administrativo de uma quantia pecuniária – fixada “segundo critérios
de razoabilidade” e dentro de determinadas balizas legais (entre 5% e 10% do salário míni-
mo nacional mais elevado em vigor) – por cada dia de atraso relativamente ao prazo estabe-
lecido para a execução.
79
Cf. art.os 165.º e 171.º do CPTA.
80
V. art.º 163.º, n.º 1 do CPTA. Nos termos do n.º 3 deste preceito legal, a invocação de causa
legítima de inexecução deve ser fundamentada e notificada ao interessado, com os respeti-
vos fundamentos, e só pode reportar-se a circunstâncias supervenientes ou que a Adminis­
tração não estivesse em condições de invocar no momento oportuno do processo (cf.,
porém, art.º 175.º, n.º 2).
81
Cf. art.os 162.º, n.º 1, e 175.º, n.º 1, do CPTA.
82
Assim, art.º 175.º, n.º 3, do CPTA.
83
Assim, art.º 171.º, n.º 5, do CPTA. Em todo o caso, no Orçamento do Estado é anualmente
inscrita uma dotação à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais,
afeta ao pagamento de quantias devidas a título de cumprimento de decisões jurisdicionais,

54
INTRODUÇÃO

o Tribunal, após as diligências instrutórias que considere necessá-


rias, decide em termos finais. Pelo contrário, se for considerada a
existência de uma causa legítima de inexecução, o Tribunal ordena
a notificação da Administração e do requerente para acordarem no
montante de uma indemnização84.

4. A privatização da atividade tributária. A desadministrativização e


a intervenção dos privados
O correto dimensionamento do Direito tributário adjetivo requer ainda
que se considere, além da atividade administrativa e da jurisdição, a in-
tervenção dos privados no plano da aplicação das normas tributárias.
A este respeito, nos sistemas atuais não se torna difícil captar a ideia
de que muitos atos tradicionalmente perspetivados como atos adminis-
trativos são hoje consignados ao próprio contribuinte ou a outras enti-
dades privadas, podendo-se falar numa verdadeira desconsideração da
vontade administrativa, desadministrativização, ou privatização da rela-
ção jurídica tributária. A título exemplificativo, apontemos as seguintes
situa­ções:
– No âmbito do IRC, a liquidação (ato tributário stricto sensu) pode
ser efetuada quer pela Administração tributária, quer pelo próprio
contribuinte (auto-liquidação)85;
– No âmbito do IRS, apesar de o imposto ser liquidado pela Admi-
nistração, é-o com base nos elementos declarados pelos contri­
buintes86;
– A cobrança do IRS e do IRC é frequentemente efetuada por parte
de entidades privadas através da retenção na fonte, por exemplo
no momento em que pagam ou colocam à disposição salários aos
trabalhadores ou direitos de propriedade intelectual aos respetivos
titulares87;
– Muitas entidades privadas (bancos, entidades emitentes de valores
mobiliários, seguradoras, etc.) estão obrigadas a declarar o valor

a qual corresponde, no mínimo, ao montante acumulado das condenações decretadas no


ano anterior e respetivos juros de mora (art.º 172.º, n.º 3, do mesmo diploma).
84
Cf. art.º 178.º, n.º 1, do CPTA.
85
Cfr. art.º 89.º do CIRC.
86
Cfr. art.os 75.º e 57.º do CIRS.
87
Cfr. art.os 99.º do CIRS e 94.º do CIRC.

55
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

dos rendimentos e operações que pagaram ou efetuaram, como por


exemplo o valor dos juros que creditaram nas contas dos clientes ou
as operações financeiras nas quais tiveram intervenção88;
– Os notários, conservadores e as entidades profissionais (por exem-
plo, advogados) com competência para autenticar documentos par-
ticulares que titulem determinados atos ou contratos são obrigados
a enviar à AT uma relação dos atos por si praticados89;
– No âmbito do IMI, a primeira avaliação de um prédio urbano cabe
ao chefe de finanças, com base na declaração apresentada pelos su-
jeitos passivos90.

Como se pode ver, em todos estes casos, temos exemplos de obri-


gações tributárias – é certo que na sua maioria acessórias, mas que não
deixam de integrar a respetiva relação jurídica – que estão colocadas nas
mãos de entidades não públicas, pelo que o estudo do Direito tributário
sem a sua consideração seria sempre um estudo deficitário ou lacunoso.
E nem se diga que se trata de obrigações que continuam a materializar-
-se em clássicos atos administrativos, que são simplesmente devolvidos
(autorizados, delegados, concessionados?) aos privados no momento
da sua execução. Deve falar-se antes em “atos privados com efeitos pú-
blicos” – aos quais não se aplicam as exigências constitucionais e legais
aplicáveis aos atos administrativos –, pois o ordenamento é claro no in-
tuito privatizador: a lei determina que constituem obrigações dos privados,
impendendo sobre estes as respetivas sanções por incumprimento.
Por outro lado, verificando-se que o procedimento tributário depen-
de cada vez mais das iniciativas e atuações dos contribuintes – atuações
essas que se presumem sempre de boa-fé91 –, reconhece-se um direito
destes a serem tributados de acordo com os dados que eles próprio for-
neceram – que se presumem verdadeiros92 – e não de acordo com outros
indicadores, médias, indícios ou presunções.
Relacionada com esta temática, pode ser convocada a ideia de que a
relação jurídica tributária, nos quadros de um ordenamento atual, não

88
Cfr. art.os 119.º e 120.º do CIRS.
89
V., por exemplo, art.os 52.º e ss. do Código do imposto de selo (CIS).
90
Assim, art.º 37.º do CIMI.
91
V. art.º 59.º, n.º 2, da LGT.
92
Cfr. art.º 75.º, n.º 1, da LGT.

56
INTRODUÇÃO

poderá deixar de ser perspetivada como uma relação complexa, sob vá-
rios pontos de vista:
– De um ponto de vista subjetivo, não se reduz ao binómio tradicional
sujeito ativo/sujeito passivo, antes convoca toda uma série de outros
atores que nela tomam assento e participam, podendo falar-se a res-
peito na natureza poligonar ou multipolar da relação;
– De um ponto de vista objetivo, não se circunscreve à tradicional e
frequentemente referida obrigação de pagamento (obrigação princi-
pal), mas antes abrange um vasto feixe de outros vínculos de diversa
natureza, pecuniária (v.g., juros) ou não (apresentação de declara-
ções, emissão de recibos, faturas, etc.)93.

5. As garantias dos contribuintes (primeira abordagem)


Estando o Direito tributário adjetivo, se não ao serviço, pelo menos inti­
mamente ligado às pretensões dos contribuintes e constituindo a defesa
destes um seu escopo, não se lhe pode negar uma função eminentemente
garantística individual. Tal função garantística reclama a existência de
esquemas, ordenações e instrumentos formais (ou seja, procedimen-
tos e processos) cujo objetivo poderá ser, em relação a um determi­
nado ato, a sua declaração de inexistência, declaração de nulidade,
anulação, revogação ou confirmação. Estamos a falar das “garantias dos
contribuintes”94.
Em relação a tais instrumentos garantísticos, podemos estabelecer
uma categorização bipartida, em que se consideram:
i) Instrumentos graciosos, que são aqueles que decorrem perante ór-
gãos de natureza administrativa (garantias graciosas ou adminis-
trativas); e
ii) Instrumentos contenciosos, que são aqueles que decorrem perante
órgãos de natureza jurisdicional (garantias jurisdicionais).

Vejamos de uma forma introdutória e sumária cada um deles.

93
V. art.º 31.º da LGT.
94
Além de tais instrumentos, .ºé pacífico que integra igualmente o conceito amplo de “garan­
tias dos contribuintes” os institutos da prescrição e da caducidade. V., a respeito, acórdão do
TC n.º 557/2018.

57
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

5.1. Garantias administrativas


Estamos aqui em presença daqueles instrumentos que se efetivam pe-
rante órgãos de natureza administrativa e podemos distinguir garantias
administrativas impugnatórias e garantias administrativas não impugna-
tórias. As primeiras são meios através dos quais um sujeito põe em crise
a conformidade de um determinado ato da Administração tributária com
o ordenamento jurídico e têm como objetivo proceder à sindicância ou
controle desse ato, enquanto as segundas não prosseguem esse objetivo.
Comecemos por estas últimas.

5.1.1. Garantias administrativas não impugnatórias

a) Direito à informação
Partindo das normas constantes do texto constitucional – nomeadamente
do n.º 1 do art.º 268.º da CRP, nos termos do qual “os cidadãos têm o
direito de ser informados (…) sobre o andamento dos processos em que
sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções
definitivas que sobre eles forem tomadas”–, o legislador adjetivo e as prá-
ticas administrativas erigiram o direito à informação (indubitavel­mente,
um direito análogo a um direito liberdade e garantia95) à cate­goria de
pilar essencial do edifício de salvaguarda das posições subjetivas e colo­
caram ao dispor dos interessados um amplo conjunto de meios de o
efetivar. Assim, para que tal direito seja efetivamente assegurado é-lhes
facultado:
– O direito de arquivo aberto ou de open file, que se materializa no
acesso aos processos (no sentido de acervo documental ou dossiers),
arquivos e registos administrativos que lhes digam respeito96;
– O direito ao esclarecimento em tempo útil das dúvidas que possam
ter acerca da interpretação, integração e aplicação das normas tri-
butárias97;

95
Cf. art.º 17.º da CRP.
96
Cfr. art.º 268.º, n.o 2, da CRP. Naturalmente que tal direito deve ser sujeito a restrições,
uma vez que devem ser ressalvadas as disposições respeitantes a matérias de segurança, de
investigação criminal e de intimidade das pessoas.
97
V. art.º 59.º, n.º 3, alínea f ), da LGT.

58
INTRODUÇÃO

– O direito a obter informação sobre a fase em que o seu procedi­


mento se encontra e a data previsível da sua conclusão98;
– O direito à comunicação da existência, teor e autoria de denúncias
dolosas não confirmadas99, designadamente para efeitos de even­
tual processo criminal contra quem as tenha levado a efeito perante
os órgãos da Administração tributária;
– O direito à notificação – na forma legalmente exigida – dos atos
administrativos que produzam ou possam produzir efeitos na sua
esfera jurídica100;
– O direito à fundamentação desses mesmos atos, quando afetem po-
sições subjetivas merecedoras de tutela e proteção, nomeadamente
direitos ou interesses legalmente protegidos101;
– O direito a requerer as certidões necessárias à utilização dos meios
administrativos e contenciosos102;
– O direito à informação prévia, vinculativa para a Administração tri-
butária, em relação ao caso em concreto objeto do pedido103.

Enfim, sem dificuldade se constata que, amplamente considerado, o


direito à informação se afirma como um “direito à transparência docu-
mental”, abrangendo ou englobando na prática um “feixe” de inúmeros
outros direitos, como a possibilidade de consulta de processos, de ob-
tenção de cópias, de acesso a transcrições, de passagem de certidões,
etc.104.

98
V. art.º 67.º, n.º 1, alínea a), da LGT.
99
Cfr. art.os 67.º, n.º 1, alínea b) e 70, n.º 3 da LGT. V. também acórdão do TCA-Norte de
29 de outubro de 2015, processo n.º 01126/15.6BELRS.
100
Cfr. art.º 268.º, n.º 3, da CRP.
101
Cfr. art.º 268.º, n.º 3, in fine da CRP.
102
Cfr. art.º 24.º do CPPT. Saliente-se que a não obtenção de tais certidões no prazo legal-
mente prescrito (demasiado curto, dir-se-ia) pode dar origem a um processo de intimação
(art.º 104.º, n.º 1 do CPTA, ex vi 146.º do CPPT).
103
Cfr. art.os 68.º da LGT e 57.º do CPPT. Acerca da consideração de uma brochura como
uma informação escrita vinculativa prestada pela Administração tributária aos contribuintes
sobre o cumprimento dos seus deveres, cfr. acórdão do STA de 14 de março de 2007, pro­
cesso n.º 01154/06.
104
V., com interesse, acórdão do STA de 25 de julho de 2016, processo n.º 09820/16.

59
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

b) Direito de participação
Outra importante garantia não impugnatória é o direito de participação,
também se podendo dizer que se encontra prevista no texto da Consti-
tuição (art.º 267.º, n.º 1), embora de uma forma um tanto ambígua.
No âmbito do nosso estudo, significa tal direito a efetiva possibilida-
de de os interessados terem a faculdade de intervir no procedimento
tributário ou, utilizando as palavras do legislador, de participar “na for-
mação das decisões que lhes digam respeito”105.
Neste particular, poder-se-ia desconsiderar o papel que, no procedi-
mento, tal direito teria a desempenhar, por dois motivos:
– Em primeiro lugar, atento o carácter não jurisdicional do procedi-
mento, e tendo presente uma tradição mais enraizada que aponta
para a exigibilidade de participação apenas no âmbito de processos
que decorram em Tribunal;
– Em segundo lugar, em face do papel de destaque que no proce-
dimento tributário desempenha o princípio do inquisitório, nos
termos do qual a Administração tributária deve realizar todas as
diligências necessárias à satisfação do interesse público e à desco-
berta da verdade material, sem necessidade de estar subordinada a
qualquer pedido106.

No entanto, tal desconsideração não parece ser aceitável em face do


enquadramento constitucional das instituições garantísticas (pense-se,
designadamente, nas exigências de democracia participativa, a vários
níveis) além de que, em alguns casos, a participação do contribuinte é
absolutamente obrigatória: veja-se, por exemplo, os casos de aplicação
de “medidas antiabuso”107 ou de revisão da matéria tributável fixada por
métodos indiretos108.
A participação que temos vindo a referir pode efetuar-se por várias
formas, nomeadamente através do direito de audição antes de qualquer
ato procedimental tributário lesivo com o qual o destinatário não pode-
ria razoavelmente contar, em especial antes109:

105
Cfr. art.º 60.º, n.º 1, da LGT.
106
Cfr. art.º 58 da LGT.
107
Cfr. art.º 63.º, n.º 4, do CPPT.
108
Cfr. art.º 92.º, n.º 1, da LGT.
109
V., uma vez mais, art.º 60.º, n.º 1, da LGT.

60
INTRODUÇÃO

– Da conclusão do ato tributário definitivo por excelência (o ato de


liquidação);
– Do indeferimento, total ou parcial, de pedidos, reclamações, recur-
sos ou petições;
– Da revogação de qualquer benefício fiscal ou ato administrativo
constitutivo de direitos em matéria fiscal;
– Da decisão de aplicação de métodos indiretos de tributação, quando
não haja lugar a relatório de inspeção;
– Da conclusão do relatório da inspeção tributária.

Tal direito poderá ser dispensado nos casos em que (i) a liquidação
do tributo se efetuar com base na declaração do próprio sujeito passivo,
uma vez que, por um lado, ele já “participou” na feitura do ato em causa
e, por outro lado, já serão absolutamente previsíveis os seus efeitos110;
(ii) quando a decisão final do procedimento relativo a pedido, recla-
mação, recurso ou petição lhe for favorável, casos em que de nada ser-
viria ouvi-lo, pois o ato a praticar satisfaz por inteiro a sua pretensão; e
(iii) a liquidação se efetuar oficiosamente com base em valores objeti-
vos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para
apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito111. O que se
procura nestes casos é evitar que a audição se transforme num momento
meramente dilatório e inútil, e que, por causa disso, viole o princípio da
celeridade e economia dos atos procedimentais.
Parece inegável que está subjacente a todos estes esquemas partici-
pativos uma certa ideia de co-responsabilização das decisões, em termos
de estas poderem ser consideradas como tomadas pelos vários sujeitos
envolvidos no procedimento e não apenas pela Administração tribu­
tária. Neste sentido, pode-se afirmar que estamos em presença de um

110
Para que se possa falar numa liquidação efetuada com base na declaração do contribuinte
será necessário que essa declaração contenha todos os elementos que, à face da respetiva
lei de tributação, tornem possível a prática do ato de liquidação, sem necessidade de lançar
mão de outros elementos que ela não refira (v. acórdãos do STA de 13 de novembro de 2002,
processo n.º 0977/02; ou de 20 de janeiro de 2016, processo n.º 0658/15). Além disso, se a
liquidação for elaborada com base em elementos factuais constantes da declaração do con-
tribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico, já não se poderá dispensar a audição
(assim, acórdãos do STA de 15 de novembro de 2006, processo n.º 0759/06; ou do TCA-S de
4 de junho de 2015, processo n.º 02994/09).
111
Cfr. art.º 60.º, n.º 2 da LGT.

61
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

instituto que não consubstancia, em rigor, um direito fundamental de


defesa, mas só de pronúncia sobre o objeto do procedimento, garan­
tindo a objetividade deste, implicando isto que a sua inobservância gera
mera anulabilidade do ato em causa, e não a sua nulidade.
O exercício do direito de audição nos termos legalmente previstos,
faz nascer na esfera jurídica da Administração o dever de considerar to-
dos os novos elementos quer de facto quer de Direito trazidos ao proce-
dimento 112. Se tal não for feito, pode-se considerar que a decisão final
desse procedimento, além de estar porventura deficientemente funda-
mentada, incorpora uma preterição de formalidades e será, como tal,
suscetível de anulação 113.
A participação, contudo, em regra não é obrigatória, e o contribuinte
que não quiser participar no procedimento não fica impedido de mais
tarde utilizar os meios impugnatórios que entender adequados, não vi-
gorando, portanto, nesta matéria qualquer princípio de preclusão.
Por outro lado, o facto de o sujeito intervir a título participativo no
desenrolar do iter procedimental pode até significar uma diminuição
das possibilidades de utilização futura dos meios processuais de impug-
nação. Com efeito, o sujeito que aceitou por via participativa os argu­
mentos aduzidos pela Administração tributária não pode, mais tarde,
entrar em litígio judicial com base neles (proibição do venire contra
factum proprium).

Por último, uma importante ideia deve ser salientada: se o ato em


questão, sendo praticado pela AT e sendo lesivo, se revelar materiali­
zado, não no quadro de um procedimento, mas de um processo tribu­
tário (por exemplo, uma execução fiscal), este direito de audição, de
acordo com alguma jurisprudência, não é de considerar114.

5.1.2. Garantias administrativas impugnatórias


Como já foi referido, através das garantias impugnatórias pretende-se
colocar em crise, junto de órgãos administrativos, a conformidade de

112
V. art.º 60.º, n.º 7 da LGT. Cfr. acórdão do STA de 07 de dezembro de 2005, processo
n.º 01245/03.
113
Cfr. art.º 99.º, alínea d) do CPPT.
114
Neste sentido, v., por exemplo acórdão do STA de 29 de maiode 2013, processo n.º 0480/13.
V., ainda, acórdão do STA de 10 de abril de 2013, Processo n.º 0441/13.

62
INTRODUÇÃO

um determinado ato da Administração tributária com o ordenamento


jurídico. Duas são as garantias que sobressaem neste contexto: a recla-
mação e o recurso.
Em abstrato, podem ser apontados dois critérios para distinguir uma
figura da outra: um critério orgânico e um critério relativo à motivação.
De acordo com o primeiro, a distinção baseia-se na circunstância de
a reclamação consistir no pedido de sindicância de um determinado ato
de natureza administrativa junto da própria entidade que o praticou,
enquanto o recurso se caracterizaria por consistir num pedido de sin-
dicância junto de uma entidade diferente daquela que praticou o ato (e,
na medida em que, muitas vezes, tal recurso é interposto junto do supe-
rior hierárquico, generalizou-se a designação “recurso hierárquico”).
De acordo com o segundo critério, a reclamação seria caracteri­zada
por analisar motivos respeitantes à legalidade do ato sindicado, en­quanto
o recurso já seria caracterizado por se debruçar sobre motivos respeitan-
tes ao mérito desse ato.
Ora, em face dos dados do ordenamento jurídico-tributário portu-
guês não se pode dizer que tenha sido adotado um ou outro critério pois
(i) temos reclamações que são interpostas para órgãos de hierarquia
superior em relação ao órgão que praticou o ato115 e (ii) temos recursos
que se debruçam sobre a legalidade do ato impugnado116.
Assim sendo, a única maneira juridicamente adequada e segura de
distinguir recursos e reclamações em matéria tributária é recorrer ao
desenho que foi elaborado pelo legislador em relação a cada um deles,
adotando um critério exclusivamente positivo.
Vejamos, rapidamente, em que termos.

a) Direito de reclamação
O caso mais comum de reclamação em matéria tributária é a denominada
“reclamação graciosa”. Trata-se de um meio impugnatório mediante o
qual o sujeito passivo solicita, junto de uma entidade superior, a anu-
lação de um ato tributário, com fundamento em qualquer ilegalidade.
A maior parte das vezes, tal reclamação é facultativa, não consistindo
num meio necessário e prévio de acesso a Tribunal, podendo até o su-

115
Cfr., por exemplo, art.º 75.º do CPPT.
116
V., por exemplo, art.º 76.º, n.º 1, do CPPT.

63
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

jeito passivo optar por um ou por outro. Contudo, existem exceções, ou


seja, situações em que a reclamação é absolutamente necessária em rela-
ção a uma futura impugnação judicial, não podendo esta ser deduzida se
não o tiver sido primeiro a reclamação. Tais casos são, nomeadamente,
os seguintes117:
– Situações de impugnação por erro na auto-liquidação;
– Situações de impugnação por erro na retenção na fonte;
– Situações de impugnação por erro nos pagamentos por conta;
– Situações de impugnação com base em erro na quantificação da
matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação dos métodos
indiretos118.

b) Direito de recurso (administrativo)


Por outro lado, o recurso traduz-se na possibilidade de impugnação do
ato junto do superior hierárquico do agente que o praticou119. Daí que,
como se disse, se utilize a expressão, tradicional e legalmente ancorada
de “recurso hierárquico”.
A este propósito, cumpre desde já fazer uma breve referência a um
importante princípio que vigora nesta matéria: o princípio do duplo
grau de decisão. Significa tal princípio que a mesma pretensão do su-
jeito não pode ser apreciada mais de duas vezes, o mesmo é dizer, “por
mais de dois órgãos integrando a mesma Administração tributária”.
Dando cumprimento a tal princípio, prescreve-se que os recursos hie-
rárquicos devem ser dirigidos ao mais elevado superior hierárquico do
autor do ato120, ou à entidade em quem ele tenha delegado essa com­
petência.

5.2. Garantias jurisdicionais


Diferentemente do que se passa com as garantias administrativas – que,
como vimos, se efetivam perante órgãos da Administração tributária – as
garantias jurisdicionais, também denominadas de “contenciosas”, efe-
tivam-se, obviamente, perante órgãos jurisdicionais, ou seja, Tribunais.

117
V. art.os 131.º e ss. do CPPT.
118
Cfr. art.º 117.º, n.º 1, do CPPT.
119
Embora nem sempre tal aconteça. Pense-se, por exemplo, nos casos de “recurso tutelar”.
120
Cfr. art.os 47.º, n.º 1 e 66.º, n.º 2, do CPPT.

64
INTRODUÇÃO

No seu seio podemos distinguir três importantes meios garantísticos: o di-


reito de ação, o direito de oposição e o direito de recurso (jurisdi­cional).
Analisemo-los brevemente.

a) Direito de ação judicial


O direito de ação judicial (em sentido amplo) – que é, em princípio, ir-
renunciável121 – consiste na possibilidade de propor, junto de um Tribu-
nal, uma ação destinada a proteger determinada situação emergente de
normas substantivas122. Podemos distinguir duas situações:
i) Um primeiro grupo de situações será composto por aqueles casos
em que o sujeito recorre, por assim dizer, ex novum a Tribunal, isto
é, independentemente de qualquer atuação administrativa ante-
rior que queira sindicar. Pode dizer-se que aqui se está perante
um verdadeiro direito de ação em sentido restrito. Será o caso, por
exemplo, da intimação para um comportamento em matéria tri­
butária123;
ii) Um segundo grupo de situações será composto por aqueles casos
em que o sujeito recorre a Tribunal com o intuito de colocar em
crise um ato anterior praticado pela Administração tributária.
Nestes casos, em vez de “direito de ação” será mais adequada a
refe­rência a um “direito de recurso contencioso” (em sentido am-
plo, pois, como veremos, existe um direito de recurso contencioso
em sentido próprio ou restrito).

b) Direito de oposição
Uma segunda garantia jurisdicional consubstancia-se no direito de opo-
sição. Ora, na medida em que estamos a proceder ao estudo das “garan-
tias dos contribuintes”, interessar-nos-ão principalmente os casos em
que tal oposição será efetuada por estes124.

121
Assim, art.º 96.º, n.º 1, da LGT.
122
Naturalmente que este direito depende da existência de prazos razoáveis para o seu exer-
cício, sendo inconstitucionais (por violação do art.º 20.º da CRP) a imposição de prazos de
propositura exíguos.
123
V. art.º 147.º do CPPT.
124
Não será o caso, designadamente, do processo de impugnação judicial, em que o direito
de oposição é exercido pelo Representante da Fazenda Pública (v. art.º 110.º do CPPT).

65
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Será o caso, por exemplo, da oposição em sede de processo de exe-


cução fiscal. Aqui, após a execução ter sido instaurada pelo compe­tente
órgão da Administração tributária, o executado (v.g., sujeito passivo de
imposto ou responsáveis subsidiários) é notificado para, entre outras
coisas, contestar, respondendo ao “ataque” daquela. O estudo apro-
fundado desta fase processual será efetuado mais à frente quando nos
debruçarmos sobre o estudo das formas processuais, mas deve ficar sa-
lientada de antemão a ideia de que em tal fase de oposição (em sede de
execução, recorde-se), em princípio, não é legítimo invocar qualquer
ilegalidade respeitante à liquidação da dívida exequenda.

c) Direito de recurso (jurisdicional)


Por fim, cumpre referir o direito de recurso jurisdicional (também, em
princípio irrenunciável). Este recurso configura-se como um meio de
impugnação das decisões dos Tribunais inferiores e visa modificar a deci­
são recorrida. Trata-se, por outras palavras, de sindicar uma decisão de
um órgão jurisdicional por parte de um outro órgão jurisdicional su-
perior, distinguindo-se quer do recurso hierárquico (onde se procura
sindicar uma decisão administrativa dentro da própria Administração),
quer do recurso contencioso (em que se procura impugnar uma decisão
administrativa junto de um Tribunal).
Em matéria de recursos jurisdicionais no âmbito tributário vigora
um princípio de duplo grau de decisão, não podendo a mesma decisão
juris­dicional (sentença ou acórdão) ser objeto de mais de um recurso.
Por exemplo, uma decisão de um Tribunal tributário de primeira instân-
cia apenas pode ser objeto de recurso ou para o Tribunal Central Admi­
nistrativo (TCA) ou para o Supremo Tribunal Administrativo (STA)
(recurso per saltum), nunca para um e depois para o outro.

5.3. A inexistência de efeito suspensivo e a necessidade de pres­


tação de garantia adequada
Nas páginas antecedentes, procurou apresentar-se um elenco das garan-
tias dos contribuintes que se demonstrasse minimamente esclarecedor
e proveitoso do ponto de vista científico, abordando algumas das traves
mestras que presidem ao seu estabelecimento jurídico-normativo sem,
contudo, entrar em aspetos de regime mais profundos que uma análise
posterior se encarregará de trazer à consideração e reflexão. Ainda assim,

66
INTRODUÇÃO

existe um ponto cujo conhecimento em modo sólido não convém deixar


para mais tarde, sob pena de se avançar uma ideia errada da viabilidade
prática do arsenal garantístico tributário. Trata-se do efeito paralisante
que os meios impugnatórios têm ou podem ter sobre os atos impugna-
dos e a questão conexa de saber como pode o contribuinte, sem lançar de
mão de qualquer processo especial para o efeito (por exemplo, proces-
sos cautelares), neutralizar a atuação lesiva da Administração tributária.
Tem-se consciência de que se trata de um núcleo temático revestido
de alguma complexidade e que pedagogicamente até pode não ser este
o momento certo para o considerar, pois envolve a perceção de vários
procedimentos e processos cujo estudo apenas será efetuado infra.
Em todo o caso, avança-se com a abordagem por razões de ligação cien-
tífica à matéria que se vinha tratando e pelo facto de, como se disse, a
ausência de menção poder implicar o risco de se avançar uma ideia errada
da viabilidade prática dos meios de defesa (pensando-se, por exemplo,
que o contribuinte está irremediavelmente condenado a suportar as
adver­sidades da atuação administrativa).

5.3.1. Enquadramento – a prestação de garantia versus a constitui­


ção de garantia
Em geral e em regra, as atuações da AT gozam de um benefício de execução
prévia, em termos de os seus atos, desde que validamente notificados ao
respetivo destinatário, poderem produzir os seus efeitos independente-
mente da discussão da legalidade ou ilegalidade dos mesmos.
Por exemplo, o credor tributário pode exigir o cumprimento da res-
petiva prestação mesmo que o contribuinte reclame ou impugne o ato de
liquidação, do mesmo modo que o contribuinte deixa logo de beneficiar
de isenção mesmo que coloque em crise o ato de revogação desse bene­
fício. Na mesma linha de raciocínio, a interposição de meios impugna­
tórios na pendência de uma execução fiscal intentada para cobrança
de dívidas não paralisa os efeitos desta, pois que os atos subsequentes,
como a penhora por exemplo, podem continuar a ser efetivados.
A ratio desta opção é entendível e aceitável: entre outras considera-
ções, basta pensar que se fosse permitido aos interessados paralisar os
efeitos da atuação dos órgãos públicos simplesmente por via da interpo-
sição de um meio recursivo (lato sensu), o Interesse público poderia ser
gravemente afetado e danificado, inviabilizando-se a perceção da receita

67
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

pública e fazendo perigar dimensões axiologicamente mais elevadas,


como o equilíbrio das contas públicas, a estabilidade orçamental, e, em
decorrência, a própria sustentabilidade do Estado, na sua tripla ver­tente
de Estado de Direito, Estado democrático e Estado social. Não pode ser
perdido de vista que tal Estado tem custos e a diminuição injustificada
das receitas públicas poderia significar o irregular funcionamento das
Instituições (parlamentos, gabinetes ministeriais, serviços públicos, tri-
bunais, polícias, hospitais, universidades, etc.), ou a dificuldade de atri-
buição de prestações sociais (subsídios, bolsas, complementos, compar-
ticipações, etc.). Reitere-se que não se trata de acautelar os interesses
do Estado ou da Administração – que de resto nem têm interesses pró-
prios, mas sempre interesses coletivos, heteronomamente determina-
dos pela Constituição e pela lei –, mas antes de efetuar uma adequada
ponderação de bens jurídicos – ou, numa perspetiva axiológica, valores
jurídicos –, em termos de fazer sobrepor o Interesse público (coletivo) ao
interesse individual.
Enfim, trata-se de conferir juridicidade à máxima comum “primeiro
paga e depois discute”, o que é feito não reconhecendo aos meios garan-
tísticos efeito suspensivo, mas efeito meramente devolutivo125.
Em todo o caso, o obrigado tributário pode conseguir o pretendido
efeito suspensivo, paralisando a produção de efeitos do ato impugnado,
se existir garantia adequada ou idónea, que assegure à AT, ao menos em
possibilidade, a exequibilidade futura da sua pretensão.

***

Abstratamente, as garantias podem ser prestadas ou constituídas, con-


soante a iniciativa caiba, respetivamente, ao obrigado tributário (contri-
buinte) ou à AT, com o objetivo, ainda respetivamente, de deter a atua-
ção administrativa ou de assegurar o crédito tributário.
Na medida em que o presente passo das Lições tem por referência o
arsenal de defesa dos contribuintes, o foco analítico incidirá primacial-
mente sobre o primeiro grupo de casos126.

125
Cfr., por exemplo, art.os 67.º, n.º 1; 69.º, alínea f ); 103.º, n.º 4, e 169.º, n.º 1, do CPPT (estes
três últimos lidos a contrario sensu).
126
A respeito do segundo grupo, v. art.º 195.º do CPPT. Para desenvolvimentos a respeito
da matéria, v. Barbosa, Andreia, A Prestação e a Constituição de Garantias no Procedimento e no

68
INTRODUÇÃO

Antes de avançar apenas uma breve nota: a prestação de garan-


tia pode ser dispensada quando, em requerimento apresentado para o
efeito, o obrigado tributário demonstrar fundamentadamente (i) que a
mesma lhe causa prejuízo irreparável ou (ii) que é manifesta a sua falta
de meios económicos127. Essa dispensa (isenção, nas palavras do legisla-
dor) é, em princípio, válida por um ano, salvo se a dívida se encontrar a
ser paga em prestações, caso em que é válida durante o período em que
esteja a ser cumprido o regime prestacional autorizado128.
Além disso, também é dispensada a prestação de garantia quando,
no âmbito de um pedido de pagamento em prestações, o devedor esteja
adstrito a dívidas fiscais de valor inferior a € 2500 (pessoas singulares),
ou € 5000 (pessoas coletivas)129.

5.3.2. Em especial, a prestação de garantias por parte dos contri­


buintes ou obrigados tributários. A questão da idoneidade da
garantia
Como se disse, nas situações de prestação de garantia, o contribuinte, tran-
quilizando a Administração, tem a possibilidade de parar os efeitos de de-
terminada atuação intrusiva desta, o que pode ser conseguido em dois
contextos diferentes:
i) Em primeiro lugar, no âmbito de um meio impugnatório por ele
utilizado com o fim de sindicar a legalidade de um ato administra-
tivo-tributário (v.g., reclamação graciosa ou impugnação judicial).
Nestes casos, prestando garantia adequada ou idónea, conseguirá
que esse meio impugnatório tenha efeito suspensivo em relação ao
ato impugnado (por exemplo, uma liquidação) e, por essa via, con-
seguirá “adiar” o pagamento do tributo em causa. Caso contrário,
compreensivelmente, o ato impugnado continua a produzir os seus

Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2017.


127
Para desenvolvimentos, v. art.os 52.º, n.º 4, da LGT e 170.º do CPPT. Acerca do arsenal
probatório admissível em sede de pedido de dispensa de prestação de garantia, cfr. acórdão
do STA de 19 de fevereiro de 2014, processo n.º 096/14.
128
V. idem, n.º 5
129
V. art.º 198.º, n.º 5 do CPPT. V., ainda, as possibilidades de não prestação de garantia
nos casos de plano de recuperação em processo de insolvência, em processo especial de
revitalização, ou em acordo extrajudicial de recuperação de empresas, nos termos do art.º
199.º, n.os 13, 14 e 15.

69
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

efeitos na pendência da impugnação, continuando a correr (ou ten-


do já corrido) o prazo para pagamento;
ii) Em segundo lugar, no âmbito de uma execução fiscal, protelando a
efetivação dos respetivos trâmites (penhora, graduação de créditos,
venda). Em termos simples, determina a este respeito o CPPT (art.os
169.º e 199.º) que o processo de execução fiscal pode ficar suspenso
quando tenha sido (art.º 169.º, n.º 1) ou venha a ser (n.º 2) apresen-
tado meio impugnatório da legalidade da dívida exe­quenda, opo-
sição à execução ou requerimento para o pagamento da dívida em
prestações e, em acréscimo, garantia adequada. Quando tal não
ocorra, a execução segue os seus termos e “procede-se de imediato
à penhora”130.

Note-se que, num caso e no outro, não se pretende que seja apresen-
tada uma garantia absoluta do crédito tributário, mas apenas uma garan-
tia adequada ou idónea, a qual, atendendo aos dados fornecidos pelo art.º
199.º do CPPT – que, indubitavelmente, não deve ser interpretado no
sentido de conter ou encerrar qualquer espécie de preferência ou hie-
rarquia dos meios –, poderá consistir em:
– Garantia bancária;
– Caução;
– Seguro-caução; ou
– Qualquer meio suscetível de assegurar os créditos da Administra-
ção tributária.

A estes poderão acrescer, a requerimento do executado e mediante


concordância da administração tributária, o penhor ou a hipoteca volun-
tária.
Ora, em face da natureza aberta da última “cláusula” referida (“qual-
quer meio suscetível de...”), levanta-se legitimamente a questão de saber
que meios poderão ser esses.
Pela nossa parte – e num raciocínio que também tem sido seguido
pela maioria das decisões jurisprudenciais – é de aceitar um entendi-
mento lato e abrangente, aí se incluindo, entre outros possíveis instru-

130
Cfr. art.os 169.º, n.º 7, e 199.º, n.º 8, do CPPT.

70
INTRODUÇÃO

mentos, fianças131, créditos sobre terceiros, títulos negociáveis em bolsa


(e.g., ações), cartas de conforto, marcas e patentes, ou “passes” de des-
portistas profissionais.
Em qualquer dos casos – sejam os previstos literalmente no pre-
ceito, sejam os restantes –, deve o órgão decisor proceder a uma pru-
dente análise da situação em causa e das específicas circunstâncias que
a rodeiam, ponderando todos os valores e interesses envolvidos, sem
negligenciar qualquer um deles, não considerando apenas o Interesse
público de arrecadação da receita tributária, nem apenas os interesses
circunstanciais de salvaguarda da esfera jurídica do contribuinte. Além
disso, deve ter em conta não só dos documentos e informações forneci-
das pelo contribuinte ou executado, mas também, quando possível, os
elementos de que disponha ou possa dispor por sua iniciativa e que, por
exemplo, constem das suas bases de dados. Trata-se, enfim, de dar se-
guimento aos imperativos decorrentes do princípio do inquisitório, ao
qual toda a administração está vinculada.
Nessa cuidadosa análise, torna-se imprescindível atender, designada-
mente, às seguintes pautas:
i) O grau de exequibilidade da garantia oferecida, aferindo da respe­
tiva liquidez e suscetibilidade de ser facilmente convertida em di-
nheiro. Não pode ser perdido de vista que o fim deste processo
é a arrecadação do débito não realizado, de modo que não deve
ser considerada idónea a garantia oferecida que consista numa
possibilidade ou numa mera expectativa de aquisição (e.g., direi-
tos derivados de contratos em regime de locação financeira132) ou
que não outorgue ao credor tributário reais hipóteses de execução
(como sucederá como bens ou direitos que já estejam previamente
onerados)133. Do mesmo modo, no caso específico da fiança, deve

131
Neste sentido, v. o importante acórdão do STA de 14 de fevereiro de 2013, processo
n.º 0108/13, onde se refere expressamente que “a fiança constitui em abstrato um meio
idóneo de assegurar o pagamento da dívida e do acrescido”. V., ainda, acórdão do STA de
18 de junho de 2014, processo n.º 0507/14.
132
A locação financeira consiste num contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante
retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, que o locatário poderá comprar,
decorrido o período acordado (cfr. DL 149/95).
133
Neste sentido se compreende que os bens e direitos em causa se encontrem “livres e
desembaraçados”. Cfr. acórdão do STA de 27 de agosto de 2014, processo n.º 0874/14.

71
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

avaliar-se a capacidade de cumprimento a curto prazo por parte


da entidade garante, não bastando o “bom nome na praça” ou a
“robustez económica” abstrata;
ii) O valor da própria garantia oferecida, e a suscetibilidade de o mesmo
se alterar futuramente, pois é frequente que os critérios valori-
métricos adotados num determinado momento possam conduzir
a resultados que não se darão por verificados em momento pos-
terior, o que pode levar a que, consoante os casos, se defraudem
ou reforcem as expectativas do credor tributário. Basta pensar nas
oscilações formais de cotação (por exemplo, ações de empresas,
quotas, títulos de dívida), nas incertezas de mercado (e.g., matérias
primas, imóveis com determinadas características, bens ou artigos
de coleção) ou na simples depreciação decorrente do tempo (e.g.,
maquinarias, equipamentos), tudo fatores que podem conduzir à
volatilidade valorativa;
iii) A onerosidade da prestação da garantia por parte do executado, pois
igualmente não pode ser perdido de vista que existem algumas
delas, como por exemplo a garantia bancária ou o seguro-caução,
que são muito difíceis de conseguir e o são frequentemente a cus-
tos bastante elevados;

Como se disse, outras pautas existirão, consistindo as apontadas em


meros índices exemplificativos.
Ademais, essa garantia deve respeitar as exigências inerentes ao prin-
cípio da proporcionalidade, devendo restringir-se ao necessário para
atingir o fim em causa, o que equivale a dizer que duas balizas jurídicas
fundamentais devem ser observadas134:
i) Em primeiro lugar, do ponto de vista quantitativo, o seu montante
deve ter por referência o valor da dívida, dos juros e das custas, com
um acréscimo limitado a 25%135;
ii) Em segundo lugar, do ponto de vista temporal, não pode vigorar
ad aeternum e onerar o contribuinte por um prazo exagerado, an-
tes se devendo restringir a um limite razoável. Aqui o legislador
determinou que a garantia prestada para suspender o processo de
execução fiscal caduca:

134
Quanto à indemnização em caso de prestação de garantia indevida, v. art.º 171.º do CPPT.
135
Assim, art.º 199.º, n.º 6 do CPPT

72
INTRODUÇÃO

– Se a eventual reclamação graciosa interposta não estiver deci-


dida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição
(salvo se o atraso na decisão resultar de motivo imputável ao
reclamante)136;
– Se a eventual inpugnação judicial ou oposição forem deferidas,
em primeira instância, em sentido favorável ao garantido137.

***

Em termos de iter a seguir, essa garantia deverá ser apresentada sob


a forma de requerimento, no prazo de 10 dias após a notificação para o
efeito (pelo órgão da AT ou pelo Tribunal)138.
Deve ainda ser relevado que, caso a garantia oferecida e aceite se
venha no futuro a revelar insuficiente, é ordenada a notificação do exe­
cutado para, no prazo de 15 dias, proceder ao reforço da mesma ou à
prestação de nova garantia idónea, sob pena de ser levantada a suspen-
são da execução139.

***

No que diz respeito aos poderes de cognição, levanta-se a questão


de saber se a AT dispõe ela própria da prerrogativa de apreciar em con­
creto da referida adequação ou idoneidade – podendo recusar, aten­
dendo aos seus critérios, a garantia oferecida pelo contribuinte –, na

136
Cfr. art.os 183.º-A do CPPT. A verificação da caducidade cabe ao órgão com competên-
cia para decidir a reclamação, mediante requerimento do interessado, devendo a decisão ser
proferida no prazo de 30 dias, e, não o sendo, considera-se o requerimento tacitamente de-
ferido (n.os 3 e 4 do artigo 183.º-A). Em caso de deferimento expresso ou tácito, o órgão da
execução fiscal deverá promover, no prazo de cinco dias, o cancelamento da garantia (n.º 5
do art.º 183.º-A). A este respeito, parece ser de entender que não é pelo simples facto de a
letra da lei mencionar apenas a reclamação, que se de deve desconsiderar o recurso hierár-
quico ou outros modos de sindicância administrativa, devendo antes efetuar-se uma inter-
pretação extensiva que os abarque. Em todo o caso, esta interpretação extensiva não poderá
ser feita em termos de abranger o processo de impugnação judicial. V. acórdão do STA de 6
de fevereiro de 2013, processo n.º 01479/12.
137
Cf. art.º 183.º-B do CPPT. Aqui, o cancelamento da garantia cabe ex officio ao órgão de
execução fiscal, no prazo de 45 dias após a notificação da decisão jurisdicional.
138
Cfr., uma vez mais, art.º 69.º, alínea f ), e 103.º, n.º 4 do CPPT.
139
Cfr. art.ºs 169.º, n.º 8 e 199.º, n.º 5 do CPPT.

73
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

medida em que se está perante um conceito impreciso e indeterminado


que lhe conferiria uma margem interpretativa e valorativa autónoma.
A este respeito, o melhor entendimento parece ser o de que a AT,
efetivamente, goza de uma margem autónoma de apreciação e valora-
ção, sem que, contudo, se possa falar em autêntica discricionariedade.
Isto porque, podendo aquela apreciar a garantia em causa, atendendo
designadamente às pautas acima expostas – e podendo, em conformi­
dade (e sempre de modo fundamentado), recusá-la –, a verdade é que
essa decisão é sempre suscetível de judicial review, podendo o Tribunal
sobrepor-se ao juízo administrativo, apreciando a respetiva correção
formal e material, e anulando-o se for caso disso. Em algumas situações,
o STA vai mesmo ao limite de considerar que a partir do momento em
que a garantia oferecida cobre a totalidade do crédito, a AT não pode
recusar a sua prestação com fundamento em aspetos qualitativos, designa-
damente quanto à maior ou menor liquidez imediata, ao arrepio da von-
tade do legislador140.

5.4. A utilização das garantias como modo de planeamento fiscal


Antes de avançar, entende-se conveniente trazer à reflexão uma ideia
que pode revelar-se proveitosa em termos de compreensão de futuros
desenvolvimentos: a utilização das garantias dos contribuintes pode ser
perspetivada como um modo de planeamento fiscal.
Tal sucede na medida em que, em determinados casos, a sua correta
interposição pode, não apenas “adiar” o pagamento de uma dívida tribu-
tária, como, por si só, conduzir à obtenção de um estatuto de “situação
tributária regularizada”.
Na verdade, as garantias acima referidas – sejam as administrativas
(reclamações, recursos hierárquicos, pedidos de revisão, etc.), sejam as
jurisdicionais (e.g., impugnações judiciais, oposições à execução) – po-
dem ser perspetivadas não apenas como modos de defesa ou de res-
guardo da esfera jurídica do contribuinte ou destinatário do ato lesivo,
mas igualmente como instrumentos de planeamento tributário ou fiscal, por
exemplo transferindo para momento posterior o pagamento de um dí-
vida que se afigura inevitável. Nestes últimos casos, o contribuinte até

V., a propósito, acórdãos do STA de 19 de setembro de 2012, processos n.º 01414/12 e


140

0909/12; e de 12 de setembro de 2012, processo n.º 0866/12.

74
INTRODUÇÃO

assumirá que o pagamento ou sujeição em causa têm mesmo que ser efe-
tivados, mas pode encontrar meios de o fazer de modo menos custoso
ou em momento posterior (permitindo-lhe, designadamente, ganhar
tempo e arranjar liquidez ou outra disponibilidade financeira). Assim
sucederá se, por exemplo, impugnar judicialmente e prestar uma garan-
tia idónea, transferindo para meses ou anos depois o desembolso finan-
ceiro que no momento atual se poderia revelar extremamente oneroso.
As garantias como modo de planeamento assumem uma importância
ainda maior se for tido em consideração que a sua utilização dentro dos
limites legais e de acordo com as regras da boa-fé levam o legislador a
considerar a respetiva situação como “situação tributária regularizada”,
o que pode ser importante para diversíssimos fins (como, por exem-
plo, candidaturas a empregos, a financiamentos, subsídios ou concursos
públicos).
Neste seguimento, considera-se que o contribuinte tem a respetiva
situação tributária regularizada quando esteja numa das seguintes situa-
ções (além, obviamente, daquelas em que não seja devedor de quaisquer
impostos ou outras prestações tributárias e respetivos juros)141:
– Esteja autorizado ao pagamento da dívida em prestações, desde que
exista garantia constituída, nos termos legais;
– Tenha pendente meio contencioso adequado à discussão da legali-
dade da dívida exequenda (como a impugnação judicial) e o processo
de execução fiscal tenha garantia constituída, nos termos legais;
– Tenha a execução fiscal suspensa, havendo garantia constituída, nos
termos legais.

Para estes efeitos, à constituição de garantia é equiparada a sua dis-


pensa (e a sua caducidade).
Como se adiantou, a regularização da situação tributária é relevante
para diversos fins, sendo que a sua ausência (situação não regularizada)
significará, entre outras consequências, a impossibilidade de142:
– Celebrar determinados contratos públicos (bem como renovar o
prazo dos contratos já existentes);
– Concorrer à concessão de serviços públicos;

141
Cfr. art.º 177.º-A do CPPT.
142
Cfr. art.º 177.º-B do CPPT.

75
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Fazer cotar em bolsa de valores os títulos representativos do seu ca-


pital social;
– Lançar ofertas públicas de venda do seu capital ou alienar em subs-
crição pública títulos de participação, obrigações ou ações;
– Beneficiar dos apoios de fundos europeus e de outros fundos públi-
cos;
– Distribuir lucros do exercício ou fazer adiantamentos sobre lucros
no decurso do exercício.

Enfim, como será fácil de concluir, pode suceder que o contribuinte


faltoso, mesmo com plena consciência da falta e com convicção interio-
rizada de que aquela dívida tributária é mesmo para pagar, pode ter van-
tagem em lançar mão de um dos meios referidos com o intuito de obter
vantagens em outros quadrantes.
Daí – uma vez mais se salienta – a importância do adequado conheci-
mento do contencioso tributário.

6. Caracteres essenciais do Direito tributário adjetivo


Já deixamos vincada a ideia de que o Direito tributário adjetivo é consti-
tuído pelo conjunto de normas jurídicas que têm por objetivo exe­cutar
as normas tributárias substantivas e assegurar a tutela das pretensões
jurí­dicas e valores das mesmas emergentes.
A partir desta noção, algumas notas de destaque devem ser formu­
ladas:
i) Em primeiro lugar, o Direito tributário adjetivo é um conjunto
de normas jurídicas, o que significa que tanto fazem parte dele os
princípios como as regras jurídicas e, quer uns quer outros, escri-
tos ou não escritos, apesar da predominância das normas escritas.
Esta última circunstância, aliás, leva a que se possa afirmar que o
Direito tributário adjetivo é um Direito eminentemente legal, no
sentido em que a grande parte das suas normas estão consagradas
em diplomas desta natureza.
ii) Para além disso, é um Direito que, de certa maneira, se pode afir-
mar como sendo instrumental ou acessório. Esta instrumentali-
dade capta-se de uma forma correta se tivermos presentes as suas
reais funções, uma de natureza executiva, outra de natureza garan-
tística.

76
INTRODUÇÃO

Por um lado, as normas de Direito tributário adjetivo têm por fun-


ção estar ao serviço das normas substantivas, de modo a assegurar a sua
execução. Estas últimas, na maior parte dos casos, não são normas auto-
-exequíveis, no sentido de independerem de outras para a produção dos
seus efeitos. Pelo contrário, uma das suas características mais marcan-
tes reside exatamente na hetero-exequibilidade, pois a completa e cor­
reta produção dos seus efeitos jurídicos depende da existência de outras
normas que as tornem operativas e aptas a desencadear as potencialida-
des que o mundo do Direito lhes reserva. Tais normas são precisamente
as normas de Direito adjetivo que, por isso, assumem um papel marca-
damente secundário ou instrumental, ao serviço das primeiras.
Mas não apenas por isso. Também têm a importante função – e já
nos estamos a referir à função garantística acima assinalada – de pro­
curar assegurar a tutela, jurisdicional e não jurisdicional, das pretensões
jurídicas emergentes das normas tributárias substantivas. A este res-
peito, não se pode deixar passar em claro a importância que as normas
procedimentais e processuais têm ao nível da prossecução dos objetivos
de qualquer ordenamento tributário: a justiça na tributação. Esta ape-
nas será conseguida, e em toda a sua plenitude, se for observado o prin-
cípio da verdade material que, ao nível substantivo fiscal, se traduz na
exigência de tributação de acordo com a real e efetiva capacidade con-
tributiva do sujeito passivo e, como se sabe, inúmeras vezes tal objetivo
não é conseguido por desconhecimento das normas adjetivas. Ou por-
que se deixou passar o prazo para reclamar, ou porque se utilizou o meio
de reação inadequado, ou porque não se apresentou o rol de testemu-
nhas quando se deveria, ou por inúmeras outras razões, não se conse-
gue, no caso em concreto, uma verdadeira justiça. Daí a importância de
conhecer bem este segmento do Direito.

7. O sistema português de Direito Tributário adjetivo

7.1. Evolução e antecedentes próximos


No que particularmente diz respeito à descrição da evolução que, sob
o ponto de vista temporal, o sistema de fontes de Direito tributário
adjetivo português sofreu, pode dizer-se sem grande margem de erro
que é possível individualizar duas grandes fases: (i) uma primeira fase

77
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

caracterizada pela dispersão das disposições normativas e que durou até


à entrada em vigor do Código de Processo das Contribuições e Impostos
(CPCI), aprovado pelo DL 45005 de 27 de abril de 1963, e (ii) uma se-
gunda fase caracterizada pela codificação ou, pelo menos, pela tentativa
de unificação e codificação, a partir da entrada em vigor daquele diploma.

(i) A primeira fase era, então, caracterizada pela dispersão, e esta era
reflexo de idêntico fenómeno que caracterizava as normas de Direito
tributário substantivo, quando estas existiam, pois até se dava frequen-
temente a circunstância de não haver enquadramento normativo para
muitas matérias. Paralelamente, e sob o ponto de vista orgânico, um
sistema de cariz corporativo (inicialmente com a criação dos vedores da
fazenda, no séc. XV, mais tarde transformados em vedorias propriamente
ditas no séc. XVI e, depois substituídos pelo Conselho da Fazenda no séc.
XVII) pouco incentivava ao enquadramento jurídico da atividade tribu-
tária.
Compreende-se, de facto, que, neste contexto, as tentativas de uni-
ficação dos vários diplomas respeitantes a matérias fiscais não tivesse
grande sucesso. Por exemplo, no séc. XIX, a um incipiente sistema
esta­dual de liquidação e cobrança de tributos, juntava-se um deficitá-
rio sistema garantístico, presumindo-se quase sempre como válidas as
atuações dos órgãos públicos. Além disso, a própria doutrina tributária
e fiscal estava a dar os primeiros passos e não se conseguia libertar das
amarras de outros ramos de Direito, não se afirmando sob o ponto de
vista da sua autonomia, o que também contribuiu para que raramente
se questionassem as atuações dos órgãos tributários, pois não haveria
“especialistas” competentes para tal.
Contudo, o aprofundamento do movimento de constitucionaliza-
ção – com a introdução na consciência jurídica dominante de princípios
como a tipicidade ou a proibição do excesso –, a evolução do Direito
administrativo num sentido mais garantístico e a própria tentativa de
autonomização do Direito tributário alertou para a necessidade de cria-
ção de instrumentos de regulamentação das atuações dos sujeitos que
cobravam os tributos. Um grande marco neste sentido foi a conhecida
Abgabenordungsgesetze alemã de 1919.

(ii) Em Portugal, contudo, e não obstante uma pretensa reforma em


1911, mediante a criação de uma orgânica nova e a aprovação do Código

78
INTRODUÇÃO

das execuções fiscais, de 23 de agosto de 1913, apenas em 1965 se assistiu


à primeira tentativa séria de condensação do material respeitante a es-
tes assuntos, com a publicação e entrada em vigor do já referido CPCI.
Paralelamente, no plano da organização judiciária – estamos, portanto,
a falar do processo – o CPCI deveria ser integrado e complementado
com diplomas formalmente “administrativos”. É o caso do DL 45006, de
27 de abril de 1963 (Organização dos serviços da justiça fiscal), o Esta­
tuto dos Tribunais Administrativos e fiscais (ETAF), aprovado pelo DL
129/84, de 27 de abril e alguns diplomas complementares deste, a Lei de
Processo no Tribunais Administrativos (aprovada pelo DL 267/85, de 16
de julho) e o próprio Código Administrativo.
No seguimento das reformas (substantivas) dos anos 80, o Código
de processo tributário (CPT) procurou atualizar o já antigo CPCI, subs­
tituindo-o, embora fosse criticado por reunir num mesmo diploma,
supostamente adjetivo, matérias de processo e matérias substantivas,
além de colocar de parte o procedimento tributário.
Com a aprovação da Lei Geral Tributária (LGT), através do DL 398/98
de 17 de dezembro, procurou-se concentrar, clarificar e sintetizar num
único diploma as “regras fundamentais do sistema fiscal”, de modo a
atingir uma maior segurança nas relações entre a Administração tribu-
tárias e os contribuintes143, ganhando particular relevo algumas disposi-
ções relativas ao procedimento e ao processo tributário, realidades que
foram claramente (embora nem sempre corretamente) distinguidas ao
nível do Direito positivo. Em termos gerais, este diploma, e utilizando as
palavras do próprio legislador, “não se limita à sistematização e aperfei-
çoamento de normas já existentes, o que seria relevante tendo em conta
a incoerência ou dispersão que (…) caracterizam o (…) sistema tributá-
rio, mas modifica aspetos fundamentais da relação fisco – contribuinte”.
Nesta linha de orientação, e com interesse para a nossa disciplina, pode-
-se apontar o alargamento dos deveres de colaboração da Administração
com o contribuinte, a consagração da audiência prévia no procedimento
tributário e a regulamentação exaustiva dos casos em que se pode recor-
rer à avaliação indireta.
A LGT, todavia, não conseguiu o seu intento unificador e clarifi­
cador, na medida em que não continha uma disciplina exaustiva, nem

143
V., a este respeito, o preâmbulo do diploma referido.

79
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

sequer pormenorizada, das matérias de Direito tributário adjetivo, pois,


por um lado, perdeu-se em inúmeros aspetos de Direito substantivo
(assemelhando-se, muitas vezes a um manual didático), e, por outro
lado, nem sequer previa a existência de muitos procedimentos e pro-
cessos tributários (o que até se compreendia, pois estes estavam no CPT
e a própria LGT não era vista como um “código” ou diploma adjetivo).
A confusão nestes domínios continuou, acrescida pela existência de dis-
posições duplicadas e/ou contraditórias em relação a outros diplomas,
nomeadamente o CPT.
Tais problemas procuraram ser complementados com a entrada em
vigor do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tribu-
tária e Aduaneira (aprovado pelo DL n.º 413/98 de 31 de dezembro) e
do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), atualmente
em vigor. Este último diploma, aprovado pelo DL 433/99 de 26 de ou-
tubro, além de inovar na terminologia usada (deixou de ser um “código
de processo” e passou a ser um “código de procedimento e processo”),
procurou acentuar principalmente as vertentes da celeridade e simpli-
cidade das atuações administrativas e jurisdicionais tributárias. No que
diz particularmente respeito ao procedimento tributário, introduziu-se
um princípio de duplo grau de decisão e desburocratizou-se o procedi-
mento de reclamação graciosa. Além disso, algumas normas que ainda
constavam de diplomas avulsos (nomeadamente no Estatuto dos Bene-
fícios fiscais) foram nele integradas ou consagrou-se nelas a remissão
imediata para este código.
No plano da organização judiciária, foi aprovado um novo ETAF e a
Lei de Processo no Tribunais Administrativos deu lugar a um Código de
Processo nos Tribunais Administrativos.

7.2. Fontes normativas

7.2.1. Espécies de fontes


Não obstante o conceito de fonte se prestar a inúmeros equívocos re-
sultantes (também) da sua polissemia de significados, podemos fixar
que, por razões de simplicidade, utilizaremos tal conceito no sentido de
“fonte de reconhecimento”, isto é, forma exteriorizada de revelação de
normas jurídicas.

80
INTRODUÇÃO

Assim, para os efeitos que nos interessam, podemos apontar uma


classificação bipartida das fontes de Direito tributário adjetivo:
– Em primeiro lugar, podemos estar perante fontes formal e material-
mente procedimentais e processuais, isto é, diplomas normativos
que, além de formalmente se configurarem como diplomas “adjeti-
vos”, contêm normas atinentes a matérias de igual natureza. Será o
caso, nomeadamente, do DL 433/99, de 26 de outubro, do Código
de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e do Regime
Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Adua-
neira (RCPITA);
– Em segundo lugar, podemos estar perante fontes apenas material-
mente procedimentais e processuais, isto é, diplomas que integram
normas respeitantes a matérias adjetivas, mas esparsas por vários
diplomas “substantivos”, como sejam, por exemplo, a Constituição,
o DL 398/98, de 17 de dezembro, a Lei Geral Tributária (LGT), o
Código do IRS (CIRS), o Código do IRC (CIRC) ou o Código do
IVA (CIVA). A consideração deste segundo tipo de fontes, como
veremos, assumirá uma importância decisiva na resolução do pro-
blema da integração de lacunas.

7.2.2. As insuficiências da legislação tributária


Na medida em que o objetivo primordial de qualquer ordenamento
impositivo passa por atingir a justiça e a verdade material na tributa-
ção, o Direito procedimental e processual deverá ser constantemente
melhorado e aperfeiçoado, de forma a que seja assegurada, no quadro
das normais práticas administrativas, uma cobrança uniforme dos tribu-
tos. Neste sentido, deve-se exigir uma estreita conexão entre as normas
mate­riais e as normas adjetivas, por forma a que estas não colidam ou
entrem em contradição com aquelas, pois de nada adiantaria um sistema
tributário material imbuído das melhores intenções ao nível dos prin-
cípios se, posteriormente, ao nível da sua execução, tais intenções não
passassem disso mesmo – de intenções.
Pode levantar-se, a este respeito, a questão jurídica da eventual vio-
lação do princípio da igualdade decorrente da omissão legislativa resul-
tante da não concretização suficiente e adequada de um artigo de um
código substantivo, pois tal omissão poderia consubstanciar um trata-
mento desigual para determinados sujeitos em comparação com outros,

81
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

podendo ser feita referência a um “défice estrutural de concretização”


(strukturell Vollzugsdefizit) quando existam dificuldades efetivas de co-
brança do tributo, que impeçam a aplicação da norma substantiva.
Como é sabido, o significado do princípio da igualdade, em matéria
fiscal, passa pela circunstância de que os sujeitos passivos de imposto
devem, juridicamente e de facto, ser tributados de forma (materialmente)
igual. Estamos agora a constatar que esta exigência constitucional de
não discriminação deve ser observada não apenas ao nível das normas
substantivas – que constituem os fundamentos (legais) da tributação –,
mas também ao nível das correspondentes normas adjetivas (proces­
suais e procedimentais), através do estabelecimento de igualitárias for-
mas de concretização e de execução das primeiras. Por conseguinte, re-
clama-se da parte do legislador uma adequada densificação das normas
tributárias substantivas, verificando-se uma oposição estrutural entre o
Tatbestand substantivo e as correspondentes normas tributárias adjetivas
naqueles casos em que, mediante a aplicação destas, o crédito tribu­tário
não possa ser correta e convenientemente executado. Assim, e no que à
matéria de procedimento tributário diz respeito, se existir uma contra-
dição entre o âmbito normativo da norma substantiva tributária e a não
concretização desse âmbito através das adequadas regras de co­brança
– por exemplo, nos casos em que os sujeitos passivos sejam objeto de
distintos procedimentos de cobrança sem razão que o justifique – a pri-
meira poderá ser considerada inconstitucional, pois impende sobre o
órgão densificador-concretizador das normas substantivas “abertas”
(o legislador) um especial dever de evitar estas contradições, nomea-
damente através de mecanismos especiais de cobrança, como a institui-
ção de mecanismos de retenção na fonte ou de pagamento de impostos
por avença.
Nas situações em que esse especial dever não seja cumprido, corre-se
o risco de uma ineficiência das normas jurídicas derivada da sua inexis-
tente ou insuficiente concretização, falando-se, a propósito, no referido
“défice de concretização” que, nos casos em que não seja meramente
temporário ou conjuntural, se pode afirmar como um “défice estrutural
de concretização”.
O estabelecimento desse défice passa pela consideração de obstáculos
de facto e jurídicos, e poderá ser feito a partir de vários parâmetros:
– Em primeiro lugar, deve-se procurar averiguar se, existindo den-
sificação da norma tributária substantiva, as “práticas tributárias”

82
INTRODUÇÃO

impedem ou colocam em causa a adequada arrecadação do tributo.


Se tal acontecer, haverá uma contradição entre a norma substan­
tiva e a norma adjetiva, que poderá inviabilizar o objetivo de atingir
uma tributação justa. Interessará verificar, nomeadamente, (i) se à
violação dos deveres de colaboração dos sujeitos passivos – v.g., não
cumprindo as denominadas “obrigações acessórias declarativas”, o
que se verificará quer nas situações de ausência de declarações quer
nas situações em que tais declarações, existindo, contêm todavia
dados desconformes com a realidade – está ligada uma “alta proba-
bilidade de descoberta”, e (ii) se os instrumentos especiais de veri-
ficação dessas declarações são habitual e regularmente aplicados ou
se, pelo contrário, assumem carácter excecional;
– Em segundo lugar, também se deverá procurar saber se as formas
de cobrança e de controlo se aplicam de forma uniforme e iguali-
tária, pois haverá também défice estrutural de concretização se a
tributação de determinadas manifestações de capacidade contri-
butiva, em comparação com outras, apresenta falhas na aplicação e
arrecadação.

Parece-nos conveniente fazer uma distinção entre duas situações


próximas e cuja referência poderá ser importante para a correta capta-
ção e compreensão destes problemas: por um lado, aquelas situações em
que não existe intervenção do legislador, sendo tal intervenção exigida
constitucionalmente (a) e, por outro lado, aquelas situações em que a
intervenção existe, contudo não é suficiente e adequada e, por via disso,
introduz fatores de desigualdade (b). No primeiro grupo de casos, falar-
-se-á em inconstitucionalidade por omissão; já no segundo, em inconsti-
tucionalidade por ação.
Vejamos melhor estes aspetos.

(a) São bastante frequentes as situações em que os órgãos do Estado,


em concreto os órgãos legislativos, são os destinatários de um comando
constitucional que tem por objetivo tornar as normas da Constituição
aptas a produzir os seus efeitos. Aqui, poder-se-á dizer que, face aos
dados jurídico-positivos e à jurisprudência do nosso Tribunal Constitu-
cional, são maioritariamente relevantes, em termos de verificação de in-
constitucionalidade por omissão, aquelas situações em que o legislador

83
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ordinário está obrigado a agir mediante uma imposição concreta ema-


nada pelo legislador constituinte (norma constitucional impositiva).
Vale isto por dizer que apenas naqueles casos em que a própria Cons-
tituição ordena (i) a determinado órgão (ii) a emanação de uma deter-
minada norma jurídica – em regra uma lei, sendo usual a designação de
ordens de legislar – é possível sindicar jurisdicionalmente a omissão resul-
tante da eventual não atuação, podendo nestes casos falar-se com pro-
priedade em omissão constitucionalmente relevante ou em inconstitu-
cionalidade por omissão.
Contudo, não apenas nestas situações se pode, com rigor, fazer refe­
rência à inconstitucionalidade por omissão. Também naqueles casos em
que as normas constitucionais (não se configurando como normas im-
positivas em sentido estrito) não são, por si mesmas, suficientemente
densas para que possam produzir os seus efeitos com plenitude – mas
antes reclamam uma concretização nesse sentido – a figura em questão
pode ter relevância jurídica. Estamos a falar, em concreto, daqueles
casos em que a norma constitucional é uma norma que carece de pre-
enchimento através da adoção de medidas várias, legislativas e não le-
gislativas, que a tornem exequível e sem as quais correrá o risco de não
passar de “letra morta”. Nestas situações, ficam os órgãos estaduais obri-
gados a tomar medidas no sentido de evitar que os preceitos mais abs-
tratos previstos ao nível constitucional não possam estar aptos a maxi-
mizar as suas potencialidades despoletar a produção de todos os efeitos
que poderiam produzir.

(b) Diferentes de todos estes casos são aqueles em que o legislador


atua e, atuando, introduz fatores de desigualdade injustificada na tri-
butação. Ainda aqui poderemos fazer referência a uma omissão, se bem
que num sentido diferente. Como tradicionalmente se assinala “o con-
ceito jurídico-constitucional de omissão é compatível com omissões
legislativas parciais (…)”. Estas acontecem quando “os atos legislativos
concretizadores de normas constitucionais favorecem certos grupos ou
situações (…)”.

84
INTRODUÇÃO

7.2.3. Interpretação

a) Relevância do princípio da verdade material


É sabido que a linguagem jurídica não é um tipo de linguagem conven-
cional, no sentido de fazer apelo a termos correntes ou comuns, e se esta
constatação é evidente ao nível substantivo, ao nível adjetivo não o é me-
nos. Pense-se, por exemplo, em termos como “reclamação”, “impugna-
ção”, ”avaliação”, ”ilegalidade”, ”recurso”, “legitimidade” e muitos outros.
Além disso, também não é difícil constatar que o procedimento de
juridificação é bastante complexo, composto por uma multifacetada sé-
rie de atos, também eles complexos, e a maior parte das vezes não leva-
dos a cabo por juristas, o que contribui para a obscuridade dos textos
normativos. Com efeito, é frequente que o legislador não utilize o vocá-
bulo correto e diga mais (plus dixit qual voluit ) ou diga menos (minus dixit
quam voluit ) do que aquilo que na realidade lhe passa no espírito.
É neste contexto que assume importante papel o desempenho do in-
térprete, pois como qualquer outra norma, também a norma adjetiva, e
em particular a norma adjetiva tributária, necessita de ser interpretada.
Interpretar significa aqui, como de resto noutros domínios, fixar o sen-
tido da norma jurídica, para que se adote a decisão jurídica correta, e é,
também ela, uma tarefa complexa, porque não linear, mas antes recla-
mante de regras e métodos.
É certo que o princípio do Estado de Direito, na sua vertente de se-
gurança jurídica e proteção da confiança, exige do criador legislador
clareza e determinabilidade na tarefa de redação dos arranjos linguísti-
cos em que as normas se vão materializar. Contudo, nem sempre assim
acontece. Não raras vezes utiliza ele, neste sector do Direito, conceitos
polissémicos e indeterminados, cujo significado concreto carece de den-
sificação, sob pena de se tornarem fonte de instabilidade aplicativa ou
mesmo, em casos extremos, de se tornarem inaplicáveis. Ou seja: care-
cem de interpretação. A tarefa interpretativa – a qual, excetuando os
casos de interpretação autêntica, é levada a cabo pelos aplicadores das
normas – tem uma natureza complexa, na medida em que convoca toda
uma série de elementos que ajudam a precisar o significado de um ter-
mo ou de um conjunto de termos, desde a inserção destes na oração em
que se integram, até à intenção do órgão que criou o preceito ou às cir-
cunstâncias de tempo e lugar em que tal criação se efetuou. Perante tal
diversidade de instrumentos de análise, como proceder?

85
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Naturalmente que na interpretação de um conceito usado numa


norma jurídica não podemos – ao contrário do que se passa com um
conceito usado numa cláusula contratual – utilizar um critério que
faça apelo ao sentido que seria dado por um normal destinatário. É que
naqueles casos, ao contrário destes, o destinatário não está individuali-
zado, atenta a natureza geral e abstrata da norma (além de que, em par-
ticular em matéria de procedimento e de processo tributários, estão em
causa interesses públicos que obstam à consideração da vontade indivi-
dual como relevante para efeitos de conformação das decisões, mesmo
interpretativas).
Por conseguinte, os critérios a utilizar na interpretação das normas
jurídicas deverão revestir natureza objetiva – no sentido de não depen-
dentes do destinatário da norma – e, em princípio, serão fixados pelo
legis­lador. Tais critérios estão, entendemos, previstos no art.º 9.º do
Código Civil – uma autêntica norma materialmente constitucional – e
dão-se aqui por conveniente e devidamente assimilados.
Ora, se as coisas se passam assim em sede de teoria geral da interpre-
tação das normas, não se vê por que hajam de ser diferentes no domínio
da interpretação das normas tributárias adjetivas. Deve ser salientada
apenas a necessidade de buscar uma interpretação (mais) conforme à
Constituição e aos valores por esta defendidos, já que esta deverá cons-
tituir sempre o parâmetro aferidor, não só da validade, mas também do
sentido das decisões interpretativas. Neste contexto, assume particular
relevância o importante princípio da verdade material, que deve nor­
tear toda a tarefa interpretativa, assumindo-se como um referencial om-
nipresente em todas as conclusões a que o intérprete chegue. Todavia,
nesse esforço, e na senda de atingir uma verdadeira justiça substancial,
não deve ser descurado o ponto de partida, isto é, a norma jurídica, e, ao
interpretar esta, nunca se pode ter em vista criar uma outra. O objetivo
é sempre, em face de eventuais conceitos obscuros ou polissémicos, dis-
cernir aquele significado que mais se adequará ao que o legislador quis
dizer. Daí, evidentemente, não pode resultar a produção legiferante.
O intérprete não cria.
Por último, deve-se recordar que o problema da interpretação não se
coloca apenas nas situações de conceitos obscuros de sentido. Coloca-
-se igualmente, e com idêntica importância, naquelas situações em que
o legislador “reenvia” as suas formulações para conceitos provindos de

86
INTRODUÇÃO

outras sedes (v.g., Direito civil, comercial, administrativo). Isto porque,


não obstante em matéria tributária estarmos perante um léxico especia-
lizado e muitas vezes técnico, existe a necessidade de socorro de outros
sectores do saber. Também aqui o referido princípio da verdade mate-
rial assume importância decisiva.

b) Interpretação e dupla dimensão dos direitos fundamentais


Já referimos que aos direitos fundamentais é geralmente reconhe­cida
uma dupla dimensão, objetiva e subjetiva. A primeira, indiciando a ideia
de que a norma jurídica consagradora de um direito fundamental tem
primariamente como objetivo a proteção de determinados valores dignos
de tutela constitucional; a segunda alertando para a necessidade de pro-
teção, já não de valores, mas de determinadas posições jurídicas subje-
tivas constitucionalmente consagradas. Ora, se isto se passa em relação
às normas consagradoras de direitos fundamentais em geral, também
se passará, naturalmente, no que diz respeito às normas que prevejam
direitos em matéria tributária, substantiva ou adjetiva, como sejam o
caso, nomeadamente, das normas que preveem o direito de resistência a
impostos ilegítimos144, o direito de reclamação e impugnação em relação
a atos tributários lesivos145, ou o direito à proteção da família em matéria
fiscal146.
Pois bem. Antes de maiores desenvolvimentos relativamente a outras
questões, importa tomar posição acerca da querela inerente ao proble-
ma de saber se deve ser dado um maior pendor à dimensão objetiva ou à
dimensão subjetiva do mesmo direito. Note-se que utilizamos a expres-
são “maior pendor”, o que significa, desde logo, que nenhuma das duas
dimensões pode – porque não deve – ser afastada, devendo levar-se em
atenção, relativamente à resolução de uma concreta situação jurídica,
quer o(s) valor(es) que merecerá(ão) proteção, quer o(s) direito(s) que
merecerá(ão) tutela, nunca afastando totalmente um dos dois. Simples-
mente, situações haverá em que a decisão se impõe sendo ela absoluta-
mente necessária e prejudicial à resolução de um litígio.
Basta ter presente que existem situações em que se podem convocar
duas interpretações da mesma norma jurídica, interpretações essas que
144
V. art.º 103.º, n.º 3, da CRP.
145
Cfr. art.º 20.º da CRP.
146
Cfr. art.º 67.º, n.º 2, da CRP.

87
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

conduzem a resultados opostos. Por exemplo, e trazendo à análise uma


questão intimamente ligada ao processo de impugnação judicial, pense-
-se no problema da renunciabilidade, por parte da Administração tribu-
tária, do direito à contestação. Se for entendido que a norma que prevê
o direito de contestação por parte da Administração consagra apenas
um direito subjetivo desta – o direito de responder aos factos apre­
sentados na petição inicial pelo sujeito passivo (contribuinte) – pode-
-se legitimamente pensar que estará na sua disponibilidade o exercício
desse direito, podendo contestar ou não contestar, de acordo com crité-
rios de conveniência e oportunidade vários; pelo contrário, se for enten-
dido que essa mesma norma prevê somente um mecanismo legal desti-
nado a proteger os valores “justiça na tributação” e “verdade material”,
então, como tais valores estão numa posição supra-individual, não se en-
contram na disponibilidade das partes do processo e estas não podem
renunciar às posições jurídicas correspondentes e, no caso apresentado,
a Administração tributária não poderia deixar de contestar.
Exemplo similar se pode pensar em relação ao sujeito passivo de
imposto, podendo-se, por exemplo, perguntar: poderá ele renunciar ao
direito a reclamar contra um ato tributário lesivo? Se entendermos que
a norma que consagra a reclamação graciosa147 prevê somente o direito a
reclamar, a resposta será afirmativa, enquanto que se entendermos que
essa norma prevê somente um mecanismo jurídico tendente a evitar tri-
butações injustas, a resposta será negativa.
Naturalmente que a solução destes problemas não se compadece
com uma opção redutora que considere apenas uma das dimensões con-
sideradas. Não constitui lugar comum referir que estamos em presença
de duas faces da mesma moeda, constituindo uma como que o reflexo
da outra, mas compondo ambas a mesma realidade, e significa isto que
dificilmente serão encontradas situações em que a opção radical pela
dimensão objetiva ou subjetiva será feita de uma forma líquida. Ainda
assim, nas situações extremas – e tendo em atenção que estamos perante
matéria de feição marcadamente publicista –, entendemos que deve ser
dada preponderância à visão objetivista, assumindo que, acima das dife-
rentes posições jurídicas que ao nível constitucional e legal estão con-
sagradas, existem valores (objetivos) – no âmbito dos quais a verdade

147
V. art.º 68.º do CPPT.

88
INTRODUÇÃO

material assumirá uma posição destacada – que não se encontram nos


chãos domínios da disponibilidade e da contingência.

7.2.4. Integração
Diferente da situação em que existe polissemia de significados num
conceito utilizado numa norma, é aquela em que nem sequer há norma.
A ausência normativa, só por si, pode não significar uma patologia no
ordenamento jurídico, se a matéria não disciplinada for entendida como
matéria extrajurídica o que, em muitos casos, apela para considerações
vagas que caem no âmbito da denominada discricionariedade legislativa.
Contudo, quando a ausência normativa atinge um determinado grau
de relevância e se entende que a matéria em causa deve ser objeto de
disciplina normativa não o tendo sido por manifesto lapso legislativo,
diz-se que existe uma lacuna e reconhece-se a necessidade de preen-
chimento, falando-se, a tal propósito, em integração. As tarefas inter-
pretativa e integrativa são ambas formas de realização do Direito vigente
embora se distingam, entre outros aspetos, pela circunstância de, no
primeiro caso, ainda haver uma norma e, no segundo, tal não acontecer.
Como proceder, então, em face de uma lacuna normativa?
De acordo com próprio CPPT148, em caso de lacunas, aplica-se suces-
sivamente149:
– As normas (materialmente) procedimentais e processuais con-
sagradas nos outros códigos e leis tributárias (LGT, CIRS, CIRC,
CIVA, etc.);
– As normas sobre organização e funcionamento da Administração
tributária (v.g., “Lei orgânica” do Ministério das finanças);

148
Cfr. art.º 2.º. V., também, acórdão do STA de 17 de abril de 2013, processo n.º 0199/13.
149
Cf., a propósito da convocação do Código de procedimento administrativo (CPA) para
integrar uma lacuna respeitante à dilação de prazos aplicáveis a não residentes, acórdão do
acórdão do STA de 30 de janeiro de 2019, processo n.º 01576/15.3BELRS 0700/18. Conside-
ra-se neste aresto que, tratando-se de um cidadão residente num outro Estado-Membro da
UE que não está obrigado a ter, para efeitos fiscais, um representante em Portugal, o exercí-
cio dos seus direitos pode mostrar-se dificultado, em comparação com os contribuintes re-
sidentes, potenciando as dificuldades de organizar a sua defesa. Nesta medida, a dilação do
prazo de impugnação permite mitigar “a maior dificuldade com que se defrontará num país
distante”. Ora, não contendo nem a LGT nem o CPPT norma sobre a matéria de dilação,
impõe-se, no entendimento do acórdão, a aplicação das regras gerais constantes do CPA.

89
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– As normas sobre organização e processo dos Tribunais administra-


tivos e tributários (ETAF, CPTA);
– O Código de procedimento administrativo;
– O Código de processo civil.

Por outro lado, deve-se colocar em evidência o facto de que as ma-


térias relativas ao procedimento e processo tributário estão abrangidas
pelo princípio da reserva de lei150 e, por via disso, é excluído o recurso à
analogia como forma de integração de lacunas. Tal exclusão, de resto, é
reforçada quer pela proibição constante do art.º 11.º, n.º 4 LGT – norma
esta deficientemente colocada, pois está inserida num artigo respeitante
à interpretação e não à integração – quer pela consideração do princípio
da segurança jurídica em matéria aplicativa.

7.2.5. Aplicação

7.2.5.1. Aplicação no tempo


O ordenamento jurídico em geral e as normas jurídicas em particular
não devem ser perspetivadas apenas sob um ponto de vista estático, que
somente coloque em evidência as normas que existem num determina-
do momento num determinado ordenamento. Também se deve adotar
uma perspetiva dinâmica, reveladora do fluir contínuo que caracteriza
qualquer conjunto de normas, pois a todo o tempo podem ser criadas
normas novas, da mesma forma que as normas já existentes podem ser
alteradas ou ver a sua vigência extinta.
Ora, esta sucessão de normas novas e antigas, ou de redações novas
e antigas da mesma norma, pode levantar problemas delicados no mo-
mento da aplicação por parte do agente administrativo ou do juiz, bem
como introduzir fatores de incerteza e insegurança do lado dos restan-
tes destinatários. Em matéria de procedimento ou de processo tributá-
rio, e em face de uma nova disposição ou de um novo conjunto de dis-
posições que vem alterar as existentes no momento em que os direitos
tributários nascem para o ordenamento jurídico pode-se, por exemplo,
perguntar: deverá todo o procedimento ou processo que visa garantir
tais direitos ser regulado pela lei vigente ao tempo da constituição ou

150
v. art.º 8.º, n.º 2, alínea e), LGT.

90
INTRODUÇÃO

do nascimento da relação material? Ou, diferentemente, deverá todo o


procedimento ou processo ser regulado pela lei vigente ao tempo do seu
início, nomeadamente ao tempo da iniciativa procedimental ou da pro-
positura da ação? Ou, ainda, deverá todo o procedimento ou processo
ser regulado pela lei vigente ao tempo da sua finalização, nomeadamente
quando o ato administrativo se torna definitivo e suscetível de produzir
os seus efeitos, ou quando a sentença seja proferida ou então quando
transita em julgado? Ou cada ato do procedimento ou processo deve ser
regulado pela lei vigente ao tempo da sua realização?
Em termos práticos, tudo se reconduz ao problema de saber se uma
nova norma apenas projeta os seus efeitos em relação a factos futuros
(prospetividade) ou se também os projeta em relação a factos passados
(retroatividade) e a solução para estes problemas nem sempre é forne­
cida pelos dados do Direito positivo.
Quando o é, a maior parte das vezes, criam-se “disposições transitó-
rias” que podem revestir uma de duas formas:
– Ou são “disposições transitórias” gerais, que valem para todas as
normas jurídicas ou, pelo menos, para um conjunto de normas inte­
grantes de um determinado segmento do ordenamento jurídico
(como seria o caso, por exemplo, de uma norma que regulasse a
aplicação de todas as leis processuais ou de todas as leis de Direito
substantivo não patrimonial no tempo);
– Ou são “disposições transitórias” especiais, que valem apenas para
uma determinada lei. Nestes casos, a própria norma nova incor­pora
– em regra no seu decreto de aprovação – uma diretiva acerca da sua
abrangência temporal, dizendo algo como “…a presente lei aplica-
-se…”, podendo abranger todas as matérias por si reguladas ou ape-
nas algumas delas.

Quando o legislador é omisso acerca destas questões, a solução a


encontrar, seja ela qual for, não pode deixar de ser emoldurada pelo
substrato teórico fornecido pelo princípio constitucional da segurança
jurídica e da proteção da confiança.
Como se passam, então, as coisas, em matéria tributária adjetiva?
Na ausência de uma disposição transitória geral, teremos de procurar
encontrar disposições transitórias especiais nos vários diplomas que se
debruçam sobre estas matérias, nomeadamente no ETAF e no CPPT.

91
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

No que ao primeiro destes diplomas diz respeito, prevê o n.º 1 do art.º


2.º da Lei 13 /2002 de 19 de fevereiro (que o aprova) que “As disposições
do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais não se aplicam aos
processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor”.
Já o n.º 2 do mesmo preceito refere que “As decisões que, na vigência
do novo Estatuto, sejam proferidas ao abrigo das competências confe-
ridas pelo anterior (…) são impugnáveis para o tribunal competente de
acordo com o mesmo (…).”
Significa isto que naqueles casos em que se tenham verificado alte-
rações competenciais administrativas e/ou jurisdicionais, todas as deci-
sões proferidas ao abrigo da lei antiga são de acordo com esta mesma
impugnáveis.
Por seu lado, o DL 433/99 de 26 de outubro, que aprovou o CPPT
(cfr. art.º 1.º) prevê igualmente que este apenas “se aplica aos procedi-
mentos iniciados e aos processos instaurados” após a respetiva entrada
em vigor (art.º 4.º).
Em ambos os casos (ETAF e CPPT) a regra é a da eficácia prospe­tiva
das respetivas normas, não sendo estas de aplicar aos litígios nascidos
anteriormente à sua entrada em vigor e ainda pendentes151.
Contudo, os problemas não estão ainda todos resolvidos. Na medida
em que estamos perante “disposições transitórias” especiais – por con-
seguinte apenas aplicáveis aos diplomas a que se referem – resta saber
qual a solução “geral”, ou seja, a solução a dar aos problemas suscitados
com a entrada em vigor de quaisquer outras normas que pretendam
aplicar-se a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor.
Parece-nos que, neste particular, a jurisprudência do Tribunal Cons-
titucional constituirá um valioso auxiliar.
Como é sabido, o órgão máximo da jurisdição constitucional portu-
guesa já se debruçou por diversas vezes sobre este problema por refe-
rência às normas tributárias substantivas (maxime, normas fiscais), sendo
paradigmático o acórdão n.º 11/83, onde se entendeu – tendo como pano
de fundo o já referido princípio da segurança jurídica – serem inconstitu-
cionais as leis fiscais cuja retroatividade seja intolerável, que afete de
forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente
fundados dos cidadãos contribuintes.

151
V., ainda, por exemplo, art.º 13.º da Lei 118/2019.

92
INTRODUÇÃO

Quanto às normas adjetivas, é de salientar o acórdão n.º 287/90, que


aprofundou a ideia acima referida dizendo que a aferição da inadmissi-
bilidade da afetação de expectativas legitimamente fundadas deve ser
feita tendo em conta dois requisitos:
– Se a alteração normativa constitui uma mutação da ordem jurídica
com que, razoavelmente, os destinatários das normas não possam
contar; e,
– Se não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou inte­
resses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se
prevalecentes.

Caso estas condições se verifiquem, a afetação dos direitos e expecta-


tivas legitimamente fundados dos cidadãos contribuintes será inadmis-
sível e, logo, inconstitucional; caso contrário, não o será.

7.2.5.2. Aplicação no espaço


Por último, a teoria geral da norma adjetiva tributária deve debruçar-se
sobre os problemas que surgem aquando da constituição e desenvolvi-
mento de relações tributárias plurilocalizadas ou com elementos de es-
traneidade (isto é, relações jurídicas tributárias cujos elementos estru-
turantes estão dispersos por vários ordenamentos jurídicos). Em tais
situações, surgem, ou podem surgir, conflitos ou concursos de normas
jurídicas provenientes de ordenamentos tributários diversos. No primei-
ro caso (conflito), a aplicação da norma de um ordenamento afastará a
aplicação de outra(s), pois que, em concreto, apenas uma delas se apli-
cará à situação merecedora de disciplina jurídica, enquanto no segundo
(concurso) tal afastamento não se verifica, mas antes se procura obviar
aos inconvenientes derivados da aplicação necessária e sucessiva de duas
normas152.
Em tais casos, dever-se-á procurar saber não apenas qual a lei apli-
cável à relação material subjacente – problema resolvido em sede de

Pense-se, por exemplo, no Direito internacional tributário, em que, muitas vezes, os Esta-
152

dos não renunciam à possibilidade de aplicar (a situações “exteriores”) as respetivas normas


de tributação. O problema surgirá, posteriormente, quando se procura compatibilizar tais
normas com as de outro(s) Estado(s), o que pode ser feito, designadamente, através da cele-
bração de acordos para eliminar ou atenuar a dupla tributação.

93
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Direito substantivo – mas igualmente qual a lei aplicável à relação adje-


tiva tributária, procedimental ou processual. Nomeadamente, cabe per-
guntar: aplicar-se-á a esta última relação a lei do ordenamento onde o
procedimento foi iniciado ou o processo foi instaurado? Ou, diferente­
mente, aplicar-se- à a lei do ordenamento que tiver um elemento de
cone­xão mais forte com o respetivo sujeito passivo (v.g., residência ou
nacionalidade deste)?
Pense-se, por exemplo, num sujeito passivo residente num ordena-
mento e que pretende apresentar uma reclamação relativamente a um
ato de liquidação referente a rendimentos auferidos em outro. Neste
caso, a reclamação reger-se-á pelas disposições da lei da residência ou
pelas disposições da lex fori?
Aproveitando a lição de Alberto Xavier, podemos dizer que estes
problemas de aplicação das normas tributárias adjetivas no espaço estão
de perto relacionados com a questão do âmbito espacial de eficácia das
normas tributárias – diferente do seu âmbito de incidência –, e a solução
a encontrar passará pela consideração da existência ou não de uma con-
venção internacional entre os Estados, destinada a esse fim. Estamos a
falar das convenções celebradas entre os Estados que, a maior parte das
vezes, se destinam a atenuar ou eliminar a dupla tributação (vulgarmente
designadas por ADT´s, ou seja “acordos de dupla tributação”) e que po-
dem conter normas respeitantes a Direito adjetivo. Assim, existindo tais
normas, a solução será a que delas constar; caso contrário, a regra deverá
ser a da aplicação da lex fori, ou seja, da aplicação da lei respeitante ao
ordenamento onde a questão foi levantada.
Mas, além deste problema de busca da lei aplicável à relação proce-
dimental ou processual tributária (primeiro momento), um outro pode
surgir, concluído o procedimento ou o processo: o da suscetibilidade de
produção de efeitos de atos tributários ou sentenças em ordenamentos
diferentes daqueles no qual eles foram praticados (segundo momento).
Por exemplo, poder-se-á, no seguimento de um processo de exe­
cução fiscal, executar o património de um sujeito passivo situado em ou-
tro Estado? Ou: poderão os órgãos da Administração tributária de um
Estado solicitar um exame à contabilidade ou a outros elementos decla-
rativos situados no território de outro Estado? Ou ainda: serão as notifi-
cações emitidas pela Administração tributária de um Estado eficazes no
território de outro Estado?

94
INTRODUÇÃO

Em princípio, os atos tributários e as sentenças emanadas dos órgãos


competentes de um Estado apenas poderão produzir efeitos em outro
se existir disposição normativa que o preveja, e se em relação ao pri-
meiro existir uma conexão relevante (por exemplo, a residência, a exis-
tência de um estabelecimento estável, etc.). De toda a forma, poderão
existir obstáculos quase intransponíveis à obtenção de uma solução, tal
o patente conflito de interesses entre os vários Estados: de um lado, o
Estado que praticou o ato quer, por exemplo, ter o total e pleno conhe-
cimento da situação tributária do seu residente (e, por isso, pede infor-
mações relativas a elementos contabilísticos); do outro lado, o Estado
“destinatário” do ato pode querer escudar-se num regime de sigilo ou
regime análogo.
Neste domínio, e em termos operativos, as Administrações tributárias
começam a recorrer com frequência aos instrumentos jurídicos de assis-
tência internacional, no quadro de convenções internacionais ou outros
modos jurídicos (protocolos de cooperação, acordos de execução, etc.),
no âmbito dos quais se destacam os esquemas de troca de informações153.
Por fim, quanto às possibilidades de conhecimento jurisdicional e
quanto ao âmbito competencial dos Tribunais tributários, é de aceitar
que estes últimos apenas têm competência internacional para apreciar
os litígios relativos às medidas ou atos de execução praticados pelos ór-
gãos internos do seu próprio foro154.

153
Cfr., por exemplo, art.º 26.º da Convenção Modelo da OCDE em matéria de impostos
sobre o rendimento e sobre o património (CMOCDE).
154
Em todo o caso, v. acórdão do STA de 5 de janeiro de 2015 (ou 7 de janeiro do mesmo
ano, atendendo à discrepância na versão publicada), processo n.º 01570/13. A respeito,
com interesse e indicações jurisprudenciais, Neto, Dulce, A competência internacional dos
tribunais tributários ao abrigo do mecanismo de assistência mútua entre Estados-membros da UE em
matéria de cobrança de créditos fiscais, in Contraordenações tributárias e temas de direito processual
tributário, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2016, disponível em http://www.cej.mj.pt/
cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_contraordenacoes_tributarias_e_temas_de_
direito_processual_tributario.pdf, pp. 47 e ss. (último acesso em junho de 2019).

95
Parte I
O procedimento tributário

1. A noção de procedimento

1.1. A necessidade de uma visão multidisciplinar


A noção de procedimento não nasceu seguramente no âmbito juspubli-
cista, e nem se pode dizer sequer que tenha nascido no âmbito jurídico.
A realidade procedimental apresenta uma natureza complexa, multifa-
cetada, que convoca saberes e análises provenientes de vários sectores
do conhecimento, e sem os quais o seu estudo nunca poderia ser seria-
mente levado a efeito.
Assim, e em primeiro lugar, cumpre fazer referência ao enfoque que
a filosofia, enquanto metaciência, dele fez. Filosoficamente, o procedi-
mento representa uma ideia pós-moderna de reação ao mito da raciona-
lidade substantiva ou material. Significa isto que, no domínio da teo­ria
do conhecimento, a noção de verdade (ou seja, de conhecimento ver­
dadeiro) começa a desprender-se de considerações substantivas e pro-
cura afirmar-se como uma verdade “formal”, isto é independente de
qualquer conteúdo necessário.
Como é sabido, podem-se desenhar duas orientações opostas no
quadro das tentativas de resolução dos problemas gnoseológicos funda-
mentais: uma posição “materialista”, platónica ou escolástica do conhe-
cimento e uma posição relativista, convencional ou analítica do mesmo.
De acordo com a primeira orientação, as coisas como que têm uma

97
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

existência única, possuindo propriedades substantivas que as distin-


guem de todas as outras e, por conseguinte, a verdade, relativamente a
uma determinada realidade, só pode ser uma, apenas uma e nenhuma
outra. Pelo contrário, a segunda orientação defende que as coisas, como
realidades contingentes que são, não possuem propriedades inatas, mas
antes representam uma certa forma de representação que um determi-
nado sujeito delas faz. Assim sendo, existirão tantas verdades quantos
os sujeitos cognoscentes e o conhecimento científico não será apenas
um, mas tantos quantas as visões que sobre a mesma coisa se debrucem
(relativismo).
Neste contexto, as teorias procedimentalistas representam uma abor­
dagem relativista dos problemas do conhecimento, já que defendem
uma noção de verdade menos dependente de considerações intrínsecas
e mais associada a considerações formais. Por outras palavras, o conhe-
cimento será válido se for fundado num procedimento ou num iter de
raciocínio adequado, independentemente da bondade ou não das pre-
missas que lhe servem de fundamento. Tentando estabelecer um nexo
de ligação – para já ainda ténue – com o mundo jurídico, pode-se dizer
que as teorias procedimentalistas encontraram campo fértil de prolife-
ração no âmbito das tentativas de resposta aos problemas da legitimi-
dade das normas jurídicas (v.g., normas constitucionais, normas legais)
e defendem que uma realidade será juridicamente existente quando o
seu modo de formação tenha sido juridicamente adequado. Por exem-
plo, uma lei existirá para o ordenamento jurídico quando – independen-
temente do seu conteúdo (este já será um problema de validade dessa
norma) – tenha sido elaborada de acordo com um procedimento previa-
mente estabelecido.

E aqui se encontra um ponto de contacto com as teorias procedimen­


talistas de feição sociológica. Para a sociologia, a ideia de procedimento
apresenta uma relevância incontornável. Muitas vezes ligadas às teo-
rias de legitimação das formas de domínio (v.g., legitimação da atuação
política e estadual) tais teorias procuram divorciar-se das tradicionais
teorias substanciais de legitimação sociológica, que afirmam que uma
forma de domínio está justificada (legitimada) quando se revê em de-
terminados substratos ideológicos tidos por convenientes ou dominan-
tes. Diferentemente, as correntes procedimentalistas colocam a ênfase

98
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

no modo de atuação e posterior exercício de um poder, afirmando a sua


legitimidade quando tal modus operandi se subsume a uma forma previa-
mente determinada.
Próximas destas orientações estão aquelas que, no âmbito da deno-
minada “ciência da Administração”, afirmam a relevância suprema do
decision making process, para, mais uma vez, colocar em evidência o carác­
ter faseado, por etapas, das tomadas de decisão. Naturalmente que a
estes esquemas de abordagem não está alheia a consideração de uma
estreita relação meio/fim e da ponderação de resultados em face dos
cami­nhos utilizados para até eles chegar.
Contudo, e não obstante a riqueza e relevância das conceções filo-
sóficas e sociológicas de procedimento, interessa-nos principalmente a
abordagem jurídica, que empreenderemos de seguida.

1.2. O procedimento enquanto realidade jurídica


Uma noção de procedimento que se revele útil para efeitos tributários
não pode ser conseguida se não se tiver presente o importante contri­
buto que o Direito administrativo forneceu neste domínio. Embora atual­
mente a ideia de procedimento possa ser encarada como uma categoria
geral, é certo que ela se tem quase sempre configurado como uma reali-
dade típica da função administrativa.
Deste modo, será a partir dos valiosos dados que a doutrina admi-
nistrativista tem fornecido a este respeito que procuraremos encontrar
uma noção adequada de procedimento tributário. Ali, a figura do pro-
cedimento tem sido estudada e definida sobretudo a partir de dois enfo-
ques distintos, um de feição formal e outro de natureza substancial.
i) Uma primeira abordagem da realidade procedimental pode ser fei-
ta a partir da ideia de pré-ordenação das vontades públicas, que
é característica de qualquer Estado de Direito, o que redundará
numa caracterização do procedimento como uma série de fases
(“unidades temporais de concretização”) tendentes à formação da
vontade de um órgão público. Parte-se aqui da consideração de que
os órgãos públicos, nomeadamente os órgãos administrativos, não
manifestam nem exteriorizam a sua vontade de uma forma arbi-
trária e livre, mas, pelo contrário, estão subordinados a toda uma
série de regras impostas ao nível legal ou constitucional. Daqui re-
sulta um carácter regrado, ordenado, faseado das manifestações de

99
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

vontade dos órgãos da Administração Pública, sendo o procedi-


mento a sua manifestação mais visível. Assim, neste modo de ver,
que se poderá designar por conceção formal, o procedimento é uma
sucessão, um modo de desenvolvimento, um iter conducente a um
ato final.
ii) Num outro modo de perspetivar, o procedimento pode ser enca­
rado, não como uma sucessão de atos, mas como um único ato.
Aqui o procedimento é visto como um conjunto de elementos de
uma única unidade substancial – o ato final – cuja relevância para o
ordenamento jurídico não nasce instantaneamente, mas, pelo con-
trário, de uma forma sucessiva. Contudo, os vários momentos em
que o ato final se poderia desdobrar não assumem, diferentemente
do que acontece com a conceção acima indicada, relevância autó-
noma. Assim sendo, o procedimento é aqui encarado não como um
complexo de atos, mas como um ato complexo (denominado, por
vezes por “ato-procedimento”).

Quer uma, quer outra das visões apontadas não está isenta de crí­
ticas, pois:
i) A conceção formal é extremamente redutora, uma vez que trata
o procedimento como uma mera sucessão de momentos ou fases,
sem o encarar como uma realidade autónoma e merecedora de
tutela jurídica própria. Dando autonomia a todas as fases de um
determinado caminho a percorrer, parece indiciar a ideia de que
todas essas fases assumem relevância jurídica em termos de os res-
petivos atos poderem ser destacados e, eventualmente, atacáveis de
per si, o que não acontece.
ii) A conceção substancial incorre no erro oposto, na medida em que
trata os diferentes atos como fazendo parte de um único agregado
e como que dissolve a importância de cada um deles no ato final,
procurando inculcar a ideia de que nenhum dos atos é autonoma-
mente valorado – e, logo, seria insuscetível de controlo autónomo
– o que também, em rigor, não corresponde à verdade.

Uma visão adequada desta questão passará pelo “meio termo” de-
vendo-se falar a este propósito em fattispecie procedimental com duas
vertentes: uma vertente formal, em que todos os momentos seriam

100
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

normativamente valorados e uma vertente material ou substancial, em


que esses mesmos momentos não devem deixar de ser considerados
como elementos relevantes de uma realidade mais ampla e procedi-
mentalmente conclusiva. Desta forma, reconhece-se que, por um lado,
o procedimento é um conjunto de atos – cada um deles com uma rele-
vância própria para o mundo do Direito – mas reconhece-se também,
por outro lado, que ele não se resume a esse conjunto de atos, mas evi-
dencia-se através de uma existência própria, reconhecendo-se-lhe uma
importante dimensão ontológica.
De resto, esta dupla dimensão, longe de constituir uma mera pro-
jeção teórica de um problema abstrato, assume, como veremos, uma
importância enorme quando se tenta buscar uma definição de proce-
dimento tributário. Apenas através dela tal definição poderá ser adequa-
damente conseguida.

1.3. Posição adotada


A partir de tudo quanto foi dito no ponto anterior, e para efeitos des-
tas Lições, adotaremos a seguinte noção de procedimento tributário: con­
junto de atos, provenientes de atores jurídico-tributários distintos, relativamente
autónomos e organizados sequencialmente, direcionados à produção de um deter-
minado resultado, do qual são instrumentais.
Vejamos separada e analiticamente cada um dos elementos constitu-
tivos desta noção.
i) Conjunto de atos – em primeiro lugar, um procedimento nunca pode
ser constituído por um único ato, mas por uma pluralidade deles.
Como já tivemos oportunidade de assinalar, um procedimento é
um complexo de atos e não um ato complexo155, de modo que nunca
se materializará numa única realidade substantiva, embora se
direcione para tal. Significa isto que não se deve confundir o ato
final de uma cadeia procedimental – o ato administrativo, ou, em

155
O ato complexo, como a própria designação pretende indiciar, traduz-se num único ato,
embora se trate de um ato que apresenta especificidades ao nível da relevância que o tempo
assume na sua constituição. Por outro lado, afirmar que o procedimento é um complexo de
atos pode ter importância ao próprio nível da questão da busca de sentido da atuação admi­
nistrativa-tributária, pois significa realçar a estrutura, o elemento intencional de tais atos,
que têm subjacente uma finalidade pré-determinada, e não uma finalidade que seja deter-
minada pela sua marcha, pelo “durante”.

101
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

particular no nosso âmbito, o ato tributário – com o procedimento


propriamente dito;
ii) Provenientes de atores jurídico-tributários distintos – além disso,
tais atos não deverão ser todos praticados pela mesma entidade,
podendo constatar-se a existência de atos procedimentais prati-
cados por entidades administrativas ou por entidades privadas (os
próprios contribuintes, por exemplo). A este propósito, convém
desde já chamar a atenção para o conceito de competência. Para
que um determinado sujeito administrativo-tributário possa pra-
ticar um ato válido e eficaz necessita de ser o sujeito competente,
afirmando-se a competência como a medida de poder decisório de
que um determinado sujeito é titular;
iii) Relativamente autónomos – os atos que compõem uma cadeia pro-
cedimental deverão possuir autonomia relativa, ou seja, devem ser
independentes uns dos outros, embora todos conectados; tal suce-
de porque todos eles deverão prosseguir uma função diferente no
iter procedimental do qual fazem parte, sob pena de se praticarem
atos repetidos, inúteis ou simplesmente dilatórios;
iv) Organizados sequencialmente – significa esta exigência que os
atos em que o procedimento se decompõe não devem estar con-
figurados de uma forma desregrada ou anárquica, em termos de
ser absolutamente indiferente praticar primeiro um ou praticar
primeiro outro. Pelo contrário, tais atos devem estar submetidos a
uma ordem e encontrar-se apresentados de uma forma pré-deter-
minada e sequenciada. Em abstrato, esta sequência tanto pode ter
por fonte um ato normativo (v.g., a lei) como a vontade do órgão
decisor, embora no âmbito dos procedimentos tributários a regra
seja o primeiro caso, bem assim como pode ter carácter obrigató-
rio/imperativo (o que constituirá também a regra), ou meramente
indicativo;
v) Direcionados à produção de um determinado resultado, do qual
são instrumentais – em princípio, os atos do procedimento estarão
orientados para a produção de uma decisão administrativa (um
ato administrativo, um regulamento, um contrato administra­
tivo), embora se deva observar que o procedimento propriamente
dito pode não terminar num ato dessa natureza, pois podem-se
verificar, por exemplo, atos integrativos de eficácia. Ainda assim, a

102
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

orientação do procedimento deverá ser sempre no sentido da pro-


dução de um ato de natureza administrativa, na medida em que
qualquer outro ato ”nele conflui teleologicamente”. Daqui se pode
concluir que os atos do procedimento, em princípio, não produ-
zem, eles próprios e por si mesmos, efeitos administrativos, mas
efeitos meramente sequenciais, pelo que, também em regra, não
são autonomamente atacados. Em todo o caso, deve-se assinalar
que, como veremos melhor, o carácter instrumental dos atos pro-
cedimentais não impede que, por vezes, eles assumam carácter
“principal” e possam ser destacados do procedimento e, por via
disso, autonomamente impugnáveis.

1.4. Procedimento e processo


Da noção acima exposta pode-se concluir com facilidade que o proce-
dimento não se confunde com alguns conceitos, figuras e institutos
jurí­dicos que com ele se possam relacionar, em circunstâncias várias.
A principal sede de inquietações pode resultar do cotejo com a figura
do processo, tendo sido vários critérios já ensaiados para os distinguir,
embora, em rigor, muitos deles se revelem absolutamente inadequados.
Contudo, antes de procurar uma forma juridicamente correta de os
distinguir, será conveniente chamar a atenção para o facto de que tam-
bém bastantes são os pontos de contacto ou de união.
Vejamos alguns.

Em primeiro lugar, caracteriza ambos, o procedimento e o processo,


a estrita sujeição a ditames jurídicos, o que significa que todas as atua­
ções em que ambos se materializam só podem ser levadas a cabo na me-
dida em que se observem as exigências constitucionais e legais que lhes
respeitem. Este aspeto é da maior importância, pois durante bastante
tempo pensou-se que a forma e a marcha de certas atuações públicas,
principalmente administrativas, estariam na disponibilidade do órgão
decisor e dependentes da vontade deste, procurando inclusivamente dis-
tinguir-se procedimento e processo a partir desta ideia. Tal não é exato,
porém. Quer as atuações procedimentais, quer as atuações processuais
apenas adquirem relevância jurídica não patológica se forem confor-
mes às normas prévias que as enformam, cominando-se com invalidade
(anulabilidade ou nulidade, conforme os casos), senão todo o procedi-
mento ou processo, pelo menos os atos destes que as não observem.

103
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Pense-se, por exemplo, no ato tributário de liquidação que pode ser


anulado, e o consequente procedimento “afastado” do ordena­mento
jurídico, nos casos em que o direito de audição do interessado – que
corporiza uma das mais importantes fases do procedimento tributário –
não é efetuado; ou a irregularidade do processo de impugnação judicial,
quando não é dada vista ao Ministério Público.

Dessa sujeição a normas jurídicas resulta, como está claro de ver, o


carácter marcadamente público das atuações procedimentais e proces-
suais. Quer isto significar que muitas vezes os interesses em jogo não
estão na disponibilidade dos atores processuais, pelo que não se pode
admitir atos de confissão, desistência ou transação e também muitas
vezes – mas não sempre, naturalmente – as atuações e os impulsos des-
sas atuações adquirem carácter oficioso. Será o caso, por exemplo, do
conhecimento da incompetência absoluta – isto é, situações em que se
verifique a violação das regras aferidoras da competência em razão da
hierarquia e da matéria – em processo tributário.

Por fim, ambos são perpassados por uma ideia permanente de estru-
tura dialética, em que o princípio do contraditório assume uma importância
inegável, mediante o binómio ação/reação. Basta fazer referência, a este
propósito ao direito de contestação do representante da fazenda pública
em processo de impugnação judicial ou ao direito de oposição do exe­
cutado no âmbito do processo de execução fiscal.

Já em termos distintivos, como dissemos, muitos critérios foram


adiantados, embora também muitos deles, criticamente, possam mere-
cer reparos.
É o que se passa, nomeadamente com o critério que apela à espé-
cie dos interesses que estão em causa num caso e no outro, dizendo-se
que no procedimento são interesses do autor do próprio ato (entidade
pública) que estão em causa – assumindo particular relevância a inicia­
tiva pública e oficiosa do procedimento e o princípio do inquisitório –, en­
quanto no processo seriam interesses, não do autor do ato, mas do seu
destinatário (que também poderia ser uma entidade pública, mas que,
na maior parte das situações, seria uma entidade privada) – o que se tra-

104
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

duziria na colocação da iniciativa e do oferecimento dos meios instrutó-


rios nas mãos deste.
Contudo, as coisas não se passam desta forma. Não apenas existem
procedimentos em que os interesses em jogo são interesses exclusiva-
mente do destinatário do ato – pense-se nos procedimentos mediante
os quais se procura obter uma informação ou o reconhecimento de um
benefício156 – como em alguns processos procura defender-se interesses
de natureza pública e titulados por um órgão administrativo-tributário –
como será o caso, por exemplo, do processo de execução fiscal.

Também um critério que os procure distinguir tendo em atenção


a possibilidade da existência ou não de litígio se revela inoportuno.
Procurar-se-ia aqui distinguir o procedimento do processo colocando
em ênfase a ideia de que naquele não existe qualquer litígio, no sen­
tido de oposição de pretensões jurídicas, enquanto neste existiria. Mais
uma vez, porém, a argumentação claudica estrondosamente. É que, por
um lado, verifica-se a existência de procedimentos nos quais existe um
fundo litigioso entre os sujeitos respetivos – como é o caso dos denomi-
nados procedimentos impugnatórios (reclamações, recursos, etc.) – e, por
outro lado, também existem processos, embora não em matéria tributá-
ria, nos quais a componente litigiosa não está presente – por exemplo, o
“processo” de divórcio por acordo.
Da mesma forma, não é de aceitar uma distinção entre procedimento
e processo que procure ser feita a partir da eventual participação dos
interessados, salientando que tal participação não existe no procedi­
mento, e existe no processo. A obviar tal critério distintivo está a sim-
ples referência à existência de um princípio da participação que perpassa
todo o procedimento, nomeadamente tributário157.
Desta forma, o que concluir?

Pela nossa parte, e sem embargo da valia dos contributos acima men-
cionados, a distinção entre procedimento e processo – para já apenas
uma distinção geral, que será direcionada posteriormente para o âm­
bito tributário – será feita tendo em atenção uma ideia de exteriorização

156
Cfr. art.os 57.º e 65.º do CPPT.
157
V. art.º 60.º da LGT.

105
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

de vontade dos poderes públicos (ao que poderemos chamar “critério


da vontade exteriorizada”). Assim, o procedimento será a forma típica
de exteriorização da vontade dos poderes legislativo e administrativo,
enquanto o processo será a forma típica de exteriorização de vontade
do poder jurisdicional. Nesta ótica, não parecerão mais do que contra­
dições as referências a processos administrativos ou a procedimentos
judiciais.
Contudo, no seguimento do que foi dito no texto, convém não es-
quecer que vários critérios distintivos podem ser utilizados, pelo que
outras noções de procedimento ou de processo possam ser apontadas.
Basta pensarmos, por exemplo, no “processo” (legislativo) de urgên-
cia158 ou no processo enquanto “dossier” ou conjunto de documentos, na
definição acolhida pelo CPA (art.º 1.º, n.º 2).

De toda a forma, em termos legais, não é apresentada qualquer no-


ção de procedimento ou processo tributário, limitando-se o CPPT a
refe­rir os atos que são compreendidos no procedimento (art.º 44.º) e
no processo (art.º 97.º) e a referir-se, de uma forma expressa, às finali-
dades deste último (art.º 96.º)159, quase o mesmo fazendo a LGT. Ainda
assim, e tendo em atenção as várias dimensões da atividade e jurisdi-
ção tributárias e utilizando o critério acima referido, podemos encarar
o procedimento tributário como o conjunto de atos concretizadores e
exteriorizadores da vontade dos agentes administrativo-tributários (na
sua globalidade denominados como “Administração tributária”, “Admi-
nistração fiscal”, “fazenda pública”, “fisco”, etc.). Já o processo tributário
será o conjunto de atos concretizadores e exteriorizadores da vontade
dos agentes jurisdicionais tributários (Tribunais tributários)160.

158
Assim, art.º 170.º da CRP.
159
Como resulta do que já foi dito, talvez também se possa vislumbrar uma referência às
fina­lidades do procedimento tributário na alínea i) do n.º 1 do art.º 44.º do CPPT, ao ser feita
alusão a todos os demais atos dirigidos à declaração dos direitos tributários.. V., ainda art.º
54.º da LGT.
160
O que vai dito no texto pressupõe uma correta distinção entre as funções administrativa
e jurisdicional, e um pleno respeito pelo princípio constitucional da reserva da função juris-
dicional (art.º 202.º da CRP). Não cabe aqui referência àquelas situações (inconstitucionais,
de resto) em que órgãos de natureza administrativa praticam atos que, materialmente, são
verdadeiros atos típicos da função jurisdicional.

106
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

2. As fases do procedimento, em geral


Tendo por nós sido já várias vezes afirmado que o procedimento con­
siste numa série de atos integrados numa sequência ordenada previa-
mente determinada, torna-se necessário que procuremos averiguar que
fases serão essas. Não se trata, ainda, da análise dos vários momentos
que compõem cada um dos procedimentos tributários cujo estudo as-
sume relevância face aos dados do ordenamento jurídico-tributário por-
tuguês – tal deverá ser feito, compreensivelmente, aquando do estudo,
feito em bases sistemáticas, de cada um desses procedimentos. Por agora,
procuraremos apenas identificar aquelas fases que, em geral, são co-
muns a todos ou a quase todos os procedimentos. Duas notas prévias,
contudo, deverão ser feitas:
– Em primeiro lugar, e como já foi assinalado, trata-se tão somente da
identificação genérica de fases, pelo que pode dar-se a circunstância
de algumas delas não se verificarem em relação a um determinado
procedimento. Por outras palavras: o estudo que vamos agora levar
a efeito não pretende significar que os momentos a referir sejam
obrigatórios. Pode acontecer que, por exemplo, em observância do
princípio da economia dos atos se conclua que certa atuação, em refe-
rência àquela situação em concreto, seja tida por supérflua;
– Em segundo lugar, não se trata de uma identificação exaustiva, na
medida em que pode o legislador prever, em relação a determi­nado
procedimento e tendo em atenção as exigências concretas das situa­
ções a resolver, uma atuação diversa da contida nesta abor­dagem
geral.

Assim sendo, vejamos quais são as fases típicas de um procedimento.

2.1. Fase da iniciativa


A primeira dessas fases será, naturalmente, a fase do impulso procedi-
mental, a denominada “fase da iniciativa”. Trata-se daquele momento
em que os atores procedimentais iniciam a sua caminhada em direção à
prática de um ato conclusivo ou final que fixará de uma forma última –
embora não necessariamente definitiva – determinados efeitos jurídicos.
Neste momento, e entre outros problemas que poderiam ser aborda-
dos, dois merecem na nossa análise particular saliência: os tipos ou es-
pécies de iniciativa e a questão da fixação do objeto do procedimento.

107
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

A cada um deles dedicaremos as alíneas sistemáticas subsequentes.

a) Espécies de iniciativa procedimental


Em geral, a iniciativa pode ser perspetivada, principalmente, tendo em
atenção os seguintes enfoques:
i) Por um lado, podemos estar perante uma iniciativa administrativa
ou uma iniciativa não administrativa, consoante ela esteja nas mãos
da entidade administrativa competente para a decisão (ou alguma
com ela hierarquicamente relacionada), ou não. Repare-se que não
está tanto em causa a natureza jurídica de quem inicia o procedi-
mento, mas a circunstância de tal entidade ser, ela própria ou um
superior sua, competente para decidir. Até pode acontecer que
seja uma entidade pública a fazê-lo – v.g., uma empresa pública
que reclama de um imposto mal liquidado – e a iniciativa se con-
sidere não pública. Neste sentido, exemplo de um procedimento
tributário de exclusiva iniciativa administrativa é o procedimento de
orientações genéricas, um procedimento que, como veremos melhor,
se destina a procurar uma uniformização das regras de interpre-
tação e aplicação das normas tributárias161; já a reclamação graciosa
– que visa a anulação de atos tributários inválidos – é um proce-
dimento de iniciativa não administrativa, pois ela cabe aos contri-
buintes 162.
ii) Por outro lado, podemos estar perante uma iniciativa oficiosa ou
não oficiosa. A primeira será aquela cuja decisão de iniciar não está na
disponibilidade do sujeito propulsor, enquanto a segunda está su-
bordinada à vontade desse sujeito. Os procedimentos são instau-
rados ex officio sempre que estejam em causa Interesses públicos
de superior relevo, como será o caso, por exemplo, da aplicação de
métodos indiretos de tributação quando seja impossível compro-
var direta e exatamente a matéria tributável de um contribuinte
(procedimento de avaliação indireta).
iii) Relativamente aos procedimentos de iniciativa administrativa não
oficiosa, ainda podemos estar perante uma iniciativa provocada ou
não provocada, consoante essa iniciativa, estando na disponibili-

161
V. art.º 55.º do CPPT.
162
Assim, art.º 68.º do CPPT.

108
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

dade do sujeito propulsor (entidade administrativa), seja por ele


estimulada ou não. Com efeito, poder-se-á dar o caso de o arran-
que procedimental, dependendo da vontade da Administração,
ter sido, ainda assim, efetivado mediante pedido, petição ou pro-
posta dos contribuintes, como por exemplo nas situações de revi-
são dos atos tributários163. Nestes casos, como regra, vale a ideia
de que a Administração terá um poder discricionário de iniciar
o procedimento, dando ou não seguimento à pretensão que lhe
foi apresentada, se bem que se possa falar numa discricionariedade
temperada, na medida em que o princípio do inquisitório implica a
prossecução de todas as diligências no sentido da descoberta da
verdade material (ainda que em eventual conflito com os interes-
ses concretos de arrecadação da receita pública).

A consideração conjunta destas classificações leva a que possam exis-


tir procedimentos de iniciativa administrativa oficiosos e não oficiosos,
provocados ou não provocados, sendo certo que os procedimentos não
administrativos são não oficiosos (não fazendo sentido questionar se são
ou não provocados).
Em termos esquemáticos, teremos então:

Oficiosa
Administrativa
Provocada
Iniciativa Não oficiosa

Não provocada
Não administrativa

Particular saliência merece, neste âmbito, a iniciativa administrativa


mediante denúncia. Para que esta possa dar origem ao procedimento,
refere a própria lei que, tendo por objeto uma infração tributária, devem
ser observados dois requisitos164:
– Deve o denunciante identificar-se; e

163
Cfr. art.º 78.º da LGT.
164
Cfr. art.º 70.º da LGT.

109
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Não pode ser manifesta a sua falta de fundamento.

Se tal se verificar, pode iniciar-se um procedimento tributário, em­


bora o denunciante não seja considerado parte, nem lhe seja reconhe-
cida legitimidade para reclamar, recorrer ou impugnar o ato decisório.
Em todos os casos, “o contribuinte tem direito a conhecer o teor e auto-
ria das denúncias dolosas não confirmadas sobre a sua situação tributá-
ria”, numa solução que consiste numa afloração do direito à informação,
já referido.

b) A questão do objeto do procedimento


A expressão “objeto do procedimento” – a exemplo do que sucede com
a expressão “objeto do processo”– pode ser entendida num sentido pró-
prio ou impróprio ou, como entendemos preferível, num sentido jurí­
dico ou material.
Partindo desta última dicotomia classificatória, pode dizer-se que o
objeto jurídico do procedimento tributário é questão jurídica principal
sobre a qual o órgão administrativo é convocado a apreciar e decidir.
Trata-se, bem entendido, sempre de um problema ou de um assunto
jurí­dico, embora tanto possa dizer respeito a uma questão de facto,
como a uma questão de Direito165. Neste sentido, será objeto do proce-
dimento, por exemplo, a questão da qualificação de determinado rendi-
mento como sujeito ou não a IRS (ou a respetiva quantificação); a ques-
tão do nível de fundamentação exigido a determinado ato de revogação

165
Como teremos ocasião de referir, o problema de saber se determinada questão é uma
questão de facto ou uma questão de Direito não é um problema meramente teórico – em-
bora tal não seja só por si censurável a um nível académico e científico –, mas assume uma
importância prática assinalável em vista das regras de interposição de recursos jurisdicio-
nais. Isto porque, como salientaremos, se um recurso de uma sentença tiver por funda­mento
exclusivo matéria de Direito deverá ser interposto diretamente para o Supremo Tribunal
Administrativo (STA – secção de contencioso tributário), enquanto que se tiver por fun-
damento matéria de facto, acompanhada ou não de matéria de Direito, o mesmo já deverá
ser dirigido ao Tribunal Central Administrativo (TCA). Contudo, como se disse, esta é uma
questão que apenas se coloca ao nível jurisdicional, portanto num momento bem mais avan-
çado do que aquele que presentemente nos ocupa. Cfr., a propósito, e em antecipação, a alí-
nea b) do art.º 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), nos termos
da qual “Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
conhecer (…) dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo
fundamento em matéria de direito”.

110
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

de benefício fiscal, em face das exigências constitucionais decorrentes


do princípio da obrigatoriedade de fundamentação de atos administra-
tivos; a determinação do local da realização de certo negócio; a questão
da admissibilidade ou não do recurso a métodos indiretos de avaliação,
em face dos pressupostos fixados na lei para a sua efetivação; a questão
da necessidade ou desnecessidade de audição do contribuinte no âm­
bito de certo procedimento, em face das exigências do princípio da par-
ticipação; a interpretação de um conceito indeterminado utilizado pela
legislação tributária; ou a questão do modo adequado de notificação de
determinado ato da Administração tributária. Importa enfatizar a ideia
de que se trata aqui – ao contrário do que sucede em Tribunal, no âm­
bito do processo – de uma questão jurídica e não necessariamente de
um litígio jurídico, pois podem existir procedimentos tributários sem
componente litigiosa ou conflitual (pense-se, por exemplo, no procedi-
mento de orientações genéricas ou no procedimento de pedido de in-
formações vinculativas).
Já o objeto material consubstanciar-se-á no ato ou omissão sobre o
qual incide a decisão, ou seja, e em termos práticos, o quid sobre o qual
a decisão projeta os seus efeitos. Neste segundo sentido, já será objeto
do procedimento, entre muitíssimos outros, o ato administrativo de re-
vogação de um benefício fiscal (no caso de recurso hierárquico inter-
posto sobre o mesmo); o pedido de informação vinculativa apresentado
por um contribuinte relativamente à sua concreta situação tributária; o
ato de apreensão de certa mercadoria; o ato tributário de liquidação de
certo tributo, etc. Será sobre este ato que o órgão decisor fará projetar os
efeitos da sua decisão, deferindo ou indeferindo a pretensão colocada,
por exemplo.
A inclusão desta questão nesta localização sistemática ­­– recorde-se: a
propósito do estudo da fase da iniciativa do procedimento – justifica-se
pelo facto de o objeto do procedimento – seja utilizado num dos senti-
dos apontados, seja utilizado no outro – se aferir em função da preten-
são do autor no momento do impulso, pretensão essa materializada num
determinado pedido (por exemplo, a anulação de um ato, a sua revogação
ou declaração de nulidade; a avaliação de um imóvel ou de uma car­teira
de ações; ou a prestação de uma informação) e sustentada numa deter-
minada causa de pedir (v.g., a errada quantificação de um montante de
imposto a pagar; a falta de competência de um órgão para praticar certo
ato; ou a caducidade de determinado direito ou pretensão).

111
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

2.2. Fase instrutória


Após a iniciativa, surge a fase na qual os órgãos administrativos tribu-
tários competentes e os restantes interessados procurarão, não apenas
carrear para o procedimento os elementos de prova necessários, mas
igualmente fixar os interesses a valorar, em ordem a uma adequada
decisão.

2.2.1. O arsenal probatório em matéria tributária e o ónus da prova


Nesta fase, muitos atos poderão ser praticados e de natureza muito
diversa – desde a exibição de documentos, a atos de inspeção, visitas a
locais determinados, emissão de atos consultivos como pareceres, infor­
mações, etc. –, além de serem igualmente muitos os sujeitos que pode-
rão intervir: órgãos administrativos, peritos, contribuintes, avaliadores,
testemunhas, etc. Neste quadro de intervenções múltiplas, fixa o legisla-
dor a regra segundo a qual “a direção da instrução cabe, salvo disposição
legal em sentido diferente, ao órgão da Administração tributária com-
petente para a decisão”. Contudo, se “a instrução for realizada por órgão
diferente do competente para a decisão, cabe ao órgão instrutor a elabo-
ração de um relatório definindo o conteúdo e objeto do procedimento
instrutório e contendo uma proposta de decisão, cujas conclusões são
obrigatoriamente notificadas aos interessados em conjunto com esta”166.

Para os efeitos das presentes Lições, e procurando simplificar o arse-


nal linguístico e atribuir fluidez ao discurso, entende-se por elemento
de prova qualquer meio legítimo de demonstração da realidade de um
facto, embora se deva ter presente que, em rigor, “meio de prova” (de-
clarações, pareceres, documentos, coisas, etc.) não se deve confundir
com “meio de obtenção de prova” [exames, perícias (com recurso a co-
nhecimentos técnicos), revistas (a pessoas), buscas (a lugares), apreen-
sões, etc.].
Quanto ao arsenal probatório, quer a LGT, quer o CPPT negam a
ideia de “prova tarifada” (limitada, tipificada) e consagram o princípio da
plenitude probatória. Com efeito, refere o art.º 72.º do primeiro diploma
que “o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos ne-
cessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos

166
Cfr. art.º 71.º, n.os 1 e 2, da LGT.

112
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

em direito”, enquanto o art.º 50.º do segundo prescreve que “no proce-


dimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente
previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos, po-
dendo designadamente juntar atas e documentos, tomar declarações de
qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a reali-
zação de perícias ou inspeções oculares”.
Particular saliência merece, no âmbito do procedimento tributário a
prova sob a forma documental – até porque alguns procedimentos, em
regra, a ela se cingem (como é o caso, por exemplo, do procedimento
de reclamação graciosa) – e, no âmbito desta, os documentos e decla-
rações apresentados pelos contribuintes. A respeito destes, prescreve a
LGT que “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos con-
tribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados
e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas
estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”167.
De todo o modo, esta preponderância fáctica da forma documental não
significa, nem pode significar, uma rejeição liminar de outros meios pro-
batórios, não sendo lícito ao órgão instrutor rejeitar estes últimos sem
justificação bastante. Por exemplo, os tribunais admitem mesmo que,
em sede de IRC – um imposto assente em demonstrações extremamen-
te formais –, “podem existir situações de inexistência de suporte docu-
mental sem que, por isso, fique vedada a comprovação por outro meio
admissível, designadamente através de prova testemunhal (...)”168.

167
Cfr. art.º 75.º, n.º 1 da LGT. Embora também se deva assinalar que essa presunção cessa,
nos termos do n.º 2 do mesmo artigo quando:
“a) as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indí-
cios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real
do sujeito passivo;
b) o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situa-
ção tributária, salvo quando nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de
informações;
c) a matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem ra-
zão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na
presente lei”
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos,
sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as
manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A”.
168
V., a propósito, acórdão do TCA-S de 09 de março de 2017, processo n.º 08955/15.

113
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Merece ainda destaque a regra prevista no n.º 1 do art.º 74.º da LGT,


nos termos da qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos
da Administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os
invoque”. Porém, podem ser identificados alguns desvios ao ónus proba-
tório assim determinado, merecendo saliência os seguintes casos:
– Quando os elementos estiverem em poder da Administração tri-
butária, o ónus da prova considera-se satisfeito caso o interessado
tenha procedido à sua correta identificação junto daquela169;
– Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indi-
retos, compete à Administração o ónus da prova da verificação dos
pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da
prova do excesso na respetiva quantificação170;
– Os titulares de benefícios fiscais são sempre obrigados a revelar à
Administração tributária (ou a autorizar a revelação) os pressupos-
tos da sua concessão (v.g., documentos, como atestados médicos de
incapacidade ou declarações de insuficiência patrimonial)171;
– Nos casos de acréscimos de património ou de despesa e de manifes-
tações de fortuna não justificados, cabe ao sujeito passivo a compro-
vação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados
e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acrés­
cimo de património ou da despesa efetuada172.

Particularmente difícil revela-se a consideração de situações de pro-


va diabólica, isto é, situações nas quais impende sobre determinado su-
jeito o ónus da prova de um fato negativo, como sucede, por exemplo,
quando se tem de provar a não receção de uma comunicação (notifica-
ção, citação), a inexistência de culpa numa determinada atuação (e.g.,
insolvência, insuficiência patrimonial), ou o desconhecimento de um
facto. Nestes casos, é patente que a tarefa probatória se revela substan-
cialmente mais difícil e penosa, senão mesmo a raiar o impossível, sendo
expectável exigir do ordenamento um tratamento a condizer. Por con­
seguinte, será exigível que, tendo em vista os princípios da proporcio­
nalidade e da igualdade, o órgão administrativo instrutor adote uma

169
Assim, art.º 74.º, n.º 2, da LGT.
170
Assim, art.º 74.º, n.º 3, da LGT.
171
Assim, art.º 14.º, n.º 2, da LGT.
172
Cfr. art.º 89.º-A, n.º 3, da LGT.

114
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

postura mais flexível (não complacente ou caritativa) e conceda uma


menor exigência probatória. Posteriormente, ao nível do controlo ju-
risdicional, não é de excluir uma regra dinâmica de distribuição do ónus da
prova, permitindo o juiz que este último seja transferido para a parte em
melhores condições de suportá-lo ou cumpri-lo eficaz e eficientemente.

***

Como teremos ocasião de observar, alguns problemas poderão surgir


quando se trata de articular o ónus probatório com o dever de investi-
gação da Administração. Contudo, abordaremos esta questão aquando
do estudo do princípio do inquisitório, adiante. Neste passo anteveja-
-se apenas a ideia de que o ónus probatório que possa impender sobre
o contribuinte não exonera a AT de efetuar o seu trabalho de busca da
verdade material e de prossecução da justiça, trazendo para o procedi-
mento elementos relevantes benéficos para ele.
Por último, saliente-se um postulado que em nossa opinião é incon-
tornável e que até já resulta do que temos vindo a defender: o objetivo
das provas, da fase instrutória e de todo o procedimento não é o con-
vencimento do órgão decisor da bondade de uma determinada versão da
realidade, mas sempre e só atingir a verdade material.
Toda esta fase – em rigor, todo o procedimento – deverá estar sujeita
a um princípio de celeridade, sendo o procedimento de iniciativa do con-
tribuinte arquivado obrigatoriamente se “ficar parado mais de 90 dias
por motivo a este imputável”, devendo a Administração tributária, até
15 dias antes do termo desse prazo, notificar o contribuinte, por carta
registada, e informá-lo sobre os efeitos do incumprimento dos seus
deveres de cooperação173.

