A Ironia de Te Amar - Julia Schmidt

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Julia Schmidt – A ironia de te amar

Capa: Julia Schmidt


Diagramação Digital: Cirley Miranda @cirleymirandaescritora
Instagram: @juuliaaschmidt

Esta é uma obra de ficção. Os fatos e os personagens presentes


nesta obra, assim como nomes e diálogos, são unicamente fruto da
imaginação e da livre expressão artística do autor. Nenhuma parte
desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou
forma sem a prévia autorização dos autores. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.

Todos os direitos reservados


Título
Playlist
Dedicatória
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Epílogo
Agradecimentos
Clique na imagem abaixo para acessar a playlist e
embarcar nessa trilha sonora!
Para os amantes de um clichê divertido,
Que acham que namorar o crush é tão difícil
quanto acertar uma cesta de três pontos...
Após ser expulsa de Harvard, Alice Smith vê sua vida virar de
cabeça para baixo. Em meio à pressão de pais rígidos e inconvenientes, ela
decide que é hora de fugir das regras sufocantes e viver do seu jeito. No
entanto, sua nova liberdade é desafiada quando é forçada a trabalhar ao lado
de Marcus Lewis, um bilionário arrogante e controlado, que vive de acordo
com suas próprias regras inflexíveis.
Alice e Marcus não podiam ser mais diferentes, e o choque de
personalidades entre eles é instantâneo. No ambiente de trabalho, cada troca
de palavras é uma faísca prestes a se transformar em incêndio. Mas à
medida que os dois começam a se conhecer melhor, descobrem que há mais
do que rivalidade entre eles—há uma química inegável que ambos tentam
ignorar.
Em meio a embates e momentos cômicos, Alice e Marcus percebem
que têm muito a aprender um com o outro. Nesta comédia romântica,
prepare-se para ver como até os corações mais endurecidos podem
encontrar uma nova perspectiva e como o amor pode surgir onde menos se
espera.
O bar de rock estava tão lotado que era difícil saber onde terminava
a multidão. A música vibrava com tanta intensidade que parecia que as
próprias estruturas do prédio estavam tentando acompanhar o ritmo. As
luzes piscavam, criando uma atmosfera caótica, mas, de algum jeito,
acolhedora. Encontrei um dos poucos bancos altos disponíveis no balcão,
com o couro mais gasto do que minhas esperanças no futuro. O bartender,
um homem robusto com uma barba grisalha, lançou-me um olhar intenso.
— Você tem mesmo vinte e quatro anos? — Ele perguntou.
Revirei os olhos, enquanto jogava minha identidade no balcão.
Sinceramente, se eu ganhasse um real para cada vez que alguém duvidasse
da minha idade, já teria meu próprio bar.
— Verifique você mesmo. — Respondi.
Ele pegou a identidade, examinando-a com mais cuidado do que eu
examino meu reflexo depois de uma noite mal dormida. Finalmente, depois
do que pareceu uma eternidade, ele assentiu com a cabeça.
— Certo, o que vai querer beber?
— O whisky mais forte que você tiver. — Respondi.
O bartender serviu-me um copo generoso de um whisky âmbar,
cujo aroma era forte o suficiente para acordar até os mortos. Peguei o copo,
dei um longo gole e senti o calor descer pela minha garganta, aquecendo até
os lugares que eu nem sabia que estavam frios. No canto do bar, uma banda
tocava "Heaven and Hell" do Black Sabbath, a trilha sonora perfeita para
uma crise existencial. Enquanto a letra ecoava pelo bar, me peguei
filosofando sobre o sentido da vida.
O que era realmente o céu? Um lugar de paz e felicidade que
sempre parecia estar a um passo de distância, mas nunca ao alcance? E o
inferno? Talvez fosse mais familiar do que eu gostaria de admitir, uma
mistura de expectativas sufocantes e aquele controle constante que meus
pais exercem sobre minha vida, um ciclo infinito de frustração e
ressentimento. Nada que um whisky forte e uma boa música não pudessem
apaziguar, mesmo que por um momento. Levantei o copo e tomei outro
gole, sentindo a música e o álcool se fundirem nas minhas veias, criando
um coquetel estranho de reflexão e embriaguez. Afinal, se a vida é uma
série de altos e baixos, eu estava determinada a aproveitar a vista do fundo
do poço.
A minha tristeza se devia ao fato de eu ter sido expulsa de Harvard.
Fui aceita porque mantinha minhas notas altas no ensino médio. Mas ao
entrar naquela gigantesca universidade, sendo obrigada a um curso que eu
não queria, por causa dos meus pais, eu me vi forçada a algo que eu não
amava.
Então conheci um mundo totalmente diferente, tentando preencher
o vazio por não seguir meu sonho que era a literatura. Meus pais pagaram a
faculdade, então minha opinião nunca pareceu importar de verdade. Como
sempre Alice agindo conforme eles queriam.
Eu amava Harvard. Cada tijolo daqueles prédios históricos, cada
centímetro dos jardins perfeitamente cuidados, me faziam sentir que estava
em um lugar especial. Mas, ao invés de estar mergulhada na literatura, que
sempre foi minha paixão, estava presa a algo que não me movia, que não
despertava em mim nenhum interesse. A frustração se acumulava a cada
semestre. Eu me lamentava constantemente por não ter escolhido o curso de
Literatura, o único que realmente fazia meu coração bater mais forte.
Meus dias em Harvard poderiam ter sido incríveis, o ápice dos
meus sonhos juvenis. Mas, ao invés disso, se transformaram num lembrete
constante de que eu estava em uma prisão acadêmica, pagando por um
crime que eu definitivamente não cometi. A pressão para não decepcionar
meus pais, somada à sensação de estar jogando fora os melhores anos da
minha vida, era uma receita para o desastre. Lá estava eu, na universidade
dos sonhos, mas me sentindo como uma peça fora do quebra-cabeça,
porque, convenhamos, de que adianta estar no lugar certo se você está
fazendo a coisa errada?
Eu já estava naquele bar há tempo suficiente para entender que
tinha ultrapassado o limite do bom senso. A linha entre "agradavelmente
alegre" e "definitivamente bêbada" já tinha ficado para trás há alguns copos.
Era, sem dúvida, o momento certo de pegar minhas coisas e ir para casa
antes que a noite tomasse outro rumo. Saindo do bar, me preparei para
atravessar a rua. Mas, antes que eu pudesse completar a travessia, a porta de
um carro se escancarou bem na minha frente, me pegando completamente
de surpresa e eu me desequilibrei caindo no chão. Atordoada, levei alguns
segundos para entender o que tinha acontecido. Quando finalmente levantei
os olhos, pronta para disparar minha fúria, me deparei com um homem alto,
loiro e de olhos azuis, me olhando com uma expressão que oscilava entre a
indiferença e um leve aborrecimento. Claro, porque meu dia não poderia
ficar pior, não é mesmo?
— Você sabia que existe calçada?
Ele perguntou com uma arrogância irritante. Eu o encarei,
absorvendo sua ironia ridícula.
— E você sabia que eu não te perguntei?
Retruquei, levantando-me e sacudindo a sujeira da roupa, sentindo a
raiva borbulhar dentro de mim. Ele me olhou por mais um instante, sem
mudar a expressão, deu de ombros, e se afastou caminhando pela calçada.
Eu senti uma vontade imensa de socá-lo, mas me limitei a acender um
cigarro e me afastar dali, tentando acalmar a tempestade interna.
Na volta para casa eu cambaleava pelo corredor do prédio,
segurando minha bolsa enquanto procurava a chave de casa. O edifício
“luxuoso”, propriedade da Imobiliária Smith, era um marco de opulência e
extravagância, localizado de frente para o rio que separa Nova York de
Nova Jersey. Meus pais ocupavam a cobertura, um duplex de dois andares.
Tropecei ligeiramente, encostando-me à parede para manter o
equilíbrio. Os vários copos de whisky forte que havia bebido no bar ainda
faziam efeito, tornando meus movimentos desajeitados e meus pensamentos
confusos. Revirei a bolsa mais uma vez, os dedos trêmulos de frustração e
embriaguez.
— Onde diabos está essa chave?
Murmurei para mim mesma, enquanto a bolsa se transformava em
um mar de itens inúteis. Olhei para o corredor, iluminado de forma suave e
elegante, contrastando com meu estado atual. Os tapetes luxuosos sob meus
pés, as paredes de um branco reluzente e a música clássica suave tocando
ao fundo, vindo de algum apartamento logo abaixo, isso tudo parecia
zombar de minha condição.
Finalmente, encontrei a chave no fundo da bolsa e tentei, com mãos
trêmulas, colocá-la na fechadura. Demorou alguns momentos até conseguir
alinhar a chave corretamente. Empurrei a porta com força, quase
tropeçando para dentro do apartamento. A luxuosa entrada da cobertura me
acolheu, com seu mármore frio e os móveis impecáveis. Fechei a porta atrás
de mim, encostando-me nela por um momento, tentando recuperar o
equilíbrio. Meus pensamentos ainda estavam enevoados pelo álcool, e
minha mente girava com uma mistura de frustração, tristeza e raiva.
Por que tenho que viver assim? pensei, sentindo uma onda de
desespero ao olhar ao redor. Tudo neste lugar parecia perfeito, mas era um
perfeccionismo vazio, sem alma, sem liberdade. O corredor amplo à minha
frente era um reflexo do que meus pais queriam que eu fosse: impecável,
controlada e conformada. Este apartamento luxuoso era uma prisão
dourada, ao subir as escadas, de repente, a luz do abajur na sala se acendeu.
Tomei um susto e, no mesmo instante, perdi o equilíbrio, caindo de
degrau a degrau pela escada até chegar ao primeiro. O impacto foi brusco, e
precisei de um momento para recuperar o fôlego e processar o que havia
acabado de acontecer. Segundo tombo hoje, meus parabéns Alice.
Quando finalmente levantei o olhar, vi minha mãe sentada no sofá,
segurando uma taça de vinho na mão. Sua expressão era de desgosto, e a
tensão no ar era palpável. Ela se levantou do sofá, mantendo a taça
firmemente na mão, como se estivesse se segurando para não explodir.
— Alice, você sabe que horas são? — Sua voz saiu afiada, cortando
o silêncio.
— Não sei, a última vez que verifiquei eram onze horas. — Eu
disse rindo, ainda meio atordoada, enquanto me levantava lentamente,
sentindo a dor latejante da queda se espalhar pelo corpo.
— Alice, esse comportamento tem que acabar se você quiser que
nós te ajudemos no seu futuro! — Minha mãe se aproximou de mim com
passos firmes e decididos. Quando ela chegou mais perto, seu rosto se
contorceu ao sentir o cheiro de álcool e cigarro que exalava de mim.
— Eu não acredito que fumou e bebeu... — Seus olhos se encheram
de lágrimas, e ela começou a chorar. — Você está manchando o nome da
nossa família com essas atitudes indecentes. Olha para isso! Filha, o que
aconteceu com você?
Ela dizia entre lágrimas, e eu me sentei na mesa da sala de jantar,
colocando as mãos na cabeça enquanto tentava afastar a dor de cabeça que
começava a pulsar.
— Primeiro a expulsão, e agora virou uma viciada em bebidas e
cigarro? — Ela continuou, a voz cheia de amargura.
Levantei o olhar e virei o rosto para encará-la, sentindo a raiva se
acumulando dentro de mim.
— Ah, me poupe do seu sermão! Sabe... vocês não são os únicos
tristes pela minha expulsão de Harvard. Eu também estou! Mas vocês nem
se preocupam com o que eu quero, só pensam na própria imagem! E agora
me chama de viciada, sendo que isso está sendo a única coisa que me faz
aguentar vocês. — Rebati, elevando o tom de voz, a sala ficou em silêncio
por um momento, as palavras reverberando no ar.
Minha mãe, com lágrimas escorrendo pelo rosto, olhou para mim
com uma mistura de dor e desapontamento. Eu podia ver o peso de suas
expectativas desmoronando, mas, ao mesmo tempo, senti a necessidade de
reafirmar meu desejo de independência e minha luta contra o controle
sufocante que eles exerciam sobre mim.
— Alice... minha filha, o que é isso? — Ela perguntou, a voz
embargada de incredulidade.
— É que viver de acordo com as expectativas de vocês está me
destruindo!
Respondi, a voz firme, deixando claro que eu não aguentava mais.
Ela ficou calada, completamente boquiaberta com a veracidade das minhas
palavras.
— Está na hora de eu seguir meu próprio caminho.
Acrescentei, minha voz ecoando com determinação na sala. Ela não
respondeu, mas a voz do meu pai cortou o silêncio, fazendo meu coração
acelerar de susto.
— Você age como se o que vivenciamos há alguns meses não fosse
nada, Alice. Tem ideia da vergonha que nos fez passar? — Meu pai descia
as escadas, o rosto carrancudo como sempre, demonstrando o desagrado
habitual.
— Já cansei de dizer que não tive culpa!
Respondi, elevando novamente o tom de voz, exausta de repetir a
mesma história. Um grupo passou dos limites, bebeu além da conta e fez
um calouro virar de cabeça para baixo para beber whisky. Ele se engasgou
com o líquido, e enquanto todos riam, eu estava lá sem entender o que
estava acontecendo. Só fui descobrir depois. Foi necessária uma
ambulância, porque ele ficou inconsciente por alguns minutos após se
engasgar.
— Qual é? Eu sou maior de idade agora, não sou mais a mesma de
cinco anos atrás. — Retruquei, sentindo a indignação crescer dentro de
mim, enquanto tentava fazer com que eles entendessem o quanto eu havia
mudado.
— Sim, é maior de idade..., mas é da família Smith, e prezamos
muito por isso. — Meu pai respondeu, sua voz carregada de autoridade,
como se o simples fato de eu carregar o sobrenome deles fosse suficiente
para me moldar ao que eles desejavam.
— Sabe, Alice... você desperdiçou todo o nosso dinheiro.
Minha mãe disse, sua voz era uma mistura de tristeza e frustração.
— Vocês estão se ouvindo? Sério... nem ao menos perguntaram
como eu estou me sentindo? — Minha voz tremendo de raiva e desespero.
Mas, como de costume, eles fingiram que não me ouviram.
— Alice, precisamos que termine os estudos para que possa
gerenciar a empresa. — Meu pai insistiu, como se aquilo fosse a solução
para todos os problemas.
— A imobiliária? — Dei uma gargalhada amarga. — Nem
ferrando!
— A empresa tem tudo o que você precisa para crescer, com todos
os benefícios. O que é melhor que isso? — Meu pai retrucou, tentando soar
lógico, mas só me deixava mais furiosa.
— Minha saúde mental! — Gritei, a voz ecoando pela sala,
carregada de dor e frustração.
— Já que não quer fazer parte dos negócios da família, o que eu já
imaginava... quem sabe com a sua entrevista de amanhã, que tens marcada
na SayCompany. Consiga um emprego descente e possa investir melhor no
seu futuro. Será as nove, então, é melhor você ir dormir agora.
Eu fiquei boquiaberta, sentindo a raiva subir pelo meu corpo
— SayCompany? Que empresa é essa? — perguntei incrédula.
— A empresa de Marcus Lewis… você não o conhece. Apesar de
eu ter insistido várias vezes para que fosse aos eventos conosco, você nunca
parecia interessada. Não quer um futuro melhor? Você terá um, e eu faço
questão de te levar. Já combinei tudo com a Margot.
— Sua melhor amiga? — perguntei, com desdém.
— Sim, Alice, a empresa é do filho dela. Pelo menos me ouve
quando eu falo de assuntos importantes nesta casa? — Perguntou ela.
Revirei os olhos e coloquei as mãos na cintura, tentando manter a
calma.
— E você me ouve? — retorqui, desafiadora.
— Acho melhor você ir descansar. Tome um banho, está exalando
álcool! — disse ela, com um tom cortante.
Eu podia sentir a frustração e o desespero borbulhando dentro de
mim, prestes a explodir. Meu corpo tremia, mas sabia que discutir mais
naquele momento não levaria a nada. Com um suspiro exasperado, virei-
me, subindo as escadas aos tropeços, sentindo o peso da derrota nas costas,
cada passo era um borrão de adrenalina e desespero.
Quando finalmente alcancei o corredor, abri a porta do meu quarto
com um ímpeto quase violento, mas a fechei rapidamente atrás de mim.
Escorreguei minhas costas pela porta até o chão. Eu nunca fui de chorar
facilmente, não era do meu feitio. Nem mesmo quando tudo à minha volta
estava desmoronando. Mas agora, enquanto os eventos dos últimos meses
passavam pela minha mente como um filme em câmera lenta, senti o peso
de cada um deles me sufocar. A “diversão” que levou à minha expulsão de
Harvard não foi culpa minha, mas aqui estava eu, pagando o preço por algo
que nunca deveria ter acontecido.
Meus amigos, aqueles que eu considerava tão próximos,
desapareceram da minha vida assim que os problemas começaram. Não
recebi uma mensagem, uma ligação, nada. Era como se eu nunca tivesse
existido para eles. O rancor começou a crescer em meu peito, pesado e
amargo. Harvard era um símbolo de prestígio, um sonho que eu havia
alimentado. Nunca quis estudar Administração; meu verdadeiro desejo
sempre foi mergulhar na literatura. Cheguei a ter um blog onde
compartilhava críticas literárias, recomendações e até detalhes da minha
vida, mas tive que abandoná-lo assim que as obrigações do curso se
tornaram intensas e constantes.
Levantei-me do chão com um suspiro resignado e notei que a
carteira de cigarros estava na mesa de cabeceira. Meus pais, como sempre,
não conseguiam manter o silêncio durante suas conversas. O som das vozes
deles chamou minha atenção. Me inclinei sobre a porta e coloquei o ouvido
contra ela, tentando captar o que estavam discutindo.
— Jorge, eu não aguento mais receber condolências por Alice ser
expulsa de Harvard! Não aguento mais ser feita de coitada!
Era a voz da minha mãe e eles estavam subindo as escadas.
— Violet se acalme. Vamos colocar a Alice em outra faculdade, no
curso de Administração. Tudo vai se resolver.
— Administração? Jorge, ela nunca quis isso! Ela não se encaixa
em nossas expectativas, e isso está destruindo a nossa imagem. Espero que
a entrevista de amanhã seja um novo começo a ela. — Sua voz estava
embargada, mas seu tom de voz carregava uma leve desistência da parte
dela.
Fechei os olhos, sentindo o peso de suas palavras. Eu era uma
vergonha para eles. Me afastei da porta e coloquei um cigarro sobre os
lábios. Acendi, tragando a fumaça como algo que fosse a única coisa que eu
conseguia fazer certo, era a única coisa que me acalmava. Pensei sobre
morar em outro lugar, longe daquela realidade, um refúgio onde pudesse ser
eu mesma.
Sentei-me no chão, abraçando minhas pernas, sentindo uma lágrima
escorrer pelo meu rosto. Eu não queria ser quem meus pais esperavam que
eu fosse. Não queria seguir um caminho que não era meu. A muito tempo
eu estava presa em uma vida que não fazia sentido, uma vida que me
sufocava cada vez mais. Fechei os olhos, eu precisava tomar alguma
iniciativa. Minha avó era a única pessoa em quem eu realmente podia
confiar; ela era como a minha melhor amiga nos momentos mais difíceis.
Não havia ninguém mais que pudesse compreender tão profundamente o
que eu estava passando. Minha mente estava mergulhada em um turbilhão
de tristeza e rancor, e eu me sentia perdida, sem saber qual caminho seguir.
Eu não queria ser uma decepção, mas também não queria viver uma
mentira. Pensava em recorrer à minha avó, na esperança de que ela pudesse
me ajudar a encontrar uma saída. Mas, por enquanto, tudo o que eu
consegui fazer foi tragar mais uma vez a fumaça do cigarro, tentando
acalmar o caos dentro de mim.
Acordei com um salto quando minha mãe escancarou as cortinas do
meu quarto, inundando-o com uma claridade absurda. Pisquei várias vezes,
tentando ajustar meus olhos à claridade repentina, enquanto lá fora a chuva
de fim de setembro caía como uma cortina de fios prateados no vidro da
janela, criando um cenário digno de um filme melancólico.
— Levanta, Alice! — exclamou minha mãe, com uma energia que
só ela conseguia ter tão cedo pela manhã, como se tomasse café diretamente
na veia. — Vista-se. Coloque a roupa mais formal que você tiver.
Ela abriu meu guarda-roupa com a determinação de quem está
prestes a iniciar uma missão militar e, ao se deparar com a quantidade
esmagadora de roupas pretas.
— Por Deus, Alice, você não tem nada rosa, bege ou branco?
Perguntou, sua voz carregada de indignação, enquanto eu
permanecia em um silêncio estratégico. Ela saiu do quarto com passos
firmes, claramente desapontada, e eu apenas revirei os olhos. Pelo menos, o
whisky da noite anterior era bom o suficiente para não me deixar de
ressaca. Isso já era uma pequena vitória.
Arrastei-me para fora da cama, espreguiçando-me como se
estivesse carregando o peso do mundo nos ombros, e fui em direção ao
banheiro. Depois de alguns minutos, saí me sentindo um pouco mais
humana, mas não tanto a ponto de escapar da insistência da minha mãe, que
agora segurava um conjunto rosa xadrez e uma meia-calça que, segundo
ela, me protegeria do frio.
— Prefiro vestir as minhas roupas, do que usar esse rosa horrível
Eu disse, olhando para ela com desprezo. Ela revirou os olhos e
voltou para o seu quarto, resmungando algo sobre minha falta de
cooperação. Suspirei, exasperada, e olhei para o meu guarda-roupa, em
busca de algo que fosse formal, mas ainda aceitável para mim.
Depois de alguns minutos, encontrei algumas peças que seriam do
agrado de minha mãe e perfeitas para o clima de outono. Peguei uma calça
jeans skinny preta, eu amava essa calça e já estava gasta de tanto usa-la pois
era leve e confortável. Combinei com uma blusa de manga longa preta, feita
de lã fina, dando um toque sofisticado sem ser excessivamente formal. Por
cima, escolhi um casaco trench coat preto, elegante e funcional, perfeito
para o tempo chuvoso. Finalizei o look com um par de botas pretas de
couro, de cano médio, que além de estilosas, eram confortáveis para um dia
que prometia ser longo. Cada peça de roupa que vestia parecia pesar
toneladas. O tecido, embora de qualidade, parecia me sufocar, e a sensação
de desgosto crescia a cada botão fechado. A blusa, que teoricamente
combinava com meu estilo, se transformava em uma armadura contra a
minha vontade. O casaco, embora elegante, parecia uma capa de
conformismo forçada sobre meus ombros. Vesti-me rapidamente e dei uma
última olhada no espelho.
A combinação estava longe de ser o que minha mãe esperava, mas
pelo menos eu me sentia confortável e, ao meu ver, apropriada para a
ocasião. Desci as escadas com o peso das imposições e das expectativas
irreais me acompanhando. O gosto amargo da revolta e do desgosto estava
presente, constantemente me lembrando o quão distante eu estava dos meus
sonhos.
Ao entrar na cozinha, fui direto ao armário e peguei a maior xícara
que encontrei. Hoje, eu precisava de uma dose exagerada de café, mais do
que nunca.
— Não entendo o que tem de tão especial nessa SayCompany. É só
mais uma empresa qualquer... — Murmurei para mim mesma, mas fui
interrompida ao ver meu pai entrando no recinto. Ele segurava seu jornal
com um ar de solenidade.
— A SayCompany não é só mais uma empresa qualquer — corrigiu
meu pai, ajustando seus óculos e olhando para mim com uma expressão que
misturava frustração e determinação. — É uma empresa renomada no ramo
de investimentos. Marcus Lewis conseguiu transformá-la em um sucesso
depois que a assumiu. Então, minha filha, conseguir seu primeiro emprego
lá é crucial. Vai resolver todos os seus problemas.
Senti uma onda de raiva tão profunda que foi difícil manter a
compostura. Bebi o restante do café de uma só vez, o líquido queimando
minha garganta como se fosse ácido.
— Ah, claro, porque é isso que eu sempre sonhei, não é? —
Respondi, tentando manter o tom neutro, mas a irritação transparecia em
minha voz. — Um emprego em uma empresa de investimentos que eu não
me importo nem um pouco.
— Alice, você precisa entender que isso é importante para o seu
futuro. — Meu pai insistiu, com um tom de voz que não deixava espaço
para discussão.
— Eu entendo, mas só porque é importante para vocês não significa
que eu tenha alguma empolgação por isso — retruquei, cruzando os braços
e virando-me para o balcão.
Meu pai suspirou, um misto de resignação e desapontamento em
seu olhar.
— Apenas tente ver o lado positivo. Se você conseguir o emprego,
isso pode ser um passo importante para sua carreira.
— E se eu conseguir, espero que isso seja o suficiente para
finalmente me mudar daqui! — Respondi, tentando controlar a frustração
que me consumia.
Meu pai olhou para minha mãe em busca de alguma reação, mas ela
estava absorta em sua agenda e tablet, provavelmente marcando mais uma
de suas sessões de spa. Ela vivia como uma madame, enquanto meu pai era
o único que trabalhava. A imobiliária dele tinha uma excelente reputação
em toda Nova York, com prédios comerciais e casas para alugar.
Deixei a xícara na pia e subi as escadas com passos pesados. Ao
chegar no meu quarto, encarei meu reflexo no espelho. O que eu vi era um
misto de desespero e resignação, e eu lutava para ignorar o desgosto
crescente. Tentava me convencer de que aquele visual formal me favorecia
de alguma forma. O conjunto de outono que eu havia escolhido era
composto por um sobretudo de lã preto, calças jeans e uma blusa preta.
Tudo preto. Com meus cabelos loiros escuros soltos, que chegavam até o
meio das minhas costas, e meus olhos verdes observando a figura
desconfortável refletida no vidro.
O espelho me devolvia a imagem de alguém que tentava forçar um
sorriso e um olhar confiantes, enquanto, na verdade, eu me sentia
completamente fora de controle sobre a minha própria vida.
Foi quando a voz da minha mãe, alta e estridente, penetrou as
paredes do meu quarto, me arrancando do meu transe contemplativo.
— Alice, apresse-se!
Ela gritou lá de baixo, sua voz ecoando pelo corredor e subindo
pelas escadas como uma corrente elétrica. Dei uma última olhada no
espelho, tentando forçar um semblante que não mostrasse o turbilhão de
emoções que eu sentia por dentro. Revirando os olhos, murmurei para mim
mesma:
— Claro, isso é tudo o que eu quero.
Saí do quarto rapidamente, tentando ajustar meu casaco enquanto
descia as escadas. Ao chegar no andar de baixo, a visão da minha mãe, de
pé perto da porta de entrada, com uma expressão de impaciência e um olhar
fixo no relógio, só intensificou meu desgosto. Ela estava vestida com aquele
seu estilo Peppy ridículo. Mas seus olhos entregavam o fato de eu estar ali
fosse uma questão de vida ou morte para ela.
— Finalmente! — exclamou ela, sua voz carregada de uma irritação
controlada. — Pensei que você nunca fosse aparecer. Vamos, precisamos ir
agora!
Segui-a até o elevador com um suspiro, torcendo para que essa
entrevista pelo menos resultasse em um emprego, assim eu poderia começar
a reformular minha vida.

