A Ironia de Te Amar - Julia Schmidt
A Ironia de Te Amar - Julia Schmidt
A Ironia de Te Amar - Julia Schmidt
Desci do táxi na rua principal perto do Central Park, irritada por ter
que caminhar até a casa da minha avó porque a entrada da rua estava
interditada pela prefeitura. Eles estavam arrumando algo, provavelmente
consertando uma tubulação ou sei lá o quê, e o trânsito estava um caos.
Enquanto caminhava lentamente pelas ruas, observando as
decorações de Halloween nas fachadas das casas, me peguei pensando: por
que será que o pessoal da igreja não gosta dessas coisas? Será porque é
macabro demais? Ou talvez por causa das referências ao oculto? Afinal, Liz
optou por fazer uma festa à fantasia exatamente porque a igreja dela não
comemora o Halloween. Era algo tão curioso... Vou precisar pesquisar isso
depois. Meus pensamentos continuavam a vagar enquanto eu subia as
escadas para entrar em casa.
Passei rapidamente pela casa da minha avó.A ansiedade estava
tomando conta de mim, e a única coisa que eu conseguia pensar era em
organizar minhas roupas no novo closet.
— Alice, vai levar os livros? — minha avó perguntou.
— Sim, vó, mas pego depois — desci as escadas com as malas. —
Preciso só levar isso aqui.
Depois de descer todas aquelas escadas e praticamente arrastar três
malas pesadas até minha nova casa, finalmente cheguei à porta da entrada.
Abri a porta com um suspiro profundo, sentindo o alívio de estar finalmente
ali. Conferi o relógio, pois o pessoal que iria entregar meu colchão já devia
ter chegado há séculos. Justo quando ia começar a subir as escadas, ouvi
uma buzina lá fora. Caminhei até a porta e a abri.
Lá estavam eles, os entregadores, segurando meu colchão como se
fosse a coisa mais leve do mundo. Colocaram-no na sala e foram embora
como se tivessem acabado de resolver a crise mundial. Simples assim.
Fiquei encarando o colchão por uns segundos, pensando: como é
que eu vou levar isso até o terceiro andar sozinha? Resolvi tentar. Na
primeira tentativa, ele mal se mexeu. Na segunda, eu consegui levantá-lo
um pouco, mas logo percebi que era pesado demais. Quando tentei pela
terceira vez, minhas mãos escorregaram, e lá fui eu, caindo direto por cima
do colchão, estatelada no chão da sala.
Era isso, o colchão me venceu.
Estirada no meio da sala, completamente derrotada pelo colchão, eu
senti meu telefone vibrar no bolso. Com um suspiro, tirei o celular e olhei
para a tela. Número desconhecido. Normalmente, eu ignoraria, mas, por
alguma razão, decidi atender.
— Alô? — perguntei, já esperando que fosse uma daquelas ligações
de telemarketing.
— Alice?
Reconheci a voz. Era Elisa, e eu estava oficialmente confusa.
— Elisa? — falei, franzindo a testa. — Espera... como tem meu
numero?
— Ah, eu peguei com Ashley. Não importa! — Ela riu, e eu podia
imaginar o sorriso animado dela do outro lado da linha. — Eu não pensei
em ninguém além de você para me fazer companhia hoje.
— Companhia? Para o quê? — Perguntei, ainda sem entender onde
ela queria chegar.
— Para o jogo dos Knicks! Hoje à noite, no Madison Square
Garden. Vamos? — A empolgação na voz dela era inegável.
Jogo de basquete? Eu? Minha mente deu um nó. Eu nunca fui uma
grande fã de esportes, para ser honesta. Nem basquete, nem futebol, nada.
Mas Elisa estava tão animada que fiquei curiosa.
— Eu... no jogo dos Knicks? — falei, tentando absorver a ideia de
mim mesma em uma arena lotada, assistindo a um jogo que eu mal
entendia.
— Sim! E você não pode dizer não, porque eu ganhei os ingressos
de um amigo que joga no time! — Ela riu, como se isso fosse a coisa mais
normal do mundo. — Ele me deu dois lugares incríveis, Alice! Seria um
desperdício não ir. E eu realmente queria ir com você!
Deitada no colchão, olhando para o teto e depois para as malas com
minhas roupas jogadas no chão. Eu tinha prometido que ia arrumar o closet
hoje, e a pilha de roupas não ia se organizar sozinha. Além disso, não
gostava muito de esportes, e um jogo de basquete não estava exatamente na
minha lista de “coisas incríveis para fazer em uma noite de sexta-feira”.
Mas Elisa estava tão empolgada, e o fato de ela ter pensado em mim
realmente mexeu comigo. Eu não queria decepcioná-la, mas ao mesmo
tempo... as roupas.
— Hm... eu meio que tenho um compromisso com o meu closet
hoje... — murmurei, indecisa.
— Alice, seu closet vai sobreviver! Isso aqui é uma experiência
única! — Ela insistiu, a voz dela cheia de expectativa. — E, vamos lá,
quando foi a última vez que você fez algo espontâneo?
Suspirei, olhando ao redor da sala, e sorri. Elisa tinha um ponto. A
ideia de passar a noite organizando roupas de repente parecia infinitamente
menos atraente do que me divertir com ela.
— Tá bom, você venceu. Eu topo — respondi, com um sorriso que
agora era impossível segurar.
Talvez meu closet pudesse esperar mais um dia.
— Ótimo! Falta uma hora para o jogo, ele começa às oito e meia,
então você está meio que pronta, né? — Elisa perguntou com aquela
animação insuportavelmente contagiante.
— O quê? É agora? — Olhei para o relógio na parede. Sete e meia.
Eu ainda tinha tempo, mas não muito. Me levantei do colchão com um
salto. Para ser honesta, eu já estava praticamente pronta. Usava minhas
roupas de sempre: calça preta, camisa preta, casaco preto. Prático, básico e,
claro, completamente previsível.
— Sim! Desculpa, eu ganhei os ingressos de última hora — ela
disse, quase se desculpando, mas sem esconder o entusiasmo.
Eu ia me convencer de que estava tudo certo até que Elisa,
acrescentou.
— Ah, e só tem um pequeno detalhe... a gente vai precisar usar as
camisas do time. Nada de preto hoje, querida.
Parei no meio do movimento, como se tivesse sido atingida por um
raio. Camisa do time? Nada de preto? Isso parecia uma afronta ao meu
código de vestimenta pessoal.
— Espera... como assim camisa do time? — perguntei, tentando
esconder o pânico. — Eu não tenho nada dos Knicks!
— Relaxa, eu tenho uma extra pra você! Não vou deixar você entrar
lá com esse seu visual de ‘funeral chic’. Hoje a gente vai com cores!
Elisa riu do outro lado da linha, como se fosse a coisa mais óbvia
do mundo. Suspirei, aceitando o destino cruel de vestir algo fora do meu
estilo usual. Claro que Elisa teria tudo planejado. Ela sempre estava um
passo à frente.
— Tudo bem... — murmurei, derrotada.
— Perfeito! Estou indo te buscar agora mesmo! — E, antes que eu
pudesse reagir, ela desligou o telefone.
Ela disse me buscar? Como ela sabia meu endereço? Eu nunca tinha
dado meu endereço para Elisa. Não era algo que mencionamos
casualmente, do tipo “ah, me chama para um jogo e me busca em casa”.
Dei uma olhada ao redor. As malas com minhas roupas ainda não
organizadas me olhavam de volta, como se me julgassem silenciosamente
por abandoná-las. Mas, sinceramente, se eu ia me enfiar num jogo de
basquete com Elisa, talvez fosse melhor deixar as roupas para depois.
Não demorou muito para eu ouvir a buzina de um carro do lado de
fora. Olhei pela janela, e lá estava Elisa, animada como sempre abanando
pela janela de trás dentro do taxi. Abri a porta e encarei a situação, meio
desconfiada, mas com um sorriso no rosto. Afinal, quem precisa de
privacidade quando tem uma colega de trabalho que adora jogos de
basquete e sabe exatamente onde você mora sem nunca ter perguntado?
Assim que entrei no táxi e fechei a porta, estava Elisa sentada
confortavelmente no banco, um sorriso no rosto e, claro, a famigerada
camisa dos Knicks no colo.
— Oi! — Cumprimentei, ainda sem acreditar que eu estava prestes
a ir a um jogo de basquete. Logo eu, que mal sabia o que era um arremesso
de três pontos.
— Oi, Alice! Pronta para sua transformação para fã de basquete? —
Ela brincou, balançando a camisa na minha direção.
— Super pronta — respondi com ironia, pegando a camisa como se
fosse uma armadilha. — Mas, antes de mais nada, como você descobriu o
meu endereço?
Elisa deu uma risadinha, claramente achando graça da minha
surpresa.
— Ah, foi a Ashley que me passou. Só que, quando cheguei lá, era
a casa da sua avó.
— E minha avó, obviamente, entregou meu novo endereço de
bandeja, né? — Eu completei, já sabendo a resposta.
— Exatamente! — Elisa riu. — Ela foi super simpática. Até me
ofereceu café antes de dizer onde você estava morando agora. Mas tive que
recusar, obviamente não dava tempo, mas combinamos que eu irei voltar lá.
Ela riu. Balancei a cabeça, meio derrotada, meio rindo. Essa era tão
a cara da minha avó.
— Pelo menos você chegou até aqui — falei, ajustando a camisa
dos Knicks sobre o colo. — Apesar de eu ainda estar processando essa
coisa de assistir a um jogo de basquete. Eu não sou uma pessoa fã de
esportes Elisa...
— Ah, relaxa! Vai ser divertido! — Elisa disse, animada. — E,
além disso, quem precisa entender de basquete quando você tem ótimos
lugares pra sentar e gente gritando ao seu redor?
— Ótimos lugares? — Levantei uma sobrancelha, curiosa.
— Sim! — Elisa respondeu com um sorriso orgulhoso. — Nada de
lugares comuns hoje. Vamos estar bem perto da ação.
— E eu aqui, mal sabendo a diferença entre um drible e um rebote.
Elisa me deu um leve empurrão de brincadeira.
— Não se preocupe. Eu te ensino o básico enquanto a gente assiste.
Só... não grite 'gol', por favor.
Ri alto.
— Vou tentar me controlar.
O táxi avançava pelas ruas de Nova York, e o brilho das luzes da
cidade refletia na janela, me deixando momentaneamente hipnotizada. Era
engraçado pensar que eu, no auge da minha falta de interesse por esportes,
estava a caminho de um dos maiores eventos da cidade — e ainda por cima
com uma amiga empolgada demais para me deixar escapar.
— Mas sério, Alice — Elisa disse, quebrando o silêncio. — Estou
feliz que você topou vir. Precisamos fazer mais coisas juntas, sair mais,
sabe? Sempre acho que você tá meio escondida no seu mundo, e eu quero te
puxar para o meu um pouquinho, fazer você conhecer de verdade o que é
diversão.
Olhei para ela, e um sorriso genuíno surgiu no meu rosto.
— É, talvez eu precise ser puxada de vez em quando. Só... não com
esportes toda vez, tá?
— Prometido! — Elisa riu, batendo levemente no meu braço.
Assim que eu e Elisa passamos pela entrada principal do Madison
Square Garden, fui atingida por uma onda de lembranças. Não fazia muito
tempo que estive ali — setembro, para ser exata — no show do Pearl Jam.
A diferença, claro, era o cenário. Em vez da energia frenética dos fãs de
rock, o lugar agora estava tomado por um mar de camisetas laranjas e azuis
dos Knicks, pessoas conversando animadamente, com aquela vibe típica de
jogo de basquete.
O ambiente era completamente outro, e eu não pude evitar sentir
uma estranha nostalgia. Lembro que naquela noite, a única coisa que me
importava era o som da guitarra do Mike McCready ecoando pelo estádio.
Agora? Bem, agora eu estava me preparando para ver bolas voando, gente
gritando "defesa" e, quem sabe, até aprender alguma coisa sobre basquete.
— Uau — murmurei, observando as luzes brilhantes, o enorme
placar no centro e a quadra perfeitamente polida, que mais parecia uma
pista de dança. — Totalmente diferente do que eu me lembro.
Elisa, que já estava familiarizada com o lugar, me deu um leve
empurrão.
— O que foi? Esperava ver o Ozzy Osbourne cantando em cima do
placar?
Ri, diante da declaração dela. Black Sabbath era meu vício
momentâneo, e claro que ela sabia disso, já leu meu blog. Ainda assim, a
empolgação de Elisa era contagiante. Ela praticamente saltitava à minha
frente, conduzindo-nos pelos corredores lotados como se fosse dona do
lugar.
— Vamos lá, nossos assentos são bem na frente. E quando eu digo
frente, é tipo... frente mesmo!