2.2.2. A questão da intercomunicabilidade probatória – a especial


relação de tensão entre o procedimento tributário e o pro­
cesso penal
Uma questão quase inevitável aquando do estudo da fase instrutória do
procedimento tributário – com particular ênfase e importância do âm-
bito do procedimento de inspeção, adiante analisado (embora a este se

173
V. art.º 53.º do CPPT.

115
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

não reduza) – é a de saber se as provas obtidas de modo lícito no seu


decurso podem posteriormente ser aproveitadas para outros procedi-
mentos ou processos, nomeadamente de natureza infracional (criminal
ou contraordenacional). Pense-se, por exemplo, numa questão que tem
suscitado um relativamente aceso debate jurisprudencial: poderá o Mi-
nistério Público, no âmbito de um inquérito criminal, lançar mão de do-
cumentos ou declarações obtidas licitamente em inspeção tributária ao
abrigo do dever de cooperação que impende sobre o contribuinte?
Trata-se de uma questão que pode ser designada como intercomunica-
bilidade probatória, isto é a suscetibilidade de utilização num meio investi-
gatório, de provas [rectius, de meios de prova: declarações, documentos,
pareceres] obtidas no decurso de um outro, anterior. O debate jurídico
tem-se centrado acima de tudo na consideração bipolar dos argumen-
tos, em termos de se poder dizer, de um modo simplista, que existe uma
posição de rejeição liminar e uma posição de admissibili­dade, nos se-
guintes termos:
i) A tese da rejeição entende que tais elementos de prova não podem
transitar de um procedimento para o outro, e ancora-se principal-
mente nas ideias seguintes:
– Toda a atividade investigatória que se desenvolve no âmbito da
inspeção tributária é levada à pratica sem controlo jurisdicional,
violando o direito constitucionalmente consagrado a um proces-
so justo e equitativo (art.º 20.º, n.os 1 e 4 da CRP) e a estrutura
acusatória que deve estar subjacente a este tipo de procedimen-
tos (art.º 32.º, n.º 5 da CRP);
– No quadro desse procedimento inspetivo tributário, o visado
quase que é obrigado a prestar declarações e a apresentar do-
cumentos, na medida em que a falta de colaboração é cominada
com consequências desfavoráveis, como a revogação de benefí-
cios fiscais, o recurso a métodos indiretos de avaliação (presun-
ções e indícios), e a aplicação de multas ou coimas. Por conse-
guinte, não se poderá remeter ao silêncio e poderá ser colocado
numa opção diabólica: ou não coopera e sujeita-se à aplicação de
sanções, inclusivamente criminais; ou coopera e, se as provas
forem mais tarde utilizadas, pode estar a contribuir para a sua
própria auto-culpabilização (sujeitando-se igualmente a sanções
criminais). Daqui resultará a violação do princípio constitu­

116
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

cional (não escrito) segundo o qual ninguém tem que acusar-se


a si mesmo (nemo tenetur se ipsum accusare) nem fornecer meios de
prova que possam contribuir para a sua própria condenação;
– O inspecionado/arguido não pode ser considerado um “mero
objeto” do processo investigatório, devendo ao mesmo ser ga-
rantida a prerrogativa de autodeterminação, em termos de ser
titular de uma verdadeira liberdade decisória, sem constrangi-
mentos.
Na sua consideração conjunta, estes argumentos redundariam numa
violação dos princípios do Estado de Direito e da dignidade da pessoa
humana e na consequência de que seria inadmissível e intolerável man-
ter nos autos de processo crime prova que haja sido obtida sem respeito
pelos princípios estruturantes do processo penal português, em especial
provas recolhidas com recurso a uma “colaboração imposta” ao arguido.

ii) A tese da admissibilidade, pelo contrário, permite a comunicabilidade


de provas e coloca o acento tónico na seguinte ordem de conside­
rações:
– O princípio nemo tenetur se ipsum accusare não é absoluto, antes
convive na Constituição com outras dimensões relevantes que
merecem igual tutela jurídica;
– Mesmo no âmbito de outros procedimentos existem várias res-
trições legalmente impostas e constitucionalmente admissíveis
aos direitos ao silêncio e à não autoincriminação – basta pensar,
por exemplo, na obrigatoriedade de realizar determinados exa-
mes (v.g., despiste de substâncias proibidas, no domínio rodo­
viário, nos termos do Código da Estrada);
– Os elementos adquiridos no âmbito do procedimento tributá-
rio, e em particular na inspeção tributária, ainda que não obede­
cendo – porque não tinham de o fazer nesse momento – às
exigências constitucionais inerentes à obtenção de provas em
processo criminal não constituem prova proibida174. De resto,
até foram obtidos de um modo legítimo (a AT tem competên-
cias para tal), e juridicamente enquadrado (a atuação da AT está
subordinada à Constituição e à lei, observando, entre outros, os

174
Cfr. art.º 126.º do Código de processo penal.

117
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

princípios da precedência de lei, da prossecução do Interesse


público, da verdade material e da imparcialidade);
– Os elementos probatórios transitados para o processo criminal
ou contraordenacional, só por si, não implicam condenação, até
porque eles poderão ser amplamente contraditados, seja na fase
de instrução, seja na fase de julgamento. Por tal motivo, não se
pode dizer que seja desconsiderada a estrutura acusatória do
processo, nem que sejam desvalorizadas as possibilidades e ga-
rantias de defesa.

Após um profícuo debate jurisprudencial175, e em sede de recurso


(art.º 280.º da CRP – processo de fiscalização sucessiva concreta da
constitucionalidade), o TC debruçou-se sobre estes núcleos temáticos,
tendo aderido à segunda das orientações referidas, entendendo que
a utilização, em processo criminal pela prática do crime de fraude fis-
cal, de documentos obtidos por uma inspeção tributária não viola qual-
quer norma ou princípio constitucional, designadamente o direito à não
auto­incriminação176. Neste contexto, embora reconhecendo que o prin-
cípio nemo tenetur se ipsum accusare, é uma marca irrenunciável do pro­
cesso penal de estrutura acusatória, entendeu o órgão máximo da juris-
dição constitucional que o mesmo pode ser legalmente restringido em
determinadas circunstâncias.
Fundamental é que – entende o TC – “se não tenha ultrapassado o
ponto de compressão dos direitos de defesa constitucionalmente consa-
grados”, o que convoca o chamamento dos pressupostos de restrição de
direitos, liberdades e garantias enunciados no artigo 18.º, n.º 2, da Cons-
tituição. Por conseguinte, torna-se indispensável averiguar se as restri-
ções em causa estão previstas na lei de forma expressa e se obedecem
às exigências do princípio da proporcionalidade, o que é concluído pela
afirmativa pois não apenas as restrições em análise resultam de previsão
legal prévia e expressa, com caráter geral e abstrato, como igualmente
têm como finalidade a salvaguarda de outros direitos ou interesses cons-

175
Cfr., por todos, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de janeiro de 2014,
processo n.º 97/06.0IDBRG.G2.
176
V. acórdão do TC n.º 340/2013 e, com proveito, acórdãos do Tribunal europeu dos di­rei­
tos do homem aí citados e atinentes a núcleos temáticos conexos. Porém, mais recentemente,
acórdão do TC n.º 298/2019.

118
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

titucionalmente garantidos e são funcionalmente destinadas à salva-


guarda de outros valores constitucionais (v.g., Interesse público de satis­
fação das necessidades coletivas por via da cobrança de receitas fiscais
– 103.º, n.º 1 da CRP).
Acresce que se acentuam as ideias de que toda a prova pode ser con-
traditada, gozando o sujeito passivo (arguido) de todas as garantias que
o processo penal lhe concede, além de que a utilização como prova em
processo penal de documentos obtidos na atividade de fiscalização tri-
butária, não deixará de ser proibida, nos termos do Código de Processo
Penal, “quando se revele que a entidade fiscalizadora tenha desenca­
deado ou prolongado deliberadamente a fase inspetiva (…) abusando do
dever de colaboração do contribuinte”.
Ficou assim aberta a porta para a possibilidade de utilização em pro-
cesso penal de provas obtidas em procedimento tributário, maxime em
procedimento de inspeção.

2.3. Fase decisória


Estamos aqui na fase em que o órgão administrativo- tributário formará
a sua vontade. Em princípio, devemos estar perante um órgão compe-
tente e que manifesta uma vontade livre (não sujeita a qualquer espécie
de coação), esclarecida (não perturbada por qualquer erro que interfira
nos seus motivos determinantes) e ponderada (que levou em atenção,
e de forma adequada, todos os elementos de prova produzidos ante­
riormente). Se tal não suceder, o ato tributário correspondente terá um
vício e poderá ser anulado.
Contudo, antes de nos debruçarmos sobre os tipos de decisão que po-
dem, em abstrato, ser produzidos – que darão origem, também, a dife­
rentes tipos de atos – importa assinalar que, não obstante o procedimen-
to estar subordinado a um princípio geral de obrigatoriedade de decisão,
existem casos em que ela é dispensada, isto é, situações em que a Admi-
nistração tributária não está obrigada a decidir. Tal sucede quando177:
– A Administração tributária se tiver pronunciado há menos de dois
anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objeto e funda-
mentos;
– Tiver sido ultrapassado o prazo legal de revisão do ato tributário
(art.º 78.º da LGT).

177
Cfr. art.º 56.º, n.os 1 e 2, da LGT.

119
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Saliente-se ainda, em termos de antecipação, que o dever de decisão não


se confunde com o dever de pronúncia, sendo este bem mais abrangente do
que o primeiro (teremos ocasião de voltar a este aspeto adiante).

***

Havendo lugar a decisão administrativa, é importante chamar a aten-


ção para o facto de que o interessado deve ter oportunidade de exercer
o seu direito de participação no procedimento, nomeadamente através
da sua audição. O exercício de tal direito, oralmente ou por escrito, deve
ser efetuado no prazo a fixar pela Administração tributária em carta re-
gistada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte,
devendo-lhe ser comunicado o projeto da decisão e sua fundamenta-
ção. Todos os novos elementos suscitados na audição dos contribuintes
devem ser tidos em conta na fundamentação da decisão178.
A decisão do procedimento poderá ser expressa ou tácita. Será ex-
pressa quando feita por meio direto (palavras, escrito, etc.) de manifes-
tação da vontade; será tácita, quando se deduz de factos que, com toda a
probabilidade, a revelam179.
Analisemos separadamente cada um destes tipos de decisão.

a) Decisão expressa – deferimento ou indeferimento expressos


Quando estamos perante procedimentos petitórios ou impugnatórios,
a decisão expressa – portanto, aquela que resulta de uma vontade ma-
nifestada inequivocamente num determinado sentido – poderá assumir
a forma de decisão positiva ou negativa, consoante se efetive, respetiva-
mente, num querer ou num não querer do órgão decisor, falando-se em
deferimento no primeiro caso e em indeferimento no segundo. Note-se
que a decisão expressa negativa (indeferimento expresso) configura-se
juridicamente como um ato negativo e nunca como um não-ato, pois
não se trata de uma mera passividade do órgão em causa, mas antes de
um verdadeiro não querer por este manifestado. Estes atos negativos as-

178
Cfr. art.º 60.º, n.os 4, 5, 6 e 7 da LGT.
179
Ou, utilizando a expressão do STA (acórdão de 23 de maio de 2002, processo n.º 0311/02,
e vasta jurisprudência aí referida), se verifique a univocidade de uma conduta que permita
concluir que existe um nexo incindível entre os efeitos expressamente enunciados e os não
expressamente declarados.

120
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

sumem uma importância prática enorme, pois é em relação a eles que,


em regra, os interessados pretendem reagir. Por isso, todo o ato negativo
deve, em primeiro lugar, estar devidamente fundamentado – apresen-
tando, nomeadamente, a motivação da decisão – e, em segundo lugar,
ser suscetível de impugnação, podendo ser violado o princípio do acesso
ao Direito e à justiça administrativa quando tal não aconteça.

b) Decisão tácita – deferimento ou indeferimento tácitos


Também a decisão tácita pode dar lugar a uma manifestação de von­
tade positiva ou negativa, fazendo-se referência, respetivamente, a um
deferimento ou indeferimento tácitos. A situação que merece aqui um
maior cuidado na análise relaciona-se com as situações em que o órgão
decisor, estando obrigado a decidir180, nada diz, pelo que pode legitima­
mente levantar-se a questão de saber se ao silêncio pode ser atribuído
valor declarativo tácito.
A resposta não pode deixar de ser afirmativa, podendo encontrar-
-se, na lei procedimental tributária, casos, quer de indeferimento tácito,
quer de deferimento tácito.
Vejamos.

A regra no âmbito dos procedimentos petitórios – isto é, nos quais


o interessado solicita ou pede algo – é o indeferimento tácito. Depois de
prescrever que “o procedimento tributário deve ser concluído no prazo
de quatro meses, devendo a Administração tributária e os contribuin-
tes abster-se da prática de atos inúteis ou dilatórios”, prevê a LGT que
o incumprimento de tal prazo, contado a partir da entrada da petição
do contribuinte no serviço competente da Administração tributária,
faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico,

180
A existência de um dever de decidir é fundamental. Como refere o próprio STA (cfr., uma
vez mais, acórdão de acórdão de 23 de maio de 2002, processo n.º 0311/02) a omissão ou
inércia, apenas será relevante se, no caso, não se contemplar algo que tivesse que ser con-
siderado. Em todas as outras situações, ela não tem por significado nenhuma decisão, não
representa nenhum ato administrativo, devendo ter-se em atenção que, em abstrato, um si-
lêncio pode levar a muitas conclusões: que a entidade decisora não concorda com o pedido,
que entende que esse pedido é intempestivo, que inexiste uma obrigação de pronúncia, etc.
Quanto à problemática situação de omissão da AT que não encerra (alegadamente, devendo-
-o) um procedimento de inspeção, v. acórdão do STA de 31 de janeiro de 2018, processo
n.º 099/17.

121
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

recurso contencioso ou impugnação judicial”181. Deve-se salientar que


constitui jurisprudência corrente a ideia de que esta disposição encerra
uma mera ficção legal para proteção do administrado, com finalidades
exclusivamente adjetivas, e não deve ser interpretada no sentido de im-
por ao interessado a reação contenciosa contra o indeferimento presu-
mido (se assim fosse, o indeferimento tácito geraria caso decidido ou
resolvido). Por outras palavras: a lei confere uma mera faculdade que o
interessado pode usar ou não182.
Uma densificação desta regra geral podemos encontrar no art.º 106.º
do CPPT, de acordo com o qual “a reclamação graciosa presume-se in-
deferida para efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal
de decisão pelo órgão competente”.
Contudo, também existem casos de deferimento tácito, que apenas
serão de admitir quando a lei expressamente os prever. Vejamos alguns
exemplos183.
– Um desses casos surge no âmbito do procedimento de ilisão de pre-
sunções184. Sabendo que “as presunções consagradas nas normas
de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”185,
o interessado, com o objetivo de ilidir uma dessas presunções, po-
derá “solicitar a abertura de procedimento contraditório próprio”,
mediante uma petição nesse sentido. Ora, se a esta petição não for
dada qualquer resposta no prazo de 6 meses186, a petição considera-
-se tacitamente deferida;

181
Cfr. art.º 57.º, n.os 1 e 5 da LGT. V. acórdãos do STA de 9 de janeiro de 2013, processo
n.º 10415/12 e de 30 de abril de 2013, Processo n.º 0122/13.
182
Neste sentido, acórdãos do STA de 7 de março de 2007, processo n.º 06/07, e de 31 de
março de 2016, processo n.º 0411/15.
183
Situação que parece ter algum paralelismo com as agora analisadas está presente no art.º
183.º-A, n.os 4 e 5 do CPPT, embora aí referida ao processo tributário.
184
V. art.º 64.º do CPPT.
185
V. art.º 73.º da LGT.
186
Ressalvam-se os casos em que a falta de resposta é imputável ao contribuinte. Neste qua-
dro, levanta-se o problema de saber se devem ser considerados os 6 meses literalmente pre-
vistos no próprio artigo ou os 4 meses previstos no art.º 57.º, n.º 1 da LGT (considerando-se
que o legislador se haja “esquecido” de proceder a atualização do preceito aquando da al-
teração introduzida neste último). Embora o bom senso prático aponte para o segundo dos
sentidos (considerar os 4 meses), a verdade é que, juridico-normativamente, deve presumir-
-se a bondade do pensamento legislativo, de modo que a norma especial do CPPT deve ter
preferência aplicativa face à norma geral da LGT.

122
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

– Outro caso relaciona-se com a reclamação dos pagamentos por conta.


Estes pagamentos poderão ser objeto de reclamação graciosa
(necessária) quando o sujeito passivo entenda que são indevidos.
Ora, “decorridos 90 dias após a sua apresentação sem que tenha
sido indeferida, considera-se a reclamação tacitamente deferida”187.
– Tendo o interessado, em determinados casos legalmente previstos,
requerido o levantamento da garantia que prestou na execução fis-
cal, o pedido considera-se tacitamente deferido se não houver res-
posta em 30 dias188;
– No quadro do procedimento de informações vinculativas, e caso o
interessado faça o pedido com carácter de urgência apresentando
uma “proposta de enquadramento jurídico-tributário”, esta consi-
dera-se tacitamente “convertida” em informação vinculativa se não
houver resposta no prazo legal189;
– Finalmente, no âmbito do procedimento de inspeção tributária, o
pedido de sancionamento do relatório final da inspeção considera-
-se tacitamente deferido se não houver resposta da Administração
no prazo de 6 meses190.

Resta acrescentar – e agora apenas nos estamos a referir à decisão


expressa – que, além de um princípio de obrigatoriedade de decisão, existe
igualmente um princípio de obrigatoriedade de fundamentação, nos termos
do qual “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio
de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram”191.

187
V. art.º 133.º, n.º 4 do CPPT.
188
Cfr. art.º 183.º-A, n.º 4, do CPPT.
189
Assim, art.º 68.º, n.º 8 da LGT.
190
V. art.º 64.º, n.º 3 do RCPITA. Cfr. o que dissemos algumas notas atrás, neste mesmo apar-
tado, a propósito do procedimento de ilisão de presunções.
191
Cfr. art.º 77.º, n.º 1 da LGT. Essa fundamentação, de resto como refere o próprio artigo,
pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores
pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização
tributária. É de salientar que a falta de fundamentação ou a fundamentação viciada constitui
uma ilegalidade e pode conduzir à anulação do ato mediante a interposição de uma
reclamação graciosa ou de uma impugnação judicial [cfr. art.os 99.º, alínea c) e 70.º, n.º 1 do
CPPT].

123
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

2.4. Fase integrativa de eficácia


Proferida a decisão, não está ainda o procedimento concluído. Torna-
-se necessário que essa decisão seja revestida de uma certa configuração
jurí­dica acrescida que lhe permita produzir plena e integralmente os
seus efeitos, ou seja, que a torne plenamente eficaz.
Não se trata aqui, como se vê, de qualquer observância que seja feita
à sua existência e validade – em princípio, a decisão já existe e é válida.
Contudo, não é ainda eficaz porque não está apta a desencadear os seus
efeitos jurídicos de uma forma completa, devendo-lhe acrescer alguns
atos que a introduzam no tráfico jurídico. Aliás, no sentido em que o ato
comunicativo apenas respeita à eficácia da decisão prescreve quer o art.º
36.º do CPPT – nos termos do qual “os atos em matéria tributária que
afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem
efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados” –
quer o art.º 77.º, n.º 6 da LGT – de acordo com o qual “a eficácia da deci-
são depende da notificação”.
No procedimento administrativo em geral, os atos integrativos de
eficácia podem revestir uma natureza muito diversa: desde a aposição
de uma assinatura, à notificação do interessado, até à prestação de uma
caução, ou à realização de um juramento. No procedimento tributário,
contudo, o seu âmbito é bastante menos abrangente e quase se identifica
com a comunicação do teor do ato decisório ao respetivo interessado.
Embora tenhamos de nos debruçar sobre estas matérias aquando
do estudo do princípio da publicidade dos atos192, sempre se poderá adian-
tar que, em procedimento tributário, os atos comunicativos podem ser
analisados mediante a sua repartição em dois importantes grupos, con-
soante o destinatário esteja ou não individualizado. No primeiro caso, o
ato decisório do procedimento será comunicado mediante uma notifi­
cação193; no segundo, haverá lugar a publicação194.

192
V. infra apartado 3.13.
193
V. art.º 35.º, n.º 1, do CPPT. Diferente da notificação é a citação – cujo âmbito de aplicação
se circunscreve ao processo de execução fiscal –, que consiste no ato destinado a dar conhe-
cimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a
esta, pela primeira vez, pessoa interessada.
194
Um exemplo de tal publicação pode ser encontrado no art.º 56.º do CPPT, a propósito das
circulares emanadas no âmbito do procedimento de orientações genéricas.

124
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Convém chamar a atenção para o facto de que as matérias relacio-


nadas com as notificações em sede de procedimento tributário ultra-
passam em muito a mera relevância burocrática ou administrativa.
Frequentemente, a existência de esquemas ardilosos para evitar o rece-
bimento das comunicações do fisco (por exemplo, através da desloca-
lização de sedes ou estabelecimentos, ou por meio da não receção dos
respetivos documentos) materializam verdadeiros casos de evasão fiscal
(num sentido formal, não material).

3. Princípios aplicáveis ao procedimento tributário


Ainda antes do estudo das regras aplicáveis a cada procedimento em
particular, convém estudar os princípios que enformam, ou devem en-
formar, tais regras. Deve-se notar que nem todos eles recebem consa-
gração expressa da parte do legislador. Tal, contudo, não lhes retira o
papel de parâmetro norteador quer das decisões legislativas, quer das
decisões administrativas e jurisdicionais em concreto.
É conveniente recordar, neste ponto, que vários têm sido os critérios
apontados para distinguir princípios e regras, sendo de destacar, pela
sua relevância teórica e prática195:
– O critério da proximidade em relação à ideia de Direito acolhida num
ordenamento, de acordo com o qual os princípios se encontram
numa relação de proximidade muito mais intensa do que as regras
que, enquanto densificações, encontram-se mais distanciadas;
– O critério da suscetibilidade de aplicabilidade direta, segundo o
qual os princípios, tal o seu elevado grau de abstração, careceriam
sempre de mediação normativa, enquanto que as regras, por natu-
reza mais densas, seriam diretamente aplicáveis;
– O critério do carácter prescritivo, nos termos do qual os princí-
pios teriam carácter conformador e substantivo, na medida em
que incorporariam determinados valores ou bens jurídicos que, de
acordo com determinadas opções de fundo, constituiriam o subs-
trato ideo­lógico de todo o ordenamento, mas não imporiam com-
portamento algum, ao passo que as regras seriam caracterizadas

195
Cf. o nosso Constituição, Ordenamento e conflitos normativos. Esboço de uma teoria analítica da
ordenação normativa, Coimbra editora, Coimbra, 2008, pp. 154 e ss.

125
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

pela sua natureza primariamente prescritiva, uma vez que impo-


riam, permitiriam ou proibiriam determinado comportamento; ou
– O critério da suscetibilidade de concordância, de acordo com o
qual os princípios são suscetíveis de ser harmonizados e, como tal,
de coexistir em situações conflituantes (constituindo “mandatos de
otimização”) e, pelo contrário, as regras apresentar-se-iam como
normas jurídicas absolutamente excludentes, no sentido em que
seria impossível a sua coexistência em casos de conflitos, estando
subordinadas a uma lógica de afastamento ou de “tudo ou nada”
(que seriam “mandatos definitivos”).
Vejamos, então, quais são esses princípios.

3.1. O princípio da legalidade da atuação administrativa


O primeiro princípio a merecer atenção diz respeito à criação normativa
em matéria procedimental e já deve ter sido objeto de estudo pormeno-
rizado no âmbito da teoria geral do Direito Tributário e Fiscal (substan-
tivo): o princípio da legalidade.
Sem pretender efetuar repetições desnecessárias, recordemos ape-
nas o que referem os preceitos que lhe respeitam. A este propósito, e
em particular para o que nos interessa, refere o n.º 2 do art.º 103.º da
CRP que as garantias dos contribuintes são “determinadas” por lei,
acrescentando o n.º 3 que a liquidação e a cobrança se devem fazer nas
formas previstas também na lei.
Por outro lado, a LGT, no seu art.º 8.º – que deve ser entendido como
sendo uma norma materialmente constitucional – vem, no n.º 2, alargar
tal sujeição à lei às matérias respeitantes à “regulamentação das figuras
da substituição e responsabilidade tributárias”, “definição das obriga-
ções acessórias”, e “regras de procedimento e processo tributário”.
Como dissemos, não pretendemos repetir o que já se deve ter por ad-
quirido. Contudo, deve ser recordado que:
– O Direito positivo utiliza o termo “lei” em vários sentidos, diferen-
tes consoante o âmbito de abrangência (lei em sentido formal, lei
em sentido material);
– A reserva de lei pode ser perspetivada como sendo uma reserva de
lei em sentido absoluto ou em sentido relativo, na medida do grau
de vinculação do aplicador respetivo; e

126
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

– A reserva de competência legislativa da Assembleia da República,


também ela, pode ser uma reserva absoluta ou relativa, consoante
as matérias em causa sejam abrangidas, respetivamente, pelos art.os
164.º ou 165.º da CRP196.

3.2. O princípio da verdade material

a) Enunciação
O objetivo fundamental de toda a atuação procedimental tributária
deverá ser sempre a descoberta da verdade material, parecendo esta
exigência estar plasmada naquilo que a LGT (art.º 55.º) designa por
“princípio da justiça”. Com efeito, esta justiça (material) apenas será
conseguida se todos os atos em que o procedimento se decompõe – atos
esses, praticados quer por entidades públicas (v.g., liquidação de um
tributo, decisão de uma reclamação), quer por entidades privadas (v.g.,
cobrança de um imposto mediante retenção na fonte, sujeição a ações
inspetivas, apresentação de documentos) – a tiverem como coordenada
essencial, não sendo de admitir nem (i) condutas da Administração tri-
butária que procurem, a todo o custo, a tributação dos rendimentos dos
contribuintes, nem (ii) condutas destes que procurem, por todas as for-
mas, obstaculizar essa tributação.
A verdade material em matéria tributária implica o conhecimento e
aceitação total do princípio da igualdade (justiça) na tributação, na sua
dimensão estruturante de respeito pela efetiva capacidade contributiva
dos sujeitos, pois apenas o conhecimento desta permite atingir aquela.
As atuações procedimentais, neste sentido, apenas deverão ter por fina-
lidade averiguar tal capacidade contributiva e concluir pela tributação
ou não tributação em função dos resultados de tal averiguação. Por con-
seguinte, quer a Administração, quer os contribuintes estão obrigados a
cooperar no sentido referido.
A aceitação desta ideia terá como consequência, por exemplo, que,
num caso de reconhecimento de benefícios fiscais, se o órgão adminis-
trativo tiver acesso a elementos que o contribuinte não tenha e que per-
mitam concluir pela isenção de tributação, deverá carrear tais elementos

Cfr., com muito interesse, o acórdão do TC n.º 84/2003, disponível em http://www.tribu-


196

nalconstitucional.pt.

127
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

para a instrução de modo a que possam ser levados em conta na decisão


final, independentemente de saber se tal atuação beneficia ou prejudica
o fisco. O mesmo vale, mutatis mutandis, para os contribuintes.

b) Sub-princípio da cooperação
Por aqui já se vê que este princípio da verdade material tem como im-
portante corolário o sub-princípio da cooperação (latamente entendido
como sinónimo de “colaboração”, embora se tenha presente que podem
ser apontados traços distintivos), nos termos do qual “os órgãos da Admi-
nistração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colabo-
ração recíproco”, presumindo-se sempre a boa fé das suas atuações197.
Tal dever de cooperação implica, por parte da Administração tributá-
ria, designadamente, que ela “esclarecerá os contribuintes e outros obri-
gados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações,
reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários
ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omis-
sões manifestas que se observem”, do mesmo modo que deverá proce-
der à convolação dos procedimentos para a forma adequada quando seja
apresentada uma tramitação inexata198.
Do lado do contribuinte, este “cooperará de boa-fé na instrução do
procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos
de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha
acesso”199, nomeadamente mediante “o cumprimento das obrigações
acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta
lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações
económicas que mantenham com terceiros”200.
Por exemplo, a propósito do dever de prestação de esclarecimentos,
e numa matéria extremamente sensível e muito propícia à existência

197
Cfr. art.º 59.º, n.os 1 e 2, da LGT.
198
Cfr. art.os 48.º, n.º 1, e 52.º do CPPT e, ainda, art.º 59.º, n.º 3, da LGT.
199
Cfr. art.º 48.º, n.º 2, do CPPT.
200
V. art.º 59.º, n.º 4, da LGT. Contudo, deve-se salientar que tal dever de cooperação não
vincula apenas as partes procedimentais. Nos termos do art.º 49.º do CPPT também “estão
sujeitos a um dever geral de cooperação no procedimento os serviços, estabelecimentos e
organismos, ainda que personalizados, do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias
locais, as associações públicas, as empresas públicas ou de capital exclusivamente público, as
instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública”.

128
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

de inverdades, o EBF prescreve no seu art.º 9.º que “as pessoas titulares
do direito aos benefícios fiscais são obrigadas a declarar, no prazo de 30
dias, que cessou a situação de facto ou de direito em que se baseava o
benefício, salvo quando essa cessação for de conhecimento oficioso”201.
Por outro lado, importa colocar em evidência que estamos a falar de
um verdadeiro dever de cooperar e não de uma mera faculdade que sim-
plesmente esteja na disponibilidade do sujeito em questão. A enfatizar
tal conclusão podem-se apontar as diversas consequências que o orde-
namento jurídico faz desencadear quando tal colaboração, sendo exi­
gida ou exigível, não é prestada, nomeadamente:
– A sujeição a inspeções tributárias;
– A suspensão dos prazos de imposição de celeridade administrativa
e a consequente impossibilidade de exigir o seu respeito202;
– A aplicação de métodos indiretos de avaliação, designadamente
mediante a tributação através de indícios ou presunções203;
– A perda de benefícios fiscais204;
– A derrogação do sigilo bancário sem dependência de autorização
do Tribunal205;
– A aplicação de agravamentos à coleta206;
– A manutenção das garantias prestadas para suspender o processo
de execução fiscal207;

201
Já a LGT (art.º 14.º, n.º 1) havia determinado que “a atribuição de benefícios fiscais ou
outras vantagens de natureza social concedidas em função dos rendimentos do beneficiário
ou do seu agregado familiar depende (…) do conhecimento da situação tributária global do
interessado” .
202
Cfr. art.º 57.º, n.º 4, da LGT.
203
Cfr. art.os 87.º, alíneas b) e ss.; 88.º, 89.º e 89.º-A da LGT.
204
Cfr., a propósito, art.os 14.º, n.º 2, da LGT e art.º 14.º, n.º 2 e n.º 4, do EBF.
205
Cfr. art.º 63.º-B, n.º 1, da LGT
206
Cfr. art.º 77.º do CPPT ou 91.º, n.º 9, da LGT. A determinação em concreto do montante
deste agravamento, dentro dos limites legalmente estabelecidos, sendo deixada ao critério
da entidade administrativa, não deixa de estar balizada pelos limites impostos pelo princípio
constitucional da proporcionalidade. Particularmente, deve ter em consideração (i) o grau
de censura que aos seus olhos merece a atuação do sujeito em causa e (ii) a dimensão da
atividade procedimental que ele tiver provocado (o “trabalho causado”). Cfr. a respeito,
acórdão do TCA-N de 11 de novembro de 2004, processo n.º 00035/04.
207
Cfr. art.º 183.º-A n.º 2, do CPPT.

129
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– A responsabilidade do sujeito que se nega a prestá-la, sendo de


apontar uma eventual tríplice responsabilidade (i) disciplinar208,
(ii) contraordenacional209 ou até (iii) criminal210.

Como se vê, grande parte destas consequências são direcionadas às


violações levadas a efeito pelos obrigados tributários. Em todo o caso,
não deve ser perdido de vista que também a AT se encontra adstrita ao
cumprimento deste dever.

c) Desvios
Contudo, o princípio da verdade material, em Direito tributário, não é
um princípio absoluto, pois admite alguns desvios211.
Entende-se que, por vezes, quando estamos a falar de normas tri­
butárias e de sujeição ou não a imposição, não é necessário um rigoroso
juízo de certeza (que se traduziria na efetiva e real verdade material),
mas pode bastar um mero juízo de verosimilhança ou verdade material
aproximada. Será o que se passa, designadamente, com a fixação da maté-
ria tributável recorrendo a indícios ou presunções, no âmbito da deno-
minada “avaliação indireta”.
Nestes casos, como se disse, formula-se um juízo de verosimilhança
– distinto do juízo de verdade que, por princípio, exclui a verdade con-
trária, o que não acontece com aquele – que permita ao órgão da Admi-
nistração tributária “presumir”, v.g., a capacidade contributiva de deter-
minado sujeito passivo e, se for caso disso, tributá-la em conformidade.
Tal sujeito, desta forma, vai ser alvo de tributação, não com base na ri-
queza que efetivamente auferiu, mas com base num valor que, de acordo
com critérios vários, se julga que lhe é aproximado.

208
Neste particular, estamos a referimo-nos, obviamente, aos “funcionários públicos”, e nos
termos das normas de Direito administrativo que sejam aplicáveis.
209
Cfr. art.º s 113.º e 116.º e ss. do RGIT.
210
Cfr., por exemplo, art.º 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT.
211
Será preferível a expressão “desvios” e não exceções uma vez que, em rigor, o objetivo do
procedimento continua a ser a descoberta da verdade material, apenas mudando, por razões
várias (v.g., violação dos deveres contabilísticos ou declarativos, declaração de valores que
se afastam de determinados padrões tidos como “normais”) o instrumento adequado para a
atingir.

130
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Estes tópicos serão retomados adiante, quando se fizer referência em


específico ao procedimento de avaliação indireta da matéria tributável212.

3.3. O princípio da vinculação de forma


Constituindo o procedimento um conjunto de atos de muito diversa
natureza, seguramente não será indiferente a forma como esses atos
se exteriorizam e se deixam vislumbrar pelos vários atores do ordena­
mento jurídico-tributário.
A propósito do problema da forma dos atos procedimentais (e não
do procedimento em si, como o legislador parece fazer indicar) pelos
menos dois valores juridicamente relevantes e conflituantes se poderão
apontar: por um lado, aparece o valor celeridade e dinâmica procedimental,
que se manifesta na necessidade de que as diversas atuações no âm­bito
do procedimento se revelem temporalmente eficazes e não sejam leva-
das a cabo a destempo ou tardiamente; por outro lado, surge o valor se-
gurança jurídica, que exige que os diversos atores do procedimento pos-
sam, com razoabilidade, ter conhecimento das posições contrárias ou
diferentes da sua, de modo a poderem defender-se.
Em termos gerais, no âmbito das opções de fundo tomadas pelo le-
gislador, parece que o segundo valor assume uma ligeira preponde­
rância que se traduz, designadamente, na consagração de um princípio
geral de vinculação de forma – os atos do procedimento devem seguir a
forma escrita213.
Em alguns casos, contudo, a celeridade impõe-se, sendo admitida a
prática oral de atos procedimentais, dos quais os seguintes constituem
exemplos:
– Exercício do direito de audição214;
– Reunião no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributá-
vel fixada por métodos indiretos215;
– Apresentação da reclamação graciosa216;

212
V., infra apartado 5.2.3.
213
V. art.º 54.º, n.º 3, da LGT.
214
Cfr. art.os 60.º, n.º 6 da LGT e 45.º, n.º 2 do CPPT, nos termos do qual “o contribuinte é
ouvido oralmente ou por escrito, conforme o objetivo do procedimento” (sublinhado nosso).
De toda a forma, no caso de audição oral, as declarações do contribuinte serão reduzidas a
termo (art.º 45.º, n.º 3 do CPPT).
215
Cfr. art.os 91.º, n.º 3 e 92.º, n.º 1 da LGT.
216
Cfr. art.º 70.º, n.º 6 do CPPT.

131
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Apresentação da reclamação das matrizes em sede de IMI217.


Recorde-se, contudo, que a regra é a da vinculação à forma escrita.

3.4. O princípio da celeridade


O Interesse público na perceção da receita tributária, o interesse do
contribuinte na estabilização da sua situação jurídica, e o interesse do
ordenamento em conseguir a efetividade do princípio da segurança jurí-
dica, impõem que as questões tributárias, litigiosas ou não, sejam resol-
vidas em tempo útil. Com efeito, de nada adianta o legislador prever a
existência de um arsenal procedimental bem estruturado e bem articu-
lado se, posteriormente, os atos em que um procedimento se desdobra
não são levados a efeito ou são-no após um lapso temporal manifesta-
mente exagerado.
Assumindo, por isso, que o Direito que tarda não é verdadeiro Direito,
prevê o nosso ordenamento tributário, em matéria de procedimento,
um princípio de celeridade, que se traduz na exigência geral de que aquele
seja concluído num prazo razoável. Tal princípio comporta, nomeada-
mente, as seguintes dimensões:
i) Simplicidade e economia procedimental, através da prevalência
das atuações desburocratizadas e da proibição da prática de atos
inúteis ou dilatórios218, sendo o procedimento da iniciativa do con-
tribuinte obrigatoriamente arquivado se ficar parado mais de 90
dias por motivo a este imputável219;
ii) Rapidez de atuações, mediante o estabelecimento de um prazo de
duração máxima do procedimento tributário (o nosso legislador fi-
xou tal prazo em 4 meses220) e de um prazo máximo para a prática
de atos procedimentais (em concreto, 8 dias, salvo disposição legal
em sentido contrário)221.

217
Cfr. art.º 132.º, n.º 1 do CIMI.
218
V. art.º 57.º, n.º 1 da LGT . Cfr. também art.º 69.º, alíneas a) e b) do CPPT.
219
V. art.º 53.º, n.º 1 do CPPT.
220
Cfr. art.º 57.º, n.º 1 da LGT. Esse prazo, contudo, não é absoluto, pois situações existem
em que outro pode ser previsto pelo legislador. Cfr., por exemplo, o art.º 66.º, n.º 5 do CPPT,
nos termos do qual “os recursos hierárquicos serão decididos no prazo máximo de 60 dias”,
ou o art.º 92.º, n.º 2 da LGT, nos termos do qual o procedimento de revisão da matéria tribu-
tável fixada por métodos indiretos “(…) deve ser concluído no prazo de 30 dias contados do
seu início (…)”. Cfr., ainda, art.º 36.º, n.os 2 e 3 do RCPITA.
221
V. art.º 57.º, n.º 2 da LGT.

132
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Os prazos referidos “são contínuos e contam-se nos termos do Có-


digo Civil” e, como já referimos, “suspendem-se no caso de a dilação do
procedimento ser imputável ao sujeito passivo por incumprimento dos
seus deveres de cooperação”222.
De salientar ainda que, nos casos em que o procedimento tributário
petitório não seja concluído no prazo legalmente previsto – contado a
partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da
Administração tributária – presume-se, em regra, o indeferimento da
respetiva pretensão (indeferimento tácito) e o interessado poderá con-
siderar que, a partir de então, existe um ato suscetível de impugnação,
graciosa ou jurisdicional223.

3.5. O princípio da proibição do excesso


Outro importante princípio norteador de todas as condutas inseridas no
procedimento tributário é o princípio da proibição do excesso ou da propor-
cionalidade.
Não se pode dizer que tenha sido inteiramente feliz a redação legis-
lativa neste particular. Com efeito, sob a epígrafe “proporcionalidade”
ensacou o legislador no mesmo normativo realidades tão distintas como
o próprio princípio da proporcionalidade, uma dimensão deste (a ade-
quação) e princípios enquadráveis noutros contextos (eficiência, prati-
cabilidade e simplicidade).
Como se sabe, o princípio constitucional da proibição do excesso
tem o seu âmbito preferencial de aplicação em sede de medidas restri-
tivas (v.g., restrição de direitos, liberdades e garantias) e faz apelo a uma
ponderação meio-fim, como forma de resolver eventuais conflitos de in-
teresses. Enquanto princípio constitucional estruturante e densificador
do próprio princípio do Estado de Direito, apresenta como dimensões
significativas as exigências de224:
i) Adequação, isto é, a medida que se vai introduzir no ordenamento
jurídico deve ser qualitativamente certa para prosseguir o fim que
no caso em concreto se visa;

222
Assim, art.º 57.º, n.º s 3 e 4 da LGT.
223
V. art.º 57.º, n.º 5 da LGT. Todavia, e como se sabe, nem sempre tal acontece, pois estão
igualmente previstos alguns casos de deferimento tácito. Cfr., por exemplo, art.º 64.º, n.º 3
do CPPT.
224
Entre muitos outros, v., por exemplo, acórdão do Tribunal Constitucional n.º 532/2017.

133
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ii) Necessidade, ou seja, a intervenção restritiva apenas deverá ser


feita se outra menos gravosa não puder ser levada a efeito; e
iii) Proporcionalidade em sentido restrito, que significa que a medida
restritiva deve ser quantitativamente acertada (i. é, não exagerada)
em relação ao fim em causa.

Em matéria de procedimento tributário, este princípio – que, natu-


ralmente, vincula em primeira linha o legislador, devendo este abster-se
de introduzir no ordenamento medidas que o violem – terá uma impor-
tância ineliminável naqueles casos em que a Administração tributária
ofende a propriedade privada, restringe a liberdade de exercício de pro-
fissão ou se procura introduzir no espaço de reserva da vida privada dos
contribuintes, buscando informações respeitantes, por exemplo, à sua
situação económica, financeira, pessoal, profissional, etc. Nestas situa­
ções – em que nos parece indubitável que as exigências de igualdade
e justiça na tributação permitem aos órgãos públicos “buscar” aspetos
menos visíveis das ações dos contribuintes, – todas as atuações da Admi­
nistração (por exemplo, inspeções225, recurso a presunções, pedidos
de informações e mesmo aplicação de penas, como coimas ou multas)
devem ser norteadas pelas dimensões acima referidas, sob pena de in-
constitucionalidade e/ou ilegalidade das mesmas.

3.6. O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança*


Uma das mais relevantes dimensões estruturantes de um Estado de
Direito é a estabilidade das normas, dos atos e das situações jurídicas,
na medida em que os diversos envolvidos nas relações jurídicas (tribu-
tárias) hão-de querer atuar com base em firmeza e no pressuposto de
que podem confiar minimamente nas atuações alheias. Neste contexto,
individualizam-se dois importantes vetores materiais que são a segurança
jurídica – vocacionado para a proteção da dimensão objetiva do ordena-
mento e das normas (por exemplo, proibindo a sua retroatividade) – e a

225
V., a respeito das inspeções, o preceituado no art.º 63.º, n.º 4 da LGT, onde, nomeada-
mente, se fixa a regra da tendencial proibição de inspeções sucessivas.
* Neste particular ponto, seguiremos de perto o nosso Proteção da confiança, procedimento e pro-
cesso tributários, in Segurança e confiança legítima do contribuinte (coord. Manuel Pires e Rita Cal-
çada Pires), Ed. Universidade Lusíada, Lisboa, 2013, 349 e ss., para onde remetemos maiores
desenvolvimentos.

134
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

proteção da confiança legítima – mais pensado para a proteção dos sujeitos


e para a estabilidade subjetiva em concreto.
Procure-se centrar a análise neste segundo vetor.

Como se compreende, trata-se de exigir aos entes públicos, e parti-


cularmente à AT, que atue sempre com base numa certa dose de previsi-
bilidade – de razoável previsibilidade, entenda-se –, não introduzindo na
esfera jurídica dos destinatários dos seus atos (v.g., contribuintes, seja
em geral, seja em especifico) alterações desfavoráveis com as quais eles
não poderiam razoavelmente contar nem poderiam plausivelmente an-
tever. Na verdade, não podem “andar ao sabor” das flutuações opinativas
da AT, decidindo esta num certo sentido numa ocasião e, contra todas
as expectativas, invertendo a orientação decisória em sentido diverso ou
oposto, frustrando esperanças legítimas.
No procedimento tributário, e entre vários outros, podem ser apon-
tados os seguintes instrumentos de previsibilidade, os quais procuram
sempre assegurar a proteção da confiança que os obrigados tributários
depositam na atuação dos entes públicos em matéria tributária:
i) A emanação de orientações genéricas, visando a uniformização
da interpretação e aplicação das normas tributárias pela AT (art.os
55.º e 56.º do CPPT). A este respeito, importa salientar que o
contribuinte pode ter direito a juros indemnizatórios nas situa-
ções em que entregue as suas declarações seguindo as instruções
constantes das orientações genéricas legalmente emanadas (pois
consi­dera-se que houve erro imputável aos serviços)226.
ii) A prestação de informações com carácter vinculativo (art.º 57.º do
CPPT);
iii) A realização de avaliações prévia, às quais a AT fica vinculada por
determinado período (art.º 58.º do CPPT);
iv) A obrigatoriedade de ouvir o contribuinte antes da emanação de
qualquer ato desfavorável com o qual ele não possa razoavelmente
contar (art.º 60.º da LGT);
v) A tendencial irrevogabilidade dos atos administrativos constituti-
vos de direitos, e em especial dos benefícios fiscais 227.

Assim, art.º 43.º, n.º 2 da LGT.


226

V., a propósito, art.os 167.º do Código de procedimento administrativo (CPA) e 14.º, n.º 4,
227

do Estatuto dos benefícios fiscais (EBF),

135
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

3.7. O princípio da disponibilidade e do inquisitório


Já foi atrás referido qual deve ser o principal objetivo das atuações pro-
cedimentais tributárias – a descoberta de verdade material. Questão dife­
rente é a de saber se, na prossecução desse objetivo, as atuações estão
ou não na disponibilidade da vontade dos atores procedimentais ou, por
outras palavras, se estes podem decidir de acordo com o seu arbítrio se
atuam ou se não atuam, se diligenciam ou se não diligenciam, se investi-
gam ou se não investigam. A este propósito, pode-se dizer que são dois
os princípios que aqui conflituam: o princípio da disponibilidade (ou dispo-
sitivo) – de acordo com o qual os interessados dispõem acerca do anda­
mento do procedimento – e o princípio do inquisitório – de acordo com
o qual o procedimento está sujeito à vontade do órgão decisor, que ape-
nas atua em termos de vinculação extrema.
A questão terá resposta diferente consoante o ator procedimental
que esteja em questão, pelo que se pode falar alternativamente em um
ou em outro princípio.
Saliente-se, porém, um aspeto da maior importância: a questão aqui
em análise prende-se com a (in)disponibilidade das atuações proce-
dimentais, a qual não se confunde com a disponibilidade das posições
jurí­dicas subjetivas materiais (como os direitos subjetivos, os direitos de
crédito). Estas últimas, quando tituladas pela AT, são indisponíveis228.

a) Princípio da disponibilidade
Se estivermos a falar dos contribuintes, ou outros obrigados tributários,
naturalmente que valerá o princípio da disponibilidade, o que significa
que aqueles apenas atuarão no procedimento – apresentando petições,
opondo-se, juntando elementos de prova, etc.– se assim o entenderem
(“as partes dispõem do procedimento”). Trata-se de deixar nas mãos
daqueles a decisão acerca do rumo que o procedimento deve tomar, até
porque – ao contrário do que acontece com a Administração – não es-
tão, constitucional ou legalmente, obrigados a prosseguir qualquer Inte-
resse público, valendo uma ideia de auto-responsabilização dos interes-
sados. As principais consequências serão:
i) Ao nível da iniciativa, muitos procedimentos apenas se iniciam se
existir um impulso voluntário da parte dos interessados. Pense-se,

228
Cfr. art.º 30.º, n.º 2, da LGT.

136
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

por exemplo, nos procedimentos de informações vinculativas229,


de reconhecimento de benefícios fiscais230, ou de reclamação gra-
ciosa231.
ii) Ao nível da fixação do objeto do procedimento, existem muitos ca-
sos em que o thema decidendum – constituído, em geral, pelo mérito
ou fundo da questão administrativa a decidir – é fixado a partir
das peças apresentadas pelas partes interessadas (v.g., o pedido)
como é o que acontece no já referido procedimento de reconheci-
mento de benefícios fiscais, devendo o órgão decisor pronunciar-
-se apenas sobre o solicitado.
iii) Ao nível da possibilidade de pôr termo ao procedimento, existem
procedimentos que podem terminar mediante um ato de vontade
dos interessados, nomeadamente mediante desistência ou acordo.
Pense-se, por exemplo, no procedimento de revisão da matéria tri-
butável fixada por métodos indiretos, onde o principal objetivo é
a fixação de um acordo sobre o valor da matéria tributária a liqui-
dar futuramente232, prevalecendo uma verdade formal sobre uma
eventual verdade material.

Contudo, uma tão alargada margem de aplicação conferida ao prin-


cípio da autonomia da vontade – que se verificará, principalmente, na-
queles procedimentos em que estejam em causa direitos disponíveis
como, por exemplo, os relativos a benefícios fiscais – poderá ter custos,
podendo o legislador valorar negativamente a inércia, nomeadamente
sob cominação de livre apreciação da falta, do não seguimento do pro-
cedimento, ou considerando confessados factos relativamente aos quais
não houve atuação ou resposta233.
Além disso, também deve ser fixada a ideia de que uma disponibili-
dade muito alargada pode conduzir a resultados perversos, permitindo
aos interessados, por via dos inúmeros esquemas procedimentais que

229
Cfr. art.º 57.º do CPPT.
230
Cfr. art.º 65.º do CPPT.
231
Cfr. art.º 68.º do CPPT.
232
Cfr. art.os 91.º e 92.º da LGT.
233
É o que se passa, nomeadamente, em sede de procedimento de revisão da matéria coletá-
vel fixada por métodos indiretos, no âmbito do qual vale como desistência do pedido a não
comparência injustificada do perito designado pelo contribuinte (art.º 91.º, n.º 6, da LGT).

137
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

têm ao seu dispor, manipular, distorcer ou ocultar factos, contornando a


realidade e fugindo à verdade material.

b) Princípio do inquisitório
Se estivermos a falar da Administração tributária, as coisas serão, natu-
ralmente, diferentes. Prescreve a este propósito o art.º 58.º da LGT que
“a Administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as
diligências necessárias à satisfação do interesse público e à desco­berta
da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do
pedido”.
Os órgãos que integram a Administração tributária estão, por in-
cumbência constitucional e legal234, obrigados a tudo fazer no sentido
de assegurar a melhor realização possível do Interesse público, pelo que
dificilmente se poderia aceitar que a marcha do procedimento pudesse
estar ao sabor de uma vontade não vinculada.
As principais consequências da existência deste verdadeiro dever de
agir são:
i) Ao nível da iniciativa, alguns procedimentos são instaurados ex
officio. Será o que se passa, nomeadamente, no procedimento de
fixação da matéria tributável por métodos indiretos235.
ii) Ao nível da instrução, sendo certo que a indicação dos elementos
de prova deve ser efetuada pelos interessados – designadamente
mediante a aplicação das regras do ónus da prova –, a Administra-
ção não se deve cingir aos elementos apresentados, mas antes deve
diligenciar no sentido de trazer para o procedimento todos aque-
les que lhe pareçam indispensáveis à descoberta da verdade mate-
rial, mesmo que desfavoráveis à atividade de arrecadação. Como já
atrás se fez notar, de modo algum se pode considerar que a AT está
dispensada de considerar os meios de prova que tenha em seu po-
der e que beneficiem a outra parte quando esta os não apresenta,
do mesmo modo que é de exigir que sempre que existam dúvidas,
existe igualmente um dever de investigar236.

234
Cfr. art.º 266.º da CRP.
235
V. art.os 87.º e ss. da LGT.
236
Cfr. acórdão do STA de 3 de abril de 2013, processo n.º 0393/13 e acórdão do TCA-S de
17 de março de 2016, processo n.º 06178/12.

138
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

iii) Ao nível da possibilidade de pôr termo ao procedimento, a desis-


tência está, em princípio, subtraída à disponibilidade administra­
tiva. Quer isto dizer que não deve ser admissível o abandono admi-
nistrativo no âmbito do procedimento tributário.
iv) Ao nível das consequências da não atuação, comina-se com inva-
lidade a decisão que assente num procedimento omissivo, pois a
não atuação da Administração quando está legalmente obrigada
a agir – isto é, quando a sua atuação se consubstancia num dever
e não apenas num poder-dever (o que somente poderá ser aferido
caso a caso) – pode consubstanciar uma violação do princípio da
vinculação à verdade material237.

Note-se que o conceito de “dever” da Administração tributária deve


ser interpretado em termos hábeis, sendo importante, nomeadamente,
ter em atenção que não poderá significar a obrigatoriedade de realizar
todas as diligências que sejam requeridas ou mais tarde reclamadas,
nem a admissibilidade absoluta e inquestionável de todos os meios pro-
batórios, mas apenas a vinculação da Administração a realizar as diligên-
cias tendentes a alcançar o apuramento da realidade e da verdade dos
factos, admitindo e valorando as provas com as quais os interessados
podiam razoavelmente confiar como provas atendíveis, para em seguida
decidir sobre essa base238.
Como já salientamos, uma questão delicada será a de saber como
compatibilizar esse dever de investigar com as regras relativas à repar-
tição do ónus da prova que determinam que o ónus de provar os factos
constitutivos dos direitos da Administração tributária ou dos contri-
buintes recai sobre quem os invoque239. Na verdade, perante uma situa-
ção concreta de conflito, cabe perguntar: deverá a Administração tribu-
tária investigar apenas no sentido de provar os factos constitutivos dos
direitos que invoca – que, em todo o caso, não serão “seus”– ou, dife-
rentemente, estará obrigada a diligenciar e provar todos os factos neces-

237
Problemas delicados poderão surgir nos casos de iniciativa não administrativa, nos quais
se levanta a questão de saber se pode a Administração tributária decidir sobre matéria não
mencionada nas peças dos interessados, v.g., decidir sobre coisa mais ampla ou diversa da
pedida quando o Interesse público assim o exigir.
238
Cfr. acórdão do STA de 29 de abril de 2004, processo n.º 0191/03.
239
Assim, art.º 74.º, n.º 1, da LGT.

139
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

sários á descoberta da verdade material, mesmo quando desconformes


com o direito que invoca nesse caso em concreto?
Uma forma juridicamente adequada de dar resposta a esta questão
passa por conceber as regras de ónus da prova num sentido subsidiário
ou supletivo, aplicando-as apenas quando o princípio do inquisitório se
afigure insuficiente. Significa isto que, em primeira linha, o agente ad-
ministrativo deve proceder a todas as diligências necessárias e conve-
nientes à descoberta da verdade material, e apenas quando tais diligên-
cias são insuficientes se deverá lançar mão das regras de ónus probatório
(que assim veriam o seu campo de atuação porventura bastante redu­
zido, partindo do pressuposto, como não poderá deixar de ser feito, que
a Administração diligenciou imparcial e devidamente).
Finalmente, refira-se que o dever de agir da Administração tem como
correspetivo, na esfera jurídica do contribuinte, um interesse legalmente
protegido à boa atuação administrativa e à correta aplicação das normas
(não se tratará de um direito subjetivo, pois não se verifica aqui uma tu-
tela direta e pessoal das suas pretensões jurídicas, não estando o princí-
pio do inquisitório, em primeira linha, ao serviço da proteção dos con-
tribuintes).

3.8. Os princípios da participação e do contraditório


Procurando cumprir um imperativo constitucional, o procedimento
administrativo em geral e o procedimento tributário em particular são
transversalmente perpassados por uma ideia de participação dos destina-
tários dos atos nos procedimentos que lhes digam respeito. Tal ideia de
participação, que procura assegurar a co-responsabilização das deci-
sões240, pode ganhar dimensão jurídica de diversas formas, sendo de sa-
lientar:
i) A participação enquanto direito fundamental de qualquer admi-
nistrado e contribuinte, que assume uma configuração positiva,
ao exigir dos órgãos administrativos atuações e medidas que pro-
movam a sua exequibilidade (i. é, a real e efetiva intervenção da-
queles, nomeadamente promovendo a audiência, o contraditório,
a oposição);
240
Cfr., por exemplo, o que refere a LGT acerca da participação dos contribuintes nos pro-
cedimentos de avaliação indireta (art.º 82.º, n.º 3) e de revisão da matéria tributável fixada
por métodos indiretos (92.º, n.º 1).

140
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

ii) A participação enquanto garantia dos contribuintes, que assume


uma configuração negativa, ao impedir que estes sejam lesados
quando, devendo pronunciar-se ou agir, não tiveram qualquer pa-
lavra a dizer;
iii) A participação enquanto princípio respeitante à estrutura do
procedimento. O procedimento não pode ser perspetivado como
tendo uma estrutura unilateral ou inquisitiva, mas sim bilateral,
estrutura essa que será juridicamente assegurada através de meca-
nismos de participação diversos, no âmbito dos quais o direito de
audição e de contradição (resposta e defesa) assumem uma impor-
tância incontornável.

Ora, é exatamente no âmbito destes direitos de contradição que sur-


ge um dos mais importantes princípios respeitantes à forma como o
procedimento é estruturado – o princípio do contraditório, que se assume
deste modo como uma das mais importantes densificações do princí-
pio da participação sem que, contudo, com ele se confunda. A diferença
fundamental entre ambos os princípios reside na circunstância de que
o princípio da participação é muito mais abrangente do que o do con-
traditório, na medida em que, ao contrário deste, não tem uma função
eminentemente reativa – não se revelando apenas nas situações em que
se coloca o problema da resposta do interessado – mas muito mais do
que isso, procura afirmar a possibilidade de influenciar, de motivar e de
ajudar o órgão competente a tomar a decisão correta.

3.9. O princípio da confidencialidade


Já resulta da teoria geral dos direitos fundamentais que, em caso de
conflito de dois direitos, o intérprete ou aplicador jurídico deve, num
desígnio de concordância prática, procurar harmonizá-los, nunca pos-
tergando um ou outro. Ora, uma das matérias que, no âmbito do proce-
dimento tributário, maiores dificuldades de compatibilização suscita é a
que se prende com o conflito que pode surgir entre os direitos à infor-
mação241 e o direito à reserva da vida privada242.

241
V. art.º 268.º da CRP.
242
V. art.º 26.º da CRP.

141
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

É que, se por um lado, “os cidadãos têm (...) o direito de acesso aos
arquivos e registos administrativos”, por outro, a todos é reconhecidos o
direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar243. Assim sendo,
quid juris se alguém (como uma entidade policial, um magistrado judi-
cial, um advogado, um familiar ou um simples “interessado”) solicita à
Administração tributária informações sobre a situação de uma determi-
nada pessoa perante o Fisco, ou dados relativos às suas declarações para
efeitos de imposto? Deverá ela, ao abrigo do art.º 268.º da CRP244, solici-
tar a informação prestada? Ou, pelo contrário, e dando cumprimento ao
art.º 26.º, deverá recusar-se a prestá-la?
Como dissemos, tudo passa pela compatibilização dos direitos em
conflito, e o próprio legislador constituinte aponta nesse sentido ao uti-
lizar a expressão “sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à
segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das
pessoas”. Como proceder, então, a essa compatibilização?
Mediante a figura jurídica do sigilo.
Em inúmeras situações, o ordenamento jurídico obriga determi­nadas
pessoas a guardar segredo relativamente a factos não públicos que to-
maram conhecimento no (e por causa do) desempenho das suas fun-

243
Parece indiscutível que o direito fundamental de reserva de intimidade da vida privada e
familiar (art.os 26.º da CRP e 80.º do CC) – que é sustentado por outras garantias constitu-
cionais (como os direitos à inviolabilidade do domicílio e da correspondência e à proteção
dos dados informáticos) e legais (art.os 75.º a 78.º do CC) – não diz respeito a todas as esferas
de atuação da vida pessoal, mas apenas às esferas privada (que abrange a vida familiar, rela-
ções de amizade, relações económicas e financeiras) e confidencial (respeitante àquilo que
normalmente se quer ocultar da curiosidade alheia). Ficará assim de fora da sua abrangên-
cia a denominada esfera pública. Cfr. acórdão do TC n.º 278/95, disponível em http://www.
tribunalconstitucional.pt.
244
Em rigor, e como é sabido, o art.º 268.º da CRP consagra, quanto a esta matéria, dois dis-
tintos direitos:
– no seu n.º 1 consagra o direito de informação procedimental, titulado pelo próprio sujeito
do procedimento e relativo a dados quer lhe dizem respeito. Neste caso, não poderá a
Admi­nistração recusar qualquer informação solicitada, sob pena de o interessado (o pró-
prio ator procedimental, repita-se) a poder acionar judicialmente mediante a intimação
para um comportamento;
– já no seu n.º 2, vem previsto o direito de acesso ao procedimento da parte de terceiros,
domí­nio onde, compreensivelmente, poderão existir restrições.
Naturalmente que no texto nos estamos a referir a este último sentido. Cfr., ainda, art.º 59.º,
n.º 3, alínea g), da LGT.

142
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

ções, impondo-lhes um verdadeiro dever de sigilo profissional. Pense-se,


por exemplo, nos sacerdotes, advogados, médicos agentes bancários e,
particularmente para o que nos interessa, os funcionários da Adminis-
tração tributária.
Estes últimos têm acesso a muitos factos, atos e relações que os
contribuintes têm de lhes expor para efeitos de cumprimento das suas
obrigações tributárias, nomeadamente nas suas declarações, livros de
contabilidade, exposições, reclamações, etc., e cuja divulgação pode-
ria implicar sérios prejuízos ao nível dos seus direitos ao bom nome,
honra, imagem ou somente privacidade e tranquilidade245. Por esse
motivo, o próprio legislador fiscal (adjetivo) prevê que “os dirigentes,
funcionários e agentes da Administração tributária estão obrigados a
guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos
contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no
procedimento”246. Do mesmo modo prescreve o art.º 22.º do RCPITA
que “o procedimento da inspeção tributária é sigiloso, devendo os fun-
cionários que nele intervenham guardar rigoroso sigilo sobre os factos
relativos à situação tributária do sujeito passivo ou de quaisquer outras
entidades e outros elementos de natureza pessoal ou confidencial de
que tenham conhecimento no exercício ou por causa das suas funções”.
Para estes efeitos, dados sobre a “situação tributária dos contribuin-
tes” serão aqueles que constituam elementos reveladores da sua capa-
cidade contributiva, como os seus rendimentos, as suas despesas, ou
os bens de que são titulares. Já os “elementos de natureza pessoal que
obtenham no procedimento” dirão respeito àqueles que se encontram
abrangidos pela reserva da vida íntima – que abrange toda a situação fi-
nanceira – e que não se reconduzam aos primeiros (movimentos ban-
cários, transações bolsistas, contratos privados, etc.). Fora do âmbito
do sigilo ficam, assim, quer os dados que não se revejam nas realidades
acima descritas, quer os dados que tenham natureza pública, como os

245
Contudo, não apenas os funcionários da Administração tributária estão vinculados ao
dever de sigilo. Este também abrange (embora sob a forma de dever de confidencialidade, pois
o dever de sigilo tem um cunho marcadamente “profissional”, obrigando apenas agentes e
funcionários) qualquer outra pessoa que tenha acesso a dados protegidos (art.º 64.º, n.º 3,
da LGT).
246
Cfr. art.º 64.º, n.º 1, da LGT

143
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

que sejam livremente cognoscíveis por outras vias (v.g., registos civil,
comercial, predial, etc.)247.
Se o dever de sigilo for violado – ou o mesmo é dizer: se a Adminis-
tração tributária divulgar dados relativamente aos quais deveria guardar
segredo – o ordenamento jurídico reage de forma violenta, através da
punição da conduta respetiva como crime, sujeita a pena de prisão ou
multa248.
Contudo, este dever de sigilo cessa – devendo a Administração tribu-
tária prestar as informações solicitadas aos devidos órgãos competentes –,
nos termos do n.º 2 do art.º 64.º da LGT, nos casos de:
i) Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tri-
butária (um caso legalmente previsto de renúncia a um direito
fundamental);
ii) Cooperação legal da Administração tributária com outras enti-
dades públicas (v.g., Ministério Público, Procuradoria geral da
república, Assembleia da república, Ministérios, Ordem dos advo­
gados, etc.);
iii) Assistência mútua e cooperação da Administração tributária com
as Administrações tributárias de outros países, desde que tal re-
sulte de convenção internacional a que o Estado Português esteja
vinculado, e esteja assegurado o princípio da reciprocidade (i. é,
em condições análogas, a Administração tributária do outro Es­
tado contratante também esteja obrigada a prestar informações);
iv) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil
e Código de Processo Penal, mediante despacho de uma autori­
dade judiciária;
v) Confirmação do número de identificação fiscal e domicílio fiscal
às entidades legalmente competentes para a realização do registo
comercial, predial ou automóvel.

Importa precisar que não contende com o dever de confidenciali­


dade a divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não
se encontre regularizada nem a publicação de rendimentos, de acordo

247
V. acórdão do STA de 20 de maiode 2003, processo n.º 0786/03. V., ainda, acórdão do
TCA-S de 17 de abril de 2012, processo n.º 05200/11.
248
Cfr. art.º 91.º do RGIT.

144
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

com listas que a administração tributária deve organizar anualmente a


fim de assegurar a transparência e publicidade249.
Uma última palavra para procurar afastar uma figura ou situação pró-
xima da que estamos a analisar. Muitas vezes, por exemplo no âmbito
de um procedimento de inspeção tributária, a Administração tributária
solicita a outras entidades (onde os bancos assumem papel de relevo)
informações relativas a dados que podem ser relevantes para apurar a si-
tuação tributária dos contribuintes (movimentos com contas bancárias,
pagamentos, empréstimos, etc.). Estamo-nos a referir, como se pode
facilmente concluir, não ao dever de sigilo que impende sobre a Admi-
nistração tributária (sigilo fiscal), mas sim sobre outras entidades250, e
nestes domínios – sendo certo que os órgãos competentes podem, den-
tro da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da
situação tributária dos contribuintes – o acesso à informação protegida
pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legal-
mente regulado depende, em regra, de autorização judicial251.

3.10. O princípio da imparcialidade – o dever de investigação da


Administração tributária
Vimos atrás que a Administração tributária está, em todas as fases do
procedimento tributário, sujeita a um dever geral de investigação decor-
rente do princípio do inquisitório. Ora, no momento de carrear para o
procedimento os elementos probatórios necessários para proferir uma
decisão adequada e justa – ou, o mesmo é dizer, na fase da instrução –,
além da especial e agravada sujeição a tal dever, está igualmente subor-
dinada a um dever de imparcialidade252. Significa isto que:
i) Em primeiro lugar, não está o órgão instrutor e/ou decisor a inter­
vir no procedimento na qualidade de intransigente defensor da
Administração, mas na qualidade diversa e mais elevada de defen-
sor do Interesse público (verdade material, justiça na tributação);

249
Assim, art.º 64.º, n.os 5 e 6, da LGT. Sobre o que se deve considerar “situação tributária
regularizada” para estes efeitos, v. art.º 177.º-A do CPPT.
250
A respeito das várias espécies de sigilo, cfr. acórdãos do STA de 20 de agosto de 2008,
processo n.º 0715/08, e de 29 de setembro de 2010, processo n.º 0668/10.
251
Não obstante, ver-se-á infra que a tendência atual do ordenamento é para a afirmação de
uma certa desjurisdicionalização e para o aumento das situações em que a Administração
pode aceder diretamente a essa informação.
252
Cfr. art.º 55.º da LGT.

145
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ii) Em segundo lugar, em termos procedimentais, deve tal órgão levar


ao procedimento todos os elementos probatórios que se lhe afigu-
rem necessários e úteis à descoberta da verdade material, mesmo
que, do ponto de vista estrito dos interesses patrimoniais da Ad-
ministração, tal seja desfavorável. Por exemplo, no âmbito de um
procedimento de reconhecimento de benefícios fiscais, se a Ad-
ministração tiver em seu poder elementos, que o contribuinte não
tem, que lhe permitam concluir pela isenção de imposto, deverá
ela apresentar tais elementos e levá-los em consideração na decisão
final. No mesmo seguimento de raciocínio, entende que o STA que
“Sendo certo que é sobre o executado que pretende a dispensa de
garantia que recai o ónus de provar que se verificam as condições
de que tal dispensa depende, incumbindo -lhe apresentar a prova
com o requerimento, isso não dispensa a AT (...) de considerar os
meios de prova que tenha em seu poder, tanto mais se o requeren-
te alegou no requerimento que os factos alegados são conhecidos
da AT”253.

De resto, já antes da instrução tal dever de imparcialidade se mani­


festa, pois que em caso de erro na forma de procedimento, será o
mesmo oficiosamente convolado na forma adequada (se, natural­mente,
puderem ser aproveitadas as peças úteis ao apuramento dos factos –
art.º 52.º do CPPT). De resto, tal dever verificar-se-á igualmente na fase
da decisão, onde esta deverá refletir uma ponderação igualitária dos
inte­resses em questão.

3.11. O princípio da obrigatoriedade de pronúncia e de decisão


Sempre que uma determinada solicitação é apresentada junto da Admi-
nistração tributária é natural que o interessado espere da parte desta uma
resposta (em tempo útil – cfr. o que acima dissemos acerca do cumpri-
mento dos prazos). Por isso, e procurando dar seguimento ao direito
constitucional de petição (art.º 52.º da CRP), prescreve o art.º 56.º da
LGT que “a Administração tributária está obrigada a pronunciar-se so-
bre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados
por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas

253
V., uma vez mais, acórdão de 3 de abril de 2013, processo n.º 0393/13.

146
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou


quem tiver interesse legítimo”.
Ora, como resulta do próprio artigo, a Administração tributária está
obrigada a pronunciar-se (a responder) acerca de tudo o que lhe seja
apresentado pelos interessados – nem que seja para dizer que não aceita
o peticionado –, mas não está obrigada a decidir. Se tal acontecesse, ter-
-se-ia de iniciar um procedimento e proceder à audição dos interessa-
dos sempre que fosse apresentado um qualquer pedido, requerimento
ou petição, o que não deixaria de acarretar sérias consequências ao nível
da economia dos atos e da celeridade. Desta forma, dever de pronúncia
(ou de resposta) e dever de decisão não se confundem. Este último exi-
ge, nomeadamente a observância de requisitos relativos à legitimidade
de quem solicita, à competência do órgão decisor, e à tempestividade
do requerido. Se quem solicita não tem legitimidade para o fazer; se o
órgão em causa não é competente para se debruçar sobre aquela maté-
ria objeto do pedido; ou se já passou o prazo para se solicitar o que está
em causa, então o dever de decisão não existe (embora continue a exis-
tir o dever de responder, nomeadamente mediante a indicação do órgão
competente ou da forma adequada). Tal dever também não existirá se
“a Administração tributária se tiver pronunciado há menos de dois anos
sobre pedido do mesmo autor com idênticos objeto e fundamentos”254.
Vejamos agora quais as consequências da não atuação administrativa
neste contexto:
i) Se houver uma mera violação do dever de pronúncia – situações
em que a Administração tributária deve responder, embora não
deva decidir – o interessado poderá (se a sua petição for razoável…)
lançar mão de um processo judicial de “intimação para um com-
portamento”, uma vez que houve uma prestação jurídica (resposta)
omitida255;
ii) Se houver uma violação do dever de decidir – casos em que a Ad-
ministração tributária está obrigada a fazê-lo – então poderá aqui
valer a presunção de indeferimento tácito que já tivemos oportuni-
dade de referir.

254
V. art.º 56.º, n.º 2, alínea a), da LGT.
255
Cfr. art.º 147.º do CPPT.

147
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

3.12. O princípio da obrigatoriedade de fundamentação da decisão


A par da sua consideração como exigência constitucional respeitante a
todos os atos administrativos (art.º 268.º, n.º 3 da CRP), a fundamentação
constitui um verdadeiro princípio que preside a todo o procedimento e
que ganha maior relevo na fase da decisão. Neste âmbito, impõe-se à Ad-
ministração um verdadeiro dever de fundamentação das suas decisões256.
A primeira interrogação vai precisamente nesse sentido: quais deci-
sões? Todas as suas decisões – mesmo os denominados “atos favoráveis”
(v.g., reconhecimento de um benefício fiscal) – devem ser objeto de
fundamentação, no seguimento do art.º 77.º da LGT; ou sê-lo-ão apenas
aquelas que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, como
parece exigir a CRP?
A este propósito, o regime mais garantístico previsto na LGT deverá
sobrepor-se ao regime constitucionalmente previsto. Isto porque parece
transparecer na intenção do legislador constituinte uma clara preocupa-
ção em tornar efetivo um adequado e eficaz controlo (administrativo e
jurisdicional) dos atos administrativos e tributários, exigindo que quando
eles sejam lesivos para o particular/contribuinte sejam suficientemente
fundamentados, de modo a que a instância de controlo (superior hie-
rárquico ou Tribunal, consoante os casos) possa, com toda a amplitude,
percorrer o itinerário decisório do agente que emanou o ato e aquilatar
da sua correção jurídica ou não. Por isso se diz que a fundamentação é
uma garantia do direito ao recurso.
Ora, em virtude dos interesses públicos que enformam todo o proce-
dimento tributário, não parece que tais preocupações se devam apenas
revelar nos casos de imposição tributária. Também se a Administração
conceder um benefício fiscal pode o próprio agente ou superior hierár-
quico rever ou ordenar a revisão do ato tributário, por exemplo nos ca-
sos de injustiça grave e notória, e, para isso, deverá o ato em causa ser
suficientemente fundamentado.
Em conclusão, parece que todas as decisões procedimentais tribu-
tárias devem ser fundamentadas257, e não somente as decisões procedi-
mentais desfavoráveis.

256
Cfr. art.º 77.º, n.º 1, da LGT.
257
A título de exemplo, v., as apertadíssimas exigências em matéria de fundamentação dos
atos de correção ou de aplicação de métodos indiretos (respetivamente, n.os 3 e 4 do art.º
77.º da LGT). Cfr. ainda art.º 92.º, n.º 7, da LGT.

148
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Naturalmente que a fundamentação legalmente adequada – que,


em geral, abrange quer o dever de motivação (i. é, a exposição das razões
ou motivos justificativos da decisão, nomeadamente quando existirem
espaços discricionários) quer o dever de justificação (ou seja, a referên-
cia ordenada aos pressupostos de facto e de direito que suportam essa
mesma decisão) – não é rígida e uniforme, antes será suscetível de variar
“de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que foi
proferido”, e será menor naqueles casos em que a Administração ema-
na um ato que se baseia nos dados apresentados pelo contribuinte (por
exemplo, auto-liquidação) e será maior à medida que a Administração
se afasta de tais dados ou elementos258. Em todo o caso, existem dimen-
sões incontornáveis, podendo-se dizer que deve ser sempre feita de uma
forma:
i) Oficiosa, o que significa que ela não está dependente de pedido
do interessado, mas antes constitui um verdadeiro dever de agir da
parte dos órgãos administrativos tributários, em face da vertente
publicista das atuações destes;
ii) Completa, ou seja, a Administração deverá indicar todos os ele-
mentos necessários à tomada de decisão, não sendo de admitir
fundamentações parciais ou incompletas (embora possa ser uma
fundamentação sumária);
iii) Clara, o que significa que deverá ser formulada sem apelo a dema-
siados conceitos ou expressões técnicas, e não deverá conter obs-
curidades, ambiguidades ou contradições. Neste sentido, exige a
CRP que a fundamentação seja “acessível”;
iv) Atual, devendo ela ser (totalmente) efetuada no momento da comu­
nicação da decisão e não posteriormente; e

258
V., a respeito, acórdão do STA de 6 de fevereiro de 2013, processo n.º 0581/12, no qual,
no contexto de um ato de quantificação, se exige que se esteja em presença de um “discurso
claro e racional que dê a conhecer a um destinatário normal (colocado na situação concreta
do real destinatário e no contexto circunstancial que rodeou a prática do ato) os critérios de
avaliação/determinação utilizados, e as razões por que foram alcançados os valores conside-
rados para a liquidação e não outros, tudo de forma suficientemente reveladora do percurso
cognoscitivo e valorativo. Perante a flexibilidade fundamentadora não é necessário reportar,
por princípio, todos os factos considerados, todas as reflexões feitas ou todas as vicissitudes
ocorridas durante a deliberação. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora
pressupõe, pois a efetivação de um conteúdo adequado, que seja, o suficiente para suportar
formalmente a decisão administrativa/tributária”.

149
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

v) Expressa, o que quer dizer que deverá ser emitida de modo direto
e concludente, não podendo ser implícita ou tácita. Contudo, pode
ser feita por remissão – cautelosa e esclarecedora – para anteriores
atos (v.g., pareceres, relatórios, antecedente informação prestada
pelos serviços)259.

Trata-se, como se pode ver, de permitir a um “destinatário normal” a


reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor
do ato para proferir a decisão260. A falta destes requisitos – fundamenta-
ções incompletas, obscuras, abstratamente remissivas – bem assim como
a falta da própria fundamentação, constitui ilegalidade, suscetível de
conduzir à anulação do ato em causa, mediante meios graciosos ou con-
tenciosos261.

3.13. O princípio da publicidade dos atos


O penúltimo princípio sobre o qual vamos debruçar a nossa atenção está
intimamente relacionado com a última fase do procedimento tributário:
a fase integrativa de eficácia. Como já foi referido, trata-se da fase em
que o ato conclusivo do procedimento (o ato tributário lato sensu) já tem
existência jurídica, mas, não obstante, ainda não está apto a produzir to-

259
V., com interesse, acórdão do STA de 5 de junho de 2013, processo n.º 0867/13. A propó-
sito do dever de fundamentação do cálculo de juros, v. acórdão do STA de 14 de fevereiro
de 2013, processo n.º 0645/12: “...reconhecendo embora que a fundamentação da liquidação
dos juros se tornaria imediatamente mais esclarecedora se contivesse não a remissão para a
taxa de juro legal, mas a expressa e direta indicação desta (...), não nos convence a alegação
da recorrente de que a remissão para a taxa de juro legal constante das notas de liquidação
a tenha impedido de conhecer o (iter) cognoscitivo e valorativo percorrido pela Adminis-
tração Tributária no cálculo dos juros compensatórios e menos ainda que tenha de algum
modo obstaculizado os seus direitos de defesa, razão pela qual não procede a invocação do
vício de falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, que se não verifica”.
Adiante:
“A lei tributária, na concretização a que procede do direito constitucionalmente garantido
à fundamentação dos atos administrativos (artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República),
admite especificamente que esta se faça de forma sumária...”.
260
Cfr. acórdãos do STA de 15 de novembro de 2006, processo n.º 0875/06 e de 3 de maio
de 2017, processo n.º 0427/17. Cf., ainda, acórdão do TCA-N de 11 de novembro de 2004,
processo n.º 00035/04 e vasta jurisprudência aí citada.
261
Cfr. art.º 99.º, alínea c), do CPPT.

150
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

dos os seus efeitos jurídicos, apenas o podendo fazer quando esta última
fase estiver concluída.
A maior parte das vezes, o ato integrativo de eficácia é somente um
ato de publicidade, destinado a dar conhecimento ao(s) interessado(s)
do conteúdo da decisão procedimental. Assim, o princípio em análise
pretende significar, tão somente, o seguinte: todos os atos administrati-
vos e tributários devem ser publicitados, pelo que nenhuma decisão do
procedimento poderá produzir efeitos sem que o seu destinatário tenha,
ou possa ter, dela conhecimento.
O referido ato de publicidade pode consistir quer num ato geral (pu-
blicação), quer num ato individual (notificação).
Vejamos separadamente cada uma das hipóteses.

a) Publicidade mediante publicação


Embora não seja o mais comum, pode dar-se o caso de o ato conclusivo
do procedimento ser publicitado mediante um ato geral, no sentido em
que os seus destinatários não estão individualizados. Em geral, a publici-
dade de um ato desta espécie é efetuada mediante a correspondente pu-
blicação num meio oficial de acesso generalizado e de difusão alargada.
Pense-se, por exemplo, nos atos legislativos ou regulamentares que são
publicitados no Diário da República.
Em procedimento tributário, as coisas passam-se de modo um pouco
diferente. Poucos são os procedimentos cujo ato final não seja um ato
administrativo – de natureza individual, portanto –, pelo que também
poucos serão os procedimentos que não sejam comunicados mediante
notificação ao interessado. Contudo, no procedimento de orientações
genéricas é o que se passa. Este é um procedimento que termina com
a emanação de uma circular administrativa, circular esta que deverá ser
dada a conhecer mediante a sua inserção numa base de dados, organi­
zada especificamente para o efeito262. Do mesmo modo, no âmbito do
procedimento de informações vinculativas, estas devem ser publicadas
no prazo de 30 dias por meios eletrónicos, salvaguardando-se os ele-
mentos de natureza pessoal do contribuinte263.

262
Cfr., a propósito, art.os 55.º e 56.º do CPPT.
263
V. art.º 68.º, n.º 17, da LGT.

151
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

b) Publicidade mediante notificação – o regime das notificações em


matéria tributária

α) Noção e tipos de notificação


Na grande maioria das situações, a publicidade é efetivada através da
comunicação individual de um ato ao seu interessado264, podendo tal
comunicação individual, como é sabido, revestir a forma de notificação
ou de citação. Contudo, em termos rigorosos, e de acordo com a noção
de procedimento tributário que adotamos, apenas as notificações têm
relevância procedimental tributária estrita, pois as citações apenas rele-
varão no contexto de um processo (jurisdicional) de execução fiscal (ou
então no âmbito de outros processos, aos quais se aplicam por remissão
as regras do CPTA).
A notificação, de acordo com o CPPT (art.º 35.º, n.º 1), é o ato pelo
qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa (ou se chama al-
guém a juízo) e poderá revestir a forma de notificação pessoal ou notifi-
cação não pessoal, consoante, respetivamente, seja ou não feita de “viva
voz”, na própria pessoa do notificando. A notificação não pessoal, por
seu lado, poderá ser feita por meio de éditos (notificação edital) ou por
via postal.
Se, eventualmente, estivermos a falar do sujeito passivo tributário,
torna-se extremamente importante conhecer o seu domicílio fiscal, cuja
comunicação é obrigatória, assim como a sua modificação, sendo esta
absolutamente ineficaz – isto é, não produz efeitos em relação à Admi-
nistração tributária, não lhe sendo, portanto, oponível – se não for de-
vidamente comunicada265. Quanto aos sujeitos passivos não residentes,
existe uma obrigação de nomeação de um representante residente em

264
Porém, importa observar que o ordenamento jurídico prevê e tolera, com cobertura juris-
prudencial, situações nas quais a aludida comunicação individual não tem que se verificar de
modo expresso. Tal acontece, designadamente, em matéria de taxas de propina, considerando-
-se que o valor respetivo terá fixado em momento anterior e que será possível ao obrigado
aceder a tal informação – de resto, disponível no acto de inscrição – e proceder ao atem-
pado pagamento. V. acórdão do TCA-Norte de 13 de julho de 2017 (ou 29 de julho de 2017
– o acórdão disponibilizado na base de dados www.dgsi.pt refere-se a duas datas), processo
n.º 00206/16.0BECBR.
265
Cfr. art.os 19.º, n.os 3 e 4 , da LGT e 43.º, n.º 2, do CPPT.

152
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

território nacional, constituindo a sua falta uma contra-ordenação fiscal


punível com coima266.
Por outro lado, na medida em que as comunicações podem ser efe-
tuadas por transmissão eletrónica de dados (via e-mail), alguns sujei-
tos são obrigados a possuir caixa postal eletrónica para efeitos fiscais.
Tais sujeitos são os seguintes267:
– Sujeitos passivos do IRC com sede ou direção efetiva em território
português;
– Estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não
resi­dentes;
– Sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do IVA.

Nesse seguimento, devem comunicá-la à AT no prazo de 30 dias a


contar da data do início de atividade ou da data do início do enquadra-
mento no regime normal do IVA, quando o mesmo ocorra por alteração.
Em relação ao ato tributário propriamente dito, poder-se-ia levantar
a questão de saber se a notificação tem efeito constitutivo ou efeito mera-
mente declarativo. No primeiro caso, o ato tributário não existirá enquanto
a notificação não for efetuada, o que vale por dizer que tal notificação
(comunicação) se configuraria como uma condição de existência do ato
e a consequência jurídica da sua ausência seria a inexistência (ou even-
tualmente a invalidade). No segundo caso, o ato tributário já existiria,
limitando-se a notificação a declarar a sua existência e a torná-lo apto a
produzir efeitos jurídicos, pelo que já estaríamos perante uma condição
de eficácia, e o valor negativo aqui em causa já seria a ineficácia. A ques-
tão é resolvida de forma inequívoca, neste segundo sentido, pelo CPPT
no art.º 36.º, n.º 1, de acordo com o qual “os atos em matéria tributária
que afetem os direitos ou interesses legítimos dos contribuintes só pro-
duzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notifi-
cados”, prescrevendo igualmente a LGT (art.º 77.º, n.º 6) que a eficácia
da decisão depende da notificação.

266
Cfr. art.os 19.º, n.º 5 da LGT 124.º do RGIT. Todavia, nos termos do n.º 8, essa imposi-
ção não é aplicável em relação a não residentes em Estados membros da União Europeia ou
certos Estados do Espaço Económico Europeu, pois nestes casos a designação de represen-
tante é facultativa (o mesmo acontecendo com os residentes que se ausentem para aqueles
Estados).
267
Cfr. art.º 38.º, n.º 9, do CPPT e art.º 19.º, n.º 10, da LGT.

153
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Por isso, e como já acima se salientou, a evitação das notificações


constitui uma corrente forma de fugir ao cumprimento das obrigações
em matéria tributária, materializando verdadeiros casos de evasão fiscal
formal.

β) O regime das notificações em matéria tributária


Pois bem. Dissemos acima que os atos devem ser “validamente notifi­
cados”.
O que significa esta expressão?
Significa, tão somente, que existem requisitos que as notificações –
elas próprias, e não apenas os atos a que respeitam – devem observar
para ser válidas, devendo-se distinguir (i) requisitos formais e (ii) re-
quisitos materiais ou substanciais. Analisemo-los, tendo presente que a
maioria das notificações em matéria tributária assume a forma de notifi-
cações postais, pois as notificações pessoais e editais apenas terão lugar
excecionalmente (isto é, quando a lei expressamente o preveja ou quando
a entidade que a elas proceder o considere adequado)268/269.
i) Requisitos formais. Prendem-se, naturalmente, com a forma que
deve revestir a notificação e aqui três situações devem ser distin-
guidas:
– A notificação de atos ou decisões suscetíveis de alterarem a si-
tuação tributária dos contribuintes (v.g., a comunicação da alte-
ração de um regime em sede de imposto, a comunicação de que
o contribuinte deixa de estar isento) ou a convocação para as-
sistirem ou participarem em atos ou diligências, devem ser efe-
tuadas mediante carta registada com aviso de receção270. Neste
caso, a notificação considera-se efetuada na data em que o aviso
de receção for assinado pelo próprio. Se o aviso for assinado por
terceiro presente no domicílio, a notificação tem-se por efetuada

268
Cfr. art.º s 38.º, n.os 5 e 6, do CPPT. A respeito das diferentes formas de comunicação pos-
tal, v.g “carta registada” e respetivos contornos, v. acórdãos do STA de 29 de maiode 2013,
processo n.º 0472/13 e de 15 de fevereiro de 2017, processo n.º 0329/15. Quanto às exigên-
cias constitucionais na matéria, v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 130/02.
269
Quanto às notificações em matéria tributária feitas a mandatários (v.g., advogados) e a
pessoas coletivas, cfr., respetivamente, art.os 40.º e 41.º do CPPT.
270
V. art.º 38.º, n.º 1, do CPPT.

154
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

na pessoa do notificando, presumindo-se que esse terceiro lhe


entregou a carta271;
– A liquidação de impostos periódicos – isto é, aqueles cujo facto
constitutivo não tem natureza ocasional – feita no prazo legal-
mente previsto, deverá ser efetuada por simples via postal272;
– Todos os outros atos deverão ser comunicados por carta regis-
tada, que, assim, parece configurar-se como a regra nesta maté-
ria273. Neste caso, a notificação considera-se efetuada no 3.º dia
posterior ao do registo (ou no primeiro dia útil seguinte a este,
quando esse 3.º dia não seja útil)274.
ii) Requisitos substanciais. Aqui já estamos a referirmo-nos ao con­
teúdo das notificações e, de acordo com o art.º 36.º, n.º 2, elas deve-
rão sempre conter:
– A decisão;
– Os fundamentos da decisão;
– A indicação da entidade que o praticou (com indicação de even-
tual delegação ou sub-delegação de competências)
– Os meios de defesa; e
– O prazo de reação contra o ato notificado.

Na falta ou vício dos requisitos referidos, o interessado pode requer


(gratuitamente) a notificação dos elementos que tenham sido omiti-
dos ou a passagem de uma certidão que os contenha. Tal requerimento
pode ser feito no prazo de 30 dias, ou no prazo de reclamação, recurso

271
V. art.º 39.º, n.º 3, do CPPT. Quanto às situações de devolução ou não assinatura do aviso
de receção, vale o n.º 5 do mesmo artigo, nos termos do qual: “Em caso de o aviso de receção
ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter
levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que
entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será
efetuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de receção,
presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de
o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mu-
dança de residência no prazo legal”. V., a respeito, acórdão do TCA-S de 10 de novembro de
2016, processo n.º 09865/16.
272
Assim, art.º 38.º, n.º 4, do CPPT.
273
V. art.º 38.º, n.º 3, do CPPT. Neste caso, no da liquidação de impostos periódicos feita no
prazo previsto legalmente, e no processo de execução fiscal, as notificações ainda poderão
ser feitas por via eletrónica, (art.º 38.º, n.º 9, CPPT).
274
Cfr. art.º 39.º, n.º 1, do CPPT.

155
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ou impugnação que caiba da decisão em causa, se tal prazo for inferior


aos 30 dias275. Usando desta faculdade – trata-se de uma faculdade, não
de um dever –, o prazo para reagir (graciosa ou contenciosamente) con-
tra o ato lesivo conta-se a partir da (nova) notificação dos requisitos
que haviam sido omitidos ou da passagem de certidão que os contenha.
Além disso, a existência de eventuais vícios na notificação (por exemplo,
a indicação errada do meio de defesa que o interessado pode utilizar)
não confere ao destinatário qualquer direito especial daí decorrente
(v.g., a possibilidade de utilizar o meio erroneamente indicado) que não
seja o de lançar mão do expediente referido276. Repare-se que este me-
canismo de aperfeiçoamento ou correção tem exclusivamente por obje-
to atos da administração, não se destinando a suprir as deficiências de
comunicação de outro tipo de atos, designadamente de atos processu-
ais, praticados no âmbito de processos judiciais277.
Nos casos em que está em causa suprir as deficiências das notifica-
ções, quando a Administração tributária não der satisfação às preten-
sões formuladas nesse sentido ao abrigo do art.º 37.º do CPPT, os Tri-
bunais têm entendido que a intimação para a prestação de informações,
consulta de processos ou passagem de certidões (art.º 104.º do CPTA, aqui
aplicável a título subsidiário) será o meio processual mais idóneo para
ser utilizado278.
Termine-se recordando, e como decorrência do que já referimos, que
a ausência de notificação ou a notificação mal efetuada (na qual os re-
quisitos de forma não foram cumpridos ou com ausência dos requisitos
substanciais) terá como consequência a ineficácia do ato em causa e não
a sua invalidade.

3.14. O princípio do duplo grau de decisão


Como já tivemos oportunidade de assinalar, a tutela adequada das po-
sições jurídicas subjetivas emergentes dos procedimentos apenas será
conseguida se for assegurada uma eficaz garantia de controlo jurisdi-
cional das decisões administrativas, ou, o mesmo é dizer, os particulares

275
Cfr. art.º 37.º do CPPT.
276
Neste sentido, acórdãos do STA de 15 de setembro de 2010, processo n.º 0407/10, e de 7
de junho de 2017, processo n.º 0557/14.
277
Assim, acórdão do STA de 13 de outubro de 2010, processo n.º 0493/10.
278
V. acórdão do de 12 de setembro de 2012, processo n.º 0899/12.

156
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

apenas terão uma proteção suficiente e justa se lhes for dada a possi-
bilidade de acesso aos Tribunais com o intuito de sindicar as decisões
admi­nistrativas. Contudo, podem procurar essa sindicância igualmente
ao nível administrativo, através das figuras de reclamação e recurso le-
galmente previstas.
Ora, ao nível da sindicância administrativa dos atos da própria Admi-
nistração – e como forma de assegurar, na medida do possível, alguma
celeridade para obter a última palavra – vigora uma importante limi-
tação: a mesma pretensão do contribuinte não pode ser apreciada por
mais de dois órgãos integrando a mesma cadeia hierárquica. Trata-se do
princípio do duplo grau de decisão, cujo significado passa pelas ideias de
que:
i) Apenas se poderá recorrer administrativamente uma vez;
ii) Após uma segunda decisão administrativa desfavorável, o ato tri-
butário considera-se verticalmente definitivo e está aberta a porta
para o controlo jurisdicional279.

Este princípio, como se compreende, tem o seu âmbito de aplica-


ção no quadro dos procedimentos petitórios – nos quais se pede algo:
a anulação de um ato, a sua revogação, o reconhecimento de um be-
nefício, etc. – e naqueles casos em que o particular, no seguimento de
uma decisão desfavorável, e antes de recorrer ao Tribunal, procura uma
“segunda opinião” dentro da Administração, quer essa “segunda opi-
nião” seja obrigatória (recurso necessário)280, quer o não seja (recurso
facultativo)281.
A este propósito prescreve o art.º 47.º do CPPT, no seu n.º 1 que “no
procedimento tributário vigora o princípio do duplo grau de decisão,
não podendo a mesma pretensão do contribuinte ser apreciada suces-
sivamente por mais de dois órgãos integrando a mesma Administração
tributária”, e, como modo de efetivar esse duplo grau, estabelece a regra
de que “o pedido de reapreciação da decisão deve, salvo lei especial, ser

279
Tal não significa, contudo, que o ato não pudesse já anteriormente ser objeto de controlo
em Tribunal. Em matéria tributária, muitas vezes não se exige a definitividade vertical como
condição prévia de acesso ao controlo jurisdicional (pense-se, por exemplo, no ato de liqui-
dação, diretamente sujeito a tal controlo).
280
Cfr., por exemplo, art.os 86.º, n.º 5 da LGT, e 117.º do CPPT.
281
Cfr. art.os 67.º, n.º 1, e 76.º, n.º 1, do CPPT.

157
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

dirigido ao dirigente máximo do serviço ou a quem ele tiver delegado


essa competência”282. Para estes efeitos, considera-se que a pretensão é a
mesma em caso de identidade do autor e dos fundamentos de facto e de
direito invocados (art.º 47.º n.º 2).
Se esta nova pronúncia administrativa continuar a ser desfavorável,
não poderá ser emitida uma terceira, restando ao interessado a abertura
da via contenciosa.

4. Os atores do procedimento

4.1. Pressupostos procedimentais


Ator procedimental é a pessoa ou entidade que intervém no procedi-
mento, podendo ou não se assumir como parte. O conceito de parte –
que abrange apenas os sujeitos stricto sensu da relação procedimental283
– é, desta forma, mais restrito do que o de ator, uma vez que no âmbito
deste último podem ainda ser integradas quaisquer pessoas que provem
interesse legalmente protegido.
Para se intervir como ator ou parte num procedimento é necessá-
rio que se tenha personalidade e capacidade procedimental tributárias
(capacidade de exercício). A personalidade procedimental consiste na
suscetibilidade de poder intervir (seja a que título for) no procedimento
e resulta da personalidade tributária – suscetibilidade de ser sujeito de
relações tributárias materiais.
A capacidade procedimental tributária consiste na medida de di-
reitos e vinculações que, num determinado momento, uma pessoa ou
ente equiparado é suscetível de ter e de exercer pessoal e livremente.
Diz a este respeito o art.º 3.º, n.º 2 do CPPT que “a capacidade (…)
para o exercício de quaisquer direitos no procedimento tributário tem
por base e por medida a capacidade de exercício dos direitos tributá-
rios” (substantivos). Completa a LGT dizendo que “salvo disposição

282
Cfr. ainda art.º 66.º, n.º 2, do CPPT.
283
Naturalmente que os sujeitos ativo e passivo da relação procedimental não se confundem
com os sujeitos ativo e passivo da relação tributária material controvertida. Por exemplo, o
sujeito passivo desta última (contribuinte) pode configurar-se como o sujeito ativo (propul-
sor) da relação procedimental que se constitui com a instauração de uma reclamação gra­
ciosa. V., a respeito, acórdão do STA de 6 de fevereiro de 2013, processo n.º 0839/11.

158
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

legal em contrário tem capacidade tributária quem tiver personalidade


tributária”284.
Desta forma, a personalidade tributária – que, como é sabido, não
depende da personalidade jurídica – está na base da atribuição quer da
personalidade procedimental tributária, quer da capacidade procedi-
mental tributária.
Para terminar, resta acrescentar, com relevância para esta questão do
exercício de direitos no procedimento, e apenas para os atos que não te-
nham natureza pessoal, que os interessados podem conferir mandato –
a advogados, advogados-estagiários e solicitadores – quando se suscitem
ou discutam questões de Direito285.

4.2. Legitimidade no procedimento – a legitimidade em geral


Com a verificação dos requisitos relativos à personalidade e capacidade
procedimental tributárias, tem-se em vista assegurar que quem inter-
vém no procedimento possa fazê-lo. Com o requisito da legitimidade,
procura-se que estejam no procedimento os verdadeiros interessados na
discussão da questão em causa.
Assim, é necessário que estejam presentes as pessoas que são titu-
lares dos direitos e estão adstritas aos deveres que compõem o objeto
imediato da relação material ou controvertida. O ato conclusivo do
procedimento só produz, em princípio, efeitos entre as partes, logo, é
de pressupor que sejam estas as verdadeiras interessadas, pois se não se
estiver perante o(s) verdadeiro(s) sujeito(s) da relação controvertida,
o referido ato não produz o seu efeito útil, porque ele(s) não será(o)
atingido(s).
A legitimidade tem de ser apreciada a partir da utilidade ou do pre-
juízo que da (im)procedência do meio utilizado possa advir face aos ter-
mos em que o autor configura o direito invocado. Desta forma, não se
torna difícil concluir que o conceito de legitimidade assume sempre um

284
V. art.º 16.º, n.º 2, da LGT. Quanto ao exercício de direito procedimentais tributários por
parte de incapazes e entidades sem personalidade jurídica, cfr. art.º 16.º, n.º 3, da LGT, e 3.º,
n.º 3, do CPPT. Quanto às manifestações de desconcentração das pessoas coletivas (v.g., su-
cursais, filiais), cfr. art.º 4.º do CPPT. V. acórdãos do STA de 07 de maiode 2008, processo
n.º 0200/08; de 21 de maio de 2008, processo n.º 0191/08, e de 15 de janeiro de 2014, pro­
cesso n.º 0102/12.
285
Cfr. art.º 5.º do CPPT.

159
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

carácter eminentemente instrumental ou acessório em face de um pro-


cedimento que redundará numa decisão de fundo proferida pelo órgão
competente. Aliás, a relação de instrumentalidade, em rigor, até de­verá
ser perspetivada em função dessa decisão pois será sempre mediante
ela que se averiguará se determinada pessoa ou ente é a pessoa ou ente
legítimo.
De um ponto de vista conceitual, legitimidade significará a “especí­
fica situação jurídica material” em que se encontra um sujeito em rela-
ção ao objeto de um determinado procedimento. Como já foi referido,
será o conceito de legitimidade que esclarece acerca da titularidade das
posições emergentes da relação material controvertida que se analisa.
Deste modo, quando se indaga se determinado contribuinte tem le-
gitimidade para, por exemplo, reclamar da liquidação de um imposto,
procura-se averiguar se é esse contribuinte o titular da situação jurídica
subjetiva protegida pela norma em questão. Trata-se, por outras pala-
vras, de saber quem são os sujeitos cuja participação é necessária para
que a decisão em que termina o procedimento seja eficaz, ou, dito de
outro modo, trata-se da determinação inequívoca dos sujeitos da relação
de Direito material.
O que importa relevar é que, muitas vezes, essa titularidade só é vis-
lumbrada com a decisão final que se pronuncia sobre o litígio, ou seja, só
com o encerramento do procedimento é que se ficará a saber determi-
nado sujeito é ou não é titular da posição jurídica que reclama.
Desta premissa, retirar-se-ão, necessariamente, as seguintes con­
clusões:
i) A legitimidade não é um “pressuposto”, no sentido em que a sua
falta não acarreta necessariamente um valor jurídico negativo para
o procedimento: nem os atos procedimentais, nem o próprio pro-
cedimento são inválidos, mas apenas ineficazes em relação àqueles
sujeitos;
ii) A legitimidade não é um requisito do conceito de parte, uma vez
que se pode ser parte num procedimento sem se estar legitimado
com uma posição substantiva (o que só se saberá no final – existe
apenas uma aparência de titularidade);
iii) Por isso, a legitimidade parece assumir a natureza de elemento de
eficácia (e não de validade) da pretensão.

160
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

4.3. As entidades com legitimidade procedimental tributária


De acordo com o artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, têm legitimidade para parti-
cipar no procedimento tributário:
– A Administração tributária;
– Os contribuintes (sujeitos passivos de imposto, incluindo “outros
obrigados tributários”);
– As partes nos contratos fiscais; e
– Outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

Analisemos cada um destes atores separadamente.

4.3.1. A Administração tributária

4.3.1.1. Noção de “Administração tributária” e enquadramento da


sua atividade
Embora em abstrato a Administração tributária possa ser encarada
como uma parte interessada no procedimento – ou seja, enquanto cre-
dor tributário que subordina a sua vontade a um interesse financeiro de
arrecadação de receitas públicas e que, assim, é interessada numa deter-
minada solução – o certo é que a correta captação do seu papel passa
pela sua consideração como um ator procedimental isento, que aplica o
Direito e prossegue o interesse público na sua vertente de justiça e ver-
dade material. Basta lembrar o que acima dissemos acerca dos princí-
pios da verdade material e da imparcialidade, entre outros.
Neste quadro, e para efeitos procedimentais tributários, a Adminis-
tração tributária (AT) abrange as entidades previstas no art.º 1.º, n.º 3,
da LGT, o qual, numa interpretação atualista, integra286:
– A Autoridade tributária e aduaneira (ATA), que integra as antigas
DGCI, DGAIEC e DGITA)287;
– Outras entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e
cobrança de tributos;
– O Ministro das finanças ou outro membro do Governo compe­
tente, quando exerçam competências administrativas no domínio
tributário;

Cfr. art.º 27.º, n.os 2 e 3, do DL 117/2011, de 15 de dezembro.


286

Quanto à natureza, missão e atribuições, órgãos, organização interna e outros aspetos juridi-
287

camente relevantes respeitantes à AT, v. DL 118/2011, de 15 de dezembro.

161
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Os órgãos competentes dos Governos regionais e das Autarquias


locais quando exerçam competências administrativas no domínio
tributário.

Tal como em qualquer outro domínio, também no domínio do pro-


cedimento tributário a atuação jurídica administrativa não é uma atua-
ção livre, mas sim uma atuação vinculada, devendo-se sujeitar não ape-
nas (i) à Constituição, mas também (ii) à Lei288.
Analisemos separadamente cada um destes planos da atuação da
Admi­nistração.
i) Em primeiro lugar, a Administração tributária deve obediência ao
estatuído na Constituição (princípio da constitucionalidade da atuação
administrativa). Neste plano, não obstante se deva reconhecer que
a Constituição teve o cuidado de apontar, em geral, toda uma sé-
rie parâmetros materiais conformadores da conduta dos agentes –
legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade,
boa- fé –, estamos em crer que a exigência de constitucionalidade
encontra a sua maior relevância em matéria de arranjos organiza-
tórios de competências e em matéria de direitos fundamentais.
No primeiro dos núcleos apontados, os maiores problemas poderão
surgir no âmbito da delimitação das esferas de competência dos
órgãos administrativos em face das esferas de competência dos
órgãos jurisdicionais. Aqui vale um princípio de reserva da função
jurisdicional, o que significa que toda e qualquer resolução de ques-
tões jurídicas deve ser, em última instância, levada a cabo por um

288
A questão da atuação administrativa em geral (necessariamente vinculada) não se con-
funde com a do exercício em concreto dos poderes em que uma determinada competência
se consubstancia. Aqui, convém recordar que duas hipóteses são possíveis:
a) ou o modo de exercício desses poderes está previsto e regulado na norma legal anterior,
não deixando ao aplicador qualquer margem de escolha, e falamos em (exercício de) poderes
vinculados;
b) ou o modo de exercício desses poderes não está previsto e regulado na norma legal ante-
rior, deixando-se ao órgão administrativo uma certa margem de liberdade na altura da apli-
cação da lei ao caso em concreto, e falamos em (exercício de) poderes discricionários em sentido
amplo. Naturalmente que no primeiro caso será mais eficaz um eventual controlo jurisdicio-
nal da atuação administrativa que, em princípio, deverá ser de excluir no segundo caso (res-
salvados, obviamente, os aspetos relacionados com a vinculação genérica à Constituição e
à lei).

162
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Tribunal289. Quanto à vinculação constitucional em matéria de


direitos fundamentais, valem todas as regras jurídicas respeitan-
tes quer ao regime geral destes – v.g., universalidade, igualdade e
acesso ao Direito para sua proteção – quer ao regime específico em
matéria de direitos, liberdades e garantias: aplicabilidade direta,
dupla vinculação e especiais cuidados quanto à sua restrição.
ii) Em segundo lugar, como apontamos, a Administração tributária
deve obediência à lei. Naturalmente que o termo “lei” neste sen­
tido deve ser entendido como a lei em sentido material, englo­
bando, portanto, qualquer ato normativo de conteúdo geral e abs-
trato (lei, decreto-lei).

Desta dupla vinculação – à Constituição e à lei – poderá, por vezes, re-


sultar um conflito real: quid juris se a Administração tributária se deparar
com uma lei que seja inconstitucional (porque, por exemplo, restringe
inconstitucionalmente um direito, liberdade ou garantia)? Desaplica a
lei, dando prevalência à Constituição? Ou, pelo contrário, aplica a lei,
igno­rando a norma constitucional violada? A resposta a esta questão não
pode ser apontada de uma forma linear mas, em todo o caso, parece que
se pode indiciar uma regra neste segundo sentido – no da aplicação da
lei, mesmo inconstitucional. Isto porque, como é sabido, os órgãos admi­
nistrativos não têm, no âmbito do ordenamento constitucional português,
prerrogativas de controlo da constitucionalidade, pelo que dificilmente
seria de aceitar uma solução que lhes permitisse recusar a aplicação de
uma norma com fundamento em desconformidade com a Constituição290.

4.3.1.2. A fixação da competência da Administração tributária.


A com­petência tributária
Para a Administração tributária agir (ou melhor, os seus órgãos), ela ne-
cessita de competência.
Entende-se por competência o conjunto ou complexo de poderes
funcionais291 legalmente afetos a um determinado órgão administrativo

289
Cfr. art.º 202.º da CRP
290
Cfr., todavia, art.º 271.º, n.º 3 da CRP.
291
A expressão “poderes funcionais” pretende significar que os poderes em causa não são
poderes do próprio titular do órgão, nem estão na sua disponibilidade, mas antes se tratam
de poderes da pessoa coletiva em que tal órgão está integrado.

163
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

para este prosseguir as funções que lhe estão juridicamente atribuídas.


Está aqui a ser feita referência à parcela de poder decisório que um de-
terminado órgão possui em matéria tributária, tratando-se, no fundo, de
procurar saber quem pode praticar determinados atos (ao contrário da
legitimidade, em que se queria averiguar se determinada pessoa ou en-
tidade podia ser parte – tendo ou não competência – do procedimento).
Em princípio, a competência do órgão da Administração tributária –
que deve ser fixada por lei – determina-se no momento do início do pro-
cedimento, sendo irrelevantes as alterações posteriores292. Significa isto,
por exemplo, que um requerimento deve ser dirigido ao órgão com­
petente para a decisão no momento em que tal requerimento é apresen-
tado, e não ao órgão que apenas se torna(rá) competente após uma alte-
ração legislativa posterior293.

4.3.1.3. Os fatores atributivos de competência tributária


A competência dos órgãos da Administração tributária não é atribuída
em bloco nem é posteriormente exercida de uma forma igual por todos.
Como se trata de uma competência por atribuição – o que quer dizer
que nenhum órgão administrativo em específico tem a competência das
competências, ou seja, nenhum pode criar e determinar as suas próprias
competências – eles apenas poderão agir se e na medida em que a auto-
rização anterior (legal) o possibilite e dentro dos limites desta autoriza-
ção. Pode acontecer, por exemplo, que determinado órgão só seja com-
petente para decidir acerca das matérias X e Y e não quaisquer outras;
da mesma forma, pode acontecer que um outro órgão apenas possa agir
dentro de uma circunscrição territorial determinada e não no âmbito
espacial de abrangência de todo o ordenamento jurídico. Por isso, con-
vém precisar os termos em que a autorização àquele órgão em especí­fico
é efetuada e, neste âmbito, podem ser distinguidos quatro diferentes
planos: matéria, território, hierarquia e valor.
São, por outras palavras, os critérios em função dos quais a compe-
tência pode ser atribuída.

292
V. art.º 10.º, n.º 5, do CPPT. Cfr. ainda art.º 5.º, n.º 1, do ETAF.
293
Contudo, tal regra parece não excluir a possível convalidação do ato que é emanado por
um órgão que não é competente no início, mas que o passa a ser posteriormente, ainda no
decurso do procedimento. Tal solução decorreria de um princípio jurídico geral de aproveita-
bilidade dos atos e da aplicação supletiva do art.º 37.º, n.º 3 do CPA in fine.

164
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

a) A competência tributária em razão da matéria


Estamos aqui a procurar determinar os núcleos materiais dentro dos
quais, ou no âmbito dos quais, a Administração tributária pode agir e
será seguramente demasiado genérico afirmar que a Administração tri-
butária exerce a sua competência em matéria de tributos. Contudo, ainda
assim, é útil esta determinação, pois fica-se a saber que ela não a exer­
cerá seguramente no âmbito criminal, cível, constitucional, urbanístico
ou qualquer outro.
No sentido de precisar a expressão “matéria de tributos”, o próprio
legislador – numa enumeração não exaustiva294 – aponta alguns núcleos
relevantes de atuação, sendo de destacar as competências para:
– Liquidar e cobrar tributos295;
– Proceder à revisão oficiosa dos atos tributários296;
– Decidir petições e reclamações297;
– Pronunciar-se sobre recursos hierárquicos298;
– Reconhecer isenções ou outros benefícios fiscais299;
– Receber e tratar as petições iniciais nos processos de impugnação
judicial300;
– Instaurar os processos de execução fiscal301.

b) A competência tributária em razão do território


Sob o ponto de vista espacial, várias são as hipóteses de delimitação da
competência da Administração tributária302.
Assim, em primeiro lugar, podemos ver a competência determinada
em função da área onde ocorreu o facto jurídico (ou seja, o facto ou
acontecimento da vida real previsto na lei como sendo potencialmente
desencadeador de um efeito jurídico). Por outras palavras, a compe-
tência territorial, nestes casos, é determinada pelo lugar de verificação

294
Cfr. art.º 10.º, n.º 1, alínea j), do CPPT.
295
Cfr. art.os 78.º e ss. do CPPT.
296
Cfr. art.º 78.º da LGT.
297
Cfr. art.os 68.º e ss. do CPPT.
298
Cfr. art.os 66.º e 67.º do CPPT.
299
Cfr. art.º 65.º do CPPT.
300
Cfr. art.os 103.º e ss. do CPPT.
301
Cfr. art.º 188.º do CPPT.
302
Cfr. art.º 10.º, n.º 2, do CPPT.

165
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

do de um determinado facto, sendo competente para a prática do ato


em causa o órgão da Administração tributária desse lugar, sendo irrele­
vante, por exemplo, o domicílio de quem o praticou303.
Em segundo lugar, pode tal competência ser determinada em fun-
ção da área da residência (domicílio ou sede do contribuinte)304. Nestas
situações, será competente o órgão da Administração tributária que se
loca­lize na área onde reside o contribuinte.
Pode ainda a competência ser determinada em função da área da si-
tuação dos bens (lex rei sitae). Este critério– que tem como consequên-
cia o facto de que será competente para a prática de um ato tributário o
órgão da Administração tributária localizado na área onde determinado
bem se situa – tem o seu campo de aplicação por excelência no domínio
dos impostos sobre a propriedade de bens imóveis305.
Por fim, a competência pode ainda ser determinada em função da
área onde se deve efetuar, ou efetuou, o ato tributário por excelência:
a liquidação. Normalmente, este critério é utilizado nos denominados
“procedimentos de segundo grau” (isto é, respeitantes a um outro ato)
como a impugnação administrativa ou reclamação do ato de liquidação,
ou o reconhecimento de um benefício fiscal306.
Naturalmente que a aplicação de um ou outro destes critérios de­
pende da escolha feita pelo legislador, pelo que apenas uma análise
casuís­tica nos permitiria dizer qual o órgão territorialmente compe-
tente no âmbito de um determinado procedimento. Além disso, a exis-
tência destes critérios não impede a existência de órgãos (os “serviços

303
Tal verifica-se, nomeadamente, no que diz respeito à competência da Administração tri-
butária para a aplicação de coimas (o que pressupõe, naturalmente, uma infração tributária).
V. art.º 52.º, alínea b), do RGIT.
304
É o caso, por exemplo, da competência dos serviços de finanças em matéria de IVA (art.º
77.º do CIVA) ou da competência para a prática de atos de inspeção tributária (art.º 16.º do
RCPITA).
305
É o que se passa, ainda a título de exemplo, em sede de imposto municipal sobre imó-
veis (IMI) no que diz respeito à organização e conservação das matrizes (art.º 78.º, n.º 1, do
CIMI), à revisão oficiosa da liquidação (art.º 115.º, n.º 2, do CIMI) ou à apreciação de recla-
mações (art.º 131.º do CIMI).
306
Veja-se, por exemplo mais uma vez, o art.º 65.º, n.º 2 do CPPT, nos termos do qual “os
pedidos de reconhecimento [de benefícios fiscais] serão apresentados nos serviços compe-
tentes para a liquidação do tributo a que se refere o benefício…”.

166
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

centrais”, compostos por inúmeras Direções de Serviços) cuja compe-


tência abrange todo o território nacional307.

c) A competência tributária em razão da hierarquia


Para se aferir da competência de um determinado órgão tributário, a
rela­ção de hierarquia é sobretudo importante para efeitos de recurso
das decisões. Com efeito, apenas após uma decisão ter sido tomada, e
após o sujeito em questão não concordar com tal decisão, coloca-se o
problema de saber quem vai reapreciá-la com o intuito, por exemplo, de
a revogar ou de a anular. Assim sendo, quando ab initio se indaga qual é
o órgão competente para se decidir e se conclui que, por exemplo, é o
Secretário de Estado, tal pouco tem a ver com hierarquia, mas antes com
com­petência determinada em função da matéria. Agora, se for dito que
das decisões do Diretor Geral cabe recurso para o Secretário de Estado,
aqui sim já é a noção de hierarquia que releva.
Um exemplo relativamente simples pode ser encontrado a partir da
análise das situações de reclamação graciosa necessária (que termos
ocasião de aprofundar adiante). Nestes casos, se a reclamação tiver por
objeto um ato de autoliquidação ou de retenção na fonte, ela deve ser
dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da Administração tri-
butária (direção distrital de finanças)308, enquanto que se a reclamação
tiver por objeto pagamentos por conta, já deve ser feita para o órgão
peri­férico local (serviço de finanças)309.

O estabelecimento de uma cadeia hierárquica depende da prévia de-


finição e estruturação dos órgãos que a compõem, bem assim como do
estabelecimento das suas competências, o que implica que apenas caso
a caso – analisando as respetivas “leis orgânicas” – será possível saber
quem é que hierarquicamente depende de quem. Ainda assim, no que
respeita à Autoridade Tributária e Aduaneira, é possível identificar uma
estrutura modelar que, de uma maneira geral, pode funcionar como re-
gra. Tal estrutura, tendencial recorde-se, assenta na seguinte hierarquia:

307
V., por exemplo, art.os 75.º do CIRS e 113.º do CIMI.
308
Assim, art.os 131.º, n.º 1, e 132.º, n.º 3, do CPPT.
309
Cfr. art.º 133.º, n.º 2, do CPPT

167
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Titular Órgão
Ministro (das finanças) MINISTÉRIO (DAS FINANÇAS)
Secretário de Estado SECRETARIA DE ESTADO
(Sub- secretário de Estado) -
Diretor geral DIREÇÃO GERAL
(Sub- diretor geral) -
Diretor distrital (de finanças) ÓRGÃO PERIFÉRICO REGIONAL311

DIREÇÃO DE FINANÇAS
Chefe do serviço de finanças ÓRGÃO PERIFÉRICO LOCAL312

SERVIÇO DE FINANÇAS
310 311

Trata-se, em todo o caso, de uma estrutura demasiado simplificada


e válida apenas para efeitos pedagógicos. De resto, importa não perder
de vista que o próprio Ministério das Finanças prossegue as suas atribui-
ções através de serviços integrados na administração direta do Estado
(onde se integra a AT, por exemplo) de organismos integrados na admi-
nistração indireta do Estado (como a Caixa Geral de Aposentações ou o
Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público), e de entidades
integradas no sector empresarial do Estado312.

d) A competência em razão do valor


Por último, determinado órgão da Administração também pode ser, ou
não, competente para praticar certo ato, em função do valor da questão
jurídica que lhe está subjacente. Esta competência em razão do valor,
em geral, está associada à hierarquia dos órgãos em causa, de modo que
é legítimo pensar que, em alguns casos, os órgãos de hierarquia superior
são competentes para conhecer das causas de maior valor pecuniário ou
patrimonial. Por exemplo, no quadro do processo de impugnação judi-

310
Cfr., acerca de definição de órgão periférico regional, o art.º 6.º, n.º 3, do DL 433/99, de 26
de outubro (que aprova o CPPT), considerando-se como tal as direções de finanças e as al-
fândegas da AT.
311
Cfr., acerca de definição de órgão periférico local, o art.º 6.º, n.º 1, do DL 433/99, de 26 de
outubro, nos termos do qual aí se incluem os serviços de finanças, as delegações aduaneiras
e os postos aduaneiros da Autoridade Tributária e Aduaneira.
312
Cfr. atentamente DL 117/2011.

168
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

cial, se valor do processo não exceder o quíntuplo da alçada do Tribunal


tributário de 1.ª instância, o dirigente do órgão periférico regional pode
revogar, total ou parcialmente o ato impugnado; excedendo, essa com-
petência será exercida pelo dirigente máximo do serviço313.
Importa aqui referir que o valor de determinada causa é aferido pelos
critérios traçados pelo próprio legislador – os quais, embora reportados
apenas ao processo, podem aqui ser aplicáveis analogicamente (art.º 97.º
– A do CPPT) –, que estabelece a regra de que quando seja impugnada
uma liquidação, tal valor corresponde ao da importância cuja anulação
se pretende.

4.3.1.4. Os conflitos de competência


Pode por vezes suceder que da aplicação dos critérios acima referidos
surja um conflito de competências, que poderá ser um conflito posi­tivo
– dois ou mais órgãos consideram-se competentes para decidir – ou um
conflito negativo – nenhum dos órgãos em causa se considera compe-
tente para decidir. Nestes casos, o legislador prevê uma nova série de
critérios, mas agora para a resolução deste dissídio. Esses critérios são314:
– Os conflitos positivos ou negativos de competência entre diferentes
serviços do mesmo órgão da Administração tributária são resolvi-
dos pelo seu dirigente máximo;
– Os conflitos positivos ou negativos de competência entre órgãos da
Administração tributária pertencentes ao mesmo ministério são
resol­vidos pelo ministro respetivo;
– Os conflitos positivos ou negativos de competência entre órgãos da
Administração tributária pertencentes a ministérios diferentes são
resolvidos pelo Primeiro-Ministro;
– Os conflitos positivos ou negativos da competência entre órgãos da
Administração tributária do Governo central, dos Governos Regio-
nais e das Autarquias locais são resolvidos pelos Tribunais Tribu­
tários.

Se da aplicação destes critérios não resultar uma conclusão convin-


cente acerca de quem seja competente para a prática de um determi­

313
Cfr. Art.º 112.º, n.os 1 e 2 do CPPT.
314
Cfr. art.º 11.º do CPPT.

169
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

nado ato procedimental ou de um conjunto de atos, considera-se com-


petente o órgão da Administração tributária da área do domicílio fiscal
do sujeito passivo ou interessado, ou do seu representante legal315.

4.3.1.5. A incompetência
O desrespeito das regras de atribuição de competência acima referidas
desencadeia, naturalmente, uma reação adversa do ordenamento jurí­
dico que, em casos normais, passará pela remessa das peças do procedi-
mento para o órgão competente ou pela consideração do ato em causa
como anulável.
Na verdade, pode acontecer que a entidade administrativa incompe-
tente não chegue sequer a praticar qualquer ato procedimental. Nos casos
de violação das regras atributivas de competência em função da maté-
ria ou do território – por exemplo, se o sujeito passivo apresentar uma
reclamação num serviço de finanças que não o da sua área de residên-
cia, quando esta seria a indicada – o órgão incompetente “é obrigado a
enviar as peças do procedimento para o órgão da Administração tribu-
tária competente no prazo de quarenta e oito horas após a declaração
de incompetência (…)”. Nestes casos, o requerimento considera-se apre-
sentado na data do primeiro registo e o interessado deverá ser devida-
mente notificado de tal remessa316.
Mas também pode acontecer que a entidade incompetente pratique
atos procedimentais, decidindo sem ter competência para tal. Nestas
situações, o ato em causa pode ser atacado quer administrativamente
(reclamação graciosa, recurso hierárquico, etc.), quer jurisdicionalmente
(impugnação judicial), pois entende-se que existe uma ilegalidade sus-
cetível de conduzir à sua anulação317.

4.3.2. Os sujeitos passivos


Outra intervenção legítima no procedimento tributário pode ser levada
a efeito pelos sujeitos passivos de imposto ou, como impropriamente se
exprime o legislador, pelos “contribuintes”.

315
Cfr. art.º 61.º, n.º 4, da LGT.
316
V. art.º 61.º, n.os 2 e 3, da LGT.
317
Cfr. art.os 70.º, n.º 1, e 99.º, alínea b), do CPPT. V., por exemplo, acórdão do STA de 22 de
março de 2017, processo n.º 0901/16.

170
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Neste contexto, a primeira chamada de atenção não poderá deixar de


ser feita precisamente no sentido de uma precisão linguística da maior
importância, pois a confusão entre “sujeito passivo” e ”contribuinte”
não é aconselhável. O “contribuinte” será aquela pessoa ou entidade
que está adstrita ao pagamento, em sentido económico, de um tributo.
Por outras palavras será toda a pessoa ou entidade que suporta o fardo,
encargo ou sacrifício patrimonial do imposto ou taxa, por exemplo.
Neste sentido, tanto é contribuinte o titular de rendimentos prediais,
como o apostador ganhador de um prémio, como o consumidor final de
um bem que vê para si transferido o imposto sobre o consumo (reper-
cussão para diante), como o estudante que paga as suas propinas. Qual-
quer um deles “contribui” para a satisfação das necessidades financeiras
do Estado, sendo, nesta medida, qualquer um deles contribuinte.
Ora, não nos parece razoável admitir que seja neste sentido amplo
que o legislador utilize o termo “contribuinte”. Ele deverá antes ser
utilizado apenas naquelas situações em que, em virtude de uma norma
legal, alguém se encontra adstrito ao pagamento de um tributo. Se assim
pensarmos, então ficarão de fora do conceito as situações de “con­tribuinte
de facto” (casos de repercussão), apenas sendo de admitir as situações de
“contribuinte de direito” ou sujeito passivo propriamente dito318.
Em matéria de tributos, contudo, e como é sabido de outras sedes,
deve ser feita a distinção entre dois tipos de sujeito passivo: (i) o sujeito
passivo direto e (ii) o sujeito passivo indireto319:
i) O sujeito passivo direto será a pessoa ou entidade que tem uma rela-
ção pessoal e direta com o facto tributário (por exemplo, a pessoa
relativamente à qual o legislador fiscal presume capacidade contri-
butiva);
ii) O sujeito passivo indireto, será a pessoa ou entidade que, não tendo
uma relação pessoal e direta com o facto tributário, vai, não obs­

318
Em todo o caso, a generalização do termo é de tal magnitude que o mais curial será, no
desenvolvimento das presentes Lições, e sem prejuízo de referência particular em sentido
contrário, considerar uma tendencial sinonímia. Ainda assim, em termos linguísticos ade-
quados, a expressão “contribuinte devedor” aplicar-se-á com mais propriedade no quadro
do incumprimento da obrigação principal (pagamento), enquanto que a expressão “contri-
buinte faltoso” tem usualmente aplicação no incumprimento de obrigações acessórias.
319
V. a respeito Rocha, Joaquim Freitas, e Silva, Hugo Flores, Teoria geral da relação jurí­
dica tributária, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 76 e ss..

171
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

tante, ser chamada pela lei a cumprir obrigações tributárias. Trata-


-se de uma categoria bastante abrangente e que engloba situações
bastante diversas, como a substituição tributária, a sucessão tri­
butária e a responsabilidade tributária.

Todos eles – sujeitos passivos diretos e indiretos – têm legitimidade


para intervir no procedimento tributário, embora com regras de tem-
pestividade distintas320.

4.3.3. Outras entidades com legitimidade procedimental: as partes


nos contratos fiscais e outras pessoas que provem interesse
legalmente protegido
Por fim, o art.º 9.º refere-se às partes nos contratos fiscais e a outras pes-
soas que provem interesse legalmente protegido como tendo legitimi-
dade para atuar no procedimento. No primeiro caso – partes nos con-
tratos fiscais – está a ser feita referência, como é sabido, a figuras como
as avenças fiscais, legalmente previstas321, e aos respetivos sujeitos; no
segundo, a toda uma série de “interessados” que, pelos mais diversos
motivos e a título diverso, podem entrar num procedimento (por exem-
plo, a parte contrária num contrato em caso de aplicação de normas
antiabuso; ou as entidades que se encontrem numa relação de domínio
com o contribuinte, nos casos de acesso à informação bancária322).

5. Os procedimentos tributários em especial

§ único: sequência
Chegou agora o momento de nos debruçarmos sobre cada um dos pro-
cedimentos tributários em particular, procurando averiguar qual o seu

320
A título de exemplo, pode-se referir que o sujeito passivo direto, em regra, pode recla-
mar graciosamente da liquidação dos tributos que lhe digam respeito no prazo de 120 dias a
contar do termo do prazo de pagamento voluntário [art.os 70.º, n.º 1, e 102.º, n.º 1, alínea a),
do CPPT]; já o responsável subsidiário pode reclamar no mesmo prazo, contado a partir da
citação em processo de execução fiscal [cfr. art.º 102.º, n.º 1, alínea c), do CPPT e 22.º, n.º 5,
da LGT].
321
Cfr. art.º 37.º da LGT.
322
Cfr. 63.º-B, n.º 7 da LGT.

172
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

regime jurídico, ou seja quais as regras que se aplicam a cada um deles.


Não se pense, contudo, que basta o conhecimento destas regras para se
compreender, com todo o alcance, cada procedimento. É que não pode
aqui deixar de se trazer à análise o estudo que já foi efetuado atrás, quer
quando analisamos as fases do procedimento em geral, quer quando
analisamos os mais relevantes princípios procedimentais tributários,
pois muitas das conclusões então tiradas a propósito de tais matérias reve-
lar-se-ão agora de extrema utilidade. Por outras palavras, só um estudo
sistematicamente enquadrado possibilitará a adequada captação das fina-
lidades e formalidades de cada instituto procedimental.
Naturalmente que o nosso estudo não incidirá sobre todos os pro-
cedimentos existentes no ordenamento jurídico-tributário português.
Razões de natureza temporal e pedagógica impedem-no. Ainda assim,
procuraremos estabelecer um quadro tão completo quanto possível,
tendo em conta, entre outros aspetos, a relevância prática das matérias.
Por outro lado, também se deve desde já chamar a atenção para o facto
de que as opções de positivação e de inserção sistemática não ajudam.
Se bem que a maior parte dos procedimentos está prevista no seu devido
lugar – o CPPT –, não deixa de ser verdade que muitos deles encon-
tram-se dispersos por inúmeros diplomas, muitos deles substantivos: a
LGT, o CIRS, o CIRC, o CIVA, o RCPITA, o CIMI, o CIMT, etc. Em face
desta dispersão, procuramos encontrar uma sistematização que permi-
tisse a sua clara perceção, identificação e catalogação, tendo em vista,
principalmente, o papel nuclear que desempenha a liquidação e cobrança
dos tributos e as finalidades de cada procedimento.
Assim, entendemos dever-se distinguir (i) os procedimentos pré-
-liquidatórios, (ii) os procedimentos de liquidação e cobrança de tribu-
tos e (iii) os procedimentos de segundo grau ou impugnatórios.
Entre os procedimentos pré-liquidatórios – que naturalmente, e
como a própria designação indicia, têm lugar, em regra, antes da liqui-
dação de um qualquer tributo – distinguiremos os procedimentos de
natureza informativa (desdobrando-os, consoante o destinatário da infor­
mação seja o contribuinte ou a Administração tributária) os procedi-
mentos de avaliação, o procedimento de reconhecimento de benefícios
fiscais, o procedimento de aplicação de norma antiabuso e o procedi-
mento de ilisão de presunções.
Seguidamente, procederemos à análise dos procedimentos nucleares
da técnica tributária: a liquidação e cobrança de tributos.

173
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Depois, a nossa atenção recairá sobre os procedimentos que mate-


rializam meios de reação – quer do contribuinte quer da Administração
– a um ato anterior, a um ato já praticado, sendo, por isso, adequada a
denominação de procedimentos reativos, de segundo grau, ou impugna-
tórios.
Finalmente, e em face das especificidades que apresentam, debruçar-
-nos-emos sobre os denominados “procedimentos cautelares”
Deve-se salientar que os procedimentos através dos quais a Admi-
nistração tributária aplica sanções (coimas) não são configuráveis como
procedimentos tributários, pois as prestações em causa não têm natureza
tributária, mas sancionatória. Daí não recair sobre eles a nossa atenção.

Insista-se na ideia de que esta sistematização assume objetivos emi-


nentemente estruturais e pedagógicos, podendo a espaços não encon-
trar absoluta consonância com os critérios jurídico-legais

5.1. Procedimentos de natureza informativa

5.1.1. Procedimentos cujo destinatário da informação é o contri­


buinte
5.1.1.1. Procedimento de orientações genéricas
Já é um lugar comum afirmar que o Direito Tributário é um ramo de Di-
reito cuja aplicação envolve inúmeras dificuldades. A par da incontor-
nável “explosão legal” e dispersão administrativa, surge o hermetismo
de muitos conceitos e institutos, que apenas um moroso e correto ma-
nejo das normas tributárias permite superar, e que amiúde é causado
pelo facto de serem convocados conhecimentos de uma minuciosa base
técnica (de raiz económico-contabilística).
A tudo isto deve-se acrescentar uma realidade de extrema relevância:
a importação, pelo legislador tributário, de inúmeros conceitos oriun-
dos de outros ramos de Direito, mas desprendidos do sentido que aí
têm. Por outras palavras: muitas vezes as normas tributárias vão buscar
conceitos aos códigos e compêndios administrativistas, civilistas ou pe-
nalistas, mas empresta-lhes um novo sentido. Assim se passa com con-
ceitos como “salário”, ”fruto”, ”renda”, transmissão”, e muitos outros.