No momento que chegamos na calçada do prédio, eu imediatamente


senti um enjoo ao olhar para a altura impressionante. O céu parecia quase
tocar a ponta do edifício, e a sensação de pequenez que isso causava era
esmagadora. Minha mãe, por outro lado, estava radiante, sua animação
quase palpável.
— Alice você vai trabalhar nesse prédio, olha que incrível! — Ela
disse, sua voz transbordando entusiasmo. Eu mal conseguia olhar para ela.
— Mãe, eu nem fiz a entrevista ainda. — Respondi, tentando conter
a irritação na minha voz. Ela parecia imune à minha frustração.
— Seja mais positiva, Alice. Você vai conseguir essa vaga, eu sei
disso! — Ela insistiu, com um sorriso confiante. — Margot me informou
que estará nos esperando no andar da empresa.
Enquanto ela falava, checava freneticamente o celular,
provavelmente ela estava tentando lembrar em que andar ficava a empresa.
Revirei os olhos, me sentindo cada vez mais sufocada pela situação. Eu
observava ao redor do grande hall de entrada, tentando encontrar algo que
me distraísse.
As pessoas passavam apressadas, indo e vindo, muitas delas
parecendo tão absortas em suas próprias vidas e problemas quanto eu me
sentia com os meus. O hall era um espetáculo de mármore e vidro, com
luzes brilhantes e uma sensação de grandeza que só servia para aumentar
meu desconforto.
— Achei! — Minha mãe exclamou, interrompendo meus
pensamentos. — É no 89º andar.
Meu estômago revirou. Eu nunca quis essa entrevista, mas o
nervosismo estava me consumindo. Era a primeira entrevista da minha vida,
e a pressão de estar ali, nessa empresa desconhecida em que eu não
conhecia nada sobre números e nada relacionado a investimentos, me
deixava ainda mais nervosa. Seguimos para o elevador, minha mãe
praticamente pulando de animação, enquanto eu sentia cada passo como um
peso adicional nos meus ombro.
— Vamos, querida. Este é o seu futuro.
Ela disse, apertando meu braço com uma determinação e me
arrastando pelo hall do prédio, que me fez querer fugir dali.
Enquanto esperávamos o elevador, eu olhei para ela, tentando
encontrar alguma forma de expressar o quanto eu me sentia fora de lugar.
Mas as palavras não vieram. Eu estava presa nesse papel, tentando cumprir
expectativas que nunca foram minhas. E, naquele momento, a única coisa
que eu podia fazer era entrar no elevador e enfrentar mais um dia de um
futuro que eu não queria.
Quando o elevador se abriu, a Sra Margot Lewis estava lá, com seu
sorriso caloroso, eu conhecia ela devido a visitar minha mãe algumas vezes
e ocasionalmente eu esbarrar com ela. Ela cumprimentou minha mãe de
imediato.
— Violet! — exclamou, abraçando minha mãe com entusiasmo. Em
seguida, ela se voltou para mim. — Alice, quanto tempo! Você está
magnifica... — Ela me envolveu em um abraço rápido e sussurrou no meu
ouvido — Vá para o 88° andar.
Quando Margot me soltou, ela se direcionou à minha mãe, dizendo.
— Violet, que tal tomarmos um café enquanto sua filha faz a
entrevista?
Minha mãe, me olhou relutante.
— Mas Alice, precisa que eu a acompanhe até a entrevista...
— Não se preocupe com Alice. Ela já é maior de idade e sabe o que
fazer.
Margot, com um tom tranquilizador, insistiu rindo.
— É mãe, eu vou me sair bem, aproveite um café com sua amiga.
Sorri. Margot envolveu o ombro da minha mãe, afastando-a
gentilmente, impedindo que minha mãe hesitasse. Antes de se afastar
completamente, Margot olhou para trás e me deu uma piscadela. Fiquei
perplexa e, ao mesmo tempo, aliviada. Margot tinha feito o impossível:
afastado minha mãe de mim, tornando o ambiente menos sufocante. Eu
ligeiramente me simpatizei com essa mulher.
Entrei no elevador, ainda sorrindo, e apertei o botão para o 88°
andar. Enquanto o elevador subia, eu me perguntava por que ela havia me
direcionado para o 88° andar sendo que a minha mãe tinha confirmado que
a entrevista seria no 89°, provavelmente foi algum engano da minha mãe,
talvez.
Quando as portas do elevador se abriram, fui recebida por um hall
de entrada deslumbrante, com paredes em vermelho e preto, um design
moderno. Pufes de plumas pretos espalhados pelo ambiente. O lugar tinha
um estilo maravilhoso, elegante e sofisticado. De repente, avistei o logo
enorme escrito RedCompany acima da mesa da recepção. Será que eu
estava no andar errado?
Antes que eu pudesse processar tudo, uma mulher de cabelo curto
loura, corpo esquio, se aproximou de mim, sorrindo gentilmente.
— Você deve ser Alice, certo? — disse ela, com um tom acolhedor.
— Sim, sou eu — respondi, ainda perplexa.
Ela estendeu a mão, apresentando-se.
— Prazer, Alice. Sou Ashley. Por favor, siga-me, Liz está esperando
por você em seu escritório.
Liz estava esperando por mim? Quem era Liz?
Eu estava completamente confusa. A entrevista era para a
SayCompany, de acordo com o que minha mãe repetia desde ontem. Mas eu
estava e outro andar. Como assim?
Enquanto caminhávamos pelo corredor da empresa, eu observava
cada detalhe ao redor. As salas separadas por vidro transparente, de um lado
ofereciam uma vista espetacular para Manhattan, enquanto o lado oposto
exibia paredes em vermelho e preto, com funcionários dentro das salas
parecendo incrivelmente felizes e realizados.
Quando finalmente chegamos à porta do escritório, respirei fundo.
Ashley bateu levemente na porta. E a porta se abre, minha respiração ficou
presa ao ver uma mulher ruiva saindo da sua sala, acompanhada por um
homem alto e loiro, vestindo um terno caro. Meu coração disparou e uma
confusão tomou conta de mim, era o mesmo homem que eu vi ontem.
Eles conversavam animadamente sobre um tal grupo Company. A
mulher se virou para mim, seu sorriso caloroso e entusiasmo evidentes.
— Alice, é um prazer conhecê-la! — disse, estendendo a mão para
me cumprimentar.
— Ah... o prazer é meu... — respondi, gaguejando um pouco.
— Eu sou a Liz! E esse é Marcus, meu irmão.
Ela disse colocando a mão no ombro do homem. Ele me encarou de
cima a baixo, mas voltou o olhar para Liz.
— Depois tratamos da nova capa da revista de Finanças. Falo com
você mais tarde, Liz.
Disse ele, dando um beijo na bochecha de sua irmã e sai ignorando
minha presença, e nem me cumprimentando direito. Liz voltou sua atenção
a mim, sorrindo, amenizando o rastro de tensão no ar que seu irmão
deixara.
— Vamos Alice, entre! Creio que deve estar surpresa de estar aqui e
não na SayCompany — disse Liz.
Logo entrei atrás dela em sua sala e sentei-me na cadeira em frente
a sua mesa, tentando ignorar a raiva e o desconforto que Marcus havia
causado.
Liz tinha cabelos longos e ruivos, olhos azuis. E usava um batom
vermelho que ousava em mostrar um ar de poder. A sala de Liz era
invejável, um espaço amplo com uma vista deslumbrante para Manhattan,
dava para ver bem ao fundo o Central Park. Eu encarava a vista como se
fosse a coisa mais magnifica que eu já tinha visto.
— Alice, eu acompanhava seu blog sabia? E adorava seus
conselhos literários. Você tem uma perspectiva única e nossa... você trazia
ótimas recomendações.
Eu juro que fiquei surpresa. O MEU BLOG? Aquele que eu
abandonei.
— Sério? — perguntei, ainda tentando absorver a informação. —
Eu realmente não conhecia todos os meus leitores...
Liz sorriu, um brilho nos olhos
— Sim, eu era uma leitora assídua. Eu adorava como você escrevia
sobre os livros, e seus insights sobre autores renomados. Vou te dizer, sinto
falta das suas atualizações. – Ela diz com um semblante triste, fiquei
comovida a tal comentário.
— Obrigada, Liz. Eu... não sei o que dizer. Fico muito feliz em
saber disso. — Sorri, ainda um pouco chocada. - — Não abro o blog desde
a época do ensino médio — confessei. — Quando entrei em Harvard, não
tive mais tempo para ele, devido a grade curricular. E também ser forçada a
um curso que eu não queria, exigiu mais do meu esforço – Falei em tom
triste.
Liz assentiu, seu rosto se suavizando
— Na realidade, eu nem iria tocar no assunto de Harvard, porque
sei que deve ser delicado para você. Mas saiba que admiro muito seu
talento e potencial. Ser forçada a algo que não quer é, sinceramente,
monstruoso. — Liz disse, erguendo as sobrancelhas em uma expressão de
simpatia.
— Na minha família isso acontece o tempo todo, inclusive a
entrevista que minha mãe marcou era para ser na SayCompany. Estou
surpresa de estar aqui. — Respondi, olhando ao redor, ainda tentando
entender onde exatamente eu havia parado, especialmente depois de ouvir
Liz mencionar meu blog daquela maneira.
— Eu jamais deixaria que você fizesse entrevista na empresa do
meu irmão — Liz continuou, com um sorriso acolhedor. — O perfil deles é
muito formal e, sinceramente, meio sem graça comparado aos seus gostos.
Percebi isso lendo seu blog.
Ela fez uma pausa, observando minha reação, antes de continuar.
— Alice, nós somos uma editora. Publicamos livros, damos vida às
histórias que as pessoas querem contar. Nosso ambiente é criativo,
dinâmico, e valorizamos a autenticidade. Pensamos que seria mais
convincente te oferecer uma vaga aqui.
Meu coração deu um salto quando Liz mencionou que a empresa
era uma editora. Jamais imaginei que estaria pisando em uma editora, muito
menos sendo entrevistada pela própria chefe. Sempre sonhei com isso, e
agora estava bem diante de mim. A chefe de uma editora estava não só
falando comigo, mas também me oferecendo um emprego.
Conforme a conversa avançava, perdemos a noção do tempo.
Falávamos sobre livros, literatura e autores renomados, e a paixão de Liz
por essas coisas era evidente. A entrevista estava fluindo de maneira tão
natural que parecia mais uma conversa entre amigas que compartilham um
interesse em comum do que uma entrevista de emprego.
— É fascinante ouvir você falar sobre suas preferências literárias,
Alice. — Liz disse com um sorriso sincero. — E me diga, como você gosta
de trabalhar?
Eu hesitei por um momento, mas então decidi ser honesta.
— Na verdade, esse seria o meu primeiro emprego, caso eu seja
aceita.
Admiti, tentando não deixar a insegurança transparecer na minha
voz. Liz soltou uma risada calorosa, os olhos brilhando de entusiasmo.
— Isso é maravilhoso! — ela exclamou. — Saber que sua primeira
experiência profissional pode ser aqui, na nossa editora, é incrível.
Eu me sentia mais à vontade a cada momento que passava. A
segurança e o entusiasmo de Liz eram contagiantes, e pela primeira vez em
muito tempo, eu não me sentia apenas parte de uma obrigação imposta.
Estava diante de uma chance real de fazer o que amava.
— Adorei a energia dessa empresa, Liz — Eu disse, olhando ao
redor. — A RedCompany é incrível.
Liz sorriu, orgulhosa.
— Eu me dedico muito nessa empresa, o grupo Company é da
nossa família. A RedCompany é nossa editora, a SayCompany está no ramo
de investimentos, e a TrayCompany é uma agência de novos talentos.
Trabalhamos juntos para construir algo significativo. – Ela deu uma
piscadela.
Sentia-me cada vez mais confortável, a empatia de Liz era
contagiante. Apesar de tudo que tinha acontecido comigo, naquele
momento, sentia que poderia encontrar um novo caminho ao começar a
trabalhar aqui.
Realmente eu estava cogitando em barrar os meus pais sobre as
escolhas da minha vida, e decidir que era a hora exata de eu começar meu
novo ciclo, começar a fazer o que eu gostava, que era ler, dar conselhos
sobre livros. Estar aqui diante de uma mulher que conquistou esse mundo,
estava me dando entusiasmo para correr atrás desse futuro. Liz sorriu para
mim, seus olhos brilhando de entusiasmo.
— Alice, então a vaga que temos é de revisor de textos, sei que não
tens diploma para isso. Mas como sei que escreve super bem e tem uma
visão bem ampla no assunto, que tal aceitar o cargo e começar na segunda?
Mal podia acreditar no que estava ouvindo. Eu toparia qualquer
cargo para estar trabalhando em uma editora.
— Mas é claro! — respondi, com um entusiasmo que não pude
esconder. — Eu adoraria!
Liz sorriu ainda mais, e continuamos nossa conversa sobre a
empresa. Fiquei fascinada ao ouvir como a RedCompany funcionava de
maneira diferente das outras empresas. Não havia regras rígidas, e o
ambiente parecia ser realmente acolhedor e criativo. E Liz deixou bem
claro, que o cargo era baixo, mas que eles têm olhos para os talentos na
empresa que dependendo do meu empenho poderia ser promovida depois.
Senti que poderia fazer parte disso. Eu estava tão animada, parecia um
sonho isso que estava acontecendo, até ontem eu pensei estar no fundo do
poço.
— Não somos exatamente "O diabo veste Prada" por aqui
Disse Liz, com uma piscadela, referindo-se ao famoso livro que
virou filme. Ri, apreciando o humor dela. Liz se levantou e me estendeu a
mão.
— Será um prazer tê-la em nossa equipe, Alice. Estou ansiosa para
ver o que você trará para a RedCompany
Apertei a mão dela, sentindo uma onda de gratidão e excitação.
— O prazer é todo meu, Liz. Mal posso esperar para começar a
trabalhar aqui.
Enquanto saíamos da sala, senti uma nova esperança florescer
dentro de mim. Liz começou a me mostrar a empresa. Cada passo que
dávamos, minha empolgação crescia. Ela primeiro me levou à sala de
edições, onde os editores estavam trabalhando concentrados. As paredes
eram cobertas por prateleiras cheias de livros e revistas. Havia mesas
grandes e bem iluminadas, com computadores com duas telas. Tudo tinha
um ar de criatividade e colaboração.
Conheci a sala de redação, onde eu trabalharia. Fiquei encantada ao
saber que minha mesa tinha uma vista incrível para Manhattan. A luz
natural entrava pelas enormes janelas, iluminando o ambiente e
proporcionando uma sensação acolhedora. A sala era moderna, com mesas
brancas e cadeiras ergonômicas. Havia quadros inspiradores nas paredes e
uma estante de livros ao alcance de todos e as mesas com pilhas de papeis e
manuscritos. Era o tipo de lugar onde eu sabia que poderia ser produtiva,
sendo eu mesma.
Liz então me levou à sala de café. Fiquei maravilhada com o que vi.
Era um espaço aconchegante e bem decorado, com sofás de couro macios,
poltronas confortáveis e mesas de centro. Havia uma grande máquina de
café expresso em uma bancada de mármore, cercada por várias opções de
chá, café, cappuccino e chocolate quente. A geladeira com porta
transparente estava cheia de lanches saudáveis e bebidas variadas. Havia
também uma mesa de frutas frescas e uma seleção de pães e bolos. Alguns
colaboradores estavam ali, conversando e rindo, desfrutando de uma pausa
agradável.
Enquanto caminhava por esses espaços, meus pensamentos estavam
em um turbilhão de emoções. Fiquei impressionada com a organização e a
atmosfera da RedCompany. Tudo parecia ser feito para que as pessoas se
sentissem confortáveis e inspiradas. Senti uma onda de gratidão e alívio.
Quando Liz me apresentava aos colaboradores, recebi sorrisos
calorosos e cumprimentos amigáveis. Parecia que todos ali compartilhavam
a mesma paixão por literatura e por criar algo incrível. Eu estava ansiosa
para começar e para fazer parte dessa equipe extraordinária.
Ao final da visita, quando voltei para a recepção, senti-me
renovada. Esta era a chance que eu esperava, a chance de realmente fazer
algo significativo e alinhado com meus interesses. Me despedi de Liz e de
Ashley na recepção. Entrei no elevador com um sorriso maravilhado no
rosto, eu estava realmente prestes a começar uma nova jornada na minha
vida. Dentro do elevador, senti um leve solavanco e percebi que ele estava
subindo ao invés de descer. Então o elevador parou no 89° andar. As portas
se abriram e dei de cara com o louro alto e prepotente, Marcus.
Desviei o olhar rapidamente, encarando o espelho ao meu lado,
tentando não transparecer que sua presença me incomodava. No fundo,
estava arrependida de não ter pegado o outro elevador. Ficamos em um
silêncio constrangedor. Comecei a mexer nas minhas mãos, me perguntando
por que estava tão nervosa no mesmo ambiente que ele, deve ser porque eu
sentia vontade de o socar. O silêncio era pesado até que ele o quebrou.
— Você deve ser a filha dos Smith, da imobiliária?
Revirei os olhos, diante de sua pergunta. Virei o rosto calmamente e
olhei para ele, concordando com a cabeça, sem dizer nada. Ele continuou
— Sabe eu sabia que te conhecia de algum lugar..., mas me fala foi
ruim ser expulsa de Harvard?
Eu respirei fundo, não entendi o intuito dele em puxar assunto e
ainda falar de um assunto tão delicado.
— Sabe... as vezes quando não sabemos o que dizer, nós ficamos
calados.
Ele fingiu um ataque dramático ao próprio peito, fazendo gestos
ridículos que só podiam ser de alguém com a maturidade de uma criança de
dez anos. Eu continuei em silêncio, me perguntando por que o elevador
estava demorando tanto para chegar ao térreo.
— É curiosidade... — ele insistiu, com um sorriso pretensioso nos
lábios. — Eu sabia que te conhecia, mesmo sem ser só a filha dos Smith.
Ele riu, uma risada seca e forçada, que só confirmou o que eu já
suspeitava: esse homem era um completo idiota.
— Talvez se lembre de mim como a pessoa que você empurrou com
a porta do seu carro. Por que não usa óculos?
Ele, que até então não estava olhando diretamente para mim, virou-
se e se escorou na parede do elevador, sorrindo ironicamente.
— Como falei, não tenho culpa se você não sabe o que é uma
calçada.
Ele entrelaçou as mãos na altura do peito, claramente se divertindo
com a situação. Eu abri a boca para responder a sua ignorância
desnecessária, mas naquele momento, a porta do elevador se abriu.
Uma mulher loira de cabelos longos e vestida formalmente entrou,
com um sorriso radiante direcionado a Marcus. Eu quase soltei uma risada
ao perceber as expressões dela, que o encarava com uma admiração óbvia.
Ela começou a puxar assunto com ele, sua voz doce e animada enchendo o
espaço confinado. Tudo naquela situação parecia uma cena saída de um
filme ruim, e eu tive que me conter para não revirar os olhos e tapar os
ouvidos.
Eu me senti uma espectadora, observando a troca entre eles
enquanto minha mente zumbia com a raiva e a frustração aquele imbecil me
causou.
Já estava acostumada com esses tipos de comentários e precisava
ignorar isso. Eu estava prestes a começar algo novo e empolgante e isso era
o que realmente importava. Finalmente, o elevador chegou ao térreo. Soltei
um suspiro de alívio silencioso.
Saí do elevador rapidamente, quase tropeçando com a pressa de
escapar daquele ambiente constrangedor. Estava grata por ser poupada de
ouvir mais bajulações da loura em direção a Marcus. Caminhei pelo hall de
entrada do prédio, tentando recompor meus pensamentos. A perspectiva de
trabalhar na RedCompany havia iluminado meu dia de uma maneira que eu
não esperava, e eu não podia deixar com que as falas de Marcus
estragassem ele.
No caminho até em casa, eu permaneci em silencio, minha mãe
perguntava várias vezes como foi a entrevista e eu dizia que não queria
dizer. Lembrei-me de Marcus me perguntando se era filha dos Smith.
Quem conhecia minha família, me conhecia, e sabiam que o que
meus pais mais prezam é as boas aparências. E ter sido expulsa de uma das
melhores faculdades do mundo, era algo de ser comentado por todos.
Eu e minha mãe chegamos em casa, e automaticamente fui para a
cozinha, eu queria tomar mais café. Peguei um restante de café que havia na
cafeteira, e minha mãe corta o silencio. Ela se virou para mim com uma
expressão de curiosidade.
— Não vai mesmo me contar como foi a entrevista? Permaneceu
quieta o caminho todo para a casa, por favor me diga! — Ela fez uma pausa
vendo a minha tentativa de ignorar sua ansiedade, bebi o café e ela
continuou — Você se comportou mal? Ai por Deus Alice, você foi rude?
Eu sorri ironicamente, aproveitando a oportunidade para brincar
com ela.
— Ah, até parece que não me conhece. Claro que me comportei mal
e a entrevista foi um desastre completo. — Ela arregalou os olhos e abriu a
boca, perplexa. A expressão em seu rosto era impagável. Eu ri.
— Relaxa. Eu consegui o emprego.
Sua expressão mudou de choque para alívio, mas também havia um
toque a mais de entusiasmo.
— Nossa... que maravilha! — Ela batia palmas. — Eu sabia que
conseguiria, nossa minha filha tens ideia que a SayCompany é uma empresa
incrível. Nossa não vejo a hora de contar ao seu pai.
Eu balancei a cabeça. Sabendo que ela ficaria insatisfeita com o que
eu iria falar.
— Não... Eu consegui o emprego na RedCompany, a editora. -
Bati palmas e sorri.
Ela piscou, claramente confusa. Foi nítido seu entusiasmo indo
ladeira a baixo.
— Na empresa da Liz? Deve ter tido algum erro... como assim?
Decidi explicar a ela tudo que havia acontecido, que Margot havia
me encaminhado para o andar certo de propósito e como Liz a sua filha
disse que eu tinha o perfil certo para a empresa. Contei que a empresa era
maravilhosa, e que finalmente eu estava feliz, pois iria trabalhar com algo
que eu amava. A confusão era nítida no rosto da minha mãe, parecia que ela
estava em choque e que não havia gostado do que ouviu.
— Isso está errado, você não vai aprender o que é necessário para o
que nós queremos para você — Eu queria jogar a caneca de café longe,
então ela continuou — Alice, você deveria estar em uma área diferente,
algo mais lucrativo e estável.
Senti a raiva fervilhar dentro de mim.
— Você não sabe o que é certo pra mim! Isso é o que eu amo fazer
e é nisso que vou investir.
Ela cruzou os braços, me encarando séria.
— Isso não tem futuro, Alice. Trabalhar em uma editora não dá
lucro e não enriquece. Não tem valor hoje em dia.
— É aí que você se engana! - retruquei, a voz carregada de raiva. —
Isso tem valor para mim! É o que eu quero fazer.
Minha mãe suspirou, balançando a cabeça.
— Você não pode trabalhar nessa empresa. Seu pai vai dar um jeito
de conseguir um emprego melhor para você. Ele tem contatos...
Olhei para ela perplexa, diante de suas falas como se o que eu
quisesse não fosse válido, na verdade como se nenhuma de minhas
vontades fossem.
— Eu não vou trabalhar em outro lugar! - gritei, o desespero na
minha voz.
— Além do mais, não sei como conseguiu esse emprego se nem
tem faculdade na área. — Ela rebateu.
Coloquei a caneca na pia com força, quase quebrando. E me dirigi
as escadas e enquanto eu subia os degraus, esbravejei.
— Eu vou trabalhar na RedCompany, com ou sem a aprovação de
vocês. E outra. — Parei no meio da escada encarando-a. – Eu vou me
mudar!
Com essas palavras, continuei marchando firme até o segundo
andar, deixando minha mãe sozinha na cozinha, atordoada. Ainda sentindo
o calor da discussão com minha mãe queimando em minhas veias. Entrei no
quarto e fechei a porta. Sentei-me na cadeira da mesa ao lado da janela,
onde meu notebook repousava. Com um suspiro pesado, liguei o aparelho.
Assim que a tela brilhou com a luz familiar do desktop, cliquei no
ícone do navegador e digitei o endereço do meu blog. A página carregou
lentamente, revelando um pedaço significativo da minha vida que havia
sido deixado para trás. Comecei a rolar pelas postagens, lendo os textos que
escrevia com tanta dedicação. Comentários de leitores fiéis enfeitavam cada
postagem, e os números de visualizações mostravam o quanto meu trabalho
era apreciado. Ver tudo aquilo me encheu de uma felicidade nostálgica.
Eu me lembrava de como o blog era minha válvula de escape
durante a adolescência. Falava sobre livros e autores com uma paixão que
agora parecia distante, quase irreal. Cada postagem era um pedaço da minha
alma, uma janela para meus pensamentos mais íntimos sobre o mundo
literário que tanto amava e sobre a minha vida. Ao ler os comentários
carinhosos e as discussões animadas que se seguiam a cada postagem, senti
um nó na garganta. Lágrimas começaram a rolar silenciosamente pelo meu
rosto. Não era apenas felicidade que sentia, mas uma profunda tristeza pelas
oportunidades e sonhos que foram deixados de lado.
Chorando, percebi quanto tempo eu desperdicei agindo para agradar
meus pais. A literatura era algo que sempre esteve ali, tão óbvio, mas que
meus pais nunca conseguiram enxergar, eles não conheciam a própria filha.
Eles sempre viram a literatura como um hobby, algo sem valor real no
mundo em que viviam. Mas eu via ela como a minha paixão, e eu era muito
boa nisso para me deixar levar pelas palavras de não “enriquecer”.
A minha decisão de trabalhar na RedCompany era um pequeno
passo para recuperar a parte de mim mesma, que havia sido sufocada
durante tanto tempo. Saber que lidaria com um sonho, era algo inspirador.
Fechei os olhos por um momento, permitindo-me sentir toda a dor e tristeza
que estavam acumuladas dentro de mim. Eu sabia que estava no caminho
certo. Sabia que, independentemente do que meus pais pensassem, eu
precisava seguir meu coração. Enxuguei as lágrimas, determinada a
transformar meus sonhos em realidade.
Viver sob o mesmo teto que meus pais me dava a sensação de estar
constantemente presa, como se eles tivessem poder sobre cada escolha da
minha vida. Eu tinha vinte e quatro anos, e era perfeitamente capaz. Estava
mais do que na hora de sair debaixo do nariz deles e viver de acordo com o
que eu queria. Sabia exatamente para quem enviar um pedido de socorro.
Minha avó. Ela sempre deixou claro que eu tinha um lugar na casa
dela. E inúmeras vezes, disse que eu poderia morar com ela para evitar
viver sob correntes.
Ela morava no bairro Upper West Side, em frente ao Central Park
um lugar que eu adorava. A ideia de morar com ela mesmo que por um
tempo breve, até eu achar um lugar que pudesse pagar, era maravilhosa.
Decidi naquele instante que era a hora de agir. Fui até meu guarda-roupa e
arrumei uma mala numa velocidade surpreendente. Seria bom respirar um
ar diferente, estar em um ambiente onde minhas escolhas eram respeitadas.
Minha avó sempre me incentivou a seguir meus sonhos, e ela com
seus conselhos sábios me ajudaria. Ela nunca me julgou por minhas
escolhas, mas era sábia em seus conselhos querendo sempre o melhor para
mim de acordo com o que eu amava, diferente dos meus pais. Peguei meu
telefone e liguei para ela, mas caiu na caixa postal. Sei que ela iria amar me
ver chegar com uma mala e com a notícia de que eu precisava de ajuda para
me erguer. Ela amava me ajudar, eu era sua única neta.
Sai do quarto e desci as escadas apressada, ignorei completamente
minha mãe, que ergueu subitamente a cabeça ao me ver passar. Fechei a
porta de entrada, e corri pelo corredor e descendo dois lances de escadas,
sem olhar para trás. Notando que estava distante o suficiente para ser
poupada de uma conversa que eu não queria. Quando cheguei no térreo,
meu telefone começou a tocar, era minha mãe. Ignorei a chamada,
desligando o telefone sem hesitar. Na rua, sinalizei para um táxi que estava
passando e ele parou imediatamente. Entrei e dei o endereço da casa da
minha avó ao motorista.
Enquanto o táxi se afastava, um sentimento de felicidade tomou
conta de mim. Olhei pela janela, observando a cidade passar rapidamente.
A ideia de morar com minha avó, me trouxe uma alegria imensa. Cada
quilômetro que o táxi percorria me fazia sentir mais leve, mais próxima da
liberdade. Estava pronta para seguir meus sonhos e deixar para trás a
opressão das expectativas dos meus pais.
Cheguei à entrada da casa da minha avó, sentindo o coração bater
mais rápido com a expectativa. Subi os degraus de escada que separavam a
calçada da porta e toquei a campainha. A espera parecia eterna enquanto eu
acendia um cigarro, tentando acalmar meus nervos. Ali parada dissipando a
fumaça do cigarro, me peguei pensando sobre a minha vó. Desde que ela
ficou viúva, vivia praticamente reclusa em casa. Quase nunca saía para
visitar ninguém, mas sempre me convidava para ir vê-la. Eu adorava essas
visitas, vivíamos conversando sobre a vida, sobre as fofocas alheias, ela me
contava sobre como foi seus últimos dias e se queixando de alguma nova
dor em seu corpo. Sem contar que quando eu dormia ali, vivíamos tendo a
noite as sessões de filmes.
Perdida em meus pensamentos, quase não ouço a maçaneta da
porta, então rapidamente apago o cigarro e jogo ele longe. Ela abriu a porta
com um sorriso encantador, e no momento ela já sabia que eu precisava
dela. Ela era baixinha com seus um metro e cinquenta, mas sempre
esbanjando uma presença acolhedora. Mesmo idosa, minha avó ainda
pintava os cabelos de castanho para esconder os fios grisalhos, e seu rosto
tinha pouquíssimas rugas, mantendo uma aparência vibrante e jovial.
— Oi, Alice!
Ela exclamou com um sorriso caloroso, me puxando para um
abraço apertado. Retribuí, sentindo o conforto familiar de sua presença.
— Vó... — murmurei, minha voz abafada contra o ombro dela.
Ela me soltou e segurou meus ombros com firmeza, seus olhos
atentos desviando rapidamente para a mala ao meu lado.
— Brigou com seus pais, é isso? — perguntou.
Assenti, sentindo um nó na garganta que tentei engolir.
— Entre, querida! — disse ela, me guiando pela entrada com um
gesto acolhedor. — Quero saber de tudo, cada detalhe!
Assim que entrei no hall da casa da minha avó, fui
instantaneamente envolvida por um cheiro tão maravilhoso que quase me
fez flutuar. Era aquele aroma inconfundível das refeições que ela preparava,
o tipo de cheiro que poderia curar qualquer mau humor. Tirei meu casaco,
sentindo o calor acolhedor que preenchia cada canto da casa, como se ela
própria estivesse me abraçando. Pendurei o casaco no cabide de madeira
antigo, o mesmo que sempre esteve ali, como um guardião fiel das nossas
chegadas e partidas.
Minha avó, com aquele jeito gentil e determinado, segurou minha
mão e me guiou. O espaço, como sempre, era um convite ao conforto,
repleto de memórias em cada canto. A casa dela tinha um charme rústico
que nunca saía de moda, com móveis de madeira escura que pareciam
sussurrar histórias antigas. A sala de estar era o coração da casa, com um
sofá de veludo verde-escuro onde eu passei incontáveis tardes preguiçosas,
perdida em livros, e uma lareira de tijolos que, no inverno, se transformava
no epicentro das nossas conversas e risadas. Desde que meu avô faleceu, ela
havia se tornado uma sombra do que era antes, encontrando conforto apenas
na companhia das irmãs e se refugiando em sua casa. Ela mal saia,
passando os dias em um estado de reclusão, envolvida apenas com seus
seriados de televisão favoritos.
As paredes da casa eram decoradas com fotos de família e quadros
que minha avó colecionava com um olho crítico e uma alma artística. O
piso de madeira, que rangia levemente sob nossos passos, emitia aquele
som familiar e reconfortante, como se a própria casa estivesse nos dando
boas-vindas.
Sentada à mesa com minha avó, fui presenteada com uma refeição
que só ela sabia preparar. O estômago, que já estava em plena rebelião,
roncou alto ao perceber que, finalmente, eu estava prestes a devorar uma
comida de verdade. O aroma delicioso da lasanha preenchia a cozinha, e a
sensação de estar em casa, de estar exatamente onde eu deveria estar, me
fez relaxar completamente.
Conversar com minha avó sempre foi como uma sessão de terapia
gratuita, e era exatamente o que eu precisava naquele momento. Enquanto
saboreávamos a lasanha, um dos meus pratos favoritos que só ela sabia
fazer tão bem, minha avó quebrou o silêncio, dando início a uma daquelas
conversas que aquecem tanto o coração quanto o estômago.
— Então, a briga foi feia dessa vez? — perguntou, olhando para
mim com um olhar compreensivo e uma leve preocupação.
— Nem houve briga — respondi, encolhendo os ombros enquanto
levava mais um garfo da lasanha maravilhosa à boca. — Eu apenas decidi
que era hora de seguir seu conselho.
Ela inclinou a cabeça ligeiramente, curiosa.
— Seu pai estava lá?
— Não, ele estava no trabalho. Mas minha mãe, com seus
comentários sem noção, estava lá, como sempre.
Suspirei, tentando ignorar a irritação que ainda sentia. Minha avó
assentiu, compreensiva.
— Entendo. E qual foi o motivo dessa vez?
— Eu consegui um emprego.
Respondi com um sorriso, sentindo uma pontinha de orgulho ao
dizer isso. Minha avó deixou o garfo cair no prato, boquiaberta.
— Um emprego? — repetiu, surpresa.
— Sim! Consegui um emprego em uma editora, se chama
RedCompany!
Os olhos dela se iluminaram, um sorriso orgulhoso surgindo em seu
rosto.
— Sério? Que maravilha, Alice! Estou tão orgulhosa de você.
Nossa, minha menina está crescendo!
Disse, emocionada, enquanto se inclinava para me dar um abraço
caloroso. Senti meu coração aquecer ao ver o quanto ela estava feliz por
mim. Era um daqueles momentos que eu sabia que iria guardar para
sempre. Seu apoio era exatamente o que eu precisava.
Continuei a contar a ela sobre o novo emprego, como era diferente
do que meus pais haviam imaginado para mim, e como eu estava finalmente
seguindo um caminho que realmente queria.
Enquanto conversávamos, a palavra “Marcus” surgiu na conversa.
— Você não vai acreditar em como ele é insuportável. — Eu disse,
com um tom que deixava claro o quanto ele me desagradava. — Meus pais
acham que ele é a perfeição em pessoa, mas, honestamente, ele é só um sem
noção.
— Não se deixe levar pela idiotice dele, você sabe o seu valor, não
serão comentários maldosos que irão mudar isso.
Eu continuei contando para ela sobre o desastre da primeira vez que
o vi, e como sua atitude foi simplesmente arrogante. Enquanto relatava os
detalhes, a risada da minha avó se tornava cada vez mais contagiante.
— O ego dele é tão gigantesco que ele deve pensar em emoldurar
num outdoor na Times Square. — Eu brinquei. — Mas sabe, eu estou tão
feliz por ter conseguido o emprego na RedCompany, que acho que posso
lidar com ele.
Minha avó me olhou.
— Você sempre foi tão dedicada e talentosa. Essa oportunidade é
perfeita para você. E quanto a esse tal de Marcus… esquece ele. Não deixe
um rico mesquinho sabotar sua felicidade.
— Obrigada, vó. Às vezes, parece que tudo está contra mim, mas
falar com você sempre ajuda a clarear as coisas.
Sua risada e palavras de apoio me fizeram sentir como se eu
estivesse finalmente no lugar onde deveria estar. Depois de uma longa
conversa, minha avó me conduziu até o andar de cima, o quarto aonde eu
sempre dormir e ao abrir a porta, fui recebida por uma onda de nostalgia.
As paredes lilases, a cama de madeira escura e a estante abarrotada de
livros. Coloquei a mala no chão e, ao fazê-lo, o maço de cigarro escorregou
do meu bolso, caindo no chão com um som que pareceu ecoar no silêncio
do quarto.
Levantei os olhos lentamente, encontrando o olhar de minha avó.
Ela sempre odiou cigarros, e por um momento, me senti como uma criança
pega em flagrante. O silêncio era palpável. Ela olhou para o maço de
cigarros e depois para mim.
— Você sabe que cigarro dá rugas e envelhece mais rápido, não é?
Disse ela, sua voz calma, mas firme. Assenti, sabendo que ela
estava certa. Ela suspirou, um som que parecia carregar anos de sabedoria e
preocupação.
— Alice, apenas pense no que é saudável para você. Não deixe algo
assim te prejudicar.
Eu fiquei pensativa, refletindo sobre suas palavras. Minha avó
sempre soube como me fazer ver as coisas de uma perspectiva diferente.
— Deixarei você se instalar. Quando estiver pronta, estarei lá
embaixo para tomarmos um chá.
Assenti novamente, um sorriso grato se formando nos meus lábios.
— Obrigada, vó. Eu já desço.
Ela saiu do quarto, deixando-me sozinha com meus pensamentos.
Olhei ao redor, absorvendo o ambiente familiar. Coloquei o maço de cigarro
de volta no bolso, pensando no que ela disse. Talvez fosse hora de reavaliar
algumas escolhas e pensar mais na minha saúde. Suspirei, sentindo-me um
pouco mais leve. Eu me ajeitei no quarto, colocando algumas roupas no
armário e sentindo uma paz que há muito não sentia. Quando terminei,
desci as escadas.
Sentada à mesa da cozinha, o cheiro reconfortante de chá de canela
e maçã preenchia o ar. Minha avó e eu estávamos comendo biscoitos e
rindo das histórias que ela contava sobre suas irmãs. Era engraçado como
uma se queixava de dores e problemas mais do que a outra, competindo por
atenção e simpatia.
— E então, a Celiria disse que o joelho dela nunca esteve tão mal
desde que ela escorregou na escada em 1993.
Ela dizia, imitando a voz exagerada da irmã. Minha avó quase
chorando de tanto rir. Depois de um tempo, as risadas diminuíram e ficamos
em um silêncio confortável. Minha avó olhou para mim com aquele olhar
perscrutador, o mesmo que ela usava quando eu era criança e queria saber
se eu tinha feito algo errado.
— Alice, você está pensando em morar aqui, agora que decidiu
seguir seu sonho?
Eu olhei para o chá na minha xícara, girando-a lentamente. As
palavras dela ressoavam em minha mente. Morar com minha avó era uma
ideia que eu já tinha considerado, especialmente agora que queria seguir
minha paixão pela literatura. Aqui, eu teria a paz e o apoio que precisava
para fazer isso.
— Estou pensando em ficar por um tempo, até arranjar um
apartamento — respondi, finalmente, hesitando um pouco. — Não quero
incomodá-la.
Ela sorriu, balançando a cabeça.
— Incomodar? — exclamou, fingindo estar ofendida. — Jamais!
Você sabe que sempre será bem-vinda aqui. Eu amo sua companhia. Além
do mais, quem vai me ajudar a alcançar as prateleiras altas?
— Obrigada, vó. Não sei ao certo por quanto tempo vou ficar, mas
pretendo achar algo para alugar por perto. Assim, sempre que você precisar,
pode me chamar.
Ela segurou minha mão, apertando-a com carinho.
— Que demore o tempo que for para você achar esse lugar. Até lá,
vou aproveitar para te prender aqui com todas as delícias que eu sei que
você ama! — Ela piscou, e nós rimos juntas.
— Vó, não consigo esconder o quão feliz estou com esse cargo.
Isso é meu sonho estar em uma editora, você sabe.
— Ainda hoje não entendo como letras podem fazer você suspirar
desse jeito... — Ela revirou os olhos de forma teatral, mas com um sorriso
nos lábios.
— Ah, é muito difícil explicar... — Ri, erguendo a xícara de chá
para dar um gole. — Mas imagine só, cada livro é como uma receita
especial. Você não consegue resistir, e cada página é um novo sabor para
descobrir.
Ela me olhou por um momento, com uma expressão pensativa.
— Então, basicamente, você está dizendo que é uma viciada em
palavras, do mesmo jeito que eu sou viciada em chocolate? — perguntou,
piscando.
— Exatamente! — respondi, rindo. — Só que o meu vício não
engorda.
Ela deu uma gargalhada e fez um gesto dramático, colocando a mão
no peito.
— Ah, se todas as paixões fossem tão inofensivas quanto a sua,
menina! Mas, vou te dizer, você sempre teve essa paixão por livros, desde
pequena. Lembro como você ficava horas com um livro nas mãos, e eu me
perguntava se não estava criando uma pequena eremita.
— Bem, acho que acabei virando uma eremita literária — respondi,
brincando.
— E uma eremita muito talentosa, pelo visto! — Ela me puxou para
mais um abraço. — Não tenho dúvida de que você vai arrasar nesse novo
emprego, Alice. E enquanto você estiver aqui, vou aproveitar para cuidar de
você e te mimar o máximo possível. Afinal, quem resiste a uma avó que
cozinha tão bem?
— Ninguém, vó. Ninguém — concordei, sorrindo.
A companhia da minha avó era insuperável. Ela tinha esse talento
especial de entender minhas loucuras e sempre sabia exatamente o que
dizer. Ela compreendia minha paixão por literatura, mesmo que
secretamente achasse que todos aqueles livros fossem em escrita chinesa,
pois ela não entendia nada. E o melhor de tudo? Eu podia falar sobre
autores e histórias durante horas, e ela escutava como se eu estivesse
narrando o capítulo final de seu seriado favorito.
Morar com ela seria temporário, ou pelo menos era o que eu dizia a
mim mesma para não parecer uma adulta fracassada. Mas, vamos ser
honestos, ficar aqui era mil vezes melhor do que viver sob o mesmo teto
que meus pais, onde cada decisão que eu tomava era vista como uma
escolha errada. Tenho vinte e quatro anos, e já estava mais do que na hora
de tomar as rédeas da minha vida. Ou, pelo menos, fingir que sabia o que
estava fazendo.
Passar o fim de semana com minha avó foi como um detox para a
alma—e para os pulmões, já que tive que largar o cigarro por uns dias para
respeitar as regras da casa. Confesso que sobrevivi, e descobri que até tenho
forças que nem sabia que existiam. Passamos horas assistindo a filmes
clássicos, aqueles que ela jurava que eu precisava ver antes de morrer.
Minha avó, claro, não deixou passar a chance de mostrar seu lado
chef. Cada refeição era um evento culinário. O café da manhã com aqueles
pães caseiros, quentinhos e crocantes, me fez repensar seriamente minha
relação com o delivery. Enquanto nos deliciávamos, conversávamos sobre o
meu futuro — tema que me empolgava quase tanto quanto a manteiga
derretendo no pão. E, quando o assunto mudava, ríamos das histórias de
família, especialmente das travessuras de suas irmãs, que dariam um ótimo
reality show.
No domingo de manhã, enquanto saboreávamos o café, minha avó
soltou, como quem não quer nada, que minha mãe havia ligado. Claro que
eu já sabia—estava na escada, ouvindo enquanto ela, explicava com toda
firmeza do mundo que eu estava ali e que minha mãe deveria me deixar em
paz, pois eu precisava de um tempo sozinha. Aquele apoio me encheu de
calor—e também de um certo alívio.
À tarde, com o sol de outono brilhando, decidi que uma caminhada
até o Central Park seria a cereja no bolo do meu fim de semana terapêutico.
Porque, convenhamos, depois de um café da manhã daqueles, qualquer
exercício físico é bem-vindo!
— Vou sair para caminhar um pouco, vó. Quero aproveitar esse sol.
— disse, pegando meu casaco leve e me dirigindo a porta da frente.
Ela gritou da cozinha.
— Isso, minha querida. O ar fresco vai te fazer bem. E, quem sabe,
clarear as ideias.
Sai pela porta e caminhei pela rua tranquila, absorvendo cada
detalhe da vizinhança como se fosse a primeira vez. As folhas caídas
formavam um tapete laranja pelo chão, e o ar fresco preenchia meus
pulmões com uma sensação de renovação. Enquanto andava, me peguei
pensando que na segunda-feira, depois do trabalho, voltaria à casa dos meus
pais para pegar o restante das minhas coisas. Não importava o que eles
dissessem— a vida era minha, e estava mais do que pronta para seguir meu
próprio caminho, com ou sem o drama familiar.
Cada passo que eu dava me deixava mais confiante, como se a cada
folha amassada eu estivesse esmagando minhas inseguranças. Esse final de
semana com minha avó tinha sido um presente, um lembrete do que
realmente era bom, do que realmente importava—e de que minha avó
cozinhava melhor do que qualquer restaurante da cidade.
Atravessei a faixa de pedestres em direção ao Central Park, com a
expectativa de encontrar um pouco de paz. O lago sempre foi meu lugar
preferido para pensar, e hoje não seria diferente. As árvores ao redor do
parque estavam tingidas de cores outonais, e o ar fresco era revigorante,
como se o próprio parque soubesse que eu precisava de um pouco de
ânimo.
Quando cheguei ao lago, a vista era reconfortante. Me aproximei da
grade na borda e me escorei, olhando para a água azul. Sentia-me otimista.
Amanhã seria um dia maravilhoso. Um novo começo. Estava tão perdida
nesses pensamentos otimistas que nem percebi quando soltei a grade e, de
repente, esbarrei em alguém.
— Desculpa!
Exclamei, me virando rapidamente para a pessoa. E quem eu vejo?
Marcus, claro
— Cuidado aí, garota... — Ele levantou os olhos — Ah... Alice.
Ele estava vestido com uma camisa preta e bermudas de corrida,
limpando a testa suada com as costas da mão enquanto tirava os fones de
ouvido.
— Você está me perseguindo agora? — perguntei, cruzando os
braços e tentando controlar a irritação que subia rápido. Ele deu uma risada
sarcástica.
— Eu? Ficou maluca? — Ele disse, como se a ideia de me perseguir
fosse a coisa mais absurda do mundo. — Quem sabe você é que está sempre
no meu caminho?
— Nossa, você tem uma habilidade incrível de aparecer nos
momentos mais inoportunos! — rebati, deixando bem claro o quanto estava
irritada.
— Olha, que eu saiba o parque é público.
— Certo, ele é totalmente público. Continue sua caminhada e finja
que não me viu aqui. — Virei-me de volta para o lago, esperando que ele
pegasse a indireta.
— Que pena... está pensando nos problemas? Essa sua testa
franzida aí não engana ninguém.
— Nossa, como você é inconveniente! — Olhei para ele. — Quer
vazar daqui ou prefere que eu te jogue no lago?
— Mais fácil eu te jogar lá. Parece que você tá precisando de um
banho de água fria — ele retrucou, ainda com aquele tom provocador que
estava me tirando do sério.
Ele deu um passo à frente, e por um segundo, senti que ele poderia
mesmo me jogar. Mas, ao invés disso, ele apenas ficou ali, ao meu lado e
perto demais.
— Você é insuportável — murmurei, tentando não prestar atenção
na proximidade dele, ou no cheiro tentador que ele exalava, uma mistura de
suor e colônia.
— E você é... — Ele fez uma pausa dramática, o olhar deslizando
lentamente pelos meus lábios antes de encontrar meus olhos novamente. —
Quer saber? Divirta-se com seus pensamentos problemáticos.
Ele se afastou, mas não sem antes acenar com um sorriso que era
mais do que sarcástico — era quase um desafio. E ali fiquei, olhando para
as costas dele enquanto ele se afastava. Olhei novamente para o lago,
tentando ignorar o impulso de gritar algo ainda mais mordaz na direção
dele. A presença de Marcus tinha o dom de transformar qualquer momento
de paz em uma verdadeira batalha verbal. Eu não sabia o que me irritava
mais: o fato dele conseguir me tirar do sério ou a maneira como ele parecia
se divertir com isso. Não importava o que Marcus dissesse ou fizesse, eu
sabia que não podia me importar. Ele simplesmente não valia o meu tempo.
Depois de passar um bom tempo contemplando a paisagem do
parque como se estivesse em um daqueles comerciais de margarina, voltei
para a casa da minha avó em silêncio, perdida em meus pensamentos. O
encontro inesperado com Marcus no parque tinha me deixado mais agitada
do que eu gostaria de admitir. Enquanto caminhava pelas ruas, tudo o que
eu queria era acender um cigarro para aliviar a tensão, mas lembrei que
havia jogado fora meu último maço em um momento de otimismo
questionável. Era uma decisão que eu sabia ser para o meu próprio bem,
mas, naquele instante, parecia mais uma tortura autoimposta.
Ao entrar na casa da minha avó, fui recebida por um aroma
reconfortante de café recém-feito, o tipo de cheiro que pode resolver
metade dos problemas da vida. Um sorriso involuntário se espalhou pelo
meu rosto, e, de repente, a inquietação e o desejo pelo cigarro pareceram
tão pequenos. Essa casa tinha uma habilidade mágica de me acalmar, como
se estivesse impregnada com algum tipo de feitiço.
Segui o aroma do café que levava a cozinha e encontrei minha avó
em frente ao fogão, mexendo no bule. Ao me ver, ela franziu a testa.
— Nossa, que rápida caminhada. — comentou ela, me lançando um
olhar desconfiado.
— Sim — respondi, ignorando o fato de que ver Marcus me fez
querer voltar correndo para casa como se estivesse fugindo de um zumbi,
mas decidi poupá-la dos detalhes. — Eu só precisava de um pouco de ar
fresco.
— Que ótimo, pois chegou na hora perfeita — disse minha avó,
servindo duas xícaras de café com a precisão de quem sabe exatamente
como aquecer uma alma. — Está quente.
Peguei a xícara que ela me ofereceu e senti o calor aconchegante
através da porcelana. Sentamos à mesa, e tomei um gole, apreciando o
sabor rico e familiar do café. Consegui me sentir mais calma em relação ao
infeliz incidente de pouco, apesar de Marcus ter barrado minha caminhada
pelo parque.
Será que esse idiota estava destinado a ser o obstáculo recorrente na
minha vida? Estava torcendo muito para que eu mal o visse quando
começasse a trabalhar; só de ouvir a voz dele, meus olhos se reviravam
automaticamente como se estivessem programados para isso.
Minha avó me observou por um momento, com aquele olhar de
quem sabe mais do que deveria, e perguntou:
— No que você está pensando?
— Em nada — menti, tentando desviar do assunto.
Ela me olhou de cima a baixo, claramente não comprando a minha
resposta, mas decidiu não insistir. Em vez disso, disse:
— Seu pai ligou. Queria saber se você ainda estava aqui. porque sua
mãe fez um escândalo, disse a ele que eu falei para ela te deixar em paz
quando ligou hoje de manhã. — Ela deu um gole no café. — Por que, na
sexta, você não avisou que estava vindo?
Suspirei, enquanto assoprava o café como se aquilo fosse ajudar a
aliviar o peso da situação.
— Me irritei com ela porque ela não gostou nada da ideia de eu
trabalhar em uma editora. Fez questão de deixar bem claro que eu sempre
serei pobre se seguir esse caminho. Então decidi passar o final de semana
aqui, sem avisar, e amanhã vou buscar o restante das minhas coisas lá.
Minha avó bufou, balançando a cabeça com a sabedoria de quem já
viu de tudo na vida:
— Besteira da parte dela. Ela acha que só dinheiro importa? Se
fosse assim, eu já teria comprado uma nova coluna para mim há tempos.
Eu não pude deixar de rir.
— Olha, do jeito que você reclama, essa ideia nem parece tão ruim
— comentei, tomando outro gole de café e fingindo seriedade.
— E que tal pensar em parar de fumar também? — Ela disparou,
sem rodeios.
Ri, balançando a cabeça em descrença.
— Nossa, direta assim? — Arregalei os olhos como se estivesse
chocada, e ela apenas arqueou uma sobrancelha. — Mas não se preocupe, já
estou sem fumar desde que cheguei.
Ela piscou, com um sorriso de quem sabia das coisas.
— Claro que está. Agora, vamos terminar esse café antes que esfrie.
Tomamos o café como se ambas precisassem disso. Minha avó,
sempre atenta, de vez em quando lançava um olhar para mim e sorria,
percebendo que eu estava completamente imersa na minha bolha de
pensamentos. Sabia que ela tinha uma lista inteira de perguntas prontas para
disparar, mas, como sempre, respeitava meu espaço.
Era aquele típico fim de domingo, onde minha avó assistia ao seu
programa favorito, rindo de piadas que, para mim, não eram tão engraçadas,
mas que sempre faziam ela gargalhar de um jeito contagiante.
Antes de me acomodar ao lado dela no sofá, lembrei que tinha
deixado alguns livros na casa dela, uma espécie de “kit de sobrevivência”
para as noites que passava ali. Sabia que, em algum momento, eles seriam
úteis. Fui até a pequena estante no canto do quarto onde eu dormiria e
passei os dedos pelas lombadas dos livros, sentindo a textura familiar de
cada capa. Alguns eram romances clássicos, outros, thrillers que me
mantinham acordada até altas horas. Puxei um dos meus favoritos, um
romance que me fazia suspirar a cada página. Era a terceira vez que eu lia
aquela história onde os protagonistas se odiavam tanto que acabavam se
amando.
Desci as escadas, me acomodei no sofá ao lado da minha avó e me
preparei para mergulhar em outro mundo. Enquanto lia, minha mente
tentava se concentrar entre as páginas do livro, mas as memórias do dia de
hoje martelavam com força no fundo do meu cérebro. Conforme avançava
na leitura, comecei a perceber algo que me incomodava: o personagem
principal, por quem a protagonista nutria tanto ódio, era uma mistura
irritante de arrogância, autoconfiança e charme tóxico. Como se não
bastasse, ele fazia a pobre protagonista questionar cada um de seus
sentimentos.
Era impossível não notar a semelhança. Cada traço daquele
personagem gritava "Marcus" na minha cabeça. Claro que os dois tinham
que ser parecidos. Eu só sabia suspirar e pensar: "Sério, universo? Isso é
mesmo necessário?" Fechei o livro por um momento, tentando não pensar
em Marcus, mas ele parecia ter alugado um triplex nos meus pensamentos
sem nem ao menos pagar o aluguel. Tentei voltar ao livro, mas o paralelo
entre Marcus e o personagem estava impossível de ignorar.
— Mas que porcaria!
Fechei o livro com força, soltando um suspiro irritado. Minha avó,
que estava tranquila no canto dela, levou um susto e me olhou.
— O que houve? — perguntou, preocupada.
— Nada não.
Eu disse, tentando esconder minha frustração, mas antes que ela
pudesse insistir no assunto, a campainha tocou, nos fazendo pular de
surpresa. Olhamos uma para a outra, confusas. Não eram as irmãs dela, com
certeza; essas mal saem de casa. Quem mais poderia ser? Meus pais? Ah,
essa era boa! Eles mal pisavam aqui, com aquele papo de que essa "antiga
vida" era um lembrete desconfortável de como foram pobres antigamente.
Minha avó fez menção de levantar, mas eu sinalizei que iria atender.
Fui até a porta, meio curiosa, e, sem nem olhar pelo olho mágico,
abri a porta de uma vez. A visão do meu pai parado ali na entrada me fez rir
involuntariamente.
— Boa noite... Sr. Smith, quanto tempo, hein? — disse com um
sorriso cheio de ironia. — A que devemos a honra de sua ilustre visita?
Meu pai me encarou com aquele ar de desprezo que ele fazia tão
bem; era quase cômico vê-lo ali.
— Jorge? — Minha avó apareceu atrás de mim, mais surpresa do
que eu. — Meu filho, pensei que tivesse esquecido o endereço da minha
casa. Entre! — disse ela, puxando-o para dentro enquanto ele permanecia
em silêncio.
Fechei a porta depois que ele passou, sentindo o peso dramático que
meu pai trazia consigo, como se fosse uma nuvem carregada prestes a
chover reclamações. Ele estava com os braços cruzados, respirando fundo, e
as linhas de expressão em seu rosto deixavam bem claro que ele estava
longe de estar confortável. Minha avó tentou, com todo o jeito do mundo,
convencer meu pai a se sentar, mas ele se manteve de pé, parecendo mais
um general prestes a dar uma ordem, do que um pai preocupado.
O silêncio pairava na sala, aquele tipo de silêncio que dava vontade
de cutucar com um palito só para ver o que acontecia. Cansada de todo
aquele teatro mudo, resolvi cortar o clima tenso.
— Fala logo, pai. O que você veio fazer aqui?
Meu pai me lançou um olhar frio, daqueles que congelariam até o
inferno.
— Eu vim te levar de volta para casa.
— Nem pensar. Eu vou ficar aqui.
Minha avó, sem pestanejar, entrou na conversa com a autoridade de
uma matriarca.
— Ela vai ficar aqui, Jorge. Alice tem vinte e quatro anos. Ela é
uma adulta, e uma adulta decide onde quer estar.
Senti um sorriso de gratidão ameaçar escapar, enquanto meu pai
claramente não estava nem um pouco feliz com essa defesa. Seu olhar
endureceu, e ele me encarou com uma raiva.
— O que você quer, Alice? Hum? Destruir a família? Humilhar sua
mãe? Qual é a sua grande ideia?
Ele caminhou na minha direção, mas eu não me movi nem um
milímetro. O olhei nos olhos, desafiando-o.
— Quero ficar aqui. E, olha, se está incomodado, a culpa não é
minha que seus espermatozoides não deram um filho homem, tá?
Ele balançou a cabeça com uma risada seca e irônica, daquelas que
não chegam nem perto dos olhos.
— Não me importa você não ser um filho homem. O problema é
que você sempre faz tudo errado, Alice. — Ele deu uma pausa dramática,
engolindo em seco. — Mas eu não vim aqui para discutir isso. Sua mãe está
esperando por você. Vamos.
Ele fez um gesto vago na direção da porta, como se esperasse que
eu obedecesse. Soltei uma risada.
— Se é só isso que você tinha para dizer, pode voltar sozinho. Eu
não vou a lugar nenhum.
Minha avó, se adiantou e, olhou para o meu pai.
— Jorge Smith! Você precisa entender os desejos da sua filha. Já
passou da hora de parar de tentar controlá-la. Se não consegue, vou ter que
repensar se eduquei mesmo o filho certo.
Meu pai ficou ali, no meio da sala, claramente confuso e relutante,
como se tentasse processar o que estava acontecendo. Respirava fundo, a
frustração estampada nas rugas da testa, os olhos buscando respostas que
ele não sabia onde encontrar.
— Você é a minha única filha, Alice. Sempre fui eu quem lutou
para te dar tudo do bom e do melhor. Trabalhei incansavelmente para
garantir que nada te faltasse. Isso não é o suficiente?
Olhei para ele, sentindo uma mistura de raiva e tristeza. A voz dele
carregava uma sinceridade que parecia ter escapado por acidente, como se
ele tivesse deixado cair essa verdade sem querer.
— Nunca foi sobre o que você me deu, pai. Mas você alguma vez
parou para me perguntar o que eu queria? Já considerou que eu também
tenho sonhos para o meu futuro? Alguma vez se importou em saber?
Eu o encarei, esperando por uma resposta, mas ele ficou quieto, o
silêncio dele mais significativo do que qualquer palavra. Era como se
tivesse levado um soco no estômago e ainda estivesse tentando recuperar o
fôlego.
— Sabe... — continuei, com um sorriso amargo — Pelo que eu me
lembro, sempre foi sobre o que você e a mamãe acham que é melhor para
mim, e nunca sobre o que eu realmente desejo!
Meu pai permaneceu em silêncio, a expressão em seu rosto
revelando que minhas palavras tinham o atingido em cheio, mas ele parecia
completamente sem saber o que fazer com essa informação. A tensão na
sala estava tão densa que dava para cortar com uma faca, e eu podia ver a
batalha interna que ele travava consigo mesmo. Nesse momento, minha
avó, decidiu que era hora de agir mais uma vez. Ela se levantou e olhou
diretamente para ele, com uma determinação que não deixava espaço para
dúvidas.
— Alice vai ficar aqui por enquanto, até encontrar um lugar para
morar. Ela está em um emprego, traçando o próprio caminho depois de anos
vivendo à sombra de vocês. É tão óbvio, Jorge, que até um morcego
perceberia. Você, por outro lado, parece estar precisando de um par de
óculos novos. Ela está apenas fazendo o que sempre quis, e se isso não faz
sentido para você, talvez seja hora de refletir sobre o que realmente
significa apoiar sua filha.
A fala dela foi como um golpe direto na testa, e eu vi meu pai
hesitar. Sua expressão passou de confusão para uma mistura de vergonha e
aquela tristeza típica de quem percebe que fez uma burrada. Ele acenou
com a cabeça, parecendo um daqueles bonecos de posto, antes de murmurar
um "boa noite" tão monótono. Quando ele saiu pela porta, O som da porta
se fechando parecia ressoar no espaço agora estranhamente silencioso da
sala. Uma sensação de alívio, misturada com um cansaço profundo me
atingiu em cheio, e eu me joguei no sofá. Minha avó se aproximou e, me
puxou para um abraço. O abraço dela era como um cobertor quentinho
numa noite fria — e, sinceramente, depois de tudo aquilo, eu estava
precisando.
— Eu sabia que isso ia acontecer.
Ela disse, com a voz suave, mas com aquela confiança de quem já
viveu o suficiente para prever até chuva em dia de sol. Me afastei um pouco
para olhar para ela.
— Você percebeu algo no meu pai? — perguntei.
Ela me olhou com uma expressão compreensiva.
— Sim, eu percebi. Percebi que, hoje, meu filho finalmente perdeu
uma briga. E quer saber? Foi bem-feito. Mas, olha, isso era mais do que
necessário para as coisas começarem a se ajustar. Às vezes, a vida precisa
dar uns empurrõezinhos.A frustração e a tristeza do meu pai agora faziam
mais sentido para mim, assim como a dificuldade dele em aceitar que eu
estava, finalmente, tomando as rédeas da minha vida. E, sinceramente? Já
estava mais do que na hora.
Ajeitei meu cabelo mais uma vez enquanto checava meu visual no
espelho do elevador. Estava a caminho do meu primeiro dia de trabalho na
RedCompany e queria parecer confiante, mesmo que estivesse um pouco
nervosa. Decidi manter a maquiagem simples, apenas um toque de rímel
para destacar os olhos. Minha camisa preta combinava perfeitamente com a
minha calça folgada, também preta. Completei o look com um sobretudo
preto de lã batida que encontrei no armário da minha avó. Ela nem
lembrava que estava ali e disse que eu podia pegá-lo — que bom, porque
agora ele era a peça-chave do meu estilo. E, claro, estava com as minhas
botas de cano médio de couro preto favoritas.
Antes do elevador partir, mais pessoas entraram, me empurrando
para o fundo como se eu fosse uma sardinha em lata. Foi então que ouvi a
voz inconfundível de Marcus, cumprimentando as pessoas como uma
celebridade. Revirei os olhos e tentei me esconder atrás das pessoas à minha
frente, mas ele me viu mesmo assim. Vestia um terno azul escuro,
combinado com uma gravata preta, e seu cabelo loiro estava puxado para
trás num estilo moderno, despretensiosamente arrumado. Ele sempre
parecia impecável, o que só aumentava minha irritação. Seu olhar foi de
surpresa pura. Imediatamente desviei o olhar, tentando ignorar sua presença
desnecessária. Tentando manter a calma, respirei fundo e me preparei
mentalmente para qualquer que fosse a palavra que ele se dirigisse a mim.
Caso ele se dirigisse, claro.
O elevador parava em vários andares e, conforme as pessoas saíam,
a minha chance de escapar ia aumentando. Quando finalmente chegou o
andar da RedCompany, ajeitei minha bolsa no ombro e me preparei para
sair. Duas pessoas à minha frente já estavam saindo, e eu segui logo atrás
delas. De repente, senti uma mão firme segurando meu braço. Era Marcus,
e ele me encarava sério.
— O que você acha que está fazendo? — Perguntou ele, grunhindo.
— Me solta! — Respondi, tentando manter a calma e, ao mesmo
tempo, minha dignidade. Puxei meu braço de volta e saí do elevador. Me
virei para ele com um sorriso. — Agora eu trabalho aqui — disse, olhando-
o diretamente nos olhos.
— O quê?! — Exclamou ele, os olhos arregalados.
Sua mandíbula caiu e, por um momento, ele pareceu incapaz de
processar a informação. Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, as
portas do elevador se fecharam com um leve som de cliques, quase como
uma risada silenciosa. Senti uma onda de alívio e triunfo ao ver a expressão
de espanto no rosto dele. Respirei fundo, ajuste meu passo e caminhei em
direção ao meu novo local de trabalho, com a sensação de que o dia só
poderia melhorar a partir dali.
Ashley já estava me esperando e, ao me ver, abordou-me com um
sorriso que parecia brilhar mais que a luz do escritório.
— Bom dia, Alice! — Ela disse.
— Bom dia, Ashley! — Respondi, tentando acompanhar o
entusiasmo dela com um sorriso igualmente radiante.
— Venha, vou te levar até sua sala e te apresentar aos seus colegas
de setor.
Ela enganchou seu braço no meu e me guiou pelo corredor da
empresa. A sala ficava ao lado da sala da Liz, e eu já me lembrava do
caminho. A sala de redação estava ampla e iluminada, com uma energia
criativa tão forte que quase podia sentir a vibração no ar. Como era uma
segunda-feira, a cena estava diferente da última vez que estive ali. O
pessoal estava mais concentrado, com uma movimentação que fazia parecer
que o local tinha sido atacado por um furacão de produtividade.
Computadores ligados, papéis espalhados, e canecas de café em cima das
mesas.
— Alice, quero que conheça o pessoal da redação — disse Ashley
com um sorriso, enquanto parávamos no meio da sala.
As três pessoas que estavam lá ergueram os olhares. Ok, estou
oficialmente envergonhada agora.
— Pessoal, essa é Alice, nossa nova revisora de textos.
Fui recebida com sorrisos e cumprimentos calorosos. Cada um tinha
seu estilo único. Todos pareciam ocupados, mas ao mesmo tempo
acolhedores.
— Oi, Alice, seja bem-vinda! — Disse uma mulher de cabelo curto
e roxo, que estava sentada perto da entrada. — Sou Megan, a tradutora.
— Prazer, Megan! — Respondi, tentando gravar todos os nomes e
rostos.
— Esse é Tom, nosso redator-chefe.
Continuou Ashley, apontando para um homem alto, cabelos
grisalhos e de óculos de grau. Ele acenou para mim, e eu sorri de volta.
— Prazer em conhecê-la, Alice. Nossa, você é estilosa! — Ele disse
enquanto segurava minha mão e me girava, como se estivéssemos em um
programa de dança. Automaticamente, meu rosto começou a ferver. — Ah,
e se precisar de qualquer coisa, é só gritar TOM! Alto, porque sou meio
surdo — Ele disse rindo, e todos na sala riram juntos, como se estivéssemos
todos em um show de comédia.
— E essa é a Elisa, nossa jornalista. Ela é a que entrevista os
autores publicados pela editora e faz todas as entrevistas para as nossas
revistas.
Ashley disse, apresentando uma mulher morena de cabelos
castanhos cacheados e um sorriso que parecia ter saído diretamente de um
comercial de pasta de dentes. Elisa levantou-se para me cumprimentar.
— Prazer em lhe conhecer, Alice Smith! Eu lia seu blog.
Elisa me cumprimentou com um aperto de mão firme, e eu sorri,
lembrando como às vezes eu esquecia quantos leitores fiéis tinha naquela
época.
— O prazer é todo meu, Elisa — respondi, tentando igualar a
simpatia no sorriso.
A sala de redação, com seu burburinho constante, começava a
parecer um lugar onde eu poderia me acostumar, e, quem sabe, talvez esse
trabalho até se mostrasse uma experiência interessante.
— Sabe, Alice, o pessoal aqui é meio velho... é bom ver outro rosto
jovem por aqui. — Elisa comentou com uma sinceridade que quase me fez
rir. Tom e Megan lançaram olhares de puro desdém.
— Garota, se você não soubesse quase todos os meus segredos e
usasse isso contra mim, eu me rolaria no chão com você agora mesmo. —
Tom disse, gesticulando de maneira exagerada, o que me arrancou um
sorriso. — Ah, Alice, cuidado, viu? A Elisa é a maior fofoqueira de Nova
York. Ela sabe da vida de todo mundo.
— É mentira... eu só sou uma boa jornalista que está sempre muito
bem informada. — Ela sorriu para mim com aquele ar de quem sabe
exatamente o que faz.
Depois que Elisa se acomodou novamente em sua cadeira, Ashley
me guiou até minha mesa. Eu sabia que a minha estação de trabalho tinha
uma vista incrível, mas, sentada na cadeira, vendo-a de perto, era
simplesmente espetacular.
— Essa vista é deslumbrante! — exclamei, incapaz de conter a
empolgação.
Ashley riu.
— Liz diz que os revisores de texto precisam de um incentivo
único, já que o trabalho pode ser cansativo... E, de fato, esta é uma das
melhores vistas da redação.
Comecei a explorar meu novo espaço de trabalho. A mesa estava
equipada com tudo que eu precisava: um computador, um bloco de notas e
canetas. Não pude resistir à paisagem ao lado e já comecei a imaginar as
fotos que poderia tirar para postar nas minhas redes sociais. Trabalhar com
uma vista dessas era como um sonho virando realidade.
— Sem querer estragar o momento, mas precisamos tirar uma foto
sua para o seu crachá. — Ashley disse, me tirando dos meus devaneios.
Crachá. A palavra soava estranhamente arcaica. Ainda usavam
crachá? Eu sempre pensei que, em pleno século XXI, estaríamos
identificados por algo mais sofisticado, tipo reconhecimento facial. Uma
leve onda de nervosismo começou a borbulhar no meu estômago ao lembrar
que eu não levava jeito para tirar fotos.
— Claro! — respondi, tentando soar confiante, mas já sentindo o
frio na barriga.
Levantei da cadeira e segui Ashley pelos corredores da empresa,
tentando disfarçar o nervosismo crescente a cada passo. Ela me conduziu
até um pequeno estúdio dentro da editora, explicando no caminho que era lá
onde tiravam algumas fotos para as capas da revista e do site da editora. O
estúdio tinha uma vibe artística, com paredes pretas e equipamentos
fotográficos espalhados por todo lado. Minhas mãos começaram a suar. E se
eu piscasse no momento exato da foto? Ou pior, e se eu fizesse aquela cara
estranha que sempre aparece quando fico nervosa? Odiava tirar fotos
minhas.
No centro do estúdio, havia uma poltrona posicionada diante de
uma câmera. Perto dela, um homem de bigode e óculos ajustava a lente com
um cuidado meticuloso.
— Alice, este é Lee, nosso fotógrafo. — Disse Ashley, fazendo as
apresentações.
— Prazer em conhecê-lo, Lee — falei, tentando parecer relaxada,
enquanto mentalmente fazia um apelo desesperado para que essa foto saísse
pelo menos decente. Lee sorriu e acenou.
— Prazer é meu, Alice. Pronta para tirar sua foto do crachá?
Sentei-me na poltrona e tentei relaxar, mas percebi que sorrir de
forma natural não era meu forte. Lee começou a ajustar a câmera e pediu
para eu sorrir. O resultado foi um sorriso forçado e um tanto estranho.
Parecia que eu estava prestes a explodir em lágrimas ou confessar um
crime.
Ashley, tentando ajudar, disse sorrindo.
— Alice, imagine algo engraçado. Vai ajudar a relaxar.
Tentei pensar em algo engraçado, como uma pessoa escorregando
em uma casca de banana, mas meu sorriso continuava a parecer forçado. As
tentativas estavam ficando cada vez mais difíceis, e meus lábios já estavam
formigando.
— Isso vai ficar horrível... — Murmurei, enquanto tentava outro
sorriso.
Lee fez algumas fotos, e ele nos mostrava, mas vendo elas. Eu
notava que cada uma estava pior que a anterior.
— Relaxa... — Disse ele, tentando acalmar-me. — Vamos
conseguir uma boa!
Eu não gostava de tirar fotos, sempre me achava estranha nelas,
com alguma expressão ruim ou até mesmo um olho torto que eu encontrava.
As minhas redes sociais não tinham fotos do meu rosto, só fotos de
paisagem, os locais que eu visitava, fotos de livros e de animais. Quando
queriam postar foto comigo, eu nunca deixava. De repente, Liz entrou na
sala, rindo da cena.
— Meu Deus, parece que alguém morreu e você quer ser cordial —
Ela disse com um sorriso divertido. Eu olhei para ela ainda forçando meu
sorriso e ela continuou rindo — A foto é para o crachá? – Ela perguntou.
— Sim, estamos tentando tirar uma foto, mas ela não consegue
sorrir de forma natural — Explicou Ashley.
Liz riu e veio até mim.
— Alice, relaxa. Não precisa ser perfeito. Pense em algo que é
muito bom pra você e te faz feliz.
Respirei fundo e pensei na única coisa que me fazia feliz, ter o
emprego dos sonhos e poder ser eu mesma. Então com um clique Lee tirou
a foto e, finalmente, parecia razoável quando eu vi pela tela da câmera. Um
pouco torto, talvez, mas pelo menos não parecia que eu estava com dor de
dente.
— Essa vai servir! — Disse Lee, com um sorriso satisfeito.
— Olha que linda! — Respondeu Liz, enquanto olhávamos para a
foto.
— Bem-vinda à RedCompany, Alice!
Eu sorri de verdade dessa vez, sentindo-me acolhida e animada para
começar essa nova fase. Ouço outro clique e Lee começa a rir dizendo que
não custava aproveitar o momento. E todos nós rimos.
Ok, talvez eu não fosse uma supermodelo, mas pelo menos tinha
um crachá. E, com sorte, não precisaria mostrá-lo com muita frequência.
— Então, Alice, você está pronta para começar? — Perguntou Liz.
— Com certeza!
Respondi, sentindo uma onda de entusiasmo percorrer meu corpo.
Liz sorriu.
— Ótimo! Você vai se sair muito bem aqui.
Enquanto me preparava para o meu primeiro dia de trabalho, não
pude deixar de pensar em como era sortuda. Eu estava finalmente
trabalhando em algo que amava, em um lugar que já começava a parecer
uma casa. De tão acolhedores que foram comigo.
A vista de Manhattan era o toque final perfeito para meu novo
capítulo de vida. Pensava em como, apesar de estar trilha ser o completo
oposto do que meus pais sempre esperaram de mim, eu estava finalmente
podendo ser eu mesma. Aqui, em meio a um setor cheio de pessoas
maravilhosas que reconheciam meu potencial, eu não precisava mais me
esconder atrás de expectativas que nunca foram minhas. O simples fato de
poder ler livros e ser paga por isso parecia um sonho realizado—quase
como se alguém tivesse errado feio no cálculo, mas eu não ia reclamar.
Sentada à minha mesa, observei o movimento ao meu redor
enquanto Tom e Megan se preparavam para uma reunião. Antes de sair,
Tom deixou uma pilha de manuscritos e textos para eu revisar. Embora
estivesse um pouco nervosa, sabia exatamente o que fazer. Revisão de
textos era algo que eu já tinha feito antes, e me sentia confiante em minhas
habilidades, ou pelo menos estava convencida disso até ver o tamanho da
pilha que Tom chamou de "pouca".
— Esses são para você, Alice. São poucos comparado ao que
temos, mas não quero te sobrecarregar — disse Tom, colocando a pilha de
papéis na minha mesa com uma naturalidade que quase me convenceu de
que aquilo era uma brincadeira. — Qualquer dúvida, estamos de volta em
breve.
— Tudo bem, ótima reunião Tom.
Respondi, sorrindo gentilmente enquanto ele se afastava, deixando
para trás o que parecia mais com uma montanha de trabalho do que uma
pilha de papéis.
Olhei para os manuscritos à minha frente e me perguntei se
conseguiria terminar tudo aquilo ainda hoje. Rapidez nunca foi meu forte—
na verdade, mal chegava a ser uma fraqueza minha—mas sabia que
precisava desenvolver essa habilidade se quisesse me dar bem neste
trabalho.
Logo depois, Elisa se levantou de sua mesa e se aproximou de mim.
— É muita coisa... Quer um café pra ajudar? Estou indo pegar um
para mim.
Assenti, agradecida pela gentileza inesperada.
— Nossa, seria ótimo, obrigada!
Sorri, aliviada. Elisa sorriu de volta e saiu da sala, me deixando
sozinha com o Everest de papéis.
Comecei a organizar os manuscritos, separando-os por prioridade—
ou seja, os que eu provavelmente conseguiria terminar antes de desmoronar
mentalmente. Peguei o primeiro da pilha e comecei a lê-lo, anotando
correções e sugestões nas margens. A concentração tomou conta de mim
enquanto mergulhava nas palavras e na estrutura do texto. Mesmo assim,
não pude evitar sentir uma leve pressão no fundo da mente. Apesar de não
terem me dado um prazo fixo, eu queria causar uma boa impressão. Sabia
que poderia fazer isso. Só precisava me manter focada... e talvez daquele
café da Elisa.
Enquanto trabalhava, olhei pela janela, apreciando a vista incrível
de Manhattan. Aquele momento me deu uma sensação de tranquilidade.
Trabalhar ali era mais do que eu poderia ter imaginado, isso era surreal. É
realmente Ashley estava certa, essa vista servia de inspiração. Logo Elisa
voltou com dois cafés, me tirando dos meus pensamentos.
— Aqui, Alice. Um café para te ajudar a enfrentar essa pilha.
— Você é um anjo. — Disse, pegando o copo e sorrindo. Ela sorriu
de volta, sentando em sua mesa.
— Então, por que preto? — Elisa me olhou curiosa.
Eu me surpreendi com a pergunta e dei uma rápida olhada para o
meu traje, antes de responder.
— Preto é básico e eu amo essa cor. Combina com tudo.
Elisa assentiu, claramente de acordo, e fez uma pausa antes de
lançar a próxima pergunta.
— E onde você se formou?
Eu travei por um momento, meu cérebro girando para encontrar a
melhor maneira de lidar com a pergunta. Decidi ser realista, afinal, por que
não?
— Na verdade, eu fui expulsa de Harvard — comecei, e um sorriso
irônico se formou nos meus lábios. — Eu fazia o curso de Administração.
Elisa arregalou os olhos, visivelmente surpresa.
— Expulsa de Harvard? Isso é raro! — disse ela, com um toque de
humor. — O que você fez? Vendeu um segredo da universidade ou algo
assim?
Eu percebi a jogada de jornalista dela, as expressões
cuidadosamente calculadas. Lembrei-me do que Tom havia dito
anteriormente sobre Elisa. Decidi ser sincera, sem mais nada a perder.
— Bem, teve uma brincadeira de mau gosto em uma reunião de
veteranos. Um idiota com uma câmera filmou e tirou fotos. Acabou que eu
apareci também e a coisa toda deu ruim para todos.
Elisa soltou uma risada, mais divertida do que eu esperava.
— Sério? Que drama... — Ela piscou para mim. — É Alice, a gente
vai se dar muito bem.
Eu olhei para ela, admirando a sua forma leve e autêntica de lidar
com as coisas. Pensei comigo mesma, com um sorriso interno, que a
conhecia apenas hoje, mas já sentia uma conexão genuína com ela. Percebi
seu jeito incrível de transformar até os piores dramas em piadas, e isso era
exatamente o que eu precisava. Era como encontrar uma pausa cômica em
um filme dramático, e eu me senti aliviada por finalmente poder rir de mim
mesma, sem aquela sensação de estar sendo julgada. Tomei um longo gole
do café quente e voltei ao trabalho, sentindo-me mais energizada.
A pilha de papéis parecia um pouco menos intimidadora agora.
Continuar me concentrando e desenvolver minha rapidez seria essencial, o
primeiro dia estava apenas começando. Ao longo da manhã, enquanto
revisava os manuscritos em minha mesa, meu telefone vibrava
constantemente, mostrando chamadas e mensagens da minha mãe. Cada
notificação me distraía por um momento, mas eu as ignorava, tentando
manter o foco no trabalho. Sabia que ela estava preocupada e querendo
saber se eu voltaria pra casa, Eu preferi não atender, precisava desse tempo
para mim.
A pilha de manuscritos ainda era grande, mas me sentia preparada
para enfrentá-la. Com cada página que revisava, sentia uma crescente
sensação de satisfação. Estava completamente focada, minhas mãos se
movendo rapidamente sobre o teclado enquanto anotava correções e
sugestões. Estava feliz, feliz por estar trabalhando com algo que amava.
Sabia que ainda havia muito a aprender e a melhorar, mas o primeiro dia
estava sendo um sucesso. Sentia que estava finalmente no lugar certo,
fazendo o que nasci para fazer. Finalmente eu havia saído da bolha.
O tempo passou voando, e logo percebi que a pilha de manuscritos
havia diminuído. Meu telefone parou de vibrar finalmente foi um alivio
afinal não queria que nada tirasse minha atenção do que estava fazendo.
Quando terminei o último manuscrito, olhei para a janela e percebi que já
estava escuro. A luz do dia tinha desaparecido sem que eu me desse conta.
Ao olhar ao redor da sala de redação, vi apenas Elisa se levantando de sua
mesa colocando sua bolsa no ombro. Então para e fica olhando diretamente
para mim. Começamos a rir juntas.
Elisa caminhou até minha mesa, ainda rindo, e perguntou.
— Você é sempre assim, tão focada?
Eu, meio surpresa com minha rapidez, respondi
— Na verdade, nem eu sabia que conseguia me concentrar tanto.
Acho que foi o entusiasmo do primeiro dia
— É... meus parabéns, mas bora gata que já são oito horas da noite.
Eu dei um pulo da cadeira, chocada com o horário. Pois eu tinha
que passar na casa de meus pais ainda, e ir com a minha mudança para a
casa da minha avó.
— Meu Deus, não acredito.
Eu disse enquanto recolhia meu celular sobre a mesa e a minha
bolsa. Elisa balançou a cabeça, ainda sorrindo.
— Isso é normal no primeiro dia... vamos descer? Eu estava prestes
a sair.
Elisa deu meia volta se dirigindo até a porta, mas o telefone dela
começou a tocar. Ela olhou para a tela e franziu a testa.
— Alice, só um minuto, tá? Preciso atender essa ligação rapidinho.
Já volto. — disse ela, enquanto se afastava da sala.
— Claro, sem problemas — respondi, recolhendo meus pertences.
Enquanto organizava minha bolsa e tentava me acostumar com a
ideia de que aquele lugar seria meu novo ambiente de trabalho, ouvi passos
que inicialmente pensei ser de Elisa, terminando a ligação. Mas não, era
Marcus, aparecendo na porta e encostando-se no batente com aquele sorriso
presunçoso que me fazia revirar os olhos. Ele me observou de cima a baixo,
claramente se divertindo com a situação.
— Algum problema?
Perguntei, tentando disfarçar o incômodo, mas ele estava parado ali,
me encarando como se eu fosse algum tipo de atração de circo.
— Resolveu mostrar serviço ficando até mais tarde?
Ele tinha aquele tom provocador que eu já havia notado desde a
entrevista. Era o tipo de pessoa que parecia viver para testar a paciência dos
outros, e estava claro que ele queria ver até onde eu aguentava.
— Sim, afinal, não é sempre que se consegue esse tipo de emprego
— respondi, carregando minha voz de ironia.
— Por que não quis trabalhar na imobiliária dos seus pais? Era
óbvio que eles te arranjariam um emprego lá.
— Isso não é da sua conta
Respondi, revirando os olhos internamente. Aparentemente, Marcus
desconhecia o conceito de limites. Ele deu um passo para frente, se
aproximando mais do que eu gostaria.
— Entendo... só queria te informar que esta empresa também é
minha — disse, com um tom de voz que parecia esperar uma reação.
A RedCompany ser dele era uma surpresa. Liz não mencionou isso
na entrevista. Mas não ia deixar ele ver que isso me abalava.
— Obrigada pela informação, mas isso não muda o fato de que
ainda não é da sua conta.
— Entendi o seu joguinho, Alice. Uma pena que você não tem
diploma... pode chegar uma pessoa formada, procurando emprego, e você
ser descartada como uma simples folha de papel — ele disse com um meio
sorriso, as mãos agora nos bolsos da calça, como se estivesse apenas
jogando conversa fora.
— Qual é o seu problema?
Minha voz saiu irritada, a tensão crescendo no ar. Estava prestes a
falar algo que já estava entalado na garganta, mas Elisa apareceu na sala,
alternando o olhar entre nós dois, claramente confusa com a situação.
— Marcus, que honra ter você aqui na sala
Ela disse, cumprimentando-o com um aperto de mão, enquanto eu
apenas queria desaparecer. Ela me lançou um olhar questionador antes de
voltar a atenção para Marcus.
— Posso te ajudar com algo?
— Não, eu já estava de saída... — ele respondeu, dando alguns
passos para trás, ainda com aquele sorriso de canto de boca que me deixava
irritada. — Boa noite, meninas.
Ele afrouxou a gravata antes de sair pela porta, levando consigo
toda a tensão que havia criado. Só então consegui soltar o ar que nem
percebi estar prendendo.
— Marcus aqui na sala, juro. Nunca vi isso
Elisa comentou, claramente surpresa, enquanto começávamos a sair
da sala em direção ao corredor.
— Como assim? — perguntei, a curiosidade agora me corroendo,
enquanto entrávamos no elevador.
Elisa me olhou de lado, ainda surpresa, mas divertida com a
situação.
— Ele praticamente nunca desce da empresa dele. E quando desce,
vai direto pra sala da Liz, o que acontece apenas raramente. Acho que você
o viu essa semana, né? — Concordei balançando a cabeça. Ela me olhou de
cima a baixo, antes de continuar. — Você deve ter causado uma boa
impressão... ou algo do tipo. — Ela piscou pra mim rindo.
Eu suspirei, tentando processar tudo. As palavras dele ainda
ecoavam na minha mente, me irritando mais do que eu gostaria de admitir.
Enquanto o elevador descia, a irritação misturada com uma pitada de
frustração se instalava. A arrogância dele, aquele jeito insuportável de
parecer se divertir às minhas custas... Era o tipo de pessoa que sabia
exatamente quais botões apertar. E o pior? Meus pais o achavam perfeito.
Não sei o que viam nele para o bajularem tanto. Talvez aquele terno bem
alinhado e o cabelo cuidadosamente arrumado para trás criassem uma
ilusão de perfeição.
Falar em meus pais... Suspirei ao lembrar que eu ainda tinha algo
para resolver hoje. Uma pendência que eu vinha adiando há anos.
Cheguei à casa dos meus pais e, para meu alívio, não os encontrei
em casa. Aproveitei o momento de tranquilidade para me preparar para a
mudança que estava prestes a acontecer. Subi direto para o meu quarto, e
logo Mason, veio atrás de mim, pedindo carinho. Afaguei seu rosto. Eu
realmente sentiria falta dele. Já havia me despedido antes, quando fui para
Harvard, mas agora era diferente; era um adeus definitivo. Arrumei minhas
roupas com pressa, colocando tudo em duas malas e uma mochila. Com
dificuldade, saí do quarto, carregando as malas de forma desajeitada.
Quando pisei no primeiro degrau da escada, ouvi o som da porta da
frente se abrindo. Meu coração afundou ao ver meus pais entrando.
— O que está acontecendo aqui?
Minha mãe perguntou, os olhos arregalados ao me ver descendo as
escadas com as malas.
— Eu estou me mudando — respondi, tentando manter a calma
apesar da tensão no ar.
— O quê? Sem nos avisar? Jorge, você não vai dizer nada?
Minha mãe se voltou para meu pai, que estava sentado no sofá com
uma expressão impassível. Ele sabia da minha decisão, mas pelo jeito, não
havia contado nada para ela.
— Não se esqueceu de nada? — Meu pai perguntou, e a expressão
de minha mãe ficou ainda mais alarmada enquanto eu negava com a cabeça
e continuava a descer os degraus.
— Alice, o que você está fazendo? Pare de ser tão impulsiva —
minha mãe disse, a confusão evidente em sua voz. — Você não pode
simplesmente fazer isso.
— Eu tenho vinte e quatro anos, um emprego e um lugar para morar
que me aceita como sou. Isso não é impulsividade, é a minha vida — rebati,
sentindo meu rosto esquentar com a frustração.
— E você vai para a casa da sua avó? — Minha mãe perguntou, a
irritação crescendo. — Jorge, ela vai para a casa da sua mãe. Vai incomodar
a paz dela. Jorge, diga alguma coisa!
— Deixe-a, Violet. Alice é adulta e tem o direito de tomar suas
próprias decisões.
Finalmente, meu pai falou algo de bom, e eu senti um alívio
momentâneo. Parecia que ele estava finalmente entendendo que não podia
mais intervir em minha vida. A minha mãe, por outro lado, estava cada vez
mais furiosa. Eu a observava, perplexa com sua falta de compreensão sobre
o que realmente importava para mim.
— Eu não vou incomodar ninguém. Qual é a insistência aqui? Pelo
que eu sei, sou um problema para vocês — dei uma pausa dramática,
tentando controlar minha raiva. — Sou a filha dos Smith que foi expulsa de
Harvard e que agora tem um futuro incerto — ironizei, lembrando das
manchetes dos jornais.
O rosto da minha mãe estava vermelho de fúria. Ela se aproximou
de mim, a raiva evidente em cada passo.
— Deveria me agradecer por ter conseguido esse emprego para
você. Você está onde está por minha causa!
Ela disse, com um tom desdenhoso. Eu arquei as sobrancelhas,
chocada com a audácia dela.
— Por sua causa? — Ri com amargura. — Você nem queria que eu
aceitasse a vaga. Como pode dizer isso agora?!
— Você é tão ingrata! — Minha mãe exclamou. — Sempre
querendo fazer tudo do seu jeito, sem pensar em como isso afeta a nossa
família.
— Ah, pelo amor de Deus! — Respondi, a voz elevada. — Vocês
nunca me apoiaram de verdade em nada do que eu realmente quis fazer.
Tudo o que faço é para agradar vocês, e ainda assim nunca é suficiente. —
As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. — Eu amo literatura,
quero trabalhar na RedCompany, e não vou deixarei mais que vocês
controlem minha vida.
— Chega, Violet! — Meu pai interveio, com a voz firme. — Deixe-
a ir, não a force mais... Não está claro o suficiente?
— É isso mesmo! — Eu falei — Vocês sabem onde me encontrar,
mas já chega disso. O fato é que vocês perderam o controle sobre mim no
momento em que pisei em Harvard!
— Fizemos tudo para o seu bem, tudo como deveria ser feito —
minha mãe disse, com lágrimas escorrendo pelo rosto.
Olhei para ela, enxugando as lágrimas que também escorriam pelo
meu. — Eu não sou mais aquela garota de dezessete anos... Sou adulta
agora. Eu quem tomo as decisões na minha vida. — declarei com firmeza.
— Alice, pense, minha filha... Você não está pensando direito —
minha mãe insistiu, a preocupação evidente em sua voz. — Isso não vai te
enriquecer.
— Eu não me importo com o dinheiro! — gritei, a frustração se
misturando com a tristeza. — Eu só quero fazer o que amo. E se isso
significa que eu preciso sair daqui para conseguir, então é isso que eu vou
fazer.
Minha mãe balançou a cabeça, incrédula, enquanto a expressão dela
se transformava em uma mistura de desespero e tristeza.
— Você está cometendo um grande erro.
— Não, o erro seria continuar aqui.
Respondi, pegando minhas malas novamente. O silêncio que se
seguiu era pesado. Meu pai continuava olhando para o chão, enquanto
minha mãe parecia paralisada pela dor.
Saí pela porta, sentindo uma mistura confusa de alívio e tristeza. À
medida que me afastava, uma avalanche de pensamentos inundava minha
mente. Parte de mim estava aliviada, finalmente livre das expectativas
sufocantes e dos planos que nunca foram verdadeiramente meus. Mas outra
parte sentia o peso doloroso dessa decisão. Eu sabia que essa escolha,
embora necessária para a minha sanidade e felicidade, vinha com um custo
emocional significativo.
Eu sempre quis que meus pais me vissem pelo que eu realmente
sou, e não pelo que eles esperavam que eu fosse. A ideia de trabalhar na
RedCompany me enchia de entusiasmo. A literatura sempre foi minha
paixão, meu refúgio, e finalmente eu tinha a chance de transformar isso em
uma carreira. Eles precisavam entender isso, precisavam ficar felizes por
mim. Não pude evitar a dor que sentia ao pensar nas palavras da minha
mãe. "Você é ingrata" ecoava em minha mente, misturando-se com a raiva e
a tristeza. Era difícil lidar com o fato de que eles não conseguiam ver o
quanto essa carreira era importante para mim. Eles estavam tão focados no
que consideravam um futuro seguro e lucrativo que nunca pararam para
considerar o que realmente me faria feliz.
Eu precisava acreditar que estava fazendo a coisa certa. Não queria
viver com arrependimentos, sempre me perguntando como teria sido se eu
tivesse tido coragem de seguir meus sonhos. E hoje eu tive, felizmente hoje
eu tive clareza sobre tudo e sobre o que eu realmente deveria ter feito desde
que me tornei adulta.
Parada na calçada do prédio dos meus pais, o peso esmagador da
noite parecia me envolver. O silêncio da rua contrastava com o turbilhão de
pensamentos e emoções na minha cabeça. Esperei ansiosamente por um
táxi, mas a espera parecia interminável. A impaciência e o nervosismo
começaram a se instalar, e foi quando lembrei do cigarro esquecido na
minha mochila. Mesmo sabendo que minha avó desaprovaria, acendi-o. A
fumaça subiu lentamente no ar frio da noite enquanto eu dava uma longa
tragada, permitindo que a nicotina acalmasse meus nervos
momentaneamente. As chamas do cigarro diminuíam e minha mente se
enchia de pensamentos sobre a mudança drástica que minha vida estava
tomando. A decisão de seguir meus próprios sonhos, apesar das
consequências, era assustadora e libertadora ao mesmo tempo.
Olhei para o relógio e vi que já eram onze e meia. Minha avó,
provavelmente já estava dormindo, e eu havia esquecido de avisá-la que
chegaria tarde. Justo quando estava prestes a pegar o telefone, um táxi
finalmente apareceu na rua. Sinalizei desesperadamente para ele parar.
Desajeitada, comecei a colocar as malas no táxi, mas a tarefa se mostrou
mais difícil do que eu imaginava. O motorista, percebendo minha
dificuldade, desceu para ajudar. Juntos, conseguimos colocar as malas no
bagageiro, e finalmente seguimos viagem.
Ao chegar à casa da minha avó, uma onda de alívio e emoção me
invadiu. Sabia que, pelo menos ali, encontraria um refúgio, um lugar onde
poderia ser eu mesma e planejar meus próximos passos. Ao pagar o táxi e
pegar minhas malas, respirei fundo, sentindo um nó na garganta e lágrimas
ameaçando cair. Pronta para enfrentar o novo capítulo da minha vida, bati à
porta. Torcia para que ela não percebesse o cheiro do cigarro em minhas
roupas.
Minha avó abriu a porta vestida de roupão, com um olhar
preocupado, provavelmente por causa da hora tardia em que eu estava
chegando. Ela afastou a porta, permitindo que eu entrasse com minhas
malas. Atravessei o hall e larguei as malas na base da escada, jogando a
mochila por cima.
Olhei para ela, sentindo o peso de tudo o que havia acontecido.
— Fiz chá de hortelã com mel, o seu favorito — disse ela.
Eu caminhei em sua direção e, antes que pudesse evitar, as lágrimas
começaram a cair. Era como se todo o peso das últimas horas, dias e meses
estivesse desabando de uma só vez. Minha avó me envolveu em um abraço
apertado, sem dizer nada, apenas me segurando firme enquanto eu me
desmanchava em lágrimas.
Naquele abraço, senti um conforto que não experimentava há muito
tempo, uma segurança que só ela poderia me oferecer. Eu raramente
chorava, sempre preferindo guardar minhas emoções, mas naquele
momento, algo em mim se quebrou, e decidi que não precisava mais ser
aquela que segurava tudo sozinha.
— Vai ficar tudo bem, minha querida — sussurrou ela, sua voz
suave e calmante.
Permaneci ali por um tempo, permitindo-me sentir a
vulnerabilidade que vinha tentando suprimir. O chá estava esfriando na
cozinha, mas, naquele momento, tudo o que importava era o abraço da
minha avó e a sensação de estar em um lugar seguro. Eventualmente,
consegui me recompor, enxugando as lágrimas e respirando fundo. Minha
avó ainda me segurava, um pilar de força e amor incondicional.
Mesmo sendo tarde da noite, minha avó insistiu que eu contasse
como foi o meu dia. Sentamo-nos à mesa da cozinha, com duas xícaras de
chá de hortelã fumegantes à nossa frente. Ela fazia o chá diretamente das
folhas frescas, e o sabor era simplesmente delicioso, com um toque de mel
que o tornava ainda mais perfeito. Contei tudo a ela, detalhando cada
momento do meu primeiro dia de trabalho. Falei sobre a excitação de
conhecer minha nova sala, a sensação de trabalhar com a vista maravilhosa
de Manhattan, e até mesmo as dificuldades de tentar tirar uma boa foto para
o crachá. Descrevi o momento de nervosismo e satisfação quando terminei
o último manuscrito e percebi que já era noite. Minha avó ouviu
atentamente, com um olhar que refletia perplexidade e orgulho. Ela estava
visivelmente impressionada com tudo o que eu havia realizado em um
único dia e não economizou elogios pela minha dedicação.
— Estou muito orgulhosa de você — disse ela, com um sorriso
caloroso.
— Sabe... eu sei que vou conseguir me reerguer — comecei
olhando nos olhos dela com sinceridade. — Ficarei aqui até encontrar um
lugar para morar. Mas prometo — disse, pegando a mão dela e alisando-a
gentilmente — que vou procurar um lugar bem perto, para não ficar longe
de você.
Minha avó sorriu com um brilho de orgulho nos olhos e apertou
minha mão de volta.
— Eu sei que você vai encontrar, querida.
Enquanto saboreava o chá, uma sensação de conforto e paz me
envolveu. Chá de hortelã sempre teve esse poder de acalmar minha mente e
corpo, como se cada gole dissolvesse um pouco do caos do dia. Depois de
um tempo, minha avó perguntou sobre como foi a chegada na casa dos
meus pais. Suspirei profundamente antes de começar a relatar o que
realmente aconteceu. Contei como cheguei em casa aliviada por não
encontrar meus pais, mas, claro, a calmaria durou pouco e logo se
transformou em um confronto acalorado.
Minha avó ouviu em silêncio, absorvendo cada palavra.
— Seus pais querem o melhor para você, mas isso não significa que
eles saibam de tudo. Fico feliz que você tomou sua decisão.
Após nossa conversa e o chá, fui para o meu quarto. Ajeitei as
malas contra a parede, prometendo a mim mesma que organizaria tudo no
dia seguinte. Mas antes, decidi que precisava de um banho para tentar lavar
um pouco do estresse do dia.
Enquanto a água quente escorria pelo meu corpo, minha mente
voltou ao escritório e ao encontro irritante com Marcus. As palavras dele
ainda ecoavam na minha cabeça, carregadas de ódio e desprezo, como se
ele estivesse determinado a me derrubar a cada oportunidade. Era frustrante
como alguém podia ser tão insuportável. Estava de saco cheio daquele
homem, e de suas palavras de arrogância.
Saí do banho me sentindo um pouco mais leve, mas ainda inquieta.
A verdade era que, por mais que eu tentasse, Marcus conseguia me tirar do
sério como ninguém. Vesti um pijama confortável, com o tecido macio
abraçando minha pele cansada. Caminhei até a cama, ajeitando os
travesseiros e me aninhando debaixo das cobertas. O colchão macio parecia
uma nuvem, e o cansaço do dia finalmente começou a pesar nas minhas
pálpebras. Fechei os olhos, tentando afastar qualquer pensamento sobre
Marcus, sobre o escritório, sobre tudo. E, assim, lentamente, fui caindo no
sono, deixando que o cansaço me levasse para longe das preocupações que
ainda rondavam minha mente.
Acordei com um sobressalto, o coração disparado, e peguei meu
telefone na mesinha ao lado da cama. Trinta minutos para começar a
trabalhar. "Droga!" Levantei num pulo, tentando abafar o pânico que subia
pelo meu peito. Joguei uma toalha sobre os ombros enquanto abria a porta
do quarto e corria em direção ao banheiro.
O banheiro da casa da minha avó tinha aquele ar de outra época,
simples, mas cheio de charme. Os azulejos brancos com detalhes azuis já
tinham visto melhores dias, mas havia algo aconchegante neles. A pia
antiga, com torneiras de metal desgastado, contrastava com a banheira de
porcelana branca que, apesar de sua idade, ainda tinha um certo brilho. As
cortinas do chuveiro, também azuis, tremulavam levemente com a brisa da
manhã que entrava pela janela entreaberta, trazendo consigo o frescor do
dia. Era tudo meio vintage, e eu adorava esse estilo.
Mas, naquele momento, não tinha tempo para apreciar a nostalgia.
Precisava me apressar antes que mais um "bom dia" fosse arruinado pela
minha falta de pontualidade.
Sai do chuveiro, e nem me preocupei em secar os cabelos; apenas
os penteei com pressa. Vesti-me rapidamente, lutando contra a roupa que
parecia não colaborar. Enquanto descia as escadas, calcei minhas botas de
couro no meio do caminho, tentando não perder o equilíbrio.
Minha avó estava parada na entrada da cozinha, com um olhar
preocupado, mas compreensivo.
— Bom dia, Alice — disse ela, observando meu frenesi. —
Acalme-se, senão você vai acabar caindo da escada. Deve estar atrasada.
— Bom dia, vó! — respondi, quase ofegante. — Sim, estou
SUPER!
— Leve um sanduíche para comer no caminho. Está na mesa.
Ela disse indicando o sanduiche embalado perfeitamente, em cima
da mesa. Peguei o sanduíche rapidamente e dei um beijo na bochecha dela.
— Obrigada, vó! Te vejo mais tarde!
E com isso, saí correndo pela porta. Descendo as escadas, senti o
vento frio de fim de setembro batendo no meu rosto. As folhas secas
voavam pela calçada, dançando ao ritmo da brisa gelada. Mesmo com o
vento, os vizinhos já estavam ajeitando as decorações de Halloween nas
calçadas. Eu amava essa época do ano; as abóboras esculpidas, as teias de
aranha falsas e as luzes laranja. Sem contar as fantasias horrendas e
assustadores, era legal espalhar doces ou travessuras pelos bairros.
Eu corri em direção à avenida principal, onde passavam mais táxis.
Era um percurso de cerca de vinte minutos até o trabalho. No primeiro sinal
que fiz, um táxi parou, e eu entrei apressada, agradecendo ao motorista.
Enquanto me acomodava no banco traseiro, percebi que, ainda bem, não
havia secado o cabelo; com esse vento, só me ajudou. Com um suspiro de
alívio, encostei a cabeça no banco e suspirei aliviada.
Ao chegar ao prédio, vi Marcus de costas, conversando com Liz. A
expressão de Liz estava impaciente, e ela revirou os olhos quando me
avistou, claramente frustrada com o que Marcus estava dizendo. Eu parei a
uma distância considerável, mas o suficiente para ouvir a conversa.
— Você ao menos checou o currículo da pessoa antes de contratá-
la, Liz? Ela nem terminou a graduação porque foi expulsa!
Marcus estava reclamando com uma voz irritada. Liz tentou
interrompê-lo.
— Marcus, podemos discutir isso depois?
Sua voz estava tensa. Como ele podia ser tão insensível? O fato de
vê-lo falando algo assim aumentava ainda mais minha raiva em relação a
ele. Marcus ignorou o pedido dela e continuou falando.
— Você e a mamãe adoram fazer boas ações por causa da igreja,
né? Mas isso até na empresa? Sério?!
O elevador chegou, e eles entraram. Eu os segui logo atrás, e
quando Marcus me viu, ficou em silêncio, como se tivesse visto um
fantasma. Liz, percebendo a tensão, me cumprimentou com um sorriso
reconfortante.
— Bom dia, Alice.
— Bom dia, Liz. Desculpe pelo atraso, não vai acontecer
novamente — disse, tentando manter a calma. Fitei minhas botas enquanto
o elevador subia. Embora não estivéssemos sozinhos, o ambiente no
elevador parecia carregado.
Liz continuou.
— Tom me ligou hoje cedo apavorado, disse que encontrou todos
os manuscritos da semana prontos na mesa dele. — Ela ria enquanto falava.
Espere, ela disse semana? Então a pilha que eu havia me matado
para terminar era de toda a semana. Liz então completou.
— Até que horas você ficou ontem?
— Até as oito da noite. Não percebi o tempo passar — respondi,
um pouco surpresa ao descobrir que eu havia trabalhado em um só dia o
serviço de toda a semana.
— Então você não está atrasada — Liz disse, com um sorriso
tranquilizador. — Eu sabia que a melhor coisa que fiz foi ter te contratado.
Ela sorriu para mim e lançou um olhar de relance para o irmão, que
estava sério e olhando para a frente. Mas isso mudou quando alguém ao
lado dele começou a puxar assunto sobre números, atraindo sua atenção. Eu
e Liz nos entreolhamos, revirando os olhos, e nos escoramos na parede de
trás do elevador.
Quando Liz e eu saímos do elevador, ríamos discretamente dos
comentários maldosos que Marcus havia feito antes. Ele ergueu os olhos em
nossa direção, visivelmente confuso com nossas risadas, interrompendo sua
conversa com um funcionário. Liz acenou para ele, soprando um beijo, e ele
revirou os olhos em resposta.
Ao chegarmos na sala de redação, me senti radiante. Era
gratificante saber que meus esforços do primeiro dia foram reconhecidos.
Apesar dos comentários de Marcus, que quase me desanimaram, eu não ia
permitir que isso me deixasse triste. Sabia que tinha feito um bom trabalho.
Cumprimentei meus colegas ao chegar e Liz fez o mesmo, trocando
algumas palavras rápidas com todos antes de se retirar. Sentei-me na minha
cadeira, ajeitando a bolsa sobre ela.
Tom se aproximou de mim, parecendo genuinamente
impressionado.
— Alice, preciso dizer que nunca vi alguém trabalhar com tanta
rapidez e precisão nos manuscritos. Você fez um trabalho incrível! — disse
ele, me dando um tapinha no ombro.
— Obrigada, Tom. Fico feliz que tenha gostado — respondi,
tentando disfarçar a onda de felicidade que me inundava.
— Você se formou em Escrita Criativa e Literatura, certo? —
perguntou ele, curioso.
Essa pergunta me pegou de surpresa. Antes que eu pudesse
responder, percebi Elisa me olhando fixamente. Ela pegou um pedaço de
papel e escreveu rapidamente: "Tom não sabe sobre Harvard! Eu não contei
nada!”. Depois que li ela amassou o papel e o jogou no lixo. Olhei de volta
para Tom com um sorriso meio tímido.
— Na verdade, não — Eu disse. — Eu realmente amo escrever e
estou sempre buscando aprender mais por conta própria. Mas é algo que
tenho considerado seriamente. Talvez no ano que vem.
Tom assentiu, compreensivo.
— Você tem talento. Pensando bem, nem precisa do curso.
Ele riu, e eu me senti um pouco mais aliviada por ter a compreensão
e o apoio dos meus colegas. Olhei de novo para Elisa, que fez um gesto
discreto de aprovação com um olhar cúmplice.
Olhando pela janela e apreciando a vista do lado de fora. Minha
mente vagou rapidamente para o tempo em que pensei em fazer esse curso
na faculdade. Visitei algumas aulas de escrita criativa e literatura em
Harvard. Agora, faltando três meses para o fim do ano, percebi que não
seria o momento ideal para começar. Era melhor esperar o próximo ano
para resolver isso. Com um suspiro satisfeito, voltei minha atenção para os
papéis à minha frente.
No final do dia, decidi acompanhar a turma do setor ao restaurante
que todos pareciam amar. No caminho, falavam animadamente sobre o
lugar, e eu já estava curiosa para ver se era tudo isso mesmo. O restaurante
tinha um estilo bar and grill autêntico, com uma cobertura charmosa onde
mesas ao ar livre ofereciam uma vista agradável da cidade. Nos
acomodamos na cobertura, o ambiente era acolhedor e convidativo. As
mesas sofisticadas e as cadeiras confortáveis criavam uma atmosfera
relaxada. Olhei para o cardápio e não consegui identificar o que era bom e o
que era ruim, então Elisa me auxiliou dizendo para eu pedir o hamburguer
de cogumelos e trufas.
O sol já estava se pondo, tingindo o céu com tons quentes e
tornando o ambiente ideal para um jantar descontraído. As conversas e
risadas ao redor eram envolventes, mas meus olhos captaram Liz chegando
com Marcus. Ver Liz era um alívio, a presença dela era agradável, mas
avistar Marcus... Ah, ele era a última pessoa que eu queria ver. Só de olhar
para ele, senti um arrepio na espinha, e não do tipo bom. A presença dele
tinha o poder de transformar o clima descontraído em algo tenso, como se
uma nuvem cinza tivesse se instalado sobre minha cabeça.
Elisa imediatamente cutucou meu braço e sussurrou:
— Deixa eu te apresentar... aquele ali ao lado de Liz é o Marcus.
Como você já o conheceu antes, preciso te explicar melhor... ele é o terror
das três empresas. — Ela abafou o riso e continuou: — A SayCompany é só
dele, mas ele fez questão de comprar parte das outras duas. No total,
sessenta por cento do grupo é dele. O homem é tipo um cofre ambulante;
ele investe em tudo que vê, desde que ache que vai dar lucro. — Ela fez
uma pausa dramática, como se fosse contar um segredo sombrio. — Dizem
que ele não permite relacionamentos entre colegas e faz todo mundo assinar
um contrato concordando com isso. Se ele pega alguém ou até ouve boatos,
é demissão por justa causa na certa. E também... dizem que ele demite
alguém pelo menos toda semana.
Olhei para ela, fingindo surpresa. Com o comportamento de Marcus
que já presenciei, isso não era novidade nenhuma para mim.
— Como sabe de tudo isso? — perguntei, tentando parecer
genuinamente curiosa.
Ela arregalou os olhos e me encarou.
— Esqueceu que sou jornalista? Eu sei mais sobre a vida dos outros
do que da minha.
Nós rimos, e eu, com meu olhar crítico, observei Marcus. Ele estava
ali, de pé ao lado de Liz, com aquela postura de quem acha que manda no
mundo e provavelmente ainda acredita que é o escolhido do universo.
Comecei a julgá-lo mentalmente, imaginando como alguém poderia ser tão
inflexível e controlador.
— Então, gente, Tom e eu somos os dinossauros aqui. Estamos na
empresa há mais de quinze anos, desde a época em que o Sr. e a Sra. Lewis
administravam.
Megan disse. Tom assentiu.
— Exatamente. A empresa era administrada pelos pais deles até
cinco anos atrás, quando o Sr. Lewis deu seu último suspiro e a mãe deles,
após um tempo de "viúva", decidiu dividir as empresas entre os filhos.
Tom mencionou abafando a voz com a mão. E Megan continuou
— Acreditamos que o favorito é Marcus, porque ele ficou com a
empresa mais rica. Se a riqueza fosse um esporte olímpico, ele seria o
campeão mundial. Ou levaria a medalha de prata... Afinal, quem é o mais
rico do mundo mesmo?
— Nossa Megan, o Elon Musk! Até parece que não trabalha
comigo. Estou a meses tentando o entrevistar. — Elisa respondeu,
balançando a cabeça.
— Ele tem tanto dinheiro assim? — Perguntei, franzindo o cenho
com uma mistura de desdém e curiosidade.
Elisa se inclinou, com um sorriso malicioso
— Oh, ele tem tanto dinheiro que, se quisesse um foguete, teria ido
para Marte antes mesmo de Elon Musk começar a sonhar com isso. A conta
bancária dele é tão grande que o banco precisa de um mapa para encontrar o
saldo!
— Exatamente... e agora a empresa é número um no país. — Tom
interveio, com uma pitada de ironia.
— Afinal, o que Marcus faz de verdade? O que exatamente a
SayCompany faz? — Perguntei.
Elisa me encarou incrédula
— Sério que você não sabe como funciona uma empresa de
investimentos? — Eu balancei a cabeça, admitindo que realmente não
sabia.
— Além da SayCompany. Acredita-se que ele tenha ações de tudo,
desde empresas de tecnologia até padarias de bairro. Ele investiria até na
cueca daquele garçom se achasse que isso poderia dar lucro. — Disse Tom
apontando para o garçom, eu ri diante de sua observação.
— Olha, a SayCompany é basicamente uma máquina de fazer
dinheiro. Eles pegam o dinheiro dos investidores e o aplicam em uma
variedade de negócios, desde startups promissoras até gigantes
corporativos. É como se fossem os chefes supremos do mundo dos
investimentos. Eles analisam onde o dinheiro pode render mais, compram
uma fatia das empresas e, se tudo correr bem, embolsam uma bolada. Se
não correr, bem, eles ainda têm um arsenal de outras apostas para garantir
que o jogo continue rolando.
Elisa com um brilho nos olhos decidiu explicar.
— Ah entendi, e isso o fez rico? — Perguntei.
— Isso o fez bilionário! — Disse Tom, arregalando os olhos.
— Sabem... dizem que ele é gay. Ninguém nunca o viu com outra
mulher a não ser sua mãe e sua irmã. Mas, com homens, ele já foi visto com
uma variedade digna de um desfile de moda. — Megan disse.
Ela arqueou as sobrancelhas como se tivesse revelado o segredo do
universo. A mesa ficou em silêncio por um momento, absorvendo a
informação. Eu olhei para Marcus, que estava longe o suficiente para não
ouvir nossa conversa. Ele, gay? Será?
— É difícil saber o que é verdade e o que é apenas fofoca. — disse
Elisa, tentando quebrar o gelo. — Mas uma coisa é certa: ele é um chefe
rigoroso. E, de alguma forma, isso parece funcionar.
Megan riu.
— Bom, se ele for gay, pelo menos sabemos que quem fica com ele
tem bom gosto. Já viram aqueles músculos? — Megan disse.
— Megan, ele não é gay... eu saberia. — Tom revirou os olhos.
Eu sorri, tentando não rir alto, pensando em como aquela família
era complexa e em como eu estava apenas começando a entender a
dinâmica ali. Imaginei Marcus exigindo contratos de relacionamento sem
jamais saber quem estava saindo com quem. Talvez ele realmente
acreditasse que um ambiente de trabalho sem romances era mais eficiente,
ou talvez ele só fosse extremamente controlador. Quando a visão dele com
outro homem tornou a passar na minha mente eu balancei a cabeça rápido.
Não queria nem pensar nele na verdade, mas as informações me instigaram.
Então vejo a Sra. Margot se aproximando da mesa de Liz e Marcus.
Ambos se levantaram e a cumprimentaram com sorrisos calorosos. A Sra.
Margot tinha um jeito acolhedor. Enquanto ela trocava palavras com seus
filhos, eu senti uma onda de carinho por Liz e Margot, pois sou grata a
oportunidade que elas me deram.
Voltei minha atenção aos meus colegas, tentando focar nas
conversas, mas com a mente ainda um pouco distraída pelas enxurradas de
fofocas.
Pensando em todas aquelas informações, sorri internamente com
uma pitada de malícia. Talvez fosse realmente útil conhecer esses boatos.
No futuro, eu poderia usar essas fofocas como munição perfeita para rebater
qualquer humilhação que Marcus tentasse jogar em mim. Eu não era do tipo
que se deixava intimidar facilmente, e saber que ele tinha uma vida tão
secreta me dava uma vantagem deliciosa. Se ele viesse com seus
comentários sarcásticos, eu já teria uma resposta afiada e irônica pronta
para lançá-lo de volta ao seu devido lugar. Afinal, sobreviver no ambiente
de trabalho contra ele, não era só uma questão de competência, mas
também de estratégia.
Nosso pedido chegou, e o hambúrguer de cogumelos e trufas era
tudo o que Elisa havia prometido. Enquanto comíamos, esquecemos as
fofocas e decidimos falar sobre a vida fora do trabalho e os gostos de cada
um. Eu precisava conhecer melhor minha turma. Descobri que Tom é um
aspirante a maratonista, Megan é fã de jardinagem, e Elisa gosta de fazer
tricô, o que foi hilário e inesperado. Eu me sentia estranhamente à vontade
com eles. Quem diria que eu estaria aqui, rindo e compartilhando histórias?
Até alguns dias atrás, eu nem sabia se conseguiria escapar da minha bolha.
Quando percebi que já era noite, o grupo na mesa começou a se
preparar para ir embora. Tom perguntou quem gostaria de uma carona.
Megan e Elisa assentiram, dizendo que iriam com ele. Agradeci pela oferta,
mas disse que iria de táxi, pois tinha algo a resolver antes de voltar para
casa. Me despedi de Tom, Megan e Elisa, que saíram juntos.
Eu estava nervosa, mas me levantei da mesa e caminhei até onde a
família Lewis estava sentada. Aproximei-me hesitante, pedindo licença e os
cumprimentei. A Sra. Margot me recebeu com um sorriso acolhedor e um
entusiasmo contagiante. Liz me lançou um olhar amigável, mas Marcus
continuou com a mesma expressão séria e fria de sempre.
— Sra. Margot, eu vim lhe agradecer pela oportunidade na
RedCompany — comecei. — Prometo que vou recompensá-la.
Sra. Margot sorriu ainda mais.
— Ah Alice, que gentileza. Mas foi Deus quem lhe deu esse
presente, querida.
Eu fiquei momentaneamente desconcertada, piscando para entender.
Deus? Essa conversa parecia saída de um conto de fadas.
— Ah... que ótimo que ele notou o que realmente gosto — sorri. —
Então... foi um prazer vê-la, eu vim só para lhe agradecer antes de ir para
casa.
Elas sorriram para mim, e então Marcus entrou na conversa com
sua característica frieza.
— Sabe, Alice, tenha mais noção de sua inconveniência. Estávamos
em um assunto sério aqui. E outra, Deus jamais daria uma oportunidade a
alguém que não tem competência.
Sra. Margot, com uma expressão de quem já estava acostumada
com esse tipo de comportamento vindo dele, olhou para Marcus e disse.
— Deus sabe de todas as coisas, e você perdeu a oportunidade de
ficar calado, filho.
Eu quase soltei uma risada com a resposta direta e cortante da Sra.
Margot. Segurei o sorriso, meio chocada com a ousadia dela, mas também
me senti um pouco aliviada. Havia algo profundamente satisfatório em ver
alguém com a capacidade de colocar Marcus no lugar dele.
— Obrigada novamente, Sra. Margot. Tenham uma ótima noite!
Eu disse com um sorriso genuíno. Com isso, me despedi e me
afastei, sentindo um misto de gratidão e um pouco de vingança. Enquanto
caminhava pelo restaurante em direção à saída, não pude deixar de rir com
o que acabara de acontecer. A resposta da Sra. Margot a Marcus foi o ponto
alto do meu dia. Depois de ouvir o que ele falou de mim hoje pela manhã,
minha aversão por ele só aumentou. Então ele mereceu isso que aconteceu.
As fofocas sobre a vida dele foram realmente engraçadas, e
perceber que ele era absurdamente rico ajudou a entender seu jeito
prepotente. Coitado, cresceu em berço de ouro e acha que pode maltratar
quem quiser. Felizmente, não posso me deixar abalar pelo que ele diz. Ele
era sem coração, e pessoas assim um dia alcançam a miséria.
Distraída com meus pensamentos, acabei esbarrando em um
homem sem querer. Ele me segurou firme, impedindo que eu caísse.
— Me desculpe — disse rapidamente, tentando me recompor.
— Não foi nada, acontece — ele respondeu com um sorriso.
Fiquei paralisada com ele, para falar a verdade. Ele era lindo, com
um cabelo preto bem cortado. Por que eu estava encarando-o como se fosse
a oitava maravilha do mundo?
— Está tudo bem? — o homem perguntou enquanto soltava meus
braços.
— Está sim... — respondi gaguejando.
— Você deixou cair sua bolsa. — Ele pegou minha bolsa e me
entregou.
— Oh, obrigada! — agradeci.
O homem olhou por cima do meu ombro e seus olhos se
arregalaram levemente.
— Com licença — ele disse apressado, saindo rapidamente.
Curiosa, decidi olhar para trás, pois a expressão dele parecia a de
alguém que tinha visto um fantasma. Quando me virei, vi Marcus parado
logo atrás de mim, com um sorriso divertido e um brilho travesso nos olhos,
como se estivesse se divertindo com a cena.
— Você é minha sombra agora? — Perguntei com desdém.
— Estava indo embora, na verdade. Mas esse pequeno teatro foi
incrível de assistir — ele respondeu. — Para mim, você é um desastre
ambulante.
Revirei os olhos com o comentário e o deixei falando sozinho.
Caminhei em direção à saída do restaurante, tentando ignorar o que acabara
de acontecer. Quando pisei na rua e comecei a procurar por um táxi, ouvi
novamente a voz de Marcus atrás de mim.
— Vai ser muito divertido tê-la como funcionária — disse ele,
provocando.
Sem olhar para ele, respondi.
— Eu sou funcionária da Liz, não sua.
— A RedCompany também é minha — ele acrescentou, com um
tom triunfante.
— Você tem apenas uma pequena porcentagem, então,
tecnicamente, Liz é minha chefe — retruquei.
— Que seja... vou fazer questão de acompanhar de perto o seu
trabalho — ele disse, a voz carregada de implicância.
Virei-me para ele, já irritada.
— Você não tem algo mais interessante para fazer? Talvez sair à
caça de homens para se envolver, quem sabe?
— O que você falou? — Marcus franziu o cenho.
— Isso mesmo que você ouviu.
Ele deu um passo à frente, ficando tão perto que quase precisei ficar
na ponta dos pés para encará-lo. Ele era alto, e a proximidade me deixou
um pouco desconcertada.
— Está insinuando que eu sou gay? — ele perguntou, com a voz
baixa e ameaçadora.
— Se a carapuça serviu...
Respondi, tentando não demonstrar o quanto ele me intimidava.
Marcus contorceu o pescoço, claramente incomodado com minha resposta.
— Cuidado, Alice. Você não me conhece...
— É verdade, eu realmente não te conheço. E nem você me
conhece. E que assim seja. Boa noite, Marcus!
Quando decido me virar e caminhar para longe de sua presença, ele
segurou meu braço e colou nossos corpos. O contato inesperado fez meu
coração disparar, e uma mistura de raiva e tensão tomou conta de mim.
— Da próxima vez que insinuar algo dessa maneira, eu farei algo
que você não vai gostar. — Ele disse rangendo os dentes.
— O quê? Vai me demitir como faz com os coitados que trabalham
para você? Eu não tenho medo de você Marcus! — desafiei, tentando
manter a voz firme.
— Não... — Ele deu um sorriso triunfante que fez minha espinha
gelar. — Farei algo muito pior.
— Repito... — Inclinei-me na ponta dos pés, minha voz saindo
como um sussurro provocador em seu ouvido. — Eu... não tenho medo de
você.
Me desvencilhei da sua mão e me afastei às pressas. Deixei Marcus
ali parado, sentindo seu olhar queimando em minhas costas. Enquanto me
afastava, meu coração batia mais rápido do que eu queria admitir. O toque
dele ainda estava fresco no meu braço, e a intensidade do momento
ressoava na minha mente. Me perguntei, confusa, se essa tensão entre nós
algum dia iria se dissipar.
Entrei na sala com meu café em mãos e me sentei à mesa, mas logo
percebi uma animação crescente ao meu redor. Tom estava na frente de
todos, parecendo um apresentador de TV exagerado, exibindo as capas das
novas publicações da editora como se fossem relíquias preciosas
encontradas em uma expedição. Ele passava de uma capa para outra, com
um brilho nos olhos que só podia ser descrito como contagiante. A cena era
tão envolvente que acabei me sentindo empolgada junto com eles, curiosa
para ver o que havia de tão especial nas novas publicações.
— Olhem só para isso! — Ele exclamava, segurando a capa de um
romance com um título que parecia mais longo que a própria história. —
Essa vai ser um sucesso absoluto! A capa é simplesmente espetacular, não
é?
Megan, ao lado dele, assistia com um sorriso simpático e paciente,
como se já estivesse acostumada com o entusiasmo frenético de Tom. Elisa,
mais ao fundo, dava uma olhada rápida e voltava ao trabalho, claramente
imune ao show de Tom, que tratava as capas como se fossem artefatos
lendários, cada uma com uma história épica a ser contada.
— Admiro demais o trabalho de vocês. Se eu soubesse, teria feito o
curso de Literatura Inglesa em vez de Jornalismo. Estou correndo contra o
relógio aqui, preciso terminar esse modelo de entrevista em menos de duas
horas — disse Elisa, sem tirar os olhos da tela do computador. — Quer
saber... eu preciso de café.
E saiu da sala apressada, esbarrando no dispenser de lápis da mesa
de Megan, que se abaixou para juntar. Tom observou o pequeno desastre
com uma expressão divertida.
— Enfim, voltando a esta aqui! — continuou Tom, com os olhos
brilhando e a voz quase vibrando de excitação. — Alice, esta é uma saga de
ficção científica que tenho certeza de que vai explodir no mundo! O design
é de outro nível. A cor, a fonte... tudo é perfeito!
Eu não pude deixar de soltar um sorriso. Tom estava tão envolvido
que parecia que a editora tinha acabado de ganhar o maior prêmio da
indústria. A paixão dele era genuína, e seu entusiasmo era realmente
contagiante. Dei uma rápida olhada na capa do romance que Tom estava
alardeando como a oitava maravilha do mundo editorial. Havia algo
nostálgico na forma como ele tratava as capas – uma lembrança de como eu
costumava ver os livros quando era mais nova, antes de perceber que, por
trás da capa, estava o trabalho árduo e muitas revisões que me esperavam.
— Impressionante, Tom! Quando lançarem, quero um na minha
estante — disse sorrindo.
Tom piscou para mim, como se eu tivesse passado em um teste de
admiração.
— Você ainda não viu nada. Espera até ver os próximos
lançamentos! E não se preocupe, sempre separamos alguns para levarmos
para casa. — Ele piscou para mim e continuou a fazer observações sobre o
livro.
Eu estava completamente absorvida olhando Tom quando Ashley
entrou na sala com um sorriso radiante, segurando meu crachá. Ela me
entregou com um gesto triunfante, e eu o peguei com um misto de
expectativa e apreensão. Eu havia esquecido desse detalhe. Com as mãos
tremendo um pouco, olhei para a foto. Meu coração parou por um segundo.
A imagem mostrava meu rosto de uma forma que parecia estar em um
estado de surpresa e pânico, como se eu estivesse tentando forçar um
sorriso enquanto fugia de um zumbi. Eu realmente não era boa com fotos.
Antes que eu pudesse reagir, todos na sala já haviam cercado minha mesa,
ansiosos para ver o que havia de tão "interessante" no meu crachá. Tentei
esconder o crachá atrás das minhas mãos, mas Elisa foi mais rápida. Ela
agarrou o crachá com um sorriso travesso e o ergueu para todos verem.
— Olhem isso! — Elisa exclamou, segurando o crachá como se
fosse um prêmio de loteria. Megan e Tom se aglomeraram ao redor.
— Você está linda — Megan disse, tentando ser gentil, embora sua
voz estivesse cheia de um riso contido. — Não está tão ruim assim.
Tom balançou a cabeça, rindo.
— Achei que estivesse com uma sujeira entre os dentes — ele
disse, com um sorriso largo.
Eu me senti corar até a raiz dos cabelos.
— É realmente obrigatório usar isso?
Perguntei a Ashley, com a voz trêmula e um olhar apavorado. Sem
hesitar, todos na sala ergueram seus crachás em resposta. Bati a cabeça na
mesa, cobrindo o rosto com as mãos, meu embaraço atingindo novos níveis.
— Ótimo, agora posso começar a praticar minha técnica de
desaparecer em público — murmurei, ainda com a cabeça enterrada entre
os braços. — Talvez, se eu me esconder o suficiente, ninguém mais terá que
ver essa foto horrível.
Eles continuaram rindo, e eu não pude deixar de me juntar às
risadas, apesar da minha vergonha. Depois de um momento, quando o
pequeno episódio do crachá já havia se transformado em uma lembrança
divertida, mal tive tempo de respirar antes de Ashley se aproximar
novamente com um olhar sério.
— Também vim lhe avisar que Liz precisa falar com você — disse
ela, e meu coração disparou. — Ela está na sala dela.
Deixando os manuscritos de lado, levantei-me e me dirigi à sala de
Liz. Cada passo parecia pesar uma tonelada, e minha mente corria com
possibilidades do que poderia estar acontecendo. Bati na porta, e poucos
segundos depois, Liz abriu, parecendo séria e um pouco ansiosa.
— Entre, Alice — ela disse. Entrei na sala, sentindo um nó no
estômago. O que poderia ser tão importante.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei, tentando manter a calma.
Liz suspirou, claramente desconfortável.
— Meu irmão aconteceu. Marcus pediu que você fosse à
SayCompany. — Ela começou, suas palavras cuidadosamente medidas. —
Ele quer que você avalie os textos da edição de outubro da revista de
finanças na sala dele.
— Por quê? — Eu pisquei, completamente chocada.
Liz parecia quase desconfortável, cruzando os braços e evitando
meu olhar por um momento.
— Ele ainda não acredita no seu potencial e quer ver com os
próprios olhos.
Quando ela disse isso, senti uma onda de frustração e raiva. Marcus,
sempre duvidando de mim. E para piorar, ele já havia dito que iria
acompanhar meu trabalho de perto. Que ridículo.
— Alice, eu... eu sei que isso é pedir muito. Marcus pode ser...
difícil, e eu estou preocupada com como ele vai te tratar. — Liz mordeu o
lábio, demonstrando uma fraqueza rara.
— Está tudo bem — respondi, minha voz carregada de uma
determinação que até me surpreendeu. — Se ele quer uma prova, ele vai ter
uma prova.
Liz sorriu ao ouvir minha resposta.
— Isso, Alice. Mostre a ele do que você é capaz.
Eu assenti, sentindo uma nova resolução crescendo em mim. Estava
na hora de enfrentar Marcus de frente e provar que ele estava redondamente
enganado sobre mim. E se isso significava ir até a SayCompany e decifrar
aqueles textos complexos sobre números esquisitos que ele adorava, então
que assim fosse. Liz parecia preocupada, mas eu estava decidida a não
deixar Marcus me intimidar. Acenei para ela com um sorriso confiante, que
ela retribuiu com um aceno, e então fechei a porta atrás de mim, saindo da
sala com uma determinação que até eu estava começando a acreditar.
Saí do elevador no andar da SayCompany e fui recebida por um hall
moderníssimo e impessoal, com paredes brancas e o logo da SayCompany
estampado nas laterais da mesa da recepção. Tudo era absurdamente
sofisticado e... sem graça.
Uma mulher loira, pálida e sem maquiagem estava atrás do balcão
de recepção e levantou os olhos de um tablet assim que me aproximei —
Nome? — Ela parecia entediada ao perguntar. Ignorei o tom e sorri.
— Alice Smith. Eu... — ela me interrompeu rapidamente.
— Já vão chamá-la. — disse, sem um pingo de emoção, voltando a
atenção para o tablet.
Sentei-me em uma cadeira próxima, inquieta, mexendo nos dedos e
observando a arquitetura ao redor. Tudo era absurdamente moderno e sem
vida, com uma paleta de branco que me lembrava um hospital.
O relógio na parede parecia mover-se a passos de tartaruga, e notei,
irritada, que vinte minutos já haviam se passado. Resolvi levantar e
perguntar sobre a demora. Caminhei até a recepcionista, mas antes que eu
pudesse falar, uma mulher morena de cabelos cacheados apareceu na porta
ao lado.
— Alice Smith. — Chamou, fazendo com que eu imediatamente me
alertasse.
Segui a mulher pelos corredores da empresa, tentando não parecer
muito desconfortável enquanto observava ao redor. O lugar era todo branco
e azul, com mesas compridas separadas apenas por cadeiras e
computadores. Não havia muito espaço para se mover, e todos os
funcionários pareciam fixados em suas telas, com headsets nas orelhas.
Alguns até erguiam as mãos no ar, como se tivessem acabado de ganhar um
jogo. O silêncio era inquietante. Será que eles não podiam falar?
A mulher parou em frente a uma porta com a inscrição “CEO Sr.
Marcus Lewis” em letras maiúsculas e azuis. Revirei os olhos. Claro, ele
tinha que ostentar seu título na porta. Antes de bater, ouvimos um homem
chorando e a porta se abriu, com ele saindo correndo da sala de Marcus, o
rosto completamente apavorado e lágrimas escorrendo. Ela abriu um pouco
a porta e anunciou minha chegada.
— Alice Smith está aqui.
— Mande-a entrar. — A voz de Marcus soou de dentro, seca e
imperiosa.
A mulher se virou para mim e, quando abriu a boca, eu a
interrompi.
— Eu ouvi.
Respondi, entrando na sala com uma confiança forçada e uma
ironia que mal conseguia conter. Estava irritada, pois ele parecia ter feito
tudo isso de propósito, mas eu não cairia em seu jogo.
A sala era espaçosa, com prateleiras de vidro que iam do chão ao
teto, exibindo troféus e algumas fotos. As grandes janelas deixavam entrar
luz natural e ofereciam uma vista de Manhattan, parecida com a de sua
irmã. Marcus estava atrás de uma enorme mesa de vidro, parecendo tão
imponente e sério como sempre. Não pude deixar de me perguntar o que ele
tinha feito com aquele homem para que ele saísse chorando. Olhei ao redor,
pensando no absurdo da situação. Agora era minha vez de enfrentar o leão
em sua toca e, sinceramente, eu estava mais irritada do que assustada. Se
ele queria me testar, estava pronta para dar a ele uma amostra do que
poderia esperar. Ele me olhou com uma mistura de desdém e expectativa,
como se estivesse pronto para um duelo verbal.
— Alice — começou ele, gesticulando para a pilha de documentos
na mesa. — Aqui estão os textos que vão para a edição de outubro da
renomada revista de finanças da RedCompany. É um projeto de extrema
importância. Eu já estava entediada com seu tom pretensioso. — Ele se
levantou da mesa e caminhou ao redor da sala, e parou ao olhar pela janela.
— Você não tem formação em Língua Inglesa para revisar textos
desse calibre. Trabalhar nesse cargo exige qualificação, algo que você
desconhece, pois nem chegou perto de se formar.
Ele engoliu em seco antes de continuar.
— Será um desafio para você.
A ironia e o sarcasmo em sua voz eram tão evidentes que chegavam
a ser quase cômicos. Mas eu estava preparada. Me sentei na cadeira a minha
frente e peguei os textos da mesa sem sua permissão. Comecei a revisá-los
em voz alta, sentindo uma onda de adrenalina subir pelo meu corpo.
— Primeiro texto — disse, passando os olhos rapidamente pelas
linhas com uma habilidade impressionante. — Aqui temos algo mais
simples para substituir. “A empresa está expandindo suas operações e visa
aumentar o número de funcionários.” Coloque “pretende aumentar” em vez
de “visa aumentar”. E este gráfico financeiro na segunda folha está
desatualizado. Precisa ser substituído pelos dados mais recentes de
setembro; caso contrário, a análise estará completamente errada.
Marcus cruzou os braços ao se virar e me observou atentamente.
— Interessante — disse ele, com um sorriso frio. — Mas isso não
prova nada.
— Ah, não? — retruquei, folheando rapidamente para o próximo
texto. — Neste parágrafo, diz: “Os investidores estão confiantes que as
ações subirão rapidamente.” Faltou a preposição “de” entre “confiantes” e
“que”. E aqui — apontei para outra parte do texto — você usou “ao invés
de” quando o correto seria “em vez de”. São detalhes pequenos, mas fazem
toda a diferença em um texto de alta qualidade.
Marcus parecia cada vez mais irritado com cada correção que eu
fazia.
— Você tem um ponto, Alice — disse ele lentamente —, mas isso
ainda não justifica sua falta de formação.
Eu sabia que estava o incomodando, e isso me dava ainda mais
motivação.
— Formação, Marcus, não substitui habilidade e dedicação. Se você
quer textos impecáveis, estou aqui para garantir isso, mesmo sem um
diploma.
Ele estreitou os olhos, claramente descontente. Alguém bateu na
porta e, ao ouvir a permissão de Marcus para entrar, a mulher que me havia
conduzido até aqui entrou na sala.
— Senhor, é hora da sua reunião das três — disse ela, conferindo
algo em seu tablet. — Os clientes já estão lhe aguardando.
Marcus, em vez de responder, caminhou até sua mesa, arrastou a
cadeira dando a volta na mesa, parando à minha frente e se sentou, me
observando intensamente.
— Grace, remarque toda a minha agenda de hoje. Estarei ocupado
— ele disse, ajeitando-se na cadeira antes de me encarar com aquela
expressão impenetrável.
— Certo, senhor — respondeu Grace, saindo rapidamente da sala.
Marcus se aproximou mais, arrastando a cadeira. Ele ergueu o meu
crachá, que estava pendurado no meu pescoço, examinando.
Automaticamente, puxei o crachá de volta.
— Me poupe de seus comentários sobre o meu crachá. Eu sei que
estou horrível! Vamos revisar isso logo, quero ir embora.
Ele hesitou por um momento, mas então um sorriso surgiu em seus
lábios.
— Não... até que você está bonita.
Fiquei o encarando, tentando decifrar se ele estava brincando ou
sendo sincero. Aquele sorriso sutil me pegou de surpresa, e por um instante,
vi algo em seu olhar que parecia indicar que ele também tinha se
surpreendido com o que havia acabado de dizer. Bem, pelo menos eu não
era a única desconcertada ali.
— Por que cancelou sua agenda? Você sabe que eu posso muito
bem corrigir isso da minha sala e entregar amanhã, não sabe? — perguntei,
tentando mudar de assunto e recuperar a compostura.
— Sei, mas não quero. Você vai corrigir tudo isso antes de irmos
para casa. Demore o tempo que for; não me importo — respondeu ele, com
um tom desafiador.
Revirei os olhos diante de sua fala.
— Sabe muito bem que não vou demorar.
— Então, por que está perdendo seu tempo? Vamos... corrija.
Por um momento, senti uma vontade de bater nele com aquelas
folhas na minha mão. Mas me contive. Ele pode não ser meu chefe, mas
ainda tem influência.
Depois de algum tempo ali, com Marcus sentado à minha frente
como se estivesse sugando todo o ar ao redor, eu sentia uma certa
dificuldade para respirar. A pressão estava me afetando mais do que eu
esperava e eu tinha uma vontade absurda de fumar algumas vezes.
Estava quase no fim, enquanto apontava erros de concordância
verbal, falhas de coesão e sugeria melhorias nos títulos e subtítulos.
— E, finalmente — disse, após terminar o último texto —, esta
frase é redundante. ‘A empresa pretende crescer e se expandir.’ Crescer e
expandir são sinônimos nesse contexto. Melhor simplificar para ‘A empresa
pretende expandir suas operações’.
Marcus ficou em silêncio por um momento, me observando com
uma intensidade que fez o ar na sala parecer ainda mais denso. Talvez ele
estivesse esperando que eu parasse de falar, mas eu não ia ceder tão fácil.
Aquela troca de olhares estava longe de ser uma simples discussão
profissional.
— Isso, Marcus, é como se faz uma revisão detalhada. E,
francamente, se minha falta de formação é um problema, talvez você
devesse se preocupar mais com a qualidade do material que sai da sua
empresa — disparei, sem quebrar o contato visual.
Ele abriu a boca para responder, mas eu o interrompi, segurando os
textos revisados entre nós como um escudo.
— Já que terminei a revisão, posso levar os textos lá para baixo
para continuar com o trabalho desse projeto tão importante? Afinal, o dia
primeiro é sexta-feira — completei, com um tom de desafio.
Ele se levantou da cadeira com um movimento controlado, mas a
intensidade no ar parecia explodir. As mãos dele pousaram nos braços da
minha cadeira, me cercando, e por um instante, senti como se o ambiente
estivesse prestes a pegar fogo. A proximidade era esmagadora, quase como
se o próprio espaço entre nós estivesse desmoronando.
— Você pode até ser boa, Alice... — Marcus murmurou, sua voz
baixa, arranhada, fazendo o ar ao redor parecer ainda mais pesado. Seus
olhos escanearam meu rosto lentamente, detendo-se em meus lábios por
tempo demais, me deixando desconfortável. — Mas talvez você ainda não
entenda as regras aqui.
Minha respiração se acelerou, e o desconforto foi substituído por
algo muito mais intenso, algo que me fazia querer avançar, não recuar.
— Talvez você devesse me explicar, então — retruquei, mantendo a
voz firme, mesmo que por dentro eu estivesse um caos.
Ele inclinou a cabeça ligeiramente, e o sorriso que se formou em
seus lábios era perigoso, um aviso e um convite ao mesmo tempo.
— As regras são simples, Alice — ele disse e deu uma pausa. Então
continuou. — Não subestime quem está do outro lado. E, acima de tudo,
nunca se esqueça de quem manda aqui.
Ele estava me testando, desafiando, esperando que eu recuasse.
— E se eu não seguir suas regras? — sussurrei.
— Então, Alice, vamos ver até onde você está disposta a ir.
Ele murmurou, a voz tão baixa que parecia uma corrente fria em
minha pele. A sala, de repente, parecia pequena demais, o ar quase
insuportável. Era como se estivéssemos num campo minado, a qualquer
momento prestes a explodir. Eu sabia que estava pisando em território
desconhecido.
— Primeiro... — comecei levantando-me da cadeira lentamente, até
ficarmos frente a frente. — Você não é o meu chefe. Liz me contratou,
lembra? — O olhar que ele me lançou era uma mistura de surpresa e
divertimento, mas eu continuei, sem hesitar. — Segundo, eu posso não ter
diploma, mas tenho experiência, e mais do que o suficiente para lidar com
isso aqui. E terceiro... — me inclinei levemente para frente, minha voz
baixa o suficiente para deixá-lo em suspense. — Eu não sigo regras.
Me afastei, observando a forma como ele piscou, como se eu
tivesse acabado de acerta-lo com um golpe. Ele ficou parado, surpreso, e
isso me deu uma sensação de vitória.
— Pode deixar que eu cuido disso — acrescentei, erguendo os
papéis na minha mão com um sorriso que eu sabia que o provocaria.
Ao sair da sala, a raiva contida ainda queimava minha pele, mas
com um sorriso satisfeito, soube que o havia enfrentado. Eu não estava mais
apenas provando meu valor para Marcus, mas para mim mesma. E aquilo,
sem dúvida, me deixou feliz.
Quando cheguei no elevador, ao invés dele descer, ele subiu,
parando dois andares acima. As portas se abriram, e a mesma mulher loira
que eu havia visto, uma vez conversando com Marcus, entrou. Ela estava
acompanhada por outra mulher. Eu me escorei na parede ao fundo,
observando meu cabelo no espelho enquanto elas começavam a conversar
animadamente, sem perceber minha presença.
— O Marcus me levou para jantar em um lugar muito luxuoso —
disse a loira, virei o rosto para ouvir atentamente sem causar impressão. —
Era um restaurante com estrela Michelin. Ele nem me deixou tocar no
menu, disse que queria me surpreender.
A outra mulher bateu palmas, fascinada.
— Que gesto incrível! Ele realmente sabe como impressionar uma
mulher.
— E tem mais — continuou a loira, claramente entusiasmada. — O
chef do restaurante veio até a nossa mesa para cumprimentar o Marcus. Foi
surreal! Ele ainda comentou que o Marcus tinha o melhor gosto para
comida e mulheres.
Eu revirei os olhos, escondendo um sorriso sarcástico. Então,
Marcus não era gay, afinal; só tinha péssima escolha para mulheres.
— Ainda não acabou... — a loira continuou, animada. — Ele me
levou de limusine!
Revirei os olhos novamente, quase gargalhando internamente.
Sério, ele achava necessário todo esse luxo para impressionar essa mulher?
Ela já estava claramente caidinha por ele; por que exagerar tanto? Então,
Marcus não era apenas um executivo arrogante, mas também um
exibicionista de primeira. A ideia de que ele usava o luxo e a ostentação
para mostrar poder era absolutamente repulsiva.
Enquanto as duas continuavam a conversa, percebi que estava
prestando atenção demais em detalhes ridículos e me incomodando com a
superficialidade de tudo aquilo. Desprezando a conversa fútil e enojada com
o excesso de vaidade e pretensão, as portas do elevador finalmente se
abriram no meu andar. Saí rapidamente, deixando as duas mulheres imersas
em sua adoração ao mundo superficial de Marcus, balancei a cabeça,
aliviada por deixar aquela bolha de futilidade para trás.
A tarde passou tão rápido que, quando saí da sala, o escritório
estava vazio. Elisa tinha viajado para uma entrevista em Nova Jersey, e Tom
e Megan tinham saído mais cedo para algum tipo de evento de lançamento.
Saí do prédio, já com o olhar treinado na busca por um táxi, como se fosse
parte de uma coreografia que eu repetia todos os dias. Mas, hoje, algo
diferente quebrou o padrão.
Meu pai estava ali, abanando para mim. Meu pai? O que ele estava
fazendo ali? Isso me pegou completamente de surpresa. Depois de ter
minha paciência testada por Marcus, a última coisa que eu queria era uma
conversa difícil.
— Alice, que bom que consegui chegar a tempo antes de você
pegar um táxi. Parei meu carro aqui perto. Vamos, quero te levar a um lugar
— ele disse, um sorriso no rosto, mas com um brilho de determinação nos
olhos.
Fiquei surpresa e, um tanto desconfiada, questionei aonde ele queria
me levar. Ele não respondeu, apenas começou a andar em direção ao carro,
seu Bentley que sempre era atualizado todos os anos pelo modelo mais
recente.
— Pai, para onde estamos indo?
Eu chamei por ele, tentando fazer com que ele me encarasse. Ele
continuou andando abrindo a porta do motorista.
— Alice, não faça perguntas só entre no carro.
Assenti, sem muita escolha, e entrei no carro. Ao sentar no banco,
senti um cheiro familiar, mas com uma mistura de menta. Esse cheiro eu
conhecia, mas a menta estava dissipando muito bem. Encarei meu pai,
pensativa, enquanto ele avançava com o carro.
— Como está a mamãe? — perguntei, tentando quebrar o silêncio.
— Ela está... gastando mais do que o necessário, para esconder sua
frustração.
Ele disse, os dedos apertando o volante.
— Ela precisa sobreviver com isso, pai. Afinal, eu não sou mais
uma criança.
— Sei muito bem disso, Alice. E ela vai sobreviver.
O resto da viagem foi silencioso, com apenas o som do motor do
carro preenchendo o espaço. Reconheci o bairro quando chegamos. Era o
lugar onde minha avó morava. Meu pai estacionou e saiu do carro, parando
na calçada e esperando que eu saísse também. Desci do carro, confusa.
— Não sabia que você cobrava os aluguéis atrasados agora —
disse, rindo, tentando aliviar a tensão. Eu sabia que a imobiliária tinha uma
residência para alugar nessa rua.
— Muito engraçada, Alice — respondeu ele, com uma ironia
evidente na voz.
Paramos diante de uma casa estilo Brownstones, aquelas casas
típicas de Nova York com fachadas de tijolos marrons. A casa tinha uma
cor marrom profunda, com uma escada de pedra levando até a porta da
frente, as laterais da escada cercada por uma grade de ferro. As janelas altas
e estreitas, que era visiveis cortinas brancas. O degrau da entrada parecia
desgastado, mostrando os anos que passaram por ali. Meu pai estava parado
no degrau, me esperando.
— Vai, pega — Meu pai jogou um molho de chaves para mim,
pegando-me de surpresa.
Peguei as chaves rapidamente, encarando o objeto brilhante na
minha mão antes de levantar os olhos para encarar ele.
— O que é isso? — perguntei, com um misto de curiosidade e
incredulidade.
— É as chaves da sua casa. Pode abrir — respondeu ele, com um
sorriso que misturava orgulho e emoção.
— Você está brincando? — questionei, sentindo uma onda de
sentimentos conflitantes.
— Não, Alice. Já estava na hora disso acontecer.
Completamente feliz, comecei a caminhar degrau por degrau em
direção à porta, sentindo cada passo como se fosse um sonho se tornando
realidade. Meu pai continuava falando enquanto eu subia.
— Era para te dar essa casa quando você terminasse a faculdade.
Mas, durante a conversa que tive com você e sua avó, entendi que já era o
momento.
Cheguei à porta e inseri a chave na fechadura, girando-a com
cuidado. A porta se abriu, revelando um ambiente simples, com alguns
móveis cobertos por lençóis. Encarei fascinada o interior, sem me importar
com as poeiras ou as teias de aranha que vi. Aquilo era meu. Meu pai estava
logo atrás de mim, observando minha reação.
— Alguns móveis que estão aqui são da locação antiga, mas sei que
os eletros estão funcionando — disse ele, com um tom tranquilizador.
Olhei para ele, ainda em choque. Estava no centro do que parecia
ser uma da casa. Encarei meu pai com um sorriso tímido, ainda tentando
processar tudo isso.
— Obrigada, pai. — Minha voz saiu trêmula.
Ele se aproximou, pegando-me pelo braço.
— Vamos, você precisa ver o resto da casa — disse ele, guiando-me
com entusiasmo.
No mesmo andar, ele me levou até a cozinha, um espaço acolhedor
que, apesar de antiquado, tinha um charme próprio. As paredes tinham
azulejos coloridos e havia uma ilha no centro. Enquanto caminhávamos, ele
me explicava.
— Aqui é a cozinha. Você pode mudar, deixar do seu jeito, só não
pode alterar a estrutura.
Eu assentia, ainda absorvendo a realidade de que aquilo tudo era
meu. Jamais imaginaria que ele iria me dar essa casa; nunca passou pela
minha cabeça que eu ganharia algo assim, vindo dele? Jamais. Acho que
sempre estive errada em relação a ele. Meu pai era discreto, ele jamais
revelou sentimentos na minha frente. Me dar essa casa era um gesto
carregado de sentimento, algo que ele guardou até achar a hora exata de me
presentear.
Não sabia o que pensar direito; eu estava completamente surpresa.
Enquanto andava com ele, às vezes me beliscava para ver se eu estava
sonhando. Passamos por um banheiro no mesmo andar, simples, mas
funcional, com azulejos brancos e uma banheira antiga de ferro fundido.
Cada cômodo que ele mostrava era uma nova descoberta, um novo espaço
onde eu poderia deixar do meu jeito, e eu não via a hora disso. Subimos
para o segundo andar, onde havia dois quartos. Os quartos eram espaçosos,
com janelas grandes que deixavam entrar a iluminação da rua, e tinham
pisos com carpetes, algo que eu mudaria com certeza. Meu pai continuava a
falar sobre possibilidades de decoração. Subimos ao último andar, onde
ficava o maior quarto. Era uma suíte com um espaço separado para closet, o
que eu achei perfeito. As janelas ofereciam uma vista maravilhosa da
vizinhança, e eu podia imaginar como seria acordar ali todas as manhãs.
Agradeci meu pai mais uma vez, sentindo uma mistura de gratidão
e entusiasmo crescer dentro de mim.
— E aqui é a sala — disse ele, levando-me de volta ao primeiro
andar. — Você pode fazer muitas coisas com este espaço. A lareira original
ainda está em boas condições.
Olhei ao redor, tentando visualizar como eu transformaria aquele
lugar em um lar. Ainda parecia um sonho distante, quase impossível de
acreditar.
— Eu não consigo acreditar que isso é meu — murmurei, mais para
mim mesma do que para ele.
Meu pai sorriu, colocando a mão no meu ombro.
— É seu, Alice. — Ele deu uma pausa, como se estivesse contendo
suas emoções. — Você é a minha única filha, eu sabia que não poderia mais
te guardar em um pote, eu tinha que deixar você fazer suas escolhas.
— Pai... eu nem sei o que dizer. Só agradeço por isso tudo — eu
disse, erguendo os braços e girando pela sala.
— Pretende se mudar hoje?
— Não... vou ficar na vovó hoje e amanhã talvez eu me mude.
Ainda tem tempo para ajeitar aqui — eu disse, olhando ao redor da casa,
percebendo que levaria não só tempo, como também dinheiro.
— Quase me esqueço de um detalhe importante.
Ele sai caminhando em direção à cozinha e abre uma porta
escondida na lateral. Eu o sigo, curiosa, e o que vejo me deixa sem
palavras: um espaço ao ar livre, uma espécie de quintal oculto. Havia um
piso de concreto e uma churrasqueira de ferro robusta e antiga. No centro,
uma mesa de ferro com tampo de vidro redonda e uma cadeira de ferro,
ambas desgastadas pelo tempo. Era simples, mas tinha um charme próprio.
— Acho que tem uns cinco metros quadrados aqui — disse meu
pai.
Olhei ao redor, absorvendo cada detalhe. Os muros de tijolos
separavam o espaço das outras casas, oferecendo uma sensação de
privacidade. O cheiro da rua, misturado com o aroma de churrasco, invadia
o ar, trazendo uma sensação de lar. Podia ouvir alguns vizinhos
conversando ao longe, um coro de vozes que criava uma sensação
animadora. Era um espaço perfeito para relaxar.
— Isso é incrível — murmurei, ainda processando tudo. — Eu não
sabia que a casa tinha isso.
Meu pai sorriu, visivelmente satisfeito com minha reação.
— Achei que você ia gostar. Da até para você fumar aqui sem que o
cheiro não impregne nos moveis.
Quando ele disse isso ele me olhou e eu o encarei confusa. Ele
percebeu que o que disse me surpreendeu. Uma estranheza no tom de voz
dele me fez pensar imediatamente no cheiro que percebi no carro, um
aroma que não consegui identificar com precisão na hora, mas que agora
parecia fazer sentido.
— Pai, você já fumou alguma vez? — Com uma certa curiosidade,
perguntei.
Ele me olhou com uma expressão de surpresa, como se a pergunta
fosse absurdamente inusitada. Sua reação foi quase instantânea e cheia de
negação.
— Não, nunca. — A voz dele soou abrupta, quase defensiva. —
Olha, preciso ir embora. Tenho outros assuntos para resolver.
Sem esperar por mais, meu pai passou por mim com pressa. Eu o
segui, querendo entender a repentina mudança de comportamento. Ele
desceu as escadas e continuou falando.
— Todas as chaves da casa estão no molho que te entreguei. Ah, a
manutenção do sistema de aquecimento foi feita recentemente, e a parte
elétrica está toda revisada.
Enquanto ele descia em direção ao carro, percebi que havia evitado
minha pergunta com uma rapidez incomum. Fiquei parada na escada,
observando-o, pensando em como ele estava apressado para se afastar da
conversa. Meu pai já estava quase no carro quando continuou
— Os documentos da casa irão para o endereço do seu trabalho.
Seja bem-vinda ao seu novo lar. Boa noite.
— Boa noite, pai.
Acenei com a cabeça, ainda imersa em pensamentos sobre o
comportamento dele. Quando ele finalmente entrou no carro e se afastou,
fiquei ali, na entrada da casa, vendo seu carro sumir e pensando que, na
verdade, meu pai estava escondendo algo. Ao voltar para dentro,
contemplei o espaço, sem acreditar ainda que isso tudo era meu.
Coloquei a xicara do café de lado e continuei imersa nos textos das
novas entrevistas que Elisa havia feito, que iriam para o site da revista. As
palavras dançavam na tela enquanto eu fazia anotações e correções,
tentando manter o ritmo frenético que eu adorava, afinal não gostava de
deixar as coisas para depois. Enquanto fazia isso, um pensamento sempre
me distraía: aquela casa era realmente minha. Eu podia moldá-la do meu
jeito, criar um lar que refletisse quem eu era. Eu estava muito animada para
começar a mexer na casa.
De repente, Ashley entrou na sala. — Pessoal, teremos uma reunião
agora. Todos para a sala de reuniões, por favor.
Todos nós nos levantamos e nos dirigimos para a sala de reuniões.
As janelas transparentes reluziam, deixando entrar uma boa dose de luz
natural, iluminando a longa mesa de mármore vermelha cercada por muitas
cadeiras. A sala logo se encheu de pessoas, cada cadeira sendo ocupada. Eu
me senti petrificada, notando que não havia sobrado um lugar sequer.
Então Liz chegou. Radiante em um sobretudo vermelho, ela o tirou
e colocou sobre a cadeira, revelando um look impressionante. Ela usava
uma saia de couro com meia-calça e uma camisa vermelha de botões com
mangas compridas. Mas foram as botas de couro de cano longo e salto alto
que realmente me deixaram boquiaberta. Fiquei encarando, completamente
hipnotizada pelo visual dela. Era simplesmente maravilhoso. E, claro, ela
estava de batom vermelho, que eu havia descoberto ser sua marca
registrada.
— Bom dia, pessoal. Então, os números de assinantes da editora
subiram para cento e dez mil! — anunciou, e de repente, uma chuva de
confetes caiu sobre nós, com Ashley segurando o bastão. Eu levei um susto,
mas todos comemoraram animadamente. — Quero agradecer a todos pelo
excelente trabalho — continuou Liz, seu entusiasmo evidente. — O mês de
setembro foi muito bom, e espero que outubro seja ainda melhor. Temos
muito a celebrar e, como vocês sabem, teremos a festa à fantasia no final do
mês de outubro. Um setor será escolhido para gerenciar a festa.
Ashley então entregou uma caixa vermelha para Liz. Fiquei
perplexa, me perguntando de onde Ashley tirava essas coisas, enquanto
olhava ao redor. Liz remexeu na caixa como se fosse um sorteio, tirando um
papel. Quando ela leu o nome do grupo, anunciou.
— Redações! — Ela sorriu olhando diretamente para nós.
Nosso setor.
Liz então se virou para Tom.
— Tom, me fale, está animado para esse desafio? — Perguntou ela.
Tom se levantou com um sorriso.
— É uma honra. Nossa, é a primeira vez que iremos gerenciar. A
festa à fantasia deste ano será um sucesso, não se preocupe, eu tenho a
melhor equipe. — Disse Tom, completamente empolgado.
As meninas ao meu redor se olharam sorrindo, claramente
empolgadas. Por outro lado, eu estava completamente confusa, tentando
processar tudo o que estava acontecendo. Festa à fantasia? Gerenciar a
festa? Confetes? Era muita informação ao mesmo tempo, mas o entusiasmo
no ar era contagiante, e logo comecei a sentir uma pontada de empolgação
também.
Saindo da sala de reuniões, o entusiasmo ainda pairava no ar. Tom,
já no corredor, não perdeu tempo.
— Temos uma obra-prima a fazer, pessoal!
Tom exclamou, e as meninas riram, contagiadas pela empolgação
dele. Quando finalmente chegamos de volta à nossa sala, ele já estava no
modo "festa a todo vapor".
— Essa festa é um evento superimportante. Claro, não chega aos
pés da festa de fim de ano — ele comentou, cheio de entusiasmo, quase
como se estivesse revelando um segredo.
— Mas... não vai ter festa de Halloween? Já que é no fim do mês?
— perguntei, ainda tentando me situar no meio de tanta informação.
Tom parou, lançando-me um olhar como quem vai dar uma
verdadeira aula.
— A Liz faz parte de uma igreja, e eles não comemoram o
Halloween. Em vez disso, ela organiza uma festa à fantasia beneficente. É
tipo um leilão, e o dinheiro arrecadado vai para caridade. Ah, e é uma festa
grande, tá? Gente famosa e tudo mais — ele fez uma pausa dramática para
que a informação pudesse ser devidamente absorvida. — No ano passado, o
irmão da Liz, o Marcus, doou uma BMW para o leilão. Uma modelo da
Victoria’s Secret arrematou. Foi épico.
Eu pisquei, tentando processar tudo. Claro que o Marcus faria algo
tão exagerado quanto doar uma BMW. Era a cara dele, sempre dramático. A
festa parecia ser um evento grande, cheio de celebridades, o que só
aumentava a pressão. Tudo aquilo era glamour demais para o meu gosto.
— Então, todos os itens do leilão são doações? — perguntei, mas
para me convencer de que aquilo realmente acontecia.
— Sim, esse evento rola desde os tempos do Sr. Lewis. Eles têm
uma lista VIP das empresas e pessoas que vão doar seus itens. É
praticamente um show de marketing.
Elisa respondeu com a naturalidade de quem já sabia de tudo aquilo
desde o berço.
— Mas, se você tiver algo de muito valor, tipo... uma herança de
família ou uma joia de diamante, pode doar também — ela acrescentou
dando de ombros, como se fosse a coisa mais comum do mundo.
Antes que eu pudesse processar a informação de Elisa, ela saiu da
sala me deixando ali confusa em pensamentos.
— Ah, e os ingressos são vendidos no estilo Met Gala, sabe?
Poucas pessoas são convidadas, o resto pode comprar se for assinante da
editora. Só uma fortuna, coisa básica — Tom quis incrementar mais uma
pitada de glamour, ele sorria, como se pagar uma fortuna para ir a um
evento beneficente fosse uma tradição familiar.
Eu encarei todos eles, sentindo que estava numa realidade paralela.
Essa extravagância toda era exatamente o tipo de coisa que eu sempre tentei
evitar, mas, de algum jeito, parecia que havia um ímã gigante em mim que
me puxava direto para o olho do furacão.
— Então — Tom retomou, já com um brilho nos olhos —,
precisamos nos preparar para criar algo verdadeiramente especial. Este ano
vai ser ainda maior e melhor que o do ano passado!
— Será que conseguimos superar a festa do ano passado? — Megan
perguntou, roendo as unhas, claramente nervosa.
Tom fez uma pausa dramática, colocou uma mão no peito e com a
outra apontou para si mesmo.
— Querida, você está falando com Tom Wessler, o melhor
organizador de festas que esse mundo já viu! — ele respondeu, tão
confiante que quase acreditei que ele já tinha resolvido até o trânsito para a
noite do evento.
Megan e eu trocamos olhares, e não pude deixar de sorrir. O jeito de
Tom podia até ser exagerado, mas sua paixão era inegável. Se alguém podia
tornar aquela festa um sucesso, esse alguém era ele. Dava para ver a
empolgação de Tom. Algo tomou meu pensamento pois eu iria organizar
uma festa, e recém havia descoberto que precisava organizar uma casa. A
minha casa. E fora que tinha o trabalho, será que eu conseguiria dormir? Ter
tempo?
— Já sabe como vai dividir as tarefas para cada um de nós? — Elisa
perguntou, entrando na sala com o café na mão, como quem já esperava sair
de lá com uma missão especial.
— Vou pensar em tudo hoje. Mando um e-mail com as tarefas de
cada um e, amanhã, discutimos os detalhes. Quero garantir que tudo esteja
bem planejado — respondeu Tom, sempre otimista, como se estivesse
prestes a organizar um casamento real e não uma festa beneficente.
Eu nunca tinha organizado um evento antes, e a responsabilidade
parecia gigantesca. Enquanto Tom e as meninas trocavam ideias e
possibilidades, algumas tão absurdas que até faziam o Tom dar seus
famosos chiliques, eu tentava acompanhar. As risadas ajudavam a aliviar o
peso da situação, mas a pressão era real.
Do pouco que entendi entre os sorrisos deles e as palavras de
entusiasmo, esse evento era uma coisa séria. No ano passado, arrecadou
milhões, ajudando três instituições de caridade. Isso realmente me animou;
a empresa fazia algo de bom com todo aquele glamour, afinal.
— Ok, então... — Tom levantou a mão como um diretor em um set
de filmagem — Amanhã será um dia de planejamento intenso. Quero ideias
prontas e cabeças funcionando!
As meninas assentiram animadamente, enquanto eu respirava
fundo, sentindo o peso da responsabilidade se aproximar. Era hora de
mostrar do que eu era capaz, mesmo que por dentro estivesse me
perguntando se não seria tarde demais para fugir e me esconder debaixo de
uma mesa. fio.
Estava tão animada para mostrar a casa nova para minha avó que
mal conseguia conter minha empolgação. Com muito custo, consegui tirá-la
de casa, e na metade do caminho comecei a tapar seus olhos, apesar de suas
implicâncias e reclamações de que não precisava de tudo isso.
— Alice, deixa eu ver para onde estou indo! — reclamou ela, rindo.
— Só mais um pouquinho, vó. Vai valer a pena, prometo! —
respondi, conduzindo-a cuidadosamente pela calçada e pela entrada da casa.
Quando finalmente estávamos no centro da sala, tirei minhas mãos
dos olhos dela.
— Tchram! Conheça minha casa nova, vó! — Exclamei.
Ela piscou várias vezes, ajustando-se à luz e ao ambiente ao seu
redor. Olhou em volta, claramente surpresa, absorvendo cada detalhe da
sala.
— Você comprou essa casa, Alice? — perguntou, incrédula.
— Não exatamente — respondi, um sorriso se espalhando pelo meu
rosto. — Você não vai acreditar, mas meus pais me deram esta casa. Bom,
na verdade, foi o papai. Não falo com a minha mãe desde o dia em que saí
da casa deles com minhas coisas.
Ela me encarou por um momento, processando a informação. Eu
podia ver a mistura de surpresa e orgulho nos olhos dela.
— Bem, isso é realmente surpreendente. Estou muito feliz por você.
Esta casa é linda! Ainda bem que seu pai tomou jeito. — Ela disse sorrindo.
— Ainda há muito o que fazer aqui, mas já é um começo. — Eu
disse, olhando ao redor, imaginando todas as possibilidades de como
poderia transformar aquele lugar em um lar.
— Tenho certeza de que você vai deixá-la maravilhosa.
Ela disse. Era ótimo saber que ela sabia que eu tinha potencial.
Depois de um tempo, eu disse para minha avó que iria comprar na padaria
ali perto um bolo de abacaxi, o preferido dela, para comemorarmos. Ela
ficou ali em casa, dizendo que começaria a ajeitar algumas coisas enquanto
me esperava.
Caminhei até a padaria do bairro, que ficava na esquina da rua. Era
um daqueles estabelecimentos charmosos e acolhedores, com uma fachada
simples e janelas grandes que permitiam ver o interior convidativo. Ao
entrar, fui envolvida pelo aroma irresistível de pães frescos e doces. O
interior era pintado em um tom vibrante de verde. As prateleiras de madeira
exibiam uma variedade de pães, bolos e doces, enquanto um balcão de
vidro exibia as delícias mais tentadoras da padaria. Me aproximei do balcão
e pedi ao atendente o bolo de abacaxi suculento que estava à mostra. Ele
assentiu e começou a separar o bolo.
De repente, ouvi uma voz atrás de mim.
— Quando te vi entrar, sabia que te conhecia de algum lugar.
Me virei e encarei o homem, lembrando que era o mesmo em quem
eu tinha esbarrado no restaurante.
— Prazer, meu nome é Alice — respondi, estendendo a mão,
sorrindo sem jeito.
— Meu nome é Simon — ele disse, apertando minha mão. — Você
trabalha na RedCompany, certo?
— Sim — respondi, ele deve ter visto o crachá horrível no meu
pescoço. Que droga, eu tinha esquecido de tirar essa coisa. — E você, onde
trabalha?
— Na SayCompany — ele respondeu, e nesse momento, lembrei-
me de como ele tinha arregalado os olhos ao ver Marcus atrás de mim no
restaurante.
— Ah, entendi. — Respondi.
— Então, você mora aqui perto? — perguntou Simon, com um
sorriso amigável enquanto passava a mão pelo cabelo devidamente bem
ajeitado.
— Sim, na realidade estou comprando um bolo de abacaxi, para
comemorar isso — respondi, com um sorriso.
— Que legal! — ele disse, parecendo genuinamente interessado. —
Eu adoro essa padaria. Eles têm os melhores doces do bairro.
— Sim, eles têm. Estou acostumada com esse bairro desde pequena.
Você mora aqui também? — Eu estava puxando assunto com ele, e fiquei
surpresa por estar tão interessada em saber se ele morava ali também.
— Minha família mora aqui, eu moro perto da empresa. Em
Manhattan.
Infelizmente, assim que ele terminou a frase, a visão de Marcus
entrando pela porta fez meu estômago dar um nó. Droga, ele tinha mesmo
que aparecer agora? Seu cabelo loiro estava impecavelmente penteado,
daquele jeito que parecia intocável, como se o vento tivesse medo de
bagunçar. E ele estava usando outro terno... cinza desta vez. Por que eu
estava reparando no terno dele, mesmo? E ainda por cima, notei a barba
rala, como se ele tivesse se barbeado agora, e deixado só o suficiente para
parecer casualmente charmoso.
Quando nossos olhares se encontraram, meu coração acelerou, e eu
imediatamente desviei o olhar. O que estava acontecendo comigo? Desde
quando eu reparava tanto assim nele?
— Então, Simon, foi bom te ver.
Disse enquanto me distanciava, querendo muito sair dali ignorar a
presença de Marcus e torcer para ele não dizer nada que me fizesse querer
tacar o bolo de abacaxi nele. — A gente se vê por aí.
— A gente se vê, Alice! — Simon disse, acenando, confuso com
minha súbita mudança de comportamento.
Me desviei de Marcus enquanto passava pela porta, ignorando sua
presença. Mas não foi suficiente, pois o imbecil me seguiu pela rua.
— A gente se vê? Está encantando os meus funcionários agora,
Alice?
Ele me provocou, me fazendo parar automaticamente. Segurando o
bolo nas mãos, mordi o canto do lábio, me segurando para não me irritar
com ele.
— O que faz aqui? E eu não devo satisfação da minha vida para
você. Me erra, Marcus. — Eu disse. O olhar dele parecia estar se divertindo
com a situação. Que homem idiota.
— Upper West Side é enorme... Eu moro aqui. O que você faz aqui?
Ele colocou as mãos nos bolsos, sorrindo ironicamente. Suspirei
profundamente.
— Não lhe interessa. Agora, se me dá licença. — Eu ia me virar
para continuar o caminho de casa, mas sua mão me segurou, quase
derrubando meu bolo. — Ei, será que dá para me deixar em paz? Quase
derrubou o bolo, seu idiota! — Esbravejei. Pronto, agora eu perdi a
paciência.
— Vai me dizer de onde conhece meu funcionário? — A voz dele
saiu como um sussurro, e fiquei surpresa com isso.
— Não te interessa. — Provoquei de novo. Dava para ver sua
irritação.
— Responde à minha pergunta.
— Por quê? Acha que estamos tendo um caso e agora vai demitir
nós dois? — O provoquei, ele franziu o cenho.
— De onde você tira essas suposições, hein? Qual o seu problema
em responder uma pergunta? ao invés de responder com outra. — Ele
soltou meu braço e me encarou de cima a baixo.
— Vai ver porque é verdade? Acordo contratual? Fala sério,
Marcus, estamos no século vinte e um, e você quer criar marionetes. Se é
tão bilionário assim, por que não contrata robôs ao invés de seres humanos?
Eles não se beijam.
Marcus abriu a boca, surpreso com o que eu havia falado, e fechou
logo em seguida. Eu o deixei desconcertado. Ponto para mim
— Vocês se beijaram?
Encarei ele, perplexa.
— Ah, Marcus, vai se catar! — E saí, deixando-o parado na
calçada. Que cara ridículo. "Vocês se beijaram"... como se isso fosse uma
descoberta do século. Vamos ver se amanhã vai ter uma rescisão na minha
mesa.
Chegando em casa, coloquei o bolo na mesa da cozinha e bufei,
ainda irritada com o que havia acontecido entre mim e Marcus. Minha avó,
que estava mexendo em algumas coisas na sala, ouviu o som do meu
suspiro frustrado e se aproximou.
— Nossa essa padaria é maravilhosa. — Ela disse enquanto abria a
caixa.
— Sim... são. — Respondi, tentando manter um tom de voz calmo,
mas não conseguindo esconder completamente a irritação.
Ela me olhou com uma mistura de preocupação e curiosidade. Pois
me conhecia muito bem para saber que algo me incomodava.
— O que aconteceu, querida?
Sentei-me à mesa, tentando encontrar as palavras certas.
— Ah, vó, é aquele idiota... — Comecei, sentindo a raiva borbulhar
novamente. — Marcus. Eu fui na padaria comprar o bolo e acabei
encontrando-o lá. A conversa entre nós foi cheia de provocações. Por que
ele tem que ser assim? Não suporto esse tipo de gente, a irmã dele parece
tão legal, a mãe dele então... eles são da mesma família, como podem ser
tão diferentes?
Perguntei confusa. Minha avó se sentou ao meu lado, segurando
minha mão.
— O que ele disse?
— Sabe, isso não importa. Não quero lembrar desse imbecil.
Ela me olhou com seus olhos sábios e compreensivos.
— Alice, olhe em volta.
Respirei fundo, sentindo a tensão começar a se dissipar um pouco.
E encarei a volta, olhe todo esse espaço, você tem que estar contente com
isso, é a sua casa agora.
— Sim... é a minha casa! — disse, dando um pequeno sorriso. —
Vamos comer esse bolo, a cara dele parece ótima.
Ela sorriu de volta e fomos pegar pratos e talheres de plásticos para
nos servir. Servi uma fatia generosa para minha avó e outra para mim.
Sentamos à mesa, o cheiro doce de abacaxi preenchendo a cozinha.
— Sabe, vó, estar aqui está sendo a melhor parte do meu dia.
Confessei, tentando relaxar e aproveitar o momento. Ela riu
suavemente.
— Eu terei de concordar com você.
Olhar ao redor e ver que a poeira, teias de aranha e lençóis velhos
haviam sido retirados era difícil de acreditar. Parecia outra casa, com uma
beleza renovada. Só a cor amarela das paredes ainda me agoniava. Já
imaginei tons cinzas e pretos, querendo logo comprar um balde de tinta e
sair pintando. Mas minha avó disse que era melhor pintar outro dia e
planejar melhor a decoração. Na realidade, ela disse para eu não fazer nada
correndo para não me arrepender depois. Minha avó me ajudou, mesmo
limitada pela coluna, e conseguimos deixar tudo em ordem. A cada cômodo
que limpava, eu me perguntava o que poderia fazer ali. Em um dos quartos
do segundo andar, imaginei uma biblioteca. Eu tinha alguns livros, não
muitos, pois muito li online. Mas ter livros físicos é outra coisa, ainda mais
em uma biblioteca própria.
Enquanto minha avó arrumava as almofadas no sofá, eu lutava
contra o aspirador de pó, que parecia ter vida própria, teimando em não
pegar a sujeira das escadas. "Esse aspirador deveria ter um diploma em
teimosia," pensei, rindo sozinha. Meu maior desafio foi o último andar,
onde ficava minha suíte. O espaço separado para o closet era perfeito.
Enquanto tirava o pó das prateleiras, imaginei como seria organizar minhas
roupas ali, com tantas prateleiras e araras para os cabides. Apesar do
trabalho árduo, havia uma sensação de satisfação em ver tudo ficando limpo
e arrumado. Minha avó me observava com olhos orgulhosos, mesmo
insistindo para que eu não exagerasse.
— Enfim, tudo limpo! — exclamei, suspirando.
— Essa lareira será útil nesse inverno. Ela parece muito grande e
vai esquentar a casa inteira. E uma árvore de Natal aqui nesse canto perto
da janela? Alice, que tal fazer seu aniversário na área externa? — Minha
avó falava sem parar. Eu só assentia, mas estava exausta. Meus olhos
pareciam querer se fechar sozinhos.
Havíamos limpado a área externa. Eu joguei fora aquela
churrasqueira velha, que estava muito enferrujada e decadente, mas mantive
a mesa e as cadeiras, pois ainda eram aproveitáveis. Lembrei do meu pai
dizendo que aquele espaço seria bom para eu fumar, e fiquei imaginando se
ele fumava ou se era só coisa da minha cabeça.
Meu aniversário era perto do Natal, e ouvir minha avó falar sobre
isso me fez perceber que finalmente eu iria comemorar da forma que eu
quisesse, sem limitações.
Meu celular apitou no bolso, e era um e-mail de Tom,
provavelmente sobre as tarefas da festa. Mas olharia depois; agora eu queria
apreciar a obra de arte que era a minha casa.
— Vó, acho que amanhã já posso me mudar para cá. — Ela franziu
o cenho, analisando o ambiente.
— Não sei, Alice. E a sua cama?
— Minha cama pode ser um colchão novo no chão — falei, rindo.
Ela não curtiu muito a ideia.
Ela suspirou, mas havia um brilho de orgulho em seus olhos. —
Bem, se você acha que está pronta, então vá em frente. Mas, por favor, pelo
menos compre uma cama decente.
Estava trancando a porta quando um barulho estrondoso de motor
se fez ouvir pela rua. O som era grave e ensurdecedor, como se o carro
estivesse exibindo toda sua potência de propósito. Revirei os olhos diante
da demonstração ridícula de soberba de quem quer que estivesse no carro.
— Mais um exibicionista querendo se aparecer. — comentei,
irritada.
Minha avó riu enquanto o carro passava pela rua em direção à
avenida principal. Desci as escadas, mantendo meus olhos fixos no veículo.
Era um carro luxuoso, com vidros tão escuros que era impossível ver quem
estava dentro.
— Como essa pessoa consegue dirigir com esse vidro tão escuro?
— perguntou minha avó, balançando a cabeça em desaprovação.
Algo naquele carro me intrigava. Eu já tinha visto aquele modelo
antes, mas não conseguia lembrar onde.
Enquanto eu esperava o elevador para subir. Meu pensamento
estava ainda grudado no e-mail que Tom enviou ontem à noite. Ele me
designou a responsabilidade de cuidar da lista de convidados, a disposição
das mesas e a parte dos doces do evento. Enquanto eu lia o e-mail ontem
fiquei pensando como eu faria isso se nunca o fiz. Estava sendo destinada a
ser a coordenadora de uma festa importante, sem sequer ter uma pista de
como começar.
O elevador se abriu e eu entrei, com pessoas a minha volta, ao me
escorar no fundo do elevador, avistei Simon entrando.
— Oi, Simon! — Cumprimentei-o, com um sorriso enquanto o
elevador começava a subir.
— Alice! Bom dia. — Ele respondeu, dando-me um sorriso
amigável.
— Então seus pais são de Upper West Side ein? – Tentei puxar
assunto.
Ele riu e, com uma expressão um pouco embaraçada, disse:
— Ah eles se mudaram a pouco tempo, éramos de Boston.
Ao ouvir a menção dessa cidade, uma chave virou na minha cabeça.
Ele conhecia Harvard, certeza que conhecia. Fiquei me perguntando se ele
sabia sobre a expulsão, sobre tudo.
— Então conhece Harvard... eu já estudei lá. – Digo.
— Eu também, e sei sim que já estudou. Uma pena o que
aconteceu, eu me formei ano passado no curso de finanças. – Ele deu uma
pausa para ajeitar sua mochila no ombro - Mas o que aconteceu foi algo
bem chocante. Espero que esteja bem! – Simon comentou, e eu o encarei
franzindo o cenho. Eu não lembro dele lá, ano passado eu estudava lá ainda,
até ser expulsa nesse ano.
— Harvard era um sonho, eu não soube aproveitar... — Encaro o
chão frustrada, e depois olho para Simon — Mas como não me recordo de
você?
— Eu participava das aulas, e depois ficava no dormitório
estudando ou dormindo, era só o que eu conseguia fazer. Mas o campus é
enorme, não tem como se lembrar de todos os rostos. – Ele ri, e eu
concordava com ele. Realmente não tinha. Simon me encara por um tempo,
engolindo em seco.
— O que você e Marcus tem? Parecem se conhecerem bem.
Minha reação instantânea foi uma risada.
— Eu conhecer bem o Marcus? — disse, sem conseguir conter um
sorriso sarcástico. Simon parecia intrigado com minha reação, então
continuei — Eu e ele não passamos de conhecidos. Apesar de ele insistir
que é meu chefe, eu tento deletar essa informação da minha mente e
continuar tratando-o como o imbecil que ele é, porque é isso que eu acho
dele. E nada fará eu mudar de ideia, nada!
Soltei o ar que eu estava segurando no final. Simon deu uma risada.
Enquanto a risada dele ainda ecoava, me peguei pensando: Nada vai me
fazer mudar de ideia sobre ele... né? Afinal, eu estava reparando em quantos
ternos ele tem. Será que ele troca três vezes ao dia? Ah, Alice, para com
isso! A ideia de Simon achar que eu e Marcus nos conhecíamos bem era
hilária. Ri internamente com isso. Marcus era ridículo, aquele jeito
arrogante e soberbo dele me irritava muito. O que ele pensa ao me
questionar se estava ou não saindo com Simon? Suspirei profundamente;
pensar em Marcus me deixava nervosa.
Simon virou-se para mim.
— No sábado vou visitar meus pais novamente. Tem um bar de
rock ali perto e terá um show de uma banda conhecida da cidade. Você
gosta de rock?
— Eu amo rock! — Sorri, meus olhos brilhando com entusiasmo.
— Ótimo! Quer ir comigo?
Hesitei por um momento. Não conhecia ele muito bem para já sair
com ele. Precisava pensar melhor sobre isso.
— Posso ver se não terei nada no sábado, mas vou confirmar e te
digo. — Ele assentiu gentilmente.
A proposta de Simon me pegou de surpresa. Um bar de rock ao
vivo? A ideia era tentadora, mas ao mêsmo tempo, eu estava cheia de
dúvidas. Simon parecia ser um cara simpático, mas o convite foi um pouco
inesperado e eu não queria dar a impressão errada. Ao responder que talvez
tivesse algo no sábado e que precisaria confirmar depois, senti uma mistura
de alívio e inquietação.
Por um lado, estava aliviada por não ter dado uma resposta
definitiva imediatamente. Por outro, a insegurança sobre se minha resposta
tinha sido a mais adequada me incomodava. Será que ele acharia que eu
estava sendo evasiva ou desinteressada? Eu realmente queria evitar
qualquer mal-entendido.
O convite para o bar de rock ao vivo era um alívio bem-vindo na
minha rotina agitada, e a ideia de sair um pouco do ambiente de trabalho era
atraente. Mas o medo de parecer desajeitada ou de interpretar mal as
intenções de Simon me deixou um pouco apreensiva. E se ele estivesse
apenas sendo educado e eu o estava desconsiderando sem querer?
Às vezes, eu era um pouco medrosa em situações sociais e a
perspectiva de sair para algo mais informal, especialmente com alguém do
trabalho, me fazia sentir um frio na barriga.
Cheguei na sala e notei um enorme quadro cheio de anotações, onde
estava escrito em letras garrafais "TAREFAS DA FESTA". Tom, de óculos,
estava ao lado, segurando uma caneta com um ar de seriedade cômica. Não
pude deixar de rir da cena enquanto me sentava na cadeira da minha mesa.
Logo depois, Megan e Elisa entraram juntas na sala. Elas pararam
momentaneamente, arregalando os olhos ao verem o quadro que dominava
o ambiente. Antes que pudessem dizer qualquer coisa, Tom se pronunciou,
— Sentem-se, garotas. O show vai começar.
Tom já começou anotando no quadro as tarefas de cada um para a
festa da empresa. Ele olhou para mim e, com um sorriso, explicou que,
como eu era nova e essa seria minha primeira vez organizando algo assim,
ele me designou poucas tarefas.
Tom continuou, virando-se para Megan. Ela ficou responsável pela
decoração inteira. Ele deu ênfase especial às luzes, insistindo que era
crucial que ela conferisse um dia antes do evento se todas as luzes do local
estavam funcionando. Contou um incidente do último evento, onde o lustre
principal apagou do nada, causando uma situação constrangedora.
Elisa cuidaria dos aparelhos de som e do roteiro do leilão. Sua
tarefa era organizar a ordem dos itens a serem leiloados, do primeiro ao
último. Ela bateu palmas, empolgada com sua responsabilidade.
Tom, com uma expressão de seriedade, explicou que
supervisionaria a equipe do buffet, estacionamento, os drinks, a lista de
convidados e o traje a ser usado, já que o tema seria Marvel. Ao ouvir isso,
fiquei boquiaberta. Amo a Marvel e já comecei a pensar no meu traje. Seria
Jean Grey. Pois falou em Marvel eu pensava nela na hora!
Paralise no momento que uma dúvida me veio à mente: e se Liz
também quiser ir de Jean Grey? Afinal, o cabelo dela era vermelho.
E se ela fosse?
— Qual traje a Liz vai usar? — perguntei em voz alta, minha
curiosidade e preocupação transparecendo na voz. E interrompendo todos.
Tom olhou para mim, surpreso.
— Boa pergunta, Alice. Posso descobrir.
Tom se voltou a nós e perguntou a todos se alguém tinha dúvidas.
Elisa, sempre prática, apenas perguntou se iriam enviar a lista dos itens a
serem leiloados ainda hoje. Tom confirmou com um aceno de cabeça.
Megan estava mastigando uma caneta quando questionou Tom, com
um olhar pensativo, se a decoração poderia ter tons da Marvel. Tom
respondeu que isso seria uma ótima ideia, e Megan sorriu, satisfeita. Ótimo
o salão inteiro nas cores da Marvel, seria uma festa e tanto.
Tom então encerrou a reunião, dizendo que, à medida que
ajustássemos nossas tarefas, iríamos ao espaço do evento na próxima
semana para fazer algumas anotações e sugestões. Todas assentimos.
Depois da reunião, decidi ir até a cafeteria da empresa para comer um
lanche e pegar um café na máquina. Caminhei pelos corredores, ainda
refletindo sobre a tarefa de designar as mesas dos convidados. Quando
cheguei à cafeteria, a máquina de café estava livre, o que era uma pequena
vitória. Coloquei uma moeda e selecionei um cappuccino.
Enquanto esperava o café ser preparado, comecei a pensar na festa à
fantasia e na minha fantasia de Jean Grey. Desde criança, sempre admirei
essa personagem. Jean Grey, com seu poder telecinético e a complexidade
de sua história, era simplesmente magnífica. Ela era forte, inteligente e, ao
mesmo tempo, vulnerável. Sua jornada, desde os primeiros dias como
estudante na Escola para Jovens Superdotados do Professor Xavier até se
tornar a Fênix Negra, era fascinante. Jean Grey não era apenas uma super-
heroína; ela era um símbolo de poder e resiliência.
O café ficou pronto, e peguei o copo, sentindo o aroma quente e
reconfortante. Peguei um croissant e me sentei em uma mesa, ainda imersa
em meus pensamentos sobre a festa e a fantasia. Enquanto mordiscava o
croissant, me permiti refletir sobre o convite de Simon. Não sabia ao certo
se deveria aceitar ou inventar uma desculpa.
Então, vi Tom entrando na cafeteria. Ele se dirigiu à máquina de
café, selecionando uma bebida.
— Alice! — Tom chamou, enquanto a máquina começava a zumbir.
— Perguntei a Liz sobre a fantasia dela. Ela vai de Peggy Carter.
Olhei para ele, surpresa e ligeiramente aliviada.
— Sério? — perguntei, curiosa.
— Sim — Tom confirmou, sorrindo. — O namorado dela vai de
Capitão América. Dizem que ele é idêntico ao Chris Evans. – Eu ri com o
relato, e estava aliviada por saber que estava fora de cogitação ela ir de Jean
Grey.
Tom pegou seu café e se aproximou da minha mesa.
— Então, você já decidiu qual vai ser a sua fantasia? - Tom se
sentou ao meu lado, parecendo relaxado.
— Ainda estou pensando — Menti, um sorriso tímido se formando
no meu rosto.
— Ah eu também não sei ainda como vou. E outra coisa, queria te
dizer para não se preocupar tanto com a organização das mesas. A lista vai
ter todas as informações que você precisa. E tenho certeza de que você vai
arrasar na escolha dos doces.
— Espero que sim — respondi, tentando esconder minha ansiedade.
— E se precisar de ajuda, estou aqui — Tom acrescentou, dando-
me uma tapinha amigável no ombro antes de se levantar, com seu café em
mãos me jogando um beijo no ar. Sorri retribuindo.
Voltei a me concentrar no meu lanche, mas agora com um pouco
mais de tranquilidade. Saber que Liz iria de Peggy Carter porque seu
namorado irá de Capitão América, era um alívio. Pelo menos, eu poderia
continuar com meu plano de ir como Jean Grey sem me preocupar com
duplicatas.

