Fichamento Gohn MS e Educação Sem Realces
Fichamento Gohn MS e Educação Sem Realces
Fichamento Gohn MS e Educação Sem Realces
Maria da Glória Gohn é doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo
(USP), com pós-doutorado em sociologia na New School University, N.York.
Professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de
Julho (UNINOVE). E-mail: mgohn@uol.com.br
De pronto, esclareço: para nós, a educação não se resume à educação escolar, realizada na escola
propriamente dita. Há aprendizagens e produção de saberes em outros espaços, aqui denominados de
educação não formal. Portanto, trabalha-se com uma concepção ampla de educação. Um dos exemplos de
outros espaços educativos é a participação social em movimentos e ações coletivas, o que gera
aprendizagens e saberes. Há um caráter educativo nas práticas que se desenrolam no ato de participar (p.
333) - Reflexão: Precisamos superar a dicotomia que foi estabelecida pelo sistema-mundo capitalista,
com o advento da Modernidade, de modo engajado por meio de práticas educativas que valorizem os
diferentes modos e espaços de aprendizagem: nas escolas e nos Movimentos Sociais, nas igrejas, nas
ONG’s, nas associações de bairro... etc.
Uma das premissas básicas a respeito dos movimentos sociais é: são fontes de inovação
e matrizes geradoras de saberes. Entretanto, não se trata de um processo isolado, mas de
caráter político-social (p. 333).
A relação movimento social e educação existe a partir das ações práticas de movimentos e grupos sociais.
Ocorre de duas formas: na interação dos movimentos em contato com instituições educacionais, e no
interior do próprio movimento social, dado o caráter educativo de suas ações. No meio acadêmico,
especialmente nos fóruns de pesquisa e na produção teórico-metodológica existente, o estudo dessa
relação é relativamente recente (p. 334). Reflexão: Os grupos sociais são todos aqueles que se auto-
organizam de modo sistemático com objetivos e metas, necessidades e horizontes comuns. As ações
coletivas, desse modo, são educadoras e promotoras de desenvolvimento humano por meio da educação.
A junção dos dois termos tem se constituído em “novidade” em algumas áreas, como na própria Educação
[...] No exterior, a articulação dos movimentos com a educação é antiga e constitutiva de alguns grupos de
pesquisa, como na International Sociological Association (ISA), Latin American Studies Association
(LASA), Associación Latinoamericana de Sociologia (ALAS) etc. (p. 334).
No Brasil, essa relação foi sendo vagarosamente construída a partir do fim dos anos 1970, quando foram
criadas novas associações ou ativadas entidades científicas já existentes, a exemplo da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), a Associação Nacional de Pós- -
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e as Conferências Brasileiras de Educação (CBEs),
realizadas bienalmente, que passaram a debater os problemas socioeconômicos e políticos e a destacar os
grupos e movimentos sociais envolvidos (p. 334).
Em síntese, apesar do denso quadro de mobilizações e movimentos sociais no país, a partir do fim dos
anos 1970, o debate e a produção teórica caminhou lentamente até os primeiros anos deste novo século,
embora conte com um grande número de publicações que são registros descritivos, importantes como
memórias. No campo da educação, a defasagem é ainda maior (p. 335).
O QUE É MOVIMENTO SOCIAL E POR QUE SEU ESTUDO É IMPORTANTE (p. 335)
Nós os encaramos como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que
viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas (cf.
Gohn, 2008) (p. 335).
Na realidade histórica, os movimentos sempre existiram, e cremos que sempre existirão. Isso porque
representam forças sociais organizadas, aglutinam as pessoas não como força-tarefa de ordem numérica,
mas como campo de atividades e experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de
criatividade e inovações socioculturais (p. 336).
A experiência da qual são portadores não advém de forças congeladas do passado – embora este tenha
importância crucial ao criar uma memória que, quando resgatada, dá sentido às lutas do presente. A
experiência recria-se cotidianamente, na adversidade das situações que enfrentam (p. 336) – Reflexão:
Uma memória pedagógica que precisa ser revisitada para reconstruirmos bases epistemológicas capazes
de alcançar a demanda interpretativa das ações sociais vivenciadas hoje. Esse movimento de retornar aos
clássicos serve para qualificar e atualizar nossa percepção em torno dos atuais dilemas civilizatórios.