Eu a segui, tentando não esbarrar nas pessoas que caminhavam
apressadas em direção a seus lugares. Senti o cheiro de pipoca no ar,
misturado com o som de conversas animadas e gritos de fãs. Tudo ao meu
redor parecia se mover em câmera lenta.
Quando finalmente chegamos aos nossos lugares, eu parei. Elisa
não estava brincando. Nossos assentos eram tão perto da quadra que eu
conseguia ver o suor na testa dos jogadores durante o aquecimento.
Literalmente em frente ao espetáculo todo.
— Meu Deus, Elisa... — falei, olhando para ela com os olhos
arregalados. — Estamos praticamente no colo dos jogadores!
— Eu te disse! — Ela sorriu, enquanto se acomodava na cadeira e
batia as mãos nas pernas com satisfação. — Aproveite, Alice! Não é todo
dia que se consegue esses lugares.
Ainda em choque, me sentei ao lado dela, tentando absorver a
grandiosidade do momento. O Madison Square Garden nunca parecia
pequeno, mas, dessa vez, eu me senti no centro de um gigante.
Eu observei os jogadores fazendo seus arremessos, correndo de um
lado para o outro da quadra. A energia no estádio começava a crescer, com
mais pessoas se acomodando em seus assentos, as vozes ficando mais altas.
Olhei ao redor e soltei uma risada.
— Bom, pelo menos o Eddie Vedder não vai aparecer dessa vez
Murmurei, mais para mim mesma, tentando me acostumar com a
ideia de estar em um jogo de basquete e não num show de rock. Era meio
surreal. Eu só ia a shows e essa nova experiência estava me deixando um
tanto desconfortável.
— Relaxa, Alice — disse Elisa, me lançando uma piscadela com
um sorriso travesso. — Quem sabe você acaba gostando mais disso do que
de um show de rock.
Duvido muito, pensei, mas mantive isso comigo enquanto me
ajeitava na cadeira, me preparando para o início do jogo. Foi então que
Elisa olhou para mim de relance e, antes que eu pudesse me esconder, ela
soltou:
— Ah, e coloca logo a camisa do time, né?
Suspirei, tirando o casaco preto com relutância. Sob ele, claro,
estava minha fiel companheira: uma camisa preta básica, quase como uma
extensão da minha alma. Peguei a camisa dos Knicks que Elisa me entregou
e a vesti por cima, sem muita cerimônia. Olhei para o resultado... Não era
exatamente um look que eu escolheria, mas, enfim, ali estava eu.
— E aí? — perguntei, erguendo as sobrancelhas para Elisa.
Ela me deu uma rápida olhada, acenando com a cabeça, mas
claramente distraída enquanto seus olhos percorriam o ambiente ao redor.
— Tá bom, Alice. Tá ótimo — respondeu, mas antes que eu
pudesse agradecer o elogio questionável, ela se inclinou um pouco e
arregalou os olhos. — Olha só quem tá chegando... ao lado do LeBron
James!
— Quem é LeBron? — perguntei, fazendo uma careta
genuinamente confusa.
Elisa me encarou como se eu tivesse acabado de confessar um
crime.
— Meu Deus, Alice, em que mundo você vive? — Ela balançou a
cabeça, incrédula, e apontou discretamente para uma parte da quadra. —
LeBron James, sabe? O maior jogador de basquete da atualidade? Ele tá
caminhando ali, ó!
Segui o olhar dela, tentando entender o que tanto a impressionava.
Eu olhei na direção indicada e, de repente, congelei. Não era o tal do
LeBron que chamou minha atenção, mas... Marcus. Conversando
animadamente com ele. Usava uma camisa preta, mangas dobradas até os
cotovelos, e uma calça cinza. O cabelo dele, claro, estava daquele jeito
impecável e intocável de sempre.
— Ah, claro... o LeBron James — murmurei, meio em choque
ainda, mas definitivamente não por causa do astro do basquete.
— E então, viu? — Elisa perguntou.
— Sim, vi... — respondi, com os olhos fixos em Marcus, enquanto
ele ria de algo que LeBron havia dito.
Eles caminharam mais um pouco, e Marcus se despediu, sentando-
se em um dos lugares reservados perto do banco dos Lakers, bem de frente
para os nossos assentos. Foi impossível não reparar nele. Ele virou o rosto
no momento exato em que uma mulher loira, com pernas longas e cabelo
digno de comercial de shampoo, se sentou ao lado dele. Ótimo, pensei, mais
uma tiete do Marcus Lewis.
Não que isso devesse me incomodar... certo?
Eles trocaram algumas palavras rápidas. Ela soltou uma risadinha,
provavelmente de algo sem graça, e, sem cerimônia, se levantou e foi
embora, como se tivesse sido apenas uma breve parada no caminho.
Estranho. A interação parecia casual demais. Sério, será que ele é gay?
Porque, convenhamos, aquela mulher era linda demais pra ser ignorada
desse jeito. E pelos andares dela, com toda aquela risada e charme forçado,
ela parecia muito interessada nele.
Então, um homem atrás de Marcus pediu uma foto. Ele sorriu
educadamente, posou, e depois voltou a se ajeitar no banco, como se aquilo
fosse rotina. E foi exatamente nesse momento, enquanto eu ainda tentava
entender por que meu rosto estava ficando quente como uma frigideira no
fogo, que Marcus olhou diretamente para frente. Seus olhos encontraram os
meus.
E eu não desviei o olhar. Nada disso. Eu sabia que ele estava me
analisando, mas, em vez de fugir, continuei encarando, como se estivesse
aceitando o desafio. Meu semblante sério. Se ele queria me intimidar com
aquele olhar, estava muito enganado. Mantive meus olhos nos dele, sem
vacilar, provocando-o com meu silêncio.
Marcus se inclinou ligeiramente para frente, os olhos ainda fixos
em mim, tentando decifrar o que eu estava fazendo. Cada segundo desse
jogo silencioso parecia durar uma eternidade, e eu sabia que ele estava
tentando entender por que eu não olhava para o lado, mas essa era a graça.
O ar ao redor de nós parecia vibrar com uma tensão silenciosa, e eu podia
sentir meus lábios se apertarem num sorriso quase imperceptível.
É isso aí, continua me encarando. Eu não vou recuar.
De repente, fui arrancada daquele momento por Elisa, que
praticamente pulava no assento ao meu lado.
— Aaaah! O jogo vai começar! — Ela me sacudiu, com
empolgação infantil. — E pelo amor de Deus, para de encarar o Marcus
assim! Tá literalmente comendo ele com os olhos.
— Eu? — arqueei uma sobrancelha, sem me dar ao trabalho de
disfarçar. — Só estava olhando.
— Ah, claro, "só olhando" — Elisa revirou os olhos, rindo. —
Alice. Eu vi tudo.
— Não era isso... — tentei protestar, mas minha voz soou fraca.
Elisa me olhou com uma sobrancelha arqueada, enquanto o jogo começava
e os jogadores corriam para a quadra. Eu respirei fundo, tentando me
concentrar no que estava acontecendo, mas minha mente estava
completamente dispersa.
Eu até tentei me concentrar no jogo, juro. Mas Elisa, ao meu lado,
estava constantemente soltando gritinhos animados e apontando para alguns
famosos sentados nas arquibancadas.
— Olha, Alice! Aquele ali é o Robert De Niro! E o Jay-Z?! Você tá
vendo?
Eu apenas acenava com a cabeça e fingia interesse. Sinceramente,
eu não dava a mínima. Meu foco estava longe do basquete e muito menos
nas celebridades.
De vez em quando, eu não resistia e olhava na direção de Marcus, e
quase todas as vezes, ele estava olhando para mim. Um olhar fixo, quase
desafiador. Eu desviava o olhar rápido, tentando manter a compostura, mas
a sensação de ser observada era constante, o que fazia meu coração bater
mais rápido do que eu estava disposta a admitir.
Quando o primeiro quarto do jogo finalmente terminou, eu me virei
para Elisa.
— Vou ao banheiro.
— Claro, vá lá — respondeu ela, distraída, ainda empolgada com o
jogo.
Levantei-me e saí da nossa seção, sentindo um alívio ao sair
daquele clima carregado de tensão. Caminhei pelos corredores do Madison
Square Garden, com o zumbido das conversas ecoando ao meu redor, mas
minha mente estava longe. Ao encontrar o banheiro, empurrei a porta e
entrei, o ambiente com azulejos brancos e luzes fortes me trouxe um
mínimo de tranquilidade. Olhei-me no espelho, ajeitei o cabelo sem muito
entusiasmo, tentando não pensar em Marcus, mas claro que ele estava lá,
em algum canto da minha mente.
Isso não é normal, pensei, enquanto me encarava no espelho.
Respirei fundo, lavei as mãos, mesmo sem precisar, só para ganhar
um tempo a mais. Dei uma ajeitada na blusa, estava pronta para voltar para
o jogo, quando a porta se abriu de repente. Marcus entrou, como se fosse o
lugar mais natural para ele estar.
— O que você veio fazer em um jogo de basquete? — ele
perguntou, como se eu fosse a invasora aqui, ignorando completamente o
fato de que ele estava no banheiro feminino.
— Eu deveria te perguntar o mesmo, já que esse não é exatamente o
banheiro masculino. — Cruzei os braços e revirei os olhos.
Ele abriu a boca para responder, mas nesse momento ouvimos o
clique da porta prestes a se abrir. Sem me dar tempo de processar o que
estava acontecendo, Marcus me puxou para dentro de uma das cabines. O
espaço apertado nos deixou cara a cara, tão próximos que eu podia sentir
sua respiração batendo no meu rosto.
— O que você pensa que está fazendo?
Comecei a dizer, mas antes que pudesse terminar, Marcus colocou a
mão sobre minha boca. Meus olhos se arregalaram, mas ele sinalizou com o
dedo nos lábios, pedindo silêncio. O som de risos e vozes femininas ecoou
pelo banheiro. Elas estavam conversando animadamente, e uma delas
estava falando sobre… Marcus.
— Você viu o Marcus Lewis hoje? — a primeira mulher disse, a
voz cheia de entusiasmo. — Ele está ainda mais bonito pessoalmente.
— Eu daria tudo para ter uma noite com ele — a outra respondeu,
soltando uma risada maliciosa.
— Não seja boba. Ele está com alguém, provavelmente uma
daquelas modelos supermagras que a gente vê no Instagram — Uma
terceira voz feminina disse, mas o tom de inveja era inegável.
Marcus sorria ao ouvir os comentários sobre si, que ridículo. Ele se
achava o tal a ouvir essas coisas.
— Você acha que ele é tão bom de cama quanto parece? — a
primeira mulher voltou a perguntar, baixando um pouco a voz, mas ainda
alta o suficiente para que escutássemos cada palavra.
A mão de Marcus ainda estava sobre minha boca, e a tensão no ar
era palpável. Seus olhos se fixaram nos meus de novo, agora com um brilho
de diversão. Assim que as mulheres começaram a sair, ele lentamente tirou
a mão, mas não recuou nem um milímetro.
— E agora, Alice? Vai me dizer o que faz aqui? — Ele murmurou,
com aquela voz baixa e arrastada que me irritava tanto quanto me
desestabilizava.
Eu sustentei o olhar firme, mesmo que o espaço entre nós estivesse
menor do que eu gostaria. Era sufocante, mas eu não ia deixá-lo perceber
isso.
— Lhe interessa? — retruquei, mantendo meu tom tão desafiador
quanto possível.
A resposta dele foi dar um passo à frente, me prendendo contra a
parede da cabine, o corpo dele próximo demais. Minha mente gritava para
sair dali, mas meu corpo parecia hipnotizado pela proximidade. Não era só
raiva que sentia, e isso me irritava ainda mais.
— Quer mesmo fazer isso? — Ele sussurrou, o rosto tão perto do
meu que eu podia sentir a respiração quente dele contra minha pele.
— O que, Marcus? — perguntei, tentando manter a firmeza na voz,
mesmo que a proximidade fosse esmagadora. Meu coração batia rápido,
mas eu não ia ceder.
Ele me olhou com aquele sorriso torto que fazia meu sangue ferver,
e por um instante, esperei que ele explodisse. Mas em vez disso, ele se
inclinou ainda mais, nossas respirações se misturando, o espaço entre nós
praticamente inexistente.
— Admite, Alice... — ele murmurou, a voz carregada com um tom
provocador que me deixava fora de controle. — Você gosta de me provocar.
— Eu? Te provocar? — soltei uma risada seca. — Você não passa
de um idiota arrogante, Marcus. Por que eu perderia meu tempo?
— Você acha que pode falar o que quiser, não é? — Ele rosnou,
seus olhos fixos nos meus, a respiração pesada batendo contra a minha pele
— Acha que é a única que sabe jogar esse jogo?
— Eu não preciso jogar nada com você, Marcus. Porque, no final
do dia, você não passa de um cara cheio de si, que acha que o mundo gira
ao seu redor. E adivinha só? Não gira.