Desci do táxi na rua principal perto do Central Park, irritada por ter
que caminhar até a casa da minha avó porque a entrada da rua estava
interditada pela prefeitura. Eles estavam arrumando algo, provavelmente
consertando uma tubulação ou sei lá o quê, e o trânsito estava um caos.
Enquanto caminhava lentamente pelas ruas, observando as
decorações de Halloween nas fachadas das casas, me peguei pensando: por
que será que o pessoal da igreja não gosta dessas coisas? Será porque é
macabro demais? Ou talvez por causa das referências ao oculto? Afinal, Liz
optou por fazer uma festa à fantasia exatamente porque a igreja dela não
comemora o Halloween. Era algo tão curioso... Vou precisar pesquisar isso
depois. Meus pensamentos continuavam a vagar enquanto eu subia as
escadas para entrar em casa.
Passei rapidamente pela casa da minha avó.A ansiedade estava
tomando conta de mim, e a única coisa que eu conseguia pensar era em
organizar minhas roupas no novo closet.
— Alice, vai levar os livros? — minha avó perguntou.
— Sim, vó, mas pego depois — desci as escadas com as malas. —
Preciso só levar isso aqui.
Depois de descer todas aquelas escadas e praticamente arrastar três
malas pesadas até minha nova casa, finalmente cheguei à porta da entrada.
Abri a porta com um suspiro profundo, sentindo o alívio de estar finalmente
ali. Conferi o relógio, pois o pessoal que iria entregar meu colchão já devia
ter chegado há séculos. Justo quando ia começar a subir as escadas, ouvi
uma buzina lá fora. Caminhei até a porta e a abri.
Lá estavam eles, os entregadores, segurando meu colchão como se
fosse a coisa mais leve do mundo. Colocaram-no na sala e foram embora
como se tivessem acabado de resolver a crise mundial. Simples assim.
Fiquei encarando o colchão por uns segundos, pensando: como é
que eu vou levar isso até o terceiro andar sozinha? Resolvi tentar. Na
primeira tentativa, ele mal se mexeu. Na segunda, eu consegui levantá-lo
um pouco, mas logo percebi que era pesado demais. Quando tentei pela
terceira vez, minhas mãos escorregaram, e lá fui eu, caindo direto por cima
do colchão, estatelada no chão da sala.
Era isso, o colchão me venceu.
Estirada no meio da sala, completamente derrotada pelo colchão, eu
senti meu telefone vibrar no bolso. Com um suspiro, tirei o celular e olhei
para a tela. Número desconhecido. Normalmente, eu ignoraria, mas, por
alguma razão, decidi atender.
— Alô? — perguntei, já esperando que fosse uma daquelas ligações
de telemarketing.
— Alice?
Reconheci a voz. Era Elisa, e eu estava oficialmente confusa.
— Elisa? — falei, franzindo a testa. — Espera... como tem meu
numero?
— Ah, eu peguei com Ashley. Não importa! — Ela riu, e eu podia
imaginar o sorriso animado dela do outro lado da linha. — Eu não pensei
em ninguém além de você para me fazer companhia hoje.
— Companhia? Para o quê? — Perguntei, ainda sem entender onde
ela queria chegar.
— Para o jogo dos Knicks! Hoje à noite, no Madison Square
Garden. Vamos? — A empolgação na voz dela era inegável.
Jogo de basquete? Eu? Minha mente deu um nó. Eu nunca fui uma
grande fã de esportes, para ser honesta. Nem basquete, nem futebol, nada.
Mas Elisa estava tão animada que fiquei curiosa.
— Eu... no jogo dos Knicks? — falei, tentando absorver a ideia de
mim mesma em uma arena lotada, assistindo a um jogo que eu mal
entendia.
— Sim! E você não pode dizer não, porque eu ganhei os ingressos
de um amigo que joga no time! — Ela riu, como se isso fosse a coisa mais
normal do mundo. — Ele me deu dois lugares incríveis, Alice! Seria um
desperdício não ir. E eu realmente queria ir com você!
Deitada no colchão, olhando para o teto e depois para as malas com
minhas roupas jogadas no chão. Eu tinha prometido que ia arrumar o closet
hoje, e a pilha de roupas não ia se organizar sozinha. Além disso, não
gostava muito de esportes, e um jogo de basquete não estava exatamente na
minha lista de “coisas incríveis para fazer em uma noite de sexta-feira”.
Mas Elisa estava tão empolgada, e o fato de ela ter pensado em mim
realmente mexeu comigo. Eu não queria decepcioná-la, mas ao mesmo
tempo... as roupas.
— Hm... eu meio que tenho um compromisso com o meu closet
hoje... — murmurei, indecisa.
— Alice, seu closet vai sobreviver! Isso aqui é uma experiência
única! — Ela insistiu, a voz dela cheia de expectativa. — E, vamos lá,
quando foi a última vez que você fez algo espontâneo?
Suspirei, olhando ao redor da sala, e sorri. Elisa tinha um ponto. A
ideia de passar a noite organizando roupas de repente parecia infinitamente
menos atraente do que me divertir com ela.
— Tá bom, você venceu. Eu topo — respondi, com um sorriso que
agora era impossível segurar.
Talvez meu closet pudesse esperar mais um dia.
— Ótimo! Falta uma hora para o jogo, ele começa às oito e meia,
então você está meio que pronta, né? — Elisa perguntou com aquela
animação insuportavelmente contagiante.
— O quê? É agora? — Olhei para o relógio na parede. Sete e meia.
Eu ainda tinha tempo, mas não muito. Me levantei do colchão com um
salto. Para ser honesta, eu já estava praticamente pronta. Usava minhas
roupas de sempre: calça preta, camisa preta, casaco preto. Prático, básico e,
claro, completamente previsível.
— Sim! Desculpa, eu ganhei os ingressos de última hora — ela
disse, quase se desculpando, mas sem esconder o entusiasmo.
Eu ia me convencer de que estava tudo certo até que Elisa,
acrescentou.
— Ah, e só tem um pequeno detalhe... a gente vai precisar usar as
camisas do time. Nada de preto hoje, querida.
Parei no meio do movimento, como se tivesse sido atingida por um
raio. Camisa do time? Nada de preto? Isso parecia uma afronta ao meu
código de vestimenta pessoal.
— Espera... como assim camisa do time? — perguntei, tentando
esconder o pânico. — Eu não tenho nada dos Knicks!
— Relaxa, eu tenho uma extra pra você! Não vou deixar você entrar
lá com esse seu visual de ‘funeral chic’. Hoje a gente vai com cores!
Elisa riu do outro lado da linha, como se fosse a coisa mais óbvia
do mundo. Suspirei, aceitando o destino cruel de vestir algo fora do meu
estilo usual. Claro que Elisa teria tudo planejado. Ela sempre estava um
passo à frente.
— Tudo bem... — murmurei, derrotada.
— Perfeito! Estou indo te buscar agora mesmo! — E, antes que eu
pudesse reagir, ela desligou o telefone.
Ela disse me buscar? Como ela sabia meu endereço? Eu nunca tinha
dado meu endereço para Elisa. Não era algo que mencionamos
casualmente, do tipo “ah, me chama para um jogo e me busca em casa”.
Dei uma olhada ao redor. As malas com minhas roupas ainda não
organizadas me olhavam de volta, como se me julgassem silenciosamente
por abandoná-las. Mas, sinceramente, se eu ia me enfiar num jogo de
basquete com Elisa, talvez fosse melhor deixar as roupas para depois.
Não demorou muito para eu ouvir a buzina de um carro do lado de
fora. Olhei pela janela, e lá estava Elisa, animada como sempre abanando
pela janela de trás dentro do taxi. Abri a porta e encarei a situação, meio
desconfiada, mas com um sorriso no rosto. Afinal, quem precisa de
privacidade quando tem uma colega de trabalho que adora jogos de
basquete e sabe exatamente onde você mora sem nunca ter perguntado?
Assim que entrei no táxi e fechei a porta, estava Elisa sentada
confortavelmente no banco, um sorriso no rosto e, claro, a famigerada
camisa dos Knicks no colo.
— Oi! — Cumprimentei, ainda sem acreditar que eu estava prestes
a ir a um jogo de basquete. Logo eu, que mal sabia o que era um arremesso
de três pontos.
— Oi, Alice! Pronta para sua transformação para fã de basquete? —
Ela brincou, balançando a camisa na minha direção.
— Super pronta — respondi com ironia, pegando a camisa como se
fosse uma armadilha. — Mas, antes de mais nada, como você descobriu o
meu endereço?
Elisa deu uma risadinha, claramente achando graça da minha
surpresa.
— Ah, foi a Ashley que me passou. Só que, quando cheguei lá, era
a casa da sua avó.
— E minha avó, obviamente, entregou meu novo endereço de
bandeja, né? — Eu completei, já sabendo a resposta.
— Exatamente! — Elisa riu. — Ela foi super simpática. Até me
ofereceu café antes de dizer onde você estava morando agora. Mas tive que
recusar, obviamente não dava tempo, mas combinamos que eu irei voltar lá.
Ela riu. Balancei a cabeça, meio derrotada, meio rindo. Essa era tão
a cara da minha avó.
— Pelo menos você chegou até aqui — falei, ajustando a camisa
dos Knicks sobre o colo. — Apesar de eu ainda estar processando essa
coisa de assistir a um jogo de basquete. Eu não sou uma pessoa fã de
esportes Elisa...
— Ah, relaxa! Vai ser divertido! — Elisa disse, animada. — E,
além disso, quem precisa entender de basquete quando você tem ótimos
lugares pra sentar e gente gritando ao seu redor?
— Ótimos lugares? — Levantei uma sobrancelha, curiosa.
— Sim! — Elisa respondeu com um sorriso orgulhoso. — Nada de
lugares comuns hoje. Vamos estar bem perto da ação.
— E eu aqui, mal sabendo a diferença entre um drible e um rebote.
Elisa me deu um leve empurrão de brincadeira.
— Não se preocupe. Eu te ensino o básico enquanto a gente assiste.
Só... não grite 'gol', por favor.
Ri alto.
— Vou tentar me controlar.
O táxi avançava pelas ruas de Nova York, e o brilho das luzes da
cidade refletia na janela, me deixando momentaneamente hipnotizada. Era
engraçado pensar que eu, no auge da minha falta de interesse por esportes,
estava a caminho de um dos maiores eventos da cidade — e ainda por cima
com uma amiga empolgada demais para me deixar escapar.
— Mas sério, Alice — Elisa disse, quebrando o silêncio. — Estou
feliz que você topou vir. Precisamos fazer mais coisas juntas, sair mais,
sabe? Sempre acho que você tá meio escondida no seu mundo, e eu quero te
puxar para o meu um pouquinho, fazer você conhecer de verdade o que é
diversão.
Olhei para ela, e um sorriso genuíno surgiu no meu rosto.
— É, talvez eu precise ser puxada de vez em quando. Só... não com
esportes toda vez, tá?
— Prometido! — Elisa riu, batendo levemente no meu braço.
Assim que eu e Elisa passamos pela entrada principal do Madison
Square Garden, fui atingida por uma onda de lembranças. Não fazia muito
tempo que estive ali — setembro, para ser exata — no show do Pearl Jam.
A diferença, claro, era o cenário. Em vez da energia frenética dos fãs de
rock, o lugar agora estava tomado por um mar de camisetas laranjas e azuis
dos Knicks, pessoas conversando animadamente, com aquela vibe típica de
jogo de basquete.
O ambiente era completamente outro, e eu não pude evitar sentir
uma estranha nostalgia. Lembro que naquela noite, a única coisa que me
importava era o som da guitarra do Mike McCready ecoando pelo estádio.
Agora? Bem, agora eu estava me preparando para ver bolas voando, gente
gritando "defesa" e, quem sabe, até aprender alguma coisa sobre basquete.
— Uau — murmurei, observando as luzes brilhantes, o enorme
placar no centro e a quadra perfeitamente polida, que mais parecia uma
pista de dança. — Totalmente diferente do que eu me lembro.
Elisa, que já estava familiarizada com o lugar, me deu um leve
empurrão.
— O que foi? Esperava ver o Ozzy Osbourne cantando em cima do
placar?
Ri, diante da declaração dela. Black Sabbath era meu vício
momentâneo, e claro que ela sabia disso, já leu meu blog. Ainda assim, a
empolgação de Elisa era contagiante. Ela praticamente saltitava à minha
frente, conduzindo-nos pelos corredores lotados como se fosse dona do
lugar.
— Vamos lá, nossos assentos são bem na frente. E quando eu digo
frente, é tipo... frente mesmo!
Eu a segui, tentando não esbarrar nas pessoas que caminhavam
apressadas em direção a seus lugares. Senti o cheiro de pipoca no ar,
misturado com o som de conversas animadas e gritos de fãs. Tudo ao meu
redor parecia se mover em câmera lenta.
Quando finalmente chegamos aos nossos lugares, eu parei. Elisa
não estava brincando. Nossos assentos eram tão perto da quadra que eu
conseguia ver o suor na testa dos jogadores durante o aquecimento.
Literalmente em frente ao espetáculo todo.
— Meu Deus, Elisa... — falei, olhando para ela com os olhos
arregalados. — Estamos praticamente no colo dos jogadores!
— Eu te disse! — Ela sorriu, enquanto se acomodava na cadeira e
batia as mãos nas pernas com satisfação. — Aproveite, Alice! Não é todo
dia que se consegue esses lugares.
Ainda em choque, me sentei ao lado dela, tentando absorver a
grandiosidade do momento. O Madison Square Garden nunca parecia
pequeno, mas, dessa vez, eu me senti no centro de um gigante.
Eu observei os jogadores fazendo seus arremessos, correndo de um
lado para o outro da quadra. A energia no estádio começava a crescer, com
mais pessoas se acomodando em seus assentos, as vozes ficando mais altas.
Olhei ao redor e soltei uma risada.
— Bom, pelo menos o Eddie Vedder não vai aparecer dessa vez
Murmurei, mais para mim mesma, tentando me acostumar com a
ideia de estar em um jogo de basquete e não num show de rock. Era meio
surreal. Eu só ia a shows e essa nova experiência estava me deixando um
tanto desconfortável.
— Relaxa, Alice — disse Elisa, me lançando uma piscadela com
um sorriso travesso. — Quem sabe você acaba gostando mais disso do que
de um show de rock.
Duvido muito, pensei, mas mantive isso comigo enquanto me
ajeitava na cadeira, me preparando para o início do jogo. Foi então que
Elisa olhou para mim de relance e, antes que eu pudesse me esconder, ela
soltou:
— Ah, e coloca logo a camisa do time, né?
Suspirei, tirando o casaco preto com relutância. Sob ele, claro,
estava minha fiel companheira: uma camisa preta básica, quase como uma
extensão da minha alma. Peguei a camisa dos Knicks que Elisa me entregou
e a vesti por cima, sem muita cerimônia. Olhei para o resultado... Não era
exatamente um look que eu escolheria, mas, enfim, ali estava eu.
— E aí? — perguntei, erguendo as sobrancelhas para Elisa.
Ela me deu uma rápida olhada, acenando com a cabeça, mas
claramente distraída enquanto seus olhos percorriam o ambiente ao redor.
— Tá bom, Alice. Tá ótimo — respondeu, mas antes que eu
pudesse agradecer o elogio questionável, ela se inclinou um pouco e
arregalou os olhos. — Olha só quem tá chegando... ao lado do LeBron
James!
— Quem é LeBron? — perguntei, fazendo uma careta
genuinamente confusa.
Elisa me encarou como se eu tivesse acabado de confessar um
crime.
— Meu Deus, Alice, em que mundo você vive? — Ela balançou a
cabeça, incrédula, e apontou discretamente para uma parte da quadra. —
LeBron James, sabe? O maior jogador de basquete da atualidade? Ele tá
caminhando ali, ó!
Segui o olhar dela, tentando entender o que tanto a impressionava.
Eu olhei na direção indicada e, de repente, congelei. Não era o tal do
LeBron que chamou minha atenção, mas... Marcus. Conversando
animadamente com ele. Usava uma camisa preta, mangas dobradas até os
cotovelos, e uma calça cinza. O cabelo dele, claro, estava daquele jeito
impecável e intocável de sempre.
— Ah, claro... o LeBron James — murmurei, meio em choque
ainda, mas definitivamente não por causa do astro do basquete.
— E então, viu? — Elisa perguntou.
— Sim, vi... — respondi, com os olhos fixos em Marcus, enquanto
ele ria de algo que LeBron havia dito.
Eles caminharam mais um pouco, e Marcus se despediu, sentando-
se em um dos lugares reservados perto do banco dos Lakers, bem de frente
para os nossos assentos. Foi impossível não reparar nele. Ele virou o rosto
no momento exato em que uma mulher loira, com pernas longas e cabelo
digno de comercial de shampoo, se sentou ao lado dele. Ótimo, pensei, mais
uma tiete do Marcus Lewis.
Não que isso devesse me incomodar... certo?
Eles trocaram algumas palavras rápidas. Ela soltou uma risadinha,
provavelmente de algo sem graça, e, sem cerimônia, se levantou e foi
embora, como se tivesse sido apenas uma breve parada no caminho.
Estranho. A interação parecia casual demais. Sério, será que ele é gay?
Porque, convenhamos, aquela mulher era linda demais pra ser ignorada
desse jeito. E pelos andares dela, com toda aquela risada e charme forçado,
ela parecia muito interessada nele.
Então, um homem atrás de Marcus pediu uma foto. Ele sorriu
educadamente, posou, e depois voltou a se ajeitar no banco, como se aquilo
fosse rotina. E foi exatamente nesse momento, enquanto eu ainda tentava
entender por que meu rosto estava ficando quente como uma frigideira no
fogo, que Marcus olhou diretamente para frente. Seus olhos encontraram os
meus.
E eu não desviei o olhar. Nada disso. Eu sabia que ele estava me
analisando, mas, em vez de fugir, continuei encarando, como se estivesse
aceitando o desafio. Meu semblante sério. Se ele queria me intimidar com
aquele olhar, estava muito enganado. Mantive meus olhos nos dele, sem
vacilar, provocando-o com meu silêncio.
Marcus se inclinou ligeiramente para frente, os olhos ainda fixos
em mim, tentando decifrar o que eu estava fazendo. Cada segundo desse
jogo silencioso parecia durar uma eternidade, e eu sabia que ele estava
tentando entender por que eu não olhava para o lado, mas essa era a graça.
O ar ao redor de nós parecia vibrar com uma tensão silenciosa, e eu podia
sentir meus lábios se apertarem num sorriso quase imperceptível.
É isso aí, continua me encarando. Eu não vou recuar.
De repente, fui arrancada daquele momento por Elisa, que
praticamente pulava no assento ao meu lado.
— Aaaah! O jogo vai começar! — Ela me sacudiu, com
empolgação infantil. — E pelo amor de Deus, para de encarar o Marcus
assim! Tá literalmente comendo ele com os olhos.
— Eu? — arqueei uma sobrancelha, sem me dar ao trabalho de
disfarçar. — Só estava olhando.
— Ah, claro, "só olhando" — Elisa revirou os olhos, rindo. —
Alice. Eu vi tudo.
— Não era isso... — tentei protestar, mas minha voz soou fraca.
Elisa me olhou com uma sobrancelha arqueada, enquanto o jogo começava
e os jogadores corriam para a quadra. Eu respirei fundo, tentando me
concentrar no que estava acontecendo, mas minha mente estava
completamente dispersa.
Eu até tentei me concentrar no jogo, juro. Mas Elisa, ao meu lado,
estava constantemente soltando gritinhos animados e apontando para alguns
famosos sentados nas arquibancadas.
— Olha, Alice! Aquele ali é o Robert De Niro! E o Jay-Z?! Você tá
vendo?
Eu apenas acenava com a cabeça e fingia interesse. Sinceramente,
eu não dava a mínima. Meu foco estava longe do basquete e muito menos
nas celebridades.
De vez em quando, eu não resistia e olhava na direção de Marcus, e
quase todas as vezes, ele estava olhando para mim. Um olhar fixo, quase
desafiador. Eu desviava o olhar rápido, tentando manter a compostura, mas
a sensação de ser observada era constante, o que fazia meu coração bater
mais rápido do que eu estava disposta a admitir.
Quando o primeiro quarto do jogo finalmente terminou, eu me virei
para Elisa.
— Vou ao banheiro.
— Claro, vá lá — respondeu ela, distraída, ainda empolgada com o
jogo.
Levantei-me e saí da nossa seção, sentindo um alívio ao sair
daquele clima carregado de tensão. Caminhei pelos corredores do Madison
Square Garden, com o zumbido das conversas ecoando ao meu redor, mas
minha mente estava longe. Ao encontrar o banheiro, empurrei a porta e
entrei, o ambiente com azulejos brancos e luzes fortes me trouxe um
mínimo de tranquilidade. Olhei-me no espelho, ajeitei o cabelo sem muito
entusiasmo, tentando não pensar em Marcus, mas claro que ele estava lá,
em algum canto da minha mente.
Isso não é normal, pensei, enquanto me encarava no espelho.
Respirei fundo, lavei as mãos, mesmo sem precisar, só para ganhar
um tempo a mais. Dei uma ajeitada na blusa, estava pronta para voltar para
o jogo, quando a porta se abriu de repente. Marcus entrou, como se fosse o
lugar mais natural para ele estar.
— O que você veio fazer em um jogo de basquete? — ele
perguntou, como se eu fosse a invasora aqui, ignorando completamente o
fato de que ele estava no banheiro feminino.
— Eu deveria te perguntar o mesmo, já que esse não é exatamente o
banheiro masculino. — Cruzei os braços e revirei os olhos.
Ele abriu a boca para responder, mas nesse momento ouvimos o
clique da porta prestes a se abrir. Sem me dar tempo de processar o que
estava acontecendo, Marcus me puxou para dentro de uma das cabines. O
espaço apertado nos deixou cara a cara, tão próximos que eu podia sentir
sua respiração batendo no meu rosto.
— O que você pensa que está fazendo?
Comecei a dizer, mas antes que pudesse terminar, Marcus colocou a
mão sobre minha boca. Meus olhos se arregalaram, mas ele sinalizou com o
dedo nos lábios, pedindo silêncio. O som de risos e vozes femininas ecoou
pelo banheiro. Elas estavam conversando animadamente, e uma delas
estava falando sobre… Marcus.
— Você viu o Marcus Lewis hoje? — a primeira mulher disse, a
voz cheia de entusiasmo. — Ele está ainda mais bonito pessoalmente.
— Eu daria tudo para ter uma noite com ele — a outra respondeu,
soltando uma risada maliciosa.
— Não seja boba. Ele está com alguém, provavelmente uma
daquelas modelos supermagras que a gente vê no Instagram — Uma
terceira voz feminina disse, mas o tom de inveja era inegável.
Marcus sorria ao ouvir os comentários sobre si, que ridículo. Ele se
achava o tal a ouvir essas coisas.
— Você acha que ele é tão bom de cama quanto parece? — a
primeira mulher voltou a perguntar, baixando um pouco a voz, mas ainda
alta o suficiente para que escutássemos cada palavra.
A mão de Marcus ainda estava sobre minha boca, e a tensão no ar
era palpável. Seus olhos se fixaram nos meus de novo, agora com um brilho
de diversão. Assim que as mulheres começaram a sair, ele lentamente tirou
a mão, mas não recuou nem um milímetro.
— E agora, Alice? Vai me dizer o que faz aqui? — Ele murmurou,
com aquela voz baixa e arrastada que me irritava tanto quanto me
desestabilizava.
Eu sustentei o olhar firme, mesmo que o espaço entre nós estivesse
menor do que eu gostaria. Era sufocante, mas eu não ia deixá-lo perceber
isso.
— Lhe interessa? — retruquei, mantendo meu tom tão desafiador
quanto possível.
A resposta dele foi dar um passo à frente, me prendendo contra a
parede da cabine, o corpo dele próximo demais. Minha mente gritava para
sair dali, mas meu corpo parecia hipnotizado pela proximidade. Não era só
raiva que sentia, e isso me irritava ainda mais.
— Quer mesmo fazer isso? — Ele sussurrou, o rosto tão perto do
meu que eu podia sentir a respiração quente dele contra minha pele.
— O que, Marcus? — perguntei, tentando manter a firmeza na voz,
mesmo que a proximidade fosse esmagadora. Meu coração batia rápido,
mas eu não ia ceder.
Ele me olhou com aquele sorriso torto que fazia meu sangue ferver,
e por um instante, esperei que ele explodisse. Mas em vez disso, ele se
inclinou ainda mais, nossas respirações se misturando, o espaço entre nós
praticamente inexistente.
— Admite, Alice... — ele murmurou, a voz carregada com um tom
provocador que me deixava fora de controle. — Você gosta de me provocar.
— Eu? Te provocar? — soltei uma risada seca. — Você não passa
de um idiota arrogante, Marcus. Por que eu perderia meu tempo?
— Você acha que pode falar o que quiser, não é? — Ele rosnou,
seus olhos fixos nos meus, a respiração pesada batendo contra a minha pele
— Acha que é a única que sabe jogar esse jogo?
— Eu não preciso jogar nada com você, Marcus. Porque, no final
do dia, você não passa de um cara cheio de si, que acha que o mundo gira
ao seu redor. E adivinha só? Não gira.
Por um momento, achei que ele fosse explodir, o que eu preferia,
sinceramente. Mas em vez disso, Marcus se inclinou ainda mais, deixando a
tensão no ar aumentar. O cheiro dele, a sensação da presença esmagadora,
tudo estava fazendo minha cabeça rodar.
— Você não é a única que sabe provocar, Alice. Isso é o que te
irrita, não é? Eu te desequilibro. — Ele sussurrou.
Eu soltei uma risada curta, mas por dentro, minhas emoções
estavam em um furacão.
— O que me irrita é você achar que tem esse poder sobre mim,
Marcus.
Ele apertou ainda mais o maxilar, o olhar sério.
— Talvez eu tenha mais poder do que você quer admitir —
murmurou, um sorriso arrogante surgindo nos lábios.
A mão de Marcus se moveu para o meu rosto, afastando uma mecha
de cabelo que caía sobre meus olhos. Ele a colocou delicadamente atrás da
minha orelha, sem desviar o olhar. Meu corpo ficou tenso com o toque. Ele
não disse nada enquanto fazia isso, apenas manteve aquele olhar fixo e
determinado, como se soubesse exatamente o que estava fazendo comigo.
Então, sem hesitar, ergueu meu queixo com dois dedos, me forçando a olhar
diretamente para ele.
— Vamos ver quanto tempo mais você consegue resistir, Alice —
murmurou, a voz baixa, cheia de provocação.
Eu quis responder, dizer algo que o fizesse parar, mas as palavras se
perderam. Ele sorriu de canto, aquele sorriso arrogante que tanto me
irritava, e, sem dizer mais nada, se afastou lentamente, saindo da cabine e,
em seguida, do banheiro.
Fiquei ali por alguns segundos, tentando entender por que sempre
era ele que saía por cima dessas situações. Suspiro, tentando dissipar a
tensão antes de sair do banheiro. O que foi tudo aquilo? Ainda me sentia
esquisita com as palavras dele ecoando na minha cabeça, mas, enfim, não
dava para fugir.
De volta ao meu lugar, o jogo já estava rolando e, para o meu alívio,
o assento de Marcus estava vazio. Ele tinha ido embora. Ótimo. Mas,
mesmo com ele fora de vista, as últimas palavras dele ainda me perseguiam.
"Vamos ver quanto tempo mais você consegue resistir, Alice." Por que ele
tinha que ser tão... ele? Balancei a cabeça, tentando afastar esses
pensamentos e focar no que estava acontecendo à minha volta. O segundo
quarto acabou.
— Eu vou comprar algo para beliscar, vai querer alguma coisa? —
Ele me perguntou, estava de pé em minha frente.
— Pipoca seria bom — respondi.
Ela assentiu e se afastou, enquanto eu peguei o celular para verificar
minhas mensagens. Talvez isso me distraísse. Mas antes que pudesse focar
em qualquer coisa na tela, percebi alguém ocupando o assento ao meu lado
direito — aquele que estava vazio desde o início.
Franzi o cenho e olhei de relance para a calça, já familiar demais, e
os braços que eu, infelizmente, conhecia muito bem. Levantei o olhar, e lá
estava ele, se ajeitando no assento como se nada tivesse acontecido.
Marcus. Eu o encarei, sem entender absolutamente nada.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, a surpresa
escapando da minha boca antes que eu pudesse controlar.
Marcus virou o rosto devagar para me encarar, com aquele maldito
sorriso torto no rosto, como se a minha pergunta fosse a coisa mais
divertida que ele tinha ouvido o dia inteiro.
— Você parece surpresa — disse ele, ajeitando-se no assento como
se estivesse em casa. — Não posso sentar aqui?
— Pode, mas... — hesitei, buscando uma resposta que fizesse
sentido. — Por que aqui? Esse lugar estava vazio desde o começo do jogo.
— Achei que seria bom ver o resto do jogo desse ângulo. —
respondeu, lançando um olhar de canto, os olhos brilhando com aquela
provocação que já era marca registrada dele.
— Não tem outros lugares mais interessantes para você sentar?
Tipo, não sei, no meio de suas fãs? — O sarcasmo escorreu pela minha
boca antes que eu pudesse me conter.
Marcus riu baixinho, mas havia um toque de algo mais na risada,
como se ele estivesse genuinamente se divertindo com a minha reação.
— Estou um pouco cansado de fãs, hoje... — Ele inclinou-se um
pouco mais na minha direção. — Ou talvez eu só goste de te irritar.
— Ah, claro. Porque essa é a sua especialidade, né? — cruzei os
braços, encarando-o de volta. — Você não tem mais o que fazer?
— Estou exatamente onde eu quero estar — disse ele, sem perder o
tom brincalhão. — E pelo jeito, estou conseguindo o que quero. Você
parece… bem incomodada.
Eu estava, de fato, incomodada. Mas não era exatamente da
maneira que eu queria admitir. Marcus sabia como me tirar do sério, e pior,
ele sabia que me tirava do sério. Isso parecia o motivar ainda mais.
— Estou irritada porque você está agindo como uma criança. —
Respondi, firme. — Pode tirando esse sorriso do rosto, não tens efeito em
mim.
— Não mesmo? — Ele arqueou uma sobrancelha, ainda mais
provocador.
O silêncio entre nós ficou mais pesado, e eu me odiei por deixar a
conversa chegar nesse ponto. Ele parecia que sabia como mexer comigo, e
eu estava irritada com isso já. Esse modo dele de provocar estava me
deixando de saco cheio. Marcus não respondeu imediatamente. Em vez
disso, ficou me olhando com aquele sorriso convencido, o que só me fez
querer socar alguma coisa... ou ele. Eu virei o rosto, encarando a quadra
vazia enquanto o intervalo continuava, com um foco forçado, querendo
ignorá-lo. Ele não ia conseguir me provocar tão fácil assim, não dessa vez.
Eu acho.
— Sabe, — começou ele, a voz baixa e carregada de uma falsa
inocência — você até parece que está gostando da minha companhia.
Eu virei o rosto para ele, os olhos semicerrados.
— Não se engane, Marcus. Se estou te tolerando é porque o jogo
ainda não acabou.
— Tolerando, hein? Se isso é o seu jeito de tolerar, imagine só
quando você começar a gostar. — Ele riu.
— Isso nunca vai acontecer. — Eu bufei.
Ele abriu a boca para responder, mas de repente algo chamou sua
atenção. Seus olhos desviaram para o telão gigante acima da quadra, e foi aí
que eu notei que as luzes ao nosso redor tinham ficado mais intensas. Antes
que eu pudesse entender o que estava acontecendo, ele riu ainda mais.
— Olhe pra cima, Alice. — disse ele, ainda rindo, apontando com a
cabeça para o telão.
Eu congelei. No telão gigante que cobria metade do estádio, lá
estávamos nós. Eu e Marcus. No maldito momento "câmera do beijo". Meu
rosto estampado para o estádio inteiro ver. Meu coração deu um pulo e eu
senti o sangue subir para o meu rosto de uma forma tão rápida que parecia
que eu ia explodir.
— Não... isso só pode ser brincadeira... — murmurei, a voz mal
saindo. Minhas mãos começaram a suar, e o pânico tomou conta.
Marcus estava rindo, claramente se divertindo com a situação.
— Acho que querem um show — disse ele, entre risadas, olhando
para mim com aquele olhar travesso. — Vamos lá, Alice, não vai
decepcionar toda essa gente, vai?
— Nem pensar! — Eu praticamente sussurrei, tentando enfiar a
cabeça por baixo da camisa larga do time que eu estava usando. Meu rosto
estava em chamas e eu sabia que todo mundo estava esperando alguma
coisa. Meu olhar se fixou no telão novamente e vi nossos rostos juntos, o
público animado com gritos e aplausos. Eu queria desaparecer naquele
momento.
Marcus, claro, não perdeu a oportunidade de continuar me
provocando.
— Ah, você está vermelha. Nunca te vi assim antes. — Ele deu
uma risada, inclinando-se mais uma vez na minha direção.
— Isso não é engraçado, Marcus! — Eu sibilei, tentando
desesperadamente manter o controle da situação, mas era inútil.
— Claro que é. — Ele ainda ria, claramente adorando meu
desconforto. — Relaxe, é só uma brincadeira. Eu estava prestes a responder
quando ele parou de rir, seu rosto agora mais sério, mas os olhos ainda
dançando de provocação. Ele deu um meio sorriso antes de murmurar: —
Bom, se a gente não fizer nada, talvez eles fiquem mais insistentes.
Eu estava queimando de vergonha.
— Não vai acontecer, Marcus. — Eu disse, tentando manter minha
voz firme, embora por dentro estivesse uma bagunça de nervos.
— Relaxa, Alice. — Ele disse calmamente, ainda com aquele
sorriso, e então, de repente, seus lábios roçaram minha bochecha, quase de
brincadeira. Eu travei. O público explodiu em gritos e aplausos.
— Pronto. — Ele disse, com um sorriso vitorioso, recostando-se no
assento, enquanto eu tentava me recompor, ainda chocada e nervosa com a
situação.
— Você beijou a minha bochecha? — Eu o encarei, perplexa que
ele fez algo diante de todo mundo. Eu ainda estava tentando processar o que
tinha acabado de acontecer.
Ele ergueu uma sobrancelha, divertindo-se ainda mais com a minha
reação.
— E você queria o quê? Que eu te beijasse de verdade na frente de
todo mundo? — disse, a voz carregada de provocação.
— Claro que não! — Respondi rápido demais, e isso só o fez rir
ainda mais. Eu podia sentir o rubor subindo pelo meu pescoço, e Marcus
estava adorando cada segundo.
— Que pena. Porque pelo jeito, o público adoraria — ele continuou
dando uma olhada no telão, onde nosso pequeno "momento" ainda estava
sendo reprisado com aplausos ecoando pelo estádio. E depois outro casal
apareceu, mas dessa vez eles protagonizaram o beijo que o publico tanto
aguardava. Antes que eu pudesse responder a provocação dele, ouvi o som
de risada de Elisa se aproximando. Ela parece ao meu lado, com um sorriso
enorme no rosto, claramente tentando conter uma gargalhada.
— Eu vi vocês no telão! — disse ela, rindo, enquanto entregava a
pipoca para mim. — O que eu perdi até agora, hein? — Ela piscou para
mim, me deixando ainda mais desconfortável.
Eu bufei, pegando a pipoca da mão dela, tentando disfarçar o
constrangimento.
— Sem pergunta por favor, chega de constrangimentos por hoje.
Falei, sem muita convicção, porque Marcus estava ali do lado, me
encarando com aquele maldito sorriso. Elisa se inclinou para dar uma
olhada melhor nele, e seu sorriso só aumentou.
— Marcus! Como você está? — disse ela, oferecendo um
cumprimento amigável.
— Estou ótimo, Elisa. E você? — Ele a cumprimentou com um
aceno de cabeça, ainda mantendo aquele tom casual, como se a cena
anterior não tivesse causado nenhuma reação.
— Melhor agora, depois do show de vocês.
Elisa riu, dando um tapinha no meu ombro como se estivesse me
parabenizando pela performance. Eu quis me enterrar naquele momento.
— Agradeço o elogio — respondeu Marcus, piscando para mim de
novo, antes de se voltar para Elisa. — Parece que a Alice está se
acostumando a ficar no centro das atenções. Talvez da próxima vez, ela seja
a estrela do show.
— Duvido — resmunguei, me afundando no assento e jogando uma
pipoca na boca, tentando ignorar o quanto ele estava se divertindo às
minhas custas.
— Quem sabe? A próxima "câmera do beijo" pode ser mais
interessante ainda — disse ela, claro que ela não perderia a oportunidade de
me provocar.
Eu continuei mordendo a pipoca, tentando ignorar os dois. Eu
tentava focar no jogo, mas era inútil. Minha mente estava uma bagunça de
pensamentos dispersos, cada um mais frustrante que o outro. O jogo? Um
borrão. Mal percebi quando terminou, e só fui me dar conta de que os
Lakers tinham vencido os Knicks quando todo o estádio começou a se
levantar.
Enquanto eu ainda tentava me orientar, Marcus foi rapidamente
cercado por algumas pessoas que pediam para tirar fotos com ele. Ele
assentiu, educado, como se já estivesse acostumado com a atenção. Claro,
Marcus sabia como comandar o ambiente, e aparentemente, não era só no
círculo mais íntimo.
— Isso acontece o tempo todo — Elisa sussurrou no meu ouvido,
interrompendo meus devaneios. — Afinal, ele é o segundo homem mais
rico do mundo.
Revirei os olhos, tentando ignorar o comentário e a sensação
estranha que vinha junto com essa informação.
— Vamos embora? — perguntei, querendo sair dali o quanto antes.
— Ainda não — respondeu ela, com um brilho nos olhos que me
deixou desconfiada. — Preciso falar com meu amigo.
— Que amigo? — Levantei uma sobrancelha.
— Segredo... mas prometo que te conto depois.
Suspirei, sem insistir. Pelo jeito eu não conseguiria arrancar dela
esse segredo, não importa o quanto perguntasse. Enquanto a seguia pelos
corredores lotados do Madison Square Garden, minha mente vagava,
imaginando quem seria esse tal amigo misterioso. Algo me dizia que a
resposta seria interessante. Elisa parou de repente e se virou para mim.
— Me espera aqui, tá? Volto em dez minutos.
— Dez minutos? — perguntei, incrédula.
— Eu prometo! — disse ela antes de se afastar, desaparecendo no
meio da multidão.
Me vi sozinha, cercada por estranhos, e resolvi me encostar na
parede para esperar. Minhas mãos se mexiam inquietas, enquanto meus
olhos vagavam pelo lugar. Foi quando avistei Marcus novamente, em meio
à pequena multidão que se formava ao redor dele. Ele posava para fotos,
sorrindo para os desconhecidos com uma facilidade que só os
extremamente carismáticos parecem ter. Seus movimentos eram
descontraídos, mas havia algo de calculado em cada gesto. Mesmo cercado,
ele ainda controlava a situação.
Então, notei a aproximação de dois seguranças enormes, que se
postaram ao lado dele, criando uma barreira sutil entre Marcus e as pessoas.
Era quase imperceptível, mas evitava que a multidão o esmagasse. Em
poucos minutos, ele começou a se afastar do grupo, cumprimentando as
pessoas no caminho com acenos e sorrisos.
Elisa voltou alguns minutos depois, parecendo satisfeita, mas eu
não perguntei nada sobre o tal amigo. Se fosse algo que ela quisesse
compartilhar, acabaria contando eventualmente. De qualquer forma, minha
cabeça estava cheia demais para mais mistérios naquela noite.
Saímos do Madison Square Garden e nos juntamos à multidão que
também esperava por táxis na calçada. O trânsito estava um caos, e
conseguir um carro parecia quase impossível. O clima estava agitado com
todos saindo ao mesmo tempo, e eu já começava a me perguntar quanto
tempo ainda ficaríamos ali esperando. De repente, um Rolls Royce SUV
preto, brilhante, parou bem na nossa frente. O vidro do carona se abaixou
lentamente, e antes mesmo de eu ter tempo de processar o que estava
acontecendo, o rosto de Marcus surgiu na janela.
Eu o encarei, surpresa, depois olhei para Elisa, sem saber o que
pensar. Ela, sem hesitar, se abaixou até a janela, como se aquilo fosse a
coisa mais natural do mundo.
— Entrem, eu levo vocês — disse Marcus, casualmente, como se
não estivesse me causando nenhum desconforto. Ele sequer pareceu se
incomodar com o fato de que eu ainda estava atordoada com os
acontecimentos da noite. Elisa olhou para mim esperando minha resposta,
mas eu já estava balançando a cabeça em negação, antes mesmo de ela abrir
a boca.
— Alice, por favor. — Ela se aproximou e sussurrou no meu
ouvido. — Ou a gente fica aqui mais meia hora, fácil, e congelando, ou
vamos para casa agora. Qual é a opção mais sensata?
Eu suspirei, derrotada. Elisa tinha razão. Conseguir um táxi ali seria
quase impossível, e meu corpo já começava a sentir o cansaço do dia. Não
que eu quisesse admitir isso.
— Tá bom, tá bom. — Concordei, quase me arrependendo de ter
dito isso.
Elisa sorriu, satisfeita, e nos dirigimos até o carro. Eu estava prestes
a abrir a porta do banco de trás para me enfiar com ela lá, quando Elisa, deu
um pulo e se jogou na minha frente.
— Ah, não, senhora. — Ela disse, empurrando-me gentilmente de
volta. — Eu vou atrás. Você vai na frente com o seu "querido amigo".
Ela disse enfatizando aspas no final da frase.
— Querido amigo? — retruquei, olhando para ela, incrédula. —
Você só pode estar de brincadeira, Elisa.
Ela piscou para mim e entrou no banco traseiro com um sorriso
travesso no rosto, deixando-me sem opção. Dei dois passos e abria porta do
carona, Marcus, do lado de dentro, observava tudo com uma expressão
divertida, obviamente gostando da cena.
Eu revirei os olhos, incapaz de acreditar no que estava acontecendo,
e me arrastei para dentro. Quando me sentei, o couro do carro frio me fez
sentir ainda mais desconfortável.
— Muito bem, motorista — eu disse, soltando o ar e olhando
diretamente para Marcus. — Vamos, antes que eu me arrependa disso.
Ele riu, ligando o carro com um movimento ágil.
— Está confortável, Alice? Ou prefere voltar para a calçada?
— Vamos logo com isso — retruquei, ajeitando o cinto e ignorando
o sorriso provocador dele.
Do banco de trás, Elisa estava quieta por alguns segundos, mas logo
começou a soltar risadinhas.
— Vocês dois são hilários. Um ótimo clichê romântico — disse ela,
tentando conter o riso, mas falhando miseravelmente.
— Elisa, sério? — virei-me para ela, arqueando uma sobrancelha.
— Estou só dizendo o que todo mundo que viu vocês no telão
devem ter pensado. — Ela deu de ombros. — O que eu posso fazer se a
química é nítida?
— A única coisa nítida aqui é...
Eu pensei em responder, mas decidi que era melhor ficar calada e
me ajeitei olhando para a frente. Com o carro deslizando pelas ruas de Nova
York, eu respirei fundo, torcendo para que a viagem fosse curta... e sem
mais provocações.
Pelo visto Elisa seria a primeira a ser deixada em casa, pois morava
em Manhattan, ali perto. Então logo o carro parou suavemente em frente ao
prédio de dela. Ela se virou para mim, seu sorriso ainda iluminado pela
diversão da noite.
— Bom, foi ótimo estar com vocês, Alice... — Elisa disse, abrindo
a porta do carro e dando um último aceno. — Aproveite o resto da noite!
Nos vemos amanhã.
Ela provocou dando uma piscadinha e saiu do carro, meu rosto
queimou ainda mais de vergonha, visualizei ela entrar no elegante prédio
que ela morava, desaparecendo do meu campo de visão. Agora eu estava
sentindo uma pitada de nervosismo ao perceber que estava sozinha com
Marcus.
Marcus deu a partida, e o silêncio começou a pesar. Marcus, com a
mão firme no volante e um olhar relaxado, foi o primeiro a quebrar o
silêncio.
— Então, Alice — Marcus começou, dirigindo com maestria pelas
ruas de Manhattan —, parece que você não é muito fã de esportes.
Eu o olhei de lado, tentando não demonstrar surpresa pela forma
como ele puxava conversa. Engoli em seco.
— Não muito... — respondi, desejando que o silêncio voltasse.
— Deu pra perceber, mal entendia as jogadas.
— É...
— Que foi? É só de livros que gosta? — A insistência dele era
clara, e parecia que ele estava ignorando completamente o fato de que eu
não queria conversar.
— Gosto de música também... — falei, tentando desviar o foco.
— Hum... que gênero?
— Tá, Marcus, aonde você quer chegar? — Me virei para encará-lo.
Ele parou em um sinal vermelho e virou o rosto para me olhar. — Sabe, nós
dois sabemos que não temos uma boa química para amizade, então se está
insistindo em algo, por favor, pare.
O olhar dele se fixou no meu com uma intensidade que fez meu
coração acelerar. Marcus finalmente deu uma risada baixa, um som que
parecia mais um rosnado.
— Sempre tão direta. — A voz dele era carregada de um tom
desafiador. — Eu estava apenas tentando manter uma conversa. Mas se
você prefere continuar com esse muro de gelo, quem sou eu para insistir?
Eu respirei fundo, tentando controlar a raiva crescente.
— Não é um muro de gelo, Marcus. — Falei com firmeza. — É
apenas uma tentativa de evitar algo que já sabemos que não vai funcionar.
Ele voltou a olhar para a estrada.
— Sempre tão certinha. — Marcus disse, com um sorriso que não
alcançou os olhos. — Mas você deve admitir, Elisa estava certa.
Eu franzi a testa, tentando processar o que ele havia dito. Elisa
apenas queria provocar mencionando aquilo “Clichê romântico”.
— Olha, Marcus, não há necessidade, vamos manter as coisas
simples.
Eu disse, forçando um tom de desdém. O carro continuou
deslizando pelas ruas de Manhattan, e eu mantive meu olhar fixo na cidade
que passava pela janela, tentando ignorar a presença dele ao meu lado.
Finalmente, Marcus virou o carro para a rua onde eu morava e
estacionou em frente à minha casa.
— Aqui estamos. — Marcus disse — Sua casa, como prometido.
Ele me olhou, esperando que eu saísse do carro. Eu respirei fundo e,
sem olhar para ele, abri a porta e saí.
— Até mais, Marcus. — Eu disse com um tom frio, sem me virar
para ele.
Ele deu um último olhar para mim, antes eu fechar a porta e ele
seguir com o carro. Eu assisti o carro se afastar, sentindo um turbilhão de
emoções, e uma raiva contida que parecia ainda pairar no ar.
Com a sensação de que a noite havia sido cheia de acontecimentos
surpresas, entrei em casa, tentando não pensar demais no que havia
acontecido. Eu sabia que, apesar de tudo, eu e Marcus era impossível de
sermos amigos, uma amizade entre nós estava fora de cogitação. Apenas em
ouvir a voz dele, eu me contorcia de ódio, era impossível isso. E pelo visto
ele entendeu o que eu quis dizer. Obvio que entendeu... eu acho.
Sentada na cadeira, com o notebook aberto à minha frente mesa da
cozinha, eu navegava freneticamente por várias docerias da cidade. A
lembrança da presença indesejada de Marcus no jogo de basquete com Elisa
ontem, ainda pairava sobre mim, uma sombra desagradável que eu gostaria
de esquecer.
Tentava focar na busca por algumas opções de docerias na cidade,
mas a maioria delas ficava longe da empresa, o que poderia causar atrasos
na entrega. A última coisa que eu queria era que os doces não chegassem a
tempo para a festa. Foi então que me lembrei de uma padaria que era uma
franquia famosa de Nova Jersey, que já tinha até um programa de TV. Seus
doces eram renomados e sempre deliciosos. A ideia de trabalhar com uma
empresa tão prestigiada me pareceu perfeita. Decidida, peguei o telefone e
liguei para lá. Expliquei à atendente que se tratava de um evento
empresarial, e ela, prontamente entendida do assunto, me ajudou de forma
eficiente e atenciosa. Depois de uma rápida conversa, agendamos um dia
para a degustação e escolha do cardápio. Senti um grande alívio ao resolver
essa parte importante da festa. Agora eu poderia focar em outras tarefas.
Voltei ao notebook e abri meu e-mail. Lá estava a lista de
convidados e o mapa das mesas, conforme a decoração planejada por
Megan. Comecei a revisar os nomes, tentando visualizar como acomodar
cada pessoa da melhor maneira possível. A tarefa era desafiadora, mas
também interessante. Colocar as pessoas certas juntas poderia fazer toda a
diferença na atmosfera do evento. Enquanto lia a lista de convidados
rapidamente, fiquei boquiaberta com alguns dos nomes que vi. Celebridades
que eu conhecia estavam naquela lista.
Foi então que li o nome de Marcus, meu sorriso se desfez
instantaneamente. Decidida a dar-lhe uma pequena dose de seu próprio
veneno, comecei a pensar no pior lugar possível para colocá-lo. E então me
ocorreu: perto da saída da cozinha, onde o barulho das panelas e o cheiro
forte de comida poderiam tornar a experiência dele bem desagradável. Com
um sorriso malicioso, coloquei o nome de Marcus naquela mesa estratégica.
Satisfeita com minha pequena vingança, voltei a organizar os outros
convidados com um pouco mais de cuidado. Ao menos essa pequena vitória
tornaria a tarefa mais divertida.
Estava concentrada na tarefa de organizar as mesas quando meu
celular vibrou ao meu lado. Peguei o aparelho e vi uma mensagem de
Simon:
"Oi, Alice! Vamos ao bar de rock hoje às sete?"
Meu coração deu um salto. Eu tinha esquecido completamente de
confirmar com ele. Olhei para o relógio: eram quatro horas da tarde, então
ainda tinha algum tempo. Torcendo para que estivesse com um tempo feio e
eu pudesse usar isso como desculpa, fui até a janela. Mas, para meu
desespero, o sol brilhava intensamente lá fora, sem uma nuvem no céu.
Suspirei e digitei uma resposta rápida:
"Sim, eu adoraria."
Mal havia enviado a mensagem quando ele respondeu:
"Ótimo! Passo para te buscar em casa. Qual seu endereço?"
Ok, não tinha mais escapatória: eu iria ao show com um amigo.
Sim, Simon era um gato do tipo que você bate o olho e pensa “Uau". Nos
primeiros encontros, até considerei a ideia de algo mais, afinal, ele parecia o
pacote completo: inteligente, educado e, claro, com aquele sorriso que te
faz repensar se está respirando corretamente. Mas a verdade é que, depois
de um tempo, percebi que não havia química. Por mais que ele fosse
atraente, algo entre nós simplesmente não encaixava. Aquelas faíscas que
você espera sentir... nada. Era como tentar acender um fósforo molhado.
Então, esse show era apenas um encontro de amigos, nada além disso.
Duas horas depois eu estava em frente ao espelho do meu quarto,
ajustando o cabelo que estava preso em um rabo de cavalo. Decidi que o
estilo mais descontraído era a melhor opção, então dei um toque final com
um pouco de spray de cabelo para garantir que tudo ficasse no lugar, mas
ainda com um ar levemente bagunçado, com algumas mechas soltas caindo
nas laterais do rosto. Enquanto me preparava, dei uma olhada ao redor do
meu quarto. Ainda faltavam muitos detalhes, mas o que eu já havia ajeitado
me deixava contente. O colchão agora virou uma cama, e arranjei duas
mesas de cabeceira. Eu não estava com pressa de ajeitar toda a casa, sei que
com o tempo, ela vai ficar do jeito que eu imaginei, e a biblioteca vai estar
no segundo andar da forma que tanto sonhei.
Caminhei até a cama e peguei meu estojo de maquiagem, assoprei a
paleta de sombra para afastar o pó de tanto tempo parada. Passei
maquiagem com cuidado, destacando meus olhos com um delineado preto e
uma sombra escura que realçava o meu olhar. Finalizei com um batom
vinho que combinava perfeitamente com o look que escolhi. Vesti uma
blusa preta de veludo com mangas longas, que combinava com uma saia de
couro preta, justa, que terminava um pouco acima dos joelhos. A meia-
calça arrastão acrescentava um toque ousado, enquanto as botas coturno
pretas de couro, confortáveis e sem muito salto, completavam o visual para
finalizar, acrescentei alguns acessórios: um colar prateado com um pingente
da estrela de Davi, brincos prateados e um anel com uma pedra escura. Meu
visual tinha um toque gótico, mas de uma forma convincente. Olhei no
espelho uma última vez, satisfeita com o resultado.
Quando ouvi a campainha tocar, levei um pequeno susto. Simon já
devia ter chegado. Desci as escadas apressada, tentando controlar a
expectativa que começava a crescer dentro de mim. Eu estava indo a um bar
de rock, ver um show de rock — isso devia ser a definição de uma noite
perfeita, certo? Claro, tirando a possibilidade de passar a noite com meus
livros, que sempre eram uma opção tentadora.
Ao abrir a porta de entrada, fui recebida por uma brisa fresca da
noite. O que realmente capturou minha atenção foi Simon, parado na
entrada. Ele usava uma jaqueta de couro preta que se ajustava perfeitamente
ao seu corpo, e uma camisa branca por baixo. Seus jeans escuros e bem
cortados completavam o visual de maneira impecável. A luz da rua
destacava seus traços faciais marcantes e o fazia parecer ainda mais atraente
do que eu lembrava. Seu sorriso se alargou ao me ver, e ele se aproximou,
com um olhar de aprovação.
— Você está incrível! — Simon disse, os olhos brilhando com
sincera admiração. Senti minhas bochechas corarem com o elogio.
— Obrigada, Simon.
Eu me virei para fechar a porta e logo desci as escadas com ele, que
deu uma rápida olhada para mim e então abriu a porta do carro.
— Entre — ele disse. Enquanto me ajeitava no banco do carona, um
frio na barriga me acompanhava. Eu estava nervosa e ansiosa ao mesmo
tempo. Era dia de Rock bebe.
O caminho foi breve, o bar ficava a quatro quadras da minha casa e
quando Simon e eu chegamos ao bar de rock, a visão do lugar me deixou
fascinada. O bar estava situado em uma rua movimentada, e o enorme
letreiro luminoso com o nome Black Metal em néon azul, no formato de
uma guitarra, piscava. A fila para entrar era longa, serpenteando pela
calçada e se estendendo até onde eu conseguia ver. Pessoas empolgadas,
vestidas com roupas de rock, esperavam ansiosamente para entrar. Eu
estava pensando que talvez chegássemos tarde demais — desde quando
essa fila estava ali?
— A quanto tempo essa gente toda está esperando? — Perguntei
curiosa olhando pelo vidro da janela.
— Algumas horas, tenho certeza. Esse bar é novo, e essa banda toca
muito bem.
Simon teve dificuldade para encontrar uma vaga na rua, mas
conseguiu estacionar o carro. Enquanto nos dirigíamos para o bar, eu podia
ouvir o som da música vazando pela entrada, ainda não era o show, mas o
volume era muito alto sendo capaz de ser confundido com um.
Ao invés de irmos para o final da fila, Simon parou, puxou um
cartão de dentro da jaqueta de couro e o mostrou ao segurança na porta. O
segurança olhou para o cartão, depois para nós, e acenou com a cabeça.
Sem hesitar, ele nos deixou passar na frente da longa fila de pessoas que
começaram a murmurar e reclamar. Eu podia sentir os olhares curiosos e
um pouco irritados dos que estavam esperando, mas Simon parecia
completamente à vontade, como se isso fosse o mais normal do mundo. Ao
entrar no bar, fui imediatamente envolvida por uma atmosfera intensa e
vibrante. O interior era uma mistura de sofisticado e rústico, com paredes
de tijolo exposto e iluminação suave que se misturava com o brilho das
luzes do palco.
O bar em si era grande e impressionante, com uma bancada de
madeira escura iluminada por luzes de fundo vermelhas e azuis, e uma
coleção de garrafas de bebidas alinhadas de maneira ordenada. O palco
estava em um nível ligeiramente elevado no fundo do bar, com
amplificadores e instrumentos dispostos com cuidado. O lugar estava cheio
de pessoas que conversavam, riam e se preparavam para o show. Havia
mesas e cadeiras dispostas de maneira informal, criando um ambiente
descontraído, mas cheio de energia. Os detalhes do bar, como as paredes
cobertas com pôsteres de bandas de rock icônicas e fotos em preto e branco
de shows lendários, davam um toque de nostalgia e autenticidade ao local.
O ar estava cheio de uma mistura de aromas, uma combinação de comida
típica de bar e o cheiro característico de um local onde a música ao vivo é o
destaque principal.
O momento de alívio evaporou no instante em que meus olhos se
cruzaram com a figura familiar de Marcus, casualmente escorado no bar,
envolvido em uma conversa com algumas pessoas. Tentei me manter calma,
mas a irritação rapidamente tomou conta de mim. Só o fato de respirar o
mesmo ar que ele já era perturbador o suficiente. Marcus estava tão imerso
na conversa que nem sequer notou minha presença, o que, honestamente,
era uma pequena bênção. Mas o simples fato de encontrá-lo ali, no mesmo
lugar que eu, parecia um teste de paciência cósmico. Sério, ele de novo?
Ontem não foi o suficiente? Agora, eu tinha que esbarrar com ele aqui
também? Quem diria que Marcus, o senhor "arrogante", gostava de rock...
além de basquete e números.
Parte de mim queria simplesmente sair dali para evitar qualquer
interação desnecessária, mas, ao mesmo tempo, aquele era o meu ambiente.
A atmosfera do bar era vibrante, cheia de energia intensa, e eu me sentia
uma mistura de animação e desconforto. Eu amava bares de rock. As luzes
baixas, a música pesada era quase como voltar para casa. Aos poucos, o
desconforto de encontrar Marcus começou a se dissolver, e a familiaridade
daquele cenário tomou conta de mim. Eu me sentia viva ali, com a música
alta pulsando nas veias e a expectativa de uma noite divertida pela frente.
Mesmo com ele por perto, esse lugar era meu. E eu não ia deixar ninguém,
nem Marcus, estragar isso.
Caminhamos até uma mesa vazia no canto do bar, estrategicamente
posicionada, mas ainda com uma boa vista do palco. Nos acomodamos, um
em cada cadeira. O ambiente estava ficando cada vez mais cheio, com
pessoas se apertando nas mesas, rindo alto e esbarrando umas nas outras
enquanto esperavam animadamente pelo show. O bar estava com aquela
energia caótica e envolvente que só um bom show de rock podia
proporcionar:
— O que vai querer beber, Alice? — Simon perguntou, se
inclinando próximo ao meu ouvido para vencer o barulho crescente. A
música estava alta o suficiente para tornar qualquer conversa um desafio.
Hesitei por um instante, avaliando as opções, embora o primeiro
pensamento que me passou pela cabeça tenha sido beber algo forte pra me
fazer esquecer quem está aqui.
— Se eles tiverem Negroni, eu vou querer. Se não, pode ser um
whisky
Respondi, sabendo que um bom Negroni em um bar de rock não era
garantido, mas valia a tentativa. Simon sorriu de forma compreensiva e se
levantou, indo até o bar para buscar as bebidas.
Enquanto ele se afastava, eu deixei meus olhos vagarem novamente
pelo local, absorvendo a energia vibrante. Afinal, esse era meu tipo de
lugar, meu refúgio. Eu adorava o ambiente de bares de rock, com sua
mistura de caos e familiaridade. Mas ao percorrer os olhos pelo local eles se
encontraram com os de Marcus, e por um instante, o bar ao nosso redor
pareceu desaparecer. Marcus não exibia sua habitual expressão de desprezo,
nem aquele sorriso irônico que tanto me irritava. Em vez disso, seu olhar
era profundo. Ele me encarou com uma intensidade que fez meu coração
acelerar. A tensão entre nós era quase sufocante Ele me olhava com uma
seriedade que quase me fez esquecer de respirar. Marcus desviou o olhar
por um momento, observando Simon que se escorava no bar, concentrado
em pedir as bebidas. O semblante de Marcus se fechou ainda mais, como se
a presença de Simon o incomodasse. Mas em seguida, ele voltou a me
encarar, e dessa vez, havia uma chama sutil, algo que mexeu profundamente
comigo, o que era esquisito. Ele desviou o olhar fixando-o no chão,
aparentemente perdido em seus próprios pensamentos. Alguém ao seu lado
chamou sua atenção, quebrando a conexão que por um breve momento nos
prendeu de forma tão intensa.
Simon voltou com os drinks em mãos, e quando ele me entregou o
Negroni, forcei um sorriso de agradecimento. O copo estava gelado, o
líquido vermelho-brilhante parecia promissor, mas minha mente ainda
estava presa àquele momento perturbador com Marcus. Decidi ignorar o
que acabara de acontecer—não queria deixar que isso estragasse a noite.
Tomei um gole da bebida, saboreando o sabor complexo e refrescante. O
Negroni estava perfeito, o equilíbrio entre o gin, o vermute e o Campari
estavam no ponto certo, e isso me ajudou a relaxar um pouco, dissipando a
tensão que havia se acumulado em meus ombros.
— Espero que esteja bom. — disse Simon, sentando-se à minha
frente com o próprio drink, me observando com um olhar de expectativa.
Assenti, sorrindo satisfeita.
Simon não merecia minha distração, não naquela noite. Continuei a
apreciar a bebida, focando-me no local, que começava a se transformar em
um mar de energia e expectativa. As luzes, a música, a vibração do lugar—
tudo parecia conspirar para uma noite emocionante. Eu precisava me
concentrar nisso, mas, por mais que eu tentasse, a presença de Marcus ainda
pairava no fundo da minha mente, como uma sombra persistente.
Os músicos da banda começaram a se ajeitar no palco, e a cada
movimento deles, a energia da multidão crescia. As luzes começaram a
piscar em tons variados, projetando um brilho suave e colorido que
iluminava os rostos entusiasmados do público. O bar estava em ebulição; o
som de copos e garrafas se misturava ao murmúrio crescente da plateia,
criando uma sinfonia de expectativa. Eu não conseguia desviar os olhos do
palco. A atmosfera estava carregada de emoção, e meu coração batia no
ritmo da antecipação.
Finalmente, a banda começou a tocar. As primeiras notas se
espalharam pelo Black Metal como uma onda de energia pura. A música era
intensa e envolvente, preenchendo cada canto do ambiente. O público se
entregava ao som, movendo-se ao ritmo e acompanhando cada canção com
entusiasmo. A vibração da noite estava em seu auge, e eu me deixei levar
completamente, sentindo a música e a energia pulsarem através de mim.
O tempo passou quase imperceptivelmente enquanto eu me
afundava na experiência. A banda tocava com uma energia contagiante, e
eu estava completamente imersa no ambiente vibrante do bar. O som, a
música, e a vibração do local me envolviam de maneira quase hipnótica.
Comecei a fazer novos amigos rapidamente, conversando e rindo com
estranhos que agora pareciam velhos conhecidos. O álcool começava a
fazer efeito, trazendo um leve formigamento nos dedos e uma sensação
confortável de euforia. O Negroni que Simon havia me trazido foi
rapidamente seguido por outro drink, e mais outro, e a combinação do
álcool com a energia do show me fazia sentir leve e solta. A cada solo de
guitarra e batida de bateria, eu sentia a vibração percorrer meu corpo,
movendo-me com a multidão, deixando o ritmo da música guiar meus
passos e gestos. A sensação de liberdade e alegria era intensa, e eu me
permitia mergulhar completamente na experiência. O ambiente ao meu
redor era uma mistura de risos, conversas animadas e o som pulsante da
música ao vivo. A energia do bar estava no seu auge, e eu estava bem no
meio dela, desfrutando de cada momento.
Por um instante, entre uma música e outra, meus olhos procuraram
Marcus. Talvez fosse o efeito do álcool ou apenas curiosidade, mas quando
olhei na direção em que ele estava, percebi que ele havia sumido. Meu
coração deu um leve salto de alívio, e uma parte de mim torcia para que ele
tivesse ido embora. Eu não queria que a presença dele estragasse minha
noite. Decidi ignorar o que tinha acontecido antes e focar em aproveitar o
momento. Estava ali para curtir a noite, não para me deixar abalar por um
olhar. Eu estava completamente perdida na energia da música quando
Simon se aproximou, com uma expressão preocupada.
— Alice, um amigo está passando mal e precisa ir para casa. Vou
levá-lo. Volto logo. Fica aqui e se cuida — disse ele.
Meio desorientada, olhei para ele e apenas assenti, ainda tentando
processar o que ele havia dito. Simon me deu um beijo suave na bochecha,
o que me deixou surpresa. Antes que eu pudesse responder, ele já estava se
afastando rapidamente, deixando-me sozinha na pista de dança. Tentei
afastar a sensação desconfortável e decidi que iria aproveitar a noite da
melhor maneira possível.
Alguns momentos depois, a música parou abruptamente, e uma
onda de caos irrompeu no meio da pista. Eu olhei apavorada enquanto a
confusão se desenrolava diante de mim. Socos eram trocados, empurrões
eram dados, e o bar rapidamente se transformou em um campo de batalha
caótico. Eu fui empurrada com força e caí no chão, minha visão girando
enquanto tentava me erguer. Toquei o chão com as mãos, apenas para sentir
a dor agoniante quando alguém pisou brutalmente em meus dedos. Meu
coração disparou com a dor e o pânico.
Então, uma mão firme agarrou meu braço. Levantei os olhos
rapidamente, e eles se cruzaram com os de Marcus. Seu semblante estava
sério. Ele me ajudou a me levantar e segurou minha cintura.
— Vou te tirar daqui — disse ele perto de meu ouvido.
Eu estava tonta, os efeitos do álcool e da confusão ao meu redor me
deixavam sem saber ao certo o que fazer. Apenas assenti. Suas mãos firmes
me segurando e começou a me guiar para fora do bar, abrindo caminho
através da multidão com facilidade. Marcus manteve-se firme ao meu lado,
garantindo que eu não tropeçasse ou fosse puxada de volta. Quando
finalmente chegamos do lado de fora, o ar fresco da noite bateu em meu
rosto. Apesar de tudo, eu não conseguia deixar de sentir um alívio profundo
por ele estar ali, ao meu lado.
Que ironia...
O ar fresco da noite era uma espécie de alívio, mas meu coração
ainda batia acelerado, e a tontura não ajudava a clarear meus pensamentos.
Marcus estava ao meu lado, segurando meu ombro, garantindo que eu não
perdesse o equilíbrio.
— Você está bem? — ele perguntou, a voz séria, mas com um tom
de preocupação que me pegou de surpresa.
Eu assenti, tentando parecer mais confiante do que realmente
estava.
— Sim, acho que sim... só um pouco tonta.
Ele me olhou por um momento, claramente surpreso com tudo o
que havia acontecido.
— Aquilo foi... — ele começou, mas fez uma pausa, ainda tentando
processar a confusão toda. — Aquilo foi uma loucura. Não esperava que as
coisas saíssem do controle. Que prejuízo o dono do bar vai ter, espero que
ele tenha um fundo para emergências.
Eu não estava muito bem para rir, eu não conseguia assimilar
muitas coisas. Houve um breve silêncio entre nós, e eu me perguntei se ele
iria simplesmente me deixar ali e ir embora. Mas ele não se mexeu. Eu
podia sentir seus olhos em mim, e quando finalmente criei coragem para
olhá-lo, nossos olhares se encontraram mais uma vez. Aquele mesmo olhar
sério, profundo.
— Obrigada por ter me tirado de lá — murmurei, finalmente
quebrando o silêncio que havia se instalado entre nós.
Ele acenou com a cabeça sem falar nada. Mas franziu o cenho logo
em seguida.
— Você veio com o Simon? Onde ele está? — Marcus perguntou.
Tentei focar minha mente, mas tudo estava girando. Eu sabia que
Simon tinha se afastado, mas onde ele estava agora? Eu não conseguia
lembrar.
— Eu... não sei... — balbuciei, tentando me equilibrar. A tontura
me fez dar um passo em falso, e instintivamente me segurei em Marcus. —
Ele foi... acho que foi levar um amigo... não tenho certeza...
Marcus me olhou confuso. Quando tentei me afastar para escorar na
parede próxima, as pernas não cooperaram, e ele rapidamente me segurou
com mais firmeza.
— Fica parada, Alice. — Ele falou, seu tom autoritário, mas havia
uma nota de preocupação que eu não pude ignorar. — Eu vou te levar para
casa. Meu Bugatti está estacionado aqui em frente — Marcus disse,
tentando me manter em pé, sua preocupação evidente em cada gesto.
Quando chegamos ao carro, avistei o veículo esportivo, estacionado sob um
poste de luz
— Onde estão as portas? — perguntei confusa.
Marcus suspirou, e riu pelo nariz.
— Você está realmente muito bêbada.
Ele apertou um botão na chave em suas mãos, e as portas do carro
se abriram suavemente, movendo-se em um movimento fluido e elegante
que parecia quase futurista. Ele me ajudou a entrar no carro, ajustando-me
no assento de couro enquanto eu tentava entender como aquele carro
funcionava. O brilho interno e a modernidade do veículo só contribuíam
para minha sensação de desorientação. Marcus deu a volta e entrou no lado
do motorista. Ao ligar o motor, um ronco poderoso preencheu o interior do
carro, e as portas se fecharam automaticamente com um suave estalo. A
noite parecia uma mistura caótica de luzes e sensações, e tudo o que eu
conseguia fazer era me concentrar em não vomitar enquanto ele me levava
para casa. Eu me recostei no assento, tentando ignorar a sensação nauseante
causada pelo cheiro do carro novo. Marcus abriu um pouco o vidro,
deixando entrar uma brisa fresca que ajudava a aliviar a sensação de mal-
estar.
— Tome essa água, vai ajudar nas náuseas e a diminuir o efeito do
álcool.
Ele me disse, passando a garrafa com um olhar que parecia mais
preocupado do que antes. Quando peguei a garrafa, percebi que Marcus
estava observando as costas da minha mão. Senti um frio na espinha ao ver
seu olhar se intensificar. Havia um hematoma começando a se formar,
resultado da confusão na pista de dança.
— Você se machucou na confusão? — Ele perguntou. Eu assenti
lentamente, bebendo um gole da água enquanto tentava me recompor. Ele
olhou para frente, encarando a estrada e apertou forte o volante.
Depois de alguns segundos em silêncio, ele o quebrou.
— Você tem um kit de primeiros socorros em casa?
— Acabei de me mudar, nem pensei nisso. — Respondi, um pouco
envergonhada pela falta de preparo.
Ele não disse nada, apenas manteve os olhos fixos na estrada, o
maxilar tenso. O silêncio entre nós ficou pesado enquanto o carro
continuava a avançar pelas ruas. Percebi que Marcus havia desviado da rua
que levava para a minha casa, o que me deixou um pouco inquieta. Antes
que eu pudesse perguntar, ele virou a esquina e parou em frente a uma
farmácia.
— Nem pense em sair do carro. — Ele disse, a voz firme, enquanto
desligava o motor e saía rapidamente. Fiquei ali, observando-o se afastar e
entrar na farmácia.
Marcus voltou, alguns minutos depois e eu o observei enquanto ele
atravessava a rua, carregando o pacote com as compras da farmácia.
Quando ele entrou no carro, sem dizer uma palavra, colocou o pacote no
meu colo. Eu olhei para ele, meio atordoada, enquanto ele dava partida no
carro, dirigindo em direção à minha casa. O silêncio novamente se instalou
entre nós.
Quando finalmente chegamos em frente à minha casa, senti uma
onda de alívio. Eu me inclinei para abrir a porta, mas minha mão vacilou.
Eu procurava pela maçaneta, mas parecia que ela tinha desaparecido. Uma
sensação de frustração começou a se formar enquanto eu passava a mão
pela superfície da porta, sem sucesso. Antes que eu pudesse me desesperar,
notei que Marcus já estava saindo do carro. Senti uma mistura de vergonha
e gratidão quando, ligeiramente, a porta do carro se abriu. Olhei para cima,
ele estendeu a mão para me ajudar a sair.
— Obrigada — murmurei, tentando me erguer do assento. Ele
segurou meu braço com firmeza, ajudando-me a sair do carro com cuidado.
Eu me apoiei nele por um segundo, tentando estabilizar meus passos.
— Vamos — disse ele.
Caminhamos em direção à porta, e tudo o que eu conseguia pensar
era no alívio de finalmente estar em casa. Ao entrarmos, Marcus fechou a
porta atrás de nós com um clique suave.
— Onde fica seu quarto? — Ele perguntou, a voz baixa.
— No terceiro andar — murmurei, quase sem fôlego.
Sem mais palavras, ele me ajudou a subir as escadas, praticamente
me carregando até o meu quarto. Quando chegamos, ele empurrou a porta
devagar e me guiou até a cama, onde me ajudou a sentar. Eu me afundei nos
lençóis macios, sentindo o corpo pesar de exaustão.
Ele colocou o pacote da farmácia na mesa de cabeceira e se
aproximou se sentando ao meu lado.
— Deixe-me cuidar da sua mão — disse, com um tom firme, já
tirando o antisséptico da sacola.
Eu o observei, com os olhos pesados, enquanto ele pegava o
algodão e começava a limpar o machucado. A dor, misturada com o leve
efeito do álcool, parecia mais distante do que deveria. Ele fazia tudo de
maneira tão precisa, quase como se cuidar de ferimentos fosse algo comum
para ele. O silêncio entre nós era tão denso quanto o ar no quarto.
— Você... — comecei a falar, minha voz um pouco mais arrastada
que o normal. — Você sabia que girafas não podem tossir?
Marcus parou o que estava fazendo e me olhou, claramente
confuso. Seus olhos analisaram o meu rosto, tentando entender se eu estava
falando sério ou só completamente fora de mim. Um sorriso involuntário
apareceu no canto da minha boca. Eu não fazia ideia de onde tinha tirado
essa ideia, mas, naquele momento, parecia incrivelmente relevante.
— O quê? — ele perguntou, arqueando uma sobrancelha,
claramente tentando não rir.
— É sério — insisti, acenando com a mão boa de forma desajeitada.
— Tipo... como seria uma girafa tossindo? Já pensou nisso?
Marcus soltou um suspiro, balançando a cabeça, mas um pequeno
sorriso escapou de seus lábios, algo raro de se ver. Ele continuou limpando
minha mão, enquanto minha mente divagava sobre o dilema das girafas e
tosses.
— Você se lembra de como machucou a mão?
Ele perguntou sem me olhar diretamente. Eu hesitei, puxando na
memória o que havia acontecido naquela noite.
— Acho que foi quando caí... — murmurei, ainda tentando entender
os detalhes.
Marcus apertou o maxilar, mas continuou em silêncio enquanto
limpava o ferimento com uma paciência surpreendente. Depois de terminar
de aplicar a pomada, ele ergueu o olhar.
— Pronto. — Ele disse.
— Obrigada... — sussurrei, sentindo a necessidade de agradecer,
mas, em seguida, acrescentei — eu poderia ter feito isso sozinha.
Marcus franziu o cenho, mas logo começou a exibir um sorriso.
— Alice, você estava falando sobre girafas... não iria conseguir.
Sem pensar muito, estendi a mão e segurei a dele.
— Sabe, Marcus... girafas talvez não precisem tossir, mas você
devia sorrir mais. — Murmurei, minha voz embargada pelo sono. — É
menos... assustador.
Ele olhou para mim com um sorriso de canto de boca, e havia algo
nos olhos dele que parecia mais suave.
— Ok, Alice... acho que você precisa dormir — disse ele, e eu
podia jurar que havia um leve toque de diversão ali.
Antes que eu pudesse me acomodar completamente na cama, ele se
abaixou e começou a tirar minhas botas. Fiquei surpresa com o gesto, e
ainda mais quando ele puxou o cobertor e o ajeitou sobre mim com uma
delicadeza que não combinava com a postura fria que geralmente exibia.
Senti o calor da mão dele na minha por um último segundo antes de
cair num sono profundo, ainda segurando sua mão como se fosse a coisa
mais natural do mundo.
Acordei com uma dor de cabeça latejante. O sol de domingo
entrava forte pela janela do quarto — eu havia esquecido de fechar as
cortinas, e a luz parecia me castigar ainda mais. Aos poucos, os flashbacks
da noite anterior começaram a rondar meus pensamentos. Lembrei-me de
Marcus, que me trouxe para casa e cuidou dos ferimentos na minha mão.
Olhei para ela e vi que ainda estava vermelha por causa dos hematomas.
Suspirei e me destapei, sentindo o peso das cobertas caindo ao lado. Foi
então que percebi que ainda estava vestida com as roupas da noite anterior,
o tecido desconfortável grudando na minha pele. Frustrada, decidi que
precisava de um banho para clarear a mente e aliviar a tensão no corpo.
Levantei-me lentamente e segui em direção ao banheiro, determinada a me
livrar da sensação pegajosa e da dor de cabeça que parecia pulsar em cada
canto do meu crânio.
Enquanto deixava a água quente cair sobre mim, minha mente
continuava a se preocupar com o que aconteceu na noite passada. Como eu
poderia denominar o que ocorreu? Marcus, me surpreendeu. Eu o vi de uma
perspectiva completamente diferente. Decidi lavar o cabelo, esperando que
isso me ajudasse a relaxar e aliviar o peso que parecia estar sobre meus
ombros. Enquanto massageava o shampoo, uma coceira repentina no olho
me incomodou. Instintivamente, levei a mão ao rosto, esquecendo
completamente que meus dedos estavam cheios de shampoo. A ardência foi
imediata e intensa, tentei enxaguar o olho. Na minha tentativa frenética de
aliviar a dor, perdi o equilíbrio e escorreguei no piso molhado do banheiro.
O impacto com a parede foi doloroso.
— Ai! — gritei, sentindo uma dor aguda na testa.
Instintivamente, levei a mão ao local e percebi que estava
sangrando. Desesperada, saí do box, consciente de que precisava estancar o
sangue o mais rápido possível. Lembrei-me do pacote de itens que Marcus
havia comprado na noite anterior. Rapidamente, envolvi-me na toalha e fui
até a mesa de cabeceira. Peguei a gaze que estava ali e pressionei contra o
ferimento. O alívio veio quando o sangramento diminuiu. Caminhei até o
espelho e, ao retirar a gaze, vi o hematoma feio que se formava. Não pude
deixar de rir, pensando que tudo aquilo aconteceu só porque quis coçar o
olho. Depois de ter enfim estancado o sangue, eu me ajeitei. Coloquei uma
calça de moletom e uma camisa de gola alta. E minhas fiéis pantufas.
Eu estava tomando meu café, enquanto lia o livro novo que eu
havia comprado pela internet, quando de repente, a campainha tocou,
interrompendo o silêncio. Larguei a xicara e caminhei até a porta, espiei
pelo olho mágico e vi Simon do lado de fora. Abri a porta levemente.
Simon parecia apavorado. Seus olhos se arregalaram ao ver minha mão
machucada e o curativo na minha testa. Sem hesitar, ele se aproximou
rapidamente, pegando minha mão com cuidado, examinando os hematomas.
— Alice, Meu Deus! Isso foi da confusão na festa? — Ele
perguntou, a voz carregada de preocupação, enquanto olhava para minha
testa e depois para mim. — Você precisa de algo? Como você chegou em
casa?
— Estou bem, Simon. — Respondi, tentando tranquilizá-lo. —
Marcus me trouxe para casa.
Ao ouvir isso, Simon deu um passo para trás, a expressão dele
mudando para algo entre surpresa e confusão. Ele me olhou como se
estivesse tentando entender.
— Marcus? O Marcus que a gente conhece?
Concordei. Simon deu mais um passo para trás, passando a mão
pela nuca.
— Vocês... vocês têm... alguma coisa? — Ele gaguejou, a tensão
evidente em sua voz.
Ri suavemente, balançando a cabeça.
— Não, Simon. Nada disso. Não lembro de muita coisa, mas ele me
trouxe para casa em segurança.
Simon me olhou de cima a baixo, ainda preocupado.
— Está tudo bem mesmo?
— Está sim. — Eu balancei a cabeça, sorrindo.
— Me desculpa por não ter aparecido ontem a tempo... Fiquei preso
no trânsito e não consegui chegar. — Ele passou a mão pelos cabelos,
visivelmente desconfortável.
— Ah Simon, não precisa pedir desculpas. Em bares de Rock é
normal esse tipo de confusão.
O tranquilizei, pois era verdade. Simon me olhou e sorriu de canto.
— Se... precisar de algo, é só me ligar, tá?
— Obrigada, Simon. Eu agradeço.
— Bom descanso, Alice. Até mais.
Simon se despediu, descendo as escadas. Fiquei parada, observando
enquanto ele caminhava até o carro. Ele foi gentil vindo até aqui ver como
eu estava, apesar de ter sido estranho a reação dele quando contei que
Marcus me trouxe para casa. Fechei a porta e voltei para a cozinha.
Eu li apenas mais dois capítulos do livro quando a campainha tocou
novamente. Franzi a testa e caminhei em direção à porta. E ao abri-la dou
de cara com Elisa, segurando duas latas de tinta nas mãos.
— Jesus! Quem bateu em você? — Elisa arregalou os olhos,
ignorando meu estado de surpresa.
— Ninguém... foi um acidente. — Eu disse, ainda confusa com a
aparição inesperada dela.
— Ah, bom — respondeu Elisa, me observando com um olhar de
desconfiança, mas logo relaxando. — Eu trouxe tinta!
Ela ergueu as latas de tinta, e eu a encarei, completamente confusa.
— Você... trouxe tinta para mim?
— Ué, para a sua casa nova! No dia do jogo, quando acabei indo
parar no endereço da sua avó, ela comentou que você estava ajeitando a sua
nova casa. — Elisa sorriu enquanto entrava e colocava as latas de tinta no
chão. Ainda meio atordoada, olhei para as latas e depois para Elisa.
— Isso é para pintar a casa? — perguntei, tentando processar a
ideia.
— Claro, né? Não achei que ia dar conta de tudo sozinha e elas são
pretas, sua cor favorita! Então... por onde começamos?
Ela parecia animada com a ideia de pintar, e eu me sentia um pouco
perdida, mas também grata por sua ajuda inesperada. A situação estava se
desenrolando de uma maneira que eu não esperava, mas, considerando o
quanto Elisa deveria ter pesquisado sobre mim, eu deveria ter previsto algo
assim. Eu fiquei ali, boquiaberta, sem saber o que dizer. Um "obrigada"
parecia tão pequeno diante do gesto de Elisa. Jamais imaginei que alguém
se importaria comigo a ponto de comprar tinta para me ajudar a pintar a
casa.
— Vai querer pintar o quarto ou a sala? — Ela perguntou.
— O quarto — respondi, ainda meio atordoada com a situação.
Eu a observei enquanto ela se movia pela casa com familiaridade,
ela tirou do casaco dois pincéis e rolos de tinta.
— Vamos lá, Alice! — chamou Elisa, me tirando do meu transe. —
Esse quarto não vai se pintar sozinho. — Ela subia as escadas com uma das
latas de tinta, eu peguei a outra lata e subi atrás dela.
O tempo pareceu voar depois disso. Em pouco tempo, estávamos as
duas no meu quarto, com plásticos cobrindo o chão e as latas de tinta
abertas, espalhando aquela cor preta nas paredes.
— Você vai dormir em uma caverna agora, Alice? — Elisa riu,
enquanto tentava alcançar um canto alto da parede.
— Uma caverna estilosa, por favor — retruquei, tentando conter o
riso. — E você sabe que sou muito mais misteriosa no escuro.
— Ah, claro, claro. A rainha das trevas! — Elisa zombou, fingindo
reverência enquanto segurava o rolo de pintura. — Só não vá começar a
usar capa e andar por aí com uma vela nas mãos.
— Agora você me deu ideias! — disse, rindo. — Mas talvez eu só
use o preto pra esconder a bagunça.
Elisa parou e me lançou um olhar.
— Esconder a bagunça... ou esconder um homem? — disse ela,
com um tom provocador. Revirei os olhos.
— Nada a ver, Elisa. Vamos pintar isso logo, antes que eu me
arrependa de ter aberto a porta pra você. — retruquei, sem antes rir da
situação.
Ela soltou uma risada em conjunto. O chão estava protegido e
limpo, graças aos plásticos que improvisamos, mas nossas roupas e rostos
não tiveram a mesma sorte. A cada parte que pintávamos, mais respingos
pretos apareciam em nós. No começo, até achei divertido, mas quando notei
que tinha tinta até no cabelo, a graça começou a sumir, eu tinha recém
lavado ele. Conseguimos pintar o quarto inteiro, incluindo o closet, que fiz
questão de não deixar de fora. Apesar da bagunça, o resultado final era
incrível. O quarto estava exatamente como eu queria: moderno, misterioso e
com uma personalidade própria.
Eu e Elisa estávamos sentadas na cozinha, tomando café. Ela
segurava a xícara com as duas mãos, soprando suavemente o vapor antes de
tomar um gole, enquanto eu mexia distraidamente a colher na minha xícara,
observando a espuma se desfazer. O som ocasional da colher batendo na
porcelana preenchia o silêncio confortável entre nós. De repente, o celular
de Elisa vibrou na mesa, e ela o pegou, os olhos se arregalando ao encarar a
tela do aparelho. Ela piscou, surpresa, e então olhou para mim.
— Aonde você foi ontem à noite? — perguntou, a expressão de
surpresa ainda evidente.
— Fui a uma festa — respondi, tentando parecer casual, embora a
curiosidade dela estivesse começando a me deixar curiosa também.
Elisa me observou por um segundo antes de estender o celular na
minha direção, a tela brilhando com uma foto. Eu a peguei e vi uma
imagem minha e de Marcus entrando no carro dele. Meu coração disparou
instantaneamente e eu me levantei andando de um lado pro outro na
cozinha.
— Olha só, você é a primeira mulher que aparece com Marcus em
público — disse Elisa, com um sorriso de quem estava tentando segurar o
riso. — E parece que ontem vocês tiveram uma noite movimentada.
Senti o desespero tomando conta de mim enquanto olhava para a
tela. As fotos começaram a rolar, e minha mente estava em pânico. Entre as
imagens, havia uma foto clara e nítida de Marcus me beijando na bochecha.
Na câmera do beijo, na noite do jogo de basquete. Sério que não perderam
tempo? Na foto era nítido meu rosto estava corado de vergonha, e Marcus
parecia mais relaxado do que o normal.
— O que é isso? — gaguejei, as palavras saindo em um sussurro
horrorizado.
Elisa me olhou com um sorriso malicioso, sem perceber o meu
crescente desespero.
— Na noite do jogo de basquete— Elisa falou sorrindo. — Eu notei
algo entre vocês. Mas não sabia que vocês estavam saindo juntos.
Encarei ela perplexa, com o pânico tomando conta de mim. Se Elisa
desconfiava que nós dois estávamos saindo, então outras pessoas também
achariam isso. Eu comecei a ver as fotos com mais atenção e percebi a
profundidade da situação. O mundo parecia girar mais rápido do que eu
conseguia acompanhar. Cada clique das fotos parecia um soco no estômago,
e a ideia de que essas imagens poderiam estar se espalhando era
esmagadora.
— Quem mais sabe disso? — perguntei, a voz saindo entrecortada e
trêmula.
Elisa colocou a xícara de café de volta na mesa e pegou o telefone
da minha mão encarando as fotos.
— Se o fotógrafo que me enviou essas fotos já as vendeu para
outras revistas, então, com certeza, o estado inteiro já deve saber. E
amanhã... bem, amanhã pode ser o mundo inteiro.
Senti um frio na espinha. O desespero e a confusão misturaram-se
em uma bola de nervos, e eu me afundei na cadeira, tentando processar a
nova realidade que estava se desenrolando diante de mim. Quando Elisa
mencionou que o estado inteiro já sabia, senti um aperto no peito.
— Você só pode estar brincando — perguntei, minha voz cheia de
esperança de que ela estivesse exagerando. Mas, enquanto a realidade me
atingia, o desconforto cresceu dentro de mim.
Ah não, agora não, pensei, sentindo meu corpo tremer.
Sentada na cadeira me curvei, respirando fundo, tentando acalmar a
tempestade que começava a se formar dentro de mim. Elisa, percebendo
minha agitação, se levantou rapidamente, o olhar preocupado.
— Alice, você está bem? — perguntou, se aproximando.
Eu continuei respirando lentamente, puxando o ar e soltando-o,
repetindo o processo várias vezes, tentando, de alguma forma, desacelerar o
ritmo frenético do meu coração. Elisa foi até a geladeira, pegou uma garrafa
de água, e a estendeu para mim. Peguei a garrafa com mãos trêmulas e bebi
alguns goles, tentando acalmar o turbilhão de emoções que me dominava.
Depois de beber, coloquei a mão no peito, sentindo o coração
martelando forte contra as costelas.
— Elisa... me deixe olhar as fotos de novo, por favor? — Perguntei
ofegante.
— Tudo bem... — disse, estendendo novamente o celular na minha
direção. Eu peguei o aparelho e comecei a olhar novamente as fotos.
A primeira foto mostrava Marcus me ajudando a entrar no carro,
com a mão firme em minhas costas, a expressão no rosto dele era tensa,
como se estivesse concentrado. A próxima foto era ainda mais clara,
capturando o momento em que ele dava a volta no carro e a iluminação das
ruas realçando sua silhueta. Em outra imagem, eu estava encostada no
banco, com a cabeça levemente caída para o lado, provavelmente ainda
grogue pelo álcool que bebi na festa. Meu cabelo estava com o penteado
completamente desarrumado, o rosto pálido, e meus olhos meio fechados
mostravam claramente que eu não estava no meu melhor momento. Cada
nova imagem que Elisa mostrava me fazia sentir ainda mais perdida. Eu
estava horrível, e a ideia de que o mundo inteiro veria aquelas fotos me
deixava à beira do desespero.
— Não acredito nisso... — murmurei, quase sem fôlego, a mão
tremendo enquanto segurava a garrafa de água. A sensação de pânico só
aumentava. Eu, que sempre tentava manter uma imagem controlada, agora
estava prestes a ser exposta ao mundo inteiro, de um jeito que jamais
imaginei.
Elisa me olhou, percebendo minha inquietação.
— Alice, calma. — Ela tentou me tranquilizar.
— Eu... — comecei, mas a voz falhou. Passei as mãos pelo cabelo,
sentindo o desespero crescer. — Elisa, eu estou horrível nessas fotos... O
mundo inteiro vai me ver assim! — Eu me levantei da cadeira, começando
a andar pela cozinha, sem saber o que fazer. Desesperada, olhei para Elisa e
perguntei: — Tem como reverter essa situação? Tem alguma maneira de
fazer com que ninguém saiba disso?
— Só com dinheiro. E não é pouco, não. — Elisa suspirou, com um
tom de voz que não deixava muito espaço para esperanças.
— Quanto? — Eu franzi a testa, tentando não deixar transparecer a
ansiedade.
— Vamos dizer que uns dois anos de trabalho, amiga... Afinal, o bar
onde vocês foram é do Marcus, e muitos fotógrafos ficam de plantão lá
esperando que ele apareça. E por coincidência, ele foi com você.
Não sabia que o bar era de Marcus. Será que era por isso que Simon
conseguiu entrar com tanta facilidade? Afinal não encaramos a fila enorme.
Decidi omitir o fato de que Simon havia me levado. Preferi deixar
isso de lado para evitar mais perguntas de Elisa.
— Eu não fui com Marcus para a festa. Ele só me deu carona para
voltar.
— Alice, mesmo que você não tenha ido com Marcus, só de voltar
com ele... bem, você deve ser alguém especial para ele.
Eu dei uma risada curta e sem humor. Especial? Para Marcus? A
noite anterior parecia um borrão em minha mente, um emaranhado de
confusão e álcool. Eu me lembrei de como ele havia me ajudado, de como
ele parecia gentil, mas isso não significava que eu era especial para ele. Ele
simplesmente havia sido educado.
— Especial, eu? — Eu ri de novo, agora com mais intensidade. —
Não, Elisa. Eu estava bêbada e ele apenas me ajudou sendo educado.
— Espera, repete a última palavra que você usou.
Eu respirei fundo e respondi, quase como se estivesse falando para
mim mesma.
— Educado?
Elisa franziu a testa e disse, com um toque de ceticismo.
— Marcus? Educado?
Eu balancei a cabeça, tentando não deixar o pensamento me afetar
mais do que já havia feito. Elisa parecia estar se divertindo com a situação,
mas eu só conseguia interpretar o gesto dele como uma questão de
educação, eu estava em uma situação complicada, sem condições de voltar
sozinha ou esperar por Simon. O bar estava um caos, e a briga ainda estava
rolando quando Marcus me tirou de lá. Eu mal me lembrava do que
aconteceu depois, o que ele conversou comigo no carro e tudo parecia um
borrão.
Depois que Elisa foi embora, eu fiquei sozinha na cozinha, tentando
processar tudo o que havia acontecido. Ela me garantiu que, no máximo,
tentaria absorver a atenção que a notícia já tinha atraído e que faria o
possível para desviar o foco da mídia, talvez até inventando alguma história
sobre a briga no bar ou encontrando outra fofoca para ofuscar as minhas
fotos. Naquele momento, só consegui ouvir o "tentar" como algo que não
parecia muito promissor. Mesmo assim, agradeci a Elisa pela ajuda e pela
preocupação.
Estava me preparando para ir até a casa da minha avó em busca de
um pouco de consolo, quando a campainha tocou. Hoje, pelo visto, era o dia
de visitas, pensei com ironia. Caminhei até a porta e, ao abri-la, a última
pessoa que eu esperava ver estava ali: minha mãe.
Ela estava parada na entrada, sorrindo?
— Oi, Alice! — Ela arregalou os olhos. — Minha filha o que
aconteceu com você?
Eu fiquei congelada por um momento, ignorando a pergunta dela e
sem saber o que dizer. Estava tão absorvida pelos meus próprios problemas
que não esperava que minha mãe aparecesse assim.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, tentando esconder o
choque e a frustração na minha voz.
Minha mãe entrou sem esperar por uma resposta, como se a casa
fosse tão dela quanto era minha. Ela começou a olhar ao redor, seu olhar se
fixando nos móveis ausentes. Mas volta a atenção, tocando a minha testa.
— Não vai me contar o que realmente aconteceu com você?
— Bati a cabeça tomando banho... — murmurei, quase num
sussurro.
— Alice... você está bem mesmo?
— Sim, mãe... — respondi, tentando encerrar o assunto. — Mas me
diz, o que te traz aqui?
Ela ignorou minha pergunta mais uma vez, caminhando pela sala e
cozinha, observando o ambiente com olhar crítico, como se estivesse
avaliando cada detalhe.
— Alice, onde está o sofá? E a mesa de centro? televisão? — Sua
voz tinha um tom de curiosidade que parecia mais uma crítica disfarçada.
Revirei os olhos, tentando manter a paciência.
— Eu estava prestes a sair. Se quiser, pode vir comigo. Vou na casa
da vovó. — Minha frustração estava evidente, e eu esperava que ela
entendesse o recado.
— Alice, você tem dinheiro? Cadê os moveis? — Ela encarava ao
redor.
Eu a encarei, incrédula.
— Sério? É assim que você decide aparecer? Eu estou lidando com
um monte de coisas e você vem perguntar se eu tenho dinheiro?
Ela se aproximou de mim e, com um sorriso.
— Então, quando você ia me contar que estava namorando Marcus
Lewis, o filho da minha melhor amiga?
Eu fiquei parada, sem saber se devia responder com raiva ou com
um tom cordial. A surpresa e a confusão me deixaram sem palavras por um
momento. Sabia que minha mãe descobriria isso tão rapidamente; afinal, ela
era assinante de diversas revistas e estava sempre por dentro das fofocas.
Olhei para ela, tentando processar o que acabara de ouvir. Era difícil manter
a calma quando tudo o que eu queria era evitar mais complicações. A
sensação de estar exposta e a percepção de que minha vida privada estava
sendo discutida como um mero assunto de fofoca me deixaram inquieta.
Respirei fundo e tentei manter a voz controlada.
— Eu não namoro Marcus.
— Não? Ah, Alice, conta logo. Eu estou com dor de barriga de
tanta ansiedade, o que são aquelas fotos? O jeito que ele segurava...
— Eu vou na casa da vovó. Se quiser vir, fique à vontade.
Cortei o que ela iria dizer. Eu me forcei a não revirar os olhos
novamente. E, com isso, comecei a me mover para sair, esperando que
minha mãe não insistisse mais na conversa. Quando estava prestes a me
virar para abrir a porta e sair, ouvi um som inesperado. A porta se abriu de
repente, e eu me virei rapidamente para ver quem estava entrando. Meu
coração disparou instantaneamente ao ver Marcus, e a expressão no rosto
dele indicava que ele estava tão surpreso quanto eu. Por um instante,
ficamos apenas nos encarando, a tensão no ar era palpável. Ele vestia uma
calça preta, camisa preta e uma jaqueta de sarja verde. A combinação
simples, mas impecável, parecia parte natural dele, como se cada peça fosse
escolhida sem esforço.
O que me surpreendeu, no entanto, não foi a roupa dele, mas a
forma como agia como se a casa fosse dele. Ele entrou com confiança,
como se já estivesse habituado a estar ali, me deixando por alguns segundos
sem palavras. Eu pisquei, ainda tentando processar como, de repente, ele
estava aqui, no meu espaço, e com tanta naturalidade.
— Oi, Alice — disse ele, a voz um pouco hesitante, como se
estivesse tentando avaliar a situação.
Antes que eu pudesse responder, minha mãe entrou no meio
avançando e, sem aviso, abraçou Marcus.
— Marcus, que surpresa! Não sabia que viria. Alice estava prestes a
me contar sobre vocês.
— Ignora o que ela disse — falei, tentando aliviar a tensão e
revirando os olhos.
Marcus sorria, enquanto era abraçado pela minha mãe. Eu podia
sentir o calor subir pela minha face enquanto tentava processar tudo o que
estava acontecendo.
— Olá, Sra. Smith. Faz tempo que não a vejo, continua radiante! —
Marcus sorriu levemente ao se afastar da minha mãe.
— Estava dizendo para Alice que você está muito bonito nas fotos.
Ela mentiu, pois não me disse absolutamente nada. Tudo o que eu
queria era sair dessa situação o mais rápido possível. Sentia o calor subir
ainda mais pelo meu rosto, e o sorriso despreocupado de Marcus começava
a me irritar. Parecia que ele não estava nem um pouco preocupado com as
fotos que circulavam por aí, mostrando-o com uma mulher completamente
bêbada. Eu.
— Ah, obrigado — disse Marcus, mantendo o sorriso. — As fotos
não são exatamente como eu gostaria de ser visto, mas agradeço o elogio.
Minha paciência se esgotou naquele momento. Cruzei os braços e
encarei Marcus, sentindo a irritação fervilhar dentro de mim.
— Sério, Marcus? É assim que você está lidando com isso? —
minha voz saiu mais afiada do que eu pretendia. — Estamos falando da
minha imagem aqui. Eu estou sendo insinuada ao seu lado como se fosse...
— Eu hesitei, lutando para encontrar as palavras certas. — Como se fosse
mais do que realmente é. E você só... sorri? Como se não fosse nada?
O sorriso de Marcus desapareceu lentamente, e ele me olhou,
parecendo finalmente entender a seriedade da situação.
— Alice, eu sei que parece algo, mas...
— Parece? — Eu o interrompi, descruzando os braços e dando um
passo em sua direção. — A mídia está fazendo suposições, Marcus! Sobre
mim, sobre nós. E a única coisa que eu posso pensar é como isso vai afetar
a minha vida, porque você, claro, já está acostumado com essas coisas, não
é?
Marcus suspirou, parecendo um pouco desconcertado, mas se
manteve firme.
— Eu vou resolver isso, tá bom?
— Ah sim vai resolver... sim, é assim que você resolve tudo. Deve
ser por isso que não aparece com nenhuma mulher, então... porque paga
para que sumam com fotos desse tipo? — Revirei os olhos.
Minha mãe, que até então observava a cena com um sorriso que
beirava o divertido, deu um passo à frente.
— Bom, acho que vocês têm muito o que conversar. Vou deixar
vocês a sós.
Ela se aproximou de mim, plantando um beijo rápido na minha
bochecha. Eu mal percebi o gesto, ainda absorvida pela discussão. Ela se
virou, acenando para Marcus que acenou de volta, antes dela sair pela porta,
nos deixando a sós.
— Você realmente acha que é assim que funciona, Alice? —
Marcus respondeu com uma risada, me seguindo enquanto eu me afastava
em direção à área dos fundos. — Não é só pagar para sumir com fotos. É
sobre evitar que a mídia transforme cada movimento meu em um
espetáculo. E, não, Alice, até ontem eles nunca me viram com mulher
alguma.
Abri a porta dos fundos, deixando o ar fresco aliviar a sensação
sufocante que tomava conta de mim. Eu não conseguia acreditar nele; a
ideia de que ele nunca havia sido visto com outra mulher parecia mais uma
tentativa patética de se vangloriar. Era ridículo, muito ridículo.
— E o que você acha que eles estão fazendo agora? — perguntei,
me virando para ele, minha frustração transbordando. — Estão insinuando
coisas sobre mim, sobre nós... e a minha vida não é um jogo para eles! Eu
não gosto disso, nunca gostei.
— Alice, é exatamente por isso que vou resolver tudo. Não quero
que você sofra as consequências de algo que não tem nada a ver com a
realidade. — Marcus se aproximou um pouco mais, seus dedos tocando
levemente a minha testa machucada. — Vai me dizer como você caiu no
banheiro?
— Como sabe? — perguntei, tentando me afastar um pouco. Eu já
estava sufocada pela proximidade dele.
— Instinto... deixa eu ver. — Ele moveu o curativo, tentando
examinar o machucado, mas eu segurei sua mão, firme, num gesto que o
parou no ato.
— Marcus, está tudo bem — falei, minha voz saindo mais afiada do
que eu planejava. — Só resolve isso, por favor. — Baixei sua mão e olhei
diretamente em seus olhos. — Eu não pedi para ser parte dessa confusão.
Minha cabeça girava, cheia de arrependimento. Eu nunca devia ter
aceitado aquela carona. Jamais deveria ter me envolvido o suficiente para
sequer esbarrar com ele novamente. Tudo que eu sempre quis era manter o
anonimato, viver minha vida em paz, sem me meter em confusões — e
agora estava na boca do povo, sendo alvo de fofocas, novamente. Tudo
porque, por um breve momento, eu tinha abaixado minha guarda, de novo.
— Sim, eu entendi. Vim ver como você estava, mas já estou
providenciando para resolver isso — ele disse com uma calma que,
sinceramente, só me irritou mais.
— Ótimo, resolva logo, porque estou arrependida até o último fio
de cabelo de ter aceitado aquela carona. E como se isso não fosse suficiente,
ainda tem as fotos da noite do jogo circulando por aí! — Minha voz saiu
mais alta do que eu pretendia, e eu me afastei dele, indo para a sala como se
a distância física fosse me ajudar a organizar os pensamentos. Parei em
frente à lareira, encarando o vazio, enquanto a frustração me consumia.
— Eu nunca quis isso, Marcus, você não entende!
Ele veio atrás de mim, parando ao meu lado, em silêncio. Eu podia
sentir a presença dele, mesmo sem olhar, e aquilo me irritava ainda mais.
— Sabe... eu deveria ter esperado o Simon. Tudo isso teria sido
evitado — suspirei, tentando esconder o arrependimento, mas ele estava lá,
óbvio.
A reação de Marcus foi imediata. Ele deu um passo à frente, e eu já
podia sentir o calor da irritação crescendo nele. Quando ele falou, sua voz
estava baixa, quase um rosnado.
— Simon? — Ele repetiu, incrédulo. — Você acha que esperar pelo
Simon teria resolvido alguma coisa? — Dava para ver ele passando a mão
pelo cabelo na sua sombra no chão, um gesto claramente frustrado. —
Então é isso? Você acha que o problema é eu ter te ajudado?
Tentei manter a calma, mas era difícil quando ele estava tão perto,
com aquela intensidade. Me senti diminuída, quase encurralada. Levantei os
olhos, encarando os dele, tentando me firmar.
— Eu não deveria estar perto de você, Marcus. Nunca deveria ter
me envolvido nisso — murmurei, tentando ignorar o peso daquelas
palavras.
A tensão no rosto dele aumentou, sua mandíbula travada, e sua voz,
quando finalmente saiu, foi mais fria do que eu já havia ouvido antes.
— Então é isso. Você me vê como um problema? — Ele deu um
passo para trás, me olhando com um misto de raiva e decepção.
— Sim! Desde o momento em que te vi pela primeira vez, você
sempre foi um problema! — Resmunguei, cruzando os braços, tentando
parecer firme, mas me sentindo mais perdida do que nunca.
— Jura, Alice? Que ingrata. — O sarcasmo escorria da voz dele.
— Ingrata? Ingrata por quê? — Minha voz subiu, a confusão e a
irritação se misturando.
— Nada, esquece. Tenha uma boa noite, Alice — ele disse, já
girando nos calcanhares.
E antes que eu pudesse pensar em uma resposta ou me desculpar,
ele saiu, batendo a porta atrás de si. Fiquei ali, parada, ouvindo o eco da
porta batendo. As palavras dele continuavam a ecoar na minha mente, e, de
repente, o arrependimento me atingiu com força total.
Eu estava completamente absorta em meus pensamentos,
mergulhada nas lembranças das fotos e na forma como Marcus havia agido
na noite passada. As imagens circulando por aí me atormentavam, e a
confusão sobre o que tinha acontecido entre nós estava me consumindo. Eu
girava em torno desses pensamentos, tentando encontrar algum sentido no
caos. A tampa da caneta, que eu tinha inconscientemente colocado entre os
dentes, estava sendo mastigada enquanto meus olhos fixavam em lugar bem
longe daqui. Foi só quando ouvi a voz de Liz chamando-me, um pouco
mais alta e insistente, que eu percebi que estava completamente imersa na
minha própria bolha.
— Alice! — Liz disse, puxando-me de volta à realidade.
Eu pisquei e levantei os olhos para ela, ainda um pouco atordoada.
— Desculpe, Liz. Estava distraída com...
— Você tem um momento? — A seriedade no tom de Liz fez meu
estômago revirar. Provavelmente ela já sabia de tudo. Senti um frio na
espinha ao imaginar como explicar à irmã de Marcus que, na verdade, não
houve nada entre nós. Foi apenas uma carona amigável em um momento de
vulnerabilidade da minha parte, já que eu não me lembrava muito bem do
que aconteceu na noite de sábado.
— Claro — respondi, tentando manter a calma. Levantei-me com
um esforço visível para esconder meu nervosismo.
Liz me conduziu até sua sala, e cada passo parecia ecoar na minha
mente, fazendo o corredor parecer interminável. Quando chegamos à porta
e Liz a abriu, uma onda de apreensão me envolveu. Ao entrar, o cenário me
deixou sem palavras. Marcus estava de costas, olhando pela janela com as
mãos nos bolsos. A vista de Manhattan atrás dele parecia surreal, como se o
mundo exterior estivesse em desacordo com o caos na minha mente.
Quando Marcus se virou e nossos olhares se encontraram, ambos
parecíamos igualmente surpresos e desconfortáveis. O olhar de Marcus
refletia a mesma confusão que eu sentia. Ficamos ali, parados, em um
momento que parecia se estender eternamente, sem saber como quebrar o
silêncio carregado entre nós. O tempo parecia arrastar-se enquanto nos
encarávamos, com o som abafado das vozes e atividades no escritório
criando um pano de fundo quase surreal para aquele encontro tenso.
Eu estava me sentindo como a rainha dos escândalos. Expulsa de
Harvard e agora, sendo insinuada como amante do bilionário mais cobiçado
e que pelo visto sempre evitava relacionamentos. Liz sentou-se em sua
mesa, observando a interação e ela então sorriu e depois começou a rir. O
que?
Quando Liz finalmente quebrou o silêncio, sua voz doce e
levemente cômica cortou a tensão no ar.
— Então, vocês têm algo a dizer sobre o que foi publicado? —
perguntou ela, seus olhos dançando entre mim e Marcus, um brilho de
diversão visível.
— Houve uma briga no meu bar, causada por alguns idiotas que não
sabem beber com moderação. Eu vi Alice caída no chão, completamente
bêbada, e ofereci uma carona. Afinal, tenho educação. — A voz de Marcus
era firme, mas havia uma pontinha de sarcasmo que quase me fez querer
socá-lo. Eu estava incrédula com a mudança de atitude dele.
Olhei para ele e para Liz, boquiaberta. Fiquei parada por um
momento, sem acreditar no que estava ouvindo. Juntei toda a coragem que
tinha e, com a voz levemente trêmula, tentei me justificar.
— Na verdade, eu voltaria com Simon. Não entendi por que Marcus
quis me dar carona. — Disse com desdém, decidida a participar do teatro se
ele queria agir como se nada tivesse acontecido.
— Simon? O analista? — Liz franziu a testa, claramente confusa,
alternando o olhar entre mim e Marcus.
— Sim, ele e Alice estão tendo um caso, e quiseram solidificar
esses laços no meu bar. — Marcus respondeu antes que eu pudesse me
defender, com um tom provocativo.
— Ele e eu somos apenas amigos. Não temos um caso! — Minha
voz aumentou, clara e determinada, enquanto encarava Marcus.
Liz, parecia estar se divertindo com a cena, riu suavemente.
— Nossa, Marcus, estou realmente admirada por você ter deixado
esse escândalo passar. É a primeira vez que ouço seu nome associado a
alguma mulher, meu irmão. — Ela riu novamente. "Deixar o escândalo
passar?" Eu estava ainda mais confusa.
— Primeira vez? — Perguntei, alternando o olhar entre Liz e
Marcus. — Você me disse que ia resolver isso! — Eu estava furiosa com
Marcus. Ele havia mentido para mim.
— Eu até pensei em resolver, mas depois percebi que seria melhor
deixar como está. Precisavam me ver com alguma mulher. — Marcus disse,
olhando para o chão antes de me encarar novamente. Não entendi o que ele
quis dizer. Precisavam vê-lo com alguma mulher?
— Como assim, precisavam?
— Para calar rumores... — Ele disse, evitando me olhar nos olhos.
Que ridículo. Eu era então apenas um disfarce para abafar os rumores sobre
ele.
Liz assentiu com um sorriso no rosto.
— Sim, Marcus não sai com ninguém, a não ser por razões
profissionais. Estou mentindo? — Ela perguntou diretamente ao irmão,
claramente ciente da situação. Marcus se afastou um pouco, olhando pela
janela antes de responder.
— Não, eu não me envolvo com ninguém porque geralmente sou
procurado por interesse. E, sinceramente, eu não gosto de coisas fáceis.
A raiva que eu sentia por ele ter mentido ainda estava presente. Ele
disse que resolveria a situação, mas os sites e as notícias continuavam a
falar sobre nós. A revelação dele me pegou de surpresa. Então, lembrei de
algo que havia ouvido antes.
— E a moça loira do 30º andar?
Liz levantou uma sobrancelha, claramente curiosa.
— A Amber? Cabelo liso e batom vermelho? Saltos scarpin?
— Sim, ela mencionou que Marcus a levou de limusine a um
restaurante Michelin. — Marcus e Liz começaram a rir, o que só aumentou
minha confusão. — Qual é a graça? — perguntei, sentindo-me cada vez
mais desconfortável.
— Tem um Marcus que é de uma seguradora no prédio. Ele
geralmente leva suas pretendentes de limusine ao Le Bernardin, afinal, o
seu irmão é o chef. — Liz, ainda rindo, explicou.
— Ah... — murmurei, tentando processar a revelação. A vergonha
me atingiu instantaneamente. Eu havia acreditado em rumores e, pior, fiz
suposições infundadas. Meus pensamentos estavam um turbilhão. Então,
Marcus não tinha nada a ver com aquilo. Eu fui rápida demais em julgar.
— Voltando ao assunto... os rumores aumentaram demais ao verem
você e Marcus saindo do bar dele. Então para eles era nítido de que vocês
dois estão saindo juntos. Eu os chamei aqui só para poder sanar as minhas
duvidas e as da minha mãe.
— A nossa mãe estava com dúvidas? Ela me conhece bem o
suficiente para saber que eu não saio com ninguém. — Marcus olhou para
Liz, claramente surpreso com sua última observação.
— Na verdade, ela acha que você e Alice formam um ótimo casal.
— Liz sorriu com um toque de malícia.
Eu e Marcus nos entreolhamos, atônitos e constrangidos. Eu queria
desaparecer dali. Meu rosto estava queimando de vergonha, especialmente
porque o assunto agora era um tema familiar.
— Eu jamais teria algo com Alice. Olhe para ela. É completamente
o oposto de mim — Marcus declarou, com desdém, apontando para mim.
Senti-me profundamente ofendida. O que ele queria dizer com isso?
Olhei para minha roupa: jeans preto, camisa branca, sobretudo preto e
cabelos soltos. Respirei fundo, tentando manter a calma.
— Eu não entendi. Está sendo irônico? — perguntei, a frustração
evidente na minha voz.
— Me desculpe, Alice..., mas é que você parece ter saído de uma
loja de desconto e, além disso, está toda machucada como se não soubesse
ficar em pé. Eu jamais pensaria em ficar com alguém como você —
retrucou ele, com um sorriso irônico.
Fiquei incrédula ao ouvir isso. O que era aquilo? As lembranças de
sábado à noite, quando ele havia cuidado do meu curativo com tanta
gentileza, passaram rapidamente pela minha mente. Essas palavras agora
pareciam uma lâmina afiada fincando no meu peito. O choque e a dor eram
quase físicos, e eu queria desesperadamente sair dali. Mas, ao invés de
tristeza, o que começou a crescer dentro de mim foi raiva. Ele estava
revidando. Era óbvio. Depois do que eu disse no domingo, depois de eu ter
deixado claro que nunca deveria ter me aproximado dele, ele agora estava
devolvendo na mesma moeda. Estava se vingando com essas palavras
cortantes. E isso só fazia minha frustração aumentar.
— Liz, eu realmente preciso ir agora. Tenho um compromisso para
escolher os doces da festa — disse, tentando mudar de assunto, minha voz
soando um pouco mais firme do que eu me sentia. — Marquei para agora à
tarde, então preciso ir.
— Ah, sim... — Liz parecia confusa. — Tudo bem, tenha uma
ótima tarde!
Acenei para ela e saí da sala, querendo ignorar completamente o
que Marcus havia dito anteriormente. Cheguei na minha sala e o olhar
curioso e espantado do pessoal fez meu estômago se revirar. Forçando um
sorriso falso, peguei minha bolsa e saí apressada. Elisa, que estava voltando
de uma entrevista, me viu e imediatamente percebeu que algo estava errado.
Ela segurou meus ombros e me olhou com preocupação.
— Vai, diz o que aconteceu? — Ela levantou meu queixo, mas eu
me desviei de sua mão, tentando manter a compostura.
— Acabei de sair da sala da Liz. Parece que o Marcus não cuidou
do assunto como ele prometeu.
— O que ele ia fazer? — Elisa perguntou, a confusão evidente em
seu tom.
— Marcus prometeu que resolveria o problema das fotos que
saíram, mas parece que ele não fez nada — respondi, minha voz carregada
de desânimo.
— Ele não quis sumir com as notícias? — Elisa franziu a testa,
claramente perplexa.
— Exatamente. Ele simplesmente deixou o problema como estava.
Nem sequer tentou fazer algo — suspirei, lutando para manter a calma.
— Não acredito... — Elisa ficou boquiaberta, uma risada incrédula
escapando de seus lábios. — Alice...
— Nem pense... Ele deixou bem claro que eu não sou o tipo dele,
ok? — Lembrando-a de seu comentário sobre ele me achar alguém especial.
Eu forcei um sorriso fraco e ergui meu sobretudo. — Afinal, minhas roupas
são de segunda mão...
— Ele realmente disse isso? — Elisa arregalou os olhos e balançou
a cabeça em descrença.
— Sim, mas não quero mais pensar nisso — menti. — Preciso ir à
confeitaria, e combinei de ir com a minha avó. Não volto para o trabalho
hoje. Até amanhã, tá?
Elisa assentiu, e eu dei um beijo em sua bochecha antes de me
encaminhar para fora da empresa. Meu passo estava apressado enquanto me
dirigia ao elevador, tentando deixar para trás o peso das palavras de Marcus
e a sensação de traição que elas haviam causado. A cada passo para fora do
prédio, me xingava mentalmente por ter aceitado aquela carona, por ter
permitido à proximidade dele no jogo. Como pude ser tão tola? A
lembrança da sua aparente gentileza pós festa, agora parecia um cruel
engano, um truque de uma mente desesperada por um pouco de bondade.
Sinalizei para um táxi que passava e entrei, dando o endereço da
confeitaria. Enquanto o carro avançava pelas ruas, minha mente girava em
torno de tudo. A raiva crescia em mim como uma chama incontrolável. Eu
estava furiosa não só com Marcus, esse arrogante, prepotente e imbecil,
mas também comigo mesma. Como pude cair na dele? Ele usou minhas
palavras contra mim, e agora estava se vingando de cada palavra que eu
disse. Marcus sempre foi assim — frio, desdenhoso e incapaz de qualquer
tipo de mudança genuína. A lembrança da sua falsidade na noite passada só
reforçava o quanto ele era um truque cruel. Eu estava envergonhada e
frustrada por ter acreditado que ele poderia se livrar das fotos, era obvio que
ele queria holofotes. “Sanar rumores...” Que ridículo.
Enquanto a raiva fervia dentro de mim, lembrei de Simon. Meu
coração apertou ao pensar na confusão que ele deve ter sentido quando
mencionei que Marcus havia me levado para casa. Simon sempre foi gentil
e respeitador, e eu me sentia horrível por ter envolvido ele em uma situação
tão embaraçosa. Ele merecia muito mais do que isso, e eu precisava me
redimir. Afinal, era para eu ter esperado por Simon no sábado, e não ter
aceitado a carona de Marcus. Como pude ser tão ingênua? Se
arrependimento matasse, eu já estaria enterrada em um mausoléu de teias de
aranha e coberta de pó.
Ao chegar na confeitaria, avistei minha avó já esperando na entrada.
Ela estava com um suéter de lã cinza, e uma calça de tecido confortável. Ela
apertava um cachecol cinza ao redor do rosto, tentando se proteger do frio.
Seu sorriso caloroso e sua presença foram um alívio em meio à tempestade
emocional que eu estava enfrentando. Minha avó me cumprimentou com
um abraço.
— Que bom te ver, querida! Estava ansiosa para escolher os doces
com você.
— Eu também, vó. — Respondi, tentando manter a compostura e
levando-a para dentro do estabelecimento.
Passamos algum tempo explorando as vitrines cheias de doces e
guloseimas. Minha avó estava animada, apontando uma variedade de
opções e perguntando sobre minhas preferências. No entanto, eu estava
distante, com a mente vagando longe daquele ambiente aconchegante.
Sentei-me em um dos bancos da confeitaria, olhando para os doces,
mas sem realmente vê-los. A distração foi tão profunda que eu nem percebi
o tempo passar. Só quando senti um toque gentil no meu braço, despertei
dos meus devaneios. Olhei para o lado e vi minha avó, com um olhar
carinhoso, segurando um pequeno doce de morango com chocolate.
— Alice, querida, você precisa provar este — disse ela, com um
entusiasmo contagiante.
— Desculpe, vó. Eu estava distraída — respondi, sorrindo um
pouco, tentando não transparecer meu estado de espirito.
Olhei para a mesa à minha frente, repleta de uma variedade
impressionante de doces finos e lindamente decorados. Havia trufas
delicadas, cobertas com finas camadas de chocolate brilhante, macarons de
todas as cores possíveis, pequenos bolos decorados com flores de açúcar,
tortas miniaturas com frutas frescas e éclairs recheados com cremes
diversos. Peguei o doce de morango com chocolate das mãos da minha avó
e dei uma mordida. O sabor era divino: o doce morango combinava
perfeitamente com o chocolate amargo. Sorri para minha avó, que estava
radiante. Enquanto provávamos os doces, minha avó e eu concordávamos
em alguns sabores, rindo e comentando sobre quais eram nossos favoritos.
Algumas vezes, discordávamos, mas eu sempre acabava concordando com
ela, confiando em seu paladar aguçado e refinado.
A representante da confeitaria, Sara, estava ao nosso lado,
explicando cada doce com detalhes minuciosos. Ela descrevia os
ingredientes, a inspiração por trás de cada criação e como eles poderiam ser
apresentados na festa.
— Este aqui é uma trufa de chocolate belga com recheio de
framboesa — disse ela, apontando para um dos doces expostos na mesa. —
E este é um macarron de pistache com um toque de limão siciliano.
Minha avó provava cada doce com um cuidado quase reverencial,
fechando os olhos para apreciar melhor os sabores. Enquanto observava
minha avó, uma onda de gratidão me envolveu. Estar com ela me
proporcionava uma sensação de segurança e tranquilidade, uma fuga
temporária do tumulto em que eu me encontrava.
— Então, vamos começar? — perguntou Sara, com um sorriso
encorajador.
— Sim, vamos lá — respondi, tentando me concentrar e afastar os
pensamentos perturbadores. Olhei para os doces à minha frente e comecei a
listar alguns dos meus favoritos.
— Eu realmente gostei dessas trufas de chocolate belga com
recheio de framboesa.
Minha avó, que estava ao meu lado, assentiu com aprovação.
— E aqueles macarrons de pistache com limão siciliano, não
podemos esquecer deles.
— Certo, trufas de chocolate belga e macarons de pistache com
limão siciliano — disse Sara, anotando as opções em seu caderno com
precisão.
Continuei a listar com um pouco mais de entusiasmo.
— Também quero incluir esses minis éclairs de baunilha, tortas de
frutas vermelhas e as trufas de chocolate branco com coco, limão e
damasco.
— Não se esqueça dos brownies com nozes e dos cupcakes de red
velvet. — Minha avó interveio com um sorriso.
A cada sugestão, Sara anotava cuidadosamente, sorrindo e
concordando com nossas escolhas. Minha avó e eu discutíamos algumas
opções com entusiasmo, mas no final sempre encontrávamos um consenso
que nos satisfazia.
— Acho que também deveríamos incluir aqueles copinhos de
chocolate amargo com cereja — sugeri, sentindo uma leveza em meio à
nossa colaboração.
— Boa escolha, Alice. E as mini tortas de amêndoas? — lembrou
minha avó, com um olhar satisfeito. E eu assenti.
Sara fez as anotações finais com um sorriso satisfeito, e o processo
de seleção dos doces prosseguiu com uma sensação crescente de realização.
A reunião trouxe uma lufada de normalidade e alegria ao meu dia, algo que
eu realmente precisava. Depois de algumas deliberações e degustações
adicionais, finalmente escolhemos um cardápio com vinte e quatro opções
de doces. Decidi escolher a quantidade correspondente à minha idade, pois
sabia que, de outra forma, ficaria indecisa. Pelo menos agora, eu sentia que
nossas escolhas estavam perfeitas e que os convidados certamente
adorariam os doces. Estávamos encomendando no melhor lugar. Sara
perguntou quanto convidados seriam, e eu respondi que trezentos, pois era
uma festa importante. Ela anotou a informação e nos garantiu que tudo
estaria pronto a tempo e na quantidade certa. Ao sair da reunião, senti-me
um pouco mais leve. Organizar o cardápio com minha avó foi uma pausa
bem-vinda em meio ao caos que havia sido meu dia.
Cheguei em casa depois de deixar minha avó, agradecendo pela
companhia dela durante a escolha dos doces. Assim que entrei no meu
quarto, a exaustão me envolveu como um manto pesado, e eu me senti
como se tivesse sido atropelada por um caminhão. Olhei para a cama,
desejando profundamente me jogar nela e me entregar ao sono. Prometi a
mim mesma que primeiro tomaria um banho, porque, se eu me sentasse
naquela cama, seria um piscar de olhos até adormecer. Mas antes que eu
pudesse relaxar, a campainha tocou. O som me fez pular de susto, um
choque repentino já que eu não estava esperando ninguém. Fiquei parada,
tentando adivinhar quem poderia ser.
Desci as escadas, sem conseguir imaginar quem poderia estar à
porta àquela hora. Quando abri, meu coração deu um salto ao ver Marcus na
entrada. Sem pensar duas vezes, tentei fechar a porta imediatamente, mas
sua mão deteve o movimento, segurando-a.
— Alice, espera — disse ele, com a voz firme, mas sem elevar o
tom. Eu já não queria ouvir mais nada, e tudo em mim gritava para afastá-
lo.
— Você é a última pessoa que eu quero ver, então vá embora! —
retruquei, enquanto lutava contra a força dele, tentando fechar a porta com
toda a minha vontade.
— Eu só quero conversar, por favor. — Ele me olhou de um jeito
que me fez hesitar por um segundo, mas eu me obriguei a manter a porta o
mais fechada possível.
— Eu não! Você já disse o suficiente por hoje.
— Alice, me ouve só por alguns minutos... eu tenho que viajar
daqui a uma hora. Eu preciso falar com você antes. — O tom dele tinha
uma urgência que me fez soltar a porta e encará-lo com as mãos na cintura.
— Fala.
Antes que eu pudesse reagir, Marcus aproveitou a brecha e
empurrou a porta, entrando na minha casa sem ser convidado.
— Eu não disse que você podia entrar! — protestei, franzindo o
cenho.
Ele me ignorou, fechando a porta atrás de si e se virando para me
encarar. A expressão dele estava séria, mas havia algo mais ali, algo que eu
não conseguia decifrar.
— Alice, eu... eu sinto muito, tá? — Ele disse, a voz mais suave do
que antes, como se realmente quisesse que eu acreditasse em suas palavras.
— Desculpa por quê, exatamente? Pelo que você disse? Ou pelo
que não fez? — Revirei os olhos, cruzando os braços.
— Eu não deveria ter falado daquele jeito. Fui um idiota.
— Isso eu já sei — retruquei, a raiva fervendo novamente.
Marcus passou a mão pelos cabelos, claramente frustrado e
inquieto, como se estivesse lutando para encontrar a maneira certa de se
expressar. Ele começou a andar de um lado para o outro, evitando meu
olhar por um momento antes de finalmente se virar para mim novamente.
— Me arrependi no minuto em que vi você saindo da sala. Eu sabia
que tinha falado besteira... e Liz, bom, ela me deu um sermão enorme
depois daquilo.
Eu ri, mas era um riso sarcástico, sem humor.
— Então é só por isso que você está se desculpando? Porque Liz te
deu um sermão? — sacudi a cabeça, sem acreditar.
Ele parou de andar, seus olhos encontrando os meus com uma
intensidade que me fez sentir uma pontada de desconforto.
— Não, Alice, não é só por isso. Eu me desculpei porque fui um
idiota, porque não quero que você pense que eu... — Ele parou, respirando
fundo, claramente tentando controlar a frustração que o estava consumindo.
— Eu não quero que você pense que eu não me importo, porque me
importo. Mais do que eu deveria.
Fiquei em silêncio por um momento, processando o que ele havia
dito.
— E eu deveria acreditar nisso? — perguntei, minha voz cheia de
dúvida.
Marcus deu um passo na minha direção.
— Se não quiser acreditar, tudo bem, Alice... — Ele suspirou,
parecendo cansado, mas com um tom que revelava uma frustração contida.
— Eu não quero que a última coisa entre a gente seja o que aconteceu hoje.
Eu o encarei, a confusão e a raiva se misturando em meu olhar.
— E o que você espera, Marcus? Que eu simplesmente ignore tudo
o que aconteceu? Foi humilhante o que você me disse. Eu deveria ter
esperado algo assim vindo de você.
Marcus deu um passo à frente, o rosto tenso e os olhos fixos nos
meus.
— Algo assim, vindo de mim? — ele perguntou, avançando mais
um passo, agora a centímetros de distância. — Diga, Alice. Vai, diga o que
você está pensando.
— Que você se acha? — retruquei, cruzando os braços, sem recuar.
— Tem mais, eu sei que tem. Vai em frente, diz tudo, se isso vai te
fazer sentir melhor.
— Não adianta dizer nada. Não muda o fato de que você acha que
pode fazer tudo o que quer, sem pensar nas consequências, me deixando
como uma idiota. Seja no jogo de basquete ou naquela noite no Black
Metal.
— Ah, claro — Marcus zombou, com a mandíbula tensa. — Eu
esqueci, sua vida é toda certinha, não é?
— Não que seja perfeita, mas eu pelo menos tento evitar chamar
atenção. Diferente de você, que parece estar sempre buscando um palco.
Francamente, é uma surpresa você não estar num reality show.
— Olha só, uma crítica às minhas escolhas de vida! — Ele deu mais
um passo à frente, a raiva visível em cada linha de seu rosto. — Você acha
que me conhece, mas está muito errada.
— Ai, me poupe, Marcus. Eu conheço bem o seu joguinho de
provocações — retruquei, meu tom ácido. — E se acha que vai me pegar
nisso, está enganado.
— Não cai no meu jogo, Alice? — Ele arqueou uma sobrancelha, a
voz carregada de ironia. — Você realmente acha que isso é só um jogo pra
mim? — Ele avançou de novo, seu corpo agora quase tocando o meu.
— Eu não caio em provocações, Marcus — mantive o tom firme,
mesmo sentindo a tensão crescente. — Não vou me deixar levar pelos seus
truques.
— Não vai? — Ele sorriu, um sorriso cheio de ironia, seus olhos
brilhando com algo perigoso. — Eu gosto de provocar, Alice. Mas isso aqui
— ele deu uma pausa, seus olhos fixos nos meus — não é só provocação.
Antes que eu pudesse reagir, ele agarrou minha nuca com uma mão
e, em um movimento rápido e determinado, pressionou seus lábios contra
os meus. O beijo era intenso, feroz, com uma urgência desesperada. A sua
língua explorava a minha, e seus lábios se moviam com uma vontade
avassaladora. Só depois de um tempo é que eu consegui processar o que
estava acontecendo. O beijo, a intensidade, a urgência — tudo parecia um
borrão na minha mente. Com um empurrão abrupto, afastei Marcus,
rompendo o contato. Minhas mãos tremiam, e meu coração disparava
descontroladamente. Tentei recuperar o fôlego, minha respiração ofegante,
enquanto Marcus me olhava com uma intensidade que eu nunca tinha visto
antes.
— O que foi... — Eu sussurrei, não conseguindo completar a
pergunta, e toquei meus lábios, ainda sentindo o calor do beijo. As palavras
saíram como um murmurinho confuso, sem conseguir expressar a surpresa
e a perplexidade que estavam se formando dentro de mim.
— Se ao menos você enxergasse... que às vezes eu não consigo me
segurar quando estou perto de você. — Marcus disse, com uma voz baixa e
me olhando nos olhos.
Ele se afastou e balançou a cabeça, sem dizer mais uma palavra,
saiu pela porta da frente. O estalo seco da porta fechando ecoou pela sala
silenciosa, intensificando a sensação de desamparo. Fiquei ali, parada, com
os lábios ainda formigando e a mente completamente em turbilhão. Tudo o
que eu havia experimentado nos últimos momentos se misturava em uma
confusão avassaladora. Eu estava tentando desesperadamente processar o
que ele acabou de dizer, enquanto a quietude ao meu redor parecia
amplificar o caos emocional dentro de mim.
Eu estava correndo em direção à padaria perto de casa, atraída pela
promoção irresistível de donuts que eles ofereciam às sextas-feiras.
Planejava levar uma caixa para o trabalho e compartilhar com o pessoal da
sala. Enquanto corria, tentava não pensar no beijo inesperado e confuso que
Marcus havia me dado há alguns dias. A lembrança ainda fazia meus lábios
formigarem, e eu não o via desde então. Ao chegar na padaria, me deparei
com uma fila desanimadora. Mas, para minha surpresa, avistei Simon na
fila, faltando apenas duas pessoas para chegar à sua vez. Ver Simon trouxe
um alívio inesperado. A última vez que nos encontramos não foi das
melhores, então encontrá-lo ali, em um momento tão simples e
descontraído, foi um verdadeiro presente.
Ele me viu e abanou para que eu me aproximasse.
— Bom dia! — disse Simon, com um sorriso caloroso. — Não te
vejo há dias.
— Bom dia, Simon! — respondi, sorrindo genuinamente. — Estava
tão atolada no trabalho e correndo direto para casa depois do expediente,
que mal tive tempo de avisar as pessoas que conheço que eu ainda estou
viva.
Dei uma pausa para recuperar o fôlego da corrida.
— Imagino, e como está a casa nova?
— Ótima. Ajeitei bastante coisa essa semana, finalmente! —
respondi, com uma pitada de orgulho. — Consegui comprar uns móveis
bem legais, sabe? Pintei a sala de preto e finalmente troquei aquele sofá
antigo que parecia mais uma peça de tortura medieval do que um lugar para
sentar. Também arrumei umas prateleiras pra colocar meus livros, eu meio
que vou ainda fazer uma biblioteca.
Ele riu, balançando a cabeça.
— Fico feliz que esteja se ajeitando Alice. E veio pegar café? —
Ele perguntou.
— Na verdade, vim mesmo aproveitar a promoção de donuts hoje.
E você, vai resistir ou vai se render também?
— Na verdade, eu só vou pegar um café — respondeu Simon,
levantando a sobrancelha de leve. — Quer que eu peça uma caixa para você
junto com o meu?
Nossa, ele realmente leu meus pensamentos. Que gentileza!
— Seria um enorme favor, Simon. Obrigada! — agradeci.
Conversamos um pouco até que nossos pedidos ficaram prontos. Eu
paguei a caixa, e então, Simon e eu nos dirigimos para fora do
estabelecimento. No momento em que estávamos prestes a sair, Simon
parou e me olhou.
— Quer uma carona para o trabalho?
— Vou aceitar sim, obrigada! — respondi, sorrindo.
Entramos no carro de Simon e ele deu a partida, navegando pelos
caóticos movimentos de táxis e carros que dominavam Nova York. Quando
paramos em uma sinaleira, o cheiro da caixa de donuts estava preenchendo
o carro, e a tentação de devorar todos eles, era quase irresistível. Decidi
abrir um pouco a janela para não ceder à tentação antes de chegar à
empresa. Ao olhar para a rua, notei um carro esportivo parando ao nosso
lado. Eu achava que já tinha visto aquele carro antes, mas não dei muita
importância. Quando o sinal abriu, o carro ao lado fez um movimento
brusco e avançou na nossa frente, cortando Simon. Eu quase derrubei a
caixa com a freada bruta que Simon deu.
— Ah... Marcus — murmurou Simon, baixinho.
Ao ouvir o nome de Marcus, meu coração disparou. Eu não
conseguia parar de pensar no beijo que Marcus havia me dado e na sua
saída abrupta. Aquele homem tinha um talento especial para complicar as
coisas, especialmente para mim. Aproximei-me de Simon e, tentando
disfarçar minha frustração.
— Esse Marcus... sempre causando confusão, né?
Simon apenas assentiu. Minha mente estava dividida entre a
frustração e uma leve ansiedade sobre o que viria a seguir. Será que ele iria
mencionar o beijo? Ou, será que ele ia ignorar e agir como se nada tivesse
acontecido? Eu estava torcendo para a segunda opção. Enquanto olhava
para o carro esportivo à nossa frente, sentia uma crescente tensão. Eu só
queria um dia de paz, longe das complicações que Marcus sempre trazia.
Pensar no beijo me deixava ansiosa e confusa, e eu não sabia como lidar
com a possibilidade de ter que enfrentar essa situação novamente. Eu só
quero um dia normal, sem que Marcus venha bagunçar tudo.A verdade é
que Marcus tinha uma habilidade infalível para me deixar desconfortável, e
eu estava me perguntando quanto tempo mais conseguiria lidar com isso.
Precisava manter o foco no trabalho e tentar não deixar que ele estragasse
mais um dia meu.
Eu e Simon chegamos ao prédio, e eu carregava a caixa de donuts
com cuidado para não danificar as coberturas. Conversávamos e ríamos
sobre algumas histórias enquanto nos dirigíamos ao elevador. Apertei o
botão e esperamos em silêncio enquanto as portas se abriam. De repente,
Marcus apareceu no meu campo de visão e entrou no elevador conosco. O
susto foi tão grande que quase derrubei a caixa de donuts. Minha respiração
ficou presa na garganta enquanto eu tentava recuperar a compostura.
Marcus lançou um olhar sério para mim e para Simon. A tensão no meu
corpo aumentava a cada segundo.
O elevador ficou ainda mais cheio quando Amber entrou e outras
pessoas junto dela, ela ao ver Marcus, imediatamente esboçou um sorriso
caloroso. Marcus, por sua vez, sorriu de volta para Amber, sua expressão se
tornando repentinamente mais relaxada e amigável. O contraste entre o
olhar sério que ele havia lançado para mim e o sorriso aberto para Amber
parecia uma ironia diante a situação. O ambiente no elevador ficou
carregado de tensão para mim. Marcus estava ali, tão próximo, e parecia
que ele conseguia perceber cada centímetro do meu desconforto. O silêncio
era interrompido apenas pelo som das conversas esparsas e pelos zumbidos
dos motores do elevador. Será que ele decidiu ignorar o fato de que me
beijou a uns dias atrás?
O elevador deu um solavanco brusco, e todos se assustaram. O
impacto fez com que eu perdesse o equilíbrio e a caixa de donuts caísse no
chão. Amber, em um movimento exagerado, se lançou nos braços de
Marcus. Ele sorriu, afastando-a gentilmente enquanto perguntava em voz
baixa se ela estava bem e tentava recuperar a compostura. Eu observei a
cena, um pouco desconfortável. Havia algo na maneira como Marcus
alisava os braços de Amber que me deixou um pouco inquieta, mesmo que
eu tentasse não demonstrar.
— Alice, os donuts.
Simon chamou minha atenção. Eu balancei a cabeça e agachei-me
rapidamente para pegar a caixa, apavorada com o estado dos donuts. Para
minha surpresa e alívio, nenhum donut havia saído da caixa, mas a
cobertura estava toda lambuzada, transformando a apresentação perfeita em
uma bagunça pegajosa.
— Ótimo — murmurei para mim mesma, tentando conter um riso
nervoso e rezando para manter minha compostura. Eles me olhavam com
aqueles olhares mistos de pena e desaprovação.
— Esses donuts são deliciosos, ainda vai dar para comer — Simon
tentou me tranquilizar, e eu lhe retribuí com um sorriso meio forçado.
Amber desceu no 30º andar lançando um último sorriso para
Marcus antes de sair. Revirei os olhos internamente. O silêncio no elevador
se manteve, interrompido apenas pela movimentação de pessoas descendo
em outros andares. Finalmente, chegou a minha vez.
— Tenha um bom trabalho, Simon — disse, me despedindo dele.
— Igualmente, Alice — respondeu ele, assentindo com um sorriso.
Quando me aproximei de Marcus para sair esbarrei no ombro dele
de propósito e falei.
— Tenha um péssimo dia de trabalho. — Baixei a voz e sussurrei
com uma pitada de ironia:
Ele me lançou um olhar de surpresa, mas não disse nada. Saí do
elevador, aliviada por deixar o ambiente carregado de tensão para trás,
embora a sensação de desconforto ainda pairasse sobre mim. Cheguei na
sala com a caixa de donuts em mãos. Ao entrar, todos levantaram os olhos
das telas, curiosos com a caixa em minhas mãos e automaticamente tornei a
explicar.
— Bom dia, pessoal! — disse, tentando não rir da situação. —
Trouxe donuts para todos, mas infelizmente aconteceu um pequeno
imprevisto. Coloquei a caixa em cima da minha mesa e a abri, revelando a
cobertura dos donuts espalhada pela caixa, denunciando o desastre no
elevador. — Então... o elevador deu um solavanco, e a caixa caiu no chão.
Felizmente, os donuts ficaram dentro da caixa, mas a cobertura... bem,
vocês podem ver o resultado.
Tom foi o primeiro a se manifestar, sem nem esperar pela
explicação completa.
— Deve ter batido a cabeça bem forte para ficar tão generosa,
adorei! — disse ele, pegando um donut da caixa sem hesitar. — Que
delícia, melhor jeito de começar o dia.
Enquanto Tom mordia o donut, Elisa se aproximou e, ao pegar o
dela, acabou lambuzando os dedos na cobertura.
— Esses donuts estão deliciosos, Amiga! Obrigada — exclamou
ela, lambendo os dedos com satisfação.
Megan, por outro lado, olhou para a caixa e hesitou.
— Oh Alice, que gentileza. Vou guardar o meu para depois. Se
soubesse que teríamos donuts, não teria tomado um grande café da manhã.
— Ela disse meio triste. Revirei os olhos e ri.
Tom riu e ergueu o donut. Completamente satisfeito.
— Aos donuts acidentados! – E todos riram.
Que droga pensar que o solavanco destruiu os donuts, mas, pelo
menos, ninguém se importou e todos comeram com vontade. Me ajeitei na
cadeira, coloquei a bolsa de lado e liguei meu computador. A maioria dos
manuscritos já estava revisada; eu tinha pegado o ritmo e estava indo bem
nas tarefas. Mas minha mente, insistente, voltou ao beijo com Marcus.
Soltei um suspiro profundo. Foi um erro, claro. Ele não estava em seu juízo
perfeito, agiu por impulso.
Mesmo assim, ver Marcus tão próximo de outra mulher não deveria
ter mexido comigo tanto quanto mexeu. Esse incômodo me deixou mais
confusa. Ele não deveria ter esse efeito sobre mim, mas tinha. Antes que eu
pudesse afundar mais nesses pensamentos, a voz animada de Tom ecoou
pela sala, interrompendo meus desvaneios.
— Vocês viram a lista de convidados para a festa? — perguntou ele,
sua voz cheia de entusiasmo. — Tom Hiddleston vai estar lá! Ele que
interpreta o Loki no universo da Marvel.
Elisa arregalou os olhos, claramente empolgada.
— Não acredito! Sério? Ele é incrível! — Ela exclamou, batendo
palmas de alegria.
— De que ele vai estar fantasiado, será? — Megan perguntou,
franzindo o nariz. Eu, Tom e Elisa nos entreolhamos, incrédulos pela
pergunta que parecia óbvia.
— De Thor, claro. — Tom respondeu em tom irônico, arrancando
uma revirada de olhos de Megan.
— Engraçado, vai ver ele pode se fantasiar de outra coisa.
— Algo mais interessante do que Loki? — Perguntei enquanto
largava o donut sobre o guardanapo na minha mesa.
— Talvez... — Megan quis se justificar, mas Elisa interrompeu.
— Quem mais já confirmou? — Elisa perguntou, curiosa.
Tom continuou, ainda mais animado.
— Julia Roberts e Leonardo DiCaprio também estão confirmados.
E algumas modelos da Victoria's Secret. Vai ser uma festa e tanto! Pensar
que somos os responsáveis por fazer essa festa acontecer... me deixa
nervoso. Estou ansioso para que chegue o dia. Na verdade, estou com dor
de barriga desde ontem.
Enquanto Tom e Elisa discutiam animadamente sobre as
celebridades e os itens que seriam leiloados, minha mente estava em outro
planeta. Eu estava completamente perdida, não apenas entre os preparativos
que ainda precisava fazer para o evento, mas também na confusão que
minha vida se tornara nos últimos dias. Com apenas duas semanas até a
festa, a preocupação com minha roupa estava me consumindo mais do que
eu gostaria de admitir. A fantasia de Jean Grey que planejava usar ainda
estava pendente, e eu não tinha ideia de como resolver isso a tempo.
Honestamente, meu superpoder no momento era procrastinar e,
aparentemente, entrar em situações complicadas.
Como... Marcus Lewis. Mesmo tentando focar no evento, meu
cérebro insistia em me lembrar que as pessoas ainda estavam ligando meu
nome ao dele. Isso era um verdadeiro pesadelo, considerando as fotos que
continuavam circulando por aí. Por curiosidade, me dei ao trabalho de
pesquisar "Marcus Lewis e namorada" no Google. E adivinha só? Todas as
imagens que aparecem eram de nós dois, no jogo de basquete e no dia da
festa da maldita carona que ele me deu. Sério, quando foi que minha vida
virou esse circo? As vezes até me esquecia que fui expulsa de Harvard.
Como se isso fosse ajudar. O nome "Alice Smith" estava sendo
atrelado ao de Marcus de forma tão fácil que até o Google parecia estar
convencido de que algo estava acontecendo. E quanto mais eu tentava
esquecer, mais parecia impossível. Será que era normal se sentir tão perdida
assim? O que quer que estivesse rolando entre mim e Marcus, não fazia o
menor sentido na minha cabeça, e meu emocional estava mais bagunçado
do que minha gaveta de meias e calcinhas.
Caminhei até a cafeteria da empresa, precisando desesperadamente
de um café para clarear a mente. Ao entrar, notei Ashley sentada em uma
das mesas, mexendo em seu laptop. Fui até a máquina de café, preparei uma
xícara e me aproximei dela, curiosa para saber mais sobre o seu papel na
empresa.
— Ei, Ashley — chamei, sorrindo. — Posso me sentar?
Ela olhou para cima e sorriu, gesticulando para que eu me sentasse.
— Claro, Alice.
— Ashley queria te perguntar uma coisa... estou curiosa. — Eu
disse, tomando um pouco do café. E querendo perdidamente mudar o
assunto que se passava na minha mente.
— Claro, o que seria?
— Qual é exatamente o seu cargo aqui na empresa? Sempre vejo
você correndo para lá e para cá, parece que faz um pouco de tudo
Tentei puxar assunto.. Ashley riu, um som leve e despreocupado.
— Bem, sou a recepcionista, cuido do financeiro, sou secretária da
Liz e também organizo o RH da empresa.
Meu queixo quase caiu com a lista impressionante de
responsabilidades dela.
— Uau, isso é muita coisa! — exclamei, ainda atordoada. — Como
você consegue dar conta de tudo isso?
— Já estou acostumada. Na verdade, a editora não exige tanto
assim. Sempre tento resolver as coisas o mais rápido possível para evitar
acumular tarefas. E, honestamente, gosto de me manter ocupada. Isso ajuda
a manter a mente afiada. — Ashley deu de ombros, mantendo o sorriso.
— Nossa, você é incrível! Eu não sei se daria conta de tantas
tarefas. Eu já lido com duas e às vezes quase enlouqueço. — Rimos juntas.
Não era exatamente duas tarefas; na verdade, eu estava lidando com muito
mais ultimamente, mas decidi poupá-la das minhas lamentações.
— Aí, Alice, eu também já quase enlouqueci... realmente não é
fácil. Mas com o tempo você nem percebe e já está lidando com tudo.
Ela continuou a me explicar mais de suas tarefas. A cada explicação
eu ficava cada vez mais boquiaberta. Depois de um tempo, nos despedimos
e eu voltei ao meu trabalho, ainda impressionada com a habilidade de
Ashley de equilibrar tantas responsabilidades.
Estava em minha mesa, procurando o manuscrito que eu havia tido
dificuldade para entender o parágrafo. Só que ele sumiu no meio dessa pilha
de já corrigidos na minha mesa. Noto então Elisa se aproximando, com um
sorriso animado no rosto.
— Ei, Alice! — chamou Elisa, inclinando-se sobre minha mesa. —
Estava pensando, já encontrou uma fantasia para o evento?
Levantei o olhar, surpresa com a pergunta. Na verdade, eu tinha
uma ideia do que queria, mas ainda não tinha começado a procurar.
— Na verdade, ainda não — admiti, dando de ombros. — Você tem
alguma sugestão de loja?
— Bem, tem uma loja de fantasias aqui perto que é ótima. Estava
pensando em passar lá depois do trabalho. Quer vir comigo? Podemos fazer
algo depois, que tal?
— Se não for relacionado a jogos... eu adoraria ir com você! —
respondi, sorrindo.
Sair com Elisa, que sempre foi uma ótima companhia, parecia uma
excelente ideia. Ela já havia me ajudado a pintar o quarto e se mostrado
uma amiga incrível recentemente.
— Perfeito! Vamos procurar as fantasias, e não se preocupe, depois
vamos sair para comer!
Ela piscou para mim e bateu palmas, nós duas rimos, animadas com
a ideia.
O tempo passou rápido. Elisa e eu deixamos o escritório e
caminhamos pelo hall. A calçada estava movimentada, e ao longe, o sol já
começava a se pôr. Conversávamos animadamente enquanto caminhávamos
pela rua.
— Estou pensando em me vestir de Tempestade — Elisa comentou,
seus olhos brilhando de excitação. — Sempre adorei a personagem, e acho
que ficaria maravilhosa com uma peruca platinada.
— Você vai arrasar como Tempestade! — exclamei. — Eu estava
pensando em ir de Jean Grey.
Elisa parou por um momento, lembrando-se de algo.
— Ah, então é por isso que você queria saber a fantasia da Liz. Faz
todo sentido agora. O cabelo vermelho dela é perfeito.
— Exatamente. — Concordei com a cabeça, rindo levemente
Chegamos à loja de fantasias, um lugar encantador e repleto de
roupas coloridas e acessórios incríveis. As prateleiras estavam abarrotadas
de trajes de todos os tipos, desde heróis até vilões, e tudo mais que se possa
imaginar.
— Vamos lá — disse Elisa, pegando minha mão e puxando-me para
dentro. — Vamos encontrar as nossas fantasias!
Passeamos pelos corredores, admirando as opções. Elisa encontrou
uma peruca platinada impressionante e um traje preto e prateado que
parecia ter sido feito sob medida para ela. Eu encontrei a roupa de Jean
Grey, exatamente como havia imaginado, e estava aliviada por saber que a
loja a tinha em estoque. No entanto, ao procurar uma peruca vermelha,
fiquei desapontada ao ver que todas eram de fios extremamente sintéticos, o
que me deixou aflita.
— Não encontrei uma peruca vermelha decente — comentei,
levantando uma peruca vermelha com fios sintéticos totalmente
desgrenhados. — As que têm aqui parecem tão falsas.
Elisa, percebendo minha frustração, colocou a mão no meu ombro.
— Não se preocupe. Conheço um lugar maravilhoso que é famoso
por ter perucas deslumbrantes. Eles certamente terão uma vermelha que
você vai adorar. — Ela rapidamente pegou o celular digitou algo e me
enviou uma mensagem. — Te mandei o endereço deles, tenho certeza de
que você encontrará a peruca perfeita.
— Obrigada, Elisa! Preciso muito ficar parecida com a Jean Grey!
— Eu dei pulinhos de alegria, e Elisa riu enquanto saímos da loja.
— Agora, vamos nos recompensar por essa busca intensa. Que tal
irmos ao Blue Smoke?
A ideia de ir ao Blue Smoke fez meu estômago dar um leve pulo de
empolgação. Eu já estava com fome, e a perspectiva de uma refeição lá era
como um abraço quente em um dia frio. Lembrei-me das refeições
incrivelmente satisfatórias que eles serviam e como um bom prato de
churrasco poderia saciar minha fome por umas duas semanas.
— É um restaurante que serve churrasco, e eu sei que você adora!
Como é mesmo que você comentou no blog uma vez... — Elisa franziu o
cenho pensativa e depois ergueu o indicador, lembrando-se. — Gosto tanto
de carne que é satisfatório ficar com os cantos da boca lambuzados. — Ela
mencionou um trecho que eu havia publicado no blog.
— Nossa, você se lembra! — Eu ri, impressionada com a memória
dela.
— Em dois mil e dezessete, o Chá de Hortelã e Livros era o auge,
Alice. Não sei por que você parou...
— Táxi! — Gritei ao avistar um táxi passando.
O táxi parou na nossa frente. Entramos no carro, e eu tentei não
pensar na tristeza de ter abandonado uma das coisas que mais amava fazer.
Saber que Elisa era uma das minhas leitoras assíduas só me fazia sentir
mais pena de ter deixado tantas pessoas sem notícias.
— Ao Blue Smoke, por favor. — Elisa disse ao motorista, que
assentiu e deu partida. Então, ela se virou para mim. — Quer mudar de
assunto, Alice?
— É que é triste lembrar disso... — Eu encarei meus dedos,
apertando-os levemente.
— Por que você não continua?
Levantei o olhar e encarei os olhos dela. Não sabia se conseguiria
retomar de onde parei, como se surgisse das cinzas e nada tivesse
acontecido. Não era uma boa ideia, mas também não tinha certeza.
— Por que... aquela Alice Smith, que reclamava da vida que um dia
quis ter, agora está construindo algo novo... não sei se é uma boa ideia.
— Ah, Alice...
— Vamos pensar nisso quando estivermos no restaurante? —
Perguntei, fuzilando-a com os olhos.
— Combinado!
A caminho do restaurante, Elisa comentou sobre suas recentes
entrevistas e como foi frustrante o ultimo entrevistado, era um autor de um
livro de terror e que ele era tão esquisito que Elisa achou que ele estava
amaldiçoado. Nós rimos de nervosa diante da análise dela.
Chegamos ao Blue Smoke e saímos do táxi. Entramos no
restaurante e, felizmente, não havia fila de espera. Encontramos uma mesa
disponível rapidamente e nos acomodamos. O ambiente estava acolhedor, e
o aroma dos pratos que chegavam às mesas vizinhas era quase irresistível.
— Que ótimo que conseguimos uma mesa tão rápido! — Eu
comentei, já animada com a expectativa do jantar.
— Sim! — respondeu Elisa, sorrindo enquanto examinava o menu.
O cardápio estava repleto de opções deliciosas, e eu estava em
dúvida entre o brisket e a costela. Finalmente, decidi pela costela, e Elisa
optou pelo brisket, ambos acompanhados de algumas das famosas
guarnições do Blue Smoke.
Enquanto esperávamos, Elisa chamou o garçom e pediu duas
cervejas, o que fez meu ânimo aumentar ainda mais. Eu adorava uma boa
cerveja para acompanhar uma refeição caprichada.
— Ok, estamos aqui. Agora me diz Alice, você ainda pensa em
voltar a escrever no blog? — Elisa perguntou, esfregando as mãos ansiosa,
revirei os olhos.
— Ah, não sei... — eu relutava. — Já faz tanto tempo. Às vezes
sinto que ninguém mais se interessa.
— Não diga isso! — Elisa insistiu. — Liz poderia até abrir um
espaço na editora para você, se você quisesse escrever sobre mais.
— Sério? — Eu ri um pouco, achando a ideia absurda. — Não sei...
Parece um pouco impossível. Liz tem uma editora enorme, e eu não sei se
teria espaço lá para algo que envolva o que eu fazia, afinal eu era crítica
literária de diversos livros e falava sobre a minha vida.
— Pode ser mais viável do que você imagina — Elisa ponderou. —
Afinal, seu blog foi um sucesso, e quem sabe não há uma chance de você
retornar criticando os livros de novos autores e ainda os da editora.
O garçom trouxe as cervejas e elas estavam escorrendo água de tão
geladas. Levantei o copo para brindar com Elisa.
— Aqui está, pelo retorno do blog ou não, e pelo Blue Smoke, que
nunca decepciona! — eu brindei, já ansiosa para o que estava por vir.
Elisa riu e levantou seu copo para brindar também. Brindamos e eu
tomei longos goles de cerveja.
— Ok, agora me fale sobre Marcus. — Disse Elisa.
Engasguei imediatamente e comecei a tossir, tentando me recompor
enquanto a cerveja escorria pela minha boca.
— Alice, está tudo bem? — Elisa perguntou, preocupada, enquanto
ria da situação.
— Só... um pouco de cerveja no lugar errado — eu respirei fundo,
ainda tentando recuperar a compostura.
O riso de Elisa se tornou gargalhadas e, de repente, a atenção dos
outros clientes no restaurante se voltou para nós. Eu me senti corar, os olhos
de algumas pessoas se fixando em nossa mesa.
— Eu não sabia que falar do Marcus tinha esse efeito! — Elisa
exclamou, entre gargalhadas.
— Eu... eu realmente não esperava que você mencionasse o nome
dele! — eu disse, tentando esconder o rosto atrás do cardápio. — E não é
tão engraçado assim.
Elisa se esforçou para se acalmar, enxugando as lágrimas de tanto
rir.
— Desculpe, Alice, mas sua reação foi épica. Não consegui evitar.
— Ela olhou ao redor, notando o olhar curioso dos outros clientes. — Acho
que atrapalhamos a paz de quem queria uma refeição tranquila.
— É, parece que nossa noite já está gerando manchetes — eu disse,
forçando um sorriso. — E não era exatamente a cobertura que eu esperava.
— Mas, sério, você nunca me contou exatamente o que aconteceu
entre vocês. Fiquei curiosa.
— Ah, é uma longa história — eu respondi, ainda tentando me
recompor. — E, honestamente, não sei se estou pronta para reviver tudo
isso agora.
— Pelo que eu sei, ele quase te beijou no jogo de basquete e te
levou para casa bêbada numa noite de sábado. Estou perdendo algo? —
Elisa parecia genuinamente intrigada.
— Jura, Elisa? — Eu levantei uma sobrancelha.
— O que? Pensei que vocês se conheciam bem, já que suas mães
são amigas. — Elisa deu um gole na sua bebida, ainda com um olhar
curioso.
— A gente não se via. Eu evitava eventos com a minha mãe sempre
que podia. Sério, eu tento evitar estar no centro das atenções — eu
expliquei, frustrada. — Isso que aconteceu com o Marcus só prova que eu
não sirvo pra isso.
— Entendo — Elisa respondeu, com um tom pensativo. — Bem,
pelo menos sabemos que ele consegue te provocar. — Elisa deu um sorriso
de lado, divertido. — Já que sempre que mencionamos o nome dele suas
bochechas ficam vermelhas.
— Não, com certeza não — fiquei boquiaberta diante do
comentário dela. — Ele não me deixa vermelha desse modo que você está
achando, é de vergonha mesmo!
— Sei, vergonha... é obvio que ele te provoca! — Elisa riu. — Não
posso acreditar que você está tão confusa sobre isso. Eu diria que você tem
uma pequena paixão reprimida aí.
— Você está louca? — Eu dei um leve empurrão em Elisa — Não é
paixão.
— Eu nunca estou errada Alice. — Elisa disse erguendo as
sobrancelhas em provocação — Mas, por agora, aproveite a comida e tente
não pensar demais no Marcus.
— Combinado. — Ironizei, revirando os olhos.
Eu sorri e ergui meu copo, tomando mais um gole de cerveja
enquanto o garçom chegava com nossos pratos. O aroma irresistível do
churrasco invadiu o ar, e meu estômago deu um pulo de alegria. Sem perder
tempo, cortei um pedaço suculento de carne, e o sabor defumado me fez
fechar os olhos por um segundo. Nada como churrasco para aliviar qualquer
tensão.
Enquanto mastigava lentamente, as palavras de Elisa ecoavam na
minha cabeça: "Paixão reprimida". Eu quase engasguei de novo só de
lembrar. Paixão? Por Marcus? Absurdo. Eu ri internamente, pegando outro
pedaço de carne e levando-o à boca, tentando afastar aquela ideia.
Era ridículo, claro. Marcus me irritava de uma forma que ninguém
mais conseguia, e o fato de ele sempre aparecer nos momentos mais
inconvenientes não ajudava. Eu mordi com mais força um pedaço de carne,
como se isso pudesse ajudar a dissipar o desconforto. Mas, enquanto
mastigava e tomava mais um gole de cerveja, a ideia continuava rondando,
insistente. A última coisa que eu queria era nutrir qualquer tipo de emoção
por ele. No entanto, o comentário de Elisa havia plantado uma pequena
dúvida, e isso me incomodava. Talvez eu estivesse apenas cansada, ou
talvez eu estava tempo demais sem beijar alguém para sentir algo esquisito
quando ele me beijou. Mas gostar dele? Isso era demais para processar, e a
ideia parecia simplesmente absurda.
Enquanto mastigava distraidamente o último pedaço de carne no
prato, notei um casal se levantando da mesa ao lado. Eles pareciam tão
animados, rindo um com o outro, em perfeita sintonia. O homem, com um
sorriso nos lábios, tirou o casaco e gentilmente colocou sobre os ombros da
mulher. Um daqueles gestos clássicos de cavalheirismo que a gente só vê
em filme.
Me peguei acompanhando o casal com o olhar discreto enquanto
eles saíam pela porta do restaurante, ainda imersos naquela bolha
romântica. E então, do lado de fora, o homem enfiou a mão no bolso da
jaqueta e puxou uma carteira de cigarros. Ah, aquele pequeno cilindro...
Minhas mãos quase formigaram de saudade. Um simples cigarro poderia,
talvez, resolver a confusão que girava na minha cabeça. Tão pequeno, tão
inofensivo... e ao mesmo tempo, tão eficaz em me acalmar quando nada
mais parecia fazer sentido. Eu suspirei, sentindo uma pontada de nostalgia.
O cheiro do tabaco queimando, a fumaça escapando pelos meus lábios. Por
um segundo, quase senti o gosto na minha boca. Mas não podia. Eu sabia
que não podia. Eu tinha prometido a mim mesma que não cairia nessa
tentação de novo.
"Alice, você não precisa disso", repeti mentalmente, quase como
um mantra. Mas a tentação de apagar o caos dos meus pensamentos com
uma tragada era inegável. Balançando a cabeça, afastei o pensamento.
Tinha prometido, e não seria hoje que eu quebraria essa promessa.
Depois de um bom tempo, nós saímos do restaurante com a
sensação agradável de ter finalmente comido algo decente. Meu estômago,
acostumado aos improvisos de McDonald's ou jantares congelados
esquentados no micro-ondas, agradecia silenciosamente por ter sido tratado
com dignidade pelo menos uma vez naquela semana. Estava escuro lá fora,
mas a rua de Nova York ainda pulsava com vida, como sempre.
— Isso foi incrível, preciso confessar — comentei, esfregando
levemente a barriga. — Já estava esquecendo como era comer algo que não
vem com batata frita de acompanhamento.
Elisa riu, balançando a cabeça.
— É por isso que você precisa sair mais comigo, Alice. Não
podemos deixar você sucumbir à dieta do fast food.
Rimos juntas por alguns segundos, paradas na calçada, enquanto o
vento frio da noite começava a nos envolver. Elisa sinalizou para um táxi e
se virou para mim com um sorriso caloroso.
— Foi ótimo, Alice. Precisamos fazer isso de novo logo.
— Com certeza — concordei. — Mas da próxima vez, talvez um
restaurante com menos chances de me fazer querer casar com um prato de
churrasco.
— Fechado. Se cuida, ok? E pense sobre o que conversamos. — Ela
me deu um abraço rápido antes de entrar no táxi que havia parado na nossa
frente.
— Vou pensar — acenei enquanto ela fechava a porta e o táxi
partia.
Eu não queria pensar em mais nada naquela noite, mas a ideia de
Elisa sobre voltar com o blog, me fez ficar em modo de alerta. Não era uma
má ideia, obvio. Acenei para o táxi que estava entrando na rua, e ele parou
para mim. Entrei no carro, me ajeitei no banco e suspirei, como se todo o
peso das últimas semanas estivesse de repente ali, no assento ao meu lado.
— West 87th Street, por favor — disse ao motorista.
Encostei a cabeça no vidro, observando a cidade passar em borrões
de luzes e sombras. Eu pensava na confusão eu me meti, enquanto a ideia
absurda se desenrolava na minha mente: eu, Alice, sendo cogitada como
namorada do segundo homem mais rico do mundo. Parecia piada.
E o pior de tudo? Eu nem sabia o que sentia por Marcus. Amor?
Jura? Não... Isso era longe demais. Absurdo. Mas o beijo... Ah, o beijo.
Esse foi algo que nem mesmo eu poderia negar. Foi muito bom. Meu corpo
inteiro reagiu de uma forma que ainda me surpreendia quando lembrava. E,
apesar de todos os meus esforços para ignorar ou racionalizar, algo naquele
momento havia mexido comigo. Eu estava em negação, claro. Tinha que
estar. Porque se admitisse qualquer outra coisa, seria o começo de uma
confusão ainda maior.
Era a nossa noite de pôquer, algo que eu e a minha avó fazíamos há
anos, e eu já tinha ganho cinquenta pratas. Eu olhava para as cartas na
minha mão nervosa, mas ao mesmo tempo empolgada, pois eu estava
ganhando. E estava com um par de reis. Mas, claro, isso poderia mudar num
piscar de olhos. Minha avó era uma especialista em blefar, e eu não podia
subestimá-la, mesmo com seu ar inocente enquanto tomava seu café fresco
do outro lado da mesa. Ela me olhava com aqueles olhos astutos, segurando
a xícara com tanta calma que parecia quase indiferente à pressão do jogo.
Eu, por outro lado, estava me agarrando à minha xícara de chá de hortelã
com mel, tentando manter a compostura. Minha mente estava a mil.
— Então, vai jogar ou não? — perguntei, tentando esconder o
nervosismo por trás de uma expressão confiante.
Ela deu um gole no café, sem pressa, me deixando naquela agonia.
Com toda a serenidade do mundo, ela colocou a xícara sobre a mesa e olhou
de volta para suas cartas, em silêncio. Meu cérebro gritava para ela decidir
logo, mas eu sabia que minha avó adorava esse tipo de tensão. Era parte do
charme dela, fazer a outra pessoa suar até o último segundo.
— Você tá muito confiante hoje, hein, Alice? — Ela disse
finalmente, com um sorriso que só podia significar uma coisa: perigo.
Engoli em seco, tentando não demonstrar que meu estômago estava
dando voltas. Eu já estava praticamente sentindo o gosto da derrota.
A carta caiu na mesa com a sutileza de uma bomba: um ás. Minha
avó olhou para mim por cima dos óculos e, com um sorriso enigmático,
empurrou todas as fichas para o centro da mesa.
— Aposto tudo — disse, calmamente.
Ela estava blefando. Só podia estar. Olhei para as cartas na minha
mão, relutante. Eu sabia que deveria sair dessa, mas meu orgulho, ah, meu
orgulho não ia me deixar fazer isso. Meu coração acelerou. Eu também
podia blefar, certo? Afinal, já tinha chegado até aqui. Respirei fundo e,
antes que pudesse mudar de ideia, empurrei minhas fichas para o centro da
mesa.
— Aposto tudo também — respondi.
O sorriso da minha avó se transformou numa risada silenciosa
enquanto ela, com uma lentidão provocante, revelava suas cartas.
— Trinca de ás, querida.
Eu congelei. Três ases? Olhei para suas cartas e depois para as
minhas, que pareciam ridiculamente inúteis agora. Meus ombros caíram e
eu joguei minhas cartas na mesa, erguendo as mãos no ar.
— Não acredito nisso! — exclamei, ainda rindo apesar da derrota.
— Como você sempre consegue fazer isso comigo? Eu jurava que dessa
vez você estava blefando!
Ela recolheu as fichas com a calma de quem faz isso há anos e deu
uma piscadela.
— Experiência, querida. Experiência.
Eu me recostei na cadeira, tentando me recuperar da derrota e do
choque.
— Eu realmente achei que tinha alguma chance dessa vez.
— E achou certo. Só que sua velha avó ainda tem uns truques na
manga — ela respondeu, tomando um gole do café.
— Eu só queria entender de onde vem essa sua sorte toda —
comentei, ainda sorrindo, mas de braços cruzados em derrota.
— Não é sorte, Alice. É prática... — Ela piscou de novo.
Eu ri, sabendo que, no fundo, ela tinha razão. Mesmo que eu
perdesse, essas noites eram sempre uma vitória. Perder para a minha avó
nunca era só sobre o jogo. Era sobre compartilhar esses momentos com ela,
as risadas, as provocações, e a conexão que tínhamos.
— Vou acabar falida desse jeito, vovó — brinquei, enquanto
recolhia as cartas.
Ela riu, aquela risada suave e cheia de experiência que só ela tinha.
— Ainda tem muito jogo pela frente, querida. Talvez você possa
pegar de volta essas cinquenta pratas, ou me fazer ganhar mais cinquenta!
— Nem pensar! — retruquei, balançando a cabeça. — Não quero
mais aumentar a banca.
A noite continuou e eu bem que tentei recuperar o que perdi, mas a
verdade era que, por mais que eu me esforçasse, a velha tinha um talento
inegável para o jogo. No fim das contas, ela saiu com cem dólares no bolso
e eu, com trinta. Um saldo magro, mas suficiente para manter minha
dignidade — ou ao menos, o que restava dela. Depois nos despedirmos,
com um abraço e a promessa de uma revanche em breve.
As luzes da rua iluminavam a calçada enquanto eu caminhava em
direção à minha casa, o frio da noite começava a cortar mais fundo, mas
isso não me incomodava tanto quanto outra coisa. Eu tentava focar no som
dos meus passos, mas minha mente insistia em voltar àquelas fotos. As
fotos de mim e Marcus, espalhadas na internet, como se fôssemos um casal.
Aquilo estava me incomodando mais do que eu queria admitir. Eu, a
namorada do segundo homem mais rico? Era surreal, e a atenção que isso
estava trazendo me deixava desconfortável. E o pior? Eu não tinha ideia do
que realmente sentia por ele.
Suspirei, tentando espantar o pensamento, mas minha cabeça já
estava mergulhada no caos. As fotos foram um choque. Não que o beijo não
tivesse sido... bem, maravilhoso, mas eu não queria esse tipo de exposição,
muito menos com alguém como Marcus, que parecia atrair problemas e
paparazzi como um imã. E o mais irritante é que, por mais que eu tentasse
ignorar, ele mexia comigo. Mais do que deveria.
Do outro lado da rua, um homem dentro de um carro teimava em
fazê-lo pegar. Ele batia no volante com raiva, soltando alguns xingamentos
que, embora abafados pelas janelas fechadas, eram visíveis nos seus gestos
exagerados. A cena me arrancou um riso, uma distração momentânea que
foi cortada de forma brusca quando tropecei numa abóbora
estrategicamente colocada na calçada. Quase fui de cara no chão.
Me desequilibrei, os braços se movendo no ar de forma desajeitada,
e consegui me agarrar na grade da escada de uma casa.
— Que droga! — murmurei, olhando para baixo. Meu tênis e calça
estavam manchados de laranja. — Que beleza, Alice!
Me ajeitei de pé, tentando limpar a calça com as mãos, mas sem
muito sucesso. Continuei o caminho para casa, agora com passos mais
apressados, querendo deixar aquele incidente para trás. Assim que cheguei,
tirei os tênis sujos antes de entrar. O silêncio me recebeu assim que entrei e
fechei a porta, um alívio imediato, abri o zíper da calça e tirei ela deixando-
a no chão perto da porta e o tênis em cima. Decidi acender a lareira para
aquecer a casa, e também pra compensar o frio que estava sentindo depois
de tirar a calça suja. Fiquei apenas de camisa e calcinha, largando o casaco
sobre o sofá. Eu estava usando a minha camisa antiga, uma das minhas
favoritas, com a estampa do Metallica.
Acendi a lareira, observando as chamas dançarem e aquecerem
lentamente o ambiente. As faíscas subiam pela chaminé, e um leve estalo
dos gravetos me trouxe uma sensação reconfortante. O calor foi um abraço
acolhedor, que precisava depois de um dia agitado. Mas não durou muito, já
que meu olhar logo se voltou para a cozinha, onde uma pia abarrotada de
louça suja me esperava — as tristes consequências da pressa antes de sair
para o jogo. Suspirei, já imaginando o tempo que aquilo me tomaria. Não
tinha como escapar. O jeito era encarar com coragem e... uma boa trilha
sonora.
— Alexa, toca "Symphony of Destruction" do Megadeth — pedi,
enquanto caminhava em direção a cozinha. O som pesado das guitarras
ecoou pela casa, dando um toque épico à tarefa ingrata. Peguei o primeiro
prato e comecei a esfregar com força, tentando manter o ritmo da música. A
batida forte me deu uma motivação extra, e de alguma forma, lavar a louça
parecia menos horrível. A cada prato limpo, eu sentia que estava vencendo
uma pequena batalha, ainda que fosse contra a pia.
Terminei de lavar a louça, desligando a torneira com um suspiro de
alívio. Limpei as mãos no pano de prato e rapidamente improvisei um
coque com o cabelo molhado nas pontas, só para tirar do rosto. A música do
Megadeth ainda tocava ao fundo, mas com a louça terminada, o peso do dia
começou a bater. Caminhei até a sala, peguei a calça e os tênis manchados
de abóbora e fui para a área de serviço. Coloquei tudo na máquina de lavar,
ajeitei o sabão e liguei o ciclo rápido.
Subi as escadas com passos cansados, ainda sentindo o calor da
lareira. Quando cheguei ao segundo andar, me deparei com as prateleiras
improvisadas que abrigavam meus livros. Suspirei, meu olhar percorrendo o
cômodo. Aquilo um dia seria a minha tão sonhada biblioteca. Já conseguia
me imaginar rodeada por estantes de madeira cheias de livros, com uma
poltrona confortável no canto, perto da janela grande. Peguei um livro
novo, um romance de fantasia que havia comprado recentemente, e desci as
escadas com ele nas mãos. A capa era vibrante, e eu não via a hora de
mergulhar naquela história. Cheguei à sala e me joguei no sofá com um
suspiro de alívio, como se finalmente estivesse me dando um momento de
paz. Abri o livro, folheando as primeiras páginas, o cheiro de papel novo
subindo e me envolvendo. Meu corpo relaxou ainda mais.