Os movimentos realizam diagnósticos sobre a realidade social, constroem propostas. Atuando em redes,
constroem ações coletivas que agem como resistência à exclusão e lutam pela inclusão social. Constituem
e desenvolvem o chamado empowerment de atores da sociedade civil organizada à medida que criam
sujeitos sociais para essa atuação em rede. Tanto os movimentos sociais dos anos 1980 como os atuais
têm construído representações simbólicas afirmativas por meio de discursos e práticas (p. 336) Reflexão:
Diante de tamanho potencial pedagógico e educativo é compreensível o levante do Estado conservador
contra os Movimentos Sociais com o intuito de desacreditá-los e criminaliza-los só para manutenção do
status quo.
Historicamente, observa-se que têm contribuído para organizar e conscientizar a sociedade; apresentam
conjuntos de demandas via práticas de pressão/mobilização; têm certa continuidade e permanência. Não
são só reativos, movidos apenas pelas necessidades (fome ou qualquer forma de opressão); podem surgir
e desenvolver- -se também a partir de uma reflexão sobre sua própria experiência. Na atualidade,
apresentam um ideário civilizatório que coloca como horizonte a construção de uma sociedade
democrática. Hoje em dia, suas ações são pela sustentabilidade, e não apenas autodesenvolvimento.
Lutam contra a exclusão, por novas culturas políticas de inclusão. Lutam pelo reconhecimento da
diversidade cultural (p. 336).
Na primeira década desse século (XXI), ampliaram-se os movimentos que ultrapassam as fronteiras da
nação; são transnacionais, como o movimento alter ou antiglobalização, presente no Fórum Social
Mundial, que atuam através de redes conectadas por meios tecnológicos da sociedade da informação (p.
338).
Existe uma densa e intensa rede de comunicações intramembros, militantes com militantes. São
produzidos textos, boletins, artigos etc. No Brasil, uma significativa parte desses militantes –
denominados ativistas – tem chegado aos cursos de pós-graduação e, mais recentemente, ocupam
posições como professores e pesquisadores nas universidades, especialmente as novas, criadas nessa
década na área de ciências humanas. Teses e dissertações vêm sendo produzidas por esses
militantes/ativistas/ pesquisadores. Muitas delas são parte das histórias que eles próprios vivenciaram (p.
338).
Há diferentes correntes ideológicas que sustentam os ideais dos ativistas, que vão das novas formas do
anarquismo do século XIX, organizadas agora em torno da ideia de desobediência civil (Di Cintio, 2010),
às concepções radicais de grupos articulados a partidos políticos de esquerda, passando pelas práticas de
compromisso e responsabilidade social das organizações não governamentais (ONGs) e entidades de
perfil mais assistencial, aos movimentos populares herdeiros do movimentalismo associativista dos anos
1970-1980 no Brasil (p. 338).
O movimento negro, ou afrodescendente como preferem alguns, avançou em suas pautas de luta, a
exemplo do Brasil com a política de cotas nas universidades e no Programa Universidade para Todos
(Prouni) etc. Destaca-se, nesse avanço, o suporte governamental por meio de políticas públicas – com
resultados contraditórios (p. 340).
De um lado, as demandas sociais são postas como direitos (ainda que limitados), abrindo espaço à
participação cidadã via ações cidadãs. De outro, há perdas, principalmente de autonomia dos movimentos
e o estabelecimento de estruturas de controle social de cima para baixo, nas políticas governamentais para
os movimentos sociais. O controle social instaura-se, mas com sentido dado pelas políticas públicas,
ainda que haja a participação cidadã no estabelecimento das normativas (p. 340).
Devemos destacar também que a área da educação – devido ao potencial dos processos educativos e
pedagógicos para o desenvolvimento de formas de sociabilidade, constituição e ampliação de cultura
política, passou a ser área estratégica também para os movimentos populares [...] (p. 340).