174
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Ora, num quadro assim perspetivado, não será de estranhar que os


destinatários das normas tributárias encontrem muitos obstáculos quando
chega o momento da sua transposição do “mero estado legislativo” para
o domínio da aplicação ao caso em concreto, dificuldades essas que pas-
sam, por exemplo, por não saber se uma determinada despesa pode ser
deduzida no âmbito de um certo imposto; se um determinado sujeito
pode ser considerado deficiente para efeitos de isenção; se uma deter-
minada sociedade pode ser considerada como tendo um estabeleci­
mento estável em território português.
Ora, com o objetivo de proceder, na medida do possível, a uma uni-
formização da interpretação e integração das normas tributárias existe
o procedimento de orientações genéricas (art.os 55.º e 56.º do CPPT),
no qual a AT, por sua própria iniciativa, emana diretivas ou quadros que
devem presidir à aplicação de determinada norma ou conjunto de nor-
mas. Assim se vê que se trata de um procedimento que, ao contrário de
quase todos os outros, não vai culminar na emanação de um ato tribu-
tário (de conteúdo individual e concreto), mas antes na emissão de um
ato de conteúdo geral e abstrato: uma circular administrativa (ou ato
equivalente)323.
As orientações referidas devem ser emanadas pelo dirigente má-
ximo do serviço em causa (ou funcionário em que ele tenha delegado
essa competência) e a sua principal consequência jurídica consiste na
vinculação – com eficácia prospetiva, nunca retroativa, em face do prin-
cípio constitucional da segurança jurídica e proteção da confiança – da
Administração ao seu conteúdo. Não se trata, assim, de meros pareceres
ou indicações de aplicação, mas de verdadeiras normas sobre a aplicação de
normas, com efeito vinculativo. O próprio legislador prevê tal efeito ao
prescrever, no art.º 68.º-A, n.º 1 da LGT, que a Administração tributária
está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regu-
lamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a inter-
pretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do
facto tributário.
Não se vê assim como se pode negar a natureza normativa das mes-
mas. Podem ser normas com uma eficácia jurídica limitada à AT (“inter-
nas”), mas são normas.

323
Cfr. art.º 55.º, n.º 3 do CPPT.

175
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Contudo, para que os contribuintes em geral possam ter um atempa-


do conhecimento das orientações genéricas emanadas, e para que estas
possam ser efetivamente vinculativas, torna-se necessário ter delas co-
nhecimento. Impõe-se, deste modo, publicitá-las.
A forma adequada de dar publicidade nestes casos é, nos termos da
lei, mediante a criação e organização de uma “base de dados permanen-
temente atualizada” e de acesso gratuito, livre e direto, ou seja, sem a
prévia exigência de palavras-chave ou códigos secretos324.
Como se constata, não estamos aqui em presença de meras circulares
informativas – mediante as quais o órgãos superior transmite aos infe-
riores dados de facto relevantes para o exercício da sua atividade (opini-
ões, tomadas de posição, recomendações) – ou diretivas – que impõem
aos órgão inferiores objetivos concretos ou standards de eficácia –, mas
sim de verdadeiras circulares normativas ou preceptivas, na medida em
que impõem opções interpretativas de preceitos legais ou regulamenta-
res ou desenvolvem algum aspeto destes325. Por conseguinte, produzem
efeitos jurídicos vinculativos para os órgãos da Administração, que não
podem praticar atos administrativos concretos em desconformidade
com as orientações ditadas326. De resto, o conteúdo destas orientações
pode mesmo acarretar consequências bastante gravosas: se o contri-
buinte entregar as suas declarações seguindo as instruções delas cons-
tantes e, mais tarde, conseguir a anulação do ato de liquidação subse-
quente, pode ter direito a juros indemnizatórios, pois considera-se que
houve erro imputável aos serviços327.

324
Cfr. art.º 56.º, n.os 1 e 2 do CPPT. Em rigor, contudo, existe ainda outra forma de conheci-
mento das orientações genéricas, ou das circulares em que elas se incorporam: mediante um
requerimento especificamente destinado a esse fim, formulado pelo interessado num proce-
dimento e dirigido ao dirigente máximo do serviço em causa (art.º 56.º, n.os 3 e 4 do CPPT).
Porém, podem surgir reservas quanto ao facto de saber se este procedimento se poderá apli-
car a todas as orientações (como é nossa opinião) ou apenas àquelas que não visem a uni-
formização da interpretação e aplicação das normas tributárias e tenham um carácter mais
pessoal (como parece indiciar uma primeira leitura dos preceitos atrás referidos, pois não fa-
ria sentido a menção à expurgação dos “elementos de carácter pessoal” e à “inclusão na base
de dados a que se refere o número 1” se estivéssemos a falar do mesmo tipo de orientações).
325
Cfr., a respeito, acórdãos do STA de 31 de maiode 2006, processo n.º 026622 e de 17 de
outubro de 2012, processo n.º 0583/12.
326
Cfr. art.º 68.º-A, n.º 1 da LGT.
327
Assim, art.º 43.º, n.º 1 e 2 da LGT. V., a propósito, acórdão do STA de 21 de março de
2007, processo n.º 01180/06.

176
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Problemático por isso é que se considere que essas orientações ge-


néricas constantes de circulares não possuem eficácia externa, na senda
do defendido pelo Tribunal constitucional328. Reconhece o órgão má­
ximo de jurisdição que “o administrado pode invocar, no confronto com
a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada
e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais”. Porém, adianta que
tal sucede “ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica” e
não pelo seu valor normativo, acrescentando que “(o) administrado só
as acata se e enquanto lhe convier”, faltando-lhes força vinculativa hete-
rónoma e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que por-
ventura possuam. Sendo certo que se trata de uma construção com um
alcance limitado – saber se podemos estar perante uma norma para efei-
tos de controlo da constitucionalidade, e só para este fim – não deixa de cau-
sar alguma estranheza começar por se negar a eficácia externa e, depois,
admitir a invocabilidade pelos administrados.

5.1.1.2. Procedimento de informações vinculativas


O procedimento de informações vinculativas tem como objetivo facilitar
o cumprimento das obrigações tributárias, em face da abundância legis-
lativa e regulamentar neste campo, e procura facultar aos contribuintes
um meio expedito e eficaz de prestação de informações. Sob este ponto
de vista, pode-se até afirmar que este procedimento mais não é do que
uma densificação (adjetiva) do direito à informação, enquanto garantia
dos contribuintes329.
Trata-se de um procedimento que tem por objeto um pedido de in-
formação que apenas pode recair sobre uma das seguintes realidades:
– Sobre a concreta situação tributária dos contribuintes; ou
– Sobre os pressupostos de quaisquer benefícios fiscais330.

328
Cfr. o importante acórdão do TC n.º 583/2009, disponível em http://www.tribunal
constitucional.pt.
329
Neste seguimento, prescreve o art.º 67.º, n.º 1, alínea c), da LGT, que “o contribuinte tem
direito à informação sobre (…) a sua concreta situação tributária”.
330
Deve-se desde já notar que, quando o despacho recair sobre os pressupostos de qualquer
benefício fiscal dependente de reconhecimento, os interessados não ficam dispensados de
o requerer autonomamente nos termos da lei (art.º 57.º, n.º 2, do CPPT). Além disso, apre-
sentado o pedido de reconhecimento de benefícios fiscais (cfr. art.º 65.º do CPPT) que te-
nha sido precedido do pedido de informação vinculativa, este ser-lhe-á apensado a requeri­
mento do interessado, devendo a entidade competente para a decisão conformar-se com o

177
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Por aqui se conclui que não se podem solicitar à Administração tri-


butária informações, com carácter vinculativo, sobre problemas de geral
ou natureza doutrinal que não tenham incidência num particular caso
em concreto ou numa particular relação da vida, não se podendo aquela
transformar, por esta via, num órgão parecerístico ou meramente con-
sultivo.
Os pedidos de informação referidos – que deverão ser acompanha-
dos da identificação dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se
pretenda – devem ser dirigidos por via eletrónica ao dirigente máximo
do serviço, que é a entidade competente para proferir a decisão331, e
devem ser apresentados pelos próprios sujeitos passivos, por outros in-
teressados (v.g., ex-cônjuges, ex-sócios) ou ainda pelos representantes
legais de uns ou de outros332. Contudo, neste último caso, e como forma
de evitar a cobrança indevida de honorários, importa salientar o que re-
fere o art.º 68.º, n.º 5 da LGT: as informações (…) podem ser prestadas
a advogados ou outras entidades legalmente habilitadas ao exercício da
consultadoria fiscal acerca da situação tributária dos seus clientes devi-
damente identificados, mas serão obrigatoriamente comunicadas a estes.
A Administração tributária deverá (também por via eletrónica) dar
uma resposta no prazo máximo de 150 dias333, mas mediante solicitação
justificada do requerente, a informação vinculativa pode ser prestada
com carácter de urgência, no prazo de 75 dias, desde que o pedido seja
acompanhado de uma proposta de enquadramento tributário. Neste úl-
timo caso, a Administração tributária deve, no prazo máximo de 30 dias,
notificar o contribuinte do reconhecimento ou não da urgência e, caso
esta seja aceite, do valor da taxa devida, a ser paga no prazo de cinco
dias334.
Saliente-se que a proposta de enquadramento jurídico-tributário
dos factos a que se refere o pedido de informação vinculativa urgente
considera-se tacitamente sancionada como informação vinculativa se o

anterior despacho (na medida em que a situação hipotética objeto do pedido de informação
vinculativa coincida com a situação de facto objeto do pedido de reconhecimento – cfr. art.º
57.º, n.º 3, do CPPT).
331
V. art.º 68.º, n.º 1, da LGT. Para desenvolvimentos, v. portaria 972/2009, de 31 de agosto.
332
V. art.º 68.º, n.º 4, da LGT
333
Cfr. art.º 68.º, n.º 4, da LGT. V., abaixo, apartado 5.5.
334
Cfr. art.º 68.º, n.os 2, 6 e 7, da LGT.

178
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

pedido não for respondido no prazo referido (com efeitos restritos es-
pecificamente aos atos e factos identificados no pedido e ao período de
tributação em que os mesmos ocorram)335.
Saliente-se igualmente que o incumprimento do prazo de resposta
acima referido, quando o contribuinte atue com base numa interpreta-
ção plausível e de boa-fé da lei, limita a responsabilidade deste à dívida
do tributo, abrangendo essa exclusão de responsabilidade as coimas, os
juros e outros acréscimos legais336.
Do mesmo modo, um silêncio da AT nesta sede pode significar a im-
possibilidade de recurso à norma geral antiabuso (infra mencionada)337.

***

À resposta prestada ficam os órgãos administrativo-tributários vincu-


lados nos seguintes termos:
– Em primeiro lugar, trata-se de uma vinculação inter-partes, não
podendo a AT, apenas em relação ao caso em concreto objeto do
pe­dido, proceder em sentido diverso da informação prestada, no
sentido de acautelar as legítimas expectativas criadas no destinatá-
rio desta (princípio da proteção da confiança). Contudo, não é legítima
a invocação, por qualquer outra pessoa, de uma eventual eficácia
erga omnes da informação prestada. Importa assinalar ainda que a
AT pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de
acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de atuar
em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente
prestadas aos interessados (ou o seu procedimento no processo di-
vergir do habitualmente adotado em situações idênticas: art.º 104.º,
n.º 1 da LGT);
– Em segundo lugar, trata-se de uma vinculação sujeita a condição,
na medida em que ela apenas se verifica a partir da notificação da
informação338;

335
Assim, art.º 68.º, n.os 8 e 9, da LGT.
336
Idem, n.º 18.
337
Assim, art.º 63.º, n.º 8, do CPPT.
338
Cfr. art.º 57.º, n.º 1, CPPT.

179
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Em terceiro lugar trata-se de uma vinculação relativa e não abso-


luta, no sentido em que a informação prestada cede perante uma
decisão em contrário dos Tribunais339. Procura-se aqui, entre outras
razões, assegurar a (inquestionável) independência dos órgãos ju-
risdicionais que, de outra forma, como que passariam também eles
a estar sujeitos às prévias decisões administrativas que tivessem
sido tomadas sobre um determinado caso em concreto.

Em termos temporais, as informações vinculativas não são um ins-


tituto pensado para vigorar ad aeternum, prevendo-se especifica­mente
duas causas de cessação da sua vigência (“caducidade”, lhe chama o
legislador):
i) Em primeiro lugar, quando se verificar alteração superveniente dos
pressupostos de facto ou de direito em que assentaram (para evitar
informações que, entretanto, ficam sem objeto ou desconexas com
o substrato material respetivo);
ii) Em segundo lugar, o decurso do lapso de quatro anos após a data
da respetiva emissão, salvo se o sujeito passivo solicitar a sua reno-
vação340 (como modo de obviar as informações que se desatualizam
com o tempo e que os serviços não tiveram, entretanto, oportuni-
dade de reconsiderar).

Além disso, se uma determinada “questão de Direito relevante” ti-


ver sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação, ou
seja, previsível que o venha a ser, a Administração tributária deve pro­
ceder à conversão das informações vinculativas em circulares adminis-
trativas341.
Por último, importa observar que o pedido de informação vinculativa
é arquivado se estiver pendente ou vier a ser apresentada reclamação,
recurso ou impugnação judicial que implique os factos objeto do pedido
de informação342.
De salientar ainda que, em ordem ao princípio constitucional da
irrevogabilidade dos atos administrativos constitutivos de direitos

339
Cfr. art.os 68.º, n.º 14, da LGT.
340
V. art.º 68.º, n.º 15 da LGT.
341
Assim, art.º 68.º-A, n.º 3, da LGT.
342
V. art.º 68.º, n.º 12 da LGT.

180
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

(outra importante densificação do princípio da segurança jurídica e pro-


teção da confiança), as informações prestadas não poderão, a posteriori,
ser alteradas nem revogadas com efeitos retroativos. Também não são
impugnáveis ou recorríveis, uma vez que não incorporam qualquer ato
lesivo343.

5.1.2. Procedimentos cujo destinatário da informação é a Adminis­


tração tributária

5.1.2.1. Procedimento de inspeção tributária


O primeiro grande procedimento de natureza informativa que cumpre
estudar, e que é um dos que assume maior relevância prática é o proce-
dimento de inspeção tributária.
Atenta a complexidade que o mesmo pode assumir, e tendo por obje­
tivo contribuir para a clarificação da sua perceção e do seu entendimento
jurídicos, entende-se por bem desdobrar a exposição nos seguintes nú-
cleos analíticos: (i) enquadramento e localização temática, (ii) tipos ou
espécies, (iii) sujeitos participantes e (iv) fases.

5.1.2.1.1. Enquadramento do procedimento de inspeção tributária


O procedimento de inspeção tributária – cuja disciplina jurídica essen-
cial consta do Regime Complementar do procedimento de inspeção tri-
butária e aduaneira (RCPITA), aprovado pelo DL n.º 413/98, de 31 de
dezembro, e ao qual subsidiariamente se aplica o disposto na LGT, no
CPPT, nos demais códigos e leis tributárias, na lei orgânica da Direcção-
-Geral dos Impostos e respetivos diplomas regulamentares e no CPA344
– é um procedimento informativo (não sancionador: a AT não “castiga”
contribuintes), que tem como objetivos (i) a observação das realidades
tributárias, (ii) a verificação do cumprimento das obrigações tributárias
e (iii) a prevenção das infrações tributárias345.
Para a prossecução destes objetivos, a inspeção tributária – que de-
verá obedecer aos princípios da verdade material, da proporcionalidade,

343
V. art.º 68.º, n.º 16 da LGT. Neste sentido, acórdão do STA de 08 de novembro de 2006,
processo n.º 0382/06.
344
Cfr. art.º 4.º do RCPITA.
345
Assim, art.º 2.º, n.º 1, do RCPITA.

181
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

do contraditório e da cooperação346 – compreende, entre outras, as se-


guintes atuações347:
– Confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e
demais obrigados tributários;
– Indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos pas­
sivos e demais obrigados tributários;
– Inventariação e avaliação de bens, móveis ou imóveis, para fins de
controlo do cumprimento das obrigações tributárias;
– Realização de perícias ou exames técnicos de qualquer natureza;
– Promoção, nos termos da lei, do sancionamento das infrações tribu-
tárias.

Em termos jurídico-conceptuais precisos e se quiser dar-se aprovei-


tabilidade aos termos utilizados pelo próprio legislador, cumpre distin-
guir o procedimento inspetivo – a cadeia ou sucessão de atos diversos
com vista à produção do resultado administrativo final (relatório de
inspeção) – e as ações inspetivas – os atos materiais de averiguação ou
indagação da situação do visado –, sendo certo que as segundas fazem
parte integrante do primeiro.
Antes ainda de avançar, importa realçar uma nota extremamente
importante: sendo certo que, como se disse, a inspeção tributária tem
natureza e finalidades meramente informativa (não sancionatórias),
a verdade é que, em termos práticos, as consequências decorrentes de
procedimentos inspetivos tributários podem ser bastante incómodas e
gravosas: basta pensar, por exemplo, nas perturbações e constrangimen-
tos relacionados com as alterações de horários, com o escalonamento de
funcionários da empresa para tarefas não habituais, na indisponibilidade
de livros de registo ou de contabilidade, na visibilidade e na afetação do
bom nome, etc., etc. (além, evidentemente, dos atos finais dele decor-
rentes, como liquidações de impostos ou cessação de benefícios)348.

5.1.2.1.2. Tipologia das inspeções tributárias


O procedimento de inspeção tributária pode ser classificado de acordo
com vários critérios, importando salientar que tais classificações impli-
346
V. art.º 5.º do RCPITA.
347
Cfr. art.º 2.º, n.º 2, do RCPITA.
348
V., por exemplo, acórdão do STA de 31 de janeiro de 2018, processo n.º 099/17.

182
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

cam consequências relevantes ao nível do tratamento jurídico subse-


quente.
Aplicando os mais relevantes critérios, é possível distinguir os se-
guintes tipos jurídicos de inspeção tributária:
i) Quanto às finalidades, existem os procedimentos inspetivos de com-
provação e verificação – que são aqueles que procuram confirmar o
cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obri-
gados tributários – e os procedimentos inspetivos de informação – que
são aqueles que incidem sobre o cumprimento dos deveres legais
de informação ou de parecer349;
ii) Quanto ao âmbito de abrangência material, distinguem-se os pro-
cedimentos inspetivos gerais – quando estiver em causa a situação tri-
butária global ou o conjunto dos deveres tributários dos sujeitos
passivos ou dos demais obrigados tributários –, dos procedimentos
inspetivos parciais – quando estiver em causa apenas algum, ou al-
guns, tributos ou algum, ou alguns, deveres dos sujeitos passivos
ou dos demais obrigados tributários350;
iii) Quanto à respetiva propulsão ou impulso, podem verificar-se pro-
cedimentos inspetivos de iniciativa administrativa e procedimentos inspe-
tivos de iniciativa do sujeito passivo351.

349
Cfr. art.º 12.º do RCPITA.
350
Cfr. art.º 14.º do RCPITA.
351
V. art.º 47.º da LGT e 27.º, n.º 2, do RCPITA. Na economia das presentes Lições a aten-
ção primordial será dispensada ao primeiro tipo de procedimento inspetivo (de iniciativa
administrativa). Em todo o caso, sempre se poderá adiantar alguns tópicos orientadores do
re­gime jurídico das inspeções a pedido (iniciativa) do contribuinte, cujo regime jurídico
consta, no essencial, do Decreto-Lei n.º 6/99, de 08 de janeiro. No contexto deste diploma,
cumpre destacar:
– De um ponto de vista subjetivo, este tipo inspetivo tem por referência sujeitos passivos
que disponham de contabilidade organizada (art.º 1.º, n.º 2);
– A inspeção pode ser requerida ao Diretor-geral pelo próprio sujeito passivo ou, com auto­
rização expressa deste, por terceiro (art.º 2.º, n.º 1), devendo invocar e provar “interesse
legítimo” (art.º 2.º, n.os 4 e 6);
– Trata-se de uma possibilidade onerosa, na medida em que é devido o pagamento de uma
taxa pelo serviço prestado (art.º 4.º);
– As conclusões do relatório da inspeção vinculam a Administração tributária, não podendo
esta proceder a novas inspeções com o mesmo objeto. Também não poderá praticar atos
de liquidação que não tenham por fundamento as conclusões do relatório de inspeção
(art.º 5.º, n.º 1 – v., também, art.º 47.º, n.º 1, da LGT). Todavia, a Administração tributária

183
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

iv) Quanto ao lugar da realização, existem procedimentos inspetivos in-


ternos, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos
serviços da Administração tributária, e procedimentos inspetivos
externos, quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcial-
mente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou
demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham
relações económicas ou em qualquer outro local a que a Adminis-
tração tenha acesso352.

A relevância destas classificações é incontornável, na medida em que


as incidências jurídicas são diversas, consoante se esteja em presença de
um ou outro tipo de inspeção. Apenas a título meramente exemplifica-
tivo, e com finalidades puramente pedagógicas – propósito nuclear das
presentes Lições –, apontam-se os seguintes aspetos de regime:
i) Se a AT quiser alterar os fins, o âmbito e a extensão do procedi-
mento, não o poderá fazer livremente, mas apenas mediante uma
forma específica (despacho), e mediante adequada fundamentação
e notificação à entidade inspecionada (sob pena de preterição de
formalidades)353;
ii) No procedimento de inspeção externa (e apenas neste):
– Existe uma tendencial proibição de não repetição das inspeções
em relação ao mesmo contribuinte, tributo e período de tributa-
ção, como decorrência das exigências do princípio da proporcio-
nalidade ou da proibição do excesso354;
– O respetivo início deve ser notificado ao sujeito passivo ou obri-
gado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias re-
lativamente ao seu início355;

pode, até à conclusão da inspeção, condicionar a eficácia vinculativa do relatório à revela-


ção pelos sujeitos passivos dos dados incluídos no sigilo bancário (art.º 3.º, n.º 4).
– O contribuinte pode reclamar, recorrer ou impugnar os atos administrativo-tributários le-
sivos derivados do relatório de inspeção (art.º 6.º, n.º 1). Nestes casos, o efeito vinculativo
do relatório só se produz a partir da resolução definitiva da reclamação, impugnação ou
recurso (art.º 6.º, n.º 2).
352
Cfr. art.º 13.º do RCPITA.
353
Cfr. art.º 15.º, n.º 1, do RCPITA.
354
Assim, 63.º, n.º 4, da LGT.
355
Assim, art.º 49.º, n.os 1 e ss. do RCPITA.

184
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

– Exige-se sempre a credenciação dos funcionários (sendo que se


consideram credenciados os funcionários da AT munidos de or-
dem de serviço emitida pelo serviço competente ou de cópia do
despacho do superior hierárquico que determinou a realização
do procedimento)356;
– A notificação do seu início ao contribuinte faz suspender o pra-
zo de caducidade da liquidação de tributos (permitindo à AT
dispor de mais tempo para exercer os poderes inerentes a essa
liquidação)357.

Importa relevar que a qualificação dada pela AT ao procedimento


em causa não é vinculativa. Significa isto, naturalmente, que o facto de a
Administração designar certa inspeção como “meramente interna” não
seignifica que o seja efetivamente, podendo o Tribunal proceder à re-
qualificação358.

5.1.2.1.3. Os atores do procedimento de inspeção tributária

a) A Administração tributária
Como sabemos, para poder praticar atos procedimentais válidos, e em
obediência os imperativos de legalidade e da precedência de lei, os ór-
gãos da Administração tributária necessitam de uma prévia atribuição
competencial. Tal atribuição, em matéria de inspeção tributária, consta
do art.º 16.º do RCPITA, nos termos do qual são competentes para a prá-
tica dos atos de inspeção tributária, os seguintes serviços da Autoridade
tributária e aduaneira359:
– A Unidade dos Grandes Contribuintes (por nós abordada, de modo
sumário, já de seguida), relativamente aos sujeitos passivos que de
acordo com os critérios definidos sejam considerados como grandes
contribuintes;
– As direções de serviços de inspeção tributária que, nos termos da
orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, integram a área

356
V. art.º 46.º, n.os 1 e 2, do RCPITA.
357
Cfr. art.º 46.º, n.º 1, da LGT.
358
V. acórdão do TCA-Sul de 9 de março de 2017, processo n.º 05458/12.
359
Quanto a eventuais incompatibilidades, cfr. art.º 20.º.

185
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

operativa da inspeção tributária, relativamente aos sujeitos passivos


e demais obrigados tributários que sejam selecionados no âmbito
das suas competências ou designados pelo Diretor-Geral da Auto-
ridade Tributária e Aduaneira;
– As unidades orgânicas desconcentradas, relativamente aos sujeitos
passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fis-
cal na sua área territorial.

Trata-se, esta, da competência abstrata para a intervenção no proce-


dimento inspetivo, a qual repousa sobre os serviços referidos e não so-
bre quaisquer outros, públicos ou privados. Por aqui se conclui que não
dispõem de competência para a prática de atos de inspeção tributária
– e apenas a estes nos referimos, e não a atos de indagação em outras
sedes –, por exemplo, nem as entidades policiais, nem os órgãos de
inves­tigação criminal, nem as entidades reguladoras, de fiscalização ou
supervisão, nem as entidades privadas
Porém, além da referida competência abstrata, os órgãos da AT care-
cem igualmente de estar legitimados em concreto para, naquela situação,
proceder a atos inspetivos, o que comporta a exigência de credenciação.
Na verdade, o início do procedimento externo de inspeção depende da
credenciação dos funcionários e do porte do cartão profissional ou outra
identificação relevante, considerando-se credenciados os funcionários da
AT munidos de ordem de serviço emitida pelo serviço competente, ou
no caso de não ser necessária ordem de serviço de cópia do despacho do
superior hierárquico que determinou a realização do procedimento ou a
prática do ato360. De resto, a ausência do preenchimento deste importan-
te requisito formal legitima os visados a opor-se aos atos de inspeção361.
Convém igualmente salientar que, em homenagem ao princípio da
confidencialidade já referido, “o procedimento da inspeção tributária é
sigiloso, devendo os funcionários que nele intervenham guardar rigo­
roso sigilo sobre os factos relativos à situação tributária do sujeito pas-
sivo ou de quaisquer entidades e outros elementos de natureza pessoal
ou confidencial de que tenham conhecimento no exercício ou por causa
360
Cfr. art.º 46.º, n.os 1 a 3 do RCPITA. Nos termos do n.º 4, não será necessária ordem de
serviço quando as ações de inspeção tenham por objetivo a consulta, recolha e cruzamento
de elementos, o controlo de bens em circulação ou controlo dos sujeitos passivos não
registados.
361
Assim, art.º 47.º do RCPITA.

186
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

das suas funções”. Este dever de sigilo não cessa com o termo das fun-
ções e transmite-se às entidades que tenham acesso, em virtude de de-
veres de comunicabilidade de dados, aos dados obtidos pela inspeção
tributária362.

b) Os sujeitos passivos
Embora o procedimento de inspeção tributária vise, em primeira linha
e em abstrato, os sujeitos passivos em sentido restrito (sujeitos passivos
diretos ou originários), são também atores do mesmo, além deles, os
demais obrigados tributários – como os substitutos e responsáveis soli-
dários ou subsidiários, as sociedades dominadas e integradas no regime
especial de tributação dos grupos de sociedades, e os sócios das socieda-
des transparentes – e quaisquer outras pessoas que tenham colaborado
nas infrações fiscais a investigar363.
Ora, no contexto desse universo alargado de potenciais visados,
quem pode ser, em concreto, inspecionado?
As pessoas ou entidades podem ser selecionadas na sequência de vá-
rios factos ou atos364:
i) Abrangência por critérios objetivos abstratamente fixados no Plano
Nacional de Atividades da Inspeção Tributária a Aduaneira
(PNAITA), que é um documento de natureza programática do
qual constam as grandes linhas de atuação da AT neste domínio;
ii) Abrangência por critérios objetivos, abstratamente definidos pelo
Diretor-geral, de acordo com necessidades conjunturais de pre-
venção e eficácia da inspeção tributária;
iii) Aplicação de métodos aleatórios;
iv) Existência de denúncia;
v) Verificação de desvios significativos ou de indícios de infração tri-
butária no comportamento fiscal dos sujeitos;
vi) Solicitação de autoridade estrangeira no âmbito da cooperação
internacional em matéria tributária;
vii) Iniciativa do próprio sujeito passivo ou de terceiro que prove inte-
resse legítimo.

362
Cfr. art.º 22.º do RCPITA.
363
Cfr. art.º 2.º, n.º 3 do RCPITA.
364
Cfr. art.º 27.º, n.os 1 e 2 do RCPITA. Quanto ao Plano Nacional de Atividades da Inspeção
Tributária e Aduaneira (PNAITA), v. art.os 23.º e ss.

187
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Em todos estes casos, como se compreende, o sujeito em questão


deverá colaborar com a AT, estando investido num verdadeiro dever
específico com esse sentido, resultando que a falta de colaboração ile-
gítima pode ter como consequência, não apenas a responsabilidade
contraordenacional ou criminal da pessoa em causa, mas igualmente a
aplicação de métodos indiretos de tributação365. Porém, a falta de cola-
boração poderá ser considerada legítima – e, consequentemente, não
implicar as consequências desfavoráveis referidas – quando estiverem
em causa atuações que impliquem366:
– O acesso à habitação do contribuinte;
– A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou
outro dever de sigilo legalmente regulado (salvo, naturalmente, os
casos de consentimento do titular ou de derrogação do dever de si-
gilo bancário pela Administração tributária legalmente admitidos);
– O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos;
– A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberda-
des e garantias dos cidadãos (v.g., direito ao bom nome, à reputação,
à deslocação, à reunião) nos termos e limites previstos na Constitui-
ção e na lei.

Nestes casos, a diligência só poderá ser realizada mediante autoriza-


ção concedida pelo Tribunal da comarca – não pelo Tribunal adminis-
trativo e fiscal (TAF)!– competente com base em pedido fundamentado
da Administração tributária.

§ Especial referência à categoria dos “grandes contribuintes”


Uma referência final, neste sub-apartado sistemático, para uma tenta­
tiva de introdução de algum substrato de proximidade no Direito tributário
adjetivo, e em particular na inspeção tributária, quebrando a tradicional
visão distante, rígida e autoritária da Administração: trata-se da conside-
ração especial dispensada a certos contribuintes.
Sendo certo que a AT desenvolve a sua atividade inspetiva tendo
sempre presentes os princípios da colaboração e da imparcialidade, a
verdade é que a complexidade inerente ao crescente desenvolvimento

365
Cfr. art.os art.º 32.º e 10.º do RCPITA.
366
Cfr. art.º 63.º, n.º 5, da LGT.

188
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

de certas atividades empresariais e prestacionais (e a própria “relevân-


cia económica e fiscal” dos contribuintes), implica que, com cada vez
maior frequência, certos atores requeiram um acompanhamento mais
pró­ximo, especializado e tendencialmente permanente. Tendo presente
estas especiais necessidades, o legislador prevê a possibilidade de qua-
lificação ou categorização como grandes contribuintes. Neste contexto,
compete ao Diretor-geral da AT determinar os critérios que devem pre-
sidir a essa qualificação, o que pode passar, designadamente, pelo respe-
tivo volume de negócios, tipo societário (v.g., SGPS´s), quantitativo de
impostos a pagar, integração em estruturas grupais, etc.367.
Uma importante consequência decorrente da qualificação como
grande contribuinte verifica-se ao nível da competência administrativa
para a prática de atos, na medida em que, como regra, as competên-
cias atribuídas aos órgãos periféricos regionais (e.g., direções de finanças)
e aos órgãos periféricos locais (e.g., serviços de finanças) devem ser exerci-
das pelo órgão do serviço central da AT a quem, organicamente, seja com­
tida como atribuição específica o respetivo acompanhamento e ges-
tão tributárias (com exceção dos impostos aduaneiros e especiais de
consumo)368.

5.1.2.1.4. A tramitação do procedimento de inspeção tributária


Como qualquer procedimento, também a inspeção tributária, obede-
cendo a uma tramitação legalmente pré-estabelecida com o objetivo de
produção de um determinado resultado do qual é instrumental, importa
a observância de determinadas fases ou etapas estruturantes.
Procurar-se-á averiguar de seguida, de uma maneira pedagogica­
mente apropriada e cientificamente aceitável, qual o iter que, em geral,
um procedimento inspetivo deve percorrer.

a) Fase preliminar
Desde logo, e antes de tudo o mais, uma fase preliminar, de natu­reza
abstrata e preparatória, que tem em vista traçar o círculo objetivo e sub-
jetivo dentro do qual todos os desenvolvimentos subsequentes se loca-
lizarão. Esta fase – que, em rigor, ainda não se pode verdadeiramente

V. art.os 68.º-B da LGT e 12.º, n.os 2, 3 e 4, do RCPITA.


367

Assim, art.º 6.º, n.º 4 do DL 433/99 (diploma de aprovação do CPPT, já acima referido).
368

Quanto às competências em sede de IMI, v., n.º 5.

189
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

dizer que integre o procedimento inspetivo –compreende os seguintes


momentos:
i) O planeamento abstrato, materializado na elaboração do plano na-
cional de atividades de inspeção tributária e aduaneira (PNAITA),
que, como já se referiu, é um documento de natureza programática
(aprovado pelo Ministro das Finanças, sob proposta do Diretor-
-geral) do qual constam as grandes linhas de atuação da AT neste
domínio369.
ii) A seleção e identificação concreta dos sujeitos passivos e demais
obrigados tributários a inspecionar, de acordo com os critérios
também já supra referidos370;
iii) A preparação da inspeção, designadamente por via da recolha de
toda a informação disponível sobre o sujeito passivo ou obrigado
tributário em causa371.

b) Comunicação prévia
Após essa antecâmara ou fase prévia, surge a comunicação do início do
procedimento inspetivo ao visado. Trata-se de uma fase extremamente
importante, na medida em que é a partir deste momento que o contri-
buinte (ou um terceiro) fica a saber que vai ser alvo de investigação para
efeitos tributários e, além disso – e uma vez mais reiterando um aspeto
já salientado –, com esta notificação, suspende-se o prazo que a AT
tem para proceder à liquidação dos tributos (prazo de caducidade – 4
anos, em regra)372. Tal efeito suspensivo permitirá à AT dispor de mais
tempo para exercer os poderes liquidatórios, os quais se podem consi-
derar condicionados com a inspeção em curso, na medida em que ainda
estarão a ser recolhidos elementos probatórios relevantes.
Neste particular, importa acentuar que, em geral, o visado deverá ser
notificado com indicação da identificação do funcionário, dos elementos
pretendidos no âmbito do procedimento de inspeção, da fixação do pra-
zo, local e hora de realização dos atos de inspeção e da informação sobre
as consequências da violação do dever de cooperação373.

369
Cfr. art.os 23.º e ss. do RCPITA.
370
Cfr. art.º 27.º do RCPITA.
371
Cfr. art.º 44.º, n.º 2, do RCPITA.
372
Cfr. art.º 46.º, n.º 1, da LGT.
373
Cfr. art.os 38.º e 37.º, n.º 2, do RCPITA.

190
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Especificamente nas situações de inspeção externa – nas quais o vi-


sado deverá designar uma pessoa que coordenará os seus contactos com
a Administração tributária e assegurará o cumprimento das obrigações
legais374 –, o início do procedimento deve ser notificado com uma ante­
cedência mínima de 5 dias, relativamente a esse início, por carta-aviso
elaborada de acordo com modelo aprovado pelo Diretor-geral, contendo
os seguintes elementos375:
– Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objeto da
inspeção;
– Âmbito e extensão da inspeção a realizar;
– Um anexo com os direitos, deveres e garantias dos visados no proce-
dimento de inspeção.

Note-se que esta notificação por carta-aviso (art.º 49.º do RCPITA)


não se confunde com a data do início do procedimento de inspeção
propriamente dito. Trata-se apenas de uma comunicação antecipada.
O procedimento inicia-se com a notificação pessoal – em presença e
com assinatura – do despacho ou da ordem de serviço respetiva (art.º
51.º, n.º 2, do RCPITA)376.
Todo o procedimento deve, em regra, estar concluído no prazo má­
ximo de 6 meses377.

***

374
Assim, art.º 52.º do RCPITA.
375
Cfr. art.º 49.º, n.os 2 e 3, do RCPITA. A notificação ao contribuinte do despacho do início
da ação de inspeção externa faz, nos termos do art.º 46.º, n.º 1, da LGT, suspender o prazo
de caducidade da liquidação do tributo em causa (em princípio, 4 anos). Significa isto que,
suspendido o prazo – e retomado adiante no mesmo ponto da contagem –, a AT acabará por
ter mais tempo para liquidar os tributos. Contudo, nos casos em que a duração da inspeção
externa ultrapasse o prazo de 6 meses após a notificação, tal suspensão cessa, passando-se a
contar o prazo de caducidade desde o início.
376
Cf. acórdão do STA de 12 de outubro de 2016, processo n.º 0879/15.
377
Cf. art.º 36.º, n.º 2, do RCPITA. Quanto às possibilidades de prorrogação do prazo, v.
n.os 3 e ss. Quanto às problemáticas situações em que a AT não encerra (devendo-o) um
procedimento de inspeção, v. o já citado acórdão do STA de 31 de janeiro de 2018, processo
n.º 099/17.

191
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Porém, por razões relacionadas com a gravidade das situações sub-


jacentes, com a salvaguarda do efeito útil do procedimento ou com a
simplicidade ou praticabilidade das atuações, situações existem que jus-
tificam uma dispensa de notificação antecipada, consubstanciando ver-
dadeiras inspeções-surpresa. Tais situações estão previstas no art.º 50.º do
RCPITA, e são as seguintes:
– O procedimento vise apenas a consulta, recolha ou cruzamento de
documentos destinados à confirmação da situação tributária do
sujeito passivo ou obrigado tributário;
– O fundamento do procedimento for participação ou denúncia efe-
tuada nos termos legais e estas contiverem indícios de fraude fiscal;
– O objeto do procedimento for a inventariação de bens ou valores
em caixa, a recolha de amostras para perícia, o controlo de bens
em regime aduaneiro económico ou suspensivo, a realização de tes-
tes por amostragem ou quaisquer atos necessários e urgentes para
aquisição e conservação da prova;
– O procedimento consistir no controlo dos bens em circulação e da
posse dos respetivos documentos de transporte;
– O procedimento se destine a averiguar o exercício de atividade por
sujeitos passivos não registados;
– A notificação antecipada do início do procedimento de inspeção
for, por qualquer outro motivo excecional devidamente fundamen-
tado pela Administração tributária, suscetível de comprometer o
seu êxito;
– O procedimento vise a avaliação do cumprimento de pressupostos
de isenção que dependam do fim ou da utilização dada às merca­
dorias.

Nestes casos, a carta-aviso acima referenciada será entregue no pró-


prio momento da prática dos atos de inspeção.

***

Deve ainda salientar-se que as notificações no contexto inspetivo de-


verão também obedecer às regras a seguir enunciadas378.

378
V. também, art.os 42.º e ss.

192
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

i) Quanto às pessoas singulares, deve-se observar o disposto no


CPPT379, com as seguintes adaptações:
• Em caso de notificação na pessoa de empregado ou colabora-
dor380, deve remeter-se carta registada com aviso de receção
para o domicílio fiscal do sujeito passivo ou obrigado tributário,
dando-lhe conhecimento do conteúdo da notificação, do dia, da
hora e da pessoa em que foi efetuada;
• Nas situações tributárias comuns ao casal, notificar-se-á qual-
quer dos cônjuges. Porém, caso a atividade objeto de procedi-
mento de inspeção seja exercida ou se relacione com apenas um
dos cônjuges a notificação deve ser feita, preferencialmente, na
sua pessoa, ainda que ambos os cônjuges sejam sujeitos passivos
de IRS.
ii) Quanto às notificações das pessoas coletivas, ou entidade fiscal-
mente equiparada, vale o disposto no art.º 40.º do RCPITA, de
onde constam as seguintes regras:
• A notificação na pessoa de empregado ou colaborador far-se-á
mediante a entrega do duplicado e a indicação que este deverá
ser entregue a representante da pessoa coletiva;
• Se o empregado, colaborador, ou representante do sujeito pas-
sivo ou outro obrigado tributário se recusarem a assinar a noti­
ficação, recorrerá o funcionário a duas testemunhas que com
ele certifiquem a recusa, devendo todos em conjunto assinar a
notificação, após o que se entregará duplicado desta à pessoa
notificada.
iii) Quanto à notificação de entidades residentes no estrangeiro, apli-
cam-se as regras estabelecidas na legislação processual civil, com
as necessárias adaptações, observando-se o que estiver estipulado
nos tratados e convenções internacionais e, na sua falta, recorrer-
-se-á a carta registada com aviso de receção, nos termos do regula-
mento local dos serviços postais381.

379
Cfr. art.os 39.º do RCPITA e 35.º e ss. do CPPT.
380
Trata-se, este, de mais um conceito indeterminado, que suscita muitas dificuldades de
densificação mas que, em qualquer dos casos, há-de pressupor um nexo funcional e material
relativamente forte com a entidade inspecionada, não se incluindo, por exemplo, funcioná-
rios de limpeza, seguranças, vigilantes, etc.
381
Cfr. art.º 41.º do RCPITA.

193
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

A ausência de comunicação materializará, crê-se, uma preterição de


formalidades essenciais, acarretando a invalidade (anulabilidade) dos
atos resultantes do procedimento inspetivo. Porém, a este propósito, a
jurisprudência tem entendido que, em determinadas circunstâncias, tal
efeito invalidante não se verificará quando o interessado, não obstante,
tome conhecimento do procedimento e do seu objeto a tempo de nele
intervir (sendo, nomeadamente, ouvido antes da comunicação do rela-
tório final). Em tais casos, a formalidade essencial “degrada-se” em for-
malidade não essencial382.

c) Prática dos atos de inspeção


Após a comunicação ao interessado, e correspondente assinatura da or-
dem de serviço (nos termos do art.º 51.º, n.º 2, do RCPITA) inícia-se o
procedimento.
Aqui, importa considerar que tipo de atos pode a AT praticar (dimen­
são material), onde podem esses atos ser praticados (dimensão espacial)
e quando podem ser praticados (dimensão temporal).

α) A dimensão material dos atos inspetivos e em particular as medi­


das cautelares
No âmbito do procedimento de inspeção, a Administração apenas pode
fazer uso das prerrogativas previstas na lei, sob pena de praticar atos in-
válidos, seja por ausência de atribuições, seja por incompetência. Neste
quadro, o arsenal de atos que em concreto podem ser praticados pelos
agentes de inspeção resultam da consideração combinada dos preceitos
constantes da LGT e do RCPITA – particularmente o art.º 63.º do pri-
meiro diploma e os art.os 28.º e 29.º do segundo –, sendo possível afir-
mar, de um modo tópico e linear, que tais agentes dispõem de:
i) Direito de entrada e de permanência (acesso geográfico), na medida
em que podem aceder sem constrangimentos às instalações, de-
pendências ou outros locais da entidade inspecionada onde pos-
sam existir elementos relacionados com a sua atividade ou com
a dos demais obrigados fiscais, sempre pelo período de tempo
necessário ao exercício das suas funções. Esta prerrogativa inclui

Assim, acórdãos do STA de 8 de maiode 2013, processo n.º 0841/11 e de 29 de junho de


382

2016, processo n.º 01095/15.

194
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

igualmente o direito à disposição de instalações adequadas ao


exercício das funções em condições de dignidade e eficácia;
ii) Direito de acesso, requisição, exame e reprodução de elementos
probatórios físicos relacionados com o âmbito da inspeção – daí a
importância da sua delimitação ab initio –, nomeadamente livros e
registos da contabilidade ou escrituração, recibos, faturas, talões,
etc.
iii) Direito de acesso, requisição, exame e reprodução de elementos
probatórios digitais, o que inclui, designadamente, a abertura dos
computadores e a consulta e o teste de sistemas e registos infor-
máticos;
iv) Direito de registo de dados, particularmente por via da conta-
gem, inventariação física e avaliação de bens relacionados com a
atividade dos contribuintes;
v) Direito à inquirição, tomando declarações dos sujeitos passivos,
membros dos corpos sociais, técnicos oficiais de contas, revisores
oficiais de contas ou de quaisquer outras pessoas, sempre que o
seu depoimento interesse ao apuramento dos factos tributários;
vi) Direito de solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas
(v.g., entidades policiais, empresas públicas, institutos públicos,
notários, conservadores), particularmente mediante a requisição
de documentos;
vii) Direito de solicitar a colaboração de certas entidades técnicas pri-
vadas (como técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de con-
tas) que prestem ou tenham prestado serviços aos inspecionados.

Todas estas atuações deverão – sempre, e nos termos do art.º 7.º do


RCPITA – ser adequadas e proporcionais aos objetivos a prosseguir.

Com particular interesse no contexto das atuações dos agentes de


inspeção tributária, recorta-se a matéria respeitante às medidas caute-
lares. Trata-se de meios jurídicos de atuação que têm por objetivo pro-
porcionar uma tutela provisória relativamente a situações nas quais o
decurso normal do tempo – e a demora associada às atuações procedi-
mentais ou processuais – incrementam as possibilidades de, nada sendo
feito, ocorrer um prejuízo grave ou de difícil reparação, particular­mente
para o Interesse público (embora, abstratamente, também se tematize a

195
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

questão tendo por referência os interesses dos sujeitos passivos ou con-


tribuintes). Pense-se, por exemplo, nas possibilidades de inviabilizar
as atuações inspetivas adulterando dados informáticos, perdendo, des­
viando ou dissipando meios documentais ou colocando bens em nome
de outra pessoa.
Embora o denominado contencioso cautelar seja objeto de referência,
análise e estudo em outro quadrante sistemático383, neste contexto da
inspeção tributária, cumpre enfatizar que dois tipos de meios cautelares
podem ser materializados (sempre com o propósito, repete-se, de evitar
a ocorrência de um prejuízo grave ou de difícil reparação):
i) Por um lado, meios cautelares administrativos, os quais podem ser
levados à prática pela própria Administração, atendendo aos prin-
cípios da proporcionalidade (estrita necessidade, adequação e pon-
deração quantitativa da medida em causa) e da obrigatoriedade de
fundamentação, e têm como finalidade específica adquirir e con-
servar elementos de prova. Aqui se incluem384:
– A apreensão de elementos documentais e suportes informáticos,
comprovativos da situação tributária do sujeito passivo ou de ter­
ceiros;
– A selagem de quaisquer instalações, apreensão de bens, valores
ou mercadorias, sempre que se mostre necessário à demons­
tração da existência de um ilícito tributário385;
– A colocação de vistos em documentos.
ii) Por outro lado, meios cautelares judiciais, os quais apenas podem
ser decretados pelo Tribunal, mediante pedido fundamentado da
Administração tributária, e têm como finalidade específica assegu-
rar a cobrança da receita tributária (em face de um fundado receio
de frustração dos créditos fiscais ou de diminuição das garantias de
arrecadação), ou evitar o extravio ou deterioração de documentos
conexos com obrigações tributárias. Aqui se incluem386:

383
Cfr. infra, II, 7.
384
V. art.os 28.º, alínea g), e 30.º, n.os 1 e 2, do RCPITA.
385
Note-se que as instalações seladas não deverão conter bens, documentos ou registos que
sejam indispensáveis para o exercício da atividade normal da empresa, nomeadamente bens
comercializáveis perecíveis no período em que presumivelmente a selagem se mantiver
(art.º 30.º, n.º 4, do RCPITA).
386
Cfr. art.º 31.º do RCPITA.

196
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

– O arresto de bens (apreensão, captura);


– O arrolamento de bens (inclusão num rol ou listagem).

β) A dimensão espacial dos atos inspetivos


A este respeito, rege o art.º 34.º do RCPITA, de acordo com o qual a
regra é a de que, no que respeita aos procedimentos inspetivos externos,
quando o procedimento de inspeção envolver a verificação de mercado-
rias, do processo de produção, da contabilidade, dos livros de escritura-
ção ou de outros documentos relacionados com a atividade da entidade a
inspecionar, os atos de inspeção podem realizar-se em um de dois locais:
i) Nas instalações ou dependências onde estejam efetivamente os tais
elementos; ou
ii) Nas instalações ou dependências onde tais elementos devam legal-
mente estar.
Mediante solicitação, podem os atos de inspeção realizar-se noutro
local.

Ora, uma leitura imediata do preceito normativo pode suscitar difi-


culdades de compatibilização com dimensões constitucionais essenciais
em sede de direitos, liberdades e garantias. Com efeito, se em relação à
parte da previsão normativa que se refere à possibilidade de os atos de
inspeção se realizarem nos locais onde devam estar localizados os elemen-
tos fiscalmente relevantes não se suscitam problemas de maior – pois,
na verdade, está-se em presença de locais referenciados como profissio-
nais ou afins –, já em relação à parte da previsão normativa que se refere
à possibilidade de os atos de inspeção se realizarem nos locais onde os
mesmos estejam efetivamente, as coisas poderão não se passar do mesmo
modo. Basta pensar que o visado pelo procedimento de inspeção pode –
em desrespeito às normas legais – guardar os elementos contabilísticos
num local do seu domicílio pessoal, blindado com a reserva constitucio-
nalmente garantida.
Será certo que nestes casos, em que os funcionários poderão querer
entrar em casa do contribuinte, uma aproximação prudente passaria pela
concordância prática entre os bens jurídicos em consideração no caso
em concreto: por um lado, o Interesse público inerente à satisfação de
necessidades coletivas e à descoberta da verdade material (art.º 103.º,
n.º 1 da CRP) – corporizado no dever de investigação da AT – e, por

197
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

outro lado, o interesse individual de inviolabilidade do domicílio titu­


lado pelo inspecionado (art.º 34.º da CRP). Na prática, essa concordân-
cia ou harmonização tenderá a pender para a valorização deste último,
até pela consideração do regime constitucional dos direitos liberdades
e garantias, regime esse que impõe a previsão normativa expressa para
a restrição. Inexistente, no caso. Além disso, a própria LGT determina
que o contribuinte pode legitimamente opor-se à prática de atos de ins-
peção quando os mesmos impliquem o acesso à sua habitação, apenas
se admitindo a atuação administrativa quando precedida de autorização
judicial (do Tribunal da comarca), na sequência de um pedido funda-
mentado da AT.
Naturalmente que nas situações de procedimentos inspetivos inter-
nos, estes problemas não se colocam, na medida em que, como se refe-
riu supra, os atos em questão serão praticados nas próprias instalações
da AT.

γ) A dimensão temporal dos atos inspetivos


Aqui, o art.º 35.º do RCPITA estabelece a regra de que os atos de inspe-
ção se realizam no horário normal de funcionamento da atividade em-
presarial ou profissional, não devendo implicar prejuízo para esta.
Porém, esta regra de referência ao horário normal do inspecionado
pode levantar problemas delicados de compatibilização com outras di-
mensões juridicamente relevantes, designadamente o próprio horário
de funcionamento dos serviços administrativos de inspeção. Com efeito,
quid Iuris se tal horário normal de funcionamento ou laboração não
coincidir com este último, como sucederá, por exemplo, nos estabele-
cimentos de restauração ou de diversão noturna (v.g., bares, discotecas,
clubes), em certas estruturas industriais (por exemplo, panificadoras),
comerciais (mercados distribuidores) ou prestacionais (certas empresas
de segurança)? Nestas situações, o legislador – procurando preservar o
direito ao livre exercício da atividade económica constitucional­mente
consagrado – foi relativamente cauteloso estabelecendo derrogações
ao regime apontado, permitindo que, mediante acordo com os sujeitos
passivos ou demais obrigados tributários e quando circunstâncias exce-
cionais o justifiquem, poderão tais atos ser praticados fora desse horário.
De resto, não havendo consentimento do sujeito passivo ou do obri-
gado tributário em causa, a prática de atos de inspeção tributária fora do

198
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

horário normal de funcionamento da atividade depende de autorização


do Tribunal de comarca – uma vez mais, o Tribunal de comarca e não o
TAF – competente.

d) As consequências do procedimento de inspeção tributária: o


direito de audição e o relatório final.
Concluída a prática de atos de inspeção, e caso os mesmos possam ori-
ginar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade
inspecionada, esta deve ser notificada, no prazo de 10 dias, do projeto de
conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua funda-
mentação387. Essa notificação deve fixar um prazo entre 15 e 25 dias para
a entidade inspecionada se pronunciar e, após a prestação das declara-
ções desta, será elaborado o relatório definitivo, assinado pelo funcioná-
rio ou funcionários intervenientes no procedimento, e que deve conter,
tendo em atenção a dimensão e complexidade da entidade inspeciona-
da, os seguintes elementos388:
– Identificação da entidade inspecionada, designadamente denomi-
nação social, número de identificação fiscal, local da sede e serviço
local a que pertence;
– Menção das alterações a efetuar aos dados constantes nos ficheiros
da Administração tributária;
– Data do início e do fim dos atos de inspeção e das interrupções ou
suspensões verificadas;
– Âmbito e extensão do procedimento;
– Descrição dos motivos que deram origem ao procedimento, com a
indicação do número da ordem de serviço ou do despacho que o
motivou;
– Informações complementares, incluindo os principais devedores
dos sujeitos passivos e dos responsáveis solidários ou subsidiários
pelos tributos em falta;
– Descrição dos factos suscetíveis de fundamentar qualquer tipo de
responsabilidade solidária ou subsidiária;

387
Cfr. art.º 60.º do RCPITA. Note-se que se tiver sido decretado na pendência de procedi-
mento de inspeção tributária um eventual arresto de bens, este fica sem efeito se a entidade
inspecionada não for notificada do relatório de inspeção no prazo de 90 dias a contar da data
do seu decretamento (art.º 137.º, n.º 2 do CPPT).
388
V. art.º 62.º, n.º 3, do RCPITA.

199
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Acréscimos patrimoniais injustificados ou despesas despropor­


cionadas efetuadas pelo sujeito passivo ou obrigado tributário no
período a que se reporta a inspeção;
– Descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores
declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção
dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correções
efetuadas;
– Indicação das infrações verificadas, dos autos de notícia levantados
e dos documentos de correção emitidos;
– Descrição sucinta dos resultados dos atos de inspeção e propostas
formuladas;
– Identificação dos funcionários que o subscreveram, com menção do
nome, categoria e número profissional;
– Outros elementos relevantes.

Este relatório definitivo, em si, não é um ato administrativo propria-


mente dito, embora possa incorporar vários atos tributários (v.g., liqui-
dações adicionais) ou atos administrativos em matéria tributária (v.g.,
revogação de benefícios fiscais). No que diz respeito aos seus efeitos
jurídicos – isto é, à obrigatoriedade de a AT observar de futuro as suas
conclusões –, duas hipóteses haverá a considerar:
i) Se o visado requerer ao Diretor-geral o sancionamento das conclu-
sões (indicando as matérias sobre as quais o requerente pretenda
que recaia sancionamento), o relatório produzirá efeitos vincula-
tivos (inter-partes), não podendo a AT nos três anos seguintes pro-
ceder, relativamente à entidade inspecionada, em sentido diverso
do teor das conclusões, salvo se se apurar posteriormente simu-
lação, falsificação, violação, ocultação ou destruição de quaisquer
elementos fiscalmente relevantes relativos ao objeto da inspeção389.
Esse pedido de sancionamento poderá ser efetuado no prazo de 30
dias após a notificação das conclusões do relatório, considerando-
-se tal pedido tacitamente deferido se a Administração tributária
não se pronunciar no prazo de 6 meses a contar da data da entrada
do pedido390.
389
Cfr. art.º 64.º, n.os 1, 2 e 4, do RCPITA.
390
Cfr. art.º 64.º, n.º 3, do RCPITA. A este propósito, e como já acima se salientou (v. supra
I, 2.3., b), não pode deixar de se referir a aparente incongruência resultante da referência a

200
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

ii) Se o visado não requerer tal sancionamento, o relatório, em princí-


pio, produzirá efeitos meramente informativos.

Como se pode ver, a exemplo do que sucede no quadro de outros


procedimentos tributários (por exemplo, o procedimento de liquida-
ção), também aqui é possível distinguir um sentido amplo e um sentido
restrito dos termos utilizados. Com efeito, inspeção lato sensu significará
todo o conjunto de atos englobados pelo procedimento referido, desde
o planeamento até à notificação do relatório final; já a inspeção stricto
sensu materializar-se-á no conjunto de atos inspetivos propriamente di-
tos, praticados na fase instrutória.

§ Especial referência ao problema do aproveitamento de provas


para efeitos de processo criminal
Sobre a questão de saber se as provas obtidas de modo lícito durante um
procedimento de inspeção tributária podem posteriormente ser apro-
veitadas para outros procedimentos ou processos, nomeadamente de
natureza criminal ou contraordenacional já nos pronunciamos acima
(2.2.2.), de modo que para lá remetemos. Recordemos apenas alguns
dos pontos essenciais do debate:
i) Ao colaborar com a AT no seguimento do dever que lhe é legal-
mente imposto (por exemplo, apresentando documentos ou pres-
tando declarações), e se os elementos que daí resultam puderem
ser aproveitados mais tarde em sede de processo-crime, o contri-
buinte pode estar a fornecer contributos para a sua própria in-
criminação, o que poderá colidir com o seu direito ao silêncio e
com as garantias constitucionais de não se acusar a si mesmo nem
fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua própria
condenação;
ii) O TC português entendeu que princípio nemo tenetur se ipsum
accusare não é absoluto, devendo ser compatibilizado com outras
dimensões relevantes que merecem igual tutela jurídica;

este prazo de 6 meses, tendo em vista a alteração para 4 meses do prazo “normal” de conclu-
são do procedimento e de consideração para efeitos de indeferimento tácito (art.º 57.º, n.os 1
e 5 da LGT). Em termos jurídico-aplicativos, a proposta de solução poderá não ser unívoca,
mas, pela nossa parte, prudentemente, aderimos à consideração dos 6 meses.

201
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

iii) Neste quadro, importa averiguar se estão observados os pressu-


postos de restrição de direitos, liberdades e garantias enunciados
no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição (nomeadamente, saber se as
restrições em causa estão previstas na lei de forma expressa e se
obedecem às exigências do princípio da proporcionalidade);
iv) Em resumo: entende-se que os elementos adquiridos no âmbito
do procedimento tributário preenchem os pressupostos referidos
e não constituem prova proibida e poderão ser amplamente con-
traditados no âmbito do processo penal;
v) Consequentemente, a utilização, em processo criminal de provas
obtidas por uma inspeção tributária não viola qualquer norma ou
princípio constitucional, designadamente o direito à não auto-
-incriminação.

5.1.2.2. Procedimento de acesso a informações bancárias

a) Enquadramento do sigilo bancário


Já acima nos referimos, aquando do estudo do princípio da confiden-
cialidade, à existência de potenciais conflitos entre posições jurídicas
constitucionalmente protegidas sob a forma de direitos fundamentais e
à necessidade de compatibilizar tais posições mediante o recurso a ins-
trumentos de sigilo. Pois bem, chegou o momento de nos debruçarmos
sobre um problema idêntico, mas com um âmbito de aplicação, por as-
sim dizer, oposto, na medida em que o dever de sigilo recai agora, não
sobre a Administração tributária, mas sobre outros atores.
Os direitos aqui em conflito são, mais uma vez, o direito à reserva de
intimidade da vida privada e familiar por um lado, o direito a uma justa
repartição dos encargos públicos por outro, e ainda o Interesse público
da solidez e confiança na atividade bancária. Paralelamente, poderão
entrar em conflito os correspondentes meios de garantia de cada um
desses direitos: do lado do primeiro e do terceiro, o direito dos contri-
buintes e dos bancos ao sigilo; do lado do segundo, o poder-dever de
inspeção da Administração tributária.
O problema ganha particular relevo em sede de relações económicas
e financeiras, onde, além de se pressupor que o regular funcionamento
da atividade bancária pressupõe um clima de confiança nas instituições,

202
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

é de admitir que “a situação económica do cidadão, espelhada na sua


conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas”
faz parte da esfera da sua vida privada391 e, por isso, não está sujeita a
divulgação livre, mas antes a um regime de sigilo que impende sobre os
membros dos órgãos de Administração e empregados das instituições
de crédito e abrange a identidade dos clientes, as contas de depósito, os
movimentos respetivos e as demais operações bancárias392. Como refere
a jurisprudência, a imposição deste regime restritivo parece plenamen-
te justificada – basta pensar que, mediante o acesso a dados bancários,
pode ficar a saber-se quais as instituições (nomeadamente, políticas e
religiosas) às quais terminada pessoa fez um donativo, quais as desloca-
ções por si efetuadas, quais os locais onde pernoita ou onde toma refei-
ções, quais as publicações que assina, etc.393.
O dever de sigilo (ou, na perspetiva dos contribuintes, o direito ao
sigilo) configura-se, deste modo, como a regra nesta matéria: os dados
respeitantes às contas bancárias não devem ser divulgados pelas institui-
ções respetivas a terceiros.
Contudo, existem exceções a tal regra, que se consubstanciam em
verdadeiras derrogações ao sigilo bancário, ou seja, casos em que os da-
dos referidos, não só podem, como devem ser divulgados.
Naturalmente, neste contexto, vamos debruçar-nos exclusivamente
sobre as situações de derrogação desse sigilo por iniciativa ou pedido
da Administração tributária que, no âmbito dos seus poderes de inves-
tigação e de inspeção, pode desenvolver todas as diligências necessárias

391
Cfr. acórdão do TC n.º 278/95, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt.
392
Pela sua importância para o estudo da matéria em análise, transcrevemos o disposto no
art.º 78.º do DL 298/92 (Regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras):
Artigo 78.º – Dever de segredo
1 – Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os
seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a
título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou
elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo
conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação
dos seus serviços.
2 – Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e
seus movimentos e outras operações bancárias.
3 – O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.
393
Para uma abordagem da evolução histórica da realidade, v. acórdão do STA de 26 de abril
de 2006, processo n.º 0280/06.

203
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ao apuramento da situação tributária dos contribuintes e proceder à so-


licitação e exame de todos os elementos suscetíveis de esclarecer a sua
situação tributária, onde se incluem, também, os dados bancários. Fora
da nossa análise, compreensivelmente, ficarão os casos em que tal dever
de sigilo é, ou pode ser, derrogado por outras entidades, como órgãos de
polícia criminal, comissões de inquérito, órgãos disciplinares, etc.

b) Derrogações ao sigilo bancário


Em princípio, o sigilo bancário só pode ser derrogado – ou, o mesmo é
dizer, as informações por ele cobertas só podem ser fornecidas ou fa-
cultadas – mediante autorização judicial. É exatamente isto que nos pres-
creve o art.º 63.º, n.º 2 da LGT: “O acesso à informação protegida pelo
segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regu-
lado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável
(…)”.
Esta é a regra.
Contudo, e o próprio preceito referido o admite expressamente,
existem casos em que a Administração tributária pode aceder aos da-
dos cobertos pelo sigilo bancário – que constem de documentos bancá-
rios394 – sem dependência de tal autorização. Embora se possa constatar
a existência de algumas sobreposições de previsão entre as diversas prescri-
ções normativas, esses casos estão previstos no art.º 63.º-B da LGT e são
simplificadamente os seguintes:
– Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;
– Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado
ou esteja em falta declaração legalmente exigível;
– Quando se trate da verificação de conformidade de documentos
de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS
e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada ou dos
sujeitos passivos de IVA que tenham optado pelo regime de IVA de
caixa;

394
Para estes efeitos, e nos termos do n.º 10 do art.º 63.º-B da LGT, considera-se documento
bancário qualquer documento ou registo, independentemente do respetivo suporte, em que
se titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de crédito ou so-
ciedades financeiras no âmbito da respetiva atividade, incluindo os referentes a operações
realizadas mediante utilização de cartões de crédito.

204
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

– Quando o contribuinte usufrua de benefícios fiscais ou de regimes


fiscais privilegiados, havendo necessidade de controlar os respeti-
vos pressupostos;
– Quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma
avaliação indireta (particularmente, mas não só, manifestações de
fortuna e acréscimos de património injustificados);
– Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à admi­
nistração fiscal ou à segurança social.

Além destes casos, o legislador consagra ainda a hipótese de acesso


direto quando se trate de documentos bancários respeitantes a familia-
res ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contri-
buinte (por exemplo, um gerente em relação a uma sociedade inspecio-
nada395). Porém, nestes casos, exige-se como pressuposto que pré-exista
recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta396.

Neste quadro, importa colocar em evidência que, face à presunção


de veracidade das declarações do contribuinte397 cabe à Administração
tributária o ónus de provar os pressupostos que alega (v.g., os concretos
indícios da prática de crime em matéria tributária ou a real existência de
factos indiciadores da falta de veracidade do declarado), impondo-se-
-lhe um especial dever de fundamentação. A este respeito, a jurisprudência é
particularmente exigente, como se pode concluir do seguinte excerto398:
“Não é suficiente ( ...) que a Administração diga que existem indí-
cios da prática de crime doloso ou da falta de veracidade do declara-
do. É sobretudo necessário que aponte os elementos em que apoia a
sua conclusão, de modo a que a esta possa ser objetivamente aprecia-
da e controlada, para que o Tribunal possa ajuizar sobre se o juízo ad-
ministrativo se deve ter por objetiva e materialmente fundamentado.
Se não conseguir fazer a prova da realidade dos elementos em que
apoiou o seu juízo ou se esses elementos se mostram insuficientes ou

395
Neste sentido, acórdãos do STA, de 26 de abril de 2007, processo n.º 0187/07 e de 29 de
setembro de 2010, processo n.º 0668/10. Quanto ao conceito de “familiar”, para os presentes
efeitos, v. acórdão do STA, de 09 de março de 2016, processo n.º 0138/16.
396
Cfr. art.º 63.º-B, n.º 2 da LGT.
397
V. art.º 75.º, n.º 1 da LGT.
398
Cfr. Acórdão do TCA – N (secção CT) de 04 de novembro de 2004, processo n.º 00353/04.

205
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

inaptos para suportar tal juízo, a questão relativa à legalidade do seu


agir terá que ser resolvida contra ela, uma vez que tem de ser ela a
suportar a desvantagem de não ter cumprido o ónus de prova que so-
bre si impendia, de não ter convencido o Tribunal quanto à verifica-
ção dos pressupostos que lhe permitiam agir”.

De resto, todas as informações (que podem respeitar não só ao su-


jeito passivo, mas também a entidades que com ele se encontrem numa
relação de domínio399) deverão ser solicitadas – ou melhor, o correspon-
dente pedido deverá ser formulado – pelo Diretor-geral, ou seus substi-
tutos legais (sem possibilidade de delegação)400, com expressa menção
dos motivos concretos que as justificam.
Importa ainda colocar em evidência dois aspetos de regime que não
podem ser negligenciados e que, inclusivamente, justificam a dispersão
das situações acima referidas por dois números distintos do mesmo pre-
ceito401:
– Em primeiro lugar, em algumas dessas situações (as previstas no
n.º 2 do art.º 63.º – B da LGT) o visado deve obrigatoriamente ser
ouvido antes de o ato intrusivo ser levado a efeito, enquanto em ou-
tras situações (as previstas no número 1) se dispensa essa audição;
– Em segundo lugar, o visado pode reagir interpondo um recurso
contencioso adequado402 que, por norma, tem efeito meramente
devolutivo em relação ao ato administrativo de acesso aos dados,
embora em alguns casos (situações do n.º 2) possa ter efeito suspen-
sivo.

Se o pedido da Administração tributária tiver sido formulado nos ter-


mos legais, três situações são, em abstrato, possíveis:
– Em primeiro lugar, pode acontecer a situação “normal”, isto é, não
patológica, verificando-se o fornecimento dos dados em causa;

399
Cfr. art.º 63.º-B, n.º 7, da LGT.
400
Cfr. art.º 63.º-B, n.º 4, da LGT.
401
Cfr. art.º 63.º-B, n.º 5, da LGT.
402
Cfr. art.os 146.º A , n.º 2, alínea a), e 146.º-B do CPPT.

206
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

– Em segundo lugar, pode verificar-se oposição ilegítima do sujeito


passivo ou contribuinte403, e poderão ser aplicados os métodos indi-
retos de avaliação;
– Em terceiro lugar, pode verificar-se falta de cooperação da entidade
bancária. Neste caso, prescreve o art.º 90.º do RGIT (Regime geral
das infrações tributárias) que a não obediência a ordem ou man­
dado legítimo regularmente comunicado e emanado é punida
como crime de desobediência qualificada, com pena de prisão até
dois anos ou de multa até 240 dias.

5.2. Procedimentos de avaliação


Avaliar significa fixar o valor de determinado bem ou conjunto de bens,
para efeitos tributários.
Existem vários tipos de avaliações tributárias, sendo que a nossa
atenção recairá apenas sobre aquelas que, do ponto de vista do Direito
positivo, merecem maior saliência: a avaliação prévia (ponto 5.2.1.), a
avaliação direta (5.2.2.) e a avaliação indireta (5.2.3.)404.

5.2.1. Procedimento de avaliação prévia


O primeiro procedimento de avaliação sobre o qual vamos debruçar a
nossa atenção tem uma dupla natureza avaliativa-informativa. Isto por-
que, por um lado, tem por intuito proceder à avaliação de bens ou di-
reitos que constituem a base de incidência de qualquer tributo; por
outro lado, visa fornecer ao sujeito passivo uma informação abstrata,
fidedigna e vinculativa respeitante ao valor desses mesmos bens: abs-
trata porque, ao contrário das avaliações que estudaremos a seguir, não
é efetuada propositadamente para efeitos de um ato de liquidação em
concreto, mas pode ser utilizada para efeitos de vários atos de liquida-
ção; fidedigna porque são utilizados critérios que, com bastante proba-
403
As causas de oposição legítima estão previstas no art.º 63.º, n.º 5, da LGT (e excluem as
situações em que a Administração tributária formula o pedido nos termos legais) e levam
a que a diligência em causa só possa ser realizada com autorização do tribunal de comarca
competente com base em pedido fundamentado da Administração tributária (art.º 63.º,
n.º 6, da LGT).
404
Para uma análise mais aprofundada por via de um excelente enquadramento, cfr. Ri­
beiro, João Sérgio, “Tributação presuntiva do rendimento – Um contributo para reequacio-
nar os métodos indiretos de determinação da matéria tributável”, Almedina, Coimbra, 2010,
em particular, pp. 152 e ss.

207
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

bilidade, permitirão o apuramento do valor real do bem ou direito em


causa; final­mente, vinculativa porque a Administração tributária deverá
respeitar esse valor durante um certo período de tempo, não podendo
calcular tributos respeitantes a esses bens ou direitos com base num va-
lor diferente. Pense-se, por exemplo, no proprietário de um terreno que
solicita à Administração a fixação do seu valor para efeitos tributários.
Se o valor encontrado neste procedimento for de 1000, não poderá, pos-
teriormente, ser liquidado imposto (ou contribuição especial, ou taxa) a
partir de um valor de 1300405.
Quem tem legitimidade para instaurar este procedimento são, nos
termos do art.º 58.º, n.º 1 do CPPT, os contribuintes com interesse le-
gítimo e o principal efeito, como dissemos, consiste na vinculação da
Administração tributária por um prazo de três anos, vinculação essa que
apenas não se verificará se for interposta reclamação administrativa ou
impugnação judicial do respetivo valor406.

5.2.2. Procedimento de avaliação direta


A avaliação direta é um instrumento útil na busca da verdade material
– que, como vimos, deve nortear todo o procedimento tributário – e,
como resulta da própria lei (art.º 83.º, n.º 1 da LGT), tem por objetivo
a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tribu-
tação, podendo ser efetuada, consoante os casos, pela Administração
tributária ou pelo sujeito passivo. Trata-se de um procedimento que diz
respeito ao objeto mediato (quid) da relação jurídica tributária – por
exemplo, o volume de negócios de um estabelecimento comercial, uma
carteira de títulos ou um imóvel objeto de alienação ou cujos rendi-
mentos estarão sujeitos a IRS; um terreno cujo valor patrimonial estará
su­jeito a imposto sobre o património ou a uma contribuição especial,
etc. – e que se reveste da maior importância no sentido de atingir a
verdadeira capacidade contributiva do sujeito passivo, na qual todos os
impostos, e alguns outros tributos, devem assentar. Tal será conseguido,
nomeadamente, através dos dados constantes das declarações apresen-

405
Acerca dos critérios de avaliação dos prédios, cfr. art.os 14.º e ss. do CIMI e acerca das
respetivas reclamações, art.os 130.º e ss. do mesmo diploma.
406
Cfr. art.º 58.º, n.os 2 e 3 do CPPT.

208
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

tadas e/ou da contabilidade ou escrita, dados esses que se presumem


verdadeiros e de boa-fé407.
Por outro lado, e como já referimos, esta avaliação, ao contrário da
avaliação prévia, tem em vista um concreto exercício tributário ou um
concreto ato de liquidação.

Naturalmente que quando essa avaliação for efetuada pela Adminis-


tração tributária, se pode levantar a questão de saber se o ato dela de-
corrente de fixação de valor pode ou não ser impugnado administrati-
vamente e em Tribunal. A resposta adequada a esta questão passa pela
consideração do carácter definitivo ou não desse ato. Assim:
(i) Sob o ponto de vista horizontal, uma primeira leitura do art.º 86.º,
n.º 1 da LGT parece indiciar que o ato de fixação de valor decor-
rente de uma avaliação direta é sempre um ato definitivo e, por
isso, “suscetível de impugnação contenciosa direta”. Significa-
ria isto que para lançar mão da impugnação jurisdicional não se
tornaria necessário esperar por qualquer ato decisório posterior
que ainda se lhe seguisse. Contudo, uma leitura mais atenta e
inte­grada deste preceito – recorrendo a um elemento unificador
de interpretação (cfr. art.º 11.º da LGT) – pode conduzir a outra
conclusão: na medida em que o art.º 54.º do CPPT determina que
“(…) não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos inter-
locutórios do procedimento”, poder-se-á legitimamente concluir
que apenas nos casos em que à avaliação direta não se seguir qual-
quer ato jurídico (v.g., de liquidação) – porque, por exemplo, o
contribuinte está isento – será aquela suscetível de controlo ju-
risdicional imediato. Aderimos a este último modo de ver o pro-
blema, de modo que se aceita que a avaliação direta apenas será
jurisdicionalmente impugnável se for configurada como um ato
horizontalmente definitivo.
(ii) Sob o ponto de vista vertical, o ato seguramente não se assume
como verdadeiramente definitivo, pois a impugnação contenciosa
“depende do esgotamento dos meios administrativos previstos
para a sua revisão” (art.º 86.º, n.º 2 da LGT). Desta forma, antes
de recorrer a Tribunal, o sujeito impugnante deverá auscultar a

407
Cfr., uma vez mais, art.º 75.º, n.º 1 da LGT.

209
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Administração tributária uma vez mais. De que forma? Basica-


mente, pedindo um segundo ato de avaliação – possibilidade que,
por exemplo no caso de bens imóveis, se encontra prevista nos
art.os 71 e ss. do CIMI – ou utilizar, se outro não existir, o proce-
dimento de revisão dos atos tributários, previsto no art.º 78.º da
LGT. Só após a decisão desfavorável no âmbito destes últimos pro-
cedimentos (isto é, decisão que mantenha o valor fixado em sede
de primeira avaliação) é que se abre a via contenciosa.

5.2.3. Procedimento de avaliação indireta

a) Pressupostos da determinação da matéria tributável por méto­


dos indiretos
Ao contrário do que acontece com a avaliação direta, o procedimento
de avaliação indireta já não busca a efetiva verdade material, mas ape-
nas uma “verdade material aproximada”, pelo que se compreende o seu
carácter excecional e subsidiário em relação àquela408, significativo da
ideia de que apenas se recorrerá à avaliação indireta quando a avaliação
direta não for absolutamente possível ou conveniente. Utilizando as pala-
vras dos Tribunais409: “(...) só quando a matéria tributável não puder ser
apurada mediante a declaração do contribuinte, depois de corrigida, se
for caso disso, é possível à Administração afastar-se dessa declaração e
tributar o contribuinte mediante o uso de métodos indiretos”.
Aqui, o objetivo já não será a determinação do valor real dos rendi-
mentos ou bens sujeitos a tributação – porque, eventualmente, tal de-
terminação não foi possível (devido a uma atuação de “má fé” do sujeito
passivo) ou levaria à prática de inúmeros atos, registos contabilísticos e
declarações por parte de sujeitos com rendimentos baixos e pouco habi-
tuados a estes giros mercantis –, mas a determinação do valor dos rendi-
mentos ou bens tributáveis a partir de aproximações, indícios, presun-
ções, padrões ou outros elementos.
Convém enfatizar a ideia de que, em nossa opinião, é o objetivo ime-
diato da avaliação (ou a sua finalidade) o que permite distinguir os dois
tipos referidos, e não quaisquer outros critérios como o conhecimento

408
Cfr. art.º 85.º, n.º 1, LGT.
409
Assim, acórdão do STA de 2 de fevereiro de 2006, processo n.º 01011/05.

210
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

ou não da origem, fonte ou base da riqueza do sujeito em questão (crité-


rio dos rendimentos ocultos). Assim sendo, a avaliação indireta abrange (i)
não apenas os casos em que se conhece a origem da riqueza dos sujeitos,
embora se “desconfie” da sua veracidade – o que acontece por exemplo
nas situações que o legislador denominou como “impossibilidade de
comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensá-
veis à correta determinação da matéria tributável”; mas também (ii) os
casos em que não se conhece de todo a origem da riqueza dos sujeitos,
como será o que se passa nas situações em que os rendimentos decla-
rados em sede de IRS se afastam para menos, sem razão justificada, de
determinados padrões de rendimento.
Também o modo concreto como a avaliação se processa se afigurará
irrelevante para efeitos classificatórios, aqui cabendo quer (i) as situa-
ções em que se recorre a aproximações feitas pela própria Administra-
ção tributária, como acontece quando esta usa margens médias de lucro,
custos presumidos, valores de mercado, etc., quer (ii) as situações em
que a aproximação é feita automaticamente a partir de padrões deter-
minados diretamente pelo legislador, e em que a Administração não dis-
põe de margem valorativa.

A competência para a prática de atos de avaliação indireta, diferen-


temente do que acontecia na direta, apenas está nas mãos da Adminis-
tração tributária – sobre quem recai o ónus da prova da verificação dos
respetivos pressupostos, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do
excesso na respetiva posterior quantificação410 –, isto é, apenas ela po­
derá indiciar ou presumir valores para efeitos de tributação, embora
sempre com base em lei anterior que admita essa presunção. Tal lei de-
verá prever não só a tipificação (exaustiva) dos casos e pressupostos em
que tal é possível, mas também o modo através do qual ela se efetiva.
Tais casos e pressupostos estão previstos no art.º 87.º da LGT e são:
– Aplicação do regime simplificado de tributação;
– Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos
elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tribu-
tável de qualquer imposto;

410
V. art.º 74.º, n.º 3 da LGT.

211
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justifi-


cada, da que resultaria da aplicação de determinados indicadores
objetivos da atividade de base técnico-científica;
– Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem signifi­
cativamente para menos, sem razão justificada, de determinados
padrões de rendimento;
– Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados
tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante vários exercícios con-
secutivos;
– Existência de um acréscimo de património ou despesa de valor
superior a € 100 000, verificados simultaneamente com a falta de
declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período
de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimen-
tos declarados.

Como se pode constatar, não existe homogeneidade material no que


diz respeito à seleção das situações em que é lícito à Administração tri-
butária recorrer a métodos indiretos, pois os casos em que tal acon­tece
revestem natureza bastante diferente. Ainda assim, um trabalho de in-
dagação analítica permite-nos distinguir, basicamente, dois grupos de
casos: um, constituído por uma situação não patológica (o regime sim-
plificado de tributação), na qual o sujeito passivo em causa nada fez de
desconforme, ou de presumivelmente desconforme, com o ordenamento
jurídico, apenas se justificando o recurso a estes métodos por razões de
ordem prática, de eficaz gestão corrente da atividade comercial ou de
serviços e de simplicidade de cálculos; um outro grupo, constituído pe-
las restantes situações (“situações patológicas”), que diz respeito a casos
em que o sujeito passivo introduz algum fator de ilicitude ou de descon-
fiança no procedimento tributário, nomeadamente porque violou os de-
veres de cooperação a que estava adstrito.
Antes do estudo de cada um desses pressupostos, convém ainda re-
cordar que estamos aqui a falar de uma das mais importantes fases do
procedimento de liquidação lato sensu: a fase da determinação da maté-
ria tributável (que constitui a base à qual se vai, posteriormente, aplicar
a taxa do tributo em causa). Como é sabido, tal determinação deve ser
feita, em regra, a partir de uma base declarativa, ou seja, dos elementos
fornecidos (declarados) pelo sujeito passivo, com base nos quais deve

212
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

ser possível identificar as suas manifestações de riqueza ou de benefício.


Contudo, ou porque tal declaração é inviável ou não oferece garantias
suficientes de veracidade, a regra da determinação da matéria tributá-
vel com base em métodos declarativos cede perante a determinação da
matéria tributável com base em métodos presuntivos (ou o princípio da
verdade material cede perante uma ideia de verdade material aproxi­
mada). Em todo o caso, trata-se de meras presunções que admitem sem-
pre prova em contrário411.
Saliente-se ainda que, nos termos do art.º 77.º, n.os 4 e 5 da LGT “a
decisão da tributação pelos métodos indiretos (…) especificará os mo-
tivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata
da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável
do sujeito passivo dos indicadores objetivos da atividade de base cientí-
fica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei con-
siderar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de
prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação
da matéria tributável”, e “em caso de aplicação de métodos indiretos por
afastamento dos indicadores objetivos de atividade de base científica a
fundamentação deverá também incluir as razões da não aceitação das
justificações apresentadas pelo contribuinte (…)”.
Importa também referir, a finalizar este ponto introdutório, que o re-
curso pela Administração a métodos indiretos de tributação não se con-
funde com o recurso a meras “correções técnicas”, pois neste último caso o
que se verifica é que essa mesma Administração limita-se a não aceitar
os valores declarados pelo contribuinte nas suas declarações ou na sua
contabilidade ou escrita – seja porque nela existem erros ou omissões,
seja porque existe uma divergência na qualificação de atos, factos ou do-
cumentos com relevância para a liquidação do imposto – e “trabalha”
esses elementos de um modo mais rigoroso, mas sem recorrer a qual-
quer presunção ou indício, antes lançando mão de meios diretos como
as declarações fornecidas por terceiros ou uma análise mais atenta dos
documentos do próprio. Está-se, portanto, e ainda, no domínio da ava-
liação direta412.

411
Cfr., embora referindo-se às normas de incidência stricto sensu mas materializando um
princípio geral, art.º 73.º da LGT.
412
A respeito do assunto, v. acórdão do TCA–N de 21 de outubro de 2004, processo
n.º 00063/04.

213
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Debrucemos a nossa atenção de seguida sobre os pressupostos do re-


curso à avaliação indireta.

α) Situações não patológicas – a aplicação do regime simplificado


de tributação
Como se sabe, os sujeitos passivos de IRS que auferem rendimentos deri­
vados de atividades de natureza empresarial (comerciais, industriais,
agrícolas, silvícolas e pecuárias) e profissional (prestações de serviços,
propriedade industrial, intelectual e know-how) são, em base de princí-
pio, objeto de um conjunto de regras de cálculo do respetivo imposto
baseadas na diferença entre rendimentos (ganhos, proveitos) e gastos
(custos, perdas). Este é o denominado regime normal de tributação.
Contudo, por vezes, a aplicação de tal regime acarreta toda uma série
de operações, registos, e demais obrigações que, em face do diminuto
valor que as respetivas transações envolvem, se poderiam revelar como
um fator de entrave do normal desenvolvimento das relações econó-
mico-financeiras. Com efeito, pense-se no advogado-estagiário que, no
primeiro ano após a conclusão da sua licenciatura, aufere rendimentos
quantitativamente pouco elevados e ao qual seria quase contraprodu-
cente exigir o cumprimento de obrigações declarativas e contabilísticas
iguais às que se exigem a uma grande sociedade. Por outro lado, do ponto
de vista da Administração tributária e dos seus órgãos de inspeção, os
custos inerentes ao controlo exigível seriam possivelmente desmesura-
dos, em vista dos fins que se atingiriam.
Para situações como esta, o legislador criou o denominado regime
simplificado de tributação. Tal regime consiste basicamente num conjunto
especial de regras de determinação dos rendimentos sujeitos a imposto,
baseadas numa estimativa ou presunção legal, e cujo estudo suscita a re-
solução de dois problemas distintos: o de saber quais os sujeitos que a
ele estão vinculados e o de saber como se calcula o imposto respetivo413.
Quanto aos sujeitos, são abrangidos por este regime as pessoas sin-
gulares beneficiárias de rendimentos da categoria B, que, não tendo op-
tado pelo regime de contabilidade organizada (o regime normal), não
tenham ultrapassado na sua atividade, no período de tributação imedia-

413
Para Maiores desenvolvimentos, cfr. Ribeiro, João Sérgio, “Reflexões sobre o regime simpli-
ficado; a sua suspensão no domínio do IRC”, in Scientia Iuridica, 320, Tomo LVIII, 2009, 669 e ss.

214
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

tamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos desta ca-


tegoria de € 200 000414:
Quanto ao cálculo do imposto, a determinação do rendimento tribu-
tário é feita através da aplicação dos coeficientes estabelecidos no artigo
31.º do CIRS.

β) Situações patológicas
1) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata
dos elementos indispensáveis à correta determinação da maté­
ria tributável de qualquer imposto
Este primeiro grupo de casos abrange as situações em que não é pos-
sível a comprovação nem direta – porque, por exemplo, não existe, de-
vendo, contabilidade ou declarações do sujeito em causa – nem exata
– porque, por exemplo, existindo elementos de contabilidade, tais ele-
mentos apresentam erros significativos – da base tributária.
Ora, na medida em que o legislador utiliza aqui vários conceitos in-
determinados, e uma vez que estamos perante matérias de reserva ab-
soluta de lei (no sentido de obrigatoriedade de fixação de todos os pres-
supostos de aplicação ao caso em concreto), sentiu-se a necessidade de
precisar o respetivo significado. Assim, prescreve o art.º 88.º da LGT
que a “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da
matéria tributável”, para efeitos de aplicação de métodos indiretos, pode
resultar das seguintes circunstâncias (todas elas, recorde-se, patológi-
cas, isto é que consubstanciam “anomalias e incorreções”), quando invia-
bilizem o apuramento da matéria tributável:
– Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou
declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou ir-
regularidades na sua organização ou execução quando não supridas
no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva
a razões acidentais;
– Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legal-
mente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização,
falsificação ou viciação;

414
Cfr. art.º 28.º, n.º 2, do CIRS.

215
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o


propósito de simulação da realidade perante a Administração tri-
butária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não
supridos no prazo legal;
– Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o
valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concre-
tamente identificados através dos quais seja patenteada uma capa-
cidade contributiva significativamente maior do que a declarada.
Saliente-se, embora resulte desde logo do preceito, que não é sufi-
ciente a verificação destas realidades (por exemplo, a inexistência ou
insuficiência de elementos de contabilidade) para o recurso aos méto-
dos indiretos. Mais do que isso, torna-se indispensável a constatação de
que a Administração ficou impossibilitada de, por forma direta e exata,
determinar a matéria tributável, exigindo-se, assim, um nexo de causa-
lidade – a demonstrar na fundamentação do ato administrativo – en-
tre a falha do contribuinte (a violação dos seus deveres cooperativos)
e a impossibilidade de avaliação direta. Se a falha existir, mas ainda for
possível esta última, será ela que deve ser usada, sob pena de preterição
de formalidades legais (princípio da subsidiariedade da avaliação indireta).
Quer isto dizer, por outras palavras, que enquanto não se demonstrar a
inviabilidade do recurso à comprovação e quantificação direta e exata,
esta, mesmo tendo presente as falhas do contribuinte, deve ser utilizada,
pois a Administração “encontra-se vinculada à realização da liquidação
com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe
é concedido de proceder ao controlo dos factos declarados” (introdu-
zindo as eventuais correções técnicas acima referidas)415.
Em todos estes casos, portanto, a Administração tributária recorre a
métodos indiretos de avaliação, uma vez que a avaliação direta não é (ou
melhor, não foi) possível. Neste contexto, a determinação da matéria
tributável por métodos indiretos poderá ter em conta os seguintes ele-
mentos416:
– As margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de
serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros;
– As taxas médias de rentabilidade de capital investido;

415
Neste sentido, cfr. acórdão do TCA – N de 21 de outubro de 2004, processo n.º 00063/04.
416
Cfr. art.º 90.º, n.º 1 da LGT.

216
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

– O coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-pri-


mas e outros custos diretos;
– Os elementos e informações declaradas à Administração tributária,
incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos
a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o
contribuinte (método das informações cruzadas);
– A localização e dimensão da atividade exercida;
– Os custos presumidos em função das condições concretas do exer-
cício da atividade;
– A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre
determinada pela Administração tributária (método dos últimos exer-
cícios corrigidos);
– O valor de mercado dos bens ou serviços tributados; ou
– Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a
situação concreta do contribuinte.

2) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão


justificada, da que resultaria da aplicação de determinados
indicadores objetivos
Neste segundo grupo de casos – que parecem dizer respeito exclusi-
vamente a sujeitos passivos que exerçam atividades empresariais (IRS,
categoria B, e IRC), em face da existência de uma “atividade” –, já não
estamos perante inexistência ou defeitos formais da contabilidade e das
declarações, mas perante verdadeiros defeitos substanciais das mesmas,
traduzidos no facto de serem apresentados valores que, embora formal-
mente possam estar corretos, se afastam de certos outros (objetivos) ti-
dos como adequados. Tais valores adequados são os “indicadores obje-
tivos de base técnico-científica”, que deverão ser definidos anualmente,
pelo Ministro das Finanças, após audição das associações empresariais e
profissionais, e podem consistir em margens de lucro ou rentabilidade
que, tendo em conta a localização e dimensão da atividade, sejam mani-
festamente inferiores às normais do exercício da atividade e possam, por
isso, constituir fatores distorcidos da concorrência417.
Prescreve aqui o legislador uma diretiva material ao poder regula-
mentar (do Ministro), ao indicar que este deverá atender não apenas à

417
Cfr. art.º 89.º, n.º 2 da LGT.

217
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

conjuntura económica (os indicadores são anuais) mas igualmente à si-


tuação em concreto (deve-se atender à localização e à dimensão da ativi-
dade em causa).
Em todo o caso, a aplicação dos métodos indiretos com base neste
fundamento apenas pode ser efetuada em caso de o sujeito passivo não
apresentar na declaração em que a liquidação se baseia razões justifi-
cativas desse afastamento, e desde que tenham decorridos mais de três
anos sobre o início da sua atividade, e não se pode tratar de um qualquer
afastamento, mas apenas418:
– De mais de 30%, para menos, da matéria tributável por si declarada
em relação à que resultaria da aplicação dos indicadores objetivos
(e sem qualquer requisito temporal); ou
– De mais de 15%, para menos, durante três anos seguidos, da matéria
tributável por si declarada em relação à que resultaria da aplicação
desses mesmos indicadores objetivos.
Aqui, a aplicação dos métodos indiretos consubstancia-se na deter-
minação da matéria tributável de acordo com os indicadores referidos.

3) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem signi­


ficativamente para menos, sem razão justificada, de determi­
nados padrões de rendimento
Este terceiro grupo de casos é parecido com o anterior, embora se
refira apenas à tributação dos rendimentos de pessoas singulares e o
parâmetro comparativo seja, não já a matéria tributável que resultasse
da aplicação indicadores objetivos de base técnico-científica, mas de de-
terminados “padrões de rendimento”. Ainda assim, apesar desta última
especificidade, entendemos, como já salientamos, que se está ainda em
presença de um tipo de avaliação indireta419, ao menos se for tida em
consideração a abordagem que adotamos acima, isto é “avaliação indire-
ta” como modo de busca da “verdade material aproximada”, por oposi-
ção à verdade material tout court ou exata.
Trata-se aqui de “padrões de rendimento” substancialmente eleva-
dos e que permitam adquirir certo tipo de bens que, aos olhos do legis-

418
Cfr. art.º 87.º, n.º 1, alínea c) da LGT.
419
Neste sentido, acórdão do STA de 19 de maiode 2010, processo n.º 0734/09.

218
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

lador, se configuram como “manifestações de fortuna”. De uma forma


simples, o raciocínio do legislador terá sido o seguinte:

Contribuintes que apresentem ——— presume-se que tenham


certas manifestações de fortuna certo padrão de rendimentos

O que se passa é que, nestes casos, os contribuintes, evidenciando as


referidas manifestações, faltaram, contudo, à verdade perante a Admi-
nistração tributária.
Que manifestações de fortuna são essas?
Elas constam da tabela prevista no art.º 89.º-A, n.º 4 da LGT e são as
seguintes:
– Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a € 250.000;
– Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a €
50.000 e motociclos de valor igual ou superior a € 10.000;
– Barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000;
– Aeronaves de turismo;
– Suprimentos e empréstimos feitos, no ano, de valor igual ou supe-
rior a € 50 000;
– Montantes transferidos de e para contas de depósito ou de títulos
abertas pelo sujeito passivo em instituições financeiras residentes
em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente
mais favorável, cuja existência e identificação não seja mencionada
nos termos previstos no artigo 63.º-A420.

420
Para estes efeitos, devem-se ter em consideração (art.º 89.º-A, n.º 2 da LGT):
– Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou
qualquer elemento do respetivo agregado familiar;
– Os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do respe­
tivo agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade
na qual detenham, direta ou indiretamente, participação Maioritária, ou por entidade
sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o
titular respetivo.
– Os suprimentos e empréstimos efetuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por
qualquer elemento do seu agregado familiar;
– A soma dos montantes transferidos de e para contas de depósito ou de títulos.

219
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Em relação a cada uma destas manifestações de fortuna, presume-se,


em relação ao sujeito em causa, a titularidade de um determinado rendi-
mento-padrão, que será de, respetivamente:
– 20% do valor de aquisição do imóvel;
– 50% do valor do automóvel ligeiro de passageiros no ano de matrí-
cula, com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes;
– Valor do barco de recreio no ano de registo, com o abatimento de
20% por cada um dos anos seguintes;
– Valor da aeronave de turismo no ano de registo, com o abatimento
de 20% por cada um dos anos seguintes;
– 50% do valor anual dos suprimentos e empréstimos; e
– 100% da soma dos montantes anuais transferidos.

Em qualquer destas situações, pode-se recorrer a métodos indiretos


de avaliação, desde que (i) falte a declaração de rendimentos ou (ii),
existindo declaração, se verifique uma desproporção superior a 30%,
para menos, em relação ao rendimento padrão referido421, cabendo ao
sujeito passivo o ónus da prova de que correspondem à realidade os
rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de
fortuna evidenciadas (nomeadamente herança ou doação, rendimentos
que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso
ao crédito)422.

421
V. art.º 89.º-A, n.º 1, da LGT.
422
Idem, n.º 3. A propósito do afastamento desta presunção, poderão suscitar-se as ques-
tões problemáticas de saber se uma eventual justificação parcial da origem dos rendimentos
pode (i) afastar a aplicação deste método indireto de determinação e (ii) ser relevante no
momento da fixação presuntiva do montante do acréscimo patrimonial não justificado su-
jeito a imposto, podendo ser “descontado”. No que diz respeito ao primeiro dos problemas
apontados (i), entendeu o STA – tendo por base uma situação em que o contribuinte apenas
provou a proveniência de parte do preço que pagou por um imóvel e alegou que por via desta
justificação parcial que já não existiria desproporção entre os rendimentos declarados e o
rendimento padrão, inviabilizando-se a avaliação indireta – que “só deve dar-se relevância à
justificação total do montante que permitiu a manifestação de fortuna”, acrescentando que
“a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indireta dos
rendimentos globais (...)”. Quanto ao segundo (ii), todavia, já entendeu que a justificação
parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante em causa, e que a quantificação
do rendimento tributável deve ser igual ao padrão legal deduzido do montante justificado
(no caso, o empréstimo bancário que o contribuinte demonstrou ter efetuado para a aqui­

220
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Recorrendo-se a tais métodos – o que pressupõe que o sujeito passivo


não afastou a presunção –, considera-se que o sujeito auferiu:
– O rendimento padrão, ou
– Montante superior, se houver indícios fundados nesse sentido,
e, em ambos os casos, a quantia em causa será tributada, em sede de
IRS, na categoria G (incrementos patrimoniais)423/424.

Termine-se referindo que a decisão de fixação da matéria tributável,


nestes casos, é da exclusiva competência do Diretor-geral da Autoridade
Tributária e Aduaneira, ou seu substituto legal, sem possibilidade de
delegação425.

4) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, re­


sultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante vários
exercícios consecutivos
Neste grupo incluem-se aquelas situações que, porventura, maiores
suspeitas podem suscitar aos olhos da Administração tributária: as situa­
ções de prejuízos fiscais (isto é, resultados negativos, em que os rendi-
mentos são menores do que os gastos) sistemáticos e não justificados.

sição do imóvel em questão). Cfr., com mais desenvolvimentos – e com importante declara-
ção de voto –, acórdão do STA de 19 de maiode 2010, processo n.º 0734/09.
423
Cfr. art.os art.º 89.º-A, n.º 4, da LGT e 9.º, n.º 1, alínea d), do CIRS). Recorde-se que, nos
termos do art.º 42.º deste último diploma, tal rendimento (presumido) não é passível de
qualquer dedução, sendo englobado pelo sujeito passivo na sua totalidade.
424
Cfr. a propósito, acórdão do STA de 17 de abril de 2013, processo n.º 0433/13, nos ter-
mos do qual “a determinação do rendimento com base numa aquisição concreta de um bem
previsto na tabela do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT só pode ser feita uma vez, relativamente
ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes”. Em sentido discor-
dante v., o voto de vencido da Conselheira Fernanda Maçãs, que considera que tal modo de
ver as coisas “não encontra apoio nem na letra nem na razão de ser do preceito”. Com esta
solução – defende – “os contribuintes deixam de ter interesse em justificar as manifestações
de fortuna, uma vez que a consequência será uma única tributação de 20% sobre o valor da
aquisição do imóvel”. “(...) O contribuinte pode até não justificar a manifestação de fortuna
e nem declarar qualquer rendimento e acaba por ter um prémio: pagar imposto unicamen-
te sobre 20% do valor da aquisição. Sem prejuízo de se entender que o legislador poderia
eventualmente ter sido mais rigoroso, afigura-se que esta solução (...) esvazia por completo
o preceito favorecendo a fraude e a evasão fiscal”. V., ainda, acórdãos do STA de 23 de abril
de 2014, processo n.º 0400/14, e de 12 de julho de 2017, processo n.º 0849/14.
425
Cfr. art.º 89.º-A, n.º 6 da LGT.

221
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Tem-se aqui em primeira linha de observação os sujeitos passivos de im-


posto que se dedicam, de um modo independente, a atividades de natu-
reza empresarial (comercial, industrial ou agrícola) ou profissional (v.g.,
prestações de serviços) e parte-se do pressuposto de que se um desses
sujeitos, continuamente e sem justificação, apresenta prejuízos à Admi­
nistração tributária é porque ou não tem aptidão para o exercício da
atividade em causa, devendo por isso introduzir-se um fator de respon-
sabilização, ou está a faltar à verdade, justificando o recurso a métodos
indiretos de tributação.
Contudo, para que o recurso a tais métodos seja legítimo, não se
pode tratar de um qualquer prejuízo, mas apenas, e como resulta do que
já dissemos, de “prejuízos continuados”. Neste contexto, são abrangidos
por tal conceito os resultados tributáveis nulos ou negativos durante
três anos consecutivos (salvo nos casos de início de atividade, em que a
contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano) ou em três anos
durante um período de cinco.

5) Existência de um acréscimo de património ou despesa de valor


superior a € 100 000, verificados simultaneamente com a falta
de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo
período de tributação, de uma divergência não justificada com
os rendimentos declarados
Finalmente, cumpre referir uma situação que, em rigor, pode já ter
sido englobada em alguns dos casos anteriores, embora possam existir
casos que justifiquem a autonomia. Trata-se, uma vez mais, de diver-
gências, aqui entre os valores declarados e o acréscimo de património
ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de
tributação. A “desconfiança” a que já aludimos ganha aqui particular re-
levo, suspeitando-se que o sujeito passivo não cumpriu cabalmente com
os seus deveres de cooperação, inutilizando a presunção de boa-fé de
que gozam as suas declarações. Incluem-se aqui, por exemplo, os casos
em que o sujeito, não declarando os seus rendimentos ou apresen­tando
uma divergência não justificada, adquire bens imóveis de montante
igual ou superior a € 250 000426.

426
Cfr. acórdão do STA de 15 de setembro de 2010, processo n.º 0660/10.

222
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Em tal caso, cabe-lhe a si a comprovação de que correspondem à re-


alidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifes-
tações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo eviden-
ciados, sendo que, se tal contraprova não for adequadamente feita, fica
sujeito a tributação por presunções ou indícios.

b) Controlo da aplicação dos métodos indiretos


Convém recordar o facto de que, em todos estes casos, está do lado da
Administração tributária o ónus da prova de que estes pressupostos se
verificam.
Ainda convém chamar a atenção para o facto de que, apesar de a
avaliação indireta ser efetuada pela Administração tributária, o sujeito
passivo não é totalmente alheado do ato de fixação de valor. Ele deve
participar, quer no ato de avaliação indireta (exercendo o seu direito de
audição antes da fixação final do valor em causa), quer, mais tarde e se
for caso disso, no ato de na revisão da avaliação indireta427.
Fixado pela Administração o valor dos rendimentos ou bens tribu-
táveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos, levanta-se
a questão da suscetibilidade de colocar em crise esse valor, quer sob o
ponto de vista gracioso (administrativo) quer sob o ponto de vista con-
tencioso (jurisdicional).
Sob o primeiro ponto de vista, há a dizer que o procedimento ade-
quado será o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos
indiretos428, sobre o qual nos debruçaremos aquando do estudo dos pro-
cedimentos impugnatórios (art.os 91.º e ss. da LGT).
Já sob o ponto de vista jurisdicional, devem-se distinguir as seguintes
situações:
– O ato de avaliação indireta é seguido de um ato de liquidação; ou
– O ato de avaliação indireta não é seguido de qualquer ato de liqui-
dação (porque, por exemplo, o sujeito passivo beneficia de uma
isenção ou foram apurados, na avaliação, prejuízos fiscais).

427
Cfr. art.os 60.º, n.º 1, alínea d), 82.º, n.os 3 e 4, e 91 da LGT.
428
Este procedimento impugnatório apenas não poderá ser utilizado nos casos de aplicação
do regime simplificado de tributação em que não sejam efetuadas correções (com base nou-
tro método indireto). Aqui, o mais adequado parece ser a reclamação graciosa da respetiva
liquidação.

223
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

No primeiro caso, uma vez que à avaliação indireta ainda se lhe vai
seguir um outro ato ­– que, esse sim, será horizontalmente definitivo – não
existe a possibilidade de impugnação contenciosa direta, apenas se
admi­tindo a impugnação deste segundo ato; já no segundo caso, uma
vez que ele se configura como o ato final da cadeia procedimental, tal
impugnação contenciosa, sob este ponto de vista, já é possível429.
Todavia, ainda importa averiguar se, verticalmente, tal definitividade
também existe. Igualmente aqui, duas situações devem ser distinguidas:
– Quando se pretende atacar o ato de fixação indireta de valor por
ter alegadamente havido um erro na quantificação ou nos pressu-
postos (acima referidos), o recurso a Tribunal ainda não é possível
(considerando-se que falta uma condição de procedibilidade, exis-
tindo uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito
da causa), devendo previamente ser intentado pedido de revisão da
matéria tributável 430;
– Em todos os outros casos, o recurso a Tribunal será de imediato ad-
missível.

5.3. Procedimento de reconhecimento de benefícios fiscais

a) Pressupostos do reconhecimento de um benefício fiscal


Trata-se, este, de um procedimento que assenta num recorte temático
específico, na medida em que tem o seu campo de aplicação num deter-
minado e localizado núcleo material: os desagravamentos ou benefícios
fiscais. Por isso, antes de iniciar o seu estudo, convém recordar dois as-
petos nucleares de Direito tributário substantivo431:
– Primeiro, que os benefícios fiscais podem ser classificados em auto-
máticos ou dependentes de reconhecimento. Os primeiros “resul-

429
V. art.º 86.º, n.º 3, da LGT.
430
Assim, art.os 86.º, n.º 5, 91.º e ss. da LGT e 117.º CPPT. V., também, acórdãos do STA
de 27 de fevereiro de 2013, processo n.º 01216/12 e de 17 de junho de 2015, processo
n.º 01722/13.
431
Como é sabido, nos termos da lei, são benefícios fiscais as “medidas de carácter excecional
instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos
da própria tributação que impedem” e, neste seguimento, consideram-se benefícios fiscais,
entre outros, as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria coletável e à coleta, e as
amortizações e reintegrações aceleradas (art.º 2.º do EBF).

224
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

tam direta e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou


mais atos posteriores de reconhecimento”432.
– Para além disso, vale um princípio geral de transitoriedade dos bene-
fícios, previsto no art.º 2.º do EBF. A intenção legislativa terá sido,
aqui, a de sujeitar a concessão desses benefícios a uma avaliação
periódica e impedir a sua transformação em autênticos privilégios
injustificados, violadores dos princípios da igualdade, capacidade
contributiva e verdade material.

Tendo presente este quadro básico, fácil se torna compreender o al-


cance do procedimento de reconhecimento de benefícios fiscais. Trata-se
de um procedimento em que, por iniciativa dos interessados (os benefi-
ciários), se solicita, à Administração tributária, mediante requerimento,
o reconhecimento de um benefício. Mais precisamente, o pedido deve
ser efetuado ao serviço competente para a liquidação do tributo a que
tal benefício se refere433, e deve ser instruído com o cálculo, quando
obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos respe-
tivos pressupostos. Constata-se, deste modo, que a regra de acordo com
a qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos (…) recai
sobre quem os invoque” tem aqui plena aplicação434.

b) Consequências do reconhecimento de um benefício fiscal


O serviço competente emitirá um despacho de deferimento ou de in-
deferimento, reconhecendo ou não o benefício pretendido435. Tal des­
pacho (i) é irrevogável (princípio constitucional da irrevogabilidade dos atos
administrativos constitutivos de direitos), embora possa ser suspenso436, e
(ii) tem efeito meramente declarativo (e não constitutivo) do direito ao
benefício em causa –­­ o art.º 12.º do EBF refere expressamente que, em
regra, o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verifi­
432
Assim, art.º 5.º do EBF.
433
Cfr. art.º 65.º, n.º 2, do CPPT.
434
V. art.º 74.º da LGT.
435
Saliente-se que o reconhecimento não poderá ser concedido “quando o sujeito passivo
tenha deixado de efetuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa
ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social” e desde que a
dívida em causa “sendo exigível, não tenha sido objeto de reclamação, impugnação ou oposi-
ção e prestada garantia idónea, quando devida” (art.º 13.º do EBF).
436
Os casos de suspensão estão previstos no art.º 14.º, n.os 5 e 6, do EBF.

225
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

cação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de re-


conhecimento –, o que significará que os seus efeitos se poderão produ-
zir retroativamente (devendo, por exemplo, ser restituído o que houver
sido eventualmente tributado até ao reconhecimento).
Além disso, e quanto às obrigações formais, o interessado, após a
concessão, passa a estar sujeito ao ónus de facultar à Administração
todos os elementos necessários ao controlo dos pressupostos dessa atri-
buição, sob pena de o benefício ficar sem efeito437. Aqui, a Administra-
ção nada tem de fazer, nomeadamente mediante ações inspetivas, para
sancionar o contribuinte, bastando-lhe apenas constatar o incumpri-
mento do ónus da prova.
Por último, observe-se que do despacho de indeferimento do pedido
de reconhecimento do benefício pode o destinatário recorrer hierarqui-
camente438.

5.4. Procedimento de aplicação de norma antiabuso


Tal como sucedia no âmbito do procedimento acabado de analisar,
também aqui se está em presença de um procedimento que tem na sua
base uma matéria de Direito substantivo específica: a denominada “nor-
ma geral antiabuso”. Não será certamente esta a localização adequada
para proceder a um estudo jurídico enquadrado de tal norma; em todo
o caso, entende-se que uma brevíssima referência há-de ser feita, sob
pena de incompreensão do procedimento em análise.
Trata-se de uma disposição normativa incluída na LGT (art.º 38.º,
n.º 2) que pretende materializar uma reação do ordenamento ao fenó-
meno da evasão fiscal, cominando com ineficácia no âmbito tributário as
“construções ou séries de construções” que não sejam “genuínas” ou se-
jam realizadas com abuso de forma jurídica, com a finalidade principal
ou predominante de obtenção de vantagens fiscais439.
Em termos mais simples e lineares: os contribuintes ou obrigados tri-
butários utilizam os atos e contratos “normais” de Direito privado (por
exemplo, contratos-promessa, contratos de permuta, atos de reestrutu-
ração empresarial, etc.), não para prosseguir os fins típicos de Direito

437
Cfr. 65.º, n.º 5, CPPT.
438
V. art.º 65.º, n.º 4, do CPPT.
439
Para estes efeitos, uma construção não é genuína quando não tiver na sua base por razões
económicas válidas que reflitam a respetiva substância económica [art.º 38.º, n.º 3, alínea a)].

226
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

privado, mas antes para obter poupança tributária abusivamente. Nestes


casos, prescreve a lei que se desconsidera a vantagem fiscal obtida (por
exemplo, a isenção ou o regime de tributação mais baixo, que de outro
modo não seria conseguido). Como frequentemente se refere, é uma es-
pécie de “bomba atómica” nas mãos da AT, que implode as vantagens
que o contribuinte ilegitimamente procura obter.
Em termos de procedimento tributário, parece que se pode afirmar
que se está em presença de um procedimento pré-liquidatório, até por-
que o próprio art.º 63.º, n.º 1 do CPPT refere expressamente que “a li-
quidação dos tributos com base na disposição antiabuso constante do
n.º 2 do artigo 38.º da lei geral tributária segue os termos previstos neste
artigo”. Seja como for, ao menos abstratamente, pode considerar-se a
hipótese de aplicação deste procedimento após uma liquidação já efe­
tuada, corrigindo-a.
Assim, sempre que a AT entender que existe uma das referidas cons-
truções com abuso de forma jurídica e com propósitos de obtenção de
uma vantagem fiscal ilegítima – e sempre após (i) notificação para audi-
ção prévia e (ii) autorização pelo dirigente máximo do serviço (ou fun-
cionário em quem ele tiver delegado essa competência440) –, utiliza este
procedimento, começando por elaborar um projeto de decisão devida-
mente fundamentado, e no qual devem constar designadamente441:
i) A descrição da construção ou série de construções realizadas;
ii) A demonstração de que a construção ou série de construções foi
realizada com a finalidade principal ou predominante de obter
uma vantagem fiscal não conforme com a sua finalidade essencial;
iii) A identificação dos negócios ou atos que correspondam à substân-
cia ou realidade económica, bem como a indicação das normas de
incidência que se lhes aplicam.

O visado (contribuinte), podendo ser ouvido, tem o direito de exer-


cer o contraditório, apresentando provas pertinentes.
Após isso, a liquidação será feita tendo em consideração os resulta-
dos probatórios apurados.

440
Cf. art.º 63.º, n.º 7 do CPPT.
441
Cfr. art.º 63.º, n.º 3, do CPPT.

227
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Importa enfatizar que a disposição antiabuso não é aplicável se o


contribuinte tiver solicitado à administração tributária informação vin-
culativa sobre os factos que a tiverem fundamentado e a administração
tributária não responder no prazo de 150 dias442.

5.5. Procedimento de ilisão de presunções


Sendo o Direito Tributário um Direito de sobreposição, não consegue ele
evitar os excessos decorrentes do princípio da autonomia da vontade,
sendo as condutas elisivas dos contribuintes um problema a combater.
Uma das formas que o legislador tributário encontrou no âmbito dessa
luta desigual foi o recurso a presunções. Sabe-se que inúmeras vezes,
não sendo possível atingir a efetiva verdade material, o sistema tributá-
rio contenta-se com uma verdade material aproximada, que constitui como
que um mal menor, em face da possibilidade de evasão e fraude. Como
exemplos deste tipo de presunções – legais ou normativas, não se confun-
dindo com as presunções efetuadas pela Administração, por exemplo no
âm­bito da avaliação indireta –, podem apontar-se os seguintes:
– No âmbito do IRS, presume-se que os contratos de mútuo e as aber-
turas de crédito são remunerados443;
– Ainda no âmbito do mesmo imposto, e para efeitos de mais-valias,
nos casos de contrato-promessa de compra e venda ou de troca,
presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou
posse dos bens ou direitos objeto do contrato444;
– No quadro do IVA, presumem-se adquiridos os bens que se encon-
trem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua
atividade445;
– Em sede de IMT, se eventuais novos possuidores de bens imóveis
não apresentarem os títulos da sua posse, presume-se que os bens
foram adquiridos a título gratuito (liquidando-se o correspondente
imposto do selo)446.

442
Assim, art.º 63.º, n.º 8, do CPPT.
443
Assim, art.º 6.º, n.º 2 do CIRS.
444
V. art.º 10.º, n.º 3, alínea a) do CIRS. Cfr. acórdãos do TCA–N de 21 de outubro de 2004,
processo n.º 00092/04 e do STA de 13 de julho de 2016, processo n.º 01624/15.
445
Cfr. art.º 86.º do CIVA.
446
Cfr. art.º 29.º, n.º 3, do CIMT.

228
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Ora, como já deixamos assinalado, as presunções consagradas nas


normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário447
e existe um procedimento especificamente pensado para o efeito, pre-
visto no art.º 64.º do CPPT.
Refere o n.º 1 deste último preceito que “o interessado que preten-
der ilidir qualquer presunção prevista nas normas de incidência tribu-
tária deverá para o efeito, caso não queira utilizar as vias da reclamação
graciosa ou impugnação judicial de ato tributário que nela se basear, so-
licitar a abertura de procedimento contraditório próprio”.
Em rigor, o legislador coloca ao alcance dos contribuintes (em se­
ntido lato) dois meios para ilidir a presunção em causa:
– Ou colocando em causa o ato tributário que se basear nessa pre­
sunção (em princípio, mediante a reclamação graciosa ou a impug-
nação judicial do mesmo);
– Ou recorrendo a este procedimento em específico.

Por outro lado, e face à redação do preceito, pode colocar-se o pro-


blema de saber se este procedimento apenas se aplica quando estejam
em causa presunções relativas a “normas de incidência tributária”, ou se
também pode ser aplicado em outras situações, como, por exemplo, pre-
sunções relativas a benefícios fiscais. O princípio do acesso ao Direito e a
salvaguarda das garantias essenciais dos contribuintes parecem apontar
neste último sentido.
De qualquer forma, este procedimento será instaurado no órgão pe-
riférico local da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação
dos bens ou da liquidação, mediante petição do contribuinte dirigida
àquele órgão, acompanhada dos respetivos meios de prova e a petição
considera-se tacitamente deferida se não lhe for dada qualquer resposta
no prazo de 6 meses, salvo quando a falta desta for imputável ao contri-
buinte448.
Havendo resposta, duas situações há a distinguir:
– O interessado consegue ilidir a presunção prevista na norma tribu-
tária, afastando, eventualmente, a tributação respetiva; ou

447
Cfr. art.º 73.º da LGT.
448
V. art.º 64.º, n.os 2 e 3, do CPPT

229
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– O interessado não consegue ilidir a presunção prevista na norma


tributária, e duas sub-hipóteses se colocam:
• Se os prazos de reclamação e impugnação do ato tributário ainda
não tiverem decorrido, a decisão produz efeitos retroativos (fra-
cos), podendo abranger os atos tributários pendentes;
• Se os prazos de reclamação e impugnação do ato tributário já tive-
rem decorrido, a decisão produz efeitos apenas prospetivos.

5.6. Procedimento de liquidação


O termo “liquidação” pode, em Direito tributário, ser entendido em
sentidos diversos, pelo que cumpre, antes de tudo o mais, proceder à
análise de tais sentidos.
Assim, em primeiro lugar e sob o ponto de vista semântico, pode-se
fazer referência a uma liquidação em sentido amplo e a uma liquidação
em sentido restrito. No primeiro sentido, entende-se por liquidação o
conjunto de atos, juridicamente enquadrados, que têm por objetivo a
determinação e quantificação da obrigação tributária, abrangendo quer
as atuações da Administração tributária (aplicação de métodos indire-
tos ou indiciários, aplicação das taxas de imposto, cálculo das deduções
devidas, etc.), quer as atuações dos contribuintes ou de terceiros (decla-
rações, por exemplo) nesse sentido. Já em sentido restrito, a liquidação
consubstancia-se no ato que torna uma concreta obrigação líquida e
exigível, e diz respeito, a maior parte das vezes, à aplicação de uma taxa
à matéria coletável449, sendo neste sentido que se poderá discutir a sua
natu­reza constitutiva ou meramente declarativa (tese genericamente
aceite) em relação à obrigação de pagamento.
Por outro lado, sob o ponto de vista temporal, pode-se estar perante
uma liquidação provisória, uma liquidação definitiva ou uma liquidação adi-
cional. A liquidação provisória é aquela que é feita com base nos elemen-
tos declarados pelos sujeitos passivos ou por terceiros e que está sujeita
a uma averiguação e controlo posterior, constituindo um meio de pro-

449
O legislador utiliza quer um quer outro dos sentidos apontados. Assim, por exemplo,
quando, no art.º 59.º do CPPT, refere que “o procedimento de liquidação instaura-se com as
declarações dos contribuintes”, está a referir-se à liquidação em sentido amplo; Já quando,
no art.º 75.º do CIRS refere que ”a liquidação do IRS compete à ATA”, refere-se à liquidação
em sentido estrito. Cfr., ainda, art.os 89.º e ss. do CIRC; 19.º do CIVA; 113.º do CIMI e 19.º do
CIMT.

230
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

piciar receitas rápidas para os cofres do Estado, uma vez que pode dar
origem a um pagamento antecipado (pagamento por conta ou retenção
na fonte com a natureza de pagamento por conta). A liquidação defini-
tiva já é um verdadeiro ato (impugnável) da Administração tributária de
natureza definitiva, unilateral e positiva e que inicia e é pressuposto do
procedimento de cobrança. Por seu lado, a liquidação adicional surge
na sequência de uma revisão do ato tributário de liquidação definitiva
e pode ter como origem fundamentos diversos, como erros nas decla-
rações apresentadas, apuramento de imposto superior ao entregue, etc.
Finalmente, tendo em atenção os sujeitos que nela intervêm, pode-se
distinguir uma autoliquidação e uma heteroliquidação.
– No primeiro caso, estamos perante um ato típico da chamada “tri-
butação de massas” que é levado à prática pelo próprio sujeito pas-
sivo e que, em rigor, envolve dois passos: por um lado, a comunica-
ção da riqueza auferida e dos dados necessários à sua comprovação
(mediante declaração em modelo normativamente aprovado) e, por
outro lado, a quantificação da obrigação tributária propriamente
dita através de uma série de operações de cálculo que a lei pres-
creve. Nesta modalidade, a qualificação e quantificação da matéria
tributável está nas mãos do próprio que a aufere – ou de alguém que
com ele mantenha relações relevantes450 –, resultando o montante
de tributo a pagar ou a receber daquilo que ele próprio avalia e esti-
ma451.
– No segundo caso (heteroliquidação) estamos em face de um ato de
liquidação que é feito por entidade diversa do sujeito passivo (a Ad-
ministração tributária ou um terceiro).

450
V., neste sentido, acórdão do STA de 15 de fevereiro de 2006, processo n.º 026622,.
451
No âmbito do nosso ordenamento tributário, os casos mais visíveis de autoliquidação de
impostos estão consagrados em sede de IRC [art.º 89.º, alínea a) do CIRC], de IVA (art.º 27.º,
n.º 1 do CIVA) e de Imposto de selo (art.º 23.º, n.º 1 do respetivo Código). Já em matéria de
taxas, são inúmeros os diplomas que consagram este procedimento, fazendo impender sobre
os próprios devedores o encargo qualificativo e quantificativo da obrigação tributária. Ape-
nas a título exemplificativo, refira-se o caso da taxa de justiça (art.º 8.º, n.º 1, do Regulamento
das custas judiciais).

231
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Ora, quando nos referimos ao procedimento de liquidação, sem


mais, estamo-nos a querer reportar à liquidação em sentido amplo, defi-
nitiva e efetuada pela Administração tributária.
Tal procedimento, como de resto nos refere a própria lei (art.º 59.º
do CPPT) “instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta
ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou
venha a obter a entidade competente”.
A obrigação de apresentação de declarações – que, como se sabe,
integra o objeto imediato da relação jurídica tributária, sob a forma de
obrigações acessórias452 – materializa-se juridicamente num dever de
natureza:
i) Pública, em face dos objetivos do procedimento tributário e da
tributação em geral (arrecadar receitas com vista à realização de
despesas para satisfazer necessidades financeiras);
ii) Formal ou adjetiva, em face da obrigação principal, material e
substantiva a que está adstrito o sujeito passivo (a obrigação de
pagamento);
iii) Não necessária, pois o procedimento de liquidação pode ser ins-
taurado sem o seu cumprimento453; e
iv) Provisória, no sentido em que as declarações podem ser retifica-
das, quer pelo sujeito que as apresentou, quer pela AT.

A propósito deste último aspeto convém, desde agora, fazer uma


breve referência a uma matéria que teremos oportunidade de retomar
noutra sede: a das divergências entre a declaração e a realidade. Tais di-
vergências são genericamente tratadas pela doutrina e pela lei sob a
designação de “erros na declaração”454 e são genericamente agrupadas
em duas categorias: os erros de facto, que abrangem divergências de na-

452
Cfr. art.º 30.º, n.º 1, alínea b) e 31.º, n.º 2 da LGT.
453
Cfr art.º 59.º, n.º 7 do CPPT, nos termos do qual “sempre que a entidade competente
tome conhecimento de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo e do suporte
probatório necessário, o procedimento de liquidação é instaurado oficiosamente pelos com-
petentes serviços”.
454
Linguisticamente, parece-nos preferível a expressão “vícios” no lugar de “erros”. Se ou-
tras razões não houvesse, a primeira das expressões sempre seria suscetível de abarcar quer
as situações de vícios na formação da vontade (erro-vício) , quer as situações de divergência
entre a vontade e a declaração (reserva mental, simulação, etc.), enquanto a segunda não
parece possuir tal abrangência.

232
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

tureza material e aritmética com a realidade (“errónea quantificação”)


e os erros de Direito, que abarcam quer as situações de má qualificação
jurídica das realidades (“errónea qualificação”), quer as situações de má
aplicação das normas jurídicas.
Existindo declarações e inexistindo qualquer espécie de vícios nas
mesmas, a liquidação em sentido próprio (quantificação do tributo a pa-
gar) deverá ser feita com base em tais declarações. É isto que nos diz o
art.º 59.º, n.º 2 do CPPT: “o apuramento da matéria tributável far-se-á
com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresen-
tem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os
elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária”.
Havendo vícios, prescreve o art.º 59.º, n.º 3, do CPPT que as declara-
ções podem ser substituídas nos prazos aí estabelecidos.

5.7. Procedimento de cobrança


A cobrança, enquanto procedimento autónomo, consiste no conjunto
de atos (administrativos) materiais conducentes à arrecadação da receita
tributária e que, em regra, têm como correspetivo, do lado do contri-
buinte, o ato de pagamento. Pode assim afirmar-se que cobrança e paga­
mento do tributo são as duas faces da mesma moeda, distinguindo-se
apenas pelo sujeito que leva a cabo a respetiva atuação material.
Tal como a liquidação, também a cobrança pode ser classificada de
acordo com diversos pontos de vista.

Em primeiro lugar, podemos estar perante uma cobrança voluntária,


quando lhe corresponde um ato voluntário e espontâneo do sujeito pas-
sivo, ou cobrança coerciva, quando é efetuada, como a própria designação
indica, de uma forma coerciva – através da execução do património do
devedor –, mais precisamente mediante a instauração de um processo
de execução fiscal, a decorrer junto dos Tribunais tributários. A cobran-
ça voluntária, por sua vez, pode ser efetuada dentro ou fora do prazo le-
gal, e, neste último caso, acrescem à dívida tributária juros de mora455/456.

V. art.º s 44.º, n.º 1 da LGT e 86.º, n.º 1 do CPPT.


455

456
Em rigor, não se pode dizer que tenha sido esta a classificação acolhida pelo legislador.
Este, embora referindo-se ao pagamento, parece equiparar a cobrança voluntária à cobrança
dentro do prazo legal, supondo que toda a cobrança efetuada para além deste prazo é
coerciva. Cfr., a propósito, o art.º 84.º do CPPT: “Constitui pagamento voluntário de dívidas

233
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Os prazos de pagamento voluntário dos tributos, prescreve o art.º 85.º,


n.º 1 do CPPT, são regulados nas leis tributárias457.

Em segundo lugar, pode-se referir uma cobrança imediata e uma co-


brança mediata. A primeira será aquela que é efetuada pela Administra-
ção tributária458 junto do próprio devedor do tributo em sentido estrito
(o sujeito passivo direto), enquanto a segunda será aquela cobrança que
é efetuada junto de uma outra entidade distinta daquele (sujeito passivo
indireto). A este propósito, fala-se em substituição tributária, cuja mais
evidente forma de efetivação, como se sabe, consiste na retenção na fon-
te do tributo devido459.
Em termos de competência, a cobrança dos tributos deve ser efetu-
ada pelas entidades administrativas que a lei reguladora do tributo em
causa designar460.

Pois bem. Dissemos acima que “em regra” à cobrança do tributo cor-
responde o pagamento, da parte do sujeito passivo. Contudo, nem sem-
pre assim acontece, pois:
– Por um lado, pode não se verificar um pagamento integral, mas ape-
nas um pagamento em prestações. Refere a este respeito o art.º 42.º,
n.º 1, da LGT que “o devedor que não possa cumprir integralmente
e de uma só vez a dívida tributária pode requerer o pagamento em
prestações, nos termos que a lei fixar”, acrescentando o art.º 86.º,
n.º 2, do CPPT que “o contribuinte pode, a partir do termo do prazo
de pagamento voluntário, requerer o pagamento em prestações nos
termos das leis tributárias”461;

de impostos e demais prestações tributárias o efetuado dentro do prazo estabelecido nas leis
tributárias”.
457
Nos casos em que as leis tributárias não estabeleçam prazo de pagamento, este será de 30
dias após a notificação para pagamento efetuada pelos serviços competentes (art.º 85.º, n.º 2
do CPPT).
458
Quanto à cobrança de receitas por entidades diferentes da Administração tributária,
v. art.º 95.º do CPPT.
459
Cfr., art.º 20.º da LGT.
460
Assim, art.º 79.º do CPPT.
461
Contudo, tal possibilidade de pagamento em prestações não se aplica às dívidas de recur-
sos próprios comunitários e, nos termos da lei, às quantias retidas na fonte ou legalmente
repercutidas a terceiros ou ainda quando o pagamento do imposto seja condição da entrega

234
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

– Por outro lado, pode extinguir-se a dívida por dação em paga­mento,


quer antes – no âmbito de processo conducente à celebração de
acordo de recuperação de créditos do Estado – quer depois de ins-
taurada a execução, e em pedido (sem efeito suspensivo) diri­gido
ao ministro ou órgão executivo de que dependa a Administração
tributária462;
– Além disso, ainda pode suceder que se esteja perante uma compen-
sação de créditos tributários, nos termos dos art.º 89.º, 90.º, ou 90-A
do CPPT.

5.8. Procedimentos impugnatórios (de segundo grau)

5.8.1. Procedimento de revisão da matéria tributável fixada por


métodos indiretos

a) Pressupostos do pedido de revisão


Estamos aqui perante um procedimento impugnatório utilizado nas si-
tuações em que se pretende questionar graciosamente o ato de fixação
da matéria coletável com recurso a métodos indiretos (ato esse relativa-
mente ao qual já dedicamos a nossa atenção). O objetivo principal deste
procedimento será o estabelecimento de um acordo quanto ao valor da
matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação e terá legiti-
midade para o desencadear o sujeito passivo do tributo em questão, em
requerimento fundamentado dirigido ao órgão da Administração tribu-
tária da área do seu domicílio fiscal e apresentado no prazo de 30 dias
contados da data da notificação da decisão (de fixação do valor por mé-
todos indiretos)463. É de salientar que este prazo não deve ser entendi-
do como demasiado curto, pois, em princípio, o sujeito passivo já podia
prever o ato de fixação, uma vez que deve ter sido exercido o direito de
audição nos termos do art.º 60.º, n.º 1, alíneas d) e e) da LGT.

ou transmissão dos bens (art.º 42.º, n.º 2 da LGT). Situação parecida com a do texto é aquela
em que o sujeito passivo solicita a possibilidade de efetuar pagamentos por conta da dívida
que tem com a Fazenda Nacional. V., a propósito, art.º 86.º, n.os 4, 5 e 6, do CPPT.
462
V. art.os 87.º e 201.º do CPPT.
463
Cfr. art.º 91.º, n.os 1 e 2, da LGT.

235
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Trata-se, além disso, de um pedido não sujeito a custas ou encargos,


embora em algumas situações possa estar o contribuinte que o interpôs
sujeito a um agravamento da coleta464.
Este pedido de revisão – que tem efeito suspensivo da liquidação do
tributo465 e que não pode ser utilizado em todas as situações de recurso
a métodos indiretos, pois excluem-se os casos de regime simplificado
de tributação (quando não sejam aplicadas correções com base noutro
método – art.º 91.º, n.º 1 da LGT) e de avaliação da matéria coletável
baseada em manifestações de fortuna (art.º 89.º-A, n.º 7 da LGT) – pode
ser apresentado com fundamento em ilegalidade, nomeadamente:
– Errónea quantificação da matéria coletável466;
– Não verificação dos pressupostos de determinação indireta da ma-
téria coletável467.

Não pode, contudo, ser utilizado este procedimento nas situações de


meras correções aritméticas que resultem de imposição legal, ou ques-
tões de Direito cujos fundamentos de reclamação não sejam relativos
aos pressupostos de determinação indireta da matéria tributável468.
Por outro lado, importa colocar em evidência que este pedido de
revi­são é necessário nos casos de impugnação judicial com os funda-
mentos acima descritos (errónea quantificação da matéria coletável ou
não verificação dos pressupostos de determinação indireta da matéria
coletável)469.

b) Tramitação e consequências jurídicas


Após a interposição do pedido de revisão – no qual o sujeito pas­
sivo deve indicar um perito, que agirá como seu autêntico representante

464
Cfr. art.º 91.º, n. os 8, 9 e 10, da LGT.
465
V. art.º 91.º, n.º 2, da LGT. Este efeito suspensivo verifica-se até à decisão do procedi­
mento de revisão, “pois com esta e independentemente de qualquer outra diligência ou
formalidade (...) se torna definitiva a quantificação da matéria coletável necessária à conse-
quente e até então suspensa liquidação do imposto em causa”. Cfr. acórdãos do STA de 30
de outubro de 2002, processo n.º 01073/02 e de 19 de abril de 2012, processo n.º 0964/11.
466
Cfr. art.os 92.º, n.º 1, LGT e 117.º do CPPT.
467
Cfr. art.os 91.º, n.º 14, da LGT a contrario e 117.º do CPPT.
468
Assim, art.º 91.º, n.º 14, da LGT.
469
V. art.º 117.º, n.º 1, CPPT

236
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

legal470 – a Administração tributária designará no prazo de 8 dias um


perito seu e marcará uma reunião entre este e o perito indicado pelo
contribuinte a realizar no prazo máximo de 15 dias. Note-se que quer o
sujeito passivo quer a Administração tributária podem igualmente soli-
citar a nomeação de um perito independente471/472.
Depois disso, surge a fase do debate contraditório e da decisão deste
procedimento. Dissemos no início que o objetivo era o estabelecimento
de um acordo (entre os peritos) quanto ao valor da matéria tributável a
considerar para efeitos de liquidação. Ora, havendo tal acordo, o tri­buto
será liquidado com base na matéria coletável acordada que, caso seja
diferente da matéria inicialmente fixada, deverá ser fundamentada473.
Deve-se salientar que a existência de acordo inviabiliza a suscetibilidade de
impugnação judicial posterior da liquidação474.