Acordei assustada, com o som insistente do despertador do celular,


ecoando pela sala. Me dei conta de que estava deitada no sofá, o livro
aberto sobre o peito. Dei um pulo, apavorada ao perceber que tinha dormido
ali.
— Mentira que eu dormi aqui — murmurei. Já era segunda-feira.
Levantei num salto, ajeitando o cabelo que estava completamente
desgrenhado. Me olhei de relance no espelho da sala e quase ri. Parecia que
eu tinha saído de um vendaval, com o coque malfeito quase desmanchando.
Subi as escadas correndo em direção ao banheiro do meu quarto.
Tirei o restante do que eu estava vestindo rapidamente. Entrei no chuveiro e
tomei um banho rápido, mas o suficiente para acordar de vez. A água
quente escorria pelo meu corpo, levando o cansaço junto. Saí do banho,
enrolei a toalha em volta de mim e segui para o closet. Abri as portas e dei
de cara com uma infinidade de opções pretas, meu clássico habitual, mas
hoje decidi mudar um pouco. Nada de sobretudo preto. Resolvi pegar uma
jaqueta jeans preta com forro que eu adorava, com a camisa do Led
Zeppelin cinza por baixo. Combinei com uma calça jeans preta, e finalizei
com minhas botas de cano alto estilo montaria.
Peguei minha bolsa que estava pendurada no closet e a joguei sobre
o ombro. Não tinha tempo para preparar café em casa, como de costume.
Decidi que ia tomar café na empresa, o que significava que eu precisava
sair um pouco mais cedo para garantir um momento de paz antes que o
expediente começasse. Nada como uma xícara de café quente antes de
enfrentar as pilhas de manuscritos.
Fechei a porta da frente, respirando o ar fresco da manhã, e
enquanto caminhava pela calçada, me perguntava como iria conseguir um
táxi naquela hora. Mas, por um milagre, um apareceu do nada, como se
estivesse lendo meus pensamentos. Sem pensar duas vezes, sinalizei com a
mão e, para minha sorte, ele parou. Entrei no veículo, me ajeitei no banco e
disse o endereço da empresa ao motorista. Assim que o carro começou a se
mover, senti uma pequena onda de alívio.
Eu estava na máquina de café, desesperada por um pouco de
energia para enfrentar o resto do dia. O aroma era irresistível, e sem pensar
muito, levei a xícara aos lábios, tomando um gole generoso. No mesmo
instante, senti o calor escaldante queimar minha língua. Soltei um grito
abafado, dando uns pulos para trás, completamente surpresa com minha
falta de cuidado.
— Que droga! — murmurei para mim mesma, tentando esfriar a
boca com sopros rápidos e abanando a língua, me sentindo uma completa
desastrada.
Olhei ao redor, torcendo para que ninguém tivesse notado minha
atrapalhada tentativa de tomar café. Pelo menos, parecia que ninguém
estava prestando atenção. Antes que eu pudesse me sentar e processar o
pequeno desastre, a porta se abriu, e Liz entrou na sala.
— Alice? — Liz estava sorrindo. — Você pode vir comigo até a
sala de reuniões?
Meu coração deu um salto. Liz não costumava me chamar para
reuniões sem avisar antes, e minha curiosidade imediatamente tomou conta.
Será que aconteceu algo importante? pensei, enquanto seguia Liz
pelo corredor, tentando não demonstrar o misto de ansiedade e curiosidade
que crescia dentro de mim. Quando chegamos à sala de reuniões, percebi
que não estávamos sozinhas. Margot, a mãe de Liz, já estava sentada à
mesa, com uma expressão calma e acolhedora. Liz contornou a mesa e se
sentou ao lado dela, o que só aumentou minha expectativa.
— Nossa, Margot, que bom vê-la! — Para quebrar o gelo, soltei
um comentário, tentando esconder minha curiosidade. Margot retribuiu o
sorriso, seus olhos brilhando com a mesma gentileza de sempre.
— É sempre um prazer vê-la, Alice!
Meu olhar alternava entre Liz e Margot, esperando por alguma
explicação do motivo dessa reunião tão inesperada. Liz me olhou com um
sorriso enigmático antes de falar, o que só aumentou minha curiosidade.
— Alice, o motivo dessa reunião é uma notícia boa — começou ela,
com um tom de voz suave, mas sério. — Mas antes de tomarmos qualquer
decisão, minha mãe e eu achamos melhor ouvir sua opinião sobre o assunto.
Eu me sentei na cadeira, tentando disfarçar o nervosismo, mas meus
dedos traíam o esforço ao apertar com força o copo de café. O calor do
líquido parecia a única coisa que eu conseguia sentir naquele momento,
enquanto minha mente tentava adivinhar o que elas queriam falar comigo.
Inclinei ligeiramente a cabeça, forçando um sorriso neutro, enquanto meus
olhos iam de Liz para Margot. Liz estava tranquila, e isso me acalmou um
pouco, mas a curiosidade continuava a me corroer por dentro. Margot então
se inclinou um pouco para frente, os olhos dela fixos nos meus, como se
estivesse prestes a soltar uma bomba.
— Precisamos de uma crítica literária — disse ela, pausadamente,
como se estivesse escolhendo cuidadosamente cada palavra. — E
gostaríamos muito que essa voz viesse de você, Alice.
Por um momento, fiquei sem reação. Senti meus olhos se
arregalarem de surpresa, embora eu tentasse manter uma compostura
profissional. Era difícil processar o que eu acabara de ouvir. Elas queriam
que eu, Alice, fosse a crítica literária? O choque logo deu lugar a uma
felicidade genuína que me fez sorrir sem nem perceber. Elisa havia
mencionado que eu tentasse um lugar na editora exatamente em relação a
isso.
— Eu... eu nem sei o que dizer — respondi, ainda tentando
assimilar a proposta. Mas, ao ver o olhar encorajador de Liz e Margot, a
insegurança começou a se transformar em uma crescente empolgação. —
Estou honrada. De verdade! Isso significa muito para mim.
— Então você aceita? — perguntou Liz, inclinando-se ligeiramente
para frente, com um sorriso que parecia já saber a resposta.
— Mas... o quão exposta eu terei de ser? — perguntei, sentindo
uma leve onda de nervosismo.
Críticos literários de editoras geralmente eram figuras públicas,
muito expostas nas redes sociais, e essa ideia me deixava um pouco
desconfortável. Margot, percebendo minha hesitação, entrelaçou as mãos
sobre a mesa e suavizou a expressão, como se quisesse garantir que eu me
sentisse à vontade.
— Você será tão exposta quanto quiser ser, Alice — respondeu ela,
piscando para mim com um ar compreensivo. — Sei que você tem suas
reservas em ser sociável e estar em evidência. Não precisamos forçar isso.
Será que ela sabia das fotos? A com certeza, ela era mãe de Marcus,
era obvio que ela sabia.
— Eu só não gostaria de tirar fotos ou gravar vídeos. — Confessei,
com uma expressão de nervosismo evidente.
— Você e sua aversão a fotos... — Liz soltou uma risada leve e
balançou a cabeça, ainda sorrindo.
— Mas é sério! Você viu a dificuldade que eu tive. Sou péssima
nisso!
— De jeito nenhum, querida. Na verdade, você fica ainda mais
bonita quando é pega desprevenida. — Liz piscou para mim, confirmando
que realmente tinha visto as fotos.
— Margot, eu... — engasguei, ainda mais nervosa, tentando
encontrar palavras para expressar meu desconforto. — Eu juro que tentei
fazer com que seu filho tirasse as fotos daquele site.
— Alice, não é só uma questão de dinheiro para esses sites. Eles
sempre têm maneiras de republicar as fotos em outros lugares. Marcus não
tentou tirá-las porque, para ele, isso realmente não era um problema. — Liz
falou com uma expressão que deixava claro que ela sabia do que estava
falando.
— Desculpa... Não entendi? — perguntei, ainda confusa.
— Sério? — Liz riu, mas antes que pudesse responder, Margot
tocou o braço dela, um gesto como se quisesse silenciar a filha para ela não
falar demais. Fiquei confusa, mas decidi ignorar. Então Margot me olhou.
— Continuando... já que você concorda com nossa proposta,
gostaríamos de anunciar oficialmente seu novo cargo na festa beneficente
no final do mês.
A festa à fantasia... Elas queriam anunciar meu novo cargo em um
dos eventos mais importantes da empresa. E na frente de um monte de
gente. Meu estômago começou a dar voltas só de pensar nisso.
— Mas por que isso merece um anúncio tão grandioso? —
perguntei, tentando esconder meu nervosismo.
— Porque você será a primeira crítica literária da nossa empresa, e
sua voz será ouvida por muitos dos nossos assinantes. Além disso, vamos
lançar um ranking dos melhores livros do ano, e você será a responsável por
elaborá-lo. — Liz explicou, visivelmente animada com a ideia.
Eu, por outro lado, comecei a sentir uma onda de ansiedade
crescendo. O peso da responsabilidade e a ideia de estar em destaque em
um evento tão grande me deixaram nervosa. Meu coração estava acelerado,
e minhas mãos começaram a suar.
— Como pretendem fazer esse anúncio? — perguntei, tentando
manter a calma.
— Durante a festa, quando todos estiverem reunidos, faremos um
pequeno discurso sobre as novidades da empresa. E então, vou chamar você
ao palco para apresentar seu novo cargo. Não precisa se preocupar, será
breve, mas queremos que todos saibam da importância do seu papel. — Liz
disse, sorrindo de forma tranquilizadora. — Ah, e você começará
oficialmente no novo cargo a partir do mês que vem, então terá algum
tempo para se preparar.
Meu coração acelerou ainda mais. A ideia de subir no palco e ser o
centro das atenções me deixava inquieta. Mesmo com o sorriso encorajador
de Liz, não conseguia evitar o nervosismo que tomava conta de mim. Saí da
sala de reuniões depois de conversarmos bastante sobre o novo cargo.
Estava com uma mistura de contentamento e nervosismo. Não conseguia
parar de pensar em como essa oportunidade poderia ser incrível para mim.
Afinal, era exatamente isso que eu queria, não? Falar de livros, ler o dia
todo e ainda ser paga—e muito bem paga—para isso.
Depois do fim do expediente, fui direto para casa, e Elisa fez
questão de ir comigo para ajudar a receber a estante que comprei para
minha coleção de CDs. No caminho, pegamos um táxi e, enquanto a cidade
passava pela janela, Elisa estava visivelmente animada.
— Alice, não consigo acreditar que você conseguiu a promoção! —
Elisa exclamou, os olhos brilhando de empolgação. — Foi uma ideia
brilhante, eu sabia que você ia arrasar!
— Eu também estou surpresa, para ser honesta. — Eu respondi,
ainda um pouco incrédula. — Nunca pensei que elas pensariam nisso
também. Mas, desde que você mencionou a ideia de eu me tornar crítica
literária novamente, eu fiquei pensando nisso.
— Esse cargo é perfeito pra você! — Elisa disse, gesticulando com
entusiasmo.
— É, ele é mesmo. — Eu sorri, tocando levemente o ombro de
Elisa. — E agora que tudo está começando a acontecer, estou realmente
animada para ver onde isso vai levar.
— E nem me fale das outras ideias que eu tenho para você! — Elisa
continuou piscando. — Podemos escrever seu próprio livro, ou quem sabe
até um podcast. As possibilidades são infinitas!
— Nossa, calma aí! — Eu ri, imaginando o trabalho que isso
poderia dar. — Vamos com calma, ainda preciso me adaptar a essa nova
função e ver como vai ser.
— Te peguei! — Elisa disse gargalhando. — A sua cara foi hilaria!
Bati levemente no ombro dela.
— Palhaça. — Eu murmurei, olhando pela janela. Enquanto o táxi
se aproximava da minha casa. Eu sorria de orelha a orelha, eu estava muito
animada com a nova oportunidade e ainda mais que sabia que tinha pessoas
ao meu lado que acreditavam no meu potencial.
Quando chegamos, nos deparamos com o caminhão da empresa já
estacionado em frente à minha casa. Dei pulos de alegria enquanto abria a
porta, mal conseguindo conter a empolgação. A caixa era enorme e pesada,
e só de olhar para ela, senti um arrependimento imediato por não ter
contratado um montador. O pessoal da empresa deixou a caixa bem no meio
da sala e foram embora. Eu e Elisa trocamos um olhar de desespero, cientes
de que montar aquilo seria uma tarefa enorme.
— Alice, boa sorte com esse manual de instruções. Olha só o
tamanho dessa coisa! Aposto que é mais grosso que a Bíblia.
— Sabe o que seria mais fácil? Devolver isso e colar todos os CDs
na parede, como uma decoração! — Eu disse, tentando manter um tom leve,
mas com um toque de diversão.
Elisa ergueu as sobrancelhas e cruzou os braços, me observando
com um olhar cético.
— Alice. Hoje em dia, ninguém mais usa estante! Por que insistiu
que precisava de uma para colocar esses seus CDs de rock?
— Porque música é a minha vida, e sem ela eu fico maluca.
— Mas, Alice, não estamos mais nos anos 2000. Já ouviu falar de
Bluetooth? E você já viu uma Alexa? — Elisa ironizou, soltando uma
risada.
— Eu tenho uma — Apontei para a Alexa no balcão da cozinha. —
Mas eu gosto de guardar essa coleção de CDs, mesmo que eu nunca mais os
ouça.
— Eu não entendo, mas tudo bem. — Elisa respondeu, dando de
ombros com um sorriso.
No final das contas, decidimos que enfrentar aquele manual de
instruções era uma missão impossível. As palavras confusas e as ilustrações
estranhas eram demais para nós. Depois de algumas tentativas frustradas,
jogamos a toalha e Elisa foi embora já passava das nove da noite, eu
encarava aquela caixa e pensando que talvez Elisa estivesse certa desde o
começo. Agora, eu só não sabia se devolvia a estante ou contratava um
montador. Tudo o que eu queria era um espaço para colocar meus CDs
favoritos e adicionar alguns itens decorativos — só isso.
Coloquei minha bermuda mais confortável e uma camisa velha do
Metallica, daquelas que já estão tão gastas que parecem um abraço. Me
escorei na bancada da cozinha e comecei a cortar os morangos com a maior
preguiça do mundo, quase em câmera lenta. O cheiro doce da fruta já estava
me dando água na boca, e eu só conseguia pensar no quão bom aquilo ia
ficar com leite condensado. Com a faca na mão, fui cortando pedaço por
pedaço, de vez em quando pegando um pedaço de morango e jogando
direto na boca. Despejei com vontade o leite condensado na tigela, aquilo
estava com uma cara maravilhosa.
De repente, a campainha tocou, e eu dei um pulo. Quem em sã
consciência iria aparecer na casa de alguém a essa hora? Dei de ombros,
peguei um morango inteiro da tigela e, sem pressa, fui mordendo ele aos
poucos enquanto caminhava até a porta. No meio do caminho, dei uma
olhada para a sala, só para me certificar de que a casa estava em ordem —
vai que, né? Com o morango na boca, abri a porta de uma vez, sem pensar
duas vezes, mas fiquei de boca aberta ao ver Marcus de moletom, com um
olhar casual e despretensioso.
— Marcus? — minha voz saiu mais surpresa do que eu pretendia. E
eu engoli o restante do morango com a sensação que estivesse engolindo
pregos.
— Posso entrar? — perguntou ele, tentando manter um tom casual,
mas havia uma inflexão na voz que não passou despercebida. Hesitei por
um instante, ainda tentando processar a situação, mas acenei com a cabeça e
me afastei para dar espaço.
Ele entrou, caminhando até o centro da sala, enquanto seus olhos
faziam um rápido reconhecimento do ambiente. Havia algo diferente nele.
Notei que ele passou a mão pela nuca, um gesto que denunciava seu
desconforto. Eu me perguntei se havia algum motivo específico para sua
visita inesperada.
— Então... — comecei tentando soar despreocupada, embora meu
coração estivesse acelerado. — O que traz você aqui?
— Parabéns pelo novo cargo.
— Ah... obrigada? — franzi o cenho, confusa.
— Liz me contou há pouco — ele disse, dando um meio sorriso,
mas com um olhar que não conseguia esconder a seriedade que sentia.
— Pensei que você soubesse de tudo sobre suas empresas antes
mesmo de tomarem decisões — retruquei com sarcasmo, levantando uma
sobrancelha. O sorriso dele me parecia forçado, e eu começava a achar que
havia algo mais por trás daquela visita.
— Liz sabe o que faz, e me poupe do seu sarcasmo. Eu vim por
outro motivo.
Bingo.
— Qual seria?
— O que está rolando entre você e Simon? Sabe, Alice, eu não sou
muito fã de relacionamentos dentro da empresa... — Ele contraiu o maxilar.
— Sério? Por que não mandou sua secretária me enviar um e-mail
com esse alerta? Ou, melhor ainda, me demita! — Minhas palavras saíram
carregadas de sarcasmo e frustração enquanto me afastava para a cozinha.
Precisava de um momento para me recompor. Abri a geladeira, pegando um
copo d'água para acalmar a secura em minha boca. Olhei para a bancada e a
tigela com os morangos estava ali me esperando.
— Eu não vou te demitir, Alice! — Ele declarou com firmeza, sua
voz ressoando pela cozinha.
— Poderia, afinal... você faz isso com todos que não agem
conforme as suas regras.
— Já te falei que isso são boatos. Eu vim aqui como um amigo,
para te alertar que isso pode prejudicar sua carreira na editora. — Marcus
me seguiu, parando na entrada da cozinha. Sua presença parecia preencher
o espaço, o que aumentava a tensão entre nós.
— Marcus... você está se ouvindo? Você veio à minha casa tarde da
noite, vestindo moletom, só para saber o que eu e Simon temos? — Minha
incredulidade transparecia na voz enquanto eu tentava entender o que
realmente o motivava a estar ali.
— Sim, preciso saber antes de tomar uma decisão. — Ele deu mais
um passo em minha direção, o olhar fixo e penetrante, como se estivesse
tentando desvendar meus pensamentos.
— Que decisão?
— Vai responder à minha pergunta ou vai continuar desviando com
outras perguntas? — A intensidade em sua voz me fez encará-lo com
desconfiança. Ele estava tão perto agora que podia sentir o calor que
emanava dele.
— Fala sério, você é doente! — Soltei, tentando afastar a sensação
de sufocamento que sua proximidade me causava, mas a tensão entre nós
era inegável. O sarcasmo transbordava da minha voz, enquanto eu o olhava
com uma mistura de desdém e frustração. Ele avançou um passo, e eu
percebi que estava encurralada, com o frio da geladeira pressionando
minhas costas.
— Eu sou o quê? Só porque vim aqui fazer uma simples pergunta,
você me chama de doente?
Não sabia o que pensar. Estava completamente confusa. O que
Marcus queria de mim? A pergunta sobre Simon parecia completamente
deslocada, e a forma como ele se aproximava só me deixava ainda mais
desnorteada.
— Alice?
A voz dele interrompeu meus pensamentos, e eu levantei o olhar,
encontrando seus olhos azuis fixos em mim. Ele era muito mais alto do que
eu, o que fazia com que seu queixo ficasse à altura da minha cabeça.
Sentindo-me pequena diante dele, instintivamente fiquei na ponta dos pés,
numa tentativa de diminuir a sensação de inferioridade.
— Marcus... você é tão... — A raiva cresceu dentro de mim,
tornando difícil encontrar as palavras certas.
— Sou o quê? — Ele se aproximou ainda mais, até que a distância
entre nós fosse quase inexistente. Seus olhos não deixaram os meus por um
segundo sequer, enquanto ele estendia os braços e colocava as mãos sobre a
geladeira. A voz dele, baixa e séria, quase um sussurro. Agi por impulso,
sem pensar direito e colei nossos lábios. Ele ficou surpreso no início, mas
logo cedeu ao beijo. Seus braços se moveram com agilidade, me pegando
no colo e me colocando sobre a mesa. Eu não sabia exatamente o que estava
fazendo, só sabia que queria sentir. Sentir seu beijo, seu toque. A língua de
Marcus encontrou a minha, e minhas mãos rapidamente se enroscaram em
seus cabelos, puxando-o para mais perto. Ele retribuía cada movimento com
uma intensidade que me fazia perder o fôlego. De repente, ele afastou
nossos lábios e puxou meu cabelo para trás, seus lábios deslizando pelo
meu pescoço com uma delicadeza que me fez arfar. Ele traçou um caminho
de beijos desde meu pescoço até meu queixo, antes de voltar a colar sua
boca na minha, puxando-me contra seu corpo com uma necessidade quase
desesperada.
Marcus abriu minhas pernas, posicionando-se entre elas. Suas mãos
desceram firmemente até meu quadril, antes de apertar com força minhas
coxas, enviando uma onda de prazer por todo o meu corpo. Eu estava
praticamente sem fôlego. Eu estava usando uma camisa larga e short curto,
pois era minha roupa de dormir, mas parecia que eu estava sem roupa.
— Marcus... — consegui sussurrar entre os beijos, minha respiração
ofegante, enquanto sentia suas mãos explorarem meu corpo, cada toque
aumentando a necessidade que ardia dentro de mim. Eu não sabia que
precisava tanto disso até que tudo começou a acontecer. Suas mãos subiam
por minhas costas, provocando arrepios por toda a minha pele. Marcus
interrompeu o beijo por um breve segundo os lábios ainda roçando os meus,
enquanto sua respiração quente se misturava com a minha.
— O que? — sussurrou, com a voz abafada e rouca.
Eu não tinha uma resposta clara, mas sabia que qualquer hesitação
havia se dissipado. Em vez de responder, puxei-o para mais perto, colando
nossos lábios novamente em um beijo ainda mais urgente, minha mente
ofuscada pela necessidade de sentir cada centímetro do seu corpo contra o
meu. Suas mãos continuaram a explorar, subindo e descendo pelo meu
corpo, enquanto ele se movia com precisão, como se soubesse exatamente o
que fazer para intensificar cada sensação. Ele pressionou seu corpo mais
firme contra o meu, aprofundando o beijo, enquanto suas mãos deslizavam
até a curva dos meus quadris, agarrando-me com força.
Foi nesse momento que percebi que, se continuássemos, ambos nos
arrependeríamos do que poderia acontecer.
Com um impulso repentino, o afastei e desci rapidamente da mesa.
Toquei meus lábios, ainda surpresa pela intensidade daquele beijo. Pisquei
algumas vezes, tentando recuperar o fôlego, enquanto Marcus passava a
mão pelos cabelos, mordendo os lábios.
— Era exatamente isso que eu queria evitar... — Ele murmurou,
com o olhar ainda fixo em mim. Franzi o cenho, tentando entender suas
palavras. — Se você não tivesse parado, eu não teria conseguido.
— Marcus... — sussurrei, ainda tentando processar tudo.
— Alice, não sei o que você faz comigo, mas não consigo parar de
pensar nisso. — A voz dele era grave, carregada de uma sinceridade que me
desarmava.
— Podemos ignorar o que aconteceu?
— Se você quer..., por mim tudo bem. — Ele disse compreendendo.
Por um momento, ficamos em silêncio, ambos confusos e sem saber
como seguir a partir dali. Então, como se buscando uma fuga, Marcus
desviou o olhar para a sala. Seus olhos se fixaram na enorme caixa no chão,
e ele finalmente quebrou o silêncio com uma mudança abrupta de assunto.
— O que é aquilo? — perguntou, encarando a caixa com
curiosidade.
— Ah, isso... — respondi, sentindo um alívio sutil por ele ter
mudado de foco. — É a minha estante, para colocar meus CDs e algumas
decorações.
— Você comprou uma estante? Por que não quis colocar prateleira
na parede? — Ele franziu o cenho, como se a ideia de uma estante fosse
algo antiquado.
— Por que vocês são tão apegados à modernidade, hein? Eu gosto
de estantes, tem um charme diferente. E ainda não conseguiu montá-la, mas
vou contratar um montador. Me arrependi de tentar fazer isso. — Falei,
caminhando até a sala com um suspiro.
Marcus colocou as mãos na cintura, encarando a caixa, e começou a
desembalar o conteúdo.
— Marcus, o que está fazendo? — perguntei, surpresa.
— Vou montar isso pra você — ele respondeu casualmente, como
se fosse a coisa mais normal do mundo.
— Você... vai montar?
— Sim, por que não? — Ele respondeu sem tirar os olhos da caixa.
— Tem as ferramentas?
Fiquei um momento em silêncio, absorvendo o que acabara de
acontecer.
— Hum... sim, aqui — murmurei, estendendo a ele a caixa de
ferramentas que eu tinha comprado dois dias antes achando que poderia dar
conta de montar essa estante. Ele pegou a caixa, examinou o conteúdo com
a eficiência de alguém que já havia feito isso antes, e começou a organizar
as peças da estante no chão. O modo como ele se movia, com precisão e
foco, quase me fez rir. Não era o que eu esperava ver em Marcus, mas havia
algo reconfortante em observar aquela cena.
— Sabe, nunca pensei que você fosse do tipo que monta móveis...
— comentei, tentando aliviar a tensão no ar.
— Tenho várias habilidades, não sou só bom com números e
esportes. — Ele respondeu, enquanto começava a encaixar as peças.
Enquanto Marcus continuava a montar a estante, fui observando em
silêncio. A maneira como ele trabalhava era impressionante; seus
movimentos eram rápidos e precisos, como se ele soubesse exatamente o
que estava fazendo. Não demorou muito até que a estante estivesse de pé,
montada de forma impecável. Ficamos ali, lado a lado, olhando para a
estante recém montada. Eu não conseguia tirar os olhos dela. Era linda, bem
mais do que eu imaginava. A estrutura preta se destacava no canto da sala,
com duas portas de vidro que revelavam o interior vazio. Várias prateleiras,
organizadas perfeitamente, só esperando pela minha coleção de CDs. A
ansiedade em mim crescia. Eu mal podia esperar para enchê-la.
Marcus estava ao meu lado, observando minha reação com um leve
sorriso no rosto.
— E onde estão esses seus CDs, afinal? — ele perguntou, cruzando
os braços e olhando para mim.
Soltei um suspiro antes de responder.
— Estão todos no porão da casa da minha avó. — Revirei os olhos.
— É uma longa história.
Ele arqueou uma sobrancelha, curioso.
— E é só rock que você ouve, então?
Eu sorri, apontando para minha camisa do Metallica, como se a
resposta já estivesse estampada em mim.
— Sim, principalmente Metallica, Led Zeppelin, Pearl Jam,
Nirvana… — Falei enquanto contava nos dedos. — Sou fascinada por rock
antigo, aquele som cru e visceral. Uma pena eu não ter nascido antes, pra
viver tudo isso de perto, hoje eles mal fazem shows.
Marcus soltou uma risada baixa, olhando para mim com um brilho
divertido nos olhos.
— Eu entendo o que você quer dizer. Também teria sido bom
nascer numa época em que o rock era tudo. — Ele disse, ainda rindo.
Sorri de volta, e por um momento, fiquei imaginando como seria
viver numa época em que o rock dominava o mundo. E as minhas bandas
favoritas faziam shows quase sempre. Ver Marcus falar de rock dessa
formar, com aquele brilho nos olhos, era nítido o porquê dele ter o Black
Metal, o bar que ele administrava. Desde a confusão no bar, eu me
perguntava como ele tinha lidado com aquilo, já que parecia ter sido uma
dor de cabeça considerável. Além disso, era estranho pensar que alguém
como ele tivesse um bar de rock pesado.
— Marcus... como anda o Black Metal depois da confusão? —
perguntei, me acomodando no sofá, tentando não parecer invasiva, mas
estava curiosa. — Deve ter dado um baita prejuízo, né?
Ele parou por um segundo, esfregando a nuca e soltou um sorriso
torto antes de se sentar ao meu lado. O sofá, grande o suficiente para quatro
pessoas, era uma escolha da minha avó, que fez questão de me convencer
quando estávamos navegando pela internet. Ela insistiu que eu precisava de
um lugar confortável para receber visitas ou para ela mesma, quando viesse
passar uns dias.
— Foi um desastre, pra ser honesto. O bar ficou fechado por uns
dias enquanto arrumávamos tudo. Entre a quebradeira e as reclamações dos
vizinhos... — Ele deu de ombros, ainda com aquele sorriso meio irônico. —
Mas nada que não pudéssemos consertar. Faz parte do negócio, eu acho.
— Imagino que ter um bar de rock pesado atraia gente mais...
intensa, né? — comentei, tentando aliviar o clima enquanto ria.
Ele riu também, dessa vez com mais naturalidade.
— Essa é uma forma educada de dizer que, às vezes, aparecem uns
malucos por lá, né?
Não consegui segurar a risada. Ele estava absolutamente certo.
Rock e bares definitivamente atraíam um tipo de público bem peculiar.
— Bom, eu conheci o Black Metal... — Comecei, um pouco sem
jeito. — Mas, pelo que vi, é o tipo de lugar que eu gosto de frequentar.
— Bom saber disso! Fico feliz que tenha curtido, mesmo com
aquele final desastroso. — Ele fez uma pausa, me lançando um olhar de
canto, como se estivesse considerando algo. — E quem sabe, você pode
aparecer lá de novo. Eu te mostro o lugar de verdade, sem toda aquela
confusão.
— Convite aceito. — Respondi com um sorriso de lado, mas logo
me lembrei da tigela de morangos com leite condensado que deixei na
bancada da cozinha. Me levantei do sofá num pulo, sem nem pensar duas
vezes.
— Eu posso te pagar pela montagem da estante — falei, ainda
sorrindo.
— Não precisa me pagar, Alice — ele riu, balançando a cabeça.
— Posso sim, espere ai!
Praticamente corri até a cozinha, peguei a tigela de morangos, junto
com a colher que eu tinha deixado ao lado, e voltei para a sala, me sentando
no sofá ao lado de Marcus. Ele me olhou com uma expressão curiosa.
— Prove! — Enchi a colher com uma porção generosa de
morangos, e ergui na direção dele.
— Eu não sei se... — Ele começou, mas eu nem o deixei terminar.
Coloquei a colher na frente da boca dele, e ele, sem muita escolha, mordeu.
— Não se nega doce, sabia? Isso é falta de respeito.
Ele mastigou com um sorriso tímido, colocando a mão na boca
como se estivesse tentando ser discreto. Eu suspirei, achando graça ao vê-lo
com as bochechas rosadas. Mas, enquanto ele ainda lidava com o doce, eu,
claro, não consegui segurar a curiosidade crescente sobre ele.
— Então... além da SayCompany e do Black Metal, você tem mais
alguma empresa? — A pergunta saiu antes de eu pensar, e eu logo enfiei
uma colher de morango na boca para disfarçar.
Ele franziu o cenho, me olhando com uma mistura de surpresa e
diversão.
— Você realmente não me conhece, né?
Eu engoli rapidamente e dei de ombros.
— Não, não conheço. Ouvi a Elisa comentar algumas coisas sobre
ações e investimentos, mas nunca imaginei que alguém pudesse ficar tão
rico assim só investindo, sabe? Dá pra ficar absurdamente rico só com isso?
Ele riu, balançando a cabeça.
— Mais do que você imagina, Alice. — Ele se inclinou um pouco
no sofá, e esticou sua mão pousando-a sobre a borda do sofá. — Empresas
de tecnologia, startups de inteligência artificial, e-commerce global... Tudo
isso pode te deixar milionário da noite pro dia, se você souber onde colocar
o dinheiro certo. — Ele fez uma pausa, observando minha reação. — E
claro, imóveis, fundos de hedge... as oportunidades são infinitas. No meu
caso, tenho investimentos em tecnologia sustentável, biotecnologia, imóveis
e também sou cofundador de uma rede de fintechs.
Eu arqueei uma sobrancelha.
— Fintechs? — perguntei, agora completamente perdida.
Ele riu novamente, dessa vez com mais intensidade, claramente se
divertindo com a minha confusão.
— Fintechs são empresas que misturam finanças com tecnologia.
Basicamente, criam soluções inovadoras para o mercado financeiro. Você
sabe, pagamentos digitais, carteiras virtuais, apps que ajudam as pessoas a
investir, fazer transferências sem precisar de banco... Esse tipo de coisa. Eu
e dois amigos criamos uma rede de fintechs que se espalhou por vários
países. E, bom, é por isso que... tecnicamente, eu sou o segundo homem
mais rico do mundo.
— Tipo, aqueles aplicativos de banco digital no celular? —
Perguntei, tentando entender melhor.
— Exatamente. Mas com uma abordagem mais inovadora. —
Marcus respondeu, pegando uma colher cheia de morangos e leite
condensado e dando uma mordida, com um sorriso satisfeito.
Ele parecia realmente aproveitar o doce, e eu ri, observando-o com
um sorriso no rosto. O sorriso dele era encantador.
— Não resistiu aos morangos, hein? — Comentei, rindo.
— Está uma delícia. — Marcus confirmou, com a boca cheia,
parecendo genuinamente encantado.
Nos encaramos, ambos sorrindo, os olhos azuis de Marcus pareciam
ter se escurecido, e ele parou de sorrir olhou para a frente e depois
novamente para mim.
— Sobre o beijo...
Marcus começou, com um tom sério que fez meu estômago se
revirar. Eu senti um frio na espinha e uma onda de nervosismo me
atingiram. Sem esperar, interrompi, apressada.
— Desculpa, Marcus. Eu realmente não queria que as coisas
ficassem estranhas entre nós. — Disse, sentindo meu rosto esquentar,
tentando esconder a agitação que eu sentia.
Marcus se aproximou, a intensidade em seus olhos me fazendo
sentir o coração acelerar. Ele encurtou a distância entre nós com uma
confiança. Com um gesto delicado, ele afastou uma mecha de cabelo do
meu rosto, e o calor de sua mão na minha pele fez meu corpo tremer.
— Não precisa se desculpar, Alice. — Ele falou, com um tom suave
e reconfortante. — Não há necessidade disso.
— Mas eu acho que sim. — Respondi, ainda nervosa, minha voz
trêmula. — Afinal, nós não deveríamos ter nos beijado.
— Por quê? — Marcus franziu o cenho, e eu percebi que ele estava
lutando para entender o que eu estava tentando dizer.
Levantei-me do sofá, tentando movimentar-me para aliviar a tensão.
Meus pensamentos estavam em um turbilhão. Eu sentia uma mistura de
confusão e desejo, e a intensidade da situação estava me sobrecarregando.
— Porque você é praticamente o meu chefe, é o oposto de mim, e
além disso, já zombou de mim antes. — Expliquei, minha voz quase um
sussurro. — Não é uma situação ideal para um beijo.
Marcus não recuou. Em vez disso, ele se levantou e ficou parado na
minha frente, o olhar fixo em mim, quase como se tentasse decifrar um
enigma.
— Não entendo, Alice. — Marcus disse, com um meio sorriso,
franzindo o cenho. — Eu só queria saber o que se passa na sua cabeça.
Eu estava em um turbilhão de emoções, entre o desejo de dar a ele
uma resposta clara e a confusão que me impedia de entender meus próprios
sentimentos. A proximidade dele e a intensidade da conversa tornavam
difícil encontrar palavras que fizessem sentido.
— Nem eu me entendo... — Comecei hesitando, tentando encontrar
uma maneira de expressar o que estava acontecendo dentro de mim. — Está
acontecendo tantas coisas ultimamente que, sinceramente, é difícil de
explicar. Eu só queria ter evitado algumas coisas.
Marcus assentiu, mas seu olhar ainda estava carregado de uma
curiosidade que não diminuía.
— Entendo, Alice. E também é novo para mim. — Ele disse, com
uma sinceridade que parecia real. A tensão entre nós parecia palpável, e eu
me lembrei de vários momentos desconfortáveis que tivemos.
— Sabe, Marcus... — Comecei, com um tom um pouco mais firme.
— O que mais me confunde são suas atitudes. Eu não esqueci que você não
tirou as fotos dos sites e que comentou sobre as minhas roupas serem de
segunda mão.
— Eu já pedi desculpas por isso.
— Eu sei que você veio pedir desculpas, mas... — Respondi, com
uma leveza no tom, mas com uma firmeza que deixava claro meu
desconforto. — Isso não é algo que se esqueça facilmente.
— Não era a minha intenção te magoar. — Marcus disse, com um
tom de voz carregado de sinceridade.
— Mas magoou. — Respondi, soltando um suspiro enquanto me
afastava e caminhava até a cozinha para deixar a tigela na pia. Precisava de
um momento para processar a intensidade da conversa.
— Tem algo que eu possa fazer para mudar isso? — Marcus
perguntou, seguindo-me de perto.
Olhei para o relógio na parede da cozinha: eram onze horas. Nem vi
o tempo passar tão rapidamente. Coloquei a tigela na pia e me virei para
encarar Marcus, que estava parado escorado na bancada, as mãos enfiadas
nos bolsos.
— Me dando tempo para pensar? — Eu disse, tentando fazer ele
entender minha confusão. — Não quero que as coisas fiquem estranhas. Eu
meio que estava gostando de te odiar.
— Sabe Alice, geralmente estou acostumado a conseguir tudo o que
quero. E nunca fiquei tão confuso como estou agora. — Marcus riu pelo
nariz, um som frustrado e quase resignado. — Tanto você quanto eu
precisamos de um tempo para assimilar as coisas. Se você gostava de me
odiar... fique à vontade para continuar.
— Marcus, eu não quis dizer isso. — Minha voz vacilou ao tentar
explicar o que realmente sentia.
— Sim, eu sei. — Ele disse, a expressão séria, mas com um leve
sorriso nos lábios. — Mas se é mais fácil assim para você, que mal tem?
Senti uma pontada de frustração e confusão. Não sabia se estava
sendo sincera ou se estava me escondendo atrás de uma fachada. Tudo
parecia tão complicado, e eu estava lutando para entender meus próprios
sentimentos.
— Eu só... — Comecei, mas as palavras se esbarravam em uma
confusão interna. — Não sei como lidar com isso, Marcus. Uma hora eu te
odiava, pelas provocações e por tudo, e na outra estávamos nos beijando.
Ele se aproximou um pouco mais, e a proximidade só intensificou a
confusão que eu estava sentindo. Seus olhos estavam fixos nos meus, e
havia uma sinceridade neles que parecia penetrar todas as defesas que eu
havia erguido.
— Alice, — ele disse suavemente, — Eu nunca te odiei. Mas isso é
irrelevante agora.
A tensão entre nós era palpável, e eu me vi completamente sem
palavras. A profundidade das declarações de Marcus me deixou paralisada,
um turbilhão de emoções misturando-se em meu peito. Queria responder,
dizer algo, mas as palavras simplesmente não surgiam. Meu peito subia e
descia em uma velocidade frenética. Marcus deu um passo a mais,
aproximando-se o suficiente para me dar um beijo suave na testa. O gesto
foi tão inesperado e íntimo que me deixou sem fôlego.
— Cuide-se, Alice. — Ele disse, com a voz baixa e carregada de
emoção. — Espero que encontre o que está procurando.
Com essas palavras, ele se virou e caminhou para fora da cozinha.
Eu o observei de costas enquanto ele abria a porta de entrada e hesitava por
um último momento, me encarando antes de baixar a cabeça e fechar a
porta atrás de si.
Fiquei ali, sozinha, com a mente atordoada e um turbilhão de
sentimentos. O que eu sentia? Alívio? Tristeza? Confusão? A verdade é que
eu não queria mais continuar odiando Marcus. Depois de saber que, na
realidade, ele nunca me odiou, e isso tornava tudo ainda mais confuso. O
que aconteceria entre nós a partir de agora, eu não sei, mas eu tinha que
achar o que estava procurando. O mais rápido possível.
Cheguei ao lugar que Elisa havia indicado, uma loja especializada
em perucas. A imagem de Marcus e a noite passada ainda pairavam na
minha mente, como um filme que se recusava a parar de rodar. Quase não
consegui sair da cama e vir até aqui. A intensidade daquele beijo, as
palavras que trocamos, e a confusão que se seguiu ecoavam
incessantemente na minha cabeça. Eu me esforçava para me convencer de
que deveria ignorar aquilo, que o melhor seria deixar para trás. Mas quanto
mais eu tentava afastar esses pensamentos, mais a lembrança dos olhos
dele, o tom da sua voz e o peso das suas ultimas palavras ficavam
martelando na minha mente. E até hoje eu ainda não consegui entender o
que eu realmente sentia.
Com um esforço, sacudi esses pensamentos e levantei o olhar para
observar a entrada do lugar. A loja ficava na Sexta Avenida, com uma
fachada preta e letras brancas brilhando sob a luz do sol de uma
movimentada tarde de sábado. Ao entrar, o sino sobre a porta tilintou
suavemente. O interior da loja era acolhedor e bem iluminado, com
prateleiras repletas de perucas exibidas em manequins. A maioria parecia de
boa qualidade, nada de sintéticos baratos. Dirigi-me ao balcão, onde três
atendentes estavam ocupadas com outros clientes. Enquanto aguardava,
analisava as perucas expostas, imaginando qual delas poderia me
transformar em Jean Grey dos X-Men. De repente, uma voz suave surgiu
atrás de mim, me fazendo dar um pequeno salto de susto.
— Alguma preferência específica? — Virei-me rapidamente e dei
de cara com uma moça de traços coreanos, sorrindo gentilmente. —
Desculpe se te assustei — ela disse, sorrindo.
Eu também sorri nervosa, com a mão no peito.
— Bem, preciso de uma peruca que me ajude a me caracterizar
como Jean Grey, dos X-Men — expliquei, tentando conter o riso. — É para
uma festa da empresa.
Ela assentiu, já puxando algumas opções para me mostrar, enquanto
eu tentava focar na tarefa à frente e não no turbilhão de emoções que ainda
me envolvia. Eu olhava as perucas, não conseguia parar de pensar em como
ficaria com o cabelo vermelho. Era uma mudança drástica, mesmo que
temporária, mas entrar no personagem da minha heroína favorita valia a
pena. Depois de algum tempo ela trouxe uma peruca que parecia ideal: fios
vermelhos vibrantes, longos e ondulados. Quando ela a colocou em minha
cabeça e ajustou, olhei para o espelho e fiquei surpresa com a diferença.
— Uau — murmurei, girando a cabeça de um lado para o outro para
ver de todos os ângulos. — Está perfeita.
Ela sorriu, satisfeita com minha reação.
— Parece que encontramos a peruca certa para você. E com as
técnicas que vou te ensinar, será bem fácil para você mesma colocar ela
sozinha.
— Ótimo!
Eu sai de lá com a peruca dentro da sacola, com um sorriso no
rosto. Faltava apenas uma semana para a festa, e eu estava ansiosa para que
tudo ficasse impecável. Eu só tinha uma peruca e um sonho.