Por um momento, achei que ele fosse explodir, o que eu preferia,
sinceramente. Mas em vez disso, Marcus se inclinou ainda mais, deixando a
tensão no ar aumentar. O cheiro dele, a sensação da presença esmagadora,
tudo estava fazendo minha cabeça rodar.
— Você não é a única que sabe provocar, Alice. Isso é o que te
irrita, não é? Eu te desequilibro. — Ele sussurrou.
Eu soltei uma risada curta, mas por dentro, minhas emoções
estavam em um furacão.
— O que me irrita é você achar que tem esse poder sobre mim,
Marcus.
Ele apertou ainda mais o maxilar, o olhar sério.
— Talvez eu tenha mais poder do que você quer admitir —
murmurou, um sorriso arrogante surgindo nos lábios.
A mão de Marcus se moveu para o meu rosto, afastando uma mecha
de cabelo que caía sobre meus olhos. Ele a colocou delicadamente atrás da
minha orelha, sem desviar o olhar. Meu corpo ficou tenso com o toque. Ele
não disse nada enquanto fazia isso, apenas manteve aquele olhar fixo e
determinado, como se soubesse exatamente o que estava fazendo comigo.
Então, sem hesitar, ergueu meu queixo com dois dedos, me forçando a olhar
diretamente para ele.
— Vamos ver quanto tempo mais você consegue resistir, Alice —
murmurou, a voz baixa, cheia de provocação.
Eu quis responder, dizer algo que o fizesse parar, mas as palavras se
perderam. Ele sorriu de canto, aquele sorriso arrogante que tanto me
irritava, e, sem dizer mais nada, se afastou lentamente, saindo da cabine e,
em seguida, do banheiro.
Fiquei ali por alguns segundos, tentando entender por que sempre
era ele que saía por cima dessas situações. Suspiro, tentando dissipar a
tensão antes de sair do banheiro. O que foi tudo aquilo? Ainda me sentia
esquisita com as palavras dele ecoando na minha cabeça, mas, enfim, não
dava para fugir.
De volta ao meu lugar, o jogo já estava rolando e, para o meu alívio,
o assento de Marcus estava vazio. Ele tinha ido embora. Ótimo. Mas,
mesmo com ele fora de vista, as últimas palavras dele ainda me perseguiam.
"Vamos ver quanto tempo mais você consegue resistir, Alice." Por que ele
tinha que ser tão... ele? Balancei a cabeça, tentando afastar esses
pensamentos e focar no que estava acontecendo à minha volta. O segundo
quarto acabou.
— Eu vou comprar algo para beliscar, vai querer alguma coisa? —
Ele me perguntou, estava de pé em minha frente.
— Pipoca seria bom — respondi.
Ela assentiu e se afastou, enquanto eu peguei o celular para verificar
minhas mensagens. Talvez isso me distraísse. Mas antes que pudesse focar
em qualquer coisa na tela, percebi alguém ocupando o assento ao meu lado
direito — aquele que estava vazio desde o início.
Franzi o cenho e olhei de relance para a calça, já familiar demais, e
os braços que eu, infelizmente, conhecia muito bem. Levantei o olhar, e lá
estava ele, se ajeitando no assento como se nada tivesse acontecido.
Marcus. Eu o encarei, sem entender absolutamente nada.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, a surpresa
escapando da minha boca antes que eu pudesse controlar.
Marcus virou o rosto devagar para me encarar, com aquele maldito
sorriso torto no rosto, como se a minha pergunta fosse a coisa mais
divertida que ele tinha ouvido o dia inteiro.
— Você parece surpresa — disse ele, ajeitando-se no assento como
se estivesse em casa. — Não posso sentar aqui?
— Pode, mas... — hesitei, buscando uma resposta que fizesse
sentido. — Por que aqui? Esse lugar estava vazio desde o começo do jogo.
— Achei que seria bom ver o resto do jogo desse ângulo. —
respondeu, lançando um olhar de canto, os olhos brilhando com aquela
provocação que já era marca registrada dele.
— Não tem outros lugares mais interessantes para você sentar?
Tipo, não sei, no meio de suas fãs? — O sarcasmo escorreu pela minha
boca antes que eu pudesse me conter.
Marcus riu baixinho, mas havia um toque de algo mais na risada,
como se ele estivesse genuinamente se divertindo com a minha reação.
— Estou um pouco cansado de fãs, hoje... — Ele inclinou-se um
pouco mais na minha direção. — Ou talvez eu só goste de te irritar.
— Ah, claro. Porque essa é a sua especialidade, né? — cruzei os
braços, encarando-o de volta. — Você não tem mais o que fazer?
— Estou exatamente onde eu quero estar — disse ele, sem perder o
tom brincalhão. — E pelo jeito, estou conseguindo o que quero. Você
parece… bem incomodada.
Eu estava, de fato, incomodada. Mas não era exatamente da
maneira que eu queria admitir. Marcus sabia como me tirar do sério, e pior,
ele sabia que me tirava do sério. Isso parecia o motivar ainda mais.
— Estou irritada porque você está agindo como uma criança. —
Respondi, firme. — Pode tirando esse sorriso do rosto, não tens efeito em
mim.
— Não mesmo? — Ele arqueou uma sobrancelha, ainda mais
provocador.
O silêncio entre nós ficou mais pesado, e eu me odiei por deixar a
conversa chegar nesse ponto. Ele parecia que sabia como mexer comigo, e
eu estava irritada com isso já. Esse modo dele de provocar estava me
deixando de saco cheio. Marcus não respondeu imediatamente. Em vez
disso, ficou me olhando com aquele sorriso convencido, o que só me fez
querer socar alguma coisa... ou ele. Eu virei o rosto, encarando a quadra
vazia enquanto o intervalo continuava, com um foco forçado, querendo
ignorá-lo. Ele não ia conseguir me provocar tão fácil assim, não dessa vez.
Eu acho.
— Sabe, — começou ele, a voz baixa e carregada de uma falsa
inocência — você até parece que está gostando da minha companhia.
Eu virei o rosto para ele, os olhos semicerrados.
— Não se engane, Marcus. Se estou te tolerando é porque o jogo
ainda não acabou.
— Tolerando, hein? Se isso é o seu jeito de tolerar, imagine só
quando você começar a gostar. — Ele riu.
— Isso nunca vai acontecer. — Eu bufei.
Ele abriu a boca para responder, mas de repente algo chamou sua
atenção. Seus olhos desviaram para o telão gigante acima da quadra, e foi aí
que eu notei que as luzes ao nosso redor tinham ficado mais intensas. Antes
que eu pudesse entender o que estava acontecendo, ele riu ainda mais.
— Olhe pra cima, Alice. — disse ele, ainda rindo, apontando com a
cabeça para o telão.
Eu congelei. No telão gigante que cobria metade do estádio, lá
estávamos nós. Eu e Marcus. No maldito momento "câmera do beijo". Meu
rosto estampado para o estádio inteiro ver. Meu coração deu um pulo e eu
senti o sangue subir para o meu rosto de uma forma tão rápida que parecia
que eu ia explodir.
— Não... isso só pode ser brincadeira... — murmurei, a voz mal
saindo. Minhas mãos começaram a suar, e o pânico tomou conta.
Marcus estava rindo, claramente se divertindo com a situação.
— Acho que querem um show — disse ele, entre risadas, olhando
para mim com aquele olhar travesso. — Vamos lá, Alice, não vai
decepcionar toda essa gente, vai?
— Nem pensar! — Eu praticamente sussurrei, tentando enfiar a
cabeça por baixo da camisa larga do time que eu estava usando. Meu rosto
estava em chamas e eu sabia que todo mundo estava esperando alguma
coisa. Meu olhar se fixou no telão novamente e vi nossos rostos juntos, o
público animado com gritos e aplausos. Eu queria desaparecer naquele
momento.
Marcus, claro, não perdeu a oportunidade de continuar me
provocando.
— Ah, você está vermelha. Nunca te vi assim antes. — Ele deu
uma risada, inclinando-se mais uma vez na minha direção.
— Isso não é engraçado, Marcus! — Eu sibilei, tentando
desesperadamente manter o controle da situação, mas era inútil.
— Claro que é. — Ele ainda ria, claramente adorando meu
desconforto. — Relaxe, é só uma brincadeira. Eu estava prestes a responder
quando ele parou de rir, seu rosto agora mais sério, mas os olhos ainda
dançando de provocação. Ele deu um meio sorriso antes de murmurar: —
Bom, se a gente não fizer nada, talvez eles fiquem mais insistentes.
Eu estava queimando de vergonha.
— Não vai acontecer, Marcus. — Eu disse, tentando manter minha
voz firme, embora por dentro estivesse uma bagunça de nervos.
— Relaxa, Alice. — Ele disse calmamente, ainda com aquele
sorriso, e então, de repente, seus lábios roçaram minha bochecha, quase de
brincadeira. Eu travei. O público explodiu em gritos e aplausos.
— Pronto. — Ele disse, com um sorriso vitorioso, recostando-se no
assento, enquanto eu tentava me recompor, ainda chocada e nervosa com a
situação.
— Você beijou a minha bochecha? — Eu o encarei, perplexa que
ele fez algo diante de todo mundo. Eu ainda estava tentando processar o que
tinha acabado de acontecer.
Ele ergueu uma sobrancelha, divertindo-se ainda mais com a minha
reação.
— E você queria o quê? Que eu te beijasse de verdade na frente de
todo mundo? — disse, a voz carregada de provocação.
— Claro que não! — Respondi rápido demais, e isso só o fez rir
ainda mais. Eu podia sentir o rubor subindo pelo meu pescoço, e Marcus
estava adorando cada segundo.
— Que pena. Porque pelo jeito, o público adoraria — ele continuou
dando uma olhada no telão, onde nosso pequeno "momento" ainda estava
sendo reprisado com aplausos ecoando pelo estádio. E depois outro casal
apareceu, mas dessa vez eles protagonizaram o beijo que o publico tanto
aguardava. Antes que eu pudesse responder a provocação dele, ouvi o som
de risada de Elisa se aproximando. Ela parece ao meu lado, com um sorriso
enorme no rosto, claramente tentando conter uma gargalhada.
— Eu vi vocês no telão! — disse ela, rindo, enquanto entregava a
pipoca para mim. — O que eu perdi até agora, hein? — Ela piscou para
mim, me deixando ainda mais desconfortável.
Eu bufei, pegando a pipoca da mão dela, tentando disfarçar o
constrangimento.
— Sem pergunta por favor, chega de constrangimentos por hoje.
Falei, sem muita convicção, porque Marcus estava ali do lado, me
encarando com aquele maldito sorriso. Elisa se inclinou para dar uma
olhada melhor nele, e seu sorriso só aumentou.
— Marcus! Como você está? — disse ela, oferecendo um
cumprimento amigável.
— Estou ótimo, Elisa. E você? — Ele a cumprimentou com um
aceno de cabeça, ainda mantendo aquele tom casual, como se a cena
anterior não tivesse causado nenhuma reação.
— Melhor agora, depois do show de vocês.
Elisa riu, dando um tapinha no meu ombro como se estivesse me
parabenizando pela performance. Eu quis me enterrar naquele momento.
— Agradeço o elogio — respondeu Marcus, piscando para mim de
novo, antes de se voltar para Elisa. — Parece que a Alice está se
acostumando a ficar no centro das atenções. Talvez da próxima vez, ela seja
a estrela do show.
— Duvido — resmunguei, me afundando no assento e jogando uma
pipoca na boca, tentando ignorar o quanto ele estava se divertindo às
minhas custas.
— Quem sabe? A próxima "câmera do beijo" pode ser mais
interessante ainda — disse ela, claro que ela não perderia a oportunidade de
me provocar.
Eu continuei mordendo a pipoca, tentando ignorar os dois. Eu
tentava focar no jogo, mas era inútil. Minha mente estava uma bagunça de
pensamentos dispersos, cada um mais frustrante que o outro. O jogo? Um
borrão. Mal percebi quando terminou, e só fui me dar conta de que os
Lakers tinham vencido os Knicks quando todo o estádio começou a se
levantar.
Enquanto eu ainda tentava me orientar, Marcus foi rapidamente
cercado por algumas pessoas que pediam para tirar fotos com ele. Ele
assentiu, educado, como se já estivesse acostumado com a atenção. Claro,
Marcus sabia como comandar o ambiente, e aparentemente, não era só no
círculo mais íntimo.
— Isso acontece o tempo todo — Elisa sussurrou no meu ouvido,
interrompendo meus devaneios. — Afinal, ele é o segundo homem mais
rico do mundo.
Revirei os olhos, tentando ignorar o comentário e a sensação
estranha que vinha junto com essa informação.
— Vamos embora? — perguntei, querendo sair dali o quanto antes.