470
Assim, v., por exemplo, acórdão do TCA-Sul de 18 de junho de 2015, processo n.º 07452/14.
Não obstante esse inequívoco nesso de representação, salienta-se neste acórdão (em con-
sonância com anterior jurisprudência) que “(...) não pode considerar-se o sujeito pas­sivo
vinculado pelo acordo que seja obtido em sede de procedimento de revisão da matéria
colectável, sempre que se demonstre que o representante não agiu dentro dos limites dos
seus poderes de representação ou que agiu em sentido contrário a estes poderes”.
471
Assim, art.º 91.º, n.º 4, da LGT. Quanto ao regime de faltas à reunião referida e às even-
tuais reuniões subsequentes, v. art.º 91.º, n.os 5, 6 e 7 da LGT. Acerca da constitucionalidade
do n.º 5 (que consagra um “regime de desistência”), cfr. acórdão do STA de 06 de junho de
2007, processo n.º 00190/04.
472
Tais peritos são escolhidos nos termos do art.º 91.º, n.º s 11, 12 e 13 (peritos da Adminis-
tração tributária) e 93.º e 94.º (peritos independentes), da LGT. A este propósito, refere o
TCA–S, num acórdão datado de 16 de novembro de 2004, processo n.º 0615/04: “A não in-
tervenção do perito independente reconduz-se a um vício de forma, por preterição de uma
formalidade essencial, estando essa formalidade instituída para assegurar as garantias de
defesa dos interessados contribuinte e AT, por forma a garantir a justeza e correção do ato
final do procedimento”. Contudo, “havendo acordo, e tratando-se de um trâmite destinado
a assegurar os interesses de ambas as partes é possível a sua degradação em formalidade não
essencial, quer dizer que a preterição não implica necessariamente a invalidade do ato final”.
V. igualmente, acórdão do STA de 19 de novembro de 2015, processo n.º 08241/14 (onde se
reitera a ideia da preterição de formalidade essencial, nos casos de falta da nomeação de pe-
rito independente, requerida pelo contribuinte).
473
Cfr. art.º 92.º, n.os 3 e 4 da LGT.
474
Assim, art.º 86.º, n.º 4 da LGT. V., também, acórdão do STA de 15 de setembro de 2010,
processo n.º 062/10. Todavia, como aí se refere, “não quer isto dizer que seja proibida,
em absoluto, a impugnação da liquidação efetuada com base no acordo, pois este regime
pressupõe, naturalmente, a validade do acordo e a sua oponibilidade ao contribuinte. Ficará

237
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Pelo contrário, se não for atingido tal acordo, o órgão competente


para a fixação resolverá segundo o seu prudente juízo, tendo em conta
as posições dos peritos. Se houver perito independente, a decisão deve-
rá obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição do seu parecer ,
sendo esta decisão, ou a liquidação – entretanto suspensa –, suscetível
de reclamação graciosa ou impugnação judicial475:
– Com efeito suspensivo, se o parecer do perito independente e do
contribuinte forem no mesmo sentido e oposto à decisão da Admi-
nistração tributária;
– Sem efeito suspensivo nos restantes casos.

Em todo o caso, e como já dissemos, não haverá sujeição a qualquer


encargo em caso de indeferimento, sem prejuízo de agravamento de 5%
da coleta nos casos em que se verificarem cumulativamente as circuns-
tâncias do art.º 91.º, n.º 9 da LGT.

5.8.2. Procedimento de revisão dos atos tributários


Este procedimento diz respeito àquelas situações em que o ato tribu-
tário – que, para estes efeitos não será apenas o ato de liquidação, mas
igualmente pode abranger os atos de fixação (direta ou indireta) da maté­
ria tributável, em face da letra do próprio art.º 78.º da LGT, nomeada-
mente dos seus n.os 4 e 6 –, oficiosamente ou a pedido do sujeito passivo,
vai ser reapreciado pelo próprio órgão que o praticou, nisto se afastando de
outros procedimentos impugnatórios, designadamente do procedi­
mento de reclamação graciosa que adiante será analisado.
Este procedimento encontra a sua razão de ser na circunstância de
todo o procedimento tributário estar subordinado ao princípio da ver-
dade material, o que implica que quando a Administração tributária
deteta a existência de um erro, ela tem por imperativo legal o dever
de efetuar a correção do mesmo, ainda que tal não lhe seja solicitado
(embora lho possa ser). É certo que a possibilidade de revisão, natural­
mente, irá alargar a precariedade do ato tributário no ordenamento jurí-
dico, pois este não se considerará imutável enquanto o prazo de revisão

aberta, assim, a possibilidade de impugnação da liquidação efetuada com base no acordo


invocando ilegalidade procedimental que afete a sua validade”.
475
Cfr. art.º 92.º, n.os 7 e 8, da LGT.

238
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

não decorrer, não sendo invocável a criação de uma certeza ou con­


vicção na esfera jurídica dos atores procedimentais. Mas compreende-se
que assim seja. Nestes casos, para além do bem segurança jurídica a curto
prazo, há que ter presente o bem verdade material, pelo que se tornava
imperioso encontrar nesta sede uma concordância prática entre ambos.
De toda a forma, em abstrato, a revisão pode ser efetuada a favor da
Administração tributária – por exemplo, com base em novos elementos
não considerados na liquidação, mas sempre dentro do prazo de caduci-
dade – ou a favor do sujeito passivo.
Nos casos de revisão a favor da Administração tributária, o que se
passa, a maior parte das vezes, é uma liquidação adicional, cuja possibili-
dade vem prevista em várias normas dos diversos códigos fiscais476, mas
que, em rigor, não se configura como um verdadeiro instrumento im-
pugnatório ao dispor dos contribuintes.
Tal já poderá ser o caso da revisão efetuada a favor do sujeito passivo,
prevista no art.º 78.º da LGT477. Independentemente de se saber se tal
revisão tem ou não a natureza de uma verdadeira reclamação graciosa
(uma vez que o prazo pode ser coincidente e a sindicância pode culmi-
nar com a anulação do ato tributário), deve-se assinalar que, quanto à
legitimidade abstrata, ela pode desencadeada pela Administração tribu-
tária ou pelo sujeito passivo.
O sujeito passivo pode desencadear este procedimento, invo­cando
qualquer ilegalidade, no prazo da reclamação graciosa, ou seja, 120
dias478. Trata-se, na prática, de aplicar o regime geral da anulabilidade
dos atos, regime esse, como se sabe, que impõe um prazo relativa­mente
apertado de invocação. A limitação aos 120 dias é um corolário do prin-
cípio da segurança jurídica, corporizado na estabilidade dos atos de
liqui­dação de tributos, pois a possibilidade de utilização do regime da
revisão do ato tributário com prazos largos e como meio de impugnação
de atos de liquidação já há muito estabilizados teria como consequência
a total supressão dos prazos de impugnação e reclamação. Nestes caso
(pedido do contribuinte no prazo de reclamação), a revisão poderá ter
efeitos suspensivos nos mesmos termos que a reclamação graciosa, isto é,

476
Cfr., por exemplo, art.os 89.º do CIRS, 99.º do CIRC, 92.º do CIVA ou 31.º do CIMT.
477
V., também, art.os 93.º do CIRS, 103.º do CIRC e 98.º do CIVA.
478
Assim, art.º 78.º, n.º 1, da LGT.

239
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

mediante a apresentação de garantia idónea ou o deferimento da sua


isenção479.
Por seu lado, a Administração tributária pode desencadear este pro-
cedimento com fundamento em erro imputável aos serviços e no prazo de 4
anos se o tributo já houver sido pago (caso em que a revisão do ato pode
determinar alterações nos fluxos financeiros estaduais e mesmo dificul-
dades de tesouraria no âmbito da execução do orçamento do Estado) ou
a todo o tempo se não o houver sido (casos em que as dificuldades acima
referidas não existirão)480. Deve-se entender que não pode ser aqui uti-
lizado qualquer outro fundamento ou argumento, nomeadamente a
ilegalidade do ato impugnado, pois se tal possibilidade fosse admitida
poderia significar a introdução de um grave desequilíbrio em sede de
harmonia do sistema –duplicando as garantias de defesa do contribuinte
– e de fatores de insegurança jurídica.
Finalmente, deve ser salientada uma “válvula de escape” que o sistema
consagra para situações absolutamente excecionais: a possibilidade de
revisão com base em injustiça grave e notória. Prescreve a este propósito
o art.º 78.º, n.º 4 que, quando se esteja em presença de um tal funda-
mento – cuja materialização não se pode reconduzir a ilegalidades, mas
apenas às situações de mérito, conveniência ou oportunidade, em que
a AT goza de um espaço autónomo de valoração e apreciação (discri-
cionariedade lato sensu), sob pena de sobreposição ou esvaziamento do
n.º 1 – o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente,
nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tribu-
tável (desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente
do contribuinte)481.

***

Convém salientar que o facto de a lei estabelecer um prazo de 120


dias para o contribuinte pedir, por sua iniciativa, a revisão do ato tri­
butário, não significa que ele não possa, no prazo da revisão oficiosa

479
V., a propósito, acórdão do STA de 5 de dezembro de 2018, processo n.º 0261/18.9BEVIS.
480
A expressão “a todo o tempo” deve ser entendida como respeitante a qualquer momento
até ao termo do prazo de prescrição da obrigação tributária. Cfr. acórdão do STA de 18 de
novembro de 2015, processo n.º 01509/13.
481
Cfr. art.º 78.º, n.º 4, da LGT.

240
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

(recorde-se: em princípio 4 anos), pedir esta (embora – aspecto impor-


tante! – com fundamento em erro de facto e não em ilegalidade). Com
efeito, a revisão oficiosa também se pode fundamentar num pedido dos
contribuintes, até porque o art.º 78.º, n.º 7, da LGT refere que “inter-
rompe o prazo de revisão oficiosa (…) o pedido do contribuinte dirigido
ao órgão competente da administração tributária para a sua realização”.
Por conseguinte, e um tanto estranhamente, tratando-se de uma “revi-
são oficiosa”, a mesma pode ser feita a pedido do contribuinte. Nestes
casos, porém, o acima mencionado efeito suspensivo já não se verificará
(pois já não existirá “identidade” com a reclamação graciosa, como su-
cedia nos casos de revisão por iniciativa do contribuinte propriamente
dita482).
O deferimento do pedido de revisão poderá, em abstrato, ter como
efeito:
– A anulação do ato tributário com eficácia ex tunc, com a consequente
restituição do tributo que haja sido pago, seja por via da passagem
de uma nota de crédito a favor do contribuinte, seja por via da com-
pensação com dívidas a que este eventualmente esteja adstrito483;
– A sua revogação, que poderá ter eficácia ex nunc;
– A sua reforma, mantendo-se o mesmo ato, mas procedendo-se à ex-
purgação da parte viciada; ou
– A sua conversão, que consistirá, grosso modo, na substituição do ato
primitivo por um outro (já a sua ratificação, suprindo um vício de
incompetência, poderá resultar inviável, na medida em que o ato
revisivo é efetuado pela mesma entidade que praticou o ato inicial).

Além destas consequências, poderão ser devidos juros indemniza-


tórios a favor do contribuinte quando (i) a Administração tenha proce-
dido oficiosamente à anulação de um ato tributário e não tenha nos 30
dias posteriores à sua decisão restituído o tributo já pago pelo contri-
buinte484 ou (ii) o contribuinte tenha solicitado essa revisão e ela se efe-

482
V., uma vez mais, acórdão do STA de 5 de dezembro de 2018, processo n.º 0261/18.9BEVIS.
483
Cfr., por exemplo, art.º 93.º, n.º 3, do CIRS.
484
V. art.º 43.º, n.º 3, alínea b), da LGT. A contrario, conclui-se que nas situações em que a
Administração proceda à revisão oficiosa e anule um ato tributário, restituindo o tributo de
seguida, não há lugar a juros indemnizatórios. Saliente-se que a jurisprudência tem enten-
dido – e parece-nos que bem – que a revogação efetuada pela Administração ao abrigo do

241
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

tuar mais de um ano após o seu pedido (salvo se o atraso não for imputá-
vel à Administração)485.

5.8.3. Procedimento de reclamação graciosa

a) Enquadramento jurídico
O procedimento de reclamação graciosa constitui o procedimento
impugnatório por excelência, uma vez que tem por objetivo a anulação
total ou parcial dos atos tributários (sendo este o pedido principal: art.º
68.º do CPPT486), com fundamento em ilegalidade dos mesmos. Vale
isto por dizer que sempre que o contribuinte tenha diante de si um ato
tributário (de natureza unilateral, definitiva e impositiva, um ato de li-
quidação) que considere desconforme com o ordenamento jurídico,
deve lançar mão deste expediente administrativo.
Deve-se alertar desde já para o facto de que, em princípio, este pro-
cedimento não tem efeito suspensivo da liquidação que se está a recla-
mar487, o que quer dizer que o contribuinte, mesmo reclamando, deve
proceder ao pagamento do tributo em causa, sob pena de, daí a algum
tempo, se poder confrontar com um processo de execução fiscal contra
si instaurado. Porém, e como já se observou em momento anterior das
Lições, tal efeito suspensivo pode ser conseguido se for prestada garantia
adequada, a qual deve (i) ser requerida pelo contribuinte juntamente
com reclamação, e (ii) prestada no prazo de 10 dias após a notificação
para o efeito pelo órgão periférico local competente. Nestes casos, pode
defender-se que a simples apresentação do requerimento com a garantia

artigo 112.º do CPPT, na sequência de uma impugnação judicial deduzida pelo contribuinte,
não pode considerar-se como sendo efetuada por iniciativa da Administração, por ter antes
resultado de iniciativa deste. Isto porque, caso contrário, conferir-se-ia a essa mesma Admi-
nistração a possibilidade de evitar o pagamento de juros indemnizatórios nos casos em que
ocorre um erro que lhe é imputável, bastando para tal limitar-se a revogar o ato no prazo da
sua contestação. Assim, acórdão de 17 de novembro de 2010, processo n.º 0467/10.
485
V. art.º 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT. Neste caso, são devidos juros indemnizatórios ape-
nas decorrido um ano após o pedido respetivo e não desde a data do pagamento da quantia
liquidada [assim, acórdão do STA, de 6 de junho de 2007, processo n.º 0606/06]. De resto,
se a revisão se efetuar no prazo de um ano, ou após isso quando o atraso não for imputável à
Administração, não serão devidos juros indemnizatórios.
486
Quanto à cumulação de pedidos, v. art.os 71.º e 74.º do CPPT.
487
V. cfr. art.º 69.º, alínea f ), do CPPT.

242
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

“tem a virtude de suspender o procedimento de cobrança” e evitar a ins-


tauração imediata de execuções488, pelo menos até à apreciação e even-
tual indeferimento do mesmo.

***

Nos casos mais comuns, a reclamação deve ser apresentada pelo con-
tribuinte, pelos substitutos ou pelos responsáveis489, sob forma escrita
(embora, em casos de manifesta simplicidade, o possa ser oralmente490)
junto do serviço periférico local (serviço de finanças) da área do domicí-
lio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação, em-
bora seja dirigida ao órgão periférico regional (direção de finanças)491,
cujo dirigente é competente para decidir. Verifica-se, assim, uma duali-
dade competencial quanto ao órgão a quem entregar e quanto ao órgão
que vai decidir a reclamação.
De salientar ainda que pode haver apresentação mediante transmis-
são eletrónica de dados (n.º 7 do art.º 70.º do CPPT).
A instauração da reclamação faz interromper o prazo de prescrição
da obrigação tributária492.

b) Fundamentos da reclamação
Como dissemos, a reclamação graciosa visa a anulação de atos tributários.
Pois bem, com que fundamentos podem os atos tributários ser anula-
dos em sede de reclamação?
Nos termos do art.º 70.º do CPPT, “a reclamação graciosa pode ser
deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação
judicial”, estando estes últimos previstos, de forma não exaustiva, no
art.º 99.º do mesmo código. De acordo com este artigo, constitui fun-
damento de reclamação “qualquer ilegalidade”. Trata-se aqui – como já
tivemos oportunidade de mencionar quando nos referimos à classifica-
ção dos atos da administração tributária – de um conceito operativo de

488
Cfr. acórdão do STA de 8 de fevereiro de 2017, processo n.º 0177/15.
489
Quanto à possibilidade de coligação, v. art.os 72.º e 74.º do CPPT.
490
Cfr. art.º 70.º, n.º 6, do CPPT.
491
Cfr. art.º 73.º, n.º 1, do CPPT.
492
Cfr. art.º 49.º, n.º 1, da LGT.

243
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ilegalidade que significa, amplissimamente, desconformidade com o orde-


namento jurídico. Assim, qualquer ato tributário que, por qualquer mo-
tivo, se entenda violar normas jurídicas (constitucionais, internacionais,
legais ou regulamentares) será, para estes efeitos, entendido como um
ato ilegal. De modo a preencher uma cláusula tão aberta, o próprio le-
gislador fornece pistas acerca do que se deva entender por ilegalidade,
podendo-se destacar:
– A errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valo­
res patrimoniais e outros factos tributários;
– A incompetência;
– A ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;
– A preterição de outras formalidades legais;
– A caducidade do direito à liquidação;
– A duplicação da coleta;
– A inexistência do facto tributário.

Procurando densificar alguns desses fundamentos, cabe dizer:


i) A errónea qualificação dos factos tributários diz respeito, como o
próprio nome sugere, àquelas situações em que a Administração
tributária usou uma deficiente qualificação jurídica dos mesmos.
Pense-se, por exemplo, num caso em que o sujeito passivo auferiu
um rendimento de capitais, mas que, contudo, é qualificado pela
Administração tributária como uma mais-valia. Ou auferiu uma
pensão que foi erradamente qualificada como rendimento do tra-
balho dependente;
ii) Já a errónea quantificação diz respeito a questões técnicas de cariz
contábil, tais como as questões relacionadas com o cálculo de uma
indemnização para efeitos de sujeição a imposto; com a conside-
ração de um determinado número de meses de pensões, rendas
ou salários; ou com a quantificação a partir de métodos indiretos.
iii) A incompetência, tem por referência, evidentemente, a violação
das normas aferidoras da competência da Administração tributá-
ria, (já por nós supra analisadas);
iv) A ausência ou o vício da fundamentação legalmente exigida, veri­
ficar-se-á quando não existir, devendo, fundamentação do ato tri-
butário ou quando os respetivos requisitos não estiverem verifica-
dos (matéria igualmente já por nós estudada);

244
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

v) A preterição de outras formalidades legais, tem natureza mais re-


sidual e diz respeito a situações como a inexistência de informa-
ção pelos serviços de fiscalização, as irregularidades da composi-
ção e funcionamento das comissões, a inexistência da ata de uma
reunião de peritos, a falta de nomeação ou de notificação do vogal
dos contribuintes493, a preterição do direito de audição, etc. Trata-
-se, naturalmente, de formalidades essenciais ao procedimento,
suscetíveis de inquinar o ato final com o vício de ilegalidade, e não
de simples formalidades não essenciais ou irrelevantes as quais,
apesar de terem sido praticadas, não relevam no conteúdo ou na
forma da decisão final, admitindo-se a validade do ato em causa,
por força do princípio da aproveitabilidade dos atos494;
vi) A caducidade terá lugar quando a AT ultrapassa o prazo que tem
ao seu dispor para proceder à liquidação dos tributos (art.º 45.º da
LGT);
vii) A duplicação da coleta existirá quando, estando pago por inteiro
um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um ou-
tro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao
mesmo período de tempo495;

493
V., por exemplo, acórdão do STA de 11 de dezembro de 1996, processo n.º 018956, nos
termos do qual a falta de notificação do vogal “tem como consequência que a comissão não
pode reunir nem deliberar” e “constitui preterição de formalidades legais, inquinando de
ilegalidade a deliberação saída da reunião da Comissão que também não se mostra regular
na sua composição e funcionamento”. Mas já a falta de notificação do ato tributário não se
poderá aqui incluir. A este propósito, refere o mesmo STA (acórdão de 08/10/97, processo
n.º 019886) que a notificação de um ato tributário é um ato exterior a este, e por isso, os
vícios que afetem a notificação, podem determinar a invalidade desta e a consequente inefi-
cácia do ato (tributário) mas não afetam a sua validade, como constitui jurisprudência cor-
rente, nunca podendo por isso, ao seu arrimo, anularem-se as liquidações em causa. V., por
fim, acórdão do TCA-S de 27 de abril de 2017, processo n.º 1284/08.1BESNT.
494
V. acórdão do TCA–S de 16 de novembro de 2004, processo n.º 0615/04 (já supra citado),
no âmbito o qual se aduz que a não intervenção do perito independente requerido pelo con-
tribuinte reconduz-se a uma preterição de uma formalidade essencial, embora a mesma, em
certas situações, se possa degradar em não essencial. V. igualmente, e uma vez mais, acórdão
do STA de 19 de novembro de 2015, processo n.º 08241/14.
495
V. art.º 205.º do CPPT e acórdãos do STA de 12 de janeiro de 2005, processo n.º 0949/04;
do TCA-N de 8 de novembro de 2012, processo n.º 01128/05.6BEPRT, e do TCA-S de 10 de
novembro de 2016, processo n.º 09190/15.

245
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

viii) A inexistência do facto tributário verifica-se em casos de viola-


ção das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de
bene­fícios fiscais. Este fundamento “(…) radica na não ocorrên-
cia da situação real causa da liquidação propriamente dita e, em
consequência, na não incidência e [ou, diríamos nós] isenção do
tributo (…)”496.

c) Tempestividade
No que diz respeito ao prazo, podemos dizer que existe um prazo-regra
para a interposição da reclamação graciosa e vários prazos excecionais.
O prazo-regra é de 120 dias a contar do termo do prazo para paga-
mento voluntário497. Trata-se, naturalmente, de um prazo de natureza
procedimental ou extraprocessual, contando-se de modo corrido e nos
termos da LGT498.
Excecionalmente, a reclamação poderá ser interposta no prazo que
estiver fixado em alguma outra norma que regule as reclamações, apli-
cando-se o princípio “lex specialis derogat generali”499.
De salientar que a interposição da reclamação graciosa não prejudica
um posterior prazo para a interposição da impugnação judicial, uma vez
que é possível usar esse meio processual após o indeferimento da pri-
meira.

d) Tramitação do procedimento
Quanto à tramitação, a reclamação é, como dissemos, apresentada no
órgão periférico local, que instaurará o respetivo procedimento. Após
isso, esse mesmo órgão procederá à instrução500 , em prazo não superior
a 90 dias, com os elementos que tiver ao seu dispor – que, em princípio,
se reduzirão a provas de base documental501 – e será elaborada proposta
fundamentada da decisão.
Salvo quando a lei estabeleça em sentido diferente, a entidade com-
petente para a decisão da reclamação graciosa é o dirigente do órgão peri-

496
Cfr. acórdão do STA de 12 de dezembro de 1990, processo n.º 012991.
497
Cfr. art.º 70.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.
498
Cfr. art.º 57.º, n.º 3 da LGT
499
Cfr., por exemplo, art.os 131.º, n.º 1; 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT.
500
Cfr. art.º 73.º, n.º 2, do CPPT.
501
Cfr. art.º 69.º, alínea e), do CPPT.

246
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

férico regional da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação


dos bens ou da liquidação ou, não havendo órgão periférico regional, o
dirigente máximo do serviço502.

Uma nota extremamente importante deve agora ser recordada: se a


decisão for desfavorável, o sujeito que reclamou deve ser notificado do
projeto de decisão para exercer o seu direito de audição, oralmente ou
por escrito, num prazo de 15 dias, podendo a Administração tributária
alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade
da matéria503.
Após isso, sucede a fase da decisão, e devem-se, neste passo, distin-
guir as situações (i) em que o órgão competente se pronuncia sobre a
reclamação interposta e (ii) aquelas em que tal pronúncia não existe.
i) Nas situações em que órgão decisor se pronuncia sobre a pretensão
do contribuinte, pode fazê-lo num de dois sentidos, embora sem-
pre com inexistência de caso julgado504:
– Ou deferindo a sua pretensão (deferimento expresso), sendo, em
consequência, o ato tributário anulado total ou parcialmente,
devendo-se apagar os seus efeitos com eficácia ex tunc, resti­
tuindo-se o que haja sido prestado e, caso se prove ter havido
erro imputável aos serviços, pagando-se juros indemnizatórios
desde a data do pagamento505;
– Ou indeferindo a sua pretensão (indeferimento expresso), caso
em que o ato tributário se mantém no ordenamento jurídico,
produzindo os seus efeitos, e podendo mesmo ser aplicado um
agravamento à coleta quando se considere ter sido infundada506.

502
Assim, art.º 75.º, n.º 1, do CPPT.
503
V. art.º 60.º, n.º 1, alínea b), e n.º 6, da LGT.
504
Cfr. art.º 69.º, alínea c), do CPPT.
505
Cfr. art.os 43, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT. Cfr., ainda, acórdão do STA, de 6 de
junho de 2007, processo n.º 0606/06. Por outro lado, como se refere no acórdão do STA
de 18 de novembro de 2015, processo n.º 0699/15, “O ato tributário, enquanto ato divisível,
tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial. O critério para
determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegali-
dade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado ou
apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial”.
506
Cfr. art.º 77.º do CPPT.

247
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ii) Nas situações em que o órgão decisor não se pronuncia (devendo-o


fazer), também duas situações há a distinguir:
– Ou se entende que a reclamação foi indeferida (indeferimento
tácito), mantendo-se, portanto, o ato tributário;
– Ou que a reclamação foi deferida (deferimento tácito), anu­
lando-se o ato tributário, com os efeitos acima assinalados.

Em regra, considera-se que, em caso de silêncio da Administração, a


reclamação é indeferida. Refere a este respeito o art.º 57.º, n.º 1 da LGT,
que “o procedimento tributário deve ser concluído no prazo de qua-
tro meses”, acrescentando o n.º 5 do mesmo artigo que “o incumpri­
mento do prazo referido no n.º 1, contado a partir da entrada da peti-
ção do contribuinte no serviço competente da Administração tributária,
faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico,
recurso contencioso ou impugnação judicial”. No sentido da mesma
solução, prescreve o art.º 106.º do CPPT que “a reclamação graciosa pre-
sume-se indeferida para efeito de impugnação judicial após o termo do
prazo legal de decisão pelo órgão competente”.
Contudo, existem alguns casos de deferimento tácito da reclamação
graciosa, destacando-se, por exemplo, as situações de reclamação dos
pagamentos por conta507.

e) Impugnação da decisão
A via normal de colocar em crise a decisão administrativa de indefe-
rimento da reclamação graciosa será a impugnação judicial, que, em
regra, deverá ser apresentada no prazo 3 meses nos casos de indeferi-
mento, expresso ou tácito508. Porém, podem prever-se prazos espe-
ciais, como sucede nos casos de reclamação prévia necessária por erro
nos pagamentos por conta (situação na qual se determina um prazo de
30 dias509).
Contudo, o interessado poderá igualmente recorrer hierarquica­
mente, no prazo de 30 dias, do indeferimento da reclamação, e da deci-
são desfavorável do recurso hierárquico pode ser interposto – utilizando

507
V. art.º 133.º, n.º 4, do CPPT.
508
V. art.º 102.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPPT.
509
Cfr. art.º 133.º, n.º 3 do CPPT.

248
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

a terminologia legal – recurso contencioso, salvo se de tal decisão já ti-


ver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objeto510.
A expressão “recurso contencioso” aqui utilizada deve ser entendida
como referente ao processo de impugnação judicial, uma vez que, bem
vistas as coisas, comportando a reclamação graciosa e o subsequente
recurso hierárquico a apreciação da legalidade de atos de liquidação, o
meio processual adequado para impugnar contenciosamente a decisão
proferida em recurso é a impugnação judicial511. Esta última, no caso de
indeferimento expresso do recurso hierárquico, pode ser deduzida no
prazo de três meses a contar da notificação512, ao passo que no caso de
indeferimento tácito, pode ser deduzida no prazo de três meses a contar
do momento em que o recurso se considera tacitamente indeferido513.
De um ponto de vista da teoria da impugnação, significa esta solução
que, diferentemente do que acontece no contencioso administrativo em
sentido restrito514, é possível, no contencioso tributário, a impugnação
contenciosa do conteúdo de atos meramente confirmativos (que são
aqueles que se limitam a manter, sem alteração, a situação jurídica já de-
finida pelo ato confirmado, não introduzindo qualquer modificação re-
levante naquela situação e, nessa medida, não trazendo nenhuma ofensa
ao direitos ou interesses legalmente protegidos do administrado).

f ) As reclamações graciosas necessárias


Nos termos que temos vindo a descrever, a reclamação graciosa apre-
senta-se como um meio de carácter impugnatório ou recursivo e com
natureza facultativa, podendo o contribuinte dela lançar mão se assim
o entender ou, alternativamente, utilizar a impugnação judicial com o
mesmo fim.
Todavia, as coisas nem sempre assim são.
Existem situações em que o sujeito passivo, se quiser utilizar a via
judicial, deve primeiro esgotar a via administrativa, lançando mão dos

510
Cfr. art.º 76.º, n.º 1 e 2 do CPPT.
511
Cfr. art.º 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT. V., também, acórdãos do STA de 21 de março 2007
(processo n.º 01073/96), 30 de maiode 2007 (processo n.º 0340/07), e 12 de junho de 2007
(processo n.º 0288/07).
512
Assim, art.º 102.º, n.º l, alínea e), do C.P.P.T.
513
Assim, art.º 102.º, n.º l, alínea d), do C.P.P.T.
514
Cfr. art.º 53.º do CPTA.

249
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

meios graciosos que o legislador coloca ao seu dispor, conseguindo a defi-


nitividade vertical do ato e, só então, abrindo o canal contencioso. Fala-se,
a este respeito, em reclamações necessárias que, antecedendo logicamente o
recurso a Tribunal, também são designadas por reclamação prévias515.
Em matéria tributária, são várias as situações que assumem relevân-
cia quando se trata de averiguar quais os casos que obrigam o interes­
sado a esgotar os meios administrativos.
Analisemos, num exercício meramente exemplificativo516, algumas
delas separadamente517.

α) Reclamação em caso de autoliquidação


Já atrás nos referimos a este tipo de liquidação. Trata-se, como vimos, e
em termos simples, de um conjunto de situações no âmbito das quais o
próprio sujeito passivo procede à declaração, quantificação e entrega da
obrigação tributária, impendendo sobre si próprio o dever de cálculo do
tributo devido.
Ora, em situações como estas pode acontecer que esse mesmo sujeito
passivo que efetuou as operações referidas constate mais tarde que não
as efetuou convenientemente, seja porque omitiu determinados provei-
tos ou custos, seja porque avaliou mal a situação de facto em que estava
integrado ou até porque, pura e simplesmente, fez mal as contas. Com-
preende-se que, se tal suceder, ele possa impugnar em Tribunal a liqui-
dação feita por si próprio, no sentido de, sendo caso disso, pagar menos
imposto ou receber um reembolso maior.

515
Com tais reclamações necessárias não se confundem as formalidades necessárias prévias
à apresentação das próprias reclamações, como sucede, por exemplo, em matéria de IVA,
âmbito no qual se exige que, antes da impugnação administrativa, sejam apresentadas as de-
clarações corretivas pertinentes (art.º 97.º, n.º 2 do CIVA). Porém, sobre as devidas caute-
las com que tais exigências devem ser interpretadas – designadamente, com o sentido de
que não se deve impor ao contribuinte a apresentação de uma “liquidação a zeros” quando
o mesmo impugna precisamente com base no argumento de que não há liquidação de IVA a
efetuar – v. acórdão do STA de 8 de março de 2015 (ou 8 de abril, atendendo à discrepância
na versão publicada eletronicamente), processo n.º 01920/13.
516
Na verdade, vários outros casos de reclamações necessárias existem, como, por exemplo, o
previsto no art.º 140.º, n.º 2, do CIRS.
517
Para desenvolvimentos, cfr. Carvalho, Cláudio, As reclamações prévias em matéria tributária,
in Scientia Iuridica, LVII, 314, Braga, 2008, 285 e ss.

250
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Sucede que o legislador não lhe permite o acesso direto à via con-
tenciosa, obrigando-o a esgotar primeiro os canais administrativos, im­
pondo-lhe a utilização da reclamação graciosa. Refere o art.º 131.º, n.º 1,
do CPPT: em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obri-
gatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente
do órgão periférico regional da Administração tributária, no prazo de 2
anos após a apresentação da declaração.
Porquê a consagração desta solução e porque não permitir, desde
logo, a impugnação judicial?
Parece que se pode encontrar um argumento convincente na ideia
de que, nestas situações, em rigor, ainda não existe propriamente um
conflito de pretensões entre o credor tributário e o sujeito passivo que
justifique a entrada em cena de um órgão jurisdicional. Com efeito, até
ao momento da autoliquidação, se as coisas decorrerem de acordo com
a normalidade, a Administração ainda não manifestou por forma al­guma
a sua vontade e, consequentemente, ainda nada fez que possa even­
tualmente lesar o contribuinte. Assim sendo, justifica-se que, antes de
ingressar em Tribunal, esta questão mereça uma apreciação por parte
daquela e, porventura, a liquidação feita seja alvo de uma correção que sa-
tisfaça as pretensões do interessado. Desta forma, dá-se também operati-
vidade ao princípio da economia dos meios processuais, não inundando
o Tribunal com questões que podem ser resolvidas em outras sedes.
Apenas assim não será se o fundamento impugnatório consistir ex-
clusivamente em matéria de Direito (v.g., interpretação de conceitos
indeterminados) e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com
orientações genéricas emitidas pela Administração tributária. Nestes ca-
sos, a reclamação já terá natureza facultativa, pois os argumentos acima
expostos não terão aqui aplicabilidade (a Administração já se “pronun-
ciou” sobre a matéria)518.
Em qualquer dos casos, havendo indeferimento da reclamação, o
contribuinte pode sempre intentar a impugnação judicial subsequente-
mente.

Cfr. o que dissemos atrás acerca do procedimento de orientações genéricas (art.os 55.º e
518

56.º do CPPT). V., ainda, acórdão do STA de 31 de maiode 2006, processo n.º 026622.

251
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

β) Reclamação em caso de retenções na fonte


Outra reclamação graciosa que reveste natureza necessária relaciona-se
com os casos de retenção na fonte.
Trata-se de uma das situações de substituição tributária, no âmbito
da qual, por razões várias – ténues ligações do sujeito com o ordena-
mento português (não residentes), anonimato, sigilo, gestão de tesoura-
ria do Estado, etc. –, o tributo é entregue ao credor, não pela pessoa em
relação à qual se verifica a capacidade contributiva (substituído), mas
por uma outra pessoa (substituto).
Será o que sucede, por exemplo, com o IRS que incide sobre os salá-
rios, onde a entidade que procede ao seu pagamento ou colocação à dis-
posição, amputa uma determinada percentagem, entregando a quantia
respetiva nos cofres do Estado.
As retenções na fonte, como sabemos de outras sedes, podem ter na-
tureza definitiva ou provisória (a título de pagamento por conta), con­
soante estejam ou não sujeitas a acertos posteriores derivados do englo-
bamento dos rendimentos.
No que diz respeito à sua impugnação judicial, cumpre distinguir as
situações em que ela é efetuada pelo substituto e aquelas em que ela é
efetuada pelo substituído.
i) A impugnação judicial efetuada pelo substituto justifica-se quando
este entrega imposto superior ao devido – tendo efetuado retenção
a mais –, sendo que, em circunstâncias normais, o montante entre-
gue a mais deveria ser descontado nas entregas seguintes da mesma
natureza. Contudo, se tal correção não for possível (porque, por
exemplo, não existem mais entregas nesse ano), o substituto deve
reclamar graciosamente e só após o indeferimento desta reclama-
ção é que poderá impugnar judicialmente519.
ii) Já a impugnação efetuada pelo substituído, será obrigatoriamente
precedida de reclamação nos casos de retenções a título definitivo.
Nas retenções a título de pagamento por conta, o acerto será feito
a final, com a liquidação definitiva resultante do englobamento dos
rendimentos anuais.
Quer num caso, quer no outro, as razões que acima apontamos a
respeito das autoliquidações parecem ter aqui plena aplicabilidade e,

519
Cfr. art.º 132.º, n.º 3, do CPPT.

252
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

também quer num caso quer no outro, a reclamação não apresenta ca-
rácter necessário se os atos houverem sido praticados em consonância
com as orientações genéricas da Administração520.

χ) Reclamação em caso de pagamentos por conta


A terceira situação em que a reclamação é necessária respeita aos paga-
mentos por conta do imposto devido a final. Estes são entregas pecuniá-
rias antecipadas impostas por lei a determinados sujeitos passivos – por
exemplo, os titulares de rendimentos da categoria B, em sede de IRS
– com o objetivo de proporcionar um pagamento e uma arrecadação
fasea­dos do montante de imposto a pagar que, a final, seria substancial-
mente mais elevado521.
Quando considerados indevidos, tais pagamentos por conta são
suscetíveis de impugnação judicial com fundamento em erro sobre os
pressupostos da sua existência ou do seu quantitativo, sendo que tal im-
pugnação depende, também aqui, de prévia reclamação graciosa para o
órgão periférico local da Administração tributária competente, no prazo
de 30 dias522. De resto, caso a reclamação seja expressamente indeferida,
o contribuinte poderá impugnar em Tribunal, no prazo de 30 dias.
Finalize-se dizendo que este é um dos poucos casos (excecionais,
portanto) em que se prevê um deferimento tácito: nos termos do art.º
133.º, n.º 4, do CPPT, “decorridos 90 dias após a sua apresentação sem
que tenha sido indeferida, considera-se a reclamação tacitamente defe-
rida”.

δ) Reclamação em matéria de classificação pautal, origem ou valor


aduaneiro das mercadorias
Outra situação em que se exige o prévio esgotamento das vias adminis-
trativas, mediante a interposição de uma reclamação graciosa com vista
à abertura da posterior via jurisdicional ou contenciosa, tem um âm­bito
material de aplicação muito complexo, denso e específico, cuja men-
ção pormenorizada ficaria aqui deslocada. Trata-se de um conjunto de
matérias de Direito aduaneiro (conjunto de normas jurídicas relacio-
nadas com, por exemplo, importações de mercadorias provenientes de
520
Assim, art.º 132.º, n.º 6, do CPPT
521
Assim, art.º 133.º da LGT.
522
Cfr. art.º 133.º, n.os 1 e 2, do CPPT.

253
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Estados não pertencentes à UE) como sejam as atinentes à classificação


pautal dessas mercadorias (isto é, a sua localização na pauta aduaneira
comum), à sua origem ou ao seu valor aduaneiro523. Sem entrar em
pormenorizações excessivas – até porque a seriedade científica obriga
ao reconhecimento das limitações cognoscitivas –, apenas se refere
o preceituado no recentemente introduzido art.º 133.º-A do CPPT:
“A impugnação judicial de atos de liquidação que tenha por funda­
mento a classificação pautal, a origem ou o valor aduaneiro das merca-
dorias depende de prévia reclamação graciosa prevista no presente Código.”
(realce nosso).
Essa reclamação graciosa segue as regras específicas previstas no art.º
77.º-A do CPPT.

ε) Taxas locais
Finalmente, cumpre mencionar, igualmente de modo sumário, uma
outra matéria na qual se exige reclamação graciosa prévia necessária:
as taxas criadas pelas Autarquias locais. A este respeito, vale o prescrito
no art.º 16.º, n.º 5 do Regime geral das taxas das Autarquias locais (Lei
53-E/2006).
Em termos práticos, o contribuinte, munícipe ou freguês que tenha
intenções de impugnar judicialmente, por exemplo, a liquidação de uma
taxa exigida pelo Município pela instalação de uma banca num merca-
do, ou uma taxa de publicidade, ou uma taxa devida pelo licenciamento
de uma atividade ou pela utilização de uma parcela do domínio público
para instalar uma esplanada ou um quiosque, não se pode dirigir direta-
mente a Tribunal, antes deve esgotar a via administrativa de reclamação,
nos termos do referido art.º 16.º.

5.8.4. Procedimento de recurso hierárquico


O recurso hierárquico é uma garantia administrativa que, em geral, con-
siste em solicitar ao superior hierárquico da entidade que praticou um
ato uma nova apreciação deste. Em abstrato, tal apreciação tanto pode
incidir sobre a legalidade como sobre o mérito do ato apreciado, aqui se
distinguindo de outros meios procedimentais, como a reclamação gra-
ciosa, acabada de analisar. Em consequência, o objetivo da interposição

523
Cfr. art.os 56.º e ss. do Código aduaneiro da União.

254
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

de tal recurso tanto poderá ser (i) a anulação do ato, como (ii) a sua re-
vogação.
Quanto às suas relações com a posterior possibilidade de controlo
juris­dicional, o recurso hierárquico – de resto, tal como a reclamação
graciosa – pode ser necessário ou facultativo:
– O recurso hierárquico será necessário quando seja indispensável
para atingir a via contenciosa, ou seja, quando o interessado não
puder recorrer a Tribunal sem, previamente, ter interposto o recurso.
Trata-se de exigir ao contribuinte uma segunda audição adminis-
trativa, de modo a chegar até uma autoridade cujos atos sejam, esses
sim, sujeitos a controlo em Tribunal524;
– Diferentemente, o recurso hierárquico será facultativo quando não
seja indispensável para atingir a via contenciosa, podendo o interes-
sado recorrer a Tribunal, mesmo que não recorra hierarquicamente.

Quanto à projeção do recurso sobre os efeitos do ato recorrido po-


demos estar perante um recurso com efeitos meramente devolutivos ou
um recurso com efeitos suspensivos:

524
Deve-se ter presente que a exigência de recurso hierárquico necessário para abrir a via
contenciosa pode, em certa perspetiva, ser entendida como inconstitucional, na medida em
que (i) se estaria a violar os direitos de acesso aos Tribunais e de recurso contencioso e (ii) a
Constituição, atualmente, não exige a definitividade dos atos para que estes possam ser su-
jeitos a controlo em Tribunal. Quem assim pensa, advoga que cabe sempre recurso conten-
cioso do ato administrativo (tributário) com eficácia externa, mesmo que não verticalmente
definitivo, e assenta tal raciocínio nos seguintes argumentos:
1) A supressão do recurso hierárquico necessário favorecerá a celeridade processual;
2) A supressão do recurso hierárquico necessário assegura o máximo respeito pelas garan-
tias dos particulares, que, para além de se poderem prevalecer imediatamente da via con-
tenciosa, continuarão a poder interpor recurso hierárquico (facultativo).
Em sentido oposto, pode-se entender que a exigência de que o recurso contencioso seja
precedido de recurso hierárquico necessário – tendo em vista a formação de um ato ad-
ministrativo verticalmente definitivo – não viola a Constituição, até porque a exigência de
recurso hierárquico necessário proporciona à Administração Pública a possibilidade de re-
vogar atos com base em juízos de mérito, o que beneficia os administrados, pois o recurso
contencioso é de mera legalidade.
Pela nossa parte, a pedra de toque residirá na circunstância de não se fechar a porta da possi-
bilidade futura de recurso a Tribunal. Se após a interposição do recurso hierárquico, mesmo
que necessário, é possível o acesso a Tribunal, então a exigência de recurso necessário e defi-
nitividade vertical não será inconstitucional. V., a propósito, acórdão do TC n.º 499/96.

255
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– O recurso terá efeito meramente devolutivo se a sua interposição


não impede o ato recorrido de continuar a produzir os seus efeitos;
– Pelo contrário, o recurso terá efeito suspensivo se a sua interposição
impede, até à decisão, que o ato recorrido produza efeitos.

Em princípio (isto é, caso não exista norma em contrário), e nos ter-


mos do art.º 67.º, n.º 1 do CPPT, os recursos hierárquicos, têm natureza
meramente facultativa e efeito devolutivo525. Isto pressupõe que o ato
administrativo anterior é um ato verticalmente definitivo, diretamente
sindicável, e que quaisquer atos subsequentes – como o despacho pro-
ferido no âmbito do recurso hierárquico – são meramente confirmati-
vos526. Nestes casos (recorde-se: recurso facultativo e efeito devolutivo),
o recurso hierárquico funciona como uma espécie de “filtro administra-
tivo”, tentando-se evitar o recurso imediato a Tribunal e dando ao supe-
rior hierárquico a possibilidade de revogar o ato do inferior hierárquico.
Por outro lado, e tal como acontecia com a reclamação graciosa, a in-
terposição do recurso hierárquico faz interromper o prazo de prescrição
das obrigações tributárias (art.º 49.º, n.º 1 da LGT).
No que diz respeito às regras de competência, o recurso hierárquico
– que deverá ser entregue junto do órgão recorrido no prazo de 30 dias
a contar da notificação do ato de que se recorrer – será dirigido ao mais
elevado superior hierárquico do autor do ato (art.º 66.º, n.º 2, do CPPT
e 80.º da LGT), em homenagem ao (já por nós referido) princípio do
duplo grau de decisão.
Por outro lado, as decisões sujeitas a recurso hierárquico serão:
– Todas aquelas em que a lei prevê expressamente essa possibili­dade,
como, por exemplo, nos casos de reclamação graciosa indeferida
(art.º 76.º, n.º 1 do CPPT) ou de não reconhecimento benefícios fis-
cais (art.º 65.º, n.º 4 do CPPT);
– Aquelas em que a lei não prevê qualquer outra possibilidade de con-
trolo administrativo, como parece ser o caso, por exemplo, das cor-
reções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de
imposição legal (art.º 91.º, n.º 14 da LGT).

525
Como exemplo de um recurso hierárquico com efeito suspensivo, pode apontar-se o pre-
visto no art.º 83.º, n.º 2 do CIVA. Para um caso de recurso hierárquico necessário, v. art.º 67.º,
n.º 3 do CPPT.
526
V. acórdão do TCA – Sul, de 8 de abril de 2003, processo n.º 05366/01.

256
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Quanto à decisão, se houver deferimento do recurso, o ato recor­rido,


em princípio, será anulado ou revogado, ao passo que se esse mesmo
recurso for indeferido, o ato recorrido mantém-se, abrindo-se a via con-
tenciosa (ação administrativa).
Recorde-se, mais uma vez, que se a decisão for desfavorável, o sujeito
que recorreu deve ser notificado do projeto de decisão para exercer o
seu direito de audição, oralmente ou por escrito, num prazo de 15 dias,
podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de
25 dias em função da complexidade da matéria527.

5.9. Pedido de redução de coimas tributárias


O procedimento em epígrafe, não obstante a denominação, a convoca-
ção de coordenadas atinentes ao Direito contraordenacional, e a consa-
gração positiva em diploma de natureza penal (lato sensu – o RGIT, nos
seus art.os 29.º e 30.º), consistirá num verdadeiro procedimento tributá-
rio, ao qual se deverão aplicar a regras constantes da LGT e do CPPT.
Ainda assim, atendendo à circunstância de que se tratará de um proce-
dimento sui generis e com escassa componente jus-tributária, apenas os
respetivos traços essenciais de regime serão aqui sublinhados528.

***

O pedido de redução de coimas tributárias surge como antecâmara


do procedimento contraordenacional tributário propriamente dito (não
se confundindo com este)529, podendo afirmar-se como um meio sim-

527
V. art.º 60.º, n.º 1, alínea b) e n.º 6 da LGT.
528
Para desenvolvimentos, v. Polónia-Gomes, Joana, A Colaboração dos Obrigados Fiscais no
Direito das Contraordenações Tributárias: Dispensa, atenuação e redução de coimas, Almedina,
Coimbra, 2018, pp. 153 e ss.
529
O procedimento contraordenacional tributário materializa o conjunto de atos, ordenados
sequencialmente, com vista à aplicação de uma sanção em decorrência da presumível prá­tica
de uma infração tributária sob a forma de contraordenação (estas últimas, tipificadas nos
art.os 108.º e ss. do RGIT). Trata-se de um verdadeiro procedimento, com feição administra-
tiva, e cujas fases essenciais são as seguintes (de modo resumido e abreviado):
– Fase da iniciativa, a qual se consubstancia com o ato de instauração por parte da entidade
administrativo-tributária competente (art.º 67.º do RGIT). A instauração ocorre, natural-
mente, após o conhecimento da possível infração por parte da AT, conhecimento esse que
pode resultar de fontes ou proveniências diversas (art.os 56.º e ss. do RGIT) – denúncia

257
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ples de redução de uma eventual sanção pecuniária a aplicar, por via da


regularização da respetiva situação tributária (cumprimento das obriga-
ções tributárias que deram origem à infração530). Tal “sanção pecuniá-
ria”, bem entendido, será uma coima e nunca uma multa, na medida em
que este procedimento apenas se aplica em situações de prática de con-
traordenações tributárias e não de crimes. O objetivo será persuadir o
infrator a consciencializar-se da falha cometida, a tomar a iniciativa de a
declarar, e a afastar os efeitos nefastos da mesma.
Para tal, o interessado deverá apresentar um requerimento antes
mesmo de a AT iniciar o procedimento contraordenacional respetivo,
requerimento do qual constará o pedido de pagamento com redução.
Em termos temporais, aplicam-se as seguintes regras:

por pessoa ou entidade externa; auto de notícia elaborado pelo funcionário que tomou
pessoalmente o respetivo conhecimento; participação interna por outro funcionário, na
sequência de uma inspeção tributária ou outro procedimento (como o acesso a dados
bancários ou a liquidação); ou comunicação do próprio infrator.
– Fase instrutória (art.os 69.º e ss. do RGIT), no âmbito da qual se levarão à prática os atos de
investigação e de busca da verdade material que possam fundar ou não uma imputação
dos factos ao(s) autor(es). Neste passo, o “dirigente do serviço tributário competente”
– que é quem conduz esta fase – analisará os elementos de prova que repute adequados
(prova documental, testemunhal, pericial, etc.), devendo ser asseguradas ao arguido todas
as possibilidades de audição, defesa e contraprova. Importa sublinhar que o mesmo tem,
assim o entendendo, direito ao silêncio, não devendo o exercício deste direito ser entendido
como reconhecimento da prática dos factos.
– Fase decisória (art.os 76.º e ss. do RGIT), que, como se compreende, será o momento em
que o órgão administrativo-tributário competente emana a sua vontade, seja no sentido
de aplicação de uma coima ou outra sanção, seja no sentido do arquivamento do procedi-
mento.
O ato administrativo de aplicação de sanção contraordenacional pode ser objeto de recurso
contencioso (jurisdicional), no prazo de 20 dias após a respetiva notificação (art.º 80.º do
RGIT), iniciando-se então o denominado “processo contraordenacional tributário” (quanto
à suscetibilidade e necessidade de prestação de garantia para obter o respetivo efeito sus-
pensivo – eventualmente em violação do princípio da presunção de inocência –, v. acórdão do
TCA-Sul, de 15-11-2011, Processo n.º 04847/11).
530
Cf. art.º 30.º, n.º 3, do RGIT. Sempre que a regularização da situação tributária não de-
penda de tributo a liquidar pelos serviços, vale como pedido de redução a entrega da pres-
tação tributária ou do documento ou declaração em falta. Nestes casos, se o pagamento das
coimas com redução não for efetuado ao mesmo tempo que a entrega da prestação tributá-
ria ou do documento ou declaração em falta, o contribuinte é notificado para o efetuar no
prazo de 15 dias, sob pena de ser levantado auto de notícia e instaurado processo contraor-
denacional (assim, n.os 4 e 5 do art.º 30.º do RGIT).

258
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

i) Se esse pedido for apresentado nos 30 dias posteriores ao da prá­


tica da infração e não tiver sido levantado auto de notícia, recebida
participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspeção
tributária, o montante a pagar será reduzido para 12,5% do mon-
tante mínimo legal;
ii) Já se esse pedido for apresentado após os 30 dias posteriores ao da
prática da infração, mas ainda sem ter sido levantado auto de no-
tícia, ter sido recebida participação ou denúncia ou ter-se iniciado
um procedimento de inspeção tributária, o montante a pagar será
reduzido para 25% do montante mínimo legal;
iii) Por fim, se esse pedido for apresentado após isso e após início de
procedimento inspetivo, mas até ao termo deste (e a infração for
meramente negligente), a redução será para 75% do montante mí-
nimo legal.

Em qualquer dos casos, exige-se o pagamento do tributo em falta,


sem o qual o procedimento contraordenacional será instaurado531.
Em situação de indeferimento (expresso ou tácito, de acordo com
o prescrito da LGT532) – e na medida em que se trata de um ato admi­
nistrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação da lega-
lidade de um ato de liquidação –, o interessado poderá lançar mão do
recurso hierárquico ou da ação administrativa, nos termos gerais.
Evidentemente que se o pedido for deferido, a coima é paga nos
montantes reduzidos.
Na verdade, pode até acontecer uma situação ainda mais favorável:
pode não ser aplicada coima alguma quando o agente seja uma pessoa
singular e quando, nos cinco anos anteriores, o mesmo não tenha (i)
sido condenado por decisão transitada em julgado em processo de con-
traordenação ou crime por infrações tributárias, (ii) beneficiado de pa-
gamento de coima com redução nos termos aqui descritos e (iii) benefi-
ciado da dispensa de coimas prevista no artigo 32.º do RGIT533.

531
V. art.º 30.º, n.os 1 e 4, do RGIT.
532
Cf. art.º 57.º da LGT.
533
Cf. art.º 29.º, n.º 4, do RGIT.

259
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

5.10. Procedimentos cautelares


Por último, cumpre fazer referência a determinados meios procedimen-
tais, por natureza urgentes, que têm por objetivo salvaguardar a posição
da Administração tributária e garantir os créditos tributários, naquelas
situações em que existe um fundado receio de (i) frustração da sua co-
brança ou (ii) destruição ou extravio de documentos ou outros elemen-
tos necessários ao apuramento da situação tributária dos sujeitos pas­
sivos e demais obrigados tributários.
São os denominados procedimentos cautelares (art.º 51.º da LGT),
que são verdadeiros procedimento adotados pela Administração, e po-
dem consistir em:
– Apreensão de bens, direitos ou documentos (por exemplo, a apre-
ensão de veículos ou mercadorias)534;
– Retenção de prestações tributárias a que o contribuinte tenha di-
reito.

Num caso ou no outro, deve respeitar-se o princípio da proporcio-


nalidade e a decisão administrativa é suscetível de controlo jurisdicio-
nal, mediante impugnação – a apresentar no Tribunal tributário, no
prazo de 15 dias após a sua realização ou o seu conhecimento efetivo
pelo interes­sado, quando posterior – com fundamento em qualquer
ilegalidade535.

Procura-se aqui dar apenas um enquadramento muito básico destas


matérias.

534
Questão controvertida pode ser a de saber se a apreensão de um veículo na sequência
da prática de uma contra-ordenação consubstancia um procedimento cautelar com vista à
satisfação de um crédito tributário cuja cobrança se julga duvidosa (regulado no CPPT) ou
um ato de apreensão praticado no âmbito de um processo contra-ordenacional (previsto no
RGIT). A diferença é assinalável: se for considerado um procedimento cautelar, a contagem
do prazo para a impugnação, conta-se nos termos do CPPT (onde o prazo é de 15 dias e se-
guido); já se for considerado um ato do processo de contra-ordenação, tal prazo conta-se
nos termos do RGIT (onde, atenta a aplicação subsidiária da disciplina geral das contra-
-ordenações – art.os 79.º e 80.º –, o prazo é de 20 dias e se suspende aos sábados, domingos
e feriados). O STA – acórdão de 13 de setembro de 2006, processo n.º 0736/06 – entendeu
que se está em presença de uma matéria à qual se aplica o CPPT.
535
Cfr. art.º 144.º do CPPT.

260
I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO

Num momento mais avançado das presentes Lições, essas matérias


serão objeto de desenvolvimentos e reflexões de natureza mais apro-
fundada536.

536
Cfr. infra o apartado respeitante ao “Contencioso cautelar” (II, 7.).

261
Parte II
O processo tributário

1. Enquadramento do processo tributário


Dedicamos toda a parte I da nossa análise ao estudo do procedimento
tributário. Chegou agora o momento de nos debruçarmos em parti­cular
sobre a outra vertente da aplicação normativa em matéria tributária –
aquela vertente que diz respeito aos Tribunais: o processo tributário.
Já tivemos oportunidade de referir o que entendemos, para estes fins,
por processo tributário: o processo tributário será o conjunto de atos
concretizadores e exteriorizadores da vontade dos agentes jurisdicionais
tributários (Tribunais tributários). Deste modo, apenas concebemos
processos tributários no âmbito dos Tribunais tributários, pelo que ape-
nas neste quadro nos referiremos de seguida537.
Dissemos igualmente que esta noção de processo é uma noção ope-
rativa (e pedagógica) por nós proposta e que se encontra fortemente
associada a uma componente protectora e garantística das posições jurí-
dicas dos contribuintes.
Tal componente garantística do processo ou contencioso tributário
efetiva-se através dos seguintes traços essenciais:
– O processo tributário apresenta-se como um contencioso pleno;

537
Para uma noção diferente de processo (processo enquanto conjunto de documentos),
cfr., no âmbito da legislação tributária, os art.os 26 e ss. do CPPT.

263
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– O processo tributário apresenta-se como um contencioso de legali-


dade.
Vejamos em que medida.

1.1. O processo tributário como um contencioso pleno


Dizer que estamos perante um contencioso pleno significa, neste con-
texto, a afirmação de uma tutela jurisdicional efetiva, o que passa pelo
cumprimento, por parte do ordenamento, de duas exigências funda-
mentais:
i) Em primeiro lugar, a disponibilização de meios jurisdicionais em
número suficiente, meios esses que permitam ao que ao lesado defen­
der-se em todas as situações em que a sua esfera jurídica se en-
contre afetada. Aqui se incluem quer as situações em que existe
uma atuação administrativa danosa (contencioso de segundo grau
ou “contencioso por ação”), quer as situações em que essa atua-
ção, devendo existir, não existe (contencioso de primeiro grau ou
“contencioso por omissão”). Neste sentido, contencioso pleno signi­
fica contencioso completo, por oposição a um contencioso lacunoso ou
deficitário;
ii) Em segundo lugar, a disponibilização dos meios certos e adequados à
resolução do litígio em causa, pois não basta a existência de muitos
meios ou instrumentos processuais, sendo igualmente crucial que
os mesmos se revelem aptos a tutelar os bens jurídicos e interesses
subjacentes a cada relação conflitual levada ao juiz.
Vejamos melhor estes imperativos de completude e adequação.

1.1.1. A completude do contencioso e as quatro exigências consti­


tucionais
A Constituição, a este respeito, exige – uma autêntica imposição legife­
rante – que o legislador ordinário consagre, sob pena de inconstitucio-
nalidade, quatro tipos de meios processuais (art.º 268.º, n.º 4): (i) meios
de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em
matéria tributária; (ii) meios impugnatórios de atos lesivos; (iii) meios
que obriguem a Administração a agir (determinação da prática de atos
administrativos legalmente devidos); e (iv) meios cautelares adequados.
Uma análise juridicamente adequada permite abstratamente con-
cluir que estas exigências constitucionais estão cumpridas e que, por tal

264
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

motivo, os administrados / contribuintes dispõem de um arsenal proces-


sual suficientemente vasto, seja em termos de qualidade seja em termos
de quantidade, para fazer valer as suas diferentes pretensões em juízo.
Questão diversa – que não merecerá aqui a nossa atenção por se desviar
dos propósitos de umas Lições – é a de saber se tais meios processuais
funcionam na prática e são operativos em concreto e se a tutela efetiva-
mente dispensada é eficaz, célere e justa.
Vejamos então, separadamente, cada uma dessas exigências e pro­
curemos averiguar quais os meios processuais tributários que as com-
plementam.

a) A exigência de meios de reconhecimento de direitos ou inte­


resses
Em primeiro lugar, exige o legislador constituinte instrumentos em juízo
que permitam obter o reconhecimento de direitos ou interesses legal-
mente protegidos em matéria tributária. Está aqui a pensar-se naquelas
situações em que determinado contribuinte entende ser titular de de-
terminada situação jurídica abstrata (direito ou interesse legalmente
protegido), mas que não vê esta última convenientemente identificada
ou compreendida pela Administração tributária, que não pratica os atos
administrativos ou tributários consentâneos com tal situação.
Pense-se, por exemplo, na situação em que o contribuinte entende
ser portador de determinado estatuto jurídico (v.g., deficiência ou grau
de deficiência, situação económica difícil, unido de facto), que lhe con-
fere uma isenção ou redução de imposto, embora a Administração en-
tenda em sentido contrário (i. é., não existir tal estatuto) e liquide sem-
pre o tributo em conformidade com este seu entendimento.
Nestas situações, o lesado, de modo a que a tutela da sua pretensão
jurídica não seja deficitária, deve poder intentar em Tribunal uma ação
de modo a obter uma sentença (de simples apreciação) na qual se efe-
tive o reconhecimento do direito e, por tal via, vincular a Administração
futuramente.
Ora, tal ação está prevista no art.º 145.º do CPPT e denomina-se
“ação para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente prote-
gidos em matéria tributária”.
A primeira exigência constitucional está, portanto, cumprida.
Uma nota mais, apenas: embora a ligeireza do exemplo acima dado
não o permita concluir, deve-se observar que este meio tem sido enten-

265
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

dido como absolutamente subsidiário em relação a todos os outros, o


que significa que apenas pode ser utilizado quando constitua a última
ratio da tutela efetivamente dispensada àquele sujeito em concreto.
Por outras palavras: apenas quando os outros meios não se revelarem
adequados poderá este ser utilizado.
Contudo, não aprofundaremos este ponto neste momento, pois tere-
mos ocasião de voltar a este aspeto adiante, aquando do estudo em con-
creto dos meios processuais.

b) A exigência de meios de impugnação de atos lesivos


Em segundo lugar, exigem-se meios que permitam impugnar atos lesivos.
Adiantamos desde já que estamos em presença do mais significativo
conjunto de ações da litigiosidade tributária e que vários são os meios
que dão cumprimento a esta exigência: o processo de impugnação judi-
cial (art.os 99.º e ss. do CPPT), o “processo de derrogação do sigilo ban-
cário” (art.º 146.º-B do CPPT), a oposição à execução fiscal (art.os 203.º e
ss. do CPPT), a reclamação dos atos do órgão da execução (art.º 276.º do
CPPT), etc.
Nestes casos, o processo tributário apresenta-se como um processo
recursivo ou de segundo grau (contencioso de anulação), na medida
em que apenas se recorre a Tribunal após ter sido praticado um ante-
rior ato lesivo por parte da Administração tributária e com o objetivo
de o anular (ato de liquidação, ato de acesso a documentos bancários,
ato de penhora, etc.). A entrada de um processo num Tribunal tributá-
rio apresenta-se assim, muitas vezes, não como uma ação instaurada ex
novum pelo contribuinte, mas antes como um recurso interposto por
este de um ato da Administração tributária (alegadamente) inválido.
A este propósito, refere o art.º 95.º, n.º 1, da LGT que o “interessado
tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direi-
tos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo
prescritas na lei” (sublinhado nosso). Para estes efeitos, consideram-se
lesivos, nomeadamente, os seguintes atos (administrativo-tributários) já
por nós estudados e cuja referência será porventura agora melhor com-
preendida (art.º 95.º, n.º 2):
– A liquidação de tributos;
– A fixação de valores patrimoniais;

266
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

– A determinação da matéria tributável por métodos indiretos quan-


do não dê lugar a liquidação;
– O indeferimento, expresso ou tácito, de reclamações, recursos ou
pedidos de revisão;
– O agravamento à coleta resultante do indeferimento de uma recla-
mação;
– O indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais;
– Os atos praticados na execução fiscal.

Causa em geral necessária, então, do acesso a um Tribunal tributário


será a existência de um litígio, que, por sua vez, decorre da existência
de um ato administrativo ou tributário lesivo. Tal ato deverá ser atual, e
não passado (porque já resolvido por acordo, em sede administrativa538),
nem futuro ou eventual (porque ainda não foi proferida a última palavra
da Administração tributária539).

c) A exigência de meios de determinação da prática de atos legal­


mente devidos
Em terceiro lugar, postula-se a exigência de meios de determinação da
prática de atos legalmente devidos.
Têm-se aqui em vista as situações em que a Administração não atuou
dentro de terminado prazo legalmente fixado, devendo ter atuado. Se o
contencioso tributário apenas dessa guarida a atuações lesivas, nestes
casos, em que a Administração não atua, a esfera jurídica do contri­
buinte ficaria “a descoberto” e a tutela dispensada não seria efetiva.
As coisas não são assim, contudo.
Estabelece o art.º 147.º, n.º 1 do CPPT: em caso de omissão, por parte
da Administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica
suscetível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária,
poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse
dever junto do Tribunal tributário competente.

538
Cfr., por exemplo, art.º 86.º, n.º 4, in fine da LGT.
539
Cfr., a propósito, art.º 54.º do CPPT, nos termos do qual “salvo quando forem imediata-
mente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não
são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de
poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente co-
metida” (sublinhado nosso).

267
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Por exemplo, conceba-se a situação em que a Administração se re-


cusa a efetuar a devolução, legalmente devida e perfeitamente reconhe-
cida, de determinado tributo pago no estrangeiro por parte do sujeito
passivo.
O interessado pode, através deste, meio obter desde logo o que pre-
tende, ou seja, a vinculação da Administração a, em prazo fixado pelo
Tribunal, restituir a quantia devida.
O legislador ordinário, uma vez mais, cumpriu o mandato constitu-
cional, não incorrendo em inconstitucionalidade por omissão540.

d) A exigência de meios cautelares adequados


Finalmente, a imposição legiferante refere-se a “meios cautelares ade-
quados”.
Dois segmentos de análise podem aqui ser vislumbrados.
Em primeiro lugar, e como se sabe, em determinadas circunstâncias
(havendo fundado receio de frustração da cobrança dos créditos tribu-
tários ou de destruição ou extravio de documentos ou outros elemen-
tos necessários ao apuramento da situação tributária dos visados), o
credor tributário pode adotar providências cautelares para garantia das
suas pretensões jurídicas. Pode, designadamente, proceder à apreensão
de bens ou documentos ou à retenção de prestações tributárias a que o
contribuinte tenha legalmente direito541.
Ora, nestes casos, exige-se que o visado possa ter ao seu dispor
meios adequados de reação, meios esses que, aqui mais do que em ou-
tras situações, deverão ser muito céleres e eficazes, atenta a gravidade
da ofensa (legítima ou ilegítima) ao seu património. A forma mais vi-
sível de reação encontra-se no art.º 144.º do CPPT, que determina que
“as providências cautelares adotadas pela Administração tributária são
impugnáveis (…) com fundamento em qualquer ilegalidade”, sendo tal
impugnação dirigida ao Tribunal tributário competente.
Portanto, e uma vez mais, o legislador ordinário seguiu a incum­
bência determinada pelo legislador constituinte e colocou ao dispor do

540
Cfr., a respeito do tema, acórdãos do STA de 10 de janeiro de 2007, processo n.º 0722/06;
de 07 de março de 2007, processo n.º 06/07; de 17 de fevereiro de 2016, processo
n.º 0613/15, e do TCA-S de 10 de novembro de 2016, processo n.º 399/16.7BELLE.
541
Cfr. art.º 51.º da LGT.

268
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

lesado (ou potencial, eventual, lesado) instrumentos reativos normati­


vamente convenientes.
Mas mais do que isso: colocou ao seu dispor também a possibili­dade
de requerer ele próprio ao Tribunal a adoção de medidas cautelares
contra a Administração (sem ser em “resposta”, como acima) – pode,
por exemplo, pedir que determinado ato da Administração que, supos-
tamente, lhe venha a causar prejuízo grave e irreparável, veja a sua eficá-
cia suspensa. Tal possibilidade está prevista no art.º 97.º, n.º 3, alínea a),
do CPPT.

1.1.2. A adequação dos meios processuais


Porém, como se disse, além do cumprimento de exigências quantitativas
ou de número (no sentido apontado) – exigindo-se que o legislador e o
sistema consagrem meios de reação em número suficiente, sob pena de
lacunosidade –, impõem-se igualmente exigências qualitativas ou de es-
pécie, exigindo-se a consagração de meios certos, idóneos e adequados.
Aqui, o que se pretende é que para cada direito exista uma ação
apropriada, que, à partida, deverá ser aquela e nenhuma outra, e será neste
sentido que a LGT determina que “a todo o direito de impugnar corres-
ponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo” (art.º
97.º, n.º 2). Para que tal suceda, entende-se que cada um dos meios pro-
cessuais previstos deve, não apenas conter as regras de legitimidade e
competência ajustadas ao tipo de partes que estão em litígio (adequação
subjetiva, por exemplo, não desconsiderando fatores como a residência, a
localização das atividades, a situação dos bens, o local da prática do facto
impugnado, etc.), mas também prever modos de intervenção proces­sual
(apresentação da petição, defesa, resposta, etc.) que se mostrem con-
gruentes com os fins a atingir (adequação teleológica). Também não deve
ser perdida de vista a necessidade de tais meios permitirem obter uma
decisão em prazo razoável (adequação temporal), o que não acontece se
os meios previstos legalmente – mesmo que em número suficiente – se
revelam burocráticos, excessivamente morosos, e cheios de atos inúteis.
Caso estas demandas não se revelem cumpridas, poder-se-á falar
num contencioso eventualmente numeroso, mas não num contencioso
pleno, por lhe faltar a qualidade da adequação. As ações e os processos
previstos, mesmo que muitos, não servirão de muito.

269
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

1.2. O processo tributário como um contencioso de legalidade


Além de pleno, o contencioso tributário apresenta-se também como
um contencioso no qual se vai discutir a legalidade de um ato. Ficam, deste
modo, e em princípio, fora do seu âmbito de indagação as questões ati-
nentes ao mérito e oportunidade da atuação administrativa, naqueles
casos em que esta não é exclusivamente vinculada (ou seja, naqueles ca-
sos em que não estamos perante uma reserva absoluta de lei, no sentido
já estudado).
Com efeito, nas situações em que o criador normativo confere à Admi­
nistração espaços próprios de valoração [v.g., cláusulas de discricio-
nariedade (as quais não se indentificam com meros conceitos indeter-
minados542)] o Tribunal deve abster de se debruçar sobre as atuações
correspondentes, na medida em que se entende que aquela goza aqui
de um espaço de atuação insindicável.
Por exemplo, pense-se numa situação em que ao Secretário de Estado
ou ao Ministro é atribuída legalmente a competência para reconheci­
mento a certas empresas multinacionais de um determinado benefício fis-
cal, ficando no seu “prudente juízo” a sua concessão em concreto ou não.
Este controlo de legalidade, na sua plenitude, não abrange apenas
atos tributários stricto sensu (que são, como vimos, os atos de liquidação)
– abrange qualquer ato administrativo em matéria tributária (ato lesivo,
como por exemplo, reconhecimento ou não de um benefício, indeferi-
mento de um pedido de pagamento em prestações, compensação de dí-
vidas tributárias, despacho a ordenar a reversão de um processo de exe-
cução fiscal contra um gerente, etc.). O que difere é, posteriormente, o
meio processual utilizado e, correspondentemente, as normas jurídico-
-processuais a aplicar. Na realidade, se estiver em causa uma liquidação
(um verdadeiro e próprio ato tributário) o meio adequado de jurisdicio-
nalmente a colocar em crise será o processo de impugnação judicial, ao
passo que se estiver em causa um ato administrativo em matéria tribu-
tária que não se relacione com uma liquidação, utilizar-se-á outra forma
de processo, designadamente a ação administrativa (que segue termos
nos moldes do CPTA)543.

542
V. o que supra referimos em Introdução, 2.3., g) (atos vinculados e atos discricionários),
particularmente no que concerne à distinção entre espaços discricionários e conceitos inde-
terminados.
543
Cf. art.º 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT.

270
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

2. Princípios estruturantes do processo tributário

2.1. Enquadramento
Já tivemos oportunidade de nos debruçar cuidadosamente sobre alguns
dos princípios que enquadram e moldam a atividade jurisdicional tri-
butária quando fizemos referência às dimensões constitucionais desta.
Então dissemos, entre outras coisas, que os Tribunais devem ex officio,
desaplicar normas inconstitucionais (princípio da constitucionalidade); que
são, e devem ser, em todas as ocasiões, órgãos objetiva e subjetivamente
independentes (princípio da independência); que são os únicos órgãos com
competência para dirimir litígios, proferindo a última palavra, em maté-
ria tributária (princípio da reserva da função jurisdicional); e que são o órgão
de salvaguarda e de garante por excelência das diversas garantias que
densificam o princípio da proteção jurídica.
Agora, tendo presente este enquadramento constitucional, chegou o
momento de analisar (brevemente) alguns dos princípios que então fi-
caram por analisar, observando, ainda, o seguinte:
– Alguns desses princípios já foram referidos a propósito do procedi-
mento, não sendo de acrescentar especificidades, senão as resultan-
tes da mudança de atores (o órgão decisor deixa de ser a Adminis-
tração e passa a ser o Tribunal) – é o que se passa, designadamente,
com o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso;
– Outros princípios são já objeto de estudo exaustivo noutras sedes,
nomeadamente em Direito processual civil, pelo que a sua refe­
rência exaustiva aqui seria repetitiva.
Façamos, então, uma breve referência a esses princípios.

2.2. Princípio da plenitude dos meios processuais


Já acima se mencionou esta matéria, embora não seja demais fazê-lo nova­
mente, de modo mais abreviado.
Este é um dos corolários do direito de acesso ao Direito. Significa,
numa formulação simples, que “a cada direito deve corresponder uma
ação” ou, utilizando as palavras do legislador tributário, “a todo o direito
de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer
valer em juízo” (art.º 97.º, n.º 2 da LGT).
Trata-se de uma das mais importantes garantias do Estado de Direito,
pois de nada adiantaria consagrar ao nível substantivo posições jurídicas

271
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

de vantagem aos contribuintes (sob a forma, por exemplo, de direitos


subjetivos), se, posteriormente, tais posições jurídicas não fossem acom-
panhadas, ao nível adjetivo, de meios de tutela que as tornassem efetivas.
Como acabou de ser referido, o contencioso tributário pretende ser
– e consegue sê-lo, entende-se aqui – um contencioso pleno, asseguran-
do proteção jurídica adequada nas diferentes situações em que os atores
lesados reclamam essa proteção, como sejam as situações de prática de
atos intrusivos ou restritivos, ou omissões ilegais, por exemplo. Natu-
ralmente que a escolha do meio processual juridicamente acertado não
está dependente da seleção ou escolha feita pelo interessado, mas an-
tes resulta do recorte jurídico-normativo que a cada meio é emprestado
pelo criador normativo. Vale isto por dizer que a fórmula “a cada direito,
uma ação” deve ser corrigida para “a cada direito, uma determinada ação”,
de resto no seguimento do que acertadamente vem alertando a jurispru-
dência dominante do STA544.

2.3. Princípio da justiça (verdade material)


Trata-se, também aqui – já assim o era no procedimento –, de uma das
mais importantes linhas condutoras no que diz respeito aos objetivos do
processo.
Não obstante o processo se configure, numa primeira linha, como
uma garantia indispensável para a tutela e proteção de posições jurí-
dicas abstratos, não se pode deixar de reconhecer que também é um
fundamental meio para atingir a verdade na tributação, não sendo de
estranhar, por isso, que seja reconhecido aos juízes a possibilidade de
investigar, em termos de meios e diligências, para além do que for ale-
gado pelas partes, devendo “realizar ou ordenar todas as diligências que
considerem úteis ao apuramento da verdade” (art.º 13.º, n.º 1 do CPPT).
No âmbito da tarefa judicatória de composição do litígio em con­
creto, o julgador deve privilegiar a justiça inerente à solução definitiva
do conflito (a resolução do fundo da questão), dando-lhe prevalência
sobre soluções meramente formais ou processuais. Contudo, tal não
pode significar que ele faça tábua rasa das normas processuais, condu-
zindo o processo ao sabor de palpitações ou impulsos momentâneos e ade-
rindo a uma “jurisprudência de interesses”.

544
V., por exemplo, acórdãos do STA de 16 de dezembro de 2015, processo n.º 01704/13, e
de 2 de junho de 2010, processo n.º 0118/10.

272
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

2.4. Princípio da cooperação


Tal como no procedimento, também no processo, os atores estão obri-
gados a um dever de cooperação recíproca, dever esse que, por perpas-
sar todo o processo, se configura como um autêntico princípio deste.
Se bem que este princípio se aplique a todos os atores processuais,
sem dúvida que tem um campo de incidência mais apropriado em rela-
ção às partes no processo. Por isso refere o art.º 99.º da LGT não apenas
que “os particulares estão obrigados a prestar colaboração nos termos
da lei de processo civil” (n.º 2), mas igualmente que “todas as autori-
dades ou repartições públicas são obrigadas a prestar as informações ou
remeter cópia dos documentos que o juiz entender necessários ao co-
nhecimento do objeto do processo (n.º 3)545.
Em matéria de sanção, prevê o art.º 104.º da LGT, no seu n.º 1 – pre-
ceito que também já supra se mencionou, aquando da análise dos proce-
dimentos informativos– que “a Administração tributária pode ser con-
denada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras
sobre a litigância de má fé em caso de atuar em juízo contra o teor de
informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o
seu procedimento no processo divergir do habitualmente adotado em
situações idênticas”, para acrescentar no seu n.º 2 que também “o sujeito
passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos ter-
mos da lei geral”.

2.5. Princípio da celeridade


Tal como o procedimento, também o processo deve ser concluído e
deci­dido num prazo razoável. Refere, a este respeito, o art.º 97.º, n.º 1, da
LGT que “o direito de impugnar ou de recorrer contenciosamente im-
plica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão que aprecie, com
força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo e a
possibilidade da sua execução”. Por seu lado, o art.º 96.º, n.º 1 do CPPT
prescreve que “ o processo judicial tributário tem por função a tutela
plena, efetiva e em tempo útil, dos direitos e interesses legalmente prote-
gidos em matéria tributária” (sublinhados nossos).
Como bem se entende, o valor celeridade, neste particular âmbito
do processo, procura ser a âncora que assegura a viabilidade das pre­

545
V. ainda art.º 13.º, n.º 2 do CPPT.

273
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

tensões, não apenas do credor tributário (Interesse público) – que as-


sim vê limitada a possibilidade de privação do ingresso ou receita – , mas
também do obrigado tributário – que verá a sua esfera jurídica restrin­
gida de um modo temporalmente mais balizado.
Para cumprir em tempo útil tais desideratos, a lei impõe ao juiz um
prazo de duração máxima do processo que poderá ser de dois anos ou
de 90 dias, contados “entre a data da respetiva instauração e a da decisão
proferida em 1.ª instância que lhe ponha termo”.
O prazo máximo de dois anos aplica-se aos seguintes processos (art.º
96.º, n.º 2 do CPPT):
– Impugnação da liquidação dos tributos;
– Impugnação da fixação da matéria tributável, quando não dê ori-
gem à liquidação de qualquer tributo;
– Impugnação do indeferimento das reclamações graciosas;
– Impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que
comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação;
– Impugnação do agravamento à coleta;
– Impugnação dos atos de fixação de valores patrimoniais;
– Ações para o reconhecimento de um direito ou interesse em maté-
ria tributária;
– Recurso dos atos praticados na execução fiscal;
– Oposição à execução, embargos de terceiros e outros incidentes e a
verificação e graduação de créditos;
– Recurso contencioso do indeferimento ou da revogação de benefí-
cios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Adminis-
tração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos
a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade
do ato de liquidação;
– Outros meios processuais previstos na lei.

Já o prazo de 90 dias aplica-se nos seguintes casos (n.º 3):


– Impugnação das providências cautelares adotadas pela Administra-
ção tributária;
– Providências cautelares de natureza judicial;
– Meios acessórios de intimação para consulta de processos ou docu-
mentos administrativos e passagem de certidões;

274
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Produção antecipada de prova;


– Intimação para um comportamento.

Por outro lado, prevê o art.º 177.º do CPPT que “a extinção da exe­
cução [fiscal] verificar-se-á dentro de um ano contado da instauração,
salvo causas insuperáveis, devidamente justificadas”.
Não obstante, neste particular, entende a jurisprudência que a in-
fração ao princípio da celeridade processual não integra qualquer nuli­
dade, apenas sendo suscetível de acarretar, em abstrato, responsabi-
lidade de carácter disciplinar546 (e – pergunta-se – eventual direito ao
ressarcimento de prejuízos decorrentes de incumprimentos temporais
injustificados?).
Ainda neste âmbito, deve ser enfatizado que alguns processos, aten-
dendo ao tipo de bens jurídicos ou interesses que subjazem ao respetivo
litígio, revestem-se de celeridade acrescida, e têm – sempre por determi-
nação legal – natureza necessariamente urgente, o que significa, entre
outras considerações, que os seus termos correm em férias judiciais e os
atos da secretaria são praticados no próprio dia com precedência sobre
quaisquer outros547. É o que se passa, por exemplo, com os processos de
impugnação das medidas cautelares (art.os 143.º, n.º 2, e 144.º, n.º 3, do
CPPT), os recursos em matéria de derrogação do sigilo bancário pela
AT (art.º 146.º – D), ou as reclamações dos atos do órgão de execução
fiscal (art.º 278.º, n.º 6).

2.6. Princípio do inquisitório


Também já tivemos oportunidade de nos debruçar sobre este princí-
pio a propósito da atividade administrativa-tributária salientando que o
seu significado essencial residia na ideia de secundarização do papel da
vontade das partes, enquanto princípio oposto ao do dispositivo ou da
disponibilidade.
Pois bem. Aqui, no âmbito do processo tributário, o sentido não é
muito diferente, significando que o Tribunal ou o juiz podem – e por
vezes devem (princípio da oficiosidade) – praticar os atos processuais que
entendam convenientes para o apuramento da verdade material.

V. acórdão do STA de 28 de março de 1996, processo n.º 031496.


546

Assim, art.º 36.º, n.º 2 do CPTA. Quanto aos recursos v. art.º 657.º, n.º 4, do CPC (dis­
547

pensa de vistos por parte do juiz relator).

275
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Este princípio está intimamente relacionado com os poderes de


procura, seleção e valoração dos factos relevantes, não estando o jul-
gador limitado às provas que as partes apresentarem ou requererem,
podendo oficiosamente realizar toda e qualquer diligência de prova548.
Por exemplo, num processo de execução fiscal no qual se ordena a
rever­são contra um responsável subsidiário, impõe-se ao Tribunal uma
“investigação apurada e persistente” no sentido de saber se o patri­
mónio do devedor originário era ou não insuficiente à altura em que a
reversão é ordenada.
Contudo, tal possibilidade há-de ser temperada com algumas frontei-
ras: o juiz não pode, designadamente, investigar factos não alegados pelas
partes e, muito menos, servir-se deles na decisão final (a não ser que se-
jam factos de conhecimento oficioso – cfr. art.os 13.º, n.º 1, in fine, do CPPT
e 99.º, n.º 1, da LGT), dizendo-se que vale a este propósito um princípio
de correspondência entre a pronúncia e a pretensão: aquela há-de ter
uma referência, ainda que tão só virtual ou implícita, a esta última.
De resto, o princípio em análise “reporta-se à prova e não à sua alega-
ção”, não podendo, por essa razão, consistir num meio para suprir insufi-
ciências verificadas na alegação dos factos e na invocação das questões549.
Por outro lado, o Tribunal não está obrigado a levar a averiguação de
facto mais longe do que a que seja requerida para dar resposta às ques-
tões que lhe cumpre decidir, nomeadamente não tem que ordenar a
produção de toda a prova requerida, mas tão-só daquela que conside-
re relevante para estabelecer a factualidade que considere necessária à
deci­são a proferir550.
Uma das consequências do princípio do inquisitório é a de que
o juiz poderá incorrer em omissão de pronúncia naquelas situações
em que não emite Direito em relação a questões em que o deveria ter
feito. Deve salientar-se, todavia, que “questões” e “argumentos” não
são a mesma realidade. O Tribunal, devendo embora “resolver todas as
questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”, não está
vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do

548
V. acórdão do TCA-S de 29 de junho de 2004, processo n.º 01261/03. V., ainda, acórdão
do TCA-N de 30 de março de 2017, processo n.º 00450/12.0BEVIS.
549
V. acórdãos do STA de 14 de fevereiro de 2013, processo n.º 049/13 e do TCA-S de 22 de
outubro de 2015, processo n.º 08843/15.
550
V. acórdão do TCA–S de 19 de fevereiro de 2002, processo n.º 4845/01.

276
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos
por elas não produzidos551.

2.7. Princípio do contraditório


De acordo com este princípio, as partes no processo devem ser convo-
cadas para nele intervir, dando o seu contributo para a descoberta da
verdade material, sempre que alguma questão relevante surja. Este é um
instrumento privilegiado para atingir a igualdade processual entre as
partes, chamando-as a pronunciar-se nos momentos nucleares.
Por exemplo, no processo de impugnação judicial, após a petição ini-
cial apresentada pelo contribuinte – onde ele deverá, desde logo, indi-
car as provas necessárias –, o juiz ordena a notificação do representante
da Fazenda Pública para, no prazo de 90 dias, contestar e solicitar a pro-
dução de prova adicional (art.º 110.º, n.º 1 do CPPT). Do mesmo modo,
mas numa fase já mais adiantada do processo, “ordenar-se-á a notifica-
ção dos interessados para alegarem por escrito” (art.º 120.º do CPPT).
Contudo, e apesar de este princípio ser um dos mais importantes ao
nível prático, mesmo a chamada das partes ao processo tem limites, pois
elas não são chamadas a pronunciar-se “a propósito de tudo e de nada”.
Entende a jurisprudência que quando estiverem em causa decisões que
exigem, tão somente, a resolução de “questões jurídicas de solução evi-
dente”, é de prescindir do contributo que podem fornecer tais opiniões
das partes552.

2.8. Princípio da aquisição processual


O princípio da aquisição processual diz-nos que o material necessário
à decisão e levado ao processo por uma das partes – sejam alegações,
sejam motivos de prova – pode ser tomado em conta para todos os efei-
tos processuais, mesmo a favor da parte contrária àquela que o aduziu.
Todo esse material, a partir do momento em que é carreado para o
processo, entende-se como adquirido para este, e, por via disso, passa a
pertencer à “comunidade dos sujeitos processuais”553.

551
V. acórdão do STA de 21 de setembro de 2010, processo n.º 04203/10.
552
Cfr. acórdãos do STA de 6 de dezembro de 2000, processo n.º 024081 e do TCA-S de 28
de abril de 2016, processo n.º 09251/15.
553
V. acórdãos do TCA–S de 8 de maiode 2003, processo n.º 00290/03, e de 27 de janeiro de
2009, processo n.º 02543/08.

277
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

2.9. Princípio da plenitude da assistência do juiz


Trata-se, este, de um princípio que se relaciona com a ideia de perma-
nência do juiz, associada à continuidade, à memória, e à estabilidade
que devem subjazer à apreciação das provas necessárias à boa decisão.
De acordo com o mesmo, e em termos simples, o juiz que assiste à
produção de prova dever ser o mesmo que aplica o Direito aos factos,
não se admitindo uma cisão entre “juiz de instrução” e “juiz de decisão”:

MESMO JUIZ

Produção de prova Julgamento

Na verdade, em contencioso tributário, trata-se de uma dimensão


principiológica que não assume a relevância e a importância que assume
em outros âmbitos processuais – designadamente, o comum ou civilís-
tico (lato sensu) – no quadro dos quais pode existir distinção entre jul-
gamento das matérias de facto e julgamento de Direito ou, por outros
termos, uma fase onde são produzidas as provas (fase de “audiência”)
e uma outra em que se decide (sentença). Na verdade, no processo ci-
vil, poderia não ser o mesmo juiz a estar presente nos dois momentos,
não havendo contacto direto ou imediação entre o magistrado “final” e
a prova (por exemplo, decorrente da audição de uma testemunha meses
ou anos atrás).
Porém, em contencioso tributário, e particularmente no contexto do
processo de impugnação judicial, a referida distinção tende a esbater-se,
pois “as decisões sobre os factos e sobre a aplicação do Direito são toma-
das em conjunto, aquando da elaboração da sentença”.
Em todo o caso, a exigência tem consagração legal expressa (art.º
114.º, n.º 2, in fine, do CPPT) e deve considerar-se incontornável, sem
prejuízo de pontuais dificuldades que a mesma possa suscitar (por
exemplo, quando existe “desaforamento” ou a remessa de processos
para prolação de sentença por equipas especiais ou extraordinárias de
Magistrados)554.

554
Para proveitosos desenvolvimentos, v. acórdão do STA de 03 de julho de 2019, processo
n.º 0499/04.6BECTB 01522/15.

278
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

2.10. Princípio do duplo grau de jurisdição


O princípio do duplo grau de jurisdição significa que o mesmo litígio, no âm-
bito do mesmo processo, não pode, salvo casos muito excecionais, ser ob­
jeto de mais de duas decisões por parte de dois Tribunais diferentes. Assim
entendido, este princípio funciona como um limite ao direito de recorrer,
na medida em que determinada sentença apenas pode ser objeto de um re-
curso, o que quer dizer que, atingido o segundo grau de jurisdição (TCA
ou STA, consoante os casos), não existe mais possibilidade de recorrer.
Este princípio não se encontra taxativamente previsto numa determi-
nada norma, resultando a sua positivação da conjugação de várias normas
atributivas de competências. Como o estudo de tais normas apenas será
feito adiante, por agora importa reter o que de essencial e básico apre-
senta o regime dos recursos (jurisdicionais) em matéria tributária.
Assim, das decisões do Tribunal tributário (primeiro grau de jurisdi-
ção) cabe recurso (que será o segundo grau de jurisdição):
– Para o Tribunal Central Administrativo (TCA – secção de conten-
cioso tributário), quando o fundamento do recurso consistir em
matéria de facto, acompanhada ou não de matéria de direito [art.º
38.º, alínea a) do ETAF]; ou
– Para o STA (também para a secção de contencioso tributário: re­
curso per saltum), quando o fundamento do recurso consistir exclu-
sivamente em matéria de Direito [art.º 26.º, alínea b) do ETAF].
Quanto às decisões do TCA:
– Proferidas em primeiro grau de jurisdição, cabe recurso para o STA
[art.º 26.º, alínea a) do ETAF];
– Proferidas em segundo grau de jurisdição, são irrecorríveis.
Note-se que para estes efeitos é indiferente que no segundo grau de
jurisdição o Tribunal se pronuncie pela primeira vez sobre determinada
questão relativa ao mesmo litígio. Entende a jurisprudência que conti-
nua a ser uma decisão proferida em segundo grau de jurisdição porque
este último “não flutua ao sabor do conhecimento primário ou secundá-
rio de certa ou certa questão”. Além disso, o objeto do recurso jurisdi-
cional é a própria decisão – sentença ou acórdão – e não, diretamente,
as questões nela equacionadas555.

555
Neste sentido, acórdão do STA de 26 de abril de 2007, processo n.º 0195/07.

279
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Resta acrescentar que todas estas hipóteses estão ainda dependentes


da prévia possibilidade de recurso, pois algumas decisões são irrecorrí-
veis, pelo facto de o valor da causa não atingir a necessária alçada (princí-
pio da sucumbência)556.

3. Os atores do processo tributário

3.1. Ator e parte no processo


Para que o processo tenha lugar e se desenrole, num sentido ou em ou-
tro, com uma configuração ou com outra, é necessário que se leve a efeito
toda uma série de atuações por parte de pessoas ou entidades diversas.
É necessário, designadamente, que alguém apresente uma petição; que
alguém conteste; que alguém apresente provas; que alguém assegure as
garantias de legalidade; que alguém resolva o litígio, etc.
Ora, as pessoas ou entidades que intervêm no processo podem, de
um modo geral, ser designadas por “atores processuais”.
Convém, desde já, esclarecer que “ator processual” e “parte proces-
sual” não são sinónimos. A parte é a pessoa que apresenta uma deter-
minada pretensão a Tribunal ou a pessoa contra quem tal pretensão é
apresentada. Por exemplo, no processo de impugnação judicial, serão
partes o impugnante (v.g., contribuinte) e a Administração tributária;
no processo de execução fiscal serão a Administração tributária e o exe-
cutado (contribuinte); na ação para reconhecimento de um direito ou
interesse legalmente protegido em matéria tributária serão aquele que
invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer e a Adminis-
tração tributária.
Já o ator processual será qualquer interveniente no processo, o que
incluirá, além das partes, outras entidades como, por exemplo, o Minis-
tério Público ou o próprio Tribunal.
Naturalmente que, para que tal intervenção seja possível, é necessá-
rio que se tenha legitimidade.

556
Cfr. art.º s 105.º da LGT, 6.º do ETAF e 280.º, n.º 4 do CPPT.

280
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

3.2. Legitimidade para intervir no processo

3.2.1. A legitimidade em geral


Já tivemos oportunidade de nos debruçar sobre o problema da legitimi-
dade aquando do estudo do procedimento tributário. Neste momento,
parece oportuno para lá remeter – com as devidas adaptações – relem-
brando, todavia, que a legitimidade não é um “pressuposto”, no sentido
em que a sua falta não acarreta necessariamente um valor jurídico ne-
gativo557. Em todo o caso, a jurisprudência tem considerado que a falta
de legitimidade pode ser uma exceção dilatória que, se não for sanada,
impede o conhecimento do mérito da questão.
Refere o art.º 9.º, n.º 4, do CPPT que têm legitimidade para inter-
vir no processo tributário os contribuintes, incluindo substitutos e res-
ponsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais,
quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido,
o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública. A este pro-
pósito, e numa solução relativamente à qual manifestamos algumas re-
servas principiológicas, tem-se entendido que, sendo acolhido constitu-
cionalmente um modelo subjetivista, funcionalmente estruturado para
a tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses dos administrados
(e não para tutela de bens jurídicos objetivos constitucionalmente pro-
tegidos – e aqui residem as nossas reservas e a nossa tendencial discor-
dância), tem-se entendido, dizia-se, que apenas as pessoas ou entidades
diretamente intervenientes e potencialmente lesadas nas relações sub-
jacentes respetivas dispõem de legitimidade para intervir no processo558.

3.2.2. As entidades com legitimidade processual tributária

3.2.2.1. Os sujeitos passivos


A respeito dos sujeitos passivos e outras pessoas equiparadas – mesmo
que não sejam pessoas em sentido jurídico – já nos referimos aquando
do estudo dos sujeitos procedimentais, pelo que para lá remetemos,
com as necessárias adaptações.

557
V., a respeito, acórdão do STA de 15 de setembro de 2010, processo n.º 0407/10.
558
Assim, por exemplo, acórdão do STA de 17 de novembro de 2010, processo n.º 0624/10.

281
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Devem ter-se presentes neste ponto os contornos dos conceitos de


personalidade judiciária e capacidade judiciária.
A propósito da primeira, refere o CPPT, no seu art.º 3.º, n.º 1 que “a
personalidade judiciária tributária resulta da personalidade tributária”,
o que significa, entre outras coisas, que não é atributo prévio da per-
sonalidade judiciária tributária – como o não é da personalidade tribu-
tária – a personalidade jurídica (pense-se, por exemplo, nas heranças
jacentes)559.
Já quanto à capacidade judiciária, prevê o n.º 2 do supracitado pre-
ceito que ela “tem por base e por medida a capacidade de exercício dos
direitos tributários”, estabelecendo-se em outros preceitos do código al-
gumas regras especiais relativas a esta matéria, de entre as quais se po-
dem destacar:
– Os incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus re-
presentantes, ou autorizados pelo seu curador, exceto quanto aos
atos que possam exercer pessoal e livremente (art.º 3.º, n.º 3);
– As sucursais, agências, delegações ou representações podem inter-
vir no processo judicial tributário, mediante autorização expressa
da administração principal, quando o facto tributário lhes respeitar
(art.º 4.º);
– É obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais tributá-
rios, nos termos previstos no CPTA (art.º 6.º, n.º 1, do CPPT);
– As entidades desprovidas de personalidade jurídica, mas que dis-
ponham de personalidade tributária – bem assim como as pessoas
coletivas que não dispuserem de quem as represente – são repre-
sentadas pelas pessoas que, legalmente ou de facto, efetivamente as
administrem (art.º 8.º).

3.2.2.2. A Administração tributária – o representante da Fazenda


Pública
Um dos atores processuais que desempenha um papel mais ativo no de-
senrolar dos diversos processos é o representante da Fazenda Pública.
Começa por prescrever de uma forma genérica o art.º 53.º do ETAF
que “a Fazenda Pública defende os seus interesses nos tribunais tribu­

559
Cfr. art.º 2.º, n.º 2 do CIRC. V. também, acórdão do STA de 2 de junho de 2004, processo
n.º 01865/03.

282
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

tários através de representantes seus”, para depois, de uma maneira mais


densa, acrescentar o CPPT (art.º 15.º, n.º 1) que compete ao represen-
tante da Fazenda Pública nos tribunais tributários:
– Representar a Administração tributária e, nos termos da lei, quais-
quer outras entidades públicas no processo judicial tributário (v.g.,
processo de impugnação judicial) e no processo de execução fiscal;
– Recorrer e intervir em patrocínio da Fazenda Pública na posição de
recorrente ou recorrida;
– Praticar quaisquer outros atos previstos na lei.

Para exercer as suas competências, deve o representante da Fazenda


Pública (RFP) “requisitar às repartições públicas os elementos de que
necessitar e solicitar, nos termos da lei, aos serviços da Administração
tributária as diligências necessárias” (art.º 15.º, n.º 2, do CPPT).
Por outro lado, essas competências podem-se materializar em atos de
diversa natureza e em diversas fases do processo, podendo-se destacar:
– A contestação (da petição inicial), bem assim como a solicitação de
produção de provas adicionais no processo de impugnação judi-
cial560;
– A promoção da extinção desse mesmo processo em caso de revoga-
ção do ato impugnado561;
– O pedido do arresto de bens quando haja fundado receio da dimi-
nuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis562;
– O pedido do arresto de bens no âmbito do processo de execução
fiscal, quando haja justo receio de insolvência ou de ocultação ou
alienação de bens563;
– O pedido do arrolamento de bens quando haja fundado receio de
extravio ou de dissipação564;
– A contestação da oposição no processo de execução fiscal565;
– A interposição de recurso das sentenças dos Tribunais tributários
de primeira instância566.

560
Cfr. art.º 110.º, n.º 1, do CPPT.
561
V. art.º 112.º, n.º 4, do CPPT.
562
Cfr. art.º 136.º do CPPT.
563
Cfr. art.º 214.º do CPPT.
564
Cfr. art.º 140.º do CPPT.
565
V. art.º 210.º do CPPT.
566
V. art.º 280.º, n.º 1, do CPPT.

283
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Quem é, junto de cada Tribunal, o RFP?


Nos termos do art.º 54.º, n.º 1 do ETAF, a representação da Fazenda
Pública compete:
– Nas secções de contencioso tributário do Supremo Tribunal Admi­
nistrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos, ao Diretor-ge-
ral da Autoridade Tributária e Aduaneira que pode ser represen-
tado pelos respetivos Subdiretores-gerais ou por trabalhadores em
funções públicas daquela Autoridade licenciados em Direito;
– Nos Tribunais tributários, ao Diretor-geral da Autoridade Tribu­
tária e Aduaneira, que pode ser representado pelos Diretores de
finanças e diretores de alfândega da respetiva área de jurisdição ou
por funcionários daquela Autoridade licenciados em Direito.

Não obstante o exposto, e na decorrência do que já foi sendo dito a


respeito de outros quadrantes temáticos, importa frisar que existem ca-
sos de representação de interesses tributários por entidade diversa do
Representante que temos vindo a aludir. Assim sucede, por exemplo:
– Quando estejam em causa receitas fiscais lançadas e liquidadas pe-
las Autarquias locais, a representação é efetuada por licenciado em
Direito ou por advogado designado para o efeito pelas mesmas567;
– Em litígios envolvendo Institutos públicos e outras entidades,
como a Caixa Geral de Depósitos, o Instituto da Vinha e do Vinho,
o Instituto do Emprego e da Formação Profissional, o Instituto de
Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pes-
cas (IFADAP), a Administração do Porto de Lisboa (APL), etc., as
respetivas competências são exercidas pelo mandatário judicial que
o credor em causa designar568;

567
V. art.º 54.º, n.º 3, do ETAF.
568
V. art.º 15.º, n.º 3, do CPPT. Quanto à insuscetibilidade de o RFP representar em Tri-
bunal a Caixa Geral de Depósitos, v. acórdão do STA de 5 de dezembro de 2012, processo
n.º 0914/12. No que respeita ao Instituto da Vinha e do Vinho, ao Instituto do Emprego e
da Formação Profissional, e ao Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da
Agricultura e Pescas – IFADAP, v. acórdão de 6 de fevereiro de 2013, processo n.º 01155/11,
e jurisprudência aí referida (e, mais recentemente, de 13 de abril de 2016, processo
n.º 01068/14). Quanto à representação da APL – Administração do Porto de Lisboa, S. A.,
v., acórdão do STA de 16 de dezembro de 2015, processo n.º 01455/15. Por fim, defendendo
a possibilidade, por parte do RFP, de representação em juízo (oposição à execução fiscal) no

284
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Nas situações de recurso das decisões de derrogação do sigilo ban-


cário, a representação [rectius: oposição] deve considerar-se efe­
tuada pelo próprio Diretor Geral569.

3.2.2.3. O Ministério Público


O Ministério Público assume, sem dúvida, um papel muito mais dis­creto
em relação ao desempenhado por outros intervenientes processuais,
embora seja um papel de extrema importância e relevância, até porque
é, nos termos da Constituição, o “defensor da legalidade”.
Em termos de recorte normativo-constitucional, como se sabe, trata-se
de uma magistratura caracterizada por um poliformismo funcional, signi-
ficativo da ideia de que as suas atuações no plano jurídico se distribuem
por diversos domínios: desde a ação penal, até à defesa da legalidade,
passando pela representação do Estado, dos incapazes ou dos incertos.
Todavia, apesar dessa abrangência de atuações, de um ponto de vista
orgânico-funcional, caracteriza-se por uma relativa unidade organizativa,
pois, salvo no caso dos Tribunais militares, o Ministério Público está es-
truturado uniformemente em todas as jurisdições.
No que particularmente diz respeito ao Direito tributário, historica-
mente, a defesa dos interesses financeiros e dominiais do Estado foi uma
das primeiras atribuições do Ministério Público. Contudo, com o ETAF,
autonomiza-se a representação da fazenda pública como instituição e
conferem-se ao primeiro missões mais restritas de controlo da aplicação
da lei por parte dos Tribunais tributários. Pode-se assim dizer que ficou
desonerado de todas as situações jurídicas que o qualificariam como
parte processual.
Na realidade, atualmente, refere o art.º 51.º do ETAF que “compete
ao Ministério Público representar o Estado, defender a legalidade de-
mocrática e promover a realização do interesse público, exercendo, para
o efeito, os poderes que a lei lhe confere”. Realce-se que o referido po-
der de representação do Estado deve ser entendido como abrangendo
exclusivamente o Estado corporizado na Administração direta, na me-
dida em que as entidades da Administração indireta, como os Institu-

quadro de cobrança coerciva de portagens devidas a concessionárias (BRISA), v. acórdão do


STA de 31 de maio de 2017, processo n.º 042/17 (embora advogando a defesa, não da BRISA,
mas da AT).
569
Assim, art.º 146.º-B, n.º 4, do CPPT.

285
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

tos públicos, as Autarquias locais ou as Associações públicas, gozando


de personalidade jurídica própria, veem a sua representação judicial a
cargo dos órgãos estatutários ou institucionais próprios570.
De entre os restantes poderes conferidos por lei ao Ministério Pú­
blico no âmbito processual tributário, podem-se destacar os de:
– Representar os ausentes, incertos e incapazes571;
– Exercer (antes de proferida a sentença) o “direito de vista” no pro-
cesso de impugnação judicial, no âmbito do qual se pode “pronun-
ciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham
sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas
competências legais”572;
– Pronunciar-se antes da decisão de qualquer incidente processual
(assistência, habilitação e apoio judiciário)573;
– Interpor recurso das sentenças dos Tribunais Tributários de pri-
meira instância574.

Em termos subjetivos, o Ministério Público é representado (art.º 52.º


do ETAF):
– No Supremo Tribunal Administrativo, pelo Procurador-Geral da
República, que pode fazer-se substituir por Procuradores-gerais-
-adjuntos;
– No Tribunal Central Administrativo, por Procuradores-gerais-
-adjuntos;

570
Cfr., a respeito, acórdão do TC n.º 1/96.
571
Cfr. art.º 14.º, n.º 1, in fine, do CPPT.
572
Cfr. art.os 14.º, n.º 2, e 121.º do CPPT. Uma questão que se poderia aqui suscitar é a de sa-
ber se a solução de conferir vista ao Ministério Público apenas antes de ser proferida a “deci-
são final” (art.º 14.º do CPPT) não se configura como demasiado restritiva. Nomeadamente,
poder-se-ia perguntar se tal vista não seria adequada para todas as questões controvertidas,
ainda que não se materializem em tal carácter finalístico. Por outro lado, importa sublinhar
que devem existir exceções à regra da obrigatoriedade de audição, a saber:
– Quando seja evidente o fundamento da decisão (particularmente nos casos de decisão
liminar); e
– Quando o princípio da igualdade das partes processuais impede uma dupla oportunidade
de pronúncia sobre o objeto do processo, o que acontece quando o Ministério Público
assume a representação de uma das partes (ausentes, incapazes, incertos) ou interpõe
recurso jurisdicional, adotando a veste de recorrente.
573
Cfr. art.º 127.º, n.º 3 do CPPT.
574
V. art.º 280.º, n.º 1 do CPPT.

286
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Nos Tribunais tributários (primeira instância), por Procuradores da


República e por procuradores-adjuntos.

3.3. O Tribunal

3.3.1. Jurisdição tributária e competência dos Tribunais tributá­


rios. Termos da distinção
O estudo dos atores do processo tributário não ficaria completo sem a
óbvia e necessária referência ao Tribunal.
Neste particular, e mais uma vez, deve ser chamado à colação o im-
portante princípio da reserva da função jurisdicional, significativo da ideia
de que os litígios em matéria tributária devem ser resolvidos, em última
instância, por um Tribunal ou juiz (art.º 202.º da CRP).
Para que um Tribunal possa resolver uma questão tributária – ou me-
lhor, um litígio emergente de uma questão tributária – torna-se necessá-
rio, em primeiro lugar, que estejamos perante a ordem jurisdicional cor-
reta e, em segundo lugar que, dentro de tal ordem, estejamos perante o
Tribunal competente.
É certo que uma leitura apressada das coisas pode levar a uma confu-
são conceitual e a uma relação de sinonímia entre a noção de competên-
cia de um Tribunal e a de jurisdição. Contudo, uma análise mais atenta
e juridicamente mais adequada levará obrigatoriamente a concluir em
sentido diverso, pois quando falamos em jurisdição, estamo-nos a referir
a um conceito tendencialmente qualitativo, ao passo que o conceito de
competência nos reporta para uma realidade quantitativa.
Na realidade, a jurisdição será o poder de julgar, ao passo que a com-
petência nada mais é do que a parcela de jurisdição de que cada Tribu-
nal é titular.
Assim, antes de prosseguirmos, afinemos estes importantes conceitos.

a) Jurisdição
A própria jurisprudência dos Tribunais tributários pode revelar-se ex-
tremamente útil neste domínio. O TCA refere que a jurisdição fiscal
(lato sensu = jurisdição tributária) abrangerá “todas as questões adminis-
trativas de natureza fiscal”, e estas são não só (i) as resultantes de reso-
luções autoritárias que imponham aos cidadãos o pagamento de quais-
quer prestações pecuniárias, com vista à obtenção de receitas desti­nadas

287
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

à satisfação de encargos públicos dos respetivos entes impositores,


como as que (ii) os dispensem ou isentem delas, como ainda, numa
perspetiva mais abrangente, (iii) as respeitantes à interpretação e apli-
cação das normas de Direito fiscal”575.
Mais precisamente, são abrangidos pela jurisdição tributária a apre-
ciação de litígios que tenham por objeto questões relativas (art.º 4.º,
n.º 1, do ETAF):
– A tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interes-
ses legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados
em normas de direito (administrativo ou) fiscal ou decorrentes de
atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito admi-
nistrativo ou fiscal;
– A fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos
emanados por pessoas coletivas de direito público ao abrigo de dis-
posições de direito (administrativo ou) fiscal, bem como a verifica-
ção da invalidade de quaisquer contratos que diretamente resulte
da invalidade do ato administrativo no qual se fundou a respetiva
celebração;
– A fiscalização da legalidade de atos materialmente administrativos,
praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões autóno-
mas, ainda que não pertençam à Administração Pública;
– A fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos pra-
ticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no
exercício de poderes administrativos;
– A execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa
e fiscal.

Por outro lado, está, nomeadamente, excluída do âmbito da jurisdi-


ção administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto
a impugnação de (art.º 4.º, n.os 3 e 4 do ETAF):
– Atos praticados no exercício da função política e legislativa;
– Decisões jurisdicionais proferidas por Tribunais não integrados na
jurisdição administrativa e fiscal;
– Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da
ação penal e à execução das respetivas decisões.

575
V. acórdão do TC n.º 372/94, e do TCA–S de 19 de janeiro de 1999, processo n.º 64019

288
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Em termos estruturais576, consagra-se um esquema piramidal, de


acordo com o qual, no âmbito do patamar de base vale a regra da segre-
gação, existindo de um lado, Tribunais administrativos de círculo e, do
outro, Tribunais tributários. Porém, já nos dois patamares superiores
consagrou-se a regra da agregação, existindo, em cada um deles, Tribunais
que são simultaneamente tributários e administrativos, com uma secção
para cada uma das áreas. Em consonância com tudo isto, pode-se dizer
que fazem parte da jurisdição administrativa e tributária – em contrapo-
sição à jurisdição cível, criminal, marítima, etc.– (ou seja, são “Tribunais
administrativos e fiscais” – art.º 8.º do ETAF) os seguintes:
– Os Tribunais tributários e os Tribunais administrativos de círculo
(v. art.os 45.º e ss. ETAF), sendo que – no que particularmente aqui
interessa – os primeiros podem ser desdobrados em juízos especia-
lizados, quando o volume ou a complexidade do serviço o justifi-
quem. Assim, podem ser criados juízos de grande, média ou pe-
quena instância tributária, os quais, em termos gerais, decidirão
respetivamente dos litígios de elevado, médio ou pequeno valor
(consoante este ultrapasse 10 vezes, 2 vezes, ou não ultrapasse, o
valor da alçada dos Tribunais da Relação)577;
– O Tribunal Central Administrativo – TCA (v. art.os 31.º e ss. do
ETAF);
– O Supremo Tribunal Administrativo – STA (v. art.os 11.º e ss. do
ETAF).

Como se adiantou, o TCA encontra-se estruturalmente dividido em


duas secções: a secção de contencioso administrativo e a secção de con-
tencioso tributário (art.º 32.º, n.º 1 do ETAF), podendo cada uma destas
secções dividir-se em sub- secções (n.º 2). Já o STA funciona por secções
e em plenário (art.º 12.º, n.º 1 do ETAF), sendo as secções as de conten-
cioso administrativo e de contencioso tributário, que funcionam em for-
mação de três juízes ou em pleno (n.º 2)578.

576
V., a respeito, o nosso Modelos jurisdicionais tributários – uma abordagem de direito comparado,
in Scientia Jurídica, Tomo LXII – N.º 332 – Maio-agosto de 2013;
577
Assim, art.os 9.º, 9.º-A e 49.º-A do ETAF.
578
Quanto à sede e área de jurisdição dos Tribunais referidos, cfr. DL 325/2003, disponível
em http://dre.pt .

289
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

***

Em termos de composição ou formação, a regra é a de que os Tribu-


nais tributários funcionam com juiz singular579. Esta regra apenas poderá
ser excecionada, tanto quanto conseguimos captar, nas seguintes situa-
ções:
i) Quando o Tribunal está desdobrado e funciona em juízo de grande
ou média instância580;
ii) Quando se coloque uma questão de Direito nova que suscite difi­
culdades sérias e se possa vir a colocar noutros litígios, caso em
que o presidente do Tribunal pode determinar que o julgamento
se faça com a intervenção de todos os juízes do Tribunal, sendo o
quórum de dois terços581.

b) Competência
Contudo, para que uma lide possa ser julgada, é necessário que esteja-
mos, não só perante a ordem de Tribunais adequada, mas que estejamos
também, dentro desta, perante o Tribunal competente. Utilizando mais
uma vez a jurisprudência do TCA, podemos dizer que competência
dos Tribunais equivale aos limites dentro dos quais cada Tribunal pode
exercer a função jurisdicional – é o modo como entre todos os Tribunais
se reparte e divide o poder jurisdicional582.
Todavia, a competência de um Tribunal é uma realidade complexa
que pode ser aferida em função de vários critérios. Assim, falamos em
competência interna e em competência internacional e, dentro da pri-
meira, em competência interna em razão da matéria, em razão da hie-
rarquia, em razão do território e em razão do valor. Por razões de como-
didade didática, vamo-nos debruçar apenas sobre a competência interna
e vamos analisar sucessivamente cada um dos seus fatores aferidores.
Antes, porém, convém chamar a atenção para o facto de que esta
competência dos Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal “fixa-
-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modifi­
cações de facto e de direito que ocorram posteriormente” (art.º 5.º,

579
V. art.º 46.º, n.º 1 do ETAF.
580
Cfr. art.º 49.º-A, n.º 4, a contrario, do ETAF.
581
Cfr. art.º 46.º, n.º 2 do ETAF.
582
V. acórdão do TCA–S de 19 de janeiro de 1999, processo n.º 64019.

290
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

n.º 1 do ETAF). A fixação é feita por lei e deve ter em atenção o princí-
pio da conveniência material, significativo da ideia de que o legislador deve
procurar “adaptar o órgão à função, assegurando a idoneidade funcional
do juiz, através de uma relação de pertinência o mais apropriada possí-
vel entre ele e a matéria da causa de que deve conhecer”583.

3.3.2. A competência dos Tribunais tributários

3.3.2.1. Competência em razão da matéria


Se bem que já saibamos que os Tribunais tributários são competentes
para apreciar “todas as questões administrativas de natureza fiscal”, im-
porta precisar o que por tal se deve entender, e o estudo mais aprofun-
dado das competências dos Tribunais tributários (aqui podemos dizer:
de primeira instância) pode revelar-se bastante útil.
Tais Tribunais são competentes para conhecer, nomeadamente (art.º
49.º do ETAF), das ações para reconhecimento de direitos ou interesses
legalmente protegidos em matéria tributária584, dos pedidos de decla­
ração de ilegalidade de normas administrativas em matéria fiscal de âm-
bito regional ou local e ainda de vários recursos, como os:
– Recursos de atos liquidação de tributos (incluindo o indeferimento
das reclamações a eles respeitantes);
– Recursos de atos de fixação de valores patrimoniais e de determina-
ção da matéria tributável (quando suscetíveis de impugnação judi-
cial autónoma); e
– Recursos de atos praticados no processo de execução fiscal.

Ações, pedidos e recursos são assim, pedagogicamente falando, as pala-


vras-chave quando se trata de procurar recortar o domínio competencial
material dos Tribunais tributários.
Mais problemática poderá ser a questão de saber se o referido arti-
go 49.º do ETAF se pode configurar como uma regra de competência
genérica “a favor” dos Tribunais tributários ou, pelo contrário, se é uma

583
Cfr. acórdão do Tribunal de conflitos de 18 de dezembro de 2003 processo n.º 02/03.
584
Aqui, apesar de o ETAF apenas se referir aos “direitos ou interesses legalmente protegi-
dos em matéria fiscal”, será de entender que se quererá abranger todos os direitos ou inte-
resses legalmente protegidos em matéria tributária, uma vez que uma interpretação sintoni-
zada com o art.º 145.º (entre outros) do CPPT assim o impõe.

291
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

regra de competência específica, recortada dentro do âmbito mais vasto


da competência atribuída aos Tribunais administrativos e fiscais; neste
último caso, a referida competência genérica – “a favor” dos Tribunais
administrativos de círculo (TAC´s) – estaria prevista no art.º 44.º, do
mesmo ETAF. A questão é relevante do ponto de vista prático, na me-
dida em que podem surgir litígios em matéria fiscal que não constem do
elenco legal tipificado no art.º 49.º, como por exemplo, os dissídios de-
correntes de responsabilidade civil no âmbito de procedimentos ou pro-
cessos tributários. O STA inclinou-se, não unanimemente, no sentido
da natureza material específica do preceito, advogando que tudo o que
nele não se incluísse, seria abarcado pela competência dos TAC´s, numa
solução que juridicamente se aceita, mas que entendemos que poderia
ser reponderada585.

3.3.2.2. Competência em razão do território


Trata-se aqui de saber onde é que uma determinada ação deve ser inten-
tada, e o CPPT (art.º 12.º) determina a regra de que a competência ter-
ritorial do Tribunal tributário se afere (i) em função da área do serviço
periférico local (e.g., serviço de finanças)586 onde se praticou o ato obje-
to de impugnação – por exemplo, nos casos de processos de impugna-
ção judicial ou de recurso contencioso stricto sensu –, ou (ii) do domicílio
ou sede do executado, nos casos da execução fiscal.

3.3.2.3. Competência em razão da hierarquia


Aqui, indaga-se como se procede à distribuição legal da competência
entre os vários Tribunais desta jurisdição, devendo-se sucessivamente
distinguir – em função da matéria que é objeto do processo, do tipo de
ato ou da categoria da autoridade que o praticou – os Tribunais tributá-
rios, o TCA e o STA (secções de contencioso tributário).
Assim, quanto aos primeiros, compete-lhes conhecer, como Tribunal
de ingresso, todas as questões jurídico-tributárias relativamente às quais
a competência não esteja reservada nem ao TCA nem ao STA.

585
Cf. acórdão do STA de 9 de maio de 2012, processo n.º 0862/11 e declarações de voto
anexas.
586
Acerca da noção de serviço periférico local e de serviço periférico regional, v. art.º 6.º do
diploma de aprovação do CPPT (DL 433/99, de 26 de outubro) e quanto às regras de deter-
minação do serviço periférico local competente, v. o que dissemos supra acerca da compe-
tência territorial da Administração tributária.

292
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Por sua vez, o TCA (Secção de contencioso tributário) pode conhe-


cer questões quer em primeiro grau de jurisdição, quer em sede de re-
curso (art.º 38.º, n.º 1 do ETAF):
– Quanto às primeiras, ganham relevo os recursos dos atos adminis-
trativos praticados por membros do Governo respeitantes a ques-
tões fiscais587 e os pedidos de declaração de ilegalidade de normas
administrativas em matéria fiscal de âmbito nacional;
– Já quanto às segundas, a referência deve ser feita aos recursos das
decisões Tribunais tributários (salvo, naturalmente, os casos de re-
curso per saltum diretamente do Tribunal tributário para o STA, nos
casos em que o fundamento do recurso seja exclusivamente matéria
de direito).

Por fim, quanto ao STA, devem ser distinguidas as suas competências


em sede de plenário e em sede de secção de contencioso tributário (ple-
no ou formação de 3 juízes). Assim, de um modo muito simplificado:
– O Plenário – que é composto pelo Presidente, pelos vice-presidentes
e pelos três juízes mais antigos de cada uma das secções (art.º 28.º
do ETAF) – é competente para conhecer dos conflitos de juris­dição
entre Tribunais administrativos de círculo e Tribunais tributários
ou entre as secções de Contencioso Administrativo e de Contencio-
so Tributário (art.º 29.º do ETAF);

587
Pela sua importância, transcrevemos um excerto de uma decisão do TCA–S de 11 de no-
vembro de 2003, processo n.º 00606/03.: “Porque o ato recorrido foi praticado pelo Sub-
diretor-Geral dos Impostos, o qual não é membro do Governo, a competência em razão da
hierarquia para conhecer do recurso também não é deste Tribunal Central Administrativo.
Note-se que membros do Governo são, de acordo com o art.º 183.º n.º 1 da Constituição da
República Portuguesa [na versão de então], são o Primeiro Ministro, os Ministros, os Secre-
tários e os Subsecretários de Estado. É certo que, como realça a Recorrente, o ato recor­
rido foi praticado no uso de poderes delegados pelo Ministro das Finanças que, inques-
tionavelmente, é membro do Governo. Não significa isso, no entanto e contrariamente ao
que pretende a Recorrente, que a competência seja deste Tribunal Central Administrativo.
Na verdade, nos termos do disposto no art.º 7.º do ETAF [de então], «A competência para o
conhecimento dos recursos contenciosos é determinada pela categoria da entidade que tiver
praticado o ato recorrido, ainda que no uso de delegação de poderes». Assim, não cabendo
a competência para conhecer do recurso nem ao Supremo Tribunal Administrativo nem ao
Tribunal Central Administrativo, a mesma está cometida aos tribunais tributários de 1.ª ins-
tância”.

293
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– O Pleno da Secção de contencioso tributário (art.º 27.º do ETAF)


é hierarquicamente competente para conhecer, entre outros, dos
recursos de acórdãos proferidos pela Secção em primeiro grau de
jurisdição e dos recursos para uniformização de jurisprudência;
– Finalmente, a Secção de contencioso tributário em formação “nor-
mal”, é competente para conhecer, (art.º 26.º do ETAF):
• em primeiro grau de jurisdição, dos recursos dos atos administra-
tivos praticados pelo Conselho de Ministros em matéria fiscal e
dos conflitos de competência entre tribunais tributários, e
• em segundo grau de jurisdição, nomeadamente, dos recursos das
decisões do TCA proferidas em primeiro grau de jurisdição e dos
recursos das decisões dos tribunais tributários com exclusivo fun-
damento em matéria de direito.

3.3.2.4. Competência em razão do valor


Como será compreensível, alguns Tribunais (principalmente os superio-
res) não poderão apreciar todos os tipos de questões jurídico-tributárias
que lhes sejam apresentadas para resolução. Por razões de justiça e de
celeridade, ficarão de fora as denominadas “bagatelas jurídicas”, isto é,
questões que, por causa do seu diminuto valor económico e aparente
insignificância jurídica, não devem ser levadas a determinado Tribu-
nal, sob pena de os órgãos jurisdicionais serem enxameados com todo o
tipo de pequenezas que os atolarão em trabalho e retirarão tempo para
a resolução de outras questões, essas sim, bastante mais relevantes. Em
consequência, os Tribunais superiores apenas apreciarão questões cujo
valor assuma uma determinada relevância económica, fixada de acordo
com os critérios discricionários do legislador.
Além disso, em determinados tipos de processo – pense-se, por exem­
plo, no processo civil ou administrativo – a forma que este virá a reves-
tir (v.g., ordinária, sumária ou sumaríssima) também depende, em larga
medida, do valor da causa.
Por estes motivos fixa-se uma alçada.
Ora, na medida em que em processo tributário stricto sensu não se
distinguem formas processuais em razão do valor, essa alçada será rele­
vante apenas para outros fins, a saber:
i) Para efeitos de obrigatoriedade de constituição de advogado588;

588
V. art.º 6.º, n.º 1, do CPPT.

294
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

ii) Para efeitos de fixação de custas;


iii) Para efeitos de apreciação da questão por um Tribunal superior, ou
seja, para fins de recurso.

Neste último sentido, pode-se afirmar que a alçada de um Tribunal


tributário será o valor a partir do qual se pode recorrer da decisão des-
se Tribunal ou, dito de outra forma, o valor máximo da causa que um
determinado Tribunal tributário conhece sem possibilidade de recurso
ordinário, sendo relevante para estes efeitos a lei em vigor ao tempo em
que seja instaurada a ação (art.º 6.º, n.º 6 do ETAF).
Para a determinação do valor da causa, valem as regras constantes do
art.º 97.º-A do CPPT, a saber:
– Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anula-
ção se pretende;
– Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor
contestado;
– Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o va-
lor contestado;
– No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da re-
vogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isen-
ção ou benefício.;
– No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspon­dente
ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja
anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou
venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mes-
mos, se inferior.

Quando haja apensação de impugnações ou execuções, o valor é o


correspondente à soma dos pedidos.

***

Neste particular, começa por referir o art.º 6.º do ETAF, no seu n.º 1,
que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal têm alçada”.
Esta referência, aparentemente óbvia, merece saliência em virtude do
facto de o anterior ETAF prever exatamente a regra oposta, isto é a re-
gra de que os Tribunais desta ordem não teriam qualquer alçada.

295
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Tal alçada é calculada a partir do valor que está previamente estabe-


lecido para os Tribunais judiciais de 1.ª instância, embora alguma inabi-
lidade do legislador se tenha revelado aqui como fator de especial incer-
teza, pois acabou por deixar permanecer no ordenamento jurídico duas
normas de teor literal e alcance contraditórios e excludentes entre si:
– Por um lado, o art.º 6.º, n.º 2, do ETAF (diploma já revisto e inal-
terado neste particular) prescreve que a alçada dos Tribunais tri-
butários (primeira instância) corresponde a um quarto da que se
encontra estabelecida para os Tribunais judiciais de 1.ª instância.
Ora, sendo a alçada destes no valor de € 5000, fácil se torna concluir
que a alçada dos Tribunais tributários, caso se aplicasse esta norma,
seria de € 1250;
– Por outro lado, o art.º 105.º da LGT estabelece que “A alçada dos
tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabele-
cida para os tribunais judiciais de 1.ª instância”, de onde decorre
que o valor aqui em consideração seria substancialmente superior
(€ 5000).

Neste particular, tem entendido a jurisprudência que, com a entrada


em vigor da Lei n.º 82-B/2014, ocorreu a revogação tácita da norma con-
tida no n.º 2 do artigo 6.º do ETAF, e a circunstância de o ETAF ter sido
republicado em 2015 não significará que esse artigo 6.º “tenha visto a
sua vigência reestabelecida”589. Em conformidade, começa a ser pací­fico
o entendimento de que o valor a considerar para efeitos de alçada dos
Tribunais tributários (primeira instância) é € 5 000. De todo o modo, a
insegurança aplicativa era desnecessária.
A partir do exposto, e procurando simplificar esta matéria, pode esta­
belecer-se o seguinte apontamento conclusivo e sumariado590:

589
Cfr. acórdãos do STA de 24 de fevereiro de 2016, processo n.º 01291/15 e de 05 de julho
de 2017, processo n.º 0445/17.
590
Importa igualmente referir que a alçada do Tribunal Central Administrativo corresponde
à que se encontra estabelecida para os Tribunais de relação e, nos processos em que exerçam
competências de 1.ª instância, a alçada do Tribunal Central Administrativo e do Supremo
Tribunal Administrativo corresponde, para cada uma das suas secções, respetivamente, à dos
Tribunais Administrativos de Círculo e à dos Tribunais Tributários (art.º 6.º, n.º 5 do ETAF).
A alçada dos tribunais administrativos de círculo corresponde àquela que se encontra esta-
belecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância (art.º 6.º, n.º 3 do ETAF).

296
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Causas de valor igual ou inferior a € 5000 são insuscetíveis de re-


curso para Tribunal superior;
– Causas de valor superior a € 5000 são suscetíveis de recurso para
Tribunal superior.

3.3.3. A incompetência dos Tribunais tributários


A violação das regras e critérios aferidores de competência determina,
claro está, a incompetência do Tribunal em questão.
Tal será o caso, por exemplo, do processo de impugnação judicial ins-
taurado junto do TCA ou do Tribunal tributário não pertencente à área
geográfica do serviço periférico local da prática do ato impugnado, ou
ainda da submissão da resolução de um conflito de jurisdição a um Tri-
bunal tributário (primeira instância).
A constatação da incompetência, como se compreenderá, obstará a
que o Tribunal incompetente tome conhecimento do mérito da questão.
Poderá não implicar, contudo, uma cega recusa em conhecer as peças
processuais que já foram entretanto produzidas, sendo de lembrar aqui
o que dissemos acerca do princípio da economia dos atos processuais,
devendo-se evitar a repetição de atos que possam, eventualmente, ser
aproveitados. Por isso, as consequências da incompetência poderão ser
várias, para o que se torna útil classificar – como, de resto o próprio le-
gislador fez – a classificação em “graus”, consoante a gravidade da falta
em causa.
Neste sentido, distingue-se a incompetência absoluta e a incompe-
tência relativa.

3.3.3.1. Incompetência absoluta


Um Tribunal tributário será absolutamente incompetente quando sejam
violadas as regras fixadoras da competência em razão da matéria e em
razão da hierarquia (art.º 16.º, n.º 1 do CPPT).
Em tais casos, a incompetência deve ser conhecida ex officio pelo pró-
prio Tribunal (art.º 16.º, n.º 2 do CPPT). Assim, por exemplo, se uma
determinada ação é interposta no Tribunal tributário quando o deveria
ser no Tribunal Administrativo de Círculo – caso em que existe uma
violação das regras fixadoras da competência em razão da matéria – ou
um determinado recurso é interposto para o TCA quando o deveria ser
para o STA (porque o respetivo fundamento versa exclusivamente sobre

297
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

matéria de Direito ou porque o ato administrativo em matéria fiscal em


causa foi praticado por um membro do Conselho de Ministros) – casos
em que existe uma violação das regras fixadoras da competência em
razão da hierarquia – o Tribunal perante o qual a questão é suscitada
tem o dever oficioso de levantar a questão da incompetência e daí reti-
rar as devidas ilações. Não se trata, como está bom de ver, de um poder
que esteja nas mãos desse Tribunal, que ele possa ou não exercer, mas
antes de um verdadeiro dever de conhecimento, estando a tal obrigado.
De resto, a não apreciação da competência do Tribunal – quando ele a
tal está obrigado – é causa de nulidade da sentença, nos termos do ar­
tigo 125.º do CPPT.
Os outros atores processuais (os “interessados”, como por exemplo
os sujeitos passivos de imposto, o Ministério Público e o Representante
da Fazenda Pública) não estando vinculados a este dever – o que pode
levantar alguma perplexidade no que diz respeito ao Ministério Público,
em face das incumbências que lhe estão constitucional e legalmente
atribuídas (designadamente, a defesa da legalidade democrática e a pro-
moção da realização do Interesse público) – têm, contudo, o poder de
dar a conhecer, arguindo ou suscitando, este tipo de incompetência.
Podem fazê-lo até ao trânsito em julgado da decisão final.
Tomando o Tribunal conhecimento da incompetência absoluta, de
modo oficioso ou de modo provocado, deve ele, com prioridade sobre
qualquer outra questão, declará-la.

