Citações Literatura

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Citações teoria da literatura II - UNIASSELVI

Nunca lhe aconteceu, ao ler um livro, interromper com frequência a


leitura, não por desinteresse, mas, ao contrário, por afluxo de ideias,
excitações, associações? [...] Nunca lhe aconteceu ‘ler levantando a
cabeça?’ É essa leitura, ao mesmo tempo irrespeitosa, pois que corta o
texto, e apaixonada, pois que a ele volta e se nutre, que tentei escrever
(BARTHES, 2004a, p. 26).

“a razão
está em que o sentido de uma obra (ou de um texto) não pode fazer-se
sozinho; o
autor nunca produz mais do que presunções de sentido, formas, por assim
dizer,
e é o mundo que as preenche” (BARTHES, 2007b, p. 14).
A literatura cria o seu próprio universo, semanticamente autônomo
em relação ao mundo em que vive o autor, com seus seres ficcionais,
seu ambiente imaginário, seu código ideológico, sua própria verdade:
pessoas metamorfoseadas em animais, animais que falam a linguagem
humana, tapetes voadores, cidades fantásticas, amores incríveis,
situações paradoxais, sentimentos contraditórios etc. (D’ONOFRIO,
2006, p. 19).

Tratava-se de despertar a vigilância do leitor, de inquietá-lo nas suas


certezas, de abalar sua inocência ou seu torpor, de alertá-lo oferecendolhe
os rudimentos de uma consciência teórica da literatura. A teoria da
literatura, como toda epistemologia, é uma escola de relativismo, não
de pluralismo, pois não é possível deixar de escolher (COMPAGNON,
2012, p. 256).
Mais certo do que limitar o papel da literatura na vida social, é
admitir sua plurifuncionalidade. Além da função estética (arte da
palavra e expressão do belo), uma obra literária pode possuir,
concomitantemente, a função lúdica (provocar um prazer), a função
cognitiva (forma de conhecimento de uma realidade objetiva ou
psicológica), a função catártica (purificação dos sentimentos) e a
função pragmática (pregação de uma ideologia) (D’ONOFRIO, 2006, p.
23, grifo do original).

“O gênero, como
taxinomia, permite ao profissional classificar as obras, mas sua pertinência
teórica não é essa: é o de funcionar como um esquema de recepção, uma
competência do leitor, confirmada e/ou contestada por todo texto novo num
processo dinâmico” (COMPAGNON, 2012, p. 155).

A concretização que toda leitura realiza é, pois, inseparável das


imposições de gênero, isto é, as condições históricas próprias ao
gênero, ao qual o leitor imagina que o texto pertence, lhe permitem
selecionar e limitar, dentre os recursos oferecidos pelo texto, aqueles
que sua leitura atualizará (COMPAGNON, 2012, p. 155-156).

A linguagem literária [...] é obrigada a desviar-se da norma


linguística. Na linguagem científica e diária faz-se largo uso de
estereótipos, seguindo padrões linguísticos e petrificando a palavra.
O cientista e o homem comum não pensam no código que utilizam:
o uso linguístico cria automatismos psíquicos e intelectuais que
levam à perda do sentido do significante. A força de repetição
aniquila o significado original da palavra, que perde seu poder de
criatividade (D’ONOFRIO, 2006, p. 15).

A linguagem poética insurge-se contra o automatismo e a


estereotipação do uso linguístico, reavivando arcaísmos, criando
neologismos, inventando novas metáforas, ordenando de um modo
diferente conceitos, carregam representações sensoriais, através
da metrificação, da rima, da assonância, do ritmo, da sinestesia etc.
A novidade do significante linguístico causa no leitor um efeito de
estranhamento, que o obriga a refletir na formulação da mensagem
(D’ONOFRIO, 2006, p. 15).

Como a função poética, mesmo não sendo uma exclusividade da


linguagem literária, é o elemento fundamental para diferenciar um
produto linguístico de arte de outro que não o é, assim a predominância
do uso da terceira pessoa caracteriza a “narratividade” de um texto, a
da segunda pessoa sua “dramaticidade” e a da primeira pessoa sua
“liricidade” (D’ONOFRIO, 1990, p. 13-14).

Concluindo, podemos afirmar que a natureza da linguagem literária


faz com que toda obra de arte poética apresente a interseção de dois
movimentos opostos e, ao mesmo tempo, complementares: um, que a
dobra sobre si mesma, em mero objeto de linguagem [...]; outro que,
ao contrário, a abre para o mundo, interrogado em sua realidade e em
sua presença essencial (D’ONOFRIO, 2006, p. 13).

As primeiras manifestações culturais do povo grego estão relacionadas


intimamente com suas atividades existenciais: as lutas pela conquista
de novos territórios (poesia heroica ou épica), o ensinamento da cultura
e da terra (poesia telúrica ou didática), a expressão de sentimentos
fundamentais do indivíduo em relação à divindade ou aos homens
(poesia lírica) (D’ONOFRIO, 1990, p. 27).

Toda literatura está perto da realidade, pois se nutre dela. Desse


modo, o relato do escritor quer dar um depoimento da realidade
contemporânea, do prisma de quem faz a história. A História, que é a
síntese dos relatos de histórias, sejam elas ‘oficiais’, sem elas ‘paralelas’.
O romance, sem dúvida, oferece uma contribuição literária para a
compreensão da subjetividade e condição histórica contemporânea
(VASCONCELOS, 2013, p. 108).

Considera o fator social não apenas como matéria de que se serviria o


artista, mas também e especialmente como um agente de estrutura e,
então, como uma determinante do valor estético. Visto dessa maneira,
o fator social deixa de ser um fator puramente externo para tornar-se
interno, e a crítica sociológica torna-se uma crítica estética (D’ONOFRIO,
2006, p. 36, grifo do original).

É muito antiga a concepção de arte como fruto de uma personalidade


psiquicamente excepcional. Platão concebe o poeta como um indivíduo
temporaneamente possesso pela divindade: ele só pode criar nos
momentos em que está inspirado pelos deuses. Apesar da concepção
antitética de Aristóteles, que considera o poeta como um ser lúcido, no
pleno gozo de suas faculdades intelectuais, um artífice que estrutura
livre e conscientemente o material poético, a teoria platônica da
inspiração artística com dom divino impregna as concepções sobre a
criação literária da cultura ocidental (D’ONOFRIO, 2006, p. 36, grifo do riginal.)

Podemos distinguir, do ponto de vista diacrônico, três fases,


correspondentes aos arquétipos da vida: nascimento, maturidade e
morte ou transformação. Quando um gênero literário chega ao seu
apogeu ele é canonizado, proposto como modelo digno de ser imitado,
torna-se um “clássico” na acepção etimológica do termo. Daí, pelas
constantes imitações, pelas sucessivas reproduções, cria automatismos
e estereótipos, sofre um desgaste que, privando-o de sua força criadora,
leva-o paulatina e inelutavelmente para a etapa final de sua vida, que é
o desaparecimento ou a mudança de funções ou a transformação num
novo gênero ou numa nova forma literária (D’ONOFRIO, 1990, p. 15).

A ambivalência do poema não decorre da história, entendida


como realidade unitária e total que engloba todas as obras, mas é
consequência da natureza dual do poema: [...] transmutação do tempo
histórico em arquetípico e encarnação desse arquétipo num agora
determinado e histórico [...]. O poeta não escapa à história, inclusive
quando a nega ou a ignora. Suas experiências mais secretas ou pessoais
se transformam em palavras sociais, históricas (PAZ, 1991, p. 229-230).

Importaria considerar o locus institucional em que se efetiva o juízo de


valor, que seleciona/descarta as obras do cânon, tais como a escola ou
a universidade. A instituição legitima a autoridade do juiz que decreta
o veredito. Autoridade (e autor) está etimologicamente engatada ao
latim autor, termo que, na Idade Média, designava o escritor cujas
palavras impunham respeito e credibilidade (REIS, 1992, p. 73, grifo
do original).