— Ainda não — respondeu ela, com um brilho nos olhos que me
deixou desconfiada. — Preciso falar com meu amigo.
— Que amigo? — Levantei uma sobrancelha.
— Segredo... mas prometo que te conto depois.
Suspirei, sem insistir. Pelo jeito eu não conseguiria arrancar dela
esse segredo, não importa o quanto perguntasse. Enquanto a seguia pelos
corredores lotados do Madison Square Garden, minha mente vagava,
imaginando quem seria esse tal amigo misterioso. Algo me dizia que a
resposta seria interessante. Elisa parou de repente e se virou para mim.
— Me espera aqui, tá? Volto em dez minutos.
— Dez minutos? — perguntei, incrédula.
— Eu prometo! — disse ela antes de se afastar, desaparecendo no
meio da multidão.
Me vi sozinha, cercada por estranhos, e resolvi me encostar na
parede para esperar. Minhas mãos se mexiam inquietas, enquanto meus
olhos vagavam pelo lugar. Foi quando avistei Marcus novamente, em meio
à pequena multidão que se formava ao redor dele. Ele posava para fotos,
sorrindo para os desconhecidos com uma facilidade que só os
extremamente carismáticos parecem ter. Seus movimentos eram
descontraídos, mas havia algo de calculado em cada gesto. Mesmo cercado,
ele ainda controlava a situação.
Então, notei a aproximação de dois seguranças enormes, que se
postaram ao lado dele, criando uma barreira sutil entre Marcus e as pessoas.
Era quase imperceptível, mas evitava que a multidão o esmagasse. Em
poucos minutos, ele começou a se afastar do grupo, cumprimentando as
pessoas no caminho com acenos e sorrisos.
Elisa voltou alguns minutos depois, parecendo satisfeita, mas eu
não perguntei nada sobre o tal amigo. Se fosse algo que ela quisesse
compartilhar, acabaria contando eventualmente. De qualquer forma, minha
cabeça estava cheia demais para mais mistérios naquela noite.
Saímos do Madison Square Garden e nos juntamos à multidão que
também esperava por táxis na calçada. O trânsito estava um caos, e
conseguir um carro parecia quase impossível. O clima estava agitado com
todos saindo ao mesmo tempo, e eu já começava a me perguntar quanto
tempo ainda ficaríamos ali esperando. De repente, um Rolls Royce SUV
preto, brilhante, parou bem na nossa frente. O vidro do carona se abaixou
lentamente, e antes mesmo de eu ter tempo de processar o que estava
acontecendo, o rosto de Marcus surgiu na janela.
Eu o encarei, surpresa, depois olhei para Elisa, sem saber o que
pensar. Ela, sem hesitar, se abaixou até a janela, como se aquilo fosse a
coisa mais natural do mundo.
— Entrem, eu levo vocês — disse Marcus, casualmente, como se
não estivesse me causando nenhum desconforto. Ele sequer pareceu se
incomodar com o fato de que eu ainda estava atordoada com os
acontecimentos da noite. Elisa olhou para mim esperando minha resposta,
mas eu já estava balançando a cabeça em negação, antes mesmo de ela abrir
a boca.
— Alice, por favor. — Ela se aproximou e sussurrou no meu
ouvido. — Ou a gente fica aqui mais meia hora, fácil, e congelando, ou
vamos para casa agora. Qual é a opção mais sensata?
Eu suspirei, derrotada. Elisa tinha razão. Conseguir um táxi ali seria
quase impossível, e meu corpo já começava a sentir o cansaço do dia. Não
que eu quisesse admitir isso.
— Tá bom, tá bom. — Concordei, quase me arrependendo de ter
dito isso.
Elisa sorriu, satisfeita, e nos dirigimos até o carro. Eu estava prestes
a abrir a porta do banco de trás para me enfiar com ela lá, quando Elisa, deu
um pulo e se jogou na minha frente.
— Ah, não, senhora. — Ela disse, empurrando-me gentilmente de
volta. — Eu vou atrás. Você vai na frente com o seu "querido amigo".
Ela disse enfatizando aspas no final da frase.
— Querido amigo? — retruquei, olhando para ela, incrédula. —
Você só pode estar de brincadeira, Elisa.
Ela piscou para mim e entrou no banco traseiro com um sorriso
travesso no rosto, deixando-me sem opção. Dei dois passos e abria porta do
carona, Marcus, do lado de dentro, observava tudo com uma expressão
divertida, obviamente gostando da cena.
Eu revirei os olhos, incapaz de acreditar no que estava acontecendo,
e me arrastei para dentro. Quando me sentei, o couro do carro frio me fez
sentir ainda mais desconfortável.
— Muito bem, motorista — eu disse, soltando o ar e olhando
diretamente para Marcus. — Vamos, antes que eu me arrependa disso.
Ele riu, ligando o carro com um movimento ágil.
— Está confortável, Alice? Ou prefere voltar para a calçada?
— Vamos logo com isso — retruquei, ajeitando o cinto e ignorando
o sorriso provocador dele.
Do banco de trás, Elisa estava quieta por alguns segundos, mas logo
começou a soltar risadinhas.
— Vocês dois são hilários. Um ótimo clichê romântico — disse ela,
tentando conter o riso, mas falhando miseravelmente.
— Elisa, sério? — virei-me para ela, arqueando uma sobrancelha.
— Estou só dizendo o que todo mundo que viu vocês no telão
devem ter pensado. — Ela deu de ombros. — O que eu posso fazer se a
química é nítida?
— A única coisa nítida aqui é...
Eu pensei em responder, mas decidi que era melhor ficar calada e
me ajeitei olhando para a frente. Com o carro deslizando pelas ruas de Nova
York, eu respirei fundo, torcendo para que a viagem fosse curta... e sem
mais provocações.
Pelo visto Elisa seria a primeira a ser deixada em casa, pois morava
em Manhattan, ali perto. Então logo o carro parou suavemente em frente ao
prédio de dela. Ela se virou para mim, seu sorriso ainda iluminado pela
diversão da noite.
— Bom, foi ótimo estar com vocês, Alice... — Elisa disse, abrindo
a porta do carro e dando um último aceno. — Aproveite o resto da noite!
Nos vemos amanhã.
Ela provocou dando uma piscadinha e saiu do carro, meu rosto
queimou ainda mais de vergonha, visualizei ela entrar no elegante prédio
que ela morava, desaparecendo do meu campo de visão. Agora eu estava
sentindo uma pitada de nervosismo ao perceber que estava sozinha com
Marcus.
Marcus deu a partida, e o silêncio começou a pesar. Marcus, com a
mão firme no volante e um olhar relaxado, foi o primeiro a quebrar o
silêncio.
— Então, Alice — Marcus começou, dirigindo com maestria pelas
ruas de Manhattan —, parece que você não é muito fã de esportes.
Eu o olhei de lado, tentando não demonstrar surpresa pela forma
como ele puxava conversa. Engoli em seco.
— Não muito... — respondi, desejando que o silêncio voltasse.
— Deu pra perceber, mal entendia as jogadas.
— É...
— Que foi? É só de livros que gosta? — A insistência dele era
clara, e parecia que ele estava ignorando completamente o fato de que eu
não queria conversar.
— Gosto de música também... — falei, tentando desviar o foco.
— Hum... que gênero?
— Tá, Marcus, aonde você quer chegar? — Me virei para encará-lo.
Ele parou em um sinal vermelho e virou o rosto para me olhar. — Sabe, nós
dois sabemos que não temos uma boa química para amizade, então se está
insistindo em algo, por favor, pare.
O olhar dele se fixou no meu com uma intensidade que fez meu
coração acelerar. Marcus finalmente deu uma risada baixa, um som que
parecia mais um rosnado.
— Sempre tão direta. — A voz dele era carregada de um tom
desafiador. — Eu estava apenas tentando manter uma conversa. Mas se
você prefere continuar com esse muro de gelo, quem sou eu para insistir?
Eu respirei fundo, tentando controlar a raiva crescente.
— Não é um muro de gelo, Marcus. — Falei com firmeza. — É
apenas uma tentativa de evitar algo que já sabemos que não vai funcionar.
Ele voltou a olhar para a estrada.
— Sempre tão certinha. — Marcus disse, com um sorriso que não
alcançou os olhos. — Mas você deve admitir, Elisa estava certa.
Eu franzi a testa, tentando processar o que ele havia dito. Elisa
apenas queria provocar mencionando aquilo “Clichê romântico”.
— Olha, Marcus, não há necessidade, vamos manter as coisas
simples.
Eu disse, forçando um tom de desdém. O carro continuou
deslizando pelas ruas de Manhattan, e eu mantive meu olhar fixo na cidade
que passava pela janela, tentando ignorar a presença dele ao meu lado.
Finalmente, Marcus virou o carro para a rua onde eu morava e
estacionou em frente à minha casa.
— Aqui estamos. — Marcus disse — Sua casa, como prometido.
Ele me olhou, esperando que eu saísse do carro. Eu respirei fundo e,
sem olhar para ele, abri a porta e saí.
— Até mais, Marcus. — Eu disse com um tom frio, sem me virar
para ele.
Ele deu um último olhar para mim, antes eu fechar a porta e ele
seguir com o carro. Eu assisti o carro se afastar, sentindo um turbilhão de
emoções, e uma raiva contida que parecia ainda pairar no ar.
Com a sensação de que a noite havia sido cheia de acontecimentos
surpresas, entrei em casa, tentando não pensar demais no que havia
acontecido. Eu sabia que, apesar de tudo, eu e Marcus era impossível de
sermos amigos, uma amizade entre nós estava fora de cogitação. Apenas em
ouvir a voz dele, eu me contorcia de ódio, era impossível isso. E pelo visto
ele entendeu o que eu quis dizer. Obvio que entendeu... eu acho.
Sentada na cadeira, com o notebook aberto à minha frente mesa da
cozinha, eu navegava freneticamente por várias docerias da cidade. A
lembrança da presença indesejada de Marcus no jogo de basquete com Elisa
ontem, ainda pairava sobre mim, uma sombra desagradável que eu gostaria
de esquecer.
Tentava focar na busca por algumas opções de docerias na cidade,
mas a maioria delas ficava longe da empresa, o que poderia causar atrasos
na entrega. A última coisa que eu queria era que os doces não chegassem a
tempo para a festa. Foi então que me lembrei de uma padaria que era uma
franquia famosa de Nova Jersey, que já tinha até um programa de TV. Seus
doces eram renomados e sempre deliciosos. A ideia de trabalhar com uma
empresa tão prestigiada me pareceu perfeita. Decidida, peguei o telefone e
liguei para lá. Expliquei à atendente que se tratava de um evento
empresarial, e ela, prontamente entendida do assunto, me ajudou de forma
eficiente e atenciosa. Depois de uma rápida conversa, agendamos um dia
para a degustação e escolha do cardápio. Senti um grande alívio ao resolver
essa parte importante da festa. Agora eu poderia focar em outras tarefas.
Voltei ao notebook e abri meu e-mail. Lá estava a lista de
convidados e o mapa das mesas, conforme a decoração planejada por
Megan. Comecei a revisar os nomes, tentando visualizar como acomodar
cada pessoa da melhor maneira possível. A tarefa era desafiadora, mas
também interessante. Colocar as pessoas certas juntas poderia fazer toda a
diferença na atmosfera do evento. Enquanto lia a lista de convidados
rapidamente, fiquei boquiaberta com alguns dos nomes que vi. Celebridades
que eu conhecia estavam naquela lista.
Foi então que li o nome de Marcus, meu sorriso se desfez
instantaneamente. Decidida a dar-lhe uma pequena dose de seu próprio
veneno, comecei a pensar no pior lugar possível para colocá-lo. E então me
ocorreu: perto da saída da cozinha, onde o barulho das panelas e o cheiro
forte de comida poderiam tornar a experiência dele bem desagradável. Com
um sorriso malicioso, coloquei o nome de Marcus naquela mesa estratégica.
Satisfeita com minha pequena vingança, voltei a organizar os outros
convidados com um pouco mais de cuidado. Ao menos essa pequena vitória
tornaria a tarefa mais divertida.
Estava concentrada na tarefa de organizar as mesas quando meu
celular vibrou ao meu lado. Peguei o aparelho e vi uma mensagem de
Simon:
"Oi, Alice! Vamos ao bar de rock hoje às sete?"
Meu coração deu um salto. Eu tinha esquecido completamente de
confirmar com ele. Olhei para o relógio: eram quatro horas da tarde, então
ainda tinha algum tempo. Torcendo para que estivesse com um tempo feio e
eu pudesse usar isso como desculpa, fui até a janela. Mas, para meu
desespero, o sol brilhava intensamente lá fora, sem uma nuvem no céu.
Suspirei e digitei uma resposta rápida:
"Sim, eu adoraria."
Mal havia enviado a mensagem quando ele respondeu:
"Ótimo! Passo para te buscar em casa. Qual seu endereço?"