3.3.3.2. Incompetência relativa


Por outro lado, um Tribunal tributário será relativamente incompetente
quando sejam violadas as regras fixadoras da competência em razão do
território (art.º 17.º, n.º 1 do CPPT).
Esta incompetência relativa é de conhecimento oficioso, podendo em
regra ser arguida ou conhecida até à prolação da sentença em 1.ª instância
(art.º 17.º, n.º 2).
No processo de execução fiscal, a incompetência territorial do órgão
de execução só pode ser arguida ou conhecida oficiosamente até findar o
prazo para a oposição, implicando a remessa oficiosa do processo para o
serviço considerado competente, no prazo de 48 horas, notificando -se o
executado.

298
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Para além disso, a decisão judicial de incompetência implica a remessa


oficiosa do processo, por via eletrónica, ao tribunal tributário ou adminis-
trativo competente, no prazo de 48 horas591.

4. O objeto do processo tributário (remissão)


Já a respeito do procedimento foi referida a questão do respetivo ob-
jeto592. Salientou-se nessa altura que o termo ou enunciado linguístico
“objeto” poderia ser entendido num duplo sentido, de objeto jurídico
(enquanto questão jurídica principal sujeita a apreciação e decisão)
ou material (a omissão ou o ato sobre o qual incidem essa apreciação e
deci­são). Ora, em termos de processo, a abordagem não será significa-
tivamente distinta, valendo uma ideia de aproveitabilidade das noções
então expostas, sem embargo de algumas notas poderem ser salientadas:
i) A “questão jurídica” no âmbito do processo assume natureza emi-
nentemente conflitual, na medida em que se pressupõe sempre que
a convocação do Tribunal é efetuada no sentido de solucionar um
dissídio, uma oposição de vontades ou um conflito de pretensões;
ii) Nesse suposto sentido, a CRP prescreve que compete aos Tribunais
administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos conten-
ciosos que “tenham por objeto” – quererá dizer “por objetivo” ou
“por finalidade”? – dirimir os litígios emergentes das relações jurí-
dicas administrativas e fiscais593.

Assim sendo, o objeto jurídico do processo tributário poderá ser, por


exemplo, a legalidade de determinado ato de liquidação, de determina-
do ato de acesso a informações ou documentos bancários ou de deter-
minada avaliação. Tal objeto, também aqui, é fixado a partir das peças
apresentadas pelas partes, particularmente pela petição inicial apresen-
tada pelo autor, onde se individualiza o respetivo pedido – o qual pode
ser ampliado594 – e causa de pedir. Porém, e em abono dos propósitos

591
Cf. art.º 18.º, n.º 1, do CPPT.
592
Cfr. supra, I, 2.1., b).
593
Assim, art.º 212.º, n.º 3, da CRP.
594
A respeito do tema da ampliação do pedido em matéria tributária, v., por exemplo,
acórdão do STA de 15 de maiode 2013, processo n.º 01476/12. Aí se refere que em processo
de impugnação judicial é admissível a ampliação do pedido e da causa de pedir, nos termos
do disposto no artigo 63.º do CPTA, ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, sempre que se

299
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

de rigor conceitual que devem sempre nortear o discurso jurídico, cum-


pre precisar que nem sempre o objeto processual cognoscível se reduz à
apreciação da questão jurídica apresentada pelas partes nos respetivos
meios petitórios. Basta pensar que o juiz é igualmente convocado a afe-
rir a verificação ou não dos denominados pressupostos processuais (v.g.,
competência, legitimidade) ou a decidir questões prévias, de modo que,
na verdade, só uma parte restrita do objeto do processo se identifica
com o litígio subjacente em causa.

5. O formalismo processual

5.1. As fases do processo, em geral


Tal como sucede em relação ao procedimento, também em relação ao
processo é possível identificar um conjunto de fases típicas que, com
maiores ou menores desvios, se verificam em qualquer tramitação que
decorra em Tribunal. Convém salientar que não estamos ainda a estudar
a tramitação relativa a um determinado meio processual em particular,
mas aquela que, tendencialmente, se verifica em todos eles.
Assim, e como já é sabido de outras sedes, qualquer processo terá,
em princípio, as seguintes fases:
– Iniciativa, que normalmente está a cargo do sujeito passivo/con-
tribuinte (como sucede, por exemplo, no processo de impugnação
judi­cial, ou na oposição à execução fiscal);
– Resposta da contraparte, mediante contestação (designadamente
por parte da Fazenda Pública);
– Instrução, onde são carreados para o processo os elementos de prova;
– Alegações;
– Vista ao Ministério Público; e
– Sentença.

Será conveniente alterar para a circunstância de que, não obstante


se estar em presença de processos, de natureza indubitavelmente juris­

verifiquem factos supervenientes para o impugnante que lhe proporcionem a tomada de


conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação da petição
inicial.

300
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

dicional, e que conduzirão, também indubitavelmente, a decisões da


mesma natureza, tal não significa que todos os atos inseridos nas fases
mencionadas devam ser praticados em Tribunal. A entrega da petição
inicial constitui um bom exemplo do que acaba de ser dito, pois, na rea­
lidade, existem casos em que a mesma deve obrigatoriamente ser en-
tregue em tribunal (por exemplo, recurso de medidas cautelares admi-
nistrativas ou recurso de atos de derrogação do sigilo bancário595); casos
em que deve obrigatoriamente ser entregue na AT (no serviço de finan-
ças, como sucede com a oposição à execução ou a reclamação dos atos
do órgão de execução596); e casos de possibilidade de escolha ente um e
outro dos locais (como acontece no processo de impugnação judicial597).
Se existe fundamento para tal diversidade de regimes, é questão que
não deve ser aqui tratada...
Este é, recorde-se, um quadro geral das referidas fases. Maiores e ne-
cessários desenvolvimentos serão efetuados aquando do estudo de cada
meio processual em particular. Por agora, importa averiguar quais as
consequências jurídicas do incumprimento deste formalismo, o que fa-
remos no apartado seguinte.
Antes disso, porém, será conveniente chamar a atenção para um as-
peto de regime introduzido recentemente no ordenamento jurídico-tri-
butário português, que se prende com a finalidade de evitar a dispersão
de meios jurisdicionais. Permite o novo art.º 105.º, n.º 1, do CPPT que
nos casos em que, num mesmo Tribunal, sejam intentados mais de 10
processos (ou interpostos recursos de decisões relativas a mais de 10
processos), seja dado andamento apenas a um deles e se suspenda a tra-
mitação dos demais. Para que tal aconteça, torna-se indispensável que
sejam todos respeitantes ao mesmo tributo, se arguam os mesmos vícios,
e haja possibilidade de a decisão ser efetuada com base na aplicação das
mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.

5.2. As nulidades processuais


Os desvios do formalismo processual efetivamente seguido em relação
ao formalismo processual prescrito na lei constituem, quando a lei o

595
Cf., respetivamente, art.os 144.º, n.º 2, e 146.º-B, n.º 1, do CPPT.
596
Cf., respetivamente, art.os 207.º, n.º 1, e 277.º, n.º 2, do CPPT
597
Cf. art.º 103.º, n.º 1, do CPPT.

301
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

declare ou quando possa influir no exame ou na decisão da causa, uma


nulidade processual598. De um modo mais específico, pode afirmar-se
que para que exista uma nulidade processual é necessário que se verifi-
quem dois requisitos cumulativos:
i) Um desvio em relação à tramitação prevista na lei, seja por via da
prática de um ato que a lei não admita, seja por via da omissão de
um ato ou de uma formalidade que a lei exija;
ii) Que haja um nexo de influência entre a irregularidade cometida e
a boa decisão da causa.

Este segundo requisito revela-se de suma importância, pois me­diante


a sua verificação, atesta-se da real gravidade ou não de determinado
afastamento em relação ao previsto na lei, desvalorizando-se as situa-
ções em que, não obstante um desvio, ele não é suficientemente signi-
ficativo para o culminar com o regime da invalidade mais intensa. Por
exemplo, a falta de produção de prova (v.g., inquirição de testemunhas)
pode não constituir nulidade alguma, na medida em que incumbe ao
juiz avaliar se já tem ao seu dispor todos os elementos relevantes para
decidir e se pode conhecer de imediato do pedido, sem que haja produ-
ção instrutória suplementar599.
Refira-se que algumas nulidades são de tal modo graves que o pró-
prio legislador as considera insanáveis, podendo ser oficiosamente
conhe­cidas ou deduzidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da
decisão final600. Tal verifica-se nos seguintes casos601:
– Ineptidão da petição inicial;
– Falta de informações oficiais referentes a questões de conhecimen-
to oficioso no processo;
– Falta de notificação do despacho que admitir o recurso aos interes-
sados, se estes não alegarem.

Além disso, a verificação da nulidade tem por efeito a invalidação


dos termos subsequentes do processo que dela dependam absoluta­

598
Cfr., a propósito, art.º 195.º do CPC.
599
Cfr. art.º 113.º do CPPT.
600
V. art.º 98.º, n.º 2, do CPPT.
601
V. art.º 98.º, n.º 1, do CPPT.

302
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

mente, embora se deva, em obediência a uma ideia de aproveitabilidade


e economicidade dos atos, aproveitar as peças úteis ao apuramento dos
factos602.
No que diz respeito ao modo de arguição, duas hipóteses abstratas
se podem referir: por um lado, mediante reclamação dirigida ao próprio
Tribunal a quo603, ou, por outro lado, por via do recurso da decisão final,
solução à qual maioritariamente tem o STA aderido604.
Por fim, no culminar do tratamento deste tópico, cabe salientar que
as nulidades processuais propriamente ditas (tramitacionais) não se
confundem com as nulidades das decisões que vierem a ser proferidas
no processo, respeitando as primeiras a vícios da tramitação e as segun-
das a vícios da própria sentença (por exemplo)605.

6. Os meios processuais (contencioso tributário)

6.1. Introdução

6.1.1. Âmbito do contencioso tributário. Sequência


São vários os meios processuais colocados ao dispor dos sujeitos da rela-
ção tributária para assegurar a efetivação das posições jurídicas subjeti-
vas (maxime direitos subjetivos) desta emergentes.
Pode-se a este respeito afirmar que a escolha ou distinção de tais
meios deve ser feita em função da finalidade que se pretende atingir,
podendo ser encontradas formas processuais que visam a anulação de
atos tributários, a execução do património de devedores de prestações
tributárias, o acautelamento de condutas de dissipação patrimonial, a
derrogação de regras de sigilo bancário, a impugnação de providências
cautelares adotadas pela Administração tributária, etc. Contudo, e ape-
sar de o arsenal processual tributário ser aparentemente extenso, acaba

602
Assim, art.º 98.º, n.º 3, do CPPT.
603
Cfr. 196.º do CPC , subsidiariamente aplicável por via do art.º 2.º do CPPT.
604
V. acórdãos do TCA–S de 19 de outubro de 2004, processo n.º 07203/02, e de 29 de
junho de 2010, processo n.º 4080/10.
605
V., por exemplo, acórdãos do STA de 5 de julho de 2012, processo n.º 873/11, de 5 de ju-
lho de 2017, processo n.º 0574/15, e de 17 de maio de 2017, processo n.º 0302/17.

303
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

por se revelar adequado, em termos formais, às necessidades que se pro-


cura satisfazer.
Antes, porém, de procedermos ao estudo um pouco mais pormenori-
zado de algumas dessas formas processuais606, limemos algumas arestas
respeitantes ao uso da terminologia nestes domínios.

a) “Processo judicial tributário” e “impugnação”


Comecemos pela expressão “processo judicial tributário”.
Parece-nos esta uma expressão linguisticamente inapropriada. O le-
gislador utiliza-a para pretender abranger todas as situações em que a
intervenção do Tribunal, em matéria tributária, é necessária. É o que
se passa, nomeadamente, nos art.os 97.º, n.º 1, do CPPT e 101.º da LGT.
Parece-nos que a simples referência a “processo tributário” seria sufi­
ciente, e deveria abranger todo o meio processual e não apenas as situa­
ções em que a intervenção jurisdicional, no âmbito da respetiva trami-
tação, seja reclamada. Caso contrário, o “processo de execução fiscal”
deixaria de ser um processo nos casos em que se não verificassem opo-
sições, incidentes ou outras atuações que reclamam intervenção do Tri-
bunal.

Outro conceito que poderá necessitar de um afinamento é o de im-


pugnação.
Impugnar significa, neste contexto, colocar em crise, solicitar a fisca-
lização ou a sindicância de determinada atuação ou omissão com a qual
não se concorda, podendo-se impugnar um comportamento através de
uma dupla via:
– Ou recorrendo às vias administrativas, falando-se em impugnação
administrativa, a qual pode revestir várias formas, como por exem-
plo, as reclamações, os recursos, ou as revisões;
– Ou recorrendo aos Tribunais, falando-se em impugnação judicial ou
(mais rigorosamente) jurisdicional, embora a tradição aponte unani-
memente para a primeira destas expressões.

606
Por razões de ordem didática, como se poderá facilmente compreender, não se pode, no
ensino universitário atual, proceder nem a um estudo muito detalhado de cada uma dessas
formas, nem tão pouco a um estudo exaustivo que as acolha a todas. Desta forma, tentare-
mos debruçar a nossa atenção apenas sobre aquelas que, do ponto de vista da incidência prá-
tica, nos parecem mais interessantes e úteis.

304
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Naturalmente que neste momento é este segundo tipo de impugna-


ção (a judicial) que nos interessa particularmente, uma vez que as im-
pugnações administrativas já foram objeto da nossa atenção aquando do
estudo dos procedimentos tributários, em especial dos chamados proce-
dimentos impugnatórios.
A impugnação judicial, portanto, num sentido amplo, abrangerá to-
dos os meios processuais que têm por objetivo autorizar ou fiscalizar
uma atuação ou não atuação administrativa tributária, dos quais se des-
tacam:
– O processo de impugnação judicial;
– O recurso contencioso (ação administrativa);
– A ação para o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente
protegidos em matéria tributária;
– A impugnação de providências cautelares adotadas pela Adminis-
tração tributária.

Num sentido restrito, contudo, dirá apenas respeito ao chamado pro-


cesso de impugnação judicial, que é o meio jurisdicional adequado para,
junto dos Tribunais tributários, apreciar a legalidade de um ato de liqui-
dação ou de um ato conexo.

b) “Impugnação judicial” ou “impugnações judiciais”


Se, em modo aproximativo, é possível afirmar-se que o processo de im-
pugnação judicial é um meio processual que tem por objetivo a anula-
ção de atos tributários, a verdade é que uma consideração e uma análise
mais aprofundadas implicam algumas precisões de raciocínio e de lin-
guagem que importa não descurar.
Desde logo, levanta-se a questão de saber se será correto falar em
“processo de impugnação judicial” ou em “processos de impugnação
judi­cial”, na medida em que se pode legitimamente levantar a questão
de saber se todas as situações nas quais o termo “impugnação” é utili-
zado reúnem entre si substrato identitário suficiente para uma conside-
ração unitária ou se, pelo contrário, apenas se verifica coincidência lin-
guística e, em alguns casos, legislativo-sistemática, e na verdade existem
é muitas formas distintas e completamente diferentes entre si.
De um modo que parece juridicamente aproveitável, dir-se-á que
uma simples passagem pelos preceitos normativos constantes da LGT

305
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

e, principalmente, do CPPT permitirá concluir pela existência de uma


única forma processual denominada impugnação, não obstante essa
forma assumir diversas configurações (por exemplo, ao nível dos prazos
ou dos fundamentos) consoante o tipo de ato que esteja a ser impug-
nado. Isto porque, do próprio ponto de vista sistemático, este último
diploma é perentório ao abrir, dentro do titulo III (“Processo judicial
tributário”) um único capítulo (II) dedicado ao – e não aos – processo
de impugnação. Dentro deste único capítulo abrem-se posteriormente
vários tipos impugnatórios, como de seguida se verá.
Enfim, e em resumo, será sustentável afirmar que o elemento siste-
mático de interpretação se revelará decisivo e imporá a adoção da tese da
unicidade, no sentido de considerar a existência de apenas um processo
de impugnação judicial.
Agora, o que se verifica também é que nos desdobramentos jurídico-
-normativos subsequentes se impõe a conclusão de que tal processo não
se resume à mera ou simples apreciação da validade de atos tributários
de liquidação stricto sensu (atos de liquidação, como se sabe), sendo pa-
tente a intenção legislativa de abrir o mesmo a um conjunto de outros
atos, embora todos estes sempre relacionados, de modo mais ou menos
direto, com os primeiros. Neste seguimento, constata-se que o processo
de impugnação judicial pode ter como objeto, além dos atos de liqui-
dação (onde se incluem, naturalmente, os de auto-liquidação607), os se-
guintes atos em matéria tributária608:
– Atos de fixação da matéria tributável (horizontalmente definitivos);
– Atos de fixação de valores patrimoniais609;
– Atos administrativos em matéria tributária que comportem a apre-
ciação da legalidade do ato de liquidação610;
– Atos de agravamento à coleta611;
– Atos de retenção na fonte612;
– Atos de pagamento por conta613.

607
Cfr. art.º 131.º do CPPT.
608
Cfr., em geral, art.º 97.º, n.º 1, do CPPT.
609
Cfr. art.º 134.º do CPPT.
610
Cfr. art.º 76.º, n.º 2, do CPPT.
611
Cfr. art.º 77.º, n.º 3, do CPPT.
612
Cfr. art.º 132.º do CPPT.
613
Cfr. art.º 133.º do CPPT.

306
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

c) Recurso contencioso
Por outro lado, e uma vez que em muitos casos o chamamento do Tribu-
nal tributário pressupõe uma atuação administrativa prévia (com pon-
tuais exceções) a impugnação judicial configura-se como um recurso
do ato que resulta dessa atuação, falando-se, a tal propósito, em recurso
contencioso. Contudo, também aqui devem ser distinguidos um sentido
amplo e um sentido restrito:
– Em sentido amplo, recurso contencioso significa o meio processual
adequado para sindicar jurisdicionalmente um ato administra­tivo
(tributário), abrangendo todos os meios processuais em que tal
aconteça;
– Em sentido restrito, porém, deve ser entendido como o meio pro-
cessual adequado para sindicar um ato administrativo tributário,
mas em que não esteja em causa a apreciação da legalidade de um
ato de liquidação ou de um ato que comporta a apreciação da lega-
lidade de um ato de liquidação614, como será o que acontece, por
exemplo, quando o ato a impugnar seja um ato de indeferimento
ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando
dependentes de reconhecimento da Administração tributária.
Será, aqui, sinónimo de ação administrativa615.

Tendo em atenção estas referências, abordaremos o processo tributá-


rio de acordo com a seguinte sequência:
i) Em primeiro lugar, dedicaremos a nossa atenção aos tradicional-
mente designados “meios processuais principais”, e entre estes,
sucessivamente:
– O processo de impugnação judicial (ao qual será dedicada a
maior parcela de atenção),
– O recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tri-
butária que não envolvam a apreciação da legalidade do ato de
liquidação,
– A ação para reconhecimento de um direito ou interesse legal-
mente protegido em matéria tributária,
614
Deve-se entender que o ato que recusa a apreciação da legalidade da liquidação, não se
debruçando sobre esta, é suscetível de recurso contencioso e não de impugnação judicial,
uma vez que o Tribunal apenas sindicará o cumprimento da lei da parte do agente adminis-
trativo.
615
V. art.º 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT.

307
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– O processo de execução fiscal, e


– Outros meios processuais (v.g., intimação para um comporta-
mento, processos respeitantes à derrogação do sigilo bancário
pela AT).
ii) De seguida, debruçar-nos-emos sobre outros meios processuais
que assumem um carácter marcadamente secundário, como se-
jam os relativos ao contencioso cautelar;
iii) Finalmente, faremos referência aos recursos das decisões dos Tri-
bunais tributários (recursos jurisdicionais).

Nos desenvolvimentos deste percurso de análise, o foco analítico,


abarcando todos os meios referidos, incidirá com maior impulso no
processo de impugnação judicial, por ser – pode dizer-se – o meio mais
comum na jurisdição tributária. Por esse motivo, algumas das conside-
rações que a respeito desse processo se expendem (por exemplo, os
efeitos da decisão) podem, em geral, ser adaptadas aos restantes.

6.1.2. A escolha do meio processual adequado e o dever de correção


do processo (convolação)
Antes ainda de avançarmos, uma última referência (sumária) deve aqui
ser feita.
Em face do vasto arsenal de meios processuais, pode suceder que o
interessado, por razões várias – que podem ir desde o desconhecimento
da lei, à pouca familiaridade com a matéria tributária ou ao uso de con-
ceitos indeterminados por parte do legislador que pode introduzir al-
guma incerteza jurídica – não proceda à escolha do meio processual
adequado e conveniente à prossecução dos seus objetivos. Pode, por
exemplo, intentar uma ação para reconhecimento de direitos quando,
na realidade, deveria intentar um processo de impugnação judicial; ou
propor uma impugnação judicial, quando o meio acertado seria o recur-
so contencioso stricto sensu ou ação administrativa.
Nestes casos, a lei impõe ao Tribunal um verdadeiro dever de coo-
peração, determinando que este ordene a correção do processo para a
forma adequada616, de modo a permitir que o eventual lesado não saia

616
Cfr. art.º 97.º, n.º 3 da LGT e art.º 98.º, n.º 4 do CPPT. V., ainda, acórdãos do STA de 08 de
julho de 2009, processo n.º 0530/09, e de 12 de outubro de 2016, processo n.º 0424/16.

308
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

prejudicado apenas pela má escolha do instrumento de defesa. Trata-se


da figura da convolação.
Não se trata, contudo, de um dever abrangente e sem balizas, que
obrigue o Tribunal – e apenas deste aqui se fala – a corrigir todos os
absurdos processuais que lhe apareçam pela frente. Uma análise da ju-
risprudência do STA permite tendencialmente concluir que existem li-
mites ao dever referido, não sendo o mesmo aplicável, nomeadamente,
quando a improcedência ou a intempestividade da petição sejam mani-
festas617, ou aos diversos pedidos formulados correspondam diferentes
formas processuais618.
Será o que acontece, por exemplo, quando o contribuinte, em sede
de processo de impugnação judicial (destinado à anulação de atos tribu-
tários), solicita ao Tribunal tributário o arquivamento dos autos respei-
tante a um inquérito por prática de infrações fiscais.
Do mesmo modo, parece não ser de admitir, como regra, a convola-
ção de processo em procedimento ou vice-versa.

6.2. Processo de impugnação judicial

6.2.1. Natureza e âmbito e do processo


Em modo de aproximação, pode dizer-se que o processo de impugna-
ção judicial é um meio processual, exclusivo da jurisdição tributária, que
tem por objetivo a anulação total ou parcial de atos tributários. Como se
pode ver, estamos aqui perante uma garantia dos contribuintes que visa
exatamente o mesmo que visava a reclamação graciosa, com a diferença
de que esta decorria exclusivamente perante a Administração – daí se
tratar de uma garantia administrativa – e não, como é o caso do meio
que agora estudamos, perante o Tribunal.
Sobre a articulação de tal reclamação com o processo em análise
dire­mos algo adiante. Por agora, importa debruçar a nossa atenção sobre

617
Cfr., por exemplo, acórdão do STA de 6 de março de 2013, processo n.º 01234/12. Entre
outros, podem ainda referir-se os acórdãos do STA de 14 de fevereiro de 2013, processo
n.º 014/13; de 30 de janeiro de 2013, processo n.º 0820/12 e de 3 de maio de 2017, processo
n.º 0649/16.
618
Refere a respeito o STA (acórdão de 10 de abril de 2013, processo n.º 1159/12), que é pres-
suposto da convolação que toda a ação passe a tramitar segundo a nova forma processual e
não apenas quanto a algum dos seus fundamentos.

309
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

dois importantes aspetos deste processo: (i) a sua natureza e (ii) o seu
objeto.
i) Quanto à natureza do processo de impugnação judicial, pode-se le-
vantar a questão de saber se estamos perante uma verdadeira ação
ou um mero recurso. A consideração neste último sentido parte do
entendimento de que a impugnação judicial mais não seria do que
uma continuação do procedimento administrativo de liquidação e
cobrança dos tributos, acontecendo apenas a circunstância de que
tal procedimento teria culminado num ato supostamente invá­lido.
Contudo, este não parece ser o entendimento correto, uma vez
que, em rigor, com a impugnação judicial discute-se um verdadei-
ro conflito de interesses, e com a respetiva petição inicial nasce, de
facto, uma ação (um processo) autónoma(o).
ii) No que ao seu objeto diz respeito, levanta-se o problema de saber
se o processo de impugnação judicial tem por objeto a relação jurí­
dica tributária, ou antes o ato tributário, maxime o ato de liquidação.
Embora do ponto de vista do contribuinte fosse mais vantajosa esta
última visão – pois “anulavam-se” todos os efeitos jurídicos produ-
zidos no âmbito daquela relação jurídica, e não apenas os efeitos de
um único ato em concreto – o certo é que, indubitavelmente, é o
ato de liquidação (ou equiparado) o seu objeto.

Como se disse, o processo de impugnação pode ter por referência vá-


rios atos, podendo até levantar-se a questão de saber se não se deveria
antes falar em “impugnações”. Ainda assim, e por razões de comodidade
expositiva e discursiva, ter-se-á por referência, ao menos inicialmente
(neste apartado 6.2.), os atos de liquidação. Para o fim, deixar-se-ão as
menções aos restantes tipos de atos (6.2.8.).

6.2.2. Relações com a reclamação graciosa


Como dissemos, com a instauração de um processo de impugnação judi-
cial visa-se a anulação de um ato tributário. Ora, como bem nos recorda-
mos, esta é precisamente a mesma finalidade que presidia à reclamação
graciosa619. Assim sendo, cumpre perguntar: será que o legislador, num
ato de distração, colocou ao dispor do contribuinte dois meios – um admi­

619
Cfr. art.º 68.º do CPPT.

310
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

nistrativo, e um jurisdicional – que visam precisamente o mesmo e rela-


tivamente aos quais ele pode escolher simultânea a indiferentemente?
Será, assim, que o contribuinte pode:
i) Utilizar os dois meios aos mesmo tempo?
ii) Utilizar a impugnação judicial após ter perdido a reclamação gra-
ciosa? Ou
iii) Utilizar a reclamação graciosa após ter perdido a impugnação
judi­cial?
Sobre estes problemas debruçar-nos-emos de seguida.

Deve-se começar por observar que, naturalmente, o legislador não


colocou ao dispor dos contribuintes dois meios com os mesmos objeti-
vos e absolutamente iguais, apenas com a diferença de que um decorre
perante órgãos administrativos e o outro perante órgãos jurisdicionais.
Não se poderia aceitar, designadamente, que pudesse ser usado um ou
outro, ao sabor das conveniências casuísticas, pois a tal opor-se-ia quer
a congruência do sistema garantístico, quer o princípio da economia de
meios que a este deve presidir. Muito menos se poderia aceitar que se
usassem os dois simultaneamente – numa atuação do género “atirar o
barro à parede”–, com vista a obter num o que, eventualmente, não se
obteria no outro. Assim, reclamação e impugnação são duas garantias
distintas, com igualmente distintos espaços de atuação, apesar de terem
em comum os objetivos (como vimos, a anulação de atos tributários), os
fundamentos (“qualquer ilegalidade”), a inexistência de efeito suspen-
sivo da respetiva liquidação620 e, em certa medida, os prazos (em regra,
120 e 90 dias). Contudo, distinguem-se nos seguintes aspetos, em geral
condensados no art.º 69.º do CPPT, em referência à reclamação graciosa:
– O processo de impugnação é caracterizado por uma tramitação
formalizada e mais lenta – embora sempre tendo em atenção um
princípio de economia e celeridade –, enquanto a reclamação é ca-
racterizada pela “simplicidade de termos e brevidade das resolu-
ções”, bem assim como pela “dispensa de formalidades essenciais”.
Neste seguimento, enquanto o procedimento tributário deve ser
con­cluído no prazo de 4 meses e os respetivos atos devem ser pra-
ticados, em regra, no prazo de 8 dias621, o processo “não deve ter
620
Cfr. art.ºs 69.º, alínea f ) e 103.º, n.º 4 do CPPT. V., ainda, art.º 134.º, n.º 7.
621
V. art.º 57.º da LGT.

311
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

duração acumulada superior a dois anos contados entre a data da


respetiva instauração e a da decisão proferida em 1.ª instância que
lhe ponha termo” (art.º 96.º, n.º 2 do CPPT)622;
– Enquanto no processo são admitidos os “meios gerais de prova”
(art.º 115.º, n.º 1, do CPPT), na reclamação existe uma “limitação
dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais
de que os serviços disponham” [art.º 69.º, alínea e)]623;
– Por outro lado, as decisões do processo (sentenças) fazem caso jul-
gado, o que, obviamente, não acontece com as decisões do procedi-
mento, que são atos administrativos [alínea c)];
– Finalmente, enquanto no processo existe, nos termos legais, a sujei-
ção a custas judiciais624, a reclamação é caracterizada pela “isenção
de custas” [alínea d)]625.

Posto isto, cumpre averiguar como se procede à articulação entre


ambos os meios.
Deve-se assinalar, neste particular, que a instauração de uma recla-
mação graciosa não preclude o direito de interposição da impugnação
judicial. Admite-se, com efeito, que, depois de decidida a reclamação –
em sentido desfavorável para o contribuinte – ainda possa ser instaurada
a impugnação. De resto, a solução contrária seria violadora do princípio
constitucional do acesso o Direito (art.º 20.º da CRP) e poderia mesmo
violar o princípio da reserva da função jurisdicional (art.º 202.º da CRP),
pois estar-se-ia a admitir que a última palavra na resolução de um litígio
fosse subtraída aos Tribunais.

Vejamos agora o que pode acontecer se correrem simultaneamente a


reclamação e a impugnação em relação ao mesmo ato, ou seja se o con-

622
V. art.º 96.º, n.º 2, do CPPT. Contudo, em alguns casos especiais, e como já observamos,
tal prazo é de 90 dias (cfr. art.º 96.º, n.º 3, do CPPT).
623
Por aqui já se vê que, por exemplo, se o contribuinte quiser anular um ato de liquidação e
o único meio probatório de que dispõe é o recurso a testemunhas, não poderá, em princípio,
utilizar a reclamação graciosa, mas sim o processo de impugnação judicial.
624
Cfr. art.º 122.º, n.º 2, do CPPT, nos termos do qual “o impugnante, se decair no todo ou
em parte e tiver dado origem à causa, será condenado em custas e poderá sê-lo, também, em
sanção pecuniária, como litigante de má fé”.
625
Sem prejuízo, também já o sabemos, do “agravamento da coleta”, aplicado a título de
custas (art.º 77.º do CPPT.

312
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

tribuinte instaura ao mesmo tempo uma e outra, ou uma na pendência


da outra.
As soluções, em abstrato, poderiam divergir consoante os fundamen-
tos apresentados fossem os mesmos ou não. Contudo, tal parece não
acontecer. Ainda assim, cumpre distinguir:
i) Interposição da impugnação judicial após ter sido apresentada a
reclamação graciosa. Vale aqui a regra da apensação, prescrevendo,
a este respeito, o art.º 111.º, n.º 3 do CPPT: “caso haja sido apresenta-
da, anteriormente à receção da petição de impugnação, reclamação
graciosa relativamente ao mesmo ato, esta deve ser apensa à im-
pugnação judicial, no estado em que se encontrar, sendo conside-
rada, para todos os efeitos, no âmbito do processo de impugnação.”
Em face desta redação legislativa, tal regra parece valer quer para
os casos em que os fundamentos são os mesmos, quer para os casos
em que os fundamentos são diversos, numa solução divergente com
a prevista anteriormente (em que, se previa, consoante os casos, a
remessa imediata para Tribunal, ou a suspensão da reclamação).
ii) Interposição da reclamação graciosa após ter sido interposta a im-
pugnação judicial. Neste caso, a regra continua a ser a da apensa-
ção. Diz o n.º 4 do citado preceito: “caso, posteriormente à receção
da petição de impugnação, seja apresentada reclamação graciosa
relativamente ao mesmo ato e com diverso fundamento, deve esta
ser apensa à impugnação judicial, sendo igualmente considerada,
para todos os efeitos, no âmbito do processo de impugnação”.

6.2.3. Os fundamentos do processo (remissão)


Acerca dos fundamentos da impugnação judicial remetemos para o
que já dissemos a propósito dos fundamentos da reclamação graciosa,
na medida em que, como já o sabemos, eles identificam-se plenamente
(art.os 70.º, n.º 1 e 99.º do CPPT).
A título de referência, lembremos o carácter operativo do conceito
de ilegalidade (desconformidade com a ordem jurídica) e a natureza
não exaustiva dos fundamentos apresentados na lei626.

626
Apenas porque a questão tem sido recorrentemente colocada, saliente-se que a prescri-
ção da dívida não constitui vício invalidante do ato de liquidação e, por isso, não serve de
fundamento à impugnação. Assim, entre outros, acórdão do STA de 18 de junho de 2013,

313
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Talvez se justifique apenas uma breve menção a um dos fundamentos


mais recorrentes nesta sede – a prescrição da obrigação tributária.
Entende o STA:
“A prescrição da dívida resultante do ato tributário de liquidação
não constitui vício invalidante desse ato e por isso não serve de fun-
damento à respetiva impugnação, nem é nela de conhecimento ofi-
cioso. A circunstância da prescrição ser de conhecimento oficioso no
processo de execução fiscal, não legitima que no processo de impug-
nação possa ter a mesma natureza”.

Releva, entre outros motivos, o facto de a questão central que aqui se


discute é a validade do ato impugnado e não a exigibilidade da obriga-
ção nele contida.
Importa também recordar que, nos termos do art.º 117.º do CPPT a
impugnação dos atos tributários com base em erro na quantificação da
matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indire-
tos depende, em princípio, de prévia apresentação do pedido de revisão
da matéria tributável (art.º 91.º da LGT).

6.2.4. Tempestividade
Embora também já tenhamos feito referência aos prazos em que a
impugnação judicial deve ser interposta – pelo menos alguns deles –
impõe-se, agora, uma análise mais pormenorizada dos mesmos.
De modo a melhor compreendermos as regras de tempestividade
que aqui relevam, talvez seja aconselhável distinguir duas situações: por
um lado, (i) aquelas em que a impugnação é intentada, por assim dizer,
ab initio, ou seja, como modo de reação inicial e primeiro contra o ato
tributário potencialmente inválido; por outro lado, (ii) as situações em
que a impugnação não é o primeiro meio de reação do contribuinte,
mas antes o segundo, surgindo no seguimento de uma reclamação gra-
ciosa indeferida.
Vejamos, então.
i) Quando o contribuinte decide, desde logo, atacar o ato potencial-
mente inválido e lesivo diretamente em Tribunal, mediante a apre-

processo n.º 0217/13. V., também, acórdão do TCA-N de 16 de março de 2017, processo
n.º 01892/15.4BEBRG.

314
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

sentação de uma impugnação judicial, terá de o fazer no prazo de


3 meses (art.º 102.º, n.º 1 do CPPT), contados627:
– A partir do termo do prazo para pagamento voluntário, se o ato
que se pretende sindicar jurisdicionalmente é seguido de um ato
cobrança validamente notificado,
– A partir da notificação, se o ato que se pretende sindicar juris-
dicionalmente não é seguido de um ato cobrança, como sucede,
por exemplo, nos casos em que se apuram prejuízos fiscais,
– A partir do conhecimento, se o ato que se pretende sindicar
juris­dicionalmente, sendo lesivo, não estiver abrangido nos ca-
sos anteriores, ou
– A partir da citação do responsável subsidiário, em sede de pro-
cesso de execução fiscal628.
ii) Quando o contribuinte decide atacar o ato potencialmente invá­
lido e lesivo após ter reclamado graciosamente (e este meio ter sido,
naturalmente, indeferido), o prazo regra (recorda-se que existem
prazos especiais629) a observar será igualmente o de 3 meses, con-
tados:
– Da notificação, no caso de a reclamação ter sido indeferida ex-
pressamente [art.º 102.º, n.º 1, alínea b) do CPPT];
– Da formação da respetiva presunção, nos casos de indeferimento
tácito630.

Como adiante referiremos631, na medida em que aqui não está em


causa a prática de atos no processo judicial propriamente dito, à conta-
gem destes prazos aplicam-se regras substantivas (previstas no Código
civil632). As mais importantes consequências são:

627
Nos termos do art.º 102.º, n.º 4, do CPPT, o prazo referido no texto não prejudica a exis-
tência de outros. Deve-se salientar igualmente que se o fundamento for a nulidade, a im-
pugnação pode ser deduzida a todo o tempo (art.º 102.º, n.º 3, do CPPT).
628
Cfr. art.º 22.º, n.º 5, da LGT.
629
Cfr., por exemplo, art.º 131.º e ss. do CPPT.
630
Cfr. art.º 106.º do CPPT e 57.º, n.os 1 e 5, da LGT.
631
V. infra IV, 1.3.2., a).
632
Assim, art.º 20.º, n.º 1, do CPPT. Cfr., ainda, art.º 57.º, n.º 3 da LGT. Por último, v., por
exemplo, acórdãos do STA de 30 de janeiro de 2013, processo n.º 951/12 e de 22 de maiode
2013, processo n.º 0405/13 e acórdão do TCA-S de 19 de novembro de 2015, processo
n.º 09059/15.

315
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– O dia em que o evento ocorre (por exemplo, o termo do prazo


de pagamento voluntário ou a notificação) não se conta e o prazo
começa a correr no dia seguinte ao da verificação do evento;
– O prazo conta-se de forma contínua;
– Se o prazo terminar em domingo ou dia feriado, o termo do prazo
transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, pelo que o ato poderá
ser praticado até esse dia ;
– Se o ato tiver de ser praticado no Tribunal – por exemplo, a apresen-
tação da petição inicial – e o prazo terminar em dia em que os Tri-
bunais se encontrem encerrados em virtude do decurso do período
de férias judiciais, o termo do prazo transfere-se para o primeiro dia
útil seguinte ao fim das férias judiciais.

6.2.5. A tramitação

6.2.5.1. Iniciativa: a petição inicial


O processo de impugnação judicial inicia-se com a apresentação da pe-
tição de impugnação (petição inicial) por parte do sujeito com legitimi-
dade para o fazer – o sujeito passivo originário de imposto, o substituto,
o sucessor ou o responsável, consoante os casos –, e na qual ele solicita
ao Tribunal a anulação do ato lesivo em causa (em princípio, um ato tri-
butário de liquidação), com fundamento em ilegalidade633.
Tal petição, cuja interposição faz o interromper o prazo de prescrição
do tributo em causa634, deve ser635:
– Apresentada no Tribunal tributário competente (de acordo com os
critérios já estudados) ou no serviço periférico local onde haja sido

633
Quanto à coligação (sujeitos) e à cumulação de pedidos, cfr. art.º 104.º e 105.º do CPPT.
É importante salientar que nos casos em que a cumulação se afigure inapropriada, não deve
o Tribunal rejeitar liminarmente a petição, mas antes ordenar a notificação do impugnante
para, nos termos do disposto nos art.º 4.º, n.º 3 do CPTA, ex vi art.º 2.º, alínea c), do CPPT, e
no prazo de dez dias, esclarecer o pedido que quer ver apreciado. Só no caso do impugnante
nada dizer, poderá o Tribunal absolver a Fazenda Pública da instância, sem prejuízo do im-
pugnante poder, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 4 do CPTA, interpor nova impug-
nação no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, considerando-se apre-
sentada na data de entrada da primeira. Assim, acórdão do STA de 24 de janeiro de 2007,
processo n.º 0667/06. V., ainda, a respeito do tema da coligação, acórdãos de 14 de fevereiro
de 2013, processo n.º 01067/12 e de 6 de março de 2013, processo n.º 01327/12
634
Cfr. art.º 49.º, n.º 1, da LGT.
635
Cfr. art.º 103.º do CPPT.

316
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

ou deva legalmente considerar-se praticado o ato. Neste último caso


– i. é, a petição ser apresentada no serviço de finanças, o qual ape-
nas desempenha, neste âmbito material, a função de serviço recetor
das petições dirigidas ao Tribunal –, deve o órgão administrativo-
-tributário em causa proceder ao seu envio ao Tribunal tributário
competente no prazo de cinco dias (após o pagamento da taxa de
justiça inicial). De salientar que é possível, em lugar da apresenta-
ção direta, o envio da petição por correio sob registo (para as enti-
dades acima referidas, naturalmente), considerando-se a data deste
como aquela em que, para todos os efeitos, o ato foi praticado;
– Dirigida ao juiz do Tribunal competente;
– Articulada; e
– Elaborada em triplicado (art.º 108.º do CPPT).

Quanto à substância, ela deverá conter636:


i) A identificação do ato impugnado;
ii) A identificação da entidade que praticou esse ato;
iii) O pedido, que consiste no efeito jurídico que se pretende obter (a
anulação do ato);
iv) A causa de pedir, que “no contencioso tributário de anulação con-
siste nos vícios específicos que se invocam para obter o preten­
dido efeito invalidante do ato impugnado”637;
v) A exposição dos factos que fundamentam o pedido; e
vi) A indicação do valor da causa ou a forma como se pretende a sua
determinação (a efetuar pelos serviços competentes da Adminis-
tração tributária)638.

Existindo, por parte do Tribunal, dúvidas sobre o sentido e alcance


dos enunciados utilizados pelo impugnante na respetiva petição, esta
deverá ser interpretada de acordo os princípios comuns à interpreta-
ção das declarações negociais, ou seja, procurando buscar o sentido que
um declaratário normalmente diligente pode e deve apreender dos seus
termos verbais, “postergando interpretações meramente ritualistas e
formais”. Sendo razoável e viável, deve seguir-se uma ideia de utilidade
636
Cfr. art.º 108.º, n.os 1 e 2, do CPPT.
637
V. acórdão do TCA-S de 14 de maio de 2002, processo n.º 1707/99.
638
Cfr. art.º 97.º -A do CPPT.

317
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

“de modo a potenciar sempre que possível a emissão de pronúncias de


mérito”639 (princípio da aproveitabilidade dos atos). De resto, a petição
inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pe-
dido ou da causa de pedir, o pedido esteja em contradição com a causa
de pedir, ou se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente
incompatíveis640.
Nestes casos, e como consequência da ineptidão, todo o processo
será nulo641, constituindo uma exceção dilatória642, e é absolvida a Fa-
zenda Pública da instância643. Todavia, atente-se que tal declaração de
nulidade pode não ser imediata ou automática, pois a jurisprudência
tem entendido – no que nos parece ser uma visão demasiado “prote­
tora” do contribuinte e desresponsabilizante dos atores processuais que
o representam – que não são relevantes para determinar a nulidade da
petição meras deficiências de qualificação jurídica, não devendo ser jul-
gada inepta a petição na qual, não obstante a falta de rigor técnico na
formulação do pedido (por exemplo, pedir a revogação de um ato e não
a sua anulação), este dá a conhecer o efeito jurídico que se pretendia
obter por intermédio do Tribunal. Na verdade, entende o STA que “não
impondo a lei os termos ou expressões a utilizar na formulação do pedido,
haverá que afastar a exigência de fórmulas sacramentais, rígidas ou in-
substituíveis em tal matéria”644.
Além disso, nos casos de pedidos incompatíveis – acima referidos –,
e por força da aplicação supletiva do art.º 4.º do CPTA, impõe-se que
o Tribunal ordene a notificação do impugnante para, no prazo de dez
dias, esclarecer o pedido que quer ver apreciado e só no caso de ele nada
dizer, deve ser a Fazenda pública absolvida da instância645. Além disso,
o impugnante sempre pode interpor nova impugnação no prazo de 30
dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, considerando-se as pe-
tições apresentadas na data de entrada da primeira646.
639
V. acórdão do STA de 13 de outubro de 2010, processo n.º 0241/10.
640
Cfr. art.º 186.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 2.º, alínea e), do CPPT.
641
Cfr. art.º 98.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.
642
Cfr. art.º 577.º, alínea b), do CPC.
643
Cfr. art.º 576.º, n.º 2 do CPC.
644
Cfr. acórdãos do STA de 26 de abril de 2007, processo n.º 01202/06, e de 17 de maio de
2017, processo n.º 0362/17.
645
Cfr. art.º 4.º, n.º 3 do CPTA, ex vi art.º 2.º, alínea c), do CPPT.
646
Idem, n.º 4. Cfr., ainda, acórdão do STA de 24 de janeiro de 2007, processo n.º 0667/06.

318
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Por fim, é importantíssimo notar que, juntamente com a petição, de-


verá o impugnante, desde já, e nos termos do art.º 108.º, n.º 3 do CPPT,
indicar os meios de prova de que se pretende socorrer, sob pena de mais
tarde o não poder fazer (princípio da preclusão)647.
Deve igualmente, se assim o entender, requerer a prestação de ga-
rantia, com o objetivo de atribuir efeito suspensivo à impugnação648.

6.2.5.2. Defesa: a contestação


Após a apresentação da petição inicial, nos termos, local e prazos des-
critos, e após a sua distribuição dentro do Tribunal, deve o juiz notificar
a contra-parte, mais precisamente o representante da Fazenda Pública,
para responder. Estamos, como é bom de ver, na fase da defesa, ato ma-
terial que ganha corpo através de uma peça processual denominada
contestação. Aqui, no prazo de 3 meses (prazo geral) após a notificação
do juiz, deve aquele representante649 contestar e solicitar a produção de
prova adicional, em relação à que já foi solicitada pelo impugnante650.
Como sabemos, em geral, o demandado – neste caso, a Administra-
ção tributária ou Fazenda Pública – pode defender-se por impugnação
ou por exceção. No que particularmente à defesa por impugnação diz
respeito, poder-se-ia colocar a seguinte questão: pode tal defesa ser feita
“em bloco”, negando de uma forma global e unitária todos os factos adu-
zidos pelo autor-impugnante? Ou, pelo contrário, deve tal defesa ser
feita facto a facto (ou artigo a artigo, uma vez que a petição deve ser ar-
ticulada), recaindo sobre o impugnante um ónus de impugnação espe-
cificada? O código limita-se, neste ponto, a conceder ao juiz um espaço
discricionário, no âmbito do qual ele “aprecia livremente” a situação
refe­rida651, podendo, se assim o entender, considerar os factos não im-
pugnados como provados, não provados, etc.
Com a contestação, o Representante da Fazenda Pública remete ao
tribunal, por via eletrónica, o processo administrativo – aqui, no sen­tido

647
Cfr., em outro contexto todavia, acórdão do STA de 23 de abril de 2013, processo
n.º 0522/13.
648
Cfr. art.º 103.º, n.º 4, do CPPT. Para desenvolvimentos, v. supra, Introdução, 5.3.
649
Cfr. art.º 54.º do ETAF.
650
Cfr. art.º 110.º, n.º 1, do CPPT.
651
Cfr. art.º 110.º, n.º 7 do CPPT.

319
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

de dossier, documentação – que lhe tenha sido enviado pelos serviços,


para todos os efeitos legais652.
Por outro lado, a falta, de todo, de contestação por parte do repre-
sentante da Fazenda Pública “não representa a confissão dos factos arti­
culados pelo impugnante” (art.º 110.º, n.º 6), solução que bem se com-
preende, em face da natureza pública, coativa e indisponível dos bens e
direitos em litígio.

6.2.5.3. Decisão pré- instrutória ou preliminar


Após a contestação (ou na sua ausência), e ainda antes de se passar à
fase da instrução – a fase que, normalmente, se lhe seguiria – três rumos
distintos pode tomar o processo. Assim:
i) Em primeiro lugar, pode o ato em causa ser revogado, no prazo de
30 dias, pelo dirigente do órgão periférico regional – caso o valor
do processo não exceda o valor da alçada do Tribunal tributário de
1.ª instância – ou pelo dirigente máximo do serviço – caso exceda
esse valor653. Se tal acontecer, em princípio, a instância é julgada
extinta, e sem custas, por inutilidade superveniente, a não ser que
se trate de mera revogação parcial do ato em análise, ou que o juiz
entenda que a instância deve prosseguir para apreciação de um
eventual pedido indemnizatório suscitado654. Esta possibilidade
de revogação, além de poder constituir um importante fator de

652
Assim, art.º 110.º, n.º 4, do CPPT. Sem prejuízo, o juiz pode, a todo o tempo, ordenar ao
serviço periférico local a remessa, por via eletrónica, do processo administrativo, mesmo na
falta de contestação do representante da Fazenda Pública (n.º 5).
653
Cfr. art.º 112.º, n.os 1 e 2 do CPPT. Note-se que, nos termos do n.º 3 do referido art.º 112.º,
se o ato impugnado for revogado parcialmente, o órgão que procede à revogação deve, em
3 dias, notificar o impugnante para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o pro-
cesso se o impugnante nada disser ou declarar que mantém a impugnação. Por outro lado,
nessa mesma situação (revogação parcial), deve o representante da Fazenda Pública ser no-
tificado, podendo este contestar no prazo de 30 dias. 112.º, n.º 5 do CPPT.
654
Cfr., por exemplo, acórdão do STA de 22 de março de 2006, processo n.º 0773/05. Re-
corde-se que esta revogação administrativa não pode ser considerada uma “anulação oficiosa
por iniciativa da Administração Tributária”, para efeitos do que dispõe a alínea b) do n.º 3
do artigo 43.º da LGT. Isto porque, tendo a anulação tido lugar apenas depois de apresen-
tada a impugnação judicial, tal significa que o ato tributário foi revogado já no âmbito pro-
cessual e não verdadeiramente por iniciativa administrativa. Admitir o contrário significaria
con­ferir ao autor do ato a possibilidade de evitar o pagamento de juros indemnizatórios nos
casos em que ocorre um erro que lhe é imputável, bastando para tal limitar-se a revogar o

320
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

celeridade e des-jurisdicionalização – retirando do Tribunal uma


questão evitável – materializa uma “oportunidade que o legisla-
dor intentou dar à autoridade competente, para que esta pudesse
resolver a controvérsia posta ao Tribunal, numa tentativa de evi-
tar uma certa deterioração da imagem da administração que um
desfecho contencioso para ela desfavorável sempre acarreta” 655.
ii) Em segundo lugar, pode o juiz proferir um despacho de aperfeiçoa-
mento ou de correção. Com efeito, refere o art.º 110.º, n.º 2 que “o
juiz pode convidar o impugnante a suprir, no prazo que designar,
qualquer deficiência ou irregularidade” 656, no que consiste uma
afloração do princípio da cooperação.
iii) Em terceiro lugar, pode o juiz, após vista ao Ministério Público
– mas sem necessidade de notificar as partes de tal decisão 657–,
conhecer de imediato do fundo da questão em análise. Tal acontecerá se
a questão for apenas de Direito ou, sendo também de facto, o pro-
cesso fornecer os elementos necessários658. Porém, refere o STA,
neste contexto, que um eventual indeferimento liminar “é um

ato no prazo da sua contestação. Cfr. acórdão do STA de 17 de novembro de 2010, processo
n.º 0467/10.
655
Cfr. acórdão do STA de 14 de fevereiro de 2002, processo n.º 022169.
656
Da mesma forma, prescreve o art.º 97.º, n.º e da LGT que “ordenar-se-á a correção do
processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”.
657
V., a respeito, acórdão do TCA–S de 19 de outubro de 2004, processo n.º 07203/02, onde
se pode ler: “A lei não impõe qualquer despacho em que o juiz exprima o seu juízo sobre a
possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implí-
cito na tramitação que imprimir ao processo: se ordenar a realização de qualquer diligência
de prova, quer ela tenha sido requerida pelo impugnante ou pela Fazenda Pública, quer o
faça ex officio, é porque entende que o processo ainda não reúne as condições para conhe-
cer do pedido; se proferir sentença de imediato, é porque entende desnecessária a produ-
ção de prova. (...). Aliás, qual seria a utilidade desse despacho? Se o juiz entende conhecer
imediatamente do pedido, não vemos por que há-de proferir despacho a anunciar que o vai
fazer e só depois conhecer do pedido, ao invés de fazê-lo de imediato. Tal despacho não te-
ria utilidade alguma, nem sequer a de dar a conhecer ao impugnante e à Fazenda Pública
que não houve lugar à produção de prova. É que as partes, logo que notificadas da sentença,
facilmente se podem aperceber de que não houve fase de instrução, quer porque não foram
notificadas da prática de quaisquer diligências instrutórias, quer porque não foram notifi-
cadas para alegar nos termos do art.º 120.º do CPPT, quer porque na sentença não existirá
qualquer referência àquelas diligências na apreciação crítica dos elementos de prova que o
juiz utilizou para formar a sua convicção”.
658
Cfr. art.º 113.º, n.º 1, do CPPT.

321
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

mecanismo a usar com cautela, só devendo ter lugar quando da


simples apreciação do pedido formulado resulte com força irrecu-
sável e sem margem para dúvidas que este não pode proceder”, e
se afigure inútil qualquer diligência instrutória posterior659.

6.2.5.4. A instrução
A fase seguinte é a fase da instrução – aquela fase em que são carreados
para o processo os elementos de prova necessários para a tomada de de-
cisão por parte do juiz.
Como é sabido, as provas “têm por função a demonstração da reali-
dade dos factos”660 e, em função destes últimos, podem assumir natu­
reza muito diversa (v.g., documentos, depoimentos, inspeções).
No que diz particularmente respeito ao arsenal probatório no pro-
cesso de impugnação judicial –­­ e diferentemente do que acontece em
sede de reclamação graciosa – são admitidos os meios gerais de prova661,
merecendo particular destaque662:
i) A prova documental, seja mediante documentos autênticos (os
que são “exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades
públicas nos limites da sua competência”), seja mediante do­
cumentos particulares (os restantes), desde que o juiz lhe atribua
relevância probatória. Refira-se a este propósito que a genuinidade
de qualquer documento deve ser impugnada no prazo de 10 dias
após a sua apresentação ou junção ao processo663.
ii) A prova testemunhal, que resulta da transmissão ao Tribunal, por
certas pessoas – que não poderá exceder o número de 3 por cada
facto e 10 por cada ato tributário impugnado –, de informações de
facto que interessam à decisão da causa664.

659
Assim, acórdão do STA de 23 de novembro de 2005, processo n.º 0612/05. Acerca da
consideração do indeferimento liminar como um elemento de proteção em face da “litigân-
cia persecutória e aleatória” (“processos infundamentados ou mesmo absurdos”), v. acórdão
do TC n.º 160/2007.
660
Cfr. art.º 341.º do CC.
661
V. art.º 115.º, n.º 1, do CPPT.
662
Para especificidades de regime, cfr. os diversos números dos artigos 115.º a 119.º do CPPT.
663
V. art.º 115.º, n.º 4, do CPPT.
664
Cfr. art.º 118.º, n.º 1, do CPPT. V., a propósito, acórdão do TCA – N de 21 de outubro de
2004, processo n.º 00063/04.

322
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

iii) A prova pericial, que já diz respeito não à simples perceção de fac-
tos (como as testemunhas), mas também à apreciação ou valoração
dos mesmos. Neste caso, torna-se indispensável que a apreensão
dos factos assente sobre conhecimentos especiais de base científi-
ca, técnica ou experiencial que o Tribunal não possui, estando na
disponibilidade deste (oficiosamente ou a requerimento) recorrer
ou não a este tipo de prova665.

Como já foi referido, vale aqui, ou melhor vale também aqui, o prin-
cípio segundo o qual o juiz pode praticar e ordenar a prática das dili-
gências de produção de prova – diligências essas que serão efetuadas no
Tribunal666 – que entenda convenientes para o apuramento da verdade
material (princípio do inquisitório), não estando limitado ao material apre-
sentado pelas partes. De resto, o juiz pode mesmo entender não levar à
prática as diligências probatórias requeridas pelas partes (v.g., inquiri-
ção de testemunhas, audição de um perito) – e sem estar a incorrer em
nulidade processual –, na medida em que lhe incumbe avaliar se já tem
ao seu dispor todos os elementos relevantes para decidir e, sendo caso
disso, ter conhecimento já imediato da questão667.
Além disso, o juiz goza de prerrogativas de livre apreciação das provas,
o que significa que o mesmo pode valorá-las de modo amplo, conside-
rando o seu próprio modo de entender e percecionar a realidade – de-
signadamente, apelando a parâmetros de racionalidade e a regras da
experiência –, sem, contudo, introduzir na fundamentação aspetos abso­
lutamente subjetivos ou respeitantes a convicções pessoais. Neste par-
ticular, têm os Tribunais entendido que “[s]e a decisão do julgador, de-
vidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as
regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser
proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre
convicção”668. Por conseguinte, pode o juiz credibilizar ou não credibili-
zar determinado depoimento; atribuir maior ou menor preponderância
ao resultado de uma peritagem; ou interpretar certas atuações num sen-

665
Cfr. art.º 116.º, n.os 1 e 2, do CPPT.
666
Cfr. art.º 114.º do CPPT.
667
V. acórdão do STA de 14 de setembro de 2016, processo n.º 0946/16.
668
Assim, acórdão do TCA-N de 15 de outubro de 2015, processo n.º 00942/07.2BEPRT.

323
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

tido ou em outro. Repete-se, contudo: sem introduzir na fundamenta-


ção subjetivismos ou convicções pessoais.
Importa notar que a referência ao “juiz”, neste contexto, traz ínsita
a aplicação do princípio da plenitude da assistência, já atrás analisado, e
nos termos do qual o magistrado que assiste à produção de prova dever
ser o mesmo que mais tarde prolata a sentença e aplica o Direito aos
factos669.
Esta é uma das fases mais importantes de todo o processo, na qual o
impugnante/contribuinte, mais do que em qualquer outra fase, deverá
lançar mão de todas as armas processuais legítimas de que disponha, na
medida em que se da prova produzida resultar a fundada dúvida sobre a
existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado
ser anulado (in dubio contra fiscum)670.

6.2.5.5. Alegações
Finda a produção da prova, segue-se uma fase que era tradicionalmente
obrigatória e que passou a eventual, fruto de recentes alterações legisla-
tivas: as alegações671.
Com efeito, nos termos do art.º 120.º do CPPT, a notificação para as
partes alegarem por escrito fica dependente da verificação de uma de
duas condições:
i) Haja sido produzida prova que não conste do processo (dossier) ad-
ministrativo; ou
ii) O Tribunal o entenda necessário.

Em tais casos, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alega-


rem por escrito no prazo simultâneo fixado pelo juiz, a fixar entre 10 a
30 dias (poder discricionário deste).

669
V. art.º 114.º, in fine, do CPPT. V., supra, II., apartado 2.9.
670
V. art.º 100.º, n.º 1, do CPPT e acórdão do TCA-Sul de 18 de junho de 2015, processo
n.º 07452/14. Sobre as denominadas “provas diabólicas” (como as provas de factos negati-
vos) v. acórdãos do STA de 05 de julho de 2012, processo n.º 0286/12; do TCA-N de 14 de
março de 2013, processo n.º 00997/12.8BEPRT; ou do TCA-S de 19 de fevereiro de 2013,
processo n.º 06372/13.
671
Cfr. art.º 3.º da Lei 118/2019 que alterou, entre muitos outros, o art.º 120.º do CPPT.

324
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Trata-se de uma fase na qual se procurará, através da discussão crí­


tica – escrita, nunca oral – das provas entretanto produzidas (em Tribu-
nal, recorde-se), “separar o trigo do joio”, isto é, os factos que se podem
considerar provados e os que não se podem, de modo a que o juiz pos-
sa captar com plenitude a realidade que lhe é colocada à frente e possa
decidir de uma forma inequívoca. Visa-se possibilitar aos interessados
pronunciarem-se criticamente sobre a apreciação das provas, com vista
ao julgamento, e sobre as questões jurídicas que são objeto do processo,
constituindo as alegações o encerramento da fase da discussão da causa
na 1.ª instância672.
Será importante salientar que, de acordo com a jurisprudência do
STA, o facto de as partes terem tido oportunidade de se pronunciar so-
bre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as
alegações673. Além disso, quase será desnecessária a referência ao facto
de que, neste momento, já não é permitida a produção de prova a re-
querimento das partes – não são se trata de produção de prova, mas de
“argumentação”674 –, embora se admita que o possa ser por iniciativa do
juiz (princípio do inquisitório).
A falta de alegações motivada pela ausência de notificação para a sua
apresentação, podendo ter influência na decisão final, é fundamento de
nulidade processual675.

Naturalmente, e relacionado com o anteriormente dito, não haverá


lugar à notificação para alegações nas seguintes situações:
i) Se o juiz conhecer imediatamente do pedido;
ii) Se toda a prova constar do processo (dossier) administrativo; ou
iii) Se o Tribunal o entender desnecessário.

6.2.5.6. Vista ao Ministério Público


Antes da prolação da sentença, e após as alegações terem sido apresen-
tadas – ou decorrido o respetivo prazo – “o juiz dará vista ao Ministério

672
Assim, acórdãos do STA de 17 de maio de 2017, processo n.º 0302/17, e do TCA – S de 19
de outubro de 2004.
673
Assim, acórdão do STA de 02 de junho de 2010, processo n.º 026/10
674
Assim, declaração de voto da Conselheira Ana Paula Lobo, anexa ao acórdão do STA de
03 de julho de 2019, processo n.º 0499/04.6BECTB 01522/15.
675
V., uma vez mais, acórdão do STA de 02 de junho de 2010, processo n.º 026/10.

325
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as ques-


tões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar
outras nos termos das suas competências legais”676.
Acerca desta importante fase – onde se evidencia de uma forma par-
ticularmente expressiva o relevantíssimo papel do Ministério Público
enquanto defensor da legalidade e do Interesse público – várias obser-
vações merecem saliência:
– Em primeiro lugar, e como diz o próprio CPPT (art.º 121.º, n.º 2), se
o Ministério Público suscitar questão que obste ao conhecimento
do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da
Fa­zenda Pública677;
– Em segundo lugar, aberta a vista, o Ministério Público pode requer
uma nova diligência. Se for o caso, e tal diligência for deferida pelo
juiz e depois levada a efeito – o que pode não acontecer, pois o juiz
não está obrigado a tal678 – impõe-se, antes da sentença, uma nova
vista ao Ministério Público. Caso tal não aconteça – i. é, o juiz profere
decisão sem nova vista – estaremos perante um caso de nulidade da
sentença, que poderá ser arguida aquando do recurso desta679.
– Além disso, defende a jurisprudência que o Ministério Público
pode também arguir vícios novos680. Neste caso, está o juiz obri-
gado a pronunciar-se expressamente sobre tais vícios, sob pena de
nulidade da sentença por omissão de pronúncia681.

6.2.5.7. Sentença
Finalmente, serão os autos conclusos para decisão do juiz, que profe­
rirá sentença, que deverá ser posteriormente notificada (no prazo de
10 dias) ao Ministério Público, ao impugnante e ao representante da
Fazenda Pública682.

676
V. art.º 121.º, n.º 1, do CPPT.
677
V. acórdãos do STA de 6 de março de 2013, processo n.º 0842/12 e de 14 de setembro de
2016, processo n.º 0946/16.
678
Cfr. acórdão do STA de 4 de março de 1998, processo n.º 020830.
679
Assim, acórdão do STA de 18 de junho de 2003, processo n.º 0807/03.
680
Cf. acórdãos do STA de 31 de outubro de 2000, processo n.º 025516 e de 15 de maio de
2013, processo n.º 01021/12.
681
Neste sentido, acórdãos do STA de 5 de novembro de 1997, processo n.º 021043 e de 15 de
março de 1998, processo n.º 020830.
682
V. art.os 122.º, n.º 1, e 126.º do CPPT.

326
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Esse juiz, de acordo com a jurisprudência, não tem que ser o mesmo
que presidiu à instrução683.
Nos termos do art.º 123.º, “a sentença identificará os interessados e
os factos objeto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e res-
petivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fa­zenda
Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal
cumpre solucionar”. Além disso, deve o juiz discriminar, de uma forma
fundamentada, a matéria provada da não provada.
A sentença será nula se684:
– Faltar a assinatura do juiz;
– Não forem especificados os fundamentos (de facto e de Direito) da
decisão685;
– Houver oposição entre os fundamentos e a decisão686;
– O juiz não se pronunciar sobre questões que deva obrigatoriamente
fazê-lo (v.g., por serem de conhecimento oficioso);
– O juiz se pronunciar sobre questões que não deva conhecer (ex­
cesso de pronúncia).

No que diz respeito ao seu conhecimento, a falta da assinatura do


juiz pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento dos interessados,
enquanto for possível obtê-la, devendo o juiz declarar a data em que

683
Assim, acórdão do TCA-S de 12 de julho de 2017, processo n.º 415/12.1BEBJA.
684
V. art.º 125.º, n.º 1, do CPPT.
685
Sobre o dever de fundamentação, v. acórdãos do STA de 16 de janeiro de 2013, processo
n.º 0343/12; de 6 de março de 2013, processo n.º 0828/12; de 6 de maio de 2015, processo
n.º 01340/14, e acórdãos do TCA-S de 19 de fevereiro de 2015, processo n.º 05336/12 e de
10 de novembro de 2016, processo n.º 09865/16. Neste particular (lê-se nesta última deci-
são), constitui jurisprudência reiterada e constante do STA, que “apenas a absoluta falta de
fundamentação” – e não também a fundamentação medíocre, insuficiente, incongruente ou
contraditória – é geradora de nulidade da decisão, sendo que “aqueles outros vícios poderão
afetar o seu valor doutrinal, sujeitando-a ao risco de ser revogada no recurso, mas não deter-
minando a respetiva nulidade”.
686
Em referência específica a estes casos refere o STA (acórdão de 28 de julho de 2010, pro-
cesso n.º 0477/10: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se,
na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apon­
tando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou
divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”. V. também, do mesmo Tribunal,
acórdão de 12 de maio de 2016, processo n.º 01441/15.

327
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

assina687, ao passo que as restantes causas de nulidade da sentença, de-


vem ser arguidas pelas partes.
Observe-se que a oposição entre os fundamentos e a decisão não se
confunde com o erro na subsunção dos factos nem com o erro na inter-
pretação das normas. Na verdade, nas situações em que o juiz entende
– porventura erroneamente – que dos factos apurados resulta deter-
minada consequência jurídica e esta sua convicção é retirada direta ou
indiretamente da fundamentação, encontramo-nos perante a distinta fi-
gura do erro de julgamento688.
No que particularmente concerne ao excesso de pronúncia, acima
referido, deve salientar-se que apenas releva para tal fim a parte dispo-
sitiva da sentença e não a sua fundamentação. Significa isto que quando
a lei se refere a “questões” que o juiz não deva conhecer não tem em
vista nem abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas
partes – até porque esse mesmo juiz é livre na qualificação jurídica dos
factos –, mas “reporta-se apenas às pretensões formuladas ou aos ele-
mentos inerentes ao pedido e à causa de pedir”689. Como situação que
materializa um tal excesso pode apontar-se, por exemplo, o conheci-
mento por parte do juiz do mérito da questão após ter concluído pela
existência de uma exceção dilatória. Neste caso, o Tribunal tinha apenas
de absolver da instância, estando-lhe vedado o conhecimento do mérito
da impugnação 690.
A partir daqui, e como se compreende, extingue-se o poder juris-
dicional do juiz em relação ao litígio. De facto, dirimido o conflito, e
porque o poder jurisdicional só está conferido ao juiz como mero ins-
trumento legal para o decidir, deixa de estar habilitado a partir do mo-
mento em que já o exerceu.
Esta regra encontra o seu fundamento no princípio da segurança
jurí­dica e na ideia de que “só assim se pode estruturar um sistema orde­
nado de recursos, pois, de contrário, ficaria por saber que reconside­

687
Cfr. art.º 125.º, n.º 2 do CPPT.
688
V. acórdão do STA de 6 de maio de 2015, processo n.º 01340/14.
689
Neste sentido, acórdãos do TCA-S de 12 de outubro de 2004, processo n.º 00093/04 e de
20 de outubro de 2009, processo n.º 03206/09.
690
Cfr. n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art.º 2.º do CPPT, e acór-
dãos do STA de 2 de junho de 2010, processo n.º 0154/10 e de 6 de novembro de 2014, pro-
cesso n.º 01751/13.

328
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

ração da anterior decisão haveria de ser elegida para objeto do recurso”.


Por outras palavras, a possibilidade de livre alteração do decidido por
banda do juiz seria “de todo em todo intolerável, sob pena de criar a
desordem, a incerteza, a confusão”.
Além disso, propicia-se que o juiz, interiorizando a consciência de
que apenas pode exercer o poder de decidir a questão de uma vez, o faça
com acrescidas cautelas e com ponderação de todas as regras legais691.

6.2.6. Os efeitos da decisão (execução do julgado)


Como dissemos, o processo de impugnação judicial visa a anulação de
atos tributários.
Estamos, portanto, em presença de um contencioso anulatório, no
âmbito do qual a tutela é indireta, ou seja, não se opera pela restauração
direta da situação individual do lesado, mas apenas mediante a posterior
e necessária atuação da Administração, que deve tomar as providencias
adequadas para que a decisão do Tribunal produza os seus efeitos692.
Precisemos os contornos desta afirmação.
Em caso de procedência da pretensão do sujeito passivo, a ideia de
caso julgado e o princípio constitucional da prevalência das decisões judi­
ciais acarretam que sobre a Administração impendam dois deveres693:
i) Em primeiro lugar, o dever de reconstituir a legalidade do ato ou
situação objeto do litígio – trata-se de fazer com que o ato impug-
nado desapareça do ordenamento e que as coisas voltem a ser re-
postas no estado em que se encontrariam se tal ato não tivesse sido
praticado. Tal passa, em particular, pela restituição da quantia que
ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez. Natu-
ralmente que, em face da factualidade do caso em concreto e tendo
em conta as regras de tempestividade (v.g., prazos de caducidade),
a Administração pode praticar um novo ato (agora, legal) que ocu-
pa o lugar do anulado. Não pode é, contudo, praticar um ato idên-
tico ao anterior, sob pena de violar o caso julgado. Refere a este

691
V., a respeito, acórdão do STA de 24 de janeiro de 2007, processo n.º 0159/06 e de 3 de
fevereiro de 2010, processo n.º 01018/19.
692
Cfr. acórdãos do STA de 20 de outubro de 2004, processo n.º 01076/03 e de 11 de outu-
bro de 2006, processo n.º 01121/05.
693
Cfr. art.os 205.º, n.º 2, da CRP e 100.º da LGT.

329
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

respeito a jurisprudência que “se os vícios detetados no ato pelo


tribunal são de ordem formal, a Administração pode renová-lo, o
que, na prática, se traduz na produção de um novo ato que ocupa o
lugar do anulado e que deve respeitar a forma antes desobedecida.
Mas se, ao invés, a anulação assentou na verificação de vícios de
natureza substancial (...), a Administração, para honrar o julgado,
não pode voltar a socorrer-se do mesmo quadro normativo. Se o
fizer reincide na mesma ilegalidade; além de, desta feita, incorrer
noutra, ao desrespeitar o caso julgado”694.
ii) Em segundo lugar, o dever de, sendo caso disso, pagar juros in-
demnizatórios para compensar o contribuinte pela privação dos
meios monetários que foi obrigado a entregar ao Fisco. Estes juros
são devidos quando se prove que houve erro imputável aos serviços –
em situações nas quais a AT tinha possibilidade de escolha695 – de
que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior
ao legalmente devido, e não dependem da existência de qualquer
sentença que expressamente os preveja, pois trata-se de uma obri-
gação que se constitui pelo simples facto de o ato tributário ter sido
anulado696/697.

Contudo, importa salientar que a prevalência do caso julgado não


pode significar a existência de sentenças impositivas, através das quais o
Tribunal imponha condutas reconstitutivas à Administração. Uma vez

694
Assim, acórdão do STA de 11 de outubro de 2006, processo n.º 01121/05.
695
V. acórdão do STA de 30 de janeiro de 2019, processo n.º 0564/18.2BALSB.
696
V. art.º 43.º, n.º 1 da LGT. Saliente-se que muito embora o preceito refira as expressões
“reclamação graciosa” e “impugnação judicial” estas “não devem ser interpretadas literal-
mente, mas sim extensivamente, por forma a abranger outros meios administrativos e con-
tenciosos que os sujeitos passivos têm ao seu dispor para impugnação dos atos de liquida-
ção” (assim, acórdãos do STA de 03 de maiode 2006, processo n.º 0350/06 e TCA-S de 26
de junho de 2014, processo n.º 07726/14). Refira-se que, igualmente, pode haver lugar ao
pagamento de juros moratórios (art.º 102.º, n.º 2 da LGT); a respeito destes, v. acórdãos do
STA de 07 de março de 2007, processo n.º 01220/06 e do TCA-S de 28 de abril de 2016, pro-
cesso n.º 08784/15.
697
Quanto à possibilidade de cumulação de juros indemnizatórios e moratórios sobre a
mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo, o STA inverteu aquela que
constituía a sua posição (por exemplo, ínsita no acórdão de 06 de fevereiro de 2013, pro­
cesso n.º 01114/12), passando a admitir expressamente tal possibilidade – cfr. acórdão do
STA de 07 de junho 2017, processo n.º 0279/17.

330
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

que se trata aqui de um contencioso de mera anulação, ao Tribunal “com­


pete apenas aferir da legalidade das liquidações impugnadas e, caso en-
tenda que as mesmas enfermam de vício que determina a sua anulação,
anulá-las”698. Não pode, no seguimento da decisão, determinar quais os
procedimentos a seguir pela Administração na reconstituição da lega­
lidade.
Se eventualmente, se vier a constatar que a Administração não ado-
tou todos os comportamentos pertinentes para esse fim, então deve-se
lançar mão do meio processual de execução de julgados para garantir a
execução integral da sentença699.

6.2.7. Os incidentes
Após a análise da tramitação, por assim dizer, regular do processo de
impugnação judicial, impõe-se agora uma referência, ainda que breve, a
algumas tramitações acessórias ou laterais daquela, mas que nela podem
influir – os incidentes. Estes mais não são do que enxertos ou conjuntos
de atos destacáveis de um processo, resolvidos autonomamente.
Em qualquer processo, e no âmbito da tentativa de resolução da
questão principal – aquela que leva as partes a Tribunal (v.g., a aprecia-
ção da legalidade de um ato tributário) – pode surgir outra questão que
com ela se relaciona e que se assume como prejudicial, no sentido em
que a solução a dar àquela depende da prévia solução a dar a esta. Tal
questão prejudicial pode ser designada por questão “incidental” e, na
medida em que é resolvida autonomamente, convoca o nascimento de
uma tramitação própria que se designa por “incidente”. Deste modo, ca-
racterísticas marcantes de um incidente são (i) a acessoriedade em rela-
ção à questão principal e (ii) a autonomia da respetiva tramitação.
Embora a teoria geral do processo conheça outros700, o legislador,
em processo de impugnação judicial, autonomizou três incidentes (art.º
127.º, n.º 1 do CPPT):
i) O incidente de assistência. Trata-se aqui de permitir a intervenção
no processo de alguém que tem um interesse indireto na reso­

698
Cfr. acórdão do TCA-S de 26 de outubro de 2004, processo n.º 02465/99.
699
V. o que dissemos surpa, Introdução, apartado 3.3. (A força das decisões jurisdicionais e a
execução de julgados).
700
Como, por exemplo, os incidentes de incompetência relativa, falsidade, ou verificação do
valor da causa.

331
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

lução do litígio em causa. O assistente não pretende fazer valer


uma pretensão sua, mas está antes interessado que o sujeito a
quem assiste (o assistido) tenha ganho na causa. Este incidente
poderá verificar-se nos seguintes casos (nos quais a sentença pro-
duzirá caso julgado face ao assistente relativamente ao objeto da
impugnação – art.º 129.º do CPPT):
– Intervenção do substituto nas impugnações deduzidas pelo
substituído;
– Intervenção do substituído nas impugnações deduzidas pelo
substituto;
– Intervenção do responsável subsidiário nas impugnações dedu-
zidas pelo contribuinte (i. é, sujeito passivo originário).
Importa destacar que este incidente de assistência não é per-
mitido no processo tributário com o mesmo âmbito e amplitude
com que vigora no processo civil. Na verdade, aqui (processo tri-
butário), só é facultado em sede de impugnação judicial, e não em
qualquer outro processo, além de não ser admitido a intervir todo
o “titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou eco-
nómica dependa da pretensão do assistido” – como refere o art.º
326.º, n.º 2, do CPC – mas tão somente quem se encontre numa
das situações acima referidas (substituto, substituído, ou respon-
sável subsidiário)701.
ii) O incidente de habilitação. Este incidente pode verificar-se quan-
do haja necessidade de uma alteração subjetiva da instância. Nos
termos do CPPT, tal pode acontecer quando, no decurso do pro-
cesso, falecer o impugnante e o sucessor pretenda impor a sua po-
sição processual (art.º 130.º).
iii) O incidente de apoio judiciário, nos termos gerais do princípio de
acesso ao Direito e aos Tribunais702.

701
Cfr., a propósito, acórdão do STA de 10 de janeiro de 2007, processo n.º 01001/06.
702
Como se sabe, tal princípio destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou
impe­dido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios eco-
nómicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos. A proteção jurídica daqui
resultante – que reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário – pode
ser requerida, em geral, pelas pessoas que demonstrem não dispor de meios económicos
bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses, e para custear os encargos
normais de uma causa judicial.

332
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Após o incidente ter sido suscitado (por exemplo, mediante uma pe-
tição ou um requerimento), o juiz dispõe de um prazo de 15 dias para
responder, devendo o Ministério Público ser ouvido obrigatoriamente
antes da decisão (art.º 127.º, n.os 2 e 3 do CPPT).
Em tudo o resto, os incidentes serão processados e julgados nos ter-
mos do Código de Processo Civil (art.º 128.º do CPPT).

6.2.8. Especial referência à impugnação judicial de atos distintos do


ato de liquidação
Até ao momento, neste sub-segmento de estudo, tem-se dedicado a
atenção à impugnação judicial incidente sobre atos de liquidação ou
atos tributários em sentido restrito. Todavia, foi dito que esta forma pro-
cessual pode ter por objeto outras espécies de atuações administrativas
no domínio tributário, como, por exemplo, os atos administrativos em
matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de
liquidação.
Pois bem. Ainda que de um modo breve e conciso, importa efetuar
uma referência apartada a estas situações, enfatizando todavia que, se-
gundo se entende no contexto destas Lições, não se trata de reconhecer
outros processos impugnatórios, mas ainda e somente o mesmo tipo

Em termos de tramitação, a concessão do apoio judiciário compete ao juiz da causa para a


qual é solicitada, constituindo um incidente do respetivo processo e admitindo oposição da
parte contrária, e o respetivo pedido deve ser formulado nos articulados da ação a que se
destina ou em requerimento autónomo, quando for posterior aos articulados, ou a causa ou
não admita. O requerente deve alegar sumariamente os factos (v.g., os rendimentos e remu-
nerações que recebe, os seus encargos pessoais e de família e as contribuições e impostos
que paga) e as razões de direito que interessam ao pedido, oferecendo logo todas as provas.
Além disso, o prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido interrom-
pe-se por efeito da sua apresentação e reinicia-se a partir da notificação dos despachos que
dele conhecer. Formulado o pedido de apoio judiciário, o juiz profere logo despacho limi-
nar, e não sendo indeferido o pedido, a parte contrária é citada ou notificada para contestar.
Tal contestação é deduzida no articulado seguinte ao do pedido, ou não havendo, em arti-
culado próprio, no prazo de cinco dias, devendo com a contestação ser oferecidas todas as
provas. As decisões proferidas em qualquer tipo de processo ou jurisdição que concedam
ou deneguem o apoio judiciário admitem recurso, em um só grau, independentemente do
valor do incidente e tal recurso, quando interposto pelo requerente, tem efeito suspensivo
da eficácia da decisão, subindo imediatamente e em separado, sendo o seu efeito meramente
devolutivo nos demais casos.

333
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

processual incidente sobre distintos atos e, por causa disso, revestindo


uma configuração jurídico-processual distinta.
Neste contexto, cabe distinguir:
i) Impugnação judicial de atos de fixação da matéria tributável hori-
zontalmente definitivos, isto é não seguidos de um ato de liquida-
ção [97.º, n.º 1, alínea b) do CPPT] – a título de exemplo, basta pen-
sar que o obrigado tributário pode não concordar com o resultado
de um ato de fixação – por métodos diretos ou indiretos – de pre-
juízos fiscais da sua atividade empresarial em sede de IRS (catego-
ria B) ou IRC. Nestes casos, deverá questionar esse ato desde logo
– ainda que não veja a sua esfera jurídica gravada com qualquer
ato de liquidação ou exigência de pagamento –, de modo a não ser
eventualmente prejudicado no reporte a que possa ter direito;
ii) Impugnação judicial de atos administrativos em matéria tributária
que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação
[97.º, n.º 1, alínea d) do CPPT] – trata-se de considerar aqueles atos
que, não incidindo diretamente sobre uma liquidação (daí que se-
jam qualificados como atos administrativos em matéria tributária),
acabam por tê-la por referência, na medida em que o que verda-
deiramente se questiona é o valor de um tributo a pagar. Assim
acontece, por exemplo, quando o contribuinte pretende aceder à
via jurisdicional após o indeferimento de um recuso hierárquico
interposto no seguimento do indeferimento de uma reclamação
graciosa703;
iii) Impugnação judicial de atos de fixação de valores patrimoniais
[97.º, n.º 1, alínea f) do CPPT] – aqui, tem-se principalmente em
vista os atos de fixação de valor em sede de tributos sobre o patri-
mónio (IMI, IMT, certas taxas, contribuições especiais, etc.), de-
signadamente, avaliações às quais pode não se seguir liquidação
de tributo. Em tais casos, o interessado – ainda que não seja con-
vocado a pagar quantia alguma –, pode querer questionar jurisdi-
cionalmente esse valor, até porque, se o não fizer, o mesmo poderá
consolidar-se no ordenamento e servir de base no futuro a várias
liquidações. As regras específicas deste tipo impugnatório estão
previstas no art.º 134.º do CPPT, sendo de destacar a ausência de

703
Cfr. art.º 76.º, n.º 2, do CPPT.

334
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

efeito suspensivo e a necessidade de esgotamento dos meios admi-


nistrativos prévios (n.º 7) e as regras específicas para impugnar as
incorreções nas inscrições matriciais (n.os 3 e ss.)704;
iv) Impugnação judicial de atos de agravamento à coleta, nas situa-
ções em que o contribuinte utiliza os meios administrativos de
reação de modo considerado infundado pela AT [97.º, n.º 1, alínea
e) do CPPT]705. Neste particular, não pode deixar de se censurar
a redação legal constante no art.º 77.º, n.º 3 do CPPT, que quase
“convida” o Tribunal a efetuar um controlo do mérito da decisão
administrativa de aplicação do agravamento.

Por fim, não pode deixar passar-se em claro o facto de que também
são suscetíveis de impugnação judicial os atos de auto-liquidação706, de
retenção na fonte707, de pagamento por conta708, casos em que, como re-
gra, se exige o esgotamento da via de reclamação administrativa, motivo
pelo qual se remete para o que supra se disse a tal propósito709.

6.3. O recurso contencioso dos atos administrativos em matéria


tributária que não comportem a apreciação da legalidade do
ato de liquidação (ação administrativa)
A primeira menção que deve ser feita no momento de se proceder ao
estudo e à análise deste meio processual diz respeito exatamente à sua
denominação, pois trata-se de um meio que tem ainda por referência
uma linguagem herdada dos quadros terminológicos provenientes da
antiga legislação administrativa.
Na realidade, o recurso contencioso já não existe com essa denomi-
nação, tendo sido “substituído” pela ação administrativa. É este, precisa-
mente, o sentido da remissão atualística prevista no art.º 191.º do CPTA,
nos termos do qual: “A partir da data da entrada em vigor deste Có­digo,
as remissões que, em lei especial, são feitas para o regime do recurso

704
V., a respeito, art.º 13.º, n.º 3, do CIMI.
705
Cfr. art.os 77.º, n.º 3, do CPPT ou 91.º, n.º 7, da LGT.
706
Cfr. art.º 131.º do CPPT
707
Cfr. art.º 132.º do CPPT.
708
Cfr. art.º 133.º do CPPT.
709
Cfr. I, 5.8.3., f ).

335
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

contencioso de anulação de atos administrativos consideram-se feitas


para o regime da ação administrativa”.

***

A ação administrativa é um meio processual que está disciplinado


nos art.os 37.º e ss. do CPTA e que tem como objeto, entre outras, ques-
tões jurídicas relacionadas com o exercício de poderes de autoridade
materializados na emissão de atos administrativos (individuais e con­
cretos) ou regulamentos (normas administrativas, gerais e abstratas)710.
Na sua abrangência compreende especificamente – e entre bastantes
outras pretensões – (i) os processos de impugnação de atos administra-
tivos e normas regulamentares e (ii) os processos dirigidos à condena-
ção da Administração à emissão desse tipo de atos.
Especificamente em matéria tributária, esta ação administrativa é
particularmente utilizada por parte dos contribuintes ou outros interes-
sados nas situações em que esteja em causa a apreciação de atos admi-
nistrativos relativos a questões tributárias que não comportem a aprecia-
ção da legalidade do ato de liquidação (por exemplo, o ato de revogação
de isenções ou de outros benefícios fiscais, ou um despacho de sujeição
a determinado regime de tributação)711. Aqui, a remissão para o conten-
cioso administrativo em sentido restrito parece ter pleno cabimento,
principalmente se for tida em consideração a circunstância de que, di-
ferentemente do que acontece no âmbito do processo de impugnação
acima analisado, não se verifica nesta sede qualquer especialidade rele-
vante em face do Direito processual administrativo, pois o ato sindicado
não deixa de se configurar como um ato administrativo perfeitamente
indiferenciado712.

710
Para maiores e profícuos desenvolvimentos, úteis na compreensão destas matérias e pres-
supostos na teleologia destas Lições, v. Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Adminis-
trativo, Almedina, Coimbra, reimpressão da 3.ª edição, 2017; Brito, Wladimir, Lições de Direi-
to processual administrativo, 2.ª edição, Coimbra editora, Coimbra, 2008, 87 e ss.; e Fonseca,
Isabel Celeste, Direito processual administrativo – roteiro prático, 3.ª edição, Almeida & Leitão,
Lda, Porto, 2011, 101 e ss..
711
Cfr. art.º 97.º, n.º 1 alínea p) e n.º 2 do CPPT. V., a respeito, acórdãos do STA de 8 de
novembro de 2006, processo n.º 0382/06 e de 3 de maio de 2017, processo n.º 0777/16.
712
Cfr. acórdão do STA de 2 de maiode 2007, processo n.º 01128/06.

336
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Nesta conformidade, o pedido será, em princípio e na maior parte


das situações, a anulação do ato administrativo respetivo ou a declaração
da sua nulidade ou inexistência jurídica713, e a ação deverá ser proposta
no prazo de 3 meses a contar da notificação do mesmo714.
Em termos de tramitação (e ainda tendo por referência o caso mais
recorrente de impugnação de atos administrativos), a instância consti-
tui-se com a propositura da ação, e esta considera-se proposta logo que
a petição inicial seja recebida na secretaria do Tribunal ao qual é diri­
gida. Essa petição deve mencionar (entre outras realidades)715:
– A identificação do ato jurídico impugnado;
– O órgão que o praticou;
– O pedido;
– Os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de
Direito que servem de fundamento à ação;
– O valor da causa;
– Os meios de prova que tem intenção de utilizar.

Recebida a petição, incumbe à secretaria promover oficiosamente a


notificação da Administração tributária para contestar no prazo de 30
dias716, devendo esta deduzir, de forma articulada, toda a matéria relativa
à defesa e juntar os documentos destinados a demonstrar os factos cuja
prova se propõe fazer. Como regra, a falta de impugnação especificada
não importa aqui confissão dos factos articulados pelo autor, mas o Tri-
bunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios717.
Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, o qual poderá,
nomeadamente:
– Proferir despacho pré-saneador (por exemplo, com o objetivo de
suprimento de insuficiências ou imprecisões verificadas)718;
– Proferir despacho saneador (designadamente se entender que deve
conhecer total ou parcialmente do mérito da causa);

713
Cfr. art.os 37.º, n.º 1, e 50.º do CPTA.
714
Cfr. art.os 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA.
715
Cfr. art.os 78.º, n.os 1 e 2, do CPTA.
716
Cfr. art.os 81.º e 82.º do CPTA.
717
Cfr. art.º 83.º, n.º 4, do CPTA.
718
Cfr. art.º 87.º do CPTA.

337
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Convocar uma “audiência prévia”719;


– Encetar uma tentativa de conciliação ou mediação720.

Posteriormente, no âmbito da instrução, o juiz pode ordenar as dili-


gências de prova que considere necessárias para o apuramento da ver­
dade721.
Posteriormente, e consoante as circunstâncias que rodeiam o caso,
poderá proceder-se à realização de uma audiência final (que culminará
com alegações orais) – quando haja prestação de depoimentos de par-
te, inquirição de testemunhas ou prestação de esclarecimentos verbais
por peritos –, ou a simples apresentação de alegações escritas, no caso
de outras diligências de prova722.
Encerrada a audiência final, apresentadas as alegações escritas, ou
decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, para ser pro-
ferida sentença no prazo de 30 dias723.

6.4. Ação para reconhecimento de um direito ou interesse em ma­


téria tributária
Como já tivemos oportunidade de dizer, o contencioso tributário é um
contencioso pleno, no sentido em que procura dar seguimento à exigên-
cia constitucional de tutela jurisdicional completa (art.º 268.º, n.º 4).
Por isso se compreende que o processo de impugnação judicial e a
ação administrativa, não sendo suficientes para proteger os particula-
res sempre que a sua esfera jurídica é afetada – pois ficam fora do seu
âmbito de aplicação, por exemplo, os casos em que existe uma omissão
administrativa lesiva –, devam ser complementados com outros meios
que incluam as situações que não são por si abrangidas. Tal meio poderá
ser a ação para reconhecimento de um direito ou interesse em matéria
tributária.
Neste caso, procura-se obter do Tribunal apenas o reconhecimento
de determinado estatuto jurídico ou direito (v.g., o estatuto de portador

719
Cfr. art. 87.º-A, do CPTA. Deve notar-se que, nos termos do art.º 87.º-B, tal audiência
pode não se realizar.
720
Assim, art.º 87.º-C, do CPTA.
721
Cfr. art.º 90.º do CPTA.
722
Cfr. art.os 91.º, n.º 1, e 91.º-A, do CPTA.
723
Cfr. art.º 94.º do CPTA.

338
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

de deficiência para efeitos fiscais; o estatuto de sujeito abrangido pelo


regime “X” ou “Y” de determinado tributo; o estatuto de “empresa em
situação económica difícil”; o estatuto de “consumidor final”; o direito
a receber juros, etc.), pressupondo-se que o mesmo não tem vindo a ser
reconhecido pela Administração tributária.
Exemplificando: se o contribuinte procura obter da parte da Admi-
nistração o reconhecimento de um estatuto de deficiente para efeitos de
IRS, estatuto esse que continuamente lhe vem sendo negado – sendo-
-lhe sempre liquidado aquele imposto sem ser considerado como tal –, o
meio mais adequado para a “obrigar” a assumir essa situação jurídica é o
recurso à via contenciosa por meio desta ação.

Por aqui se vê que são três, entre outras, as notas distintivas deste
meio processual:
i) É uma autêntica ação, instaurada ex novum no Tribunal tributário,
não tendo, portanto, natureza recursiva, assumindo as caracterís-
ticas de uma verdadeira ação declarativa de simples apreciação (o
interessado não está a colocar em crise nenhum ato lesivo ante-
rior);
ii) Tem atrás de si um comportamento, positivo ou negativo (por ação
ou por omissão), de não reconhecimento administrativo;
iii) Tem por finalidade a definição futura de situações jurídicas seme-
lhantes.

Assim sendo, a distinção em relação aos meios impugnatórios até


agora analisados (processo de impugnação judicial e ação administrati-
va) é patente: nestes últimos, tem-se em vista a correção de uma situa-
ção passada (atos já praticados) por via da sua anulação, declaração de
nulidade ou inexistência; aqui, procura-se encontrar uma solução para
vinculação futura, fixando um arsenal de efeitos completamente novos,
mas sem bulir com situações passadas.
Não se trata, nem se pode tratar, de uma duplicação dos mecanismos
contenciosos utilizáveis724, nem eles estão numa relação de alternativi-
dade, não podendo o particular optar por um ou por outro, por um em

724
A este propósito, cfr. acórdão do TC n.º 435/98, disponível em http://www.tribunal
constitucional.pt.

339
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

seguida do outro ou por um porque precludiu o prazo do outro725. O seu


âmbito de aplicação e objetivo são perfeitamente distintos e diferencia-
dos: atos tributários lesivos e respetiva anulação, no caso do processo de
impugnação lato sensu; falta de reconhecimento de uma situação jurídica
e necessidade de fixação de direitos ou interesses, no caso do meio ora
em referência726.

***

Ora, este meio processual em análise terá natureza subsidiária e só


será efetivo se “os demais meios processuais postos por lei à disposição
do administrado/contribuinte (…) se revelarem porventura inadequa-
dos à (…) garantia constitucional da tutela judicial efetiva”727. Aliás, o
próprio CPPT é sensível a este aspeto, ao referir no n.º 3 do seu art.º
145.º que “as ações apenas podem ser propostas sempre que esse meio
processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz
e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido”. Em conclusão,
sempre que o contribuinte puder utilizar outro meio, como o processo

725
Refere, por exemplo, o STA, num acórdão de 17 de maiode 2006, processo n.º 01252/05:
“(…) Daí que se recuse a este meio processual a função de uma segunda garantia de recurso
aos tribunais, perdida a primeira pela preclusão do respetivo prazo”. V., ainda, acórdãos do
STA de 6 de maio de 2015, processo n.º 01949/13, e de 17 de outubro de 2012, processo
n.º 0295/12.
726
O referido no texto não prejudica, entende o STA, a cumulação de pretensões, designa-
damente, a possível utilização simultânea desta ação para apreciação de vários pedidos, v.g.,
de reconhecimento de um estatuto e de anulação de ato de tributação. De facto refere-se
no acórdão de 2 de junho de 2010, processo n.º 0118/10, que “quando justificadamente o
contribuinte pretende a definição judicial dos seus direitos em matéria tributária para além
da mera impugnação contenciosa de atos de liquidação, não há obstáculo a que utilize a ação
para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, em que
cumule com o pedido de anulação de atos os pedidos que entender adequados. Esta adequa-
ção processual [prossegue-se adiante] da ação para reconhecimento de um direito ou inte-
resse legítimo em matéria tributária não implica, naturalmente, que os pedidos formulados
tenham viabilidade de procedência, nem significa que o interessado possa ganhar direitos de
impugnação que já tenham caducado, mas as questões de saber se esses pedidos devem ou
não proceder têm a ver com o mérito da ação e não com a forma de processo adequado para
os apreciar, que não pode deixar de ser a ação para reconhecimento de um direito ou inte-
resse legítimo em matéria tributária”.
727
Cfr. acórdão do TC n.º 435/98, e acórdão do STA de 29 de janeiro de 2003, processo
n.º 01514/02.

340
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

de impugnação judicial, deverá fazê-lo, pois, este sim, será o “meio ade-
quado” para tutelar a sua posição jurídica.
O impulso processual (propositura) está a cargo de “quem invoque
a titularidade do direito ou interesse a reconhecer” (art.º 145.º, n.º 1 do
CPPT), no prazo de 4 anos após a constituição do direito ou o conheci-
mento da lesão do interessado (n.º 2).
Quanto à tramitação, segue “os termos do processo de impugnação,
considerando-se na posição de entidade que praticou o ato a que tiver
competência para decidir o pedido” (n.º 4). Atenta a sistematização que
adotamos, e uma vez que já debruçamos a nossa atenção sobre tal maté-
ria, para lá remetemos, neste particular.
Apenas será de salientar que, na fase da iniciativa (petição inicial),
se torna indispensável a identificação da parte contra quem é proposta
a ação. Se tal não acontecer, não se sabe quem é que o autor pretende
que reconheça o direito ou interesse em causa, e estaremos perante uma
“ação sem partes”, devendo a petição ser indeferida por ineptidão728.

6.5. Processo de execução fiscal

6.5.1. Enquadramento e natureza


O processo de execução fiscal é um meio processual que tem por obje­
tivo realizar um determinado direito de crédito, na maior parte das
situa­ções um tributo. Trata-se de uma verdadeira ação729 – embora com
uma forte componente não jurisdicional, pois muitos atos são praticados
por órgãos administrativos – que é instaurada com base num título for-
mal (título executivo), dotado de coatividade e definitividade, que de-
clara de uma forma fundamentada o valor da dívida em causa.
De um modo geral, o processo executivo é enformado por uma ideia
de preferência do direito do credor (favor creditoris): porque o deve-
dor não cumpriu a sua obrigação, o processo executivo envolve um ato
(penhora) mediante o qual são desapossados do seu património alguns

728
Neste sentido, acórdão do STA de 11 de junho de 1997, processo n.º 021386.
729
Cfr. o art.º 103.º, n.º 1 da LGT. Sobre as dificuldades inerentes à respetiva qualificação
jurí­dica, v. o nosso Sobre a natureza jurídica dos atos praticados em execução fiscal, in Execução fiscal
(e-book), Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2019, pp. 35 e ss, disponível em http://www.
cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_ExecucaoFiscal.pdf

341
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

bens, bens esses que são posteriormente entregues ao órgão da exe­


cução e vendidos, revertendo o produto da venda para o credor.
Quanto às dívidas que podem ser cobradas em processo de exe­cução
fiscal, elas deverão ser (i) certas – no sentido em que não existem dú-
vidas quanto aos sujeitos devedores nem quanto à natureza e conte-
údo das prestações em que as mesmas se materializam–, (ii) líquidas –
no sentido em que não existem dúvidas quanto ao respetivo montante
– e (iii) exigíveis – no sentido em que não existem dúvidas quanto ao
momento para serem reivindicadas –, o que se afere em face do título
executivo em causa. Importa por isso notar que, em princípio, não se
discutirão no processo de execução questões atinentes à validade (lega-
lidade) da dívida, devendo estas questões considerar-se já resolvidas, ou
porque pacíficas, ou porque o sujeito em causa não as levantou no tempo
apropriado (mediante reclamação graciosa ou impugnação judicial) ou
ainda porque, tendo-as levantado, não teve sucesso.

***

Importa ainda evidenciar que as diferenças relativamente ao processo


de execução dito “comum” são assinaláveis, não apenas do ponto de vista
do objeto e dos fins (atendendo à natureza das quantias a cobrar), mas
igualmente do ponto de vista da tramitação formal. Basta pensar, por
exemplo, e entre outras especificidades [vantagens?], no seguinte:
– Os fundamentos de defesa por parte do executado são bastante
mais restritos em sede executiva tributária do que em sede exe­
cutiva comum, como se pode constatar por via da comparação dos
respetivos preceitos disciplinadores730;
– Na execução fiscal existe um prazo máximo – sendo certo que me-
ramente ordenador ou disciplinador – de um ano para a duração
máxima do processo, o que não acontece na execução comum731;
– Enquanto que no âmbito do processo de execução fiscal podem, em
princípio, ser penhorados bens apreendidos por qualquer outro Tri-
bunal (art.º 218.º, n.º 3 do CPPT), o inverso já não se verifica, uma
vez que o CPC determina que pendendo mais de uma execução

730
Respetivamente, art.os 204.º do CPPT e 728.º e ss. do CPC.
731
Cf. art.º 177.º do CPPT.

342
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

sobre os mesmos bens, a execução em que a penhora tiver sido pos-


terior deverá ser sustada (suspensa)732/733.

Os principais intervenientes neste processo são, seguramente, o


órgão de execução fiscal – que, como melhor se verá infra, nuns casos
serão os serviços da ATA e, em outros casos, serão serviços próprios
de cobrança das diferentes entidades credoras (Autarquias, Institutos
Públicos, Universidades públicas, etc.) – e o executado, podendo nele
igualmente intervir, consoante os seus desenvolvimentos, o juiz, outros
credores, o representante da Fazenda Pública, ou o Ministério Público,
entre outros.
Deve igualmente assinalar-se que ao Tribunal está reservado um pa-
pel relativamente limitado no desenvolvimento deste processo, podendo-
-se falar, a propósito, em desjurisdicionalização. Com efeito, e como tere-
mos oportunidade de ver melhor, o juiz apenas será chamado a intervir
quando se levante um litígio ou um conflito de pretensões, como por
exemplo, nos casos de oposição à execução, embargos, reclamações,
etc.734. Se tal dimensão conflitual não se verificar, toda a tramitação exe-
cutiva pode impulsionar-se (nascer), desenvolver-se e extinguir-se nos
quadros da Administração tributária, dando alguma razão a quem con-
sidera que, na verdade, se está aqui, não em face de um processo, mas
antes de um procedimento.
A este conjunto de tópicos se voltará adiante, num momento próximo.

***

Após estas considerações introdutórias, importa averiguar quais são


as dívidas que, em concreto, são suscetíveis de cobrança por meio deste
instrumento processual.

732
V. art.º 794.º, n.º 1 do CPC.
733
Acerca da conformidade constitucional do n.º e do art.º 218.º do CPPT, v. acórdão do STA
de 16 de dezembro de 2010, processo n.º 0806/10.
734
Cf. art.º 151.º do CPPT. Em termos de competência, considera-se investido o Tribunal
tributário da área do domicílio ou sede do devedor (mas, sede ou domicílio do devedor
originário, não dos eventuais devedores subsidiários – neste sentido, v. acórdão do STA de 21
de outubro de 2015, processo n.º 01131/14).

343
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

6.5.2. O objeto do processo de execução fiscal


É comum a ideia de que o processo de execução fiscal é o meio proces-
sual adequado para proceder à cobrança coerciva das dívidas ao Estado.
Contudo, trata-se de uma ideia que só aproximadamente está correta,
pois um adequado enquadramento desta questão deve ter presente
que é inexato afirmar (i) que todas as dívidas ao Estado são cobradas
mediante um processo de execução fiscal (não o sendo, por exemplo,
determinadas coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em sentenças
ou acórdãos dos Tribunais comuns); e (ii) que o processo de execução
fiscal apenas diz respeito a dívidas ao Estado (ele também pode ter por
“objeto” dívidas a outras pessoas coletivas de Direito público e mesmo
alguma relativamente às quais a qualificação jurídica é incerta).
Neste quadro, as dívidas que podem ser cobradas mediante um pro-
cesso de execução fiscal são, nos termos do art.º 148.º do CPPT, as res-
peitantes a735:
i) Tributos (incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais,
e taxas), demais contribuições financeiras a favor do Estado, adi-
cionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;
ii) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, senten-
ças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo
quando aplicadas pelos Tribunais comuns;
iii) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabili-
dade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infrações
Tributárias;
iv) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas coletivas de Direito
público que devam ser pagas por força de ato administrativo;
v) Reembolsos ou reposições.

Ora, um elenco assim apresentado envolve, desde logo, duas dificul-


dades primaciais:
– Por um lado, as dificuldades inerentes aos contornos nem sempre
bem definidos de certas figuras, relativamente às quais se questiona
se serão ou não verdadeiros tributos (contribuições, tarifas, preços,
etc.);

735
Quanto à cobrança coerciva de dívidas à Segurança social, v. DL n.º 42/2001.

344
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Por outro lado, as dificuldades inerentes à utilização de uma fór-


mula tão vaga como “outras dívidas ao Estado e a outras pessoas
coletivas de direito público que devam ser pagas por força de ato
administrativo”.

No que particularmente a estas últimas diz respeito, as dificuldades


surgem da cumulação pelo legislador de conceitos indeterminados:
“outras dívidas” – sem especificar quais – e “outras pessoas coletivas de
Direito público” – também sem dizer quais. A este propósito, é se­guro
que o processo de execução fiscal apenas poderá ser utilizado se uma lei
prévia o tiver consagrado e, geralmente, tal possibilidade especial – e
tendencialmente mais vantajosa, como acima se procurou demonstrar –
é admitida no diploma legal que aprova a lei orgânica da pessoa coletiva
de Direito público em questão. Nestes casos, a representação proces­
sual, em princípio, caberá, não à AT, mas ao órgão interno respetivo,
através de mandatário judicial736.
Em certos casos, há que reconhecer, o legislador cuida de identificar
claramente o tipo reditício a cobrar por via do processo executivo fiscal,
sendo que, aí, não restam grandes dúvidas (como acontece em relação,
por exemplo, a certas quantias devidas a inúmeros institutos públicos,
prevendo-se nos respetivos estatutos as regras de cobrança). Em outros
casos, porém, tal esforço não existe e aqui os Tribunais tributários têm
procurado efetuar um cirúrgico trabalho de depuração – bastante com-
plexo em determinadas situações – intentando admitir em sede executiva
fiscal apenas as receitas públicas que manifestamente caibam na previsão
normativa, colocando à parte as que manifestamente não revestem natu-
reza tributária e que abusivamente procuram utilizar este meio processual.
Da conjugação dos dados legais e desse trabalho jurisdicional, tem
resultado que se incluem no objeto do processo em análise, os seguintes
ingressos públicos, entre outros737:

736
Neste sentido, acórdãos do STA de 03 de fevereiro de 2010, processo n.º 01161/09 e de 26
de abril de 2012, processo n.º 0638/11.
737
Assim, acórdão do STA de 10 de abril de 2013, processo n.º 015/12. V. ainda, entre bastan-
tes outros, acórdãos do STA de 6 de fevereiro de 2013, processo n.º 01155/11 e jurisprudên-
cia aí referida; de 13 de março de 2013, processo n.º 080/13; de 3 de abril de 2013, processo
n.º 1262/12; de 10 de abril de 2013, processo n.º 1220/12; de 18 de junho de 2013, processo
n.º 1380/12; de 28 de outubro de 2015, processo n.º 0125/14; de 04 de novembro de 2015,

345
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Todos os impostos, taxas e contribuições especiais de natureza in-


discutível (ainda que não estaduais, designadamente as devidas a
Institutos públicos, a entidades do sector público empresarial ou a
Autarquias locais, como as derramas ou as taxas municipais);
– Dívidas à Segurança Social (designadamente, contribuições sociais,
taxas, adicionais, juros, reembolsos, reposições, restituições, subsí-
dios e financiamentos de qualquer natureza, coimas e outras san-
ções pecuniárias, custas e outros encargos legais)738;
– Importâncias devidas em execução de decisões condenatórias do
Tribunal de Contas, bem como emolumentos e demais encargos
fixados pelo mesmo739;
– Quantias devidas a título de portagem e coimas por portagem não
paga;
– Quantias devidas a título de propina em estabelecimentos de en­
sino superior público740;
– Quantias recebidas no âmbito das comparticipações do Fundo
social europeu741;
– Os créditos (!?) devidos ao IAPMEI – Agência para a Competitivi-
dade e Inovação, I. P. ou ao Instituto Português de Qualidade742.

processos n.º 0124/14 ou n.º 0177/14; de 28 de outubro de 2015, processo n.º 0604/15; e de
11 de novembro de 2015, processo n.º 0898/15.
738
V. DL n.º 42/2001, que disciplina juridicamente o processo de execução de dividas à segu-
rança social.
739
Cf. art.º 8.º da Lei 98/97 (Lei de organização e processo do Tribunal de Contas –
LOPTC).
740
V. acórdãos do STA de 22 de abril de 2015, processo n.º 01957/13, e dfo TCA-N de 13 de
julho de 2017, processo n.º 00206/16.0BECBR.
741
V. DL 158/90. Cf., a respeito, acórdão do TC n.º 440/00 (disponível em www.tribunal-
constitucional.pt), onde é defendida a tese da “analogia substancial ( se não mesmo “iden-
tidade”) entre os subsídios do FSE e as comparticipações saídas do Orçamento do Estado”,
acrescentando-se, e bem, adiante: “É, porém, manifesto que o facto de certos créditos (...)
poderem ser cobrados através do processo mais expedito da execução fiscal não os converte
em impostos, nem sequer torna necessário que os mesmos sejam tratados como impostos”.
742
Cf., respetivamente, art.os 14.º do DL 266/2012 e art.º 13.º do DL 71/2012. A perplexidade
gráfica expressa no texto deriva do facto de não se vislumbrar nas referências legislativas res-
petivas qualquer restrição ao uso do processo de execução fiscal, principalmente tendo pre-
sente que entre tais “créditos” podem figurar importâncias que pouco ou nada têm de tribu-
tário ou sequer financeiro-público (v. os art.os 9.º dos referidos diplomas, nos quais constam
“o produto da venda de bens e serviços”, os “rendimentos de bens próprios”, “o produto re-
sultante da edição ou venda de publicações”, ou “ [q]uaisquer outras receitas que lhe sejam

346
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Já as quantias referentes a créditos devidos a uma empresa conces-


sionária municipal – portanto, em que o serviço é prestado, não por ges-
tão direta do município, nas por concessão a uma empresa privada (que
fica, por essa via, investida na prossecução de Interesses públicos, como
acontece, por exemplo, nos casos de fornecimento de água) – entende
essa mesma jurisprudência que a forma de cobrança adequada não será
o processo executivo fiscal, mas as vias comuns ou privatísticas, desig-
nadamente o processo de injunção, quando observados os respetivos
requisitos legais de aplicabilidade. Isto porque – entende o Tribunal de
Conflitos –, por um lado, o contrato celebrado entre o prestador do ser-
viços (concessionária) e os consumidores finais será um mero contrato
privado de consumo e, por outro lado, a concessionária, sendo uma enti-
dade privada, não pode emitir títulos executivos743.

***

Antes de avançar no sentido da abordagem de outros quadrantes te-


máticos, impõe-se trazer à consideração umas breves palavras quanto às
coimas.
Como se sabe, uma coima consiste numa quantia pecuniária exigida a
título sancionatório em consequência da prática de uma infração con-
tra-ordenacional (diferentemente das multas que, mantendo a mesma
natureza pecuniária sancionatória, são exigidas em consequência da
prática de crimes) e o essencial da sua disciplina jurídica – para o que
aqui mais interessará – consta do RGIT.
Naturalmente se compreende que nem todas as coimas podem ser
cobradas coercivamente por meio do processo de execução fiscal, ape-
nas o podendo ser as que, os termos do referido preceito (art.º 148.º do
CPPT) preencham dois pressupostos: (i) primeiro, que digam res­peito

atribuídas por lei, contrato ou outro título”). Pergunta-se se nestas situações, não será de
admitir alguma desconexão entre o meio processual e a quantia exequenda, utilizando-se
abusivamente o primeiro e, consequentemente, violando-se o princípio da adequação ma-
terial. De resto, situações houve nas quais o criador normativo teve o cuidado de separar e
identificar devidamente os créditos que poderiam ou não ser cobrados por via deste meio
processual, como aconteceu com o (entretanto extinto) Instituto Portuário e dos Transpor-
tes Marítimos – cf. DL 257/2002, no seu art.º 28.º, n.º 3.
743
Assim, acórdão do Tribunal de Conflitos de 21 de janeiro de 2014, processo n.º 044/13.

347
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

a infrações tributária e (ii) segundo, que sejam aplicadas pelos tribu-


nais tributários, quando tal é possível nos termos do procedimento
contra-ordenacional respetivo. Assim, ficam, ou deveriam ficar, aparta-
das da cobrança por este meio, quer as coimas devidas por infrações de
natureza não tributária (por exemplo, ambientais, urbanísticas, estra-
dais...), quer as que, ainda que tributárias, sejam aplicadas por Tribu-
nais comuns.
Em qualquer caso, e diversamente do que se passa com as coimas, as
multas não podem ser exigidas através do meio aqui em análise.

6.5.3. Pressupostos formais – o título executivo


Contudo, para que a execução tenha sucesso não basta que diga respeito
às dívidas supra mencionadas. Como se sabe, uma condição de natu­reza
formal necessária à instauração de um processo de execução é a existên-
cia de um título executivo. Tal compreende-se, na medida em que, na exe-
cução, torna-se necessária a existência, ab initio, de um comprovativo de
que a dívida subjacente existe, e que existe em termos legais, pois em
princípio não se discutirão os aspetos atinentes à legalidade da dívida
exequenda durante o processo.
Ora, para efeitos tributários, e nos termos do art.º 162.º do CPPT, só
podem servir de base à execução fiscal os seguintes títulos executivos,
emitidos por entidades públicas744:
– Certidão de dívida (extraída do título de cobrança);
– Certidão de decisão exequível proferida em processo de aplicação
das coimas;
– Certidão do ato administrativo que determina a dívida a ser paga;
– Qualquer outro título a que, por lei especial, seja atribuída força
executiva.

Nos casos mais comuns – cobrança de tributos, v.g., impostos –, o


processo de execução será instaurado com base numa certidão de dívida.
Refere a este propósito o art.º 88.º, n.º 1 do CPPT que “findo o prazo
de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, será extraída
pelos serviços competentes certidão de dívida com base nos elementos
744
No sentido em que as entidades privadas não podem emitir títulos executivos (deven-
do recorrer, por exemplo, ao processo de injunção), v., novamente, acórdão do Tribunal de
Conflitos de 21 de janeiro de 2014, processo n.º 044/13.

348
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

que tiverem ao seu dispor”. Tais certidões – que, repete-se, servirão de


base à instauração do processo de execução fiscal – serão assinadas e au-
tenticadas745 e deverão conter os seguintes elementos (n.º 2):
– A identificação do devedor, incluindo o número fiscal de contri-
buinte;
– A descrição sucinta, situações e artigos matriciais dos prédios que
originaram as coletas;
– O estabelecimento, local e objeto da atividade tributada;
– O número dos processos;
– A proveniência da dívida e o seu montante;
– O número do processo de liquidação do tributo sobre a trans­missão,
identificação do transmitente, número e data do termo da decla­
ração prestada para a liquidação;
– Os rendimentos que serviram de base à liquidação, com indicação
das fontes;
– Os nomes e as moradas dos administradores ou gerentes da em­
presa ou sociedade executada;
– Os nomes e as moradas das entidades garantes da dívida e tipo e
montante da garantia prestada;
– Os nomes e as moradas de outras pessoas solidária ou subsidiaria-
mente responsáveis;
– Quaisquer outras indicações úteis para o eficaz seguimento da exe-
cução.

Em todos os casos, os títulos executivos deverão conter os seguintes


requisitos, sob pena de ineficácia do título, e nulidade do processo [art.º
165.º, n.º 1, alínea b) do CPPT):
– A menção da entidade emissora ou promotora da execução e respe-
tiva assinatura (que poderá ser efetuada por chancela);
– A data em que foi emitido;
– O nome e domicílio do ou dos devedores;
– A natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante;

745
A assinatura das certidões de dívida poderá ser efetuada por chancela ou outro meio de
reprodução devidamente autorizado por quem as emitir, podendo a autenticação ser efe­
tuada por aposição do selo branco ou, mediante prévia autorização do membro do Governo
competente, por qualquer outra forma idónea de identificação da assinatura e do serviço
emitente (n.º 3 do art.º 88.º).

349
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– A data a partir da qual são devidos juros de mora e a importância


sobre que incidem.

Os títulos executivos devem ser emitidos por via eletrónica – exceto


nos tributos não informatizados, casos em que ainda se continua a utili-
zar a emissão manual – e, quando provenientes de entidades externas,
devem, preferencialmente, ser entregues à Administração tributária por
transmissão eletrónica de dados, valendo nesse caso como assinatura a
certificação de acesso746.
O título executivo permite reafirmar o carácter certo, líquido e exigí-
vel da dívida subjacente, não sendo permitido questionar nesta altura a
legalidade em concreto do ato tributário.

6.5.4. A dupla natureza dos atos de execução e o princípio constitu­


cional da reserva do juiz
Sendo o processo de execução fiscal um processo com características
atípicas – na medida em que nele concorrem ou podem concorrer mo-
mentos administrativos e momentos jurisdicionais –, será natural que
nele sucedam atos ou atuações de natureza diversa. Tais atos ou atua-
ções devem ser distinguidos (i) do ponto de vista subjetivo, tendo em
atenção a natureza da entidade que os praticou; (ii) do ponto de vista
teleológico-finalístico, tendo em vista os respetivos fins.
Vejamos.
i) Do ponto de vista subjetivo, podem ser encontrados no processo
de execução fiscal quer atos praticados pelos órgãos da Administração
tributária – como, por exemplo, a instauração da execução, a citação
do executado, a penhora, a autorização para pagamento em pres-
tações, ou a graduação de créditos – quer atos praticados pelo Tri-
bunal, como sejam a decisão sobre a eventual oposição à execução,
sobre as reclamações que possam versar sobre atos administrativos
praticados no processo, sobre os possíveis incidentes ou sobre os
embargos.
ii) Do ponto de vista finalístico, verifica-se a existência de atos de
natureza administrativa no sentido clássico do termo, emanados no
âmbito da função aplicativa, produtores de efeitos jurídicos com

746
Cfr. n.º 3 do art.º 163.º do CPPT.

350
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

natureza individual e concreta, como, por exemplo, o deferimento


ou indeferimento de um pedido de dação, a reversão da execução
contra um responsável subsidiário, ou a extinção da própria exe­
cução, e atos de natureza jurisdicional, quando estiver em causa a
reso­lução definitiva (última palavra) de um litígio ou de um con­
flito de pretensões, como, por exemplo, a decisão da oposição ou da
reclamação da graduação de créditos.

Em termos práticos, do cruzamento destas coordenadas subjetivas e


objetivas resulta que abstratamente podem ser pensáveis no desenvol-
vimento sequencial do processo de execução fiscal vários tipos de atos,
a saber:
– Atos praticados pela Administração tributária, com natureza admi-
nistrativa, que deveria ser, de resto, a situação mais frequente;
– Atos praticados pelo Tribunal com natureza administrativa, como
será o caso de alguns atos de trâmite ou com natureza meramente
“processual”;
– Atos praticados pelo Tribunal com natureza jurisdicional, quando
esteja em causa a resolução definitiva de um litígio.

Compreensivelmente, e nem poderia ser de outro modo, não é admis­


sível a prática de atos jurisdicionais (verdadeiros atos jurisdicionais, de
resolução de diferendos jurídicos) pela administração, em decorrência
das exigências do princípio constitucional da reserva da função jurisdicio-
nal ou “reserva do juiz”747.
A respeito de tal princípio, algumas considerações se imporão, ainda
que correndo o risco de eventual repetição com o que ficou dito na Intro­
dução das presentes Lições.

***

Como se referiu, a reserva do juiz materializa a exigência de que ape-


nas os tribunais podem dirimir, em modo definitivo, litígios ou oposições
de pretensões748, resultando constitucionalmente inadmissível a atri-
747
Cf. art.º 202.º, n.º 1, da CRP.
748
Cfr. o já antigo acórdão do TC n.º 449/93, disponível em http://www.tribunalconstitu
cional.pt.

351
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

buição, ainda que legal, da prática de atos jurisdicionais a outros órgãos,


designadamente administrativos. Dizendo o mesmo por outras palavras:
está constitucionalmente vedada a prática de atos de natureza jurisdi-
cional por órgãos administrativos, pelo que se pode afirmar a regra de
que qualquer resolução de um conflito de pretensões – em matéria tribu-
tária ou em qualquer outra matéria – deve ser efetuada, em última pala-
vra, por um Tribunal.
Nesta medida, poderia revelar-se problemática – e seria segura­
mente inconstitucional – a atribuição ao órgão de execução fiscal da
competência para a resolução definitiva de diferendos, ainda para mais
sendo o próprio uma das entidades envolvidas no mesmo, integrando
a respetiva estrutura hierárquica. Por tal motivo se compreende que a
apre­ciação das oposições (art.os 203.º e ss. do CPPT) ou das reclamações
(art.os 276.º e ss.) – bem assim como dos incidentes e embargos – deva
ser obrigatoriamente efetuada por um juiz do Tribunal tributário749.
Já atos como uma penhora, a apreciação de um pedido de pagamento
em prestações, a reversão do processo contra um gerente ou adminis-
trador de empresas ou a graduação de créditos poderão ser praticados
por um órgão administrativo, os quais, não obstante serem atos lesivos
e intrusivos da esfera jurídica dos respetivos visados (violando direitos
vários como o direito de propriedade ou o direito ao bom nome) não são
ainda atos conflituais. Poderão vir a sê-los no futuro, caso os destinatá-
rios se insurjam contra os mesmos – momento em que se poderá recor-
rer a Tribunal –, mas não o são no momento da respetiva prática750.

749
Por isso prescreve o art.º 151.º n.º 1 do CPPT que “[C]ompete ao tribunal tributário de 1.ª
instância da área do domicílio ou sede do devedor originário, depois de ouvido o Ministério
Público (...), decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre
os pressupostos da responsabilidade subsidiária, e a reclamação dos atos praticados pelos ór-
gãos da execução fiscal”. Quando a execução deva correr nos Tribunais comuns, cabe a estes
o integral conhecimento das questões referidas (n.º 2).
750
Neste contexto, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 80/2003 já teve ocasião de
se debruçar sobre o problema da (in)constitucionalidade das normas que, na legislação tri-
butária, atribuem à Administração tributária a competência para a instauração e prática de
outros atos no âmbito da execução fiscal. Começa por se salientar nesse acórdão, com refe-
rência a outra jurisprudência, que considerando-se o processo de execução fiscal “nuclear­
mente jurisdicional”, ele envolve, na sua tramitação, a prática de muitos atos que não de-
vem ser necessariamente praticados por um juiz, podendo-o ser por um funcionário embora
sempre salvaguardando a possibilidade de recurso ou reclamação para aquele. Pode ler-se,
nomeadamente:

352
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Por conseguinte, o juiz desempenha sempre um papel recursivo, e


pode com propriedade afirmar-se que o contencioso jurisdicional em
sede de execução fiscal é um contencioso marcadamente anulatório ou
cassatório, pois visa-se precisamente a anulação de um ato lesivo ante­
rior praticado pela administração. Note-se que a “anulação” referida
deve aqui ser entendida num sentido amplo, como sinónimo de “invali-
dação” (e não mera “anulabilidade” de um ato singular), pois em muitas
situações pode tratar-se de um tipo de controlo que desemboca mesmo
na extinção do próprio processo executivo.
Questão diferente da referida – e que não colide, ao menos direta-
mente, com a reserva da função jurisdicional – é a da natureza proce-
dimental ou processual dos atos em questão, consoante se insiram num
procedimento ou num processo. Aos primeiros, independentemente de
serem praticados por um órgão administrativo ou por um órgão jurisdi-
cional, aplicar-se-ão as disposições constantes da LGT, do CPPT (nor-
mas procedimentais) ou do CPA, e aos segundos as disposições cons-
tantes do CPTA ou do CPC. E a distinção é relevante, bastando atentar
nas seguintes consequências (todas elas já devidamente referidas em
momento anterior das presentes considerações, a propósito de outras
temáticas ou questões):
– A comunicação dos atos em sede de procedimento deve obedecer
às disposições constantes dos art.os 36.º e ss. do CPPT, enquanto que
a correspondente a atos inseridos em processos estará submetida às
exigências do CPC (aplicáveis por remissão do art.º 2.º do CPPT);
– A notificação de atos lesivos e “inesperados” praticados num proce-
dimento deve ser obrigatoriamente precedida de notificação para o
exercício do direito de audição, o que não acontece com a prática de
atos lesivos no processo;
– Do ponto de vista da sindicância, os atos lesivos praticados num pro-
cedimento são passíveis de impugnação administrativa (reclamação

“O que a Constituição da república garante (art.º 103.º, n.º3) é que «ninguém pode ser obri-
gado a pagar impostos (…) cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei», nela
se compreendendo, evidentemente, tanto a cobrança voluntária como coerciva. Os atos de
cobrança têm, pois, de fazer-se a coberto da lei. Mas dessa exigência constitucional não re-
sulta que os atos que integram o processo de execução fiscal hajam de ser sempre praticados
por um juiz”.

353
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

administrativa ou graciosa, recurso hierárquico, etc.), não o sendo


os que se inserem num processo, suscetíveis apenas de impugnação
jurisdicional.

Pois bem, a este propósito, e em rigor, a solução parecer-nos-ia clara:


aos atos praticados pela administração ou no âmbito desta (necessaria-
mente não jurisdicionais) aplicar-se-iam as disposições do procedimento,
e aos atos praticados pelo Tribunal ou no âmbito deste (jurisdicionais
ou não) aplicar-se-ia as disposições processuais.
Sucede, porém, que no quadro do ordenamento tributário portu-
guês, quer os enunciados legais, quer a doutrina maioritária, quer a juris­
prudência, têm considerado que no desenvolvimento do processo de
execução fiscal é possível identificar, da parte da administração, atos
procedimentais e atos processuais (embora não jurisdicionais), aten-
dendo ao facto de que numas situações a mesma atua na vertente de
credor da relação tributária subjacente, e em outras situações atua na
vertente de órgão exequente e “auxiliar do juiz”751. Na prática, as solu-
ções têm passado por aplicar aos atos da administração com natureza
procedimental as disposições substantivas, e aos atos da administração
com natureza processual as disposições adjetivas.
Cremos que, sem embargo de se fundar em pressupostos que se po-
dem aceitar – pois em verdade muitas vezes a AT não é o credor (e.g.,
propinas, portagens, taxas municipais) –, se trata de um conjunto de
soluções que complicam mais do que facilitam. Crê-se que seria mais
vantajoso considerar somente a proveniência orgânica do ato e, em con-
sequência, aplicar-lhe o regime correspondente: substantivo-procedi-
mental se o ato fosse praticado por um órgão administrativo e adjetivo-
-processual se o ato fosse praticado por um Tribunal, ainda que este não
estivesse a exercer funções jurisdicionais.

751
V., numa abordagem exaustiva, Bastos, Nuno, O efeito suspensivo das reclamações das decisões
do órgão de execução fiscal à luz das recentes alterações ao respetivo regime, in Tutela cautelar no con-
tencioso tributário, Centro de estudos judiciários, Lisboa, 2016, pp. 39 e ss., e jurisprudência
aí referida, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebook_administrativo_fiscal.
php. Do ponto de vista jurisprudencial v., com proveito, acórdão do STA n.º 5/2012 (uni-
formizador de jurisprudência), disponível em https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/sear-
ch/192415/details/maximized.

354
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Trata-se esta, contudo, de uma mera consideração teórica e acadé­


mica. A jurisprudência inclina-se claramente (e parece que pacifica-
mente) em sentido diverso752.

Seja como for, ganha clara saliência uma das notas marcantes do
processo de execução fiscal: a desjurisdicionalização, exigindo-se a inter­
venção do juiz ou do Tribunal apenas para aquelas situações em que, em
geral, se está perante a existência de um litígio.
Isto assumido, terá chegado o momento de procurar perceber quem
é que pode “estar” no processo de execução fiscal, em cada um dos seus
lados, ativo e passivo. Por outras palavras: quem tem, no mesmo, legiti-
midade.

6.5.5. Legitimidade para intervir no processo de execução fiscal


Neste apartado, considerar-se-á, em primeiro lugar, quem pode figurar
no processo a título de exequente (“lado ativo”).

6.5.5.1. Legitimidade para intervir como exequente


Em termos amplos, será exequente a entidade de Direito público que
promove a execução, seja impulsionando-a, seja conduzindo-a, levando
à prática os atos essenciais à realização do Direito do credor. Nesta
medida, será o exequente quem instaura o processo, quem cita o exe­
cutado, quem convoca os credores, quem, enfim, materializa em atos
(muitas vezes, atos administrativos) a vontade executiva.
É sinónimo de “órgão de execução”.
A partir de tudo quanto antecede, pode-se sem dificuldade concluir
que credor tributário e exequente não se confundem:
– Por um lado, existe o credor da quantia em questão, que tanto po-
derá ser o Estado central (Fazenda Pública, Fisco, “Finanças”, etc.)753,

Para desenvolvimentos, v., uma vez mais, o nosso Sobre a natureza jurídica ..., cit., 35 e ss.
752

753
Convém ter presente, contudo, que nos casos de sub- rogação, a Fazenda Pública vê a sua
posição de credora ocupada por outra pessoa. Como se sabe, o terceiro que proceda ao paga­
mento das dívidas tributárias de um determinado contribuinte pode passar a ocupar a posi-
ção da Fazenda, com todas as vantagens que tal implica. Tal terceiro pode, nomeadamente,
continuar a beneficiar das garantias e privilégios respeitantes à dívida e utilizar o processo
de execução fiscal para proceder à cobrança coerciva dessa dívida (art.º 92.º, n.º 1 do CPPT).
Para tal, deve ele, cumulativamente (art.º 41.º, n.º 2 da LGT): (i) requerer a declaração de
sub-rogação, e (ii) obter autorização do devedor ou provar interesse legítimo. Posterior­

355
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

como qualquer outra pessoa coletiva de Direito Público, ainda que


por atribuição (Instituto, Autarquia, entidades privadas conces­
sionárias etc.). Será, em qualquer caso, a pessoa a favor de quem
reverte o produto da cobrança a efetuar; e
– Por outro lado, existe o órgão da execução fiscal (exequente em sen-
tido próprio), que é o órgão administrativo (integrante da ATA, de
uma Autarquia, de um Instituto público, da Segurança social etc.)
que vai conduzir o processo de execução.

A distinção é de extrema importância e relevância, pois existem inú-


meras situações em que o credor em causa não dispõe de serviços pró-
prios de cobrança e “utiliza” o aparato organizatório da ATA para pro­
ceder à arrecadação coativa das quantias que lhe são devidas. Pense-se,
por exemplo, na cobrança de quantias devidas a concessionárias de auto­
estradas a título de portagem, ou nas muitas taxas em dívida a Autar-
quias de menor dimensão.
Em termos orgânicos e mais específicos, em regra, a instauração e os
atos da execução são praticados no órgão da AT designado, mediante
despacho, pelo dirigente máximo do serviço respetivo754.

6.5.5.2. Legitimidade para intervir como executado


Já no que concerne ao lado passivo da relação processual, podem ser su-
jeitos a execução fiscal um leque bastante alargado de pessoas ou enti-
dades, na medida em que, como se sabe, o próprio conceito de sujeito
passivo tributário (da relação substantiva) também é um conceito bas-
tante “elástico” e abrangente. Neste sentido, podem ser executados tri-
butários, entre outros, os seguintes sujeitos:
– O próprio sujeito passivo direto ou originário, isto é, aquele que tem
uma relação pessoal e direta com o facto tributário (o sujeito que,
ele próprio, auferiu os rendimentos, praticou o ato de alienação, é
titular do património, auferiu o serviço, utilizou o domínio privati-
vamente público, etc.);

mente, “o despacho que autorizar a sub-rogação será notificado ao devedor e ao terceiro que
a tiver requerido” (art.º 91.º, n.º 4, do CPPT).
754
Cf. art.º 150.º, n.º 2, do CPPT. Cf., porém, o n.º 3, em referência aos casos em que não te-
nha existido tal designação. Quanto às possibilidades de delegação, v. n.º 5.

356
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Os sujeitos não originários contra os quais reverte a execução, como


sejam os responsáveis tributários por dívidas de outrem – onde se
incluem, por exemplo, os gerentes e administradores de socieda-
des, os substitutos tributários, os gestores de bens e direitos de não
residentes, etc. –, os funcionários com intervenção no processo de
execução fiscal, alguns terceiros adquirentes de bens, antigo pos-
suidores, fruidores ou proprietários de bens, etc.755.