É o crítico quem passa a exercer a autoridade sobre o sentido, a


estrutura, as relações internas do artefato literário e, através do
exercício profissional, a disseminar as interpretações que lhe convém
para leitores e alunos. Sem o autor para reivindicar a sua interpretação
e a integridade semântica de sua obra, o crítico está liberado para
direcionar a exegese de acordo com suas premissas e propósitos, sejam
eles conscientes ou não (REIS, 1992, p. 75).

Levava-se em consideração a recepção, não sob a forma de leitura, mas,


ao contrário, sob a forma de uma obra que dava origem à escritura de
outras obras. Os leitores, na maioria das vezes, só eram levados em
consideração, quando se tornavam outros autores, através da noção
de “destino de um escritor”, um destino essencialmente literário
(COMPAGNON, 2012, p. 144).

Ela deve inevitavelmente ser de caráter virtual, pois ela não pode
reduzir-se nem à realidade do texto nem à subjetividade do leitor, e é
dessa virtualidade que ela deriva seu dinamismo. Como o leitor passa
por diversos pontos de vista oferecidos pelo texto e relaciona suas
visões e esquemas, ele põe a obra em movimento, e se põe ele próprio
em movimento (ISER, 1985, p. 9).

[O texto literário] não pode ser analisado e compreendido na sua


integridade por um sujeito (o crítico) que não possua uma variedade
de critérios de abordagem e uma relevante erudição. De outro lado,
inúmeras são as formas literárias que solicitam a atividade crítica [...].
Tentando colher o que há de geral, de comum, na imensa variedade
das obras, [a teoria da literatura] chega a individualizar os elementos
constitutivos, a estrutura subjacente a toda obra literária (D’ONOFRIO,
2006, p. 49).
Esse acontecimento histórico levou ao desenvolvimento de uma
“cultura da escrita”, em oposição a uma “cultura da oralidade”. Como
atestam alguns pesquisadores, a cultura literária, decorrente da escrita,
implementou um estilo de pensamento mais complexo, sequencial e
hierárquico, se comparado com o pensamento altamente padronizado
e repetitivo da pré-literatura e das culturas orais (KIRCHOF, 2006, p.
2)..

Os rapazes leem versos para se ajudarem a expressar ou conhecer seus


sentimentos, como se somente nos poemas as arriscadas, pressentidas
batalhas do amor, do heroísmo ou da sensualidade pudessem ser
contempladas com nitidez. Cada leitor procura algo no poema. E não
é insólito que o encontre: já o trazia dentro de si (PAZ, 1991, p. 29).

“A obra de
arte, por não ser relacionada diretamente com um referente do mundo
exterior,
não é verdadeira, mas possui a equivalência da verdade, a verossimilhança,
que
é característica indicadora do poder ser do poder acontecer” (D’ONOFRIO,
2006,
p. 20).

Os partidários da mimèsis, apoiando-se tradicionalmente na Poética de


Aristóteles, diziam que a literatura imitava o mundo; os adversários
da mimèsis (em geral os teóricos modernos da poesia), vendo,
sobretudo na Poética uma técnica de representação, retrucavam que
ela não possuía uma exterioridade e apenas fazia pastiche da literatura
(COMPAGNON, 2012, p. 124, grifo do original).

Todo sistema que serve para a comunicação humana pode ser


considerado uma linguagem. Esta se define como um conjunto de
signos regido por regras de combinação e apto a expressar um modelo
do mundo, uma visão ideológica da existência. Entre os vários sistemas
semióticos, criados pelo homem para comunicar ideias, sentimentos,
normas de vida (línguas naturais, artes, mitos, modas, códigos
de trânsito, qualquer prática social, enfim), existe uma hierarquia
(D’ONOFRIO, 2006, p. 9, grifo do original).

“A primeira atitude do homem diante da linguagem foi de


confiança: o signo e o objeto representado eram a mesma coisa. A escultura
era
uma cópia do modelo; a fórmula ritual uma reprodução da realidade, capaz
de
engendrá-la” (PAZ, 1991, p. 35).

A tarefa da linguagem é semelhante: [...] a mesma migração de


um sentido esparso na experiência [...] mobiliza em seu proveito
instrumentos já investidos, e os emprega de modo que eles se tornam
para ele o próprio corpo de que tinha necessidade enquanto passa
à dignidade da significação expressa (MERLEAU-PONTY, 1974, p.
62).

Nossa comparação da linguagem e da pintura só é possível graças a


uma ideia de expressão criadora que é moderna [...]. O pintor joga os
peixes e conserva a rede. Seu olhar se apropria das correspondências,
[...] ele os desinveste [os objetos], os liberta e proporciona um corpo
mais ágil [...]. Por outro lado, as cores e uma tela que fazem parte do
mundo, ele as priva subitamente de sua inerência: [...] tornam-se como
as fontes ou as florestas, [...] só estão lá como o mínimo de matéria
de que um sentido tinha necessidade para se manifestar (MERLEAUPONTY,
1974, p. 61).

Formalismo:

A atividade dos formalistas teve início em Moscou, em 1914, e, depois


da condenação pública pelos marxistas em 1930, continuou em Praga
e de lá se estendeu para o Ocidente. Entre suas contribuições para
a crítica literária, assinalamos, além dos princípios teóricos algo
revolucionários, os estudos sobre o verso e o conceito de função,
entendida como átomo de narratividade, formulado por Vladimir
Propp e aplicado ao estudo do conto maravilhoso. (D’ONOFRIO,
2006, p. 41)

Na linguagem científica e diária faz-se largo uso de estereótipos,


seguindo padrões linguísticos e petrificando a palavra. O cientista e o
homem comum não pensam no código que utilizam: o uso linguístico
cria automatismos psíquicos e intelectuais que levam à perda do sentido
do significante. A força da repetição aniquila o significado original da
palavra, que perde seu poder de criatividade. (D’ONOFRIO, 2006, p.
15)

Para os formalistas russos, a linguagem poética se caracteriza pelo


poder de singularização, pois usa o método de representação insólita:
os objetos são descritos como se desconhecidos, como se vistos pela
primeira vez, deformados de suas proporções habituais. Segundo
Mukarovski ‘somente a função estética tem condição de reservar ao
homem, em relação ao universo, a posição de um estrangeiro que
visita países sempre novos com uma atenção não gasta e não rija’
(D’ONOFRIO, 2006, p. 15).

Daí o efeito surpreendente, fascinante, fantástico da linguagem e da


cosmovisão artísticas. Refletir nas palavras leva, consequentemente, a
pensar no sentido que as palavras encerram. E, como à esteriotipização
do código linguístico corresponde, na vida diária, uma ancilose
do código ideológico, assim, na obra poética, à violação do hábito
linguístico corresponde uma ruptura com o código ideológico
(D’ONOFRIO, 2006, p. 16).
A linguagem cotidiana é mais espontânea, a linguagem literária é mais
sistemática (organizada, coerente, densa, complexa). O uso cotidiano
da linguagem é referencial e pragmático, o uso literário da língua é
imaginário e estético. A literatura explora sem fim prático, o material
linguístico. Assim se enuncia a definição formalista de literatura
(COMPAGNON, 2012, p. 39).

Jakobson afirmava ao mesmo tempo que, em poesia, ‘a função


comunicativa é reduzida ao mínimo’ e que ‘a poesia é a linguagem na
sua função estética’, como se as outras funções pudessem ser esquecidas.
A literariedade (a desfamiliarização) não resulta da utilização de
elementos linguísticos próprios, mas de uma organização diferente
(por exemplo, mais densa, mais coerente, mais complexa) dos mesmos
materiais linguísticos cotidianos (COMPAGNON, 2012, p. 42).

Estruturalismo:

O termo estrutura encontra-se em Saussure e nos formalistas, que


usam indiferentemente forma ou estrutura. Por isso os enfoques
estruturalista e formalista não se diferenciam muito. Foi Claude
Lévi-Strauss que deu notoriedade ao termo estrutura ao transferilo
da linguística para a antropologia. A teoria lévi-straussiana
está fundamentada no princípio do isomorfismo entre as leis do
pensamento e as leis do real (D’ONOFRIO, 2006, p. 42).

