CAÇA AO ERRO 2
CAÇA AO ERRO 2
CAÇA AO ERRO 2
Texto
Para que a mãe poça tratar da lida da casa, o Martinho toma conta do
pumar até cerem horas de fechar as portas. Há noite apetece-lhe ficar
muinto quieto a ver televisão. Mas a mãe, que não é para brincaderas,
comessa a ralhar e obriga-o a estar em frante dela, sentado à mesa, com os
5 livros abretos.
A mãi do Martinho mal sabe ler, mas de contas perssebe ela! Faz mais
depressa uma soma de cabeca que o freguês com uma maquina de calcular.
De vez em cuando, deita uma olhadela ao livro que o filho está a ler, a ver
se ainda não virou a pájina. Na ideia dela um quarto de hora é mais que
10 sufeciente para ce estudar uma página…
O Martinho conta essas coisas rindo muinto. E eu calo-me. A minha vida
é difrente. Mal entro em casa, pouzo a pasta e coro para um campo cortar
erva tenra para os vitelos, que se fartam de reclamar no estábulo. Vou a
outro campo buscar as ouvelhas e as cabras que me agardam, presas a
15 estacas. Corto lanha e acarreto-a para a cosinha; vou à fonte boscar
regadores de áuga, e encho as pias dos porcos, que não param de foçar no
estrume, sempre sugos e esfomiados.
Só depois do jantar é que comeso a fazer os deveres de casa.
Apesar dessas cansseiras, não me tenho saido mal. Claro que não sou
20 bom aluno; de vez em quando, tenho negativas, mas lá me vou aguentando.
Difícil foi o primeiro ano. Eu ia da escola primaria com os olhus tapados,
e toda aquela barafonda confundio-me. Sobretudo as salas de aula. Sala A,
pavilhão C, sala D no pavilhão A, agora numa, depois noutra, em baicho,
em sima… que grande confusam para entender aquilo!
25 Numa parede estava aficsada uma lista com os nomes dos livros e dos
materiais que hera perciso comprar. Quanto tampo não estive ali a passar
para um cardeno, com a letra muito bem feitinha, aquele batalhão de
palavras intermináveis?!…
Depois o dinhero não xegava para tudo. E a mãe disia, aflita:
30 – Já estou arependida de te pôr a estudar. Se ficaçes aqui, talvez fosse
milhor; podias aprender uma profição. Entam fica assim tudo tão caro? Não
andaras a jogar numas máquinas que só sabem comer moedas?
Eu jurava que não, que era mesmo acim: tudo caro.
O meo pai sospirava fundo uma série de veses. […]
35 Eu entendia-os, mas não pudia fazer nada. E pro mais voltas que desse à
cabeça, tambem não consegia perceber para que eram precisos tantos
livros, tantas coizas e coizinhas.
Mas todo se foi arrangando. Meu pai vendeu um bezerro na feira e o
dinheiro aparesseu.
40 António Mota, 2015. Pedro Alecrim, 30. a.a ed. Alfragide: ASA (pp. 13-15)
CAÇA AO ERRO - correção
Texto
Para que a mãe possa tratar da lida da casa, o Martinho toma conta do
pomar até serem horas de fechar as portas. À noite apetece-lhe ficar muito
quieto a ver televisão. Mas a mãe, que não é para brincadeiras, começa a
ralhar e obriga-o a estar em frente dela, sentado à mesa, com os livros
5 abertos.
A mãe do Martinho mal sabe ler, mas de contas percebe ela! Faz mais
depressa uma soma de cabeça que o freguês com uma máquina de calcular.
De vez em quando, deita uma olhadela ao livro que o filho está a ler, a ver
se ainda não virou a página. Na ideia dela um quarto de hora é mais que
10 suficiente para se estudar uma página…
O Martinho conta essas coisas rindo muito. E eu calo-me. A minha vida
é diferente. Mal entro em casa, pouso a pasta e corro para um campo cortar
erva tenra para os vitelos, que se fartam de reclamar no estábulo. Vou a
outro campo buscar as ovelhas e as cabras que me aguardam, presas a
15 estacas. Corto lenha e acarreto-a para a cozinha; vou à fonte buscar
regadores de água, e encho as pias dos porcos, que não param de foçar no
estrume, sempre sujos e esfomeados.
Só depois do jantar é que começo a fazer os deveres de casa.
Apesar dessas canseiras, não me tenho saído mal. Claro que não sou bom
20 aluno; de vez em quando, tenho negativas, mas lá me vou aguentando.
Difícil foi o primeiro ano. Eu ia da escola primária com os olhos tapados,
e toda aquela barafunda confundiu-me. Sobretudo as salas de aula. Sala A,
pavilhão C, sala D no pavilhão A, agora numa, depois noutra, em baixo, em
cima… que grande confusão para entender aquilo!
25 Numa parede estava afixada uma lista com os nomes dos livros e dos
materiais que era preciso comprar. Quanto tempo não estive ali a passar
para um caderno, com a letra muito bem feitinha, aquele batalhão de
palavras intermináveis?!…
Depois o dinheiro não chegava para tudo. E a mãe dizia, aflita:
30 – Já estou arrependida de te pôr a estudar. Se ficasses aqui, talvez fosse
melhor; podias aprender uma profissão. Então fica assim tudo tão caro?
Não andarás a jogar numas máquinas que só sabem comer moedas?
Eu jurava que não, que era mesmo assim: tudo caro.
O meu pai suspirava fundo uma série de vezes. […]
35 Eu entendia-os, mas não podia fazer nada. E por mais voltas que desse à
cabeça, também não conseguia perceber para que eram precisos tantos
livros, tantas coisas e coisinhas.
Mas tudo se foi arranjando. Meu pai vendeu um bezerro na feira e o
dinheiro apareceu.
40 António Mota, 2015. Pedro Alecrim, 30. a.a ed. Alfragide: ASA (pp. 13-15)