Com a peruca na sacola e um sorriso contido no rosto, cheguei à


casa da minha avó. Eu estava animada em ver a reação dela quando eu
mostrasse como a peruca ficava em mim, ela sabia mais do que todos que
eu amava o universo Marvel. Toquei a campainha e esperei ansiosa.
Quando a porta se abriu, o semblante da minha avó me deixou preocupada
de imediato: Algo estava errado.
— Vó, o que aconteceu? — perguntei, sentindo a voz tremer de
preocupação.
Entrei na casa e segurei seu ombro com uma das mãos. Ela
demorou um momento para responder, como se estivesse escolhendo
cuidadosamente as palavras. Sua expressão refletia uma mistura de surpresa
e tristeza, como se tivesse acabado de receber uma notícia ruim.
— Alice... — começou ela, a voz baixa e tremula. — Sua mãe... Ela
teve um infarto.
Senti como se o chão tivesse sido arrancado debaixo dos meus pés.
A sacola que segurava caiu da minha mão, fazendo um som surdo ao atingir
o chão. Uma pressão intensa tomou conta de mim, deixando-me incapaz de
reagir.
— Quem... quem ligou? — consegui perguntar, a voz quase um
sussurro.
— Seu pai, querida. Ele ligou para avisar. Ela está internada no
hospital NYU.
Eu não via minha mãe desde a última vez que ela apareceu na
minha casa, fazendo inúmeras perguntas sobre os móveis. Sabia que ela
tinha problemas no coração; inúmeras vezes fizera exames, e os médicos
sempre a alertavam para evitar estresse. Será que eu fui um dos motivos? O
que poderia ter acontecido para desencadear isso?
— Vó? Será que a culpa é minha? — perguntei, a voz embargada.
Ela apertou minha mão, tentando me confortar.
— Alice, claro que não, mas seus pais precisam de você agora.
Fiquei ali, em silêncio, tentando processar tudo. O que importava
agora era que minha mãe ficasse bem. Por mais complicada que fosse nossa
relação, ela era minha mãe. Respirei fundo, tentando me recompor. Eu iria
ao hospital agora.

Chegamos ao hospital em silêncio. Após nos identificarmos na


recepção do andar, começamos a caminhada pelos corredores frios e
estéreis, cada passo meu ecoando a batida acelerada do meu coração. O
ambiente hospitalar parecia aumentar minha ansiedade e incerteza. As
paredes brancas e o som distante de máquinas e monitores criavam uma
atmosfera opressiva. Olhei para as placas nas portas dos quartos, tentando
encontrar o número que identificava o quarto dela. Quando finalmente
cheguei à porta, ela estava aberta, senti um nó se formar na garganta.
Minha mãe estava deitada na cama, pálida e frágil, conectada a
vários tubos e máquinas que preenchiam o quarto com um silêncio opressor,
quebrado apenas pelo som rítmico do monitor cardíaco. Ver ela naquele
estado me inundava de uma tristeza profunda, uma sensação de impotência
que eu nunca havia experimentado antes. Ela parecia tão vulnerável, tão
distante da imagem forte e determinada que eu sempre tive dela.
De repente, ouço passos no corredor. Viro o rosto e vejo meu pai
entrando no quarto, a expressão dele refletindo a mesma angústia que eu
sentia. Ele parecia prestes a dizer algo, mas minha avó o interrompeu,
conduzindo-o para fora do quarto, deixando-me sozinha com minha mãe.
Enquanto eles saíam, ouvi meu pai murmurar em voz baixa no corredor.
— Os médicos quase a perderam... ela teve várias paradas
cardíacas.
As palavras dele me atingiram como um soco no estômago,
tornando ainda mais real o quão próxima minha mãe esteve de nos deixar.
Essas palavras ecoaram na minha mente, aumentando a sensação de
sufocamento. Queria sair da sala, fugir dessa realidade esmagadora, soltei a
mão da minha mãe, precisando desesperadamente de ar.
Mas, no momento em que me preparava para ir, senti uma leve
pressão na minha mão. Olhei para baixo e vi ela de olhos abertos,
encarando-me com uma fraqueza que só ressaltava sua força. Ela apertava
minha mão, como se pedisse que eu ficasse ali com ela. A emoção que me
inundou foi avassaladora. Desabei, permitindo que as lágrimas que eu
segurava rolassem livremente, sentindo a respiração fraca e irregular,
enquanto meu corpo tremia com soluços. Foi um momento de conexão
profunda, onde todas as palavras não ditas e sentimentos reprimidos se
manifestaram. Minha mente fervilhava com memórias de discussões,
palavras amargas trocadas e silêncios prolongados. Cada momento de
afastamento parecia agora uma facada em meu coração. Eu me sentia
esmagada pela culpa, sabendo que havia desperdiçado tantas oportunidades
de reconciliação. Ela sempre tentou se aproximar de mim, não importava o
quão inconveniente fosse o momento. Era como se a presença dela ao meu
lado fosse uma necessidade constante, uma forma de reafirmar que, apesar
de tudo, eu era sua única filha.
Como se o câncer no útero não fosse o suficiente, ela ficou à beira
da morte por causa do coração. Eu não queria me sentir culpada, mas sabia
que parte de mim carregava essa culpa, e nada poderia mudar o que já havia
passado.
Cada batida do monitor cardíaco parecia martelar a fragilidade de
tudo. A efemeridade da vida estava ali, exposta diante de mim, e o peso de
não ter valorizado o tempo que tivemos juntas me corroía. A dor era
intensa, um lembrete cruel de que muitas vezes só percebemos o valor das
coisas quando estamos prestes a perdê-las. Enxuguei as lágrimas, tentando
manter a compostura. Minha mãe não podia falar devido à recente cirurgia,
então me inclinei para sussurrar algo a ela.
— Você vai ficar bem, mãe... eu não posso te perder — Minhas
palavras saíram com dificuldade, quase se quebrando na garganta.
Enquanto ainda enxugava as lágrimas teimosas, ouvi a voz baixa de
Margot entrando na sala junto com minha avó.
— Eu vim assim que soube — disse Margot. Ao olhar para ela,
senti um alívio doloroso, e as lágrimas começaram a cair novamente.
— Margot, eles quase a perderam — repeti, a voz trêmula ao
lembrar das palavras do meu pai.
Margot me envolveu em um abraço, afagando gentilmente meus
cabelos. Ela era a melhor amiga da minha mãe, e era óbvio que estaria aqui.
— Ela vai ficar bem, meu amor. Sua mãe é forte! — Margot disse
com uma firmeza tranquilizadora na voz. Respirei fundo, com o rosto
encostado em seu ombro, sentindo o conforto do abraço por um breve
momento antes de erguer o olhar.
— Eu preciso de ar, vou dar uma volta — murmurei, me afastando
dela e encarando seus olhos.
Ela assentiu e tomou meu lugar ao lado da minha mãe. Minha avó
passou gentilmente a mão no meu braço antes de eu sair do quarto.
Precisava de ar, aquilo estava sufocante. Por um momento, me culpava por
tudo; em outro, por não ter dado a atenção devida à minha mãe. Que droga,
por que minha vida tem que ser uma eterna montanha-russa? Primeiro
foram meus pais, depois Harvard, depois meus pais de novo. Aí veio
Marcus, e essa montanha-russa continua na nossa relação. Agora, minha
mãe. Dobrei o corredor do hospital, tentando me afastar o suficiente para
respirar, e então vi meu pai conversando com... Marcus.
Ele parecia estar dando suporte ao meu pai, como se estivesse
tentando confortá-lo pelo que havia acontecido. Fiquei parada, observando
os dois, tentando ler seus lábios, mas sem sucesso. Então, de repente,
nossos olhares se encontraram. Eu gelei.
A cena do nosso último beijo surgiu na minha mente com uma
clareza que me fez sentir a mesma intensidade de antes. Eu não queria que
ele me visse assim, tão vulnerável, tão perdida no turbilhão de emoções que
agora tomava conta de mim. Senti meu coração disparar e, sem pensar duas
vezes, girei o corpo rapidamente, me afastando daquele contato visual. Virei
à esquerda, entrando no primeiro corredor que encontrei. Eu só queria fugir,
escapar daquela situação que me deixava exposta demais. Foi quando notei
uma porta aberta, levando a um quarto vazio e escuro. Sem hesitar, entrei
no quarto, fechei a porta e encostei-me nela, respirando fundo, tentando
recuperar o controle sobre mim mesma. Não queria que Marcus me visse
desse jeito. Precisava de um momento para recompor a fachada, para me
lembrar de como era ser a Alice forte, aquela que não se deixava abalar
facilmente.
Enquanto tentava me recompor, ouvindo apenas o som da minha
respiração ofegante, escutei batidas suaves na porta. Meu corpo ficou tenso,
e logo depois, a voz do meu pai surgiu do outro lado.
— Alice, você está aí? — ele perguntou, a preocupação evidente em
sua voz.
Como ele me viu entrar aqui? Achei que tivesse sido rápida o
suficiente para não ser vista por nenhum dos dois, mas pelo visto, não fui.
Fechei os olhos, tentando manter a calma.
— Estou... pai. Só precisava de um momento para respirar. —
Respondi, a voz baixa quase como um sussurro. Houve uma pausa, longa o
suficiente para que eu sentisse a hesitação dele antes de falar novamente.
— Filha... — Ele raramente me chamava assim, era quase
impossível isso acontecer, e por isso suas palavras me atingiram com ainda
mais força. — Eu não sei o que fazer...
Lutei contra as lágrimas que ameaçavam cair. Ele estava tão
vulnerável quanto eu, e se muitos perguntassem de onde eu tirava forças
para me manter firme, diria que era dele, que era algo herdado. Sem pensar
muito, abri a porta e o puxei para um abraço. Ele foi surpreendido, mas logo
cedeu. Nunca tivemos esse tipo de contato antes, e o momento surpreendeu
ambos. Mas, naquele instante, nós dois precisávamos disso.
— Pai... ela vai ficar bem, sabemos disso.
— Sim, mas tenho medo de que ela não volte a ser como antes.
— Não tem do que ter medo... Ela está viva, pai. Isso é o que
importa agora.
Ficamos nós dois ali por um momento e depois logo eu voltei ao
quarto, de imediato notei que Margot não estava mais lá, minha avó havia
dito que ela foi embora com Marcus. Eu o vi com meu pai antes de sair
correndo nervosa, com medo que ele me visse com os olhos inchados.
Apenas nos vimos e acredito que será assim, daqui para frente, ele viu o
erro que cometemos e como isso tudo seria confuso, mesmo ele dizendo
que eu tinha o tempo que eu quisesse para pensar.
Depois de um tempo ali eu decidi pegar chá e café para mim e para
minha avó. Ela estava sentada em uma das poltronas perto da cama,
segurando o copo com chá de camomila que eu havia entregado a ela. Seus
olhos estavam fixos no chão, perdidos em pensamentos. Eu, por outro lado,
me sentia inquieta, com um café quente nas mãos, esperando que o amargor
na boca pudesse, de alguma forma, distrair minha mente das preocupações.
Meu pai estava do lado de fora, conversando com o médico responsável
pela cirurgia. O Dr. Harper era direto, mas havia algo em sua voz que me
deixou um pouco mais tranquila, mesmo que por alguns instantes. Dava
para ouvir os sussurros deles no corredor. Ele explicou que a minha mãe
passou por uma cirurgia de revascularização do miocárdio, ela não tinha
riscos altos, mas que ao começarem a cirurgia viram que o estado dela era
mais complicado. Então por isso ela teve paradas cardíacas durante o
procedimento, mas conseguiram terminar com êxito. Eu nunca tinha ouvido
falar muito sobre cirurgia do coração, mas o nome dessa agora estava
gravado na minha mente. O Dr. Harper mencionou que a cirurgia durou
cerca de quatro horas, e notei que meu pai só ligou para a minha avó depois
que a cirurgia acabou.
Observei minha avó bebericar o chá em silêncio, algo que parecia
mais fácil de suportar. Tudo o que eu desejava era que minha mãe
acordasse, que esse pesadelo terminasse, e que, de alguma forma, tudo
voltasse ao normal.
Meu pai entrou no quarto com uma expressão cansada, e sua voz
quebrou o silêncio.
— Acabei de falar com o médico. Ele disse que a cirurgia foi difícil,
mas sua mãe está estável agora.
— Eu ouvi tudo — respondi.
Ele hesitou por um momento, como se estivesse decidindo se devia
continuar.
— Marcus, mesmo com o dia corrido de trabalho, trouxe a mãe dele
para ver sua mãe.
— Aquele homem é legal, bem prestativo e solidário. — Minha avó
enfim falou.
Engoli em seco, lutando para manter a calma e não deixar
transparecer a mistura de emoções que me envolvia.
— Isso é... bom — respondi, minha voz saindo mais fraca do que
eu pretendia.
Meu pai me olhou confuso, sem perceber o turbilhão de
sentimentos que Marcus despertava em mim. Ele parecia incerto se eu
estava sendo positiva ou sarcástica. Desviei o olhar para minha mãe,
buscando algum conforto na sua presença, mesmo que silenciosa. Precisava
me concentrar na recuperação dela, afastando as questões com Marcus para
outro momento. Mas era mais fácil dizer do que fazer. A imagem dele, suas
palavras, e a maneira como me olhou, continuavam a me assombrar, mesmo
ali, no quarto de hospital.

Cheguei em casa, exausta e arrastando os pés. Já era onze horas da


noite quando deixei minha avó em casa, garantindo que ela me ligasse se
precisasse de algo. A noite foi um turbilhão de emoções, e eu mal podia
esperar para me afundar no conforto do meu próprio espaço. Antes de
entrar, parei por um momento, olhando para o meu telefone.
Uma enxurrada de mensagens havia chegado: Liz me enviava
palavras de apoio e sugeria que eu tirasse quantos dias de folga precisasse.
Elisa também havia mandado uma figurinha animada, perguntando se eu já
estava em casa, ela havia me mandado mensagem hoje a tarde e eu só
consegui ver agora.
Respirei fundo, entrei e liguei a luz da sala. O cômodo iluminado
revelou a estante que Marcus havia montado. A lembrança de como ele
rapidamente montou a estante me atingiu como um choque. Marcus...
Sempre Marcus. Meus pensamentos eram inevitavelmente atraídos para ele.
Há uma semana, éramos como inimigos, como se o ar ao nosso redor fosse
envenenado. Não conseguia entender como tudo mudou tão
repentinamente. A cada encontro recente, nossos sentimentos pareciam
intensificados, culminando em beijos inesperados. Toquei meus lábios com
delicadeza, lembrando o calor e a intensidade daqueles momentos. Eu ainda
estava tentando compreender o que sentia por ele e como tudo isso se
encaixava no caos da minha vida atual.
Acordei em um salto com o toque insistente do telefone na mesinha
de cabeceira. O som parecia amplificado no silêncio da manhã.
Entreabrindo os olhos, a claridade filtrada pela janela me atingiu, revelando
um dia chuvoso lá fora. A chuva tamborilava suavemente contra o vidro,
criando uma trilha sonora melancólica para o meu despertar. Com um
esforço, olhei para o visor do celular, ainda lutando para espantar o sono.
Era meu pai. Enrolei a cabeça no travesseiro por um momento antes de
atender, tentando afastar a sonolência.
— Oi, pai — minha voz saiu arrastada e levemente abafada.
— Você já está vindo para o hospital? — A voz do meu pai estava
suave, como se ele quisesse não falar muito alto.
Ainda sonolenta, dei uma olhada rápida no relógio ao meu lado e
percebi que já era meio-dia. A sensação de ter dormido demais me atingiu.
— Sim, estou a caminho — respondi, tentando manter a voz firme e
cordial.
— Ah, que bom. Minhas costas doem por causa dessa poltrona do
quarto. Preciso dormir um pouco...
— Entendo, pai. Eu já estou indo. — Tentei afastar o cansaço da
minha voz. — Eu fico com a mamãe essa noite.
— Você acabou de acordar, não é? — ele notou a falta de energia na
minha voz.
— Sim... — Respondi com um tom mais suave. — Mas vou me
arrumar e já estou indo aí.
— Então tá. Até daqui a pouco.
— Até mais, pai — disse com um tom gentil, antes de desligar o
telefone.
Desliguei o telefone e me levantei-me da cama com esforço, ainda
sentindo o peso do sono. Caminhei até o banheiro, esfregando os olhos e
tentando afastar a sonolência. Abri a torneira e deixei a água fria correr por
alguns segundos antes de mergulhar as mãos e levá-las ao rosto. A sensação
gelada ajudou a clarear minha mente, trazendo-me de volta à realidade.
Olhei meu reflexo no espelho, meu rosto ainda marcado pelo cansaço das
últimas horas, mas sem tempo para me preocupar com isso. Vesti-me
rapidamente, optando por algo confortável, mas apresentável. Enquanto
colocava uma calça jeans e uma blusa de lã, meus pensamentos voltaram ao
hospital, à minha mãe, e ao longo dia que me aguardava.
Antes de sair de casa, lembrei-me de pegar um livro na estante. Eu
sabia que precisaria de algo para ocupar a mente durante as longas horas
que ficarei no hospital, então escolhi um dos meus favoritos, algo que
pudesse me transportar para longe, nem que fosse por alguns minutos. Com
o livro na mão, voltei ao quarto e joguei-o na mochila, junto com as roupas
e outros itens essenciais que eu havia separado. Ao terminar de fechar a
mochila, desci as escadas rapidamente, e caminhei até a porta. Abrindo-a
com um movimento ágil, ergui o guarda-chuva. No entanto, algo me fez
parar subitamente. Olhei o carro esportivo estacionado na frente de casa, e
Marcus saiu. Ele caminhou em minha direção, atravessando a chuva fina
que caía ao seu redor como se não a sentisse. As gotas se destacavam contra
sua camisa escura, e, mesmo à distância, a determinação em seu olhar era
inconfundível. Uma série de perguntas invadiu minha mente: por que ele
estava aqui? O que ele queria? Dei um passo para trás, recuando para dentro
de casa. A porta ainda estava entreaberta, Marcus subiu as escadas e entrou
sem hesitar. Ele balançou o cabelo, espalhando algumas gotas de chuva pelo
chão.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, minha voz traindo a
confusão que eu sentia.
— Eu preciso falar com você, Alice.
— Marcus, não tenho tempo agora. Preciso estar no hospital —
respondi, tentando manter o foco, mas ainda incerta sobre o que ele queria.
— Eu te dou uma carona e conversamos no caminho. — Ele
insistiu, ignorando o meu tom de urgência.
— Não sei se isso é uma boa ideia.
Respondi, hesitante. Eu não queria transformar o que já era um dia
difícil em algo ainda mais complicado. Enquanto eu ponderava, Marcus se
aproximou e segurou meu braço suavemente.
— Alice, por favor, só me escuta.
Fiquei pensativa, a indecisão tomando conta de mim. Deveria
aceitar a carona e ouvir o que ele tinha a dizer? Eu queria evitar mais
confrontos, mas a sinceridade em seus olhos me fez reconsiderar.
— Tá bom, Marcus — concordei, relutante, mas curiosa sobre o
que ele queria dizer.
Ele desceu as escadas e eu fechei a porta da minha casa com
cuidado, certificando-me de que tudo estava trancado. Quando me virei
novamente, Marcus já estava me esperando ao lado do carro, a chuva fina
começava a cessar, deixando apenas o ar fresco e úmido. Entrei no carro, e
o silêncio entre nós era pesado. A tensão era palpável, ambos lutando contra
nossos próprios pensamentos. Marcus deu a partida, e depois de alguns
minutos, senti a necessidade de quebrar o silêncio, tentando soar casual.
— Então você se lembra do dia em que nos conhecemos? Quando
você me assustou com a porta do carro? — perguntei, minha voz carregada
de ironia ao trazer à tona aquele momento.
— Eu não te vi. Não foi de propósito. Você estava andando do lado
errado da rua.
— Ah, que mentira, Marcus... lembro muito bem daquele dia, está
gravado na minha mente até hoje.
Ele respirou fundo, como se tentasse manter a calma, e então me
lembrou, com um toque de impaciência.
— Não era eu que iria fazer as perguntas?
Engoli em seco, percebendo que ele tinha razão. Gesticulei para que
ele continuasse, enquanto ajeitava meu cabelo ainda úmido e revirava os
olhos.
— Eu queria saber como sua mãe está.
— Melhor, estável. Meu pai pediu que eu fosse ao hospital, porque
ele precisa descansar.
— E você, como está? — A pergunta veio inesperada, e a
preocupação em sua voz era algo que eu não estava acostumada a ouvir.
— Bem... melhor do que ontem — respondi, ainda tentando
entender o que estava acontecendo.
Ele assentiu, mas eu percebi que ele passava a mão no rosto, como
se algo o estivesse incomodando. A tensão no carro parecia aumentar a cada
segundo, e minha paciência estava se esgotando. Resolvi ir direto ao ponto.
— Tá, Marcus, fala logo o que você precisa. Isso está me deixando
nervosa.
O clima entre nós estava carregado, e eu sentia que havia algo
importante que ele precisava dizer. No entanto, a tensão me fazia questionar
se eu realmente queria ouvir.
— Eu sei que eu falei que te daria um tempo para pensar, e até
cogitei em esquecer o que houve entre nós, mas não consigo. Simplesmente
não consigo, Alice — ele confessou, sua voz cheia de frustração.
— Marcus, a gente se odiava. Isso tudo é estranho, será que dá para
entender? — Retribuí, minha voz carregada de confusão.
Ele parou o carro no acostamento, e eu olhei para ele, incrédula. Eu
precisava chegar ao hospital e não tinha tempo para resolver essa confusão
entre nós.
— Eu já disse que nunca odiei você, Alice — ele disse, sua
expressão sincera.
— Como não? Lembro muito bem de todas as palavras que usou
contra mim, lembro de cada momento. Não entendo como acabei deixando
você me beijar. Eu poderia ter beijado Simon facilmente, ao invés de você.
— Você e Simon nunca se beijaram? — Marcus franziu o cenho,
claramente surpreso.
— O que você imaginou de mim e dele nunca aconteceu, se é isso
que quer saber, ok?
A tensão entre nós parecia diminuir um pouco com a sinceridade
das palavras. Eu ainda estava tentando entender o que tudo isso significava
e o que Marcus realmente queria de mim.
— Por que eu nunca te conheci antes, sendo que nossas mães eram
tão amigas? — ele perguntou, seu olhar procurando uma resposta.
— Porque, ao invés de ir aos eventos chatos que meus pais
frequentavam, eu ficava em casa ou ia para a casa da minha avó. Aonde
você quer chegar? — respondi, um pouco defensiva.
— Como você sempre conseguiu fazer o que queria? — Seu tom de
voz era calmo, mas carregava uma curiosidade profunda.
— Conseguir? — Ri, sem humor. — Estou conseguindo agora,
praticamente.
— Sim os eventos... como? — insistiu, claramente intrigado.
— Eu inventava desculpas — disse com sinceridade. — Dizia que
estava com dor, ou simplesmente sumia e aparecia do nada, dizendo que
tinha ficado com a minha avó.
— Entendi... — Marcus pareceu ponderar minhas palavras, como se
estivesse reunindo todas as peças do quebra-cabeça.
— Eu que não estou entendendo. Por que essas perguntas? —
indaguei, minha frustração visível.
— Quando você entrou para a RedCompany, eu senti uma inveja
enorme de você, Alice. Por isso agi como um idiota, um completo idiota. Se
arrependimento matasse, eu já estaria enterrado há muito tempo.
As palavras de Marcus estavam carregadas de um arrependimento
sincero, e algo no seu olhar me fez começar a entender a complexidade das
emoções que ele estava enfrentando. A confusão que eu sentia agora estava
misturada com uma nova compreensão, e eu não sabia exatamente como
lidar com isso.
— Eu fui forçado a essa vida, Alice... completamente forçado desde
meus quinze anos. A faculdade, a empresa. E ver você fazendo o que
sempre sonhou, enquanto eu cresci em um ambiente tão parecido com o
seu, um "império familiar" — ele fez aspas no ar com os dedos — isso me
incomodou muito... para ser sincero, de verdade.
Eu o escutava, e uma parte de mim queria sentir empatia, mas a
sensação de que ele estava tentando justificar suas ações era frustrante.
— Marcus...
— Calma, eu já vou terminar, não precisa fazer essa cara. Não sou
um lobo mau. — Ele engoliu em seco e continuou — Eu tenho tudo, todo
esse dinheiro, todos esses carros, praticamente quase tudo o que eu quero.
Mas não sou feliz, Alice. E sou ainda mais infeliz por você querer me odiar.
— Marcus, eu não quero te odiar. — Afirmar isso parecia
importante, mesmo que eu não tivesse certeza de como me sentia em
relação a ele.
— Mas você disse. — Ele parecia não acreditar na minha palavra.
— Não é isso, Marcus. É mais sobre como você me fez sentir —
respondi, tentando encontrar a palavra certa para expressar o que sentia. —
Você foi rude, e isso criou uma barreira entre nós. Agora, com tudo isso,
estou tentando entender se há algo além da sua raiva e frustração.
Marcus suspirou, seu olhar voltando para a estrada, e dando partida
no carro.
— Eu sei que fui um idiota, e que não há desculpa para isso. Mas eu
realmente queria entender você, e ao mesmo tempo, mostrar que não era só
inveja. É complicado quando você está preso em algo que não deseja.
— Eu compreendo mais do que você imagina, Marcus.
Ele parou no sinal vermelho, e eu percebi que estávamos prestes a
entrar na Segunda Avenida, o que nos colocaria em um trajeto direto para o
hospital NYU Langone Health.
— Você vai me odiar por isso..., mas eu demiti o Simon — Marcus
disse, como se estivesse se preparando para uma tempestade.
Por um segundo, fiquei sem reação, incrédula.
— O quê? — Minha voz saiu num tom de choque. — Como assim,
você demitiu o Simon? Por quê?
Marcus virou a cabeça para me olhar, tentando justificar sua atitude.
— Alice, vocês não eram apenas amigos — ele disse, mas ele não
olhava para mim.
— Claro que éramos! — Eu rebati, ainda atônita. — Simon e eu
sempre fomos só amigos, nada mais. Como você pode ter feito algo tão
absurdo baseado em uma suposição dessas?
Por mais que, no início, eu tivesse cogitado que nossa ida ao bar
pudesse ser um encontro ou algo do tipo, Simon sempre foi apenas
amigável. Ele era bonito, claro, mas nunca tentou nada além de ser gentil.
Marcus suspirou, apertando o volante com mais força.
— Para você, talvez fossem apenas amigos, mas para ele, não era
assim. Eu via o jeito que ele olhava para você, Alice. Ele queria mais, e isso
estava me incomodando profundamente.
A raiva dentro de mim começou a crescer, misturada com a
indignação.
— E por isso você decidiu destruir a carreira dele? Porque se sentiu
incomodado e deixou sua masculinidade frágil falar mais alto? — Minha
voz tremia de raiva. — Você não tinha o direito de fazer isso!
Marcus tentou manter a calma, mas eu podia ver que minhas
palavras o atingiram.
— Ele vai arranjar outro emprego. Fiz uma ótima carta de
recomendação — ele disse, tentando amenizar a situação.
— Não... você só pode estar brincando! — A raiva aumentava a
cada segundo.
Olhei para a maçaneta da porta, considerando seriamente sair do
carro e pegar o primeiro táxi que aparecesse. Infelizmente, o sinal abriu e
Marcus virou à direita. O silêncio entre nós se tornou quase insuportável
enquanto nos aproximávamos do hospital. A frustração borbulhava dentro
de mim.
— Não sei como você espera que eu confie em você depois disso
— falei, finalmente. — Você foi egoísta, Marcus.
— Alice...
— Só me deixe no hospital. E não diga mais nada — eu disse,
passando as mãos pelo cabelo, tentando conter a onda de emoções que
ameaçava me dominar.
Marcus ficou em silêncio, respeitando o meu pedido. A cada
quilômetro que nos aproximávamos do hospital, a distância entre nós
parecia crescer ainda mais.
Assim que chegamos em frente ao hospital, fiquei alguns segundos
olhando pela janela, tentando acalmar a raiva que ainda queimava dentro de
mim. Mesmo irritada, sabia que deveria agradecer a carona. Suspirei,
engolindo o orgulho por um instante.
— Obrigada pela carona — murmurei, minha voz soando mais fria
do que eu pretendia.
Marcus apenas assentiu, mas seus lábios se comprimiram em uma
linha tensa, revelando que ele estava se segurando para não dizer algo mais.
Eu hesitei por um segundo antes de abrir a porta e sair do carro. Assim que
fechei a porta, ele acelerou e partiu rapidamente, sem olhar para trás.
Observei o carro se afastar, sentindo um peso estranho no peito.
Não havia a menor chance de nós dois nos darmos bem. Enquanto
caminhava em direção à entrada do hospital, ajustei minha mochila no
ombro, tentando me convencer de que tudo isso era apenas um mal-
entendido. Depois de tudo isso, como seria possível? Marcus com ciúmes
de Simon? A ideia era tão absurda que beirava o cômico, mas a frustração
que sentia esmagava qualquer possibilidade de riso. Sacudi a cabeça, como
se pudesse afastar esses pensamentos, e finalmente entrei no hospital.
Enquanto percorria os corredores, repetia para mim mesma que
Marcus e eu éramos simplesmente incompatíveis. Não havia como isso dar
certo, não depois de tudo o que aconteceu. Cheguei ao elevador e apertei o
botão para o andar da minha mãe. O som suave da música ambiente no
elevador amplificava o silêncio ao meu redor, dando-me tempo demais para
pensar. Quando as portas se abriram, respirei fundo, tentando deixar para
trás o turbilhão de emoções. O corredor familiar se estendia à minha frente
enquanto eu caminhava lentamente até o quarto dela. Cada passo que eu
dava ajudava a acalmar o ritmo acelerado do meu coração, substituindo a
ansiedade por uma sensação de calma. Ao chegar à porta, parei por um
momento, tomando um fôlego profundo antes de empurrá-la com cuidado.
Minha mãe estava deitada na cama, dormindo tranquilamente. Seu
rosto parecia sereno, e a cor em suas bochechas estava menos pálida do que
no dia anterior. Um alívio imediato me inundou. Aproximei-me
silenciosamente e me sentei na cadeira ao lado da cama. Enquanto a
observava dormir, o peso de tudo o que aconteceu parecia se dissipar,
substituído por uma tranquilidade suave. Ela estava bem, e isso era tudo o
que realmente importava.
Com um livro aberto no colo, tentando a todo o custo prestar
atenção na história, mas a verdade era que eu mal conseguia assimilar o que
eu estava lendo. Meus pés estavam estendidos na lateral da cama, eu
mudava de posição a todo momento, ora puxando as pernas de volta, ora
esticando-as novamente. A inquietação parecia tomar conta de mim, como
se cada minuto de espera fosse um peso difícil de suportar. O silêncio do
quarto só fazia com que meus pensamentos ficassem ainda mais
barulhentos, a confusão dos últimos dias não me deixava em paz. Olhei
para o livro nas minhas mãos, tentando focar nas palavras, mas elas não
faziam sentido.
Tudo o que eu conseguia pensar era em Marcus, em Simon, e na
confusão que havia se instalado na minha cabeça e no meu coração. Me
perguntei como as coisas chegaram a esse ponto. Meu olhar desviou para
minha mãe, ainda dormindo tranquilamente, e senti uma pontada de culpa
por não conseguir estar completamente presente para ela. De repente, o som
do meu telefone quebrou o silêncio, me tirando do turbilhão de
pensamentos. Peguei o celular de dentro da bolsa, que estava ao lado da
poltrona, e vi o nome de Elisa na tela. Respirei fundo antes de atender.
— Oi, Elisa — disse, tentando manter a voz tranquila, embora
soubesse que Elisa me conhecia bem demais para perceber minha tensão.
— Alice! Finalmente! — A voz de Elisa estava carregada de alívio
e preocupação. — Você está bem? Te mandei mensagem e não recebi
resposta. Estou preocupada!
Eu podia imaginar a expressão dela do outro lado da linha, olhos
arregalados e tom levemente exigente, como se estivesse me repreendendo
por não ter dado notícias.
— Desculpa, Elisa. Minha mãe está hospitalizada.
— O quê? Como assim?!
— Ela precisou passar por uma cirurgia de emergência no coração
no sábado de manhã. Eu mal consegui pegar o telefone desde então.
Desculpe mesmo por não ter avisado antes.
— Não se desculpe! Que horror! E eu aqui pensando nas palavras
que iria te xingar por ter me deixado no vácuo!
— Eu estou no hospital agora, estou com ela.
— Qual é o hospital? Vou aí te fazer companhia!
A oferta de Elisa foi um alívio. Eu sabia que sua presença ajudaria a
acalmar um pouco a inquietação que eu sentia. Não podia recusar.
— Estamos no NYU Langone Health. É só dar o nome de Violet...
— Chego aí em vinte minutos.
E antes que eu pudesse responder, ela desligou. Típico de Elisa.
Depois de um tempo, eu havia desistido do livro, pois não tinha
como ler com meus pensamentos desse jeito, e parecia que ao invés de eu
ler a história do livro, eu estava lendo a minha própria. De tão embaralhada
que a minha mente estava. Marcus demitiu Simon, porque sentiu ciúmes,
isso era ridículo.
Eu estava tomando um copo de água, tentando me acalmar um
pouco, quando ouvi uma batida suave na porta. Ao abrir, dei de cara com
Elisa, que estava com um sorriso largo no rosto e dois copos de café do
Starbucks nas mãos.
— Olá! — ela disse, com um sorriso suave. — Trazendo o
combustível essencial. E, sim, é extra forte.
A última parte fez meu coração dar um salto de alívio. Elisa se
aproximou e me puxou para um abraço apertado, ignorando totalmente
minha aversão a esses momentos.
— Sei que você odeia essas coisas, mas estou nem aí — disse ela,
com a voz abafada entre meus cabelos. — Você precisa de um pouco de
afeto agora.
Eu soltei uma risada baixa, apreciando o momento mais do que
esperava. Realmente, eu precisava. Não apenas pela situação com minha
mãe, mas por tudo o que estava acontecendo. Quando finalmente nos
separamos, Elisa me entregou um dos copos de café.
— Aqui, para ajudar a aguentar esse dia interminável — ela disse,
ainda com aquele sorriso encorajador.
— Obrigada! Sério — respondi, pegando o café.
Dei um gole e suspirei com o sabor robusto do líquido quente. Era
exatamente o que eu precisava. Ambas nos dirigimos para as poltronas ao
lado da cama da minha mãe e nos acomodamos nelas. O silêncio
confortável entre nós foi um alívio, permitindo que eu recuperasse um
pouco da energia e da serenidade.
— Você está bem? — Elisa perguntou, tomando um gole do café.
Olhei para minha mãe por um momento antes de voltar a encarar
Elisa.
— Aconteceu tanta coisa... — eu disse.
— Espera, eu acho que isso não tem só a ver com a situação da sua
mãe.
Elisa estreitou os olhos, me fitando profundamente. Desviei o olhar.
Estávamos praticamente sussurrando.
— Porque não tem — confirmei, minha voz baixa e carregada de
um cansaço que ia além do físico.
— Então desembucha, Alice. Você está me deixando curiosa, e eu
sou jornalista. Odeio ficar curiosa, isso me dá dor de cabeça — disse Elisa
com ironia.
Eu ri pelo nariz, passando as mãos pelos cabelos enquanto tentava
afastar a frustração. Respirei fundo antes de encarar Elisa, umedecendo os
lábios.
— Além de saber que minha mãe quase morreu — fiz uma pausa e
continuei — eu e Marcus nos beijamos.
A expressão de Elisa era como se ela tivesse levado um banho de
água fria. Ficou em estado de choque, piscou várias vezes e começou a
olhar para o chão, movimentando os olhos para lá e para cá, como se
tentasse entender a situação.
— Então... é real? — ela perguntou por fim.
— O quê?
— Que vocês estavam saindo juntos, afinal. Todo mundo
desconfiou.
— Não, Elisa, não estávamos saindo juntos. Aquela vez foi apenas
uma carona, como eu disse. Mas ele sabe meu endereço e... — Suspirei,
frustrada.
— Peraí, ele sabe seu endereço e... o que, mulher?
— Deixa eu terminar antes de você começar a supor as coisas —
engoli em seco e continuei. — Marcus sempre mostrou uma aversão, sabe...
àquelas coisas que eu detestava, ele praticamente mudou o modo de ser... e
no fim rolou um clima estranho. Toda vez que nos beijamos foi depois de
brigarmos.
Elisa parecia absorver a informação, sua expressão misturando
surpresa com curiosidade.
— Então, basicamente, as emoções falaram por si e vocês
acabavam se beijando? — Ela perguntou, tentando entender o enredo.
— É mais ou menos isso. Não foi exatamente um plano ou algo que
eu esperava. — Suspirei e então continuei — Tem mais...
— Meu Deus, Alice, conta tudo de uma vez só. Para com esse
suspense.
— Se você começar a me interromper, eu juro que vou calar a boca
e você terá que descobrir sozinha.
Elisa fez um gesto de fechar a boca com um zíper e fingiu jogar a
chave fora, o que me fez rir. Mesmo em momentos como esse, ela
conseguia fazer piada.
— Eu tinha um amigo, Simon, foi com ele que eu fui ao bar, aquele
das fotos. E, de alguma forma, Marcus acabou demitindo-o porque ficou
com o ego ferido.
— Espera, o Simon, o analista? — Elisa perguntou, com os olhos
arregalados. Eu franzi o cenho.
— Sim...
— Alice, ele é um gato! Literalmente, eu já tive uma queda por ele.
Tipo, todas as vezes que eu o via no elevador. — Elisa se ajeitou na
poltrona, claramente chocada. — Não acredito que Marcus o demitiu
porque ficou com medo de te perder.
— Elisa, ele nunca me teve para me perder. Eu e Simon éramos
apenas amigos.
— Sim... amigos. Conta outra, Alice. Sou eu, a Elisa, lembra?
Aquela que sabe muito bem ler as pessoas.
— Mas é verdade.
— Tá, e o que mais? Só isso?
— Eu descobri sobre a demissão de Simon hoje, quando Marcus
apareceu lá em casa querendo conversar comigo. — Elisa arregalou os
olhos novamente, quase com as órbitas saltando.
— Vocês se viram hoje? — Elisa repetiu, com a voz carregada de
curiosidade.
— Sim, ele me trouxe ao hospital.
Elisa se levantou de repente, começando a andar de um lado para o
outro no quarto, claramente agitada. Eu abaixei a cabeça, uma mistura de
vergonha e arrependimento subindo por ter contado tudo a ela. Talvez
tivesse me precipitado.
— Alice, esse homem está completamente caidinho por você! —
Elisa parou, me encarando com os olhos arregalados. — Não entra na sua
cabeça que o cara mais rico do mundo está apaixonado por você? — Ela
balançava a cabeça, quase rindo de incredulidade. — É como beijar um
caixa eletrônico!
— Segundo mais rico... — A corrigi.
— Tanto faz, Alice! — Elisa revirou os olhos. — Mas me diz, você
sente algo por ele, não sente?
— Eu não sei... — Respondi, mordendo o lábio inferior, sentindo-
me perdida. — Tudo é tão confuso. Estou tentando focar na minha mãe, no
que realmente importa agora. Fiquei completamente furiosa com ele por
causa do Simon. O que, claro, ele não recebeu muito bem.
Elisa parou de andar, me olhando com uma sobrancelha levantada.
— Exagerou em quê?
— Eu disse que talvez não pudesse confiar mais nele — murmurei,
desviando o olhar.
— Ai, Alice... você errou feio — a voz rouca, mas firme, da minha
mãe me fez congelar no lugar.
Arregalei os olhos e num salto me aproximei dela, o coração
disparado. Ela piscava, seus olhos tentando focar em mim enquanto virava
o rosto devagar. Elisa também se aproximou da cama.
— Mãe! — Minha voz saiu em um sussurro trêmulo. — Como você
está se sentindo?
— Um pouco fraca, mas... estou bem melhor do que no dia em que
quase morri! — Ela tentou sorrir, embora estivesse visivelmente cansada.
Sua força, no entanto, era inconfundível, e isso trouxe um alívio imediato
ao meu coração.
— Não se esforce, mãe. Eu... eu sinto muito se te acordamos.
— Você e seus dramas, Alice... — Ela murmurou com um sorriso
cansado, mas com aquele brilho de humor que tanto conheço em seus olhos.
— Mas... quero... saber...
— Mãe, não force a voz... — Pedi, enquanto ajeitava sua cabeça no
travesseiro, percebendo que ela estava se incomodando com ele. Seus traços
já estavam voltando ao normal.
— Preciso sair... daqui... esse lugar cheira a álcool e está me
irritando.
Sim, essa era ela, e por mais que a situação ainda fosse delicada, eu
não pude deixar de agradecer internamente por isso.
— Logo, mãe. — Sorri, tentando transmitir segurança. — Logo
estaremos fora daqui, e você vai estar em casa, cercada pelo cheiro dos seus
perfumes caros.
Ela soltou um suspiro longo, e pude ver seu semblante relaxar aos
poucos. Sabia o quanto ela estava ansiosa para sair daquele hospital, e a
ideia de voltar para casa parecia reconfortá-la. Meu pai ficaria feliz em
saber que ela já estava acordada, mas decidi não ligar para ele agora. Ele
também precisava descansar.
Um tempo se passou e eu e Elisa conversávamos sobre a festa da
empresa, e eu percebia, pelo canto do olho, o esforço da minha mãe para se
manter acordada e interagir conosco. Era evidente que o cansaço pesava em
suas pálpebras, e apesar da sua determinação em participar da conversa, não
demorou muito para que ela adormecesse novamente. Por mais que eu
soubesse o quanto isso a irritava, eu queria que ela descansasse. Era para o
bem dela, e isso me confortava. Elisa continuava falando, sua voz suave,
para não despertar minha mãe. Ela detalhava os preparativos para a festa da
empresa, e eu tentava me concentrar, apreciando o que ela dizia. O evento
da semana que vem prometia ser gigantesco, e a ideia de me envolver nisso
trazia um breve alívio das preocupações que me cercavam.
— Na semana que vem, na sexta, vamos para o salão ajeitar tudo —
disse Elisa, mantendo um tom leve, como se estivesse tentando me distrair.
— Tom fez questão de alugar o espaço com antecedência para termos
tempo suficiente para decorar tudo com calma.
Assenti, ainda um pouco absorta, mas entendendo perfeitamente o
que ela dizia.
— Ele está certo — murmurei. — É bom que tenhamos tempo para
fazer tudo com calma. Essa festa precisa ser perfeita, não é?
Elisa riu suavemente, seu sorriso se alargando de orelha a orelha.
Mesmo com tudo o que estava acontecendo, era reconfortante ouvir falar de
algo que não envolvesse doenças, incertezas ou Marcus. Eu observava
minha mãe, o ritmo constante e leve de sua respiração me mostrava que,
finalmente, ela estava bem. A realidade ao meu redor ainda era difícil, mas
eu sabia que havia espaço para esperança. A festa da empresa parecia uma
distração distante, mas ao mesmo tempo, uma parte de mim ansiava por
aquele momento em que estaria envolvida na correria dos preparativos,
ajudando a decorar o salão, rindo com Elisa, Tom e Megan. Eu queria, mais
do que tudo, que as coisas voltassem ao normal.
Caminhei ao lado de Elisa pelo corredor que levava aos elevadores.
Ela estava quieta, seu olhar fixo no chão, como se quisesse me dizer algo,
mas estivesse hesitante. O silêncio entre nós era quase palpável, e eu sabia
que ela estava se segurando internamente, para dizer alguma coisa.
— Vai, fala amiga, o que é? — Quebrei o silêncio, impaciente.
— Ai, Alice... sua mãe está bem agora, mas dá para ver na sua cara
que você não está nada bem. — Elisa finalmente levantou o olhar para mim,
sua expressão preocupada.
— Vai ficar bem, isso passa. — Parei em frente às portas do
elevador, esperando que ela apertasse o botão, mas Elisa cruzou os braços e
me encarou com uma expressão desconfiada.
— Você gosta dele, é nítido, mas é orgulhosa demais para admitir.
— Ela estalou os dedos na frente do meu rosto, tentando chamar minha
atenção. — E ele gosta de você, se é isso que você quer saber, ok?
— Não importa. O que ele fez foi ridículo, e eu preciso saber se o
Simon está bem, sabe? — Respondi, tentando desviar o foco da conversa.
— Por quê? Vai pedir desculpas porque o cara que está afim de
você quis simplesmente tirar umas pedras do caminho que levava ao seu
coração? — Elisa me provocou, sem perder o tom sério.
— Ah, Elisa, para! — Retruquei, irritada.
Era tudo tão absurdo para mim. Não conseguia entender como
Marcus poderia usar o poder que tinha para demitir alguém simplesmente
porque ele achava que essa pessoa estava envolvida comigo. Era uma piada,
e uma que me deixou profundamente irritada. Por mais que eu tentasse
afastar esses pensamentos, eles continuavam voltando, me atormentando.
— Ele beija bem? — Elisa me perguntou de repente, me forçando a
encará-la, franzindo o cenho.
— O quê? — Respondi, surpresa.
— Ah, você ouviu... — Ela revirou os olhos, me provocando.
— Vai publicar isso no site da editora se eu disser? — Ri, abafando
o som com a mão.
— Poderia..., mas isso só aumentaria a fila de mulheres
apaixonadas querendo ficar com ele. — Ela piscou para mim, com um
sorriso malicioso.
— Ah Elisa... – Eu disse revirando os olhos.
— Alice, você não tem ideia da quantidade de e-mails que recebo
de mulheres querendo saber sobre o Marcus, e das ligações que a Ashley
recebe perguntando sobre ele. — Ela se inclinou um pouco mais perto e
falou em um tom mais baixo quando uma enfermeira passou pelo corredor.
Então continuou — Eu não sei como é a vida sexual dele, mas sei que pode
ser bem movimentada só com um estalar de dedos, amiga.
— O que quer dizer com isso? — Franzi o cenho, encarando-a. Um
frio incômodo percorreu minha barriga ao pensar na interminável lista de
pretendentes que Marcus poderia ter.
— Quero dizer que esse homem está caidinho pela minha amiga, e
ela está se fazendo de difícil... sendo que esse é exatamente o jogo que ele
mais gosta de jogar. — Elisa me olhou como se soubesse mais do estava
falando.
Eu fiquei confusa com essa nova informação, mas uma lembrança
de uma conversa com Marcus veio à mente. Quando Liz nos encurralou
para saber sobre as fotos, ele havia mencionado que não gostava de coisas
fáceis. Agora, essa reflexão da Elisa me deixou ainda mais incerta sobre
onde eu me encaixava nessa história.
— Chega de falar dele, isso já está tomando um rumo estranho. —
Tentei encerrar o assunto, sentindo a tensão crescente entre nós.
— Alice, você é virgem? — A pergunta de Elisa me pegou
completamente de surpresa, e meus olhos se arregalaram de choque.
— O quê? — Respondi, tentando manter a compostura. — Que tipo
de pergunta é essa?
— Tá, eu peguei pesado, admito. — Elisa riu, e eu balancei a
cabeça incrédula. Apertei o botão do elevador e, quando as portas se
abriram, empurrei-a gentilmente para dentro.
— Você precisa ir embora, tem seus compromissos! — Lembrei ela.
— Amiga... — Ela ria ainda, e antes que as portas do elevador se
fechassem, inclinou-se para a frente e disse: — Vai ser uma noite e tanto o
dia em que vocês dois finalmente dormirem juntos.
Ela se afastou e as portas do elevador se fecharam, eu olhei para os
lados, completamente envergonhada e preocupada com a possibilidade de
alguém ter ouvido nossa conversa. O alívio foi imediato ao perceber que o
corredor estava vazio e silencioso.
Pensar na pergunta indecente de Elisa me fez refletir. Eu já tinha
feito sexo antes... quer dizer, uma única vez. Mas não foi nada como eu
imaginava, nada parecido com os romances que eu leio. Foi horrível, a pior
experiência possível. Estava na faculdade, em uma das reuniões que
fazíamos todas as sextas à noite. Eu estava no quarto de um cara com quem
estava ficando na época. Havíamos bebido muito whisky, e ele se
aproveitou da situação. A bebida me deixou mais vulnerável, e acabei
cedendo. Eu estava curiosa sobre como seria, mas jamais pensei que a
minha primeira vez seria um desastre. Não durou cinco minutos, e essa
experiência se transformou em um trauma gigantesco para mim. Se há algo
que coleciono, são traumas, e esse, sem dúvida, é o primeiro da minha lista.
Foi uma semana turbulenta que passou tão rapidamente. Minha mãe
finalmente saiu do hospital e estava se recuperando em casa. Meu pai
insistiu muito para que contratássemos uma enfermeira particular para
ajudar nos cuidados dela, pelo menos durante esta semana. Após algum
tempo de resistência, acabei concordando. Afinal, eram muitos cuidados
com o curativo que eu não seria capaz de manejar sozinha. Apesar da ajuda
da enfermeira, eu fazia questão de estar presente o máximo possível,
visitando minha mãe constantemente e garantindo que ela estivesse
confortável. Meu pai, focado na empresa, me enviava mensagens regulares
falando sobre como estava a mamãe e se eu iria aparecer, pois já era rotina
eu dar um pulo lá depois do trabalho. Eu sempre ia, apesar da distância e
dos dias longos, onde quase sempre eu chegava em casa tarde e ia dormir de
madrugada. Eu continuava indo trabalhar normalmente, mesmo com Liz
questionando repetidamente por que eu não estava dedicando mais tempo à
minha mãe.
Lembro-me de estar na sala de estar com minha mãe, que estava
deitada de pernas para cima no sofá, conforme recomendação médica,
quando, de repente, Marcus apareceu na televisão. Era uma notícia sobre
sua mais nova empresa. Aquilo foi estranho, pois Marcus sempre fez
questão de mostrar que não estava satisfeito com sua vida, mas ele
gerenciava suas empresas com uma habilidade quase incansável. A imagem
dele na TV me trouxe à mente as palavras de Elisa sobre Marcus. Ele tem
muitas pretendentes, porque ele se quer cogitou em ficar comigo?
E havia algo mais que me inquietava: tentei entrar em contato com
Simon, mas ele não retornou minhas tentativas. Sentia-me ignorada, e eu
não entendia o motivo. Será que ele desconfiava que eu tinha alguma culpa
na sua demissão? Eu ainda estava lutando para entender o que havia
acontecido naquele domingo, tentando decifrar meus sentimentos confusos.
Era um turbilhão de emoções que me enlouquecia, e eu sabia que precisava
me recompor urgentemente, precisa pensar direito. No sábado seria a festa
da empresa, e eu não queria aparecer com uma cara de poucos amigos.
Seria anunciada como a nova crítica literária, e precisava estar radiante.
A perspectiva da festa, mesmo que eu estivesse fantasiada de Jean
Grey, diante de um monte de convidados importantes da mídia, era uma
oportunidade maravilhosa para minha carreira profissional. Enquanto eu
estava com meu Kindle ligado, apoiada nas almofadas que usei como
encosto, lia e observava minha mãe de tempos em tempos. A recuperação
estava sendo frustrante para ela, e sua voz rouca interrompeu meus
pensamentos, trazendo-me de volta à realidade.
— Não aguento mais ver TV. Quero ir para o meu quarto dormir.
Afinal, é só isso que consigo fazer. — Ela disse, sua frustração evidente. —
Esta rotina está um tédio. Mal posso esperar para voltar a fazer compras!
Ouvir a impaciência na voz da minha mãe me fez perceber que, aos
poucos, seu antigo humor estava retornando. Talvez isso fosse um bom
sinal, mas ainda havia uma nuvem de tristeza e frustração. Eu sabia o
quanto era difícil para ela, uma mulher tão ativa, estar limitada dessa forma.
Fechei o Kindle e me levantei para ajudá-la a ir até o quarto.
— Vamos, mãe. — Disse com suavidade, estendendo minha mão.
Ela aceitou minha ajuda; ainda conseguia caminhar normalmente, mas eu
estava ali, insistindo em ser prestativa. Ela não precisava se esforçar tanto.
Subimos as escadas juntas, ela segurava a minha mão e, de vez em quando,
tentava subir sozinha. Eu mantinha um sorriso contido, divertindo-me com
a sua teimosia sem que ela percebesse.
Enquanto a ajudava a se acomodar na cama, minha mente vagava.
A rotina parecia realmente entediante para ela, e se não fosse pelo trabalho,
eu também estaria imersa na mesma sensação de monotonia.
— Tente descansar... — Falei, tentando soar encorajadora. Ela
revirou os olhos, claramente impaciente.
— Como se houvesse algo melhor para fazer. — Resmungou,
fechando os olhos. Eu estava prestes a sair, quando sua voz cortou o
silêncio do quarto. — Você vem amanhã de novo, filha?
Parei, segurando a porta, e a encarei por um instante.
— Sim, mãe... — Respondi suavemente. — Não se preocupe, vou
vir todos os dias, mesma rotina de sempre. Laila chega às sete da manhã, e
o pai estará aqui em breve. Você não vai ficar sozinha.
Ela assentiu, mas o peso da situação não passou despercebido para
mim. As palavras que saíam da minha boca eram tranquilizadoras, mas o
cansaço na voz dela me fez questionar até quando conseguiríamos manter
essa rotina. Ela se virou para o lado e ajeitou o cobertor. Ela não gostava de
ficar sozinha, muito menos neste estado. Fechei a porta e Mason corre em
minha direção pedindo carinho, ele sabia que o clima aqui não estava tão
agradável. Dei um carinho a ele e depois ele me seguiu descendo as escadas
até a sala.
Pensava na situação da minha mãe e no quanto ela queria recuperar
sua independência. A recuperação estava sendo rápida, e com o tempo ela
voltaria a ser a mulher forte e ativa que sempre foi. Já era dez e meia da
noite, e meu pai ainda não tinha chegado. Ele andava chegando tarde
ultimamente, e eu só ia para casa depois que ele estivesse de volta. Havia
algo diferente nele, eu achava ele estranho ultimamente.
Havia feito um café rápido, e com ele na mão, sentei-me no banco
da cozinha, o Kindle aberto sobre a bancada. Eu estava folheando as
páginas de um livro qualquer, mas minha mente estava distante. Eu
continuava olhando para o relógio, tentando não me preocupar com o atraso
do meu pai, mas a ansiedade me incomodava. Finalmente, ouvi a chave
girar na fechadura da porta da frente. Ela se abriu, e Mason, correu em
disparada pelo corredor, suas patas grandes e rápidas fazendo um som
estranho sobre o porcelanato. Em poucos segundos, ele estava saltando com
as patas dianteiras nas calças do meu pai, que ainda estava com o paletó e a
gravata frouxa. O cabelo grisalho dele estava bagunçado, sinal do cansaço
de um dia longo.
— Hey, garoto! — Meu pai riu, afagando a cabeça de Mason antes
de olhar para mim. — Desculpe o atraso, Alice. Como está sua mãe?
— Dormindo. — Respondi, levantando-me do banco e me
aproximado dele. — Ela estava cansada, mas parece estar se recuperando
bem.
Ele assentiu, parecendo aliviado com a notícia, e então passou a
mão pelos cabelos, como se quisesse afastar o cansaço. Eu sabia que ele
estava exausto, mas ainda assim, ele nunca deixava de perguntar como as
coisas estavam.
— Estava só esperando você chegar para ir pra casa — Eu disse,
mais para tranquilizar a mim mesma do que a ele.
— Obrigada filha, por tudo. — Ele disse, com uma expressão séria,
mas suave.
Eu estava perto o suficiente para sentir o aroma distinto que exalava
quando ele retirou o paletó. A fragrância familiar inundou minhas narinas, e
eu a reconheceria de longe.
— Há quanto tempo? — perguntei, tentando manter minha voz
neutra, mas a surpresa era inevitável. Ele me olhou nos olhos e logo
entendeu a que eu me referia. Qualquer fumante saberia identificar o cheiro
de cigarro.
— Ultimamente estou muito nervoso e estressado — ele admitiu,
desviando o olhar e fixando-o no chão. — E então, quando sua mãe foi
internada. Eu não sabia o que fazer.
Absorvi suas palavras, sentindo um misto de surpresa e
compreensão. Ver meu pai, sempre tão controlado e imponente, confessar
algo assim era algo inesperado. O fato de ele estar tão sobrecarregado com
a situação a ponto de recorrer ao cigarro, algo que eu nunca imaginei que
ele faria, me pegou desprevenida. Eu mesma havia considerado voltar a
fumar para lidar com o estresse recente, mas saber que meu pai estava
passando pelo mesmo me fez reconsiderar essa ideia. Enquanto ainda
processava a revelação, a curiosidade começou a me consumir.
— Você já fumava antes? — perguntei, tentando entender de onde
vinha esse hábito que ele parecia ter retomado.
— Na faculdade, sim... — Ele confessou, agora um pouco mais à
vontade com o segredo exposto. Foi difícil conter o riso ao ouvir isso,
porque foi na faculdade que eu também comecei a fumar, forçada a cursar
algo que detestava. — Fumei bastante durante aqueles anos e por um tempo
depois de me formar. Mas então parei. Sua mãe odiava o cheiro. Dizia que
impregnava nas roupas dela.
Isso me surpreendeu ainda mais. Sempre vi meu pai como alguém
disciplinado e metódico, e agora descobria que ele já teve um hábito como
esse.
— E a vovó sabia? — perguntei, sem conseguir esconder a
curiosidade. Afinal, era a mesma avó que sempre me advertia sobre os
perigos do cigarro. Ele deu de ombros, um leve sorriso surgindo em seus
lábios.
— Ela nunca me pegou fumando, mas acho que sempre desconfiou.
Mães têm um sexto sentido para essas coisas, não é? — Havia uma
nostalgia em sua voz ao mencionar minha avó, como se revivesse memórias
antigas. Assenti, ainda tentando assimilar essa nova faceta do meu pai. Ele,
sempre tão rígido e exigente, agora se mostrava vulnerável de um jeito que
eu nunca havia presenciado.
— Alice? — Ele me chamou com uma suavidade preocupada na
voz. Mason estava mordiscando a barra das minhas calças, e eu levantei o
olhar, indicando que ele podia continuar. — Não conte nada para sua mãe...
— Por que eu contaria? Ela não precisa de outro ataque cardíaco —
respondi, colocando a xícara na pia e me abaixando para afagar Mason.
— Sim, e nem para a vovó. Eu vou parar... — Ele começou a
justificar, mas eu o interrompi com um gesto.
— Pai... Eu entendo, e isso não é da minha conta. Não se preocupe
— respondi com sinceridade, tentando aliviar o peso de sua confissão.
Depois de algum tempo, me despedi do meu pai, sentindo o peso de
sua confissão ainda pairando entre nós. Ele acenou para mim enquanto eu
abria a porta da frente e me dirigia ao elevador. Desci para o térreo e segui
em direção à calçada, o cheiro de cigarro ainda impregnado na minha
mente. Eu não podia, não queria recorrer ao vício novamente. Fazia algum
tempo que eu tinha conseguido me afastar disso. Levantei a mão para
chamar o táxi que passava, e ele parou logo à frente. Entrei no carro, e
enquanto o motorista iniciava o trajeto, recostei a cabeça no assento,
sentindo a vibração suave do veículo me acalmar. Alguns minutos depois, o
táxi entrou na avenida que levava ao ponto turístico mais famoso de Nova
York. De repente, a vista da Times Square surgiu diante de mim. Eram onze
horas da noite, mas a avenida estava lotada de pessoas. As luzes vibrantes,
os enormes telões e a multidão caminhando apressada davam vida à noite
como se fosse dia. As luzes refletiam nas janelas dos edifícios, criando um
espetáculo que nunca deixava de impressionar. Fazia cinco anos que eu não
passava por ali. A última vez foi em um momento de desespero, quando
decidi fugir de casa, sufocada pela pressão dos meus pais. Naquela noite,
caminhei por horas, sem rumo, tentando encontrar alguma clareza ou, ao
menos, uma fuga temporária da confusão que me dominava.
Lembrava-me de como andei pelas ruas iluminadas, observando os
turistas tirando fotos sem parar, empolgados com cada detalhe. Naquele
momento, o frio e a multidão ao meu redor eram irrelevantes; eu só queria
fugir dos meus próprios pensamentos. Times Square, com suas luzes
cegantes e sons caóticos, parecia o lugar perfeito para me perder. Passei três
horas andando por ali, como se estivesse esperando que o movimento
incessante da cidade de alguma forma colocasse ordem na confusão da
minha mente. Mas, claro, nada mudou. Agora, observando a mesma cena
pela janela do táxi, um misto de nostalgia e melancolia me invadiu. Tanta
coisa havia mudado desde aquela noite. A sensação de estar perdida, de
procurar respostas que sempre escapavam por entre os dedos, ainda era a
mesma.
A cidade continuava vibrante, como se nada pudesse interromper
seu ritmo frenético, mas dentro de mim, havia um cansaço crescente, uma
frustração silenciosa. Talvez fosse verdade, talvez eu nunca encontrasse as
respostas que procurava. O táxi continuou seu caminho, e Times Square
ficou para trás. As luzes da cidade cintilavam pela janela, refletindo o
turbilhão de pensamentos que rodopiavam na minha cabeça.
Quando o carro parou em frente à minha casa, paguei rapidamente a
corrida e desci, sentindo o ar fresco da noite bater contra meu rosto. O
vento trouxe um alívio momentâneo para o peso invisível que eu carregava.
Fechei a porta do táxi e, ao me virar em direção à entrada, algo chamou
minha atenção. Alguém caminhava na calçada, e meu estômago deu um nó
ao reconhecer Simon. Ele abriu um sorriso enorme quando me viu,
acelerando o passo em minha direção. Fiquei completamente paralisada por
um segundo, tentando processar a cena. Simon, o mesmo que parecia estar
me ignorando nos últimos dias, ali, com aquele sorriso desconcertante?
Meu cérebro travou por um momento, como se estivesse tentando reiniciar.
— Alice! — Ele exclamou, parecendo genuinamente animado em
me ver. "Ok, isso é estranho", pensei. Talvez ele tenha batido a cabeça ou
algo assim.
— Simon? — Minha voz saiu mais surpresa do que eu pretendia. —
O que você está fazendo aqui? Achei que... bem, que você estava me
evitando.
Ele parou à minha frente, o sorriso permanecendo.
— Meus pais moram na rua ao lado — explicou, enquanto sua mão
subia para acariciar levemente meu braço, um toque que me fez prender a
respiração por um instante. — Eu estacionei o carro aqui e até pensei em
bater na sua porta, mas vi que as luzes estavam todas apagadas.
— Ah, sim. Lembro que você mencionou sobre seus pais morarem
por perto.
Ele deu um leve sorriso, aquele tipo de sorriso que normalmente me
faria sentir confortável, mas dessa vez, parecia um pouco diferente.
— Sim, e também deu problema no meu chip — ele continuou
soltando um suspiro leve. — Tive que comprar um novo e perdi todos os
meus contatos.
Por um breve momento, senti uma onda de alívio. Claro, fazia todo
o sentido. Como não pensei nisso antes? Obviamente, algo poderia ter
acontecido com o telefone dele, e por isso ele não entrou em contato. Mas, é
claro, minha mente tinha que pensar no pior.
— E como você está? — Perguntei, ainda tentando manter a voz
neutra, mas a curiosidade era evidente.
— Estou ótimo, e você? — Simon deu um passo mais perto, e seu
tom era casual, quase alegre demais
Havia algo estranho em sua postura, algo que não se encaixava. Ele
parecia estar lidando muito bem com a situação, considerando tudo o que
havia acontecido. O que era bom, claro, mas ainda assim...
— Pergunto por conta da demissão... — minha voz saiu mais baixa
do que eu pretendia.
— Demissão? — Ele franziu o cenho, como se não tivesse ideia do
que eu estava falando.
— Sim, você foi demitido, né? — Eu franzi o cenho também, me
lembrando claramente do que Marcus havia dito. Simon deu um passo para
trás e soltou uma risada, a confusão em seus olhos se dissolvendo em
divertimento.
— Eu fui transferido, não demitido, Alice — ele disse, rindo
levemente, como se fosse uma piada interna.
Eu o encarei, tentando absorver suas palavras. Espera, o quê? Mas
Marcus me disse que o havia demitido... mencionando que eu ficaria brava
com ele.
— Desculpa... eu jurava que você tivesse sido demitido —
murmurei, sentindo meu rosto esquentar de leve.
— Não, Alice, fui transferido para Chicago — explicou Simon,
com um brilho de empolgação nos olhos. — Marcus comprou uma
financeira que estava prestes a falir e enviou a mim e mais quatro
funcionários para a nova sede. Vai ser como se fosse uma SayCompany,
mas no mercado financeiro de empréstimos. Legal, né? Sempre quis morar
em Chicago.
Por um momento, sua voz começou a se distanciar, como se um
zumbido estivesse tomando conta dos meus ouvidos. A informação não
parecia se encaixar, como se eu estivesse tentando juntar as peças de um
quebra-cabeça que simplesmente não fazia sentido. O que exatamente
estava acontecendo? Por que Marcus teria mentido para mim?
— E você, Alice? Parece meio... distante. Está tudo bem? — Simon
perguntou, sua expressão agora mais séria, como se notasse algo diferente
em mim.
— Sim, estou um pouco melhor — consegui responder, tentando
alinhar meus pensamentos que ainda estavam em um turbilhão. — Minha
mãe me deu um susto neste final de semana. Teve que passar por uma
cirurgia no coração, mas agora já está melhor.
— Nossa, Alice, eu não fazia ideia. — Os olhos de Simon se
arregalaram, surpresos e preocupados
— Está tudo bem agora — disse, forçando um sorriso que esperava
ser convincente. Por dentro, senti um alívio misto com uma onda de
frustração ao perceber que Simon não havia sido demitido. Isso só
confirmava que Marcus tinha mentido para mim, provavelmente para me
provocar, para mexer com meus sentimentos e ver se conseguia descobrir o
que eu realmente sentia por Simon. E ele conseguiu, é claro. Agora, ele
provavelmente acha que eu estou apaixonada por Simon. Que droga, Alice,
que confusão.
— Eu adoraria conversar mais, mas meu voo é às sete da manhã e
preciso acordar cedo. Foi ótimo te ver, Alice. Espero te reencontrar quando
eu visitar meus pais. — Simon segurou minha mão por um momento, com
um sorriso caloroso.
Eu retribuí o sorriso, sentindo um misto de nostalgia e alívio. Simon
sempre foi legal comigo, e era bom saber que Marcus estava errado sobre
nós. No entanto, o fato de que ele usou essa ideia para me provocar me
irritava profundamente.
— Espero que você faça sucesso em Chicago. Talvez eu te visite
por lá — brinquei, passando as mãos pelos meus cabelos, tentando parecer
descontraída.
— Será um prazer — Simon disse, inclinando-se para me dar um
beijo leve na bochecha. — Até mais, Alice.
— Até mais, Simon.
Acenei enquanto ele se afastava e caminhava em direção ao seu
carro. Fiquei parada na calçada por um momento, observando-o se afastar.
Só depois percebi que ainda estava ali, imóvel, como se tentando processar
tudo o que havia acontecido. Finalmente, caminhei até a porta de casa,
subindo as escadas e destrancando a porta.
Entrei em casa mordendo o lábio, tentando aliviar a confusão que
me consumia. Um suspiro escapou dos meus lábios enquanto fechei a porta
atrás de mim. Deixei a bolsa cair sobre o sofá e fui direto para a cozinha,
acendendo a luz antes de abrir a geladeira. O brilho frio e azul me envolveu
enquanto pegava uma garrafa de água. Levei-a aos lábios, tomando longos
goles, sentindo a tensão se dissipar um pouco a cada gole.
Sentei-me na cadeira da cozinha, ainda tentando organizar meus
pensamentos. Peguei o celular e, enquanto desbloqueava a tela, uma nova
mensagem chamou minha atenção. O número era desconhecido, não estava
salvo nos meus contatos.
"Você está em casa?" dizia a mensagem, enviada há uma hora.
Franzi o cenho, tentando lembrar se tinha dado meu número a
alguém recentemente, mas nada fazia sentido. Provavelmente era um
engano. Ignorei a mensagem e estava prestes a bloquear o número, mas
então a porta da frente se abriu com um leve ranger, e meu coração quase
parou.
Olhei para a entrada, e uma silhueta familiar surgiu na penumbra.
Balançei a cabeça, incrédula, me perguntei se aquilo era real.
Marcus fechou a porta atrás de si e começou a caminhar em minha
direção, e eu tive que segurar uma risada. Era engraçado como ele entrou na
minha casa com a mesma naturalidade de quem estivesse entrando na
própria. A confiança no andar dele, a maneira como seus olhos varreram o
ambiente sem pressa, como se já conhecesse cada canto...
Eu o observei com curiosidade, achando graça da situação. Ele
estava vestindo um terno preto impecável, tão formal que parecia deslocado
ali. Era como se tivesse saído diretamente de uma reunião de negócios. Ele
tinha aquele andar que transbordava confiança, como se estivesse
desfilando em uma passarela ou saindo diretamente de um comercial de
perfume. Era uma mistura de surpresa e diversão que me invadia — a ideia
de Marcus, o homem que eu estava tão confusa sobre como me sentir,
andando pela minha casa como se fosse o lugar dele também.
— A casa é sua... pode entrar — soltei, deixando a ironia escorrer
pelas palavras enquanto observava cada movimento seu. Ele não pareceu se
abalar e continuou a se aproximar.
— Quis vir falar com você... viajo para Chicago amanhã.
— Estou sabendo...
— Está? — Ele arqueou uma sobrancelha, parecendo surpreso, ou
talvez apenas curioso. Havia algo nos olhos dele, uma intensidade que fazia
meu estômago revirar.
Levantei-me de repente, colocando-me de frente para ele, os braços
cruzados sobre o peito, numa tentativa desesperada de criar uma barreira
entre nós. Mas, honestamente, essa barreira parecia tão frágil quanto meus
nervos naquele momento.
— Marcus, uma pergunta — comecei tentando manter o tom de voz
controlado, embora a frustração borbulhasse por dentro. — Qual é o seu
problema? Porque, sinceramente, eu preciso entender!
Ele parou a poucos centímetros de mim, e o calor de sua presença
parecia encher o espaço entre nós. Seus olhos se fixaram nos meus, e pela
primeira vez naquela noite, percebi uma mudança em sua expressão. Ele
esboçou um meio sorriso, um daqueles que ele sabia usar tão bem, mas que,
naquele momento, parecia carregado de algo mais.
— Então, você falou com Simon? — A voz dele era suave, mas
havia uma nota de tensão nela que não passou despercebida.
— Te interessa? — Retruquei, mantendo o que eu esperava ser um
olhar desafiador, embora meu coração batesse forte no peito.
— Muito — Ele contraiu o maxilar, seus olhos nunca deixando os
meus. A intensidade do olhar dele fez com que eu risse, mas foi uma risada
irônica, uma tentativa fraca de esconder o que eu realmente sentia.
— Falei com meu amigo Simon — continuei carregando a palavra
"amigo" de uma ironia que eu sabia que ele captaria. — Ele me disse a
verdade... e que, infelizmente, ele não sente nada por mim.
Eu sabia que estava mentindo, mas queria vê-lo reagir, queria
entender o que estava por trás daquele comportamento desconcertante.
Marcus balançou a cabeça sorrindo, aquele sorriso que, por um momento,
me fez esquecer por que eu estava tão brava. Afastei-me um pouco,
tentando recobrar o controle, tentando não me deixar levar pelo magnetismo
que ele parecia exercer sobre mim. Mas ele não me deu essa chance.
— Não ia perder um dos meus melhores funcionários por conta de
um sentimento conflitante em mim — Ele disse, a voz rouca, quase um
sussurro, que pareceu fazer o ar ao nosso redor vibrar.
— O que você quer dizer com isso? — Virei-me rapidamente para
encará-lo. Minha voz saiu quase como um sussurro, carregada de uma
mistura de curiosidade e algo mais, algo que eu não queria nomear. Marcus
deu mais um passo em minha direção, sua proximidade era quase sufocante,
mas de um jeito que fazia minha respiração acelerar. Seus olhos desceram
para meus lábios por um breve segundo antes de voltarem a encontrar os
meus.
— Quero dizer que... você me deixa assim, Alice — Ele disse, sua
voz baixa e grave, enquanto sua mão se movia lentamente, quase hesitante,
para tocar meu rosto, deslizando pela minha pele de forma que fazia o meu
coração acelerar. — Confuso, irritado... e intensamente obcecado.
A intensidade das suas palavras me atingiu com uma força que eu
não queria admitir. Minhas defesas estavam se desfazendo, e eu sabia que,
se ele se aproximasse mais um centímetro, eu não conseguiria resistir.
— Eu sou um desafio? — perguntei, minha voz tremendo
ligeiramente. Ele franziu o cenho, como se estivesse tentando compreender
a profundidade da minha pergunta. — Pra você... sou um desafio? — repeti,
forçando-me a manter a voz firme.
— É um jogo que estou disposto a jogar — Ele respondeu, um
sorriso perigoso surgindo nos lábios. — E de jogos eu entendo muito bem.
Eu percebi que minha respiração estava se tornando lenta e
irregular, cada palavra dele parecia desacelerar o tempo e me deixar mais
vulnerável. A proximidade dele, a forma como seus olhos azuis brilhavam
intensamente enquanto me observavam, fazia meu corpo se arrepiar. Eu não
conseguia desviar o olhar das feições marcantes de Marcus. Seus cabelos
loiros estavam cuidadosamente penteados, com uma textura moderna e um
pouco desgrenhada, como se tivesse passado os dedos pelos fios em um
momento de distração. O maxilar quadrado, coberto por uma barba por
fazer, descobri que eu sentia uma atração irresistível por ele. Eu estava
alucinando, imaginando o toque dos seus lábios contra os meus, me
perdendo no desejo crescente.
— Mas, de tantas oportunidades... por que eu? — Consegui
pronunciar, a voz tremendo, sem me importar com o que quer que ele
respondesse. Eu precisava saber.
— Eu só tenho uma quando eu a crio, Alice. — Ele se aproximou
ainda mais, seus lábios umedecendo-se antes de continuar. — E isso aqui.
— Ele gesticulou entre nós com um movimento suave e decisivo. — É a
única.
— A única? — Eu não conseguia compreender, e a incredulidade
estava evidente em minha voz. — Pelo que dizem, um homem como você
deve ter muitas mulheres, todas ao seu alcance.
— E o que tem isso? — Marcus franziu o cenho, seus olhos azuis
fixos nos meus.
Engoli em seco, sentindo a garganta seca.
— Que eu não tenho nada de especial.
— Alice... — Ele tocou delicadamente meu lábio inferior com o
dedo indicador, um gesto que fez meu coração disparar e meus pensamentos
se embaralharem. — Você não sabe o que está dizendo.
— Claro que sei... — murmurei, comprimindo os lábios, tentando
manter a compostura.
Eu não queria revelar o que realmente sentia por ele, principalmente
porque nem eu mesma tinha certeza. Marcus era o tipo de homem que
poderia destruir meu emocional em segundos, se quisesse. Simples, rápido e
fácil, como o vilão de um bom livro de suspense. E eu não estava disposta a
adicionar mais um trauma à minha lista. Nunca me entreguei
completamente a ninguém; sempre vivi os momentos, mas meu coração
nunca foi entregue a uma pessoa. Já vi muita gente se machucar por causa
disso, já li sobre sofrimentos amorosos e, não, eu jamais me sujeitaria a
isso.
A verdade é que eu não confiava em Marcus, e essa desconfiança
era o que me mantinha afastada. Meu coração estava protegido por uma
barreira que construí ao longo dos anos, e não havia razão suficiente para eu
acreditar na sua promessa de que eu era a única. Não sem mais provas.
— Mas eu não acredito em você — falei finalmente, com a voz um
pouco trêmula.
Marcus balançou a cabeça, o olhar suave, como se compreendesse o
que eu estava sentindo. Ele se aproximou lentamente, e com um gesto
cuidadoso, afastou uma mecha de cabelo do meu rosto, seus dedos roçando
minha pele de leve. Seu polegar deslizou pelo meu queixo, fazendo meu
coração acelerar.
— O que eu preciso fazer?
Ele perguntou, sua voz baixa, quase um sussurro, carregada de uma
intensidade que me pegou desprevenida. Senti o peso da pergunta e, sem
conseguir lidar com a proximidade dele, afastei-me, caminhando pela sala
enquanto meu nervosismo crescia. Encostei-me na estante, meu corpo
tenso, soltando um suspiro na tentativa de organizar meus pensamentos.
— Não é tão simples assim, Marcus... — murmurei, gesticulando
entre nós dois, meus olhos evitando os dele. — Isso... nunca aconteceu
antes.
Ele deu um passo em minha direção, os olhos cheios de
preocupação.
— Calma... — Ele falou de forma suave, mas firme, enquanto
levantava a mão. — Alice, você não precisa ficar nervosa.
Senti meu peito apertar com as palavras dele. Eu sabia que ele não
entendia o que eu estava passando.
— Eu tenho bloqueios... — Engoli em seco, sentindo a garganta
apertada. — Muitos... que você nem imagina.
Afastei-me de novo para a cozinha, o som dos meus passos ecoando
pelo chão enquanto tentava respirar mais calmamente, eu não conseguia
ficar parada. Mas a voz dele, ainda carregada de sinceridade, veio logo
atrás.
— Eu posso não imaginar, mas estou disposto a fazer o que for
preciso para provar que sim, Alice, entre um milhão de mulheres, eu
escolheria você. — A intensidade das palavras dele fez meu coração vacilar,
eu parei de andar de costas pra ele. Ele respirou fundo, antes de continuar.
— Se eu tivesse que escolher entre todo o dinheiro do mundo e
você, eu escolheria você. E se eu tivesse que criar uma nova criptomoeda,
ela teria o seu nome. — Ele riu suavemente, quebrando um pouco da tensão
que pairava no ar. — É assim que eles se declaram nos livros de romance
que lê? — Me virei ao ouvir sua pergunta, e notei o sorriso meio torto nos
seus lábios, seus olhos cheios de carinho e um toque de humor.
— Não... — Respondi, hesitante, mas continuei. — É mais
profundo...
— Quanto mais profundo?
Ele inclinou a cabeça, os olhos fixos nos meus, como se tentasse ler
meus pensamentos.
— Mais verdadeiro... — Minha voz quase um sussurro.
Marcus diminuiu a distância entre nós. O calor de seu corpo se
aproximando fazia com que cada centímetro entre nós parecesse diminuir
ainda mais. Em um instante, percebi que estava praticamente encurralada
contra a mesa, meu coração disparando em um ritmo que eu não conseguia
controlar. A lembrança da última vez que nos beijamos invadiu minha
mente. Eu me lembrei de como ele havia me puxado para perto, bem ali, e
me beijado intensamente, fazendo-me jamais esquecer disso.
Agora, com ele tão perto novamente, o fantasma daquela memória
me assombrava, e era impossível não pensar naquilo. Os olhos de Marcus
brilhavam com uma intensidade crua, o desejo evidente em cada expressão
sua. Eu sabia que ele queria repetir o que havia acontecido, e talvez ir ainda
mais longe. Meu corpo reagia instintivamente à proximidade dele, mas
minha mente lutava contra a vulnerabilidade que isso traria. Eu não sabia se
estava preparada para o que poderia acontecer se eu o deixasse fazer o que
seus olhos me prometiam.
— Sabe Alice, eu sempre vi a vida como um jogo, algo que eu
precisava dominar, como se estivesse em uma quadra de basquete, sempre
buscando a próxima jogada, o próximo triunfo.
Ele respirou fundo, e eu vi algo mudar em seus olhos, uma
sinceridade crua.
— Mas você... você é diferente. Você não é uma partida para ser
vencida. Você é aquela sensação inesperada que surge no meio do jogo,
quando você percebe que não está mais jogando para ganhar, mas sim para
sentir. Você é a adrenalina, o suor frio, o calor no peito, tudo de uma vez.
Ele se aproximou ainda mais, sua mão acariciando meu rosto com
uma suavidade que contrastava com o turbilhão de emoções que suas
palavras provocavam em mim. Sua boca estava a centímetros da minha, se
movendo delicadamente conforme ele falava, cada palavra parecendo se
enroscar em meus pensamentos.
— Eu não quero só uma vitória... Eu quero cada segundo, cada
momento que me tira o fôlego. Porque você me fez querer parar de correr e
me faz desejar algo que nunca senti antes... Você. De uma forma intensa,
deu um salto na minha vida, virando meu mundo de cabeça para baixo.
Agora, em vez de continuar correndo atrás de pontos para vencer a partida,
tudo o que quero é voltar para você.
As palavras dele me atingiram como um soco no estômago, tirando
todo o ar dos meus pulmões. Marcus acabara de expressar algo tão
profundo que me deixou completamente paralisada, incapaz de reagir por
alguns segundos.
— Conseguiu... — minha voz saiu abafada. — É nessa intensidade
que eles dizem nos livros.
Marcus se aproximou ainda mais, sua respiração quente roçando
meu ouvido.
— Eu nem estava mais pensando nisso. — Ele murmurou, a voz
carregada de desejo, fazendo meu coração disparar.
— No que está pensando, então? — consegui perguntar, minha voz
mal se sustentando.
Marcus deu um meio sorriso. Ele ergueu uma mão e acariciou meu
rosto, o polegar traçando lentamente a linha do meu maxilar, provocando
uma corrente elétrica que percorreu meu corpo. Antes que eu pudesse
reagir, Marcus inclinou-se e começou a distribuir beijos suaves ao longo do
meu rosto, sussurrando a cada toque de seus lábios. Ele começou pela
minha têmpora, descendo pela linha do meu cabelo até alcançar a curva
sensível do meu pescoço, onde seu beijo fez meu corpo inteiro se acender.
— Você... — Ele sussurrou contra minha pele, enquanto seus lábios
seguiam em direção ao meu maxilar, provocando cada parte de mim.
— Me tem... — O calor de sua boca contrastava com a frieza
calculada de seus movimentos, e eu sentia cada célula do meu corpo
despertar sob seu toque. Seus lábios continuavam a explorar, sempre
evitando a minha boca, onde eu mais queria senti-los. — Nas... — A
palavra escapou como um suspiro, enquanto ele percorria a linha do meu
maxilar, sua proximidade deixando meu coração acelerado. A antecipação
estava me consumindo. A forma como ele me tocava, como ele mantinha o
controle, era ao mesmo tempo torturante e excitante. Ele sabia exatamente o
que fazer para me deixar à beira do abismo. — Mãos, Alice — seus lábios,
finalmente, roçaram o canto da minha boca, e eu parei de respirar,
completamente tomada pelo momento.
Antes que eu pudesse corresponder, ele se afastou ligeiramente,
apenas o suficiente para sussurrar contra meus lábios, sua respiração quente
misturando-se à minha.
— Está entendendo agora? — A voz dele, suave e provocante, fez
meu coração disparar ainda mais.
Eu estava completamente à mercê dele, cada parte de mim em
chamas, e Marcus sabia disso. Ele estava no controle, e minha respiração já
estava acelerada, tomada pela intensidade do momento. Cada provocação
havia incendiado meu corpo, e eu não sabia ao certo o que dizer ou fazer.
Só conseguia sentir.
Quando ele se inclinou e segurou a minha nuca com firmeza, não
houve mais espaço para hesitação. Ele me beijou com uma veracidade que
me tomou por completo, e eu me entreguei sem resistência. Seus lábios
eram urgentes, e a suavidade anterior havia sido substituída por algo muito
mais intenso. Sua mão livre percorreu minha cintura, apertando com força,
sem qualquer traço da delicadeza de antes. Ele estava lutando contra o
próprio desejo, e isso me envolvia ainda mais.
Agarrei seus cabelos, puxando-os com firmeza enquanto nossas
línguas se encontravam, dançando em uma sincronia voraz. O beijo era uma
batalha de vontades e emoções, e eu não queria que aquilo acabasse. Cada
movimento de Marcus era carregado de paixão contida, como se ele
estivesse prestes a perder o controle a qualquer segundo.
De repente, ele segurou meu rosto com ambas as mãos, me puxando
ainda mais para ele antes de me erguer do chão com facilidade. Seus braços
firmes agarraram minhas coxas, e em um movimento rápido, me prensou
contra a parede que separava a sala da cozinha. O impacto das minhas
costas contra a parede trouxe uma onda de realidade que me fez perceber o
quão longe aquilo poderia ir.
— Marcus... — murmurei em meio a uma tentativa desesperada de
puxar o ar.
Ainda estava no colo dele, seus braços fortes me segurando com
firmeza. Senti o calor de seus olhos me observando, o desejo palpável no ar,
mas também uma intensidade diferente, como se ele estivesse à espera de
um sinal meu, um limite que eu ainda não sabia se queria impor.
Minha mente estava um turbilhão de sensações e pensamentos
conflitantes. Eu sabia que, se continuássemos, não haveria volta.
Precisávamos parar.
— Marcus, a gente... precisa parar — minha voz saiu mais trêmula
do que eu pretendia, mas foi o suficiente para ele perceber a urgência do
meu pedido. Ele imediatamente notou a mudança em meu olhar, e em um
gesto cheio de cuidado, soltou minhas pernas com delicadeza, me
colocando de volta no chão. A intensidade de momentos antes foi
substituída por uma quietude pesada, quase dolorosa. Marcus deu um passo
para trás, respirando fundo.
— Me desculpa, Alice... eu não queria...
A culpa em sua voz me atingiu de uma maneira que eu não
esperava. Não era ele que estava errado. Eu sabia disso. Estendi a mão e
toquei seu rosto, forçando-o a olhar para mim. A textura de sua barba contra
meus dedos era estranhamente reconfortante.
— Não, Marcus... — minha voz saiu suave, mas firme, enquanto
buscava seus olhos, tentando fazer com que ele compreendesse. — Não é
sua culpa. Isso... tudo isso... é comigo.
Ele franziu o cenho, os olhos se estreitando enquanto me fitava. Era
como se ele estivesse tentando decifrar o que eu estava sentindo, tentando
entender o que eu mesma mal conseguia explicar.
— Eu avancei demais? — ele perguntou, a preocupação evidente na
suavidade de sua voz.
— Não é isso, eu... — Soltei um suspiro pesado, sentindo a
confusão tomar conta de mim. Passei as mãos pelos cabelos, tentando
encontrar as palavras certas. — Eu não consigo...
Caminhei até a sala, a mente em um turbilhão, e me sentei no sofá.
Marcus me seguiu. Ele se sentou ao meu lado, esperando pacientemente que
eu continuasse.
— Faz tempo que eu não... — murmurei, incapaz de encará-lo.
Havia um misto de vergonha e desconforto em mim. — Não faço isso.
— Sexo? — ele perguntou com uma sinceridade desarmante.
— Sim... — Respondi, finalmente encontrando coragem para olhar
em seus olhos. — Uma vez só. E foi... a pior de todas — acrescentei com
um riso amargo. — Por que será que eu estou falando isso pra você...
— Cinco vezes... — Marcus interrompeu, sua voz baixa e carregada
de uma verdade que me pegou desprevenida.
— Não entendi? — Perguntei, franzindo o cenho.
— Eu só levei cinco mulheres pra cama, Alice — ele revelou, seus
olhos se fixando nos meus.
A revelação me deixou sem palavras. Eu sabia que Marcus tinha
opções, que ele poderia ter qualquer mulher que quisesse.
— Mas... por que? — minha voz saiu quase como um sussurro, a
confusão estampada no meu rosto. — Com tantas opções, tantas... mulheres
dispostas... isso é confuso.
Marcus respirou fundo, seus olhos permanecendo fixos nos meus,
carregados de um misto de sinceridade e frustração.
— Das cinco mulheres, só uma eu não estava bêbado. Por isso
decidi parar de beber em público — explicou, se recostando no sofá e
passando a mão pelo cabelo de forma pensativa. — A maioria eram
mulheres que iam ao meu bar. Eu odiava o fato de que já conheciam meu
nome e vinham com aquele sorriso, como se estivessem implorando para
que eu as levasse para a cama.
Eu me virei e coloquei os pés sobre o sofá, entrelaçando-os, para
encarar Marcus de forma mais direta.
— O alvo fácil... — murmurei.
— Exatamente, e isso é chato — ele confirmou, molhando os lábios
e oferecendo um sorriso de canto que não alcançou seus olhos. — Eu queria
pelo menos sentir que a pessoa não me conhecia, sabe?
— E essa mulher que você mencionou, a única com a qual você não
estava bêbado? — perguntei, tentando entender melhor.
— Foi uma aposta — revelou, a expressão no rosto mostrando um
leve desconforto.
— Aposta?
Não conseguia acreditar que Marcus era do tipo que se envolvia em
apostas.
— Sim, na verdade foi uma daquelas brincadeiras de verdade ou
consequência. Coisa ridícula de adolescentes de dezesseis anos — explicou,
sua voz carregada de uma nota de desdém.
— Ah, entendi... — Eu disse, tentando processar a nova
informação.
A ideia de Marcus envolvido em uma aposta juvenil parecia tão
distante do homem que estava à minha frente. Era evidente o desconforto
que ele sentia ao mencionar isso, como se a situação realmente não o
alegrasse. Para muitos homens, levar mulheres para a cama seria um triunfo
constante, mas para Marcus era claro que isso não era só o que ele buscava.
— Não consigo acreditar que você é tão requisitado assim, para me
dizer que só esteve com cinco mulheres. Tipo... alô? — Eu disse, a
incredulidade clara na minha voz.
Marcus tirou o telefone do bolso com um gesto casual, torcendo o
pescoço enquanto desbloqueava seu iPhone de última geração. Ele me
entregou o aparelho com uma expressão séria.
— Abre o Instagram — instruiu, com um tom de voz que não
aceitava contestação.
— Marcus... — Eu comecei a protestar, mas ele me interrompeu.
— Faz isso.
Assenti, pegando o aparelho e abrindo o aplicativo. A tela exibia
um aviso de noventa e nove mensagens não lidas, indicando que havia
muito mais do que isso. Ao abrir a caixa de mensagens, a maioria eram de
mulheres, muitas delas eram bonitas.
— Abre meu e-mail — disse Marcus, sem perder o foco.
— Até por e-mail? — Eu perguntei, espantada.
— Sim — respondeu ele, com um tom seco. — Realmente tentam
de todas as formas. Mensagens diretas, e-mails, até mesmo telefonemas.
Algumas enviam fotos, outras tentam ser engraçadas ou provocar uma
reação. É como se eu fosse um objeto.
Olhei para o e-mail dele, vendo a infinidade de mensagens. A
quantidade e a variedade de abordagens eram impressionantes. As mulheres
usavam todos os tipos de estratégias para chamar sua atenção, e eu não
pude deixar de rir.
— Isso chega a ser engraçado, sabe? — eu disse, com um sorriso no
rosto. — Muitos homens apreciam isso e aproveitam cada oportunidade.
— Já ouviu aquela frase... — Marcus começou, mas eu o
interrompi.
— Sim, eu não sou todo mundo. — Revirei os olhos, tentando
esconder meu sorriso. — Mas por que você não simplesmente bloqueia
essas pessoas?
— Eu já tentei — Marcus respondeu, soltando um suspiro cansado.
— Mas a coisa toda é cansativa. Além disso, eu não quero parecer rude.
Não sei mais o que fazer para deixar claro que não estou interessado. Às
vezes, parece que quanto mais eu tento afastar, mais elas insistem.
— Sabe, já desconfiaram que você fosse gay. — Eu falei.
— É, eu sei — ele disse, ajeitando-se no sofá e inclinando o corpo
para a frente. Ele virou o rosto para mim, seus olhos fixos nos meus. — E
você, o que pensou?
Senti uma onda de lembranças da intensidade do nosso beijo e do
jeito como ele me tocou, algo completamente insano. Marcus inclinou ainda
mais seu rosto, ficando a centímetros do meu, e sua respiração quente me
fez sentir um formigamento.
— Achou que eu era gay?
O calor do momento me envolveu, e eu me vi lutando para
encontrar as palavras certas
— Eu não achei que era gay, apesar de já ter te provocado... — eu
disse lembrando de uma de nossas discussões — Só acho que você é
alguém que não se encaixa em rótulos fáceis. E, sinceramente, não entendo
por que você não aproveita mais essas oportunidades, se é de mulheres que
gosta.
Marcus franziu o cenho, uma expressão de leve desdém.
— Você realmente acha que é legal sair com várias mulheres apenas
para manter o papel de "homem"? — ele respondeu, a voz carregada de um
tom de frustração. — Não é sobre provar nada para ninguém. Eu estou
falando de desejo genuíno.
Ele segurou meu queixo com um toque firme, mas não rude,
forçando-me a olhar diretamente em seus olhos.
— Você realmente não entende o que eu estou tentando dizer? —
ele questionou, o olhar fixo e penetrante.
Eu respirei fundo, sentindo o calor do toque dele e o peso de suas
palavras.
— Entendi... — respondi, com um leve aceno, o coração batendo
rápido.
Marcus parecia estar esperando que eu absorvesse a profundidade
do que ele estava dizendo. Seus olhos suavizaram um pouco, mas a
intensidade ainda estava presente. Ele soltou meu queixo, mas não se
afastou. Em vez disso, seu olhar permaneceu fixo em mim, como se
estivesse tentando ler meus pensamentos.
O celular de Marcus ainda estava em minha mão, e ao olhar para o
relógio, percebi que já passava das duas da manhã. Com um salto do sofá,
encarei-o com uma determinação renovada.
— Tá bom, eu entendo tudo isso — comecei, a voz firme, mas com
um leve tremor. — E vou ser completamente honesta. Eu nunca me
entreguei a ninguém antes. Se você realmente quer provar que é digno
disso, então você vai ter que mostrar que é mais do que palavras e
promessas.
Marcus se levantou, ficando frente a frente comigo. Sua altura me
forçava a erguer o rosto para olhá-lo diretamente nos olhos. Ele parecia
interessado e um pouco surpreso com a intensidade das minhas palavras.
— Prossiga — ele disse, com a voz grave.
Eu respirei fundo, sentindo a tensão no ar, e continuei:
— Terá a festa da empresa no sábado. Você está na lista de
convidados... vai aparecer né?
Marcus franziu o cenho e mordeu o lábio.
— Não sei se vou conseguir — ele disse, com um tom de hesitação.
— Eu vou estar em Chicago... Talvez não chegue a tempo para a festa.
A minha expressão endureceu um pouco, e eu mantive o olhar firme
sobre ele.
— Então, se você realmente quer provar que está disposto a algo
mais, terá que dar os seus pulos — eu disse, a voz firme e cheia de
determinação. — Não importa se você tem que fazer malabarismos com a
sua agenda.
Marcus levantou uma sobrancelha, o olhar desafiador.
— E a prova é indo à festa... só? — ele perguntou, a expressão um
tanto cética.
— Indo fantasiado, nada de ir de smoking — respondi, um leve
sorriso de desafio no rosto.
Marcus revirou os olhos e cruzou os braços.
— Fantasiado? Sério Alice?
— Marcus, se eu vou passar vergonha fantasiada, você vai também!
Afinal, eu não esqueci aquelas fotos!
Falei com um tom sério, tentando me segurar para não rir. Ele olhou
para mim com um sorriso de canto, claramente divertido com a ideia
— Entendi. E se eu não for...
— Será um Home run — eu disse, sem saber exatamente o que
estava dizendo, mas com certeza era alguma referência esportiva.
Marcus franziu o cenho, um sorriso se formando em seus lábios
enquanto ele tentava segurar a risada.
— Um Home run? — ele perguntou, a diversão evidente em sua
voz.
— Do que você está rindo? — perguntei, um pouco confusa.
Ele balançou a cabeça, ainda rindo.
— Você sabe o que é um Home run, Alice? — ele perguntou,
tentando recuperar a compostura.
— Na verdade eu não faço ideia do que seja, mas sei que é de
algum esporte... — Eu admiti, um pouco envergonhada.
Marcus sorriu amplamente, seus olhos brilhando com divertimento.
— Um Home run... No beisebol, é quando a bola é acertada de tal
forma que permite ao jogador percorrer todas as bases e voltar ao ponto de
partida sem ser pego. Basicamente, é um grande feito.
Eu o encarei, sentindo a compreensão se formar lentamente em
minha mente.
— Então... isso é algo positivo. Vamos dizer que se você não
aparecer, será como uma expulsão.
Marcus arqueou uma sobrancelha, um sorriso brincando em seus
lábios.
— Por que você está usando termos esportivos agora?
— Só queria fazer você entender a gravidade da situação — eu
disse, tentando manter o tom sério.
Ele se inclinou para mais perto, os olhos fixos nos meus, um olhar
mais profundo e sério agora.
— Então é só dizer que, se eu te deixar na mão, eu perco você.
— Bem, ainda não me teve para perder. — Sussurrei.
O sorriso de Marcus se suavizou, e ele inclinou a cabeça, olhando
para mim.
— Se eu não me esforçar para ir, perco a chance?
Eu sorri de volta, um sorriso cheio de provocação.
— Sim...
Quando Marcus abriu a boca para responder, o som do telefone dele
tocando me interrompeu. Eu olhei para o aparelho em minhas mãos e vi o
nome “Greice” piscando na tela. Sem pensar, entreguei o telefone a ele, que
pegou o aparelho e sem hesitação desligou a chamada, sem sequer olhar
para quem estava ligando.
— Por que você desligou? — perguntei, curiosa.
Marcus não desviou o olhar de mim enquanto guardava o telefone
de volta no bolso.
— Eu sabia quem estava ligando e o que ela queria. — Sua voz era
firme e direta. — Eu preciso ir.
Eu o observei, confusa e intrigada.
— E por que é tão urgente? O que estava acontecendo?
Ele hesitou por um momento.
— Pessoas como eu não marcam reunião em horários comerciais.
Tenho uma reunião agora as três da manhã. A menos que... queira que eu
fique?
Notei um meio sorriso se formando em seus lábios, e eu cogitei
ceder, mas não queria que ele pensasse errado. Mas infelizmente o dever me
chama e eu precisava dormir.
— Eu tenho uma reunião também... — respondi, tentando manter a
voz casual.
— Reunião... com quem? — Marcus franziu o cenho, intrigado.
— Com a cama... — murmurei, esboçando um sorriso.
Ele me observou por um instante, como se estivesse ponderando
algo. Então, sem aviso, deu um passo à frente, encurtando a distância entre
nós. Antes que eu pudesse reagir, Marcus envolveu minha cintura com
firmeza, puxando-me para perto. Seus lábios colidiram com os meus em um
beijo intenso. Fui pega de surpresa, mas a sensação me envolveu
completamente, e me vi correspondendo ao beijo, deixando-me levar pela
intensidade do momento.
Nossas línguas se encontraram em um ritmo frenético, e quando ele
mordeu meu lábio inferior, um arrepio percorreu minha espinha. Antes que
eu pudesse recuperar o fôlego e prolongar o beijo, Marcus se afastou, seus
lábios ainda roçando nos meus. Meu coração batia descontrolado, e mal
conseguia respirar.
Ele deslizou os dedos pelo meu cabelo, puxando-o suavemente para
trás, forçando-me a encará-lo. O gesto, ao mesmo tempo delicado e
possessivo, fez o calor subir rapidamente pelo meu corpo, deixando-me
completamente excitada.
— Alice, vou te levar ao limite até que implorar por mim seja a
única coisa que você consiga fazer... — A voz dele era baixa, cada palavra
uma provocação, e um sorriso malicioso brincou nos cantos da sua boca. —
Até a próxima... — Ele murmurou contra meus lábios.
Sem hesitar, ele me beijou novamente, dessa vez em um beijo que
parecia selar sua promessa. Quando finalmente se afastou, ele me soltou e
saiu, me deixando ofegante e sozinha no meio da sala. Toquei meus lábios,
ainda formigando, e suspirei profundamente. Esse homem iria me
enlouquecer.
Saí mais cedo do trabalho hoje. A empresa estava um verdadeiro
caos por causa da festa que estávamos organizando, e os preparativos
começariam amanhã. A festa era no sábado, e, sinceramente, não tinha
como ficar no escritório com aquela confusão toda.
Cheguei no hall de entrada da casa dos meus pais. O cheiro de café
fresco estava inundando o corredor. Provavelmente vinha de dentro. Abri a
porta da frente e dei de cara com Yana, a enfermeira particular. Ela estava
carregando uma bandeja com uma xícara de café, parecendo prestes a subir
as escadas.
— Boa tarde, Yana! — eu disse, antes que ela pudesse dar o
primeiro passo na escada.
Yana virou-se para mim com um sorriso caloroso, o tipo de sorriso
que só alguém com a paciência de um santo poderia oferecer depois de dias
cuidando da minha mãe.
— Boa tarde, Alice! — ela respondeu, rindo levemente. — Estou
levando um café para sua mãe.
Eu levantei uma sobrancelha, surpresa.
— Café? Eu pensei que ela não pudesse tomar café com essa
cirurgia.
Yana riu de novo, um som suave e tranquilizador.
— Pode sim, mas por enquanto só descafeinado.
Assenti, compreendendo. Era um pequeno alívio saber que minha
mãe poderia desfrutar de uma de suas rotinas favoritas, mesmo que com
uma pequena adaptação.
— Entendi. Já que estou aqui, pode deixar que eu levo para ela,
Yana. Você pode ir para casa. Eu assumo daqui. — disse, tentando ser o
mais acolhedora possível.
Yana me olhou com um misto de gratidão e alívio, entregando-me a
bandeja com cuidado.
— Ah, ok. Volto amanhã, no mesmo horário.
Yana sorriu de leve, claramente satisfeita com a oferta. Segurei a
bandeja e sorri de volta.
— Ela está acordada?
— Está sim, mas decidiu ficar na cama o dia todo. Não quis descer
do quarto hoje. Disse que estava de bom humor, só que com preguiça de
encarar as escadas. — Yana respondeu com um sorriso compreensivo.
Assenti, entendendo perfeitamente. Minha mãe sempre teve seus
momentos de teimosia, e eu sabia que esse era mais um deles.
— Eu vou indo, qualquer coisa, pode me ligar, Alice.
Yana acrescentou, enquanto se dirigia à despensa para pegar sua
bolsa.
— Não se preocupe, descanse. Até amanhã. — Respondi,
observando-a sair.
Quando a porta se fechou atrás dela, me permiti um momento para
respirar fundo. Segurando a bandeja, comecei a subir as escadas lentamente.
Ao chegar ao topo, Mason, já estava me esperando, com a língua de fora e o
rabo balançando de forma entusiasmada.
— Oi, peludão... — falei com uma voz levemente fina, um tom que
só usava com ele, e que ele parecia entender perfeitamente.
Ele abanou o rabo com mais força, o corpo inteiro se
movimentando em um entusiasmo quase infantil. Eu ri baixinho, me
abaixando para dar um rápido afago na sua cabeça antes de continuar em
direção ao quarto da minha mãe. Quando abri a porta, a luz suave do quarto
me envolveu.
Minha mãe estava sentada na cama, apoiada em travesseiros, com o
tablet nas mãos e a televisão ligada em algum programa de culinária que ela
adorava. Ao me ver entrando com a bandeja, seus olhos se iluminaram e um
sorriso caloroso surgiu em seu rosto.
— Olha quem resolveu aparecer mais cedo! — ela disse surpresa.
— Decidi dar uma escapada do caos no trabalho.
Caminhei até a cama e coloquei a bandeja no colo dela com
cuidado. Ela olhou para a bandeja e depois para mim.
— Café descafeinado, hein? — eu disse, brincando, enquanto me
sentava ao lado dela na cama.
— Só por enquanto — respondeu ela, revirando os olhos com uma
mistura de resignação e humor. — Mas me conte, que caos é esse na
empresa?
— A festa de sábado. Nosso setor está responsável pela
organização, então estamos em um ritmo frenético para garantir que tudo
saia perfeito — expliquei, tentando não transparecer o cansaço em minha
voz.
Fiquei ali, observando-a enquanto ela pegava a xícara e tomava um
gole, seus movimentos cuidadosos, mas ainda assim graciosos. De repente,
o som da campainha ecoou pela casa, interrompendo nosso momento
tranquilo. Minha mãe ergueu o olhar, curiosa.
— Pode ser a Margot — sugeriu ela.
Ouvir o nome de Margot trouxe à tona lembranças de Marcus, da
última vez que o vi e de como as coisas haviam mudado entre nós. Eu
deixara claro para ele que, se ele não aparecesse no sábado, minha
confiança nele estaria em risco. Não sabia se estava preparada para
enfrentar Margot agora, especialmente depois dos momentos íntimos que
tive com seu filho. Respirei fundo, tentando afastar a imagem de Marcus da
minha mente. Não era o momento para isso.
— Vou atender — disse, levantando-me da cama.
Enquanto caminhava em direção à porta, desci as escadas com
Mason me seguindo, suas patas fazendo um som suave nos degraus. Cada
passo que dava parecia intensificar as lembranças de Marcus, mas eu
empurrei esses pensamentos para o fundo, focando no presente. Não
deixaria isso me atrapalhar, apesar de ele não ter enviado mensagens desde
a noite passada, quando tivemos aqueles momentos de confissão.
Chegando à porta, segurei a maçaneta por um momento, respirando
fundo e recompondo-me. Ao girar a maçaneta e abrir a porta, fui saudada
pelo sorriso caloroso de Margot, que irradiava a energia vibrante que eu
conhecia tão bem.
— Margot! — exclamei contente. — Que boa surpresa!
Ela sorriu de volta, parecendo igualmente animada.
— Alice! Achei que uma visita inesperada poderia ser uma boa
ideia. Como você está?
Fiquei aliviada com a presença dela. Margot era uma excelente
companhia, especialmente considerando que minha mãe estava de bom
humor, deitada no quarto.
— Entre, por favor! — disse, abrindo a porta completamente para
ela passar. — Minha mãe está no quarto.
Margot assentiu com um sorriso compreensivo enquanto eu a
conduzia para dentro da casa.
— Ela está melhor? — perguntou Margot, sua expressão mostrando
preocupação genuína.
— Está bem melhor... A Yana está cuidando dela muito bem, e eu
venho aqui sempre que saio do trabalho..
— Ah, a empresa está um caos, não é?
— Muito mesmo... Tom está quase perdendo o pouco que resta dos
cabelos. — Eu disse rindo, sabendo que Tom estava correndo de um lado
para o outro, rabiscando no quadro branco que ele insistiu em colocar no
meio da nossa sala para não esquecermos nenhum detalhe do evento.
— Marcus foi para Chicago hoje pela manhã, não sei se voltará a
tempo para a festa.
A menção de Marcus fez meu coração dar um salto. Eu me forcei a
manter a compostura.
— É? — perguntei, tentando disfarçar a onda de emoções que o
nome dele provocava em mim.
— Sim, ele abriu uma nova empresa em Chicago. Ele é um dos
maiores patrocinadores do nosso evento de sábado. — Margot explicou,
com um tom casual.
— É? Não sabia...
— Margot! — Naquele instante, a voz familiar de minha mãe ecoou
pela escada. Seu rosto aparecendo no topo das escadas. A alegria em sua
voz era evidente. — Não esperava vê-la por aqui!
Margot olhou para cima e sorriu ao ver minha mãe.
— Olá, querida! Vim fazer uma visita surpresa. Como está se
sentindo hoje?
Minha mãe desceu lentamente as escadas, um sorriso iluminando
seu rosto. Ela de roupão branco era quase comum nesses dias, afinal o
roupão era o uniforme quando ela ficava doente ou quando ela estava de
TPM, esse eram os termos dela para usá-lo.
— Muito melhor agora que estou vendo você. Venha conte-me
todas as fofocas! — Ela respondeu, abraçando Margot.
Enquanto as duas conversavam e se acomodavam na sala, eu
observei com alívio, vendo que minha mãe estava de bom humor. Margot
parecia ser a presença reconfortante que ela precisava, e eu esperava que a
tarde continuasse tranquila. Meu celular apitou com uma nova mensagem.
Peguei o telefone e vi que era uma mensagem de Elisa:
"Ei, precisamos beber. E eu sei que você precisa disso mais do que
eu."
Olhei para minha mãe, que estava imersa na conversa com Margot,
e comecei a digitar uma resposta para Elisa, dizendo que não poderia sair
porque estava com minha mãe. No entanto, a porta de entrada se abriu, e
meu pai entrou sorrindo. Ele chegou mais cedo do que o habitual.
— Vai chover? — perguntei, com um tom de ironia sobre a súbita
mudança em seu horário de chegada.
— Engraçadinha... — ele respondeu, revirando os olhos, enquanto
tirava o casaco. Mason correu até ele, abanando o rabo de forma
entusiasmada, como sempre fazia. Era o sinal de que o cão estava saudável,
já que Mason era completamente devoto ao meu pai.
— Já que você chegou mais cedo, vou aproveitar para sair um
pouco. Acho que vou dormir aqui hoje, então me empresta sua chave?
Meu pai me lançou um olhar curioso, mas me entregou a chave sem
questionar.
— Jorge, vem aqui! — chamou minha mãe da sala, sua voz
animada. — Ouve só o que a Margot soube do Sr. Stanton, aquele que te
venceu na última partida de golfe no clube
Ele balançou a cabeça, me lançando um olhar que dizia "lá vamos
nós", antes de seguir em direção à sala.
— Ela está de bom humor. — sussurrei, enquanto ele passava por
mim.
Essa era minha deixa para sair. Com todos ocupados na sala, peguei
minha bolsa no balcão.
— Vou dar uma saída, mas volto para cá mais tarde. Vou dormir
aqui, ok? — gritei da cozinha, já abrindo a porta para ir embora. Mas, antes
que eu pudesse dar mais um passo, ouvi minha mãe.
— Alice, não vai contar para a Margot sobre o Marcus? — Ela se
virou para Margot, com um sorriso travesso. — Alice e Marcus estão
namorando...
Eu congelei. Não, isso não podia estar acontecendo.
— Mãe! — exclamei, virando-me para encará-la, sentindo meu
rosto corar. Margot olhou para mim, surpresa, enquanto um sorriso
começava a se formar em seus lábios.
— Namorando? — ela perguntou, divertida, com uma sobrancelha
levantada em curiosidade. Eu respirei fundo, tentando me recompor.
— Não! Não estamos namorando! — comecei a explicar, tentando
controlar a mistura de constrangimento e nervosismo que me invadia.
Fechei a porta da frente com um suspiro profundo e caminhei até a sala,
onde minha mãe e Margot me observavam curiosas. — Mãe, de onde você
tirou essa ideia?
— Eu ouvi você conversando com a Elisa no hospital — minha mãe
respondeu com um tom defensivo.
— Mãe, você estava grogue no hospital. Só voltou a si quando
chegamos em casa — relembrei-a, vendo seus olhos se arregalarem em
surpresa pela minha ousadia.
— Alice, por que não conta a verdade e para de joguinhos... —
Margot interveio, seu olhar astuto fixo em mim. — Você acha que
mencionei sobre Marcus quando cheguei aqui só por acaso?
Ela se levantou e se aproximou, segurando meu rosto com
gentileza, seus olhos buscando os meus.
— Minha querida, a expressão que você fez quando falei do Marcus
te entregou. Mas não se preocupe... eu sei que vocês não estão namorando
— Margot disse, virando-se para minha mãe com um sorriso cúmplice. —
Apenas estão apaixonados.
Eu me afastei dela, sentindo o calor subir ao meu rosto, e revirei os
olhos.
— Por isso que vocês são melhores amigas... — murmurei, sem
conseguir evitar um pequeno sorriso. Não havia como sair dessa conversa
sem algum tipo de desconforto, então decidi ser firme. — Não vou
responder nenhuma pergunta sobre isso.
Declarei. Meu pai, que até então estava observando a cena com um
leve sorriso no rosto, decidiu se retirar da sala, subindo as escadas com
passos tranquilos.
— Se Alice estivesse realmente namorando com Marcus, nem
estaria em Nova York — ele disse.
— O que quer dizer com isso? — perguntei, seguindo-o com o
olhar.
Ele parou por um momento no meio da escada, virando-se para me
encarar.
— Namorar com Marcus seria como descobrir o mundo — ele
começou, seu tom sério agora, sem nenhum vestígio de brincadeira. —
Porque eu aposto que ele tem uma casa, mas só a visita. Um homem como
ele está sempre em movimento, sempre viajando.
Margot, que estava quieta até então, assentiu.
— Ele viaja bastante mesmo. É por isso que mal namora. Difícil
manter um relacionamento quando você está sempre de um lado para o
outro.
Ela acrescentou. Eu sabia que Margot estava tentando ajudar, mas
suas palavras só aumentavam minha confusão. Porque, no fundo, eu tinha
outra teoria sobre o porquê de Marcus ser tão reservado e distante. Ele
havia me contado algo, que me fez questionar tudo, mas agora... eu não
tinha certeza se podia ou devia acreditar no que ele disse.
Fiquei em silêncio enquanto meus pensamentos giravam
descontrolados na minha cabeça. Talvez eu soubesse o verdadeiro motivo.
Talvez não. A única certeza que eu tinha era que Marcus estava se tornando
um enigma cada vez mais difícil de decifrar.
— Louca é quem resolver namorar com ele — soltei, tentando
mascarar minha confusão com uma pitada de humor sarcástico. — Tchau
pra vocês. Fiquem aí com suas suposições.
Coloquei a bolsa no ombro e saí da sala a passos rápidos, com a
respiração ligeiramente acelerada. Abri a porta da frente e me encontrei no
corredor, onde parei por um momento, suspirando profundamente enquanto
tentava acalmar o turbilhão de emoções dentro de mim. Peguei meu celular
e digitei rapidamente uma mensagem para Elisa: "Concordo. Conheço um
bar maravilhoso na John St. Que tal lá?"
A resposta dela veio quase que imediatamente:
"Sei exatamente qual é. Nos vemos lá em meia hora!"
Guardei o celular na bolsa e entrei no elevador, sentindo o peso da
tensão lentamente se dissipar enquanto ele descia. Ao sair do prédio, o ar
noturno de Tribeca me envolveu, e o vento bagunçou levemente meu
cabelo. Tribeca, com suas ruas elegantes e a proximidade ao Rio Hudson,
era um bairro bonito, mas eu sempre preferi a tranquilidade do Central
Park.
Sinalizei para um táxi que se aproximava, entrei no carro e já me
peguei imaginando o gosto da primeira bebida. O alívio de poder conversar
com Elisa era algo pelo qual eu ansiava. Ela nem tinha aparecido na
empresa hoje, ocupada com a busca de um item raro para o leilão.
Precisávamos colocar a conversa em dia, e eu sabia que aquela noite seria
perfeita para isso.
O bar era um dos meus favoritos, com uma atmosfera acolhedora e
rústica que sempre me fazia sentir em casa. O estilo clássico de pub, com
suas paredes de madeira em tons de marrom escuro e detalhes em vermelho,
criava um ambiente caloroso e convidativo. As luzes penduradas em
abajures de vidro esculpido lançavam um brilho suave, perfeito para um
ambiente relaxante e íntimo.
O balcão, feito de mogno polido, se estendia longamente, com
banquetas de couro vermelho alinhadas ao longo dele. Atrás do balcão, uma
impressionante seleção de garrafas de bebidas estava disposta em
prateleiras iluminadas, refletindo o charme vintage do lugar. Um bartender
no centro do bar agitava uma coqueteleira com entusiasmo, conversando
animadamente com um casal que parecia hipnotizado por seus movimentos.
Olhei ao redor e logo encontrei Elisa, sentada na bancada do bar,
com seu sorriso largo no rosto e acenava para mim, seus cabelos cacheados
se movendo em sincronia com sua energia. Aproximei-me dela, sentindo
uma onda de alívio ao vê-la.
— Alice! — disse ela, me envolvendo em um abraço apertado. Nos
separamos, e eu me acomodei no banco ao seu lado. — Como você está?
— Ótima. E você, achou o item que precisava? — perguntei,
enquanto ela revirava os olhos.
— Olha, você não faz ideia do quanto eu me incomodei hoje! Te
mandei aquela mensagem porque eu realmente precisava disso aqui.
Ela fez um gesto indicando o ambiente ao nosso redor, claramente
aliviada por estar ali. Soltei uma risada. O bar estava cheio de uma energia
vibrante, com pessoas conversando e rindo ao nosso redor. Elisa acenou
para o barman, que se aproximou com um sorriso profissional.
— O que vão querer beber?
Elisa pediu um Cosmopolitan. O clássico drink de "Sex and the
City", e absolutamente a cara dela. Quando o barman olhou para mim,
pensei em algo que realmente me ajudasse a relaxar.
— Um Negroni, por favor.
Pedi, sentindo a familiaridade do pedido trazer um leve conforto.
Elisa levantou uma sobrancelha, surpresa, e me olhou com um sorriso
curioso.
— Não sabia que você gostava de drinks fortes — comentou, o tom
leve mas inquisitivo. Dei de ombros, sorrindo de volta.
— Esse drink não chega nem perto do que eu realmente preciso —
respondi, sentindo uma mistura de alívio e ansiedade enquanto esperava
pela primeira bebida da noite.
Eu precisava de uma bebida para apagar as confusões que estavam
estorvando a minha mente, e Elisa, como se tivesse um sexto sentido, não
mediu esforços para me convencer disso me enviando a mensagem.
— Gata, essa noite você está liberada para beber todos os drinks
que precisar! — disse ela, com um sorriso malicioso, erguendo a mão para
um high-five. Eu bati em resposta, assentindo com a cabeça.
Ali estávamos, duas tagarelas, ocupando aqueles dois bancos no
bar. Conversamos sobre tudo, desde memórias de infância até as histórias
do presente. Foi então que descobri que Elisa era de Utah, um lugar que eu
sempre associei a cactos e chapéus de cowboy. Ela riu ao mencionar que se
cansou do deserto e preferia ver mais gente. Eu não pude evitar de rir
também, pensando que Nova York era o completo oposto do deserto – uma
cidade cheia de pessoas e luzes. Elisa contou sobre sua formatura em
jornalismo na NYU e como seu primeiro emprego na carreira foi na editora
onde trabalhávamos.
Enquanto Elisa falava, meus pensamentos começaram a vagar para
o meu novo cargo na editora que começará mês que vem. Era como um déjà
vu dos tempos em que eu mantinha um blog, uma parte do meu passado que
sempre me trouxe alegria. Lembrar dos dias em que eu escrevia posts sobre
todos os livros que lia para um público fiel, me trouxe um sorriso
nostálgico.
Naquela época, eu escrevia escondida, preocupada em ser
descoberta pelos meus pais e temendo o que eles pensariam. Agora, estar na
editora me dava a sensação de estar brincando de ser adulta, mas com a
vantagem de estar fazendo o que realmente amava. E o melhor: finalmente
livre para fazer o que gostava, sem os olhares críticos dos meus pais. Era
quase como se eu estivesse me rebelando, mas de uma forma totalmente
aprovada. Isso me fez rir por dentro.
Ali, naquele bar, consegui esquecer um pouco o peso que sentia no
peito durante a semana. Talvez fosse o Negroni, ou talvez o simples fato de
estar realmente me divertindo com uma amiga pela primeira vez em muito
tempo.
— Então... não viu mais o Marcus? — perguntou Elisa, com um
sorriso malicioso e um brilho provocador nos olhos.
Eu revirei os olhos, tentando parecer despreocupada, mas a verdade
é que o rubor em minhas bochechas me denunciava. Soltei um suspiro
pesado, esperando que isso desviasse um pouco da atenção dela.
— Nos vimos ontem... — comecei a dizer, mas fui interrompida.
— Transaram? — Ela soltou a pergunta como se fosse a coisa mais
natural do mundo, seus olhos brilhando de pura curiosidade.
— Meu Deus, mulher! — Eu quase engasguei com a bebida e
rapidamente virei o restante do meu drink, sinalizando para o barman que
precisava urgentemente de mais um. — Por que você acha isso?
— Porque ele tem cara de quem tem uma pegada sinistra, e você
tem cara de quem adoraria isso. — disse ela, com um sorriso travesso,
enquanto brincava com a laranja de enfeite em seu copo. Eu tentei esconder
o sorriso que ameaçava escapar, mas não podia negar que ela estava certa.
Ele era intenso, cheio de mistérios, e isso despertava algo em mim que eu
nunca havia sentido antes.
— Sabe, não é só sobre isso — murmurei, quase mais para mim
mesma do que para Elisa. — Ele... ele me deixa confusa. Um dia, ele é o
homem mais arrogante do mundo, e no outro, ele me trata como se eu fosse
a única pessoa que importa.
Elisa me olhou de lado, um sorriso suave nos lábios.
— Talvez ele seja os dois. Talvez você goste dessa confusão.
Sugeriu ela, tomando um gole de seu drink e me observando com
uma expressão de quem sabia mais do que estava dizendo. Fiquei em
silêncio, deixando as palavras dela ecoarem na minha mente. Será que eu
realmente gostava dessa montanha-russa de emoções que Marcus me fazia
sentir?
— E se for isso, o que eu faço?
Perguntei, finalmente encontrando coragem para admitir que estava
perdida em relação a tudo que envolvia Marcus.
Elisa deu de ombros.
— Você vive, Alice. — Disse, sorrindo e levantando o copo em um
brinde, os olhos brilhando de leveza. — Vive isso e vê aonde vai dar. E, no
processo, perde essa virgindade.
Meus olhos se arregalando de surpresa.
— Eu não sou virgem! — Falei baixo puxando o braço dela,
tentando manter a voz firme. — Por que você acha isso?
Elisa riu e se soltou do meu braço.
— Jura? Porque no hospital, você não quis responder. — Ela ergueu
uma sobrancelha, provocando-me.
— Essas perguntas não se fazem em hospitais, Elisa... — repliquei,
cruzando os braços e sentindo meu rosto queimar.
— Ah, Alice, como se ninguém lá soubesse que médicos e
enfermeiros se grudam às escondidas. Você nunca viu Grey's Anatomy? —
Ela revirou os olhos com dramatização, antes de virar o restante do seu
drink e sinalizar para o barman que queria mais um. — Nada a ver! Mas,
fala sério... se não é virgem, então tem trauma.
Eu fiquei em silêncio por um momento, absorvendo as palavras
dela. Elisa sempre teve esse jeito direto de falar as coisas que eu às vezes
preferia evitar.
— Sim... — admiti finalmente, o tom da minha voz mais suave do
que eu pretendia. Elisa inclinou a cabeça, seus olhos suavizando com uma
compreensão ainda mais profunda.
— E agora você está com medo de transar com seu chefe. Olha,
Alice... — Ela começou, mas eu rapidamente a interrompi.
— Elisa! — exclamei, tentando esconder o desconforto que crescia
dentro de mim. Eu sabia que ela estava apenas tentando ajudar, mas o jeito
desinibido dela às vezes me deixava sem chão.
— O quê?
— Sério... você já está bêbada, para. — Eu disse, tentando ser
firme, mas com um sorriso nos lábios. Peguei o seu drink quando o barman
o colocou na frente dela, numa tentativa de impedir que ela bebesse mais.
Elisa tentou alcançar o copo, mas eu o mantive fora do seu alcance, e ela
riu.
— Nem pensar! — disse ela, ainda rindo enquanto se recostava no
banco. — Preciso beber para esquecer que tive que implorar para um artista
lindo demais doar uma pintura dele.
— Quem diria que você, a jornalista destemida, teria que implorar
por uma doação... — provoquei. Entreguei finalmente o copo de volta para
Elisa, que o pegou com um sorriso satisfeito, os olhos brilhando com uma
pitada de humor.
— Até os mais bravos têm seus dias de cão, Alice. — Elisa brincou,
levantando o copo em um gesto exagerado, o sorriso malicioso dela
revelando que estava apenas começando. — Mas e aí... se não transaram,
pelo menos se beijaram? Ele se declarou? Fala mais, Alice, eu preciso
saber!
— Elisa, pode ser menos fofoqueira quando está comigo? — Fingi
indignação, mas não consegui conter um sorriso.
— Vou tentar, mas só porque é você. — Ela piscou, divertida. —
Mas fala, o que conversaram então? Pode omitir os detalhes... apesar de eu
saber se está mentindo ou não. — Ela piscou de novo, me provocando.
Revirei os olhos, mas sabia que ela não ia desistir tão fácil.
— Eu vi o Simon... e ele me disse que, na verdade, não foi
demitido, mas sim transferido, e deduzi que Marcus só disse aquilo para me
atingir. — Contei, sentindo o peso das palavras enquanto falava. Elisa
balançava a cabeça, como se me encorajasse a continuar.
— E Marcus apareceu lá em casa depois... ficou até as duas da
manhã... — Dei uma pausa, hesitando, mas sabia que não podia omitir. — E
ele se declarou.
Os olhos de Elisa se arregalaram, a surpresa estampada em seu
rosto.
— Não brinca? — Ela ficou boquiaberta, claramente chocada.
— Não faz essa cara... não é algo tão grande assim. — Tentei
minimizar, mas a verdade é que aquilo mexera comigo.
— Alice... ele se declarou. Isso é grande, sim. — Elisa disse, com
seriedade. — É algo para se pensar.
Assenti, sentindo o peso da situação.
— Sim, é... então eu disse a ele que, se quisesse que eu confiasse
nele, teria que fazer por merecer. — Comecei a mexer meu copo, pensando
no que viria a seguir. — Que ele teria de ir ao evento fantasiado. Afinal, o
nome dele está na lista de convidados.
Elisa arregalou os olhos, lutando para segurar o riso.
— Marcus... fantasiado? — Ela riu, tentando abafar o som com a
mão. — Eu duvido muito! Sério que foi esse o acordo?
Eu também ri, embora o som tivesse um toque de amargura.
— Foi! — Admiti, virando o restante do meu drink em um gole só.
— Mas duvido muito que ele apareça...
Elisa balançou a cabeça, sua expressão ficando mais séria.
— Alice, ele comprou a empresa de Chicago na correria. São
muitos eventos para anunciar essa nova aquisição e, além disso, tem todas
as entrevistas... — Ela se inclinou para mais perto, o olhar dela se tornando
grave. — E, em todos os eventos de final de outubro que essa festa já teve,
Marcus nunca foi fantasiado. Nunca mesmo.
— Sério? — A apreensão começou a crescer dentro de mim.
— Nunca. — Elisa enfatizou, pressionando os lábios e sacudindo a
cabeça. — Ele não é do tipo que gosta de... como posso dizer? Se soltar em
festas.
Senti um nó no estômago, a dúvida se instalando com força. Se
Marcus não aparecesse, o que isso significaria? E, pior, eu estava me
preparando para enfrentar uma decepção? Suspirei, sentindo a incerteza se
instalar. Eu sabia que, de alguma forma, eu era importante para ele, já que
Marcus fez questão de me dizer isso. Mas, por outro lado, não tinha certeza
se ele estaria disposto a sacrificar seu precioso tempo profissional para me
provar que era digno da minha confiança.
— Elisa... — murmurei, minha voz traindo a insegurança que
sentia. — E se ele não aparecer e eu estiver... sabe? Entendendo tudo
errado?
Elisa se inclinou para mais perto, colocando a mão suavemente no
meu ombro.
— Alice, às vezes, a gente precisa arriscar para descobrir a verdade.
— Ela falou com um tom mais sério agora, o usual brilho de humor dando
lugar a uma sinceridade reconfortante. — Se ele não for, então você saberá
o que fazer a partir disso. Mas se ele for... esteja pronta para os holofotes,
querida, porque você será a primeira namorada de Marcus Lewis.
Fiquei em silêncio por um momento, deixando as palavras dela
ecoarem na minha mente. Eu precisava descobrir por mim mesma, mesmo
que o resultado não fosse o que eu esperava. Mas se ele aparecesse, eu tinha
que estar ciente da enxurrada de noticias que viriam.
— Brindemos a isso. — Finalmente falei, levantando meu copo
vazio para o dela. Elisa sorriu, seu olhar suavizando, como se estivesse
tentando transmitir um pouco da sua certeza para mim.
— Brindemos ao sucesso... e ao fracasso, se for o caso! — Ela
ergueu o copo e tocou o meu com uma alegria desafiadora. Nós bebemos
juntas, e o calor do álcool pareceu suavizar um pouco a tensão que havia se
acumulado dentro de mim. Eu precisava aproveitar essa noite.
Já estávamos no terceiro copo, e Elisa começava a enrolar a língua.
Eu mesma sentia uma leve tontura, mas sabia que era melhor permanecer
sentada. Não queria arriscar uma queda desastrosa em pleno bar. Estava
rindo das histórias de Elisa quando dois homens se aproximaram do balcão
onde estávamos.
Um deles, um louro magrelo, tinha uma falha na sobrancelha que
lhe dava um ar de “bad boy” mal feito. O outro, moreno, parecia simpático,
mas seus dentes tortos me fizeram pensar que um aparelho dentário seria
uma boa ideia para ele. Eles exibiam sorrisos forçados, e o louro, com um
sotaque sulista, foi o primeiro a falar.
— Olá... o que mulheres belas assim estão fazendo sozinhas?
Revirei os olhos e me inclinei para perto de Elisa, sussurrando com
sarcasmo.
— Sério que ainda tentam chegar nas mulheres dessa forma? Isso é
tão anos 80...
Elisa, tentando segurar a risada, afinou os lábios e encarou os dois
homens.
— Olá...
— Eu e meu amigo estamos curiosos se podemos oferecer uma
bebida
O louro continuou, com um sorriso que ele claramente achava
irresistível. Antes que eu pudesse responder, Elisa, já bastante afetada pelo
álcool, lançou um olhar de “não acredito que isso está acontecendo”.
— Ah, que gentileza! Mas, sabe como é, a gente já começou
sozinhas... — Ela apontou para nossos copos quase vazios. — Estamos em
um relacionamento sério com essas bebidas.
Os dois homens ficaram visivelmente confusos, especialmente o
louro com a sobrancelha falhada, que piscou algumas vezes antes de
insistir:
— Ah, qual é, só uma bebida. A gente pode conversar, se conhecer
melhor...
Elisa olhou para ele com uma expressão que misturava pena e
diversão. Com um meio sorriso, respondeu com ironia:
— Desculpa, mas estamos numa fase de amor-próprio, sabe? Então,
essa coisa de bebida paga por estranhos... não é bem o nosso estilo. Mas
obrigada pela oferta! — E, com um gesto exagerado, ela levantou seu copo
quase vazio em um brinde solitário.
Eu abaixei a cabeça, abafando o riso na manga do casaco para não
rir tão alto. Três negronis eram definitivamente culpados disso. Os dois
homens se entreolharam, sem saber como reagir. O moreno então resolveu
tentar a sorte:
— Sabe, eu nunca vi olhos tão cor de mel como os seus. Dizem que
fazem uma bebida de mel aqui maravilhosa...
Elisa suspirou, interrompendo o cara com uma expressão de puro
tédio.
— Mel? Jura? Vocês parecem que saíram de um túnel do tempo!
Garanto que devem estar sem sexo para cantar mulheres desse jeito.
Melhorem, rapazes!
Ela piscou para eles com um sorriso travesso, deixando-os
completamente sem graça. Os dois finalmente desistiram e se afastaram,
provavelmente se perguntando o que acabara de acontecer. Elisa virou para
mim com um sorriso vitorioso, e eu, ainda rindo, ergui meu copo vazio para
brindar.
Saímos do bar e fomos recebidas por um vento frio que parecia nos
lembrar que já era tarde. Elisa e eu riamos alto da cena hilária que
testemunhamos dentro do bar. Havia um casal sentado perto de onde
estávamos e a mulher, visivelmente irritada, gritou: "Você é um impotente!"
e saiu do bar. Todos se viraram para olhar, o silêncio que seguiu foi tão
denso que você podia cortá-lo com uma faca. O homem ficou vermelho
como um tomate. Elisa e eu quase caímos na calçada de tanto rir, ainda
lembrando da cena no bar.
Um táxi entrou na rua, e Elisa rapidamente acenou. Quando ela
entrou no carro, virou-se para mim com os olhos brilhando de alegria e,
claro, de um bom tanto de álcool.
— Alice, vamos juntas à festa? — perguntou, com um sorriso
travesso nos lábios.
— Vamos! Na sua casa ou na minha?
— Na sua, é maior e mais espaçosa! — Ela riu, e eu a acompanhei.
— Vou usar minhas técnicas para colarmos as perucas nas nossas cabeças
direitinho!
O taxista murmurou algo sobre estarmos enrolando, e eu percebi
que ele já havia ligado o taxímetro. Elisa lançou um olhar de soslaio para
ele, revirando os olhos com impaciência.
— Vai, a gente se fala amanhã!
— Nos encontramos no salão! Mas, antes, passa na empresa
amanhã, tem uma caixa... — O táxi deu a partida, interrompendo Elisa. Ela
colocou a cabeça para fora da janela, os cabelos balançando ao vento.
Gritou — A caixa está do lado da prateleira dos livros eróticos!
Ela acenava para mim enquanto o táxi se afastava pela rua. Eu
olhava em volta, completamente envergonhada, torcendo para que ninguém
mais tivesse ouvido aquela última parte. Com um suspiro, fiquei
observando o táxi dela sumir na esquina. Logo, um outro táxi passou e eu o
parei, entrando em seguida, já dando meu endereço ao motorista. Encostei a
cabeça no vidro da janela, observando as luzes da cidade e o movimento
nas ruas. Enquanto o carro seguia seu caminho, eu pensava em como seria a
festa. E, claro, se Marcus apareceria cessando todas as minhas dúvidas.