A referência não tem realidade: o que se chama de real não é senão um


código. [...] o realismo é, pois, a ilusão produzida pela intertextualidade
[...], os outros textos tomam explicitamente o lugar da realidade, e é a
intertextualidade que se substitui à referência, [...] a intertextualidade
se apresenta como uma maneira de abrir o texto, senão ao mundo,
pelo menos aos livros, à biblioteca (COMPAGNON, 2012, p. 108).

“Distinguiríamos, então, a forma (=o


todo orgânico de um objeto concreto) da estrutura (=modelo geral
elaborado pela
análise dos elementos constitutivos e invariáveis, comuns a esse e a outros
objetos
do mesmo grupo ou da mesma espécie)” (D’ONOFRIO, 2006, p. 42).

Se, como quer a linguística saussuriana, da qual depende a teoria


literária, a língua é forma e não substância, sistema e não nomenclatura,
se ela não pode copiar o real, o problema torna-se o seguinte: não mais
“Como a literatura copia o real?”, mas “Como ela nos faz pensar que
copia o real?”, “Por quais dispositivos?” (COMPAGNON, 2012, p.
107).

Propp foi o primeiro a considerar a obra literária como um organismo,


composto de partes essenciais e partes específicas, capaz de ser
desmontado para se individualizem seus elementos constitutivos.
Usando um método científico, o da botânica, Propp estuda a forma,
isto é, as partes constitutivas ou a estrutura da narrativa (D’ONOFRIO,
2006, p. 199).
Se deixarmos de lado a fixidez do modelo proppiano, poderemos
perceber nele relações básicas encontráveis em qualquer narrativa,
porque pertencem ao universo antropológico. Os conceitos de
interdição / transgressão, dano/ reparação do dano, luta/vitória,
interrogação/resposta, trapaça/cumplicidade, malefício/castigo,
benefício/prêmio são aplicáveis não apenas a narrativas estereotipadas,
mas, enriquecidos pelas ideias de “eventualidade” do acontecer (que
nega o princípio da necessidade) e da possibilidade de um resultado
“negativo” (luta/derrota, dano/reparação), podem dar conta da
análise estrutural de vários tipos narrativos (D’ONOFRIO, 2006, p.
15)

Consideramos o objeto artístico provido de estrutura. Por mais que o


poeta [..] consiga violentar a norma linguística para poder expressar a
inefabilidade de seu mundo interior, é sempre possível individualizar
no produto de sua criação, no texto literário, sus elementos constitutivos
e as relações entre estes elementos (D’ONOFRIO, 2006, p. 11)

que chamamos de conteúdo “denotativo”, característico da linguagem


científica e quotidiana, e o significado referencial do conteúdo
“conotativo”, de que é impregnada a linguagem literária. Em poesia,
a um mesmo referente podem corresponder dois ou mais significados,
cujos sentidos variam em função do cabedal cultural e da situação
afetiva do leitor (D’ONOFRIO, 2006, p. 11).
Nesse sentido, o discurso literário, ao contrário do discurso comunicacional

A linguagem é significado: sentido disto ou daquilo. As plumas são


leves; as pedras, pesadas. O leve é leve em relação ao pesado, o escuro
diante do luminoso etc. Todos os sistemas de comunicação vivem no
mundo das referências e dos significados relativos [...]. Cada vocábulo
possui vários significados, mais ou menos conexos entre si [...].
Ou, dizendo de outro modo: em si mesmo o idioma é uma infinita
possibilidade de significados (PAZ, 1991, p. 129).

Na linguagem comum, a palavra rosa tem como significante (plano


da expressão) o conjunto dos fonemas /ro za/ e como significado
(plano do conteúdo) a referência a um objeto do mundo real, a um tipo
especifico de flor; na linguagem literária, esse conjunto de significante
e significado torna-se significante (constitui o plano da expressão)
de outro significado, o poético, que pode sugerir a ideia de amor,
delicadeza, perfume, efemeridade etc., dependendo do contexto e da
sensibilidade do leitor (D’ONOFRIO, 2006, p. 10).

“É preciso notar, que o conceito de referente não implica apenas a


existência
de uma realidade física, a relação com objetos do mundo exterior: o
referente é o
reservatório de todas as experiências, sensações e representações que
temos do
objeto, seja ele exterior ou interior” (D’ONOFRIO, 2006, p. 11).
A linguagem literária, por ser um sistema semiótico secundário que
tem como significante o sistema linguístico, constitui-se num discurso
conotado, porque seu plano da expressão já inclui uma significação
primária. É preciso distinguir a conotação poética, ou artística em
geral, da conotação de outros sistemas semióticos: a da linguagem
jurídica, médica, diplomática, dos marginais, gíria etc. o sentido
conotativo dessas linguagens, uma vez descoberto seu código, tornase
denotativo, porque é unívoco. A linguagem literária, pelo contrário,
é sempre polissêmica, ambígua, aberta a várias interpretações
(D’ONOFRIO, 2006, p. 14).

Do estruturalismo atual a sua versão mais especial e, por consequência,


a mais pertinente, entendendo sob essa denominação certo modo de
análise das obras culturais na medida em que esse modo se inspira
nos métodos da linguística atual. Vale dizer que o estruturalismo, ele
próprio nascido de um modelo linguístico, encontra na literatura, obra
da linguagem, um objeto mais que afim: homogêneo (BARTHES, 2004,
p. 6).

As obras de arte transcendem a intenção primeira de seus autores e


querem dizer algo de novo a cada época. A significação de uma obra
não poderia e determinada nem controlada pela intenção do autor,
ou pelo contexto de origem (histórico, social, cultural) sob o pretexto
de que algumas obras do passado continuam a ter, para nós, interesse
e valor. Se uma obra pode continuar a ter interesse e valor para as
gerações futuras, então seu sentido não pode ser paralisado pela
intenção do autor nem pelo contesto de origem (COMPAGNON, 2012,
p. 84).

Consequência da complexidade da estrutura poética é sua polivalência;


o poético apresenta-se como um feixe de possibilidades significativas,
instaurando um processo de semiose ilimitada, pois encerra em
seu núcleo sêmico a co-ocorrência dos dois polos de uma oposição
(D’ONOFRIO, 2006, p. 11).

Como ciência, o estruturalismo encontra-se ele mesmo, pode-se


afirmar, em todos os níveis da obra literária. No nível dos conteúdos
em primeiro lugar, ou mais exatamente da forma dos conteúdos,
já que procura estabelecer a “língua” das histórias contadas, suas
articulações, suas unidades, a lógica que encadeia umas às outras,
numa palavra, a mitologia geral de que participa cada obra literária.
No nível das formas do conteúdo em seguida: o estruturalismo, em
virtude de seu método, dá especial atenção às classificações, às ordens,
aos arranjos; seu objeto essencial é a taxonomia, ou modelo distributivo
estabelecido, fatalmente, por toda obra humana, instituição ou livro,
pois não há cultura sem classificação (BARTHES, 2004, p. 6-7).

As grandes obras são inesgotáveis: cada geração as compreende à


sua maneira; isso quer dizer que os leitores nelas encontram algum
esclarecimento sobre algum aspecto de suas experiências. Mas se uma
obra é inesgotável, isso não quer dizer que ela não tenha um sentido
original, nem que a intenção do autor não seja o critério deste sentido
original. O que é inesgotável é sua significação, sua pertinência fora do
contexto de seu surgimento (COMPAGNON, 2012, p. 86).

Certamente o contexto histórico é geralmente ignorado por esse


tipo de crítica, em proveito de uma leitura imanente, vendo no texto
uma atualização da consciência do autor, e esta consciência não tem
muito a ver com uma biografia nem com uma intenção reflexiva ou
premeditada, mas corresponde às estruturas profundas de uma visão
de mundo (COMPAGNON, 2012, p. 65).

Certamente o contexto histórico é geralmente ignorado por esse


tipo de crítica, em proveito de uma leitura imanente, vendo no texto
uma atualização da consciência do autor, e esta consciência não tem
muito a ver com uma biografia nem com uma intenção reflexiva ou
premeditada, mas corresponde às estruturas profundas de uma visão
de mundo (COMPAGNON, 2012, p. 65

Em 1935, três anos antes de sua morte, Edmund Husserl realizou


célebres conferências sobre a crise da humanidade europeia [...].
Ele localizava as raízes da crise no início dos tempos modernos, em
Galileu e Descartes, no caráter unilateral das ciências europeias, que
tinham reduzido o mundo a um simples objeto de exploração técnica
e matemática, e tinham excluído de seu horizonte o mundo concreto
da vida (KUNDERA, 2016, p. 11).