Como se sabe, a reversão é um ato administrativo mediante o qual se


opera uma alteração subjetiva da instância, em termos de a exe­cução
fiscal que foi instaurada contra uma pessoa se “virar”, por motivos vá-
rios (v.g, insuficiência patrimonial do contribuinte), contra outra(s)
pessoa(s)
De seguida, serão trazidos à análise alguns aprofundamentos desta
matéria756.

a) O processo de execução instaurado contra o sujeito passivo ori­


ginário
Naturalmente que o caso “normal”, quanto à legitimidade para intervir
na relação processual como executado, será aquele em que é o próprio
sujeito passivo originário do tributo a ser chamado. Estamo-nos a referir
às situações em que o sujeito passivo, por exemplo de IRS, não tendo
dentro do prazo para pagamento voluntário procedido à entrega do di-
nheiro – ou bens avaliáveis em dinheiro – nos cofres do Estado, vê con-
tra si instaurado um processo de natureza executiva.
Neste particular, em termos de legitimidade, nada mais há a salientar
que não resulte já da teoria geral dos sujeitos da relação tributária e das
regras de Direito processual civil executivo, pelo que para lá se remete.
Contudo, essa remissão não pode deixar de ser feita sem se ter em
atenção as seguintes particularidades:
– Se, no decurso do processo de execução, falecer o executado, são
válidos todos os atos praticados, nos termos da lei, pelo cabeça-de-
-casal, independentemente da habilitação de herdeiros757;
755
Para desenvolvimentos em termos substantivos, v. Rocha, Joaquim Freitas da e Silva,
Hugo Flores da, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, Coimbra, 2017.
756
Quanto à responsabilidade dos sujeitos depositários dos bens penhorados, v. art.º 233.º do
CPPT.
757
V. art.º 154.º do CPPT.

357
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Se o executado falecer e ainda não se tiverem efetuado partilhas,


citar-se-á, respetivamente, consoante esteja ou não a correr inven-
tário, o cabeça-de-casal ou qualquer dos herdeiros para pagar toda a
dívida, sob cominação de penhora em quaisquer bens da herança758;
– Se o executado falecer e, posteriormente, se verificar a partilha en-
tre os seus sucessores, cada um dos herdeiros será citado, pelo órgão
da execução fiscal, em relação à parte que, proporcionalmente, cada
um deles deve pagar759;
– Os herdeiros incertos serão citados por editais760.

b) A reversão do processo de execução fiscal

α) Reversão em caso de responsabilidade tributária


Como se sabe, e como resulta da teoria geral dos sujeitos da relação
jurí­dica tributária, as dívidas tributárias podem ser exigidas ao sujeito
passivo direto ou originário – aquela pessoa que tem uma relação pes-
soal e direta com o facto tributário e que, em geral (numa terminologia
aceitável mas que deve ser utilizada sob algumas reservas) é denomina-
da por “contribuinte”–, ou ao sujeito passivo indireto ou não originário.
Ora, um dos casos de sujeito passivo não originário é, precisamente, o
dos responsáveis tributários.
Existe responsabilidade tributária quando o património do sujeito pas-
sivo originário é insuficiente para satisfazer o crédito tributário e veri-
fica-se a necessidade de se lhe juntar um ou mais patrimónios de outras
pessoas, designadas pelo legislador. Assim, a responsabilidade tributária
configura-se como uma garantia pessoal sob a forma de fiança legal:
– Uma fiança, porque se acrescenta ao património (insuficiente) do
sujeito originário o património de um terceiro “fiador” (ou de vários
terceiros). Por conseguinte, em sentido rigoroso, apenas faz sentido
falar em responsabilidade tributária quando é um terceiro a respon-
der por dívidas de outrem, nunca quando alguém responde pelas
suas próprias dívidas.
– Além disso, é uma fiança legal, pois ela apenas se verificará quando
a lei o disser.
758
Cfr. art.º 155.º, n.º 4, do CPPT.
759
Assim, art.º 155.º, n.os 1 e 4, do CPPT
760
Cfr. art.º 155.º, n.º 4 do CPPT.

358
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Adiante veremos alguns casos em que a lei determina a responsabi-


lidade tributária por dívidas de outrem. Por agora, lembremos algumas
regras básicas, também previstas legalmente, para que tal responsabili-
dade possa operar, nomeadamente:
i) Em princípio, a responsabilidade tributária por dívidas de outrem
é apenas subsidiária, pelo que somente nos casos em que a lei o
disser, além de subsidiária, poderá também ser solidária761;
ii) Acresce que, para que haja responsabilidade, tem de existir um ato
administrativo: a “reversão” do processo de execução fiscal, que
havia sido instaurado contra o sujeito originário762;
iii) Essa reversão apenas se poderá efetivar quando o património do
devedor originário não exista ou seja manifestamente insuficiente
para satisfazer o crédito tributário (dívida exequenda e acrescido),
pelo que o responsável subsidiário goza de um privilégio de excus-
são prévia763. Neste particular, o princípio do inquisitório impõe,
quando for caso disso, uma investigação aprofundada, no sentido
de saber se o primeiro ainda dispõe de bens suficientes no seu pa-
trimónio.
iv) Essa reversão opera mediante citação e depende de audição do res-
ponsável subsidiário764.

Após este breve enquadramento, lembremos então alguns casos em


que alguém pode ver o seu património executado por dívidas tributárias
de outrem, o mesmo é dizer, alguns casos em que a lei prevê responsabi-
lidade tributária (subsidiária):
– Administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exer-
çam, ainda que somente de facto, funções de administração ou
gestão765, incluindo membros dos órgãos de fiscalização, revisores
oficiais de contas e técnicos oficiais de contas, subsidiariamente res-
761
V. art.º 22.º, n.º 4 da LGT. Cfr., por exemplo, art.º 24.º, n.º 1 da LGT.
762
Cfr. art.º 23.º, n.º 1 da LGT.
763
Cfr. art.º 23.º, n.º 2 da LGT.
764
Cfr. art.º 23.º, n.º 4 da LGT.
765
Importa observar que, para os presentes efeitos, não se deve equiparar o administrador da
insolvência (que é um “cargo processual”) ao administrador ou gerente previsto no art.º 24.º
da LGT (que é um cargo “contratual”). Entre outras considerações no sentido de negar essa
equiparação, releva a circunstância de o primeiro se encontra vinculado ao princípio par con-
ditio creditorum. Quanto à insucetibilidade de se poder extrair a partir da lei uma presunção

359
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ponsáveis em relação v.g., à sociedade em causa, cujo património é


insuficiente (art.º 24.º da LGT);
– Titular de estabelecimento individual de responsabilidade limitada
(EIRL), em relação ao estabelecimento (art.º 25.º da LGT);
– Liquidatários das sociedades, em relação às sociedades (art.º 26.º da
LGT e 156.º do CPPT);
– Gestores de bens ou direitos de não residentes, em relação a estes
(art.º 27.º da LGT);
– Substituto em relação ao substituído (art.º 28.º, n.º 2, da LGT e 159.º
do CPPT);
– Funcionários que intervierem no processo de execução fiscal, em
relação ao sujeito originário (art.º 161.º do CPPT).

Em todos estes casos, “quando a execução reverta contra respon-


sáveis subsidiários, o órgão da execução fiscal mandá-los-á citar todos,
depois de obtida informação no processo sobre as quantias por que res-
pondem”. Por outro lado, deve-se observar que “a falta de citação de
qualquer dos responsáveis não prejudica o andamento da execução con-
tra os restantes”766.
Além disso, e numa solução de constitucionalidade duvidosa (tendo
em vista o princípio da proibição do excesso), prevê-se que “se o pagamento
não for efetuado dentro do prazo ou decaírem na oposição deduzida,
os responsáveis subsidiários suportarão, além das custas a que tenham
dado causa, as que forem devidas pelos originários devedores”767.

β) Reversão em outras situações


O legislador prevê ainda outras situações em que a execução poderá re-
verter contra outras pessoas.
Uma delas é a reversão em casos de sequela. Estas são situações que
se distinguem das anteriores, pois aqui não existe qualquer garantia es-
pecial pessoal para cumprimento da obrigação tributária – na medida
em que não se acrescenta ao património (insuficiente) do contribuinte
qualquer outro património – mas apenas uma garantia especial real,

de gerência de facto a partir da gerência de Direito, v. acórdão do TCA-S de 28 de fevereiro


de 2019, processo n.º 357/09.8BELRS.
766
Cfr. art.º 160.º, n.os 1 e 2, do CPPT.
767
V. art.º 160.º, n.º 3, do CPPT.

360
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

respeitante a um determinado bem ou a um conjunto determinado de


bens. Por conseguinte, não se pode, em rigor, falar em responsabilidade
tributária por dívidas de outrem. É o que se passa nos casos previstos no
art.º 157.º do CPPT. Diz o n.º 1 deste preceito que: “[n]a falta ou insufi­
ciência de bens do originário devedor ou dos seus sucessores e se se tra-
tar de dívida com direito de sequela sobre bens que se tenham transmi-
tido a terceiros, contra estes reverterá a execução, salvo se a transmissão
se tiver realizado por venda em processo a que a Fazenda Pública devesse
ser chamada a deduzir os seus direitos.”
Está aqui a ser feita referência àquelas situações em que o credor
tributário tem o direito de sequela – isto é, de “perseguir” o bem onde
quer que ele se encontre – relativamente a determinados bens que
constituem a base de um tributo. Se for o caso, e se o devedor do tri-
buto, primeiro titular do bem, o transmitir a terceiro – e se o seu patri­
mónio for insuficiente –, a execução reverterá contra este, sendo o bem
referido, na esfera jurídica desse terceiro, considerado como um patri-
mónio autónomo que responde pela dívida tributária. A confirmar esta
última conclusão, temos o n.º 2 do citado preceito, que refere que “os
terceiros só respondem pelo imposto relativo aos bens transmitidos e
apenas estes podem ser penhorados na execução, a não ser que aqueles no-
meiem outros bens em sua substituição e o órgão da execução fiscal
considere não haver prejuízo” (sublinhado nosso).
Tal reversão, compreensivelmente, apenas não se verificará se a
transmissão do bem ao terceiro se tiver realizado por venda em processo
a que a Fazenda Pública devesse ser chamada a deduzir os seus direitos.

Outra situação em que se prevê a reversão do processo de execução


fiscal sem existência de responsabilidade tributária é a prevista no art.º
158.º do CPPT. Refere o n.º 1 que: “[s]e, nos impostos sobre a proprie-
dade mobiliária ou imobiliária, se verificar que a dívida liquidada em
nome do atual possuidor, fruidor ou proprietário dos bens respeita a um
período anterior ao início dessa posse, fruição ou propriedade, a exe­
cução reverterá, nos termos da lei, contra o antigo possuidor, fruidor ou
proprietário”. Aqui, trata-se de uma situação que muitas vezes surge no
seguimento de uma oposição à execução, com sucesso, por parte do de-
vedor originário, com o fundamento previsto no art.º 204.º, n.º 1, alínea
b) (“ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor

361
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter
sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor
dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser respon-
sável pelo pagamento da dívida”). Nestes casos – em que a execução ti-
nha sido instaurada contra um determinado contribuinte, e em que este
se opôs alegando que não era à data o possuidor dos bens –, verifica-se
como que uma “correção, por via executiva, do ato tributário, quanto ao
respetivo sujeito passivo”768.

c) Reação ao despacho que ordenar a reversão


Acabamos de ver alguns casos em que o processo de execução fiscal,
tendo inicialmente sido instaurado contra uma pessoa, reverte mais
tarde contra outras, prosseguindo os seus termos. A reversão consiste,
assim, num ato levado a efeito pela Administração tributária mediante
despacho, através do qual se verifica, nos termos da lei, uma alteração
subjetiva da instância.
Questão que, neste contexto, poderá levantar alguns problemas, é a
de saber como poderá a pessoa contra a qual a execução reverte (o novo
executado) reagir a tal despacho, designadamente nos casos em que ele
entenda que a reversão não poderá ter lugar porque, por exemplo, ainda
não está totalmente excutido o património do devedor originário.
Aqui, em abstrato, duas situações serão possíveis:
– Ou se entende que a pessoa em causa poderá reagir a tal despa-
cho mediante uma oposição à execução fiscal, argumentando que é
parte ilegítima na execução [art.º 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT];
– Ou se entende que o meio de reação adequado é a reclamação para
o Tribunal tributário prevista no art.º 276.º do CPPT.

Embora a letra da lei não o indicie769, e haja decisões jurisprudenciais


em sentido contrário770, entendemos que o mais adequado será consi-
derar a reclamação o meio acertado de reação a tal despacho. Entre ou-
tros motivos, corroboram nesse sentido a ideia de que o que está aqui

768
V. acórdão do TC n.º 507/02, e bibliografia aí citada, disponível em http://www.
tribunalconstitucional.pt.
769
Cfr., por exemplo, art.º 151.º, n.º 1, do CPPT.
770
Cfr., por exemplo, acórdãos do STA de 27 de outubro de 2010, processo n.º 0328/10, e de
11 de maio de 2016, processo n.º 034/14.

362
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

em causa, antes de um processo de execução mal revertido (que, é certo,


também existe), é um despacho ilegal, que deve ser autonomamente
atacado, de modo a erradicar os seus efeitos e a afastá-lo do ordenamento
jurídico. De resto, pode sempre suceder que o pedido de sindicância
do ato de reversão tenha por fundamento uma realidade não incluída
no elenco das causas de oposição, o que limitaria fortemente o direito
de acesso à justiça, caso se entendesse que este seria o único meio uti-
lizável. Por outro lado, o princípio da aproveitabilidade dos atos poderá
ter aqui uma palavra a dizer: a oposição à execução tem por objetivo, em
princípio, extinguir o processo em relação ao oponente, enquanto na re-
clamação a única coisa que será de exigir será a anulação do despacho
recorrido, proferindo-se, se for caso disso, um novo despacho, prosse-
guindo o processo e aproveitando-se todos os outros atos.

6.5.6. A questão da apensação de execuções


Antes ainda de avançar no sentido do conhecimento do iter processual
em que a execução fiscal se materializa, será conveniente uma menção,
mesmo que breve, aos problemas que podem surgir nos casos de plu-
ralidade de execuções, isto é, casos em que contra o mesmo executado
podem correr várias execuções fiscais por dívidas distintas.
A este propósito, prescreve o art.º 179.º, n.º 1, do CPPT a regra da
apensação.
A apensação consiste no ato do órgão de execução fiscal que deter-
mina a tramitação conjunta de duas ou mais execuções fiscais, podendo
ocorrer a pedido do executado ou oficiosamente, quando o órgão res-
petivo o entender conveniente. Importante é as execuções “se encon-
trarem na mesma fase” (o que não deve ser entendido de modo abso-
lutamente literal ou excessivamente formalístico – como sinónimo de
“mesmo momento exato” –, mas em sentido tendencial).
Que vantagens poderão decorrer da apensação que justifiquem que o
executado a requeira?
Desde logo, as possibilidades de poupança em taxas de justiça, ten-
do em presença a dedução de uma única oposição em relação a todas as
execuções apensadas, em vez de tantas oposições quantas as execuções
separadas. Mas não apenas. Salientam-se também as possibilidades de
aceder a determinados regimes jurídicos benéficos, do ponto de vista da
sua esfera jurídica, regimes que dependerão do valor da dívida exequenda

363
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

e dos quais não poderia usufruir em caso de inexistência de apensa-


ção, como sucede, por exemplo, em matéria de pagamento em presta-
ções (nas situações em que, se a dívida exequenda exceder determina-
do valor, é possível o alargamento do número de prestações mensais até
5 anos – 60 prestações)771. Além disso, relevam igualmente as possibi-
lidades de limitação de penhoras – atendendo ao facto de que uma só
pode bastar (art.º 217.º do CPPT), em lugar de várias, respeitantes a vá-
rios débitos – ou de acesso ao recurso jurisdicional – considerando que
o valor das execuções isoladamente pode não atingir a alçada do Tribu-
nal, ao contrário do que pode suceder em caso de apensação (art.º 279.º,
n.º 4).
Já do ponto de vista do o órgão de execução fiscal, assumem destaque
os ganhos em termos de simplificação administrativa e uniformização de
procedimentos, evitando-se a prática de atos redundantes.
Em qualquer caso, a apensação não se fará quando possa prejudicar o
cumprimento de formalidades especiais ou, por qualquer outro motivo,
possa comprometer a eficácia da execução772.
O indeferimento do pedido de apensação – bem assim como o ato
de desapensação, nos casos em que a lei o prevê (art.º 179.º, n.º 4 do
CPPT) – pode ser objeto de sindicância jurisdicional por via da recla-
mação prevista no art.º 276.º do CPPT (reclamação dos atos do órgão de
execução)773.

6.5.7. Tramitação do processo de execução fiscal

6.5.7.1. Instauração da execução


O processo de execução fiscal inicia-se com a respetiva instauração.
Trata-se de um ato de natureza administrativa (simples “operação ma-
terial”) – daí se falar, a propósito desta fase, do seu carácter não con-
tencioso – que vai provocar toda a tramitação subsequente em que o
processo se vai materializar, e mais não é do que a remessa do título exe-

771
Cfr. art.º 196.º, n.º 5, do CPPT.
772
Assim, art.º 179.º, n.º 3 do CPPT.
773
Cfr., por exemplo, acórdãos do STA de 14 de setembro 2011, de 21 de março de 2012, de
28 de novembro de 2012 e de 16 de janeiro de 2013, respetivamente, processos n.os 242/11,
867/11, 840/12 e 292/12.

364
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

cutivo ao órgão da execução. Refere a este propósito o art.º 10.º, n.º 1,


alínea f ) do CPPT, que “aos serviços da Administração tributária cabe
(…) instaurar os processos de execução fiscal (…)”.
Utilizando as palavras do Tribunal Constitucional774, o ato de instau-
ração da execução fiscal mais não corresponde do que à apresentação do
título executivo, por parte do credor tributário, na repartição de finan-
ças. Em tal momento, será lavrado despacho, no(s) próprio(s) título(s)
ou numa relação deles – despacho esse que terá uma funcionalidade
equivalente a uma fórmula de “execute-se” – e proceder-se-á ao respe­
tivo registo775. Não se exige, por conseguinte, a apresentação de qual-
quer requerimento ou petição.
A instauração e os atos da execução são praticados no órgão da admi-
nistração tributária designado, mediante despacho, pelo dirigente má­
ximo do serviço. Na falta de designação, a instauração e os atos da exe-
cução são praticados no órgão periférico regional da área do domicílio
ou sede do devedor776.
Nos quadros do sistema tributário atual, o ato de instauração assume
frequentemente a natureza de ato informático, na medida em que o mesmo
se realiza automaticamente, decorrido o prazo de pagamento voluntá-
rio sem que tenha havido o cumprimento por parte do respetivo sujeito
adstrito. Por outras palavras: mal decorra o termo legal de pagamento
voluntário, o próprio “sistema informático”, sem a intervenção de uma
vontade humana direta, pode assumir uma ordem previamente incorpo-
rada nesse sentido e pode instaurar o processo. Não se trata, em todo o
caso, de uma vontade não humana, como em momento anterior das pre-
sentes Lições já se tentou demonstrar. A máquina, por si só, não decide.
Mais problemática poderá ser a questão dessa mesma instauração se
poder verificar estando ainda a decorrer os prazos legais de defesa do
contribuinte incumpridor. Na verdade, é muito frequente que a exe­
cução seja instaurada ainda dentro do prazo de impugnação judicial (em
regra, três meses, como se viu), dando origem a uma situação, no mí­
nimo, estranha: o contribuinte – que, abstratamente pode ter razão (não
obstante a presunção de legalidade dos atos da AT e o correspondente pri-
vilégio de execução prévia) – vê o seu património gravado com um processo
774
Cfr. acórdão n.º 80/2003, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt.
775
V. art.º 188.º, n.º 1 do CPPT.
776
V. art.º 150.º do CPPT.

365
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

intrusivo e agressivo, sem que tenha tido (ainda) a possibilidade de se


defender.
É, de facto, uma situação estranha, mas não é violadora das dimen-
sões essenciais do ordenamento, nem inconstitucional.
Com efeito, o Tribunal Constitucional já assumiu perentoriamente a
conformidade constitucional dessa possibilidade (instauração “prema-
tura” da execução), referindo que a mesma não impede o contribuinte
de exercer, no próprio processo executivo, os meios de defesa que con-
sidere convenientes (v.g., oposição à execução), obtendo eventualmente
o efeito suspensivo do mesmo, mediante a prestação de garantia idónea
ou requerendo a respetiva isenção777. Os seus direitos ficarão, assim,
“devidamente acautelados”

6.5.7.2. Citação do executado


Instaurada a execução, segue-se, nos termos do referido art.º 188.º do
CPPT, uma das mais importantes fases do processo: a citação do exe­
cutado.

a) Funções da citação
Nos termos do art.º 35.º, n.º 2 do CPPT, a citação é o ato destinado a dar
conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determina-
da execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada
(como, por exemplo, os responsáveis subsidiários). Trata-se de um dos
momentos fundamentais e nucleares em toda a dinâmica do processo de
execução fiscal, pois é a partir daqui que o executado vai poder reagir,
sendo que tal reação se pode consubstanciar, numa primeira aborda-
gem, em uma de três atitudes778: opor-se à execução, requerer o paga-
mento em prestações, ou requerer a dação em pagamento.
Do mesmo modo, em relação ao responsável subsidiário, a citação faz
também começar a correr o prazo para o pagamento da dívida (ficando
isento de juros de mora e custas), a dedução de oposição, a apresentação
de reclamação graciosa, de pedido de revisão da matéria tributável ou de
impugnação judicial779.

777
V., a respeito, acórdão do Tribunal Constitucional n.º 332/01.
778
Cfr. art.º 189.º, n.os 1, 2 e 3 do CPPT.
779
Cfr. art.os 23.º, n.º 5 e 22.º, n,.º 5 da LGT. Quanto ao pedido de revisão da matéria tributá-
vel (relativamente ao qual se podem suscitar dúvidas no respeitante à admissibilidade neste

366
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

A citação assume uma tal importância que, em primeiro lugar, a sua


ocorrência interrompe o prazo de prescrição dos tributos (art.º 49.º,
n.º 1 da LGT) e, em segundo lugar, a sua falta, nos termos do art.º 165.º,
n.º 1, alínea a), do CPPT, constitui uma nulidade insanável no pro­cesso.
Esta nulidade pode ser conhecida oficiosamente ou pode ser arguida
mediante um meio autónomo: um “requerimento de arguição de nuli-
dade da citação”780 (mas não em sede de oposição à execução, pois a sua
verificação não conduz à extinção desta, como acontece na oposição781).

b) Exigências legais da citação


À semelhança do que sucede com as notificações – sobre as quais já de-
bruçamos o nosso estudo –, para que a citação possa produzir os seus
efeitos, é necessário que seja feita nos termos legalmente previstos,
cumprindo os requisitos de forma e de substância que para cada caso
são exigidos. A tais requisitos faremos referência de seguida.

α) Exigências formais
Sob o ponto de vista formal, em processo de execução fiscal, a citação –
que não tem necessariamente de ser feita na pessoa do executado pois,
como refere o art.º 190.º, n.º 5 do CPPT, poderá ser feita na pessoa do
seu legal representante – pode materializar-se num ato pessoal, pos-
tal ou edital. A este respeito, e em face da redação das disposições do
CPPT, nomeadamente dos artigos 190.º, 191.º e 192.º, quer parecer que
a regra será a citação pessoal, funcionando as citações postal e edital
como exceções, quer para aqueles casos ou em que o processo tem dimi-
nuto valor, quer para aqueles em que a pessoa a citar não é encontrada.
Vejamos, então, os casos em que cada uma das citações poderá ocor-
rer e, uma vez que a citação pessoal é determinada por exclusão de par-
tes, vejamos, em primeiro lugar, as outras situações.
i) Citação postal. Este tipo de citação verifica-se em todos os proces-
sos (exceto casos de responsabilidade subsidiária, em que a cita-
ção será sempre pessoal) cuja quantia exequenda não exceda 500

contexto), v. acórdãos do STA de 17 de março de 2011, processo n.º 0876/09 e de 13 de julho


de 2015, processo n.º 0732/14.
780
Cfr. acórdãos do STA de 6 de março de 1996, processo n.º 019775, e do TCA-S de 3 de
novembro de 2009, processo n.º 03417/09.
781
Neste sentido, acórdão do STA de 28 de fevereiro de 2007, processo n.º 0803/04.

367
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

unidades de conta782, sendo que o postal em questão poderá ser


simples ou registado: simples, quando a quantia exequenda não
for superior a 50 unidades de conta; registado, nos restantes casos
(sem exceder, obviamente, 500 unidades de conta). Num impulso
contemplador das novas tecnologias comunicativas, o legislador
prevê que a citação postal poderá ser efetuada para o domicílio
fiscal eletrónico, valendo como citação pessoal783. Nesta situação, as ci-
tações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se
efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização
daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações
eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal ele-
trónica da pessoa a citar. A presunção só pode ser ilidida pelo cita-
do quando, por facto que não lhe seja imputável, a citação ocorrer
em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove
que o contribuinte comunicou a alteração da morada nos termos
do artigo 43.º, do CPPT784. Em todos estes casos, se o postal não
vier devolvido – ou, sendo devolvido, não se indicar a nova morada
do executado – e em caso de não acesso à caixa postal eletrónica,
proceder-se-á logo à penhora. Se, na diligência da penhora, houver
possibilidade, citar-se-á o executado pessoalmente, com a infor-
mação de que, se não efetuar o pagamento ou não deduzir oposi-
ção no prazo de 30 dias, será designado dia para a venda, que não
poderá suceder antes de decorridos 30 dias sobre o termo daquele
prazo785.
ii) Citação edital. Esta citação, é efetuada por meio de éditos afixa-
dos no órgão da execução fiscal da área da última residência do
citando e nesta última residência (ou sede), além de publicados em
dois números seguidos de um dos jornais mais lidos nesse local ou

782
Cfr. art.º 191.º, n.º s 1 e 3, do CPPT.
783
V. art.º 191.º, n.º 4, do CPPT e acórdão do STA de 11/de outubro de 2017, processo
n.º 0203/17. A consideração da citação como pessoal é importante para vários fins, designa­
damente para efeitos de início de contagem do prazo para oposição à execução (art.º 203.º,
n.º 1, do CPPT).
784
Cfr. art.º 191.º, n.os 6 e 7, do CPPT.
785
Cfr. art.º 193.º, n.os 1, 2 e 4 do CPPT.

368
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

no Portal das Finanças786, e terá lugar nos casos previstos no art.º


192.º, n.º 4, a saber:
– Desconhecimento da residência;
– Prestada a informação de que a pessoa reside em parte incerta;
– Devolução de carta ou postal com a indicação de não encon­
trado.
iii) Por último, a citação pessoal (que deverá ser feita nos termos do
CPC787), terá lugar em todos os outros casos – i. é, execuções cuja
quantia exequenda exceda 500 unidades de conta e o paradeiro
do executado seja “conhecido” –, e obrigatoriamente nos casos de
responsabilidade subsidiária, independentemente do valor da dí-
vida exequenda, quando houver necessidade de proceder à venda
de bens, ou quando o órgão de execução fiscal a considerar mais
eficaz para a cobrança da dívida788.

É importante observar que nas execuções de valor superior a 500


unidades de conta (excluem-se, portanto, os casos de citação postal),
quando o executado não for encontrado, o funcionário encarregado da
citação deverá averiguar se o executado possui bens penhoráveis. Se for
o caso, proceder-se-á logo à penhora789.
Nos termos do no n.º 6 do art.º 190.º do CPPT, “sem prejuízo do dis-
posto nos números anteriores, só ocorre falta de citação quando o respe­
tivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do
ato por motivo que não lhe foi imputável” (sublinhado nosso).
786
Cfr. art.º 192.º, n.os 7 e 8 do CPPT.
787
V. art.º 192.º, n.º 1, do CPPT. Uma decorrência desta remissão é a circunstância de que,
tendo lugar a citação pessoal do executado em processo de execução fiscal, de acordo com
o regime previsto no CPC (cfr. art.º 225.º), ao prazo para a prática do ato subsequente pelo
executado (dedução de oposição à execução, requerimento de pagamento em prestações
ou de dação em pagamento) acrescerão, sendo o caso, as dilações previstas no art.º 245.º do
CPC. Por exemplo, no caso de o oponente ter sido citado através de terceiro, ao prazo de
oposição (30 dias) deve fazer-se acrescer uma dilação de cinco dias, nos termos do disposto
no art. 245.º, n.º 1, alínea a), do CPC, pelo que, atento o disposto no art.º 142.º do mesmo
código (“quando um prazo perentório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-
-se como um só”), a contagem faz-se como se o prazo fosse um único de 30 e cinco dias.
Cfr. Acórdãos do TCA-S de 27 de janeiro de 2004, processo n.º 01053/03 e do STA de 19 de
abril de 2017, processo n.º 0214/17.
788
V., uma vez mais, art.º 191.º, n.º 3, do CPPT.
789
Cfr. art.º 194.º do CPPT.

369
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

β) Exigências substanciais
Sob o ponto de vista material ou substancial, a citação – que deverá ser
sempre acompanhada de cópia do título executivo – deve conter a nota
indicativa do prazo para a oposição ou para a dação em pagamento, bem
como a indicação de que a suspensão da execução e a regularização da
situação tributária dependem da efetiva existência de garantia idónea
ou da obtenção de autorização da sua dispensa790.

6.5.7.3. A reação do executado


Como dissemos, a citação comunicará ao devedor que ele poderá dedu-
zir oposição à execução, requerer o pagamento em prestações ou a dação
em pagamento791.
Os dois últimos pedidos, em princípio, serão alternativos, mas nada
impede que sejam deduzidos cumulativa e simultaneamente, embora o
pedido de pagamento em prestações fique suspenso até decisão do pe-
dido de dação. Por outro lado, se os bens oferecidos em dação não forem
suficientes para o pagamento da dívida exequenda, pode o excedente
beneficiar do pagamento em prestações792.
Vejamos especificadamente cada uma das situações.

6.5.7.3.1. Dedução de oposição

a) Pressupostos genéricos – prestação de garantia e direito a in­


demnização
A oposição é o ato processual mediante o qual o executado pode colocar
em crise a pretensão executiva do credor tributário. Adiante veremos
que não o poderá fazer com todos os fundamentos que entender, mas,
por agora, importa reter alguns aspetos essenciais do regime da oposição.
Deve-se começar por assinalar que, contrariamente ao que parece
indi­ciar o art.º 212.º do CPPT (“a oposição suspende a execução, nos ter-
mos do presente Código”), a oposição não tem, por si só, efeitos suspen-
sivos da execução. Apenas o terá se for prestada garantia adequada ou
idónea, ou a penhora garanta a totalidade da dívida e do acrescido – é

790
Assim, art.º 190.º do CPPT. Quanto à indicação dos meios de reação, v. acórdão do STA de
20 de fevereiro de 2013, processo n.º 01147/12.
791
V. art.º 189.º, n.º 1, do CPPT.
792
Cfr. art.º 189.º, n.os 4 e 5 do CPPT.

370
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

este o alcance da parte final do preceito referido, que necessita de arti-


culação com outros normativos793. Se for o caso, interposta a oposição, o
processo não poderá seguir para as fases seguintes, eventualmente para
venda.
Tal a importância dos assuntos, e, não obstante se tratar de núcleos
temáticos ou materiais já anteriormente abordados, justifica-se uma re-
visitação dos mesmos794.

***

As garantias – que nem sempre são acessíveis e fáceis de conseguir


– têm como principal finalidade acautelar o crédito tributário na pen-
dência do processo e, por isso, devem ser “idóneas”. Entende o legis-
lador que essa idoneidade se pode verificar quando o executado apre-
senta garantia bancária, caução, seguro-caução, penhor ou hipoteca,
embora admita “qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do
exequente”795.
Assim sendo, se o executado, opondo-se à execução (ou mesmo an-
tes disso, uma vez que ele pode prestar garantia antecipada796), não pre-
tende ver o seu património afetado ou onerado, desde já deve diligen-
ciar no sentido de conseguir um ou mais dos meios referidos – sendo
notificado para tal e dispondo de um prazo de 15 dias para o fazer797 –
e fica com a segurança de que o processo pára nesse momento e até à
reso­lução da sua oposição.
Pode ainda, se for acaso disso e se assim o entender, invocar a dis­
pensa de prestação de garantia, na petição em que formula a oposição798.
A este propósito, o legislador entende que a garantia pode ser dispensa-
da em duas situações:
i) A sua prestação causar prejuízo irreparável; ou
ii) Seja manifesta a falta de meios económicos revelada pela insufi­
ciência de bens penhoráveis desde que não existam fortes indícios

793
Cfr., nomeadamente, art.os 169.º, n.os 1 e 5, do CPPT e 52.º, n.os 1 e 2, da LGT.
794
Cfr. o que supra dissemos, Introdução, 6.3. (“A inexistência de efeito suspensivo e a ne-
cessidade de prestação de garantia adequada”).
795
Cfr. art.º 199.º, n.os 1 e 2, do CPPT.
796
Cfr. art.º 169.º, n.º 2, do CPPT.
797
Cfr. art.º 169.º, n.º 7, do CPPT.
798
V. art.º 199.º, n.º 3, do CPPT.

371
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação


dolosa do interessado799.
Deve assinalar-se que o entendimento jurisprudencial dominante
tem defendido que nos casos em que existem dois executados respon-
sáveis solidários que deduzam oposições contra a mesma execução e em
que só um deles presta garantia, devem os efeitos suspensivos da garantia
prestada sobre a execução estender-se ao outro executado oponente800.
Por último saliente-se que (i) se o executado tiver provimento na sua
oposição e (ii) a garantia se tenha mantido por período superior a três
anos, poderá ele ser indemnizado pelos prejuízos entretanto sofridos801.

b) Requisitos da oposição
O ato jurídico de oposição, enquanto meio processual adequado para
concretização do direito de resistência constitucionalmente previsto
(art.º 103.º, n.º 3 da CRP), deve observar determinadas exigências. Veja-
mos sumariamente quais.

α) Requisitos materiais
A oposição à execução só pode ter por base os seguintes fundamentos
(tratando-se, portanto, de um elenco taxativo, embora não fechado, ao
menos numa primeira leitura)802:
– Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à
data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar
autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva
liquidação;
– Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor
que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura,
não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o
possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e
não ser responsável pelo pagamento da dívida803;
799
Cfr. art.º 52.º, n.º 4, da LGT.
800
Cfr. acórdão do STA de 8 de maiode 2013, processo n.º 0593/13.
801
Cfr. art.º 53.º, n.º 1, da LGT. O requisito dos três anos de manutenção da garantia não se
exige se houver erro imputável aos serviços. V., ainda, art.º 171.º do CPPT.
802
V. art.º 204.º, n.º 1, do CPPT. Cfr. acórdão do TC n.º 1171/96, disponível em http://www.
tribunalconstitucional.pt.
803
V., a respeito dos administradores e gerentes, art.º 208.º, n.º 2.

372
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da


execução804;
– Prescrição da dívida exequenda;
– Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
– Pagamento ou anulação da dívida exequenda;
– Duplicação de coleta805;
– Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não
assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de
liquidação;
– Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores a pro-
var apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da
legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem in-
terferência em matéria de exclusiva competência da entidade que
houver extraído o título.

Como se pode constatar, não é possível, salvo em casos muito exce-


cionais, questionar em processo executivo e em sede de oposição, a le-
galidade da dívida exequenda (“ilegalidade em concreto”), até porque
esta já se considera certa, líquida e exigível, tendo, em princípio, decor-
rido já os respetivos prazos de reclamação, revisão e impugnação. Porém
esta regra da insusceptibilidade do questionamento da legalidade em
sede executiva deve ser interpretada em termos flexíveis, pois o ordena-
mento reconhece situações que, num ou noutro sentido, se podem con-
figurar como desvios à mesma. Pense-se, nas seguintes circunstâncias:
– Pode ser invocada a “ilegalidade em abstrato” [alínea a) do art.º
204.º do CPPT], consubstanciada nas circunstâncias de inexistir
a lei em vigor à data dos factos ou a autorização para a cobrança.
As realidades, ainda assim, não se confundem, pois aqui (“ilegali-
dade em abstrato”) a ilegalidade não fulmina diretamente no ato
de liquidação, mas sim a própria lei que lhe subjaz que, porventura,

804
Cfr., a propósito, acórdãos do TCA-S de 26 de outubro de 2004, processo n.º 00227/04, e
de 17 de março de 2016, processo n.º 05361/12.
805
A este propósito, entende-se que haverá duplicação de coleta quando, estando pago por
inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza,
referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo (art.º 205.º, n.º 1, do
CPPT).

373
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

violará normas de hierarquia superior (CRP, normas de Direito eu-


ropeu ou internacional ou mesmo normas legais)806;
– Pode ser invocada a legalidade da liquidação da dívida exequenda,
sempre que não seja assegurado meio de impugnação ou recurso
contra o ato de liquidação [alínea h)]. Estas situações ocorrem, por
exemplo, quando o executado não foi previamente notificado deste
último, situação não rara em matéria de coimas. Entende aqui a
juris­prudência dominante que não é o processo de execução fiscal
a sede própria para efetuar tal diligência comunicativa, pois, em
rigor, o executado não apenas se teria visto privado da atempada
possibilidade de impugnar a decisão condenatória, como também
não disporia de elementos suficientes para “poder aquilatar” da fal-
sidade ou veracidade do título executivo, ou verificar se estão devi-
damente contabilizados os juros de mora, o montante exequendo,
etc.807.

Por conseguinte, em ocorrências como as acabadas de apontar, po-


dem, efetivamente, ser suscitadas questões atinentes à “legalidade” lato
sensu. Trata-se, em qualquer caso, de situações excecionais.
No que diz respeito à cláusula aberta prevista na última alínea do
art.º 204.º do CPPT [“quaisquer fundamentos (...) desde que não en-
volvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda...”],
tem a jurisprudência entendido que aqui se subsumem, entre outras, si-
tuações nas quais o executado se opõe com base na instauração indevida
da execução (porque o obrigado tributário apresentou garantia idónea
ou lhe foi deferido o respetivo pedido de isenção)808. Do mesmo modo,
é de admitir a invocação do vício na comunicação de atos (notificações,
cita­ções) numa língua diferente da que o destinatário compreende (e
que não seja a língua oficial do Estado em causa)809.
806
Cfr., a respeito, acórdão do STA de 7 de fevereiro de 2007, processo n.º 0619/06.
807
Cfr., por exemplo, acórdãos do STA de 3 de dezembro de 2014, processo n.º 042614; e
de 6 de maio de 2015, processo n.º 0228/15; do TCA-N de 14 de junho de 2017, processo
n.º 01452/16.2BEBRG e do TCA-S de 15 de dezembro de 2016, processo n.º 09453/16.
808
V. acórdão do STA de 8 de fevereiro de 2017, processo n.º 0177/15. V., ainda, acórdão do
TCA-S de 15 de dezembro de 2016, processo n.º 09453/16.
809
Assim, Neto, Dulce, A competência internacional dos tribunais tributários ao abrigo do meca­
nismo de assistência mútua entre Estados-membros da UE em matéria de cobrança de créditos fiscais, in
Contraordenações tributárias e temas de direito processual tributário, Centro de Estudos Judiciários,

374
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

A finalizar, convém ainda notar que, nos termos do art.º 175.º do


CPPT, a prescrição e a duplicação da coleta deverão ser conhecidas ofi-
ciosamente pelo juiz.
Por outro lado, se o oponente, na sua peça processual, colocar ques-
tões de Direito privado, pode o Tribunal tributário ”remeter a aprecia-
ção dessas questões para os tribunais comuns, sobrestando na decisão
da oposição até que aqueles tribunais as decidam, e julgando, depois, a
oposição em conformidade”810.

β) Requisitos formais
A oposição é um ato formal. Deverá ser feita através de uma petição – a
ser apresentada no órgão da execução fiscal onde pender a execução811 –,
que será elaborada em triplicado, e juntamente com a qual o executado
oferecerá todos os documentos, arrolará testemunhas e requererá as de-
mais provas812/813.
Além disso, não pode ser esquecida a indicação do valor da causa ou
do processo, o qual deve ser certo e expresso em moeda legal, represen-
tando a utilidade económica imediata do pedido. Naturalmente que se
compreende esta exigência, pois é a partir desse valor que se determina
a recorribilidade da decisão a proferir pelo Tribunal tributário.
Ora, sendo certo que tal indicação deve ser feita por uma declaração
explícita nesse sentido, não o é menos que se houver afirmações de que
se deduza, com toda a probabilidade, qual o valor que o oponente atri-
bui à oposição, não haverá obstáculo a que seja este considerado, sendo
o que sucede, por exemplo, se é utilizada a fórmula “valor do processo: o
da quantia exequenda”. Neste caso, entende a jurisprudência que a exi-
gência no final da petição do número de Euros em questão seria impor
um “rigorismo formulário inadmissível”, sendo, portanto, redundante e
desnecessária nova declaração expressa sobre o valor da causa814.

Lisboa, 2016, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebook_administrativo_fis-


cal.php, p. 54.
810
Assim, acórdão do STA de 29 de novembro de 2000, processo n.º 025177.
811
Cfr. art.º 207.º, n.º 1, do CPPT.
812
Assim, art.º 206.º do CPPT.
813
Quanto às possibilidades de coligação (de executados), v. art.º 206.º-A do CPPT.
814
Assim, acórdãos do STA de 10 de novembro de 2010, processo n.º 0557/10, e de 27 de
janeiro de 2016, processo n.º 0789/15.

375
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

γ) Requisitos temporais
Do ponto de vista temporal, há a assinalar que a petição de oposição à
execução fiscal deve, nos termos do art.º 203.º, n.º 1, do CPPT, ser inter-
posta no prazo de 30 dias, que serão contados da citação pessoal; da pri-
meira penhora; da data em que tiver ocorrido facto superveniente; ou
do conhecimento deste pelo executado815.
Trata-se, aquele, de um prazo processual816.

c) Tramitação do processo de oposição


Após ter sido recebida pelo órgão competente, a petição deverá ser
autuada e no prazo de 20 dias remetida para o Tribunal (art.º 208.º do
CPPT)817. Por aqui se vê que o processo só haverá de prosseguir para
uma fase judicial se o executado deduzir oposição, pois nas outras situa­
ções o processo ou se extingue ou prossegue perante os órgãos da Admi­
nistração tributária para penhora e eventual venda.
Recebido o processo, o juiz do Tribunal tributário de primeira ins-
tância poderá proferir despacho de indeferimento liminar (nas situações de
intempestividade, não alegação de fundamentos admissíveis, manifesta
improcedência ou não junção de documento quando tal seja absoluta-
mente necessário818) ou notificar o representante da Fazenda Pública
para, no prazo de 30 dias, contestar819.
A partir daqui, e como refere o art.º 211.º, n.º 1, seguir-se-ão os ter-
mos estabelecidos para o processo de impugnação judicial (isto é, ins-
trução, alegações, vista ao Ministério Público e sentença), pelo que para
lá se remete820.
Transitada em julgado a sentença que decidir a oposição – e, obvia-
mente, em caso de insucesso da pretensão do executado – o processo

815
V. acórdãos do STA de 30 de janeiro de 2013, processo n.º 0820/12 e de 22 de fevereiro
de 2017, processo n.º 0706/16. É de salientar que, havendo vários executados, os prazos
correrão independentemente para cada um deles (art.º 203.º, n.º 2 do CPPT).
816
V. acórdão do STA de 5 de junho de 2013, processo n.º 0868/13.
817
Nesta fase, a lei confere a esse mesmo órgão da Administração fiscal a possibilidade de
revogar o ato em questão (art.º 208.º, n.º 2, CPPT).
818
V. art.os 209.º e 204.º, n.º 1, alínea i) do CPPT
819
Cfr. art.º 210.º do CPPT.
820
Sobre a eventual omissão de vista ao Ministério Público (nesta sede), v. acórdão do TCA-
-N de 29 de outubro de 2015, processo n.º 00585/11.6BEBRG.

376
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

será devolvido aos órgãos da Administração tributária, para que se pro-


ceda aos termos subsequentes821.
Caso a oposição seja deferida, normalmente extingue-se a execução822.

6.5.7.3.2. Requerimento de dação em pagamento


O instituto da dação, como é sabido, consiste numa forma de extinção
das obrigações tributárias mediante a qual o devedor entrega ao cre-
dor uma coisa diferente da inicialmente estabelecida. Aqui, no lugar do
paga­mento em dinheiro, procura-se assegurar o pagamento através de
outros bens, móveis ou imóveis.
Tal dação deve ser requerida e é autorizada mediante despacho.
Vejamos os termos essenciais em que o requerimento deve ser efe­
tuado e o despacho deve ser proferido.

Para que seja autorizada a dação, o art.º 201.º, n.º 1, do CPPT, exige
dois pressupostos essenciais (além, obviamente, do pressuposto básico
de estar a decorrer a execução823):
– Em primeiro lugar, o executado deverá oferecer uma descrição por-
menorizada dos bens dados em pagamento; e
– Em segundo lugar, os bens dados em pagamento não devem ser
de valor superior à dívida exequenda e acrescido (salvo os casos de
se demonstrar a possibilidade de imediata utilização dos referidos
bens para fins de interesse público ou social, ou de a dação se efe-
tuar no âmbito do processo conducente à celebração de acordo de
recuperação de créditos do Estado)824.

821
V. art.º 213.º do CPPT.
822
Sobre as possibilidades de suspensão em caso de deferimento da oposição, v. acórdão
do STA de 16 de dezembro de 2015, processo n.º 0361/14. V., ainda, declaração de voto da
Conselheira Dulce Neto, aposta ao acórdão do STA de 8 de fevereiro de 2017, processo
n.º 0177/15.
823
Não obstante, pode ser requerida a dação antes de instaurada a execução fiscal. Cfr., a
propósito, art.º 87.º do CPPT.
824
Em caso de aceitação da dação em pagamento de bens de valor superior à dívida exe­
quenda e acrescido, o despacho que a autoriza constitui, a favor do devedor, um crédito – de
natureza intransmissível e impenhorável – no montante desse excesso, a utilizar eventual-
mente nas seguintes situações:
– Em futuros pagamentos de impostos ou outras prestações tributárias,
– Na aquisição de bens ou de serviços no prazo de 5 anos, ou

377
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Em termos formais, o pedido de dação deverá ser efetuado mediante


requerimento a apresentar no órgão periférico local e a dirigir ao Mi-
nistro ou órgão executivo de quem dependa a Administração tributária
legalmente competente para a liquidação e cobrança da dívida825. Após a
apresentação do requerimento, três situações há a distinguir826:
i) O dirigente máximo do serviço remete o processo para o órgão
decisor, sem mais;
ii) O dirigente máximo do serviço remete o processo para o órgão
deci­sor, com a menção de que não há interesse em autorizar a da-
ção; ou
iii) O dirigente máximo do serviço solicita uma avaliação dos bens em
causa. Esta avaliação deverá ser efetuada pelo valor de mercado
dos bens, tendo em conta a maior ou menor possibilidade da sua
realização, e as despesas inerentes “entram em regra de custas do
processo de execução fiscal, devendo o devedor efetuar o respe­
tivo preparo no prazo de 5 dias a contar da data da notificação, sob
pena de não prosseguimento do pedido”.

O requerimento para autorizar a dação em pagamento deverá ser


apresentado no prazo de oposição à execução (a regra é o prazo de 30
dias a contar da citação).
A decisão sobre o pedido de dação em pagamento deve qualificar-se
como um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária – e não
um simples ato de trâmite –, inserido no âmbito de um procedimento
tributário autónomo, sendo-lhe assim aplicáveis os princípios gerais que
regulam a atividade administrativa e as normas que a Lei Geral Tributá-
ria prevê para os procedimentos tributários, nomeadamente o direito de
audição previsto no artigo 60.º827.

– No pagamento de rendas.
Em todos estes casos, apenas será possível a constituição do referido crédito desde que as
receitas correspondentes estejam sob a administração do Ministério ou órgão executivo por
onde corra o processo de dação (art.º 201.º, n.º 9, do CPPT).
825
Cfr. art.º 201.º, n.º 1, do CPPT.
826
V. art.º 201.º, n.os 3, 5 e 6, do CPPT.
827
Nesses precisos termos, acórdão do STA de 10 de abril de 2013, processo n.º 0441/13.

378
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

6.5.7.3.3. Solicitação do pagamento em prestações


O pagamento em prestações das dívidas tributárias, compreensivel­
mente, não funciona de uma forma automática, dependendo também de
solicitação do interessado. Sob o ponto de vista material, o pagamento em
prestações pode ser autorizado desde que se verifique que o executado,
pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez828.
Por outro lado, o legislador, no n.º 2 do art.º 196.º, traça uma regra
de abrangência negativa, ao prescrever que esta forma de pagamento
não é aplicável às dívidas de recursos próprios comunitários e às dívidas
respeitantes à falta de entrega, dentro dos respetivos prazos, de imposto
retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de
falecimento do executado829.
É de salientar que a importância a dividir em prestações não compre-
ende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida
exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento (art.º
196.º, n.º 8).
Quanto às prestações propriamente ditas, em princípio, serão au-
torizadas num número máximo de 36 e o valor de qualquer uma delas
não deve ser inferior a 1 unidade de conta830 no momento da autoriza-
ção (art.º 196.º, n.º 4). Contudo, em situações de “notória dificuldade
financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores”,
poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dí-
vida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autori-
zação, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da
conta (art.º 196.º, n.º 5). Quando, para efeitos de plano de recuperação
a aprovar no âmbito de processo de insolvência ou de processo espe-

828
Assim, art.º 196.º, n.º 4 do CPPT.
829
Todavia, é excecionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações de tais
dívidas, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal que ao caso cou-
ber, quando (i) o pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de
processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou em acordo sujeito ao re-
gime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação, e decorra do
plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida; ou (ii) quando se
demonstre a dificuldade financeira excecional e previsíveis consequências económicas gra-
vosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 24 e o valor de qualquer delas
ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização (art.º 196.º, n.º 3).
830
A unidade de conta processual (UC) é uma quantia em dinheiro, utilizada para fins pro-
cessuais da mais variada natureza.

379
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

cial de revitalização, ou de acordo a sujeitar ao regime extrajudicial de


recuperação de empresas do qual a administração tributária seja parte,
se demonstre a indispensabilidade da medida, e ainda quando os riscos
inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a admi-
nistração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja
alargado até ao limite máximo de 150 prestações (n.º 6).
Finalmente, deve-se salientar que a falta de pagamento sucessivo de três
prestações, ou de seis interpoladas, importa o vencimento imediato das seguintes,
se, no prazo de 30 dias a contar da notificação para o efeito, o executado não pro-
ceder ao pagamento das prestações incumpridas, prosseguindo o processo de
execução fiscal os seus normais termos. Além disso, a entidade que tiver
prestado a garantia será citada para, no prazo de 30 dias, efetuar o paga-
mento da dívida ainda existente e acrescido até ao montante da garantia
prestada, sob pena de ser executada no processo831.
Sob o ponto de vista formal, o pagamento em prestações depende da
interposição de um requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao
órgão da execução fiscal, e onde o executado indicará a forma como se
propõe efetuar o pagamento e os fundamentos da proposta832.
Juntamente com tal requerimento, duas solicitações alternativas
deverão ser formuladas.
Em primeiro lugar, poderá o executado “oferecer garantia idónea”
(art.º 199.º, n.º1)833, com o objetivo de procurar assegurar o direito de
crédito do exequente. Tal garantia: (i) quantitativamente, e nos termos
do n.º 6, será prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora
(até à data do pedido, com limite de 5 anos) e custas na totalidade,
acrescida de 25% da soma daqueles valores; e (ii) temporalmente, será
constituída para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para
efetuar o pagamento, acrescido de 3 meses, e deverá ser, em princípio,
apresentada (não confundir com a respetiva solicitação) no prazo de 15
dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de

831
Cfr. art.º 200.º, n.os 1 e 2 do CPPT.
832
V. art.os 197.º e 198.º do CPPT.
833
Tal garantia idónea poderá, nos termos do preceito referido no texto (e do n.º 2 do mesmo
artigo), assumir diversas formas como, por exemplo, garantia bancária, caução, seguro-cau-
ção, penhor ou hipoteca voluntária. De salientar que a entidade que prestar a garantia será
chamada a efetuar o pagamento, logo que falte qualquer uma das prestações (art.º 200.º,
n.º2).

380
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até 30


dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excecionais
(n.º 7).
Em segundo lugar, poderá requerer a isenção da prestação de garan-
tia (art.º 199.º, n.º3)834.
Após receção e instrução dos pedidos com todas as informações de
que se disponha, estes são imediatamente apreciados pelo órgão da exe-
cução fiscal ou, sendo caso disso, imediatamente remetidos após rece-
ção para sancionamento superior, devendo o pagamento da primeira
prestação ser efetuado no mês seguinte àquele em que for notificado o
despacho835.

6.5.7.4. Penhora

6.5.7.4.1. Enquadramento do ato de penhora


Nos quadros da teoria geral do processo, a penhora vinha sendo tradi-
cionalmente encarada como um ato de apropriação de bens do patri-
mónio do executado (bens imóveis, títulos, veículos, dinheiro, etc.) por
parte do Tribunal836. Contudo, no presente contexto, e dada a específica
configuração administrativo-jurisdicional da execução fiscal, tal ato de
apropriação é levado a efeito pelo órgão da execução fiscal, através de
um ato que assume a forma clássica de mandado de penhora. Trata-se de
uma imprescindível fase do processo executivo, pois sem ela os bens do
património do executado continuariam em termos plenos na esfera jurí-
dica deste, e o órgão da execução jamais poderia proceder à sua venda,
para consignar o produto ao exequente. Após a penhora, como se com-
preende, os bens passam a estar onerados, não podendo o executado de-
les dispor livremente.
Em processo de execução fiscal, e como se pode retirar no art.º 215.º,
n.º 1, do CPPT, a regra será que a penhora se deve seguir à citação do
executado (estudada no apartado anterior), nos casos em que, após

834
Neste contexto, valerá como garantia para efeitos de isenção, a penhora já feita sobre os
bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efetuar
em bens nomeados para o efeito pelo executado (cfr. art.º 199.º, n.º 4 do CPPT).
835
Cfr. art.º 198.º, n.º 2 do CPPT.
836
Cfr., a respeito de tal ato, acórdão do Tribunal de conflitos de 18 de dezembro de 2003,
processo n.º 02/03.

381
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

esta, continue a não existir pagamento da quantia em dívida. Porém,


casos existem em que a penhora pode mesmo ser efetuada sem que
haja citação efetiva (isto é, a mesma pode ter sido enviada, mas não foi
concretizada, executada, materializada na real pessoa do seu destinatá-
rio). Tal poderá suceder em duas situações837:
– Quando a citação tiver sido efetuada por via postal e o postal não
vier devolvido ou, sendo devolvido, não indicar a nova morada do
executado; ou
– Quando a citação tiver sido efetuada por via digital (transmissão
eletrónica de dados), em casos de não acesso à caixa postal eletrónica.

Nestes casos, o contribuinte faltoso corre o risco de ver o seu patri-


mónio penhorado sem ter tido contacto efetivo (insiste-se: real, con-
creto, físico) com o processo de execução fiscal. De qualquer modo, ad-
verte-se: está-se aqui a referir apenas a possibilidade de penhora, nada
mais. O próprio legislador chama a atenção para o facto de que, nestas
situações, “[a] realização da venda depende de prévia citação pessoal”838.
Saliente-se igualmente que, em alguns dos casos pontuais, a penhora
pode materializar-se num significativo avanço em relação ao fim do pro-
cesso executivo, na medida em que se dispensa a fase da venda, por se
revelar desnecessária: pense-se por exemplo, na penhora de dinheiro de
uma conta bancária. Nestes casos, pode mesmo suceder que o processo,
na prática, termine desde já, se não houver reclamações ou outros cre-
dores para convocar (fase seguinte).
Se, eventualmente, não forem encontrados bens penhoráveis no pa-
trimónio do executado, o funcionário competente lavrará auto de dili-
gência839.

6.5.7.4.2. Bens suscetíveis de penhora e impenhorabilidades


Compreensivelmente, não se pode configurar o ato de penhora como
um ato de conteúdo abstrato, que vai recair sobre todo o património
do executado (todos os imóveis, todos os carros, todas as ações, todas
as contas bancárias, etc.), de uma forma indiscriminada. Entre outras,
razões de segurança jurídica e de salvaguarda da propriedade privada –
837
V. art.º 193.º, n.º 1, do CPPT.
838
Assim, art.º 193.º, n.º 2.
839
V. art.º 236.º, n.º 1, do CPPT.

382
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

que têm em atenção a adequada proteção dos direitos do executado –


impõem que a penhora incida sobre bens determinados, até porque tal
determinação será decisiva, posteriormente, na fase da venda. Por outras
palavras: impõe-se que sejam nomeados bens à penhora.
O direito de nomear bens à penhora considera-se sempre devolvido
ao exequente, mas o órgão da execução fiscal poderá admitir que a pe-
nhora seja feita nos bens indicados pelo executado, desde que daí não
resulte prejuízo 840.
Sob um prisma quantitativo, a penhora tem limites: será feita somente
nos bens suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, mas,
quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para o paga-
mento da execução, esta prosseguirá em outros bens841.
Qualitativamente, podem ser penhorados bens imóveis, bens mó-
veis ou juntamente bens móveis e imóveis. De salientar, neste particular
ponto – e reiterando um aspeto já anteriormente abordado –, que po-
dem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos
por qualquer Tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada
nem apensada842.
Sob o ponto de vista da sucessão temporal, a penhora começará pelos
bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre ade-
quado ao montante do crédito do exequente, e, na sua falta, tratando-se de
dívida com privilégio, pelos bens a que este respeitar, se ainda pertence-
rem ao executado843. Tal só não acontecerá se a dívida tiver garantia real
onerando bens do devedor, caso em que por estes começará a pe­nhora,
que só prosseguirá noutros bens quando se reconheça a insuficiência
dos primeiros para conseguir os fins da execução844.
Ora, neste particular, o CPPT é particularmente regulamentador de
formalidades, pelo que, em referência a alguns casos mais significativos,
parece-nos suficiente a remissão para os preceitos respetivos, a saber845:
– Penhora de bens móveis em geral: art.º 221.º;

840
Cfr. art.º 215.º, n.º 4 do CPPT.
841
V. art.º 217.º do CPPT.
842
V. art.º 218.º, n.º 3 do CPPT.
843
Cfr. art.º 219.º, n.os 1 e 2, do CPPT.
844
Assim, art.º 219.º, n.º 4, do CPPT.
845
Quanto ao estabelecimento comercial, enquanto bem suscetível de coisificação e de
penhora v. acórdão do STA de 14 de fevereiro de 2013, processo n.º 04/13.

383
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Penhora de bens imóveis: art.º 231.º;


– Penhora de automóveis de aluguer: art.º 222.º;
– Penhora de dinheiro ou valores depositados: art.º 223.º;
– Penhora de créditos: 224.º;
– Penhora de partes sociais ou quotas: art.º 225.º;
– Penhora de títulos de crédito: art.º 226.º;
– Penhora de abonos, vencimentos (funcionários públicos) ou salários
(entidades privadas): art.º 227.º;
– Penhora de rendimentos: art.os 228.º e 229.º

Porém, independentemente destas especificidades, existem bens, ou


partes de bens, insuscetíveis de penhora, por motivos vários: seja porque,
em termos amplos, se pretende assegurar a dignidade da pessoa humana,
seja porque, em termos mais restritos, se pretende garantir a cada um
os meios necessários para obter independência económica e adequada
subsistência individual e social. Em qualquer dos casos, trata-se de ga-
rantir e dar efetividade a determinadas dimensões constitucionais que
poderiam perigar caso a oneração por esta via fosse possível (digni­dade
da pessoa humana, direito ao trabalho, direito à saúde, direito à habita-
ção, direito à proteção na infância, velhice ou incapacidade, etc.).
O rol de impenhorabilidades consta do CPC, aqui aplicável a título
subsidiário. Do vasto conjunto de regras ali constantes846 – e além dos
casos patentes, como os bens do domínio público (edifícios públicos, mo-
numentos nacionais, estradas, linhas de caminho de ferro, rios, praias,
etc.), os objetos destinados ao culto público, ou os túmulos –, salientam-
-se, com particular utilidade para a economia e propósitos das presentes
lições, os seguintes bens insuscetíveis de ser penhorados, total ou par-
cialmente, consoante os casos:
– Dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações
periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra rega­
lia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou
prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do
executado847;

846
Cf. art.os 735.º e ss. do CPC, ex vi, art.º 2.º do CPPT.
847
Quanto são modo de cálculo da “parte líquida” dos vencimentos insuscetível de penhora,
v. acórdão do STA, de 09 de janeiro de 2019, processo n.º 0969/18.9BELRS. No âmbito deste
processo, questionava-se se essa “parte líquida” se refere (i) à totalidade do rendimento

384
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Os instrumentos de trabalhos e os objetos indispensáveis ao exer-


cício da atividade ou formação profissional do executado (salvo se o
próprio executado os indicar para penhora)848;
– Os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se en-
contrem na casa de habitação efetiva do executado (alguns eletro-
domésticos, mobiliário, etc.);
– Os instrumentos e os objetos indispensáveis aos deficientes e ao tra-
tamento de doentes (cadeiras de rodas, muletas, utensílios ortopé-
dicos, banheiras especiais, etc.);
– Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário, o valor global corres-
pondente ao salário mínimo nacional;
– Os objetos cuja apreensão careça de justificação económica, pelo
seu diminuto valor venal;
– Os animais de companhia.

Uma nota importante nesta matéria deve ser reservada ao, já amiúde
referido, princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso.
A penhora, como ato intrusivo e restritivo que é, não pode deixar de
se limitar ao necessário, ao adequado e à medida certa para assegurar a
adequada coercibilidade do crédito tributário (ou equiparado) em causa.
Não pode ir além daquilo que se revela – face aos circunstancialismos
que rodeiam a situação em concreto – como a medida certa.

6.5.7.5. Convocação de terceiros


Após a penhora, segue-se a fase da convocação de terceiros. Trata-se do
momento em que são chamados ao processo de execução fiscal várias
pessoas determinadas, e inicialmente externas ao mesmo, para que pos-
sam, se for caso disso, reclamar os seus direitos849.

auferido, deduzida dos encargos legais (e.g., fiscais e contributivos), ou (ii) à totalidade do
rendimento auferido, deduzida de todos os encargos a que o executado se encontra vin­
culado, incluindo também, e designadamente, encargos parentais e empréstimos contraídos.
O Tribunal decidiu – e bem, parece-nos – no primeiro dos sentidos apontados, defendendo
a tese de um valor líquido objetivo e não de um “valor líquido no plano pessoal”.
848
Sobre a (in)aplicabilidade desta regra às pessoas coletivas, v. acórdão do TCA-N de 12 de
novembro de 2015, processo n.º 01341/15.8BEPNF.
849
V., a respeito, acórdãos do STA de 17 de abril de 2013, processo n.º 0235/13, e de 16 de
dezembro de 2015, processo n.º 01704/13, nos quais se aborda a questão da omissão de noti-
ficação, por erro, de um credor que deveria ter sido notificado.

385
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Essas pessoas são, por um lado, certos credores especiais e, por ou-
tro, o cônjuge do executado.
Constata-se aqui que o CPPT rejeitou a ideia de que todos os credo-
res devem ser chamados, em posição paritária, ao processo de execução
para reclamar os seus créditos. Pelo contrário: não apenas se constata
que o exequente, por via da penhora efetuada, beneficia de uma prefe-
rência em relação aos demais, como também que apenas são chamados à
execução determinados credores “especiais”, e não os credores comuns.
Neste seguimento, o art.º 239.º, n.º 1, do CPPT determina que, feita a
penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia
real, relativamente aos bens penhorados, podendo eles reclamar os seus
créditos no prazo de 15 dias após a citação (art.º 240.º n.º 1).
Além disso, também o cônjuge do executado o é, nos casos (i) em que
pode requerer a separação patrimonial (execução para cobrança de coima
fiscal ou com fundamento em responsabilidade tributária exclusiva de
um dos cônjuges) ou (ii) quando a penhora incida sobre bens imóveis
ou bens móveis sujeitos a registo.
Para além disso, os credores desconhecidos, bem como os sucessores
dos credores preferentes, serão citados por éditos de 10 dias850.

6.5.7.6. Verificação e graduação de créditos


Em caso de litígio entre os vários credores, o próprio órgão de execu-
ção fiscal (a própria Administração tributária, portanto) procede à veri-
ficação e graduação de créditos, notificando desta todos os credores que
reclamaram créditos851. Este processo de verificação e graduação de cré-
ditos tem efeito suspensivo e nele apenas é admitida prova documental,
seguindo-se as demais disposições do CPC852.
Da decisão relativa à verificação e à graduação dos créditos em con­
flito, cabe reclamação dirigida ao Tribunal tributário, nos termos do art.º
276.º e ss. do CPPT (meio impugnatório que será oportunamente ana-
lisado num momento mais avançado das presentes Lições), reclamação
essa com efeitos suspensivos e subida imediata853.

850
V. art.os 239.º, n.º 2 e 242.º do CPPT.
851
V. art.º 245.º, n.º 2, do CPPT.
852
Cfr. art.os 246.º e 245.º, n.º 1, do CPPT.
853
Assim, art.º 245.º, n.º 4 do CPPT.

386
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Evidentemente que os processo subidos a Tribunal serão depois


devolvidos ao órgão de execução fiscal, após o trânsito em julgado da
decisão854.
Analisemos mais de perto os dois primeiros casos acima referidos
(credores com garantia real e cônjuge do executado).

a) Credores com garantia real


Neste particular, pode levantar-se a questão de saber se os créditos que
gozam de privilégio (mobiliário ou imobiliário) podem ser reclamados
em execução fiscal.
Isto porque, numa determinada interpretação da disposição conti-
da no n.º 1 do art.º 240.º do CPPT, a expressão “credores com garantia
real” apenas se refere às situações que têm subjacentes direitos reais
de garantia em sentido próprio e estrito, os quais serão, para estes efei-
tos, apenas o penhor, a hipoteca e o direito de retenção. Já os privilé-
gios creditórios – que consistem, como se sabe, na faculdade que a lei,
em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independen-
temente do registo, de serem pagos com preferência a outros855 –, não
sendo verdadeiros direitos reais de garantia mas qualidades do crédito,
não seriam aqui abrangidos, e os respetivos titulares não deveriam ser
chamados à execução fiscal.
A este propósito, o STA tem entendido, maioritariamente, que tam-
bém os créditos privilegiados podem e devem ser reclamados, admitidos
e graduados, com base nos seguintes argumentos:
– Em primeiro lugar, “assim o impõe a unidade do sistema jurídico,
pois não faria sentido que a lei substantiva estabelecesse uma prio-
ridade no pagamento do crédito e a lei adjetiva obstasse à concreti-
zação da preferência, impedindo o credor privilegiado de acorrer ao
concurso”;
– Em segundo lugar, se fosse de exigir ao credor privilegiado que,
“para fazer valer o privilégio, obtivesse penhora ou hipoteca, seria
deixar sem sentido útil o regime substantivo dos privilégios credi-
tórios pois que, nesse caso, o respetivo crédito passaria a dispor de
garantia real, sendo-lhe inútil o privilégio”.

854
Cfr. art.º 247.º, n.º 1, do CPPT.
855
Cfr. art.º 733.º do CC.

387
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Daí que se possa concluir que o art.º 240.º n.º 1 do CPPT “deve ser
interpretado amplamente, de modo a terem-se por abrangidos na sua
estatuição, não apenas os credores que gozam de garantia real, stricto
sensu, mas também aqueles a quem a lei substantiva atribui causas legíti-
mas de preferência, designadamente, privilégios creditórios”856.
Outro problema delicado que pode surgir nesta fase do processo é o
de saber se um credor que seja titular de um privilégio imobiliário geral,
tem preferência em relação a um outro que seja titular de uma hipoteca
sobre um determinado bem imóvel do mesmo devedor. Pense-se na si-
tuação hipotética em que determinado contribuinte está adstrito a duas
dívidas: por um lado, é devedor ao Estado de quantias tributárias que
gozam de privilégio imobiliário geral (por exemplo, dívidas de IRS857)
e, por outro lado, é devedor a um banco de uma quantia que se encontra
garantida por uma hipoteca sobre um bem imóvel abrangido por esse
privilégio (uma casa que adquiriu mediante o recurso ao crédito). Neste
caso, qual deve prevalecer e ser pago em primeiro lugar? O crédito do
Estado ou o crédito do banco? Será que o privilégio sacrifica os demais
direitos de garantia?
A questão coloca-se na medida em que o próprio Código civil deli-
mita a respeito um regime fragmentário e lacunoso, desadaptado da
realidade atual, pois assume que os privilégios creditórios imobiliários
são sempre especiais, o que não é verdadeiro. Com efeito, estabelece o
respetivo art.º 751.º que “os privilégios imobiliários são oponíveis a ter-
ceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à
consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda
que estas garantias sejam anteriores”. Todavia, prescreve igualmente o
art.º 749.º, n.º 1, que “o privilégio geral não vale contra terceiros, titula-
res de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidos pelo privilégio,
sejam oponíveis ao exequente”. Ora, como acertadamente referiu o STA
“sendo o privilégio imobiliário geral previsto no artigo 111.º do CIRS, si-
multaneamente, um privilégio imobiliário e um privilégio geral, seriam,
à partida, potencialmente aplicáveis ambas as disposições”858.

856
Cfr. acórdão do STA de 13 de abril de 2005, processo n.º 0442/04. Em sentido contrário
(inadmissibilidade de reclamação de crédito que goze de privilégio), cfr. acórdão do STA
de 7 de julho de 2004, processo n.º 0612/04. Mais recentemente, acórdão do STA de 14 de
fevereiro de 2013, processo n.º 021/13.
857
Cfr. art.º 111.º do CIRS.
858
Cfr. acórdão do STA de 07 de julho de 2004, processo n.º 0612/04.

388
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

O STA – assim como Tribunal Constitucional 859 – entendeu que o


privilégio creditório não tem primazia nestes casos. Pode aqui argumen-
tar-se que o credor hipotecário, que registou a hipoteca e que viu o seu
crédito preterido por causa de um privilégio estaria a ser inconstitu-
cionalmente lesado. Referiu a propósito o Tribunal Constitucional que
“(...) o princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de
direito democrático, postula um mínimo de certeza nos direitos das pes-
soas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando
as afetações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com
as quais não se poderia moral e razoavelmente contar”. Refere também
que “o registo predial tem uma finalidade prioritária que radica essen-
cialmente na ideia de segurança e proteção dos particulares, evitando
ónus ocultos que possam dificultar a constituição e circulação de direi-
tos com eficácia real sobre imóveis, bem como das respetivas relações
jurídicas – que, em certa perspetiva, possam afetar a segurança do co-
mércio jurídico imobiliário”.
Ora, o particular que registou a sua hipoteca não pode ser confron-
tado com uma realidade que frustra a fiabilidade que o registo natural-
mente merece. Daí que uma norma que confira determinado privilégio
imobiliário não pode – sob pena de inconstitucionalidade nos termos
descritos – ser interpretada no sentido de que esse privilégio prevalece
em relação a hipotecas constituídas sobre o mesmo bem e registadas.
Por isso, prevalece a hipoteca860/861.

b) Cônjuge do executado
Como se referiu, também o cônjuge do executado deve ser chamado à
execução fiscal para, quando for caso disso – coimas ou dívidas tributá-
rias da responsabilidade tributária exclusiva de um dos cônjuges ou ain-

859
Cfr. acórdão n.º 362/2002, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt, relativo
à pretensa inconstitucionalidade de uma determinada interpretação do art.º 111.º do CIRS.
860
Ainda a propósito deste problema, v. acórdão do STA de 22 de novembro de 2006, pro-
cesso n.º 0354/06.
861
Acerca da questão de saber se os créditos que gozam de direito de retenção (por exem-
plo, por parte do beneficiário de uma promessa) devem ser graduados de forma prioritária
em relação a créditos hipotecários constituídos e registados anteriormente, e concluindo no
sentido afirmativo, cfr. acórdão do STA de 22 de novembro de 2006, processo n.º 0354/06.
V., ainda, art.º 759.º do CC.

389
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

da quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos


a registo – , requerer a separação patrimonial.
Quid Iuris se o cônjuge do executado vê penhorados bens seus e tal
citação não ocorrer? Em abstrato, ele disporia de duas possibilidades de
reação:
i) Em primeiro lugar, poderia deduzir o incidente de embargos con-
tra a penhora que ofenda um bem do seu património862; ou
ii) Em segundo lugar, poderia arguir a nulidade do processo com fun-
damento em falta de citação, o que implica que os atos subsequen-
tes, em princípio, se considerarão inválidos863.

O STA entende que esta segunda é a melhor solução, como se pode


retirar do seguinte excerto de um acórdão seu864: “[n]estes casos, não
podendo o processo prosseguir sem a citação do cônjuge (art. 239.º, n.º 1,
deste Código), seria incompreensível que se admitisse o cônjuge a de-
duzir embargos de terceiro, por ter a qualidade de terceiro (por não ter
sido ainda citado), para, depois de constatada a falta da sua obrigatória
citação, ter de a efetuar, retirando-lhe ao embargante a qualidade de
terceiro, com a consequente ilegitimidade superveniente”.
Adiante refere-se: “[s]endo a falta de citação, nestas situações, sus-
cetível de prejudicar a defesa do citando, ela constituirá uma nulidade
insanável de conhecimento oficioso a todo o tempo, pelo que o meio
processual mais adequado para o cônjuge indevidamente não citado de-
fender os seus direitos processuais será a arguição da correspondente
nulidade, para, na sequência da citação obrigatória, exercer todos os po-
deres que a lei lhe confere”.
Essa arguição da nulidade deve seguir como requerimento de inci-
dente na própria execução, a ser apreciado pelo órgão de execução com-
petente (cuja eventual decisão desfavorável poderá ser objeto de recla-
mação).

6.5.7.7. Venda dos bens penhorados


Finalmente, surge a última fase do processo executivo, aquela fase para
onde, teleologicamente, todo o processo converge: a venda.
862
Cfr. art.º 237.º, n.º 1 do CPPT.
863
Cfr. art.º 165.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPPT.
864
Cfr. acórdão do STA de 29 de novembro de 2006, processo n.º 0174/06.

390
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Em termos jurídico-definitórios, a venda pode ser considerada em


dois sentidos distintos: (i) num sentido restrito como o ato em concreto
de transferência coativa dos bens penhorados (“ato de venda”), ou (ii)
num sentido amplo (“procedimento de venda”), enquanto sinónimo de
tramitação conducente a tal ato, englobando o despacho da respetiva
marcação, a publicitação (publicidade), a apresentação de propostas, a
adjudicação, e a entrega do bem vendido, bem assim como as respetivas
notificações aos interessados, quando for caso disso.
O ato de venda propriamente dito865 realizar-se-á após o termo do
prazo de reclamação de créditos866 e, preferencialmente, deve ser feito
por meio de leilão eletrónico, ou, na impossibilidade, por meio de pro-
postas em carta fechada867, com cumprimento do disposto no art.º 253.º
do CPPT. Só tal não acontecerá quando o próprio CPPT determinar em
sentido diverso (v.g., negociação particular)868.
Além disso, a venda deverá ser publicitada “através da Internet” –
sem prejuízo de outros meios de divulgação, por iniciativa do órgão da
execução fiscal ou por sugestão dos interessados na venda – (art.º 249.º,
n.º 1 e n.º 2) e em todos os meios devem ser incluídas as seguintes indi-
cações (idem, n.º 5):
– Designação do órgão por onde corre o processo;
– Nome ou firma do executado;
– Identificação sumária dos bens;
– Local, prazo e horas em que os bens podem ser examinados;
– Valor base da venda;
– Designação e endereço do órgão a quem devem ser entregues ou
enviadas as propostas;
– Data e hora limites para receção das propostas;
– Data, hora e local de abertura das propostas;

865
Sob o ponto de vista da respetiva natureza jurídica, pode dizer-se que abstratamente é
possível considerar o ato de venda (i) como um ato de Direito privado, equiparado ao con-
trato de compra e venda, ou (ii) como um ato de Direito público, praticado no quadro do
exercício em concreto do poder jurisdicional. Em rigor, o mais acertado parece ser propen-
der para a segunda orientação (natureza publicista), atenta a falta de vontade do executado,
que obstaculiza a consideração privatística do ato translativo.
866
Cfr. art.º 244.º, n.º 1, do CPPT.
867
V. art.º 248.º, n.º 1, do CPPT.
868
Cfr., por exemplo, art.º 252.º, nos termos do qual

391
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Qualquer condição prevista em lei especial para a aquisição, deten-


ção ou comercialização dos bens.

Neste contexto, a publicidade do ato de venda reveste-se de uma im-


portância inafastável, na medida em que apenas quando existe adequa-
da divulgação podem os credores e outros potenciais interessados fazer
valer as suas pretensões junto ao processo. Por conseguinte, pode dizer-
-se que vendas não publicitadas, ou não publicitadas de modo apro­
priado – isto é, de modo que possibilite a um normal destinatário tomar
contacto cognitivo com a realidade subjacente, como acontece quando
não existem editais, devendo –, assentam numa preterição de formali-
dade essencial cuja inobservância determina a nulidade do ato de venda,
bem como dos atos consequentes869.
Posteriormente, serão entregues, no local do órgão da execução fis-
cal onde vai ser efetuada a venda (art.º 251.º), as respetivas propostas e
proceder-se-á ao ato de venda, determinando-se o valor-base de acordo
com o art.º 250.º870. Deve-se salientar que nesta altura os titulares do di-
reito de preferência na alienação dos bens devem ser notificados do dia
e hora da entrega dos bens ao proponente, para poderem exercer o seu
direito no ato da adjudicação871.

***

Materializando a venda um ato coativo – e, em princípio, definitivo


– de transferência e perda de propriedade, e atendendo à especial rele-
vância que certos bens ou acervos patrimoniais assumem para o seu titu-
lar e para a manutenção da sua dignidade enquanto pessoa, o legislador
entendeu revestir determinadas situações de um especial regime prote-
tor e garantístico, como modo de evitar danos de difícil reparação. Neste
seguimento, determina-se que quando estiver em causa um bem imóvel
destinado (e “efetivamente afeto”) exclusivamente a habitação própria
e permanente do devedor ou do seu agregado familiar não se proce­derá

869
Assim, acórdão do STA de 22 de outubro de 2015, processo n.º 08978/15. V., ainda, acór-
dão do STA de 9 de maio de 2012, processo n.º 0862/11, onde se discute a responsabilidade
civil emergente de uma venda efetuada com preterição de formalidades.
870
Quanto às exigências do próprio ato de venda, cfr. art.º 256.º do CPPT.
871
Cfr. art.º 249.º, n.º 7 do CPPT.

392
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

à venda872/873. Note-se, em todo o caso: o imóvel em causa pode ser pe-


nhorado, e o mais natural é que o esteja já; porém, apesar de onerado
com a penhora, o mesmo não pode ser vendido, procurando-se com esta
restrição ao poder coativo tributário assegurar (uma vez mais) que não
existem ofensas ao princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana e da proporcionalidade, evitando situações nas quais o executa-
do ou o seu agregado poderiam ficar privados do seu espaço vital , com
a agravante de o poder ser em modo desproporcional, atendendo a que
frequentemente a dívida tributária pode ser de montante substancial-
mente inferior ao do imóvel penhorado.
Este impedimento pode cessar a qualquer momento, a requerimento
do executado874.
De resto, enquanto durar o período de impedimento legal de realiza-
ção da venda, e na medida em que durante o mesmo o credor tributário
não pode exercer o seu direito de cobrança efetiva, o prazo de prescri-
ção da obrigação tributária suspende-se875.

***

A venda só poderá posteriormente ser anulada com os fundamentos


previstos na lei, sendo de destacar876:
– Existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em con-
sideração e não haja caducado;
– Erro sobre o objeto;
– Algum dos fundamentos de oposição à execução, quando o exe­
cutado o não pode apresentar no prazo normal.

872
V. art.º 244.º, n.º 2, do CPPT. Todavia, esta limitação da possibilidade de venda não é
aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa
máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano
destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de IMT (cfr. n.º 3 do
referido preceito normativo).
873
Para desenvolvimentos, v. Barbosa, Andreia, A proteção da casa de morada da família e da
casa de habitação efetiva no processo de execução fiscal, in Cadernos de Justiça Tributária, 14,
CEJUR, Braga, 2016, pp. 3 e ss.
874
Assim, art.º 244.º, n.º 6, do CPPT.
875
Cfr. art.º 49.º, n.º 4, alínea d), da LGT.
876
Cfr. art.º 257.º do CPPT.

393
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

A anulação poderá ser invocada no prazo de 90, 30 ou 15 dias, conso-


ante os casos e, no caso mencionado acima em terceiro lugar, depende
do reconhecimento do respetivo direito por decisão judicial877.
Nos termos do art.º 257.º, n.º 4 do CPPT, o pedido de anulação da
venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da AT que, no prazo
máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos
os interessados na venda. Decorrido tal prazo sem qualquer decisão ex-
pressa, o pedido de anulação da venda é considerado indeferido (n.º 5).
Como se pode ver, o regime da venda no âmbito do processo de exe-
cução fiscal foi especificamente delineado pelo legislador, afastando
a aplicação supletiva de normas oriundas do processo comum ou civil.
Esta especificidade de regime justifica-se, como facilmente se poderá
aceitar, pelos fins inerentes à própria execução fiscal: fins de natureza
pública (satisfação de necessidades coletivas), muitas vezes apenas pos-
síveis de atingir por via da cobrança coerciva de dívidas de natureza tri-
butária878.

6.5.8. Vicissitudes do processo de execução fiscal: incidentes e sus­


pensão da execução
Sendo certo que do ponto de vista do ordenamento o desejável será que
o iter processual se desenrole integralmente nos termos legalmente pre-
vistos e supra descritos, a verdade é que a tramitação do processo execu-
tivo pode sofrer desvios ou ficar parada, em consequência da ocorrência
de factos ou atos que a podem afetar. Nestes casos, a tramitação normal
cede a introduzem-se trâmites anómalos que, sem deixar de ser legais,
constituem afastamentos significativos.
Esses afastamentos podem materializar-se juridicamente em inci-
dentes ou em causas de suspensão.
Vejamos em que termos.

6.5.8.1. Incidentes
Já a propósito do processo de impugnação judicial, nos referimos aos
incidentes (tramitações acessórias ou laterais – mas influentes – de um

877
Cfr., art.º 257.º, n.os 1 e 3 do CPPT. V., a respeito, acórdão do STA de 1 de setembro de
2010, processo n.º 0653/10.
878
Cfr. acórdãos do STA de 28 de março de 2007, processo n.º 026/07 e acórdão do pleno da
secção CT de 5 de julho de 2012, processo n.º 0873/11.

394
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

processo principal). Cumpre agora fazê-lo, ainda que de uma forma bre-
ve, em relação ao processo de execução fiscal.
Nos termos do art.º 166.º, n.º 1 do CPPT, são admitidos os seguintes
incidentes879:
– Embargos de terceiros, naquelas situações em que um ato judicial-
mente ordenado de apreensão ou entrega de bens (como a penhora
ou o arresto) ofender a posse ou qualquer outro direito incompatí-
vel de terceiro, entendido como aquele que não deva ser citado no
processo executivo880. Neste sentido, pessoas como, por exemplo,
os revertidos ou o cônjuge do executado não se devem considerar
“terceiros” para estes fins, pois são citados – ou devem sê-lo – no
âmbito do referido processo. Aos embargos aplicam-se, em regra, as
disposições que disciplinam a oposição à execução881, embora não
se deva considerar que haja suscetibilidade de efeito suspensivo,
atenta a literalidade dos artigos para os quais o art.º 212.º do CPPT
implicitamente remete (designadamente o art.º 199.º);
– Habilitação de herdeiros, nos casos em que haja necessidade de
uma alteração subjetiva da instância, por falecimento do sujeito
principal; e
– Apoio judiciário, nos termos gerais.

Como já deixamos assinalado, o incidente de assistência não é permi-


tido no processo tributário com o mesmo âmbito e amplitude com que
vigora no processo civil, não se podendo falar em assistência em sede

879
O incidente de falsidade de documentos, admitido, em termos gerais, no processo civil,
não é conhecido em processo de execução fiscal. Neste, a genuinidade de qualquer docu-
mento deve ser impugnada no prazo de 10 dias após a sua apresentação ou junção ao pro-
cesso, sendo no mesmo prazo feito o pedido de confronto com o original da certidão ou da
cópia com a certidão de que foi extraída (art.º 115.º, n.º 4 ex vi art.º 166.º, n.º 2 do CPPT).
880
Assim, acórdão do STA de 9 de abril de 2003, processo n.º 01838/02. Neste acórdão
conclui-se, designadamente, que “quem for citado no processo de execução fiscal não tem
a qualidade de terceiro para efeitos de embargos de terceiro”. V., ainda, acórdãos do STA de
29 de novembro de 2006, processo n.º 0174/06 e do TCA-S de 5 de fevereiro de 2013, pro-
cesso n.º 06153/12.
881
No sentido em que tal remissão apenas se limita ao formalismo processual e já não a
outras questões (v.g., legitimidade), cfr. acórdão do TCA-S de 16 de abril de 2002, processo
n.º 6301/02. De salientar que a decisão de mérito proferida nos embargos de terceiro
constitui caso julgado no processo de execução fiscal quanto à existência e titularidade dos
direitos invocados por embargante e embargado (art.º 238.º do CPPT).

395
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

de execução fiscal, mas tão só no âmbito da impugnação judicial. Com


efeito, se a vontade legislativa fosse no sentido de admitir em processo
de execução fiscal os mesmos incidentes que são admitidos no pro­cesso
civil, bastava-lhe não disciplinar a matéria e abrir a porta à aplicação su-
pletiva do CPC, o que não foi feito, levando a presumir que se preten-
deu consagrar uma disciplina mais restritiva neste âmbito882.

6.5.8.2. Suspensão
A suspensão consiste, como o próprio conceito faz intuir, na paralisação
momentânea dos trâmites da execução. Trata-se, bem vistas as coisas, de
um importante “alívio” na esfera jurídica do executado que, assim, no
mínimo, vê os atos de oneração ou restrição retardados.
As causas de suspensão da execução – que não se confundem com as
causas de suspensão de um dos atos da execução, como a venda, por exem-
plo (art.º 264.º, n.º 4, do CPPT) – são várias e estão disseminadas ao
longo de várias disposições normativas, nem sempre harmonizadas en-
tre si, mas ainda assim é possível reconduzi-las a grupos abrangentes,
com características distintivas relevantes. Tais grupos são:
– Situações de regularização da situação tributária;
– Situações de contencioso associado à legalidade da dívida;
– Situações de contencioso associado à exigibilidade dívida;
– Situações de insuficiência patrimonial e insolvência.

Importa esclarecer que a multiplicidade das situações tributárias e a


inflação legislativa associada não permitem excluir outras causas suspen-
sivas883. Ainda assim, crê-se que estes serão os mais relevantes, motivo
pelo qual a atenção subsequente a eles será dedicada. Saliente-se igual-
mente que a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei,
quando dolosa, é fundamento de responsabilidade tributária subsidiá-
ria, dependendo esta da anterior condenação disciplinar ou criminal do
responsável884.

882
Cfr., a propósito, acórdão do STA de 10 de janeiro de 2007, processo n.º 01001/06.
883
Pense-se, por exemplo, nas situações em previstas no art.º 23.º, n.º 3, da LGT (“Caso,
no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados
por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o
processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa
excussão do património do executado”).
884
Cf. art.º 85.º, n.os 3 e 4, do CPPT.

396
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Em regra, os contribuintes que obtenham a suspensão do processo


de execução fiscal consideram-se como tendo a situação tributária regu-
larizada, com todos os efeitos daí decorrentes885.
Se, estando a execução suspensa, ela vier a prosseguir porque um ter-
ceiro sub-rogado na posição da Administração tributária o requis, será o
executado disso notificado886.
Vejamos, então, alguns casos de suspensão da execução.

***

6.5.8.2.1. Situações de regularização da situação tributária


O primeiro grupo de causas suspensivas do processo de execução fiscal
relaciona-se com ocorrências que demonstram uma intenção do exe­
cutado no sentido de resolver a situação devedora, procurando extinguir
a obrigação tributária.
Neste contexto, cumpre falar em primeiro lugar do pedido de paga­
mento em prestações, já atrás analisado no contexto dos modos de reação
do executado e relativamente ao qual o art.º 52.º da LGT é claro ao pres-
crever a virtualidade suspensiva. Como então se disse, é uma possibili-
dade que depende de solicitação do interessado, sobre o qual impende
o ónus de demonstrar que, por causa sua situação económica, não pode
solver a dívida de uma só vez. Tal requerimento pode ser efetuado até à
marcação da venda e – para que se consiga a suspensão – deve ser acom-
panhado, ou do oferecimento de garantia idónea (nos termos do art.º
199.º, n.º 1 do CPPT), ou de pedido de isenção da prestação de garantia
(art.º 199.º, n.º 3).
Em segundo lugar, cabe fazer referência ao instituto da compensação
de dívidas, o qual consiste, como se sabe, numa forma jurídica de extin-
ção das obrigações que se materializa na circunstância de duas pessoas
serem simultânea e reciprocamente credor e devedor887.
Pense-se, por exemplo, no executado por uma dívida de IVA que tem
direito a receber um reembolso de IRS.

885
Assim, art.º 169.º, n.º 12, do CPPT.
886
Cfr. art.º 174.º, n.º 2, do CPPT.
887
Cfr. art.º 169.º, n.º 5 do CPPT.

397
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Sem grandes alongamentos, sempre se dirá que a compensação pode


ser efetuada por iniciativa (pedido) do obrigado tributário (art.os 90.º
e 90.º-A do CPPT), ou de modo oficioso, por iniciativa da própria AT
(art.º 89.º do CPPT), embora, como se compreenda, o efeito suspensivo
de execução aplica-se somente no primeiro caso, e no período tempo-
ral que medeia entre a apresentação do pedido e a subsequente decisão
da AT.
De facto, quando é a própria AT a proceder à compensação, o crédito
tributário respetivo extingue-se, extinguindo-se em princípio também a
execução (na compensação total).

6.5.8.2.2. Situações de contencioso associado à legalidade da dívida


Aqui, está a ser feita referência a um conjunto alargado de situações nas
quais a dívida tributária subjacente está, direta ou indiretamente, a ser
objeto de litígio, justificando porventura a paragem da execução que a
tem por objeto.
Pode aqui ser feita menção às seguintes situações:
i) Interposição de reclamação graciosa, impugnação judicial ou
recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida
exequenda – desde que esta não respeite a “recursos próprios co-
munitários” –, e desde que tenha sido constituída (pela Adminis-
tração tributária) ou prestada (pelo sujeito passivo) garantia ou a
penhora garanta a totalidade da dívida exequenda e acrescido888;
ii) Início de um dos procedimentos de resolução de diferendos no
quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de
julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de cor-
reção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados
membros, e nos mesmo termos acima referidos (ter sido consti-
tuída ou prestada garantia ou a penhora garanta a totalidade da
dívida exequenda e acrescido);

Cfr. art.º 169.º, n.os 1 e 11 do CPPT. Cfr. ainda art.os 195.º e 199.º. Pensa-se, nomeadamente,
888

nas situações em que, nesta fase, é um responsável subsidiário (v.g., administrador ou gerente
de uma sociedade) a interpor tal meio, nos termos do art.º 22.º, n.º 4 da LGT. Sublinhe-se
que se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados
não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é ordenada a notificação do executado para
prestar a garantia dentro do prazo de 15 dias. Se essa garantia não for prestada procede-se de
imediato à penhora (n.os 6 e 7). Quanto à interposição de recurso hierárquico, v. acórdão do
STA de 6 de fevereiro de 2013, processo n.º 066/13.

398
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

iii) Prestação de garantia após o termo do prazo de pagamento vo-


luntário e antes da apresentação do meio gracioso ou judicial
correspondente (v.g., reclamação, impugnação), desde que acom-
panhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o
período a que respeita e a entidade que praticou o ato, bem como
a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial
para discussão da legalidade da dívida exequenda889;
iv) Interposição de ação judicial que tenha por objeto a propriedade
ou posse dos bens penhorados (art.º 172.º do CPPT);
v) Penhora em caso de herança indivisa [art.º 232.º, alínea c), do
CPPT].

6.5.8.2.3. Situações de contencioso associado à exigibilidade dívida


Neste quadro, inclui-se o modo por excelência de questionar a exigibili-
dade da dívida executiva e o próprio processo de execução – a oposição
à execução.
Como já em momento anterior foi dedicada atenção a este meio pro-
cessual, para lá se remete nos seus desenvolvimentos (prazos, funda-
mentos, etc.) re-salientando que, contrariamente ao que parece indiciar
o art.º 212.º do CPPT (“a oposição suspende a execução, nos termos do
presente Código”) a oposição não tem, por si só, efeitos suspensivos da
execução, o que apenas acontecerá se for prestada garantia adequada ou
a penhora garanta a totalidade da dívida e do acrescido.
Mencione-se igualmente que cabe aqui também referência à situação
acima exposta de prestação de garantia após o termo do prazo de paga-
mento voluntário e antes da apresentação do meio de reação, neste caso
a oposição (169.º, n.º 2).

6.5.8.2.4. Situações de insuficiência patrimonial e insolvência


Por fim, cumpre trazer à análise uma situação ou um grupo de situações
que assume indiscutível relevância prática e que de modo algum poderia

889
Cfr. art.º 169.º, n.º 2 do CPPT. De notar que tal requerimento dá início a um procedi­
mento, o qual é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio pro-
cessual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução. Nesta situação, o su-
jeito passivo será citado para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento da dívida e acrescido
até ao montante da garantia prestada, sob pena de prosseguir a execução (cfr. n.os 3 e 4 do
art.º 169.º do CPPT).

399
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ser negligenciado no decurso das presentes Lições: a insuficiência patri-


monial lato sensu que, em termos jurídicos, pode degenerar num estado
de insolvência.
Nestas situações, em que o executado não cumpriu as suas obriga-
ções tributárias, e aparentemente não as pode cumprir, devem ser dis-
tinguidas (i) as situações em que existe uma “simples” e fáctica insufi­
ciência patrimonial e (ii) as situações em que a mesma encontra um
certo revestimento jurídico e judicial por via da declaração de insolvência.
A “simples” insuficiência patrimonial pode conduzir à suspensão
da execução fiscal por via da denominada “declaração em falhas” (que
é uma espécie de “suspensão forçada”890), o que acontecerá nos casos
seguintes:
– Auto de diligência que demonstre a falta de bens penhoráveis do
executado, seus sucessores e responsáveis;
– Auto de diligência que demonstre ser desconhecido o executado e
não ser possível identificar o prédio, quando a dívida exequenda for
de tributo sobre a propriedade imobiliária; e
– Auto de diligência que demonstre encontrar-se ausente em parte
incerta o devedor do crédito penhorado e não ter o executado ou-
tros bens penhoráveis.

Nestes casos, o processo suspende-se e prosseguirá, sem necessi­dade


de nova citação e a todo o tempo, salvo prescrição, logo que haja conhe-
cimento de que o executado, seus sucessores ou outros responsáveis
possuem bens penhoráveis (“regresso de melhor fortuna”) ou logo que se
identifique o executado ou o prédio891.
À insolvência, e à sua repercussão no processo tributário de execução
– no âmbito do qual não pode ser declarada892 –, dedicaremos as consi-
derações subsequentes893.
890
Cfr. art.os 272.º e ss. do CPPT.
891
Cfr. art.º 274.º do CPPT.
892
Cfr. art.º 182.º, n.º 1, do CPPT.
893
Refira-se que, neste particular – como em vários outros –, o legislador tributário ainda
não procedeu à necessária atualização linguística, continuando a referir-se a diplomas e ins-
titutos já não existentes (por exemplo: “falência”). Em face disto, impõe-se uma interpre-
tação atualista dos preceitos do CPPT, tendo em vista o disposto no art.º 11.º , n.º 1, do DL
53/2004, que aprova o Código da insolvência e da recuperação de empresas, e que para este
remete as antigas menções.

400
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

a) Enquadramento: a insolvência em geral


Como se sabe, a insolvência consiste num estado patológico no quadro
do qual determinada pessoa se encontra impossibilitada de cumprir as
suas obrigações vencidas, e a sua mais relevante e significativa discipli-
na jurídica consta do Código da insolvência e recuperação de empresas
(CIRE). É importante enfatizar que a declaração de insolvência não afeta
nem a personalidade jurídica civilística nem a personalidade tributária
da entidade insolvente894.
Diferente da insolvência enquanto estado, surge a insolvência en-
quanto modo processual (processo de insolvência) e neste outro ponto de
vista, a insolvência consiste numa tramitação judicialmente enquadrada,
de natureza executiva universal, que tem como finalidade a satisfação
dos credores e cujas fases essenciais são, de um modo muito esquemá­
tico e ligeiro, as seguintes:
i) Fase da iniciativa, a qual pode ser desencadeada pelo próprio in-
solvente (apresentação à insolvência) ou, entre outras entidades,
pelos seus credores (pedido de declaração de insolvência), perante
o Tribunal895. Neste contexto, como se compreende, pode a pró-
pria AT requerer a insolvência de um devedor (embora, em termos
práticos, tal não seja frequente, “preferindo” antes ser posterior-
mente chamada a reclamar os seus créditos)896;
ii) Fase da apreciação liminar, no âmbito da qual o juiz pode indeferir
liminarmente o pedido (quando a declaração de insolvência seja
manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente,
exceções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosa­
mente) ou convidar o requerente ao aperfeiçoamento do pedido.

894
Para uma abordagem constitucional aos variadíssimos efeitos restritivos decorrentes da
insolvência (“situação de debilidade económica”), v. acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 532/2017.
895
Cfr. art.os 18.º e ss. do CIRE. Importa salientar que em determinadas situações (titulares
de empresa com conhecimento da impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas:
situação fáctica de insolvência) o próprio insolvente está obrigado a apresentar-se à insol-
vência.
896
O CPPT não deixa dúvidas ao prescrever um dever claro de comunicação ao represen­
tante do Ministério Público competente das situações de inexistência ou fundada insuficiên-
cia patrimonial, de modo a que ele possa apresentar o pedido no Tribunal competente, sem
prejuízo da possibilidade de apresentação do pedido por mandatário especial (cfr. art.º 182.º,
n.º 2).

401
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Ainda nesta fase, o juiz pode, em certas situações, declarar de ime-


diato a insolvência897;
iii) Fase da oposição, no âmbito da qual o devedor, após citado para o
efeito, pode procurar demonstrar a sua solvência898;
iv) Audiência de discussão e julgamento899;
v) Sentença, na qual é declarada a insolvência, é nomeado o Admi-
nistrador da insolvência – o qual ficará incumbido de cuidar dos
interesses dos credores – e é fixado prazo para a reclamação de
créditos por parte destes últimos900.

Após a sentença declaratória da insolvência, podem ter lugar vários


procedimentos de natureza executiva, como a realização de uma assem-
bleia de credores, a verificação dos créditos, o pagamento aos credores
ou a aprovação de um plano de insolvência que vise disciplinar os ter-
mos da liquidação ou da recuperação do insolvente.

***

Pois bem, no contexto daquele complexo de atos, o credor tributário


poderá desempenhar um papel extremamente relevante, pois é sabido
que as dívidas de natureza tributária ou equiparada (v.g., dívidas à se-
gurança social) assumem, ou podem assumir, um significativo peso no
cômputo global dos sujeitos insolventes.
Para que o credor tributário possa aqui ter possibilidades de inter-
venção, torna-se necessário conhecer os termos mediante os quais o seu
chamamento ou convocação pode ser efetivado.
Sobre este tópico debruçar-nos-emos de seguida tendo por referên-
cia a Administração tributária, embora se saiba que o que for dito pode
ser aplicado, a espaços, a outros credores tributários.

897
Cfr. art.os 27.º e 28.º do CIRE.
898
Cfr. art.os 29.º e 30.º do CIRE.
899
V. art.º 35.º do CIRE.
900
V. art.os 36.º e ss. do CIRE. V., ainda, art.os 52.º e ss. do CIRE. Reitera-se que o administra-
dor da insolvência não pode, sem mais, ser assimilado a um gerente ou administrador para
efeitos de responsabilidade tributária subsidiária (art. 24.º da LGT). Cfr. supra 6.5.5.2., b),
α).

402
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

b) O chamamento da Administração tributária


Naturalmente que a AT apenas deverá ter intervenção no processo in-
solvencial quando o insolvente em causa tiver dívidas de natureza tri-
butária (impostos, taxas, contribuições – e, como se vê, uma vez mais se
convoca a necessidade de uma adequada noção de tributo), e resulte ne-
cessário reclamar os respetivos créditos.
Em termos gerais, pode dizer-se que, após a sentença que declara
a insolvência, a regra será a citação da AT por meio de carta registada,
pois é esta a forma expressamente prevista no art.º 37.º, n.º 5 do CIRE,
nos termos do qual “[h]avendo créditos do Estado, de institutos públi-
cos sem a natureza de empresas públicas ou de instituições da segu­
rança social, a citação dessas entidades é feita por carta registada”.
Naturalmente que a aplicação deste preceito pressupõe o conheci-
mento, no processo, das dívidas de natureza tributária (por exemplo,
porque foi o próprio devedor a apresentar-se à insolvência e as declarou,
nos termos do art.º 24.º do CIRE).
Porém, mesmo que as dívidas de natureza tributária não sejam co-
nhecidas no processo (porque, por exemplo, foi um qualquer credor a
requerer a insolvência, ignorando-as), parece que a regra continua a ser
a citação, embora aqui já sem a exigência da observância formal da carta
registada. Com efeito, nos termos do art.º 80.º, n.º 1 do CPPT “(...) em
processo de execução que não tenha natureza tributária, é obrigatoria-
mente citado o diretor do órgão periférico regional da área do domicílio
fiscal ou da sede do executado, para apresentar, no prazo de 15 dias, cer-
tidão de quaisquer dívidas de tributos à Fazenda Pública imputadas ao
executado que possam ser objeto de reclamação de créditos, sob pena
de nulidade dos atos posteriores à data em que a citação devia ter sido
efetuada”.
Assim (e embora se confessem algumas dúvidas sobre este nosso en-
tendimento) parece que se pode alinhar a seguinte articulação normati-
va entre os preceitos:
– Às dívidas tributárias conhecidas no processo de insolvência aplica-
-se o art.º 37.º, n.º 5, do CIRE;
– Às dívidas tributárias não conhecidas no processo de insolvência,
aplica-se o art.º 80.º do CPPT.

Em qualquer dos casos, o desconhecimento da declaração de insol-


vência por parte da AT será sempre injustificável e condenável, impondo-

403
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

-se aos agentes da AT (v.g., chefes dos serviços de finanças) o dever (não
escrito, mas que resulta do princípio do inquisitório) de consulta do
Diá­rio da República e outros instrumentos, a fim de buscar anúncios de
declaração de insolvência.
Quanto à falta de citação, sendo certo que o CIRE – diferentemente
do que acontece com o CPPT – não a comina com nulidade, será de
aceitar a verificação dessa consequência e a consequente possibilidade
de arguição por parte da AT da invalidade dos posteriores atos de venda
ou de pagamentos.

***

Após o chamamento ao processo de insolvência, várias consequên-


cias jurídicas se podem desencadear, sendo de destacar o duplo dever
que impende sobre a AT: por um lado, suspender os processos de exe-
cução em curso e, por outro lado, reclamar os créditos no processo de
insolvência.
Vejamos em que termos, nas alíneas sistemáticas subsequentes.

c) O efeito suspensivo e as suas consequências processuais


Declarada a insolvência, e no que diz respeito aos créditos vencidos
antes desta, a AT terá que sustar (suspender) a tramitação dos processos de
execução fiscal pendentes, bem assim como os que venham eventual­mente
a ser instaurados901. Por aqui se vê que a declaração de insolvência só
por si não impede que novos processos de execução sejam instaurados
relativamente a dívidas anteriores, embora se imponha a respetiva sus-
pensão. Por outro lado, também parece curial defender que a simples
inicia­tiva de insolvência (pedido) não tem efeito suspensivo da execu-
ção fiscal, sendo imprescindível a declaração da mesma.
Além disso, esses mesmos processos (suspensos) deverão ser avo-
cados pelo Tribunal judicial competente e apensados ao processo de
insolvência, onde o Ministério Público, ou mandatário especial consti-

Cfr. art.º 180.º, n.º 1 do CPPT. V., também, acórdãos do STA de 14 de fevereiro de 2013,
901

processo n.º 01011/12 e do TCA – Sul, de 27 de julho de 2017, processo n.º 1134/16.5BES.
Note-se que quanto aos créditos (tributários) vencidos após a declaração de insolvência, não
haverá suspensão da execução, seguindo esta os termos normais (n.º 6).

404
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

tuído para o efeito, reclamará o pagamento dos respetivos créditos902.


Os objetivo serão “(...) concentrar no processo falimentar todas as ques-
tões relativas à responsabilidade patrimonial do insolvente e, paralela-
mente, proteger os bens pertencentes à massa insolvente (...)”903.
Em termos simples e esquemáticos, os efeitos processuais necessá-
rios nesta fase são três:
Suspensão  Avocação  Apensação

d) A reclamação de créditos
Após a tríade de efeitos processuais referidos, deve seguir-se o momento
no qual a AT procederá, a par dos demais credores, à reclamação dos
seus créditos, para posteriormente se seguir a respetiva graduação.
Aqui, em rigor, a competência para tal reclamação repousaria no re-
presentante do Ministério Público a exercer funções no Tribunal onde
corre termos o processo de insolvência. Para tal efeito, a AT – depois
de citada, nos termos supra referidos – deverá emitir e enviar-lhe uma
certidão contendo, além da natureza, montante e período de tempo de
cada um dos tributos, outros elementos legalmente exigidos (v.g., data a
partir da qual são devidos juros de mora)904.
Porém, o próprio legislador abre a possibilidade de a AT constituir
“mandatário especial” para o efeito de reclamação dos créditos (como,
de resto, já o havia feito para fins de apresentação do próprio pedido de
insolvência)905.

Após isto, seguem-se os restantes termos previstos no CIRE (assem-


bleia de credores, verificação e graduação dos créditos, pagamento aos
credores, etc.), os quais não têm natureza tributária, de modo que a sua
referência aqui se afiguraria deslocada, não obstante os inúmeros pro-
blemas que se podem suscitar, nomeadamente o problema de saber se

902
Cfr. art.º 180.º, n.º 2 do CPPT.
903
Assim, Dias, Sara Luís, PER, insolvência e execução fiscal, in Temas de Direito Tributário 2017:
insolvência, taxas, jurisprudência do TEDH e do TJ (ebook), CEJ, Lisboa, 2017, p. 13, disponível
em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_TemasDireitoTri-
butario2017_II.pdf (última consulta em 08 deabril de 2019).
904
Cfr. art.º 80.º, n.º 3, do CPPT.
905
Cfr. art.º 180.º, n.º 2, in fine, do CPPT. A propósito, v., igualmente, 182.º, n.º 2, in fine.

405
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

a AT pode aderir a um plano de recuperação do insolvente que envolva


redução ou extinção das dívidas tributárias906.
Findo o processo de insolvência, os processos que hajam sido avo-
cados pelos Tribunal respetivo e que hajam de continuar – porque não
satisfeito o crédito tributário –, serão devolvidos ao serviço de finanças
competente907.

6.5.9. Extinção da execução


O processo de execução fiscal pode-se extinguir por várias formas.
Em princípio – e uma vez mais estamo-nos a referir sobretudo aos
casos em que estão em causa dívidas de natureza tributária – , tais for-
mas são as seguintes (ressalvadas outras que a lei especialmente preveja,
como a prescrição da obrigação subjacente908:
– Pagamento da quantia exequenda e acrescido, o qual pode revestir a
forma de voluntário (art.os 264.º e ss. do CPPT909) ou de coercivo (no
seguimento da penhora ou da venda – art.os 261.º a 263.º do CPPT)];

906
A propósito desse tema, sempre se dirá que numa fase inicial, e sempre com forte opo-
sição da AT, a jurisprudência concebia a intervenção desta última como a de um qualquer
credor entre iguais, de modo que a mesma poderia ou deveria, como qualquer outro cre-
dor, perdoar ou reduzir os seus créditos. Posteriormente, o sentido decisório propendeu
para sentido diverso, sustentando que um plano de insolvência (recuperação) não poderia
colocar em causa os princípios fundamentais de Direito tributário, nomeadamente o princí-
pio da indisponibilidade do crédito respetivo. Por conseguinte, passou a ser entendido, que
os referidos planos não poderiam incorporar medidas que o reduzissem ou extinguissem.
Na prática, tal entendimento tinha como consequência a inviabilidade dos mesmos, na me-
dida em que em grande número de situações os créditos tributários eram bastante significa-
tivos.
Em termos legislativos, a Lei 55-A/2010 (que aprovou o Orçamento de Estado para 2012)
pretendeu introduzir alguma certeza nesta matéria, por via de uma cláusula de blindagem
e de supremacia normativa (art.º 30.º, n.º 3 da LGT), em termos de o referido princípio da
indisponibilidade prevalecer sobre qualquer “legislação especial”.
Contudo, entendemos, não o fez de modo absolutamente indiscutível, podendo inclusiva-
mente ser questionada a conformidade constitucional de uma tal cláusula.
907
Cfr. artigo 180.º, n.º 4 do CPPT.
908
Cfr. art.º 176.º, n.º 1, do CPPT.
909
Nos termos do art.º 23.º, n.º 5 da LGT, o responsável subsidiário fica isento de juros de
mora e de custas se, citado para cumprir a dívida tributária principal, efetuar o respetivo
pagamento no prazo de oposição. Contudo, tal pagamento não prejudica a manutenção da
obrigação do devedor principal ou do responsável solidário de pagarem os juros de mora e as
custas, no caso de lhe virem a ser encontrados bens (idem, n.º 6).

406
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Anulação da dívida (v.g., por procedência da oposição à execução –


art.os 270 e 271.º do CPPT);
– Anulação do processo;
– Decurso do prazo de um ano, contado desde a sua instauração,
“salvo causas insuperáveis” (art.º 177.º do CPPT).

Se estiverem em causa dívidas respeitantes a coimas ou outras san-


ções pecuniárias, o processo executivo pode também extinguir-se nos
seguintes casos910:
– Morte do infrator (aqui se incluindo a dissolução de sociedades911);
– Amnistia da contra-ordenação;
– Prescrição das coimas e sanções acessórias;
– Anulação da decisão condenatória.

6.5.10. Causas de nulidade processual


Já por diversas ocasiões tivemos oportunidade de nos debruçar sobre as
causas de nulidade do processo de execução fiscal, pelo que a sua refe-
rência neste momento tem propósitos meramente sistemáticos912. Como
já se adiantou, as nulidades, neste contexto, materializam desvios do
formalismo processual efetivamente seguido em relação ao formalismo
processual prescrito na lei913.
As nulidades em execução são qualificadas pelo legislador como “saná­
veis” ou “insanáveis”. Trata-se de uma dicotomia que encerra bastante
de equívoco, na medida em que a insanabilidade “não significa a sua
absoluta e abstrata impossibilidade de sanação”, mas sim o facto de esta
última (sanação) “não se produzir por mero decurso do tempo por falta
da sua arguição ou conhecimento” dentro do processo. Enquanto o pro-
cesso existir, poderão ser arguidas pelos interessados ou conhecidas de
ofício em qualquer altura; findo o processo, e “transitada em julgado”
a respetiva decisão, a nulidade consolida-se no ordenamento jurídico914.

910
Cfr. art.º 176.º, n.º 2, do CPPT.
911
Cf. acórdão do STA de 21 de outubro de 2015, processo n.º 0610/15.
912
V. a respeito, acórdão do STA de 17 de abril de 2013, processo n.º 0235/13.
913
Cfr. supra, II., 5.2.
914
Assim, Silva, Hugo Flores, As nulidades do processo de execução fiscal, in (ebook), Lis-
boa, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2019, 88 e ss., em especial, 89, disponível em

407
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

De acordo com o art.º 165.º, n.º 1, do CPPT, constituem nulidades in-


sanáveis em processo de execução fiscal a falta de citação, quando possa
prejudicar a defesa do interessado, e a falta de requisitos essenciais do
título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental.
Estas nulidades (i) têm por efeito a anulação dos termos subsequentes
do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as pe-
ças úteis ao apuramento dos factos (princípio da aproveitabilidade dos atos
processuais), (ii) são de conhecimento oficioso pelo Tribunal e (iii) podem
ser arguidas até ao trânsito em julgado da decisão final915. Tal arguição
poderá ser efetuada por meio de requerimento apresentado ao órgão de
execução fiscal e, em caso de indeferimento expresso, reclamação para
Tribunal nos termos do art.º 276.º do CPPT (em caso silêncio do órgão
de execução, “a jurisprudência tem sustentado que a falta de decisão no
prazo de 10 dias legitima a apresentação de incidente inominado na exe-
cução fiscal”916).

6.5.11. Reclamações das decisões do órgão da execução fiscal

6.5.11.1. Enquadramento
Após a digressão pelas várias fases do processo de execução fiscal, pode-
-se concluir que, em geral, se trata de um processo sui generis, na medida
em que muitos dos atos que o compõem são atos praticados, não pelo
Tribunal, mas por órgãos administrativos, nomeadamente pelo órgão da
execução fiscal (que, recorde-se, nos termos do art.º 149.º do CPPT, é o
serviço da Administração tributária onde deva legalmente correr a exe-
cução).

http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_ExecucaoFiscal.pdf.
Sobre o “trânsito em julgado”, v. a nota seguinte.
915
Cfr. art.º 165.º, n.os 2 e 4 do CPPT. V., ainda, acórdão do STA de 17 de abril de 2013, pro-
cesso n.º 0235/13. Como é fácil concluir, no processo de execução fiscal não existe pro-
priamente um “trânsito em julgado”, com exceção das situações em que o processo sobre a
tribunal e este último profere uma decisão jurisdicional. Nesta medida, e seguindo a orien-
tação de Hugo Flores da Silva, propugna-se uma “interpretação corretiva (...) no sentido
de admitir a arguição das referidas nulidades até ao momento em que deixe de ser possível
colocar em crise a decisão de extinção do processo de execução fiscal”. V., uma vez mais, do
autor, “As nulidades do processo de execução fiscal”, cit., 90.
916
Uma vez mais, e por último, Silva, Hugo Flores, “As nulidades do processo de execução
fiscal”, cit., 91 e ss.

408
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Por outro lado, a ideia de plenitude do contencioso tributário impõe


a garantia de defesa jurisdicional em todas as situações que se possam
considerar lesivas de direitos ou interesses dignos de proteção legal.
Neste sentido, prevê o art.º 103.º, n.º 2, da LGT o seguinte: “[é] garan-
tido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução
fiscal dos atos materialmente administrativos praticados por órgãos da
administração tributária (…)”.
Em consonância, prevê o CPPT uma secção destinada particular-
mente a disciplinar o modo de reação contra atuações supostamente
lesivas praticadas pelos órgãos administrativos no âmbito da execução
fiscal (art.os 276.º e ss.). Não se trata, note-se, de um verdadeiro recurso
jurisdicional, pois não estão aqui a ser sindicadas atuações de Tribunais;
nem tão pouco se pode dizer que estamos perante um recurso conten-
cioso (lato sensu), na medida em que a atuação aqui a ser analisada pelo
Tribunal, sendo uma atuação administrativa, não se incorpora num pro-
cedimento, mas num processo.
Ora, talvez em face destas dificuldades de conceitualização e locali-
zação, o legislador adotou uma terminologia que pode ser, no mínimo,
equívoca, mas que, em geral, se pode aceitar.
Fala o CPPT aqui em “reclamação”.
Insistimos, contudo: uma reclamação que, não sendo nem uma coisa
nem outra, tem um misto de recurso contencioso – pois trata-se do con-
trolo de um ato de um órgão administrativo por parte do Tribunal – e
de recurso jurisdicional – na medida em que o ato a ser controlado pelo
Tribunal é um ato praticado num processo917.

6.5.11.2. Regime normativo


A partir das considerações precedentes, facilmente se intui que a pre-
sente reclamação é revestida de um invólucro jurídico absolutamente sui
generis, não sendo de modo algum confundida com outras reclamações já
referidas nas presentes Lições. Quase se poderá dizer que a única seme-
lhança em relação a estas (como a “reclamação graciosa”) reside exclusi-
vamente na designação, nada mais.
917
Tendo em vista um fim específico – liquidação de custas judiciais –, o STA considera a re-
clamação em causa um incidente, baseando-se na “estrutural dependência” da mesma relati-
vamente à própria execução, acrescentando que a “instauração da reclamação não constitui
propriamente a introdução em juízo de um processo novo”. Assim, acórdãos do STA de 20
de outubro de 2010, proc.º n.º 0655/10, e de 17 de novembro de 2010, processo n.º 0656/10.

409
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Do regime jurídico da reclamação aqui em estudo salienta-se o se-


guinte:
i) Sob o ponto de vista orgânico, os atos suscetíveis de reclamação são
aqueles que se exteriorizem mediante decisões proferidas pelo órgão da
execução fiscal e outras autoridades da Administração tributária918;
ii) Sob o ponto de vista material, devem ser atos que afetem os direitos
e interesses legítimos do executado ou de terceiro.

Além disso, saliente-se que a reclamação em causa, embora seja diri­


gida ao Tribunal tributário – onde segue a forma de processo urgente919 –,
é apresentada no órgão da execução fiscal, no prazo de 10 dias após a
notificação da decisão lesiva (ou supostamente lesiva) e deverá indicar
expressamente os fundamentos e as conclusões920. Nesta altura, e tam-
bém no prazo de 10 dias, o órgão da execução fiscal poderá revogar o
ato reclamado921. Neste caso, compreensivelmente, ficando sem objeto a
reclamação, esta extinguir-se-á.

***

Quanto à tramitação do processo propriamente dito, deve-se come-


çar por observar que o Tribunal pode tomar ou não, de imediato, conhe-
cimento da reclamação.
A regra é a subida diferida, o que em termos práticos significa que o
Tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a
penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final922. Significa isto
que, em regra, apresentada a reclamação, a execução pode prosseguir os
seus termos, podendo ser praticados atos inerentes à sua tramitação.

918
V. art.º 276.º, n.º 1, do CPPT, e acórdão do STA de 23 de janeiro de 2013, processo
n.º 01498/12. V., ainda, acórdão do TCA-N de 31 de março de 2016, processo
n.º 02452/15.5BEPRT
919
V. art.º 278.º, n.º 6, do CPPT.
920
V. art.º 277.º, n.º 1, do CPPT.
921
Cfr. art.º 277.º, n.º 2, do CPPT. Caso o ato reclamado tenha sido proferido por entidade
diversa do órgão da execução fiscal, o prazo será de 30 dias (art.º 277.º, n.º3).
922
Cfr. art.º 278.º, n.º1 do CPPT. Quanto à eventual inconstitucionalidade deste regime, cfr.
acórdão do TC n.º 380/10, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt. e acórdãos
do STA de 14 de julho de 2010, processo n.º 0547/10 (no âmbito do qual o referido vício não
foi acolhido) e de 19 de abril de 2012, processo n.º 0293/12.

410
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Contudo, existem casos de subida imediata, situações em que a recla-


mação interposta subirá no prazo de oito dias e será conhecida seguida-
mente, desde que se cumpra um requisito essencial: ter por fundamento
um prejuízo irreparável – invocado direta ou indiretamente na reclamação
– causado por qualquer das seguintes ilegalidades923:
i) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendi-
dos ou da extensão com que foi realizada;
ii) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam
pela dívida exequenda;
iii) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito
substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangi-
dos pela diligência;
iv) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à de-
vida;
v) Erro na verificação ou graduação de créditos (em consonância com
o que acima referimos na fase da graduação de créditos em pro­
cesso de execução fiscal).
vi) Falta de fundamentação da decisão relativa à eventual apensação.

Importa observar que estes casos que consubstanciam um prejuízo ir-


reparável devem ser entendidos em termos de tipicidade aberta, uma vez
que devem ser admitidas todas as situações nas quais (i) a subida dife-
rida faça o reclamante sofrer um prejuízo irreparável, bem como ainda
aquelas (ii) cuja retenção tornaria a reclamação absolutamente inútil
(que seria o que sucederia, por exemplo, num caso de indeferimento de
pedido de dispensa de prestação de garantia, no seguimento do qual a
eventual subida diferida da reclamação lhe retiraria qualquer efeito útil,
pois que tal pedido visa, exatamente, obter a suspensão da execução e
obstar à penhora dos seus bens)924. De resto, uma interpretação literal

923
Cfr. art.º 278.º, n.º s 3 e 4 do CPPT. A respeito da invocação não expressa ou indireta, cfr.
acórdão do STA de 18 de agosto de 2010, processo n.º 0639/10, onde se pode ler: “embora
a reclamante não tenha expressamente invocado o prejuízo irreparável resultante da não
subida imediata da reclamação, ele extrai-se sem grande esforço de interpretação do teor da
petição”.
924
V. acórdãos do STA de 14 de julho de 2010, processo n.º 0547/10 e de 18 de agosto de
2010, processo n.º 0639/10 de 4 de maio de 2016, processo n.º 0304/16, , além do acórdão
do TCA-S de 31 de março de 2016, processo n.º 09455/16. Cfr. ainda, acórdão do STA de 9

411
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

do preceito seria materialmente inconstitucional por violação do princí-


pio da tutela judicial efetiva constitucionalmente previsto925.
Por outro lado, não se trata de qualquer prejuízo, mas apenas de um
que se possa qualificar como “irreparável” [rectius: de difícil reparação].
Como acertadamente refere o STA, “não está em causa (...) poupar o
interessado a todo o prejuízo”, não se devendo considerar irreparáveis,
para este efeito, por exemplo, a eventual ilegalidade da instauração, a
própria citação ou os prejuízos inerentes a qualquer execução, como
os transtornos, incómodos ou inconvenientes próprios de um qualquer
processo em Tribunal926.
Além disso, a verificação ou não de tal requisito (existência do dito
prejuízo irreparável) está a cargo apenas do Tribunal e não do órgão admi­
nistrativo que praticou o ato recorrido (órgão de execução). Uma vez
mais, refere a este propósito o STA: “tendo o interessado invocado pre-
juízo irreparável para sustentar a sua pretensão de subida imediata da
reclamação, o órgão de execução fiscal, independentemente do juízo de
valor que faça sobre a questão relativa ao prejuízo irreparável, não poderá
deixar de remeter os autos a Tribunal para que dela conheça imediatamente
(...), ainda que depois venha, em alguns casos, a concluir pela não verifi-
cação de uma situação que legitimasse essa subida imediata (sublinhado
nosso)”. O entendimento contrário – i. é, a atribuição ao autor do ato re-
clamado do poder de apreciação dos pressupostos da subida imediata da
reclamação –, “frustraria o objetivo da tutela jurisdicional pretendida”,

de agosto de 2006, processo n.º 0229/06. Refere a propósito o STA: “(...) mal se entenderia
que a lei, admitindo alguém a rebelar-se contra uma decisão, permitindo a sua reapre­ciação
por outra entidade, só propiciasse a avaliação da pretensão do interessado quando desta
apreciação não pudesse resultar nenhum efeito útil. Seria o mesmo que dar com uma mão e
tirar com a outra – além de assim se consagrar um meio de reação inconsequente, porque de
todo desprovido de proveito”.
925
Cfr., uma vez mais, art.º 268.º, n.º 4 da CRP.
926
Assim, entre outros, acórdão do TCA-S de 21 de setembro de 2010, processo
n.º 04203/10. V., também, acórdão do TC n.º 380/10, disponível em http://www.tribunal-
constitucional.pt. Deste acórdão, entre outras conclusões, pode retirar-se que “o artigo 278.º
do Código de Procedimento e de Processo Tributário satisfaz as exigências de adequação,
necessidade e proporcionalidade, condicionando temporalmente – mas não sacrificando – a
efetividade da tutela jurisdicional contra atos lesivos, que é ressalvada pela subida imediata
da reclamação quando a subida diferida criar um prejuízo que não seja remediável pela anu-
lação dos atos processuais entretanto praticados”.

412
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

qual seja o de impedir a produção de prejuízos irreparáveis resultantes


da subida a final927.
Nestas situações em que se invoca o dito fundamento e se verifica
a subida imediata, poder-se-ia colocar a questão de saber se tal subida
comporta ou não efeito suspensivo relativamente ao próprio processo
executivo, perguntando-se se, na pendência da apreciação pelo Tribu-
nal, o órgão de execução pode ou não continuar a praticar atos com vista
à cobrança coerciva da dívida em causa.
A resposta não pode deixar de ser no sentido do efeito meramente de-
volutivo, atenta a inexistência de disposição expressa que consagre o
efeito suspensivo geral928. Por conseguinte, o órgão respetivo pode, em
abstrato, continuar a praticar atos de execução (até porque o processo
continua fisicamente no serviço de finanças ou equivalente e sobe “por
apenso”929). Porém, é claro que a reclamação com tal invocação (pre­
juízo irreparável) “suspende os efeitos do ato reclamado” (e apenas
deste: art.º 278.º, n.º 6).

***

Em qualquer dos casos, com ou sem invocação de prejuízo irrepará-


vel, imediata ou diferidamente, a reclamação subirá a Tribunal (exceção
feita, naturalmente, aos casos acima referidos de revogação do ato re-
clamado), aqui seguindo as regras dos processos urgentes930. Contudo,
antes do conhecimento das reclamações por este, será notificado o re-
presentante da Fazenda Pública para responder, no prazo de 8 dias, e
será ouvido o representante do Ministério Público, que se pronunciará
no mesmo prazo931.
Por último, refira-se que a invocação infundada do prejuízo irrepa-
rável pode ser entendida como uma “conduta processual claramente
censurável”, com o único objetivo de, provocando a imediata subida da

927
Cfr. acórdãos do STA de 28 de julho de 2010 e do TCA-S de 21 de setembro de 2010,
processos n.º 0596/10 e 04203/10, respetivamente.
928
Até porque o legislador cuidou de estabelecer o efeito suspensivo em determinadas situa-
ções especiais – cfr. art.º 245.º, n.º 4, do CPPT.
929
Cfr. art.º 97.º, n.º 1, alínea n) do CPPT. De igual modo, art.º 101.º, alínea d) da LGT.
930
V. art.os 278.º, n.º 6, do CPPT e art.º 36.º, n.º 2, do CPTA.
931
Assim, art.º 278.º, n.º 2 do CPPT.

413
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

reclamação ao Tribunal, impedir o regular prosseguimento da ação exe-


cutiva e a oportuna satisfação do interesse do credor. Trata-se de san-
cionar os reclamantes que usam sem as necessárias cautelas um meio
processual excecional, previsto só para situações limite. Nestes casos,
nos termos do art.º 278.º, n.º 7 do CPPT, considera-se haver má fé, apli-
cando-se uma sanção pecuniária por esse motivo.

6.6. Intimação para um comportamento


Outro processo ao qual cumpre fazer uma referência é o processo de
intimação para um comportamento. Trata-se de um meio processual de
controlo de omissões – controlo esse, como já se observou, exigido pelo
próprio legislador constituinte932 –, que tem o seu campo de aplicação
naquelas situações em que, presumivelmente, a Administração tribu-
tária se abstém da prática de um determinado ato, materializável numa
prestação jurídica, suscetível de lesar direito ou interesse legítimo em
matéria tributária933.
Recordemos o exemplo que já apresentamos no decorrer destas Li-
ções e que se subsumia à situação de a Administração se recusar a efetuar
a devolução, legalmente devida e perfeitamente reconhecida, de deter-
minado tributo pago por parte do sujeito passivo934.
Nestas situações, poderá o interessado requerer a sua intimação para
o cumprimento desse dever, em requerimento dirigido ao Tribunal tri-
butário de primeira instância, e onde deverá identificar935:
– A omissão;
– O direito ou interesse legítimo violado ou lesado ou suscetível de
violação ou lesão; e
– O procedimento ou procedimentos a praticar pela Administração
tributária (v.g., um reembolso936).

Posteriormente, e como refere o n.º 4 do art.º 147.º do CPPT, “a ad-


ministração tributária pronunciar-se-á sobre o requerimento do contri-

932
V. art.º 268.º, n.º 4, da CRP e supra, II, 1.1., c). V. , por último, acórdãos do STA de 23 de
maio de 2007, processo n.º 0255/07 e de 31 de março de 2016, processo n.º 0411/15.
933
V. art.º 147.º, n.º 1, do CPPT.
934
V. acórdão do STA de 28 de outubro de 2015, processo n.º 01305/14.
935
V. art.º 147.º, n.º 3, do CPPT.
936
Cfr., por exemplo, acórdão do STA de 8 de maiode 2013, processo n.º 0666/12.

414
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

buinte no prazo de 15 dias, findos os quais o juiz resolverá, intimando, se


for caso disso, a Administração tributária a reintegrar o direito, reparar
a lesão ou adotar a conduta que se revelar necessária, que poderá incluir
a prática de atos administrativos, no prazo que considerar razoável, que
não poderá ser inferior a 30 nem superior a 120 dias”.
Deve-se salientar que este processo tem natureza subsidiária, pois só
é aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos na
lei – e apenas os meios contenciosos são aqui relevantes para este fim –,
ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efe-
tiva dos direitos ou interesses em causa. Por isso, este será o meio inade-
quado para, por exemplo, se pedir em Tribunal a condenação da Admi­
nistração a anular uma liquidação ou para substituir uma liquidação por
outra, uma vez que para estes fins o interessado terá ao seu dispor um
arsenal garantístico mais apropriado, devendo usar o instrumento de
impugnação judicial (além da reclamação graciosa ou da revisão, já por
nós analisados)937. Do mesmo modo, as questões da existência e da exi-
gência de determinado direito não podem aqui estar sujeitas a diferen-
dos ou a dúvidas, encontrando-se perfeitamente pacificadas. Se não for
o caso, então o meio processual próprio deverá ser a ação para reconhe-
cimento de direito ou interesse legalmente protegido em matéria tri-
butária938. Finalmente, também não será por esta via que se conseguirá
a obtenção do pleno e integral cumprimento de decisões judiciais, mas
antes por via da ação para execução de julgados939.
De qualquer modo, não pode deixar de se concluir que, em face de
situações de silêncio da Administração, este instrumento constitui por
vezes a melhor forma de tutela para o contribuinte, em oposição por
exemplo à impugnação judicial. Com efeito, caso lance este último ins-
trumento, o máximo que conseguirá, em princípio, será a anulação do
ato impugnado, nada lhe garantindo que a Administração aja em con-
formidade (por exemplo, lhe entregue o quantitativo de restituição em
dívida), o que o obrigaria a interpor novo meio jurisdicional. Já se recor-
rer à intimação pode obter, logo, o que pretende, ou seja, a vinculação da
Administração a, em prazo fixado pelo Tribunal, agir num certo sentido.

937
Cfr. acórdão do STA de 10 de janeiro de 2007, processo n.º 0722/06
938
Cfr. acórdão do STA de 23 de maiode 2007, processo n.º 0255/07.
939
V. acórdão de 15 de maiode 2013, processo n.º 1317/12.

415
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Além disso, não pode deixar de se constatar que este “é um processo


expedito, isto é, mais ágil do que os demais”, o que pode constituir razão
para melhor tutelar os direitos ou interesses em causa, atenta a necessi-
dade, para o interessado, de obter da Administração aquilo que ela não
lhe prestou em devido tempo. Como refere o STA, neste caso, a melhor
tutela pode equivaler à tutela mais rápida (ainda que propicie menor
ponderação, pois o juiz decide de imediato, sem atender a grande arse-
nal probatório) 940.
Para finalizar, deve-se observar que, embora análogos, com este pro-
cesso não se confundem nem o procedimento de requerimento de ele-
mentos em falta, nem o processo de intimação para a passagem de certi-
dão – meio processual adequado para reagir contra o indeferimento de
um pedido de passagem de certidão941 –, pois os respetivos campos apli-
cativos são distintos942.