Acordei com Mason praticamente me afogando em lambidas, e, ao


abrir os olhos, dei de cara com a minha mãe parada na porta, com um
sorriso radiante. Meu coração deu um salto, e eu praticamente pulei da
cama, como se tivesse visto um fantasma.
— Fiz café — anunciou ela, toda orgulhosa, como se tivesse
acabado de conquistar um grande feito. — Na cafeteira.
Passei as mãos pelos meus cabelos, sentindo os nós que se
formaram durante a noite. Meus dedos travaram nos fios, e eu me lembrei
de que precisava urgentemente de um pente. Ainda meio tonta de sono,
esfreguei os olhos e levantei o olhar para a minha mãe.
— Você moeu o café mesmo? — perguntei.
Imaginando o caos que poderia ter se instalado na cozinha. A
imagem da minha mãe tentando usar o moedor de café era quase cômica.
Ela acenou afirmativamente, o brilho de realização evidente no olhar.
— Sim! Pelo menos o café eu consegui fazer — respondeu com
uma nota de orgulho na voz.
Olhei para o relógio ao lado da cama e me assustei ao ver que eram
sete da manhã. Eu tinha exatamente uma hora para me arrumar. Com um
pulo, saí da cama, sentindo a pressa tomar conta de mim.
— Já desço para o café! — gritei enquanto corria para o banheiro,
ainda tentando processar o fato de que minha mãe realmente havia moído o
café.
Fechei a porta do banheiro com um leve empurrão e rapidamente
liguei a torneira, deixando a água encher a pia. O reflexo no espelho me
mostrou um rosto amassado, com marcas de travesseiro ainda visíveis.
Suspirei, sabendo que teria que acelerar todo o processo.
Enquanto lavava o rosto, meus pensamentos começaram a se
alinhar. Hoje seria um dia cheio: ajeitar o salão para a festa de amanhã,
passar na empresa para pegar a tal caixa que a Elisa mencionou, e ainda
garantir que as mesas estivessem com toda a lista de convidados em seus
respectivos lugares, fora que os doces seriam entregues amanhã. Tudo
precisava estar perfeito, e a ideia de algo dar errado já começava a me
deixar um pouco ansiosa. Percebi que o tempo estava correndo contra mim.
Não podia me dar ao luxo de ficar enrolando. Precisava descer logo, tomar
o café que minha mãe, de alguma forma, conseguiu preparar, e começar a
encarar o dia.
Terminei de lavar o rosto e, ainda enxuguei com uma toalha, voltei
para o quarto para escolher uma roupa rápida. Escolhi uma calça jeans
confortável e uma blusa preta, prática e discreta.
— Alice, o café vai esfriar! — ouvi minha mãe gritar lá de baixo.
— Já estou indo! — respondi, enquanto lutava com o zíper da calça.
Calcei os sapatos rapidamente e joguei o celular na bolsa. Dei uma
última olhada no espelho, feliz por, ao menos, meu cabelo parecer
apresentável depois de uma escovada rápida. Desci as escadas apressada, o
aroma do café recém-moído se espalhando pela casa.
— E aí, Violet, como está? — ironizei, chamando-a pelo nome.
— Melhor impossível — respondeu ela, com uma leveza que me
pegou de surpresa. — Fiz uma cirurgia no coração, é só não me estressar
demais e maneirar no colesterol. Nada demais.
— Lembre-se, esqueça os donuts da padaria na esquina e aqueles
queijos caros e fedorentos que você adora comprar.
Ela me lançou um olhar ofendido, franzindo o nariz.
— Não são fedorentos! E os donuts, nem uma vez por mês? —
perguntou, fazendo um beicinho falso, tentando parecer triste. Balancei a
cabeça, negando com firmeza.
— Isso só aumenta o colesterol, mãe! Qualquer tipo de fritura é
perigoso para você.
Ela suspirou, derrotada, mas com um brilho travesso nos olhos que
denunciava suas intenções de uma escapadinha futura. Me sentei na
bancada, pegando a xícara de café forte e tomando um gole enquanto me
preparava para sair.
— Margot até me convidou para a festa de amanhã — disse minha
mãe, hesitante, mexendo no anel que usava no dedo. — Mas estou tão
preocupada com o que as pessoas vão pensar, com os olhares de pena... não
sei se vou.
Soltei uma risada leve, tentando aliviar a tensão.
— Mãe, relaxa. Nem dois por cento das pessoas naquela festa vão
saber quem você é!
Ela mordeu o lábio inferior, ainda com um olhar de dúvida.
— Além da família de Margot. Pode acontecer de ir alguém que
conheça. Nunca se sabe...
— Mãe, você vai estar de fantasia! — Insisti, sorrindo para ela. —
Coloca uma lente falsa e uma peruca, e pronto, ninguém jamais vai saber
que é você vestida de Feiticeira Escarlate.
Ela franziu o cenho, confusa.
— Feiticeira o quê?
Revirei os olhos, dando mais um gole no café e afundando o nariz
na xícara para disfarçar a risada. Ela jamais entenderia o universo Marvel.
— Sabe... acho que é melhor não ir mesmo.
Ela sorriu, mas ainda com um vestígio de dúvida nos olhos.
— O café está uma delícia, viu? — Eu disse, tentando mudar o
foco da conversa. — Está tudo voltando ao normal.
Ela me lançou um olhar de agradecimento, como se nossas palavras
tivessem trazido um pouco de conforto.
Eu estava terminando de arrumar minha bolsa quando ouvi os
passos pesados do meu pai descendo as escadas, com Mason ao seu lado,
claro. Ele estava ajeitando o terno com aquele ar de seriedade que só ele
conseguia manter tão cedo pela manhã. Assim que entrou na cozinha,
minha mãe, serviu-lhe uma xícara de café cheia na bancada.
— Dispensou a empregada? — perguntei, curiosa, com um sorriso
brincando nos lábios.
— Mais uma que não quis trabalhar. Ela não faz nada direito, tive
que demitir — respondeu minha mãe, claramente frustrada.
Minha mãe nunca conseguia manter uma empregada por muito
tempo. Sempre havia algo que não a agradava, e eu entendia os dois lados.
Às vezes, sentia pena das pessoas que trabalhavam para ela.
— Mais uma...
Murmurou meu pai, arqueando as sobrancelhas enquanto tomava
um gole do café. Nesse momento, quase engasguei com o meu quando vi o
olhar fulminante que minha mãe lançou a ele.
— Quieto...
De repente, a campainha tocou, interrompendo o momento. Era a
Yana, sem dúvida. Ela sempre chegava pontualmente, como um relógio.
Minha mãe foi até a porta e, ao abri-la, deu um pequeno pulo de surpresa.
Lá estava Yana, completamente encharcada, com os cabelos grudados na
testa e as roupas coladas ao corpo por causa da chuva que, aparentemente,
havia começado de repente.
— Bom dia! — disse Yana, com um sorriso desconcertado. — Se
vocês vão sair, é melhor colocarem uma capa, porque nem guarda-chuva dá
conta. Está chovendo daquela forma típica de outono, que começa do nada.
Minha mãe rapidamente a puxou para dentro, oferecendo uma
toalha para se secar.
— Bom dia Yana! Vou indo, gente — anunciei, puxando minha
bolsa.
Meu pai me olhou com a habitual calma.
— Vai de táxi? — perguntou, e eu assenti. — Pega — ele disse,
estendendo a chave do seu carro.
— O quê?! Vai me deixar dirigir o Bentley? — perguntei, surpresa,
pegando a chave na mão.
— Vou levar o carro da sua mãe na oficina, então pode dirigir. Me
entrega depois — ele respondeu com a mesma serenidade, como se não
fosse nada demais.
Fiquei estática por um momento, incrédula. Depois de todos esses
anos, finalmente ele estava me deixando dirigir um dos seus carros. Isso
nunca havia acontecido antes; desde que tirei minha carteira aos dezesseis
anos, só minha mãe me deixava dirigir o carro dela. Não entendi essa súbita
mudança de ideia do meu pai, mas não ia questionar.
— Seu pai está generoso hoje... — comentou minha mãe,
abraçando-o por trás e dando um beijo na sua bochecha com um sorriso
afetuoso.
— Por isso que tá chovendo — retruquei, com ironia.
— Suma daqui antes que eu mude de ideia — ele falou de soslaio,
encarando minha mãe e retribuindo seu carinho com um beijo. Não perdi
tempo e corri para a porta.
— Tchau, pessoal! — gritei, já me apressando para sair,
aproveitando a oportunidade antes que ele realmente mudasse de ideia.
Fechei a porta atrás de mim e entrei no elevador, que desceu
suavemente, me levando ao subsolo onde ficava o estacionamento do
prédio. Eu precisava ser extremamente cuidadosa; o carro que meu pai
havia me emprestado era o modelo novo, e eu não queria correr o risco de
deixar nenhum arranhão.
Quando as portas se abriram, segui em direção ao Bentley, que
reluzia sob as luzes frias do estacionamento. A cor cinza metálica brilhava
impecável, e o carro parecia mais uma obra de arte do que um simples
veículo. Ao abrir a porta, fui recebida por um interior, com o inconfundível
cheiro de couro novo. Um alívio percorreu meu corpo ao perceber que meu
pai, felizmente, não havia fumado ali dentro — algo que, ultimamente,
estava tentando evitar com todas as minhas forças.
Entrei no carro com cuidado, quase reverente, e me acomodei no
banco de couro macio. A cabine era espaçosa e incrivelmente silenciosa,
criando uma bolha que me isolava do resto do mundo. Alisei o volante,
sentindo a textura impecável do couro sob minhas mãos. O logotipo da
Bentley brilhava no centro, uma lembrança clara de que este carro era um
dos grandes amores do meu pai, talvez até mais do que minha mãe.
Respirei fundo e girei a chave. O motor rugiu suavemente, quase como um
sussurro, e a sensação de poder percorreu o carro. Com as mãos firmes no
volante, dei uma última olhada ao redor, ajustei os espelhos, e, com um
sorriso que não consegui conter, guiei o carro para fora do estacionamento,
entrando na rua oeste.
Assim que saí do elevador no andar da RedCompany, fui recebida
por uma cena caótica: o hall estava completamente abarrotado de caixas.
Algumas continham fios e outras estavam cheias de vidros. "O que é isso
tudo?" pensei, perplexa. Ao caminhar pelo corredor que levava às salas,
avistei um homem de óculos, que eu não reconheci, lutando para equilibrar
duas enormes caixas cheias de tecidos, parecendo mais um malabarista de
circo prestes a perder o controle. Desviei rapidamente, torcendo para que
ele não tropeçasse e viesse parar em cima de mim.
De repente, ouvi a voz de Tom ecoando pelo corredor, soando como
um sargento impaciente. Ele gesticulava freneticamente, tentando dirigir
aquele caos como se estivesse no meio de uma tempestade.
— Deixe essas caixas mais perto da saída! Elas precisam descer
pelo elevador! — ele gritou, claramente frustrado. — Ó céus, o que essa
gente tem na cabeça para trazer isso tudo pra cá?
Tom desapareceu da minha visão tão rápido quanto apareceu, e eu
não pude deixar de balançar a cabeça, rindo sozinha. A empresa estava uma
verdadeira zona, com todos os preparativos para a festa de amanhã. Era
como um formigueiro enlouquecido, com pessoas correndo de um lado para
o outro, tentando fazer mil coisas ao mesmo tempo.
Cheguei à minha sala, apenas para encontrar o lugar vazio. As
meninas já deviam estar no salão. Foi então que a voz de Tom surgiu atrás
de mim como um fantasma, me fazendo dar um pulo de susto.
— Alice! O que você está fazendo aqui? — perguntou ele, com o
rosto levemente franzido.
— Só vim pegar a caixa que a Elisa me pediu — respondi, rindo
nervosamente e tentando recuperar a compostura.
Tom entrou na sala, limpando os óculos antes de colocá-los de volta
no rosto. Ele estava visivelmente mais agitado do que de costume, com mil
coisas na cabeça e outras mil esperando na fila.
— Ah, sim, a caixa com os microfones... Você sabe onde ela
deixou?
Eu sabia, e me dirigi até perto da sessão dos livros eróticos, onde a
caixa estava.
— Aqui está! — disse, levantando a caixa com as mãos.
— Ótimo, as meninas já estão no salão — respondeu Tom, dando
uma olhada pelo corredor.
Olhei ao redor e vi a loucura continuar. Funcionários corriam de um
lado para o outro, papéis voavam pelo ar, e alguém tentava equilibrar três
bandejas de acrílico. Arqueei as sobrancelhas e voltei meu olhar para Tom.
— Acho que é melhor eu ir ao salão ajudar. Será que corro o risco
de sair daqui com algum hematoma? — perguntei, brincando, mas com um
toque de preocupação.
Tom deu de ombros.
— Nunca se sabe, Alice. Nunca se sabe. Hoje está uma loucura
aqui.
— Desde segunda, Tom, — acrescentei, rindo.
— Literalmente! — respondeu ele, antes de desaparecer pelo
corredor. Contemplei a sala vazia por um momento, ouvindo a voz de Tom
ecoar pela empresa ao longe. — Cuidado com isso! — ele gritou, seguido
pelo som inconfundível de algo quebrando.
Suspirei e, segurando a caixa com firmeza, saí da sala e me dirigi
com cuidado pelo corredor, tentando não atrapalhar ninguém em meio
àquela confusão.

Cheguei ao espaço onde seria realizada a festa da empresa e fui


recebida por uma cena que, embora caótica, tinha uma energia diferente da
confusão que vi nos corredores da RedCompany. O salão era amplo, com
um palco ao fundo onde uma equipe estava ocupada organizando fios e
instalando um grande telão. Provavelmente, seria ali que exibiriam os itens
que seriam leiloados.
Levantei os olhos e reparei no teto acústico, que se estendia por
todo o salão. Ele era composto por painéis brancos, suavemente
texturizados, que ajudavam a absorver o som, criando uma atmosfera mais
intimista apesar do tamanho do espaço
Ao longe, vi Megan gesticulando freneticamente para um homem
em cima de uma escada.
— Certifique-se de prender bem o tecido! Não queremos que isso
caia no meio da festa! — ela gritava, a voz carregada de urgência.
O homem, porém, parecia estar em seu próprio mundo, assentindo
de forma vaga enquanto continuava o trabalho sem muita preocupação. Era
aquele típico "tanto faz" que surge quando você sabe que a outra pessoa não
está realmente prestando atenção. De repente, ouvi uma voz familiar me
chamando. Elisa vinha correndo na minha direção, o rosto iluminado por
um sorriso de alívio. Ela segurou meus ombros com a força de alguém que
encontrou sua tábua de salvação no meio de uma tempestade.
— Alice! Que maravilha você estar aqui! — exclamou.
— Sim, aqui está a caixa. — Entreguei a ela o pacote que segurava,
e ela imediatamente começou a analisar o conteúdo.
— Peter! — gritou ela, com a voz estrondosa, chamando um
homem de boné que estava no palco. — Precisamos instalar os microfones
agora!
Dei um passo para trás, meio atordoada com o som ensurdecedor da
voz dela ecoando pelo salão.
— Pelo visto, todos estão a mil por aqui, hein? — comentei,
tentando aliviar o ambiente. Elisa enxugou o suor da testa com um gesto
exagerado, olhando ao redor com uma expressão que misturava cansaço e
ansiedade.
— Sim, tivemos um problema com a equipe de som que
contratamos. Eles simplesmente nos deram um cano, então tivemos que
encontrar outra equipe às pressas — explicou ela, lançando um olhar
preocupado na direção de Megan, que ainda discutia com o homem na
escada. — E, para piorar, ontem teve uma festa aqui e... você não vai
acreditar, havia vômito por todo o salão.
Ela fez uma careta de nojo, o que me fez rir.
— Quem teve que limpar isso? — perguntei, ainda rindo.
— Obviamente não fomos nós... — respondeu Elisa. — Aliás,
como o Tom está?
— Louco! — falei, arregalando os olhos para enfatizar o quão
caótico tudo estava. Elisa riu, mas a tensão ainda pairava em seus olhos,
visível em seu olhar preocupado.
— Espero que tudo fique pronto a tempo e sem mais surpresas —
disse ela, soltando um suspiro pesado.
— Vai sim... — respondi, tentando transmitir otimismo enquanto
me virava, no momento exato em que Megan apareceu ao nosso lado.
— Sabe... se tem uma coisa que me irrita, é homem fingindo que
não me ouviu! — Megan disse, cruzando os braços e lançando um olhar
fulminante para o homem que ainda estava em cima da escada. Ela
suspirou, visivelmente frustrada. — E, pelo visto, todos são homens por
aqui.
Sem sequer nos cumprimentar, Megan saiu de perto, claramente
aborrecida. Elisa se aproximou de mim, abaixando um pouco a voz.
— Ela está com problemas com o marido. Ouvi ela discutindo com
ele ao telefone agora há pouco — confidenciou Elisa, arqueando as
sobrancelhas e lançando um olhar furtivo ao redor.
— Jura? Mas pensei que eles eram recém-casados — falei,
surpresa, franzindo as sobrancelhas.
— E são..., mas enfim, chega de fofocas! — Elisa balançou a
cabeça, tentando afastar os pensamentos e se recompor. — Agora, eu
preciso voltar a ser organizadora! — acrescentou com um leve sorriso,
claramente lutando para manter o profissionalismo em meio ao caos.
Logo me vi correndo de um lado para o outro, ajudando a equipe de
decoração. A festa não teria balões, já que Megan havia optado por uma
estética mais sofisticada, com tecidos fluidos pendendo do teto e uma série
de suportes para globos prateados que refletiam as luzes de forma
encantadora.
O salão estava ganhando vida com réplicas de itens icônicos dos
super-heróis da Marvel. Havia um escudo do Capitão América preso em um
suporte, brilhando com sua estrela e listras; uma caixa de acrílico exibia a
armadura do Homem de Ferro, detalhada e realista, atraindo olhares
curiosos; o martelo de Thor, Mjölnir, estava em uma plataforma iluminada;
e, claro, a luva com as Joias do Infinito de Thanos, irradiando um brilho
colorido a partir de uma luz estrategicamente posicionada dentro da caixa
onde estava exposta. Além disso, espalhados pelo salão, havia outros itens
da Marvel que não pertenciam apenas aos Vingadores, como o capacete do
Magneto e um uniforme clássico do Quarteto Fantástico, cuidadosamente
exibido em um manequim. Todos esses detalhes contribuíam para criar um
ambiente imersivo e impressionante. Era realmente uma visão incrível.
Enquanto ajustava os tecidos e ajudava a posicionar os globos, me
vi envolvida na tarefa de reorganizar os nomes nas mesas. O mapa dos
assentos estava uma bagunça completa, porque, em vez de imprimirem tudo
em uma única folha, cada mesa tinha sido impressa em uma folha separada,
o que só complicou tudo.
Peguei a lista e comecei a redistribuir os nomes, sentindo uma
pontada de frustração. Quando fiz o mapa anteriormente, garanti que todos
tivessem uma boa vista do palco e estivessem confortáveis. Fiquei
horrorizada ao ver que as mesas estavam completamente fora de lugar. Com
um suspiro resignado, comecei a ajeitar tudo novamente.
Foi então que meus olhos caíram sobre o nome de Marcus.
Inicialmente, ele estava alocado perto da cozinha, um lugar péssimo, com o
barulho constante de pratos e talheres, além do fluxo incessante de garçons.
Um sorriso irônico cruzou meu rosto ao pensar na ironia de tê-lo colocado
ali de propósito. Respirei fundo e decidi movê-lo para uma mesa mais
próxima ao centro, onde ele teria uma visão clara do palco e,
coincidentemente, estaria na mesma mesa onde sua família ficaria.
Mas será que ele viria? Essa pergunta não saía da minha cabeça
ultimamente. Desde o dia em que ele saiu de casa, não falei com ele, e ele
nem sequer tentou enviar outra mensagem de texto. Deveria estar muito
ocupado com a nova empresa, o que, consequentemente, deixava pouco
tempo para qualquer outra coisa. O que meu pai mencionou sobre ele viajar
bastante só aumentava a minha preocupação. Se ele aparecer amanhã, eu
realmente não sei que rumo nossa relação irá tomar. Sacudi a cabeça,
tentando afastar esses pensamentos. Não posso pensar nisso agora. Por mais
que a ansiedade cresça a cada hora que passa, eu precisava me concentrar
na tarefa à minha frente.
Com mais de trinta mesas no salão, a tarefa de conferir cada uma
delas foi árdua. Ajeitei os nomes, ajustando as etiquetas e garantindo que
todos estivessem nos lugares corretos. O salão estava se transformando em
um cenário digno de uma festa de super-heróis, e o esforço de todos estava
finalmente dando frutos. Cada detalhe, desde os globos até os itens de
exposição, estava em seu lugar, pronto para impressionar os convidados.
Enquanto olhava para o mapa final dos assentos, senti um misto de
satisfação e nervosismo. Ajustava as últimas etiquetas de nomes nas mesas
quando notei Megan sentada em uma delas, com a cabeça apoiada nas mãos
e um olhar de pura exaustão. Parecia que o peso do mundo estava sobre
seus ombros. Decidi ir até ela.
— Ei, Megan, você tá bem? — perguntei, tentando soar casual
enquanto me aproximava. Ela levantou a cabeça lentamente, seus cabelos
roxos um pouco bagunçados, e me deu um sorriso que parecia mais um
pedido de socorro.
— Alice, estou desesperada — disse, fazendo uma pausa dramática.
— Nunca imaginei que organizar uma festa fosse pior do que aquele
trabalho de faculdade em que eu tive que criar a tradução do livro “O
Hobbit” em dez dias.
Eu ri, tentando aliviar o clima.
— Ah, mas olha só! Está tudo ficando incrível. Quem sabe você
não começa uma nova carreira como organizadora de festas?
Megan revirou os olhos, mas um sorriso começou a surgir em seus
lábios.
— Se ao menos eu soubesse que organizar festas vinha com um
sério risco para a saúde... — Ela disse, abanando o rosto com a mão, como
se estivesse tentando afastar o estresse. — Juro, Alice, sinto como se meu
coração fosse explodir a qualquer momento. E para piorar, nem posso tomar
um café decente, porque aqui perto só tem “Café Gourmet” que mais parece
borra de café.
— Ah, café gourmet é bom... — Me sentei à sua frente, passando a
mão em seu braço numa tentativa de acalmá-la. — Mas relaxa, tudo está
tomando forma, e vai ser uma festa fantástica. Ninguém vai saber que você
quase arrancou os cabelos. No fim, você vai esquecer todo esse estresse.
Conforme eu observava o semblante dela, percebi que não era
apenas a organização que estava lhe estressando. Havia algo mais, mas eu
não iria tocar nesse assunto, pois não era da minha conta.
— Mas sério, essa pressão toda está me deixando maluca. Tenho
que me lembrar de respirar, sabe, para manter meu ritmo cardíaco em
cheque. Não quero acabar no hospital com um infarto por causa de uma
festa. — Ela deu uma pausa e arregalou os olhos, claramente arrependida.
— Alice, desculpa, eu não queria...
— Não foi nada! Minha mãe já está bem. A única dica que te dou é
evitar o estresse. — Cobri minha boca, abafando uma risada.
— Estou cheia de coisas na cabeça ultimamente, nem penso direito
mais no que falo — Megan admitiu, soltando um suspiro frustrado e
passando a mão pelos cabelos bagunçados.
— Megan, acho que você já fez o bastante por hoje. Que tal dar
uma volta pelo salão e apreciar todo o trabalho que organizou? Olha essa
decoração! — Abri os braços, indicando o ambiente ao nosso redor com um
sorriso encorajador.
Megan assentiu, respirando fundo, como se tentasse absorver um
pouco do meu entusiasmo.
— Sim, acho que você está certa. Preciso de um pouco de ar
fresco... e talvez um pouco de chocolate. Chocolate sempre ajuda! — Ela
esboçou um sorriso cansado, mas genuíno.
Assenti com a cabeça, sorrindo enquanto Megan se levantava. Ela
me deu um último olhar agradecido antes de sair para dar uma volta pelo
salão. Fiquei ali, observando-a se afastar, aliviada por ter conseguido
animá-la um pouco, mesmo sabendo que ela estava carregando um peso
muito maior do que deixava transparecer.
Decidi ir para a cozinha, que parecia estar mais tranquila em
comparação com o frenesi do salão. Lá, comecei a organizar as taças que
seriam colocadas nas mesas, cada uma brilhando sob a luz enquanto eu as
polia. O silêncio era quase reconfortante, me permitindo focar na tarefa.
Mas a paz foi interrompida quando Tom entrou na cozinha, com
uma expressão de preocupação que fazia parecer que ele acabara de lembrar
de algo crucial.
— Alice, e a empresa dos doces? — Ele perguntou, a voz carregada
de ansiedade e expectativa.
— Não se preocupe, combinei com eles para trazerem os doces às
quatro da tarde amanhã. — Respondi, mantendo a voz calma, tentando
evitar que ele entrasse em pânico.
Tom coçou a cabeça, parecendo um pouco mais aliviado, mas antes
que pudesse dizer qualquer outra coisa, Elisa entrou na cozinha como um
furacão, com os olhos arregalados de desespero.
— Por favor, tem algo aí para comer? Estou sem café e sinto que
vou desmaiar! — Ela exclamou, a voz desesperada.
Tom olhou para Elisa e depois para mim, como se tentasse calcular
a última vez que qualquer um de nós havia comido ou dormido.
— Acho que ainda tem alguns biscoitos por aqui... — Respondi,
tentando acalmá-la. Elisa revirou os olhos, mas com um leve sorriso de
alívio.
— Nem me lembro da última vez que comi algo decente. Ou dormi
direito. Será que estou vivendo de ar?
Tom disse, colocando as mãos na cintura. Olhei para os dois, e
balancei a cabeça. No mesmo instante, Megan entrou na cozinha com uma
expressão que parecia de alguém que acabara de ver um fantasma. Tom,
quase como se estivesse prevendo que algo terrível estava prestes a
acontecer, levantou a mão em um gesto defensivo.
— Megan, por favor, nada de notícias ruins. Meu coração não
aguenta mais — ele disse.
Megan nos olhou, visivelmente tomando fôlego como se estivesse
prestes a explodir uma bomba atômica.
— Gente... um dos itens que seriam leiloados sumiu — disse ela,
sua voz tremendo.
Nos entreolhamos em silêncio, o ar na cozinha ficou pesado, todos
esperando a reação de Tom. Elisa se colocou ao lado dele, pronta para
ampará-lo caso ele desmaiasse. Tom, com o rosto pálido como se o sangue
tivesse acabado de abandonar seu corpo, pediu uma cadeira.
Um dos assistentes de som, apareceu com uma cadeira do nada, e
Tom se sentou com um suspiro profundo.
— Qual item? — Ele perguntou, sua voz agora fraca, como se a
resposta pudesse ser um golpe mortal.
— Um quadro britânico antigo. Era de Margot. A empresa de
transporte o buscou, e agora o quadro sumiu — disse ela, claramente
nervosa.
Tom ficou em silêncio, como se estivesse processando a
informação, enquanto todos ao redor tentavam assimilar o impacto daquela
notícia.
O silêncio na cozinha era ensurdecedor, como se cada um de nós
tivesse acabado de perceber que organizar esse evento estava sendo uma
sequência de erros mais do que acertos. Tom se inclinou para frente,
esfregando as têmporas. Ele olhou para Megan, os olhos semicerrados,
tentando manter a calma.
— Megan, que equipe você contratou para buscar o quadro?
— Foi a equipe do meu primo Harry — respondeu Megan,
hesitante.
Elisa, que estava ao lado de Tom, já meio desesperada, arregalou os
olhos, incrédula.
— Harry? O mesmo que foi preso no ano passado?! — Ela
exclamou, sua voz subindo uma oitava. Megan balançou a cabeça em
confirmação, mordendo o lábio inferior. O silêncio foi quebrado apenas
pelo som de Tom soltando um suspiro profundo e dramático, cobrindo o
rosto com as mãos.
— Eu só posso estar em um pesadelo. Por favor, me digam que isso
é um pesadelo e que vou acordar em breve... — Tom murmurou, olhando
para o teto como se esperasse que uma solução mágica caísse do céu. —
Como se perde um quadro antigo e precioso? E, mais importante, quem em
sã consciência deixa isso nas mãos de alguém com um histórico duvidoso
Todos os olhares se voltaram para Megan, que estava visivelmente
abalada.
— Me desculpem... minha mãe pediu que eu desse uma chance a
ele. Ele começou a empresa agora, e eu não consegui dizer não — explicou
Megan, apertando os dedos nervosamente à sua frente, tentando justificar
sua escolha.
— Ele foi preso por quê? — perguntei, quase sussurrando.
— Por roubo! — Respondeu Tom.
A situação do quadro era, sem dúvida, preocupante, mas Elisa
rapidamente sugeriu que tinha alguns amigos na polícia que poderiam
ajudar a rastrear a van do primo de Megan e então ela saiu da sala a passos
rápidos com o celular no ouvido. Tom estava ainda atônito, enquanto
Megan permanecia quieta, a culpa evidente em seu rosto. Pelo menos havia,
um fio de esperança de que tudo pudesse ser resolvido.
Já passava das sete da noite, e todas as equipes que estavam
organizando o espaço já haviam ido embora, restando apenas nós. Liz, com
seu timing impecável, nos salvou ao enviar uma entrega de comida de
surpresa. A geladeira estava praticamente vazia, exceto por alguns pacotes
de ketchup e umas coisas que ninguém se atrevia a identificar. Enquanto
todos se jogavam nos tacos e burritos, eu estava sentada no balcão da
cozinha, tentando processar o dia. Os três tagarelavam sobre a festa e o que
iria ser leiloado, e eu me apavorei com a quantidade de itens de valor que
estava na lista.
Então, Elisa mencionou que Marcus havia doado alguns itens para
serem arrematados no leilão, incluindo uma caneta de luxo, um smoking de
grife e três camisas do Chicago Bulls autografadas por Michael Jordan. Ao
ouvir o nome de Marcus, meu coração deu uma cambalhota, e eu respirei
fundo. Não queria deixar meus sentimentos confusos se tornarem óbvios
ali, então apenas balancei a cabeça de forma automática enquanto eles
falavam, tentando disfarçar minha ansiedade.
— Estranho o Marcus doar algo relacionado ao basquete. Sempre
pensei que ele era fã de tênis. — Megan, com a boca cheia de tacos, olhou
para nós e comentou com a voz abafada.
— Na verdade, ele gosta de basquete, hóquei e baseball — corrigiu
Elisa, como se estivesse recitando uma entrada de enciclopédia sobre
Marcus. Tom me lançou aquele olhar curioso, inclinando a cabeça
ligeiramente.
— Alice, falando em Marcus... e aquele dia em que saíram fotos
suas com ele? O que foi aquilo? — Ele perguntou, tentando soar casual,
mas a curiosidade estava estampada em sua expressão.
Eu quase engasguei com meu próprio taco ao lembrar das fotos. O
que poderia dizer? Fiquei em silêncio, lutando para encontrar uma resposta
convincente, mas minha mente parecia um emaranhado de pensamentos
confusos. Megan, mais uma vez com a boca cheia, tentou se juntar à
conversa, mas as palavras saíram emboladas:
— Eu estav... louc... para perguntar antes, mas a Elis... não deixou!
A pressão das perguntas e a menção das fotos fizeram meu
estômago revirar. Olhei para Megan, rindo.
— Megan, vê se mastiga antes de falar. Assim, ninguém entende
nada. — Ela sorriu, mostrando tacos presos entre os dentes, e eu respirei
fundo antes de explicar: — No jogo de basquete, eu fui com Elisa. E no dia
do bar, eu estava com um amigo e, por coincidência, acabei encontrando o
Marcus lá. Ele ofereceu uma carona, só isso.
Tom, no entanto, não parecia convencido. Ele franziu a testa,
pensativo.
— Sabe, eu já vi sua mãe, Violet, com a família Lewis várias vezes.
Mas você... você nunca estava por perto. Sempre me perguntei sobre o seu
anonimato. Não sabia que eram amigos.
— É que eu nunca fui muito fã dos eventos da família. E, para ser
clara, eu e o Marcus somos só conhecidos.
Elisa observava a troca de palavras com um olhar atento, mas
permaneceu em silêncio, talvez esperando para ver se eu revelaria algo mais
do qual ela já sabia. Eu só podia torcer para que o assunto mudasse logo. Eu
não menti, apenas omiti alguns fatos. A verdade é que conheci Marcus no
dia em que ele me assustou com a porta de seu carro, e desde então, fui
obrigada a conviver com ele quando comecei a trabalhar ali. Descobri que
ele nunca me odiou, e, no meio de tudo, acabamos nos beijando e eu
estando mais confusa do que estava quando nos conhecemos. Mas eles não
precisavam saber disso. Queria muito desviar a conversa.
— Achei! — Megan disse estendendo o celular para Tom e Elisa,
com um sorriso de triunfo no rosto. Tom pegou o celular dela, franzindo a
testa.
— Megan... quantas pessoas já viram isso? — perguntou,
preocupado, enquanto pegava o celular e olhava.
— Gente... vamos esquecer isso! — pediu Elisa, tentando evitar que
a situação saísse do controle. Tom, porém, não resistiu à provocação:
— Mas Alice e Marcus estão lindos juntos... poderiam ser um casal.
— Ele piscou para mim, com um sorriso travesso nos lábios. Eu me virei
para Elisa.
— Eles estão olhando as fotos? — perguntei, e ela confirmou com
um aceno. Não acredito.
— Afinal, quem não gostaria de ser a primeira mulher vista com
Marcus Lewis? Ele nunca foi visto com nenhuma mulher, a não ser a mãe e
a irmã — disse Megan.
— Sabe, esse é um dos motivos pelos quais odeio tirar fotos —
murmurei.
— Eu já vasculhei todo o Instagram procurando seu perfil, mas não
consigo encontrar — disse Megan, franzindo o cenho, intrigada.
— Isso é porque mal uso ele — expliquei. — E, mesmo que usasse,
você jamais me acharia. Não estou com meu nome real. Uso um
pseudônimo para que ninguém me encontre. Nem mesmo meus pais sabem.
— Ah, qual é o nome? — Os olhos de Megan brilharam de
curiosidade.
— Nem pense nisso — respondi, rindo. — Não vou contar. Vocês
terão que continuar vivendo na ignorância, felizmente.
Tom riu e balançou a cabeça, divertindo-se.
— Você é um mistério, Alice — disse ele, com um meio sorriso.
— Um mistério bem embaraçado agora, pelo visto — respondi,
tentando disfarçar o desconforto com um tom brincalhão. — Mas, pelo
menos, se alguém quiser dicas de como evitar sair em fotos públicas, posso
dar algumas boas recomendações...
Eles riram, enquanto eu fingia um meio sorriso. Por dentro, queria
desaparecer naquele taco em minhas mãos. Enquanto eles conversavam,
meus pensamentos se dispersaram. Ser a primeira mulher vista com
Marcus... Que impressão isso daria de mim? A pergunta pairava no ar como
uma nuvem negra. E se achassem que eu era só mais uma interesseira atrás
do Marcus? As fotos, tão expostas e fora de contexto, eram um lembrete
cruel da vulnerabilidade daquela noite. E claro, havia Marcus. Admito que,
por um instante, tinha esquecido o quanto ele era bonito. Sempre com
aquele corte de cabelo curto e impecável, a barba rala meticulosamente
desenhada como se tivesse saído de um catálogo de moda masculina.
— Marcus é lindo, mas ele tem um jeito meio assustador, sabe? Eu
tenho medo de falar com ele — disse Megan.
Eu entendia perfeitamente o que ela queria dizer. Marcus tinha essa
presença que podia intimidar qualquer um. Não era só a aparência
impecável, mas também a maneira como ele se comportava—sempre tão
controlado e distante. Sabia que, por trás daquela fachada, havia muito mais
do que ele deixava transparecer, mas ainda assim, era difícil ignorar o efeito
que ele tinha nas pessoas.
Megan continuou mencionando que até os veteranos da empresa
evitavam conversar muito com ele, e Tom assentia, concordando.
— Quando o entrevistei, pensei que seria uma entrevista normal,
mas parecia mais um interrogatório do FBI! E eu era a suspeita! Ele
respondia tudo tão seco que achei que estava falando com um robô. Sério, a
Siri tem mais emoção do que ele — disse Elisa, sacudindo a cabeça em
incredulidade.
Megan e Tom riram alto, enquanto Elisa revirava os olhos, ainda se
recuperando do impacto daquela experiência. Curiosa e querendo saber
mais, me inclinei sobre a mesa metálica, tentando parecer casual.
— Você nunca mencionou isso antes... conte-me mais — pedi,
tentando esconder meu interesse.
Elisa suspirou, lembrando-se da ocasião.
— Bem, na primeira vez, pensei que ele estava apenas testando
minha paciência. A segunda foi um pouco melhor, mas ainda assim, ele se
mantinha reservado, como se cada palavra tivesse que ser cuidadosamente
medida antes de ser dita. Na terceira... bem, nessa, acho que ele finalmente
percebeu que eu não ia desistir tão fácil, mas mesmo assim, foi como tentar
tirar sangue de uma pedra.
Ela deu de ombros, enquanto Tom e Megan observavam, ainda
rindo da situação
— E, para piorar, ele começou a falar sobre investimentos e
criptomoedas! — Elisa exclamou, fazendo uma careta cômica. — Eu só
queria saber o que ele faz no tempo livre, se ele gosta de cozinhar ou se tem
um cachorro..., mas não, ele estava mais interessado em me ensinar a
montar uma carteira de ações!
Tom gargalhou, quase derrubando seu copo, enquanto Megan
tentava disfarçar o riso atrás da mão.
— Sabe, depois disso, fiquei pensando se ele é assim com todo
mundo ou se é só uma fachada que ele mantém para o trabalho —
continuou Elisa, cruzando os braços e olhando para mim com um sorriso
astuto, como se esperasse que eu fosse acrescentar algo sobre Marcus.
Esperta, ela achava que eu iria morder a isca e compartilhar algo
mais pessoal, mas eu não ia cair nessa. Apenas sorri de volta, mantendo
meu mistério intacto. Eu sorri, sem realmente querer entrar em detalhes
sobre o que sabia sobre Marcus. Talvez ele fosse realmente essa pessoa
distante e calculista para todos, mas eu já havia visto um lado diferente dele
— um lado que, por mais que eu tentasse ignorar, continuava a me intrigar.
Era até engraçado ouvir a descrição de Elisa sobre Marcus. Eles não
sabiam que, na verdade, ele nunca quis esse cargo ou esse papel em sua
vida. Ele já mencionou a mim que não era seu desejo carregar todo esse
peso nas costas, mas que fora forçado a isso. E, pelo visto, ele desempenhou
bem seu papel, já que o que se comentava sobre o Grupo Company e sobre
ele mesmo era de um tamanho colossal.
Enquanto eles riam e compartilhavam suas impressões, eu me
perguntava se algum dia eles teriam a chance de ver o Marcus que eu
conhecia — aquele que, apesar das aparências, estava cheio de camadas e
complexidades que iam muito além do que o público via.
Acordei com um salto ao ouvir o som de uma briga do lado de fora.
As cortinas escondiam a claridade. Esfreguei os olhos e me arrastei até a
janela, afastando a cortina para ver o que estava acontecendo. Na rua, um
casal de vizinhos estava em meio a uma discussão barulhenta.
— Você sempre deixa o lixo para eu tirar! — a mulher gritava,
sacudindo uma sacola de plástico como se fosse uma arma. — E por que
eu? Acha que só eu tenho que fazer essas coisas?
O homem, com um olhar exasperado e uma expressão de desdém,
respondeu:
— Eu também tiro o lixo, mas você tem que parar de dramatizar
tudo. Não é o fim do mundo!
Eu não consegui segurar o riso. O casal parecia tão imerso na briga
que nem sequer notaram que estavam sendo observados. Depois de alguns
minutos, o casal finalmente entrou para casa, ainda discutindo. Dei uma
última olhada na cena e sacudi a cabeça, antes de me encaminhar para o
banheiro.
Tomei um banho rápido e decidi lavar o cabelo. Enquanto enrolava
a toalha na cabeça, meu celular que estava na mesa de cabeceira vibrou com
uma nova mensagem. Me inclinei para olhar, era de Elisa: “ÀS TRÊS DA
TARDE ESTOU AÍ!”
Ri com a mensagem e fui até o closet. Escolhi uma roupa casual e
confortável: uma calça jeans azul, uma camisa preta de manga longa e uma
jaqueta de couro. Minha bota preferida estava suja, então tive que optar
pelo meu all-star. Penteei meu cabelo e o sequei com o secador. Finalmente,
trancando a porta da frente, liguei para meu pai.
— Oi, pai — falei assim que ele atendeu no segundo toque.
— Oi, Alice. À tarde vou pegar o carro. Ontem fui dormir cedo e
não vi sua ligação — ele respondeu, com um tom despreocupado.
— Sim, eu passei aí, mas voltei para casa quando não te encontrei.
Mas tudo bem é que tenho um evento hoje, então qualquer coisa deixo o
carro estacionado perto da casa da vovó e deixo a chave com ela.
— Pode ser.
— Tchau, pai — despedi-me antes de desconectar a chamada,
aliviada por ter resolvido a questão do carro.

A casa da minha avó não ficava tão longe. As ruas estavam


enfeitadas com decorações de Halloween, e eu sempre gostei dessa
comemoração. As abóboras esculpidas e as teias de aranha falsas davam um
ar festivo à cidade. No entanto, havia uma coisa que me intrigava: o fato de
Liz não comemorar. Eu entendia que era por causa da igreja, mas o motivo
da igreja era o que realmente me deixava curiosa.
Quando cheguei à porta da casa da minha avó, apertei a campainha.
Enquanto esperava, olhei para o lado e um carro esportivo passou em alta
velocidade, ignorando completamente o limite de velocidade da rua. Revirei
os olhos ao ver o carro; ele me lembrou Marcus. Não queria pensar nele
para evitar me decepcionar, especialmente porque não tinha esperanças de
que ele aparecesse hoje.
Apenas me concentrei em aproveitar a visita à minha avó. Enquanto
esperava, comecei a pensar nas coisas que tinha que fazer para me preparar
para a festa mais tarde.
A porta se abriu, e minha avó estava com o telefone no ouvido. Ela
estava tão imersa na conversa que mal percebeu minha chegada.
— Ah, Celiria, há tempos não tenho mais dores de cabeça, mas o
remédio novo que o médico me receitou para a coluna é ótimo! — disse ela,
interrompendo a conversa apenas para me olhar com um sorriso e sinalizar
para que eu entrasse. — Não posso te dar o nome, porque sei que você vai
querer comprar sem receita. Conheço uma hipocondríaca de longe, afinal,
também sou uma!
Dou um beijo nela ao entrar e caminho até a cozinha. A casa estava
com aquele cheirinho acolhedor de café fresco, o que sempre me fazia
sentir-me em casa. Peguei uma xícara no armário e me servi com uma
quantidade generosa — eu realmente precisava daquele café. Sentei-me à
mesa e assisti minha avó terminar sua ligação com sua irmã. Assim que
desligou, ela me olhou com um sorriso caloroso.
— Bom dia, Alice — disse ela, inclinando-se para me dar um beijo
carinhoso na bochecha.
— Bom dia! — respondi, sorrindo. — Como a senhora está?
— Bem, e você? Conseguiram resolver tudo ontem para o evento de
hoje?
— Sim, houve alguns imprevistos. Pensei mesmo que o Tom iria
sair de lá de ambulância, mas no fim correu tudo bem. Vamos ver hoje —
falei, quando meu celular vibrou. Olhei de relance para a tela e vi uma
mensagem de Megan: "Estou enviando para todos... Boa notícia! O quadro
está salvo e não foi roubado! Apenas um pequeno detalhe: o primo tinha
perdido o caminho... estava a caminho de outro salão!"
— Acabamos de resolver mais um! — exclamei, levantando as
mãos em um agradecimento exagerado para minha avó. Ela sorriu,
divertindo-se com a minha empolgação.
— Todos desse tal grupo Company irão? — perguntou, inclinando-
se um pouco, com a curiosidade estampada no rosto.
— Sim, vai ser um evento grande — confirmei.
— E o Marcus, vai? — Ela me pegou de surpresa, e eu quase
derrubei a xícara na mesa.
— Marcus? — Perguntei, enquanto meu coração acelerava. Minha
avó não sabia sobre tudo o que estava acontecendo, e eu precisava
urgentemente de uma sessão de terapia com ela. Ela sempre teve uma
maneira única de oferecer conselhos sábios e uma perspectiva calma, algo
que eu estava começando a sentir falta.
Minha avó me observava atentamente, com um sorriso leve e um
olhar que parecia saber mais do que eu gostaria de revelar.
— Sim, parece que ele está em Chicago agora — respondi, tentando
esconder o nervosismo na voz. — Ele inaugurou uma nova empresa lá.
Dei um longo gole no meu café, ignorando o fato de que estava
pelando. Minha avó ergueu uma sobrancelha e se inclinou sobre a mesa, seu
olhar cheio de expectativa.
— Parece que você está pensando demais — observou, com um
tom de preocupação disfarçada.
— Pois estou... — Respirei fundo, buscando as palavras certas. —
Tem coisas que aconteceram, vovó. Se eu fosse você, sentava-se.
Ela assentiu lentamente, seus olhos fixos em mim, claramente
interessada e preocupada.
— Alice, sua mãe está bem? — perguntou minha avó, o olhar
ansioso e preocupado.
— Ah, vovó, ela está ótima! Eu é que estou com um problema de
cabeça. — Suspirei, tentando aliviar a tensão que sentia ao compartilhar
isso.
— Meu Deus, querida... o que foi? — A preocupação em sua voz
era palpável, misturada com uma curiosidade que só as avós têm.
Eu dei um meio sorriso, reconhecendo o olhar de inquietação em
seu rosto, e decidi contar de uma vez.
— Sabe... eu e o Marcus, nós nos beijamos — revelei, sentindo uma
mistura de timidez e alívio ao dizer as palavras em voz alta.
Minha avó arregalou os olhos, sua expressão mudando rapidamente
para uma mistura de espanto e interesse.
— Alice... eu sempre soube que uma hora ou outra vocês dois iriam
se interessar um pelo outro. Era tão evidente. Aquele ódio todo, querida, eu
conhecia bem — ela comentou, balançando a cabeça com um sorriso de
sabedoria nos lábios.
— Vó, isso está sendo uma novidade e tanto pra mim — admiti,
passando a mão pelo cabelo em um gesto nervoso. — Ele chegou a se
declarar!
Os olhos dela se arregalaram ainda mais.
— E você? O que disse?
— Que não acreditava — respondi, encolhendo os ombros,
sentindo-me um tanto culpada.
Ela levou a mão ao rosto, balançando a cabeça.
— Eu não acredito, Alice! Quem já se declarou pra você antes?
— Tyler, do nono ano?
— Alice... um homem como o Marcus não se declara assim se não
fosse verdade! — A voz da minha avó estava firme, quase como se
estivesse me dando uma lição. Seus olhos me fixaram com seriedade. —
Você precisa pensar bem sobre isso.
Eu suspirei profundamente, sabendo que ela estava certa, mas ainda
me sentindo perdida em meio a tudo o que havia acontecido.
— Eu sei, vovó, você tem razão. Preciso pensar com calma. —
Minha voz saiu baixa, quase hesitante. — Mas... nós fizemos um acordo.
Acrescentei, mordendo a bochecha de leve.
— Que acordo? — Ela perguntou, a curiosidade brilhando em seus
olhos.
— Que ele vá à festa hoje. Se ele aparecer, vamos conversar melhor
sobre tudo isso... sobre nós.
Senti meu coração acelerar só de pensar na possibilidade. Minha
avó assentiu, colocando uma mão carinhosa sobre meu ombro. O calor de
seu toque me trouxe um pouco de conforto.
— Entendi. — Ela olhou para mim com um semblante de
compreensão, mas também de alerta. — Escute, querida, às vezes o que é
melhor para nós bate à nossa porta e, por estarmos distraídas, não damos a
devida atenção. Depois, quando percebemos, o deixamos ir, e só nos resta o
arrependimento.
Sua voz era suave, mas carregada de sabedoria. Eu a olhei,
absorvendo suas palavras, sentindo o peso do que ela dizia. Sabia que,
independentemente do que acontecesse, precisava estar atenta ao que o
destino colocava à minha frente.
Depois que minha avó terminou de tomar o café, ela foi para a sala
ligar a TV, deixando-me sozinha na mesa. Estava prestes a pegar o telefone
quando uma voz familiar ecoou pela sala. Virei-me rapidamente para a TV,
surpresa ao ver o rosto de Marcus preenchendo a tela. Ele estava em pé
diante de um imponente prédio moderno, dando uma entrevista para a
CNN. Vestindo um terno elegante, ele sorria de maneira genuína para a
jornalista, que parecia bastante interessada no que ele tinha a dizer.
— Estamos aqui com Marcus Lewis, CEO da SayCompany.
Marcus, o que motivou a expansão para Chicago? — A jornalista ergueu o
microfone em direção a ele.
— Chicago é um grande centro financeiro e tecnológico. Queremos
estar perto de novas oportunidades, além de contribuir para a economia
local — respondeu Marcus.
— Você adquiriu recentemente uma empresa que estava falindo,
protegendo muitos clientes. Por que tomaram essa decisão? — continuou a
jornalista, sua expressão curiosa.
— Queríamos um novo modelo de negócio para a SayCompany.
Foi uma decisão estratégica para proteger as finanças e oferecer
estabilidade. — disse ele.
— Marcus, algumas pessoas estão comparando você a Elon Musk.
O que você acha dessa comparação? — A jornalista lançou a pergunta, e
Marcus sorriu, um sorriso que quase se transformou em uma gargalhada.
— Somos completamente diferentes. Musk é da tecnologia e tem
seus méritos. Apesar da SayCompany dominar o mercado financeiro...
talvez a tecnologia seja um projeto futuro... quem sabe, podemos dominar
também — respondeu, com uma leveza que beirava o desdém, mas sem
perder a elegância.
Eu balancei a cabeça diante do ego de Marcus, mas não pude deixar
de reparar na maneira como ele falava, com tanta confiança que parecia
inabalável. E, inesperadamente, algo na forma como seus lábios se moviam
me fez sentir um frio na barriga, um arrepio que eu gostaria de ter ignorado,
é claro. Dei mais alguns longos goles no café, tentando manter minha mente
ocupada enquanto ele ainda aparecia na tela, sorrindo, e, por um breve
momento, me perguntei se ele realmente apareceria na festa hoje.

De pé em frente à cama, fiquei encarando a fantasia estendida


diante de mim. Era o uniforme clássico de Jean Grey, com o azul e amarelo
predominando, adornado pelo icônico "X" vermelho no cinto e pelos
detalhes nos ombros. O tecido parecia flexível ao toque, mas ao mesmo
tempo ajustado, prometendo destacar minha silhueta de uma forma
elegante. As luvas e botas amarelas completavam o conjunto, adicionando
aquele toque de super-heroína que eu sempre adorei.
Passei a mão pelo material, sentindo a suavidade sob meus dedos e
imaginando como seria vesti-lo. Ainda não havia experimentado, mas a
mulher da loja garantiu que era um tamanho M, o meu tamanho. Enquanto
observava a fantasia, um aperto inesperado surgiu em meu peito. Não
conseguia evitar uma tristeza silenciosa ao pensar que Marcus ainda estava
em Chicago. O comparecimento dele à festa era incerto, e essa incerteza me
deixava inquieta.
Era uma sensação estranha, uma mistura de ansiedade e
expectativa, como se algo estivesse faltando. Talvez fosse a antecipação da
festa, ou talvez, no fundo, eu realmente estivesse esperando que ele
aparecesse hoje e, de alguma forma, definisse o rumo da nossa relação.
O pensamento de ser anunciada como a nova crítica literária da
editora me enchia de entusiasmo, mas também de um medo palpável.
Afinal, eu seria apresentada na frente de todos os convidados. E o mais
interessante de tudo: todos estariam vestidos como vilões e super-heróis da
Marvel! Não pude evitar imaginar como eu ficaria nesse traje de Jean Grey.
Será que eu pareceria uma banana amarela gigante? Ri sozinha da ideia,
enquanto tentava afastar os pensamentos ansiosos. Estava tão perdida
nesses devaneios que quase não percebi o som da campainha me trazendo
de volta à realidade. Deve ser Elisa.
Desci as escadas rapidamente, ciente de que já estava perto do
horário dela chegar. Quando abri a porta, lá estava ela, equilibrando uma
caixa metálica em uma mão, uma mochila nas costas e segurando seu traje
embalado em uma capa.
— Você não vai acreditar... — começou ela, entrando sem
cerimônia e já desabafando. — Quase briguei com o taxista. O taxímetro
dele estava marcando errado, tenho certeza de que queria passar a perna em
mim! Se não fosse pelo meu olhar de águia, teria pago o dobro!
Eu ri, fechando a porta atrás dela.
— Parece que você atrai dramas como um imã. E o que você tem
nessa caixa, afinal? — perguntei, curiosa, observando a caixa metálica que
ela segurava com tanto cuidado. Elisa revirou os olhos, soltando a mochila
no chão com um suspiro exasperado.
— Eu só queria chegar aqui em paz, mas é claro que o universo
tinha outros planos — disse ela, ainda visivelmente irritada. — Aliás... —
Ela abriu a tampa da caixa, revelando uma impressionante coleção de
maquiagens e acessórios. — Vamos nos transformar na Tempestade e na
Jean Grey mais incríveis que o mundo dos cosplays já viu!
Elisa, que fechou a caixa com um sorriso travesso. Peguei a
mochila que ela havia deixado no chão.
— E aí, conseguiu montar a estante sozinha ou precisou contratar
um montador?
— Na verdade... foi o Marcus quem montou. — Admiti, mordendo
o lábio, um pouco hesitante.
Elisa se virou para mim, boquiaberta.
— Não acredito... Ele mesmo montou isso? Tá brincando!
— Além de ser um gênio com números, ele também é bem
habilidoso com as mãos. — Sorri.
Lembrando de como ele parecia concentrado durante o processo.
— Ah, Alice, ele deve ser muito habilidoso mesmo... — Ela
respondeu com um sorriso malicioso.
Revirei os olhos e passei por ela, dando-lhe um leve tapa no braço.
— Vamos nos arrumar! Vou tomar um banho, e você pode colocar
tudo no meu quarto. — Disse, enquanto subíamos as escadas. Elisa
assentiu.
Entramos no quarto e eu logo fui ao banheiro, ela começou a tirar as
coisas da mochila e espalhar sobre a cama. Percebi que até trouxe um
notebook, o que me fez franzir o cenho, mas iria perguntar depois.
Saí do banheiro envolta no meu roupão, sentindo-me renovada e
pronta para enfrentar a transformação que viria a seguir. Encontrei Elisa
completamente imersa em vídeos do YouTube, tentando aprender a colocar
uma peruca. A tela do notebook estava cheia de tutoriais, e ela parecia estar
numa verdadeira maratona de aprendizado.
— Tá levando isso a sério mesmo, hein? — Comentei, enquanto me
aproximava, arqueando uma sobrancelha.
Elisa deu de ombros, sem tirar os olhos da tela.
— Claro! Não vou arriscar fazer feio na festa. A Tempestade
merece o melhor, e eu vou arrasar! — Ela afirmou.
— Eu sei que vai. — Respondi, com um sorriso encorajador.
Sentei-me na cama ao lado dela, mas Elisa logo se levantou, cheia
de energia. Ela pegou uma touca de malha.
— Ok, parece que a primeira coisa a fazer é colocar essa coisa na
cabeça. — Ela disse, segurando a touca com uma expressão de dúvida. —
Depois a gente cola a peruca por cima. Parece simples, né? — Elisa franziu
o cenho, como se quisesse confirmar que não estávamos prestes a cometer
um erro.
Olhei para ela com um sorriso divertido, tentando conter o riso.
— Sim, claro. Simples como montar um foguete. — Brinquei,
dando um leve tapinha em seu ombro.
— Confie em mim. — Elisa rebateu, o sorriso travesso iluminando
seu rosto. — Vi tantos tutoriais que já posso dar um curso.
Começamos a colocar a touca na cabeça, que imediatamente
começou a enrolar e puxar nossos cabelos de um jeito nada confortável.
Depois de muito esforço, algumas reclamações, finalmente conseguimos
prender a peruca na minha cabeça. Quando me olhei no espelho, quase não
acreditei no que via: uma peruca vermelha brilhante, com ondas perfeitas
que caíam até os meus ombros. Eu parecia estar pronta para um show de
rock ou um desfile de moda extravagante. Estava deslumbrante, ou pelo
menos era o que eu queria acreditar. Agora era a vez de Elisa colocar sua
peruca branca.
— Quem diria que ser um super-herói envolvia tanto trabalho
manual? Nos filmes parece tão fácil... — Comentei.
Depois de algumas tentativas frustradas e dedos colados,
conseguimos fixar a peruca branca na cabeça de Elisa. A transformação
estava completa, e as duas nos admiramos no espelho, incapazes de parar de
rir. Agora, só faltava vestir os trajes. Então pegamos as roupas.
— Ah, isso é ótimo — murmurei, a voz quase abafada pela fantasia
apertada. — Sempre quis saber como é estar em uma camisa de força.

— Não sei por que me deixei convencer a usar isso! — Elisa


exclamou, suando enquanto tentava ajeitar a capa que teimava em não
colaborar. — Essa capa parece uma cortina de chuveiro! E essas ombreiras?
Me sinto como um robô dos anos 80!
— Pode parar com o drama. Você vai ficar incrível no final! —
Respondi, tentando conter o riso. — E, pelo menos, você tem uma capa. Eu
pareço um hot dog mal embrulhado. — Brinquei, enquanto lutava para
desenganchar o zíper preso em um pedaço de tecido.
— Bom, se esse zíper não é uma armadura, é uma prisão. E eu sou a
sua carcereira! — Elisa rebateu com um sorriso sarcástico, tentando me
ajudar a puxar o zíper. Depois de muitos puxões e ajustes, quando
finalmente conseguimos fechar o zíper, ela parou, fez uma expressão de
espanto e disse:
— Uau, há quanto tempo você estava escondendo essas curvas
maravilhosas?
— Sempre escondi bem debaixo das roupas pretas — respondi,
olhando-me no espelho enquanto girava de um lado para o outro. O traje
azul e amarelo brilhava, e eu parecia uma versão mais estilizada da Jean
Grey.
— Por favor, não use mais roupas pretas — Elisa pediu com um
olhar de aprovação. — Agora, preciso de uma ajuda aqui! — gritou,
tentando ajustar a capa e fazendo força para que a roupa ficasse justa. —
Parece que o vento vai me levar embora antes mesmo de eu sair da sua
casa!
Ajustamos a capa dela, que insistia em parecer mais um paraquedas
prestes a decolar. Os trajes, embora difíceis de vestir, agora se encaixavam
perfeitamente, e o resultado final era impressionante.
— Bem, olhe só para isso — Elisa disse com uma risada nervosa,
admirando-se no espelho. — Será que já podemos encarar o grupo de
Magneto e suas ideias idiotas contra o mundo?
Nós duas nos olhamos no espelho, admiradas. Elisa, com seu traje
da Tempestade, estava imponente e elegante, enquanto eu, na minha
fantasia de Jean Grey, estava um pouco mais apertada, mas me sentindo...
diferente, talvez até bonita. O tempo passou voando enquanto nos
preparávamos, e quando olhei o horário no meu celular, percebi que já eram
quase quatro horas da tarde.
— Elisa, a que horas você acha que devemos sair? — perguntei,
sentindo a ansiedade crescer.
— A festa começa às cinco, então talvez umas quatro e vinte. —
respondeu Elisa, ajustando sua bolsa com cuidado.
— Quatro horas? E os doces? Eles devem chegar às quatro. Preciso
estar lá para recebê-los. Não posso deixar que algo dê errado! — minha voz
tremia levemente com a preocupação crescente.
Elisa soltou uma risada suave.
— Ah, o Tom realmente conseguiu te deixar paranoica. Relaxa!
Antes de sairmos, me virei para o espelho para um último olhar. O
traje se adequou ao meu corpo perfeitamente. Meus cabelos vermelhos,
agora bem posicionados, caíam em ondas perfeitas, e o batom vermelho
combinava impecavelmente com o tom da peruca. Por um momento, me
perdi na minha própria imagem, admirando o visual finalizado, mas
também sentindo uma ponta de inquietação.
Praticamente descemos as escadas correndo. Enquanto eu girava a
chave na fechadura, pude ouvir Elisa logo atrás de mim, ajustando sua
fantasia pela centésima vez. Quando finalmente abri a porta, me deparei
com meu pai parado na entrada, com uma expressão de surpresa que era
difícil de disfarçar. Seus olhos se arregalaram por um breve segundo, e ele
piscou algumas vezes, como se tentasse processar o que estava vendo: duas
mulheres adultas, fantasiadas dos pés à cabeça, prontas para uma festa.
— Oi, pai — eu disse, forçando um sorriso para aliviar a tensão. —
Estamos indo para a festa da empresa. Acho que não é todo dia que você vê
a Jean Grey dos X-Men e... — Eu lancei um olhar rápido para Elisa, que
usava uma fantasia de Tempestade. —... e a Tempestade.
Ele deu uma risada curta, ainda um pouco atordoado com a cena à
sua frente.
— Sim, bem... nós também fomos convidados — ele respondeu,
hesitando um pouco antes de continuar. — Mas sua mãe não está se
sentindo muito bem, então achamos melhor ficar em casa.
Eu sabia exatamente o que ele queria dizer com isso. Minha mãe
sempre preocupada com a imagem, com o que as pessoas pensariam dela.
Ela provavelmente se torturaria a noite toda com a ideia de ser vista ou
julgada de alguma forma. A preocupação constante em parecer perfeita
diante dos outros sempre a impediu de aproveitar momentos como esse.
— Claro, imagino.
Ele olhou para nós duas por mais um instante, pensativo.
— Vocês querem uma carona?
— Nossa, seria ótimo, pai! — exclamei, sentindo uma onda de
alívio ao ouvir a oferta.
Peguei as chaves do Bentley e as entreguei a ele. Ele acenou e se
encaminhou para fora de casa, enquanto nós o seguimos de perto. Ao pisar
na rua, vi algumas crianças caminhando alegremente, já vestidas para o
Halloween. Um pequeno grupo passou por nós, rindo e conversando
animadamente. Um deles estava vestido como um vampiro clássico, com
uma capa preta que quase arrastava no chão e dentes falsos que mal cabiam
em sua boca. Outro menino corria ao lado dele, vestindo uma fantasia de
pirata, completo com um tapa-olho e um papagaio de pelúcia no ombro.
Uma garotinha, que devia ter não mais que seis anos, usava um adorável
vestido de bruxa, com um chapéu pontudo que quase caía sobre seus olhos,
e carregava uma pequena vassoura, balançando-a de um lado para o outro
enquanto andava.
Eu e Elisa trocamos um olhar cúmplice, um sorriso suave surgindo
em nossos lábios. A energia contagiante das crianças era uma lembrança
nostálgica, e logo entramos no carro a caminho da festa.
Ao entrar no salão, fui imediatamente envolvida por uma atmosfera
completamente diferente da noite anterior. As paredes, antes simples,
estavam agora adornadas com tecidos luxuosos em tons de vermelho e
dourado, que pendiam do teto em drapeados elegantes, recebendo as luzes
vermelhas e azuis que se refletiam em globos brilhantes. O ambiente tinha
um toque majestoso, transformando o espaço em algo quase mágico. Os
objetos em exposição dos heróis pareciam mais vivos e vibrantes,
destacados por holofotes que criavam sombras dramáticas, dando ainda
mais vida ao tema.
As mesas estavam impecavelmente decoradas com toalhas
vermelhas que combinavam perfeitamente com arranjos florais inspirados
nas cores icônicas da Marvel. Os talheres e taças estavam meticulosamente
distribuídos, enquanto os guardanapos eram dobrados em formas criativas.
Fui então inundada por um aroma irresistível que vinha da cozinha—uma
mistura de especiarias e assados que fizeram meu estômago roncar em
antecipação. Uma leve fumaça aromática flutuava pelo salão, distribuindo
um cheiro aconchegante que apenas aumentava a expectativa pelo que
estava por vir.
No palco, o cenário estava impecável. Uma grande tela de projeção
ao fundo exibia o logotipo da RedCompany, criando o pano de fundo
perfeito para o evento, destacando a grandiosidade da noite.
— Uau, parece tão diferente de ontem à noite. — Comentei.
— É incrível o que algumas luzes podem fazer, né? Parece que o
salão ganhou superpoderes de decoração!
Ela fez um gesto dramático com as mãos, como se estivesse
lançando um feitiço. Elisa se afastou, dizendo que iria checar novamente
com a equipe do som para garantir que tudo estivesse perfeito.
Fiquei ali, parada, encarando a mesa impecavelmente decorada,
passando a mão pelos detalhes elegantes enquanto conferia meu lugar na
mesa do nosso setor.
De repente, ouvi um grito ao fundo.
— Jean Grey, está tudo no lugar?!
Virei-me rapidamente e não consegui segurar o riso ao ver Tom,
vestido de Magneto. Ele estava completamente imerso no papel, com
capacete, capa e tudo mais. A imagem de Tom como Magneto era tão
inesperada e divertida que quase me fez perder a compostura.
— Não acredito, Tom! Magneto? — Exclamei, com um enorme
sorriso. — Você realmente se superou!
— Bem, alguém tinha que representar o lado sombrio, não é? E
você, Alice... está pronta para o grande anúncio desta noite? — Tom
perguntou, com um sorriso malicioso enquanto ajustava a capa de Magneto.
Eu alisei a peruca como se fosse meu próprio cabelo, fazendo uma
careta.
— Confesso que estou um pouco nervosa. As pessoas vão me ver
pela primeira vez, e eu estou vestida de Jean Grey. Maravilhoso, não é? —
Eu disse, tentando esconder meu nervosismo com um sorriso.
Tom soltou uma gargalhada.
— Ah, Alice, querida... você está maravilhosa! Eu...
Tom foi interrompido por uma entrada dramática. Megan chegou,
vestida como Psylocke, com seu cabelo roxo brilhando sob as luzes. Ela
estava simplesmente magnífica.
— Megan, você está incrível!
Eu exclamei, enquanto ela se aproximava. Megan sorriu.
— Obrigada! Achei que o cabelo roxo combinava com a
personagem. Mas, gente, eu não estou acostumada com isso — Ela disse,
balançando os cabelos.
Tom se virou para ela, levantando uma sobrancelha.
— Seu marido não vem? — Ele perguntou, curioso.
— Ele disse que se vestir como um personagem de quadrinhos era
demais, então decidiu que não viria. Tem um bom estoque de álcool aqui,
né? Não vim dirigindo — Megan comentou, lançando um olhar para o
espaço do bar onde dois barmen estavam agitando suas coqueteleiras. —
Nossa, eles já começaram? Preciso de um drink.
Tom me encarou com uma expressão de confusão enquanto eu
observava Megan caminhar até o bar, balançando o cabelo curto de forma
exagerada. Eu abri a boca para explicar o que talvez tinha acontecido, mas
fui interrompida pelo pessoal da empresa dos doces chegando. Sorri para
Tom, mostrando que tudo havia corrido bem e que todas as minhas tarefas
estavam concluídas sem imprevistos.
Com um drink leve na mão, prometi a mim mesma que não beberia
nada muito forte essa noite. Apesar de ver no bar uma variedade de
destilados que eu adorava, especialmente a tequila, eu estava determinada a
manter a moderação.
Enquanto observava o salão se enchendo de convidados, senti um
misto de satisfação e nervosismo. Já eram seis da noite, e as mesas
começavam a ser ocupadas, com cada convidado sendo recebido e guiado
pela equipe de recepção.
Minha respiração realmente travou quando avistei ninguém menos
que Gisele Bündchen vestida como Capitã Marvel. Fiquei impressionada,
admirando como o traje parecia ter sido feito sob medida para ela. De
repente, Elisa me cutucou, seus olhos brilhando de excitação. Segui seu
olhar e, para minha surpresa, vi Chris Evans vestido como Tocha Humana
ao lado de Tom Hiddleston, que estava com seu icônico traje de Loki. Foi
uma visão e tanto, a ponto de quase me fazer engasgar com a bebida.
— Eu tinha esquecido o quão irresistível ele fica com o visual de
Tocha Humana. — Elisa estava boquiaberta, observando Chris Evans e Tom
Hiddleston se acomodarem em sua mesa, acompanhados de suas
respectivas companheiras. A empolgação dela era evidente, com os olhos
arregalados e um sorriso de incredulidade.
— Eu realmente não estava preparada para ver esses dois juntos, e
ainda mais fantasiados assim. É demais para o meu pobre coração nerd.
Eu disse, acabando com o conteúdo da minha taça em um longo
gole, tentando aliviar a excitação e a surpresa que sentia. Enquanto
observava os convidados entrando, notei Liz e seu marido chegando. Ele
estava vestido como o Capitão América, com o traje clássico azul, branco e
vermelho, completo com o icônico escudo. Liz, ao seu lado, parecia uma
verdadeira Peggy Carter, com um elegante vestido vintage, um chapéu
estiloso e uma postura impecável. Eles se destacavam como um casal saído
diretamente dos anos 40, e a sintonia entre eles era clara.
Atrás deles, Margot entrou no salão, atraindo imediatamente minha
atenção. Ela estava vestida como Tempestade, com o visual da versão
interpretada por Halle Berry, com um traje preto e detalhes prateados. O
cabelo curto e branco, bem estilizado, completava o look.
Elisa, ao notar Margot, vestida de Tempestade, fez um comentário
divertido:
— Duas tempestades na festa... Pelo menos a Margot optou pela
versão do filme, e eu pela versão dos quadrinhos. A minha é mais clássica!
— Elisa riu, fazendo um gesto teatral com a capa, e eu ri junto, achando a
observação dela engraçada.
— Sim, cada uma com seu estilo. — Comentei.
Continuei procurando por Marcus, mas apenas três cadeiras foram
ocupadas. Uma leve pontada de decepção me atingiu; eu realmente
esperava vê-lo aqui esta noite. Tentei afastar o sentimento, mas não pude
evitar pensar: Será que ele realmente não viria?
Parte de mim começava a se arrepender de ter proposto aquele
acordo. Não pensei direito sobre o quanto a empresa era importante para
ele. Talvez eu pudesse ter optado por outro tipo de acordo, algo que não me
deixasse tão vulnerável. Por mais que tentasse me convencer de que isso
não deveria me afetar, o fato de que Marcus não estava presente me deixava
inquieta, quase desanimada.
Respirei fundo, tentando redirecionar minha atenção para o evento,
me obrigando a aproveitar a noite. Mas, mesmo com todos os meus
esforços, uma parte de mim não conseguia deixar de desejar que ele
entrasse por aquela porta a qualquer momento.
Já estava no meu terceiro drink, rindo mais do que o normal. Nem
percebi que estava bebendo tão rapidamente, provavelmente devido ao
nervosismo crescente com a proximidade do momento de anunciar meu
novo papel na empresa. Margot e Liz já haviam me cumprimentado, e até
me apresentaram ao marido de Liz, Matthew. Ele era um homem simpático,
e o amor entre ele e Liz era palpável; cada vez que ele falava, Liz sorria
como se ele fosse a coisa mais maravilhosa do mundo
Afastei-me um pouco do grupo, procurando um espaço mais
tranquilo, já que não conhecia muitas pessoas além deles. Observei Tom,
incapaz de ficar parado, andando de um lado para o outro com sua capa de
Magneto esvoaçando dramaticamente a cada passo, como se estivesse
realmente encarnando o personagem. Encostei-me em uma parede, tentando
me distanciar da multidão e aproveitei para observar Liz subir ao palco. Ela
se ajeitava, preparando-se para agradecer a todos. Elisa havia sumido em
algum momento, provavelmente ocupada com o discurso e os preparativos
para o leilão.
Megan surgiu ao meu lado, claramente um pouco grogue por conta
do excesso de álcool. Ela me lançou um sorriso travesso.
— Você viu? O seu par romântico está aqui!
Ela apontou para um homem vestido de Logan, o Wolverine, com
um traje casual, mas inconfundivelmente inspirado no personagem: jaqueta
de couro e botas robustas. Em seguida, a encarei, confusa.
— Par romântico? Megan, o par romântico de Jean Grey é o
Ciclope. Logan foi... digamos, um surto da Marvel.
— Tá bom, mas eu juro que vi um Ciclope por aí também
Ela disse, olhando ao redor, como se esperasse que ele aparecesse a
qualquer momento. Ri, incrédula, sabendo que havia prestado atenção em
praticamente todos que chegavam, procurando uma certa pessoa em
específico.
— Megan, acho que você está vendo coisas. Talvez o Ciclope esteja
no fundo do seu copo de vodka.
Megan olhou para o seu copo e depois soltou uma gargalhada alta,
claramente se divertindo com a situação. Eu balancei a cabeça rindo,
enquanto eu tentava, mais uma vez, focar no evento e não na ausência que
tanto me incomodava.
Tom passou por nós e pediu que fôssemos para a mesa do setor,
onde Elisa já estava ajeitando a peruca, os olhos brilhando de ansiedade
enquanto nos observava com um sorriso nervoso. Megan e eu começamos a
caminhar em direção à nossa mesa, mas a jornada foi uma pequena
aventura. Megan, já visivelmente bêbada, tropeçava nas cadeiras e
murmurava desculpas apressadas aos convidados. Eu, tentando manter a
compostura, a amparei o melhor que pude, disfarçando o estado dela.
Assim que nos sentamos, Elisa arregalou os olhos ao ver a situação
de Megan, lançando-me um olhar de incredulidade que parecia dizer "sério
mesmo?". Eu respondi mentalmente com um resignado "sim", antes de
todas nós direcionarmos nossa atenção para o palco. Liz estava prestes a
iniciar o discurso, e o leve bater de dedos no microfone indicava que ela já
estava pronta.
— Boa noite a todos! — Liz começou, a voz carregada de emoção e
uma energia contagiante. — É tão bom ver tantas caras familiares e novas
aqui hoje. Este evento não é apenas uma celebração, mas também uma
oportunidade para agradecer a cada um de vocês. A RedCompany é, para
mim, como uma filha. Vê-la crescer e prosperar ao longo desses cinco anos
tem sido uma experiência incrivelmente gratificante. Foram muitos
aprendizados e evolução, e estou muito orgulhosa do que alcançamos até
agora.
Ela fez uma pausa, seus olhos varrendo a multidão, e o sorriso
radiante no rosto dela parecia iluminar a sala.
— Estamos muito empolgados com as novidades que estão por vir.
Estamos trabalhando arduamente e mal podemos esperar para compartilhar
essas novidades com todos vocês até o final deste ano.
Eu, Elisa e Megan trocamos olhares sorridentes enquanto ouvíamos
o discurso de Liz. Ela falava com tanta convicção e naturalidade, como se
estivesse habituada a dominar qualquer palco. Sua dicção era impecável.
— Como sabem, nossas festas a fantasia são em conjunto com
nosso leilão beneficente, onde o valor arrecadado é doado para três
instituições de caridade. As informações detalhadas estão nas suas mesas,
inclusive a lista dos itens que serão leiloados. Este ano, batemos o recorde
de itens! Temos um total de trinta e dois itens a serem leiloados. A lista está
em suas respectivas mesas, caso queiram dar uma olhada.
Quando Liz anunciou que eram trinta e dois itens, minha
curiosidade foi imediatamente aguçada. Embora eu não tivesse intenção de
arrematar nada, a ideia de descobrir o que estava sendo oferecido me
interessava. Estendi a mão para pegar a lista que estava à nossa frente.
Megan, que parecia estar tentando se recompor, arrastou a cadeira para mais
perto, interessada em ler o papel junto comigo.
A lista era longa, com trinta e dois itens numerados
cuidadosamente. Comecei a ler os itens em silêncio, um por um, enquanto
Megan espiava por cima do meu ombro, alternando entre interesse e uma
tentativa de focar seus olhos embaçados pela bebida.
1. Cinco dias em Myrtle Beach, Carolina do Sul
2. Uma semana de cruzeiro de luxo, para duas pessoas pela Europa
3. Pintura a óleo original, artista local
4. Coleção de vinhos raros de 1980
5. Conjunto de joias da Cartier
6. Caneta de luxo Montblanc
7. Bolsa Gucci edição limitada
8. Aulas de culinária com um chef de Estrela Michelin
9. Passeio de helicóptero sobre a cidade
10. Vestido de gala da Rauph Lauren
11. Um jantar exclusivo para duas pessoas no Dinner In The Sky
em Las Vegas
12. Guitarra autografada por Slash
13. Uma semana em um resort de luxo nas Bahamas
14. Anel Panthère de Cartier
15. Ingressos VIP para qualquer show da Broadway
16. Um fim de semana em uma vinícola com degustação de vinhos
na Italia
17. Pintura de um renomado artista Britânico
18. Coleção limitada de sapatos da Jimmy Choo
19. Uma viagem de balão de ar quente
20. Três camisas do Chicago Bulls autografadas por Michael Jordan
21. Lancha NX 50 Invictus
22. Um dia de Rei/Rainha no AIRE Ancient Baths New York
23. Cristaleira Vintage, anos 70
24. Sala de estar completa modelo Luis XV vintage
25. Um retrato pintado à mão
26. Ingressos para um jogo dos Knicks com assentos VIP e fotos
com os jogadores
27. Uma Harley Davidson XL 1200 Personalizada
28. Direito a ser capa da revista da edição de novembro
29. Um conjunto de livros raros de 1800
30. Uma experiência de mergulho com tubarões
31. Um smoking da marca Armani
32. Pacote de viagem de uma semana para Tahiti
Cada item da lista era um verdadeiro suspiro de admiração.
Conforme eu lia em voz alta, não conseguia conter a empolgação,
apontando cada item para Megan, que alternava entre exclamá-lo "Uau!" e
"Não acredito!". Elisa, ao nosso lado balançava a cabeça.
— Infelizmente, não tenho culhões para arrematar nenhum desses
itens.
Eu e Megan rimos em uníssono, concordando que nós também não
teríamos coragem de gastar tanto.
Olhando a lista com mais atenção, meus olhos se fixaram nos itens
doados por Marcus. A caneta de luxo, o smoking impecavelmente cortado,
e as camisas do Chicago Bulls autografadas pelo próprio Michael Jordan
eram simplesmente incríveis. Cada item tinha uma foto ao lado, como uma
espécie de mostruário que só aumentava o fascínio.
— Eles vão dar mais detalhes de cada item conforme forem
anunciados! — Elisa mencionou. Os burburinhos ao redor das mesas eram
ensurdecedores, com todos exclamando de admiração e surpresa conforme
iam lendo os itens. A tensão no ar era palpável, todos mal podiam esperar
pelo início do leilão. De repente, Liz nos tirou do transe coletivo, sua voz se
destacando.
— Pessoal, acalmem-se! Sei que todos estão ansiosos para o leilão
começar, mas antes... — Ela fez uma pausa, seus olhos percorrendo a
multidão até encontrarem os meus, e meu coração parou por um segundo
quando ela continuou: — Eu preciso apresentar uma pessoa que terá um
papel muito importante na nossa empresa a partir de agora... Um cargo que
é de extrema importância para a editora. Alice, poderia se juntar a mim aqui
no palco?
Eu congelei no lugar, sentindo o peso dos olhares de todos os
presentes se voltarem para mim. Meu coração começou a bater
descompassadamente, e o misto de nervosismo e surpresa quase me
imobilizou. Olhei para Elisa e Megan, que me encaravam com olhos
brilhando de expectativa e sorrisos encorajadores. Deixei a lista dos itens
escapar das minhas mãos, pousando-a sobre a mesa com uma sensação de
desapego.
Elisa me cutucou levemente, um incentivo para que eu me
levantasse, mas minhas pernas pareciam coladas ao chão. Uma onda de
pânico começou a se formar, e minha visão ficou turva, como se o mundo
ao redor estivesse se afastando. Eu estava realmente prestes a me apresentar
diante de tantas pessoas? O pânico se espalhou, e a melodia ambiente que
preenchia o salão parecia amplificar a atmosfera de expectativa. Meus
pensamentos se embaralhavam em uma confusão crescente. Será que eu
devia sair correndo? O que fazer? O ataque de pânico estava me
consumindo, e eu continuava paralisada, incapaz de decidir entre me
levantar ou permanecer onde estava.
— Alice! — A voz de Elisa cortou meus pensamentos caóticos. Ela
me deu outro empurrão leve, e foi como um chamado à realidade. Eu sabia
que precisava me levantar, mesmo que cada passo em direção ao palco
parecesse um esforço monumental.
Me sentia como se estivesse vivendo um pesadelo acordada. A
música ambiente soava distante enquanto eu caminhava lentamente pelo
salão, desviando dos convidados que estavam sentados, todos vestidos
como super-heróis e vilões da Marvel. A ironia de estar vestida de Jean
Grey na minha estreia como crítica literária não passava despercebida, e me
fazia sentir ainda mais vulnerável. Meu coração batia acelerado, e a ideia de
ter que subir no palco e, quem sabe, fazer um discurso, me deixava ainda
mais nervosa. Cada passo parecia uma eternidade, e a tensão acumulada nos
meus ombros e pernas pesava como uma âncora.
A última vez que falei em público foi na formatura do ensino
médio, e nem mesmo aquela experiência me preparou para o que estava
prestes a enfrentar. O anonimato tinha sido um manto confortável, mas
agora, metade de Nova York estava prestes a me conhecer. Comecei a
questionar seriamente se tinha tomado a decisão certa ao aceitar esse novo
desafio. Alisei nervosamente o traje de Jean Grey, passando as mãos pelo
tecido amarelo e azul. O traje, que antes parecia confortável, agora se
tornava uma fonte de desconforto à medida que minha ansiedade
aumentava. O calor dos holofotes e o olhar atento dos convidados me
faziam suar e sentir uma pressão esmagadora.
Finalmente, me aproximei da lateral do palco, mas algo me fez
parar abruptamente. Na parede ao lado, estava alguém vestido de Ciclope.
No entanto, em vez do traje tradicional dos quadrinhos, ele usava o
uniforme do filme X-Men, um conjunto preto de couro, ajustado ao corpo,
com detalhes prateados e a icônica viseira vermelha que cobria os olhos.
Megan realmente não estava delirando por conta do álcool; ali estava
alguém vestido exatamente como Ciclope.
Minha curiosidade aumentou, mas antes que eu pudesse reparar
mais nas feições do homem, os braços de Tom envolveram meu rosto,
virando-o suavemente para a frente, enquanto ele segurava meus ombros.
Ele me deu um leve empurrão, tentando me trazer de volta à realidade.
— Ei, anônima! — Tom sussurrou perto do meu ouvido, sua voz
carregada de uma energia encorajadora. — É hora de dar seu show!
Eu me virei para encará-lo, e a expressão em seu rosto exalava uma
confiança inabalável. Ele parecia tão tranquilo, como se já tivesse feito isso
um milhão de vezes. Meu nervosismo, no entanto, só aumentava, e senti
como se estivesse prestes a desmaiar a qualquer momento. Tom,
percebendo minha hesitação, me guiou gentilmente pelos degraus que
levavam ao palco.
Lá em cima, Liz me aguardava, sorrindo e segurando o microfone.
O pensamento de enfrentar tantas pessoas, todas com seus olhos fixos em
mim, era absolutamente aterrorizante. Dei uma última olhada por cima do
ombro de Tom, na esperança de ver novamente aquele que estava vestido de
Ciclope, como se isso pudesse me dar algum tipo de conforto ou
familiaridade. Mas a parede já estava vazia; ele havia desaparecido.
Tentei me concentrar em dar os próximos passos, mesmo que tudo
dentro de mim gritasse para sair correndo dali. Finalmente, estava ao lado
de Liz, que me recebeu com um sorriso caloroso. Ela parecia tão segura, tão
empolgada, que por um breve momento, ao cruzar meu olhar com o dela,
senti que talvez eu pudesse fazer isso. Eu só precisava lembrar que estava
ali para começar uma nova fase da minha vida, mesmo que o cenário e o
traje fossem um pouco mais extravagantes do que eu esperava.
Tom ergueu um microfone na minha frente, e eu assenti, pegando-o
com as mãos trêmulas.
Liz quebrou o silencio.
— Alice é alguém que já nos encantou antes com sua perspicácia e
visão para a literatura. — Liz começou, sua voz firme e calorosa. — Ela
tem um olhar único, capaz de captar nuances que muitos de nós, leitores,
perdemos. E é por isso que estamos tão empolgados em apresentá-la como a
nossa primeira crítica literária oficial da RedCompany.
Aplausos tomaram conta do recinto. Olhei ao redor, vendo todos
aplaudirem, inclusive Elisa e Megan, que se levantaram da mesa e
assobiaram em nossa direção. Sorri nervosa diante dessa visão, tentando
absorver o apoio que elas me transmitiam.
— A partir de agora, Alice será uma voz poderosa em nossa equipe,
uma guia para leitores e uma plataforma de reconhecimento para autores
novos e desconhecidos. — Liz continuou, sua voz vibrando de entusiasmo.
— Ela terá o poder de transformar histórias em fenômenos e de trazer à luz
talentos ocultos.
Liz se virou para mim, segurando minha mão entrelaçada na dela. O
gesto, embora simples, trouxe um pouco de conforto em meio ao turbilhão
de emoções que eu sentia.
— Seja bem-vinda, Alice Smith, ao nosso site. — A voz de Liz era
acolhedora, e eu pude sentir o carinho genuíno em suas palavras.
Ela então se virou para o telão, e eu fiz o mesmo, encarando a
enorme tela à nossa frente. Um vídeo começou a ser exibido, mostrando o
site da editora com a nova seção intitulada "Lendo com Alice Smith". Meu
nome em destaque, algo que nunca imaginei ver tão grande e tão público.
Ao meu lado, Liz continuava a falar, seu entusiasmo irradiando por todo o
salão.
— Além da aba no site — Liz anunciou, o sorriso contagiante em
seu rosto iluminando ainda mais a sala —, Alice também terá uma página
inteira na nossa revista. Estamos muito animados para compartilhar as
perspectivas únicas da Alice com todos vocês!
Ver meu nome e a seção dedicada a mim no telão parecia surreal,
quase como se eu estivesse sonhando. A responsabilidade que isso trazia
era enorme. Seria uma plataforma para expressar minhas opiniões,
descobrir novos autores e compartilhar minha paixão pelos livros com um
público ainda maior. Eu estava ali para fazer a diferença, para dar voz aos
autores e a histórias que mereciam reconhecimento.
Quando Liz terminou, ela olhou para mim com um sorriso
encorajador, como se estivesse me dando a oportunidade de falar. Segurei
firme o microfone, sentindo minhas mãos um pouco trêmulas, e respirei
fundo.
Encarei o microfone por um tempo, como se fosse um objeto
estranho. Meu coração batia tão rápido que eu sentia como se fosse saltar
do peito a qualquer momento. Limpei a garganta, tentando ganhar alguns
segundos para respirar.
— Boa noite... a todos! — comecei, minha voz saindo um pouco
mais alta e trêmula do que o esperado. O nervosismo estava evidente, e
senti meu rosto esquentar. Ah, droga.
Liz soltou minha mão e alisou meu ombro, o gesto suave trazendo
um pouco de calma. Olhei para ela, buscando coragem, e continuei:
— Sempre tive o sonho de dar voz aos autores desconhecidos,
aqueles que têm histórias incríveis para contar, mas que muitas vezes não
encontram o caminho para o público. Estar aqui hoje, com essa
oportunidade, é simplesmente incrível. — Minhas palavras saíam com
dificuldade, minha mente ainda uma bagunça. Tentei sorrir, embora sentisse
que talvez parecesse mais uma careta. — Prometo que vou fazer o meu
melhor para descobrir e compartilhar essas joias escondidas com todos
vocês. E... espero que vocês aproveitem essa jornada comigo. Meu muito
obrigada a Liz e à RedCompany pela oportunidade.
Sorri para Liz e fiz uma reverência meio desajeitada. Quando os
aplausos começaram, senti um alívio imediato.
Entreguei o microfone a Tom, e naquele momento, tudo o que eu
conseguia pensar era em sair dali o mais rápido possível. Esqueça os drinks
fracos, eu precisava de algo forte, algo que acalmasse o nervosismo que
ainda corria solto dentro de mim.