O enfoque fenomenológico do texto limita-se à descrição da obra


literária, considerada como um “fenômeno”, isto, é, como ela “aparece”
aos olhos e à intuição do observador [...]. O crítico fenomenológico
aproxima-se da obra com mente pura, afastando de si as influências
de qualquer tradição literária, de qualquer autoridade crítica, de
qualquer pressuposição lógica sobre a constituição do objeto artístico,
de qualquer modelo de análise preestabelecido (D’ONOFRIO, 2006, p.
44).

Essas coisas, percebidas entre parênteses através da epoché


fenomenológica, não seriam mais objetos percebidos por uma consciência,
mas inscritos na própria percepção, na qual quem percebe já está dentro do
que é percebido. Em outras palavras, mais próximo ao fenômeno literário, o
leitor diante do livro não seria mais alguém lendo um objeto livro, mas uma
intencionalidade que se estabelece enquanto fluxo de leitura.(referencia o
próprio livro)
Quando percebemos um objeto qualquer, este se nos apresenta
como uma pluralidade de qualidades, sensações e significados. Essa
pluralidade se unifica instantaneamente no momento da percepção.
O elemento unificador de todo esse conjunto de qualidades e de
formas é o sentido. As coisas possuem um sentido, mesmo no caso
da mais simples, casual e distraída percepção, verifica-se uma certa
intencionalidade, segundo demonstraram as análises fenomenológicas
(PAZ, 1991, p. 131).

Aplicada ao estudo da obra literária, a fenomenologia põe em evidência


o aspecto óptico, fônico, lexical, sintático, figurado, ideológico etc. É
preciso salientar, porém, que essa estratificação só existe graças ao
esforço analítico do crítico, pois o texto é percebido pelos sentidos e
pela consciência, à primeira vista, como um todo orgânico, uma forma
homogênea (D’ONOFRIO, 2006, p. 45).

“A fenomenologia é, ao mesmo tempo, ‘um modo de ver’ e um ‘método’.


O método consiste no modo de ver, e esse modo de ver constitui o método.
A
análise fenomenológica distingue no objeto artístico vários ‘aspectos’ ou
‘estratos’”
(D’ONOFRIO, 2006, p. 44).

“Os princípios da fenomenologia só recentemente foram aplicados


ao estudo da literatura por Roman Ingarden, ligado à escola fenomenológica
de Husserl. Outros críticos literários que, de algum modo, estão ligados à
fenomenologia são Jean-Paul Sartre e Merleau-Ponty” (D’ONOFRIO, 2006, p.
45).

Entendo por literatura não um corpo ou uma sequência de obras, nem


mesmo um setor de comércio ou de ensino, mas o grafo complexo das
pegadas de uma prática: a prática de escrever. Nela viso portanto,
essencialmente, o texto, isto é, o tecido dos significantes que constitui
a obra, porque o texto é o próprio aflorar da língua, e porque é no
interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela
mensagem de que ela é o instrumento, mas pelo jogo das palavras de
que ela é o teatro (BARTHES, 2007, p. 16).

Isso porque a linguagem – assegura-nos contra o conteudismo, o filósofo


– “antes de ter uma significação, ela é significação”, porque opera
descentrando
ou privando a linguagem constituída de seu aparente equilíbrio,
reordenando-a a
ponto de “ensinar ao leitor – ou mesmo ao autor – o que ele não sabia
pensar nem
dizer” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.36). Fora de aspas é do autor do livro.

Dessa característica lacunar da expressividade dos signos, assentirá


Merleau-Ponty, desabona-se tanto a ideia de equivalência entre o texto e a
realidade por ele visada, quanto a de um pensamento que se sustentasse
antes,
ou apesar, de sua realização em palavras.
O texto contém nele a força de fugir infinitamente da palavra gregária
(aquela que se agrega), mesmo quando nele ela procura reconstituir-se;
ele empurra sempre mais para longe – e é esse movimento de miragem
que tentei descrever e justificar há pouco, ao falar de literatura – ele
empurra para outro lugar, um lugar inclassificado, atópico, por assim
dizer, longe dos topoi da cultura politizada (BARTHES, 2007, p. 34).

Em Saussure, a ideia do arbitrário do signo implica a autonomia


relativa da língua em relação à realidade e supõe que a significação
seja diferencial (resultando da relação entre os signos) e não referencial
(resultando da relação entre as palavras e as coisas) [...]. O mundo
sempre é já interpretado (COMPAGNON, 2012, p. 97).

Nesse sentido, se a verdadeira arte literária representa não a realidade,


mas
o real, já que aquela seria tão somente um jogo de discursos frutos do
consenso,
ou seja, se a “verdadeira realidade” não está do outro lado da linguagem,
mas enquanto “realidade com a linguagem”, decorre daí que a capacidade
de
representação e, consequentemente, a mimese, não poderiam mais ser
concebidas
com o uso da palavra apenas como objeto comunicativo.
Ora, é precisamente a essa impossibilidade topológica que a literatura
não quer, nunca quer render-se. Que não haja paralelismo entre o real
e a linguagem, com isso os homens não se conformam, e é essa recusa,
talvez tão velha quanto a própria linguagem, que produz, numa faina
incessante, a literatura (BARTHES, 2007, p. 22).

A mimèsis foi questionada pela teoria literária que insistiu na


autonomia da literatura em relação à realidade, ao referente, ao
mundo, e defendeu a tese do primado da forma sobre o fundo, da
expressão sobre o conteúdo, do significante sobre o significado, da
significação sobre a representação (COMPAGNON, 2012, p. 95).

A esse polo histórico e diacrônico associam-se, a pensar com Compagnon


(2012, p. 195), “uma série de termos pertencentes a oposições familiares,
como
‘imitação e inovação’, ‘antigos e modernos’, ‘tradição e ruptura’,
‘classicismo e
romantismo’, ou, segundo as categorias introduzidas pela estética da
recepção,
‘horizonte de expectativa e desvio estético’’, que particularizam um tipo de
crítica
desde sempre impregnado nos estudos de teoria.
O triunfo fácil da teoria da literatura sobre a mimèsis dependia de
uma concepção simplista e exacerbada da referência linguística: ou a
alucinação ou nada. Mas outras teorias da referência mais sutis estão
à nossa disposição há muito tempo: elas permitem que repensemos
as relações da literatura com a realidade e desse modo inocentar
igualmente a mimèsis. Esta explora as propriedades referenciais da
linguagem comum, ligadas sobretudo aos índices, aos dêiticos e aos
nomes próprios (COMPAGNON, 2012, p. 130).

Segundo o ponto de vista de Benjamin, só existem obras de arte na


medida em que elas estão embutidas na forma de mercadorias. E que
tudo aquilo que foi produzido esteticamente antes da arte pela forma
de mercadoria não tinha a qualidade específica da arte autônoma, mas
tinha caráter de culto [...]. Assim que a arte se constitui, no sentido
próprio que hoje lhe damos, ela é inseparável da forma de mercadoria.
Ou seja, não há qualquer diferença entre obra de arte e mercadoria, [...]
não mais existem obras de arte no sentido tradicional, mas existe um
retorno das práxis estética, ou da prática estética (BOLZ, 1992, p. 92).

A escrita alfabética sofre, ao longo do desenvolvimento da


modernidade, mudanças decisivas, que poderiam ser resumidas com
a seguinte frase: “A escrita se emancipa do livro”. A escrita sai do livro,
emigra do livro e imigra para as formas da moda, para as formas da
arquitetura e, sobretudo, naturalmente, para as formas da propaganda.
E por isso, estes fenômenos, moda, arquitetura e propaganda, são tão
infinitamente importantes para Benjamin, justamente por poderem ser
decifrados como escrita (BOLZ, 1992, p. 93).