Ok, não tinha mais escapatória: eu iria ao show com um amigo.
Sim, Simon era um gato do tipo que você bate o olho e pensa “Uau". Nos
primeiros encontros, até considerei a ideia de algo mais, afinal, ele parecia o
pacote completo: inteligente, educado e, claro, com aquele sorriso que te
faz repensar se está respirando corretamente. Mas a verdade é que, depois
de um tempo, percebi que não havia química. Por mais que ele fosse
atraente, algo entre nós simplesmente não encaixava. Aquelas faíscas que
você espera sentir... nada. Era como tentar acender um fósforo molhado.
Então, esse show era apenas um encontro de amigos, nada além disso.
Duas horas depois eu estava em frente ao espelho do meu quarto,
ajustando o cabelo que estava preso em um rabo de cavalo. Decidi que o
estilo mais descontraído era a melhor opção, então dei um toque final com
um pouco de spray de cabelo para garantir que tudo ficasse no lugar, mas
ainda com um ar levemente bagunçado, com algumas mechas soltas caindo
nas laterais do rosto. Enquanto me preparava, dei uma olhada ao redor do
meu quarto. Ainda faltavam muitos detalhes, mas o que eu já havia ajeitado
me deixava contente. O colchão agora virou uma cama, e arranjei duas
mesas de cabeceira. Eu não estava com pressa de ajeitar toda a casa, sei que
com o tempo, ela vai ficar do jeito que eu imaginei, e a biblioteca vai estar
no segundo andar da forma que tanto sonhei.
Caminhei até a cama e peguei meu estojo de maquiagem, assoprei a
paleta de sombra para afastar o pó de tanto tempo parada. Passei
maquiagem com cuidado, destacando meus olhos com um delineado preto e
uma sombra escura que realçava o meu olhar. Finalizei com um batom
vinho que combinava perfeitamente com o look que escolhi. Vesti uma
blusa preta de veludo com mangas longas, que combinava com uma saia de
couro preta, justa, que terminava um pouco acima dos joelhos. A meia-
calça arrastão acrescentava um toque ousado, enquanto as botas coturno
pretas de couro, confortáveis e sem muito salto, completavam o visual para
finalizar, acrescentei alguns acessórios: um colar prateado com um pingente
da estrela de Davi, brincos prateados e um anel com uma pedra escura. Meu
visual tinha um toque gótico, mas de uma forma convincente. Olhei no
espelho uma última vez, satisfeita com o resultado.
Quando ouvi a campainha tocar, levei um pequeno susto. Simon já
devia ter chegado. Desci as escadas apressada, tentando controlar a
expectativa que começava a crescer dentro de mim. Eu estava indo a um bar
de rock, ver um show de rock — isso devia ser a definição de uma noite
perfeita, certo? Claro, tirando a possibilidade de passar a noite com meus
livros, que sempre eram uma opção tentadora.
Ao abrir a porta de entrada, fui recebida por uma brisa fresca da
noite. O que realmente capturou minha atenção foi Simon, parado na
entrada. Ele usava uma jaqueta de couro preta que se ajustava perfeitamente
ao seu corpo, e uma camisa branca por baixo. Seus jeans escuros e bem
cortados completavam o visual de maneira impecável. A luz da rua
destacava seus traços faciais marcantes e o fazia parecer ainda mais atraente
do que eu lembrava. Seu sorriso se alargou ao me ver, e ele se aproximou,
com um olhar de aprovação.
— Você está incrível! — Simon disse, os olhos brilhando com
sincera admiração. Senti minhas bochechas corarem com o elogio.
— Obrigada, Simon.
Eu me virei para fechar a porta e logo desci as escadas com ele, que
deu uma rápida olhada para mim e então abriu a porta do carro.
— Entre — ele disse. Enquanto me ajeitava no banco do carona, um
frio na barriga me acompanhava. Eu estava nervosa e ansiosa ao mesmo
tempo. Era dia de Rock bebe.
O caminho foi breve, o bar ficava a quatro quadras da minha casa e
quando Simon e eu chegamos ao bar de rock, a visão do lugar me deixou
fascinada. O bar estava situado em uma rua movimentada, e o enorme
letreiro luminoso com o nome Black Metal em néon azul, no formato de
uma guitarra, piscava. A fila para entrar era longa, serpenteando pela
calçada e se estendendo até onde eu conseguia ver. Pessoas empolgadas,
vestidas com roupas de rock, esperavam ansiosamente para entrar. Eu
estava pensando que talvez chegássemos tarde demais — desde quando
essa fila estava ali?
— A quanto tempo essa gente toda está esperando? — Perguntei
curiosa olhando pelo vidro da janela.
— Algumas horas, tenho certeza. Esse bar é novo, e essa banda toca
muito bem.
Simon teve dificuldade para encontrar uma vaga na rua, mas
conseguiu estacionar o carro. Enquanto nos dirigíamos para o bar, eu podia
ouvir o som da música vazando pela entrada, ainda não era o show, mas o
volume era muito alto sendo capaz de ser confundido com um.
Ao invés de irmos para o final da fila, Simon parou, puxou um
cartão de dentro da jaqueta de couro e o mostrou ao segurança na porta. O
segurança olhou para o cartão, depois para nós, e acenou com a cabeça.
Sem hesitar, ele nos deixou passar na frente da longa fila de pessoas que
começaram a murmurar e reclamar. Eu podia sentir os olhares curiosos e
um pouco irritados dos que estavam esperando, mas Simon parecia
completamente à vontade, como se isso fosse o mais normal do mundo. Ao
entrar no bar, fui imediatamente envolvida por uma atmosfera intensa e
vibrante. O interior era uma mistura de sofisticado e rústico, com paredes
de tijolo exposto e iluminação suave que se misturava com o brilho das
luzes do palco.
O bar em si era grande e impressionante, com uma bancada de
madeira escura iluminada por luzes de fundo vermelhas e azuis, e uma
coleção de garrafas de bebidas alinhadas de maneira ordenada. O palco
estava em um nível ligeiramente elevado no fundo do bar, com
amplificadores e instrumentos dispostos com cuidado. O lugar estava cheio
de pessoas que conversavam, riam e se preparavam para o show. Havia
mesas e cadeiras dispostas de maneira informal, criando um ambiente
descontraído, mas cheio de energia. Os detalhes do bar, como as paredes
cobertas com pôsteres de bandas de rock icônicas e fotos em preto e branco
de shows lendários, davam um toque de nostalgia e autenticidade ao local.
O ar estava cheio de uma mistura de aromas, uma combinação de comida
típica de bar e o cheiro característico de um local onde a música ao vivo é o
destaque principal.
O momento de alívio evaporou no instante em que meus olhos se
cruzaram com a figura familiar de Marcus, casualmente escorado no bar,
envolvido em uma conversa com algumas pessoas. Tentei me manter calma,
mas a irritação rapidamente tomou conta de mim. Só o fato de respirar o
mesmo ar que ele já era perturbador o suficiente. Marcus estava tão imerso
na conversa que nem sequer notou minha presença, o que, honestamente,
era uma pequena bênção. Mas o simples fato de encontrá-lo ali, no mesmo
lugar que eu, parecia um teste de paciência cósmico. Sério, ele de novo?
Ontem não foi o suficiente? Agora, eu tinha que esbarrar com ele aqui
também? Quem diria que Marcus, o senhor "arrogante", gostava de rock...
além de basquete e números.
Parte de mim queria simplesmente sair dali para evitar qualquer
interação desnecessária, mas, ao mesmo tempo, aquele era o meu ambiente.
A atmosfera do bar era vibrante, cheia de energia intensa, e eu me sentia
uma mistura de animação e desconforto. Eu amava bares de rock. As luzes
baixas, a música pesada era quase como voltar para casa. Aos poucos, o
desconforto de encontrar Marcus começou a se dissolver, e a familiaridade
daquele cenário tomou conta de mim. Eu me sentia viva ali, com a música
alta pulsando nas veias e a expectativa de uma noite divertida pela frente.
Mesmo com ele por perto, esse lugar era meu. E eu não ia deixar ninguém,
nem Marcus, estragar isso.
Caminhamos até uma mesa vazia no canto do bar, estrategicamente
posicionada, mas ainda com uma boa vista do palco. Nos acomodamos, um
em cada cadeira. O ambiente estava ficando cada vez mais cheio, com
pessoas se apertando nas mesas, rindo alto e esbarrando umas nas outras
enquanto esperavam animadamente pelo show. O bar estava com aquela
energia caótica e envolvente que só um bom show de rock podia
proporcionar:
— O que vai querer beber, Alice? — Simon perguntou, se
inclinando próximo ao meu ouvido para vencer o barulho crescente. A
música estava alta o suficiente para tornar qualquer conversa um desafio.
Hesitei por um instante, avaliando as opções, embora o primeiro
pensamento que me passou pela cabeça tenha sido beber algo forte pra me
fazer esquecer quem está aqui.
— Se eles tiverem Negroni, eu vou querer. Se não, pode ser um
whisky
Respondi, sabendo que um bom Negroni em um bar de rock não era
garantido, mas valia a tentativa. Simon sorriu de forma compreensiva e se
levantou, indo até o bar para buscar as bebidas.
Enquanto ele se afastava, eu deixei meus olhos vagarem novamente
pelo local, absorvendo a energia vibrante. Afinal, esse era meu tipo de
lugar, meu refúgio. Eu adorava o ambiente de bares de rock, com sua
mistura de caos e familiaridade. Mas ao percorrer os olhos pelo local eles se
encontraram com os de Marcus, e por um instante, o bar ao nosso redor
pareceu desaparecer. Marcus não exibia sua habitual expressão de desprezo,
nem aquele sorriso irônico que tanto me irritava. Em vez disso, seu olhar
era profundo. Ele me encarou com uma intensidade que fez meu coração
acelerar. A tensão entre nós era quase sufocante Ele me olhava com uma
seriedade que quase me fez esquecer de respirar. Marcus desviou o olhar
por um momento, observando Simon que se escorava no bar, concentrado
em pedir as bebidas. O semblante de Marcus se fechou ainda mais, como se
a presença de Simon o incomodasse. Mas em seguida, ele voltou a me
encarar, e dessa vez, havia uma chama sutil, algo que mexeu profundamente
comigo, o que era esquisito. Ele desviou o olhar fixando-o no chão,
aparentemente perdido em seus próprios pensamentos. Alguém ao seu lado
chamou sua atenção, quebrando a conexão que por um breve momento nos
prendeu de forma tão intensa.
Simon voltou com os drinks em mãos, e quando ele me entregou o
Negroni, forcei um sorriso de agradecimento. O copo estava gelado, o
líquido vermelho-brilhante parecia promissor, mas minha mente ainda
estava presa àquele momento perturbador com Marcus. Decidi ignorar o
que acabara de acontecer—não queria deixar que isso estragasse a noite.
Tomei um gole da bebida, saboreando o sabor complexo e refrescante. O
Negroni estava perfeito, o equilíbrio entre o gin, o vermute e o Campari
estavam no ponto certo, e isso me ajudou a relaxar um pouco, dissipando a
tensão que havia se acumulado em meus ombros.
— Espero que esteja bom. — disse Simon, sentando-se à minha
frente com o próprio drink, me observando com um olhar de expectativa.
Assenti, sorrindo satisfeita.
Simon não merecia minha distração, não naquela noite. Continuei a
apreciar a bebida, focando-me no local, que começava a se transformar em
um mar de energia e expectativa. As luzes, a música, a vibração do lugar—
tudo parecia conspirar para uma noite emocionante. Eu precisava me
concentrar nisso, mas, por mais que eu tentasse, a presença de Marcus ainda
pairava no fundo da minha mente, como uma sombra persistente.
Os músicos da banda começaram a se ajeitar no palco, e a cada
movimento deles, a energia da multidão crescia. As luzes começaram a
piscar em tons variados, projetando um brilho suave e colorido que
iluminava os rostos entusiasmados do público. O bar estava em ebulição; o
som de copos e garrafas se misturava ao murmúrio crescente da plateia,
criando uma sinfonia de expectativa. Eu não conseguia desviar os olhos do
palco. A atmosfera estava carregada de emoção, e meu coração batia no
ritmo da antecipação.
Finalmente, a banda começou a tocar. As primeiras notas se
espalharam pelo Black Metal como uma onda de energia pura. A música era
intensa e envolvente, preenchendo cada canto do ambiente. O público se
entregava ao som, movendo-se ao ritmo e acompanhando cada canção com
entusiasmo. A vibração da noite estava em seu auge, e eu me deixei levar
completamente, sentindo a música e a energia pulsarem através de mim.
O tempo passou quase imperceptivelmente enquanto eu me
afundava na experiência. A banda tocava com uma energia contagiante, e
eu estava completamente imersa no ambiente vibrante do bar. O som, a
música, e a vibração do local me envolviam de maneira quase hipnótica.