Debruçada no balcão do bar, eu esperava impacientemente o


barman preparar meu drink. Minha ansiedade transbordava enquanto eu
lançava olhares furtivos à esquerda, observando as pessoas sentadas em
suas mesas. Suspirei pesadamente, tentando aliviar a tensão. De repente,
senti braços me envolvendo num abraço apertado. Era Elisa, sua energia
vibrante quase me esmagando.
— Alice Smith, a estrela do palco! Você arrasou! — Ela exclamou,
a voz carregada de entusiasmo. Revirei os olhos, um sorriso nervoso
escapando dos meus lábios.
— Se eu tivesse o poder de abrir um buraco no chão e desaparecer,
teria feito isso. Tipo, bem no meio do discurso. — Respondi, tentando
disfarçar o pavor que ainda me rondava. Elisa riu, apertando meus ombros
com carinho.
— Ah, para com isso! Você foi incrível! E agora você é nossa
crítica literária oficial! Sério, você merece tudo isso. — Ela disse com tanta
sinceridade que meu desconforto diminuiu um pouco. Antes que eu pudesse
agradecer, os olhos de Elisa se desviaram para um homem alto e moreno
que se aproximava, sua presença imediata chamando atenção. Ele
cumprimentou Elisa com um toque suave no ombro, um sorriso fácil no
rosto.
Finalmente, o barman me entregou o copo, e eu virei o conteúdo de
uma vez só, sentindo o líquido queimando minha garganta e acalmando um
pouco dos meus nervos. Elisa se virou novamente para mim, enquanto o
homem se afastava.
— Esse é o seu superpoder, Elisa? Atrair caras bonitos? —
Brinquei, tentando aliviar a tensão que ainda persistia. Ela riu, acenando
casualmente para o barman.
— Não, meu superpoder é ser irresistível. — Ela piscou para mim
com um ar travesso. — E você, por que toda essa pressa por um drink?
— Bem, o anonimato está oficialmente morto, e metade de Nova
York agora sabe quem eu sou. Preciso de um drink para processar isso... ou
três. — Respondi, gesticulando para o barman encher meu copo novamente.
Elisa revirou os olhos de leve, mas segurou minha mão sobre o
balcão, um gesto que me trouxe conforto.
— Você merece tudo isso, Alice. Está vivendo seu sonho. Esse é
seu momento, então... aproveite! Você vai ser incrível, mesmo que não dê
mais para se esconder sob o manto do anonimato.
Ela me deu um tapinha no ombro, e não pude deixar de sorrir. Era
bom saber que eu tinha amigos para me apoiar... e talvez ajudar a lidar com
minha súbita necessidade de desaparecer.
O barman colocou outro copo de whisky à minha frente, e antes que
eu pudesse levantar meu copo, Elisa ergueu o dela com um sorriso travesso.
— Um brinde à nova crítica literária da RedCompany! Que ela
continue a desenterrar talentos escondidos e a quebrar corações com suas
resenhas! — Ela brincou, piscando para mim. — E que ela não beba muito
nessa festa, para não acabar na capa da próxima edição com a manchete
"Alice Smith cai ladeira abaixo!"
— Obrigada pelo apoio, Elisa. Você e seu humor são o melhor
remédio.
Respondi, dando um gole no meu copo, sentindo o calor do álcool
se espalhar pelo meu corpo. O segundo drink desceu mais fácil, como se eu
estivesse finalmente me acostumando com a ideia de estar no centro das
atenções.
— Ei, se você vai ser famosa, pelo menos aproveite a jornada! E
não se preocupe, estou aqui para te segurar se você tropeçar no caminho.
Literalmente, se precisar. — Ela disse, segurando meu cotovelo de
brincadeira.
— Ah, ótimo. Agora preciso de uma babá? — Perguntei, arqueando
uma sobrancelha.
— Não exatamente uma babá. Pense em mim como sua assistente
pessoal de crise existencial. E além disso, alguém tem que te manter longe
dos livros quando você precisar de uma pausa.
Ela respondeu com um sorriso, brindando comigo novamente. Senti
um pouco do nervosismo se dissipar.
— Na verdade, estou torcendo para não desmaiar de nervoso ou
vergonha nas próximas aparições públicas. — Murmurei, tentando não
pensar demais no que estava por vir.
— Deveríamos torcer para um romance escandaloso seu com
Marcus, isso sim — Elisa sugeriu, piscando de forma brincalhona. —
Vamos lá, Alice, você merece um pouco de emoção fora dos livros também!
— Ah, não, mais fotos minhas espalhadas por aí, não. — Eu disse,
virando o restante da bebida no copo com um gole rápido, tentando
esconder o desconforto que se acumulava em mim.
A menção de Marcus fez meu estômago revirar. Ele não estava lá.
A ausência dele era um lembrete cruel de que eu não deveria ter acreditado
nas promessas que ele fez. Eu realmente esperava que ele aparecesse, e
agora me perguntava o que havia me feito nutrir tais esperanças. A sensação
de ter sido ingênua era esmagadora.
Enquanto tentava processar isso, Elisa foi chamada por alguém
perto da mesa a nossa frente. Ela se afastou, lançando-me um último sorriso
encorajador antes de sair. Eu decidi me afastar também, tentando ignorar a
sensação de ridículo que me acompanhava. Caminhei pelo salão,
esforçando-me para esquecer a decepção de que Marcus não havia
aparecido.
Sorrisos e cumprimentos me cercavam por todos os lados no salão.
Alguns me paravam ansiosos para trocar palavras e mencionavam autores e
livros que estavam em alta, pedindo minha opinião. Eu tentava sorrir
timidamente, esforçando-me para parecer confiante, mas o desejo de que
parassem de falar comigo era quase esmagador. Sentia como se minha
identidade estivesse completamente exposta, e o anonimato que tanto
apreciava estava distante, rindo de mim.
Outros se aproximaram perguntando sobre minha formação
acadêmica. Meu estômago se revirou de nervoso; não estava preparada para
revelar que havia saído da faculdade. Com um sorriso hesitante, menti que
ainda estava cursando. A curiosidade deles não cessava, e logo
perguntavam onde eu estudava. Eu improvisava uma desculpa rápida,
alegando que alguém estava me chamando ou que precisava atender o
telefone. Conforme as perguntas se acumulavam e as mentiras se tornavam
mais frequentes, comecei a sentir uma pressão crescente no peito. Meu
coração disparava e a respiração se tornava cada vez mais rápida e
superficial.
Uma onda de pânico tomou conta de mim. As luzes do salão
pareciam mais intensas e as vozes ao meu redor ecoavam distantes, como se
eu estivesse submersa em uma bolha. Devo me sentar? Mas onde? E se
alguém vier falar comigo novamente? E se descobrirem que estou
mentindo? E se... e se eu desmaiar aqui mesmo?
A ideia de sair correndo parecia tentadora, mas eu estava paralisada,
incapaz de me mover. Meus pés pareciam colados ao chão, e eu me sentia
completamente perdida, sem saber como escapar daquela situação. Estava à
beira de uma crise de pânico e não sabia como me recompor. Meu rosto
esquentava e minha visão começou a ficar turva. Eu só queria um lugar para
me esconder, desaparecer por um momento e respirar profundamente.
Com o coração ainda acelerado, consegui me afastar rapidamente
do salão. Saí pela porta lateral e me encontrei em uma área externa
charmosa, com tijolos expostos nas paredes e um chão de pedras
irregulares. Metade da área estava coberta por um teto transparente,
permitindo que a luz das estrelas e a claridade suave da noite filtrassem o
ambiente, enquanto a outra metade estava aberta para o céu estrelado.
Caminhei até a borda de concreto e me apoiei, olhando para a vista de Nova
York à minha frente. Embora não fosse tão alta quanto a visão da janela da
minha sala na empresa, ainda era impressionante. O ar fresco da noite foi
um alívio imediato, ajudando-me a respirar melhor.
Inspirei e expirei profundamente, tentando seguir as instruções de
um vídeo do YouTube sobre como acalmar crises de ansiedade. Nunca
procurei ajuda profissional, e a ideia de que eu estava apenas seguindo dicas
de um vídeo online me parecia um tanto triste, mas, naquele momento,
qualquer estratégia era bem-vinda. Concentrei-me em contar até quatro ao
inspirar, segurando a respiração por mais quatro segundos e depois soltando
o ar lentamente. Fiz isso repetidamente, sentindo o frescor do ar entrar em
meus pulmões e trazer uma sensação de calma gradual. O concreto frio sob
minhas mãos ajudava a me ancorar no momento, e a sensação de estar ao ar
livre, longe da multidão e das perguntas incômodas, era um alívio bem-
vindo.
A música que vinha do salão era apenas um murmurinho abafado
pelas portas de vidro que separavam os dois espaços. O ar fresco ajudava a
acalmar minha respiração, enquanto eu tentava recuperar o equilíbrio. Mas
então, meu celular tocou dentro da bolsa, quebrando o silêncio que eu
estava começando a apreciar. Peguei o celular e olhei para o visor: era a
minha mãe. Atendi rapidamente, uma pontada de preocupação surgindo.
— Oi, mãe. Aconteceu alguma coisa? — Perguntei, tentando
esconder a tensão na voz.
— Sim, aconteceu! — Respondeu ela, com uma empolgação que
era quase palpável.
Meu estômago deu um nó.
— Você precisa de mim? Está tudo bem? — Minha mente
imediatamente começou a imaginar o pior cenário possível. De repente, um
grito histérico ecoou do outro lado da linha.
— Ah, minha filha! Quem diria que você conseguiria um cargo tão
maravilhoso na editora!?
Fiquei momentaneamente atordoada. Era irônico ouvir essas
palavras dela, que no passado havia insinuado que eu não teria futuro na
editora. Lembrei-me das vezes em que ela questionou minhas escolhas e da
sensação de rejeição que sentia quando parecia não acreditar no meu
potencial.
— Você está brincando... eu ouvi direito? — Perguntei, tentando
processar o que ela havia dito.
— Claro que ouviu! Eu vi tudo pela live da editora no Instagram!
Eu não pude estar lá, mas não perdi sua apresentação vestida de Jean Grey
para milhares de pessoas! — Sua voz estava cheia de um entusiasmo que
me soava quase estranho.
O mundo ao meu redor parecia ter parado. Fiquei ali, olhando para
o nada, enquanto a voz da minha mãe se tornava uma trilha sonora distante
e surreal. Era como se eu estivesse fugindo de parabenizações e olhares
curiosos, e agora minha própria mãe, que sempre foi tão cética em relação
às minhas escolhas, estava me abordando diretamente com elogios.
Era difícil acreditar que, de repente, ela estava me apoiando depois
de tantos anos de dúvidas e críticas. A ironia da situação não me escapou, e
uma parte de mim se perguntou se essa nova exposição pública era
realmente o que eu queria. Estava pronta para ser conhecida, para perder o
anonimato que me protegia?
A voz da minha mãe ainda ecoava na minha mente enquanto eu
tentava manter a compostura.
— Obrigada, mãe, mas estou sem tempo para conversar agora. —
Murmurei, tentando não deixar transparecer a confusão e o cansaço que
sentia.
— Claro, claro, entendo. Minha filha está famosa agora... —
Respondeu ela com uma leve risada, alheia ao desconforto que estava me
causando.
Revirei os olhos e inspirei profundamente, tentando conter a
irritação. Às vezes, parecia que ela não me conhecia de verdade, não
conhecia sua própria filha.
Depois de uma despedida rápida e um beijo lançado ao vento,
desliguei a ligação e pressionei o celular contra o peito. Sentia uma mistura
de frustração e tristeza. As palavras da minha mãe, por mais positivas que
fossem, não soavam verdadeiras para mim. Elas vinham de alguém que
sempre duvidou das minhas escolhas, que nunca viu valor no meu trabalho
até agora. E isso doía. Eu queria que ela tivesse reconhecido isso antes,
muito antes de eu ter ido para Harvard e passado pelo meu maior pesadelo.
Eu me culpava diariamente por ter sido influenciada na faculdade e ter
sofrido as consequências disso.
Sem conseguir segurar, lágrimas começaram a escorregar pelo meu
rosto. A pressão, o medo e a sensação de ser julgada se intensificavam
naquele momento, como se todas as minhas inseguranças do passado
viessem à tona. Não importava o quanto eu tentasse provar o contrário; uma
parte de mim ainda ansiava pela aprovação que nunca veio. Eu me peguei
pensando que um cigarro agora poderia aliviar um pouco, mas me perguntei
se alguém aqui fumava.
Limpei as lágrimas rapidamente e me virei de costas para a vista,
tentando me recompor. Foi então que o vi. O homem vestido de Ciclope
estava encostado na parede do outro lado da área, com uma perna dobrada e
os braços cruzados sobre o peito, olhando em minha direção. A viseira do
personagem cobria seus olhos, então não conseguia saber se ele realmente
me observava, mas a postura dele parecia ser de alguém que estava
esperando pacientemente.
Confusa e com os olhos ainda embaçados pelas lágrimas, me
perguntei mentalmente o que ele estava fazendo ali. Por que ele parecia
sempre encostado em paredes, como se fizesse parte da decoração? Sua
presença era desconcertante, uma mistura de familiaridade e estranhamento
que me deixava inquieta. Ignorando o homem, me virei novamente para a
vista, tentando afastar a presença dele e as ideias desconcertantes que
Megan havia plantado sobre o par romântico de Jean Grey. Balancei a
cabeça, tentando me livrar dessas ideias e do desconforto que me
acompanhava.
Quando olhei relance para o salão, percebi que a parede onde o
homem estava encostado estava agora vazia. Ele havia desaparecido. Será
que eu estava ficando louca ou bêbada o suficiente para começar a enxergar
coisas? Que loucura era essa?
De repente, senti uma mão no meu ombro e me virei rapidamente.
O homem estava agora parado ao meu lado. Ele era alto, cerca de um metro
e noventa. Meus olhos se fixaram em sua boca, tentando reconhecer algum
traço familiar. O cabelo era de um castanho claro.
— Quem é você? — Perguntei, tentando manter a voz firme, mas
sentindo meu coração acelerar no peito.
A pergunta pairou no ar, carregada de tensão. O homem ficou em
silêncio por um momento, olhando diretamente para mim.
Então, lentamente, ele levantou a mão e retirou a viseira que
escondia seus olhos. Meu coração quase parou quando vi quem era. Marcus
estava vestido de Ciclope. A confusão se misturou com a surpresa e uma
pontada de alívio. Por um instante, tudo parecia surreal. Marcus, o mesmo
Marcus que eu pensava ter ignorado o evento, estava ali. Seus olhos
encontraram os meus, e algo profundo e inexplicável passou entre nós. Não
era só o choque de o ver ali, mas aquela ansiedade e as borboletas no
estômago retornaram com força.
Ciclope e Jean Grey...
— Marcus... — Finalmente disse, minha voz quebrando o silêncio
tenso. — Por que esse traje? E o que fez com seu cabelo? Ele está escuro...
— Você estava chorando? — Ele perguntou com calma.
— Responde a minha pergunta?
Ele deu um passo à frente, seus olhos nunca deixando os meus.
— Por que você estava chorando? — Ele insistiu, sua voz suave e
persuasiva.
— Isso tudo é novo para mim, e eu não sei se quero isso. Acho que
não sou boa o suficiente.
— Sabe... te ver no palco, toda nervosa, foi incrível.
Ele estendeu a mão e tocou suavemente meu rosto, como se
quisesse garantir que eu estivesse realmente ali. O gesto foi tão inesperado
que me fez respirar fundo. Eu senti meu rosto corar, e uma mistura de
emoções me invadiu.
— O que você quer dizer com isso? — Perguntei, quase
sussurrando.
— Que você é boa nisso. E está maravilhosa com esse traje. —
Marcus deu um meio sorriso, e a sinceridade em seus olhos azuis era
desarmante.
— Obrigada... — Engoli em seco, tentando processar o elogio, mas
minha mente ainda estava presa na pergunta que ele convenientemente
havia evitado. — Não vai mesmo responder à minha pergunta?
— Elisa... — Ele sussurrou, com um tom conspiratório, e eu o
encarei, incrédula. Elisa era a única que sabia qual era o meu traje. — Ela
me contou, depois de muitas insistências minhas e... um pagamento.
— Pagamento? — Repeti, chocada, quase rindo da situação. Ele
realmente estava levando isso a outro nível.
— E o cabelo? — Ele continuou, como se quisesse mudar de
assunto, passando a mão pelo próprio cabelo, agora visivelmente mais
escuro. — Greice me ajudou com isso. Comprei uma pomada escura para
disfarçar o loiro. Queria chegar sem ser notado por ninguém.
— Espera... você a pagou para te contar sobre a minha fantasia? —
Cruzei os braços, sem saber se ficava brava ou se ria da situação.
— Sim... — Marcus torceu o pescoço, como se estivesse nervoso. A
ideia de que eu poderia deixá-lo nervoso de alguma forma me trouxe um
conforto inesperado. — Ela não queria me dizer, alegou que eu era maluco
e que seu traje era segredo. Então perguntei a ela qual era o preço, e ela me
contou.
Marcus riu, e desta vez a risada não era a seca e controlada à qual
eu estava acostumada. Era uma risada genuína, leve e normal.
— Qual foi o preço?
— Uma entrevista com Michael Jordan. Elisa é fã número um dele,
e conseguir entrevistá-lo será um marco na carreira dela. Não fique brava
com ela; eu sou o culpado. Queria te provocar. — Sua voz estava suave,
mas havia um brilho travesso nos olhos dele que me fez sorrir
involuntariamente.
Ele se aproximou, e suas mãos firmes pressionaram as laterais do
meu quadril. Eu não recuei; ao contrário, permaneci onde estava,
permitindo que ele me puxasse para mais perto. O contato entre nossos
corpos era intensamente real, e a fragrância masculina, com um toque
amadeirado e fresco, envolveu meus sentidos. O queixo de Marcus
repousava suavemente no topo da minha cabeça, criando uma sensação que
era ao mesmo tempo reconfortante e eletricamente carregada. Meu Deus,
ele era alto. E isso, de alguma forma, era incrivelmente atraente.
— Você veio... — sussurrei.
Parecia que eu precisasse de confirmação de que aquilo estava
mesmo acontecendo. Ele estava ali, havia deixado seus compromissos para
estar comigo. Era difícil acreditar que ele queria realmente que eu confiasse
nele e em suas palavras.
— Sim, o que é importante eu me dedico ao máximo. — Sua voz
era firme, carregada de uma sinceridade que fez meu coração acelerar.
— Se dedica?
— Alice, você ainda não tem ideia do quanto eu me dedico... — Ele
sussurrou, sua voz acariciando meu ouvido enquanto seus lábios roçavam
suavemente em meus cabelos, enviando um arrepio que percorreu toda a
minha espinha. — Achou que eu não viria? — Ele perguntou, erguendo
meu queixo com delicadeza, seus dedos quentes em contraste com minha
pele fria. Seus olhos azuis, fixaram-se nos meus.
— Sim, achei... — admiti, a voz trêmula enquanto tentava desviar o
olhar.
— Por quê?
— Porque você estava em Chicago e tinha compromissos... Acho
que fui egoísta de ter lhe proposto isso. — Murmurei, sentindo o peso da
culpa começar a se formar, crescendo como uma sombra dentro de mim.
Marcus soltou uma risada suave, mas não havia diversão em seus olhos,
apenas uma sinceridade que me tocou profundamente.
— Eu teria aceitado qualquer proposta que você me fizesse. No
momento em que saí da sua casa, avisei Grace para cancelar todos os meus
compromissos a partir de hoje. Porque, pequena... — Ele fez uma pausa, e
com um gesto suave, ergueu meu rosto, forçando-me a olhar em seus olhos.
— Eu quero ser só seu, até o dia em que você se cansar de mim e me
mandar voltar à rotina.
Suas palavras, carregadas de uma promessa que eu não esperava,
me atingiram como uma onda, deixando-me momentaneamente sem
palavras.
— Marcus... — Murmurei, minha voz fraca, quase um sussurro.
— Alice... só me deixa fazer isso. — Ele falou em um tom suave,
quase suplicante.
Antes que eu pudesse responder, Marcus segurou meu rosto entre
suas mãos e, com uma firmeza delicada, aproximou nossos lábios. O beijo
foi como um choque de eletricidade, uma descarga de energia que percorreu
cada parte de mim. Seus lábios, quentes e decididos contra os meus, traziam
uma urgência que eu não conseguia ignorar. As mãos de Marcus deslizaram
pelo meu pescoço, segurando firme minha cintura e colando nossos corpos
de maneira possessiva.
O toque dele era como uma faísca que acendia algo profundo dentro
de mim. A maneira como suas mãos se moviam pelos meus cabelos fazia
com que o mundo ao nosso redor se tornasse irrelevante, e a única coisa que
importava era a conexão entre nós dois. Marcus aprofundava o beijo com
uma intensidade que me fazia perder o fôlego, enquanto suas mãos
mantinham meu rosto preso ao dele. O calor de seu corpo se misturava ao
meu, e a pressão de suas mãos em meu pescoço me deixava completamente
excitada.
Quando finalmente nos afastamos, nossos olhares se encontraram.
Eu estava sem palavras, meu coração ainda acelerado, e meus pensamentos
em completa desordem. Suas mãos continuavam segurando minha cintura, e
eu não recuei. O toque dele era reconfortante, quase natural, como se
pertencesse ali. Aquele beijo havia sido mais do que uma simples
demonstração de afeto; era como se tivéssemos selado um acordo
silencioso. Agora, eu sabia que deveria insistir nele, e admitindo a mim
mesma que eu estava apaixonada pelo homem que um dia eu tanto
desprezei. E pelos olhos de Marcus, eu sabia que ele sentia o mesmo.
De repente, o som de uma porta se abrindo quebrou o silêncio entre
nós. Marcus soltou minha cintura, e eu me virei rapidamente para ver
Margot, parada na entrada, nos observando. Meu coração deu um salto de
alívio ao perceber que ela não havia chegado alguns minutos antes; a visão
de nós dois aos beijos teria sido incrivelmente embaraçosa.
Margot nos olhou por um momento, seus olhos avaliando cada
detalhe, alternando entre mim e Marcus. Senti-me desconfortável, ajustando
meu traje enquanto o silêncio se prolongava. Marcus, claramente nervoso,
pigarreou antes de se virar para sua mãe.
— Estava te procurando no salão, Marcus — disse Margot, sua voz
calma, mas com um toque de curiosidade que não passou despercebido. —
O leilão vai começar.
Marcus assentiu, começando a caminhar na direção de Margot, mas
não sem antes lançar um último olhar em minha direção.
— Você vai voltar também? — perguntou ele.
— Sim, vou — respondi, minha voz saindo em um sussurro.
Começamos a caminhar juntos, lado a lado, em direção à entrada.
No momento em que Margot virou de costas, voltando para dentro do salão,
senti a mão de Marcus entrelaçar-se na minha. Olhei para ele surpresa,
esperando encontrar seus olhos, mas ele continuava olhando fixamente para
dentro do salão. Não afastei sua mão; algo em mim se agarrou àquela
conexão, mesmo que fosse por um breve instante.
Entramos no salão, e Marcus soltou minha mão, mas não sem antes
deslizar suavemente sua palma pelas minhas costas. O gesto foi tão natural
que quase me fez esquecer de onde estávamos. Ele parecia completamente
despreocupado com os olhares que poderiam estar sobre nós, e isso me deu
uma estranha sensação de segurança, algo que eu não estava acostumada a
sentir. O que estava acontecendo comigo?
Observei-o caminhar em direção ao palco, onde ele estava prestes a
iniciar o leilão. Enquanto ele se movia com confiança, fiquei perdida em
pensamentos, refletindo sobre como este evento, que deveria ser apenas
mais uma noite de um evento de trabalho, havia se transformado em algo
muito mais emocionante. As luzes se focaram no palco, e Marcus, agora no
centro das atenções, parecia perfeitamente à vontade, pronto para conduzir
o leilão com aquela autoridade calma.
Caminhei em direção à minha mesa, onde todos do setor já estavam
reunidos, e logo me juntei a eles. Meus olhos percorreram o salão, buscando
algo em que me concentrar, qualquer coisa que não fosse o palco, onde
Marcus dominava a atenção de todos. Tomei um grande gole de água da
taça à minha frente, sentindo o líquido refrescante escorrer pela minha
garganta seca. Suspirei, tentando acalmar os nervos que estavam à flor da
pele.
Elisa, que até então parecia concentrada no palco, onde Marcus e
Liz anunciavam o primeiro item do leilão, de repente se inclinou para mais
perto de mim, sua voz baixa e cheia de curiosidade:
— Se beijaram? — perguntou ela, arqueando uma sobrancelha e
lançando-me um olhar inquisitivo.
Confusa, me inclinei um pouco mais para ela.
— O quê? — Minha voz saiu mais aguda do que eu pretendia.
Elisa me olhou com uma expressão de quem sabia mais do que
estava deixando transparecer e, com um leve sorriso, disse:
— Alice, vocês entraram no salão de mãos dadas. Pelo menos
provou uma casquinha do Ciclope lá fora?
O rubor subiu imediatamente ao meu rosto, e eu pude sentir meu
coração martelando no peito. Olhei ao redor da mesa para ver se alguém
mais estava prestando atenção na conversa, mas felizmente, Tom estava
distraído com o leilão, e Megan parecia tão embriagada que mal conseguia
manter os olhos abertos.
Elisa, percebendo minha hesitação, não estava disposta a me deixar
escapar tão facilmente. Com um sorriso malicioso, ela continuou:
— Tudo bem, você não precisa contar se não quiser. Afinal, eu já
tenho minha entrevista com o Michael Jordan garantida
— Isso foi golpe baixo, Elisa.
— Vocês dois juntos são muito bonitos, sabia?
Meu coração deu um salto ao ouvir aquilo. Eu sabia que essa noite
seria decisiva, mas o comentário de Elisa me fez perceber que, aos olhos
dos outros, algo estava claramente acontecendo. E isso me deixou ainda
mais nervosa.
O leilão começou a todo vapor, e eu observava os itens sendo
arrematados um a um, cada qual por valores absurdamente altos. Era quase
hipnótico ver as pessoas levantando as mãos, aumentando os lances como
se estivessem jogando Monopoly com dinheiro de verdade. Eu mal podia
acreditar nos números que ouvia, e a extravagância ao meu redor parecia
surreal. Enquanto os lances continuavam a subir, eu tentava focar no que
estava acontecendo, mas minha mente insistia em se desviar para Marcus. A
cada vez que nossos olhares se encontravam, ele me lançava um sorriso de
canto lá de cima, e meu estômago parecia estar cheio de borboletas
dançantes. Era difícil ignorar a sensação de frio na espinha toda vez que eu
sentia seus olhos em mim, como se ele estivesse me observando
atentamente, medindo cada uma das minhas reações.
Quando o par de ingressos VIP para o jogo dos Knicks apareceu no
telão, Tom, com um brilho de excitação nos olhos, decidiu tentar a sorte.
Ele levantou a mão com confiança, mas, antes que pudesse comemorar, o
lance foi triplicado em questão de segundos. Acabaram arrematando os
ingressos por três mil dólares! Tom se afundou na cadeira, quase sumindo
através de sua capa, e exclamou um "Nossa!" meio descrente. Eu alisei seu
braço num gesto de conforto, dizendo a ele para tentar outro lance em um
próximo item.
Diversas vezes, eu olhava para Megan, que parecia determinada a
testar o limite de fornecimento de Cosmopolitans da festa. Perdi a conta de
quantas vezes ela chamava o garçom, agitando o copo vazio no ar como se
estivesse pedindo um SOS. A cada novo drink, seus olhos ficavam um
pouco mais vidrados, e sua postura um pouco mais relaxada. Elisa estava
focada em manter Megan consciente o suficiente para não virar uma cena
digna de um vídeo viral. Ela chegou a tentar pegar a taça de Megan, que
estava mais rápida e segurou o copo firmemente.
Já bastante animada, Megan virou-se para mim e Elisa, levantando
seu copo vazio mais uma vez e falando alto.
— Quem diria, hein? Ingressos para os Knicks valem mais que
ouro!
Ela riu, talvez um pouco mais alto do que pretendia. Elisa revirou
os olhos, com uma expressão preocupada.
— Será que ela está descontando na bebida por algo que aconteceu
com o marido? — Elisa sussurrou para mim, inclinando-se discretamente.
— Seja o que for, ela não está bem... Precisamos ficar de olho.
Respondi, tomando um gole de água para tentar acalmar meus
nervos. Megan, então, inclinou-se sobre a mesa e cutucou meu braço, um
sorriso travesso surgindo em seu rosto.
— Então, Alice... — começou ela, arrastando as palavras. — Eu vi
você com o Ciclope... na realidade, com o Marcus... Que loucura, né? O
Ciclope, na realidade, era o Marcus! O chefe carrancudo
Ela riu alto, completando a frase com um gesto dramático. Elisa e
eu trocamos olhares, e eu corei, tentando disfarçar meu desconforto. Tom
levantou as sobrancelhas, uma expressão séria no rosto, mas era evidente
que estava tentando segurar o riso.
— Megan, se continuar assim, vou ter que avisar o pessoal para não
te servir mais drinks. Amiga... já chega. Quer ser a manchete dos jornais
amanhã?!
— Ah, relaxa, Tom! Estou só me divertindo. E, aliás, Alice, você
ficou ótima com o Ciclope!
Era nítido como Megan estava fora de si. Eu ri, passando as mãos
pela peruca vermelha, tentando manter o humor leve. Mas então, do nada,
Megan começou a chorar, soluçando como se algo tivesse quebrado dentro
dela.
— Meu casamento... — Megan soluçou entre lágrimas. — Está
arruinado!
A atmosfera mudou instantaneamente. Elisa aproximou sua cadeira,
colocando um braço ao redor de Megan, enquanto eu a observava com
crescente preocupação. Tom parecia igualmente perdido, olhando para
Megan com uma expressão de confusão. Elisa e eu trocamos um olhar
compreensivo, conscientes de que esse deveria ser o verdadeiro motivo por
trás do comportamento dela.
— Megan, o que aconteceu? — perguntei.
Megan enxugou as lágrimas com a mão trêmula, ainda soluçando, e
começou a desabafar sobre o que estava acontecendo em seu casamento.
Para permitir que ela se liberasse, Elisa e eu apenas ouvimos atentamente.
Tom, com um olhar preocupado, pediu que trouxessem mais água para
Megan. Ele murmurou para o garçom que havia cessado o rodízio de
bebidas para ela, com um tom quase protetor.
Enquanto Megan falava, revelando como seu casamento havia
mudado nos últimos meses e até levantando suspeitas de uma traição, eu
senti um aperto no peito. Era doloroso ver alguém esconder tanta dor atrás
de sorrisos e brincadeiras. A empatia me envolveu, pensando em como a
dor de Megan era semelhante às inseguranças que tantas vezes carregamos
em silêncio. Depois de ambos a consolarem, Megan conseguiu se acalmar.
Lancei um olhar para o telão e vi que um fim de semana em uma
vinícola na Itália estava sendo anunciado. Em minutos, foi arrematado por
impressionantes quinze mil dólares. Todos na mesa se entreolharam,
surpresos com o valor astronômico. Mas antes que pudéssemos comentar
mais, o próximo item apareceu no telão: o quadro britânico doado por
Margot, aquele que quase foi furtado pelo primo de Megan.
— Ah, o famoso quadro! Quem diria que ele ainda estaria aqui e
não na coleção particular do primo malandro, hein, Megan? — Elisa lançou
um sorriso provocador, tentando tirar um pouco do peso do momento.
Todos riram, incluindo Megan, que finalmente conseguiu esboçar
um sorriso.
— Bem, é bom saber que o quadro está aqui, são e salvo. Já estava
cansado de tantos imprevistos.
Tom comentou rindo. A risada coletiva trouxe um pequeno alívio
ao ambiente.
Então, vi que um homem vestido como Colossus fez o lance
vencedor pelo quadro. A sala explodiu em aplausos, e todos se viraram para
ver quem era o felizardo. Não consegui resistir e, com meu lado nerd
aflorado, comentei com entusiasmo:
— Olhem só! O namorado da Psylocke acabou de arrematar o
quadro!
— Claro, Alice, só você para identificar os casais dos X-Men em
um leilão. — Disse Elisa.
— É o instinto nerd, o qual não posso controlar — respondi, rindo.
— Além disso, quem diria que teríamos uma verdadeira reunião dos X-Men
aqui hoje? — Acrescentei.
— Na verdade, Colossus é ex-namorado... Psylocke já teve vários.
Será que ela pensava em matá-los? Pois eu estou pensando nisso quando
chegar em casa. — Disse Megan.
Todos rimos alto, e Megan parecia mais relaxada. O clima na mesa
estava leve novamente, e os olhares curiosos ao redor não nos
incomodavam. Nosso setor estava movido por piadas, e estávamos
confortáveis mantendo o clima de sempre.
Precisava de uma mudança de cenário e, talvez, de uma dose de
açúcar. Decidi ir até a mesa de doces, e Elisa me acompanhou. No caminho,
fui parada umas três vezes por pessoas que queriam discutir livros que eu
deveria analisar ou elogiar minha escolha de roupa. Eu sorri e agradeci, mas
a cada vez que olhava para o palco, Marcus estava lá, me observando
atentamente. Seus olhos pareciam um ímã, atraindo meu olhar a cada passo
que eu dava.
Chegando à mesa de doces, fomos abordadas por dois homens: um
vestido de Justiceiro e o outro de Doutor Estranho. Elisa, com um brilho
astuto nos olhos, sussurrou para mim que seu "faro de milionários" estava
apitando e sorriu para eles enquanto nos cumprimentavam. O homem
vestido de Doutor Estranho iniciou a conversa falando sobre a festa e
brincando sobre ter arrematado uma bolsa Gucci. Ele perguntou se alguma
de nós usava a marca.
Elisa me lançou um olhar brilhante e, com um toque de teatralidade,
moveu os lábios dizendo "Milionário". Ela então se virou para o homem,
com uma pose encantadora e um sorriso sedutor.
— Ainda não tenho uma Gucci para chamar de minha, mas quem
sabe isso mude? — disse ela, piscando para ele.
Eu ri internamente com a pose descarada de Elisa, que parecia estar
flertando sem pudor. O homem vestido de Justiceiro, moreno com uma
barba densa e olhos verdes, sorriu para mim. Retribuí o sorriso timidamente
e voltei minha atenção para a mesa de doces, tentando encontrar algo para
me distrair.
De repente, senti uma mão suave na minha cintura. Meu primeiro
instinto foi pensar que era o homem vestido de Justiceiro e, por um
momento, considerei a possibilidade de dar-lhe um empurrão por ele ter
interpretado errado. Quando olhei para cima, vi Marcus, com um sorriso
caloroso, arqueando uma sobrancelha de forma divertida.
— Queria socar algo? — Marcus brincou, como se tivesse lido
meus pensamentos.
— Quase... — respondi.
Marcus cumprimentou os homens com familiaridade, chamando-os
pelos nomes: Sam Waters, Vice-Presidente de um banco, vestido de Doutor
Estranho, e Luís Miller, Gerente-Sênior de uma franquia de fast-food,
vestido de Justiceiro. Eles pareciam conhecê-lo bem, e a conversa fluiu com
uma facilidade surpreendente
Enquanto Marcus conversava com Sam e Luís, ele se posicionou
ligeiramente à minha frente, como se estivesse me protegendo. A ideia me
fez franzir a testa e sentir um desconforto crescente. Elisa, notando minha
reação, sussurrou no meu ouvido:
— Parece que alguém está marcando território...
Revirei os olhos para ela. Marcar território? Eu não era um objeto a
ser reivindicado. Marcus gesticulava e ria de algo que Luís dissera, e eu
estava dividida entre prestar atenção na conversa e tentar entender o que ele
achava que estava fazendo. Essas perguntas giravam na minha mente
quando uma presença nova e inesperada se aproximou.
Uma mulher deslumbrante, vestida de Viúva Negra com o traje
aclamado dos filmes, apareceu ao nosso lado. O couro brilhante da roupa
moldava seu corpo perfeitamente, e ela caminhava com uma confiança que
exalava poder. Sem sequer me notar, ela foi direto até Marcus, como se os
outros fossem irrelevantes.
— Marcus! — exclamou ela, sorrindo enquanto o cumprimentava
de forma exageradamente próxima, tocando seu braço com familiaridade.
Ela ignorava completamente Sam, Luís, Elisa e, claro, a mim. Era como se
o mundo inteiro tivesse desaparecido e só existisse Marcus. Meu estômago
revirou, e eu senti um incômodo imediato.
A mulher lançava olhares provocantes para ele, jogando charme de
uma maneira descarada, enquanto Marcus... sorria de volta. Aquele sorriso
despreocupado que ele costumava dirigir. Eu me virei lentamente para
Elisa, que apertava os lábios, tentando segurar uma risada, os olhos
brilhando de diversão. Elisa lançou um olhar arqueando as sobrancelhas
mal contendo a vontade de rir. Aparentemente, ela estava achando a
situação hilária, enquanto eu estava completamente desconcertada e...
talvez, apenas talvez, um pouco enciumada.
— Então, Marcus... — a mulher continuou, completamente alheia à
nossa presença, inclinando-se levemente em sua direção e jogando o cabelo
para o lado. — Você sumiu desde aquele evento beneficente. Pensei que não
iria mais te encontrar.
Marcus sorriu de volta, o sorriso fácil que ele sempre tinha, mas que
agora parecia me incomodar de uma maneira estranha. Ele parecia relaxado,
como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.
— Estive um pouco ocupado, Leslie — respondeu ele, os olhos
ainda fixos nos dela. — Mas bom te ver novamente.
"Leslie?!" Pensei, o nome ecoando na minha mente. Meu
desconforto virou uma pontada de ciúme, e Elisa, claro, notou. Ela cutucou
meu braço de leve, contendo um sorriso malicioso. Antes que eu pudesse
processar aquilo, Luís, o "Justiceiro", interrompeu com um aceno:
— Ah, Leslie Miller! Sempre roubando as atenções, não é?
Leslie virou-se brevemente, lançando um sorriso rápido para Luís.
— Você sabe como sou, Luís, mas quem pode me culpar? — ela
disse, dando uma risadinha e, logo em seguida, voltando-se para Marcus -
— Decidiu dessa vez se fantasiar então, Marcus... está belíssimo como
Ciclope — Ela se inclinou um pouco mais, seus olhos brilhando com um
misto de admiração e malícia. Marcus deu uma risada baixa, o que só
piorou a situação.
— Obrigado, Leslie — respondeu ele, casualmente, como se não
estivesse completamente alheio ao impacto que isso estava tendo em mim.
Eu podia sentir meu rosto ficando cada vez mais quente. O jeito
como ela o encarava, como se o resto do mundo desaparecesse, me irritava.
Era impossível não notar o charme que ela jogava para cima dele, e pior
ainda, como ele parecia gostar disso.
Leslie, aparentemente não satisfeita em apenas flertar, decidiu dar o
próximo passo.
— Na verdade, Marcus, eu estava pensando... — Ela fez uma
pausa, mordendo levemente o lábio, como se estivesse ponderando algo
importante. — Preciso de algumas dicas financeiras suas. Sabe como é,
algumas decisões que estou prestes a tomar, e confio muito na sua opinião.
Talvez a gente possa conversar mais... reservadamente? — Ela lançou um
olhar sugestivo, antes de continuar: — A área externa parece perfeita pra
isso, e acho que você não se importaria de me dar uns minutinhos, não é?
Eu quase engasguei com o ar. Era óbvio o que ela realmente queria.
Meu estômago deu um nó, e eu lutei para manter a compostura. Do meu
lado, Elisa estava apertando os lábios com força, tentando conter uma
risada.
Marcus, por sua vez, manteve aquele sorriso de sempre, mas
hesitou um pouco antes de responder.
— Bom, Leslie... eu até te concederia minha atenção, mas eu tenho
que subir ao palco daqui a pouco.
Eu estava prestes a inventar alguma desculpa esfarrapada para sair
dali antes que explodisse de raiva, quando, do nada, Elisa "tropeçava" de
repente, derrubando todo o champanhe que segurava diretamente sobre
Leslie
— Ai, meu Deus! — exclamou Elisa.
O líquido dourado escorreu pelo traje apertado de Viúva Negra de
Leslie, e o olhar de choque em seu rosto foi simplesmente impagável. Eu
tive que morder o lábio para não gargalhar, enquanto Elisa tentava parecer o
mais inocente possível, com as mãos levantadas em rendição.
— Ai, desculpa, Leslie! Foi completamente sem querer! — disse
Elisa, em um tom que era obviamente falso, mas com uma expressão tão
convincente que quase acreditei por um segundo.
Leslie, ainda atônita e visivelmente furiosa, tentou se recompor.
— Não... não tem problema... — murmurou, claramente irritada
enquanto olhava para o estrago no traje caro.
Eu tive que virar o rosto para disfarçar o riso que estava a ponto de
escapar. Marcus, por sua vez, parecia estar tentando conter um sorriso
também, embora sem muito sucesso.
— Aqui, acho que esses guardanapos ajudam — ele disse,
entregando a ela alguns guardanapos que pegou da mesa ainda tentando ser
educado, mas com um brilho divertido nos olhos. Elisa me lançou um olhar
rápido, cheia de satisfação, enquanto Leslie se afastava apressadamente
para se limpar.
Eu ainda estava rindo com Elisa, tentando disfarçar o quanto havia
adorado o desastre que ela tinha causado com Leslie, quando outra mulher
apareceu à nossa frente. Ela estava vestida de Emma Frost, e, honestamente,
eu nunca tinha visto um traje tão provocante assim em toda minha vida. O
espartilho branco apertado, as botas altas e a capa, tudo perfeitamente
ajustado ao corpo dela, destacava cada curva como se ela fosse a própria
personagem dos quadrinhos. Quase tive que desviar os olhos. Elisa parou de
rir no mesmo instante e lançou um olhar de "lá vamos nós de novo".
— Marcus... — ela disse com uma voz doce e perigosa ao mesmo
tempo, inclinando a cabeça e lançando um sorriso que poderia derreter
qualquer um. — Eu estava te procurando a noite toda.
Eu rolei os olhos tão forte que quase senti uma fisgada na testa. Mas
antes que eu pudesse me irritar demais, olhei para Elisa e balancei a cabeça,
já sem paciência.
Elisa, claro, não perdeu a oportunidade. Sussurrou para mim de
forma quase imperceptível, mal segurando o riso:
— O que eu te falei? — A frase carregava aquele tom de “eu
avisei”, insinuando exatamente o que eu já sabia: as mulheres pareciam
gravitarem ao redor de Marcus como moscas no mel.
— Incrível — murmurei de volta, tentando não transparecer o
ciúme óbvio. Mas era difícil. A mulher, agora claramente envolta na
atenção de Marcus, não parecia sequer notar que havia mais gente ao redor.
Com as mãos cheias de doces, caminhei rapidamente em direção à
mesa, sentindo o peso do incômodo crescendo no meu peito. Megan estava
sentada lá, com um olhar distante, como se estivesse imersa em
pensamentos. Sem pensar muito, praticamente joguei os doces na mesa,
com uma força desnecessária que, se não entregava meu estado de espírito,
ao menos deveria ter chamado atenção.
E, naquele momento, eu podia sentir o calor subindo pelas minhas
bochechas. O pior de tudo era saber que Marcus não tinha feito
absolutamente nada de errado. Não era culpa dele que mulheres apareciam
do nada, se jogando em cima dele, como se ele fosse algum tipo de prêmio.
Ainda assim, não conseguia afastar aquela sensação irritante de desconforto
e insegurança. Respirei fundo, tentando me acalmar. Sentir isso era ridículo.
Olhei para Megan, que agora observava os doces espalhados sobre
a mesa com uma sobrancelha arqueada, como se estivesse tentando decifrar
o motivo da minha súbita falta de coordenação.
— Estava com pressa? — ela perguntou, meio surpresa.
— Só um pouco — murmurei, forçando um sorriso. Mas, na
verdade, eu estava à beira de um ataque de nervos.
A cena de minutos atrás continuava a rodar na minha cabeça, como
um filme ruim repetindo sem parar. Tentei afastar aqueles pensamentos,
mas era impossível. Meus dedos tamborilavam impacientemente na borda
da mesa, e eu estava a um segundo de levantar e sair dali, só para espairecer
e talvez, com sorte, encontrar um pouco de paz.
— Está tudo bem? — perguntou Megan, franzindo o cenho,
claramente notando que algo estava errado.
— Está. Só... — soltei um suspiro, precisando de uma desculpa
rápida. — Não achei um sabor de macarons que eu encomendei. — Menti.
Não era uma mentira convincente, mas foi o que consegui pensar no
momento.
Ela me lançou um olhar de descrença, mas não insistiu. Olhei para
Megan, considerando se deveria perguntar se ela queria ir embora. O leilão
ainda estava em andamento e, pelo que pude entender, faltavam uns três
itens para serem leiloados. Revirei os olhos, me perguntando por que ainda
estava ali. Tudo estava me deixando desconfortável, e a ideia de
desaparecer sem que ninguém notasse era cada vez mais atraente.
— Megan, você vai embora de táxi? — perguntei, tentando soar
casual, mas minha voz traía a urgência que eu sentia.
— Não, vou com o Tom. Ele não bebeu nada — respondeu Megan,
sua voz soando distante, mas objetiva. Ela então olhou para mim, parecendo
um pouco mais atenta ao meu estado. — Por quê? Está pensando em ir
embora?
— Talvez — respondi, dando de ombros, fingindo que aquilo não
me afetava tanto quanto afetava.
Megan arqueou as sobrancelhas, mas não questionou mais. Senti
um alívio momentâneo, mas a verdade é que tudo dentro de mim estava
inquieto, e sair dali era a única coisa que fazia sentido. Eu peguei um dos
doces da mesa e levei-o à boca, mastigando com uma certa fúria enquanto
tentava, sem sucesso, me distrair com o sabor. Mas o gosto adocicado não
estava ajudando em nada. Eu devorava os doces com uma vontade quase
desesperada, meus olhos fixos na cena diante de mim: Elisa conversando
animadamente com os dois homens de antes, e Marcus... bem, ele estava
envolvido em outra conversa. E, claro, aquela mulher estava ao seu lado,
como se fosse um pingente grudado nele.
Meu desconforto só aumentava conforme ela ria de algo que ele
dizia, claramente se esforçando para mantê-lo interessado, mas ele parecia
dividir sua atenção entre os homens e ela. Eu continuava a enfiar os doces
na boca, cada vez mais incomodada. "Por que ela não vai conversar com
outra pessoa?" pensei, sentindo uma pontada de ciúmes. Marcus estava
cercado de gente, mas minha mente só conseguia focar na presença
incômoda da mulher que parecia não desgrudar dele. O leilão continuava ao
fundo, os lances cada vez mais altos, mas tudo aquilo parecia distante
demais para captar minha atenção.
De repente, Margot apareceu ao meu lado, me tirando bruscamente
dos meus pensamentos. Ela sorriu com aquele ar acolhedor de sempre,
como se pudesse sentir o turbilhão de emoções dentro de mim. Vestida de
Tempestade, seus cabelos grisalhos curtos estavam impecáveis. Ela se
sentou ao meu lado.
— Alice, que olhar é esse? — perguntou ela, observando-me com
uma expressão curiosa.
— Nada não — respondi, enfiando um doce inteiro na boca,
aproveitando a desculpa para evitar uma resposta mais elaborada.
— O que ele fez?
— Ele? Ele quem? — perguntei, tentando disfarçar minha surpresa
enquanto engolia o doce rapidamente para não falar de boca cheia. Ela riu
baixinho, como se já soubesse exatamente a resposta
— Marcus.
— Ah... é tão nítido assim? — admiti, soltando um suspiro
resignado.
— Sim — respondeu ela, sorrindo de leve —, mas queria te dizer
para dar uma folga a ele, caso ele cometa erros... você é a primeira.
Suas palavras me pegaram de surpresa, e eu franzi o cenho,
tentando absorver o que ela acabara de dizer.
— Então é mesmo verdade... ele nunca? — perguntei, ainda incerta.
— Namorou? Nunca. Ele focou tanto em trabalhar que hoje vemos
os resultados, nem se deu ao trabalho de se preocupar com relacionamentos
— ela explicou, enquanto alisava meu braço com um gesto maternal. — Sei
que é estranho ouvir isso de mim, porque sou a mãe dele, mas não veja
assim. Se sua mãe estivesse aqui, ela falaria o mesmo para ele.
— Duvido que falaria — retruquei, soltando uma risada irônica.
Margot riu suavemente junto comigo, como se entendesse
exatamente o que eu queria dizer. Por mais que ela tentasse apaziguar as
tempestades que se formavam na minha mente, a verdade era que eu não
queria ficar ali mais um minuto sequer. Meus dedos dos pés já estavam
latejando dentro das botas apertadas, e a peruca, que até então era uma parte
divertida do traje, começava a me irritar, fazendo minha cabeça coçar
insuportavelmente.
— Eu acho que vou para casa — falei, tentando disfarçar o
desconforto em minha voz. Margot me olhou com uma mistura de
compreensão e surpresa, como se estivesse tentando decifrar o que estava
realmente se passando dentro de mim.
— Tudo bem, Alice. Não quer esperar que Marcus te leve? — ela
perguntou, lançando um olhar sugestivo.
— Não, estou bem.
Levantei-me, joguei um beijo no ar para Megan, que estava no auge
de uma conversa animada com a mesa ao lado, exclamando alto sobre como
eles "cagavam dinheiro" nesse leilão. Ela se virou, com um grande sorriso,
e acenou para mim.
— Vai com Deus, Alice! A gente se vê na segunda! — gritou ela,
fazendo várias cabeças se virarem na nossa direção.
Peguei minha bolsa e saí dali sem olhar para trás, torcendo para que
o ar fresco da noite dissipasse a confusão que dominava minha mente. O
prédio tinha um elevador, mas a impaciência me dominou, e resolvi descer
as escadas. Desci com uma rapidez quase surreal, como se estivesse
flutuando pelos degraus. Meu coração batia tão rápido quanto meus pés
tocavam cada degrau, e quando finalmente cheguei ao térreo, parei por um
momento, tentando recuperar o fôlego. A corrida foi frenética, e tudo o que
eu queria era ir embora, voltar para a minha cama.
Mas, ao me aproximar da saída do prédio, senti uma mão agarrar
meu braço. O toque era firme, mas não agressivo, e quando olhei para meu
braço e depois para cima. Era Marcus.
Ele parecia preocupado, seu rosto assumindo uma expressão séria.
— Por que você já está indo embora?
— Como você conseguiu notar? Parecia ocupado demais
conversando.
Marcus franziu a testa, visivelmente confuso com minha resposta.
Ele segurou meus ombros, me obrigando a encará-lo.
— Por que você, em vez de responder minhas perguntas, sempre
vem com outras? — ele perguntou.
Eu não respondi. Fiquei calada, apenas suspirando, tentando manter
a compostura. Marcus balançou a cabeça, como se tentasse me decifrar, mas
não encontrasse respostas. Então, sem mais palavras, ele segurou meu braço
com firmeza.
— Vou te levar para casa — declarou, sua voz firme e sem espaço
para discussões.
Quando abri a boca para protestar ou recusar sua oferta, ele se virou
rapidamente e, sem aviso, selou meus lábios com os dele, me
surpreendendo com um beijo. Foi um beijo cheio de intensidade, e por um
momento, toda a raiva e confusão se dissiparam, deixando apenas a
sensação avassaladora daquele instante. Quando ele finalmente se afastou,
os olhos dele estavam fixos nos meus, cheios de determinação. Antes que
eu pudesse dizer qualquer coisa, Marcus me pegou no colo, sem esforço
algum, e começou a caminhar. Eu levei alguns segundos para processar o
que estava acontecendo, até balbuciar, constrangida:
— Marcus! As pessoas vão nos ver!
Ele apenas riu, me ajeitando nos ombros como se eu não pesasse
nada, e respondeu com uma calma exasperante:
— Pouco me importa quem vai nos ver. Você é teimosa demais,
Alice. E se não for assim, não vai me escutar.
Ele começou a caminhar em direção ao carro, eu estava tão surpresa
com ele me carregando nos ombros, chegava a ser até engraçado. Quando
chegamos perto do carro. Ele me colocou no chão, tentei abrir a porta do
carona, mas Marcus me impediu, insistindo em abrir para mim. Ele até
colocou o cinto de segurança, um gesto que me fez revirar os olhos.
— Você está sendo ridículo — comentei. Mas ele apenas ignorou,
deu a volta no carro e entrou se acomodando no banco do motorista.
Enquanto ele engatava a marcha ré e começava a dirigir.
Fiquei em silêncio, olhando pela janela enquanto Marcus dirigia.
De vez em quando, percebia o olhar dele de canto, como se esperasse que
eu dissesse alguma coisa, mas me mantive firme. Lutava contra aquela
irritante sensação que me consumia, o calor do ciúme crescendo dentro de
mim, mas que eu me recusava a admitir. Era besteira, claro. Ele
provavelmente se vangloriaria se soubesse o que eu estava sentindo, e isso
era a última coisa que eu permitiria. A paisagem passava rapidamente, mas
tudo o que eu conseguia focar era na confusão de pensamentos que girava
na minha cabeça. Cruzei os braços, tentando respirar fundo, manter a calma,
mas as palavras estavam na ponta da minha língua. Queria explodir, queria
perguntar sobre a mulher, sobre o jeito atencioso demais que ele tinha
sido…, mas não. Não daria a ele essa satisfação.
Às vezes, ele lançava um olhar rápido na minha direção, e eu sabia
que ele estava esperando algum tipo de reação. Não era ciúmes, repetia
mentalmente, como se pudesse me convencer. Era só uma reação exagerada
à situação. Eu não iria dar o braço a torcer. O silêncio no carro parecia mais
pesado a cada segundo, e eu continuei fingindo que estava tudo bem.
— Pare de franzir a sobrancelha, o que está te incomodando?
— Nada. — respondi seca, ainda olhando pela janela. Não podia
encará-lo, sabia que, se o fizesse, ele veria tudo nos meus olhos, e eu não
queria dar essa satisfação. Ele permaneceu quieto por alguns segundos, mas
eu sentia que ele não ia desistir tão fácil.
— Não parece "nada" pra mim. Você está assim desde que saímos
da festa. — Ele continuava dirigindo calmamente, mas a persistência em
sua voz me irritava.
Soltei um suspiro irritado, percebendo que não adiantaria continuar
nesse jogo de negação. Eu sabia que ele ia continuar pressionando até
conseguir arrancar de mim.
— Se quer saber tanto assim... — virei o rosto para ele, finalmente
o encarando, com as palavras prontas para sair. — Aquela mulher, Leslie ou
seja lá quem for... e tinha a outra também que eu nem me dei ao trabalho de
saber o nome, você estava praticamente cedendo aos encantos delas! — A
voz saiu mais alta do que eu pretendia. Eu odiava como soava vulnerável.
Marcus, ao invés de ficar sério ou preocupado, soltou uma risada
baixa, como se achasse aquilo tudo muito engraçado.
— Você está com ciúmes, Alice? — ele perguntou, rindo com
desdém, como se a ideia fosse ridícula.
— Claro que não! — protestei na hora, sentindo meu rosto queimar.
— Só é irritante, sabe? Ver como você fica todo... sei lá, atencioso com
essas mulheres.
— Atencioso? — Ele soltou outra risada, dessa vez mais
debochada, o que fez minha raiva subir de vez.
— Qual é a graça? Não vejo nada engraçado nisso, Marcus! Elas
praticamente se jogavam aos seus pés, implorando para você as levar para a
cama. — Suspirei com força, tentando manter o controle, enquanto ele me
olhava de lado com aquele maldito sorriso. A calma dele estava me levando
à loucura.
— Alice, elas são minhas clientes... — disse ele, dando de ombros
como se eu estivesse exagerando. — É só trabalho.
— Trabalho? — retruquei, minha voz carregada de sarcasmo. —
Pois então talvez eu devesse ligar para o Simon — acrescentei, cruzando os
braços com firmeza. — Aposto que ele adoraria me dar umas dicas
financeiras também.
O efeito foi imediato. Vi suas mãos apertarem o volante com mais
força, seus nós dos dedos ficando brancos. Mas ele se controlou, mantendo
a voz baixa e carregada de fúria contida.
— Por quê? — ele praticamente rosnou, sua mandíbula tensa.
— Porque eu preciso. — Dei de ombros, desdenhando, jogando
mais lenha na fogueira.
Ele me lançou um olhar afiado, como se estivesse a um passo de
explodir.
— Minha opinião sobre ele não mudou — ele retrucou entre dentes,
sem desviar os olhos da estrada.
Aquilo me fez perder a paciência de vez. Me virei no banco,
frustrada, tirei o cinto com um movimento brusco e me inclinei sobre ele,
desafiadora. Quando ele virou na Broadway, me aproximei de seu ouvido.
— Não mudou mesmo? — sussurrei, mordendo levemente sua
orelha, sentindo-o se retesar sob o toque.
Ele soltou um suspiro tenso, e sua voz saiu num tom rouco,
carregada de uma raiva quase palpável.
— Senta no banco, ou seremos presos — murmurou, sua voz à
beira do limite, como se estivesse a segundos de perder o controle por
completo.
— Você não manda em mim, Marcus... — respondi.
De repente, Marcus parou o carro bruscamente em uma rua deserta
e desconhecida. O barulho do motor silenciou, deixando o som da nossa
respiração ofegante ecoar pelo espaço apertado. Ele se virou para mim, os
olhos azuis brilhando, queimando com uma intensidade que me fez tremer
por dentro. Em um movimento ágil e possessivo, ele soltou o cinto de
segurança e, antes que eu pudesse reagir, me puxou para o seu colo, me
fazendo tropeçar sobre ele. Suas mãos firmes seguraram meu rosto, seus
dedos deslizando lentamente para afastar os cabelos da minha testa.
— Não mando mesmo em você? — ele sussurrou, o rosto a
milímetros do meu, sua respiração quente contra minha pele, cada palavra
me incendiando por dentro.
— Não... — minha voz saiu rouca, quase um suspiro, enquanto eu
umedecia meus lábios devagar, provocando-o de propósito. Meu corpo
reagia a cada toque, cada palavra. Marcus se ajeitou no banco do motorista,
tentando, sem sucesso, disfarçar o incômodo crescente entre nós.
— Não me provoque, Alice — ele avisou com a voz grave, os
lábios quase tocando os meus.
Olhei para ele, meu olhar se demorando nas linhas de sua fantasia
de couro preta e justa que realçava cada músculo de seu corpo. Ciclope
nunca pareceu tão irresistível. O pensamento me fez morder o lábio, um
desejo insuportável crescendo em mim. Eu estava louca para arrancar
aquela roupa dele. Na verdade, para tirar a minha também.
— Por que não? — sussurrei de volta, inclinando-me mais perto,
roçando minha boca de leve contra a dele. — Vai fazer o quê, Ciclope? Vai
me prender com aquele raio laser? — brinquei, deslizando uma mão por seu
peito, sentindo os músculos rígidos sob a fantasia.
Marcus riu, um som baixo e rouco, mas havia algo mais em sua
risada — uma tensão que estava prestes a se romper. Ele apertou minha
cintura, me segurando firme no colo dele.
— Cuidado... — ele murmurou, os olhos fixos nos meus, seu rosto
agora a milímetros do meu. — Você não sabe o que acontece quando eu
perco o controle. — Sua mão deslizou pela lateral do meu corpo, parando
no fecho da minha fantasia, provocando deliberadamente.
Meu coração disparou, e eu não conseguia mais manter a fachada.
Soltei um gemido baixo, incapaz de me segurar.
— Talvez seja exatamente isso que eu queira, Marcus — murmurei
contra os lábios dele, minha voz carregada de desejo. — Estou louca para
sair dessa fantasia...
— Eu posso te ajudar com isso... — A voz dele era baixa, quase um
rosnado, enquanto seus dedos brincavam com o zíper da minha fantasia,
provocando o bastante para me deixar ainda mais impaciente.
— Pode?
— Então, Alice... — ele sussurrou, seus olhos percorrendo meu
corpo de cima a baixo. — Vou ter que te mostrar quem manda aqui.
Seu olhar queimava, e por um segundo, achei que ele fosse agir. O
ar ao nosso redor parecia eletrizado, minha pele formigando à espera do
próximo movimento. Mas então, num gesto inesperado, Marcus respirou
fundo e, com um movimento rápido e decidido, me levantou e me colocou
de volta no banco do carona. O toque forte e firme de suas mãos
desapareceu tão rápido quanto veio, e a distância entre nós se abriu de
repente.
Eu pisquei, confusa, encarando-o. Ele se recostou no assento,
passando a mão pelos cabelos, claramente tentando se recompor, como se
estivesse lutando contra os próprios impulsos. O silêncio caiu entre nós,
denso e sufocante, minha respiração ainda acelerada, e minha mente
girando.
— Eu tenho que te levar para casa.
— Eu não quero... — comecei a dizer, minha voz falhando
enquanto eu tentava processar o que estava sentindo. — Não quero ir para
casa.
Marcus apenas assentiu, seu olhar firme e enigmático. Ele não disse
mais nada, mantendo um silêncio que só aumentava minha confusão. Com
um leve sorriso que não alcançava seus olhos, ele deu partida no carro
novamente, e a condução pareceu mais lenta, quase pensativa.