As mudanças de exposição ocasionadas pela reprodutibilidade técnica


também podem ser constatadas no plano político [...]. As democracias
expõem seus governantes de forma direta pessoalmente diante dos
seus representantes: o parlamento é o seu público! Mas, como as novas
técnicas permitem que o orador seja ouvido e visto por um número
indefinido de pessoas, essa exposição do político diante da máquina
torna-se mais importante do que aquela anterior (BENJAMIN, 1992,
p. 37).

Husserl, o fundador da fenomenologia moderna, escreveu na virada


para o século XX, na era em que a profissionalização, a perícia
técnica, a divisão do trabalho e a racionalização dos métodos estavam
transformando as práticas sociais [...]. O que houve de novo foi o tema
da coletividade social e a divisão do trabalho a que o processo criativo
passou a se submeter (BUCK-MORSS, 2012, p. 180).

O ensaio de Walter Benjamin intitulado A obra de arte na era da sua


reprodutibilidade técnica é tido, em geral, como uma afirmação da
cultura de massas e das novas tecnologias por meio das quais ela é
disseminada. Com razão. Benjamin enaltece o potencial cognitivo e,
portanto, político da experiência cultural mediada pela tecnologia,
privilegiando particularmente o cinema (BUCK-MORSS, 2012, p. 155).
Meu querido amigo, é absolutamente correta a sua afirmação de que
a existência das massas tornou viável a reprodução técnica e que a
busca da massificação da reprodução técnica exerceu, ela própria, uma
influência decisiva na estrutura da obra de arte. O senhor crê que, entre
outras consequências, a reprodução técnica massiva trouxe consigo a
perda da aura (SCHÖTTKER, 1992, p. 120).

Justamente porque a autenticidade não pode ser reproduzida, a


introdução de determinados processos técnicos de reprodução levou
a uma gradação da autenticidade. Essa era uma importante função
do comércio da arte, pois ele tinha interesse palpável em diferenciar
impressões de uma gravura em madeira que tivessem sido feitas antes
ou depois de uma gravura de cobre e suas semelhantes (BENJAMIN,
1992, p. 34).

Na medida em que se seculariza o valor de culto da imagem, tornamse


cada vez mais indeterminadas as noções a respeito da substância
que constitui o seu valor único. O espectador tende cada vez mais
a substituir a unicidade do fenômeno presente na imagem do culto
pela unicidade empírica do artista ou da sua arte [...]. O conceito de
autenticidade jamais cessa de se remeter a algo além da certificação de
autenticidade (BENJAMIN, 1992, p. 35).

Gostaria de formular, nesse contexto, a teoria de que, quanto à sua


orientação estética, Benjamin reagiu aos choques da Primeira Guerra
Mundial – e que Adorno reagiu a Benjamin [...]. Benjamin quer ser o
melhor crítico literário – digamos da Alemanha, ou, entre parênteses,
da Europa – e ao mesmo tempo, não quer esquecer a carreira acadêmica.
Adorno que ser o melhor crítico musical do seu tempo e nem pensa em
esquecer sua carreira acadêmica (FONTAINE, 1992, p. 99).

A releitura, prática contrária aos hábitos comerciais e ideológicos [...]


que recomenda “jogar fora” a história uma vez consumida para que se
passe a outra história, para que se compre outro livro [...] é capaz de
salvar o texto de repetição (aqueles que não releem estão condenados
a ler em tudo a mesma história); já não se trata de consumo, mas de
um jogo (esse jogo que consiste no retorno do diferente). Portanto, se
relemos o texto é para chegarmos [...] não ao verdadeiro texto, mas ao
texto plural: mesmo e novo (BARTHES, 1992, p. 49).

Condiz com o pensamento de Benjamin, que via a reprodutibilidade


por outro ângulo: o de dar acesso aos grandes textos, tal como disse,
através da
máxima do flâneur (daquele que passeia pela cidade com olhar artístico) em
seu
livro Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo: “em nosso mundo
uniformizado,
é ao lugar que estamos, e em profundidade, que precisamos ir; o mudar de
país e
a surpresa, o exotismo mais cativante, estão bem perto” (HALÉVY, 1932, p.
153).

Em todas as artes há um aspecto físico que não pode mais ser


considerado ou tratado como no passado, pois não pode mais se
furtar aos efeitos da ciência e da práxis moderna. Matéria, espaço e
tempo não são mais o que eram há vinte anos. Inovações tão colossais,
que alteram o conjunto das técnicas artísticas, acabam por influenciar
a própria invenção e talvez terminem por modificar da forma mais
extraordinária o próprio conceito de arte (VALÉRY, 1944 apud
BENJAMIN, 1992, p. 9)

Para a teoria literária, nascida do estruturalismo e marcada pela


vontade de descrever o funcionamento neutro do texto, o leitor
empírico foi igualmente um intruso [...]. Quando chegaram a atribuir
um lugar ao leitor em suas análises, contentaram-se com um leitor
abstrato ou perfeito: limitaram-se a descrever as imposições textuais
objetivas que regulam a performance do leitor concreto, desde
que, evidentemente, ele se conforme com o que o texto espera dele
(COMPAGNON, 2012, p. 140).

A teoria que denunciava o lugar excessivo conferido ao autor nos


estudos literários tradicionais tinha uma ampla aprovação. Mas ao
afirmar que o autor é indiferente no que se refere à significação do
texto, a teoria não teria levado longe demais a lógica, e sacrificado a
razão pelo prazer de uma bela antítese? E, sobretudo, não teria ela se
enganado de alvo? Na realidade, interpretar um texto não é sempre
fazer conjeturas sobre uma intenção humana em ato? (COMPAGNON,
2012, p. 49)

De fato, a potência humana capturada na linguagem pelo escritor


francoargelino,
tal como enfatizaria não só o Formalismo, mas também uma análise
que adviesse do Estruturalismo literário, pecavam em parte por
subdimensionar,
na escrita de Camus, o quanto ali havia de resposta a fatores existenciais e
tecnológicos, que estavam para além da dinâmica interna do texto e que,
em certa
medida, o condicionavam.

Pós estruturalismo
O sujeito que muito prometia e que agora trabalha em um escritório.
Ele não faz nada de diferente, voltando para casa, se deitando e
esperando a hora do jantar fumando, se deitando de novo e dormindo
até o outro dia. Domingo, ele se levanta bem tarde e se põe à janela
observando a chuva ou o sol, os transeuntes ou o silêncio. Assim o ano
todo. Ele espera. Espera morrer. Para que servem as promessas, já que
de qualquer maneira [...] (CAMUS, 2007, p. 26).

no dia em que a ignorância for tão grande que só produzirá tédio”.


Philippe Sollers anunciava esse retorno desde 1980 [...] ao reunir as
assinaturas de Michel Foucault, Roland Barthes, Jacques Derrrida,
Julia Kristeva e todo o grupo do Tel Quel, o melhor da teoria então no
ápice (COMPAGNON, 2012, p. 14).

O que resta fazer? Em primeiro lugar, abandonar as soluções que


foram apresentadas na modernidade; abandonar, por exemplo, a
visão otimista da história humana; abandonar a aposta de que tudo
pode ser resolvido através do cumprimento da norma, e por isso
abandonar também a aposta no “estado de direito” (ASSMANN, 2007
apud AGAMBEN, 2007, p. 13).

“o leitor e o crítico passam do papel de


consumidor para o de produtor” (EAGLETON, 2006, p. 207).

À secura do estruturalismo aplicado, ao gelo da semiologia científica,


ao tédio que se desprende das taxinomias narratológicas, Barthes,
desde o início, opôs o prazer da “atividade estruturalista” e a felicidade
da “aventura semiológica”, [...] essa é, a meu ver, a lição irônica de
Barthes, que nunca cessou de tentar novos caminhos (COMPAGNON,
2012, p. 254).