6.7. Recurso da decisão administrativa de acesso a informações


bancárias
Aquando do estudo dos procedimentos tributários em especial, tivemos
oportunidade de nos debruçar sobre o procedimento de acesso a infor-
mações bancárias.
Dissemos então que, em algumas situações, a Administração tribu-
tária pode aceder a informações bancárias sem dependência de autori-
zação judicial, materializando um ato intrusivo que pode colidir com as
garantias constitucionalmente previstas de reserva e proteção dos dados
da vida privada.
Ora, nessa conformidade, e como não poderia deixar de ser, as de-
cisões da Administração tributária devem obedecer a certos requisitos,
tornando-se imperativo, designadamente, que se encontrem adequada-
mente fundamentadas, e que, em alguns casos, sejam precedidas de au-
dição do lesado. E havendo requisitos a cumprir, logicamente se há-de
levantar o problema de saber o que acontece quando tal cumprimento
não se verifica.

940
Cfr. acórdão do STA de 7 de março de 2007, processo n.º 06/07.
941
Assim, acórdão do STA de 28 de julho de 2010, processo n.º 0477/10.
942
Cfr., a respeito, art.os 37.º, n.º 1 e 146.º, n.º 1 do CPPT. V., ainda, acórdão do STA de 17 de
maiode 2006, processo n.º 0422/06.

416
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Para este tipo de casos, prevê o art.º 63.º-B, n.º 5, da LGT, que as deci­
sões administrativas referidas são suscetíveis de recurso judicial. Em ar-
ticulação, o art.º 146.º-B do CPPT, vem densificar aquele preceito, pres-
crevendo as regras processuais que lhe dizem respeito.
Assim, começa por referir o n.º 1 que o recurso em causa é feito pelo
visado através de petição, que deve ser apresentada no Tribunal tribu-
tário de 1.ª instância da área do seu domicílio fiscal, no prazo de 10 dias
a contar da data em que foi notificado da decisão administrativa (n.º 2),
e onde deve justificar sumariamente as razões da sua discordância. Jun-
tamente com essa petição – e materializando uma restrição probatória
que tem sido considerada como inconstitucional943/944 –, prevê o legisla-
943
Com efeito, a questão da inconstitucionalidade do segmento final do art.º 146.º – B, n.º 3
do CPPT não parece oferecer dúvidas ao TC. Na verdade, o Tribunal constitucional julgou-
-o – portanto, em processo de controlo concreto e com eficácia inter-partes – desconforme
com a Constituição por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, em conjugação com o
princípio da proporcionalidade.
No âmbito do processo que deu origem ao acórdão n.º 681/2006 (disponível em http://
www.tribunalconstitucional.pt), foi o órgão máximo da jurisdição constitucional confronta-
do com a questão de saber se tal preceito, na medida em que veda a possibilidade de o con-
tribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão da Administração tributária que
determina o acesso à informação bancária para fins fiscais, viola ou não o direito de acesso
aos Tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. A decisão de inconstitucio-
nalidade, que se aqui se acompanha, baseia-se, entre outros, nos seguintes tópicos argumen-
tativos:
– O direito de acesso aos Tribunais compreende o direito a ver solucionados os conflitos por
um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e perante o qual as
partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos
respetivos pontos de vista (direito a um processo equitativo);
– A vinculação do julgador ao princípio da igualdade, deve significar que as partes têm que
dispor de idênticos meios processuais para litigar (princípio da igualdade de armas);
– Particularmente no domínio do contencioso tributário, exige-se um “quadro razoável de
equilíbrio entre os poderes da administração tributária e os direitos dos contribuintes”.
Por estes motivos, entende o TC que a limitação à prova documental na norma em causa
importa uma lesão do direito à produção de prova ou do “direito constitucional à prova”.
É certo – e tal não deixa de ser reconhecido – que existe por parte do legislador uma liber-
dade de conformação processual, que lhe permite, em face das especificidades de cada tipo
de processo, estabelecer regras restritivas, atinentes, por exemplo, a prazos (encurtando-
-os) ou a meios de provas (limitando-os), principalmente tendo em vista objetivos de efi-
cácia, celeridade e economia processual. Contudo, tal liberdade não é absoluta e deve ser
temperada, designadamente, com o princípio da proporcionalidade e os seus subprincípios
da necessidade e adequação, o que leva a questionar se vedar em abstrato um meio de pro-
va que, in casu, se pode revelar adequado à aclaração dos factos que fazem parte do objeto

417
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO
944
–, prevê o legisla
dor que deverá juntar os documentos (apenas estes) que suportam a sua
pretensão.
Posteriormente, será o órgão administrativo notificado para, que­
rendo, deduzir oposição.
Em face do melindre destas situações, entende o legislador que se
trata de um “processo urgente” (art.º 146.º-D, n.º 1 do CPPT), devendo a
respetiva decisão judicial deve ser proferida no prazo de 3 meses a con-
tar da data de apresentação do requerimento inicial (n.º 2).
De referir que, nos casos de deferimento do recurso, os elementos de
prova entretanto obtidos não podem ser utilizados para qualquer efeito
em desfavor do contribuinte (art.º 63.º-B, n.º 6, da LGT).
Saliente-se, por fim, que apenas nos casos em que estejam em causa
documentos bancários relativos a familiares ou terceiros que se encon-
trem numa relação especial com o contribuinte este recurso terá efeito
suspensivo (em todos os outros casos, consequentemente, terá efeito
meramente devolutivo)945.

6.8. Recurso da decisão de avaliação da matéria coletável com base


em manifestações de fortuna
Outro procedimento que tivemos oportunidade de analisar foi o proce-
dimento de avaliação indireta com base em manifestações de fortuna.

do processo não excede o necessário para a prossecução dos interesses em causa. Conclui-
-se que sim, pois “a impossibilidade de, em qualquer caso (sublinhado nosso), o contribuinte
contestar através de prova testemunhal a veracidade da prova recolhida pela administração
tributária não se encontra suficientemente ancorada com os referidos objetivos de eficácia,
celeri­dade e economia processual”. Acrescenta-se que se deve consagrar uma solução que
permita uma ponderação de interesses e que admita a possibilidade de o juiz avaliar e deci-
dir sobre a oportunidade de admissão de um determinado meio de prova no caso concreto
(recusando-a se for considerada impertinente ou desnecessária). Porém, uma solução que
não com­porte uma restrição absoluta – “tratar-se-á, sempre, de uma limitação em concreto,
e não de uma exclusão absoluta, e em abstrato”.
944
Após o acórdão referido na nota anterior (e outros de igual sentido), foi proferido pelo
TC o acórdão n.º 759/2013, no qual foi declarada com força obrigatória geral a inconstitucio-
nalidade da norma constante da parte final do n.º 3 do artigo 146.º-B do CPPT, quando apli-
cável por força do disposto no n.º 8 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (e apenas nestes
casos), na medida em que exclui em absoluto a produção de prova testemunhal, nos casos
em que esta é, em geral, admissível. Trata-se de um acórdão extremamente interessante e
com proveitosa declaração de voto anexa (Conselheiro Pedro Machete).
945
Cfr. art.º 63.º-B, n.º 5 da LGT.

418
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Ora, o processo tributário em epígrafe relaciona-se exatamente com


esse procedimento.
Com efeito, refere o art.º 89.º-A, n.º 7 da LGT que “da decisão de
avaliação da matéria coletável pelo método indireto constante deste ar-
tigo [com base em manifestações de fortuna] cabe recurso para o tribu-
nal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente
(...)”.
De resto, como o n.º 8 do mesmo preceito manda aplicar, com as ne-
cessárias adaptações, as regras respeitantes ao recurso da decisão admi-
nistrativa de acesso a informações bancárias (art.º 146.º-B do CPPT946),
já analisado, pouco mais haverá a dizer do que deve ser feita para tais
regras a consequente remissão. Aliás, o próprio n.º 5 do art.º 146.º-B o
refere: “a regras dos números precedentes aplicam-se, com as necessá-
rias adaptações, ao recurso previsto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tribu-
tária”.

6.9. Reclamações das decisões do órgão da execução fiscal (remis­


são)
Sobre o meio processual em epígrafe já nos debruçamos na fase final do
estudo do processo de execução fiscal, pelo que para lá remetemos.

6.10. Meios processuais regulados pelo disposto nas normas sobre


o processo nos Tribunais administrativos
Finalmente, cumpre fazer uma referência breve a alguns processos que,
em rigor, não são processo tributários stricto sensu, apesar de formalmente
previstos nas leis tributárias. Trata-se de processos para os quais o CPPT
remete ou que devolve para as leis reguladoras do processo nos Tribu-
nais administrativos (v.g., CPTA) e são genericamente referidos como
os “meios processuais comuns” à jurisdição administrativa e tributária.
Tal carácter comum deriva da sua natureza simbiótica ou mista, uma vez
que, estando previstos no CPPT, podem (rectius: devem) ser interpostos
nos Tribunais tributários, mas a sua disciplina jurídica está consagrada
no CPTA.

946
Recorde-se o acórdão do TC n.º 759/2013, acabado de citar no apartado sistemático
anterior.

419
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

São eles:
i) O já estudado recurso contencioso (ação administrativa) do indeferi-
mento ou revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, bem
como de outros atos administrativos relativos a questões tributá-
rias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liqui-
dação [art.º 97.º, n.º 1, alínea p) e n.º 2 do CPPT]947;
ii) Os denominados meios acessórios, como sejam os de:
– Intimação para consulta de processos ou documentos admi­
nistrativos e passagem de certidões948;
– Produção antecipada de prova949; e
– Execução de julgados950.
iii) O processo de resolução de conflitos, particularmente os conflitos
de competências entre Tribunais tributários e Tribunais adminis-
trativos e entre órgãos da Administração tributária do Governo
central, dos Governos regionais e das Autarquias locais951.

Além destes meios previstos no CPPT, poderá ser cogitável – e em


nossa opinião, admissível –, a aplicação em matéria tributária da decla-
ração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de
Direito administrativo-tributário (uma exigência da própria Constitui-
ção, no seu art.º 268.º, n.º 5).

947
Como já vimos, cabe impugnação judicial, quer da liquidação stricto sensu, quer dos atos
administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade daquele
primeiro ato. Já caberá recurso contencioso em sentido próprio (= ação administrativa) dos
demais atos tributários que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação,
sendo tal meio impugnatório “regulado pelas normas sobre processo nos tribunais adminis-
trativos”.
948
Cfr. art.os 97.º, n.º 1, alínea j) e 146.º, n.º 1, do CPPT. V., a respeito, o já referido acórdão do
de 12 de setembro de 2012, processo n.º 0899/12, onde se exara o entendimento de acordo
com o qual a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões
será aplicável, no procedimento tributário, aos casos em que está em causa suprir as defi­
ciências das notificações, quando a Administração tributária não der satisfação às pretensões
formuladas nesse sentido ao abrigo do art.º 37.º do CPPT. V., quando à divisão competencial
entre os Tribunais administrativos e os Tribunais tributários, acórdão do TCA-Sul de 12 de
março de 2015, processo n.º 11885/15.
949
Cfr. art. os 97.º, n.º 1, alínea l), e 146.º, n.º 1, do CPPT.
950
V. art. os 146.º, n.º 1, do CPPT e 157.º e ss do CPTA. Sobre a separação aplicativa entre a in-
timação para um comportamento e a ação para execução de julgado, v. acórdãos do STA de
15 de maiode 2013, processo n.º 01317/12 e de 9 de novembro de 2016, processo n.º 0829/16.
951
V. art.º 97.º, n.º 3 do CPPT.

420
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Repetimos: a disciplina jurídica destes instrumentos processuais está


prevista fora das normas tributárias propriamente ditas, o que implica
que as regras respeitantes a prazos, tramitações ou outros aspetos rele-
vantes terão de ser procuradas no CPTA.

7. Contencioso cautelar
Após a análise minimamente pormenorizada dos meios processuais,
pode assim dizer-se, mais extensos e pausados, chegou o momento de
debruçarmos a nossa atenção sobre outros instrumentos processuais
que, por razões várias, se devem configurar como vias mais céleres e agi-
lizadas, na medida em que são especificamente pensados para casos de
urgência ou premência, e que têm em vista a manutenção de determi­
nada situação jurídica ou fáctica ou a antecipação dos efeitos de deter-
minada decisão.
Estamo-nos a referir aos denominados meios cautelares, que mais não
são do que meios de tutela que têm por objetivo garantir o efeito útil,
em tempo, de determinadas atuações procedimentais ou processuais, no
seguimento aliás da própria imposição constitucional nesse sentido952.
Procura-se evitar lesões graves e irrecuperáveis que provavelmente sur-
giriam se tivesse de se esperar pela decisão final da tramitação em causa,
por vezes necessariamente alongada e demorada.
Por exemplo, pense-se na situação em que a Administração tributá-
ria receia que, antes da instauração ou durante o processo de execução
fiscal, o contribuinte venda os seus bens a outra pessoa, os doe, ou os
destrua, de modo a não se encontrarem no seu património bens penho-
ráveis e, por esse modo, inviabilizar a penhora. Do mesmo modo, o con-
tribuinte ou um terceiro podem querer evitar o acesso imediato aos seus
dados pessoais, na sequência da apreensão de material informático no
âmbito de uma inspeção.
Compreender-se-á sem dificuldade que nestas situações o sujeito in-
tente paralisar os efeitos da atuação da contraparte, compreendendo-se
igualmente que, em face da celeridade que se exige, não se pode preten-
der efetuar desde logo a prova adequada e completa dos direitos invoca-
dos, bastando a mera aparência da existência dos mesmos e a antevisão,
em termos de prognose, do dano a que podem estar sujeitos.

952
Cfr., uma vez mais, art.º 286.º, n.º 4 da CRP.

421
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Pois bem, em termos de estrutura discursivo-sistemática, a aborda-


gem que se segue começará por uma referência de natureza genérica e
localizadora, na qual serão abordados os fundamentos e as característi-
cas da tutela cautelar (bem assim como se tentará ensaiar um conceito
juridicamente adequado), após o que se procurará elencar uma tipolo-
gia dos meios respetivos para, num passo seguinte, se procurar conhecer
o regime concreto dos meios cautelares em matéria tributária. Por fim,
serão dedicadas algumas linhas expositivas aos meios que os lesados têm
ao seu dispor para reagir à adoção de meios cautelares pela Administra-
ção tributária953.

7.1. Enquadramento: noção, fundamentos, pressupostos e caracte­


rísticas da tutela cautelar
Em termos de aproximação conceitual, as medidas cautelares podem ser
definidas como instrumentos de tutela provisória de situações jurídicas,
mantendo determinado estado ou efeito, ou antecipando-o. Procura-se
por seu intermédio que o ordenamento reconheça que, em determina-
dos casos, o simples decurso do tempo normal de duração de um pro-
cedimento ou processo convencional pode colocar em crise bens jurídi-
cos ou posições jurídicas subjetivas relevantes, prejudicando seriamente
(insiste-se: seriamente) os atores envolvidos no litígio. Por outras pa-
lavras: pressupõe-se que nestes casos exista sempre uma possibili­dade
real de ocorrência de um prejuízo grave ou de difícil reparação, provo-
cado pela duração necessariamente longa de uma tramitação jurídica
formal (chamamento de todos os interessados; carreamento, recolha e
análise de todos os elementos probatórios, elaboração da decisão, etc.,
tudo em acumulação com centenas de outros litígios a ser analisados e
resolvidos pelo mesmo instrutor ou decisor), reclamando-se uma deci-
são interina. Daí que a provisoriedade seja uma nota marcante, pois não
se procura aqui resolver em definitivo determinado litígio, mas apenas
oferecer aos envolvidos um arranjo jurídico temporário ou transitório,
que evite, na altura, males maiores.

953
Será conveniente realçar que, em rigor, na estrutura das presentes Lições, o estudo destes
meios de natureza cautelar deveria ser feito mediante a integração no ponto 6 (uma vez que
estamos a falar, ainda, de meios processuais). Sucede, porém, que por razões de simplici­
dade expositiva e de comodidade pedagógica, se entende por bem abrir um apartado autó-
nomo.

422
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Em matéria jurídico-tributária, a necessidade da sua existência é in-


discutível, podendo afirmar-se que a consagração legal destes instru-
mentos de cautela assenta genericamente em dois alicerces distintos:
– Por um lado, o princípio da prossecução do Interesse público materiali-
zado na arrecadação de tributos necessários à satisfação de neces-
sidades coletivas (defesa, segurança, saúde, educação, etc.) subjaz
à consagração de instrumentos cautelares a favor da Administra-
ção tributária, compreendendo-se que esta, muitas vezes, procure
impedir que os contribuintes (lato sensu) frustrem tais propósitos
através de atuações desviantes;
– Por outro lado, os princípios do acesso ao Direito e da tutela jurisdicional
efetiva subjazem à consagração de instrumentos cautelares a favor
dos contribuintes, acautelando que estes não sejam desproporcio-
nalmente onerados com atuações gravosas da AT que, gozando de
um privilégio de execução, podem levá-las à prática de modo quase
imediato.

Tendo em vista este substrato axiológico distinto, constata-se que aos


instrumentos cautelares tributários será dispensado um regime jurídico-
-normativo distinto, consoante o tipo de interesse que estiver a presidir
ao seu estabelecimento.
A tal regime será dedicada atenção adiante. Por agora, será conve-
niente colocar em evidência que, em geral, para que uma medida desta
natureza possa ser efetivada vários pressupostos devem considerar-se
verificados, a saber:
i) Em primeiro lugar, é sempre indispensável que exista um verosímil
e plausível risco de dano em consequência da demora (periculum
in mora). Assim sendo, o contribuinte ou a AT devem procurar de-
monstrar que a atuação da outra parte, por si só, pode colocar em
crise de um modo sério e grave a estabilidade da sua esfera jurí­
dica, introduzindo nesta um mal ou um prejuízo que dificilmente
se reparará no futuro. Este requisito deve ser encarado de modo
prudente e ajuizado, em termos de não se extremar a sua consi-
deração: naturalmente que não se tratará de um mero ou simples
transtorno ou incómodo motivado por uma demora normal ou
pelo decurso do tempo (estes serão os riscos inerentes ao tráfico
jurídico em geral), mas também não se exigirá uma lesão irrepa-

423
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

rável, bastando que se trate de uma lesão de difícil reparação954.


Aliás, basta considerar que em matéria tributária, na maior parte
dos casos, a potencial lesão tem natureza patrimonial e pecuniá-
ria (exigência de dinheiro, oneração de bens, etc.), de modo que
dificilmente se poderá considerar absolutamente irreparável, pois
restará sempre a possibilidade de ressarcimento ou compensação
indemnizatória (possivelmente com exceção dos casos de violação
de direitos, liberdades ou garantias de natureza pessoal, como o
acesso à habitação do contribuinte, à sua correspondência, aos seus
dados pessoais, etc.).
ii) Em segundo lugar, é necessário que se demonstre que, com elevada
probabilidade, o direito ou interesse invocado por aquele a quem
a medida cautelar aproveita existe no caso em concreto. Quer isto
dizer que a AT ou o contribuinte devem suportar a sua pretensão
de levar à prática a medida em causa mediante a demonstração
clara de que a razão está do seu lado, embora não se exija desde
já uma prova categórica e definitiva – estamos perante uma tutela
de provisoriedade, recorde-se –, mas antes a apresentação de uma
aparência fundada do direito (fumus boni iuris) que seja apta a pro-
porcionar uma cognição sumária.

Por conseguinte, e a título exemplificativo, periculum in mora e fumus


boni iuris constituem condições indispensáveis nas situações em que a
AT pretenda efetuar o arresto dos bens do contribuinte para evitar a dis-
sipação patrimonial, ou nas situações em que este pretenda obter a sus-
pensão de eficácia de um ato de acesso a dados pessoais ou de revogação
de um benefício fiscal.
Em todo o caso, além dos pressupostos ou condições referidos, um
outro deve considerar-se omnipresente e incontornável: a observância
do princípio da proporcionalidade. Com efeito, estando-se em presença de
medidas com forte componente restritiva (seja qual for o sujeito afe­
tado), torna-se indispensável a verificação dos requisitos gerais constitu-
cionalmente exigidos, a saber: necessidade absoluta da medida, adequa-
ção da mesma aos fins que se pretende atingir e extensão não exagerada.

954
Tem-se presente que o referido no texto divergirá do que pode resultar de uma interpre-
tação literal do art.º 147.º, n.º 6 do CPPT.

424
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Neste particular, o legislador foi repetidamente enfático, reiterando a


imprescindibilidade da observância deste princípio e das suas densifi-
cações, seja invocando-o diretamente (art.º 30.º, n.º 1 do RCPITA); seja
considerando-o condição de fundamentação (art.º 30.º, n.º 2 do RCPI-
TA); seja determinando que “as providências cautelares devem ser pro-
porcionais ao dano a evitar e não causar dano de impossível ou difícil
reparação” (art.º 51.º, n.º 2 da LGT); seja ainda apelando para que a me-
dida apenas se efetive quando “se mostre necessário à plena eficácia da
ação inspetiva e ao combate à fraude fiscal” [art.º 30.º, n.º 1, alínea b) do
RCPITA]; seja, por fim, indicando que a medida deve ser levada à prá­
tica “quando conveniente” [art.º 30.º, n.º 1, alínea c) do RCPITA].
A partir de quanto resulta exposto, facilmente se pode induzir que
os instrumentos cautelares são marcadamente caracterizados pelas no-
tas da provisoriedade e da instrumentalidade. Provisoriedade, na medida
em que os seus efeitos são, por natureza, limitados no tempo, procurando
apenas encontrar um arranjo passageiro no sentido de evitar males
maiores. Instrumentalidade, na medida em que, não constituem eles pró-
prios um fim em si mesmos, antes se encontrando anexados a um outro
procedimento ou processo, este sim, de natureza principal. Trata-se de
uma instrumentalidade relativa, mais visível no âmbito do procedimento
do que do processo tributário, na medida em que neste último não se
exige – ao contrário do que sucede, por exemplo, no âmbito do processo
civil e do processo administrativo – que exista dependência formal de
uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado955.

7.2. Tipologia dos instrumentos cautelares


O estudo juridicamente adequado dos instrumentos de tutela cautelar
tributária não prescinde do estabelecimento de um conveniente quadro
tipológico que permita individualizar esses instrumentos, identificar as
suas mais marcantes características e, em face destas últimas, agrupá-los
em categorias abrangentes (tipos).
Apenas desse modo se conseguirá perspetivar racionalmente este
segmento do Direito, que tradicionalmente é encarado como desordena-
do e confuso, ao que não será alheia seguramente a natureza hesi­tante
com que o próprio criador normativo procede ao desenho do regime

955
Cfr., art.os 112.º e ss. do CPTA e 364.º do CPC. Neste último caso, todavia, convém relevar
a importância da denominada “inversão do contencioso” (cfr. art.º 369.º do CPC).

425
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

jurídico aplicável, a começar pelas indefinições linguísticas ou termino-


lógicas, umas vezes referindo-se a “medidas cautelares”, outras a “provi-
dências cautelares”.
Pela nossa parte, e para os presentes propósitos, procurará simpli-
ficar-se o arsenal linguístico, assumindo que a utilização dos termos
“medida”, “providência”, ou outro, na maior parte das vezes não poderá
senão ser encarada como fungível. Em termos práticos, está-se sempre
em presença de instrumentos ou meios jurídicos que têm em vista um
determinado fim, pelo que será esta a terminologia (“instrumento cau-
telar”, “meio cautelar”) a que daremos preferência, porque mais abran-
gente e menos suscetível de se prestar a equívocos.
Quais podem ser, então, as espécies ou tipos a considerar?
i) Quanto ao beneficiário (pessoa ou entidade a favor de quem apro-
veita ou beneficia em concreto), é possível identificar instrumen-
tos cautelares a favor da Administração tributária, e instrumentos
cautelares a favor dos contribuintes ou outros obrigados tributá-
rios. No primeiro grupo – no qual relevam as considerações de
Inte­resse público supra referidas –, incluem-se, por exemplo, o
arresto, a apreensão de bens ou a selagem de instalações, ao passo
que no segundo – justificado pelo princípio da tutela jurídica efe-
tiva –, assume especial destaque a suspensão de eficácia dos atos
administrativos.
ii) Quanto aos efeitos, os instrumentos cautelares podem ter natu­
reza antecipatória – cujo objetivo é, precisamente, antecipar ou
precipitar para o momento presente determinado efeito jurídico
ou material que apenas se verificaria (eventualmente) mais à fren-
te no tempo (será o caso, por exemplo, das medidas de instrução
probatória antecipada, ou de concessão antecipada de um benefí-
cio fiscal) – ou natureza conservatória – cuja finalidade é manter o
estado presente de determinada situação jurídica ou fáctica (por
exemplo, o arresto, evitando que se aliene ou oculte certo bem).
iii) Quanto ao modo de efetivação, distinguem-se os instrumentos
cautelares que podem ser levados à prática diretamente pela AT
(administrativos) e os instrumentos cautelares que, por meio de
exigência legal nesse sentido, apenas podem ser levados à prática
mediante intervenção e decisão jurisdicional (jurisdicionais).
Neste último caso, é compreensível que a respetiva tramitação

426
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

processual revista natureza urgente, garantindo-se que os respeti-


vos atos corram em férias e com precedência em relação ao serviço
do Tribunal que não tenha essa natureza956.
iv) Quanto à previsão normativa, pode-se falar em instrumentos cau-
telares nominados ou inominados: os primeiros, estão previstos
num tipo legal prévio e veem a sua tramitação e os seus efeitos
desenhados por via legal; os segundos, não estão legalmente pre-
vistos e a respetiva tramitação e os efeitos são recortados pelo apli-
cador normativo no caso em concreto.

Ora, a partir da conjugação destes critérios e dos dados fornecidos


pelo legislador no momento do recorte do regime jurídico-normativo
aplicável a cada instrumento, torna-se viável apontar alguns traços de
regime que funcionam como coordenadas identificadoras do sistema
cautelar tributário português. Assim, pode afirmar-se que:
– Os instrumentos cautelares a favor da AT podem ter natureza ad-
ministrativa ou jurisdicional, enquanto que os meios cautelares a
favor dos contribuintes têm sempre natureza jurisdicional;
– Os instrumentos cautelares a favor da AT podem ser nominados ou
inominados, enquanto que aqueles que favorecem os contribuintes
são inominados;
– Quer a AT, quer os contribuintes podem ter ao seu dispor instru-
mentos antecipatórios e conservatórios.

Ora, após a consideração abstrata destes instrumentos ou meios,


chegou a altura de se proceder ao seu estudo em concreto, procurando
indi­vidualizar o respetivo regime jurídico normativo, utilizando os cri­
térios tipológicos expostos.

7.3. O regime das medidas cautelares em matéria tributária


No seguimento da análise sistemática que foi proposta, chegou a altura
de procurar conhecer o regime jurídico que é dispensado a cada um dos
instrumentos cautelares tributários. Começar-se-á por estudar os que
são efetivados a favor da AT (destinados a acautelar o Interesse pú­blico
inerente à atuação desta – 7.3.1.) e, após isso, será dedicada atenção aos
que são efetivados a favor dos contribuintes (destinados a conferir a

956
V., a propósito, art.ºs 36.º, n.º 1, alínea f ) e n.º 2 do CPTA.

427
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

estes uma tutela jurídica plena dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos – 7.3.2.). No âmbito dos primeiros (instrumentos a favor da
Administração tributária) cumpre distinguir, por um lado, os que reves-
tem natureza exclusivamente administrativa (7.3.1.1.) e os que revestem
natureza jurisdicional, exigindo a intervenção do Tribunal e juiz tribu­
tário (7.3.1.2.).

7.3.1. Instrumentos cautelares a favor da Administração tributária

7.3.1.1. Instrumentos administrativos


Como se referiu, está-se aqui em presença de meios diretos, que não care­
cem de mediação jurisdicional.
Com efeito, no intuito de assegurar a garantia dos créditos tributá-
rios ou de adquirir e conservar a prova em procedimento inspetivo,
a AT pode, de um modo direto e sem dependência de autorização ou
decisão do Tribunal nesse sentido, levar à execução vários instrumentos
de natureza cautelar. Se bem que o legislador, também aqui, não tenha
sido particularmente esclarecedor – seja na tarefa de tipificação, seja no
desenho do respetivo âmbito de abrangência e regime aplicável –, um
esforço interpretativo consistente que convoque uma análise integrada
dos diversos dispositivos permite identificar as seguintes medidas po-
tencialmente aplicáveis957:
i) Em primeiro lugar, a apreensão, a qual terá como efeito mais signi­
ficativo o desapossamento de determinado bem ou conjunto de
bens, na sequência dos desenvolvimentos de um procedimento
mais amplo, como por exemplo um procedimento de inspeção
tributária, o controlo de bens em circulação para efeitos de IVA
ou um procedimento contra-ordenacional tributário958. Os bens

957
Cfr. art. os 52.º, n.º 3 da LGT e 30.º, n.º 1 do RCPITA.
958
Cfr. art.º 73.º, n.º 1 do RGIT, nos termos do qual “a apreensão de bens que tenham consti-
tuído objeto de contra-ordenação pode ser efetuada no momento do levantamento do auto
de notícia ou no decurso do processo pela entidade competente para a aplicação da coima,
sempre que seja necessária para efeitos de prova ou de garantia da prestação tributária,
coima ou custas”. V., igualmente, os números seguintes do preceito (v.g., apreensão dos
meios de transporte utilizados na prática das contra-ordenações e apreensão de dinheiro).
Quanto ao controlo de bens em circulação, v. art.º 16.º do DL 147/2003. Quanto aos veículos,
cfr. art.º 22.º do Código do Imposto único de circulação (CIUC).

428
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

aprendidos deverão ser sempre tributariamente relevantes e po-


dem consistir em elementos de escrituração, dossiers, computado-
res, dispositivos de armazenamento de informação e dados (como
pen-drives), viaturas automóveis, dinheiro, etc., dependendo do
tipo de tributo em questão e da situação fáctica subjacente, e, em
todos os casos, a medida terá como efeito, como se disse, o sim-
ples desapossamento (isto é, a retirada da posse) e não, evidente­
mente, a desapropriação dos bens, os quais continuam na titula-
ridade do respetivo proprietário. Caso contrário, a restrição da
propriedade considerar-se-á inadequada e violadora do princípio
da proporcionalidade959/960.
ii) Em segundo lugar, a retenção de prestações tributárias a que o
contribuinte tenha direito, como sejam o caso de reembolsos ou
restituições de tributos, os primeiros devidos nas situações de
adiantamentos de imposto a título de pagamento por conta ou de
retenção na fonte com essa natureza, os segundos devidos pela li-
quidação ilegal e consequente anulação do ato tributário respe­
tivo961. Nestas situações, a AT pode “congelar” a devolução a que o
contribuinte tem direito, como modo de garantir o cumprimento
de outras obrigações tributárias.
iii) Em terceiro lugar, a selagem de instalações, particularmente ar-
mazéns, depósitos, entrepostos, arrecadações, frigoríficos, etc.,
onde estejam situados bens relevantes para efeitos de tributação
(v.g., mercadorias objeto de transações sujeitas a IVA ou a impos-
tos especiais sobre o consumo, como tabacos, medicamentos, com-
bustíveis, produtos alimentares, etc.), de modo a procurar evitar a
sua destruição ou dissipação962.

959
Cfr. art.os 51.º, n.º 3, da LGT e 30.º, n.º 1, alínea a), do RCPITA.
960
Sempre que se proceda à apreensão de bens será lavrado o respetivo termo e serão auten-
ticadas as fotocópias ou duplicados dos elementos apreendidos (art.º 30.º, n.º 3, do RCPITA).
961
Cfr. art.º 51.º, n.º 3, in fine da LGT.
962
Cfr. art.º 30.º, n.º 1, alínea b), do RCPITA. As instalações seladas não deverão conter bens,
documentos ou registos que sejam indispensáveis para o exercício da atividade normal da
empresa, nomeadamente bens comercializáveis perecíveis no período em que presumivel-
mente a selagem se mantiver. Além disso, sempre que for possível, os elementos com in-
teresse para selar serão reunidos em local que não perturbe a atividade empresarial ou
profissional, em divisão fixa ou em contentor, e fechados com dispositivo inviolável, desig-

429
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

iv) Em quarto lugar, a aposição de vistos em documentos, como for-


ma de fixar no tempo ou cristalizar os seus conteúdos, para que
se saiba que eventuais alterações ou correções foram introduzidas
posteriormente963.

Como se compreende, e no seguimento do que vem sendo exposto,


exige-se a verificação cumulativa dos pressupostos relativos à demons-
tração da aparência fundada do direito da AT e do perigo que a demora ou
delonga pode introduzir na tutela dos valores em causa. Importa pre-
cisar que, apesar de a LGT não se referir expressamente ao primeiro
dos requisitos referidos, pode considerar-se a sua previsão indireta no
segmento do art.º 51.º, que se refere aos “termos da lei” (“A adminis-
tração tributária pode, nos termos da lei, tomar providências cautela-
res...”). Quanto ao periculum in mora, o mesmo concretiza-se, nos termos
do mencionado preceito, na demonstração de que existe um fundado
receio de frustração da cobrança ou de destruição ou extravio de docu-
mentos ou outros elementos.

7.3.1.2. Instrumentos jurisdicionais


Aqui, diferentemente do que sucedia no quadro do apartado anterior,
está-se em presença de meios que apenas poderão ser executados se
forem previamente enquadrados por uma decisão jurisdicional nesse
sentido, após proposta da AT.
Prescreve a este respeito o CPPT que em processo tributário são admi­
tidos dois instrumentos cautelares a favor do Fisco: o arresto e o arrola-
mento964.

a) O arresto
O arresto consiste na apreensão de um bem ou de um conjunto deter-
minado de bens, “congelando-os” temporariamente, com o objetivo de
evitar a sua oneração ou disposição. Tratando-se de um simples meio
de garantia patrimonial, resulta claro que com o arresto o sujeito visado
(arrestado) não perde o direito de propriedade sobre os bens em causa,

nadamente através de fio ou fita envolvente lacrada nas extremidades com o selo do serviço
que proceda à inspeção (n. os 4 e 5).
963
Cfr. art.º 30.º, n.º 1 , alínea c) do RCPITA.
964
Cfr. art.º 135.º, n.º 1 do CPPT. No mesmo sentido, art.º 31.º, n.º 1 do RCPITA.

430
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

ficando apenas limitado na sua capacidade de exercício, considerando-


-se que eventuais atos de oneração ou de disposição que ele leve à pra­
tica são ineficazes.
Em matéria tributária, é possível identificar dois momentos distintos
de efetivação do arresto: (i) antes da instauração de um processo de exe-
cução fiscal ou (ii) na pendência deste.
Vejamos em que termos.

α) Arresto antes da instauração de um processo de execução fiscal


Na fase pré-executiva, para que o arresto possa ser decretado torna-se
necessária a verificação dos seguintes pressupostos específicos:
i) O tributo estar já liquidado ou em fase de liquidação, o que, atenta
a presunção de legalidade dos atos da AT, equivalerá à aparência
fundada do direito desta ou à elevada probabilidade da sua existên-
cia ( fumus boni iuris)965.
ii) Existência de um fundado receio da diminuição de garantia de co-
brança de créditos tributários (periculum in mora)966/967.

965
Para efeitos de densificação do enunciado “em fase de liquidação” o legislador foi mani-
festamente infeliz e confuso. Na verdade, no n.º 2 do art.º 136.º do CPPT, começa por referir
que “nos tributos periódicos considera-se que o tributo está em fase de liquidação a par-
tir do final do ano civil ou de outro período de tributação a que os respetivos rendimentos
se reportem”. Ora, importa não esquecer que existem tributos periódicos que não incidem
sobre rendimentos (v.g., taxas devidas por certos serviços correntes). Nestes casos, pensa-
-se, impõe-se uma interpretação corretiva que dê efeito útil e pleno à norma, em termos
de se ler “factos tributários” onde se lê “rendimentos”. Como se não bastasse, no n.º 3, esse
mesmo (?) legislador parece ignorar as taxas e as contribuições, referindo que nos impostos
de obrigação única, o imposto considera-se em fase de liquidação a partir do momento da
ocorrência do facto tributário. Aqui, impõe-se corrigir “impostos” por “tributos”.
966
Este fundado receio presume-se no caso de dívidas por impostos que o devedor ou
responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos
legais (art.º 136.º, n.º 5 do CPPT).
967
A este propósito, v. acórdãos do TCA-S de 17 de dezembro de 2002, processo n.º 7471/02
e de 7 de abril de 2011, processo n.º 04668/11, nos termos dos quais o arresto constitui um
meio conservatório da garantia patrimonial para aquelas situações em que o comportamento
doloso ou negligente do devedor a faça perigar. Não poderá a Fazenda Pública requerer o
arresto só porque está convencida de que o património do devedor é insuficiente para sol-
ver os seus créditos, tornando-se necessário que alegue e demonstre, além do mais, que o
devedor teve um comportamento suscetível de provocar fundado receio de diminuição das
garantias de cobrança desses créditos.

431
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Em termos de tramitação, o arresto deve ser requerido pelo repre-


sentante da Fazenda Pública ao Tribunal tributário de 1.ª instância
da área do domicílio ou sede do executado, devendo aquele alegar em
concreto os pressupostos acima referidos: os factos que demonstrem o
tributo ou a sua provável existência e os fundamentos do receio de di-
minuição de garantias de cobrança, relacionando, também, os bens que
devem ser arrestados968.
Sendo decretado, e tratando-se de uma medida particularmente res-
tritiva e gravosa, o arresto não pode perdurar indefinidamente, cadu­
cando – isto é, perdendo o seu efeito – quando a sua manutenção já não
se afigure absolutamente necessária o que, aos olhos do legislador, se
veri­fica nas seguintes situações969:
– Quando a dívida for paga;
– Quando o obrigado tributário prestar garantia adequada;
– Quando se apure, no procedimento ao abrigo do qual foi requerido,
não haver lugar a qualquer ato de liquidação;
– Quando, havendo sido decretado na pendência de procedimento
de inspeção tributária, o respetivo relatório não seja notificado em
prazo razoável (legalmente previsto);
– Quando for desproporcional (v.g., excedendo o montante suficiente
para garantir o tributo, juros compensatórios liquidados e o acres-
cido relativo aos 6 meses posteriores).

β) Arresto na pendência de um processo de execução fiscal


Em sede executiva, o regime jurídico subjacente ao decretamento do
arresto não é substancialmente distinto do apontado acima, respeitante
à fase pré-executiva. Simplesmente, os pressupostos serão distintos, até
porque distinta é igualmente a situação fáctica subjacente.
No que à invocação da aparência fundada do direito da AT diz res-
peito, parece-nos que a simples instauração da execução fiscal será sufi­
ciente. Basta reparar que a exigência expressa de que o tributo esteja
já liquidado nem sequer será absolutamente necessária, pois o carácter
líquido da dívida constitui ele próprio um pressuposto lógico (e crono-

968
Cfr. art.os 136.º, n.º 4, e 138.º do CPPT. Em tudo o resto, aplica-se o correspondentemente
disposto no CPC (art.os 391.º e ss.).
969
Cfr. art.º 137.º do CPPT.

432
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

lógico) desse processo. Este último, em si, já constitui indício bastante


de que tal direito existe, pois não poderá ser instaurado se a dívida não
for certa, líquida e exigível. Já a existência, aqui, de tributos “em fase de
liquidação” considerar-se-á sem efeito útil.
De resto, o periculum in mora materializa-se aqui no “justo receio de
insolvência”970 ou de “ocultação ou alienação de bens”971.
Verificados estes pressupostos, pode o Representante da Fazenda
Pública requerer a medida junto do Tribunal tributário, a qual, no de-
senrolar da execução, deverá ser convertida em penhora972.
Em tudo o mais, seguem-se os termos acima expostos.

b) O arrolamento
Além do arresto, a AT pode igualmente requerer o decretamento judi­
cial da medida de arrolamento. O arrolamento consiste na descrição,
avaliação e depósito de bens ou documentos, com o objetivo de os con-
servar, evitando-se a sua perda ou extravio, destruição ou dissipação.
Para que tal aconteça, e uma vez mais, torna-se indispensável que,
em primeiro lugar exista uma aparência fundada do direito da AT.
É certo que o CPPT (art.º 140.º) não prevê expressamente esta exigên-
cia, mas uma leitura integrada com a restante legislação tributária não
deixa de a impor. Com efeito, prescreve o RCPITA que nestes casos, a
requerente deve apresentar “prova sumária do direito relativo aos bens
ou documentos que se pretendem arrolar”.
Igualmente se exige, em segundo lugar, a demonstração do “perigo”
em concreto, por via da exposição dos atos que fundamentem o receio
de perda, extravio, destruição ou dissipação973.
Procedimentalmente, o arrolamento pode ser requerido pelo re-
presentante da Fazenda Pública ao Tribunal tributário de primeira ins­

970
O princípio da unidade do ordenamento jurídico imporá que neste contexto se exija a
verificação de uma situação de insolvência nos termos do Código da insolvência e da recu-
peração de empresas (CIRE), e não de um simples estado aparente de dificuldade de paga-
mentos.
971
Numa solução de conformidade constitucional duvidosa (por colocar em crise o princípio
da proporcionalidade, na sua vertente de adequação), o legislador determina que estas cir-
cunstâncias presumem-se no caso de dívidas por impostos que o executado tenha retido ou
repercutido a terceiros e não entregue nos prazos legais.
972
Assim, art.º 214.º, n.º 3, do CPPT.
973
Cfr. art.º 31.º, n.º 3, do RCPITA. V., ainda, art.º 29.º do CIS.

433
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

tância da área da residência, sede ou estabelecimento estável do contri-


buinte974.

7.3.2. Instrumentos cautelares a favor do contribuinte


Naturalmente que o receio de lesões ou danos provocados pelas de-
longas procedimentais e processuais, também se podem verificar em
relação às pretensões jurídicas tituladas pelos sujeitos passivos ou con-
tribuintes, pelo que se impõe igualmente neste quadrante uma tutela
adequada. De resto, a própria Constituição é clara ao determinar que é
garantida aos administrados (contribuintes) a adoção de medidas caute-
lares adequadas (art.º 268.º, n.º 4).

7.3.2.1. Enquadramento e tipologia


Intentando dar seguimento a essa imposição constitucional, o legislador
ordinário prevê a possibilidade de esses mesmo contribuintes requerem
ao Tribunal o decretamento de providências cautelares que acautelem
os seus direitos ou interesses legalmente protegidos975.
Tais providências – que tanto podem revestir natureza antecipatória,
como conservatória – são inominadas, o que implica, como se disse, que
não estão sujeitas a uma tipologia normativo-legal pré-determinada e,
em abstrato, podem abranger medidas materialmente muito distintas,
como a suspensão de eficácia de um ato lesivo ou a concessão provisória
de um benefício fiscal.
Ora, atento o carácter necessariamente aberto, porventura um modo
minimamente seguro de conseguir uma tipologia satisfatória passará
pelo recurso aos diplomas congéneres ou análogos, procurando recortar
os instrumentos aí previstos e, na medida do possível, importá-los para
o contencioso tributário. Trata-se, bem entendido, do recurso ao CPTA
e ao CPC, de resto, subsidiariamente aplicáveis nesta sede, o primeiro
aliás de modo bem, enfático976.
Seja como for, importa relevar que o carácter inominado das medidas
não significa uma total ausência de disciplina normativa por parte do

974
Cfr. art. os 140.º do CPPT e 141.º do CPPT.
975
Cfr. art.º 97.º, n.º 3, alínea a), do CPPT.
976
Cfr., uma vez mais, art.º 97.º, n.º 3, alínea a), do CPPT. V., ainda art.º 2.º do mesmo
diploma.

434
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

legislador, uma vez que este exige a verificação de determinados pres-


supostos para que possa haver o respetivo decretamento (desde logo, o
seu decretamento jurisdicional).
A esta matéria dedicaremos atenção adiante.
Por agora, importa procurar conhecer quais os instrumentos de tu­
tela cautelar de que podem os contribuintes ou obrigados tributários
dispor, para o que recorreremos aos diplomas supramencionados.
O CPTA – primeiro diploma a surgir na ordem da subsidiariedade –
prevê um elenco aberto (...”designadamente...”) no qual se compreen-
dem977:
– A suspensão da eficácia de um ato administrativo;
– A suspensão da eficácia de uma norma;
– A admissão provisória em concursos e exames;
– A atribuição provisória da disponibilidade de um bem;
– A autorização provisória para iniciar ou prosseguir uma atividade
ou adotar uma conduta;
– A regulação provisória de uma situação jurídica, designadamente
através da imposição à Administração do pagamento de uma quan-
tia por conta de prestações alegadamente devidas ou a título de
repa­ração provisória;
– O arresto;
– O embargo de obra nova;
– O arrolamento;
– A intimação para adoção ou abstenção de uma conduta por parte
da Administração ou de um particular por alegada violação ou fun-
dado receio de violação do Direito administrativo nacional ou do
Direito da União Europeia.

Ora, será curial considerar que as medidas de admissão provisória em


concursos e exames, de atribuição provisória da disponibilidade de um
bem, de autorização provisória para iniciar ou prosseguir uma ativi­dade
ou adotar uma conduta ou do embargo de obra nova, terão diminuto ou
mesmo nenhum relevo em matéria tributária. Além disso, dada a natu-
reza das coisas, os contribuintes não poderão – ou muito dificilmente
poderão – requerer o arrolamento ou o arresto de bens do credor tribu-

977
Cfr. art.º 112.º, n.º 2 do CPTA.

435
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

tário. Por isso, a reflexão acerca da admissibilidade deverá ter por refe-
rência apenas as medidas restantes (suspensão da eficácia de um ato ad-
ministrativo, suspensão da eficácia de uma norma, regulação provisória
de uma situação jurídica e intimação para a adoção ou abstenção de uma
conduta).
Por seu lado, o CPC – que também abre a possibilidade de existência
de medidas inominadas (“não especificadas”) – prevê os seguintes ins-
trumentos de natureza cautelar978:
– Restituição provisória de posse;
– Suspensão de deliberações sociais;
– Alimentos provisórios;
– Arbitramento de reparação provisória;
– Arresto;
– Embargo de obra nova;
– Arrolamento.

Do elenco apresentado, facilmente se constata que não será ao ní-


vel da tipologia dos instrumentos cautelares de defesa dos contribuin-
tes que o CPC terá grande valia subsidiária no domínio do contencioso
tributário. Isto porque, ou esses instrumentos resultam aqui completa-
mente inaplicáveis e desprovidos de sentido (como a suspensão de de-
liberações sociais; a atribuição de alimentos provisórios, o arresto de
bens da AT, o arrolamento, ou o embargo de obra nova) ou a utilidade
que os mesmos poderiam, abstrata e potencialmente, conferir ao contri-
buinte (por exemplo, a restituição provisória de posse de determinado
bem entretanto desapossado) pode ser melhor conseguida por outros
instrumentos, previstos quer no próprio contencioso tributário, quer no
contencioso administrativo (cujo diploma disciplinador é, recorde-se, o
primeiro na linha da subsidiariedade).
Pois bem.
Da breve reflexão acerca dos meios cautelares tipificados nos di-
plomas referidos (CPTA e CPC) e das possibilidades de aplicação dos
mesmos ao contencioso tributário como modo de tutela das posições
jurídicas dos contribuintes ou outros obrigados tributários, resulta que
aquele que se revestirá de maior relevância será, porventura, a medida

978
V. art.ºs 377.º e ss. do CPC.

436
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

conservatória de suspensão da eficácia de ato administrativo, pelo que


será a este que se dedicará maior atenção. Sem prejuízo, sempre se
adiantará que, pelo menos potencialmente, não será de descurar a pos­
sibilidade de requerer medidas antecipatórias, como a concessão provi-
sória de um benefício fiscal ou a restituição antecipada de um tributo.

7.3.2.2. Em particular, o pedido de suspensão da eficácia de ato admi­


nistrativo em matéria tributária
Com efeito, o mais recorrente instrumento cautelar favorável ao contri-
buinte será o pedido de suspensão de eficácia de determinado ato da Admi-
nistração tributária, por via do qual aquele pretende a paralisação ime-
diata dos efeitos lesivos por esta potencialmente provocáveis.
Convém enfatizar ab initio que um pedido dessa natureza não pode
ter por referência um ato de liquidação, até porque o próprio ordena-
mento já prevê outro caminho para o conseguir: a reclamação ou a im-
pugnação respetiva, acompanhada da prestação de garantia idónea ou
do pedido de dispensa de prestação de garantia, devidamente funda-
mentado.
Do mesmo modo, se deve rejeitar a sua admissibilidade em sede de
execução fiscal, como modo de a suspender em bloco, uma vez que os ti-
pos suspensivos executivos estão sujeitos a uma tipicidade fechada (art.º
169.º do CPPT), sendo proibida tal suspensão fora desses casos979.
Será igualmente problemática a admissibilidade de um pedido de
suspensão de eficácia de atos concretos dessa execução, como uma pe-
nhora ou um ato de venda em processo executivo – em vista a prevenir
a eventual aquisição do bem por um terceiro de boa-fé –, pois existe já
prevista a possibilidade de reclamação para Tribunal, com subida ime-
diata, desde que seja invocado prejuízo irreparável980 (todavia, em re-
lação a um deles – indeferimento do pedido de dispensa de prestação
de garantia – poderá ser cogitável tal possibilidade, como se verá já de
imediato).
Assim, em matéria tributária, e abstratamente, tal pedido de suspen-
são não poderá ter por referência um universo de atos muito alargado,

979
Cfr.. art. 85.º, n.º 3 do CPPT.
980
Cfr. art.ºs 276.º e 278.º, n.º 3, do CPPT.

437
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

podendo dizer-se que de modo inquestionável apenas os seguintes serão


pensáveis981:
– Pedido de suspensão de eficácia do ato de revogação de um bene-
fício fiscal, quando o contribuinte pretende desde logo evitar que
uma isenção que vinha beneficiando lhe seja retirada;
– Pedido de suspensão de eficácia do ato de derrogação do sigilo ban-
cário, nas situações em que pretende evitar o acesso imediato pela
AT aos seus dados bancários.

Além disso, também se pode admitir tal hipótese quando estiver em


causa um ato de indeferimento de um pedido de dispensa da prestação
de garantia, pois nestes casos, “quem visse negado esse pedido teria que
reclamar dessa decisão e, caso pretendesse a atribuição de efeito sus-
pensivo, teria que praticar precisamente o ato cuja dispensa requereu:
prestar a garantia”. Consequentemente, nestes casos, “o único meio ade-
quado à obtenção da suspensão do ato reclamado será a instauração de
uma providência cautelar de suspensão de eficácia desse ato, fazendo a
prova dos requisitos respetivos”982.
Como se disse, nestes casos, o que se intenta é a introdução de um
mecanismo inibitório da produção imediata de efeitos lesivos, funcio-
nado o meio cautelar como uma espécie de congelamento da relevân-
cia jurídica do ato em causa, se bem que se deva ter sempre presente
que tal congelante apenas colide com a sua eficácia e não com a sua exis-
tência ou validade. A ratio justificativa será sempre a mesma: a possível
ocorrência de um prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
Em termos práticos, requerida a suspensão da eficácia de um ato
administrativo, a AT, recebido o duplicado do requerimento, não pode
iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução funda-
mentada, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente
prejudicial para o Interesse público983.
Observe-se que estes pedidos de suspensão de eficácia devem ser
sempre encarados com as devidas cautelas, sob pena de se transforma-

981
Lateralmente, pode questionar-se se será possível pedir a suspensão de eficácia dos
efeitos de uma norma – não de um ato! –, com eficácia concreta, ao abrigo do disposto no art.º
130.º do CPTA, aqui eventualmente aplicável de modo subsidiário.
982
V., literalmente, Bastos, Nuno, O efeito suspensivo das reclamações..., cit., p. 65.
983
Assim, art.º 128.º, n.º 1 do CPTA.

438
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

rem num expediente para contornar o efeito devolutivo que é reco-


nhecido pela lei à maior parte das impugnações em matéria tributária.
De resto, a admissibilidade generalizada de suspensões de eficácia neste
domínio poderia significar uma séria contrariedade no plano das polí-
ticas financeiras e da estabilidade das finanças públicas, privando-se os
entes públicos dos meios (financeiros, pecuniários) necessários à pros-
secução das suas atribuições nos mais diversos campos de atuação (saúde,
educação, justiça, segurança, etc.).

7.3.2.3. Pressupostos específicos


Já supra se referiu que os pressupostos genéricos da adoção ou do de-
cretamento de um instrumento de natureza cautelar são a demonstra-
ção do perigo de produção de um dano sério e grave (periculum in mora)
e da elevada probabilidade da existência de um direito ou interesse em
concreto (fumus boni iuris), além, naturalmente, da observância do prin-
cípio da proporcionalidade (nas suas dimensões constitutivas de necessida-
de, adequação e proporcionalidade stricto sensu). De resto, decorre deste
último requisito a regra da subsidiariedade da providência, significativa
da ideia de que ela apenas poderá ser decretada se outro meio não for
mais idóneo para o mesmo fim.
Quando se trata de adotar um instrumento dessa natureza a favor do
contribuinte, o alinhamento de raciocínio não difere substancialmente,
efetuando-se uma remissão genérica para o CPTA [art.º 97.º, n.º 3, alínea
a) do CPPT].

7.4. A impugnação das medidas cautelares adotadas pela Adminis­


tração tributária
Como se viu, as medidas de natureza cautelar a adotar pela AT, de modo
direto, poderão ser, eventualmente entre outras, a apreensão de bens, a
retenção de prestações tributárias, a selagem de instalações e a aposição
de vistos.
Ora, pode suceder que o visado ou lesado por estas medidas (o con-
tribuinte ou outra pessoa ou entidade) queira colocar em crise a efetiva-
ção das mesmas, por as considerar desnecessárias ou desadequadas, por
exemplo. De resto, do ponto de vista jurídico, a própria Constituição
exigirá uma tutela completa também neste domínio, colocando ao dis-
por dos interessados um arsenal garantístico convenientemente satisfa-

439
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

tório. Por tais motivos, a adoção desses meios ou providências cautelares


está, naturalmente, sujeita a controlo jurisdicional, não se configurando,
de modo algum, como um ato discricionário.
Neste contexto, é possível afirmar que existem dois distintos regimes
impugnatórios (ambos distintos da clássica impugnação judicial, atrás
estudada)984: por um lado, a impugnação das apreensões (art.º 143.º do
CPPT) e, por outro lado, a impugnação das restantes medidas de cau­
tela (art.º 144.º do CPPT).
Procuremos conhecê-los melhor, tratando se evidenciar desde já que
ambos os meios impugnatórios têm natureza urgente – precedendo as
diligências respetivas a quaisquer outros atos judiciais não urgentes – e
devem estar concluídos no prazo máximo de 90 dias985.

7.4.1. Impugnação dos atos de apreensão


A referência aos atos de apreensão efetuados pela AT já atrás foi efe­
tuada, pelo que para lá agora se remete. Presentemente, importa evi-
denciar o modo de reação jurisdicional aos mesmos, salientando as
seguintes dimensões:
i) Tipo processual e tempestividade: impugnação judicial específica
e urgente, a apresentar no prazo de 15 dias a contar do levanta-
mento do auto de apreensão ou da notificação do proprietário ou
detentor do bem986;
ii) Legitimidade: na medida em que estes atos podem colocar em
crise direitos ou interesses legalmente protegidos relativamente
a bens que facilmente mudam de esfera jurídica (bens cuja titu-
laridade ou posse é instável, como veículos automóveis, bens ali-
mentares, etc.), compreende-se que se preveja uma legitimidade
impugnatória alargada. Neste sentido, permite-se a impugnação
ao proprietário ou detentor dos bens apreendidos987;
iii) Competência: Tribunal tributário de 1.ª instância da área em que a
apreensão tiver sido efetuada988;

984
Cfr. art.º 135.º, n.º 2 do CPPT.
985
Cfr. art.os 96.º, n.º 3 e 97.º, n.º 1, alínea g) do CPPT. Cfr. ainda art.º 144.º, n.º 3.
986
Cfr. art.º 143.º, n.os 1, 2 e 5 do CPPT.
987
Cfr. art.º 143.º, n.º 4.
988
Cfr. art.º 143.º, n.º 3.

440
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

iv) Fundamento: violação de qualquer direito ou interesse legalmente


protegido relativo ao bem ou bens apreendidos;
v) Objetivo: anulação ou revogação do ato de apreensão989.

7.4.2. Impugnação de outras medidas cautelares


No que às restantes medidas cautelares concerne, as mesmas são impug-
náveis junto do Tribunal tributário de 1.ª instância da área do serviço da
AT que a tiver adotado, no prazo de 15 dias após a sua realização ou o
seu conhecimento efetivo pelo interessado (quando posterior), e com
fundamento em qualquer ilegalidade990.
A impugnação – que não tem efeitos suspensivos, mas que inibe a AT
de, até à decisão, praticar atos que possam comprometer os efeitos úteis
do processo – é extremamente simples, e deve ser efetuada mediante
a forma de requerimento, no qual se deve invocar as razões de facto e
de direito que justificam a anulação total ou parcial da providência cau­
telar991.

8. Os recursos das decisões dos tribunais tributários (recursos


juris­dicionais)
O estudo do processo tributário não poderia ser encerrado sem uma úl-
tima referência: aquela que deve ser feita à reapreciação jurisdicional
das decisões dos Tribunais tributários.

8.1. Enquadramento e tipos de recursos


Em geral, o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (art.º
20.º da CRP) exige que sejam postos ao dispor dos eventuais lesados ade-
quadas formas de reação às decisões jurisdicionais que os afetem. Tipo-
logicamente, tais formas podem subsumir-se a reclamações – dirigidas
ao mesmo órgão judicial que praticou o ato eventualmente lesivo – ou
a recursos – dirigidos a um órgão judicial diferente, hierarquicamente
superior. Em matéria tributária, a análise terá por referência exclusiva-
mente os recursos, uma vez que as reclamações, na generalidade, quando

989
Cfr., por exemplo, art.º 73.º, n.º 7 do RGIT.
990
Assim, art.º 144.º, n.os 1 e 2 do CPPT.
991
Cfr. idem, n.ºs 4 e 6. Saliente-se que no decurso da tramitação a AT é obrigatoriamente
ouvida antes da decisão (n.º 5)

441
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

dirigidas ao Tribunal tributário, são interpostas de decisões administra-


tivas (recorde-se o que dissemos a propósito, por exemplo, das recla-
mações das decisões do órgão da execução fiscal – art.º 276.º do CPPT).
Os recursos jurisdicionais são, assim, instrumentos legalmente pre-
vistos mediante os quais se solicita a um Tribunal superior uma reapre-
ciação da decisão proferida por um Tribunal inferior.
Deve começar por se salientar que, no seguimento de jurisprudência
uniforme, “os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as deci-
sões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas,
não colocadas a esses tribunais”. Não se pode assim, por via recursiva,
criar decisões sobre matéria nova que não foi submetida ao veredicto do
Tribunal que inicialmente tomou conhecimento da questão, salvo se o
seu conhecimento pelo Tribunal superior for imposto por lei ou se esti-
ver em causa matéria de conhecimento oficioso992.
Neste contexto, o Tribunal de recurso encontra-se limitado em face
das seguintes circunstâncias993:
i) Não pode conhecer de questão que não tenha sido apreciada e deci­
dida na sentença recorrida, salvo se estiver em causa questão de
conhecimento oficioso (proibição do conhecimento de questão nova);
ii) Em geral, não pode conceder ao recorrente mais do que ele pede
no recurso (proibição da ampliação do pedido);
iii) Além disso, também não lhe deve poder dispensar uma solução
jurídica mais desfavorável do que a constante da decisão impugna-
da (proibição da reformatio in peius).

Em geral, e em termos tipológicos, os recursos podem ser enquadra-


dos em diversas estruturas classificatórias, das quais as mais significati-
vas serão as que os distinguem em recursos ordinários e extraordinários, por
um lado (de acordo com um critério temporal que tenha em considera-
ção a interposição antes ou depois do trânsito em julgado da decisão em
crise994), e recursos substitutivos e cassatórios, por outro (de acordo com um

992
Assim, acórdãos do STA de 30 de janeiro de 2013, processo n.º 01152/12 e do TCA-S de 16
de dezembro de 2015, processo n.º 12585/15.
993
Cfr., por exemplo, acórdão do STA de 16 de janeiro de 2013, processo n.º 01041/12.
994
Importa observar que, de um ponto de vista abstrato, existem outros critérios para dis-
tinguir as espécies recursivas em questão, como, por exemplo, o critério do objeto de tutela
subjacente (os recursos ordinários teriam por finalidade tutelar posições jurídicas subjetivas

442
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

critério que tenha em consideração a natureza dos poderes do Tribunal


de recurso – poderes de substituição, reponderação e reexame, num
caso, e meros poderes de revogação/anulação, e envio para baixo, no
outro). Porém, o legislador tributário não é nem um pouco claro a este
respeito, pois o CPPT não adianta uma sistematização ou estruturação
adequadas que permita ao intérprete ou ao aplicador retirar conclusões
convincentes, contendo apenas um conjunto de normas respeitantes ao
âmbito e à tramitação dos recursos. Além disso, o legislador subsidiário
(ETAF, CPTA e CPC) também não fornece grande ajuda, na medida em
que não existe sintonia ao nível dos diversos diplomas. Basta referir que
o CPC (art.º 627.º) até adianta um critério coerente (e uma sistematiza-
ção clara), mas o mesmo não é posteriormente adotado pelo CPTA.
Ora, em face deste caos positivista, entende-se que no contexto da
presente estrutura discursiva das Lições – de feição analítica, positivista
e normativista – o melhor será optar por uma abordagem contínua ou
consecutiva, isto é, sem desdobramentos expositivos ou sistemáticos de
maior relevo. Por conseguinte, adotar-se-á um elenco linear dos recur-
sos nos termos seguintes:
– Um recurso comum, que, para estes efeitos, será considerado como o
meio jurisdicional corrente adequado para colocar em crise os atos
jurisdicionais praticados nos processos tributários regulados no
CPPT (art.º 279.º, n.º 1);
– Um recurso para uniformização de jurisprudência no domínio justribu-
tário (art.º 284.º do CPPT);
– Um recurso excecional de revisão, que, debaixo de pressupostos
muito apertados e exigentes, tem por objetivo a revisão de decisões
juris­prudenciais já transitadas em julgado (art.º 293.º do CPPT);

da parte lesada, enquanto que os recursos extraordinários teriam por finalidade tutelar bens
jurídicos superiores e objetivamente considerados, como a segurança jurídica ou outros
bens de ordem pública) ou o critério dos requisitos subjacentes (os recursos ordinários exi-
giriam apenas as correntes regras de sucumbência, ao passo que os recursos extraordinários
exigiriam a verificação de outros requisitos acrescidos). A verdade é que estes critérios, além
de não terem densidade teorética adequada – equivalendo antes a aspetos particulares de
regime – não encontram no Direito positivo qualquer arrimo efetivo.
Por tais motivos, entende-se que o melhor será, no contexto das presentes Lições, desconsi-
derá-los.

443
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Um recurso excecional de revista, nas situações em que se susci-


tem dificuldades e em que se reclame uma resposta autorizada em
face de uma questão jurídico-socialmente fundamental (art.º 150.º, do
CPTA).

Deve observar-se que não incidiremos a nossa atenção sobre os recur­


sos dos atos jurisdicionais que tenham por referência os meios proces-
suais comuns à jurisdição administrativa e tributária (v.g., ação adminis-
trativa), pois estes inserem-se no Direito processual administrativo, sendo
disciplinados pelas normas sobre processo nos Tribunais administrati-
vos (constantes do CPTA)995.
Será seguindo este elenco que subsequentemente abordaremos os
núcleos temáticos.

8.2. O recurso comum


Os atos jurisdicionais (v.g., sentenças e acórdãos) emanados pelos Tri-
bunais tributários no contexto de um processo tributário stricto sensu
(por exemplo, processo de impugnação judicial, ação para reconheci-
mento de direito ou interesse legalmente protegido em matéria tribu-
tária, processos de derrogação do sigilo bancário, processo de execução
fiscal) podem ser colocados em crise por via de um tipo de recurso, que
aqui consideramos comum, o qual é disciplinado pelas normas constan-
tes do próprio CPPT e, subsidiariamente, pelas normas disciplinadoras
do recurso de apelação em processo civil996.
Vejamos os seus contornos jurídico-normativos essenciais.

a) Dimensão objetiva (objeto do recurso e decisões recorríveis)


Quanto ao objeto, e em ordem a saber se uma determinada decisão do
Tribunal tributário é suscetível de recurso, deve-se atender a dois aspe-
tos distintos: (i) a natureza da decisão que se pretende impugnar e (ii) o
valor da causa.

995
Cfr. art.º 279.º, n.º 2 do CPPT.
996
Cfr. art.os 279.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 281.º do CPPT. Recorde-se que nos termos do ar-
tigo 4.º, n.º 1 do DL 303/2007 (que procede à revisão do regime de recursos em processo
civil), as referências ao agravo interposto na primeira instância consideram-se feitas ao re-
curso de apelação.

444
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

i) No que diz respeito ao tipo de decisões, refere o art.º 279.º, n.º 1, do


CPPT, que são suscetíveis de recurso os “atos jurisdicionais” prati-
cados no processo tributário, o que leva a uma dupla consideração:
α) em primeiro lugar, deve tratar-se de atos jurisdicionais, isto é,
atos de resolução de conflitos de pretensões. Estão, por con-
seguinte, aqui incluídas quer as decisões “finais”, no sentido
genérico do termo – sentenças e acórdãos –, quer as decisões
“intermédias” onde se suscitem conflitos – que, por via disso,
assumem carácter destacável –, como sejam as decisões sobre
incidentes, sobre a oposição, sobre os pressupostos da respon-
sabilidade subsidiária, sobre a verificação e graduação defini-
tiva de créditos, sobre a anulação da venda, etc. Excluídas da
suscetibilidade recursiva estão, deste modo, as decisões onde
tal conflito não surja – como será o caso de acordos e pactos
processuais – e os despachos de mero expediente (i. é, aque-
les que se destinam a prover ao andamento regular do pro­
cesso, sem interferir no conflito de interesses entre as partes)
ou discricionários (questões “confiadas ao prudente arbítrio do
julgador”)997.
β) em segundo lugar, tais atos jurisdicionais devem ser praticados
no âmbito de um processo tributário. A este propósito é, no
mínimo, equívoca a terminologia utilizada pelo legislador ao
referir-se, não apenas aqui, mas em muitos outros locais, ao
“processo judicial tributário” e ao “processo de execução fis-
cal”, como se este também não fosse um “processo judicial”.
A razão de tal distinção parece residir na natureza sui generis
do processo de execução, materializada na circunstância de
grande parte da sua tramitação se desenrolar perante órgão ad-
ministrativos. Contudo, e como já apontamos, quando está em
causa a prática de atos jurisdicionais, a intervenção do Tribunal
torna-se (constitucionalmente) obrigatória, pelo que o carác-
ter “judicial” – ou melhor, jurisdicional – é incontornável.
ii) No que diz respeito ao valor da causa, prescreve o art.º 280.º, n.º 2,
do CPPT que quando se esteja em presença de decisões que, em

997
Cfr. art. os 630.º e 152.º, n.º 4, do CPC, aplicáveis subsidiariamente por força do art.º 2.º,
alínea e) do CPPT.

445
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa,


o recurso apenas é admitido se dois pressupostos cumulativos esti-
verem verificados:
– Primeiro, que o processo tenha valor superior à alçada do tribu-
nal de que se recorre, e
– Segundo, que a decisão impugnada seja desfavorável ao recor-
rente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (su-
cumbência).
A noção de alçada já foi por nós referida, determinando o art.º
105.º da LGT que a mesma “corresponde àquela que se encontra
estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância”998.

Em todo o caso, é sempre admissível recurso, independentemente


do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução
oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência
substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças (tri-
bunal singular, primeira instância) do mesmo ou de outro tribunal tri-
butário999.

b) Dimensão subjetiva (legitimidade para recorrer e instância de


recurso)
Já sob o ponto de vista subjetivo, a regra é que tem legitimidade para
recorrer quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido1000.
Será o caso, por exemplo, do impugnante que vê a impugnação ser in-
deferida ou do executado que vê a sua oposição ou reclamação não ter
provimento. Trata-se da consagração de um verdadeiro direito subjeti-
vo que, todavia, admite desvios e restrições, nomeadamente através das
possibilidades de renúncia ou aceitação expressa ou tácita da decisão
desfavorável. Além disso, como acabou de se ver, em determinadas si-
tuações, a possibilidade recursiva fica dependente da sucumbência em
determinado valor (art.º 280.º, n.º 2, do CPPT).
No que concerne à instância de recurso, cabe referir que as decisões
dos Tribunais tributários de primeira instância – apenas a estas nos esta-

998
Quanto às regras de determinação do valor da causa em matéria tributária, v. art.º 97.º - A
do CPPT e supra, II, 3.3.2.4.
999
V. art.º 280.º, n.º 3, do CPPT
1000
Cfr. art.º 631.º, n.º 1, do CPC.

446
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

mos a referir – podem ser objeto de recurso apenas uma vez, em face do
princípio do duplo grau de jurisdição.
Tal recurso pode ser interposto, (i) ora para o TCA, (ii) ora para o
STA (recurso per saltum), consoante os casos.
i) Será interposto para o TCA (secção de contencioso tributário)
quando o seu fundamento consistir em matéria de facto, acompa-
nhada ou não de matéria de Direito. É o que resulta do disposto no
art.º 38.º, alínea a) do ETAF, nos termos do qual “compete à Secção
de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo co-
nhecer (…) dos recursos de decisões dos tribunais tributários [de
primeira instância], salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”.
O TCA, naturalmente, poderá dar provimento ao recurso, aten-
dendo a pretensão do recorrente e, eventualmente, anulando a
deci­são recorrida ou, poderá não dar provimento ao recurso, man-
tendo a decisão recorrida. Num caso ou no outro, o TCA apresenta-
-se como a última instância recursiva, não sendo de admitir outro
recurso, agora para o STA. Com efeito, refere a propósito o art.º
26.º, n.º 1 alínea a) do ETAF que “compete à Secção de Contencioso
Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer (…) dos
recursos dos acórdãos da Secção de Contencioso Tributário dos tri-
bunais centrais administrativos, proferidos em 1.º grau de jurisdição”
(sublinhado nosso).
ii) Será interposto para o STA (também para a secção de contencioso
tributário) quando o recurso tiver por exclusivo fundamento ma-
téria de Direito. Prescreve a este respeito a alínea b) do art.º 26.º
do ETAF que “compete à Secção de Contencioso Tributário do Su­
premo Tribunal Administrativo conhecer (…) dos recursos inter-
postos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo funda-
mento em matéria de direito”.
Também neste caso, o Tribunal poderá dar ou não provimento
ao recurso e funcionará como última instância.

Como se pode ver, é de extrema importância a delimitação dos fun-


damentos do recurso, devendo-se procurar saber se tais fundamentos
versam sobre matéria de facto, matéria de Direito ou ambas, na medida
em que, consoante os casos, o recurso deve ser interposto para um Tri-
bunal ou para outro. Neste particular, pode-se entender, de uma forma

447
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

geral, que se está perante “matéria de facto” quando o que se discute


são ocorrências fenoménicas ou factos da vida real trazidos pelas partes
para o processo – por exemplo, porque se entende que (i) os factos que
foram considerados provados não o deveriam ser, (ii) não se considera-
ram provados factos que o deveriam ser ou (iii) a prova produzida foi
insuficiente, impondo-se a realização de mais diligências –, enquanto
“matéria de Direito” já dirá respeito à aplicação, interpretação e integra-
ção de normas jurídicas. A aferição num ou em outro sentido deverá ser
feita a partir das conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto
do recurso.
No que diz respeito aos poderes de apreciação do Tribunal ad quem
(para o qual o recurso é interposto) é importante salientar que as prer-
rogativas de ampliação e reformulação da matéria de facto que são ti-
tuladas pelos Tribunais comuns em sede de processo civil, também são
aqui aplicáveis por força do chamamento do art.º 662.º do CPC, ex vi
art.º 2.º, alínea e) do CPPT. Na realidade, se a instância superior, após
uma apreciação ponderada, entender que a decisão da matéria de facto
constante da sentença recorrida se revela omissa e que, por conseguinte,
se está perante uma crise da base factual, pode (i) retirar factos que se
considerem não se dar como provados ou (ii) aditar ao probatório factos
que se reputem essenciais para a decisão do recurso1001. Sendo caso disso,
pode-se anular a decisão recorrida e ordenar a baixa do processo ao Tri-
bunal A quo, para que aí se complete a instrução dos autos e se profira
nova decisão em conformidade.

c) Dimensão processual
O recurso das decisões referidas – que, em princípio, tem efeito mera-
mente devolutivo1002 –, e para uma das instâncias referidas, deverá ser
interposto pela parte vencida no processo, por meio de requerimento,
no prazo de 30 dias contados da data da notificação da decisão1003.

1001
Cfr. acórdãos do TCA-S de 04 de maiode 2004, processo n.º 01092/03, e do STA de
02 de agosto de 2006, processo n.º 0571/06, e de 19 de dezembro de 2012, processo n.º
01354/12.
1002
Cfr. art.º 286.º, n.º 2, do CPPT.
1003
Cfr. art.º 280.º, n.os 1 e 2, do CPPT. Os recursos jurisdicionais nos processos urgentes
serão apresentados por meio de requerimento juntamente com as alegações no prazo de 15
dias (art.º 283.º do CPPT).

448
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

Após isso, a secretaria promove oficiosamente a notificação do recorrido


e do Ministério Público, salvo se este for recorrente, para alegações no
prazo de 30 dias1004. Depois, o juiz ou relator aprecia os requerimentos
apresentados e pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos
de reforma, ordenando a subida do recurso se a tal nada obstar.
No recurso, deve o recorrente circunscrever com clareza o âmbito do
litígio, através da explicitação das razões da sua dissidência com a deci-
são que impugna, recaindo sobre si dois distintos ónus:
i) Primeiro, o de alegar, sob pena de deserção do recurso;
ii) Segundo, o de formular conclusões da alegação, sob pena de não se
tomar conhecimento do recurso. Se o recurso versar sobre matéria
de Direito, as conclusões devem indicar:
– As normas jurídicas violadas;
– O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que
constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido inter­
pretadas e aplicadas;
– A norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia
ter sido aplicada (se estiver em causa erro na determinação da
norma aplicável).

Para estes efeitos, e como (bem) acentua a Jurisprudência “(…) para


que se considere suscitada uma questão em sede de recurso, não basta
a referência, efetuada de passagem, nas alegações de recurso e respeti-
vas conclusões, à violação de um princípio jurídico, exigindo-se que o
recorrente individualize e concretize, de forma inequívoca, em que con-
siste a sua divergência com a decisão recorrida, concretizando as suas ra-
zões e formulando um pedido de decisão relativamente a uma concreta
situação”1005.
Estes ónus só se devem considerar satisfeitos quando o recorrente
acaba a peça processual que apresenta com um pedido (anulação, alte­
ração ou revogação da decisão do Tribunal a quo) e com a “enunciação
de proposições que sintetizem com clareza, precisão e concisão os fun-
damentos ou razões jurídicas pelos quais se pretende obter o provi­
mento do recurso”. Tal não ocorrerá “se qualquer destinatário médio

1004
Assim, art.º 282.º, n.º 3, do CPPT.
1005
Assim, acórdão do STA de 3 de abril de 2013, processo n.º 0948/12.

449
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ficar sem saber dos reais motivos pelos quais o recorrente se insurge
contra o conteúdo e sentido da decisão da instância inferior”1006.
Se não forem apresentadas conclusões, ou estas tiverem algum vício
de incompletude ou obscuridade, o relator deve convidar o recorrente
a apresentá-las, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de
não se conhecer do recurso, na parte afetada.

8.3. O recurso por oposição de acórdãos


O denominado “recurso por oposição de acórdãos” consiste num recurso
que procura prosseguir objetivos relacionados com a concretização de
dois princípios jurídico-constitucionais básicos: o princípio da segu-
rança jurídica e da proteção da confiança, por um lado, e o princípio da
igualdade, por outro.
Com feito, e em primeiro lugar, com este tipo recursivo procura-se
assegurar que, dentro de determinados parâmetros tidos por aceitáveis,
o sentido das decisões jurisprudenciais em matéria tributária não sofra
oscilações imprevisíveis, acentuadas e injustificadas, as quais poderiam
introduzir na esfera jurídica dos diversos atores e destinatários um fator
de incerteza que lhes inviabilizaria a possibilidade de acautelar e prever
efeitos jurídicos de um modo pensado e responsável.
Em segundo lugar, procura-se assegurar que, na medida do possível,
não sejam introduzidas disparidades significativas no tratamento jurí­
dico que é jurisdicionalmente dispensado aos atores envolvidos, em ter-
mos de se prever tratamento idêntico às situações relativamente às quais
se possa dizer que existem circunstâncias subjacentes idênticas.
Na verdade, e em termos práticos, compreendem-se estas preocupa­
ções: quer os contribuintes em geral, quer principalmente os contri-
buintes que desenvolvem uma atividade de carácter empresarial ou
prestacional devem saber com o que contar em termos de proteção jurí­
dica dispensada pelos Tribunais, prevendo – repete-se: sempre na me-
dida do possível, não se assegurando, de modo algum, um precedente
vinculativo –, por exemplo, se determinado prazo é contado de um ou
de outro modo, se determinado encargo é ou não fiscalmente dedutível,
se determinada prestação é ou não qualificável como imposto ou como
taxa.

1006
V. acórdão do TCA-S de 12 de outubro de 2004, processo n.º 00081/04.

450
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

***

A interposição deste recurso carece da verificação cumulativa dos


seguintes pressupostos1007:
i) Contradição inconciliável e expressa entre o acórdão recorrido e um
outro acórdão (denominado “acórdão fundamento”) sobre a mesma
questão fundamental de Direito, o que, nos termos da jurisprudên-
cia mais significativa1008 equivale a dizer que:
– Ambos os acórdãos são proferidos pelos TCA´s ou STA, nas res-
petivas secções de contencioso tributário, e no âmbito de pro-
cessos tributários stricto sensu;
– Se está em presença de uma oposição ao nível da decisão, e não
meramente entre argumentos acessórios (obiter dictum);
– Ambos os acórdãos em confronto assentam em situações de fac-
to idênticas nos seus contornos essenciais;
– Está em causa o mesmo fundamento de Direito; e
– Não houve alteração substancial da regulamentação jurídica
pertinente.
ii) Não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia
com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA1009.

No que respeita aos termos operativos, exige o CPPT que a petição


de recurso – a apresentar pelas partes ou pelo Ministério Público no
prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão impug­
nado – seja acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma
precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a
contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido.
O recurso será julgado pelo pleno da secção do STA, e a eventual de-
cisão de provimento anula o acórdão recorrido e substitui-o, decidindo
a questão controvertida, embora com efeitos restritos, não afetando

1007
V., entre muitos outros, os seguintes acórdãos do STA: acórdão de 10 de abril de 2013,
processo n.º 01277/12; de 5 de junho de 2013, processo n.º 099/13; de 5 de junho de 2013,
processo n.º 01184/11; de 22 de fevereiro de 2017, processo n.º 01094/16; e de 5 de julho de
2017, processo n.º 01069/15.
1008
V. acórdãos referidos na nota anterior.
1009
Cfr. art.º 284.º, n.º 3, do CPPT.

451
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

qualquer decisão anterior àquela que tenha sido impugnada, nem as si-
tuações jurídicas ao seu abrigo constituídas1010.

8.4. O recurso excecional de revisão


O recurso de revisão consiste num instrumento absolutamente excecio-
nal que, com o intuito de prossecução das exigências inerentes ao prin-
cípio da justiça material, tem por objetivo permitir a reapreciação das
decisões jurisdicionais já transitadas em julgado.
Os fundamentos da revisão são, também eles, absolutamente infre-
quentes, não se devendo perder de vista que nestas situações se estão a
colocar em crise algumas dimensões básicas do princípio da segurança
jurídica (v.g., estabilidade do caso julgado). Tais fundamentos apenas
podem ser os seguintes:
i) Deficiências na formação do material instrutório suficientemente
fortes para destruir a prova feita e abalar a decisão recorrida em
sentido mais favorável à parte vencida. Aqui, releva a falsidade
de documento verificada em sentença transitada em julgado, ou
o aparecimento de documento novo, sendo que esta novidade do
documento terá de ser aferida em relação ao processo em que foi
proferida a decisão a rever (“primeiro processo”);
ii) Deficiências subjetivas, relacionadas com a falta ou a nulidade da
notificação que origine um processo à revelia da parte vencida.

Como se disse, apenas podem ser objeto de revisão – com os funda-


mentos apontados – as decisões transitadas em julgado, e o respe­tivo
recurso pode ser interposto por meio de requerimento a apresentar no
Tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar,
consoante os casos, do trânsito em julgado da sentença que declarou a
falsidade, da data do aparecimento do novo documento ou do conheci-
mento do facto superveniente. Tudo isto no prazo de 4 anos a contar do
trânsito em julgado dessa decisão a rever1011.
Se a revisão for considerada procedente, a decisão respetiva deve ser
expulsa do ordenamento jurídico (mediante revogação), mas em todo o
caso aproveitando-se a parte do processo subjacente que o fundamen-

Cfr. os diversos números do art.º 284.º do CPPT.


1010

Cfr. art.º 293.º, n.º 3 do CPPT. Se a revisão for requerida pelo Ministério Público, o prazo
1011

de apresentação do requerimento é de 3 meses (n.º 4).

452
II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO

to da revisão não tenha prejudicado (princípio da aproveitabilidade dos atos


jurídicos)1012.
Naturalmente que se o pedido de revisão for considerado improce-
dente, a decisão recorrida mantém-se.

8.5. O recurso excecional de revista


Por fim, cumpre efetuar uma referência a um tipo recursivo que, não
integrando o elenco dos recursos jurisdicionais que se podem qualifi-
car como “tributários” em sentido próprio – pois não se está necessária
e verdadeiramente a recorrer de uma decisão em processo tributário –,
justifica uma menção autónoma, ainda que breve, em face da recor-
rência com que, recentemente, os Tribunais se têm com ele depara-
do. Trata-se do comummente conhecido como “recurso excecional de
revista”1013.
Consiste num tipo impugnatório jurisdicional que encontra o seu as-
sento normativo no art.º 285.º do CPTT, e nos termos do qual, excecio-
nalmente, pode haver recurso para o STA das decisões proferidas em 2.ª
instância pelo TCA, quando esteja em causa a apreciação de uma ques-
tão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância
fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessá-
ria para uma melhor aplicação do Direito.
Em face do citado preceito, pode dizer-se que para que o recurso ex-
cecional de revista seja admitido se pressupõe uma de duas situações1014:

1012
Cfr. art.º 701.º do CPC, ex vi, art.º 2.º do CPPT.
1013
V., por exemplo, e entre muitos outros, os seguintes acórdãos do STA (secção de conten-
cioso tributário):
– Acórdão de 16 de janeiro de 2013, processo n.º 01060/12;
– Acórdão de 30 de janeiro de 2013, processos n.º 01133/12 e 01283/12;
– Acórdãos de 6 de fevereiro de 2013, processos n.º 01033/12 e 01130/12;
– Acórdão de 14 de fevereiro de 2013, processo n.º 01046/12;
– Acórdãos de 6 de março de 2013, processos n.º 01091/12 e 01131/12;
– Acórdãos do STA de 11 de janeiro de 2017, processo n.º 0892/16;
– Acórdãos do STA de 8 de fevereiro de 2017, processo n.º 01326/16;
– Acórdãos do STA de 3 de maio de 2017, processo n.º 0121/17; ou
– Acórdãos do STA de 21 de junho de 2017, processos n.os 0404/17 e 0277/17.
1014
V. jurisprudência referida na nota anterior. A decisão quanto à questão de saber se, no
caso concreto, se preenchem os pressupostos referidos compete ao STA, devendo ser ob-
jeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes

453
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

i) Em primeiro lugar, que se esteja em presença de uma questão que,


pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fun-
damental, o que se deve considerar verificado apenas e só quando
essa questão “seja de complexidade superior ao comum em razão
da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de enquadra-
mento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de
compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.
ii) Em segundo lugar, que a admissão do recurso seja claramente ne-
cessária para uma melhor aplicação do Direito, designadamente
“por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutri-
nais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios”.

Em qualquer dos casos, entende-se, deve ter-se em vista, não o sim-


ples interesse teórico da questão, mas sim o seu interesse prático e obje-
tivo. Além disso – utilizando as significativas expressões do órgão máximo
da jurisdição administrativa e tributária –, não devem existir dúvidas so-
bre a “capacidade de expansão da controvérsia” ou a sua “vocação para
ultrapassar os limites da situação singular”, constituindo um tipo e po-
dendo a revista representar uma orientação para a resolução de prová-
veis futuros casos.
Por isso se entende que não se trata da introdução de uma nova ins-
tância de recurso – por exemplo, para a correção de erros de julga­mento
– ou da (re)introdução de um terceiro grau de jurisdição, mas antes de
uma “válvula de segurança do sistema”, com o objetivo de garantir a uni-
formização do Direito (uma vez mais, como decorrência do princípio
constitucional da segurança jurídica e da proteção da confiança)1015.

de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo (cf. art.º 150.º, n.º 6 do
CPTA).
1015
V., por fim, acórdão do STA de 03 de julho de 2019, processo n.º 0499/04.6BECTB
01522/15.

454
Parte III
Resolução alternativa de litígios
em matéria tributária

§ único: sequência
Até ao momento, no quadro das denominadas garantias dos contribuintes,
temos centrado o discurso tendo por referência os meios tradicionais de
resolução de litígios em matéria tributária, entendendo-se por “tradi-
cionais” aqueles meios que apresentam uma base exclusivamente legal
e que se efetivam através de órgãos estaduais em sentido restrito, par-
ticularmente a própria Administração tributária e os Tribunais tributá-
rios ou fiscais. É o caso, como temos presente, das diversas reclamações,
recursos, pedidos de revisão ou impugnações que o contribuinte pode
lançar mão quando sente que os seus direitos ou interesses legal­mente
protegidos em matéria tributária são negligenciados ou diretamente
violados.
Parece interessante, no presente momento, desviar ligeiramente
o curso da análise e indagar se, além de tais formas reativas, se podem
conceber meios alternativos de conhecimento e de resolução da liti-
giosidade tributária, entendendo-se estes, em oposição aos primeiros,
como aqueles que não têm base exclusivamente legal e que não se efe-
tivam através de órgãos estaduais stricto sensu. Por outras palavras, importa
apreciar a questão de saber se os dissídios ou conflitos de pretensões
emergentes das relações jurídicas tributárias podem ser solucionados (i)

455
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

com base na concertação da vontade das partes ou (ii) através do apelo a


órgãos que não se reconduzem ao Estado classicamente entendido.
Por exemplo, pense-se na possibilidade de o contribuinte e a Admi-
nistração tributária poderem estabelecer de antemão, mediante uma es-
pécie de avença fiscal, o montante de IRC a pagar durante os próximos 4
ou 5 anos, prevenindo-se eventuais litígios futuros, ou, na situação em
que o litígio já surgiu, na possibilidade de o resolver através do recurso a
árbitros, escolhidos, imparciais e independentes (arbitragem fiscal).
A este tema dedicaremos a presente parte das Lições.
Antes de avançar, contudo, importa ter presente dois aspetos essen-
ciais:
– Em primeiro lugar, trata-se de um conjunto de questões que ainda
não mereceram a atenção devida por parte do normador, o que sig-
nifica que, muitas vezes, estaremos a falar em termos de prognose
ou de antecipação, adotando uma postura Iure constituendo (exceção
feita, naturalmente, ao regime da arbitragem tributária);
– Em segundo lugar, deve rodear-se todas as reflexões das máximas
cautelas, na medida em que teremos de enquadrar a problematiza-
ção no contexto dos princípios constitucionais tributários, questio-
nando se estes não constituirão uma barreira impeditiva de novas
soluções.

Tal a importância do assunto, começaremos por este último aspeto.

1. Desjurisdicionalização, matéria tributária e princípios constitu­


cionais
Como se deve compreender, trata-se aqui de um conjunto de temas que
ultrapassa em muito o âmbito tributário, convocando coordenadas, não
apenas de outros âmbitos jurídicos (v.g., Direito constitucional, Direito
administrativo, Direito privado) mas igualmente de outros segmentos
do saber, como a teoria do conhecimento, a filosofia ou a sociologia.
Efetivamente, localiza-se o discurso no terreno das denominadas
abordagens pós-modernas do Direito, significativas da ideia de um Di-
reito desracionalizado, descentrado e desestadualizado que, por sua vez, busca
raízes nas conceções filosóficas “neo-corporativistas” e nos sociologis-
mos protetores das sensibilidades individuais e das culturas das mino-
rias. De uma forma simplista e porventura superficial, pode-se afirmar

456
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

que se defende, no âmbito destes sectores de pensamento, o afastamento


do Estado enquanto realidade totalizante e massificadora, incapaz de,
na ânsia de generalização e abstratização, reconhecer os verdadeiros
problemas dos indivíduos, colocando-se em seu lugar os próprios inte-
ressados ou grupos que os representem, numa lógica de auto-referência
e de auto-tutela. Paralelamente, procura-se desvalorizar a razão enquanto
motor do conhecimento e chamar a atenção para a sensibilidade e a
emotividade que subjazem a muitas decisões jurídicas, particularmente
em matéria de tributos1016.
Em termos estritamente jurídico-normativos – e apenas neste domí-
nio nos moveremos – a atribuição da resolução de litígios tributários a
entidades não estaduais pode encontrar sérios obstáculos quando tema-
tizada no âmbito dos princípios constitucionais tributários. Dois princí-
pios assumem aqui particular relevância: o princípio da reserva da fun-
ção jurisdicional e o da indisponibilidade do crédito tributário.
Assim, e antes de avançar no sentido de aferir as possibilidades de
aplicação destas ideias ao domínio tributário – e no intuito de se evitar
que se encare estes problemas como uma questão de “modas” às quais é
conveniente aderir –, convém observar que a tendência desjurisdiciona-
lizadora não está isenta de críticas e de perigos.
Vejamos em que medida.

a) Princípio da reserva da função jurisdicional


Prescreve o legislador constituinte que “os tribunais são os órgãos de so-
berania com competência para administrar a justiça em nome do povo”,
para acrescentar logo de seguida que ”na Administração da justiça in-
cumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legal-

1016
Com efeito, consegue-se sem esforço reparar que muitas tomadas de decisão normativas
são menos motivadas por critérios lógicos e racionais e mais por critérios de “emotividade”,
“medo”, ou análogos. Basta pensar nas subidas ou descidas das taxas dos impostos antes ou
depois dos períodos eleitorais ou na realização de determinadas despesas públicas em con-
sequência das reivindicações dos grupos de pressão e das represálias que estes possam levar
a cabo. Do mesmo modo, se podem incluir aqui as leis a pedido de determinado grupo. Em to-
dos estes casos, pode-se estar em presença de medidas que, do ponto de vista lógico, seriam
desaconselháveis, mas que, do ponto de vista emotivo, são fortemente recomendáveis. O Di-
reito pós-moderno pretende chamar a atenção exatamente para isso: a norma é cada vez me-
nos – na sua perspetiva, claro – uma ordenação racional dos poderes e da vida em sociedade.

457
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

mente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade demo-


crática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”1017.
Implícita a estas considerações estão as seguintes coordenadas fun-
damentais:
i) Administrar a justiça equivale a resolver conflitos de pretensões
(i. é, obter a paz jurídica decorrente da resolução do conflito), não
se enquadrando nesta referência as situações de jurisdição voluntá-
ria em que as partes estão ou chegaram a um acordo; e
ii) A tentativa de resolução desses conflitos denomina-se atividade juris­
dicional, e é uma atividade subordinada ao Direito e aos dados for-
necidos pelo ordenamento normativo, não se podendo considerar
jurisdicionais os atos que se baseiam na convicção não jurídica (v.g.,
política, religiosa, sociológica) do órgão decisor.

Pode-se retirar destes enunciados um princípio de reserva do exercício


da função jurisdicional, em termos de se entender que tal função apenas
pode ser assegurada por órgãos que revistam a natureza jurídica de Tri-
bunais e em cuja composição sejam apenas integrados juízes. Por outras
palavras, pode-se afirmar que, face à CRP, em princípio, só os juízes é
que podem administrar a justiça, e só os juízes é que podem julgar (mo-
nopólio do juiz), levantando problemas de constitucionalidade qualquer
atribuição do poder de julgar a outras entidades públicas ou privadas.
Note-se que quando se diz que “só os juízes é que podem julgar”,
estamos a utilizar o termo “julgar” com uma conotação muito específica,
sinónimo de proferir a última palavra acerca da resolução de determi­
nada questão. Naturalmente que nada impede, e até será certamente o
mais corrente e aconselhável, que órgãos administrativos também pos-
sam julgar, num determinado sentido, como será o que sucede, por
exemplo, quando decidem as reclamações ou os recursos interpostos
pelos administrados / contribuintes. Simplesmente, o que não podem é
proferir a última e irrecorrível palavra acerca dos mesmos.
Neste quadro, para que um órgão determinado possa ser qualificado
como Tribunal, e para que, em consequência, lhe seja reservada a fun-
ção referida, torna-se indispensável que se verifique um exigente requi-
sito: independência. Esta independência comporta duas vertentes ou

1017
Cfr. n.º 1 e 2 do art.º 202.º da CRP.

458
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

dimensões: em primeiro lugar, é necessária a independência objetiva, no


sentido de obediência estrita e exclusiva à lei e, em segundo lugar, terá
de ser observada a independência subjetiva, cristalizada nas exigências
de inamovibilidade e irresponsabilidade dos titulares dos órgãos juris-
dicionais (juízes). Como está bom de ver, esta última dimensão não se
verifica nos casos em que é a Administração a decidir reclamações ou re-
cursos, uma vez que, aí, ela própria se configura como parte interessada
e está sujeita aos deveres genéricos que integram a relação de hierarquia
administrativa.
Ora, se as coisas assim são, então os conflitos tributários – isto é, os
conflitos de pretensões que têm por referência relações jurídicas tribu-
tárias – apenas poderão ser decididos, em última palavra, pelos Tribu-
nais tributários.
Esta é, todavia, uma leitura ortodoxa, parcial e demasiado rígida
dos problemas em questão, não se revelando jurídico-normativamente
como a mais adequada.
Na verdade, o mesmo legislador constituinte que prescreve o princí-
pio da reserva do juiz adianta que “a lei poderá institucionalizar instru-
mentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos”1018, como
que abrindo a porta à criação de eventuais esquemas alternativos de
resolução da litigiosidade, como será o caso de “comissões de peritos”,
“grupos de arbitragem”, “centros alternativos”, etc. Por esta via, ao me-
nos em abstrato, concebe-se a subtração ao Estado de um dos seus mais
importantes redutos jurídicos: o poder jurisdicional.
Os problemas começam a surgir quando se traz ao discurso o argu-
mento de que a devolução dos procedimentos de decisão normativa e
dos modos de resolução de conflitos a favor de instâncias privadas, semi-
-privadas ou “privatizadas” pode significar a emergência de uma nova
espécie de corporativismo e, em sucessão, a dominação da justiça por
parte de grupos ou classes social e economicamente mais influentes.
Com efeito, pode-se correr o risco de criar uma justiça à qual só os mais
financeiramente favorecidos podem aceder, na medida em que apenas
eles podem estar aptos a pagar as despesas e os honorários que os deci-
sores (árbitros, peritos, etc.) cobram, além de que pode acontecer que
as garantias de imparcialidade fiquem em perigo, em face da monetari-
zação dos interesses.

1018
V. art.º 202.º, n.º 4 da CRP.

459
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

b) Princípio da indisponibilidade do crédito tributário


Outra das objeções à aceitação das ideias acima referidas – desestadua­
lização e desjurisdicionalização – advém dos sectores de pensamento
que continuam a defender o carácter absoluto de dois princípios cons-
titucionais clássicos em matéria tributária: o princípio da legalida-
de tributária e o princípio da indisponibilidade do crédito tributário.
Até se pode afirmar que a absolutização destes princípios os materiali-
za em duas metanarrativas típicas do pensamento tributário moderno:
(i) os elementos essenciais da relação jurídica tributária só podem ser
disciplinados por lei e (ii) o credor tributário não pode conformar por
ato de vontade – seja em termos modificativos, seja em termos extintivos
– o objeto da obrigação tributária, afirmando-se esta, por conseguinte,
como uma obrigação exclusivamente ex legge.
Sendo assim, pouco ou nenhum espaço resta para conceber a reso-
lução de litígios mediante a introdução de fatores de pactuação ou de
ponderação, na medida em que tal resolução apenas poderia advir dos
dados fornecidos pelo próprio legislador, tudo se resumindo a uma
questão de boa ou má aplicação literal da lei.

c) Superação dos paradigmas clássicos


O que dizer em face das objeções suscitadas e referidas?
Parece-nos que não se deve entender que estes receios são impediti-
vos dos esquemas referidos.
No que diz respeito aos princípios da legalidade e indisponibilidade,
é verdade que se as questões forem encaradas do modo como acima ex-
pusemos, pouco espaço resta para a existência de mecanismos apelati-
vos da vontade pactuada, na medida em que se aceita que o Interesse
público materializado na cobrança da prestação tributária – e media­
tizado pelas atuações inspetivas da Administração – é um interesse ab-
soluto e insuscetível de restrições, sejam elas de que natureza forem.
Nestes termos, o Direito imperativo tributário como Ius strictum baseado
no princípio da reserva absoluta de lei formal não abrirá qualquer fresta
que permita a emergência de um Direito contratual tributário. Contu-
do, já há muito nos ensina a teoria da conflitualidade normativa que não
existem princípios absolutos. De facto, além de se constatar que existem
outros princípios de sinal contrário – como o princípio da eficiência e da
celeridade da atuação administrativa e da igualdade (justiça) tributária –,

460
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

verifica-se que apenas uma leitura ponderada e harmonizante dos im-


perativos constitucionais pode conduzir a resultados normativamente
satisfatórios e permitir a introdução de esquemas consensuais que li-
berem a Administração e o contribuinte da incerteza de uma discussão
longa.
Quanto ao princípio da reserva do juiz, a análise vai no mesmo sen­
tido. Pode ser mais vantajoso procurar conseguir uma “justiça aproxi­
mada” através de um acordo mediatizado por um árbitro, do que ten-
tar a todo o custo atingir uma “justiça exata”, que pode ser inalcançável,
obrigando as partes a perder tempo em arrastados processos judiciais.
Deve-se é conceber estas matérias como domínios ainda dentro do Di-
reito e não como formas a-jurídicas de auto-tutela, afirmando, por con-
seguinte, que desjurisdicionalização não pode significar desjuridifica-
ção. Em nossa opinião, cabe sempre à lei o papel de fixar um adequado
enquadramento normativo1019.

2. Quadro tipológico dos meios alternativos de resolução da litigio­


sidade tributária
Assim sendo, assumindo que os obstáculos jurídicos não são intranspo-
níveis, como se pode proceder ao estudo de tais meios alternativos de
resolução de dissídios tributários?
Parece-nos que uma abordagem conveniente será a que passa pela
distinção entre (i) meios preventivos e (ii) meios sucessivos de composi-
ção de litígios, nos termos seguintes:
i) Os meios preventivos são aqueles que ocorrem antes do surgimen-
to de um eventual conflito entre os sujeitos da relação jurídica tri-
butária e que têm por objetivo, precisamente, evitar o seu apareci-
mento, antecipando a composição de interesses e conformando-os
de modo a que a vontade dos intervenientes resulte pactuada;
ii) Os meios sucessivos, pelo contrário, são aqueles que ocorrem já
depois de o conflito ter surgido, tendo por finalidade principal a
sua sanação. No âmbito destes meios sucessivos, devem ainda ser
sub-distinguidas duas situações, consoante se intente resolver um
conflito já surgido, mas ainda no decorrer de um procedimento

Para maiores desenvolvimentos, v. o nosso Competência dos tribunais tributários, pós-moder-


1019

nidade jurídica e des-jurisdicionalização, in Scientia Iuridica, Tomo LVI, n.º 310, 2007

461
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

tributário em curso ou, então, apenas após a conclusão deste. É


aqui que se fala em autênticos meios alternativos de resolução de
conflitos stricto sensu, pois é aqui verdadeiramente que se coloca a
alternativa em relação à ida a Tribunal.
Será tendo em atenção estas divisões que procuraremos avançar na
exposição.

2.1. Meios preventivos


Como dissemos, temos aqui em vista os modos jurídicos de evitar o sur-
gimento de conflitos de pretensões em matéria tributária, atuando-se
em sede pré-contenciosa e com o objetivo de impedir legitima­mente
que as partes cheguem a Tribunal. Em rigor, e bem vistas as coisas, não
se poderá falar verdadeiramente em “justiça alternativa”, uma vez que
esta última pressupõe um dissídio já surgido e que será resolvido em
sede distinta da habitual. Aqui, os problemas colocam-se a montante,
debelando pela raiz uma eventual disputa de interesses que poderia vir
a surgir e que poderia arrastar as partes para um demorado e custoso
contencioso.
Ganham aqui especial destaque os instrumentos que, em matéria
tributária, se poderão designar, de uma forma abrangente por “avenças
tribu­tárias”. Trata-se de esquemas previstos legalmente mediante os
quais se procede à determinação antecipada e global do objeto de tribu­
tação. Este objeto, entendido amplamente, tanto pode ser a matéria cole-
tável, como a coleta, como o conteúdo das obrigações acessórias.
Por exemplo, pode-se convencionar previamente que determi­nada
sociedade comercial residente, durante o prazo de 5 anos, verá a sua
tributação em sede de IRC assentar numa matéria coletável fixa de
€ 20 000 anuais; ou que uma outra apenas ficará, por igual período, vin-
culada às obrigações declarativas e contabilísticas X e Y.
Contudo, esta é uma noção demasiado ampla e um tanto imprecisa
de “avença”. Sob a sua designação encobrem-se realidades várias e de
contornos jurídico-normativos distintos que importa distinguir. Assim,
em abstrato, pode-se conceber:
i) Em primeiro lugar, acordos prévios celebrados entre o credor tri-
butário e um determinado contribuinte em particular, tendo por refe-
rência um ou mais períodos de tributação, onde se podem incluir

462
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

institutos como as avenças fiscais stricto sensu, as denominadas pro-


messas vinculativas, as atas com acordo, etc., tudo dependendo da
configuração que o legislador lhes der em concreto. Em qualquer
dos casos, trata-se de instrumentos jurídicos legais que visam esta-
belecer alguma segurança jurídica e financeira na esfera das partes
– o contribuinte sabendo que, verificados certos pressupostos, tem
de pagar e o credor tributário sabendo que vai receber aquela quan-
tia – ou que ganham operatividade, por exemplo, em situações no
âmbito das quais se verifica a existência de conceitos indetermina-
dos, valorações complicadas, alterações bruscas de receitas ou des-
pesas, medição de dados, etc.. Nestes casos, vai-se estabelecer um
acordo expresso (escrito) com o contribuinte, fixando conceitos,
rendimentos, valores patrimoniais, despesas ou o conteúdo de uma
ou mais obrigações determinadas, prescrevendo-se o efeito vin­
culativo quando a situação de facto verificada futuramente coin-
cidir (subsumir-se) à situação abstrata típica prevista no acordo.
Como medida acauteladora, até se pode – embora não seja neces-
sário – estabelecer que o devedor efetuará um depósito prévio que
servirá de “adiantamento” das quantias futuras em dívida. Acesso-
riamente, pode-se também prescrever a renúncia de utilização de
meios impugnatórios daquela obrigação no futuro1020. No quadro do
ordenamento português, os “acordos prévios sobre preços de transferên-
cia”, previstos no art.º 138.º do CIRC, são o exemplo paradigmático
deste tipo de meio alternativo1021.

1020
V., por exemplo, as promessas (Zusage) vinculativas, previstas nos § 204 e ss. da Abgabe-
nordnung alemã; os closing agreements estabelecidos no Internal Revenue Code Norte-americano,
title 26, subtitle F (Procedure and Administration), chapter 74 (closing agreements and compromi-
ses), Sec. 7121; ou ainda as actas con acuerdo do art.º 155.º da Ley General Tributaria espa­nhola.
No contexto dos esquemas de “antecipação do conflito” – se bem que não incorporando
qualquer acordo –, pode ainda desempenhar um papel importante a denominada avaliação
prévia com efeitos vinculativos para a Administração tributária, prevista em Portugal no art.º 58.º
do CPPT (cfr., ainda, art.º 91.º da Ley General Tributaria espanhola, embora aqui, diferente-
mente do ordenamento português, se preveja a possibilidade de o contribuinte propor va-
lores e, por essa via, estabelecer um acordo). V., ainda o Decreto Legislativo de 19 de junho de
1997 (“Disposizioni in materia di accertamento con adesione e di conciliazione giudiziale”), disponível
em http://www.camera.it/parlam/leggi/deleghe/97218dl.htm.
1021
Trata-se de um acordo que tem por objetivo estabelecer, com carácter prévio, o método
ou métodos suscetíveis de assegurar a determinação dos termos e condições que seriam nor-
malmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes nas operações

463
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ii) Em segundo lugar, acordos prévios celebrados entre o credor tri-


butário e um conjunto alargado de contribuintes – aqui, concebe-se a
existência de pactos entre o credor tributário e vários devedores,
num grupo mais ou menos alargado e representados em corpos di-
versos, tendo por base um critério de representatividade profissio-
nal (câmaras ou ordens de profissionais, por exemplo), geográfica
(contribuintes residentes em certa circunscrição territorial, como
uma Autarquia), social (associações de contribuintes casados, sol-
teiros, unidos de facto, adotantes, etc.), empresarial (associações
empresariais) ou outros. Estamos aqui diante de verdadeiras con-
venções coletivas fiscais ou convénios fiscais que, como acima, podem
ser um importante fator de introdução de estabilidade e previsibi-
lidade financeira e, por essa via, simplificar o conteúdo das obriga-
ções tributárias e reduzir a conflitualidade. Estes convénios, além
disso, poderão permitir igualmente a prossecução de objetivos
profiláticos, através da realização de campanhas de sensibilização
ou estudos planeados e direcionados para um sector económico
fixo1022.

2.2. Meios sucessivos/alternativos


No que diz respeito aos meios sucessivos, e ao contrário do que sucedia
nos meios até agora analisados, já estamos a falar de modos de resolução
da conflitualidade já surgida. Significa isto que, no momento que agora
nos ocupa, os instrumentos preventivos ou não foram utilizados ou,
tendo-o sido, resultaram ineficazes pois não conseguiram evitar que as
partes desacordassem quanto a aspetos essenciais de modelação do con-
teúdo da relação tributária.
Como dissemos, cumpre distinguir dois sub-grupos de casos: por um
lado, modos de resolução da conflitualidade que se desenrolam no âm-
bito de um procedimento tributário ainda em curso (meios intra-pro-
cedimentais) e, por outro lado, modos de resolução da conflitualidade

comerciais e financeiras. A sua eficácia jurídica é indubitável, pois não havendo alterações na
legislação aplicável nem variações significativas das circunstâncias económicas e operacio-
nais, a Direcção-Geral dos Impostos fica vinculada a atuar em conformidade com os termos
estabelecidos no acordo.
1022
V. art.º 92.º da Ley General Tributaria espanhola.

464
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

que apenas operam após a conclusão do procedimento tributário (meios


alternativos em sentido próprio ou stricto sensu).

2.2.1. No decorrer de um procedimento tributário


O primeiro grupo de casos está pensado para abranger oposições de
pretensões que surgem no decorrer de um procedimento liquidatório
ou de um procedimento inspetivo, e podem-se materializar em acordos
previstos e disciplinados legalmente (v.g., transação pré-judicial1023) que
têm por finalidade, mediante concessões recíprocas, conseguir (i) a fixa-
ção de determinados valores patrimoniais que servirão de base à tribu-
tação, ou (ii) a conversão, redução, suspensão de eficácia ou revogação
(= perdão fiscal) de um ato tributário ou ato administrativo em matéria
tributária já praticado. Do mesmo modo, podem ser criados gabinetes
ou comissões arbitrais, principalmente para resolver questões de facto
ou de manifesta simplicidade jurídica.
Um exemplo desta última realidade pode ser mesmo encontrado en-
tre nós na LGT, no âmbito do (já por nós abordado e estudado) proce-
dimento de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos.
Com efeito, como nos recordamos, prescreve o art.º 92.º, n.º 1 que este
é um procedimento que “assenta num debate contraditório entre o perito
indicado pelo contribuinte e o perito da Administração tributária, com
a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabe-
lecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria
tributável a considerar para efeitos de liquidação” (sublinhados nossos).
Naturalmente que, havendo acordo, o tributo será liquidado com base
no montante acordado, verificando-se uma vinculação bilateral ou co-
-responsabilização pela decisão tomada: a Administração não pode alte-
rar o quantitativo acordado, e o contribuinte não pode impugnar a liqui-
dação futura com base na ilegalidade da avaliação indireta1024.

2.2.2. Após a conclusão do procedimento tributário


Diferentes das ocorrências anteriores são aquelas em que o conflito já
surgiu, mas o procedimento tributário já terminou, pelo que não é mais
possível, em base puramente administrativa, chegar a um entendimento.

1023
Cfr., por exemplo, art.os 156.º – III e 171.º do Código Tributário Nacional Brasileiro.
1024
Cfr., respetivamente, art.º 92.º, n.º 5 e 86.º, n.º 4, da LGT.

465
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Nestes casos, a situação normal, e porventura única solução, seria o re-


curso a Tribunal.
Por este facto, não será incorreto afirmar que é verdadeiramente aqui
que estamos em presença do fenómeno desjurisdicionalizador, já que é
verdadeiramente aqui que se coloca a alternativa entre recorrer ou não
recorrer ao Tribunal para resolver a questão. Devido a esta circunstân-
cia, denominamos estes meios de meios alternativos em sentido próprio
ou stricto sensu; não que os outros o não sejam também, mas, bem vistas
as coisas, até ao momento, o Tribunal ainda não se configurava como o
primeiro plano das opções de composição de interesses tributários.
É possível vislumbrar neste quadro duas hipóteses possíveis de reso-
lução alternativa: a transação tributária para-judicial, no âmbito da qual
os próprios interessados buscam um acordo quanto ao objeto do litígio, ou
a conciliação tributária, onde o acordo é conseguido (ou tentado) me-
diante a intervenção de terceiros. Neste caso, tal acordo poderá ter efi-
cácia vinculativa, e falar-se-á em arbitragem, ou não vinculativa, e falar-
-se-á em mediação (não vinculativa)1025/1026.
Em resumo, e fazendo um quadro abreviado das diferentes possibili-
dades teóricas abordadas, teríamos:

1025
Cfr., por exemplo, Internal Revenue Code Norte-americano, title 26, subtitle F (Procedure
and Administration), chapter 74 (closing agreements and compromises), Sec. 7123, b) (alternative
dispute resolution procedures).
1026
À margem do referido no texto situam-se as possibilidades de resolução de litígio no
decurso de um processo em Tribunal, previstas, por exemplo, no art.º 112.º do CPPT, ou no
§ 79 da Finanzgerichtsordnung alemã (FGO). Em rigor, aqui, não se trata de des-jurisdiciona-
lização.

466
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Avenças tributárias
Esquemas
preventivos
Convenções coletivas tributárias
Resolução alternativa
de litígios tributários
lato sensu
Durante procedimento – Transação pré-judicial

Esquemas
sucessivos
Transação para-judicial

Após procedimento

Arbitragem
tributária

Conciliação

Mediação
tributária
Resolução alternativa de litígios
tributários stricto sensu

2.3. A localização da questão no âmbito do ordenamento tributário


português
No que diz respeito à consagração em termos de Direito positivado, não
se pode dizer que o ordenamento tributário português se tenha mos­
trado muito arrojado no estabelecimento de formas e esquemas alterna-
tivos de resolução da litigiosidade tributária. Na verdade, pode mesmo
dizer-se que até há bem pouco tempo atrás prevalecia a ideia de um Di-
reito tributário formal e impositivo, típico dos quadros clássicos, apenas
temperado com algumas aportações mais flexibilizantes, das quais o re-
ferido estabelecimento de comissões de peritos ou a previsão de acordos
prévios sobre preços de transferência constituíam exemplos esparsos.
Contudo, as coisas mudaram recentemente com a introdução do
Regime jurídico da arbitragem em matéria tributária (doravante, abre-
viadamente, RJAT), por via do DL 10/2011.

467
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Trata-se de um regime relativamente extenso e que pode suscitar al-


gumas dúvidas interpretativas, e ao qual será dedicado o apartado sub-
sequente.
Antes, porém, de fazer incidir a atenção especificamente sobre o re-
gime arbitral, importa antecipar algumas ideias de base que perpassam
toda a disciplina:
i) As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos
tributários, bem assim como as normas do CPTA, ETAF, CPA e
CPC são aqui de aplicação subsidiária1027;
ii) Os Tribunais arbitrais decidem sempre de acordo com o Direito
constituído, sendo vedado o recurso à equidade1028.

3. Em particular, a arbitragem tributária

3.1. Âmbito e objeto


A introdução deste modo alternativo de resolução da conflitualidade
abrange os distintos tipos tributários existentes no ordenamento (im-
postos, taxas e contribuições especiais) e tem em vista essencialmente
a prossecução de três distintas finalidades: por um lado, reforçar a tu­tela
dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos,
por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios
nestes domínios, e, simultaneamente, reduzir a pendência de processos
nos Tribunais administrativos e fiscais. Um “litígio”, aqui como em qual-
quer outro domínio jurídico, significará um conflito de pretensões, um
dissídio ou uma oposição de interesses, pelo que se afastarão da consi-
deração aquelas situações em que os interessados já chegaram a alguma
espécie de acordo ou encontro de vontades.
No que diz respeito ao seu objeto, de um modo simplista, pode di-
zer-se que a arbitragem pode genericamente incidir sobre1029:
– Atos de liquidação de tributos (i.e., de quantificação da obrigação
tributária em concreto);
– Atos equiparados à liquidação de tributos, como os de autoliqui­
dação (por exemplo, em matéria de IRC), de retenção na fonte (por
1027
V. art.º 29.º, n.º 1, do RJAT.
1028
Assim, art.º 2.º, n.º 2, do RJAT.
1029
Cfr. art.º 2.º, n.º 1, do RJAT.

468
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

exemplo, substituição tributária em IRS, em casos de rendimen-


tos das categorias A ou B1030) e de pagamento por conta (como nas
situa­ções de trabalhadores independentes1031);
– Atos definitivos de avaliação (isto é, aos quais não se segue liqui-
dação), como sejam os de fixação da matéria tributável (impostos
sobre o rendimento) e de fixação de valores patrimoniais (impostos
sobre o património).

Como se vê, trata-se de um elenco relativamente restrito, ficando de


fora do seu âmbito de abrangência muitas questões jurídico-tributárias
cuja resolução incumbe aos Tribunais tributários propriamente ditos,
particularmente as que têm por objeto atos administrativos em matéria
tributária que não comportem a apreciação da legalidade de atos de li-
quidação. Apenas a título exemplificativo, apontem-se os seguintes atos
excluídos:
– Atos diretamente respeitantes a benefícios fiscais, particularmente
os que incidem sobre o seu não reconhecimento, revogação ou sus-
pensão;
– Atos praticados pelo órgão de execução fiscal, como a citação, a re-
versão, a penhora, o indeferimento do pedido de dação em paga-
mento ou pagamento em prestações, a graduação de créditos, etc.;
– Atos de acesso ou pedido de acesso a dados e documentos ban­
cários;
– Atos de informação vinculativa;
– Atos de natureza cautelar.

De um ponto de vista teleológico, o recurso à arbitragem visará


sempre a apreciação da legalidade dos atos referidos, o que pressupõe
sempre um vício de desconformidade com o ordenamento jurídico (ile-
galidade stricto sensu ou inconstitucionalidade, nos termos já atrás apon-
tados), e traz assumida a ideia de que se está ainda em presença de um
contencioso de legalidade (e não de mérito, oportunidade ou conve­
niência), apesar de desjurisdicionalizado.

1030
Cfr., respetivamente, art.º 99.º e 101.º do CIRS.
1031
V. art.º 102.º do CIRS.

469
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

3.2. O Tribunal arbitral

a) Estrutura e composição
São competentes para a resolução do litígio tributário os Tribunais arbi-
trais que funcionam sob a organização do Centro de Arbitragem Admi-
nistrativa (CAAD)1032.
De um ponto de vista estrutural, os tribunais tributários arbitrais po-
dem funcionar de acordo com uma de duas composições1033:
– Árbitro singular, nos casos em que o valor do pedido não ultrapassa
duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, e
o sujeito passivo opta por não designar árbitro. Nestas situações, o
árbitro é designado por uma entidade pública – o Conselho Deon-
tológico do Centro de Arbitragem Administrativa –, de entre a lista
dos árbitros que compõem o Centro de Arbitragem Administra­
tiva1034;
– Tribunal coletivo, composto por três árbitros, nos restantes casos,
ou seja, quando o valor do pedido ultrapassa duas vezes o valor da
alçada do Tribunal Central Administrativo ou quando o sujeito pas-
sivo opta por designar árbitro (independentemente do valor do pe-
dido). Aqui, os árbitros já serão designados1035:
i) Pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Admi-
nistrativa, de entre a lista dos árbitros que compõem o Centro de
Arbitragem Administrativa1036; ou
ii) Pelas partes, cabendo a designação do terceiro árbitro, que exer-
ce as funções de árbitro-presidente, aos árbitros designados
ou, na falta de acordo, ao Conselho Deontológico do Centro de
Arbi­tragem Administrativa, mediante requerimento de um ou
de ambos os árbitros.

1032
V. art.º 4.º, n.º 2 do RJAT. Cfr., a propósito, http://www.caad.org.pt
1033
V. art.º 5.º do RJAT.
1034
V. art.º 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT. Quanto aos requisitos de designação dos árbitros, e
respetivos impedimentos e deveres específicos, v. art.os 7.º e ss. do RJAT.
1035
Cfr. art.º 6.º, n.º 2 do RJAT. Em caso de nomeação pelas próprias partes, os árbitros po-
dem não constar da lista dos árbitros que compõem o Centro de Arbitragem Administrativa
(idem, n.º 3).
1036
Quanto ao procedimento de designação dos árbitros, v. art.º 11.º, n.º 1 do RJAT.

470
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Daqui resulta, como facilmente se conclui, que sempre que o contri-


buinte opte por designar um árbitro, o Tribunal funcionará sempre em
coletivo; ao invés, se o contribuinte não pretender designar árbitro, o
Tribunal arbitral funcionará, consoante os casos, e de acordo com o res-
petivo valor do pedido, em estrutura singular ou coletiva.

b) Constituição
Enquanto modo alternativo de resolução conflitual, a arbitragem não
opera automaticamente, mas apenas por iniciativa ou impulso dos inte­
ressados, especificamente dos contribuintes (o legislador refere-se a
este propósito, equivocamente, a um “procedimento arbitral”). Tal im-
pulso é feito mediante um “pedido de constituição de Tribunal arbitral”,
efetuado por requerimento, e materializa-se num direito potestativo
que se reflete inelutavelmente na esfera jurídica da Administração e ao
qual ela não se pode opor. Tal requerimento, para se considerar juridi-
camente aceitável, deve ser enviado por via eletrónica ao presidente do
Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e dele deve constar1037:
– A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identifica-
ção fiscal, e do serviço periférico local do seu domicílio ou sede;
– A identificação do ato ou atos objeto do pedido de pronúncia arbi-
tral;
– A identificação do pedido de pronúncia arbitral;
– A indicação dos fundamentos do pedido (qualquer ilegalidade, nos
termos do art.º 99.º do CPPT) e a exposição das questões de facto e
de Direito objeto do mesmo;
– A indicação dos meios de prova (documental, testemunhal, pericial,
etc.) e dos elementos de prova (documentos, declarações, pareceres,
etc.);
– A indicação do valor da utilidade económica do pedido;
– O comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial (nos
casos em que o sujeito passivo não tenha optado por designar árbi-
tro) ou o comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem (caso o
sujeito passivo manifeste a intenção de designar o árbitro);
– A eventual intenção de designar árbitro.

1037
Cfr. art.º 10.º, n.º 2 do RJAT.

471
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Do ponto de vista das regras de tempestividade, tal pedido é apre-


sentado1038:
– Em casos de liquidação ou ato equiparado – autoliquidação, reten-
ção na fonte, pagamento por conta–, no prazo de 90 dias, contado a
partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT (recor-
dando, de um modo genérico, e consoante os casos: termo do prazo
de pagamento voluntário, notificação do ato lesivo, citação do res-
ponsável subsidiário, ou formação da presunção de indeferimento
tácito);
– Em caso de interposição de recurso hierárquico, no prazo de 90
dias, contado a partir da notificação da decisão ou do termo do
prazo legal de decisão do mesmo;
– Nos restantes casos, no prazo de 30 dias, contado a partir da notifi-
cação dos atos.

O presidente do CAAD deve, no prazo de 2 dias a contar da receção


do pedido, dar conhecimento do mesmo por via eletrónica à Adminis-
tração tributária (ao qual, como se disse, esta não se pode opor)1039.
Importa salientar que este é um processo não gracioso ou oneroso,
na medida em que é devida uma taxa de arbitragem (fixada no Regula-
mento de custas no processo de arbitragem tributária), a qual deverá ser
paga do seguinte modo1040:
– Quando o sujeito passivo não designa árbitro, deve pagar, na data
do envio do pedido de constituição do Tribunal arbitral, uma taxa
inicial, e a fixação do montante e eventual repartição das custas será
efetuada na decisão que vier a ser proferida;
– Quando o sujeito passivo manifesta a intenção de designar árbitro,
deve pagar, na data do envio do pedido de constituição do Tribunal
arbitral, a taxa de arbitragem pela totalidade.

Note-se que a falta de pagamento atempado da taxa de arbitragem


inicial ou da taxa de arbitragem total é causa impeditiva da constituição
do Tribunal arbitral.

1038
Cfr. art.º 10.º, n.º 1 do RJAT.
1039
Assim, art.º 10.º, n.º 3, do RJAT.
1040
V. art.º 12.º do RJAT,

472
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

c) Os efeitos jurídicos do pedido de constituição de Tribunal arbitral


De modo a que o recurso ao Tribunal arbitral seja encarado como um
meio consciente e responsável de resolução da litigiosidade tributária,
e não uma simples singularidade ou apenas mais uma tentativa de bus-
car a sorte, assacam-se ao pedido da respetiva constituição uma série de
efeitos jurídicos responsabilizantes que não podem deixar de ser consi-
derados relevantes. Neste seguimento, do ponto de vista do sujeito pas-
sivo, destacam-se:
i) No que diz respeito aos atos de liquidação e equiparados, a assimi-
lação aos efeitos da apresentação de impugnação judicial, nomea­
damente no que se refere à suspensão do processo de execução
fiscal e à suspensão e interrupção dos prazos de caducidade e de
prescrição da prestação tributária1041;
ii) A preclusão do direito de reclamar, impugnar, requerer a revisão,
ou suscitar pronúncia arbitral, com os mesmos fundamentos e so-
bre os atos objeto do pedido ou sobre os consequentes atos de liqui-
dação (exceto se o Tribunal arbitral não se constituir ou o processo
arbitral termine sem uma pronúncia sobre o mérito da causa)1042.

Já do ponto de vista da Administração tributária, a constituição do


Tribunal arbitral faz nascer na sua esfera jurídica o direito – exerci-
do pelo dirigente máximo do serviço – de revogar, ratificar, reformar
ou converter o “ato tributário”, no prazo de 30 dias a contar do respe-
tivo conhecimento (do pedido de constituição). Pode também praticar,
quando necessário, um ato substitutivo. Materialmente, apesar de o le-
gislador se referir a este propósito a “atos tributários”, não parece que
se deva entender esta expressão no seu sentido técnico (de ato de liqui-
dação), mas no sentido amplo de “ato em matéria tributária”1043. Quanto
tal competência for exercida, o dirigente máximo do serviço procede à
notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar.
Saliente-se por fim que passados os 30 dias acima referidos sem que
se tenha exercido esta competência, a Administração tributária fica
impossibilitada de praticar novo ato relativamente ao mesmo sujeito

1041
V. art.º 13.º, n.º 5, do RJAT.
1042
V. art.º 13.º, n.º 4, do RJAT.
1043
Cfr. art.º 13.º do RJAT.

473
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não


ser com fundamento em factos novos1044.

3.3. O processo arbitral


O processo arbitral é o conjunto ordenado de atos praticados após o seu
início – o qual se verifica na data da constituição do Tribunal1045 –, pelos
respetivos atores institucionais.

3.3.1. Breve referência aos princípios


Já acima se referiu que este é um processo desjurisdicionalizado, na me-
dida em que se “contorna” o recurso ao Tribunal convencional e se pro-
cura um meio alternativo de resolver um litígio em matéria tributária.
Porém, também se disse que não é um processo desjuridificado, i. é, que
corra à margem do Direito constituído, bem pelo contrário, trata-se de
um mecanismo decisório que se encontra enformado por um conjunto
de normas jurídicas (princípios e regras) cuja inobservância implica ile-
galidade de procedimentos.
Ora, no que diz respeito particularmente aos princípios que coorde-
nam o processo arbitral, não se pode dizer que eles sejam absolutamente
novos em relação aos princípios processuais comuns aplicáveis nos Tri-
bunais tributários convencionais, ressalvadas algumas compreensíveis
especificidades, decorrentes da natureza alternativa deste meio. Por este
motivo, a referência aos princípios nesta sede far-se-á de um modo mera­
mente tópico, remetendo para o que já se disse a propósito do procedi-
mento e do processo tributários tradicionais, enfatizando apenas as par-
ticularidades de regime.
Assim, constituem princípios estruturantes do processo arbitral tri-
butário, entre outros1046:
– O princípio da cooperação e da boa fé processual;
– O princípio da igualdade das partes;
– O princípio do contraditório;
– O princípio da oralidade e da imediação;
– O princípio da publicidade das decisões.
1044
Assim, art.º 13.º, n.º 3, do RJAT.
1045
V. art.º 15.º do RJAT.
1046
V. art.º 16.º do RJAT. O carácter não fechado do elenco apresentado resulta, bem vistas
as coisas, da aplicação subsidiária das normas dos CPPT, CPTA e CPC, de acordo com o
disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT.

474
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Merece particular destaque, pelas especificidades que acarreta, o prin-


cípio da autonomia de atuações, o qual permite ao Tribunal uma substan-
cial autonomia na condução do processo e na determinação das regras a
observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de
mérito sobre as pretensões formuladas. Tal princípio densifica-se, desig-
nadamente, (i) no sub-princípio da autovinculação formal (prerrogativa
de ser o próprio Tribunal a definir a tramitação processual a adotar) e
(ii) no sub-princípio da livre determinação das diligências de produção de pro-
va, as quais podem ser levadas à prática, não segundo regras de “prova
tabelada”, mas de acordo com as regras da experiência e a livre convic-
ção do decisor (embora – insiste-se – sempre de acordo com critérios
jurídicos).
Uma importante consequência deste princípio e das densificações
referidas encontra-se no art.º 19.º do RJAT, de acordo com o qual a falta
de comparência de qualquer das partes a ato processual, a inexistência
de defesa ou a falta de produção de qualquer prova solicitada não obs-
tam ao prosseguimento do processo e à consequente emissão de decisão
arbitral com base na prova produzida.

3.3.2. Tramitação
A tramitação do processo arbitral tributário, enquanto conjunto de fa-
ses que compõem o iter decisório respetivo, é marcado fortemente pela
informalidade e pela desregulação, na medida em que se valorizam as
ideias de autonomia e liberdade, em contraposição às de rigidez e de
vinculação. Contudo, importa enfatizar que tal não significa desjuridici-
zação, pois as coordenadas essenciais do processo têm natureza jurídica
e continuam a ser fixadas pelo Estado-legislador.
De um modo simples, pode afirmar-se que este processo é composto
pelas seguintes fases:
i) Iniciativa – o requerimento contendo o pedido constituição do Tri-
bunal arbitral, além de servir para isso mesmo (desencadear a sua
constituição), vai servir igualmente de “petição inicial”, pois como
já se referiu, nele devem ser indicados, o(s) ato(s) impugnado(s), o
pedido, os fundamentos e os meios de prova, entre outros elemen-
tos. No que particularmente diz respeito ao pedido, uma leitura
conjugada e integrada dos preceitos do RJAT relativos ao âmbito de-
cisório do Tribunal (art.º 2.º) e aos efeitos da decisão arbitral (art.º

475
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

24.º), parecem legitimar a conclusão de que o mesmo se pode ma-


terializar nas pretensões específicas de anulação, modificação ou
substituição de um ato, ou condenação à prática de um ato legal-
mente devido em substituição do ato impugnado;
ii) Chamamento ao processo e contestação – após a receção do reque-
rimento referido, o Tribunal então constituído notifica o dirigente
máximo do serviço da Administração tributária para, no prazo de
30 dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de
prova adicional. A falta de resposta não obstará ao prosseguimento
do processo1047;
iii) Primeira reunião – seguidamente, o Tribunal promove uma pri-
meira reunião com as partes para1048:
– Definir a tramitação processual a adotar;
– Ouvir as partes quanto a eventuais exceções a apreciar e decidir
antes de conhecer do pedido;
– Convidar as partes a corrigir as suas peças processuais, quando
necessário;
– Comunicar às partes uma data para eventuais alegações orais,
caso sejam necessárias;
– Comunicar às partes uma data para a decisão arbitral, tendo em
conta os limites legais.
iv) Instrução – nesta fase, serão produzidas as provas necessárias à
formação da convicção do Tribunal, em ordem a proferir uma boa
decisão. Recorde-se que valem aqui os postulados da livre deter-
minação das diligências de produção de prova, da cooperação e
boa fé recíprocos e do contraditório, entre outros.
v) Alegações – trata-se esta de uma fase eventual, mas que, a existir,
deve ser marcada pela ideia de oralidade e imediação.
vi) Decisão – esta é a fase final do processo arbitral stricto sensu, aque-
la onde se procede à resolução do litígio e para a qual todo ele
converge, devendo ser emitida e notificada às partes no prazo de
6 meses a contar da data do início da tramitação (isto é, data da
constituição do Tribunal arbitral)1049. Note-se que o Tribunal pode
determinar a prorrogação desse prazo por sucessivos períodos de
1047
Cfr. art.os 17.º, n.º 1, e 19.º, n.º 1, do RJAT.
1048
Cfr. art.º 18.º do RJAT.
1049
Assim, art.os 21.º, n.º 1, e 15.º do RJAT.

476
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

2 meses, com o limite de 6 meses, comunicando às partes essa


prorrogação e os motivos que a fundamentam1050.

Em face da importância e relevância jurídico-normativa desta última


fase, a ela dedicaremos de modo autónomo o apartado sistemático sub-
sequente.