Ao entrarmos no estacionamento subterrâneo, a iluminação fraca


das luzes nos pilares projetava sombras longas e misteriosas, criando um
clima quase cinematográfico. Marcus morava em um prédio de vinte e
cinco andares, e, ironicamente, seu apartamento ficava exatamente no
vigésimo quinto andar, a idade dele. Quando comentei sobre isso, ele
apenas riu de forma contida, mas percebi que estava ligeiramente nervoso.
Será que fui explícita demais ao insinuar que não queria ir para casa?
Talvez tenha deixado isso claro demais. Não havia motivo para eu estar
nervosa, mas ainda assim, sentia meu estômago revirar. Eu estava confiando
em Marcus, até demais, e agora, estava a caminho de seu apartamento.
Senti sua mão tocar a minha, e nossos olhares se encontraram. Por
um breve momento, um frio percorreu minha barriga, uma mistura de medo
e antecipação. Tinha medo de perder minha dignidade esta noite, e ainda
maior era o medo porque, no fundo, eu queria isso. O som do elevador nos
alertou que havíamos chegado ao andar dele. Ele saiu primeiro, ainda
segurando minha mão com firmeza, como se quisesse garantir que eu não
mudasse de ideia.
Em frente à entrada do apartamento, ele inseriu uma senha na tela
ao lado da porta, que se abriu automaticamente, revelando um ambiente que
exalava masculinidade e sofisticação. As paredes eram pintadas de um preto
fosco que contrastava perfeitamente com o brilho do chão de mármore. No
centro da sala, dois sofás de couro preto em formato de L criavam um
espaço acolhedor, complementado por uma mesa de centro de vidro. As
janelas iam do teto ao chão, oferecendo uma vista deslumbrante de todo o
Central Park. As luzes da cidade cintilavam ao longe, criando um cenário
digno de um filme. Fiquei maravilhada com a vista, sentindo-me atraída por
ela como se fosse um imã.
O espaço era decorado com uma simplicidade elegante. Uma lareira
moderna embutida no meio da sala acrescentava um toque aconchegante, e
o ambiente era iluminado suavemente por luminárias embutidas no teto e
uma série de luzes de chão estrategicamente posicionadas.
— Seu apartamento é incrível, amei essa cor preta — murmurei,
ainda absorvendo a beleza ao meu redor. Ele sorriu, claramente satisfeito
com minha reação.
— Obrigado. Você não é a única que gosta de preto — disse ele,
caminhando em direção à cozinha, que era tão impressionante quanto o
resto do apartamento, com armários pretos brilhantes e bancadas de
mármore. — Quer algo para beber? Água, vinho...?
— Só água, por favor. Minha boca está seca — respondi, ainda um
pouco atordoada pela situação e pela grandiosidade do apartamento.
Enquanto ele pegava a água, me aproximei das janelas, encantada com a
vista incrível.
— É realmente uma vista de tirar o fôlego — comentei, mais para
mim mesma do que para ele.
Ele se aproximou, entregando-me um copo de água, seu olhar fixo
em mim, como se tentasse decifrar meus pensamentos.
— Eu também acho — disse ele suavemente, seus olhos refletindo a
mesma admiração que eu sentia, mas talvez por algo mais do que apenas a
paisagem. — É um dos motivos pelos quais escolhi este lugar. Gosto de
acordar e ver o parque, especialmente nas primeiras horas da manhã. É
muito tranquilo.
A vista realmente proporcionava um tipo de paz, como se vê-la
todos os dias fosse o impulso necessário para começar bem o dia. Estar ali,
no apartamento dele, parecia surreal. Marcus estava sendo incrivelmente
atencioso, e eu não podia negar a química que havia entre nós. Mas também
estava ciente de que precisava manter os pés no chão. Olhei para ele e sorri.
— Parece mesmo... — Disse, tomando um gole da água. Mas
percebi que minha bexiga estava apertada. — Onde é o banheiro?
— Eu te mostro — ele respondeu, com um sorriso leve nos lábios, e
me guiou pelo apartamento.
Coloquei o copo sobre a mesa da sala no caminho e o segui.
Caminhamos por um corredor escuro, que se iluminava automaticamente
com luzes de LED brancas à medida que passávamos. As paredes negras
exibiam uma coleção impressionante de itens: bolas de basquete, camisas
autografadas e várias fotos de Marcus com figuras famosas do esporte.
Uma, em particular, chamou minha atenção: uma foto de Marcus, ainda
adolescente, ao lado de um homem grisalho e Michael Jordan. Ambos
estavam sorrindo.
— Você não parece ser alguém que gosta de esportes. — comentei,
surpresa em ver as fotos, mesmo sabendo que Elisa já havia me confirmado
o quanto ele gostava de esportes. Marcus riu, colocando-se ao meu lado.
— E você não parece ser alguém que gosta de livros... — retrucou,
com um sorriso travesso. Ri da resposta, sentindo a tensão se dissipar um
pouco. Ele me guiou até uma porta e, ao abri-la, me deparei com um quarto.
— O banheiro do seu quarto? — perguntei, confusa.
— Sim, por que não? — Ele deu de ombros, como se não houvesse
nada de extraordinário nisso.
— Nada, só... pensei que seria outro banheiro, não o do seu espaço
mais pessoal — admiti, sentindo meu rosto esquentar levemente. Ele riu.
O quarto era um reflexo do restante do apartamento: moderno,
sofisticado e predominantemente preto. A cama, com lençóis negros
impecáveis, era grande e convidativa, com duas luminárias de cabeceira
emitindo uma luz suave. O chão de mármore escuro brilhava discretamente.
Ao lado da cama, duas poltronas de couro preto estavam
estrategicamente posicionadas, voltadas para as enormes janelas do teto ao
chão, que ofereciam uma vista panorâmica de tirar o fôlego da cidade. Ao
fundo, uma lareira moderna, embutida na parede, exibia chamas dançantes,
criando uma atmosfera aconchegante e sofisticada. O preto era minha cor
favorita, e saber que era a sua também fazia com que nos sentíssemos ainda
mais conectados.
— O banheiro é ali — disse ele, apontando para uma porta ao lado.
— É pedir muito uma roupa emprestada? Quero muito tirar essa
fantasia... grudenta — fiz uma careta, tentando aliviar o clima. Ele sorriu,
mostrando um toque de divertimento.
— Claro, vou pegar algo para você. Já volto — respondeu, antes de
se dirigir para outro cômodo.
Agradeci e me dirigi ao banheiro. Mesmo com a sensação de
nervosismo e a estranheza de estar em um espaço tão íntimo dele, não pude
deixar de admirar o bom gosto e a atenção aos detalhes que Marcus
demonstrava em tudo. Quando finalmente consegui abrir a porta do
banheiro — claro, ela era de correr; como eu não pensei nisso antes? —,
fiquei momentaneamente encantada com o ambiente.
O banheiro era predominantemente escuro, com o chão de mármore
negro brilhando sob a suave iluminação embutida. A banheira moderna era
o centro das atenções, cercada por uma estrutura de vidro que a separava do
resto do cômodo. Havia uma pia dupla, montada em uma bancada de
madeira escura, com um grande espelho acima. O espaço do chuveiro
ficava ao fundo, também cercado por vidro.
Fiquei parada por alguns segundos, absorvendo a cena. Entrar
naquele apartamento parecia algo saído de um catálogo de design de
interiores para solteiros bem-sucedidos e, possivelmente, ligeiramente
megalomaníacos. Tudo era tão impecável e cuidadosamente projetado para
impressionar que eu quase podia ouvir as paredes sussurrando: "Bem-vindo
ao covil de um homem que nunca derramou um copo de suco de laranja."
Sorri, sacudindo a cabeça com a ironia da situação. Claro, Marcus era
exatamente o tipo de cara que teria um banheiro assim: elegante, moderno e
um tanto intimidador. Meu celular começou a vibrar na bolsa. Remexi
rapidamente até encontrar o aparelho e vi que era Elisa ligando.
Suspirei, preparando-me mentalmente para a enxurrada de
perguntas que certamente viriam.
— Oi, Elisa — atendi, tentando manter minha voz casual.
— Oi?! Onde você está? Você sumiu da festa sem nem dar tchau!
— Ela soava preocupada, mas havia um tom divertido em sua voz.
— Ah, eu... estava cansada. Precisava dormir — menti, tentando
desviar o assunto. — Ei, já acabou a festa?
— Quase... — Elisa fez uma pausa, e eu pude ouvi-la rir junto com
uma voz masculina ao fundo. — Tom levou Megan para casa, e pediu que
eu ficasse aqui ainda, mas... — Ela riu e murmurou um "para, para" para a
voz.
— Não creio, Gerente-sênior ou Vice-Presidente? — Perguntei,
tentando disfarçar a vontade de gargalhar diante da situação.
— A bolsa Gucci era edição limitada. Totalmente irresistível! —
Ela grunhiu em tom triste, mas dava para ver que estava sorrindo. A voz
masculina ao fundo ficou mais clara. Eu não conseguia acreditar.
— Elisa, você vai para a cama com um cara que acabou de
conhecer! — Falei, tentando não soar completamente chocada. Antes que
ela pudesse responder, Marcus entrou no banheiro com um conjunto de
roupas nas mãos. Ele sorriu ao me ver.
— Separei essa camisa e calça. Espero que sirvam. — Ele disse.
Eu segurava o telefone sobre a orelha, com os olhos arregalados.
Elisa, ainda na linha, exclamou:
— Não acredito nisso! O sujo falando do mal lavado, Alice!
— Eu preciso desligar. Falo com você amanhã, ok? — Corei
intensamente. E, sem esperar por uma resposta, encerrei a ligação, sentindo
meu rosto queimar de vergonha e uma pitada de divertimento. Marcus me
observava com uma expressão curiosa, levantando uma sobrancelha em
questionamento.
— Está tudo bem? — ele perguntou.
— Sim, era a Elisa... só queria saber se eu estava bem — respondi,
tentando controlar o impulso de rir da situação constrangedora.
Ainda segurando o telefone, continuei a observar Marcus enquanto
ele se aproximava com um sorriso suave e estendia um conjunto de roupas
para mim.
— Vou estar na sala, esperando — disse ele.
Assenti, mas não pude deixar de expressar minha preocupação ao
notar as enormes janelas transparentes que cercavam o banheiro.
— Elas... são transparentes — apontei, com uma expressão de
incerteza.
Marcus soltou uma risada leve, como se eu estivesse perdendo um
detalhe óbvio.
— Os vidros são fumês, ninguém pode ver de fora — explicou ele,
mas eu ainda estava cética.
Percebendo minha expressão desconfiada, ele estalou os dedos e, de
repente, cortinas desceram suavemente, cobrindo as janelas e me deixando
boquiaberta. Uma luz branca suave se acendeu, iluminando o espaço de
uma forma quase mágica.
— Agora você pode se trocar com total privacidade! — disse ele,
com um leve sorriso antes de se virar para sair.
Antes que ele pudesse fechar a porta, lembrei-me de uma última
coisa.
— Marcus, você poderia... abrir o zíper da minha fantasia? — pedi,
sentindo minhas bochechas queimarem.
Ele assentiu e eu coloquei o cabelo para o lado. Ele deslizou
suavemente o zíper para baixo, e o toque dos seus dedos na minha pele
enviou um arrepio por todo o meu corpo. Seu olhar encontrou o meu pelo
reflexo no espelho, e por um momento, parecia que o ar entre nós estava
carregado com um desejo mútuo. Seus olhos diziam mais do que qualquer
palavra poderia, e eu sabia que os meus refletiam o mesmo.
Ele tossiu, quebrando a tensão que pairava no ar.
— Precisa de mais alguma coisa? — perguntou ele, afastando-se.
Eu balancei a cabeça em negação, agradecendo com um sorriso
tímido antes de vê-lo sair e fechar a porta atrás de si. Suspirei
profundamente, retirando a peruca com um alívio discreto. Meus olhos
recaíram sobre as roupas que Marcus havia deixado para mim: uma blusa
preta e uma calça de moletom igualmente preta. As peças ficaram um pouco
largas, mas a calça tinha cordões que ajustei na cintura para que se
encaixasse melhor.
Depois de me vestir, me aproximei do espelho, ajeitando meu
cabelo para que ficasse mais apresentável. Quando me senti pronta, saí do
banheiro e caminhei pelo corredor, que era iluminado de forma suave,
criando uma atmosfera acolhedora. Ao entrar na sala, encontrei Marcus
sentado no sofá, agora vestindo uma camisa branca e uma bermuda e a
tonalidade de seus cabelos louros de volta. Provavelmente ele tomou um
banho. A lareira estava acesa, lançando uma luz cálida e dançante ao redor
da sala, e uma música baixa preenchia o ambiente—reconheci os acordes de
"Do I Wanna Know" dos Arctic Monkeys.
Rindo baixinho, me aproximei de Marcus, que levantou o olhar ao
me ver entrar. Seus olhos brilharam quando me viu usando suas roupas.
Sentei-me no sofá, mantendo uma certa distância dele. Havia algo
desconcertante em estar ali, na casa dele, vestindo suas roupas. Sentia-me
vulnerável de uma maneira que nunca havia experimentado antes. Marcus,
percebendo meu desconforto como se pudesse ler meus pensamentos,
quebrou o silêncio.
— Você sempre franze a testa assim quando está preocupada? —
Ele perguntou, seu tom suave, mas atento. — Sabe que pode perguntar o
que quiser, certo?
Seus olhos tinham uma profundidade que me fazia sentir que ele
sabia mais sobre mim do que eu mesma admitia. Sorri, ligeiramente
desconcertada, enquanto empurrava uma mecha de cabelo para o lado,
meus olhos fixos na lareira à frente.
— Você é bom em ler as pessoas, não é? — perguntei, tentando
esconder o nervosismo na minha voz.
— Está desconfortável? — Marcus perguntou, inclinando-se para a
frente, os cotovelos apoiados nas pernas, as mãos entrelaçadas como se
estivesse se preparando para me ouvir atentamente.
— Pareço?
— As perguntas... — Ele balançou a cabeça, um leve sorriso
brincando nos lábios.
— Um pouco — admiti, minha voz soando mais baixa do que eu
pretendia. Marcus me observava atentamente, como se estudasse cada
expressão minha, como se já soubesse a resposta antes mesmo de eu falar.
Ele apenas assentiu, encorajando-me a continuar.
— É que na verdade, meio que fui eu que disse que não queria ir
para casa... — Continuei evitando seus olhos, sentindo-me vulnerável
demais ao confessar aquilo.
Marcus riu, uma risada abafada que parecia quase reconfortante. A
música ambiente mudou para a familiar “Knockin’ On Heaven’s Door” do
Guns N’ Roses, preenchendo o espaço com uma melodia que parecia se
encaixar com o clima tenso entre nós.
— Sim, meio que implorou. — Ele riu novamente, o tom malicioso
na voz.
— Não mesmo! — exclamei.
Aproximei-me lentamente, movendo-me em direção a ele no sofá,
sentindo a necessidade de reduzir o espaço que parecia tão exagerado. O
ambiente estava quente, e a proximidade com Marcus estava se tornando
quase impossível de ignorar. Meu coração batia mais rápido a cada
movimento que fazia.
— Então, o que você quer, Alice? — Marcus perguntou, sua voz
suave, mas carregada de uma curiosidade inquieta.
— Eu... — hesitei, minhas palavras parecendo ficar presas na
garganta. Finalmente, com um gesto de coragem, me aproximei ainda mais,
sentindo o calor do corpo dele próximo ao meu. — Eu só quero entender... a
gente.
Ele se inclinou um pouco mais, seus olhos fixos nos meus, o sorriso
malicioso agora substituído por uma expressão mais séria. A proximidade
me fez sentir a intensidade de seus olhos, e eu quase pude ouvir o som do
seu coração batendo no mesmo ritmo acelerado que o meu.
— E se eu disser que também estou tentando entender? — Marcus
murmurou, a voz carregada de uma sinceridade que eu não esperava.
A música continuava a tocar ao fundo, e a sensação de estar tão
perto dele, de sentir o calor e a tensão, estava se tornando quase
insuportável. Eu estava tão próxima agora que podia sentir a leveza de sua
respiração.
— Então... — sussurrei, meus lábios quase tocando os dele. — O
que faremos com isso?
Marcus inclinou-se um pouco, os olhos ainda presos nos meus, mas
sua expressão mudou, assumindo um tom mais sério.
— Na realidade, me pergunto por que não te conheci antes... —
disse ele, sua voz baixa, mas cheia de curiosidade. — Fico imaginando
como teria sido. Aquela declaração me pegou de surpresa. Não esperava
essa sinceridade vinda dele, especialmente em um momento tão carregado
de tensão.
— Sabe... sempre me perguntam isso, já que nossas famílias são tão
próximas. — Eu disse soltando um pequeno suspiro.
— Poise, eu fui crescendo, me isolei da família. Não saía muito do
meu quarto. Focava nos estudos. Eu era um nerd absoluto. Só fui participar
de eventos depois que sai da faculdade e assumi a SayCompany.
— Faz sentido, virou um mago do mercado financeiro. — brinquei,
tentando aliviar o clima, mas percebi que ele não sorriu de volta. Sua
expressão estava distante, como se estivesse sendo levado por alguma
memória.
— Marcus? — chamei-o suavemente, querendo trazê-lo de volta ao
presente. Ele franziu a testa, seus olhos perdidos, mas ao ouvir meu
chamado, finalmente me olhou novamente.
— Sim? — respondeu, sua voz levemente hesitante.
— Não era isso que você queria, não é? — perguntei, a minha voz
diminuindo enquanto tentava alcançar algo mais profundo que ele estava
escondendo. Havia uma melancolia no ar que eu não conseguia ignorar.
Ele desviou o olhar de mim, fixando-o no corredor ao lado, onde
estavam troféus, fotos e medalhas, todas lembranças de um passado que
parecia tão distante para ele agora.
— Meu sonho era ser jogador de basquete — murmurou, a voz um
pouco mais baixa, quase um sussurro. — Eu estava bem encaminhado para
isso... até que meu pai decidiu que eu deveria assumir os negócios da
família.
As palavras dele me chocaram, e por um momento, fiquei em
silêncio, processando o que ele acabara de dizer.
— Então você poderia ter sido um jogador profissional?
Respirei fundo, absorvendo o peso de suas palavras, que revelavam
uma parte de Marcus que eu ainda não conhecia. Ele parecia reviver a
decisão que mudara o rumo de sua vida, e, por um momento, o vi como
alguém que havia sacrificado muito mais do que deixava transparecer.
— Sim, havia uma chance real — ele começou. — Mas meu pai
queria que eu assumisse a empresa, especialmente quando ficou doente. Eu
senti que não tinha escolha. — Sua voz falhou ligeiramente, e ele engoliu
em seco antes de continuar. — Precisava abandonar o meu sonho e seguir
com o que eles já haviam construído. Fiz o que era necessário para minha
família.
Olhei para ele, deixando que essa nova faceta de sua vida se
assentasse em minha mente. O corredor de sua casa parecia ser um reflexo
silencioso desse sonho não realizado, como se cada detalhe ali guardasse
memórias de algo que poderia ter sido.
— E como você se sente com tudo isso? — perguntei suavemente,
tentando entender o que aquilo realmente significava para ele.
Marcus deu de ombros, mas a tristeza em seus olhos traía a
tranquilidade que ele tentava aparentar.
— Às vezes, é difícil — ele admitiu, olhando para um ponto
distante na sala. — Penso em como poderia ter sido. Mas, ao mesmo tempo,
sei que fiz algo maior do que eles haviam planejado. O sucesso da empresa
foi minha recompensa pelo sacrifício.
Me aproximei, sentindo a necessidade de confortá-lo de alguma
forma. Coloquei minha mão sobre a dele, apertando levemente.
— Você construiu algo incrível, Marcus. Ainda mais com a sua
idade. Poucos teriam conseguido o que você fez.
Ele olhou para mim, surpreso com minhas palavras, e um sorriso
genuíno surgiu em seu rosto.
— Obrigado, Alice. Um elogio assim, vindo de você, é uma
surpresa. — Ele riu, uma risada leve, que parecia ter sido contida por muito
tempo. Sorri e bati de leve em seu braço.
— Ei, eu sei ter compaixão, tá?
— Ah, sim...
Levantei-me do sofá, encarando-o com as mãos na cintura, confusa.
— O que é tão engraçado?
Perguntei, sentindo minha curiosidade crescer. Marcus se acalmou,
olhando para mim de pé à sua frente. Um sorriso travesso apareceu em seu
rosto enquanto ele respondia.
— É engraçado porque você sempre foi tão arrogante comigo.
Apesar de eu merecer elogios.
Senti meu rosto esquentar, e cruzei os braços.
— Você tem um ego enorme, sabia? Agora me arrependo de ter
elogiado.
Ele sorriu, provocador, seus olhos brilhando com diversão.
— Você não resistiu aos meus encantos.
Olhei para ele, incrédula.
— Quais encantos?
Sem aviso, Marcus se inclinou para frente. Antes que eu pudesse
reagir, Marcus fez um movimento rápido, segurando minhas pernas e me
puxando para o seu colo, me surpreendendo com a súbita proximidade.
Senti o calor de seu corpo contra o meu, e por um breve momento, tudo o
que eu conseguia ouvir era a batida acelerada do meu próprio coração.
— Esses encantos — ele sussurrou. Sua voz baixa e rouca.
Ele me segurava com firmeza, seu olhar fixo no meu. A posição era
íntima, e eu senti um misto de emoções. A proximidade repentina me fez
perder o fôlego por um instante. Antes que pudesse pensar duas vezes, me
inclinei para frente e o beijei. O beijo foi intenso. Nossas bocas se
encontraram com urgência, como se finalmente estivéssemos permitindo
que todos os sentimentos guardados viessem à tona. A sensação dos lábios
dele contra os meus era eletrizante. Quando nos separamos, ambos
ofegantes, Marcus sorriu, seu olhar fixo em mim enquanto suavemente
colocava uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
— Você ainda tem alguma pergunta?
Ele perguntou, sua voz baixa e suave, quase como um sussurro.
Respirei fundo, tentando manter a compostura.
— Quais mulheres você trouxe ao seu apartamento?
As palavras escaparam antes que eu pudesse reconsiderar, o tom
mais direto do que eu pretendia. Eu sabia que ele tinha ficado apenas com
cinco mulheres, mas eu estava curiosa. Marcus riu, um som curto que saiu
pelo nariz, mas ao perceber que eu não estava rindo, sua expressão ficou
séria.
— Sério? Quer mesmo saber a verdade? — Ele me encarou.
— Sim... — respondi.
Afastei-me um pouco para poder estudar seu semblante, procurando
qualquer sinal que indicasse uma mentira.
— Duas.
A resposta veio firme, sem hesitação. Ele olhava diretamente nos
meus olhos, e ao ouvir isso, senti uma pontada de ciúmes me atravessar
como uma lâmina fria. Eu sabia que ele havia estado com poucas mulheres,
mas a ideia de alguém já ter deitado naquela cama com ele me incomodava
mais do que eu queria admitir.
— As que você conheceu no bar? — perguntei, tentando esconder a
insegurança que ameaçava transparecer na minha voz.
— Não...
Ele balançou a cabeça, e pude sentir meu rosto esquentar ainda
mais, o calor subindo pelo pescoço enquanto eu lutava para manter a calma.
Engoli em seco antes de perguntar, embora temesse a resposta.
— Então... quem?
— Minha mãe e minha irmã. — A simplicidade da resposta me
pegou desprevenida, dissipando o ciúme que me atormentava. Senti um
misto de alívio e vergonha por ter duvidado dele. Nossos olhares se
prenderam e Marcus segurou minha nuca com firmeza, puxando-me para
outro beijo. Nossas línguas se encontraram e nossos lábios se moviam em
uma sincronia perfeita, senti uma corrente elétrica atravessar meu corpo.
Minhas mãos subiram segurando seu rosto, senti a textura de sua barba rala
sob meus dedos. Enquanto isso, as mãos de Marcus começaram a explorar
minha cintura, deslizando por debaixo da camisa larga que eu vestia,
revelando a pele sensível de minha barriga. Seu toque era quase
insuportavelmente excitante, provocando arrepios na minha parte de baixo.
Ele levantou minha camisa um pouco mais, e o contato de suas mãos
quentes contra minha pele nua enviou uma onda de desejo por meu corpo.
O beijo se intensificou, nossas respirações se tornando pesadas e
entrecortadas. O calor entre nós era palpável, e a cada segundo parecia mais
difícil de controlar.
No instante seguinte, me dei conta de que ele estava me inclinando
sobre o sofá. As mãos de Marcus se afastaram de minha cintura e
começaram a explorar minhas coxas, afastando minhas pernas para criar um
espaço onde ele pudesse se posicionar entre elas. Eu toquei os cabelos de
Marcus, meus dedos deslizando pelos fios desordenados. A sensação do
contato parecia intensificar ainda mais o calor entre nós. Com um suspiro
entrecortado, ele se afastou ligeiramente, os lábios ainda a poucos
milímetros dos meus.
— Se eu continuar... — Marcus disse, respirando profundamente,
como se tentasse recuperar o fôlego. — Não me responsabilizo pelos meus
atos.
Meu coração disparou com a ameaça implícita em suas palavras. Eu
sabia o que ele queria dizer, mas o desejo dentro de mim estava tão
descontrolado quanto o dele.
— O que você quer dizer com isso?
Ele inclinou a cabeça, seus olhos brilhando com uma intensidade
que parecia quase indomável. Pude ver que ele estava lutando para manter o
controle, mas o fogo em seus olhos era inegável.
— Que... — Marcus pausou, sua respiração entrecortada enquanto
seu olhar parecia devorar cada parte do meu rosto. — Se eu não parar
agora, não vou conseguir parar depois.
A tensão entre nós era palpável, um fio invisível que nos unia e se
tornava mais forte a cada segundo. Eu me inclinei ainda mais perto,
sentindo a proximidade dos nossos corpos como uma chama que queimava
lentamente, mas com força.
— Então, faça... — murmurei, meus lábios quase tocando os dele, o
desejo vencendo qualquer vestígio de lógica. — Dessa vez não vou recuar.
Antes que eu pudesse processar o que eu mesma havia dito, Marcus
me ergueu em seus braços com uma facilidade que me deixou sem fôlego.
Ele começou a caminhar comigo pelo apartamento, seus lábios traçando um
caminho de beijos ardentes em meu pescoço, cada toque enviando ondas de
calor pelo meu corpo.
Quando percebi, já estávamos em seu quarto, e ele me deitou
gentilmente na cama. Eu respirei profundamente, percebendo que estava
prestes a ceder, e parte de mim não queria que esse momento acabasse.
Marcus me olhou, seus olhos percorrendo meu corpo com uma fome que eu
nunca havia visto antes. E naquele momento, soube que não havia mais
volta
Marcus fez um movimento ágil e, antes que eu pudesse processar,
sua camisa já estava no chão. A visão dele sem camisa me fez perder o
fôlego por um instante. O contorno definido de seu abdômen era uma
surpresa, e eu não pude evitar me perguntar como ele encontrava tempo
para malhar, considerando o quanto ele trabalhava.
Antes que eu pudesse me recompor, Marcus se inclinou sobre mim,
seu corpo pairando sobre o meu. Ele me beijou rapidamente, seus lábios
capturando os meus com urgência, e quando mordeu meu lábio inferior,
senti uma onda de calor que quase fez meu mundo girar. Ele colocou as
mãos nas laterais da minha camisa, afastando sua boca da minha por um
momento, como se estivesse buscando uma resposta em meus olhos, uma
permissão silenciosa para continuar.
Eu assenti, ainda respirando com dificuldade. Seus olhos brilharam
com um misto de desejo e carinho enquanto ele retirava minha camisa.
Fiquei consciente demais do meu corpo, especialmente quando percebi que
estava usando meu sutiã preto favorito. Uma onda de timidez me atingiu,
me fazendo corar levemente, mas qualquer traço de constrangimento
desapareceu quando Marcus abaixou o rosto, seus lábios encontrando
minha pele. Ele deslizou suavemente seus lábios pelo meu abdômen,
traçando uma linha de calor até a borda da minha calça.
Meu corpo reagiu de maneira que eu nunca havia experimentado
antes, e todo o meu ser se concentrou no toque de Marcus, cada movimento
dele me levando a um estado de sensibilidade que eu não sabia ser possível.
Eu o observei enquanto ele, com uma delicadeza inesperada, tirava
minha calça. Meu corpo se inclinou naturalmente, e ali estava eu, apenas de
sutiã e calcinha. Era isso. Eu estava me entregando completamente ao
homem que, em um passado não tão distante, eu odiava com todas as
minhas forças. E agora, aqui estava ele, fazendo meu estômago revirar de
uma forma que eu nunca havia sentido antes. Tão simples e, ao mesmo
tempo, tão avassalador.
Marcus se inclinou sobre mim, seus lábios encontrando meu queixo
com uma suavidade que contrastava com a urgência do momento. Ele
deslizou os beijos pelo meu pescoço, cada toque enviando ondas de
eletricidade pelo meu corpo. Quando seus lábios chegaram ao meu ouvido.
— Eu já volto. — Ele sussurrou, sua voz rouca me deixando ainda
mais ansiosa.
Fiquei ali, imóvel, observando enquanto ele se afastava e
desaparecia em um cômodo que eu sabia não ser o banheiro. Minhas mãos
estavam inquietas, e eu tentava controlar a respiração acelerada. Quando
Marcus voltou, a visão me deixou sem fôlego. Ele estava apenas de cueca –
e, claro, era preta. O contraste com sua pele era simplesmente espetacular,
cada músculo definido e evidente.
Meus olhos se fixaram nos pacotes de camisinha que ele segurava.
Dois foram colocados na mesa de cabeceira, e o terceiro ainda permanecia
em sua mão, enquanto ele mantinha aquele sorriso de canto que sempre me
desarmava. Minha mente, no entanto, estava a mil. O que eu faço agora?
Pensei, tentando parecer calma e sexy, mas por dentro me sentia como uma
adolescente inexperiente. Devo deitar? Sentar? Cobrir ou deixar tudo à
mostra? Lembrei da minha primeira vez, desastrosa e cheia de expectativas
frustradas. Eu não sabia o que esperar, o que fazer... e, sinceramente, nem o
que sentir. Essa é a segunda vez..., pensei, sentindo o nervosismo se instalar.
Eu me movi hesitante, decidindo por me sentar na cama, minhas mãos
seguravam o tecido do lençol com força, como se aquilo fosse me salvar do
caos de emoções que sentia. Será que Marcus percebe que eu estou
tremendo?
Antes que eu pudesse continuar no meu mini colapso mental,
Marcus se inclinou sobre a cama e se aproximou de mim, seus olhos
intensos focados nos meus, e o calor entre nós parecia ter voltado a encher o
quarto. Ele parou à minha frente, o silêncio se estendendo enquanto ele
mantinha aquela expressão provocadora, como se soubesse exatamente o
que se passava na minha cabeça. Eu não deveria estar assim, já passei por
isso antes! Só que... bem, a última vez foi tão rápida que... Minha mente
continuava divagando enquanto ele se inclinava sobre mim.
Marcus se abaixou, ficando no mesmo nível dos meus olhos, seu
rosto agora a centímetros do meu. Ele pegou o pacote de camisinha entre os
dedos, e antes que eu pudesse formular uma frase coerente, o rasgou com os
dentes, seus olhos nunca deixando os meus. O som do plástico sendo
rasgado parecia amplificar a tensão entre nós, e meu corpo inteiro se
arrepiou. Aquela cena – ele, de cueca preta, rasgando a camisinha com a
boca enquanto me olhava daquela forma – foi o suficiente para silenciar
qualquer pensamento que eu pudesse ter.
Acordei sentindo uma dor leve percorrer meu corpo, cada músculo
parecia reclamar do excesso de esforço. Me mexi na cama, o lençol
escorregando pela minha pele nua, e virei a cabeça para o lado. Marcus
dormia profundamente, de bruços, o rosto virado para o outro lado, os
músculos das costas visíveis até na penumbra do quarto. Eu sabia que
precisava levantar, meu corpo exigia uma ida ao banheiro.
Um sorriso de canto surgiu nos meus lábios enquanto me levantava,
e contornei a cama. Foi então que vi nossas roupas espalhadas pelo chão,
cada peça largada como se tivesse sido arrancada com pressa. Flashbacks da
noite vieram à minha mente, intensos, fazendo meu sorriso se alargar.
Ao entrar no banheiro, a luz suave iluminou o espelho, e a visão
refletida me surpreendeu. Manchas roxas marcavam minha pele, espalhadas
pelo peito e quadril, lembranças visíveis da intensidade que tinha sido a
noite. Toquei meus lábios, ainda inchados, sentindo o eco dos beijos que
trocamos. Foi a melhor noite de sexo da minha vida, sem sombra de dúvida.
Uma risada baixa escapou dos meus lábios ao lembrar que, tecnicamente,
havia sido mais de uma vez.
Notei que ainda era noite, a escuridão lá fora sendo quebrada
apenas pelas luzes da cidade que entravam pelas janelas, mas havia um céu
alaranjado se formando ao fundo. Depois de esvaziar a bexiga, voltei para o
quarto e fui recebida por uma visão que fez meu coração bater mais rápido.
Marcus estava sentado na cama, escorado na cabeceira, os braços dobrados
atrás da cabeça, me observando. Seu olhar era intenso, mas relaxado, como
se estivesse saboreando cada detalhe da cena. Ele não disse nada, mas um
sorriso começou a se formar em seus lábios.
Sorrio para Marcus, enquanto caminho lentamente até a cama. Vejo
o brilho de surpresa em seus olhos quando me sento sobre ele, meus joelhos
de cada lado de seu corpo. Ele não perde tempo e segura firmemente o meu
quadril, seus dedos pressionando minha pele nua.
— Como se chamam os tempos no basquete? — pergunto.
Marcus ri, aquela risada grave e gostosa que eu adoro ouvir.
— Se chamam quartos.
Inclino-me um pouco mais para perto, os nossos rostos a
centímetros de distância, sentindo a respiração dele contra a minha pele.
— Que tal um terceiro quarto? — sussurro, olhando diretamente em
seus olhos.
De repente, sem nenhum aviso, Marcus se moveu, virando-me com
um gesto rápido e decidido. Em um segundo, eu estava de costas para a
cama, sentindo o colchão macio ceder sob o peso do meu corpo. Ele não
hesitou, seus lábios encontraram os meus com urgência.
Acordei lentamente, sentindo um leve incômodo na cabeça, como
se meus pensamentos ainda estivessem se recompondo. O quarto estava em
penumbra, iluminado apenas pela luz suave que atravessava as cortinas
pesadas. Olhei para o lado e notei que a cama estava vazia; Marcus não
estava lá. Me sentei e vi que minhas roupas, antes espalhadas pelo chão,
agora estavam dobradas cuidadosamente sobre a poltrona de couro no canto
do quarto. Me levantei e coloquei-as rapidamente, sentindo a textura macia
do tecido contra a pele. Afastei um pouco a cortina, revelando a vista do
Central Park à luz do dia. Era ainda mais deslumbrante do que eu
imaginava.
Enquanto absorvia a paisagem, ouvi o som familiar de um estalar de
dedos, e a cortina se abriu completamente, deixando a luz inundar o
ambiente. Surpresa, virei-me e encontrei Marcus escorado casualmente na
batente da porta, segurando uma xícara de café. Ele estava apenas de
bermuda, sem camisa, e meus olhos foram imediatamente atraídos para seu
peitoral. Os músculos definidos de seu peito eram hipnotizantes. Cada
curva de seu abdômen bem definido parecia esculpida com precisão, e a
visão de seus braços fortes e ligeiramente contraídos fez meu coração
acelerar. Senti minha respiração falhar por um instante, enquanto meus
olhos percorriam cada detalhe, desde os ombros largos até os contornos do
peitoral, que se movia suavemente a cada respiração. Ergui os olhos e
nossos olhares se encontraram, o seu olhar era tão intenso quanto a primeira
vez que o vi. Um sorriso de canto se formou em seus lábios.
— Dormiu bem? — ele perguntou, a voz rouca e suave, como se
soubesse exatamente o que eu estava pensando.
Senti minhas bochechas esquentarem e desviei o olhar para a xícara
de café que ele segurava, tentando esconder os meus pensamentos.
— Melhor do que esperava... — murmurei, um tanto embaraçada,
mas não pude evitar devolver o sorriso.
Ele se aproximou, os passos leves sobre o chão de mármore, e me
estendeu a xícara.
— Café?
Ofereceu, a voz carregada de uma tranquilidade que quase me fez
esquecer do desconforto inicial. Aceitei a xícara, nossos dedos se tocando
brevemente, e não pude deixar de reparar em como ele parecia estar à
vontade, como se aquela cena fosse a coisa mais natural do mundo.
Tomando um gole do café, senti o calor me reconfortar, tanto quanto a
presença de Marcus.
— Eu vou ao banheiro. — Eu disse, entregando a xicara a ele.
Marcus assentiu.
— Estarei na cozinha — ele disse, me dando um beijo rápido na
testa.
Ele saiu pela porta do quarto, mas antes de ir, deu uma última
olhada para trás, enquanto eu ainda estava com os pés colados ao chão.
Entrei no banheiro e fechei a porta atrás de mim, deixando escapar
um suspiro enquanto encostava as mãos na pia. A vergonha ainda me
queimava por dentro, e eu precisava de um momento para me recompor.
Abri a torneira e deixei a água fria correr entre meus dedos antes de lavar o
rosto rapidamente. O frescor ajudou a acalmar o turbilhão de pensamentos.
Levantei o rosto, encarando meu reflexo no espelho.
"Vamos lá, Alice, respira", pensei.
Fiz um coque solto com o próprio cabelo, um daqueles
improvisados, que ficam meio bagunçados, mas funcionam. Era o melhor
que eu conseguia no momento. Saí do banheiro e caminhei pelo corredor
em direção aos outros cômodos. O aroma de algo sendo preparado me
atraiu até a cozinha.
Lá estava Marcus, concentrado em virar um omelete na frigideira.
Ele me notou chegando mais perto e sorriu.
— Então, você cozinha? — perguntei, tentando soar casual, embora
ainda sentisse um leve nervosismo.
— Café da manhã, sim — ele respondeu, dando de ombros. — Mas
no resto... sou um desastre.
— Imagino... eu também não sou nenhuma chef, mas consigo me
virar.
Eu disse dando uma risada leve.
Marcus colocou o omelete no prato e, em seguida, virou-se para
colocar a frigideira na pia. Ele pegou um garfo e uma faca e os estendeu
para mim.
— Coma. Você precisa repor as energias — disse ele, com um
sorriso de canto que fez meu coração acelerar.
— Você também — retruquei, tentando manter a compostura, mas
sentindo o calor subir pelo meu rosto ao lembrar do que havíamos feito na
noite passada. Dei a volta no balcão, pegando o garfo e a faca de sua mão,
nossos dedos se tocando brevemente. Cortei um pedaço do omelete, que,
pela aparência, estava irresistível. Ao prová-lo, soltei um suspiro de
satisfação.
— Nossa, está incrível!
Exclamei, arregalando os olhos enquanto tapava a boca cheia com a
mão, sentindo o sabor delicioso se espalhar. Marcus sorriu, claramente
satisfeito com o elogio.
— Eu não sou só um gênio dos números. — disse ele, com um
toque de orgulho na voz.
— Estou vendo. Agora é a sua vez.
Levantei o garfo com um pedaço do omelete em direção a ele, e
Marcus, sem hesitar, abriu a boca para aceitar. A cena tinha um ar de
normalidade tão doce que quase me fazia esquecer dos nossos problemas.
Era como uma daquelas manhãs perfeitas dos romances que eu leio, onde
tudo parece simples e fácil.
— Quer mais café? — ele perguntou, com um sorriso enquanto
olhava para a cafeteira industrial.
Eu assenti, animada com a perspectiva do meu café expresso
favorito. Marcus pegou a xícara e a posicionou sobre a cafeteira, preparou o
pó de café moído e colocou na máquina. Logo, o líquido escuro começou a
sair e o aroma envolvente começou a preencher a cozinha. Ele então me
entregou a xícara com um sorriso satisfeito.
— Sabe, já que a gente vai, digamos... — Eu hesitei, tentando
encontrar as palavras certas.
— Namorar? — ele completou, com um tom casual que me pegou
de surpresa. Que quase deixei a xícara cair.
— É... e eu ia dizer que adoro café expresso — respondi, tentando
recuperar a compostura.
— Eu sei, eu li seu blog — disse ele, com um brilho de diversão
nos olho. Na hora, me engasguei com o café, que quase saiu pelo meu nariz.
Comecei a tossir descontroladamente, com a xícara balançando
perigosamente na minha mão. Marcus bateu levemente nas minhas costas.
— Está tudo bem? — ele perguntou, tentando não rir.
— Você... — consegui dizer entre tosses, — leu meu blog?
— Sim — ele respondeu, rindo. — Você escreve muito bem. Não
sei por que parou de atualizar.
Eu me surpreendi. Aquele blog não era apenas um espaço para
críticas literárias, era meu refúgio pessoal, onde eu desabafava sobre muitas
coisas.
— É que lá... tem...
— Muita informação — ele completou, com um sorriso de canto.
— E quanto você leu? — perguntei, curiosa e um pouco assustada.
— Tudo. Eu leio rápido. Na escola, me chamavam de "máquina";
eu tinha a leitura dinâmica mais rápida da turma.
— Jura? Mais do que Anne Jones? — perguntei, impressionada.
— Umas duas mil palavras por minuto... — ele respondeu, com um
tom de exagero.
— Marcus! — exclamei, incrédula, enquanto a surpresa ainda
estava estampada no meu rosto. Coloquei a xícara sobre o balcão da
cozinha e me apoiei nela, respirando fundo para recuperar a compostura.
Marcus segurou meus ombros, com um sorriso divertido no rosto.
— Do que está rindo? — perguntei, ainda um pouco atordoada.
— Você ficou assim só porque eu li seu blog?
— É a primeira vez que ouço que um homem leu o meu blog
Respondi, ainda tentando processar a situação.
— Ah, Alice, deve ter havido outros — ele disse com um sorriso
maroto. — Só você não sabe.
Nesse momento, o telefone dele começou a tocar no balcão da
cozinha. Dei um rápido olhar para o visor e vi que era Grace, sua secretária.
Marcus pegou o aparelho.
— Me dá um minuto, eu já volto.
Assenti, observando-o se afastar com o aparelho no ouvido. Olhei
ao redor da cozinha, suspirando novamente. Então, percebi: eu estava
namorando. Era isso? Meu primeiro namorado era o filho da melhor amiga
da minha mãe. Que coincidência incrível.
Quando Marcus voltou, eu estava curiosa para saber mais.
— Grace sabe que estou aqui? — perguntei, deslocando meu peso
de uma perna para a outra, sem conseguir me mexer muito do lugar.
Marcus sorriu, com um tom de leveza que contrastava com a minha
inquietação.
— Ela sabe de tudo sobre minha vida, Alice. Ela gerencia minha
agenda, meus compromissos... Ela sabe quem é você e que você está aqui.
Ele disse, com um brilho de sinceridade nos olhos, como se fosse
óbvio. Assenti, ainda tentando processar completamente essa informação.
Grace sabia. Claro que sabia. Eu deveria me sentir desconfortável, mas, de
alguma forma, a transparência de Marcus me acalmava. Ele não estava
escondendo nada, e isso significava mais do que eu queria admitir.
— Eu deveria ir para casa — murmurei, com um tom de hesitação.
— Come o resto do omelete e eu te levo — sugeriu Marcus,
aproximando-se e alisando suavemente meu ombro. — Está preocupada
com o que as pessoas vão pensar de nós agora?
— Um pouco — admiti, com um sorriso nervoso. — Afinal, eu
gostava quando ninguém me conhecia.
— Vai se acostumar com isso — ele disse com um tom
tranquilizador.
Marcus então segurou meu queixo com delicadeza e me deu um
beijo, me erguendo do chão e colocando-me suavemente sobre a bancada.
Nossas bocas se moviam em sincronia, criando um momento íntimo e cheio
de significado. Quando Marcus se afastou, foi apenas o suficiente para roçar
seus lábios sobre os meus, mantendo uma conexão suave.
— Eu preciso muito saber se você está confortável com isso — ele
disse, com uma expressão de preocupação genuína.
— Sobre namorarmos? — perguntei, buscando seu olhar.
— Sim, Alice. Está arrependida?
— Nem um pouco — respondi, com um sorriso sincero.
Eu já estava em casa, no meu quarto, ajeitando a bagunça que eu e
Elisa deixamos na noite anterior. Cada vez que pegava uma peça de roupa
ou reorganizava algo, não conseguia evitar suspirar ao lembrar de tudo o
que havia acontecido. Os beijos de Marcus, a forma como ele me envolvia
com seus braços... era tudo tão intenso e, ao mesmo tempo, tão novo. Essa
sensação de novidade, de algo desconhecido e empolgante, fazia meu
coração bater mais rápido. Eu nunca tinha sentido algo assim antes, uma
mistura de excitação e incerteza que me deixava em alerta, mas querendo
mais.
Ouvi a campainha tocar e desci apressada as escadas, sabendo que
era Elisa do lado de fora. Assim que abri a porta, a silhueta de Elisa surgiu
em meu campo de visão. Seu rosto estava iluminado por uma curiosidade
evidente.
— E aí, transou? — ela perguntou, enquanto entrava e colocou a
bolsa Gucci em cima do sofá e vindo em minha direção, segurando meus
ombros com uma expressão ansiosa.
— Eu? — Ela me analisou de cima a baixo, como se procurasse
algum sinal de mentira. — Você está me assustando...
— Nada? Ele nem ao menos tentou?
Elisa passou a mão pelos cabelos, claramente frustrada. Eu não
consegui conter a gargalhada que estava prendendo e afirmei com a cabeça.
— Não creio! Ele é bom? Fala... — ela insistiu, com uma expressão
de expectativa.
— Nem ouse! — eu disse, tentando não rir. — Não vou falar nada,
e você não pode dizer nada sobre isso! Você se deliciou com o vice-
presidente só para ganhar aquela bolsa Gucci, não foi?
Elisa fez uma expressão de falsa indignação, mas seus olhos
brilhavam com diversão.
— Ei, não vamos tocar nesse assunto! E, além disso, eu só
aproveitei uma boa oportunidade! — ela respondeu, piscando para mim.
Nós duas rimos, e eu senti a tensão dos últimos dias se dissipar.
Elisa conseguia me arrancar boas risadas com seu humor aflorado, e eu
realmente precisava de uma distração. Não queria ficar pensando tanto em
Marcus e na noite passada.
— E aí, qual é o próximo passo?
Elisa perguntou, se sentando na cama e cruzando os braços, com um
olhar que misturava diversão e curiosidade. Eu me sentei ao lado dela,
tentando organizar meus pensamentos.
— Estamos juntos... — confessei, sentindo um leve tremor na voz.
Era estranho admitir isso em voz alta. Algumas horas atrás, eu nem
sabia o que pensar sobre tudo o que estava acontecendo. Não tinha a menor
ideia de que as coisas poderiam mudar tão rapidamente. Elisa ergueu uma
sobrancelha, o sorriso dela se alargando de um jeito malicioso.
— Quer dizer que você está namorando o bilionário mais
requisitado? — ela exclamou, com um brilho travesso nos olhos,
claramente se divertindo com a situação.
— Para...
— Ai, Alice, aproveita isso! Está na cara que ele é apaixonado por
você. Se não fosse, ele não teria me ligado perguntando sobre sua fantasia.
— Pois é, eu ainda não esqueci isso — eu disse, fuzilando-a com o
olhar, embora não conseguisse esconder um sorriso.
Enquanto conversávamos, minha mente começou a vagar. Marcus
havia ligado para Elisa só para descobrir qual seria a minha fantasia na festa
e se vestir de Ciclope. Esse gesto, tão inesperado, mexeu profundamente
comigo. A maneira como ele demonstrava cuidado e atenção foi o que me
fez me entregar a ele na noite passada. Havia uma profundidade nas ações
de Marcus que eu não podia ignorar, e isso criava uma conexão entre nós
que era tanto surpreendente quanto intensa.
Nós já havíamos discutido tanto sobre a festa da empresa que
parecia que não havia mais nenhum tópico a ser explorado. Elisa
mencionou que Megan tentou conseguir o número do homem vestido de
Colossus, e Tom teve que intervir porque o homem estava visivelmente
assustado com a insistência dela, que estava claramente alterada pelo
álcool. Nós rimos tanto dessa situação que chegamos a perder o fôlego.
A semana começou a todo vapor. Finalmente, eu estava mergulhada
em algo que realmente amava, o que me dava uma sensação incrível de
realização. Entre as idas e vindas de Ashley na minha nova sala—sim, eu
agora tinha uma nova sala—ela estava se tornando uma parte constante da
minha rotina. Era bom tê-la por perto, mesmo que, às vezes, suas visitas se
tornassem mais frequentes do que eu esperava.
Elisa também vinha até minha sala de vez em quando, e suas visitas
sempre traziam um leve toque de familiaridade e conforto. O ambiente ao
meu redor estava se tornando cada vez mais meu. A parede principal da
minha sala era uma imensa estante branca que ia do teto ao chão, repleta
dos livros que eu já tinha criticado e de outros que estavam organizados por
cores, esperando para serem lidos e analisados. Marcus havia feito questão
de cancelar seus compromissos para estar perto de mim, algo que ele deixou
claro na noite de sábado.
Ah, a noite de sábado... como eu poderia esquecer? Tantos eventos
e emoções em uma única noite. Eu ainda suspirava ao pensar em tudo o que
estava acontecendo entre nós. Era uma experiência nova e emocionante,
que me mantinha alerta e empolgada. Apesar de minhas frustrações com
mudanças e novos desafios, estar com Marcus exalava uma tranquilidade
que me fazia esquecer de todas as minhas preocupações.
Cada momento que passava com ele parecia ser um sopro de ar
fresco, uma pausa na rotina que eu tanto valorizava. Seu gesto de
reorganizar meu espaço e a maneira como ele fazia questão de estar
presente em minha vida eram provas de algo mais profundo e significativo.
O sentimento de estar ao seu lado me dava uma sensação de segurança e
bem-estar, algo que eu não sabia que precisava tanto. E isso, por mais novo
e inesperado que fosse, estava começando a se encaixar perfeitamente na
minha vida.
Eu estava no meu quarto, com um livro aberto. Tentando me
concentrar em um romance de comédia, que eu iria fazer uma crítica. Fui
prontamente interrompida pelo som de uma notificação no meu celular.
Peguei o telefone que estava ao meu lado na cama e vi que era uma
mensagem de Marcus.
“Oi, eu tenho um evento hoje e quero te levar, vou te buscar as
oito.”
Parei por um momento, olhando para a tela, enquanto um frio na
barriga me percorria.
Me ajeitei na cama e fiquei analisando cada palavra da mensagem.
Um evento... não parecia nada demais. Ou será que era? Marcus estava
acostumado a frequentar esses eventos repletos de pessoas importantes e
influentes. O que ele estava planejando? Fechei os olhos por um instante,
tentando processar o que isso significava. Se ele queria que fôssemos juntos
a um evento, talvez ele quisesse oficializar nosso relacionamento. Isso
significaria que todos iriam saber de mim, que eu deixaria de ser invisível
para o mundo que ele habitava.
Essa ideia me deixou nervosa. Estaria eu pronta para dar esse
passo?
Para deixar que todos soubessem sobre nós?
Levantei-me da cama e entrei no closet, fiquei encarando as opções
limitadas. Que evento era esse? Acima de tudo, o que mais me intrigava era
o fato de eu realmente querer ir. Queria estar perto dele, o que parecia
clichê, considerando que nos vimos pela manhã, mas já parecia que fazia
séculos.
Revirei minhas roupas, buscando algo adequado. O traje deveria ser
formal, e eu mal tinha opções que se encaixassem nessa descrição. Após
uma busca cuidadosa, finalmente encontrei um vestido preto que parecia
perfeito para a ocasião. Era um vestido clássico e elegante, com um toque
moderno. O design assimétrico, sem mangas, e o decote alto acentuavam
meu pescoço. A fenda alta na perna esquerda adicionava um ar de ousadia,
enquanto o tecido fluido abraçava minhas curvas de forma sofisticada.
Para completar o look, decidi deixar o cabelo solto, mas ajeitei
algumas mechas em ondas suaves. Escolhi também um par de brincos
discretos e uma bolsa de mão preta que tinha guardada e usado apenas uma
vez. Nos pés, coloquei uma sandália de salto que combinava perfeitamente.
A campainha tocou, e meu coração deu um salto. Desci as escadas
com uma mistura de ansiedade e excitação. Quando abri a porta, lá estava
ele. Assim que me viu, um brilho de prazer iluminou seus olhos. Marcus
estava deslumbrante em um terno preto elegante, com um colete ajustado e
sem gravata, a camisa branca destacando sua pele bronzeada. O tom
profundo do terno acentuava seus ombros largos e sua postura confiante.
Ele se aproximou com um sorriso e segurou minha mão, me
fazendo dar uma volta para admirar o vestido.
— Você está deslumbrante — disse ele, sua voz rouca carregada de
admiração.
Um sorriso de canto se formou em meu rosto, satisfeita com a
reação dele. Era bom saber que o esforço tinha valido a pena. Marcus
fechou a porta da frente, depois abriu a porta do carro para mim. Dessa vez,
reconheci a McLaren imediatamente. Assim que nos sentamos, ele se
inclinou para me dar um beijo, e a eletricidade daquele gesto percorreu meu
corpo. Quando ele se afastou, um sorriso satisfeito surgiu em seus lábios.
Enquanto me ajeitava para colocar o cinto de segurança, a fenda do
meu vestido se abriu, revelando minha perna nua. Percebi o olhar de
Marcus se fixando nela, e a intensidade de seu olhar fez meu coração
acelerar. Ele respirou fundo, segurando o volante com firmeza antes de dar
partida no carro.
— Vai ser difícil prestar atenção no evento com você vestida assim
ao meu lado — Marcus comentou, sua voz baixa, enquanto seus olhos me
percorriam.
Eu ri, um pouco tímida, tentando disfarçar o calor que subia pelo
meu rosto.
— Que evento é esse, afinal? — perguntei, querendo desviar a
atenção.
— É uma festa de um dos meus clientes. Você verá quando
chegarmos. É surpresa.
Enquanto ajustava uma mecha de cabelo que havia caído no meu
rosto, me peguei refletindo sobre a natureza desse evento. A forma como
Marcus mantinha o mistério era empolgante, mas também me deixava
ligeiramente apreensiva. Eu me perguntava se as pessoas no evento o
conheciam bem e, mais importante, se já o tinham visto com alguém. Isso
significava que ele estava pronto para me apresentar oficialmente, o que era
um passo significativo.
— Alice? — A voz de Marcus me tirou dos meus pensamentos, e
eu encontrei seu olhar, sempre atento a cada nuance das minhas reações. —
Quer perguntar alguma coisa?
Ele sempre sabia quando eu estava imersa em meus próprios
pensamentos, o que me deixava desconcertada. Engoli em seco, hesitando
por um momento antes de finalmente responder.
— Essas pessoas do evento... elas... vão te ver comigo. Você já quer
anunciar? — perguntei.
Marcus riu suavemente, seus olhos ainda fixos nos meus,
transmitindo aquela confiança tranquila que sempre conseguia me desarmar.
Ele tinha esse jeito de fazer tudo parecer simples, mesmo quando meu
mundo interno estava uma bagunça.
— Sim, por que não?
Senti meu rosto queimar, o calor subindo até minhas bochechas.
Marcus sabia exatamente como me intimidar, mas ao mesmo tempo, isso só
tornava a situação mais eletrizante.
— Mas assim... já? — insisti, tentando ganhar tempo, talvez na
esperança de que ele reconsiderasse ou, pelo menos, me desse algum sinal
de que entendia meu nervosismo. Ele me lançou um olhar firme, mas gentil,
antes de responder, sua voz calma como se estivesse discutindo o tempo.
— Alice, sou decidido no que eu quero, você deveria saber disso a
essa altura.
Eu suspirei, sabendo que ele estava certo. Marcus sempre foi direto,
e era uma das coisas que eu mais admirava e temia nele.
— Sim, eu sei bem — admiti, tentando manter meu tom casual. —
É que... eu não vou ser mais anônima.
— E isso não é só culpa minha — ele rebateu, com um leve sorriso.
— Você tem seu cargo novo na editora, relaxa. O que acha que pode
acontecer?
Mordi o interior da bochecha, hesitante em dizer o que realmente
estava me incomodando. Mas eu sabia que não podia esconder isso dele.
— As pessoas podem pensar que estou com você por interesse —
confessei, minha voz saindo mais baixa do que eu pretendia.
Marcus parou em um sinal vermelho e, sem hesitar, tocou minha
mão.
— Se você começar a pensar demais no que as pessoas dizem sobre
você, Alice, você não faz mais nada. — disse ele.
Enquanto ele voltava a olhar para a estrada, não pude deixar de
pensar no peso dessas palavras. Ele estava certo, claro. Eu só precisava
encontrar essa mesma confiança em mim mesma.
Chegamos a um prédio luxuoso, e Marcus me informou que a festa
estava acontecendo na cobertura. Ao sairmos do elevador e adentrarmos o
local, fiquei impressionada com a sofisticação do ambiente. A cobertura
tinha uma área externa com uma piscina iluminada, e vários convidados
circulavam ao redor, todos vestidos formalmente. O ar estava carregado
com conversas animadas e risos, mas foi a forma como todos pareciam
conhecer e admirar Marcus que realmente chamou minha atenção.
Cada pessoa que passava por nós cumprimentava Marcus com
familiaridade, como se ele fosse uma figura central naquele círculo social.
Elogios fluíam de todas as direções: “Você está incrível esta noite, Marcus”
e “Que mulher mais bela” eram comentários que eu ouvia repetidamente.
Era como se eu estivesse sendo avaliada através do prisma de sua
influência.
Enquanto tentava me movimentar no meio da multidão, senti uma
onda de timidez me envolver. Estava fora da minha zona de conforto, e toda
aquela atenção em Marcus – e, por consequência, em mim – me fazia sentir
deslocada. Tentava sorrir e parecer à altura das expectativas, mas o
nervosismo estava evidente. Meus olhos encontraram os dele, e Marcus
percebeu minha inquietação. Com nossas mãos entrelaçadas, ele apertou a
minha de leve e me encarou com um sorriso que parecia dizer que estava
tudo bem.
Quando ele parava para conversar com alguém, sua mão se
repousava em minha cintura, como se quisesse me ancorar em meio à
agitação ao nosso redor. A sensação do toque dele era reconfortante, e eu
não podia negar o quanto estava gostando daquela proximidade. Havia algo
tranquilizador na forma como ele me mantinha por perto, como se eu fosse
a única pessoa que realmente importava naquele mar de rostos
desconhecidos.
À medida que a festa continuava, comecei a notar algo peculiar
sobre Marcus. Ele não estava bebendo. Champanhe foi oferecido a ele
várias vezes, mas ele sempre recusava com um sorriso cortês. Minha
curiosidade foi crescendo, e finalmente me aproximei dele, sussurrando em
seu ouvido:
— Por que você não está bebendo? É alguma regra sua?
Marcus se inclinou, ajeitando um fio de cabelo atrás da minha
orelha, seu toque suave e íntimo.
— Eu só bebo essas coisas em casa. Não gosto de beber em eventos
assim. — sussurrou de volta.
Sua resposta me surpreendeu. Um pequeno riso escapou dos meus
lábios enquanto imaginava o que ele teria pensado se me visse na festa da
empresa, escorada no bar onde eu tinha bebido tanto whisky. Ele
provavelmente teria ficado apavorado, ou no mínimo perplexo.
— Então, a festa é para a inauguração deste prédio. O Sr. Lee é
dono de vários edifícios por Nova York.
Explicou Marcus, mudando completamente de assunto, enquanto
seu olhar voltava-se para o homem grisalho e acima do peso, que estava
rindo animadamente com um grupo de convidados.
Assenti, tentando processar a informação. Observava Marcus se
mover com uma naturalidade impressionante entre as pessoas, conversando
como se todos fossem velhos amigos. Alguns convidados ainda pediam
para tirar fotos com ele, e eu, automaticamente, me afastava, tentando me
esquivar dessas situações. No entanto, em algumas dessas fotos, Marcus
segurava firmemente minha cintura, me impedindo de sair, e eu me via
forçada a sorrir, embora de maneira um tanto artificial. Céus, espero nunca
ver essas fotos. Eu odiava minha aparência diante das câmeras.
Enquanto me via nesse ambiente que claramente não era o meu, era
impossível não admirar a forma como Marcus dominava o espaço. Ele não
era apenas uma parte desse mundo; ele comandava respeito e admiração,
algo que me fazia questionar, mais uma vez, se eu estava realmente pronta
para me envolver em algo assim, tão grande e tão diferente do meu próprio
universo.
Será que eu consigo lidar com tudo isso? Antes que eu pudesse
continuar a reflexão, o anfitrião da festa, Sr. Lee, avistou Marcus e se
aproximou com uma expressão de satisfação. O botão do terno do homem
estava perigosamente à beira de se soltar, como se o mínimo movimento
pudesse fazê-lo desabar. A cena me fez esconder um sorriso, tentando
disfarçar o divertimento com a situação.
— Marcus! — exclamou o homem com uma voz animada e um
tanto exagerada. — Que prazer vê-lo aqui.
— O prazer é meu, Sr. Lee — respondeu Marcus, apertando a mão
dele com um sorriso profissional. — Como andam os investimentos?
Enquanto eles conversavam, fiquei observando, intrigada com a
forma como Marcus navegava naquele ambiente com tanta naturalidade.
Ele parecia perfeitamente à vontade, como se tivesse nascido para isso. E
por mais que eu me sentisse um pouco fora do meu elemento, havia algo
confortante na ideia de estar ao lado dele, mesmo que tudo ainda parecesse
um pouco surreal. O Sr. Lee sorriu, seus olhos brilhando com uma mistura
de entusiasmo e ceticismo.
— Bem, estou pensando em diversificar um pouco. Da última vez,
você me apresentou às criptomoedas, e eu acabei comprando algumas
moedas que agora são tão valiosas quanto um bilhete de loteria sem sorteio
— comentou, com um toque de ironia na voz.
Marcus riu, claramente se divertindo com o comentário.
— Sim, o mundo das criptomoedas pode ser um verdadeiro
carnaval. Mas, pelo menos, você tem a sorte de ter nossa empresa para
cuidar dessas coisas — respondeu, com um tom de segurança que sempre
me impressionava.
O Sr. Lee balançou a cabeça, ainda sorrindo.
— Verdade! Se não fosse por vocês, eu estaria perdido em um mar
de tokens e altcoins — disse ele, antes de dar um gole em sua taça. — E
hoje vocês estão entre os primeiros. Seu pai teria muito orgulho de você.
Notei uma leve mudança na expressão de Marcus. Ele sorriu, mas
seus olhos carregavam uma sombra de nostalgia.
— Espero que sim... Ele deixou um legado, eu só fiz subir no
ranking — respondeu, com uma mistura de humildade e orgulho.
— Sabe, tem pessoas que assumem o império familiar, mas nem
querem isso de verdade e acabam falindo. Você fez um bom trabalho —
elogiou o Sr. Lee, com sinceridade.
— Obrigado, Sr. Lee.
Marcus respondeu, dando leves batidas nas costas do homem, em
um gesto de camaradagem. Foi então que o Sr. Lee se virou para mim, com
um olhar curioso.
— E quem é a moça elegante ao seu lado? — perguntou, seus olhos
avaliando-me com interesse.
Senti minhas bochechas corarem ligeiramente, mas mantive um
sorriso educado enquanto me apresentava.
— Sou Alice Smith. Muito prazer — disse, estendendo a mão para
cumprimentá-lo, que segurou a minha mão e sorriu de orelha a orelha,
claramente já bem alegre por causa do álcool. Depois ele soltou minha mão
e pousou a sua sobre o ombro de Marcus e deu leve batidinhas nas costas
dele.
— É raro ver esse homem com alguma mulher. Não é todo dia que
ele aparece com uma dama ao seu lado! — brincou, seu tom levemente
zombeteiro, mas amistoso.
Eu sorri, um pouco constrangida, enquanto tentava processar a ideia
de que eu era uma presença rara ao lado de Marcus. O Sr. Lee se despediu
de nós com um gesto efusivo antes de se afastar para conversar com outros
convidados. Enquanto ele se distanciava, virei-me para Marcus, meus
pensamentos a mil. Antes que eu pudesse aprofundar essa linha de
pensamento, Marcus se inclinou para mim, sua voz baixa e confidente.
— Viu só? É a única que aparece ao seu lado... — comentou
Marcus, um sorriso satisfeito nos lábios.
— Pois é, fico me perguntando o que tenho de tão especial para ter
esse privilégio — respondi, com um sorriso de canto.
Marcus envolveu suas mãos em minha cintura e me puxou para
perto.
— Já não ficou claro o suficiente? Quer ainda mais provas?
Ele perguntou. Eu entrelacei meus braços ao redor de seu pescoço,
levantando-me um pouco na ponta dos pés para encarar seus olhos.
— O que ainda tem em mente para me fazer acreditar? —
perguntei, curiosa.
— Você verá.
Com um sorriso enigmático, ele me deu um beijo rápido, porém
carregado de significado, deixando-me completamente intrigada com o que
ele poderia ter em mente. Eu sabia que ele tinha o dom de me surpreender,
como já tinha feito antes.
Depois de nos soltarmos e deixarmos aquele momento intimista
para trás, comecei a observar mais atentamente o ambiente ao nosso redor.
A magnitude da festa agora fazia ainda mais sentido. O local era
sofisticado, com convidados formalmente vestidos, e eu me sentia um
pouco mais à vontade por estar ao lado de alguém que parecia dominar bem
esse cenário.
No entanto, meus pés começaram a protestar com o tempo. As
sandálias de salto, que inicialmente pareciam uma escolha perfeita, agora
estavam me causando um desconforto crescente. Cada passo parecia uma
pequena tortura, e eu fazia o possível para disfarçar. Percebi que Marcus
notou minhas expressões de dor. Ele se despediu do Sr. Lee com uma
rapidez que me surpreendeu e, poucos minutos depois, estávamos indo em
direção ao carro. Quando chegamos, ele se curvou perto de mim e, para
minha surpresa, começou a retirar minhas sandálias. Uma risada escapuliu
de meus lábios, um misto de alívio e diversão.
— Como você sabia? — perguntei, ainda rindo.
Marcus levantou os olhos para me encarar, um sorriso suave nos
lábios.
— Você não consegue disfarçar suas expressões, Alice. Além disso,
eu também queria ir embora — respondeu, levantando uma sobrancelha
com diversão.
O caminho até a minha casa foi tranquilo, e, de vez em quando, eu
lançava olhares furtivos para Marcus, tentando decifrar suas expressões. A
noite havia sido agradável, e o fato de ele ter feito questão de me levar a um
evento de um de seus clientes e me apresentar a eles demonstrava um nível
de conforto e interesse que me tocava. Parecia que ele estava tão à vontade
quanto eu, e talvez até mais. Eu estava completamente apaixonada por esse
homem…
Quando chegamos em frente à minha casa, Marcus estacionou o
carro com uma precisão impecável. Antes mesmo que eu pudesse me
mover, ele já estava fora do veículo, abrindo a porta para mim com um
sorriso.
Saí do carro, segurando as sandálias na mão, e me detive para
encarar Marcus. A noite estava tranquila, e a luz suave do poste da rua
iluminava seu rosto com uma ternura inesperada. Eu sentia meu coração
bater um pouco mais rápido ao olhar para ele, encantada com a forma como
ele parecia tão à vontade e próximo.
— Então, vou te ver amanhã?
Perguntei, tentando esconder a expectativa em minha voz, mesmo
que ela transparecesse claramente. Marcus sorriu, um brilho travesso nos
olhos que me deixou ainda mais intrigada.
— Você pode me ver ainda hoje…
Ele respondeu, o tom malicioso revelando uma intenção que me fez
sentir um frio na barriga. Ele então se inclinou, pegou minhas sandálias e
minha bolsa com uma facilidade que me surpreendeu.
— Vá na frente — indicou ele, com um sorriso gentil.
Senti um calor subindo pelas minhas bochechas ao ver a
consideração dele. Era um gesto tão pequeno, mas que para mim significava
muito. Subi as escadas com um sorriso no rosto, a sensação das sandálias
nas mãos fazendo meu passo parecer mais leve. Abri a porta da frente e
acendi as luzes, o brilho suave revelando a familiaridade do meu lar.
Marcus entrou logo atrás de mim, fechando a porta com um leve
clique. Eu suspirei de alívio e caminhei até a cozinha, deixando a luz da
sala refletir um ambiente acolhedor.
Enquanto me movia pela casa, eu pensava sobre nós, hoje te-lo ali
era diferente de antes, havia uma mudança considerável. A forma como ele
se envolvia comigo, mesmo em gestos simples, me fazia questionar sobre
como seria construir algo mais profundo com ele.
— Quer uma xícara de café? — perguntei, tentando manter o tom
casual, mas com uma dose de expectativa em minha voz.
Marcus se encostou na bancada da cozinha, um sorriso relaxado no
rosto.
— Claro…
Ele respondeu, seu tom suave refletindo a disposição para continuar
a noite. Eu preparei o café, sentindo uma certa tranquilidade no ritual.
Marcus retirou o blazer e o jogou casualmente sobre a cadeira, em seguida,
desabotou um botão do colarinho da camisa e se acomodou
confortavelmente na cadeira.
Ao terminar de preparar as bebidas, servi uma xícara para ele e uma
para mim. Para minha surpresa, ele indicou que eu me sentasse em seu colo.
Assenti, um pouco hesitante, mas também animada com o gesto íntimo.
Sentei-me com cuidado, tentando parecer à vontade, enquanto ele ajustava
minha posição com um sorriso satisfeito.
— Falou sério quando disse que cancelou sua agenda só para ficar
comigo? — perguntei, a curiosidade evidente em minha voz. Não consegui
esconder a sensação de que essa demonstração de atenção era mais
significativa do que eu esperava.
— Sim — respondeu ele, dando um gole no café, o olhar tranquilo
e sério.
— Era necessário? — perguntei, tentando entender o significado
por trás de suas ações.
Marcus sorriu, um sorriso que parecia revelar uma compreensão
que eu ainda não tinha completamente.
— Quanto mais tempo eu passo com você, mais suas dúvidas
desaparecem. Afinal, é evidente que você tem uma nuvem de perguntas
pairando, não é? — Ele inclinou a cabeça para o lado, observando-me com
um olhar perspicaz.
Era estranho como ele parecia me entender tão bem, mesmo sem eu
ter verbalizado completamente minhas preocupações. Será que minha
expressão estava revelando mais do que eu imaginava? Mas então lembrei-
me que ele tinha lido meu blog, e isso explicava muito.
— Viu isso tudo no blog?
— Sim... eu vi. Alguns artigos são cheios de traumas devido ao
crescimento conturbado e algumas coisas bem intimas. Ah, e eu também li
que você odeia playboys milionários e que se recusa a ler livros desse tipo.
— Não foi bem isso que eu quis dizer naquele artigo! — protestei,
tentando me defender da forma como ele estava interpretando minhas
palavras.
— E o que você quis dizer, então? — Marcus perguntou, um sorriso
desafiador brincando em seus lábios.
— Eu disse que é muito clichê, sempre a mesma história: a mocinha
se apaixona pelo homem que pode comprar o mundo para ela, sabe? Não há
muito desenvolvimento diferente nisso — expliquei, tentando ser clara.
— Humm... quer dizer que nossa história não se parece com isso?
— Marcus arqueou uma sobrancelha, claramente divertido com a discussão.
— Entendi seu ponto. Boa tentativa, Marcus, mas não. — Eu
gargalhei, balançando a cabeça com leveza.
— Por quê? — Ele parecia genuinamente confuso, seu olhar fixo no
meu.
— Porque eu não sou nenhuma mocinha... — respondi com um
sorriso provocativo.
Sem mais palavras, larguei a xícara na mesa e o puxei para um
beijo. O beijo começou suave, mas rapidamente se intensificou. Marcus,
surpreso pela minha iniciativa, envolveu seus braços ao meu redor e me
levantou com facilidade, fazendo com que eu me enroscasse em seus
braços.
Eu sorri contra seus lábios, sentindo o calor e a força dele. Ele
começou a subir as escadas com passos decididos, enquanto eu me agarrava
a ele, sentindo a emoção pulsar entre nós. Ao chegarmos ao topo da escada
no andar do meu quarto, ele entrou e cuidadosamente me colocou sobre a
cama. A sensação de estar nos braços dele e a intensidade do momento me
fizeram esquecer o resto do mundo.
Mas então, meus olhos caíram sobre um livro que estava sobre a
cama. Eu havia deixado uma pilha de livros em cima da mesa de cabeceira
também. O momento parecia quase irreal, mas a presença daquele livro
trouxe de volta a realidade.
— Espera um pouco — disse, puxando Marcus para longe com uma
expressão de leve frustração. — Deixa eu colocar isso no lugar. —
Levantei-me, pegando o livro da cama e a pilha de livros da mesa de
cabeceira.
— Preciso organizar isso antes que a gente continue.
Enquanto Marcus observava, um sorriso divertido nos lábios, eu
caminhava descendo as escadas para o segundo andar onde os outros livros
estavam guardados. Ao abrir a porta, me deparei com uma cena que me
deixou sem palavras.
As caixas de papelão que antes estavam espalhadas por ali
desapareceram. Em vez delas, encontrei estantes de madeira preta fosca,
perfeitamente alinhadas ao longo das paredes. As estantes estavam
carregadas com livros, não havia um espaço vazio. Cada prateleira estava
iluminada por uma luz LED branca suave, que destacava o brilho das
lombadas e conferia um ar de sofisticação ao ambiente. O contraste entre a
madeira escura e a luz branca era simplesmente encantador.
O cômodo estava como um verdadeiro refúgio literário. Havia dois
pufes confortáveis no chão, convidando a sentar e relaxar com um bom
livro. No centro, uma mesa de trabalho estava posicionada estrategicamente
em frente à janela, permitindo que a luz natural iluminasse o espaço. Um
computador estava ali, pronto para ser usado, mas o foco estava nos livros,
nas estantes, e no calor acolhedor que o ambiente transmitia.
Eu estava completamente chocada, a visão diante de mim era muito
além do que eu imaginava. Era como se um sonho tivesse se tornado
realidade, refletindo exatamente quem eu sou e o que eu valorizo. Meu
coração estava acelerado, não conseguia desviar os olhos de tantos livros e
da perfeição da nova biblioteca.
— Tem mais alguma prova que precise?
A voz de Marcus atrás de mim me fez dar um salto. Eu ainda estava
com a boca aberta, observando o cômodo com incredulidade. Ele sabia o
quanto esse espaço significava para mim e havia transformado minha visão
em realidade. A surpresa e a gratidão se misturavam dentro de mim
enquanto eu tentava processar o gesto maravilhoso que ele havia feito. Me
virei para ele.
— Marcus... eu... — Eu mal conseguia encontrar palavras. — Isso
é... incrível.
Ele se aproximou, e o sorriso dele se ampliou ao ver minha reação.
A transformação do espaço e o esforço que ele colocou nisso só reforçavam
o quanto ele se importava e o quanto ele realmente me conhecia. Cada
detalhe parecia feito sob medida para mim, como se ele tivesse mergulhado
profundamente no que fazia meu coração bater mais forte.
— Eu só queria que você tivesse o espaço que sempre sonhou —
disse ele, com um olhar que misturava orgulho e carinho. Seus olhos
brilhavam de satisfação ao ver minha surpresa, e eu pude sentir a
sinceridade em cada palavra. — Claro que foi necessário um pequeno
exército de vinte pessoas para terminar isso em três horas. E a ajuda
essencial da Elisa, que me mostrou os livros que deveriam ser colocados
aqui.
Ele entrou no recinto com as mãos na cintura, como se estivesse
admirando uma obra de arte que ajudou a criar. Eu ainda estava atordoada,
observando as estantes, agora repletas de livros, cada uma organizada
meticulosamente.
— Não sabia que você gostava tanto de romances e de livros de
fantasia
Ele comentou, passando a mão por uma das prateleiras onde
estavam os volumes de Cassandra Clare. Sua voz era suave, quase
reverente, como se estivesse descobrindo algo novo sobre mim, algo que o
encantava ainda mais. Eu não conseguia acreditar no que estava diante dos
meus olhos. Cada prateleira, cada detalhe, tinha sido cuidadosamente
pensado para refletir meus gostos, minhas paixões. Era como se ele tivesse
capturado a essência do que eu mais amava e transformado em um espaço
físico, só para mim.
Sem conseguir segurar a emoção, caminhei até ele e o abracei.
Meus braços envolveram sua cintura enquanto eu apoiava a cabeça em seu
peito, sentindo seu calor e o conforto que ele me proporcionava. Estava
completamente grata e emocionada. Esse gesto, mais do que qualquer coisa,
me mostrou o quanto nosso relacionamento estava se aprofundando e o
quanto ele estava disposto a investir em mim e em nós.
— Eu até agora estava confusa sobre quais eram os seus
sentimentos por mim... Nunca imaginei que você fosse capaz de fazer algo
assim — confessei, levantando o olhar e encontrando os olhos dele.
Era como se todas as dúvidas que eu tinha antes estivessem se
dissipando naquele momento. Ele me olhou com uma intensidade que me
fez sentir um frio na barriga, um sorriso suave brincando nos lábios.
— Acha que exagerei? — perguntou ele, com um tom de
brincadeira na voz. — Para poder demonstrar o quanto estou apaixonado
por você?
Eu sorri, sentindo meu coração bater mais rápido.
— Não, Marcus. Você só me ajudou a entender que... eu estou
loucamente apaixonada por você.
Minha voz saiu em um sussurro, mas era a verdade mais pura que
eu poderia dizer naquele momento. Ele não esperou mais. Antes que eu
pudesse dizer qualquer outra coisa, Marcus me puxou para um beijo
intenso, cheio de paixão e urgência. Eu correspondi com a mesma
intensidade, sentindo as emoções se misturarem em uma explosão de
sensações. O mundo ao nosso redor parecia desaparecer, deixando apenas
nós dois, conectados de uma maneira que eu nunca tinha experimentado
antes.
Quando finalmente nos separamos, ambos ofegantes, ele me olhou
com aquele sorriso malicioso que eu já estava começando a reconhecer.
— Agora podemos continuar de onde paramos — disse ele, antes de
me pegar no colo com uma facilidade surpreendente.
Soltei um pequeno suspiro, meio surpresa, enquanto ele subia as
escadas comigo nos braços, carregando-me em direção ao meu quarto.
Eu estava imersa na crítica, refletindo sobre cada detalhe do livro de
fantasia que me tinha prendido a atenção nos últimos dias. A história ainda
ecoava na minha mente, especialmente aquele final ambíguo que deixava
tanto em aberto. A incerteza da autora em continuar a série me incomodava
de um jeito que eu não conseguia ignorar. Talvez fosse essa mesma
sensação que os leitores sentiriam ao ler minha crítica.
Enquanto digitava, lembranças recentes se misturavam aos meus
pensamentos. A transformação que Marcus havia feito no comodo da minha
casa, uma biblioteca, ele fez isso para eu poder enfim parar de duvidar de
seus sentimentos por mim. Toda vez que me lembrava do momento em que
abri a porta e vi aquele espaço completamente renovado, meu coração
acelerava.
O gesto de Marcus me tocou de uma forma que eu não esperava.
Ele havia feito mais do que apenas reorganizar um cômodo; ele havia criado
um espaço onde eu podia ser eu mesma, onde meus livros e minha paixão
por eles tinham lugar. Isso me fez sentir segura de uma forma que eu não
sentia há muito tempo. Marcus estava disposto a fazer parte da minha vida
de uma maneira que ninguém mais tinha feito.
Eu, que sempre tinha um pé atrás com mudanças e novidades, agora
me via ansiando por mais momentos como aquele, por mais gestos
inesperados.
— Bom dia, Alice!
A voz animada de Ashley interrompeu meus pensamentos, me
puxando de volta à realidade. Ela entrou na sala com aquele sorriso que eu
já conhecia tão bem.
— Bom dia, Ashley — respondi.
— O que está aprontando por aqui? — perguntou ela, curiosa,
enquanto se acomodava em uma das cadeiras à frente da minha mesa.
— Finalizando a crítica do livro que Liz pediu — respondi,
tentando focar na tarefa que tinha em mãos. — É aquele que os seguidores
escolheram na enquete. Um livro de fantasia.
Ashley arqueou uma sobrancelha, interessada.
— E você gostou?
Suspirei, ponderando a resposta.
— Gostei, mas aquele final... me deixou com uma sensação de que
algo está faltando — comentei, sentindo um leve desconforto ao lembrar do
desfecho ambíguo. — Como se eu precisasse de mais, mas não tivesse
garantia de que vou conseguir. Acho que vou deixar isso claro na crítica. Os
leitores merecem saber o que esperar.
Ashley me observou atentamente, seu sorriso habitual misturado
com uma curiosidade genuína.
— Entendi... então, já leu esse livro? — ela perguntou, entregando-
me um novo exemplar. — Parece interessante, e os seguidores estão
curiosos para saber sua opinião!
Eu ri, aceitando o livro.
— Quando vai parar de me entregar livros, Ashley?
Ela deu de ombros, com uma expressão travessa no rosto.
— Não só livros...
Com isso, Ashley saiu da sala a passos rápidos, me deixando
curiosa. Minutos depois, voltou com uma pilha de fotos de autores,
acompanhadas de comentários do *The New York Times* sobre os estilos e
a popularidade de cada um. Era tanta informação nova que minha cabeça
começou a girar. Eu me perguntava se algum dia conseguiria ler e processar
tudo aquilo, mas ao mesmo tempo, sentia uma certa gratidão por ter algo
que me mantivesse ocupada, especialmente depois de toda a reviravolta
emocional que Marcus causou em mim. Era bom ter algo concreto em que
me concentrar, em vez de ficar pensando constantemente nele.
Ashley me deixou com as fotos e informações e saiu da sala, o som
de seus passos desaparecendo no corredor. À noite, teria uma live com os
seguidores da empresa, algo que ainda me deixava um pouco nervosa.
Lembrei-me da longa discussão que tive com Liz sobre aparecer na frente
das câmeras. Ela estava certa sobre a importância disso para minha imagem
e para o engajamento da empresa, mas o medo de gaguejar, de parecer
nervosa e, acima de tudo, de ser julgada, me incomodava profundamente.
Suspirei, tentando afastar a ansiedade. Eu faria a live, enfrentaria o
medo, e mostraria a todos que eu não era apenas uma crítica anônima. Eu
era alguém que estava aprendendo a se permitir viver o próprio sonho.
Decidi tomar um café expresso, como uma forma de me abastecer
de mais cafeína e, talvez, de coragem. Saí da sala e fui até a área do café. A
máquina de café vazia, sem fila, só me deixou mais feliz. Enquanto o aroma
forte do café preenchia o ambiente, ouvi passos rápidos entrando na sala.
Elisa apareceu correndo em minha direção, com o celular em mãos.
— Elisa, precisava falar com você e te agradecer por ter ajudado
Marcus... na biblioteca — eu disse, sorrindo brevemente ao lembrar da
surpresa que Marcus havia preparado para mim. Mas meu sorriso logo
desapareceu quando vi o olhar preocupado dela.
— Alice, você precisa ver isso aqui — ela disse, quase sem fôlego,
estendendo o celular para mim.
Com o café em uma mão, peguei o celular com a outra, notando
uma foto em destaque. Era uma imagem de Marcus e eu, tirada na noite de
domingo, aparentemente sem que nós percebêssemos. A legenda era como
um soco no estômago: "Marcus visto com a expulsa de Harvard: Será seu
caso de Caridade?".
As palavras eram ásperas e cruéis, insinuando que eu era um caso
perdido, uma "fracassada" que Marcus estava tentando resgatar para
melhorar sua imagem pública. Senti minha respiração acelerar enquanto lia
a matéria. Eles expunham detalhes da minha expulsão de Harvard, algo que
já havia sido um golpe devastador para mim no passado. A matéria estava
repleta de insinuações maldosas, sugerindo que eu estava usando Marcus
para ganhar algum tipo de legitimidade e que ele estava me usando para
parecer mais "humano" e "generoso".
— Isso é ridículo... — murmurei, sentindo uma mistura de raiva e
vergonha borbulhar dentro de mim. — Como eles podem escrever algo
assim?
Meu estômago revirou. A notícia não apenas distorcia a verdade,
mas também mexia com minhas inseguranças mais profundas. No fundo, eu
temia que as pessoas interpretassem nossa relação de maneira errada,
criando suposições que poderiam nos prejudicar. Olhei para Elisa, que me
observava com um olhar cheio de preocupação. Ela abriu a boca para falar,
mas eu a interrompi, sentindo a necessidade urgente de me defender,
mesmo que fosse apenas para mim mesma.
— Eles não sabem nada sobre mim, sobre o que eu passei —
continuei, tentando manter a voz firme, apesar do nó na garganta. — Eles
pensarem que Marcus estaria comigo por caridade... é simplesmente
absurdo!
Me sentei em uma das mesas da cafeteria, tentando processar tudo.
Minhas mãos tremiam, e era difícil respirar. A humilhação de ser exposta de
forma tão cruel fazia meu coração disparar. As palavras "fracassada" e
"expulsão" ecoavam na minha mente como um alarme, reforçando cada
uma das minhas inseguranças e medos.
Elisa, colocou a mão no meu ombro.
— Quis te mostrar, porque recebi isso agora — disse ela
suavemente, embora sua voz carregasse uma nota de urgência. —
Acabaram de publicar, mas... Alice, não dê bola. Precisamos processar
esses tablóides!
Ela estava certa, processar poderia ser uma ação válida, mas isso
não apagaria da mente de quem já leu. A matéria fazia parecer que eu era
uma caridade para Marcus, o que era profundamente injusto. Estávamos
apenas começando a explorar algo entre nós, e agora tudo parecia estar
desmoronando.
— Não sei o que fazer... — falei, a voz embargada pela tristeza. Me
sentia devastada, realmente sem saber como lidar com a situação.
Meu corpo estava em completo choque, e minha respiração ficava
cada vez mais descompassada. Eu queria que as palavras da matéria
simplesmente desaparecessem da minha mente, mas elas se repetiam, me
afundando ainda mais em vergonha e frustração.
De repente, a porta da sala se abriu com um estrondo, e Liz entrou,
falando ao telefone.
— Precisamos lidar com isso imediatamente! — Liz exclamou,
gesticulando com o telefone preso entre o ombro e o ouvido. — Sim, a
matéria é absolutamente desrespeitosa. Não posso acreditar na forma como
estão rebaixando a Alice dessa maneira... Não, só um boato infundado. É
uma tentativa clara de manchar a imagem dela e a nossa. Vamos processar
quem fez essa publicação. Isso não vai ficar assim! — Liz fez uma pausa
para ouvir a resposta do outro lado da linha. — Exatamente, não podemos
deixar isso passar. — Ela deu outra pausa e dessa vez olhou para mim. —
Sim, ela está aqui na minha frente... É o Marcus. Ele quer falar com você.
Ela afastou o telefone do ouvido. Olhei para ela, sentindo as
lágrimas começarem a se formar. A ideia de falar com Marcus naquele
momento parecia esmagadora, como se cada palavra que eu pudesse dizer
só aumentasse o peso que eu já estava carregando.
— Desculpa, eu não consigo falar com ninguém agora — respondi,
minha voz quebrando ao final. — Preciso de um tempo sozinha.
Liz e Elisa me lançaram olhares compreensivos, assentindo
enquanto eu me levantava e saía da sala. A tempestade de emoções que me
envolvia começava a ceder lugar a uma tristeza profunda. Eu queria chorar,
e o corredor à frente parecia ser a única rota de fuga, o único lugar onde eu
poderia deixar a dor escapar.
O corredor parecia estar se estreitando, e a sensação de
sufocamento me apertava o peito. Só queria desaparecer, sumir
completamente daquele lugar. O elevador parecia distante, como se
estivesse a milhas de distância, e eu me agarrava desesperadamente à
esperança de que, ao chegar ao térreo, a opressão diminuiria.
Quando as portas do elevador finalmente se abriram no térreo, eu
praticamente corri para fora. As lágrimas começaram a escorrer sem
controle, e a sensação de humilhação era esmagadora. A cada passo, meu
coração batia mais rápido, e respirar se tornava quase impossível. Eu estava
em completo pânico, como se o chão estivesse se desintegrando sob meus
pés. A visão embaçada pelas lágrimas tornava tudo ao redor sombrio e
distorcido. Eu precisava desesperadamente de algo, qualquer coisa, que
pudesse me tirar daquele pesadelo.
Foi então que meus olhos captaram uma loja de conveniência do
outro lado da rua — uma visão quase salvadora em meio ao turbilhão que
me consumia. Com dificuldade, atravessei a rua e entrei na loja, sentindo o
desespero crescer a cada passo. Minhas mãos trêmulas pegaram uma
carteira do meu cigarro favorito, um gesto automático que eu sabia que me
traria algum alívio, ainda que temporário. A funcionária me olhou com
curiosidade, mas eu estava tão absorta no meu próprio desespero que não
consegui retribuir o olhar.
De volta à calçada, abri a carteira com dedos trêmulos e acendi o
cigarro, sentindo a primeira tragada proporcionar um alívio instantâneo. O
sabor do tabaco na minha mente era o suficiente para afastar a dor. As
palavras da matéria se repetiam incessantemente na minha mente, cada
frase como um golpe cruel: "Fracassada," "expulsa de Harvard," "papel na
RedCompany para limpar a imagem." Cada palavra era uma lâmina afiada,
cortando qualquer tentativa de encontrar algum consolo. A fumaça que se
dissipava ao meu redor não fazia nada para apagar a sensação de vergonha
que me envolvia.
Sentei-me em um banco próximo, fumando e chorando,
completamente devastada. O que eu havia feito para merecer isso? Como eu
poderia enfrentar essa tempestade emocional e ainda manter a minha
dignidade? Parecia que o mundo havia virado de cabeça para baixo,
novamente e quando eu achei que estaria bem as coisas mudavam. O
cigarro estava quase no fim, mas o alívio que eu buscava parecia ainda mais
distante.
Eu me perguntava se seria sempre assim. Sempre que eu começava
a sentir uma faísca de felicidade, algo surgia para bagunçar minha mente e
me lembrar de que, no fundo, sou uma fracassada. Era como se minha vida
estivesse em uma montanha-russa interminável, sempre me elevando
apenas para me lançar de volta ao fundo com ainda mais intensidade.
Eu finalmente estava começando a me sentir confortável no meu
novo cargo, finalmente me ajustando à ideia de estar aqui, na RedCompany,
e então, de repente, tudo se transformou em um pesadelo. As palavras da
matéria, os olhares de julgamento, a humilhação pública — tudo isso se
juntava para me lembrar de que talvez eu não mereça estar aqui, que talvez
eu nunca realmente possa ser feliz fazendo o que amo. Estou exausta de
lutar contra essa sensação, de me perguntar se algum dia realmente vou
encontrar um equilíbrio, ou se minha vida será sempre marcada por esses
altos e baixos.
Ali, perdida em meus pensamentos, quase não percebi Liz correndo
em minha direção até que ela parou ao meu lado. O frio da noite e a brisa
cortante pareciam insignificantes diante da dor que me consumia. Continuei
fumando, tentando encontrar algum alívio temporário para a humilhação
que me esmagava. Com um gesto rápido e decidido, Liz agarrou a carteira
de cigarros da minha mão e a jogou na lixeira ao lado. Levantei o olhar e a
encarei em silêncio, enquanto ela começava a falar.
— Isso não vai resolver a situação, Alice — disse ela, com firmeza.
— Se entregar a esse vício não vai te ajudar em nada. Não é assim que você
vai encontrar uma solução.
Baixei os olhos e fiquei ali, fitando o chão, sentindo cada palavra
dela ecoar na minha mente.
— Se eu soubesse que humilharia a empresa com a minha imagem,
jamais teria aceitado o emprego — murmurei, a voz quase inaudível. — Eu
realmente não imaginava que isso iria se tornar um vexame.
Liz revirou os olhos, claramente frustrada com o meu desânimo.
— Isso é besteira, Alice. Estamos acostumados com esse tipo de
coisa. É só uma matéria cheia de mentiras.
— Para mim é — respondi, apagando o cigarro. — Estou
acostumada com o fracasso, mas não com meio mundo sabendo que eu sou
um fracasso. Isso é diferente.
Enquanto falava, meus pensamentos se voltaram para Marcus e
como, apesar de tudo, estar ao lado dele parecia ser mais um peso do que
um consolo. A ideia de que ele estaria sendo associado a mim, a essa
imagem pública de fracasso, me fez sentir ainda mais culpada.
— Marcus não merece passar por isso — sussurrei, com a voz
falhando. — Ele não merece essa situação.
Liz suspirou, suavizando a expressão. Ela se sentou ao meu lado,
colocando uma mão reconfortante no meu ombro.
— Marcus é mais forte do que você pensa, Alice. E ele não está
com você por acaso. Não se deixe levar por essa tempestade. Você é muito
mais do que essa matéria estúpida.
Liz falou com uma convicção que quase me fez acreditar. Quase.
Eu queria desesperadamente acreditar, mas a dúvida ainda pairava,
misturada com a sensação opressiva de estar sendo observada e julgada por
tantos.
— Alice, você precisa saber de uma coisa importante — ela
começou, como se estivesse tentando iluminar o caos em que eu me
encontrava. — Nós nunca nos importamos com sua expulsão de Harvard.
Aquelas palavras me pegaram de surpresa. Levantei os olhos para
ela, surpresa e confusa, tentando entender o que ela queria dizer.
— Quando eu e a minha mãe estávamos pensando em contratar um
revisor, Violet, sua mãe, ligou para a minha, sugerindo que ela falasse de
você para Marcus, para a vaga na SayCompany. Mas, na hora, nós duas
sabíamos que seu lugar era na RedCompany. Marcus só não concordou de
imediato porque você não tinha diploma — ela explicou, pausando como se
quisesse que eu realmente absorvesse essa informação. — Pois ele é
fanático por diplomas e estudos. Mas mudou de ideia quando viu
claramente o seu talento. Marcus acreditou na hora que você era exatamente
o que a empresa precisava. Ele viu algo em você que não era definido
apenas por diplomas e credenciais, mas pela sua determinação e talento.
As palavras de Liz começaram a fazer sentido, cada peça se
encaixando em um quebra-cabeça que, até aquele momento, eu nem sabia
que estava tentando montar. Então, aquela vez em que fui chamada à sala de
Marcus não era apenas uma provocação ou jogo de poder. Ele queria
enxergar além do que eu mostrava, perceber meu talento, mostrar que,
mesmo sem um diploma, eu era capaz. Testar meu conhecimento, de forma
sutil, parecia ser o jeito natural dele de avaliar as pessoas ao redor, e de me
desafiar.
Liz continuou:
— Você nunca deveria se culpar pelo que aconteceu em Harvard.
Pelo que eu sei, tudo o que Deus permite em nossas vidas é uma lição.
Talvez você estivesse no lugar errado, no curso errado. Mas você não
precisava de Harvard. Harvard é que precisava de você.
Essas palavras ecoaram em minha mente, mas mesmo com o
consolo que Liz me oferecia, a sensação de fracasso continuava a pesar. Eu
sabia que muitos, como Liz, tentavam me apoiar, me mostrar que eu não era
definida pelos meus erros. Mas a realidade era que esse sentimento de
derrota me perseguia constantemente, como uma sombra teimosa que não
se descolava de mim. A cada passo em falso, a cada decisão errada do
passado, eu sentia que aquilo era a prova de que eu não pertencia a lugar
algum. Era como se o mundo inteiro estivesse esperando meu próximo
tropeço para me lembrar que, no fim das contas, eu era uma fracassada.
Mesmo com tudo o que Marcus via em mim, eu sabia que estava
segurando-o de alguma forma. Talvez ele estivesse preso a mim quando
deveria estar livre para alcançar ainda mais, para viver livre.
— Obrigada, Liz... Me desculpe por ter saído daquele jeito... —
minha voz saiu hesitante, carregada com o peso de tudo o que eu estava
sentindo. — É que tudo isso é demais pra mim.
Ela apertou minha mão com firmeza, tentando me ancorar naquele
momento.
— Eu sei... — Ela respondeu, sua voz suave, mas firme. — Se
servir de consolo, te deixo tirar o resto da semana de folga. Assim, você
aproveita para colocar a mente no lugar. Que tal?
Eu assenti, tentando demonstrar gratidão pela oferta de Liz, mas a
confusão dentro de mim só aumentava. Eu estava dividida, e não conseguia
enxergar uma solução clara. De um lado, eu amava estar ao lado de Marcus.
Estar com ele era reconfortante, quase como uma fuga da realidade, e a
intensidade disso me assustava. Mas, por outro lado, algo em mim dizia que
o melhor que eu poderia fazer por ele era deixá-lo.
Marcus merecia alguém que tivesse menos bagagem emocional,
alguém que não estivesse presa em tantas dúvidas e arrependimentos. Ele
merecia uma vida tranquila, com alguém que não atraísse os olhares
curiosos e maldosos de pessoas prontas para julgar e espalhar mentiras. Por
mais que eu gostasse de estar com ele, eu não queria ser a razão pela qual
sua vida se tornaria mais complicada. Não queria ser a pessoa que traria
problemas. Marcus não precisava disso.
Sentada à mesa, eu observava a tela do computador com uma
sensação familiar de arrependimento. Claro que eu não conseguia fechar as
malditas abas. As páginas de fofoca estavam todas abertas, desfilando
diante dos meus olhos como um show de horrores personalizado. Era como
se eu estivesse participando de um jogo de tortura mental onde, de alguma
forma, eu mesma tinha decidido ser a principal vítima.
Olhando ao redor da minha nova biblioteca, deixei meus olhos
vagarem pelas prateleiras negras que ocupavam cada canto do ambiente.
Um presente de Marcus. Ele fez questão de que cada canto fosse perfeito,
quase como se tentasse me conquistar através da minha maior fraqueza:
literatura. E, droga, ele sabia que tinha acertado em cheio. Meus olhos
caíram sobre um volume específico na prateleira, um romance que eu
sempre quis ler, mas a vontade de pegar qualquer livro parecia distante.
Mas ali estava eu, há três dias evitando até pensar nele. E com sucesso?
Claro que não.
Liz, como sempre, enviava mensagens perguntando como eu estava,
mas nunca especificou quanto tempo eu poderia ficar afastada do trabalho.
E, para ser honesta, eu estava usando cada segundo dessa folga não
planejada para me esconder. A verdade é que, desde que me tranquei em
casa, não saí nem para pegar o lixo. Comidas de fast food já tinham virado
uma constante — os sacos e caixas vazios espalhados pela cozinha eram
prova disso. Até Elisa, sempre insistente, tentava me convencer a sair de
casa ou deixá-la me visitar, mas eu sempre encontrava uma desculpa. Não
queria ver ninguém. Não queria falar sobre nada.
Meus dedos pairavam sobre o mouse, hesitando em clicar em mais
uma manchete ridícula. Suspirei e rolei os olhos, talvez eu devesse ter
seguido o conselho da Elisa, desligado tudo e saído para tomar um ar. Eu
sabia que deveria fazer isso e parar de ler essas calúnias, mas, por algum
motivo, era como uma forma de punição autoimposta.
O celular vibrou de novo, piscando na mesa como se fosse um
alerta de emergência. Mais de cinquenta mensagens não lidas. Mais de
trinta ligações perdidas, todas de Marcus. Meu estômago revirou ao ver o
nome dele na tela, e me lembrei da noite em que salvei o número, aquela
noite em que ele entrou na minha casa como se ele tivesse a chave da porta.
Eu sabia que precisava falar com ele, mas, ao mesmo tempo, cada vez que o
telefone tocava, era como se uma voz gritasse na minha cabeça “Você não
pode arruinar tudo para ele também.”
As manchetes não saíam da minha mente. "A fracassada expulsa de
Harvard." Como se isso não fosse o suficiente, agora diziam que Marcus
estava fazendo caridade ao estar comigo. Como se eu fosse algum projeto
de caridade em forma humana, uma causa perdida que ele tinha abraçado
para ganhar pontos com a mídia. Eu odiava essas palavras. Mas pior do que
isso, eu odiava o fato de acreditar nelas, mesmo que por um segundo.
Era um erro ele ter se envolvido comigo. “Isso nunca deveria ter
acontecido” eu repetia para mim mesma, como um mantra inútil. Eu não
deveria ter manchado a imagem dele. Eu sou o tipo de pessoa que ele nunca
deveria ter cruzado o caminho. Era inevitável. E o que me restava agora?
Me esconder na minha própria casa, fugindo de tudo e de todos, enquanto
ele estava lá fora, tentando... o quê? Tentar consertar algo que não tinha
solução? O telefone vibrou de novo, e eu observei a tela acender com o
nome dele. Marcus. Suspirei profundamente, como se o simples fato de vê-
lo tentando me ligar me drenasse o pouco de energia que me restava. Deixei
tocar. Não poderia lidar com isso agora. Desliguei o computador. Levantei-
me e saí do cômodo.
A cozinha estava um caos. Embalagens de fast food estavam
espalhadas pelo balcão, as pias cheias de pratos que eu não tinha coragem
de encarar. Cada vez que eu passava por ali, prometia a mim mesma que
arrumaria tudo depois. O depois no entanto, parecia nunca chegar. Olhei em
volta. A bagunça parecia ser o reflexo perfeito do meu estado mental. Tudo
estava fora de lugar. Eu estava fora de lugar.
Comecei a ajeitar a cozinha, porque, sinceramente, alguém tinha
que fazer isso, e aparentemente eu precisava ajeitar isso, esfriar a cabeça e
focar em outra coisa. As caixas de fast food foram direto para o lixo, e
finalmente comecei a ver a superfície da pia. O caos de hambúrgueres e
batatas fritas dava lugar a uma cozinha minimamente aceitável. Fiz até um
café no meio da faxina, me sentindo um pouco orgulhosa de mim mesma —
como se limpar a cozinha fosse resolver minha vida inteira.
Quando me sentei à mesa com minha xícara de café, pronta para um
momento de paz... o telefone tocou. Olhei a tela e, claro, era minha mãe.
— Oi, mãe — atendi, tentando soar animada, embora a realidade
fosse o completo oposto.
— Alice! Você está bem? Não falou comigo o dia todo. Sua avó
está indo aí? — A voz dela estava cheia de preocupação, o que era
compreensível. Se você some por três dias, é natural que as pessoas achem
que você foi abduzida.
— Não, mãe, ela não está vindo. Mas estamos nos falando por
chamada de vídeo todas as noites — respondi, tomando um gole do café e
tentando não soar irritada.
— Ah, bom. Eu só estava preocupada, sabe? Você não tem saído de
casa... e com tudo o que está acontecendo.
— Estou bem — menti, tentando parecer convincente. — E sim, eu
sei, mãe. Estou lidando com isso.
— Não ligue pra isso. Essas coisas que escrevem... não valem nada!
— Ela insistiu, numa tentativa desesperada de me fazer sentir melhor.
Sendo que um tempo atrás ela quem estava a beira dos nervos, com noticias
de eu ter sido expulsa de Harvard e ficarem tocando no assunto sempre que
viam ela na rua. E eu não iria esquecer essas manchetes. Como se isso fosse
possível. As palavras estavam gravadas na minha mente, e sempre que eu
fechava os olhos, parecia que eu podia ouvi-las de novo: "a fracassada
expulsa de Harvard"*, *"a caridade de Marcus Lewis"*. Era como uma
música ruim tocando em loop.
— Eu sei, mãe. Mas, sabe, preciso fazer comida agora — menti
descaradamente, tentando cortar o assunto.
— Comida? Não é meio cedo?
— É, mas... preciso me adiantar, sabe? Coisas para fazer. —
Continuei empilhando mentiras sobre mentiras, enquanto olhava para a
cozinha já limpa e absolutamente nenhuma panela no fogão.
Ela suspirou, derrotada.
— Tudo bem, Alice. Só me prometa que vai se cuidar. E qualquer
coisa, me liga, tá?
— Claro, mãe. Eu ligo. — Desliguei antes que ela pudesse insistir
mais.
Soltei o ar que nem sabia que estava prendendo, me encostando na
cadeira. Entre minha mãe e a bagunça mental que eu estava tentando
ignorar, parecia que até o café havia perdido o sabor.
Me ajeitei na cadeira, puxando a xícara de café de volta para as
mãos. O vapor subia preguiçoso, mas não era suficiente para aquecer a
sensação fria que eu tinha no peito. O celular estava virado na mesa, e
bastava um olhar rápido para a tela bloqueada para me lembrar de tudo. Lá
estava a foto: eu, de costas, usando minha jaqueta favorita com a caveira
bordada. Uma imagem tão simples, mas com um significado bem mais
complicado para mim. Por mais que eu sempre odiasse fotos minhas, aquela
foto… bem, ela era diferente. Talvez porque não mostrava o meu rosto, só
as minhas costas, o cabelo meio preso por dentro da jaqueta, o olhar de fora
da cena. Marcus tinha tirado sem que eu percebesse, no bar dele, em uma
das poucas vezes em que me senti à vontade.
"Você estava linda demais pra deixar passar," ele disse quando me
mostrou a foto. Normalmente, eu teria revirado os olhos e deletado na hora,
mas... eu gostei. O jeito como ele capturou aquele momento, a luz suave
capturando minha silhueta. Era eu, sem ser totalmente eu. E eu achei
bonita. Duas semanas. Foi o tempo que tivemos juntos, duas semanas
maravilhosas, intensas, que agora pareciam um borrão. Tudo havia
desmoronado tão rápido. Olhei para a foto mais uma vez. Ela era como uma
lembrança de uma versão minha que, por um breve momento, acreditou que
poderia ser feliz.
Eu estava absorta, olhando para a foto no meu celular pela milésima
vez, quando ouvi um barulho lá fora. Um estalo, seguido de algo caindo.
Levantei a cabeça, intrigada. O que foi isso? Meu primeiro pensamento foi
que era só um vizinho desajeitado invadindo caindo no seu espaço externo.
Poderia ser algum gato também. Tentei me convencer de que não era nada
demais.
Toc, toc, toc.
O som veio da porta dos fundos, e eu quase pulei da cadeira. Meu
coração deu um salto tão grande que senti como se ele estivesse tentando
sair pela minha boca. Eu dei um grito baixo e ridículo.
— Ok, ok, Alice, calma. — eu murmurei para mim mesma,
tentando respirar. Quem diabos bate na minha porta dos fundos?!
Levantei devagar, minha mão no peito, como se isso fosse o
suficiente para segurar meu coração no lugar.
Toc, toc, toc.
As batidas soaram de novo, e dessa vez, meu corpo todo congelou.
A única forma de chegar ali era pulando o muro do vizinho. E quem em sã
consciência pula o muro na casa de estranhos?
Se fosse um ladrão? Meu Deus, se fosse um ladrão, é claro que eu
não iria abrir. Quem abre a porta pra ladrão? Eu esperei. Meu coração ainda
batia como uma bateria de escola de uma banda de rock, e meu cérebro já
estava elaborando todos os cenários possíveis. E se fosse alguém querendo
me assaltar? Ou pior, se fosse um psicopata? Claro, porque a minha mente
sempre precisava ir para o lado mais dramático da coisa.
Minha respiração estava acelerada, e o silêncio que tomou conta da
casa só deixou tudo mais tenso. As batidas cessaram, e por um segundo,
quase me permiti sentir alívio. Será que a pessoa foi embora? Eu queria
acreditar nisso, queria mesmo, mas sabia que, para sair dali, a pessoa teria
que arrastar a cadeira que estava do lado de fora para poder pular o muro.
Não tinha como simplesmente desaparecer. Meu coração batia mais rápido
do que nunca, e antes que eu pudesse me acalmar, meu olhar foi direto para
a vassoura encostada no canto da cozinha. É isso. Se for um ladrão, ele vai
descobrir o poder de uma boa mira. Segurei a vassoura com força, sentindo-
me completamente ridícula, mas, ao mesmo tempo, decidida. Se alguém
estava me esperando do lado de fora, pelo menos iria levar uma vassourada.
Eu mentalizei meu plano: abrir a porta com tudo e acertar o intruso
na cabeça, ou no ombro, ou... onde desse! Não tinha tempo pra ser seletiva.
Fui me aproximando da porta, devagar, cada passo parecia ecoar na minha
mente. Minha mão estava suando enquanto eu apertava o cabo da vassoura
como se fosse minha única defesa entre a vida e um assalto, ou algo pior.
Cheguei à porta, hesitando por um segundo. Eu podia sentir meu
coração pulsando na garganta. Você consegue, Alice. Você vai abrir essa
porta e dar com tudo. Não tem outro jeito. Com um suspiro profundo, girei
a maçaneta rapidamente e abri a porta de uma vez só, pronta para desferir o
golpe. Ergui a vassoura com toda a força, pronta para dar o golpe, quando
de repente me deparei a silhueta de Marcus. Ele estava parado ali, com os
olhos arregalados, com o celular erguido no ouvido. Por um segundo, fiquei
congelada, meu braço ainda levantado no ar, a vassoura apontada para ele.
Olhei para Marcus de cima a baixo, completamente incrédula. O que ele
estava fazendo ali, no meu quintal? E mais importante, como ele conseguiu
pular o muro?
— O que... o que você tá fazendo aqui? — perguntei, ainda sem
abaixar a vassoura, tentando processar a cena. Meu coração ainda estava a
mil, mas agora misturado com pura confusão. Ele lentamente abaixou o
celular, sem tirar os olhos da vassoura.
— Alice... calma aí... só queria falar com você, mas você não
atende o telefone. Achei que fosse uma boa ideia... — Ele gesticulou para o
muro, meio sem jeito. — ...entrar pelos fundos?
Eu piscava, tentando absorver o que ele acabara de dizer.
— Pular o muro, Marcus? Você decidiu que pular o muro era a
melhor ideia? — Eu já estava me sentindo idiota por ter pensado que ele era
um ladrão, mas o absurdo da situação fez uma risada quase escapar. — Tem
certeza de que essa era a sua primeira opção?
Ele deu de ombros, um sorriso meio culpado surgindo nos lábios.
— Bom... quando você coloca assim, talvez tenha sido uma ideia
péssima...
Ainda sem abaixar a vassoura, eu o olhei de novo, tentando
entender se ele realmente achou isso normal.
— Você sabe que eu tenho uma campainha, né? Tipo, um método
muito mais... civilizado para falar com alguém? — falei, finalmente
soltando a vassoura no chão, a incredulidade substituindo o medo.
Marcus riu, ainda de mãos levantadas, como se estivesse sendo
interrogado.
— Tá, foi uma decisão ruim. Mas você não me atendia! E eu
precisava falar com você.
Suspirei, sentindo meu corpo relaxar agora que o choque tinha
passado. A tensão no ar parecia se dissipar lentamente, mas a confusão e o
alívio ainda pairavam sobre nós.
— Bom, agora que quase te ataquei com uma vassoura, você pode
falar o que quer. — Cruzei os braços, tentando manter a compostura. —
Mas, sério, da próxima vez, só toca a campainha.
Marcus olhou para mim com um sorriso envergonhado, o tipo de
sorriso que só realça o charme dele.
— Eu pensei em tocar, mas sabia que ficaria nítido que eu estava
chegando e você poderia ignorar também. Então, meio que eu toquei a
campainha do vizinho, e depois de algumas fotos eles me deixaram pular o
muro deles para alcançar o seu.
— Como sabia qual era o meu muro?
— Satélite. — Ele piscou, um brilho travesso nos olhos.
Puxei a vassoura para o lado, finalmente permitindo que Marcus
entrasse. Ao passar pela porta, a visão dele vestido casualmente com calças
de moletom preta e um moletom sem capuz, também preto, foi um contraste
gritante com a tensão da situação. Aquele visual despretensioso parecia uma
tentativa de suavizar o drama que pairava entre nós.
— O que você quer? — Perguntei, tentando manter um tom neutro,
mas não conseguindo esconder a curiosidade.
Marcus se virou e seus olhos se fixaram em mim. Ele notou
imediatamente as olheiras profundas e o aspecto cansado do meu rosto.
— Alice, você está bem? — A preocupação em sua voz era
palpável. Ele deu um passo em minha direção, seus olhos fixos nas olheiras
visíveis embaixo dos meus olhos.
— Estou bem, viva. Isso que importa, certo? — Eu forcei um
sorriso.
Marcus avançou mais um passo, sua mão estendendo-se para tocar
meu rosto. Mas eu recuei instintivamente, afastando-me do seu toque.
— Alice... — Ele começou, a voz carregada de preocupação. —
Você está agindo assim por causa das notícias, não é?
— Claro que sim. — Respondi com um suspiro pesado. — Não é
como se eu pudesse simplesmente ignorar o que estão dizendo. É difícil não
se sentir um fracasso quando isso é o que está estampado por aí.
— Eu não queria que dissessem isso de você. — Ele engoliu em
seco, a dor evidente em seu rosto. — Se serve de consolo, eu processei
todos os sites.
— Acha mesmo que isso vai apagar da memória de quem já leu?
— Sei que não, mas novas pessoas não irão ler.
— Até agora eu estava olhando o site, ainda está lá...
— É pra não estar daqui a uma hora... — Ele se aproximou mais, e
eu recuei, mas bati com as costas na beirada da bancada da cozinha. — Eu
sinto muito a sua falta, Alice. Por que achou que era justo me ignorar?
Aquelas palavras me atingiram com uma força inesperada. O meu
peito parecia apertar, e a confusão em minha mente estava se dissipando
lentamente, dando lugar a uma mistura de esperança e medo.
— Por que você tem sua vida já construída, não pode ser destruída
por mim. — Disse, a voz trêmula, mas determinada. — Isso não seria justo.
— O que? — Marcus perguntou, a confusão clara em seu tom.
— Isso que ouviu. — Respondi, afastando-me para caminhar até a
sala. — Você não pode ser visto comigo, Marcus.
Ele me seguiu, logico. Quando paramos em frente à estante que ele
havia montado, o olhar dele se perdeu nos itens que agora preenchiam o
espaço. A estante estava repleta de CDs e alguns Funkos dos astros do rock
que ele sabia que eu adorava. O de David Bowie, Freddie Mercury e Jimi
Hendrix, além de CDs, todos dispostos de forma meticulosa, como uma
homenagem ao mundo musical que compartilhávamos.
— Não diga besteira, Alice. Não me importo com as notícias ou
com o que as pessoas dizem. Eu quero estar com você.
— Não é só sobre querer estar comigo, Marcus. — Falei, a voz
começando a vacilar. — As pessoas estão falando coisas terríveis. Eu não
quero ser a razão pela qual você seja alvo de críticas ou de rumores.
Marcus respirou fundo e se aproximou mais, seu olhar fixo em
mim.
— Alice, eu não me importo com o que dizem. Eu só quero estar
com você e fazer o que for preciso para te ajudar a superar isso.
Mas eu não conseguia deixar de me sentir culpada, a ideia de que
meu problema poderia prejudicar alguém que eu realmente me importava
era avassaladora.
— Você não entende... — Continuei sentindo as lágrimas
ameaçarem cair. — Eu não quero que você seja arrastado para esse caos. Eu
sei o quanto você trabalhou para construir sua reputação e sua carreira. Não
seria justo que eu destruísse tudo isso.
— Quantas vezes terei de dizer que eu quero você e que não me
importo? — Marcus insistiu, sua voz cheia de determinação e preocupação.
Ele usou a manga de seu moletom para limpar as lágrimas que escorriam
pelo meu rosto e, com um gesto gentil, ergueu meu queixo me fazendo
encarar seus olhos. — Para de ignorar o que temos.
— Marcus, se você tivesse fracassado alguma vez, você iria
entender o que estou sentindo. — Eu falei, a voz embargada. — É fácil para
você falar sobre não se importar, mas eu sinto como se tivesse jogado tudo
fora. Como se não merecesse nada disso.
— Eu já fracassei, Alice. — Ele disse, a voz suavizada pelo
arrependimento. — E sei o que é sentir que tudo está desmoronando.
— Mas você conseguiu... tem sua vida, sua carreira. — Tentei
argumentar. — Eu não quero ser a razão pela qual você perde tudo o que
conquistou.
— Eu amo você, Alice. — Ele disse, a voz quase um sussurro, mas
carregada de uma intensidade que fez meu coração parar por um momento.
— E, se eu precisar fazer qualquer coisa para mostrar o quanto você
significa para mim, eu farei.
As palavras dele me atingiram com uma força inesperada, e eu tive
que me segurar para não desmoronar. Eu estava tão atônita que, por um
segundo, me perguntei se ele tinha sido enfeitiçado. A surpresa foi tão
grande que eu poderia jurar que o mundo ao meu redor deu uma girada
como se estivesse no meio de uma montanha-russa emocional. Eu olhei
para Marcus, tentando processar o que ele acabara de dizer. “Eu amo você”,
fiquei ali, parada, a mente girando a mil por hora. Meu coração estava
acelerado, e eu estava pronta para me entregar ao caos. Como é que ele
poderia dizer isso agora, quando eu estava tão determinada a me proteger?
Eu sabia, no fundo, que estava loucamente apaixonada por ele. Não
era apenas uma faísca ou um leve afeto—era um incêndio, um turbilhão de
sentimentos que eu tentei enterrar sob camadas de negação e autocontrole.
Mas ao ouvir aquelas palavras, não havia mais espaço para mentiras. Eu
estava completamente perdida por ele, e tudo o que eu queria era protegê-lo
de mim mesma.
— Eu... — comecei a dizer, a voz vacilando, mas firme. — Eu
também amo você, Marcus.
— E ainda iria me deixar?
— Sim... — Respondi, sentindo as lágrimas começarem a se formar
novamente. Droga, eu não chorava com facilidade, mas ultimamente
parecia que eu estava chorando o suficiente para encher uma piscina.
— Eu sei. E é por isso que eu quero te mostrar algo.
— Não, Marcus. — Eu respondi, a firmeza na minha voz era uma
tentativa desesperada de manter algum controle sobre a situação. — Eu não
quero sair daqui. Não quero pisar do lado de fora, tão cedo.
— Alice, você vai sair. Eu não vou deixar você se esconder para
sempre.
— Não!
— Alice, você vai. — Ele repetiu, com um tom que deixava claro
que a decisão estava tomada. Antes que eu pudesse recusar novamente, seus
lábios encontraram os meus com uma leveza que me fez sentir como se
estivesse flutuando, como se o peso das minhas preocupações e
inseguranças estivessem ido embora. O beijo foi uma promessa silenciosa,
uma comunicação de sentimentos que iam além das palavras. Ao sentir,
nossas línguas se tocarem, senti uma onda de calor e esperança, como se,
naquele momento, todo o universo estivesse conspirando para me fazer
acreditar que ainda havia uma luz.
Ele se afastou lentamente, seus olhos fixos nos meus, e eu senti um
tremor de emoção passar por mim. Marcus lentamente estendeu a mão pra
mim.
— Confie em mim, Alice. — Ele murmurou, sua voz quase um
sussurro.
Eu hesitei, lutando contra a vontade de recuar, mas ao olhar para
ele, com seu olhar cheio de esperança e sinceridade, comecei a perceber que
eu deveria sempre confiar nele. Então finalmente, eu estendi a mão e, com
um suspiro resignado, coloquei a minha na dele. Marcus olhou nos meus
olhos com uma determinação serena e, sem hesitar, puxou-me para perto
dele. Seus braços envolveram minha cintura.
— O que você quer me mostrar?
— Vou te mostrar o que deixei para trás. — Marcus respondeu.
Antes que eu pudesse questionar mais, ele se dirigiu para a porta da
frente. O som da fechadura sendo destrancada ecoou pela sala, e eu olhei
para baixo, olhando para o modo como estava vestida, com uma calça de
moletom e uma camisa do AC/DC — um visual que, eu admitia, não era
exatamente o mais glamouroso. Dei de ombros, aceitando a situação, e me
deixei ser puxada para fora de casa.
Enquanto ele trancava a porta atrás de nós, senti um misto de
ansiedade e curiosidade
— Marcus, o que você realmente está planejando? — perguntei,
mas ele apenas sorriu enigmaticamente e continuou me guiando para fora.
A luz da noite envolvia nossos passos, e eu não sabia exatamente onde
estávamos indo, mas algo na confiança de Marcus me fez querer acreditar
que, onde quer que fosse, seria algo significativo para ele.
Chegamos em frente a uma escola que eu conhecia bem — era
apenas algumas quadras da minha casa. A escola estava envolta em uma
tranquilidade característica de um sábado à tarde, com suas portas fechadas
e um silêncio que contrastava com a agitação usual de um dia escolar. Eu
olhei para Marcus, completamente confusa, enquanto ele já estava abrindo a
porta do carro.
— O que estamos fazendo aqui? — Perguntei, ainda sem entender.
— Foi aqui que terminei o ensino médio. Estudei aqui.
Ele disse e saiu do carro, enquanto ele dava a volta para abrir a
porta do meu lado, minha confusão só aumentava. O que uma escola tinha a
ver com a situação em que estávamos? Mas, antes que eu pudesse perguntar
mais, Marcus já estava se dirigindo à entrada da escola.
Eu segui atrás dele e, ao chegarmos na porta, um senhor idoso, com
um semblante amável e uma postura que parecia de alguém que conhecia
cada canto daquela escola, nos esperava. Marcus cumprimentou-o com um
sorriso:
— Olá, Sr. Miller.
O Sr. Miller sorriu de volta e, ao me ver, fez um gesto de saudação.
— Boa tarde! — Cumprimentei.
O Sr. Miller abriu o portão para nós, e eu percebi que, mesmo sendo
sábado, a escola estava sendo aberta especialmente para nós. A ideia de
estar ali, em um lugar tão familiar para Marcus, me deixou curiosa.
Enquanto passávamos pelo portão, Marcus olhou para mim.
— Confie em mim, Alice. — Ele disse suavemente. — Só mais um
pouco.
Assim que entramos na escola, fui imediatamente envolvida por
uma sensação de nostalgia que eu não esperava. O corredor tinha aquele
cheiro característico de cera de piso e papel velho, com suas paredes
adornadas com quadros antigos e certificados emoldurados. O ambiente era
uma mistura de aconchego e história, com uma decoração que lembrava os
bons tempos da escola, desde os corredores largos e bem iluminados até o
som abafado dos nossos passos no piso polido. Marcus me guiou pelos
corredores, apontando com orgulho para algumas das características que ele
claramente lembrava com carinho. Enquanto andávamos, ele me mostrava
uma série de portas que levavam a salas de aula e, eventualmente, paramos
em frente a um mural que parecia ter sido o centro das atenções na escola.
O mural era um verdadeiro espetáculo. Tinha uma coleção
impressionante de troféus e medalhas organizados em prateleiras. Assim
que os olhos me caíram sobre as fotos em um lado do mural, a minha
surpresa foi imediata. As fotos não eram apenas antigas, eram uma coleção
vibrante de momentos gloriosos da juventude do Marcus. Um lado dos
troféus nas prateleiras era claramente de campeonatos de basquete, e cada
uma das fotos revelava um jovem Marcus em ação, com uma intensidade e
paixão que eu nunca tinha visto antes.
Eu me aproximei da parede, observando com atenção. Ali estava
Marcus quando era adolescente, sendo ovacionado pela torcida. Em uma
das fotos, ele estava em pleno ar, lançando a bola com uma precisão que
parecia quase sobrenatural. Em outra, ele estava cercado por seus
companheiros de equipe, todos com sorrisos largos e expressões de vitória.
Marcus se aproximou e, com um gesto delicado, entrelaçou suas
mãos nas minhas.
— Eu era o capitão do time — ele sussurrou.
Eu olhei para ele, o coração acelerado com a revelação. Lembrei-
me claramente de quando ele mencionou ser muito bom no basquete, a
ponto de quase jogar profissionalmente e que teve de abrir mão desse sonho
para poder tocar os negócios da família. Ver as evidências visuais daquela
época, com ele liderando o time e sendo a estrela do campeonato, era uma
revelação completa.
— Eu não fazia ideia de que você era tão... tão incrível no basquete.
Marcus sorriu para mim, um sorriso que era uma mistura de
humildade e alegria. Eu continuei examinando as fotos, absorvendo cada
detalhe com uma nova apreciação. Cada imagem parecia contar uma
história sobre o esforço e a paixão que ele dedicou ao basquete, e eu sentia
uma conexão mais profunda com ele, agora que compreendia melhor o que
esses troféus e fotos significavam para ele. Eu me sentia comovida com a
maneira como ele estava disposto a compartilhar uma parte tão íntima de
sua vida comigo.
— Vem eu quero te mostrar mais uma coisa. — Ele disse, e me
puxou pelo corredor, suas mãos firmes nas minhas. Eu me deixei guiar por
ele, sem saber para onde estávamos indo ou o que ele queria me mostrar. A
escola, silenciosa naquele final de tarde, parecia quase nostálgica com seus
longos corredores ecoando nossos passos. Ele abriu longas portas duplas e
me puxou para um saguão amplo, que se abria para uma quadra de
basquete. O espaço era imponente, com arquibancadas ao redor e cestas
penduradas nas extremidades da quadra. A luz suave do fim da tarde
entrava pelas janelas altas, criando sombras alongadas pelo chão polido.
Marcus, se dirigiu até a arquibancada e pegou uma bola de basquete que
estava ali, como se estivesse esperando por ele. Sem hesitar, ele mirou na
cesta do outro lado da quadra e, com um movimento fluido, lançou a bola.
Eu fiquei completamente surpresa quando a bola atravessou o ar e
entrou na cesta com um som seco e satisfatório. Minha boca se abriu
involuntariamente. Marcus era bom, muito bom.
— Como você consegue? — perguntei, incrédula, tentando
processar o que acabara de ver. Ele caminhou até a bola que ainda quicava
no chão, a pegou com facilidade e me olhou diretamente, um sorriso de
canto aparecendo em seu rosto.
— Quer tentar?
Eu ri, balançando a cabeça com firmeza.
— E passar vergonha no esporte favorito do homem que eu amo?
Não, obrigada! — respondi, com um sorriso, embora aquela última parte
tivesse saído mais honesta do que eu esperava. Eu amava estar com ele, era
inegável. Ele riu, o som ecoando pelo ginásio.
— Ah, Alice... Acha mesmo que sou bom em literatura? — Ele
debochou, quicando a bola enquanto começava a correr em direção à outra
cesta. Antes que eu pudesse retrucar, vi Marcus dar um salto
impressionante, cravar a bola na cesta e se segurar nas extremidades do aro,
pendurado com a naturalidade de quem fazia aquilo há anos. Eu já tinha
visto esse tipo de jogada antes, mas vê-lo ao vivo, dele... era como assistir a
um show particular.
Eu me aproximei lentamente, olhando para ele com admiração.
— Ok, agora eu realmente não tenho chance.
Marcus riu diante do meu comentário, mas depois de alguns
segundos, o riso foi diminuindo. Ele ficou parado, segurando a bola com
uma mão e me olhando, com uma expressão mais séria agora.
— O que você acha que eu quis te mostrar ao trazer você aqui?
Eu hesitei por um instante, ainda me recuperando da visão dele
saltando e cravando a bola na cesta como se fosse a coisa mais fácil do
mundo.
— Seu talento? — respondi, sem muita certeza, mas parecia fazer
sentido.
Ele assentiu levemente, um sorriso de canto voltando aos lábios.
— Sim, o talento que eu tive que abandonar.
As palavras dele ficaram no ar por alguns segundos, e eu senti o
peso delas. Olhei para o chão, ponderando o que ele acabara de dizer.
— Sinto muito que você tenha tido que abandonar isso — eu disse,
minha voz suave, querendo expressar empatia, mesmo que o comentário
tenha saído mais leve do que eu esperava. — Mas, pelo menos, hoje você
tem a vida ganha, não é? As coisas deram certo para você.
— Eu tive que abandonar, Alice... — Ele parou por um momento,
respirando fundo antes de continuar. — Eu não abandonei porque quis.
Marcus deu um passo em minha direção, os olhos fixos nos meus,
sua expressão ficando ainda mais intensa.
— Alice, você tem escolha. Pode seguir seu sonho, fazer o que ama.
Escrever críticas é o que você faz de melhor, e você sabe disso. Não deixe
que ninguém te faça pensar o contrário.
Eu recuei um pouco, sentindo um nó se formar no meu estômago.
Eu abaixei a cabeça, sem conseguir manter o olhar dele.
— Eu sou um fracasso, Marcus — soltei, com a voz embargada. —
Como dizem, quem é expulsa de Harvard? A melhor faculdade do mundo?
Isso é loucura. E ainda tenho que lidar com pessoas me lembrando disso o
tempo todo. Como eu posso ser boa em alguma coisa?
— Isso não define você. Harvard não define você, Alice! Ser
expulsa de lá não significa que você não é boa. Você é incrível no que faz. É
por isso que eu trouxe você aqui, para te mostrar que eu perdi algo que eu
amava... algo em que eu era bom. E não foi porque eu quis. Eu não tive
escolha. Mas você... você tem.
— Marcus... não.
— Alice, sim. Não negue isso. Não deixe que digam o que você é
sendo que sabe que é boa o suficiente para deixar qualquer um no chinelo.
— Não...
Me afastei dele colocando as mãos nos ouvidos e me sentei no
primeiro banco da arquibancada. Marcus me seguiu e, ao se aproximar, se
ajoelhou à minha frente, ficando na mesma altura que eu. Ele segurou
minhas mãos, tirando-as dos meus ouvidos.
— Alice, olha pra mim — ele pediu, a voz baixa. Eu hesitei por um
momento, encarando o chão, até finalmente levantar o olhar. — Você é uma
das pessoas mais talentosas que eu já conheci. Não são aqueles erros do
passado que te definem. Não foi o que aconteceu em Harvard, ou o que
falam de você online. É o que você faz agora que importa. E você, Alice...
você consegue convencer as pessoas atrás das suas palavras.
Eu senti um aperto no peito, tentando absorver o que ele dizia. Eu
abri a boca para rebater, para insistir que ele estava errado, mas ele me
cortou antes que eu conseguisse dizer qualquer coisa.
— Você tem esse dom de transformar o que está aqui dentro — ele
colocou a mão no meu coração — em algo que toca as pessoas. Eu sei
disso, porque você já me tocou. E eu não sou fácil de impressionar, Alice.
Eu soltei uma risada fraca, ainda sentindo a dentro de mim.
— Você realmente acredita nisso? — sussurrei.
Ele assentiu, apertando minhas mãos mais forte.
— Eu acredito. E quero que você acredite também. Porque se tem
uma coisa que eu aprendi depois de perder o que eu amava, é que não há
nada mais doloroso do que desistir de um talento sem ao menos lutar por
ele.
Eu fechei os olhos por um instante, deixando que as palavras dele
se acomodassem em mim.
— Eu não sei se estou pronta... — admiti.
— Ninguém está — ele disse, sorrindo de leve. — Mas o
importante é que você siga em frente. Eu não quero ver você desistir, Alice.
Não como eu tive que desistir.
Algo dentro de mim cedeu, uma barreira que eu nem sabia que
estava ali. Eu inspirei profundamente, sentindo uma leveza inesperada
tomando conta de mim. Marcus estava certo. Eu ainda tinha uma escolha, e
talvez fosse a hora de parar de fugir dela.
— Tudo bem — murmurei, olhando diretamente nos olhos dele. —
Eu tento, se você acertar essa bola na cesta nessa distância, mas na cesta
que está do outro lado.
— O que? — Ele se levantou arregalando os olhos.
— Ah Marcus...
— Estamos a vinte metros de distancia da cesta, Alice. — Ele riu se
afastando com a bola nas mãos e quicando no chão. — E se eu não acertar?
— Eu não sigo meu sonho.
— Alice... — Ele mordeu o lábio inferior e balançou a cabeça.
Marcus ficou parado por um momento, com a bola nas mãos, seus olhos
fixos na cesta do outro lado. O silêncio no ginásio era tão tenso que eu
quase podia ouvir os cacos das minhas próprias dúvidas se quebrando no
chão. Ele quicou a bola no chão uma vez, depois outra. Estávamos a quase
vinte metros de distância, e eu sabia que aquilo era insano.
— Você sabe que isso é uma loucura, né? — Ele perguntou, ainda
sorrindo, seus olhos brilhando com aquela confiança que eu já estava
acostumada.
— Então me mostra — eu respondi, cruzando os braços.
Tentei segurar o riso, mas falhei miseravelmente. Marcus respirou
fundo, posicionando-se com a bola nas mãos. Ele ficou parado por um
segundo, concentrado, como se estivesse se preparando mentalmente. E
então, com um movimento rápido e preciso, ele lançou a bola no ar. Eu
prendi a respiração, observando enquanto a bola subiu, girando lentamente,
como se estivesse decidindo se queria realmente entrar ou só me dar um
susto. Senti meu coração parar por um segundo, e quando o som seco da
bola batendo no aro da cesta ecoou pelo ginásio, eu prendi a respiração. A
bola fez uma pequena dancinha ao redor do aro, como se estivesse
brincando com as minhas esperanças, antes de finalmente... cair direto na
cesta.
Meu queixo praticamente tocou o chão.
— Não acredito — eu murmurei, boquiaberta.
Antes que eu pudesse reagir, Marcus correu até mim, me pegou pela
cintura e me ergueu no ar, girando-me como se eu fosse leve como uma
pena. Eu não pude evitar o riso que escapou dos meus lábios enquanto ele
me girava.
— Marcus! — gritei, rindo enquanto batia levemente no ombro
dele. — Me coloca no chão!
Ele apenas riu, me segurando firme enquanto girava comigo no ar,
como se estivesse comemorando a maior vitória de sua vida. Havia algo de
contagiante na alegria dele, e, por mais que eu tentasse fingir que estava
irritada, meu riso se misturava ao dele. Quando finalmente me colocou de
volta no chão, seus olhos encontraram os meus com aquela intensidade que
sempre fazia meu coração acelerar.
— Eu avisei, Alice — disse ele, com um sorriso vitorioso, como se
tivesse acabado de ganhar o campeonato da vida.
Eu me preparava para revirar os olhos e brincar, mas então seu
olhar mudou. Ficou mais suave, mais profundo, e ele se inclinou, ficando
perigosamente perto. Sua voz veio baixa, rouca.
— Eu faria qualquer coisa por você.
O ar ao nosso redor pareceu se transformar. O ginásio, a cesta...
tudo desapareceu. O mundo se resumiu a nós dois, ali, parados no meio de
algo que não podia mais ser ignorado. Meu coração batia tão forte que eu
tinha certeza que ele podia ouvir.
— Marcus... — murmurei, a voz baixa. — Você sabia que eu ia
aceitar voltar a ser crítica literária, mesmo se você não tivesse acertado a
cesta, né?
Ele sorriu, um daqueles sorrisos que iluminavam tudo ao redor, e
me puxou para mais perto, seus dedos tocando meu rosto com delicadeza.
— Claro que sabia — ele sussurrou, os lábios quase tocando os
meus. — Mas eu queria te mostrar que sou muito bom. E sou melhor ainda
com você ao meu lado.
Antes que eu pudesse responder, seus lábios encontraram os meus.
O beijo aprofundou-se, seus lábios movendo-se sobre os meus com uma
intensidade que eu não esperava, mas que me envolveu completamente. Ele
me puxou mais perto, suas mãos firmes segurando minha cintura, e antes
que eu percebesse, sentia meu corpo sendo erguido no ar. Marcus me
levantou com facilidade, segurando-me contra ele como se não quisesse me
soltar nunca mais.
Senti suas mãos fortes me apertando com carinho enquanto me
segurava no colo, e eu envolvi meus braços ao redor de seu pescoço,
rendida àquele momento. Ele sorriu de canto, aquele sorriso que me fazia
esquecer de tudo ao meu redor, e seus lábios se curvaram em um sussurro.
— Eu te amo, Alice Smith.
Pisquei algumas vezes, tentando segurar a emoção que ameaçava
transbordar, eu amava a sinceridade dele. Eu amava tudo naquele homem.
— E eu amo o segundo homem mais rico do mundo — brinquei,
meu sorriso tímido se alargando quando vi a risada suave que escapou de
seus lábios. Ele jogou a cabeça para trás por um instante, rindo
genuinamente, antes de me olhar de novo. E então me beijar novamente.
As vozes da plateia ecoavam pelo corredor, vibrando como um
rugido distante que se aproximava cada vez mais. Meu coração parecia
estar em sincronia com aquela vibração, batendo forte e rápido, enquanto a
ansiedade subia como uma maré alta. Eu me recostei na parede, respirando
fundo. O assistente de produção, com o microfone no ouvido, me segurou
pelos ombros, guiando-me até as cortinas. Fiquei ali, parada, esperando o
sinal para afastá-las. Eu estava nervosa, sem dúvida. Muito.
As palmas e risadas vinham do palco, misturando-se, até que a voz
clara e animada de Elisa finalmente cessou, trazendo um silêncio denso. Era
o meu momento. A hora de entrar.
Dois anos. Dois anos tinham se passado como um borrão desde que
minha vida tomou um rumo inesperado. Parecia ontem que eu me escondia
de entrevistas e fugia dos holofotes. Agora, estava prestes a aparecer diante
de milhares de pessoas no talk show de Elisa, um dos mais assistidos da
América.
Era o meu aniversário. Dia 23 de novembro.
Hoje à noite, depois da entrevista, vou jantar com o meu homem
para comemorar meu aniversário, sendo que ele deixou claro que era tudo
surpresa. E eu estava ansiosa? Claro que sim. Olhei para minha mão
esquerda e vi o anel dourado brilhando sob as luzes do corredor, um
lembrete de que eu não era mais apenas Alice Smith. Eu era Alice Lewis
agora. Esposa e CEO da RedCompany. E, além disso, eu estava prestes a
me formar no próximo ano na Universidade de Columbia. Quem diria?
O som de Elisa me chamando do palco me fez voltar à realidade, e
eu dei um último ajuste no vestido preto, de ombro a ombro, com as
mangas compridas que abraçavam meus braços, e a saia rodada que me
fazia sentir segura. Com as mãos, afastei as longas cortinas azuis e, em um
gesto automático, acenei para a plateia, que me recebeu com uma salva de
palmas ensurdecedora. Minhas pernas ainda tremiam levemente, mas
mantive a postura, caminhei até o sofá de couro no centro do palco e me
sentei. A voz de Elisa soou novamente, introduzindo nossa conversa, mas
por um breve momento, minha mente se afastou, perdida em um turbilhão
de pensamentos.
Tanta coisa mudou... De crítica literária insegura a uma das figuras
mais influentes no mundo editorial. De mulher solitária a esposa de um
homem incrível. Eu tive medo de fracassar, medo de ser um erro ambulante
E agora, aqui estava eu, forte, bem-sucedida. Como a vida é imprevisível.
Eu olhei para o público à minha frente. E sorri, um sorriso pequeno,
mas cheio de significado.
Eu estava exatamente onde deveria estar.
E quem pensa o contrário? Bem, vá se danar!
Se não fosse pela minha irmã e minha amiga, eu provavelmente
ainda estaria guardando minhas palavras para mim mesma. Então,
primeiramente, um agradecimento especial a elas por me darem a força que
eu precisava para trazer minha escrita até vocês!
É uma alegria imensa ter você aqui, ao final dessa história que um
dia começou como uma simples fanfic no Wattpad. Sim, eu migrei de lá pra
cá! Incrível, né?
Obrigada, muito obrigada!
Quero te pedir um pequeno favor com muito carinho: avalie essa
história? Sua opinião é fundamental para mim e vai ajudar a melhorar as
próximas histórias que já estão em desenvolvimento. Posso adiantar que
teremos muitos clichês deliciosos, várias reviravoltas e, claro, muitas
risadas.
Aproveite e me acompanhe também no Instagram e não perca
nenhuma novidade exclusiva!

Com todo meu carinho e gratidão,

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