Essa nova atitude crítica, por conseguinte, estava quase diametralmente


oposta às teses fenomenológica, formalista e principalmente estruturalista
de
corresponder, aos textos, um único modelo de leitura, modelo que, ao olhar
pósestrutural,
no estruturalismo pecava por apagar as diferentes vozes que, surgidas
durante a leitura, atravessavam inevitavelmente os textos.
O estruturalismo em geral, a poética e a narratologia, inspirados
no formalismo, deviam valorizar do mesmo modo o desvio e a
autoconsciência literária, em oposição à convenção e ao realismo. A
distinção proposta por Barthes, em S/Z, entre o legível (realista) e o
escriptível (desfamiliarizante), é também valorativa. [..] Daí inferia,
[tal como Genette], renunciando às pretensões do formalismo e do
estruturalismo, que “a literariedade, sendo um fato plural, exige uma
teoria pluralista” (COMPAGNON, 2012, p. 43).

As discussões acerca da finalidade da arte são bem antigas e remontam


aos primeiros teorizadores da literatura ocidental. Enquanto Platão
expulsava de sua República ideal os poetas, por considerar a arte
mentirosa, inútil e nociva aos bem-estar social, Aristóteles enaltecia
as funções da poesia, atribuindo-lhe uma finalidade catártica
(D’ONOFRIO, 2006, p. 21).

Platão tenta atenuar seu conceito negativista da função artística,


reconhecendo a utilidade da arte desde que sua atividade seja
programada pelo Estado e orientada para uma finalidade cívica. Mas,
na medida em que o filósofo nega a autonomia da arte, destrói-lhe
a própria essência, fundamentada na independência em relação ao
código linguístico e ideológico (D’ONOFRIO, 2006, p. 22) .

quando classificavam os gêneros literários na República e na Poética,


e o modelo de teoria da literatura ainda é, hoje, para nós, a Poética de
Aristóteles. Platão e Aristóteles faziam teoria porque se interessavam
pelas categorias gerais, ou mesmo universais, pelas constantes
literárias contidas nas obras particulares, como por exemplo, os
gêneros, as formas, os modos, as figuras. Se eles se ocupavam de obras
individuais (a Ilíada, o Édipo rei), era como ilustrações de categorias
gerais (COMPAGNON, 2012, p. 19, grifo do original)

Pois a prática que [Platão e Aristóteles] queriam codificar não era o


estudo literário, ou a pesquisa literária, mas a literatura em si mesma.
Procuravam formular gramáticas prescritivas da literatura, tão
normativas que Platão queria excluir os poetas da cidade. Atualmente,
embora trate da retórica e da poética, e revalorize sua tradição
antiga e clássica, a teoria da literatura não é, em princípio, normativa
(COMPAGNON, 2012, p. 19).

Distinguimos uma verossimilhança interna à própria obra, conferida


pela conformidade com seus postulados hipotéticos e pela
coerência de seus elementos estruturais [...]. Mais importante é a
verossimilhança interna, a coerência estrutural da obra, porque,
quanto à verossimilhança externa, a fuga para o fantástico, para o
mundo da imaginação, é comum à literatura. (D’ONOFRIO, 2006, p.
21, grifo do original).

Pode-se adotar, também, a ideia fenomenológica de descrever a essência


de um fenômeno estético. Para essa corrente teórica, advinda da filosofia de
Edmund Husserl, devemos isolar o objeto visado – o livro, o quadro, a
escultura,
ou qualquer artefato cultural – dos conceitos convencionais com os quais o
explicamos para, em seguida, voltar a ele de variadas formas até encontrar,
na
variação, aquilo que nesse objeto visado não muda, isto é, sua essência.
A arte é uma construção formal baseada em elementos do mundo real
e, como estes, ela possui a qualidade da estruturação. Deve-se notar,
todavia, que a estrutura não é característica peculiar do texto literário.
Qualquer objeto, desde que não seja composto de agregados, possui
uma estrutura (D’ONOFRIO, 2006, p. 19).
O livro, a obra, cercados por um ritual místico, existem por si mesmos,
desgarrados ao mesmo tempo de seu autor e de seu leitor, em sua
pureza de objetos autônomos, necessários e essenciais. Do mesmo
modo que a escritura da obra moderna não pretende ser expressiva,
sua leitura não reivindica identificação por parte de ninguém
(COMPAGNON, 2012, p. 138).

Apesar da querela sobre a intenção do autor, o historicismo


(remetendo a obra a seu contexto original) e o formalismo (pedindo a
volta ao texto, em sua imanência) concordaram durante muito tempo
em banir o leitor. [...] eles definiam a obra como uma unidade orgânica
autossuficiente, da qual convinha praticar uma leitura fechada
(COMPAGNON, 2012, p. 138).

Já que o leitor começa sempre por uma interpretação, não há texto


preexistente que possa controlar sua resposta: os textos são as
leituras que nós fazemos deles; nós escrevemos os poemas que lemos
[...]. Toda hierarquia na estrutura que une autor, texto e leitor, é,
pois, desconstruída, e essa tríade se funde numa simunltaneidade
(COMPAGNON, 2012, p. 159).

O autor reina [...] nas biografias de escritores, nas entrevistas dos


periódicos, e na própria consciência dos literatos, ciosos por juntar,
graças ao seu diário íntimo, a pessoa e a obra; a imagem da literatura que
se pode encontrar na cultura corrente está tiranicamente centralizada
no autor, sua pessoa, sua história, seus gostos, suas paixões; a crítica
consiste ainda, o mais das vezes, em dizer que a obra de Baudelaire
é o fracasso do homem Baudelaire, a de Van Gogh é a loucura, ade
Tchaikovski é o seu vício: a explicação da obra é sempre buscada do
lado de quem a produziu (BARTHES, 1988, p. 66).

Considera-se que o Autor nutre o livro, quer dizer que existe antes
dele, pensa, sofre, vive por ele; está para a sua obra na mesma relação
de antecedência que um pai para com o filho. Bem ao contrário, o
escritor moderno nasce ao mesmo tempo que seu texto, [...] todo texto
é escrito eternamente aqui e agora (BARTHES, 1988, p. 68).

Como parte importante do processo, mas referindo-se à literatura


de modo geral, Umberto Eco pontua que, no processo de escrita de
qualquer narrativa ficcional, não se pode explicar tudo sobre aquele
mundo criado [...]. Especialmente nas narrativas breves mais recentes,
cada vez mais fragmentadas e alusivas, é necessário que se estabeleça
uma espécie de pacto entre o texto que foi escrito e o texto que é
produzido/ressignificado no momento de leitura (PRADO, 2017, p.
206).

O texto não deve ser entendido como um objeto computável [...]. A


diferença é a seguinte: a obra é um fragmento de substância, ocupa
alguma porção do espaço dos livros (por exemplo, numa biblioteca).
Já o texto é um campo metodológico [...]. A obra se vê (nas livrarias,
nos fichários, nos programas de exame), o texto se demonstra [...]. A
obra segura-se na mão, o texto mantém-se na linguagem: ele só existe
tomado num discurso (BARTHES, 1988, p. 72).

A obra é tomada num processo de filiação [...]. O autor é reputado pai


e proprietário da obra: a ciência literária ensina então a respeitar o
manuscrito e as intenções declaradas pelo autor [...]. Não é que o autor
não possa ‘voltar’ no Texto, no seu texto: mas será, então, por assim
dizer: ele torna-se, por assim dizer, um autor de papel: [...] o eu que
escreve o texto, também, nunca é mais do um eu de papel (BARTHES,
1988, p. 75-76).

As forças de liberdade que residem na literatura não dependem da


pessoa civil, do engajamento político do escritor que, afinal, é apenas
um “senhor” entre outros, nem mesmo do conteúdo doutrinal de sua
obra, mas do trabalho de deslocamento que ele exerce sobre a língua
[...]. A literatura assume muitos saberes [...]. É nesse sentido que se
pode dizer que a literatura, quaisquer que sejam as escolas em nome
das quais ela se declara, é absolutamente, categoricamente realista: ela
é a realidade, isto é, o próprio fulgor do real (BARTHES, 2007, p. 16-
18).

E se é verdade que, por longo tempo, quis inscrever meu trabalho


no campo da ciência, literária, lexicológica ou sociológica, devo
reconhecer que produzi tão-somente ensaios, gênero incerto onde a
escrita rivaliza com a análise [...] tendo sido tão propenso a deslocar
sua definição, mal essa me parecia constituída, e apoiar-me nas forças
excêntricas da modernidade (BARTHES, 1988, p. 65).