3.4. A decisão arbitral


De um ponto de vista jurídico, a primeira questão que poderia aqui ser
suscitada seria precisamente a da natureza jurídica da decisão arbitral,
em termos de se procurar saber se ela consubstancia um verdadeiro ato
jurisdicional (sentença ou acórdão), ou, diferentemente, materializa um
ato de natureza contratual. A este respeito, as dúvidas parecem dissipar-
-se com o revestimento jurídico que o legislador empresta ao ato em
causa, equiparando-o às decisões jurisdicionais comuns, mormente em
matéria de efeitos vinculativos para a Administração, pois, além da força
de “caso julgado”, outorga-se às decisões proferidas através da arbitra-
gem indubitável força executiva.
A decisão, enquanto momento supremo de fixação de efeitos, deve
ser rodeada de especiais cautelas e sujeita a apertados requisitos, não
valendo aqui os princípios de liberdade de forma e procedimentos que
vigoraram nas fases anteriores. Desde logo, determina-se que a mesma,
além de indicar claramente o próprio sentido decisório, evidentemente,
deve ser tomada por deliberação da maioria dos seus membros, e deverá
identificar os interessados, os factos objeto de litígio, a síntese da pre-
tensão e os respetivos fundamentos, bem assim como as razões de facto
e de Direito que a motivaram1051. Estruturalmente, pode ser decomposta
em pronúncias parciais, com eventuais votos de vencido, incidentes so-
bre as diversas questões suscitadas no processo (salvo nos casos de ár-
bitro singular). Deve ainda conter a fixação do montante e a repartição
pelas partes das custas, quando o Tribunal tenha sido constituído em
formação singular ou em coletivo com árbitros designados pelo CAAD.
Em termos de conteúdo, naturalmente que a decisão dependerá do
pedido efetuado, embora se possa afirmar que o mais comum será a anu-
1050
Cfr. art.º 21.º, n.º 2, do RJAT.
1051
V. art.º 22.º, n.os 1 e 3, do RJAT. Cfr. ainda art.º 123.º do CPPT aplicável ex vi art.º 22.º,
n.º 2, do RJAT.

477
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

lação (por via da declaração de ilegalidade) de um ato tributário de li-


quidação, de ato equiparado ou de ato de avaliação.
Como se pretende – e bem – que a arbitragem seja uma forma de
resolução de litígios tributários com o mesmo valor jurídico que o pro-
cesso judicial, fácil se torna constatar que hão-de ser reconhecidos à
decisão arbitral os mesmos efeitos que às sentenças dos Tribunais con-
vencionais, particularmente em matéria de vinculação da Administra-
ção. Assim, após estabilizada no ordenamento jurídico por via do “trân-
sito em julgado” (insuscetibilidade no caso de interposição de recurso
ou impugnação), a sentença arbitral vinculará prospectivamente e inter
partes, devendo a Administração – até ao termo do prazo previsto para a
execução espontânea das sentenças dos Tribunais judiciais tributários –,
alternativa ou cumulativamente, consoante o caso e dependendo do(s)
respetivo(s) pedido(s)1052:
– Restabelecer a situação que existiria se o ato objeto da decisão arbi-
tral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações neces-
sários para o efeito;
– Praticar o ato legalmente devido em substituição do ato objeto da
decisão arbitral;
– Rever os atos que se encontrem numa relação de prejudicialidade
ou de dependência com os atos objeto da decisão arbitral, alteran-
do-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;
– Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão
arbitral ou abster-se de as liquidar;
– Proceder ao pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios,
nos termos da LGT e do CPPT.

Além disso, essa mesma Administração fica impedida de praticar


novo ato relativamente ao mesmo sujeito passivo e período de tributa-
ção, salvo nos casos em que se fundamente em factos novos1053.
Já o sujeito passivo ficará, nos mesmos termos, impedido de, com os
mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão ou a pro-
moção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre o ato im-
pugnado ou sobre os consequentes atos de liquidação1054.
1052
Cfr. art.º 24.º, n.os 1 e 5, do RJAT.
1053
Assim, art.º 24.º, n.º 4, do RJAT.
1054
Assim, art.º 24.º, n.º 2, do RJAT.

478
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Após a notificação da decisão arbitral, o Centro de Arbitragem Admi­


nistrativa notifica as partes do arquivamento do processo, considerando-
-se o Tribunal arbitral dissolvido nessa data1055.
Refira-se, por fim, que sempre que a decisão arbitral ponha termo ao
processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputá-
vel ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão,
promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável (ou para sus-
citar nova pronúncia arbitral) contam-se a partir da notificação da deci-
são arbitral1056.

3.5. A colocação em crise da decisão arbitral (impugnação e recurso)


Apesar da nota de informalidade que se tem em vista introduzir com
este instrumento de composição, e da relativa autonomia de confor­
mação que perpassa o processo arbitral, a verdade é que não se trata
de uma realidade desjuridificada (apesar de desjurisdicionalizada).
Isto porque, como se referiu, existem dimensões essenciais que não
podem deixar de ser observadas e requisitos insubstituíveis que não
podem ser contornados, o que convoca necessariamente a ideia de que
se torna necessário prever esquemas de controlo ou fiscalização da sua
observância.
A este propósito, o legislador previu dois esquemas revisivos, dire-
cionados a dois propósitos completamente distintos:
– Por um lado, quando se tem em vista controlar a decisão arbitral
em si, nos seus aspetos competenciais, procedimentais, formais e
estruturais, fala-se em impugnação;
– Por outro lado, quando se tem em vista controlar o mérito da deci-
são arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, fala-se em recurso.

Vejamos, sucessivamente, em que termos1057.

1055
Cfr. art.º 23.º do RJAT.
1056
Assim, art.º 24.º, n.º 3 do RJAT.
1057
Para desenvolvimentos, v. Russo, Anabela, O regime de recurso e de impugnação da decisão ar-
bitral, in Contraordenações tributárias e temas de direito processual tributário, Centro de
Estudos Judiciários, Lisboa, 2016, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebook_adminis
trativo_fiscal.php., pp. 81 e ss.

479
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

a) Impugnação
A impugnação da decisão arbitral depende de pedido – deduzido no
prazo de 15 dias, contado da notificação daquela ou da notificação do
“arquivamento do processo” (art.º 23.º do RJAT) – no sentido da sua
anulação, dirigido ao Tribunal Central Administrativo (TCA), com base
em qualquer dos seguintes fundamentos1058:
– Não especificação dos fundamentos de facto e de Direito que justi-
ficam a decisão;
– Oposição dos fundamentos com a decisão;
– Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
– Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Esta impugnação produz os seguintes efeitos1059:


i) Suspende a decisão arbitral recorrida (no seu todo ou em parte,
dependendo do objeto do recurso);
ii) Quando interposta pela Administração, faz caducar a garantia que
tenha sido prestada para suspensão do processo de execução fiscal;
iii) O recurso interposto pelo sujeito passivo faz cessar o efeito suspen-
sivo da liquidação (art.º 26.º, n.º 2, do RJAT)

Por fim, refira-se que a este pedido de impugnação é aplicável, com


as necessárias adaptações, o regime do recurso de apelação definido no
Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA)1060.

b) Recurso
Já o recurso da decisão arbitral tem em vista, como se disse, a sindicân-
cia do conteúdo da mesma.
Aqui, a regra é a da irrecorribilidade1061.
Duas exceções, porém, permitem temperar este regime aparente-
mente penalizador (que visará, acima de tudo, evitar a deslocalização da
pendência para jusante, o que aconteceria se os Tribunais administra­

1058
V. art.º 28.º, n.º 1 do RJAT.
1059
Assim, art.º 26.º do RJAT, aplicável por remissão do art.º 28,.º, n.º 2, do mesmo diploma.
1060
Cfr. 27.º, n.º 2, do RJAT.
1061
Para que não subsistam dúvidas, v. o preâmbulo do diploma que aprova o RJAT (DL
10/201, de 20 de janeiro), onde se lê expressamente: “[e]m quarto lugar, acolhe-se como
regra geral a irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais”.

480
III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

tivos e tributários fossem inundados com litígios que, à partida, lhes ha-
viam sido propositadamente subtraídos):
– Em primeiro lugar, recurso para o Tribunal Constitucional nos ter-
mos gerais, isto é, na parte em que recuse a aplicação de qualquer
norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que apli-
que norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada1062;
– Em segundo lugar, recurso para o Supremo Tribunal Administra-
tivo (STA) quando a decisão esteja em oposição, quanto à mesma
questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tri-
bunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Adminis-
trativo (STA)1063.

De resto, a interposição deste recurso tem os mesmos efeitos que


os acima apontados a propósito da impugnação (suspensão da decisão,
cadu­cidade da garantia e cessação da suspensão da liquidação), pelo que
para lá remetemos.

1062
Cfr. art.os 25.º, n.º 1, do RJAT e 280,.º n.º 1 da CRP.
1063
Cfr. art.º 25.º, n.º 2, do RJAT. V., ainda, art.º 152.º do CPTA.

481
Parte IV
Prazos
(a relevância do tempo na prática de atos no procedimento
e processo tributário)

§ único: sequência
Quer tendo por referência a estabilidade do ordenamento normativo,
quer tendo por referência a tutela das posições jurídicas subjetivas, a
limitação temporal das situações com relevância jurídica apresenta-se
como uma necessidade incontornável, tanto ao nível do Direito público
como ao nível do Direito privado. Em termos práticos, a vida jurídica
dá a conhecer várias formas em que tal limitação se pode materializar
e que, de um modo genérico, perpassam todos os domínios, seja sob a
forma de imposição de prazos para a prática de atos, seja sob a forma de
determinação ab initio de um período para a vigência de uma lei, ou a
fixação de um termo até ao qual certo facto é relevante. Em todos os ca-
sos, uma ideia é comum: decorrido o lapso temporal pré-determinado,
a situação jurídica em causa, em princípio, deixa de estar a pairar num
estado de incerteza e passa a ser caracterizada pela segurança, seja do
ponto de vista negativo, extinguindo-se, seja do ponto de vista positivo,
estabelecendo-se definitivamente.
Em termos de linguagem jurídica, as dificuldades inerentes à pluri-
significatividade dos termos são assinaláveis, pois o legislador utiliza
frequentemente o mesmo enunciado linguístico atribuindo-lhe signi­
ficados distintos – não apenas de um ramo de Direito para outro, mas,

483
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

inclusivamente, dentro do mesmo domínio –, o que implica que esta


seja uma das matérias que maiores dificuldades tem suscitado aos ju-
ristas teóricos ou práticos. Assim sendo, antes de avançar no sentido de
tentar compreender a relevância do fenómeno temporal no contexto
das relações tributárias, importa estabelecer um quadro compreensivo
minimamente esclarecedor que possibilite a apreensão em termos acei-
táveis de conclusões válidas, o que passa, antes de tudo o mais, por um
trabalho de fixação de terminologia e conceitos que impeça a confusão
e a nebulosidade que envolvem termos como “revogação”, “caducidade”,
“prescrição”, “prazo”, “suspensão”, “interrupção” e outros.
Apenas após o estabelecimento de tal quadro, estaremos em con­
dições de procurar perceber o alcance das soluções (nem sempre juri-
dicamente adequadas, como veremos) preconizadas pelo legislador tri-
butário.

1. A exigência de limitação temporal das situações jurídicas

1.1. Princípio da preclusão e exercício de direitos em geral


Na nossa perspetiva, o primeiro passo no sentido da clara identificação
dos diversos tipos de relevância temporal das situações jurídicas consiste
em fixar a ideia de que se devem separar, em termos de análise e pro-
blematização, as situações relacionadas com a criação normativa, por um
lado, e com a aplicação normativa, por outro. Isto porque, como se intui,
não há-de ser indiferente a perspetiva que se adote quando se está a fa-
lar do normador/legislador ou quando se está a falar do agente admi-
nistrativo, dos Tribunais ou dos contribuintes, o que leva a que se possa
afirmar que não se deve “meter no mesmo saco” um prazo (abstrato) re-
lacionado com a vigência de uma lei ou de um regulamento e um prazo
(concreto) relacionado com a prática de um específico ato.
No âmbito dos primeiros dos referentes apontados, é indesmentível
que qualquer ordenamento atual é caracterizado por uma forte plurali-
dade temporal, no sentido em que nele se identificam estratos ou camadas
sucessivas de normas que gradualmente se vão cumulando e sobrepondo,
levando à consequência de que, em determinado momento, potencial-
mente, várias delas podem ser chamadas a disciplinar determinada situa­
ção jurídica. A concatenação ou articulação de todas elas afirma-se como

484
IV. PRAZOS

um imperativo do princípio do Estado de Direito, na sua vertente de exi-


gência da segurança jurídica e proteção da confiança, em particular me-
diante o sub-princípio da clareza e determinabilidade das normas, e a
formulação de regras de vigência temporal dos enunciados normativos e
das interpretações que deles podem irromper, resultando ou procurando
resultar num sistema racionalmente compreensível e tendencialmente
homogéneo. Mas não apenas. Também o princípio democrático impõe
a exigência de que as normas não produzam efeitos indefinidamente no
tempo, na medida em que tal poderia significar a limitação das gerações
futuras pelas gerações passadas e pelos seus valores.
Resulta, assim, claro que ao criador normativo dois caminhos se lhe
deparam se ele quiser prosseguir os propósitos apontados: por um lado,
pode ir continuamente atualizando o arsenal normativo através da ema-
nação de novas normas e procedendo à revogação, expressa ou tácita,
das anteriores ou, por outro lado, estabelece ab initio um prazo de vigên-
cia das normas que, uma vez decorrido, determinarão a sua caducidade.
Revogação e caducidade constituem, deste modo, duas formas de limi-
tação temporal da produção de efeitos das normas jurídicas e dois ins-
trumentos ao dispor do legislador (lato sensu) para atualizar o aglome-
rado em que o ordenamento se materializa e saneá-lo ou expurgá-lo das
superfluidades que recorrentemente o caracterizam.
Mas não será esse seguramente o enfoque que mais nos interessará.
No presente momento, centraremos a nossa atenção na relevância que
o fator tempo apresenta no contexto da aplicação das normas aos casos
em concreto. Aqui, as diferentes atuações em que se podem materiali-
zar tal aplicação – sejam atuações de entidades públicas, sejam atuações
de entidades privadas – também não podem ser levadas a efeito indistin-
tamente sob o ponto de vista temporal, mas antes devem estar balizadas
por limitações que se afirmem mais ou menos certas e que as permitam
encarar de uma forma minimamente segura. Neste contexto se com­
preende que determinados factos ou atos apenas relevem para o mundo
do Direito no quadro de um lapso temporal preciso, findo o qual dei-
xarão de se apresentar juridicamente importantes – podendo-se consi-
derar saneados do ordenamento –, e que determinadas atuações apenas
podem ser levadas a efeito pelos competentes sujeitos, também dentro
de uma barreira temporal pré-estabelecida, decorrida a qual faz impor-
tar a preclusão do direito a atuar.

485
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Esta relevância jurídica do tempo materializa-se na fixação de prazos


delimitados e precisos para a prática de atos, o que, por sua vez, traz as-
sumida a ideia de que o tempo pode e deve ser medido através de uni-
dades pré-determinadas, como o ano, o mês, a semana, o dia, etc.. Aqui,
podem ser vários os prazos com relevância jurídica: a título de exemplo,
refira-se apenas a capital distinção entre prazo extintivo ou perentório e
prazo suspensivo ou dilatório, o primeiro relevante porque certo direito
se extingue ou deixa de poder ser exercido com o decurso do período
de tempo e o segundo na medida em que certo direito só se constitui ou
só se exerce após o decurso do período de tempo. Além disso, o côm-
puto do tempo – entendido como a forma como se conta o decurso do
tempo – pode ter na sua génese a lei, a vontade das partes ou uma deci-
são judicial e pode classificar-se como um cômputo natural – que consiste
em considerar o decurso do tempo momento a momento (dia, hora, mi-
nuto, segundo…) ou um cômputo civil – considerando o decurso do tempo
em referência ao dia do calendário, irrelevando as unidades inferiores.
Por outro lado, a temporalidade jurídica manifesta-se, não apenas
ao nível da constituição, modificação ou extinção de situações jurídicas
(v.g., direitos subjetivos, interesses legalmente protegidos, expectativas
jurídicas), mas igualmente ao nível do exercício em ato das pretensões
emergentes dessas situações jurídicas, o que vale por dizer que o tempo
apresenta relevância não apenas na vertente substantiva (extra-proces-
sual) das situações e institutos jurídicos, mas igualmente na sua vertente
adjetiva (intra-processual). A título exemplificativo, basta pensar, res-
petivamente, na duração da situação de facto em que assenta a criação
de um direito determinado (v.g., posse de determinado bem que pode
potenciar uma aquisição por usucapião, situação de desemprego que
pode estar na origem da atribuição de um subsídio, antiguidade numa
determinada função que pode impulsionar uma progressão na carreira)
ou no decurso do lapso temporal previsto para apresentar a contestação
no âmbito de um processo a decorrer em Tribunal.
Da mesma forma, é importante notar que a essencialidade do prazo
no mundo jurídico, e o consequente estabelecimento da ideia de pre-
clusão – de acordo com a qual, decorrido um certo prazo, determi­nado
ato já não pode ser praticado (princípio da preclusão) –, se relaciona, do
ponto de vista finalístico, quer com motivações relacionadas com a
tutela dos interesses individuais que subjazem a uma concreta relação

486
IV. PRAZOS

jurídica – razões que poderemos designar por subjetivas, portanto (i) –,


quer com motivações relacionadas com a configuração abstrata do orde-
namento jurídico e independentes das concretas motivações particula-
res – razões objetivas (ii).
i) No que às primeiras diz respeito, parece inegável que, em maté-
ria de prazos, dois bens jurídicos constitucionalmente relevantes
e normativamente acolhidos devem ser tidos em consideração: a
justiça material, por um lado, e a certeza jurídica, por outro. O pro­
blema é que, muitas vezes, estes bens jurídicos reclamam pretensão
aplicativa de modo conflituante, em termos de a convocação de um
poder inviabilizar a convocação do outro. De facto, enquanto o pri-
meiro deles impõe que, em matéria de obrigações (lato sensu), estas
devam ser realizadas nos precisos termos em que são assumidas, o
que equivale a dizer que, a partir do momento em que se vincula, o
sujeito passivo não se deve esquivar ao cumprimento, já o segundo
exige que se as situações jurídicas (abstratos e passivas) não se per-
petuem, não permitindo que sobre os sujeitos passivos/devedores
fique a pairar para sempre o cutelo da adstrição ou que sobre eles in-
cida um risco indefinido de exigência de cumpri­mento. Um ponto
de equilíbrio, neste domínio, passa pela ideia de que a prolon­
gada inatividade do titular faz presumir a intenção de renunciar ao
direito.
ii) Já quanto às razões objetivas, salienta-se a necessidade de sanea-
mento do ordenamento jurídico e da consequente expurgação
deste de atos cuja relevância social já se pode considerar dimi­nuta.
Quer isto significar que o mundo do Direito não deve dedicar a
sua atenção a manifestações e comportamentos desatualizados
ou caducos, eliminando-os da consideração jurídica, para que seja
aberto espaço para a disciplina de outras situações que, essas sim,
reclamam atenção mais premente.

Estes dois conjuntos de motivações impõem ao legislador a obrigato-


riedade de limitar temporalmente as ocorrências da vida e de estabele-
cer prazos, cujo decurso introduz uma nova situação ou modifica ou ex-
tingue uma situação existente. Por exemplo, é de admitir que o silêncio
de um credor e a sua omissão prolongada no sentido de se ressarcir de
uma quantia pode fazer presumir uma renúncia ao crédito, cominando-

487
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

-se a sua inércia com a impossibilidade de atuar judicialmente contra o


devedor. Além disso, não deve ser perdido de vista que, mesmo proces-
sualmente, uma demanda litigiosa será inútil se for levada à prática mui-
tos anos após a verificação de certo facto ou a prática de certo ato, pois
as memórias dos mesmos estarão seguramente obscurecidas pelo tempo
e as provas correm o risco de estar perdidas.

1.2. Princípio da preclusão e exercício de direitos em Direito tribu­


tário
Ora, se a imposição de limitação temporal é justificada no âmbito do
Direito em geral, pode-se afirmar que mais ainda o será no âmbito do
Direito tributário em particular. Aqui, todavia, relevam razões diversas
das que presidem às soluções encontradas em outros domínios científi-
cos, assumindo particular destaque os princípios constitucionais e legais
específicos.
Desde logo, o princípio da indisponibilidade do crédito tributário,
que impede que o silêncio do credor (Administração) se possa interpre-
tar como uma renúncia do credor.
Mas não só. Também o princípio da capacidade contributiva se desta-
ca, ao exigir que, através de limitações temporais, se não tributem capa­
cidades contributivas já extintas, ao que se juntam os argumentos espe-
cíficos de Direito financeiro e orçamental, particularmente os de que a
inexistência de prazos limitativos levaria a uma acumulação de dívidas
tributárias pendentes e prejudicaria a perceção de receitas atuais por
causa do efeito de acumulação de dívidas fiscais, inviabilizando a estabi-
lidade orçamental e a sustentabilidade do sistema.
Com se vê, em matéria de tributos, tanto ou mais do que em outros
ramos de Direito, é de aceitar o princípio da preclusão e a introdução
das garantias de certeza e segurança que o mesmo acarreta, estabele-
cendo-se prazos, cujo decurso introduz uma nova situação ou modifica
ou extingue uma situação existente.
Porém, a compreensão do regime normativo inerente ao estabeleci-
mento desses prazos não se retira facilmente dos dados jurídico-positi-
vos e depende de um adequado enquadramento que passe, designada-
mente, pela fixação em bases sólidas de uma terminologia conveniente
– afastando a polissemia de significados – e pelo estabelecimento de um
quadro compreensivo minimamente esclarecedor. Tal quadro exige que

488
IV. PRAZOS

se tenham em consideração os ensinamentos dos outros sectores da ci-


ência do Direito, as experiências relevantes de Direito comparado – par-
ticularmente a Abgabenordnung alemã e a Ley General Tributaria espanhola
– e a tematização dos problemas no âmbito da configuração da relação
jurídica tributária.
Em termos de desenvolvimento da explanação e do discurso, e de
modo a atingir a maior comodidade expositiva, iniciaremos a aborda-
gem destas matérias pelo estudo dos prazos em geral (em matéria tri-
butária, naturalmente), para, depois, debruçarmos a nossa atenção em
alguns prazos específicos que são objeto de maior atenção também da
parte do legislador – estamo-nos a referir, particularmente, aos prazos
de prescrição e de caducidade, aos quais dedicaremos dois pontos siste-
máticos autónomos.

1.3. Prazos em procedimento e processo tributário

1.3.1. Tipos de prazos (prazos substantivos e prazos adjetivos)


A abordagem mais proveitosa à temática dos prazos em matéria tributá-
ria é a que parte da distinção, já por nós efetuada, entre procedimento e
processo tributário, assumindo, em termos simples, que se fala em pro-
cedimento quando estamos perante uma sequência de atos destinados
à exteriorização de vontade de um órgão administrativo e em processo
quando estamos perante uma sequência de atos destinados à exteriori-
zação de vontade de um órgão jurisdicional.
Adotando esta distinção crucial, podem-se distinguir dois tipos de
prazos tributários, reconhecidos e adotados pelo próprio legislador1064:
– Os prazos adjetivos (ou processuais stricto sensu) são aqueles que
dizem respeito à prática de atos durante um processo já em curso. São
prazos judiciais, portanto: é o limite temporal para atuar dentro do
processo. Será o caso, por exemplo, do prazo para a apresentação
da contestação pelo representante da Fazenda Pública no decurso

1064
Cfr. art.º 20.º do CPPT. Convém referir que se nada se disser em sentido contrário – isto
é, se outros prazos não forem fixados – o prazo geral para a prática de atos (prazo supletivo)
é de 8 dias no procedimento, e de 10 dias no processo. Cfr., a respeito, art.os 57.º, n.º 2 da
LGT e 149.º do CPC.

489
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

do processo de impugnação judicial1065 ou, no âmbito do mesmo, o


prazo para requerer uma perícia1066, ou ainda o prazo para a oposi-
ção à execução1067;
– Os prazos substantivos são aqueles que não dizem respeito à prática
de atos dentro do processo. São limitações temporais impostas em
situações nas quais o Tribunal ainda não interveio, e tanto podem
surgir âmbito de um procedimento tributário em curso – o prazo
para a Administração tributária designar um perito1068, para noti-
ficar a entidade inspecionada do projeto de conclusões do relatório
da inspeção1069 ou o prazo para o contribuinte exercer o direito de
audição prévia1070–, como fora dele – o prazo para reclamar gracio-
samente1071, deduzir recurso hierárquico1072 ou impugnar judicial-
mente1073.

A distinção é de uma importância extrema, pois é a partir dela que se


determina a forma como o prazo em questão há-de ser contado: estando
em causa um prazo de natureza substantiva, é aplicável, quanto à forma
de contagem, o disposto no art.º 279.º do Código Civil, enquanto que
aos prazos de natureza processual ou adjetiva é aplicável o regime pre-
visto no Código de Processo Civil, particularmente nos art.os 137.º e ss.
Vejamos em que termos.

1065
V. art.º 110.º do CPPT.
1066
V. art.º 116.º, n.º 3, do CPPT.
1067
Na medida em que a oposição funciona como uma espécie de contestação ao pedido
executivo que se pretende fazer valer na execução fiscal, o prazo respetivo tem um carácter
intraprocessual, sendo pois considerado de natureza judicial, porque desencadeado num
processo já pendente de cariz judicial.
1068
Cfr. art.º 91.º, n.º 3 da LGT.
1069
V. art.º 60.º, n.º 1, do RCPITA.
1070
Cfr. n.os 4 e 6, do art.º 60.º da LGT.
1071
V. art.º 70.º, n.º 1, do CPPT.
1072
Idem, art.º 66.º, n.º 2.
1073
Ibidem, art.º 102.º, n.º 1.

490
IV. PRAZOS

1.3.2. O modo de contagem dos prazos

a) Prazos substantivos
O n.º 1 do art.º 20.º do CPPT determina que os prazos do procedimento tri-
butário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código
Civil.
Nestes casos, e na medida em que não está em causa a prática de atos
no processo judicial propriamente dito, mas sim fora dele, nomeada-
mente no foro da Administração tributária, o legislador entendeu sub-
meter as regras de contagem dos prazos respetivos ao regime previsto
no art.º 279.º do Código Civil.
De destacar que a referência ao prazo de impugnação judicial deve ser
entendida como respeitante ao prazo para a interposição/apresentação
da mesma (art.º 102.º do CPPT) e não para a prática de atos num pro-
cesso impugnatório já em curso. Neste último caso, e seguindo a orien-
tação discursiva por nós exposta, o modo de contagem temporal será o
previsto no CPC por se tratar de um prazo adjetivo ou intra-processual.
Já o referido prazo de interposição tem natureza substantiva e deve ser
contado nos termos do CC1074.
Juntamente com este art.º 20.º do CPPT deve ser referido o art.º 57.º
da LGT, particularmente o seu n.º 3, nos termos do qual “no procedi-
mento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do
Código Civil”. Retiram-se destes enunciados normativos duas importan-
tes conclusões:
i) Em primeiro lugar, os prazos são contínuos, o que significa que
não se suspendem nos sábados, domingos, feriados ou férias judi-
ciais1075;

1074
Cfr., por exemplo, acórdãos do STA de 14 de março de 2007, processo n.º 0831/06 e do
TCA-S de 8 de junho de 2017, processo n.º 638/090.BECTB.
1075
Cfr., a propósito, art.º 28.º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário – L 62/2013, de
26 de agosto –, nos termos do qual “as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de
janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto”.
A propósito da aplicabilidade deste preceito aos Tribunais tributários, cfr. art.º 7.º do ETAF
(“no que não esteja especialmente regulado, são subsidiariamente aplicáveis aos tribunais
da jurisdição administrativa e fiscal, com as devidas adaptações, as disposições relativas aos
tribunais judiciais”).

491
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ii) Em segundo lugar, tais prazos contam-se nos termos do art.º 279.º
do CC. Destacando o que de mais relevante pode ser apontado,
esta remissão implica que:
– Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora,
se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o
prazo começa a correr [alínea b)]. Por exemplo, nos termos do n.º 2
do art.º 66.º do CPPT, o recurso hierárquico deve ser interposto
no prazo de 30 dias a contar da notificação do ato respetivo, pe-
rante o autor do ato recorrido. Ora, se o contribuinte tiver sido
notificado hoje, por carta registada com aviso de receção, de um
determinado ato de que pretenda interpor recurso hierárquico,
o prazo de 30 dias para interpor o recurso só se inicia amanhã
(quer seja um dia útil ou não), não contando o dia em que o even-
to ocorre (neste caso, a receção da notificação)1076;
– O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se
para o primeiro dia útil [primeira parte da alínea e)];
– Os domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais,
se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo [segunda
parte da alínea e)], o que quer dizer que, se o termo do prazo
coincidir com um dia em que os Tribunais se encontrem encer-
rados por motivo de férias judiciais, o termo do prazo transfere-
-se para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais.
Por exemplo, a apresentação da petição inicial de impugnação
judicial está sujeita às regras de contagem do prazo previstas
no art.º 279.º do CC uma vez que, como vimos, se trata de um

1076
No entanto, se o contribuinte tiver sido notificado por carta registada nos termos do
n.º 3 do art.º 38.º do CPPT, antes do início da contagem do prazo temos de ter em atenção
a presunção quanto ao dia em que ocorreu a notificação à luz do n.º 1 do art.º 39.º do CPPT.
Com efeito, o legislador presume que a notificação se considera feita no 3.º dia posterior ao
do registo pelo que, se o contribuinte tiver sido notificado hoje, por carta registada, este só
se considera notificado (presunção Iuris tantum) de hoje a 3 dias. Nestes casos em que o le-
gislador presume que a notificação apenas se considera feita no 3.º dia posterior ao do regis-
to, como nos termos da alínea b), do art.º 279.º do CC, o dia em que o evento ocorre não se
conta, o prazo para praticar o ato (ex. prazo de 30 dias para a interposição do recurso hierár-
quico) só começa a correr no 1.º dia (útil ou não) seguinte ao dia em que se presume feita a
notificação. No entanto, e adiantando o que abordaremos de seguida no texto, se aquele 3.º
dia não for um dia útil (ex. Sábado, Domingo ou feriado), então considera-se o contribuinte
notificado no 1.º dia útil seguinte a este.

492
IV. PRAZOS

prazo de natureza substantiva. Todavia, nos termos do n.º 1 do


art.º 103.º do CPPT, a petição de impugnação judicial é apresen-
tada no Tribunal tributário competente ou no serviço periférico
local onde haja sido ou deva legalmente considerar-se pratica-
do o ato. Uma vez que a apresentação da impugnação judicial se
traduz num ato dirigido ao poder jurisdicional, se o prazo para
a sua apresentação terminar em dia em que estejam a correr as
férias judiciais, o termo do prazo transfere-se para o primeiro dia
útil seguinte às férias judiciais (mesmo que a petição tenha sido
entregue nos serviços da Administração tributária, os quais não
se encontram sujeitos ao período de férias judiciais).

Resumindo:
– O dia em que o evento ocorre não se conta;
– O prazo começa a correr no dia seguinte ao da verificação do evento;
– O prazo conta-se de forma contínua;
– Se o prazo terminar em domingo ou dia feriado, o termo do prazo
transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, pelo que o ato poderá
ser praticado até esse dia ;
– Se o ato tiver de ser praticado no Tribunal e o prazo terminar em dia
em que os Tribunais se encontrem encerrados em virtude do de­
curso do período de férias judiciais, o termo do prazo transfere-se
para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais.

b) Prazos adjetivos
O n.º 2 do art.º 20.º do CPPT determina que os prazos para a prática de atos
no processo judicial contam-se nos termos do Código de Processo Civil.
Como resulta do que já referimos, a referência por parte do legis-
lador a um prazo para a prática de atos no processo judicial, significa que se
está em presença, não de um prazo substantivo, mas sim de um prazo
judicial ou processual, no sentido de intraprocessual, isto é surgido na
pendência de um processo. Por tal motivo, terá todo o sentido que se apli-
quem à sua contagem, não as regras do art.º 279.º do CC, mas sim as re-
gras dos art.os 137.º e ss. do CPC.
No essencial, essas regras são as seguintes:
i) Os prazos contam-se de forma contínua, suspendendo-se, no en-
tanto, durante as férias judiciais. Todavia, tal suspensão não se efe-
tiva (art.º 138.º, n.º 1):

493
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

– Se a sua duração for igual ou superior a 6 meses, ou


– Se estiverem em causa atos a praticar em processos que a lei
considere urgentes.
ii) Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia
em que os Tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu ter-
mo para o primeiro dia útil seguinte (idem, n.º 2);
iii) Não se praticam atos processuais (por exemplo, a entrega de um
requerimento na secretaria do Tribunal), nos dias em que os Tri-
bunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias ju-
diciais (art.º 137.º, n.º 1);
iv) No entanto, estando em causa atos que se destinem a evitar dano
irreparável, os atos processuais são praticados ainda que os tribu-
nais estejam encerrados (idem, n.º 2).

1.4. Em particular, a prescrição e a caducidade em Direito tribu­


tário (aproximação)
Pois bem. Após termos captado, nos seus traços essenciais, o regime ge-
nérico inerente ao estabelecimento de prazos em matéria tributária, im-
porta agora refinar um pouco a análise e debruçar a nossa atenção sobre
alguns deles em particular.
No âmbito da nossa exposição, entendemos relevante fazer referên-
cia àqueles que são porventura os mais “conhecidos” prazos estabeleci-
dos pelo legislador tributário: os (assim denominados) prazos de pres-
crição e de caducidade.
Procuremos enquadrá-los para, depois, estudar as suas especificidades.

É um dado inquestionável que no âmbito da relação jurídica tributá-


ria nascem muitas pretensões – exigir o pagamento do imposto, exigir
juros indemnizatórios, exigir a apresentação da contabilidade, etc. – e
muitas adstrições – pagar o imposto ou a taxa, pagar os juros indemni-
zatórios, manter a contabilidade organizada, etc. – para um e para outro
dos sujeitos, o que obriga ao estudo dos diversos problemas de uma forma
parcelar e não à consideração da relação tributária “como um todo” ou
como um bloco uniforme. Estas situações subjetivas – que não se recondu-
zem na íntegra à técnica do direito subjetivo privado, desde logo porque
o tradicional sujeito ativo (em termos simplistas, o Estado), mais do que
um mero titular de direitos subjetivos (de arrecadação de receitas pú-

494
IV. PRAZOS

blicas), está investido em muitos poderes-deveres, em face da consagra-


ção de atuações oficiosas que não estão na livre disponibilidade da sua
vontade (inspeção, aplicação de métodos indiretos, etc.) –, na medida
em que não podem ser exercidas a todo o tempo, estão sujeitas a prazos,
dentro dos quais o respetivo titular pode fazer valer a pretensão que o
ordenamento lhe reconhece.
É neste contexto amplo que se fala, consoante os casos, em prescri-
ção e em caducidade1077.
No contexto desta multiplicidade, o legislador tributário entendeu
que dois prazos em especial mereceriam atenção particularizada e um
regime de contagem muito próprio e específico, ambos respeitantes a
direitos titulados pelo do Estado/Administração tributária: por um lado,
o prazo para exercer o seu direito à determinação da dívida tributária através do
procedimento de liquidação dos tributos (denominado prazo de caducidade – art.º
45.º da LGT), e, por outro lado, o prazo para exigir o pagamento das dívidas tri-
butárias já liquidadas (prazo de prescrição – art.º 48.º da LGT). A particulari-
dade vai a tal ponto que lhe dedica uma secção própria na LGT – se bem
que sistematicamente muito mal inserida (no capítulo IV, respeitante à
“extinção da relação jurídica tributária”, quando a caducidade do di­reito
à liquidação não extingue tal relação, mas apenas uma das pretensões
que dela emerge!) –, o que tem motivado que grande parte da atenção
dedicada a este instituto se debruce exclusivamente sobre estes direitos,
esquecendo os restantes. Contudo, importa sublinhar que muitíssimos

1077
A doutrina jusprivatista tem ensaiado vários critérios distintivos, sendo que os mais cor-
rentemente apontados são (i) o critério do objeto – de acordo com o qual a prescrição inci-
diria sobre direitos substantivos (v.g., direito de crédito, em oposição ao não uso, típico dos
direitos reais) e a caducidade sobre direitos adjetivos (“direito de ação”) –; (ii) o critério te-
leológico – nos termos do qual a prescrição tem por finalidade pôr termo a um direito que se
supõe abandonado, ao passo que a caducidade visa preestabelecer o tempo a partir do qual
certo direito pode ser exercido; e (iii) o critério da invocação – em termos de a caducidade
poder ser conhecida oficiosamente, não carecendo de ser invocada pela parte a quem inte-
ressa, ao contrário da prescrição, que necessitaria sempre de invocação. Contudo, se bem re-
pararmos, estes critérios distintivos não se apresentam satisfatórios, seja porque se referem a
realidades que não são transponíveis para o Direito tributário (o abandono do direito, impe-
dido pela ideia de indisponibilidade do crédito tributário), seja porque se referem a aspetos
de regime, invertendo a análise lógica (está a denominar-se uma figura em face do regime
que se lhe aplica, quando se deve fazer exatamente o oposto: depois de identificar a figura, é
que saberemos qual o regime a aplicar).

495
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

outros prazos existem e também esses, naturalmente, podem originar


preclusão da atuação do sujeito em causa.
Pode-se, assim, afirmar que quer a caducidade quer a prescrição são
institutos jurídicos que geram, mediante decurso do tempo, efeitos
extin­tivos sobre determinadas pretensões jurídicas. Neste particular, re-
leva a inércia do titular do direito, que não quis ou não pode exercê-lo
atempadamente e que, por esse motivo, fica impedido de o fazer a par-
tir de determinada altura. Em termos jurídicos, a prescrição e a caduci­
dade têm como principal consequência fulminar as pretensões jurídicas
subjetivas já constituídas a partir do facto tributário, embora, rigorosa-
mente, se possa dizer que estas ainda subsistem, se bem que em termos
“anómalos”. Na verdade, no âmbito de cada direito subjetivo é possível
distinguir duas camadas de relevância, em referência ao seu relevo jurí­
dico: a parte nuclear ou substantiva, que se identifica com o interesse
que ordenamento normativo entende ser digno de proteção, e a parte
adjetiva ou revestimento garantístico, que esse mesmo ordenamento
confere ao titular para, em termos amplos, se poder defender de agres-
sões, quando for caso disso. Com o tempo, em rigor, é esta segunda di-
mensão que fica afetada, com o consequente desfalque dos meios coer-
citivos, se bem que o interesse propriamente dito ainda se possa dizer
que subsista. Por outras palavras, o decurso de um prazo transforma
uma obrigação verdadeiramente jurídica numa mera obrigação “moral”
ou de consciência. Por isso se diz que “completada a prescrição, tem o
beneficiário [desta] a faculdade de recusar o cumprimento da prestação
ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito” 1078.
Ora, afirmar que se extinguem pretensões jurídicas significa reco-
nhecer que haverá tantos prazos de caducidade ou prescrição quantas
as pretensões que devam ser exercidas dentro de determinado período
de tempo. Não podemos, assim, falar em prescrição ou caducidade tribu-
tária, mas prescrições ou caducidades, em razão do número de prazos que
o legislador tributário preveja. Em todos os casos, o regime é sensivel­
mente idêntico: decorrido o prazo, o titular da pretensão deixa de a po-
der exercer, considerando-se intempestiva a sua atuação.
Deste modo, e atendendo aos propósitos eminentemente exposi-
tivos e pedagógicos destas Lições, parece-nos que, mais importante do

1078
Assim, art.º 304.º, n.º 1 do CC.

496
IV. PRAZOS

que entrar em discussões estéreis acerca das eventuais distinções entre


“prescrição” e “caducidade”, será relevante conhecer as realidades que
lhe estão subjacentes e aplicar-lhes o regime jurídico-normativo ade-
quado. Por este motivo, apesar de entendermos que é indiferente cha-
mar uma coisa ou outra – trata-se sempre de prazos que devem ser res-
peitados e cujo decurso implica intempestividade de atuação (extinção
por decurso do tempo) –, vamos continuar a utilizar os termos legislati-
vos e designar por caducidade o prazo para o credor liquidar a dívida tributá-
ria e por prescrição o prazo desse mesmo credor para cobrar a dívida tributária já
liquidada1079.
De resto, em nossa opinião, trata-se apenas de uma questão de ter-
mos ou de palavras, uma vez que, na prática – e ressalvadas as especifi­
cidades de regime inerentes a cada situação –, a realidade é a mesma:
decorrido o prazo, o titular deixa de poder exercer determinada preten-
são jurídica, considerando-se intempestiva a sua atuação.

2. Prescrição1080

2.1. Objeto da prescrição e relevância do facto tributário


Em boa verdade, a prescrição é, em si, um facto jurídico, podendo afir-
mar-se que é um facto jurídico que influencia a relevância de outros
factos jurídicos. É, além disso, um facto complexo, pois pressupõe a ve-
rificação simultânea de várias realidades: (i) a exigibilidade abstrata de
uma pretensão (i. é, a suscetibilidade de o cumprimento da obrigação

1079
Neste particular, e em termos de Direito comparado, serão de atentar as soluções
mais claras acolhidas, por exemplo, pelo legislador tributário alemão e espanhol. O
primeiro, no § 169, número (1), da Abgabenordnung, refere-se a um prazo para a liquidação
(Festsetzungsfrist), considerando-o como sendo de prescrição (Festsetzungsverjährung); o
segundo estipula no mesmo sentido, ao referir-se, no art.º 66.º da Ley general tributaria, aos
plazos de prescripción, no âmbito dos quais se enquadram (i) el derecho de la Administración para
determinar la deuda tributaria mediante la oportuna liquidación e (ii) el derecho de la Administración
para exigir el pago de las deudas tributarias liquidadas y autoliquidadas..
1080
Para desenvolvimentos, e diversas referências bibliográficas, v. os diferentes textos inte­
grados no e-book “Prescrição da obrigação tributária” (org. Margarida Reis), Centro de
Estudos Judiciários (CEJ), Lisboa, 2019, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/
ebooks/Administrativo_fiscal/eb_PrescricaoTributario.pdf. (última consulta em 08 de abril
de 2019.)

497
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

poder ser pedido pelo titular é fundamental) ; (ii) a não atuação do titu-
lar; e (iii) o decurso do prazo prescricional1081. Por conseguinte, pode-se
afirmar que o facto prescricional é, simultaneamente, um facto negativo
e permanente: negativo, porque pressupõe um non facere, uma inação ou
inércia do titular do direito; permanente, porque pressupõe a perma-
nência de uma situação de facto (essa inércia ou inação).
O primeiro problema que pode ser levantado nesta sede é o de saber
quais são as prestações que são abrangidas pela prescrição da obrigação
tributária. Será que, decorrido o prazo de prescrição, se torna inexigí-
vel apenas o tributo devido? Ou, mais do que isso, será que a prescrição
abrange igualmente outras prestações, como sejam as prestações rela-
tivas a juros, a coimas ou a dívidas de natureza privada mas relaciona-
das com a obrigação tributária (por exemplo, o exercício de direito de
regresso por parte do devedor solidário que cumpre a obrigação “para
além da parte que lhe compete”)?
O problema é complexo e, na nossa perspetiva, apenas uma análise
analítica – que faça a distinção entre as diversas realidades – e que capte
os princípios essenciais de Direito tributário permite chegar a boas con-
clusões. Tal análise parece impor que o melhor critério continua a ser
o da dupla coatividade que utilizamos atrás para identificar a figura do
tributo, em termos de abranger na prescrição das obrigações tributá-
rias todas as prestações financeiras que tenham natureza duplamente
coativa, quer quanto ao modo de criação – prestações nascidas através
de ato normativo e não de acordo ou contrato –, quer quanto à modela-
ção do respetivo conteúdo – fixado imperativamente por ato normativo.
Por conseguinte, em termos substanciais, são abrangidas pela prescrição
tributária as seguintes situações:
– Os tributos propriamente ditos (impostos, taxas, contribuições);
– Os juros compensatórios1082;
– Os juros moratórios1083.

1081
Além dos elementos referidos no texto, exige-se ainda, como veremos, a não ocorrência
de atos interruptivos e a ausência de causas suspensivas.
1082
Cfr. art.º 35.º da LGT. V., a respeito, acórdão do STA de 12 de fevereiro de 2003, processo
n.º 02003/02, onde se pode retirar que, quanto aos juros compensatórios, comungando
eles da natureza da dívida do tributo, o seu prazo e regime de prescrição são os mesmos do
tributo a que disserem respeito.
1083
Cfr. art.º 44.º da LGT. A este respeito, no acórdão do STA de 22 de maiode 2002, pro-
cesso n.º 0126/02, pode ler-se: “a liquidação dos juros de mora está dependente do paga-

498
IV. PRAZOS

Inversamente, não são abrangidos pela “prescrição tributária” (regu-


lada na LGT), mas pela prescrição “civil” ou “penal”:
– As obrigações não tributárias suscetíveis de serem cobradas coerci-
vamente no processo de execução fiscal1084;
– O crédito decorrente do exercício do direito de regresso por parte
do devedor solidário que paga o tributo ou acrescidos para além da
parte que lhe compete;
– As multas ou coimas, que apesar de serem coativas não têm natu­
reza financeira, mas sancionatória1085.

Do mesmo modo, é de assinalar que a prescrição das obrigações tri-


butárias tem influência no nascimento e desenvolvimento de vários
procedimentos tributários que, por natureza, pressupõem um tributo
“vivo”, o que significa que não podem ter por referência uma obrigação
tributária já prescrita. Será o caso, designadamente, dos procedimen-
tos de informações vinculativas (art.º 57.º do CPPT), avaliação prévia
(art.º 58.º CPPT) ou reconhecimento de benefícios fiscais (art.º 65.º do
CPPT).

2.2. Regime normativo


O prazo de prescrição é, então, o tempo que o credor tem ao seu dispor
para exigir uma obrigação tributária que já foi objeto de liquidação e,
nos termos do n.º 1 do art.º 48.º da LGT, tal prazo é, salvo o disposto em
norma especial, de oito anos 1086.
Antes de ser feita referência ao regime propriamente dito do insti-
tuto da prescrição tributária, é conveniente referir uma ideia funda-
mental e omnipresente que, apesar de poucas vezes referida, não deve
em caso algum ser esquecida: a prescrição – tal como acontece com a

mento da obrigação principal quer quanto ao seu nascimento quer quanto ao período de
tempo relativamente ao qual serão devidos. (...) E na situação concreta dos presentes autos
encontrando-se prescrita a obrigação principal quando a executada foi notificada para pagar
os juros de mora não podia renascer esta obrigação de pagamento destes juros de mora uma
vez que já não existia a obrigação de pagamento da obrigação principal”. V., § 232 da Abgabe-
nordnung.
1084
Cfr., por exemplo, acórdão do STA de 01 de outubro de 2003, processo n.º 0470/03, que
se debruça sobre uma dívida respeitante ao pagamento de serviços telefónicos.
1085
Cfr., por exemplo, art.º 34.º do RGIT.
1086
Em termos de Direito comparado, v., por exemplo, § 228 da Abgabenordnung.

499
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

caduci­dade, que analisaremos de seguida – está sujeita ao princípio da


legalidade tributária e da reserva da lei formal, como garantia dos con-
tribuintes em matéria de impostos (art.º 103.º, n.º 2 da CRP). Significa
isto que todas as soluções devem ser direta e normativamente modela-
das pelo legislador tributário, não restando espaço, nem para a autono-
mia da vontade – v.g., atos de modificação dos prazos ou de renúncia aos
mesmos –, nem para espaços livres ou discricionários de valoração, nem
para integração de lacunas por analogia (v.g., com o Código civil)1087.
Posto isto, vejamos, então, qual é esse regime.

2.2.1. Contagem do prazo


Comecemos pela contagem do prazo e pelo momento em que esta se
inicia.
Em abstrato, e quanto a este problema, várias soluções primárias são
possíveis: pode-se entender que se deve começar a contar o prazo de
prescrição (i) a partir do momento da verificação do facto tributário; (ii)
a partir do momento da comunicação do facto tributário ao credor (por
exemplo, mediante a apresentação da declaração tributária); ou (iii) a
partir da data do termo do prazo de pagamento voluntário.
Parece-nos que a data da comunicação ou declaração tributária será
aqui irrelevante, na medida em que a exigibilidade do pagamento da
obrigação tributária já liquidada não depende de tal facto comunica­
tivo1088. Com efeito, se o credor tributário (v.g., Administração tributá-
ria) já liquidou a obrigação em causa é porque já tem conhecimento do
respetivo facto genético, pelo que parece não fazer sentido depender o
começo do prazo prescricional do momento da apresentação de dados
ou declarações. O mesmo vale, por maioria de razão, nos casos de auto-
-liquidação. Resta considerar, então, as duas outras hipóteses apontadas,
e qualquer delas é, abstratamente pensando, aceitável: ou se opta por
estabelecer que o prazo de prescrição se inicia logo no momento da ve-
rificação do facto tributário ou termo do ano fiscal respetivo; ou se opta
por estabelecer que tal prazo se inicia posteriormente com o momento

1087
Cfr., por exemplo, de modo indubitável, acórdão do TC n.º 557/2018. V., ainda, acórdãos
do TCA-S de 18 de março de 2003, processo n.º 07361/02, e 04 de julho de 2006, processo
n.º 02598/99, e do STA de 26 de outubro de 2011, processo n.º 0354/11.
1088
Naturalmente que se a liquidação ainda não se efetuou, não estamos perante um
problema de prescrição, mas sim um problema de caducidade do direito à liquidação.

500
IV. PRAZOS

em que termina o prazo de pagamento voluntário. No primeiro caso, o


prazo deverá ser mais alargado – para possibilitar as atuações do credor
no sentido de liquidar e cobrar a dívida –, enquanto no segundo deverá
ser mais curto, de modo a não perpetuar a situação de dívida subjacente
(dívida essa, recorde-se, já liquidada e já pedida).
A opção do legislador, na LGT (art.º 48.º, n.º 1), foi no primeiro sen-
tido, ao estipular que as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto
em lei especial, no prazo de oito anos, contados:
– Nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verifi-
cou o facto tributário;
– Nos impostos de obrigação única e nos impostos sobre o rendi­
mento, quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a tí-
tulo definitivo, a partir da data em que o facto tributário ocorreu1089.

Como se vê, o legislador tributário não acolheu a regra actio nata, de


acordo com a qual a prescrição se começa a contar desde o dia em que o
direito pode ser exercido.
Contudo, importa salientar que, em determinadas situações, a ex-
pressão “facto tributário” poderá levantar alguns problemas em termos
de aplicabilidade, nomeadamente nos casos de tributos sujeitos a condi-
ção e a solicitação.
Quando a exigência dos tributos está dependente da verificação de
uma condição, o prazo de prescrição apenas se começa a contar a partir
do momento da verificação da condição (quando o tributo se torna in-
condicional). Compreende-se que assim seja, na medida em que enquanto
a condição se não verificar, o tributo não é exigível, não se podendo di-
zer que haja uma obrigação de pagamento. Pense-se, por exemplo, no
contribuinte que aliena um imóvel destinado à habitação e, com o pro-
duto da venda, adquire outro imóvel com o mesmo fim. Nestes casos, a
exigência de IRS relativamente à mais valia em causa (categoria G), de-
pende da inexistência de reinvestimento do produto da alienação res-
petivo, entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados
da data da realização1090. Assim sendo, só após o decurso deste período

1089
Nos termos do mesmo artigo, exceciona-se, quanto a este regime, o prazo de prescrição
das obrigações tributárias respeitantes ao IVA (caso em que o prazo se começa a contar a
partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto).
1090
Cfr. art.º 10.º, n.º 5, do CIRS.

501
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

de tempo sem esse reinvestimento é que a prescrição deve começar a


correr.
No que diz respeito aos tributos que estão dependentes de solici-
tação do sujeito passivo (por exemplo, pagamento de taxas relativas a
atividades comerciais dependentes de licenciamento), o prazo deve-se
começar a contar a partir do momento em que a pretensão é deferida.
Se, eventualmente, o sujeito começar a exercer uma atividade sem o soli­
citar – devendo-o fazer –, será de considerar a data em que finaliza o
prazo em que se deveria apresentar a solicitação.

2.2.2. Vicissitudes do prazo prescricional


Como temos vindo a observar, a prescrição equivale ao período de tempo
que o credor tem ao seu dispor para exigir o cumprimento da obrigação
tributária (já liquidada).
Todavia, pode acontecer que, em determinadas situações normativa-
mente previstas, o prazo prescricional já iniciado deixe de se contar, seja
porque algum motivo justifica uma pausa do mesmo, seja porque algum
motivo justifica que se deve iniciar um novo prazo. Nestes casos, fala-se
em interrupção e em suspensão do prazo prescricional.
Quer a interrupção quer a suspensão da prescrição consistem em
efeitos jurídicos que, no pressuposto da verificação de determinados
atos, têm como consequência a paralisação do prazo prescricional, mas
com uma importante diferença entre ambas: a interrupção além de pa-
ralisar o prazo, tem como resultado inutilizar todo o tempo decorrido
anteriormente, apagando o que já correu e iniciando-se, a partir daí
ou num momento futuro – teremos ocasião de precisar este ponto,
adiante –, um novo prazo; a suspensão, diferentemente, apenas tem o
efeito paralisante, e, cessada a causa suspensiva, o prazo volta a correr
do ponto onde estava, somando-se ao tempo posterior o que decorrera
antes da suspensão.
Além deste regime típico, o que distingue ambas as figuras são os
fundamentos que lhe estão subjacentes: no caso da interrupção, em re-
gra, está-se em presença de um ato que, de uma forma mais ou menos
inequívoca, demonstra que o débito não está esquecido e coloca em re-
levo a permanência ou subsistência do vínculo que une as partes – no
nosso caso, a relação jurídica tributária – sendo que esse ato tanto pode
ser praticado pelo sujeito ativo, como pelo sujeito passivo; já na sus­

502
IV. PRAZOS

pensão, o que está em causa é a impossibilidade temporária de o cre-


dor poder atuar juridicamente no sentido de cobrar o seu crédito – por
exemplo, porque se está a discutir a razão de ser da dívida, ou porque o
único bem que poderia ser vendido em execução é a casa de morada de
família (que merecerá especial proteção)1091 –, o que motiva que não lhe
possa ser oponível um correr do tempo que ele não pode evitar e que
eventualmente seria aproveitado pelo devedor através de manobras pro-
cessuais de diversão.
Esclarecido este relevante ponto, debrucemo-nos de seguida sobre o
regime de uma e de outra das figuras apontadas, analisando as respetivas
causas e âmbitos de abrangência, quer subjetivo (em relação a quem se
projeta), quer objetivo (quais as dívidas abrangidas).

a) Interrupção da prescrição

α) Alcance do efeito interruptivo


Depois de iniciada a contagem, o prazo de prescrição interrompe-se
sempre que forem praticados os seguintes atos:
– Citação do executado;
– Reclamação graciosa ou recurso hierárquico;
– Impugnação judicial;
– Pedido de revisão oficiosa da liquidação.

Por conseguinte, sempre que o contribuinte/sujeito passivo for cha-


mado ao processo de execução fiscal pela primeira vez – através da cita-
ção – ou sempre que ele utilizar o arsenal garantístico, administrativo ou
jurisdicional, que demonstre qualquer tipo de reação, o prazo já corrido
fica inutilizado e inicia-se – não necessariamente a partir desse momento,
como veremos – a contagem de um novo prazo (em regra, recorde-se:
8 anos). Nestes casos, como se vê, a atuação dos sujeitos da relação jurí-
dica tributária, inequivocamente, dá a entender que o crédito ainda não
satisfeito “continua vivo” e a ser reclamado, afastando concludentemente
a ideia de esquecimento: a Administração tributária, citando o devedor
para pagar; o contribuinte impugnando o ato baseador da tributação.

Cfr. o que dissemos supra, II. 6.5.7.7., a propósito da paralisação da venda, estando em
1091

causa a habitação própria e permanente do sujeito executado.

503
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Todavia, a formulação aparentemente simples desta regra não deve


esconder que vários problemas de imenso alcance prático se podem le-
vantar. Sem preocupações de exaustão, pensemos apenas nos seguintes:
(i) a citação inválida interrompe a prescrição? (ii) Podem-se admitir in-
terrupções prescricionais sucessivas?
Vejamos1092.
i) Como já se referiu em momento anterior, a citação “é o ato desti-
nado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra
ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez,
pessoa interessada”. Assim sendo, e contextualizando o problema,
pode-se afirmar que a execução fiscal, só por si, não tem a virtuali-
dade de interromper o prazo da prescrição, de modo que este con-
tinua a contar, apesar da instauração do processo executivo. Ape-
nas num momento posterior – o da citação – é a que interrupção se
verifica, pelo que somente aqui é que todo o prazo anteriormente
decorrido se torna inutilizado. Contudo, e como se sabe, a citação,
para ser juridicamente adequada, deve preencher uma série de re-
quisitos quer de natureza formal (pessoal, por via postal ou edital),
quer de natureza substancial (v.g., cópia do título executivo), sem
os quais se pode questionar a sua validade. Nestes casos, levanta-se
o problema de saber se o executado citado irregularmente também
vê o prazo prescricional interrompido ou se este efeito tem por
pressuposto a validade da citação. Pela nossa parte, inclinamo-nos
para a primeira das situações. Uma solução convincente passa pelo
aproveitamento do conteúdo de algumas das disposições contidas
no CC, nomeadamente o n.º 3 do art.º 323.º, de acordo com o qual
a “anulação da citação ou notificação não impede o efeito inter-
ruptivo (...)”. Não se trata, repetimos, de integração de lacunas por
analogia – que em matérias abrangidas pelo princípio da reserva
de lei absoluta e formal, como é o caso, se revela problemática –,
mas somente de considerar as disposições referidas como sendo a

Quanto à questão de saber se a citação do executado tem somente efeito instantâneo (de
1092

mera inutilização do tempo transcorrido, iniciando-se o novo prazo no momento do facto


interruptivo) ou, adicionalmente, um efeito duradouro (que obsta a que o prazo de prescri-
ção se reinicie até ao termo do processo de execução fiscal), v. em resumo, acórdão do STA
de 17 de janeiro de 2018, processo n.º 01463/17 e jurisprudência aí citada.

504
IV. PRAZOS

materialização de um princípio geral de segurança jurídica e, as-


sim, se considerarem aplicáveis a todo o ordenamento. De resto, se
o intuito é demonstrar que o credor deseja exercer o direito e não
torná-lo esquecido, o desiderato foi conseguido.
ii) O problema das interrupções prescricionais sucessivas coloca-se
na medida em que são várias as causas interruptivas e pode-se dar
a circunstância de várias delas se desencadearem. Pense-se, por
exemplo, no contribuinte que deduz uma reclamação graciosa e,
no seguimento do indeferimento desta, deduz um recurso hierár-
quico. Manifestando ambos os atos efeitos interruptivos, qual dos
dois (senão ambos) é relevante para a inutilização do tempo de-
corrido e para recontagem do prazo? Atualmente, o legislador, no
n.º 3 do art.º 49.º da LGT, não deixa espaço para dúvidas, prescre-
vendo claramente que “ (...) a interrupção tem lugar uma única vez,
com o facto que se verificar em primeiro lugar”, o que significa a
irrelevância, para estes efeitos, de eventuais factos interruptivos
posteriores.

β) Âmbito subjetivo da interrupção


Outro problema que se deve aqui levantar é o do âmbito subjetivo do
fenómeno interruptivo. Do ponto de vista dos sujeitos abrangidos, po-
dem-se colocar os problemas de saber se a interrupção da prescrição
apenas produz efeitos em relação ao sujeito passivo originário e singular
da relação jurídica tributária ou se também o faz em relação a outros su-
jeitos, particularmente (i) os devedores solidários, (ii) os sucessores e os
(iii) responsáveis subsidiários.
Desde já podemos adiantar que a resposta deverá ser afirmativa em
todos os casos.
i) No que diz respeito aos devedores solidários, a interrupção opõe-
-se-lhes, na medida em que estamos em presença de pessoas que
figuram como sujeitos passivos desde a constituição da relação
jurí­dica tributária (pense-se, por exemplo, nas dívidas de IRS dos
cônjuges), de modo que não se justificaria qualquer regime dis-
tintivo neste ou em outros pontos. Trata-se, ab initio, de uma obri-
gação única, que vincula uma pluralidade de pessoas (sempre as
mesmas), e não do chamamento posterior de alguém para respon-
der por dívidas de outrem.

505
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

ii) Nas situações de sucessão tributária – sucessão mortis causa, bem


entendido – a solução não é diversa. Na realidade, o herdeiro que
responder pelas dívidas tributárias do sujeito inicial, responde –
até às forças da herança – nos precisos termos em que este respon-
dia, pelo que qualquer facto interruptivo por este praticado (por
exemplo, uma impugnação da liquidação) é-lhe oponível.
iii) Quanto aos responsáveis, os problemas já se colocam em sede exe-
cutiva e deve-se dizer que se trata de uma questão com um alcance
prático imenso, bastando trazer à reflexão, a título de exemplo, a
situação comum dos administradores ou gerentes de uma socie-
dade contra os quais reverte a execução instaurada contra esta
em virtude da sua insuficiência patrimonial. Ora, se a prescrição
se interrompe pela citação do executado originário, começando
a correr um novo prazo, cabe perguntar: também em relação aos
responsáveis subsidiários se pode dizer que começou a correr um
novo prazo a partir da citação? Ou, diferentemente, ainda está a
correr o primeiro? Neste último caso, naturalmente, em relação a
eles, a dívida extinguir–se-á primeiro. Neste ponto, deve-se con-
siderar que a interrupção é oponível a todos os obrigados, sen-
do, de resto, esta a solução normativamente acolhida (art.º 48.º,
n.º 2 da LGT), nos termos da qual “as causas de (...) interrupção
da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos
responsáveis solidários ou subsidiários”. E compreende-se que as-
sim seja, pois, na verdade, sendo a relação jurídica tributária una,
uma é também a obrigação existente e a dívida correspondente.
A única circunstância que difere ambos os tipos de responsabi-
lidade é o momento da concretização, verificando-se uma alte-
ração subjetiva da instância motivada pelo despacho que ordena
a reversão (aliás, é instaurado um único processo executivo)1093.
Consequentemente, a citação daquele que figura como originário
devedor faz interromper a prescrição não só em relação a ele, mas
igualmente em relação aos devedores não originários, pelo que
também em relação a estes começa a correr novo prazo prescri-
cional. Contudo, uma exceção pode ser apontada a esta regra: se a

V. acórdãos do STA de 29 de junho de 2004, processo n.º 01194/03, e de 26 de agosto de


1093

2015, processo n.º 01012/15; V., também, acórdãos do TCA-S de 30 de outubro de 2001, pro-
cesso n.º 05853/01, e de 18 de março de 2003, processo n.º 07361/01.

506
IV. PRAZOS

citação do responsável subsidiário, em processo executivo, apenas


for efetuada após o quinto ano posterior ao da liquidação, então,
aqui, não lhe é oponível o efeito de interrupção, continuando a
valer o prazo inicial de prescrição1094. Claro que, se tal suceder, em
relação a tal responsável, a dívida prescreverá mais cedo, o que se
pode justificar com a penalização da inércia da Administração tri-
butária em dinamizar a execução e com a proteção da confiança
das expectativas eventualmente adquiridas pelo devedor.

χ) Âmbito objetivo da interrupção


Finalmente, cumpre referir algumas palavras acerca da abrangência mate­
rial ou substancial da interrupção. O problema que se coloca é o seguinte:
nas situações em que estão em causa várias dívidas do mesmo sujeito,
a ação interruptiva levada a efeito pelas partes abrange todas elas ou
apenas aquela(s) que for(em) objeto do procedimento ou processo em
causa? Exemplificando: se o contribuinte é devedor de imposto sobre as
transações onerosas de bens imóveis relativamente a várias alienações
realizadas no mesmo ano fiscal, a reclamação graciosa ou a impugnação
judicial de uma delas interrompe a prescrição de todas ou apenas da-
quela que foi objeto desse meio reativo?

A regra, neste domínio é “cada facto, uma prescrição”.


Significa tal que cada ação interruptiva há-de ter por referência o
facto tributário (v.g., a alienação, a perceção do rendimento, o benefí-
cio retirado de um bem do domínio público) que lhe está subjacente e
que constitui objeto do meio utilizado, e, logo, havendo várias dívidas
do mesmo contribuinte, a interrupção da prescrição por impugnação de
uma apenas se refere à impugnada, continuando todas as outras sujeitas
ao prazo prescricional “normal”1095.
Entre outras consequências, ressalta a de que o meio utilizado deve
ser suficientemente esclarecedor, concreto e determinado, quanto ao

Cfr. art.º 48.º, n.º 3 da LGT.


1094

Note-se que tal solução não fica prejudicada nas situações em que estão em causa im-
1095

pugnações de impostos cujo facto tributário abrange atuações tributárias diversificadas (v.g.,
IVA incidente sobre várias prestações de serviços efetuadas ao longo do ano), uma vez que,
nestes casos, a interrupção da prescrição se dá em relação a todas as obrigações surgidas no
mesmo período de liquidação.

507
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

objeto impugnado, valendo um princípio de proibição das ações imprecisas,


pois se não for possível determinar com clareza qual a dívida ou dívidas
que estão a ser alvo de sindicância administrativa ou jurisdicional, a in-
terrupção não se produz.

b) Suspensão da prescrição
Diferente da interrupção da prescrição é a suspensão da mesma. Trata-
-se, também aqui, de uma paragem na contagem do prazo prescricional,
embora neste caso, cessando a causa suspensiva, se aproveite o tempo já
decorrido, não ficando este, como acontecia na interrupção, inutilizado.
Sem insistir em demasia nas razões justificativas de tal suspensão,
sempre é conveniente recordar que se está aqui em presença de rela-
ções em que o credor, por motivos não relacionados com a sua inércia,
não pode legitimamente exercer o seu direito. Prevêem-se aqui situa-
ções (i) em que está pendente uma discussão sobre a legitimidade ma-
terial do crédito – ou seja, em que não é ainda absolutamente certo que
aquela quantia seja devida e possa ser exigida –; (ii) situações em que os
direitos executivos (como direito a proceder à venda do imóvel penho-
rado) se encontram, eles próprios, impedidos de ser realizados; ou (iii)
situações em que o devedor está em fase de pagamento em prestações.
Compreende-se que aqui a Administração tributária não possa exercer
coativamente os seus poderes de cobrança da totalidade da dívida pois,
nuns casos não se sabe se esta é exigível; em outros, o legislador enten-
deu por bem proteger ou blindar a morada de família e, em outros, o de-
vedor já está a pagar. Ora, se a AT não pode atuar, é natural que não lhe
possa ser assacada a inércia, e não lhe possa ser oposta a prescrição da
dívida exatamente por não ter atuado. Em todo o caso, quando a causa
cessar (por exemplo, quando o processo em tribunal terminar com deci-
são transitada em julgado) o prazo recomeça a ser contado do ponto em
que parou.
Resta acrescentar um ponto fulcral: se a dívida estiver a ser discutida
em sede administrativa ou jurisdicional (primeiro grupo acima apon­
tado), a prescrição apenas se suspende se esse meio tiver, ele próprio,
eficácia suspensiva em relação à cobrança da dívida, o que acontece
quando o contribuinte apresenta garantia idónea e adequada. Se não for
o caso, a prescrição continua a correr.

508
IV. PRAZOS

Tendo presente este quadro, são as seguintes as causas de suspensão


do prazo de prescrição1096:
– Autorização para pagamento da dívida em prestações;
– Utilização de um meio reativo com efeito suspensivo da cobrança,
nomeadamente reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso,
oposição à execução;
– Impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habita-
ção própria e permanente1097.

A estes grupos de causas “tipicamente tributárias” acresce a instaura-


ção da ação de impugnação pauliana intentada pelo Ministério Público
(art.º 49.º, n.º 3, alínea c).
Articulando estes dados com o que acima dissemos no respeitante à
interrupção da prescrição, e a título meramente exemplificativo, temos
que:
i) Se o contribuinte impugna judicialmente (ou reclama graciosa-
mente de) uma dívida tributária, o prazo de prescrição interrom-
pe-se nesse momento;
ii) Contudo, e embora em teoria se inicie um novo prazo, na prática,
este pode não se começar desde logo a contar, pois se a impugna-
ção ou a reclamação tiverem efeito suspensivo (porque foi presta-
da garantia) enquanto não houver decisão passada em julgado (ou
decisão definitiva da reclamação) o prazo está suspenso. Logo,
iii) O novo prazo só se começa a contar no final do procedimento ou do
processo.

1096
Cfr. art.º 49.º, n.º 4 da LGT. A respeito da existência de causas de suspensão da prescri-
ção e da caducidade fora da LGT, cf. acórdão do TC n.º 557/2018, que declarou inconstitu-
cional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º
do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, interpretada no sentido de que a
declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis
ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário. Entendeu o órgão máximo da
jurisdição constitucional portuguesa que “... do ponto de vista do responsável subsidiário, a
norma em crise cria uma nova causa de suspensão da prescrição (a insolvência de outrem), decla-
rada em processo em que este não é parte e sem que o Governo haja sido para tal autorizado”.
Trata-se, portanto, de inconstitucionalidade orgânica e formal. Importa observar, como se
enfatiza no próprio acórdão, que não está em causa a suspensão da prescrição das dívidas
tributárias exigíveis ao próprio devedor insolvente no âmbito do processo tributário.
1097
Recorde-se o disposto no art.º 244.º, n.º 2, do CPPT.

509
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Finalmente, uma palavra para o âmbito subjetivo: tal como com a in-
terrupção, as causas de suspensão da prescrição aproveitam igualmente
ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários (art.º
48.º, n.º 2 da LGT).

2.2.3. Modificação dos prazos prescricionais


Um último problema que importa analisar diz respeito aos problemas
que se podem suscitar com a sucessão de prazos prescricionais1098. Tam-
bém aqui, contudo, a abordagem pode-se revelar problemática se não
for adotada uma metodologia explicativa e convenientemente esclarece-
dora, correndo-se o risco de se captar apenas alguns traços de regime e,
por essa via, deixar de lado muitas questões relevantes. Tal metodolo-
gia passa, em nossa opinião, por considerar as duas hipóteses abstratas
de alteração de prazos de prescrição, embora, na verdade, apenas uma
delas possa assumir efeitos jurídicos constitutivos plenos. Estamo-nos a
referir às alterações por via legal e às alterações por via convencional ou
contratual. Esta última, todavia, e como já resulta de tudo o que fomos
dizendo, torna-se irrelevante para efeitos tributários, atenta a conside-
ração de que os prazos de prescrição, dizendo respeito às garantias dos
contribuintes, estão sujeitos ao princípio da reserva absoluta de lei for-
mal, e às consequências de que apenas a lei do Parlamento ou o decreto-
lei autorizado os podem disciplinar1099. Assim sendo, qualquer contrato,
pacto, acordo, convénio ou outra manifestação de vontade privada que
tenha por objeto a criação, modificação ou extinção de prazos de pres-
crição não produz efeitos jurídico-tributários.
Resta, então debruçar a atenção sobre a sucessão legal de prazos.
Em tais casos, em que a nova lei (em sentido amplo) prevê um novo
prazo prescricional, mais longo ou mais curto, ou uma nova forma de
contagem do mesmo, levanta-se o problema de saber se o novo prazo se
aplica às situações jurídicas pendentes, cujos prazos já começaram a cor-

1098
V., por exemplo, acórdãos do STA de 10 de julho de 2002, processo n.º 025933, de 10 de
dezembro de 2014, processo n.º 0341/12, e acórdão do TCA-S de 4 de fevereiro de 2016,
processo n.º 07214/13
1099
Cfr. art.º 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. A propósito do tema, cfr. acórdãos
do TCA-S de 18 de março de 2003, processo n.º 07361/02, e de 04 julho de 2006, processo
n.º 02598/99.

510
IV. PRAZOS

rer, ou, diferentemente, apenas se aplica às situações ocorridas daí em


diante, continuando as situações antigas a reger-se pelos prazos velhos.
A questão é de relevantíssima importância prática, na medida em que,
aplicando-se um ou aplicando-se o outro, a obrigação tributária já pode
estar ou não extinta.
Pense-se no seguinte exemplo, simplificado e meramente académi-
co: determinado facto tributário – por exemplo, a alienação onerosa de
um bem imóvel, geradora de mais valias tributáveis – ocorreu no ano
2000, quando a lei existente previa um prazo de prescrição das obri-
gações tributárias de 20 anos. No início do ano seguinte, uma nova lei
vem alterar tal prazo, fixando a prescrição em 10 anos e, passados uns
meses, verificou-se uma nova alienação – um facto tributário – idêntica
à ocorrida em 2000. Ora, quanto a este último facto, parecem não res-
tar dúvidas: aplica-se a nova lei e a obrigação tributária correspondente,
em termos simples, prescreverá em 2011 (2001 + 10 anos). Já a obrigação
decor­rente do primeiro facto tributário, pode estar sujeita a um regime
distinto: se for aplicada a nova lei, prescreve em 2010 (2000 + 10 anos),
se for aplicada a lei do momento da sua verificação, prescreve em 2020
(2000 + 20 anos). Neste caso, como se vê, a obrigação emergente da se-
gunda alienação (posterior), prescreveria mais cedo (!).
Nestes casos, a solução mais plausível passa pela criação de uma nor-
ma de Direito transitório ou intertemporal que se destina a sanar os
eventuais conflitos surgidos entre duas normas que preveem regimes
normativos temporais distintos. Atualmente, a este respeito, o legislador
tributário abdica de disciplinar diretamente o problema e efetua uma
remissão para um dispositivo correspondente do Código Civil, prescre-
vendo o n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98 (que aprova a LGT),
que “ao novo prazo de prescrição aplica-se o disposto no artigo 297.º do
Código Civil” . Este último, por seu turno, estabelece o seguinte regime:
– Nas situações em que o prazo é reduzido1100,
• O novo prazo, mais curto, aplica-se às situações jurídicas já cons-
tituídas ou pendentes (“a lei que estabelecer, para qualquer
efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é tam-
bém aplicável aos prazos que já estiverem em curso”);

Cfr. acórdãos do STA de 31 de janeiro de 2001, processo n.º 025498, 12 de fevereiro de


1100

2003, processo n.º 02003/02, e 29 de junho de 2004, processo n.º 01194/03.

511
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

• Esse novo prazo de prescrição só se começa a contar a partir da


entrada em vigor da nova norma;
• Só não será assim se, de acordo com o prazo antigo, mais longo,
faltar menos tempo para a prescrição se efetuar (“a não ser que,
segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se com­
pletar”).

Por exemplo: supondo-se que a prática de um determinado facto


tributário (FT) ocorre no ano 01, em que o prazo de prescrição é de
20 anos e que no ano 08 entra em vigor um novo prazo, mais curto,
de 10 anos, será este último a ser aplicado e a obrigação correspon-
dente prescreverá no ano 18 (ano 08 + 10 anos). Se fosse aplicado o
prazo antigo, a prescrição só se verificaria no ano 21 (ano 01 + 20
anos).

Ano Ano Ano Ano


01 8 18 21
(FT)
|----------------------------------------------------------------------------------------------|
| Prazo de prescrição novo |

| Prazo de prescrição antigo |

– Nas situações em que o prazo é aumentado, também se aplica o


novo prazo, mas “computar-se-á (...) todo o tempo decorrido desde
o seu momento inicial”1101.

1101
Mesmo nas situações em que não se preveja qualquer disposição de Direito transitório,
entendemos que as disposições contidas no art.º 297.º do CC mantêm plena aplicabilidade.
Note-se que não se trata de aplicar analogicamente o regime civilístico a uma lacuna do Di-
reito tributário, até porque tal aplicação se encontra vedada por operância do princípio da
reserva absoluta de lei formal, mas tão somente de considerar que se trata de um conjunto
de preceitos que densificam o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança
– de acordo com o qual os destinatários das normas devem, com razoabilidade, poder pre-
ver os seus efeitos típicos – e, por essa via, assumem valor materialmente constitucional.
Por isso, são aplicáveis a todo o ordenamento, na veste de solução material enformadora.
O que não se deve admitir, por juridicamente claudicante, é a solução que mande aplicar
determinado prazo porque beneficia o contribuinte. Além de o fim do procedimento e do

512
IV. PRAZOS

2.2.4. Conhecimento administrativo e jurisdicional da prescrição


Em termos de “levantamento do problema”, a prescrição tanto pode ser
suscitada e apreciada em sede administrativa como em sede de Tribunal.
Vejamos como.

a) Conhecimento administrativo
A possibilidade de conhecimento administrativo poderia suscitar algu-
mas dúvidas se fosse entendido que a atividade da Administração tri-
butária tem por objetivo fundamental e estrito a tributação. Con­tudo,
já vimos que não é assim. Na verdade, configurando-se o princípio da
verdade material como o norteador de todos os objetivos da atuação
procedimental, não resta espaço para conceber que o fim administrativo
seja, neste domínio, “tributar a todo o custo”. Pelo contrário, tal princí-
pio, aliado ao princípio do inquisitório, obriga o agente administrativo
a trazer ao procedimento todos os elementos necessários à descoberta da
verdade material, mesmo que esses elementos obriguem a concluir em
sentido diverso dos interesses financeiros do Estado. Em poucas pala-
vras: a Administração não é defensora dos interesses financeiros públi-
cos – esse é o representante da Fazenda Pública –, mas uma aplicadora
da lei e defensora da verdade material que, nesta situação, não tem de
conduzir à arrecadação da receita, uma vez que a conflituar existe o va-
lor da segurança jurídica.
Como consequência, é de considerar que a prescrição deve ser ofi-
ciosamente conhecida por parte da Administração tributária – insisti-
mos: mesmo contra os interesses financeiros/patrimoniais do Estado –,
nomeadamente, em processo de impugnação judicial (por exemplo, no
âmbito do art.º 112.º do CPPT) e em processo de execução fiscal.
Naturalmente que também deverá ser conhecida se o interessado o
suscitar em sede de procedimento impugnatório.

processo tributário não ser proteger o contribuinte – como também não é tributá-lo a todo
o custo – mas descobrir a verdade material ou resolver adequadamente o litígio e obter a
paz jurídica, não deve ser perdido de vista que o benefício de um contribuinte pode prejudi-
car todos outros (contrariando o princípio constitucional da justa repartição dos encargos),
tendo em vista os objetivos que a tributação visa prosseguir: a obtenção de receitas para a
produção de bens públicos e bens semi-públicos. V., a propósito, acórdão do TCA-S 15 de
novembro de 2005, processo n.º 00220/03.

513
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

b) Conhecimento jurisdicional
Já no que diz respeito à apreciação jurisdicional, duas formas de conhe-
cimento do facto prescritivo podem ser perspetivadas: (i) por um lado, o
conhecimento suscitado pelo próprio Tribunal de modo oficioso e, (ii)
por outro lado, o conhecimento provocado pelas partes no decurso da
tramitação de um processo.
Debrucemo-nos separadamente sobre cada uma das situações.
i) Em primeiro lugar, não restam dúvidas de que a prescrição deve
ser conhecida oficiosamente pelo próprio julgador. Na verdade, tal
resulta do enunciado literal do art.º 175.º do CPPT, nos termos do
qual a prescrição será conhecida “oficiosamente pelo juiz se o órgão
da execução fiscal que anteriormente tenha intervido o não tiver
feito”. Significa isto, como facilmente se depreende, que, mesmo
que as partes (v.g., o contribuinte ou os responsáveis subsidiários)
não tenham levantado o problema no decurso do processo executivo,
o juiz, quando este último lhe chegue às mãos – nomeadamente
nos casos em que, na respetiva tramitação, surja um conflito de
pretensões, como uma oposição – deve ex officio suscitá-lo e, caso
conclua que a prescrição efetivamente se verifica, determinar a
extinção do direito do Estado à respetiva cobrança coerciva e con-
sequente extinção da execução1102.
ii) Mas, e em segundo lugar, também pode ser conhecida se suscitada
pelas partes do (e no) processo. Aqui, as maiores questões são le-
vantadas acerca da forma processual adequada no âmbito da qual
tal suscitação pode ser levada à prática, nomeadamente, pergunta-
-se: em sede de processo de impugnação judicial ou em sede de
execução fiscal1103?

1102
Cfr., a respeito, por exemplo, acórdãos do TCA-S de 18 de março de 2003, processo
n.º 07361/02, e do STA de 29 de junho de 2004, processo n.º 01194/03. Em sentido diverso,
v., art.º 303.º do CC (nos termos do qual “o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição;
esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a
quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”).
1103
Na verdade, e em abstrato, um outro problema poderia ser levantado, que é o de saber se
a prescrição pode ser conhecida por via de ação – solicitando a declaração de que o crédito
está já extinto – ou por via de exceção – impugnando um crédito que se faz valer contra o
contribuinte. Contudo, apenas esta última via relevará, em face do carácter subsidiário da
ação para reconhecimento, prevista no art.º 145.º do CPPT, que não deve ser usada quando ou-
tros meios forem mais idóneos a conseguir o objetivo pretendido.

514
IV. PRAZOS

α) A este respeito, a primeira conclusão a tirar é a de que, em prin-


cípio, a prescrição não é fundamento válido de impugnação judi­
cial, “por não ter que ver com a legalidade do ato de liquidação,
sendo-lhe posterior (...), mas apenas com a exigibilidade da obri-
gação criada com a liquidação”. Contudo, em casos restritos,
pode-se admitir a sua suscitação, nomeadamente nas situações
em que o pagamento do tributo se não mostre efetuado – e só
nestes – e também não tenha sido conhecido em sede da pró-
pria execução fiscal, tendo em vista apreciar a manutenção da
utilidade no prosseguimento da lide de impugnação judicial.
De facto, nestes casos, deixaria de ser juridicamente relevante
continuar a discussão acerca da legalidade de um ato tributá-
rio, quando o respetivo devedor, por extemporaneidade, já não
pode ser compelido coercivamente a satisfazê-la. Significa isto
que, em rigor, “o conhecimento da prescrição da liquidação im-
pugnada, em sede de impugnação judicial, só poderá ter como
fim a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide
e isto pelo facto de a Fazenda Pública, (...), jamais poder exigir
do contribuinte a obrigação tributária prescrita. Assim sendo, a
verificação da prescrição não implica a anulabilidade do ato tri-
butário – repete-se: não está em causa a legalidade deste –, antes
extingue a obrigação tributária e, por conseguinte, o direito do
Estado à cobrança1104.
β) Em sede de processo de execução, diferentemente, a prescri-
ção já pode ser suscitada e apreciada como regra, constituindo
taxativamente um fundamento de oposição1105. Em tal caso, a sua
verificação e conhecimento acarreta a extinção da execução, em
vista da impossibilidade de exigência coerciva da dívida1106.

1104
V. acórdãos do TCA-S de 04 de julho de 2006, processo n.º 02598/99, e de 4 de junho de
2013, processo n.º 05799/12; e do STA de 31 de maiode 2006, processo n.º 0156/06; de 19 de
outubro de 2016, processo n.º 087/16; e de 4 de novembro de 2015, processo n.º 0234/15. V.,
ainda, acórdão do STA de 18 de dezembro de 2002, processo n.º 01577/02, e jurisprudência
aí referida.
1105
Cfr. art.º 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
1106
Assim, acórdãos do STA de 28 de maiode 2003, processo n.º 0426/03 e do TCA-S de 14
de abril de 2016, processo n.º 9494/16.

515
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

3. Caducidade

3.1. Enquadramento: a multiplicidade de prazos de caducidade


Em termos de exposição sistemática, até agora, temo-nos referido ao
prazo do credor tributário para exigir o pagamento das dívidas tributá-
rias já liquidadas (prazo de prescrição).
Chegou o momento de nos referirmos ao prazo para exercer o direito
à liquidação (denominado prazo de caducidade).
Antes, porém, de nos debruçarmos sobre esta matéria, importa sa-
lientar que outros prazos existem e relativamente aos quais se pode
também referir a figura da caducidade. Simplesmente acontece, como
já tivemos ocasião de assinalar, que o legislador entendeu que este, por
motivos vários, era merecedor de uma pormenorização ao nível da pre-
visão que ultrapassa largamente a que é concedida aos restantes.
Apenas com propósitos metódicos e a título meramente exemplifica-
tivo – uma vez que muitíssimos outros prazos se preveem –, atentemos
nas seguintes situações temporalmente limitadas, de resto já por várias
vezes referidas nestas Lições:
– O silêncio da Administração tributária (ausência de resposta) du-
rante 4 meses, contados a partir da entrada de uma petição do con-
tribuinte, faz presumir o indeferimento desta, terminando – assim
o entendemos – o direito/dever de decisão administrativa1107;
– O contribuinte dispõe, em regra, do prazo de 3 meses para impug-
nar judicialmente a liquidação de um tributo e de 30 dias para apre-
sentar a oposição à execução fiscal, findos os quais se extingue o seu
direito de questionar jurisdicionalmente esse ato tributário ou de se
opor ao processo executivo1108;
– Igualmente, o representante da Fazenda Pública tem ao seu dispor
3 meses para contestar a petição inicial apresentada pelo contri-
buinte – ou solicitar produção de prova adicional –, findos os quais
o seu direito também se extingue1109;

1107
Cfr. art.º 57.º, n.os 1 e 5, da LGT.
1108
Cfr. art.os 102.º e 203.º do CPPT.
1109
Cfr. art.º 110.º, n.º 1, do CPPT

516
IV. PRAZOS

– A Administração tributária dispõe, em regra, de 4 anos para exer-


cer o direito de liquidação dos tributos, decorridos os quais, uma
vez mais, tal direito deixa de poder ser exercido1110;
– A partir do momento em que procede a uma avaliação prévia a
pedido do contribuinte, a Administração fica vinculada ao valor
fixado por um período de 3 anos, findo o qual cessa a vinculação
referida1111.

Pois bem, aparte estes, existe o prazo que a Administração tributária


ou outro credor tributário tem ao seu dispor para liquidar os tributos.
A ele dedicaremos as considerações subsequentes.

3.2. Em particular, a caducidade do direito à liquidação

3.2.1. A relevância do ato liquidatório e o prazo geral de caducidade


Como é sabido, liquidar significa quantificar a obrigação tributária. Trata-
-se de um conjunto de operações materiais, praticadas pela Adminis-
tração ou pelo contribuinte, vertidas num ato jurídico – o ato liquida-
tório – mediante o qual, no quadro delimitado pelas normas legais de
incidência pessoal e real, se determina em concreto o objeto do tributo
(matéria coletável) e o respetivo valor. No âmbito que agora nos ocupa,
apenas nos interessarão as situações em que essa liquidação é levada a
efeito pela Administração tributária, pois é a ela que o legislador dedica
atenção particularizada, mediante a fixação de prazos de caducidade.
De modo a atingir uma maior clareza expositiva, atentemos no exem-
plo seguinte, bastante simplificado: determinado sujeito, no âmbito do
contrato de trabalho que realizou com certa empresa, auferiu salários
fixos mensais; além disso, no âmbito de uma atividade indepen­dente,
praticou ao longo do ano vários atos remunerados de prestação de ser-
viços; e, finalmente, alienou um conjunto de ações, realizando uma mais
valia sujeita a IRS. Ora, a partir do momento em que recebe os rendi-
mentos referidos, o sujeito em causa sabe que deve pagar o imposto
respetivo, estando, desde o momento da realização do facto tributário,

1110
Cfr. art.º 45.º da LGT.
1111
Cfr. art.º 58.º, n.º 2 do CPPT.

517
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

investido na veste de sujeito passivo da relação jurídica tributária. Toda-


via, não sabe quanto é que deve pagar. E não o sabe por várias razões:
em primeiro lugar, porque o imposto a pagar no final resulta do englo-
bamento de todos os seus rendimentos auferidos ao longo do ano, pelo
que é impossível saber a cada momento o montante da obrigação; em
segundo lugar, porque na determinação do valor do imposto final a pa-
gar são contabilizadas determinadas despesas (v.g., saúde, educação,
amortização de empréstimos bancários) que apenas no final do ano se
conhece na totalidade; em terceiro lugar, porque pode acontecer que
o sujeito em causa já tenha feito adiantamentos por conta do imposto
(pagamentos por conta ou importâncias retidas na fonte com essa natu-
reza) que, naturalmente, deverão ser descontados a final, para não pagar
imposto duas vezes. Pois bem: a liquidação serve exatamente para isso
– para quantificar a obrigação tributária em concreto. Até ao momento
da liquidação, o contribuinte sabe que deve pagar, mas não sabe quanto
– está adstrito a uma obrigação inquantificada ou ilíquida; a partir de tal
momento, a obrigação torna-se determinada e certa, sabendo ele já o
quantum de imposto a entregar nos cofres do Estado1112.
Nesta matéria, o normador fixou a regra no art.º 45.º da LGT: “o di-
reito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente
notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos”.
Interessa sublinhar a relevância da fase integrativa de eficácia – e
não apenas a fase constitutiva ou decisória – do procedimento tributá-
rio de liquidação: o que se exige que seja praticado dentro do prazo não
é apenas o ato tributário, mas também a correspondente comunicação
(notificação) ao contribuinte, pelo que tendo o primeiro sido praticado
dentro dos referidos quatro anos, mas a notificação respetiva apenas de-
pois disso, considera-se caducado o direito em causa. Interessa também
referir que releva aqui apenas a notificação efetuada ao sujeito passivo
originário, e não a que, necessariamente posterior, tenha sido efetuada
aos eventuais responsáveis subsidiários1113.

1112
Como resulta do estudo já anteriormente efetuado, naturalmente que a liquidação não se
confunde com a fase seguinte do procedimento tributário lato sensu que é a cobrança. Após
a notificação daquela por parte da Administração tributária, o contribuinte dispõe de um
prazo para efetuar o respetivo pagamento (ou, então, querendo, impugnar administrativa-
mente ou jurisdicionalmente a liquidação).
1113
Cfr. acórdão do STA de 02 de novembro de 2005, processo n.º 0361/05, e do TCA-N de
14 de janeiro de 2016, processo n.º 01651/06.5BEBRG.

518
IV. PRAZOS

Trata-se de um prazo razoável e que não deve ser entendido como


sendo largo ou exagerado. Na verdade, não se deve perder de vista que
a operação de liquidação, quando levada à prática pela Administração
tributária, está sujeita a constrangimentos assinaláveis, na medida em
que está dependente da colaboração dos sujeitos passivos e de tercei-
ros, e das informações ou operações que estes tragam ao procedimento.
Do ponto de vista fáctico, a Administração não consegue no mesmo ano
verificar a veracidade do declarado nem as omissões dos contribuintes,
compreendendo-se, por isso, que lhe seja atribuído um prazo alargado –
embora não desproporcionalmente alargado , em virtude das limitações
impostas pelo princípio da segurança jurídica (o contribuinte não pode
viver sempre sujeito à dúvida sobre se o ato de liquidação vai ou não ser
efetivado, além de que a própria atividade empresarial ressentir-se-ia de
tal incerteza) – para liquidar o tributo e, se for o caso rever os atos tribu-
tários praticados.
Quatro anos é, então, o prazo geral que o credor tributário tem para
efetuar a liquidação. Trata-se, contudo, e como acabamos de referir,
de um prazo geral. Nada impede que outros prazos, maiores ou me-
nores, sejam fixados, até porque o próprio legislador assim o prevê na
parte final do preceito supra mencionado [“(...) quando a lei não fixar
outro”]1114.

3.2.2. Regime normativo


A exemplo do que fizemos aquando da consideração do regime norma-
tivo inerente à prescrição, também aqui interessa salientar a importância
do princípio da reserva da lei formal, como garantia dos contribuintes em
matéria de impostos (art.º 103.º, n.º 2, da CRP). As exigências continuam
a ser as mesmas, ou seja (repetindo o que dissemos): todas as soluções
devem ser direta e normativamente modeladas pelo legislador tributário,
não restando espaço, nem para a autonomia da vontade, nem para espaços
discricionários, nem para integração de lacunas por analogia.

Um exemplo de distinto prazo de caducidade pode ser encontrado no Código do imposto


1114

de selo, onde, no n.º 1 do art.º 39.º se prevê expressamente: “[s]ó pode ser liquidado imposto
nos prazos e termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da LGT, salvo tratando-se das aquisi-
ções de bens tributadas pela verba 1.1 da Tabela Geral ou de transmissões gratuitas, em que
o prazo de liquidação é de oito anos contados da transmissão ou da data em que a isenção
ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.

519
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

3.2.2.1. Contagem do prazo


Como acima referimos, o prazo geral para exercer o direito à liquidação
dos tributos é de 4 anos.
Quanto ao início de contagem do mesmo, a LGT apenas se refere aos
impostos e quanto a estes estabelece (n.º 4 do art.º 45.º) que tal prazo
começa a contar-se:
– Nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verifi-
cou o facto tributário;
– Nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto
tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e
nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada
por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo
se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se
verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tri-
butário.

Como se vê, não foi acolhido o princípio actio nata, começando a


contar-se o respetivo prazo, em regra, a partir do facto tributário e não a
partir do momento em que o direito pode ser exercido.
Parece-nos que estamos em presença de um regime – além de lacu-
noso, pois parece ter-se esquecido dos tributos que não sejam impostos
– consagrador de alguma injustiça, uma vez que indicia uma desigual-
dade de armas procedimentais e alguma incoerência normativa, prin-
cipalmente se tivermos em vista que muitas vezes o credor está depen-
dente da colaboração do contribuinte (por exemplo, em sede de IRS)
e não pode atuar enquanto este não apresentar a respetiva declaração,
nem enquanto não passar o prazo para ele o fazer. Verifica-se até que,
em termos práticos, o prazo de caducidade do direito à liquidação acaba
por ser o prazo legal (v.g., 4 anos) menos o tempo que a informação de-
mora a chegar à Administração – por exemplo meio ano, uma vez que só
em maio do ano seguinte é que a Administração terá conhecimento dos
factos, podendo liquidar o tributo e, sendo caso disso, preparar procedi-
mentos de inspeção.
Parece-nos que esta é uma solução de constitucionalidade duvidosa.
Procuremos demonstrar em que medida.

***

520
IV. PRAZOS

De acordo com o princípio actio nata acima referido, apenas a partir


do momento em que o credor pode exercer o seu direito subjetivo de
exigir a quantia em dívida é que o prazo prescricional deve começar a
correr1115 . Antes disso, entende-se que o prazo extintivo não deve correr
porque, em boa verdade, não pode ser oposta ao credor qualquer inércia
ou passividade, uma vez que ele ainda nada pode fazer.
Em matéria tributária, as considerações inerentes a este princípio são
de uma relevância prática incontornável. Pense-se, por exemplo, na si-
tuação em que determinado contribuinte pratica um ato que gera um
facto tributário – por exemplo, aliena onerosamente um bem imóvel e
realiza com isso uma mais valia tributável –, mas não o declara à Admi-
nistração tributária. Neste caso, e de acordo com o mencionado princí-
pio, só a partir do momento em que esta toma conhecimento da alie-
nação e da perceção da correspondente riqueza é que se começaria a
contar o prazo de quatro anos de caducidade.
Todavia, as coisas não são assim.
Estabelece o legislador tributário, no art.º 45.º, n.º 4 da LGT, que a
caducidade se começa a contar a partir do momento da ocorrência do
facto – ou do final do ano respetivo –, o que gera a situação anómala
de que o credor já vê a correr contra si um prazo que o obriga a atuar
sendo que ele não sabe que tem de atuar! É importante sublinhar que
esta ausência de conhecimento se deve à circunstância de que o contri-
buinte não cumpriu os seus deveres acessórios declarativos. Muito pos-
sivelmente, apenas passados uns meses ou anos é que a Administração
tomará conhecimento do facto através de comunicações de entidades
oficiais ou de fiscalizações cruzadas, podendo até acontecer que tal co-
nhecimento nunca chegue.
É certo que sempre se poderia dizer o seguinte: na medida em que
a Administração está vinculada a um princípio do inquisitório na tarefa
de descoberta da verdade material, ela está obrigada a desencadear um
procedimento de inspeção para descobrir essa verdade. Ainda assim,
contudo, duas contra-objeções se podem apontar: primeiro, ela não sa-
beria que contribuintes inspecionar (fá-lo-ia em relação a todos?), de
modo que estariam a dispersar-se meios investigatórios que poderiam
ser utilizados em outras situações (violando o princípio da eficiência e

1115
Cfr., a propósito, o art.º 306.º, n.º 1 do CC.

521
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

da economia dos meio procedimentais); segundo, estar-se-ia, até certo


ponto, a premiar-se o contribuinte faltoso, que não declara e que assim
pensará que, quanto mais tarde a Administração descobrir o seu “negó-
cio encoberto”, melhor, pois menos tempo terá para lhe exigir o cumpri-
mento da obrigação tributária. Em contraposição, o contribuinte cum-
pridor das obrigações declarativas fica sujeito – e bem – a um prazo de
quatro anos durante os quais a dívida é exigível.
Neste particular, melhor andou o legislador civilístico que prevê que
só começa a correr o prazo quando o credor pode exercer o seu direito,
por exemplo, conhecendo-o. E até vai mais longe: se a dívida for ilíquida
– que é o que acontece com a dívida tributária antes do ato tributário –,
a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover
a liquidação, o que, em justiça, só acontece quando ele tem conheci­
mento, ou pode ter, da factualidade que lhe está subjacente.
Do ponto de vista estritamente jurídico, parece-nos que a solução da
LGT é inconstitucional, pois viola o princípio da justiça na tributação
(art.º 103.º da CRP), na medida em que condiciona – ou pode condicio-
nar – gravemente o direito à perceção da receita pública por parte da
Administração tributária. Além disso, é desadequada ao fim que se pre-
tende atingir – a segurança jurídica – de modo que viola igualmente o
princípio da proporcionalidade e contraria o princípio da igualdade, ao
colocar a Administração numa posição desfavorável em relação aos con-
tribuintes faltosos.
Ora, em face destes argumentos – e não obstante se reconhecer que
o direito em causa, assim, se poderia tornar incaducável –, parece-nos
que a melhor solução seria:
i) Quando houver obrigatoriedade de entrega de declaração ou
comu­nicação de um ato ou de um facto, o prazo de caducidade
deveria começar a contar-se quando ela se efetua (ou, quando
muito, a partir do início do ano seguinte)1116. Aliás, nem é uma so-
lução estranha em termos de Direito comparado. Basta pensar que

Numa posição que nos parece bastante acertada e razoável, a jurisprudência aderiu a esta
1116

ideia e temperou a solução legal. V., por exemplo, acórdão do TCA–N de 21 de outubro de
2004, processo n.º 00092/04, onde se pode ler:
“É que a caducidade do direito de liquidação, tal como a prescrição, constitui, de certo
modo uma “punição” para o não exercício atempado do direito. Porém, o exercício do direito
depende do conhecimento da sua existência por parte do seu titular. Ora, se a recorrente

522
IV. PRAZOS

o legislador alemão a adotou, em termos de se iniciar o prazo ape-


nas quando a Administração está em condições de atuar1117;
ii) Quando não houver obrigatoriedade de entrega de declaração
ou comunicação de atos, o prazo de caducidade deverá começar
a contar-se a partir do facto tributário ou facto análogo. É o que
se passa, nomeadamente, nos tributos que assumem a forma de
contribuições especiais1118;
iii) No caso de tributos cuja exigência está sujeita a condição (por
exemplo, a ausência de reinvestimentos futuros, como a constru-
ção, melhoramento ou ampliação de bens imóveis, etc.)1119, o prazo
de caducidade começa a contar-se quando a condição se verifica.

3.2.2.2. Vicissitudes do prazo de caducidade


Já nos referimos em momento anterior, à distinção entre interrupção
e suspensão dos prazos e à relevância jurídico-normativa da respeti-
va ocorrência. Aproveitando o que então ficou dito, importa agora,
tão somente, salientar as causas de suspensão do prazo de caducidade

não comunicou à Administração Tributaria, oportunamente, os factos que agora pretende


serem-lhe favoráveis, aquela não poderia exercer o referido direito”.
Adiante, acrecenta-se:
“A tese [contrária] viria premiar os contribuintes faltosos nos casos em que, havendo tradi-
ção, a não comunicassem à Administração Tributária e deixassem propositadamente passar
o prazo de caducidade, só celebrando o contrato definitivo após decorrido esse prazo e con-
fiando em que aquela não descobrisse a verificação do facto tributário”.
1117
Na verdade, o § 170 da Abgabenordnung, parece indiciar solução diversa, ao prescrever no
número (1) a regra do momento do “nascimento do imposto” (“Die Festsetzungsfrist beginnt
mit Ablauf des Kalenderjahrs, in dem die Steuer entstanden ist”). Todavia, a disposição seguinte (2)
parece transformar em regra o que aparentemente seria a exceção (o momento da decla­
ração).
1118
Cfr., por exemplo, o art.º 14.º do DL n.º 51/95 (que aprova o Regulamento da Contri-
buição Especial, devida pela valorização de imóveis decorrente da construção da nova ponte
sobre o rio Tejo), nos termos do qual “só poderão ser efetuadas ou corrigidas liquidações,
ainda que adicionais, nos cinco anos seguintes àquele em que tiver sido emitida licença de
construção ou de obra”. V., ainda, os art.os 14.º e ss. do DL 54/95 (que aprova o Regula­mento
da Contribuição Especial, devida pela valorização de imóveis decorrente da realização da
EXPO 98) e do DL n.º 43/98 (valorização dos imóveis beneficiados com a realização da
CRIL, CREL, CRIP, CREP, travessia ferroviária do Tejo, troços ferroviários complementares,
extensões do metropolitano de Lisboa e outros investimentos).
1119
Cfr., por exemplo, art.º 10.º, n.º 5, do CIRS.

523
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

do direito à liquidação – não se preveem causas de interrupção –, refe­


rindo os seus aspetos essenciais de regime e abstendo-nos de maiores
desenvolvimentos. Em todas estas situações estão em causa motivos que
deter­minam uma impossibilidade temporária de o credor poder atuar
juridicamente, o que motiva que não lhe possa ser oponível um correr
do tempo que ele não pode evitar.
Essas situações, nos termos do art.º 46.º da LGT, são as seguintes1120:
i) Acão de inspeção externa – nas situações em que se o sujeito vai
ser visado num procedimento de inspeção externa, o prazo da ca-
ducidade não se conta a partir da notificação ao contribuinte da
ordem de serviço ou do despacho no início da mesma e até à sua fi-
nalização1121 (portanto, não se conta durante a inspeção). Con­tudo,
se tal finalização ocorrer no prazo de seis meses após essa notifi-
cação acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a
conclusão do procedimento de inspeção, cessa o efeito suspensivo
e conta-se o prazo desde o início, como se não tivesse havido sus-
pensão;
ii) Litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tribu-
to – quando estiver pendente em Tribunal uma ação/recurso que
tenha por objeto ato ou facto do qual a liquidação dependa (v.g.,
uma situação jurídica laboral, um contrato, uma indemnização), o
prazo de caducidade considera-se suspenso desde o início do pro-
cesso até ao trânsito em julgado da decisão;
iii) Benefícios fiscais de natureza contratual – se o que está em causa
são benefícios fiscais de natureza contratual, a caducidade não
corre desde o início até à resolução do contrato ou durante o de-
curso do prazo dos benefícios;
iv) Benefícios fiscais de natureza condicionada – em caso de benefí-
cios fiscais de natureza condicionada, tal caducidade suspende-se

1120
A respeito da existência de causas de suspensão da prescrição e da caducidade fora da
LGT, cf. acórdão do TC n.º 362/2015, que julgou inconstitucional, por violação do artigo
165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência sus-
pende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no
âmbito do processo tributário.
1121
Cfr. art.os 49.º e ss. do RCPITA.

524
IV. PRAZOS

desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do


cumprimento da condição1122;
v) Liquidação resultante de reclamação, impugnação ou pedido de
revisão – em caso de o direito à liquidação resultar de reclama-
ção, impugnação ou pedido de revisão, o prazo de caducidade sus­
pende-se a partir da apresentação do meio impugnatório e até à
decisão1123;
vi) Apresentação do pedido de revisão da matéria coletável, até à noti­
icação da respetiva decisão.

Em todos estes casos, insistimos, o prazo de caducidade não se conta,


retomando-se do ponto em que estava quando cessar a causa suspensiva.

3.2.2.3. Modificação dos prazos de caducidade


Embora em abstrato sejam de considerar as hipóteses de alteração legal
e voluntária dos prazos de caducidade, constata-se – a exemplo do que
sucede, como vimos, com a prescrição – que, por via da atuação do prin-
cípio da reserva legal tributária, esta última não produz qualquer efeito
jurídico.
No que diz respeito às alterações legais de prazos, pouco mais temos
a acrescentar ao que anteriormente dissemos: a solução mais plausível
passa pela criação de uma norma de Direito transitório ou intertem-
poral que se destina a sanar os eventuais conflitos surgidos entre duas
normas que preveem regimes normativos temporais distintos e, também
aqui, traz-se à colação o art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98 (que aprova a
LGT), embora interesse neste particular o seu n.º 5: “o novo prazo de
caducidade do direito de liquidação dos tributos aplica-se aos factos
tributários ocorridos a partir de 1 de janeiro de 1998”. Vigora, portanto,
uma regra de prospetividade absoluta, não se aplicando o novo prazo de
1122
A título exemplificativo, refira-se a exclusão de tributação em sede de IRS dos rendimen-
tos provenientes da transmissão onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e
permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, quando o respetivo valor de rea-
lização for reinvestido em determinadas condições (art.º 10.º, n.º 5, do CIRS).
1123
Será o caso, por exemplo, do contribuinte que entende que deve ser abrangido por um
regime determinado, e reage contra o ato de indeferimento efetuado pela Administração,
que entende em sentido diverso. Neste caso, se a caducidade continuasse a correr, e se o in-
deferimento fosse anulado – devendo ser liquidado tributo de acordo com um outro regime –,
a Administração poderia já não estar em tempo de efetuar a liquidação.

525
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

caducidade às relações jurídicas iniciadas debaixo de um facto tributário


anteriormente ocorrido.

3.2.2.4. Conhecimento administrativo e jurisdicional da caducidade


Chegou agora o momento de nos debruçarmos sobre as possibilidades
de conhecimento litigioso da caducidade e, tal como acontecia em rela­
ção à prescrição, pode-se aqui também afirmar que a suscitação tanto
pode ocorrer em sede administrativa como em sede jurisdicional.
De resto, poucas são as especificidades aqui a apontar

a) Conhecimento administrativo
A este propósito, o que dissemos a respeito da exigência de conheci-
mento administrativo da prescrição continua a ter aqui plena aplicabili-
dade, pelo que para essa sede remetemos, insistindo apenas na relevân-
cia dos princípios da verdade material e do inquisitório.
Em termos práticos, significa esta ideia que, nas situações em que a
Administração liquida o tributo – ou, melhor dizendo: notifica tal liqui-
dação – após o prazo legalmente previsto, pode e deve, por sua própria
iniciativa e sem esperar por impulso do interessado – embora possa atu-
ar no seguimento deste –, revogar o ato exarado, nomeadamente através
do procedimento de revisão oficiosa dos atos tributários (ou, sendo caso
disso, anulando-o em reclamação graciosa).

b) Conhecimento jurisdicional
No que concerne à apreciação jurisdicional, sabemos que são dois os
problemas que devem ser analisados: (i) a suscetibilidade de conheci-
mento jurisdicional oficioso e (ii) o meio processual adequado para le-
vantar a questão.
i) A jurisprudência dominante tem entendido que a caducidade do
direito à liquidação gera mera anulabilidade, pelo que não é de co-
nhecimento oficioso, devendo, antes, ser invocada pelo contribuin-
te. Entende-se que se trata de uma ilegalidade, idêntica a outras
ilegalidades, a necessitar de alegação na petição inicial, sob pena
do seu conhecimento ficar precludido1124.

1124
Cfr. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de maiode 2005, processo
n.º 01178/04, e de 18 de janeiro de 2006, processo n.º 0680/05.

526
IV. PRAZOS

ii) Por se tratar de um problema relacionado com a legalidade da li-


quidação, o meio adequado para se efetivar o seu conhecimento
judicial é o processo de impugnação judicial e não qualquer outro
(v.g., oposição à execução fiscal)1125.

A este propósito, no último acórdão supra citado pode ler-se: “Certo que se poderia duvi-
1125

dar de que assim fosse face ao que dispõe o art.º 204.º, n.º 1, alínea e) do Código do Procedi-
mento e de Processo Tributário. Mas ainda assim caberia recordar que a falta de notificação
da liquidação ali prevista, apertis verbis, de resto, é a que se integra ainda no prazo de caduci-
dade do imposto e já não depois desta mesma ter ocorrido”. Cfr., ainda, acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 31 de janeiro de 2001, processo n.º 025263.

527
PRINCIPAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS *1126

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ção), Almedina, Coimbra, 2017.
Amaral, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo – Volume II (reimp. da
3.ª edição), Almedina, Coimbra, 2017.
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Bastos, Nuno, O efeito suspensivo das reclamações das decisões do órgão de exe­
cução fiscal à luz das recentes alterações ao respetivo regime, in Tutela cautelar

*
As referências bibliográficas apenas abrangem obras e textos que foram efetivamente utili-
zados e que influíram decisivamente na construção do pensamento do autor e, tirando situa­
ções muito excecionais e perfeitamente justificadas – como, por exemplo, aquelas em que se
entendem necessárias remissões imediatas para desenvolvimentos efetuados por outros –,
não são vertidas ao longo do discurso, mas apenas nesta listagem final. O propósito é sempre
o mesmo – tornar o discurso escorreito e deixá-lo ser o que ele pretende ser: Lições, como
reflexo de um edifício científico-analítico de pensamento (e não o mostruário de um preten-
sioso repositório de erudição).

529
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

no contencioso tributário, Centro de estudos judiciários, Lisboa, 2016,


disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebook_administrati
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Birk, Dieter, Steuerrecht, 15.ª edição, C. F. Muller, Heidelberg, 2012.
Brito, Wladimir, Lições de Direito processual administrativo, 2.ª edição, Coim-
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–––– Manual de Direito Administrativo, Volume II, 11.ª reimpressão (revista e
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534
ÍNDICE

AGRADECIMENTOS 5
PLANO DA LIÇÕES 7
NOTAS IMPORTANTES 9

INTRODUÇÃO 11
1. O Direito tributário substantivo e o Direito tributário adjetivo 11
1.1. Termos da distinção 11
1.2. Uma noção adequada de tributo 12
1.3. Importância da denominação: Direito tributário e jurisdição
tributária 14
1.4. O conteúdo do Direito Tributário adjetivo. Sequência 16
2. A atividade administrativa tributária 17
2.1. Noção de Administração tributária (AT) e enquadramento
da sua atividade 18
2.2. A automatização da vontade administrativa e a questão
dos “atos informáticos” 21
2.3. Noção e classificação dos atos da Administração tributária 23
a) Atos singulares (individuais) e atos gerais 24
b) Atos unilaterais e atos consensuais 25
c) Atos impositivos e atos não impositivos 27
d) Atos definitivos e atos não definitivos 28
e) Atos de primeiro grau e atos de segundo grau 30
f ) Atos expressos e atos tácitos 31
g) Atos vinculados e atos não vinculados (discricionários) 32
h) Atos válidos e atos inválidos. Atos eficazes e atos
ineficazes 34

535
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

2.4. Os atos tributários em particular (noção ampla e noção restrita).


Importância da autonomização 37
3. A jurisdição tributária 39
3.1. As finalidades e o enquadramento da jurisdição tributária 39
3.2. Dimensões constitucionais da jurisdição tributária 42
a) O princípio da constitucionalidade 43
b) O princípio da independência dos tribunais 44
c) O princípio da reserva da função jurisdicional
em matéria tributária 46
d) O princípio da proteção jurídica 47
e) O princípio da reserva legal das garantias
dos contribuintes 48
3.3. A força das decisões jurisdicionais e a execução de julgados 49
3.3.1. A inequívoca prevalência da decisão do juiz 49
3.3.2. A execução de julgados 52
4. A privatização da atividade tributária. A desadministrativização e a
intervenção dos privados 55
5. As garantias dos contribuintes (primeira abordagem) 57
5.1. Garantias administrativas 58
5.1.1. Garantias administrativas não impugnatórias 58
a) Direito à informação 58
b) Direito de participação 60
5.1.2. Garantias administrativas impugnatórias 62
a) Direito de reclamação 63
b) Direito de recurso (administrativo) 64
5.2. Garantias jurisdicionais 64
a) Direito de ação judicial 65
b) Direito de oposição 65
c) Direito de recurso (jurisdicional) 66
5.3. A inexistência de efeito suspensivo e a necessidade de prestação
de garantia adequada 66
5.3.3. Enquadramento – a prestação de garantia versus
a constituição de garantia 67
5.3.4. Em especial, a prestação de garantias por parte
dos contribuintes ou obrigados tributários.
A questão da idoneidade da garantia 69
5.4. A utilização das garantias como modo de planeamento fiscal 74
6. Caracteres essenciais do Direito tributário adjetivo 76

536
ÍNDICE

7. O sistema português de Direito Tributário adjetivo 77


7.1. Evolução e antecedentes próximos 77
7.2. Fontes normativas 80
7.2.1. Espécies de fontes 80
7.2.2. As insuficiências da legislação tributária 81
7.2.3. Interpretação 85
a) Relevância do princípio da verdade material 85
b) Interpretação e dupla dimensão dos direitos
fundamentais 87
7.2.4. Integração 89
7.2.5. Aplicação 90
7.2.5.1. Aplicação no tempo 90
7.2.5.2. Aplicação no espaço 93

PARTE I. O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO 97


1. A noção de procedimento 97
1.1. A necessidade de uma visão multidisciplinar 97
1.2. O procedimento enquanto realidade jurídica 99
1.3. Posição adotada 101
1.4. Procedimento e processo 103
2. As fases do procedimento, em geral 107
2.1. Fase da iniciativa 107
a) Espécies de iniciativa procedimental 108
b) A questão do objeto do procedimento 110
2.2. Fase instrutória 112
2.2.1. O arsenal probatório em matéria tributária e o ónus
da prova 112
2.2.2. A questão da intercomunicabilidade probatória
– a especial relação de tensão entre o procedimento
tributário e o processo penal 115
2.3. Fase decisória 119
a) Decisão expressa – deferimento ou indeferimento
expressos 120
b) Decisão tácita – deferimento ou indeferimento tácitos 121
2.4. Fase integrativa de eficácia 124
3. Princípios aplicáveis ao procedimento tributário 125
3.1. O princípio da legalidade da atuação administrativa 126
3.2. O princípio da verdade material 127

537
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

a) Enunciação 127
b) Subprincípio da cooperação 128
c) Desvios 130
3.3. O princípio da vinculação de forma 131
3.4. O princípio da celeridade 132
3.5. O princípio da proibição do excesso 133
3.6. O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança 134
3.7. O princípio da disponibilidade e do inquisitório 136
a) Princípio da disponibilidade 136
b) Princípio do inquisitório 138
3.8. Os princípios da participação e do contraditório 140
3.9. O princípio da confidencialidade 141
3.10. O princípio da imparcialidade – o dever de investigação
da Administração tributária 145
3.11. O princípio da obrigatoriedade de pronúncia e de decisão 146
3.12. O princípio da obrigatoriedade de fundamentação da decisão 148
3.13. O princípio da publicidade dos atos 150
a) Publicidade mediante publicação 151
b) Publicidade mediante notificação – o regime
das notificações em matéria tributária 152
a) Noção e tipos de notificação 152
b) O regime das notificações em matéria tributária 154
3.14. O princípio do duplo grau de decisão 156
4. Os atores do procedimento 158
4.1. Pressupostos procedimentais 158
4.2. Legitimidade no procedimento – a legitimidade em geral 159
4.3. As entidades com legitimidade procedimental tributária 161
4.3.1. A Administração tributária 161
4.3.1.1. Noção de “Administração tributária”
e enquadramento da sua atividade 161
4.3.1.2. A fixação da competência da Administração
tributária. A competência tributária 163
4.3.1.3. Os fatores atributivos de competência tributária 164
a) A competência tributária em razão da matéria 165
b) A competência tributária em razão
do território 165
c) A competência tributária em razão
da hierarquia 167

538
ÍNDICE

d) A competência em razão do valor 168


4.3.1.4. Os conflitos de competência 169
4.3.1.5. A incompetência 170
4.3.2. Os sujeitos passivos 170
4.3.3. Outras entidades com legitimidade procedimental:
as partes nos contratos fiscais e outras pessoas que
provem interesse legalmente protegido 172
5. Os procedimentos tributários em especial 172
§ único: sequência 172
5.1. Procedimentos de natureza informativa 174
5.1.1. Procedimentos cujo destinatário da informação
o contribuinte 174
5.1.1.1. Procedimento de orientações genéricas 174
5.1.1.2. Procedimento de informações vinculativas 177
5.1.2. Procedimentos cujo destinatário da informação é a
Administração tributária 181
5.1.2.1. Procedimento de inspeção tributária 181
5.1.2.1.1. Enquadramento do procedimento
de inspeção tributária 181
5.1.2.1.2. Tipologia das inspeções tributárias 182
5.1.2.1.3. Os atores do procedimento de inspeção
tributária 185
a) A Administração tributária 185
b) Os sujeitos passivos 187
§ Especial referência à categoria dos “grandes contribuintes” 188
5.1.2.1.4. A tramitação do procedimento
de inspeção tributária 189
a) Fase preliminar 189
b) Comunicação prévia 190
c) Prática dos atos de inspeção 194
a) A dimensão material dos atos inspetivos
e em particular as medidas cautelares 194
b) A dimensão espacial dos atos inspetivos 197
g) A dimensão temporal dos atos inspetivos 198
d) As consequências do procedimento 199
de inspeção tributária: o direito de audição
e o relatório final 201
5.1.2.2. Procedimento de acesso a informações bancárias 202

539
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

a) Enquadramento do sigilo bancário 202


b) Derrogações ao sigilo bancário 204
5.2. Procedimentos de avaliação 207
5.2.1. Procedimento de avaliação prévia 207
5.2.2. Procedimento de avaliação direta 208
5.2.3. Procedimento de avaliação indireta 210
a) Pressupostos da determinação da matéria tributável
por métodos indiretos 210
a) Situações não patológicas – a aplicação do regime
simplificado de tributação 214
b) Situações patológicas 215
b) Controlo da aplicação dos métodos indiretos 223
5.3. Procedimento de reconhecimento de benefícios fiscais 224
a) Pressupostos do reconhecimento de um benefício
fiscal 224
b) Consequências do reconhecimento de um benefício
fiscal 225
5.4. Procedimento de aplicação de norma antiabuso 226
5.5. Procedimento de ilisão de presunções 228
5.6. Procedimento de liquidação 230
5.7. Procedimento de cobrança 233
5.8. Procedimentos impugnatórios (de segundo grau) 235
5.8.1. Procedimento de revisão da matéria tributável fixada
por métodos indiretos 235
a) Pressupostos do pedido de revisão 235
b) Tramitação e consequências jurídicas 236
5.8.2. Procedimento de revisão dos atos tributários 238
5.8.3. Procedimento de reclamação graciosa 242
a) Enquadramento jurídico 242
b) Fundamentos da reclamação 243
c) Tempestividade 246
d) Tramitação do procedimento 246
e) Impugnação da decisão 248
f ) As reclamações graciosas necessárias 249
a) Reclamação em caso de autoliquidação 250
b) Reclamação em caso de retenções na fonte 252
c) Reclamação em caso de pagamentos por conta 253

540
ÍNDICE

δ) Reclamação em matéria de classificação pautal,


origem ou valor aduaneiro das mercadorias 253
e) Taxas locais 254
5.8.4. Procedimento de recurso hierárquico 254
5.9. Pedido de redução de coimas tributárias 257
5.10. Procedimentos cautelares 260

PARTE II. O PROCESSO TRIBUTÁRIO 263


1. Enquadramento do processo tributário 263
1.1. O processo tributário como um contencioso pleno 264
1.1.1. A completude do contencioso e as quatro exigências
constitucionais 264
a) A exigência de meios de reconhecimento de direitos
ou interesses 265
b) A exigência de meios de impugnação de atos lesivos 266
c) A exigência de meios de determinação da prática
de atos legalmente devidos 267
d) A exigência de meios cautelares adequados 268
1.1.2. A adequação dos meios processuais 269
1.2. O processo tributário como um contencioso de legalidade 270
2. Princípios estruturantes do processo tributário 271
2.1. Enquadramento 271
2.2. Princípio da plenitude dos meios processuais 271
2.3. Princípio da justiça (verdade material) 272
2.4. Princípio da cooperação 273
2.5. Princípio da celeridade 273
2.6. Princípio do inquisitório 275
2.7. Princípio do contraditório 277
2.8. Princípio da aquisição processual 277
2.9. Princípio da plenitude da assistência do juiz 278
2.10. Princípio do duplo grau de jurisdição 279
3. Os atores do processo tributário 280
3.1. Ator e parte no processo 280
3.2. Legitimidade para intervir no processo 281
3.2.1. A legitimidade em geral 281
3.2.2. As entidades com legitimidade processual tributária 281
3.2.2.1. Os sujeitos passivos 281

541
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

3.2.2.2. A Administração tributária – o representante


da Fazenda Pública 282
3.2.2.3. O Ministério Público 285
3.3. O Tribunal 287
3.3.1. Jurisdição tributária e competência dos Tribunais
tributários. Termos da distinção 287
a) Jurisdição 287
b) Competência 290
3.3.2. A competência dos Tribunais tributários 291
3.3.2.1. Competência em razão da matéria 291
3.3.2.2. Competência em razão do território 292
3.3.2.3. Competência em razão da hierarquia 292
3.3.2.4. Competência em razão do valor 294
3.3.3. A incompetência dos Tribunais tributários 297
3.3.3.1. Incompetência absoluta 297
3.3.3.2. Incompetência relativa 298
4. O objeto do processo tributário (remissão) 299
5. O formalismo processual 300
5.1. As fases do processo, em geral 300
5.2. As nulidades processuais 301
6. Os meios processuais (contencioso tributário) 303
6.1. Introdução 303
6.1.1. Âmbito do contencioso tributário. Sequência 303
a) “Processo judicial tributário” e “impugnação” 304
b) “Impugnação judicial” ou “impugnações judiciais” 305
c) Recurso contencioso 307
6.1.2. A escolha do meio processual adequado e o dever
de correção do processo (convolação) 308
6.2. Processo de impugnação judicial 309
6.2.1. Natureza e âmbito e do processo 309
6.2.2. Relações com a reclamação graciosa 310
6.2.3. Os fundamentos do processo (remissão) 313
6.2.4. Tempestividade 314
6.2.5. A tramitação 316
6.2.5.1. Iniciativa: a petição inicial 316
6.2.5.2. Defesa: a contestação 319
6.2.5.3. Decisão pré-instrutória ou preliminar 320

542
ÍNDICE

6.2.5.4. A instrução 322


6.2.5.5. Alegações 324
6.2.5.6. Vista ao Ministério Público 325
6.2.5.7. Sentença 326
6.2.6. Os efeitos da decisão (execução do julgado) 329
6.2.7. Os incidentes 331
6.2.8. Especial referência à impugnação judicial de atos
distintos do ato de liquidação 333
6.3. O recurso contencioso dos atos administrativos em matéria
tributária que não comportem a apreciação da legalidade
do ato de liquidação (ação administrativa) 335
6.4. Ação para reconhecimento de um direito ou interesse
em matéria tributária 338
6.5. Processo de execução fiscal 341
6.5.1. Enquadramento e natureza 341
6.5.2. O objeto do processo de execução fiscal 344
6.5.3. Pressupostos formais – o título executivo 348
6.5.4. A dupla natureza dos atos de execução e o princípio
constitucional da reserva do juiz 350
6.5.5. Legitimidade para intervir no processo de execução fiscal 355
6.5.5.1. Legitimidade para intervir como exequente 355
6.5.5.2. Legitimidade para intervir como executado 356
a) O processo de execução instaurado contra
o sujeito passivo originário 357
b) A reversão do processo de execução fiscal 358
a) Reversão em caso de responsabilidade
tributária 358
b) Reversão em outras situações 360
c) Reação ao despacho que ordenar a reversão 362
6.5.6. A questão da apensação de execuções 363
6.5.7. Tramitação do processo de execução fiscal 364
6.5.7.1. Instauração da execução 364
6.5.7.2. Citação do executado 366
a) Funções da citação 366
b) Exigências legais da citação 367
a) Exigências formais 367
b) Exigências substanciais 370

543
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

6.5.7.3. A reação do executado 370


6.5.7.3.1. Dedução de oposição 370
a) Pressupostos genéricos – prestação de garantia
e direito a indemnização 370
b) Requisitos da oposição 372
a) Requisitos materiais 372
b) Requisitos formais 375
g) Requisitos temporais 376
c) Tramitação do processo de oposição 376
6.5.7.3.2. Requerimento de dação em pagamento 377
6.5.7.3.3. Solicitação do pagamento em prestações 379
6.5.7.4. Penhora 381
6.5.7.4.1. Enquadramento do ato de penhora 381
6.5.7.4.2. Bens suscetíveis de penhora e
impenhorabilidades 382
6.5.7.5. Convocação de terceiros 385
6.5.7.6. Verificação e graduação de créditos 386
a) Credores com garantia real 387
b) Cônjuge do executado 389
6.5.7.7. Venda dos bens penhorados 390
6.5.8. Vicissitudes do processo de execução fiscal: incidentes
e suspensão da execução 394
6.5.8.1. Incidentes 394
6.5.8.2. Suspensão 396
6.5.8.2.1. Situações de regularização da situação
tributária 397
6.5.8.2.2. Situações de contencioso associado
à legalidade da dívida 398
6.5.8.2.3. Situações de contencioso associado
à exigibilidade dívida 399
6.5.8.2.4. Situações de insuficiência patrimonial
e insolvência 399
a) Enquadramento: a insolvência em geral 401
b) O chamamento da Administração tributária 403
c) O efeito suspensivo e as suas consequências
processuais 404
d) A reclamação de créditos 405

544
ÍNDICE

6.5.9. Extinção da execução 406


6.5.10. Causas de nulidade processual 407
6.5.11. Reclamações das decisões do órgão da execução fiscal 408
6.5.11.1. Enquadramento 408
6.5.11.2. Regime normativo 409
6.6. Intimação para um comportamento 414
6.7. Recurso da decisão administrativa de acesso a informações
bancárias 416
6.8. Recurso da decisão de avaliação da matéria coletável com base
em manifestações de fortuna 418
6.9. Reclamações das decisões do órgão da execução fiscal
(remissão) 419
6.10. Meios processuais regulados pelo disposto nas normas
sobre o processo nos Tribunais administrativos 419
7. Contencioso cautelar 421
7.1. Enquadramento: noção, fundamentos, pressupostos
e características da tutela cautelar 422
7.2. Tipologia dos instrumentos cautelares 425
7.3. O regime das medidas cautelares em matéria tributária 427
7.3.1. Instrumentos cautelares a favor da Administração
tributária 428
7.3.1.1. Instrumentos administrativos 428
7.3.1.2. Instrumentos jurisdicionais 430
a) O arresto 430
a) Arresto antes da instauração de um
processo de execução fiscal 431
b) Arresto na pendência de um processo
de execução fiscal 432
b) O arrolamento 433
7.3.2. Instrumentos cautelares a favor do contribuinte 434
7.3.2.1. Enquadramento e tipologia 434
7.3.2.2. Em particular, o pedido de suspensão da eficácia
de ato administrativo em matéria tributária 437
7.3.2.3. Pressupostos específicos 439
7.4. A impugnação das medidas cautelares adotadas pela
Administração tributária 439
7.4.1. Impugnação dos atos de apreensão 440

545
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

7.4.2. Impugnação de outras medidas cautelares 441


8. Os recursos das decisões dos tribunais tributários (recursos
jurisdicionais) 441
8.1. Enquadramento e tipos de recursos 441
8.2. O recurso comum 444
8.3. O recurso por oposição de acórdãos 450
8.4. O recurso excecional de revisão 452
8.5. O recurso excecional de revista 453

PARTE III. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS


EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA 455
§ único: sequência 455
1. Desjurisdicionalização, matéria tributária e princípios constitucionais 456
a) Princípio da reserva da função jurisdicional 457
b) Princípio da indisponibilidade do crédito tributário 460
c) Superação dos paradigmas clássicos 460
2. Quadro tipológico dos meios alternativos de resolução da litigiosidade
tributária 461
2.1. Meios preventivos 462
2.2. Meios sucessivos/alternativos 464
2.2.1. No decorrer de um procedimento tributário 465
2.2.2. Após a conclusão do procedimento tributário 465
2.3. A localização da questão no âmbito do ordenamento tributário
português 467
3. Em particular, a arbitragem tributária 468
3.1. Âmbito e objeto 468
3.2. O Tribunal arbitral 470
a) Estrutura e composição 470
b) Constituição 471
c) Os efeitos jurídicos do pedido de constituição
de Tribunal arbitral 473
3.3. O processo arbitral 474
3.3.1. Breve referência aos princípios 474
3.3.2. Tramitação 475
3.4. A decisão arbitral 477
3.5. A colocação em crise da decisão arbitral (impugnação
e recurso) 479

546
ÍNDICE

a) Impugnação 480
b) Recurso 480

PARTE IV. PRAZOS 483


(a relevância do tempo na prática de atos no procedimento
e processo tributário)
§ único: sequência 483
1. A exigência de limitação temporal das situações jurídicas 484
1.1. Princípio da preclusão e exercício de direitos em geral 484
1.2. Princípio da preclusão e exercício de direitos em Direito
tributário 488
1.3. Prazos em procedimento e processo tributário 489
1.3.1. Tipos de prazos (prazos substantivos e prazos adjetivos) 489
1.3.2. O modo de contagem dos prazos 491
a) Prazos substantivos 491
b) Prazos adjetivos 493
1.4. Em particular, a prescrição e a caducidade em Direito tributário
(aproximação) 494
2. Prescrição 497
2.1. Objeto da prescrição e relevância do facto tributário 497
2.2. Regime normativo 499
2.2.1. Contagem do prazo 500
2.2.2. Vicissitudes do prazo prescricional 502
a) Interrupção da prescrição 503
a) Alcance do efeito interruptivo 503
b) Âmbito subjetivo da interrupção 505
c) Âmbito objetivo da interrupção 507
b) Suspensão da prescrição 508
2.2.3. Modificação dos prazos prescricionais 510
2.2.4. Conhecimento administrativo e jurisdicional da prescrição 513
a) Conhecimento administrativo 513
b) Conhecimento jurisdicional 514
3. Caducidade 516
3.1. Enquadramento: a multiplicidade de prazos de caducidade 516
3.2. Em particular, a caducidade do direito à liquidação 517
3.2.1. A relevância do ato liquidatório e o prazo geral
de caducidade 517

547
LIÇÕES DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

3.2.2. Regime normativo 519


3.2.2.1. Contagem do prazo 520
3.2.2.2. Vicissitudes do prazo de caducidade 523
3.2.2.3. Modificação dos prazos de caducidade 525
3.2.2.4. Conhecimento administrativo e jurisdicional
da caducidade 526
a) Conhecimento administrativo 526
b) Conhecimento jurisdicional 526

PRINCIPAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 529

548

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