Comecei a fazer novos amigos rapidamente, conversando e rindo com
estranhos que agora pareciam velhos conhecidos. O álcool começava a
fazer efeito, trazendo um leve formigamento nos dedos e uma sensação
confortável de euforia. O Negroni que Simon havia me trazido foi
rapidamente seguido por outro drink, e mais outro, e a combinação do
álcool com a energia do show me fazia sentir leve e solta. A cada solo de
guitarra e batida de bateria, eu sentia a vibração percorrer meu corpo,
movendo-me com a multidão, deixando o ritmo da música guiar meus
passos e gestos. A sensação de liberdade e alegria era intensa, e eu me
permitia mergulhar completamente na experiência. O ambiente ao meu
redor era uma mistura de risos, conversas animadas e o som pulsante da
música ao vivo. A energia do bar estava no seu auge, e eu estava bem no
meio dela, desfrutando de cada momento.
Por um instante, entre uma música e outra, meus olhos procuraram
Marcus. Talvez fosse o efeito do álcool ou apenas curiosidade, mas quando
olhei na direção em que ele estava, percebi que ele havia sumido. Meu
coração deu um leve salto de alívio, e uma parte de mim torcia para que ele
tivesse ido embora. Eu não queria que a presença dele estragasse minha
noite. Decidi ignorar o que tinha acontecido antes e focar em aproveitar o
momento. Estava ali para curtir a noite, não para me deixar abalar por um
olhar. Eu estava completamente perdida na energia da música quando
Simon se aproximou, com uma expressão preocupada.
— Alice, um amigo está passando mal e precisa ir para casa. Vou
levá-lo. Volto logo. Fica aqui e se cuida — disse ele.
Meio desorientada, olhei para ele e apenas assenti, ainda tentando
processar o que ele havia dito. Simon me deu um beijo suave na bochecha,
o que me deixou surpresa. Antes que eu pudesse responder, ele já estava se
afastando rapidamente, deixando-me sozinha na pista de dança. Tentei
afastar a sensação desconfortável e decidi que iria aproveitar a noite da
melhor maneira possível.
Alguns momentos depois, a música parou abruptamente, e uma
onda de caos irrompeu no meio da pista. Eu olhei apavorada enquanto a
confusão se desenrolava diante de mim. Socos eram trocados, empurrões
eram dados, e o bar rapidamente se transformou em um campo de batalha
caótico. Eu fui empurrada com força e caí no chão, minha visão girando
enquanto tentava me erguer. Toquei o chão com as mãos, apenas para sentir
a dor agoniante quando alguém pisou brutalmente em meus dedos. Meu
coração disparou com a dor e o pânico.
Então, uma mão firme agarrou meu braço. Levantei os olhos
rapidamente, e eles se cruzaram com os de Marcus. Seu semblante estava
sério. Ele me ajudou a me levantar e segurou minha cintura.
— Vou te tirar daqui — disse ele perto de meu ouvido.
Eu estava tonta, os efeitos do álcool e da confusão ao meu redor me
deixavam sem saber ao certo o que fazer. Apenas assenti. Suas mãos firmes
me segurando e começou a me guiar para fora do bar, abrindo caminho
através da multidão com facilidade. Marcus manteve-se firme ao meu lado,
garantindo que eu não tropeçasse ou fosse puxada de volta. Quando
finalmente chegamos do lado de fora, o ar fresco da noite bateu em meu
rosto. Apesar de tudo, eu não conseguia deixar de sentir um alívio profundo
por ele estar ali, ao meu lado.
Que ironia...
O ar fresco da noite era uma espécie de alívio, mas meu coração
ainda batia acelerado, e a tontura não ajudava a clarear meus pensamentos.
Marcus estava ao meu lado, segurando meu ombro, garantindo que eu não
perdesse o equilíbrio.
— Você está bem? — ele perguntou, a voz séria, mas com um tom
de preocupação que me pegou de surpresa.
Eu assenti, tentando parecer mais confiante do que realmente
estava.
— Sim, acho que sim... só um pouco tonta.
Ele me olhou por um momento, claramente surpreso com tudo o
que havia acontecido.
— Aquilo foi... — ele começou, mas fez uma pausa, ainda tentando
processar a confusão toda. — Aquilo foi uma loucura. Não esperava que as
coisas saíssem do controle. Que prejuízo o dono do bar vai ter, espero que
ele tenha um fundo para emergências.
Eu não estava muito bem para rir, eu não conseguia assimilar
muitas coisas. Houve um breve silêncio entre nós, e eu me perguntei se ele
iria simplesmente me deixar ali e ir embora. Mas ele não se mexeu. Eu
podia sentir seus olhos em mim, e quando finalmente criei coragem para
olhá-lo, nossos olhares se encontraram mais uma vez. Aquele mesmo olhar
sério, profundo.
— Obrigada por ter me tirado de lá — murmurei, finalmente
quebrando o silêncio que havia se instalado entre nós.
Ele acenou com a cabeça sem falar nada. Mas franziu o cenho logo
em seguida.
— Você veio com o Simon? Onde ele está? — Marcus perguntou.
Tentei focar minha mente, mas tudo estava girando. Eu sabia que
Simon tinha se afastado, mas onde ele estava agora? Eu não conseguia
lembrar.
— Eu... não sei... — balbuciei, tentando me equilibrar. A tontura
me fez dar um passo em falso, e instintivamente me segurei em Marcus. —
Ele foi... acho que foi levar um amigo... não tenho certeza...
Marcus me olhou confuso. Quando tentei me afastar para escorar na
parede próxima, as pernas não cooperaram, e ele rapidamente me segurou
com mais firmeza.
— Fica parada, Alice. — Ele falou, seu tom autoritário, mas havia
uma nota de preocupação que eu não pude ignorar. — Eu vou te levar para
casa. Meu Bugatti está estacionado aqui em frente — Marcus disse,
tentando me manter em pé, sua preocupação evidente em cada gesto.
Quando chegamos ao carro, avistei o veículo esportivo, estacionado sob um
poste de luz
— Onde estão as portas? — perguntei confusa.
Marcus suspirou, e riu pelo nariz.
— Você está realmente muito bêbada.
Ele apertou um botão na chave em suas mãos, e as portas do carro
se abriram suavemente, movendo-se em um movimento fluido e elegante
que parecia quase futurista. Ele me ajudou a entrar no carro, ajustando-me
no assento de couro enquanto eu tentava entender como aquele carro
funcionava. O brilho interno e a modernidade do veículo só contribuíam
para minha sensação de desorientação. Marcus deu a volta e entrou no lado
do motorista. Ao ligar o motor, um ronco poderoso preencheu o interior do
carro, e as portas se fecharam automaticamente com um suave estalo. A
noite parecia uma mistura caótica de luzes e sensações, e tudo o que eu
conseguia fazer era me concentrar em não vomitar enquanto ele me levava
para casa. Eu me recostei no assento, tentando ignorar a sensação nauseante
causada pelo cheiro do carro novo. Marcus abriu um pouco o vidro,
deixando entrar uma brisa fresca que ajudava a aliviar a sensação de mal-
estar.
— Tome essa água, vai ajudar nas náuseas e a diminuir o efeito do
álcool.
Ele me disse, passando a garrafa com um olhar que parecia mais
preocupado do que antes. Quando peguei a garrafa, percebi que Marcus
estava observando as costas da minha mão. Senti um frio na espinha ao ver
seu olhar se intensificar. Havia um hematoma começando a se formar,
resultado da confusão na pista de dança.
— Você se machucou na confusão? — Ele perguntou. Eu assenti
lentamente, bebendo um gole da água enquanto tentava me recompor. Ele
olhou para frente, encarando a estrada e apertou forte o volante.
Depois de alguns segundos em silêncio, ele o quebrou.
— Você tem um kit de primeiros socorros em casa?
— Acabei de me mudar, nem pensei nisso. — Respondi, um pouco
envergonhada pela falta de preparo.
Ele não disse nada, apenas manteve os olhos fixos na estrada, o
maxilar tenso. O silêncio entre nós ficou pesado enquanto o carro
continuava a avançar pelas ruas. Percebi que Marcus havia desviado da rua
que levava para a minha casa, o que me deixou um pouco inquieta. Antes
que eu pudesse perguntar, ele virou a esquina e parou em frente a uma
farmácia.
— Nem pense em sair do carro. — Ele disse, a voz firme, enquanto
desligava o motor e saía rapidamente. Fiquei ali, observando-o se afastar e
entrar na farmácia.
Marcus voltou, alguns minutos depois e eu o observei enquanto ele
atravessava a rua, carregando o pacote com as compras da farmácia.
Quando ele entrou no carro, sem dizer uma palavra, colocou o pacote no
meu colo. Eu olhei para ele, meio atordoada, enquanto ele dava partida no
carro, dirigindo em direção à minha casa. O silêncio novamente se instalou
entre nós.
Quando finalmente chegamos em frente à minha casa, senti uma
onda de alívio. Eu me inclinei para abrir a porta, mas minha mão vacilou.
Eu procurava pela maçaneta, mas parecia que ela tinha desaparecido. Uma
sensação de frustração começou a se formar enquanto eu passava a mão
pela superfície da porta, sem sucesso. Antes que eu pudesse me desesperar,
notei que Marcus já estava saindo do carro. Senti uma mistura de vergonha
e gratidão quando, ligeiramente, a porta do carro se abriu. Olhei para cima,
ele estendeu a mão para me ajudar a sair.
— Obrigada — murmurei, tentando me erguer do assento. Ele
segurou meu braço com firmeza, ajudando-me a sair do carro com cuidado.
Eu me apoiei nele por um segundo, tentando estabilizar meus passos.
— Vamos — disse ele.
Caminhamos em direção à porta, e tudo o que eu conseguia pensar
era no alívio de finalmente estar em casa. Ao entrarmos, Marcus fechou a
porta atrás de nós com um clique suave.
— Onde fica seu quarto? — Ele perguntou, a voz baixa.
— No terceiro andar — murmurei, quase sem fôlego.
Sem mais palavras, ele me ajudou a subir as escadas, praticamente
me carregando até o meu quarto. Quando chegamos, ele empurrou a porta
devagar e me guiou até a cama, onde me ajudou a sentar. Eu me afundei nos
lençóis macios, sentindo o corpo pesar de exaustão.
Ele colocou o pacote da farmácia na mesa de cabeceira e se
aproximou se sentando ao meu lado.
— Deixe-me cuidar da sua mão — disse, com um tom firme, já
tirando o antisséptico da sacola.
Eu o observei, com os olhos pesados, enquanto ele pegava o
algodão e começava a limpar o machucado. A dor, misturada com o leve
efeito do álcool, parecia mais distante do que deveria. Ele fazia tudo de
maneira tão precisa, quase como se cuidar de ferimentos fosse algo comum
para ele. O silêncio entre nós era tão denso quanto o ar no quarto.
— Você... — comecei a falar, minha voz um pouco mais arrastada
que o normal. — Você sabia que girafas não podem tossir?
Marcus parou o que estava fazendo e me olhou, claramente
confuso. Seus olhos analisaram o meu rosto, tentando entender se eu estava
falando sério ou só completamente fora de mim. Um sorriso involuntário
apareceu no canto da minha boca. Eu não fazia ideia de onde tinha tirado
essa ideia, mas, naquele momento, parecia incrivelmente relevante.
— O quê? — ele perguntou, arqueando uma sobrancelha,
claramente tentando não rir.
— É sério — insisti, acenando com a mão boa de forma desajeitada.
— Tipo... como seria uma girafa tossindo? Já pensou nisso?
Marcus soltou um suspiro, balançando a cabeça, mas um pequeno
sorriso escapou de seus lábios, algo raro de se ver. Ele continuou limpando
minha mão, enquanto minha mente divagava sobre o dilema das girafas e
tosses.
— Você se lembra de como machucou a mão?
Ele perguntou sem me olhar diretamente. Eu hesitei, puxando na
memória o que havia acontecido naquela noite.
— Acho que foi quando caí... — murmurei, ainda tentando entender
os detalhes.
Marcus apertou o maxilar, mas continuou em silêncio enquanto
limpava o ferimento com uma paciência surpreendente. Depois de terminar
de aplicar a pomada, ele ergueu o olhar.
— Pronto. — Ele disse.
— Obrigada... — sussurrei, sentindo a necessidade de agradecer,
mas, em seguida, acrescentei — eu poderia ter feito isso sozinha.
Marcus franziu o cenho, mas logo começou a exibir um sorriso.
— Alice, você estava falando sobre girafas... não iria conseguir.
Sem pensar muito, estendi a mão e segurei a dele.
— Sabe, Marcus... girafas talvez não precisem tossir, mas você
devia sorrir mais. — Murmurei, minha voz embargada pelo sono. — É
menos... assustador.