Diante da abertura teórica instaurada pelas abordagens


contemporâneas, os limites entre os territórios disciplinares são
enfraquecidos, provocando o questionamento dos lugares produtores
de saber, assim como dos conceitos operatórios responsáveis pela
produção de paradigmas e metodologias críticas (SOUZA, 2000, p. 43).

Não é de se admirar, portanto, que, historicamente, o reinado do Autor


tenha sido também o do Crítico, nem tampouco que a crítica (mesmo
nova) esteja hoje abalada ao mesmo tempo que o Autor. Na escrita
múltipla, com efeito, tudo está para ser deslindado, mas nada para ser
decifrado (BARTHES, 1988, p. 69).

Foucault pronunciou uma conferência célebre, em 1969, intitulada


“Qu’Est-ce qu’un Auteur?” (O que é um Autor?), e Barthes havia
publicado, em 1968, um artigo com título bombástico, “La Mort de
l’Auteur” (A Morte do Autor) [...]. Estamos em 1968: a queda do
autor, que assinala a passagem do estruturalismo sistemático ao pósestruturalismo
desconstrutor (COMPAGNON, 2012, p. 49-51).

O signo saudável é aquele que chama a atenção para a sua própria


arbitrariedade – aquele que não tenta fazer-se passar por “natural”,
mas que, no momento mesmo de transmitir um significado, comunica
também alguma coisa de sua própria condição relativa e artificial [...].
O impulso que está por trás dessa convicção é político: o signo que se
pretende natural, que se oferece como única maneira concebível de
ver o mundo, é por isso mesmo autoritário e ideológico (EAGLETON,
2006, p. 203).

Uma vez afastado o Autor, a pretensão de ‘decifrar’ um texto se torna


totalmente inútil. Dar ao texto um autor é impor-lhe um travão, é
provê-lo de um significado último, é fechar a escritura. Essa concepção
convém muito à crítica, que quer dar-se como tarefa importante
descobrir o Autor (ou as suas hipóteses: a sociedade, a história, a
psique, a liberdade) sob a obra: encontrado o Autor, o texto está
“explicado”, o crítico venceu (BARTHES, 1988, p. 69).

Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha de palavras a


produzir um sentido único, de certa maneira teológico (que seria a
“mensagem” do Autor-Deus), mas um espaço de dimensões múltiplas,
onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma
é original: o texto é um tecido de citações, saídas dos mil focos da
cultura (BARTHES, 1988, p. 68-69).

Foucault formula [...] a indiferença a respeito do autor como mote


ou princípio fundamental da ética da escritura contemporânea. No
caso da literatura – sugere ele – não se trata tanto da expressão de
um sujeito quanto da abertura de um espaço no qual o sujeito que
escreve não para de desaparecer: “a marca do autor está unicamente
na singularidade da sua ausência” (AGAMBEN, 2007, p. 55).

O lugar – ou melhor, o ter lugar – não está, pois, nem no texto nem no
autor (ou no leitor): está no gesto no qual autor e leitor se põem em
jogo no texto e, ao mesmo tempo, infinitamente fogem disso. O autor
não é mais que a testemunha, o fiador da própria falta na obra em
que foi jogado; e o leitor não pode deixar de soletrar o testemunho,
não pode, por sua vez, deixar de transformar-se em fiador do próprio
inexausto ato de jogar de não se ser suficiente (AGAMBEN, 2007, p.
63).

Não basta repetir perpetuamente como afirmação vazia que o autor


desapareceu, [...] [é preciso] localizar o espaço assim deixado vago
pela desaparição do autor, seguir atentamente a repartição das lacunas
e das falhas e espreitar os locais, as funções livres que essa desaparição
faz aparecer [...] e que permite diferenciar em um romance, por
exemplo, “o relato de um narrador” enquanto um “alter ego” cuja
distância em relação ao escritor pode ser maior ou menor e variar ao
longo da mesma obra (FOUCAULT, 2009, p. 271-279).

Nesse sentido, são infundadas as acusações feitas aos estudos culturais


de que a literatura deixa de ser considerada objeto de pesquisa, ao ser
relegada a segundo plano e ao ser substituída por outros discursos e
diferentes interesses político-culturais. A abrangência assumida pela
literatura – ou a obra de ficção – possibilita maior abertura textual e
independe do critério de valor exclusivista e fechado assumido pela
crítica literária tradicional (SOUZA, 2000, p. 44).

Não basta repetir perpetuamente como afirmação vazia que o autor


desapareceu, [...] [é preciso] localizar o espaço assim deixado vago
pela desaparição do autor, seguir atentamente a repartição das lacunas
e das falhas e espreitar os locais, as funções livres que essa desaparição
faz aparecer [...] e que permite diferenciar em um romance, por
exemplo, “o relato de um narrador” enquanto um “alter ego” cuja
distância em relação ao escritor pode ser maior ou menor e variar ao
longo da mesma obra (FOUCAULT, 2009, p. 271-279).

Nesse sentido, são infundadas as acusações feitas aos estudos culturais


de que a literatura deixa de ser considerada objeto de pesquisa, ao ser
relegada a segundo plano e ao ser substituída por outros discursos e
diferentes interesses político-culturais. A abrangência assumida pela
literatura – ou a obra de ficção – possibilita maior abertura textual e
independe do critério de valor exclusivista e fechado assumido pela
crítica literária tradicional (SOUZA, 2000, p. 44).

O cânone clássico eram obras-modelo, destinadas a serem imitadas


de maneira fecunda; o panteão moderno é constituído pelos escritores
que melhor encarnam o espírito de uma nação. Passa-se, assim, de
uma definição de literatura do ponto de vista dos escritores (as obras a
imitar) a uma definição de literatura do ponto de vista dos professores
(os homens dignos de admiração). Alguns romances, dramas ou
poemas pertencem à literatura porque foram escritos por grandes
escritores, segundo este corolário irônico: tudo o que foi escrito por
grandes escritores pertence à literatura, inclusive a correspondência
e as anotações irrisórias pelas quais os professores se interessam
(COMPAGNON, 2012, p. 33)

A proliferação de práticas discursivas consideradas “extrínsecas” à


literatura, como a cultura de massa, as biografias, os acontecimentos
do cotidiano, além da imposição de leis regidas pelo mercado,
representam uma das marcas da pós-modernidade, que traz para o
interior da discussão atual, a democratização dos discursos e a quebra
dos limites entre a “alta literatura” e a cultura de massa (SOUZA, 2000,
p. 44).

A crítica biográfica, por sua natureza compósita, englobando a relação


complexa entre obra e autor, possibilita a interpretação da literatura
além de seus limites intrínsecos e exclusivos, [...] [por isso] propõe
a caracterização da biografia como biografema (Roland Barthes),
conceito através do qual se constrói uma imagem fragmentária do
sujeito, uma vez que não se acredita mais no estereótipo da totalidade
e nem no relato de vida como registro de fidelidade e autocontrole
(SOUZA, 2000, p. 43-45).

Os estudos culturais são intervencionistas no sentido de tentar os


melhores recursos intelectuais para conhecer mais satisfatoriamente
as relações de poder (como a evolução ou o equilíbrio em um jogo de
forças) num contexto específico, acreditando que esse conhecimento
pode capacitar melhor as pessoas a mudar o contexto e, com isso, as
relações de poder [...]. Além disso, procura entender não somente
as organizações de poder, mas, também, as possibilidades de luta,
resistência e mudança (GROSSBERG, 2009, p. 31).

Historicamente, a gênese do homem está vinculada à gênese da língua;


o segundo grande passo foi o desenvolvimento da escrita e a longa
substituição do paradigma oral pelo paradigma da escrita. No século
XX, os universos da oralidade e da escrita foram completados pelo
paradigma audiovisual e, ultimamente, é o paradigma multimedial
que tem ganho importância para os processos de produção e recepção
de códigos culturais (RAIBLE, 2006 apud EGGENSPERGER, 2010, p.
57).