Outra ação coletiva nova no campo da educação foi o surgimento dos chamados “bacharelados
populares”, organizados em antigos espaços fabris por ex-trabalhadores, em ações denominadas “fábricas
recuperadas”. Enquanto algumas unidades fabris, fechadas na crise dos primeiros anos deste século,
foram recuperadas pelos trabalhadores em processos autogestionários, com apoio de sindicatos e
subsídios governamentais, outras se transformaram em espaços culturais com destaque para as atividades
educativas, de formação [...] (p. 340) – Reflexão: Esse movimento de recuperação de fábricas é um dos
campos de atuação do Movimento Social da Economia Solidária. Apesar da autora não mencionar, esse é
um dos marcos estratégicos para o Movimento no Brasil.
Na primeira década deste milênio, fortaleceram-se as ONGs e entidades do terceiro setor – que antes
serviam apenas de apoio aos movimentos sociais populares. Estes últimos enfraqueceram-se e tiveram de
alterar suas práticas, ser mais propositivos – participando dos projetos das ONGs – e menos
reivindicativos ou críticos (p. 341).
O terceiro setor passou a atuar com populações tidas como vulneráveis, focalizadas, grupos pequenos,
atuando por meio de projetos, com prazos determinados. Novos conceitos foram criados para dar suporte
às novas ações, tais como responsabilidade social, compromisso social, desenvolvimento sustentável,
empoderamento, protagonismo social, economia social, capital social etc (p. 341).
A análise do novo cenário remete-nos ao tema da institucionalização das práticas e organizações
populares, na própria sociedade civil ou por meio de políticas públicas, conferências nacionais
copatrocinadas por órgãos público-estatais, ou estruturas organizativas criadas no próprio corpo estatal, a
exemplo dos conselhos (p. 341).
No Brasil e em vários outros países da América Latina, no fim da década de 1970 e parte dos anos 1980,
ficaram famosos os movimentos sociais populares articulados por grupos de oposição aos regimes
militares, especialmente pelos movimentos de base cristãos, sob a inspiração da teologia da libertação [...]
O fato inegável é que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram decisivamente,
via demandas e pressões organizadas, para a conquista de vários direitos sociais, que foram inscritos em
leis na nova Constituição Federal de 1988 (p. 342).
A partir de 1990, ocorreu o surgimento de outras formas de organização popular, mais institucionalizadas
[...] Emergiram várias iniciativas de parceria entre a sociedade civil organizada e o poder público,
impulsionadas por políticas estatais, tais como a experiência do Orçamento Participativo, a política de
Renda Mínima, Bolsa Escola etc (p. 342).
À medida que as políticas neoliberais avançaram, outros movimentos sociais foram surgindo: contra as
reformas estatais, a Ação da Cidadania contra a Fome, movimentos de desempregados, ações de
aposentados ou pensionistas do sistema previdenciário. As lutas de algumas categorias profissionais
emergiram no contexto de crescimento da economia informal [...] (p. 342).
Grupos de mulheres foram organizados nos anos 1990 em função de sua atuação na política, criando
redes de conscientização de seus direitos e frentes de lutas contra as discriminações. O movimento dos
homossexuais também ganhou impulso e as ruas, organizando passeatas, atos de protestos e grandes
marchas anuais. Numa sociedade marcada pelo machismo, isso também é uma novidade histórica. O
mesmo ocorreu com o movimento negro ou afrodescendente, que deixou de ser predominantemente
movimento de manifestações culturais para ser, sobretudo, movimento de construção de identidade e luta
contra a discriminação racial. Os jovens também criaram inúmeros movimentos culturais, especialmente
na área da música, enfocando temas de protesto, pelo rap, hip hop etc (p. 343).
[...] ONGs passaram a ter muito mais importância nos anos 1990 do que os próprios movimentos sociais.