Ele olhou para mim com um sorriso de canto de boca, e havia algo
nos olhos dele que parecia mais suave.
— Ok, Alice... acho que você precisa dormir — disse ele, e eu
podia jurar que havia um leve toque de diversão ali.
Antes que eu pudesse me acomodar completamente na cama, ele se
abaixou e começou a tirar minhas botas. Fiquei surpresa com o gesto, e
ainda mais quando ele puxou o cobertor e o ajeitou sobre mim com uma
delicadeza que não combinava com a postura fria que geralmente exibia.
Senti o calor da mão dele na minha por um último segundo antes de
cair num sono profundo, ainda segurando sua mão como se fosse a coisa
mais natural do mundo.
Acordei com uma dor de cabeça latejante. O sol de domingo
entrava forte pela janela do quarto — eu havia esquecido de fechar as
cortinas, e a luz parecia me castigar ainda mais. Aos poucos, os flashbacks
da noite anterior começaram a rondar meus pensamentos. Lembrei-me de
Marcus, que me trouxe para casa e cuidou dos ferimentos na minha mão.
Olhei para ela e vi que ainda estava vermelha por causa dos hematomas.
Suspirei e me destapei, sentindo o peso das cobertas caindo ao lado. Foi
então que percebi que ainda estava vestida com as roupas da noite anterior,
o tecido desconfortável grudando na minha pele. Frustrada, decidi que
precisava de um banho para clarear a mente e aliviar a tensão no corpo.
Levantei-me lentamente e segui em direção ao banheiro, determinada a me
livrar da sensação pegajosa e da dor de cabeça que parecia pulsar em cada
canto do meu crânio.
Enquanto deixava a água quente cair sobre mim, minha mente
continuava a se preocupar com o que aconteceu na noite passada. Como eu
poderia denominar o que ocorreu? Marcus, me surpreendeu. Eu o vi de uma
perspectiva completamente diferente. Decidi lavar o cabelo, esperando que
isso me ajudasse a relaxar e aliviar o peso que parecia estar sobre meus
ombros. Enquanto massageava o shampoo, uma coceira repentina no olho
me incomodou. Instintivamente, levei a mão ao rosto, esquecendo
completamente que meus dedos estavam cheios de shampoo. A ardência foi
imediata e intensa, tentei enxaguar o olho. Na minha tentativa frenética de
aliviar a dor, perdi o equilíbrio e escorreguei no piso molhado do banheiro.
O impacto com a parede foi doloroso.
— Ai! — gritei, sentindo uma dor aguda na testa.
Instintivamente, levei a mão ao local e percebi que estava
sangrando. Desesperada, saí do box, consciente de que precisava estancar o
sangue o mais rápido possível. Lembrei-me do pacote de itens que Marcus
havia comprado na noite anterior. Rapidamente, envolvi-me na toalha e fui
até a mesa de cabeceira. Peguei a gaze que estava ali e pressionei contra o
ferimento. O alívio veio quando o sangramento diminuiu. Caminhei até o
espelho e, ao retirar a gaze, vi o hematoma feio que se formava. Não pude
deixar de rir, pensando que tudo aquilo aconteceu só porque quis coçar o
olho. Depois de ter enfim estancado o sangue, eu me ajeitei. Coloquei uma
calça de moletom e uma camisa de gola alta. E minhas fiéis pantufas.
Eu estava tomando meu café, enquanto lia o livro novo que eu
havia comprado pela internet, quando de repente, a campainha tocou,
interrompendo o silêncio. Larguei a xicara e caminhei até a porta, espiei
pelo olho mágico e vi Simon do lado de fora. Abri a porta levemente.
Simon parecia apavorado. Seus olhos se arregalaram ao ver minha mão
machucada e o curativo na minha testa. Sem hesitar, ele se aproximou
rapidamente, pegando minha mão com cuidado, examinando os hematomas.
— Alice, Meu Deus! Isso foi da confusão na festa? — Ele
perguntou, a voz carregada de preocupação, enquanto olhava para minha
testa e depois para mim. — Você precisa de algo? Como você chegou em
casa?
— Estou bem, Simon. — Respondi, tentando tranquilizá-lo. —
Marcus me trouxe para casa.
Ao ouvir isso, Simon deu um passo para trás, a expressão dele
mudando para algo entre surpresa e confusão. Ele me olhou como se
estivesse tentando entender.
— Marcus? O Marcus que a gente conhece?
Concordei. Simon deu mais um passo para trás, passando a mão
pela nuca.
— Vocês... vocês têm... alguma coisa? — Ele gaguejou, a tensão
evidente em sua voz.
Ri suavemente, balançando a cabeça.
— Não, Simon. Nada disso. Não lembro de muita coisa, mas ele me
trouxe para casa em segurança.
Simon me olhou de cima a baixo, ainda preocupado.
— Está tudo bem mesmo?
— Está sim. — Eu balancei a cabeça, sorrindo.
— Me desculpa por não ter aparecido ontem a tempo... Fiquei preso
no trânsito e não consegui chegar. — Ele passou a mão pelos cabelos,
visivelmente desconfortável.
— Ah Simon, não precisa pedir desculpas. Em bares de Rock é
normal esse tipo de confusão.
O tranquilizei, pois era verdade. Simon me olhou e sorriu de canto.
— Se... precisar de algo, é só me ligar, tá?
— Obrigada, Simon. Eu agradeço.
— Bom descanso, Alice. Até mais.
Simon se despediu, descendo as escadas. Fiquei parada, observando
enquanto ele caminhava até o carro. Ele foi gentil vindo até aqui ver como
eu estava, apesar de ter sido estranho a reação dele quando contei que
Marcus me trouxe para casa. Fechei a porta e voltei para a cozinha.
Eu li apenas mais dois capítulos do livro quando a campainha tocou
novamente. Franzi a testa e caminhei em direção à porta. E ao abri-la dou
de cara com Elisa, segurando duas latas de tinta nas mãos.
— Jesus! Quem bateu em você? — Elisa arregalou os olhos,
ignorando meu estado de surpresa.
— Ninguém... foi um acidente. — Eu disse, ainda confusa com a
aparição inesperada dela.
— Ah, bom — respondeu Elisa, me observando com um olhar de
desconfiança, mas logo relaxando. — Eu trouxe tinta!
Ela ergueu as latas de tinta, e eu a encarei, completamente confusa.
— Você... trouxe tinta para mim?
— Ué, para a sua casa nova! No dia do jogo, quando acabei indo
parar no endereço da sua avó, ela comentou que você estava ajeitando a sua
nova casa. — Elisa sorriu enquanto entrava e colocava as latas de tinta no
chão. Ainda meio atordoada, olhei para as latas e depois para Elisa.
— Isso é para pintar a casa? — perguntei, tentando processar a
ideia.
— Claro, né? Não achei que ia dar conta de tudo sozinha e elas são
pretas, sua cor favorita! Então... por onde começamos?
Ela parecia animada com a ideia de pintar, e eu me sentia um pouco
perdida, mas também grata por sua ajuda inesperada. A situação estava se
desenrolando de uma maneira que eu não esperava, mas, considerando o
quanto Elisa deveria ter pesquisado sobre mim, eu deveria ter previsto algo
assim. Eu fiquei ali, boquiaberta, sem saber o que dizer. Um "obrigada"
parecia tão pequeno diante do gesto de Elisa. Jamais imaginei que alguém
se importaria comigo a ponto de comprar tinta para me ajudar a pintar a
casa.
— Vai querer pintar o quarto ou a sala? — Ela perguntou.
— O quarto — respondi, ainda meio atordoada com a situação.
Eu a observei enquanto ela se movia pela casa com familiaridade,
ela tirou do casaco dois pincéis e rolos de tinta.
— Vamos lá, Alice! — chamou Elisa, me tirando do meu transe. —
Esse quarto não vai se pintar sozinho. — Ela subia as escadas com uma das
latas de tinta, eu peguei a outra lata e subi atrás dela.
O tempo pareceu voar depois disso. Em pouco tempo, estávamos as
duas no meu quarto, com plásticos cobrindo o chão e as latas de tinta
abertas, espalhando aquela cor preta nas paredes.
— Você vai dormir em uma caverna agora, Alice? — Elisa riu,
enquanto tentava alcançar um canto alto da parede.
— Uma caverna estilosa, por favor — retruquei, tentando conter o
riso. — E você sabe que sou muito mais misteriosa no escuro.
— Ah, claro, claro. A rainha das trevas! — Elisa zombou, fingindo
reverência enquanto segurava o rolo de pintura. — Só não vá começar a
usar capa e andar por aí com uma vela nas mãos.
— Agora você me deu ideias! — disse, rindo. — Mas talvez eu só
use o preto pra esconder a bagunça.
Elisa parou e me lançou um olhar.
— Esconder a bagunça... ou esconder um homem? — disse ela,
com um tom provocador. Revirei os olhos.
— Nada a ver, Elisa. Vamos pintar isso logo, antes que eu me
arrependa de ter aberto a porta pra você. — retruquei, sem antes rir da
situação.
Ela soltou uma risada em conjunto. O chão estava protegido e
limpo, graças aos plásticos que improvisamos, mas nossas roupas e rostos
não tiveram a mesma sorte. A cada parte que pintávamos, mais respingos
pretos apareciam em nós. No começo, até achei divertido, mas quando notei
que tinha tinta até no cabelo, a graça começou a sumir, eu tinha recém
lavado ele. Conseguimos pintar o quarto inteiro, incluindo o closet, que fiz
questão de não deixar de fora. Apesar da bagunça, o resultado final era
incrível. O quarto estava exatamente como eu queria: moderno, misterioso e
com uma personalidade própria.
Eu e Elisa estávamos sentadas na cozinha, tomando café. Ela
segurava a xícara com as duas mãos, soprando suavemente o vapor antes de
tomar um gole, enquanto eu mexia distraidamente a colher na minha xícara,
observando a espuma se desfazer. O som ocasional da colher batendo na
porcelana preenchia o silêncio confortável entre nós. De repente, o celular
de Elisa vibrou na mesa, e ela o pegou, os olhos se arregalando ao encarar a
tela do aparelho. Ela piscou, surpresa, e então olhou para mim.
— Aonde você foi ontem à noite? — perguntou, a expressão de
surpresa ainda evidente.
— Fui a uma festa — respondi, tentando parecer casual, embora a
curiosidade dela estivesse começando a me deixar curiosa também.
Elisa me observou por um segundo antes de estender o celular na
minha direção, a tela brilhando com uma foto. Eu a peguei e vi uma
imagem minha e de Marcus entrando no carro dele. Meu coração disparou
instantaneamente e eu me levantei andando de um lado pro outro na
cozinha.
— Olha só, você é a primeira mulher que aparece com Marcus em
público — disse Elisa, com um sorriso de quem estava tentando segurar o
riso. — E parece que ontem vocês tiveram uma noite movimentada.
Senti o desespero tomando conta de mim enquanto olhava para a
tela. As fotos começaram a rolar, e minha mente estava em pânico. Entre as
imagens, havia uma foto clara e nítida de Marcus me beijando na bochecha.
Na câmera do beijo, na noite do jogo de basquete. Sério que não perderam
tempo? Na foto era nítido meu rosto estava corado de vergonha, e Marcus
parecia mais relaxado do que o normal.
— O que é isso? — gaguejei, as palavras saindo em um sussurro
horrorizado.
Elisa me olhou com um sorriso malicioso, sem perceber o meu
crescente desespero.
— Na noite do jogo de basquete— Elisa falou sorrindo. — Eu notei
algo entre vocês. Mas não sabia que vocês estavam saindo juntos.
Encarei ela perplexa, com o pânico tomando conta de mim. Se Elisa
desconfiava que nós dois estávamos saindo, então outras pessoas também
achariam isso. Eu comecei a ver as fotos com mais atenção e percebi a
profundidade da situação. O mundo parecia girar mais rápido do que eu
conseguia acompanhar. Cada clique das fotos parecia um soco no estômago,
e a ideia de que essas imagens poderiam estar se espalhando era
esmagadora.
— Quem mais sabe disso? — perguntei, a voz saindo entrecortada e
trêmula.
Elisa colocou a xícara de café de volta na mesa e pegou o telefone
da minha mão encarando as fotos.
— Se o fotógrafo que me enviou essas fotos já as vendeu para
outras revistas, então, com certeza, o estado inteiro já deve saber. E
amanhã... bem, amanhã pode ser o mundo inteiro.
Senti um frio na espinha. O desespero e a confusão misturaram-se
em uma bola de nervos, e eu me afundei na cadeira, tentando processar a
nova realidade que estava se desenrolando diante de mim. Quando Elisa
mencionou que o estado inteiro já sabia, senti um aperto no peito.
— Você só pode estar brincando — perguntei, minha voz cheia de
esperança de que ela estivesse exagerando. Mas, enquanto a realidade me
atingia, o desconforto cresceu dentro de mim.