As pessoas estão cansadas. Elas querem ser distraídas, e a indústria


do Kitsch fornece o inferior, que é mais fácil. Contudo é anestesia,
não tem nada a ver com compreensão, com encontro, com arriscar-se.
Sentar-se sozinho, ler refletir sem barulho, sem som de fundo, tudo
isso virou um esforço (NZZ, 2009 apud EGGENSPERGER, 2010, p. 65).

“Considerar o computador apenas um instrumento a mais pra produzir


textos, sons ou imagens sobre um suporte fixo (papel, película, fita
magnética)
equivale a negar sua fecundidade propriamente cultural, ou seja, o
aparecimento
de novos gêneros ligados à interatividade” (LEVY, 1996, p. 44).

Se considerarmos o computador como uma ferramenta para produzir


textos clássicos, ele será apenas um instrumento prático que a
associação de uma máquina de escrever mecânica, uma fotocopiadora,
uma tesoura e um tubo de cola [...]. Mas se considerarmos o conjunto
de todos os textos (de todas as imagens) que o leitor pode divulgar
automaticamente interagindo com um computador a partir de uma
matriz digital, penetramos num novo universo de criação e de leitura
de signos (LEVY, 1996, p. 43-44).

As potencialidades da linguagem digital cresceram


extraordinariamente, em brevíssimo espaço de tempo, com hardwares
e softwares cada vez mais aperfeiçoados e disponibilizados, reavivando
no mundo dos signos a pertinência antecipadora das propostas da
vanguarda, fulguradas em conceitos como a materialidade do texto
e sua projeção pluridimensional, visual e sonora (“verbivocovisual”),
a interpretação do verbal e do não verbal, a montagem, a colagem,
a interdisciplinaridade, a simultaneidade e, por fim, a interatividade,
em substituição aos modelos convencionais do discurso ortodoxo e
fechado (CAMPOS, 1975, p. 132).

Nossa comparação da linguagem e da pintura só é possível graças a


uma ideia de expressão criadora que é moderna [...]. O pintor joga os
peixes e conserva a rede. Seu olhar se apropria das correspondências,
[...] por outro lado, as cores e uma tela que fazem parte do mundo, ele
as priva subitamente de sua inerência: [...] tornam-se como as fontes
ou as florestas, [...] só estão lá como o mínimo de matéria de que um
sentido tinha necessidade para se manifestar. A tarefa da linguagem
é semelhante: [...] a mesma migração de um sentido esparso na
experiência [...] mobiliza em seu proveito instrumentos já investidos,
e os emprega de modo que eles se tornam para ele o próprio corpo
de que tinha necessidade enquanto passa à dignidade da significação
expressa (MERLEAU-PONTY, 1975, p. 61-62).

À ideia da subordinação de elementos a um ponto de interesse, ele


substitui um tipo de composição em que todos os elementos merecem
igual destaque. Nesse tipo de composição não há uma ordenação em
função de um elemento dominante, mas uma série de dominantes, que
se propõem simultaneamente, pedindo do espectador uma série de
fixações sucessivas, em cada uma das quais lhe é dado um setor do
quadro (MELO NETO, 1997, p. 24).

Com base na arquitetura não-linear das memórias de computador,


pode-se hoje conceber obras em que textos, sons e imagens estariam
ligados entre si por elos probabilísticos e móveis, podendo ser
configurados pelos receptores de diferentes maneiras, de modo a
compor possibilidades instáveis em quantidades infinitas. Isso é
justamente o que chamamos de hipermídia (MACHADO, 1997, p.
252).

Longe de ser apenas uma nova técnica, um novo meio para transmissão
de conteúdos preexistentes, a hipermídia é, na realidade, uma nova
linguagem [...]. Toda nova linguagem traz consigo novos modos de
pensar, agir, sentir [...]. A hipermídia significa uma síntese inaudita
das matrizes da linguagem e pensamento sonoro, visual e verbal com
todos os seus desdobramentos e misturas possíveis (SANTAELLA,
2001, p. 392).

O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de


comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O
termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação
digital, mas também o universo oceânico de informações que ela
abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse
universo. Quando ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o
conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes,
de modos de pensamento e valores que se desenvolvem juntamente
com o crescimento do ciberespaço (LEVY, 1999, p. 17).

O livro atingiu um patamar de instituição, haja vista que, em sua forma


impressa, configura-se como ferramenta para transmitir a memória
cultural de uma sociedade, propiciando um saber coletivo, papel
também exercido pela tecnologia. Evidentemente, o livro impresso e
o livro eletrônico possuem hierarquicamente valoração diferenciada
entre si e culturalmente (SILVA, 2011, p. 3).

Nesse espaço surge o hipertexto, escritas associadas não-sequenciais,


conexões possíveis de se seguir, oportunidades de leituras em
diferentes direções. Assim, o texto hipertextual tem como característica
principal ser um documento digitalizado, apresentando vários
“planos”, que contêm informações relacionadas entre si por meio de
“links” associativos, a fim de compor voas estruturas narrativas ou
teias poéticas, submetidas à intencionalidade do leitor ou à proposta
estética do autor (SILVA, 2011, p. 4).

Surge o princípio da interatividade – participação do leitor na


elaboração do texto, escolha de caminhos, estruturação narrativa.
A reprodução para o meio eletrônico é feita por escanerização ou
digitação dos textos, com as palavras-elo destacadas ou ainda pela
introdução de ícones representativos da temática da obra ou do bloco
[...]. Os dados são conectados por elos ou nós ou links que direcionam
para informações textuais, sonoras, iconográficas etc. Por estarem
pautados na relação, ele nunca apresentará um modelo padrão prédefinido.
A estrutura da obra acaba por se constitui enquanto sistema
semiótico (SILVA, 2011, p. 4).

A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar perpétua


a não-satisfação de seus membros [...]. Do contrário, a busca acaba ou o
ardor com que é feita (e também sua intensidade) cem abaixo do nível
necessário para manter a circulação de mercadorias entre as linhas de
montagem, as lojas e as latas de lixo. Sem a repetida frustração dos
desejos, a demanda de consumo logo se esgotaria e a economia voltada
para o consumidor ficara sem combustível (BAUMAN, 2008, p. 64).

O aprendizado não é mais um processo que está inteiramente sob


controle do indivíduo, uma atividade interna, individualista: está
também fora de nós, em outras pessoas, em uma organização ou em
um banco de dados, e essas conexões externas, que potencializam o
que podemos aprender, são mais importantes que nosso estado atual
de conhecimento (MATTAR, 2013, p. 30).

A narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares,


em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história
da humanidade; não há, nunca houve em lugar nenhum povo algum
sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm as suas
narrativas, muitas vezes essas narrativas são apreciadas em comum por
homens de culturas diferentes, até mesmo opostas: a narrativa zomba
da boa e da má literatura: internacional, trans-histórica, transcultural,
a narrativa está sempre presente, como a vida (BARTHES, 2002, p.
103).

Se leio com prazer esta frase, esta história ou esta palavra, é porque
foram escritas no prazer (este prazer não está em contradição com
as queixas do escritor). Mas e o contrário? Escrever no prazer me
assegura – a mim, escritor – o prazer do meu leitor? De modo algum.
Esse leitor é mister que eu o procure (que eu o ‘drague’) sem saber onde
ele está. (BARTHES, 1987, p. 9 – grifo original).

Segundo Theodor Adorno, uma obra torna-se clássica quando seus


efeitos primários se amainam ou são ultrapassados, sobretudo
parodiados. Segundo esse raciocínio, o primeiro público se engana
sempre: ele aprecia, mas por falsas razões [...]. O afastamento no
tempo desembaraça a obra do seu quadro contemporâneo e dos efeitos
primários que impediam que ela fosse lida tal como é em si mesma
[...]. É o afastamento no tempo que é, em geral, considerado como
uma condição favorável ao reconhecimento dos verdadeiros valores
(COMPAGNON, 2012, p. 247).

O surpreendente é que as obras-primas perduram, continuam a


ser pertinentes para nós, fora de seu contexto de origem. E a teoria,
mesmo denunciando a ilusão do valor, não alterou o cânone. Muito ao
contrário, ela o consolidou, propondo reler os mesmos textos, mas por
outras razões, razões novas, consideradas melhores (COMPAGNON,
2012, p. 250).

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