Trata-se de ONGs diferentes das que atuavam nos anos 1980 junto a movimentos populares. Agora são
inscritas no universo do terceiro setor, voltadas para a execução de políticas de parceria entre o poder
público e a sociedade, atuando em áreas onde a prestação de serviços sociais é carente ou até mesmo
ausente, como na educação e saúde, para clientelas como meninos e meninas que vivem nas ruas,
mulheres com baixa renda, escolas de ensino fundamental etc (p. 343).
Para situar a relação movimentos sociais e educação, é preciso delinear um quadro referencial mais
amplo, relativo à conjuntura que constitui o campo sociopolítico e econômico no qual ocorrem os
movimentos [...] 1 - Há um novo cenário neste milênio: novos tipos movimentos, novas demandas, novas
identidades, novos repertórios. Proliferam movimentos multi e pluriclassistas. Surgiram movimentos que
ultrapassam fronteiras da nação, são transnacionais, como o já citado movimento alter ou antiglobalização
[...] 2 - Criaram-se varias novidades no campo da organização popular, tais como a atuação em redes e
maior consciência da questão ambiental [...] 3 - As políticas neoliberais desorganizaram os antigos
movimentos e propiciaram arranjos para o surgimento de novos atores, organizados em ONGs,
associações e organizações do terceiro setor [...] 4 - As reformas neoliberais deslocaram as tensões para o
plano cotidiano, gerando violência, diminuição de oportunidades no mundo do trabalho formal [...] 5 - O
Estado promoveu reformas e descentralizou operações de atendimento na área social; foram criados
canais de mediações e inúmeros novos programas sociais; institucionalizaram-se formas de atendimento
às demandas [...] a forma como têm sido implementadas as novas políticas, ancoradas no pragmatismo
tecnocrático, tem resultado na maioria dos projetos sociais implementados passando a ter caráter
fiscalizatório, ou sendo partícipes de redes clientelistas, e não de controle social de fato (p. 344).
Um panorama dos movimentos sociais neste novo milênio pode ser descrito em torno de 12 eixos
temáticos:
1. Movimentos sociais em torno da questão urbana, pela inclusão social e por condições de habitabilidade
na cidade - Moradia;
2. Mobilização e organização popular em torno de estruturas institucionais de participação na gestão
política-administrativa da cidade – Conselhos;
3. Movimentos em torno da questão da saúde;
4. Movimentos de demandas na área dos direitos – Humanos, Culturais;
5. Mobilizações e movimentos sindicais contra o desemprego;
6. Movimentos decorrentes de questões religiosas de diferentes crenças, seitas e tradições religiosas;
7. Mobilizações e movimentos dos sem-terra;
8. Movimentos contra as políticas neoliberais;
9. Grandes fóruns de mobilização da sociedade civil organizada – FSM;
10. Movimento das cooperativas populares – Trata-se de uma grande diversidade de empreendimentos,
heterogêneos, unidos ao redor de estratégias de sobrevivência (trabalho e geração de renda), articulados
por ONGs que têm propostas fundadas na economia solidária, popular e organizados em redes solidárias,
autogestionárias [...] propõem a construção de mudanças socioculturais de ordem ética, a partir de uma
economia alternativa que se contrapõe à economia de mercado capitalista;
11. Mobilizações do Movimento Nacional de Atingidos pelas Barragens;
12. Movimentos sociais no setor das comunicações, a exemplo do Fórum Nacional pela Democratização
da Comunicação (FNDC) (p. 344-345-346).
Lutas e movimentos pela educação têm caráter histórico, são processuais, ocorrem, portanto, dentro e fora
de escolas e em outros espaços institucionais. Lutas pela educação envolvem lutas por direitos e fazem
parte da construção da cidadania. O tema dos direitos é fundamental, porque dá universalidade às
questões sociais, aos problemas econômicos e às políticas públicas, atribuindo-lhes caráter emancipatório
(p. 346).
É a partir dos direitos que fazemos o resgate da cultura de um povo e de uma nação, especialmente em
tempos neoliberais que destroem ou massificam as culturas locais, regionais ou nacionais. Partir da óptica
dos direitos de um povo ou agrupamento social é adotar um princípio ético, moral, baseado nas
necessidades e experiência acumuladas historicamente dos seres humanos, e não nas necessidades do
mercado (p. 346-347).
Fora da óptica da universalidade dos direitos, caímos nas políticas focalizadas, meras justificativas para
políticas que promovem uma modernização conservadora. A óptica dos direitos como ponto de partida
poderá fazer-nos entender as mudanças sociais em curso (p. 347).
Movimentos sociais pela educação abrangem questões tanto de escolas como de gênero, etnia,
nacionalidade, religiões, portadores de necessidades especiais, meio ambiente, qualidade de vida, paz,
direitos humanos, direitos culturais etc. Os movimentos sociais são fontes e agências de produção de
saber. O contexto escolar é um importante espaço para participação na educação. A participação na escola
gera aprendizado político para a participação na sociedade em geral (p. 347).
Ao lançarmos um olhar sobre a relação entre educação e movimentos sociais no Brasil, podemos
encontrar alguns movimentos a partir da segunda metade do século XX, citando, por exemplo, as Ligas
Camponesas, nos anos 1960, e a utilização do método Paulo Freire, além da importante relação entre a
educação escolar do ensino superior e os movimentos sociais, nas mobilizações ao redor de maio de 1968
(p. 347).
As CEBs eram a porta de entrada nos movimentos sociais urbanos de luta por creches, transportes, postos
de saúde, moradia etc [...] Outros movimentos questionaram diretamente o regime militar, como o
movimento pela anistia, ou ainda os movimentos políticos de resistência armada de setores que optaram
pela guerrilha. A universidade foi um grande palco de debates nesse período de resistência, e a SBPC,
junto com entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), associações de jornalistas, Cúrias
Metropolitanas e outras, acolheram os debates e participaram dos atos de protesto contra o regime vigente
(p. 347).
Os anos 1990 mudaram a cena política. O fim do regime militar e a ascensão de setores da oposição a
cargos no poder alteraram a composição política, e o país começou a reconstruir sua institucionalidade.
Novos atores entram em cena, como as ONGs e outras entidades do terceiro setor. Muitos movimentos
sociais desmobilizam-se. Novas políticas públicas passam a pautar questões da cidadania e da
participação, as políticas neoliberais ganham maior ênfase, os sindicatos se enfraquecem e a educação
escolar ganha uma nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), mas torna-se também um dos alvos prediletos
das reformas estatais (p. 348).
Infelizmente, para muitos políticos e administradores, educação de qualidade significa formação de mão
de obra para o perfil da maioria dos empregos existentes – precários e mal remunerados. Estamos longe
de um cenário em que a educação seja vista como formação integral, que incluiu o pensamento crítico, a
capacidade de ler o mundo, de indignar-se com as injustiças, reconhecer e se alegrar com as
manifestações de inovação e criatividade dos seres humanos, ou seja, de refletir de maneira autônoma (p.
349).
Sobre a pauta da Realização de experiências alternativas – Articulações da educação formal com a prática
da educação não formal têm sido propostas em plano e projetos e implementadas em redes públicas, a
exemplo dos Centros Unificados de Educação (CEUs), da rede de ensino municipal pública da cidade de
São Paulo (p. 349).
A nova concepção de relação escola-comunidade amplia o espectro dos sujeitos em ação, pressupondo
um trabalho conjunto entre pais, professores, gestores e funcionários, representantes de associações e
organizações de bairros e entorno das escolas – Escola do Sujeito (Alain Touraine, 2005) (p. 350-351).
O modelo orienta-se para a liberdade do sujeito, para a comunicação intercultural, para a gestão
democrática da sociedade e suas mudanças, para formar para a cidadania [...]. Uma escola que, em suma,
prepara os indivíduos para ser cidadãos do e no mundo (p. 351).
Eixos e tipos de lutas e movimentos na área da educação não formal (p. 351)
Este item é importante, complexo e extenso, porque nele se localiza a grande maioria das ações
educativas dos movimentos sociais, práticas civis, associativismo das ONGs etc [...] a) trabalho nos
sindicatos; b) trabalho com movimentos sociais (especialmente populares); c) trabalhos na área da ação
social comunitária (junto a associações, ONGs e outras formas organizativas – área mais carente e onde
se encontra o maior desafio) (p. 351).
Segundo Vygotsky, o aprendizado ocorre quando as informações fazem sentido para os indivíduos
inseridos em um dado contexto social. A aprendizagem no interior de um movimento social, durante e
depois de uma luta, são múltiplas, tanto para o grupo como para indivíduos isolados (p. 352).
A formação política nos movimentos sociais promove o encontro entre culturas, entre visões de mundo,
partilha de projetos de vida e de interesses e necessidades muitas vezes convergentes, mas também o
confronto com outras bem diferentes. Isso acontece em um processo complexo de inter-relações onde o
grupo é desafiado a co-produzir uma linguagem própria, conforme Gohn isso se “refere à construção de
uma linguagem comum que possibilita ler o mundo, decodificar temas e problemas, perceber/descobrir e
entender/compreender seus interesses no meio de um turbilhão de propostas que se defrontam. Com essa
linguagem, criam uma gramática própria, com códigos e símbolos que os identificam” (p. 353).
Movimentos sociais, educação e esfera pública: a questão dos conselhos (p. 353)
Consideramos importante incluí-los neste texto porque são também espaços de aprendizagem e produção
de saber, ainda que possam conter práticas nem sempre inovadoras e, portanto, reprodutoras de saberes
não democráticos (p. 354).
Trata-se de um novo padrão de relações entre Estado e sociedade, porque viabilizam a participação de
segmentos sociais na formulação de políticas sociais e possibilitam à população o acesso aos espaços em
que se tomam as decisões políticas (p. 354).
Como foi dito, não são todas ou quaisquer organizações não governamentais que podem ser consideradas
parte do terceiro setor, e sim aquelas com o perfil do novo associativismo civil dos anos 1990. Um perfil
diferente das antigas organizações dos anos 1980, que tinham fortes características reivindicativas,
participativas e militantes. O novo perfil desenha um tipo de entidade mais voltada para a prestação de
serviços [...] (p. 354).
Por meio dos conselhos, por exemplo, a sociedade civil exercita o direito de participar da gestão de
diferentes políticas públicas, tendo a chance de exercer maior controle sobre o Estado. Os fóruns, por sua
vez, são frutos das redes tecidas nos anos 1970/1980 e têm possibilitado aos grupos organizados olhar
para além da dimensão local. Têm abrangência nacional e são fontes de referência e comparação para os
próprios participantes (p. 356).
Estamos vivendo um novo momento na trajetória do associativismo latino- -americano, sobretudo no caso
do Brasil. As análises destacam o caráter educativo das ações coletivas, organizadas na forma de
movimentos sociais, a ampliação desse cenário associativo para além da sociedade civil, adentrando em
novas esferas públicas, a exemplo dos conselhos e conferências nacionais, e o surgimento de novos
formatos desse associativismo, que agora trabalha essencialmente em rede (p. 356).
Disso tudo resulta um cenário contraditório em que convivem entidades que buscam a mera integração
dos excluídos, por meio da participação comunitária em políticas sociais exclusivamente compensatórias,
com entidades, redes e fóruns sociais que buscam a transformação social por meio da mudança do modelo
de desenvolvimento que impera no país, inspirados em um novo modelo civilizatório no qual a cidadania,
a ética, a justiça e a igualdade social sejam imperativos, prioritários e inegociáveis (p. 356).
É preciso que sejam respeitados os direitos de cidadania e que se aumentem progressivamente os níveis
de participação democrática da população. Esses níveis expressam-se em espaços públicos, consolidados
em instituições que dêem forma aos direitos humanos e ao exercício da participação cidadã, presentes nos
conselhos, plenárias, fóruns e outras possíveis instituições a ser inventadas. Tudo isso compõe o universo
da temática educação e movimentos sociais (p. 357).