Ah não, agora não, pensei, sentindo meu corpo tremer.
Sentada na cadeira me curvei, respirando fundo, tentando acalmar a
tempestade que começava a se formar dentro de mim. Elisa, percebendo
minha agitação, se levantou rapidamente, o olhar preocupado.
— Alice, você está bem? — perguntou, se aproximando.
Eu continuei respirando lentamente, puxando o ar e soltando-o,
repetindo o processo várias vezes, tentando, de alguma forma, desacelerar o
ritmo frenético do meu coração. Elisa foi até a geladeira, pegou uma garrafa
de água, e a estendeu para mim. Peguei a garrafa com mãos trêmulas e bebi
alguns goles, tentando acalmar o turbilhão de emoções que me dominava.
Depois de beber, coloquei a mão no peito, sentindo o coração
martelando forte contra as costelas.
— Elisa... me deixe olhar as fotos de novo, por favor? — Perguntei
ofegante.
— Tudo bem... — disse, estendendo novamente o celular na minha
direção. Eu peguei o aparelho e comecei a olhar novamente as fotos.
A primeira foto mostrava Marcus me ajudando a entrar no carro,
com a mão firme em minhas costas, a expressão no rosto dele era tensa,
como se estivesse concentrado. A próxima foto era ainda mais clara,
capturando o momento em que ele dava a volta no carro e a iluminação das
ruas realçando sua silhueta. Em outra imagem, eu estava encostada no
banco, com a cabeça levemente caída para o lado, provavelmente ainda
grogue pelo álcool que bebi na festa. Meu cabelo estava com o penteado
completamente desarrumado, o rosto pálido, e meus olhos meio fechados
mostravam claramente que eu não estava no meu melhor momento. Cada
nova imagem que Elisa mostrava me fazia sentir ainda mais perdida. Eu
estava horrível, e a ideia de que o mundo inteiro veria aquelas fotos me
deixava à beira do desespero.
— Não acredito nisso... — murmurei, quase sem fôlego, a mão
tremendo enquanto segurava a garrafa de água. A sensação de pânico só
aumentava. Eu, que sempre tentava manter uma imagem controlada, agora
estava prestes a ser exposta ao mundo inteiro, de um jeito que jamais
imaginei.
Elisa me olhou, percebendo minha inquietação.
— Alice, calma. — Ela tentou me tranquilizar.
— Eu... — comecei, mas a voz falhou. Passei as mãos pelo cabelo,
sentindo o desespero crescer. — Elisa, eu estou horrível nessas fotos... O
mundo inteiro vai me ver assim! — Eu me levantei da cadeira, começando
a andar pela cozinha, sem saber o que fazer. Desesperada, olhei para Elisa e
perguntei: — Tem como reverter essa situação? Tem alguma maneira de
fazer com que ninguém saiba disso?
— Só com dinheiro. E não é pouco, não. — Elisa suspirou, com um
tom de voz que não deixava muito espaço para esperanças.
— Quanto? — Eu franzi a testa, tentando não deixar transparecer a
ansiedade.
— Vamos dizer que uns dois anos de trabalho, amiga... Afinal, o bar
onde vocês foram é do Marcus, e muitos fotógrafos ficam de plantão lá
esperando que ele apareça. E por coincidência, ele foi com você.
Não sabia que o bar era de Marcus. Será que era por isso que Simon
conseguiu entrar com tanta facilidade? Afinal não encaramos a fila enorme.
Decidi omitir o fato de que Simon havia me levado. Preferi deixar
isso de lado para evitar mais perguntas de Elisa.
— Eu não fui com Marcus para a festa. Ele só me deu carona para
voltar.
— Alice, mesmo que você não tenha ido com Marcus, só de voltar
com ele... bem, você deve ser alguém especial para ele.
Eu dei uma risada curta e sem humor. Especial? Para Marcus? A
noite anterior parecia um borrão em minha mente, um emaranhado de
confusão e álcool. Eu me lembrei de como ele havia me ajudado, de como
ele parecia gentil, mas isso não significava que eu era especial para ele. Ele
simplesmente havia sido educado.
— Especial, eu? — Eu ri de novo, agora com mais intensidade. —
Não, Elisa. Eu estava bêbada e ele apenas me ajudou sendo educado.
— Espera, repete a última palavra que você usou.
Eu respirei fundo e respondi, quase como se estivesse falando para
mim mesma.
— Educado?
Elisa franziu a testa e disse, com um toque de ceticismo.
— Marcus? Educado?
Eu balancei a cabeça, tentando não deixar o pensamento me afetar
mais do que já havia feito. Elisa parecia estar se divertindo com a situação,
mas eu só conseguia interpretar o gesto dele como uma questão de
educação, eu estava em uma situação complicada, sem condições de voltar
sozinha ou esperar por Simon. O bar estava um caos, e a briga ainda estava
rolando quando Marcus me tirou de lá. Eu mal me lembrava do que
aconteceu depois, o que ele conversou comigo no carro e tudo parecia um
borrão.
Depois que Elisa foi embora, eu fiquei sozinha na cozinha, tentando
processar tudo o que havia acontecido. Ela me garantiu que, no máximo,
tentaria absorver a atenção que a notícia já tinha atraído e que faria o
possível para desviar o foco da mídia, talvez até inventando alguma história
sobre a briga no bar ou encontrando outra fofoca para ofuscar as minhas
fotos. Naquele momento, só consegui ouvir o "tentar" como algo que não
parecia muito promissor. Mesmo assim, agradeci a Elisa pela ajuda e pela
preocupação.
Estava me preparando para ir até a casa da minha avó em busca de
um pouco de consolo, quando a campainha tocou. Hoje, pelo visto, era o dia
de visitas, pensei com ironia. Caminhei até a porta e, ao abri-la, a última
pessoa que eu esperava ver estava ali: minha mãe.
Ela estava parada na entrada, sorrindo?
— Oi, Alice! — Ela arregalou os olhos. — Minha filha o que
aconteceu com você?
Eu fiquei congelada por um momento, ignorando a pergunta dela e
sem saber o que dizer. Estava tão absorvida pelos meus próprios problemas
que não esperava que minha mãe aparecesse assim.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, tentando esconder o
choque e a frustração na minha voz.
Minha mãe entrou sem esperar por uma resposta, como se a casa
fosse tão dela quanto era minha. Ela começou a olhar ao redor, seu olhar se
fixando nos móveis ausentes. Mas volta a atenção, tocando a minha testa.
— Não vai me contar o que realmente aconteceu com você?
— Bati a cabeça tomando banho... — murmurei, quase num
sussurro.
— Alice... você está bem mesmo?
— Sim, mãe... — respondi, tentando encerrar o assunto. — Mas me
diz, o que te traz aqui?
Ela ignorou minha pergunta mais uma vez, caminhando pela sala e
cozinha, observando o ambiente com olhar crítico, como se estivesse
avaliando cada detalhe.
— Alice, onde está o sofá? E a mesa de centro? televisão? — Sua
voz tinha um tom de curiosidade que parecia mais uma crítica disfarçada.
Revirei os olhos, tentando manter a paciência.
— Eu estava prestes a sair. Se quiser, pode vir comigo. Vou na casa
da vovó. — Minha frustração estava evidente, e eu esperava que ela
entendesse o recado.
— Alice, você tem dinheiro? Cadê os moveis? — Ela encarava ao
redor.
Eu a encarei, incrédula.
— Sério? É assim que você decide aparecer? Eu estou lidando com
um monte de coisas e você vem perguntar se eu tenho dinheiro?
Ela se aproximou de mim e, com um sorriso.
— Então, quando você ia me contar que estava namorando Marcus
Lewis, o filho da minha melhor amiga?
Eu fiquei parada, sem saber se devia responder com raiva ou com
um tom cordial. A surpresa e a confusão me deixaram sem palavras por um
momento. Sabia que minha mãe descobriria isso tão rapidamente; afinal, ela
era assinante de diversas revistas e estava sempre por dentro das fofocas.
Olhei para ela, tentando processar o que acabara de ouvir. Era difícil manter
a calma quando tudo o que eu queria era evitar mais complicações. A
sensação de estar exposta e a percepção de que minha vida privada estava
sendo discutida como um mero assunto de fofoca me deixaram inquieta.
Respirei fundo e tentei manter a voz controlada.
— Eu não namoro Marcus.
— Não? Ah, Alice, conta logo. Eu estou com dor de barriga de
tanta ansiedade, o que são aquelas fotos? O jeito que ele segurava...
— Eu vou na casa da vovó. Se quiser vir, fique à vontade.
Cortei o que ela iria dizer. Eu me forcei a não revirar os olhos
novamente. E, com isso, comecei a me mover para sair, esperando que
minha mãe não insistisse mais na conversa. Quando estava prestes a me
virar para abrir a porta e sair, ouvi um som inesperado. A porta se abriu de
repente, e eu me virei rapidamente para ver quem estava entrando. Meu
coração disparou instantaneamente ao ver Marcus, e a expressão no rosto
dele indicava que ele estava tão surpreso quanto eu. Por um instante,
ficamos apenas nos encarando, a tensão no ar era palpável. Ele vestia uma
calça preta, camisa preta e uma jaqueta de sarja verde. A combinação
simples, mas impecável, parecia parte natural dele, como se cada peça fosse
escolhida sem esforço.
O que me surpreendeu, no entanto, não foi a roupa dele, mas a
forma como agia como se a casa fosse dele. Ele entrou com confiança,
como se já estivesse habituado a estar ali, me deixando por alguns segundos
sem palavras. Eu pisquei, ainda tentando processar como, de repente, ele
estava aqui, no meu espaço, e com tanta naturalidade.
— Oi, Alice — disse ele, a voz um pouco hesitante, como se
estivesse tentando avaliar a situação.
Antes que eu pudesse responder, minha mãe entrou no meio
avançando e, sem aviso, abraçou Marcus.
— Marcus, que surpresa! Não sabia que viria. Alice estava prestes a
me contar sobre vocês.
— Ignora o que ela disse — falei, tentando aliviar a tensão e
revirando os olhos.
Marcus sorria, enquanto era abraçado pela minha mãe. Eu podia
sentir o calor subir pela minha face enquanto tentava processar tudo o que
estava acontecendo.
— Olá, Sra. Smith. Faz tempo que não a vejo, continua radiante! —
Marcus sorriu levemente ao se afastar da minha mãe.
— Estava dizendo para Alice que você está muito bonito nas fotos.
Ela mentiu, pois não me disse absolutamente nada. Tudo o que eu
queria era sair dessa situação o mais rápido possível. Sentia o calor subir
ainda mais pelo meu rosto, e o sorriso despreocupado de Marcus começava
a me irritar. Parecia que ele não estava nem um pouco preocupado com as
fotos que circulavam por aí, mostrando-o com uma mulher completamente
bêbada. Eu.
— Ah, obrigado — disse Marcus, mantendo o sorriso. — As fotos
não são exatamente como eu gostaria de ser visto, mas agradeço o elogio.
Minha paciência se esgotou naquele momento. Cruzei os braços e
encarei Marcus, sentindo a irritação fervilhar dentro de mim.
— Sério, Marcus? É assim que você está lidando com isso? —
minha voz saiu mais afiada do que eu pretendia. — Estamos falando da
minha imagem aqui. Eu estou sendo insinuada ao seu lado como se fosse...
— Eu hesitei, lutando para encontrar as palavras certas. — Como se fosse
mais do que realmente é. E você só... sorri? Como se não fosse nada?
O sorriso de Marcus desapareceu lentamente, e ele me olhou,
parecendo finalmente entender a seriedade da situação.
— Alice, eu sei que parece algo, mas...
— Parece? — Eu o interrompi, descruzando os braços e dando um
passo em sua direção. — A mídia está fazendo suposições, Marcus! Sobre
mim, sobre nós. E a única coisa que eu posso pensar é como isso vai afetar
a minha vida, porque você, claro, já está acostumado com essas coisas, não
é?
Marcus suspirou, parecendo um pouco desconcertado, mas se
manteve firme.
— Eu vou resolver isso, tá bom?
— Ah sim vai resolver... sim, é assim que você resolve tudo. Deve
ser por isso que não aparece com nenhuma mulher, então... porque paga
para que sumam com fotos desse tipo? — Revirei os olhos.
Minha mãe, que até então observava a cena com um sorriso que
beirava o divertido, deu um passo à frente.
— Bom, acho que vocês têm muito o que conversar. Vou deixar
vocês a sós.
Ela se aproximou de mim, plantando um beijo rápido na minha
bochecha. Eu mal percebi o gesto, ainda absorvida pela discussão. Ela se
virou, acenando para Marcus que acenou de volta, antes dela sair pela porta,
nos deixando a sós.
— Você realmente acha que é assim que funciona, Alice? —
Marcus respondeu com uma risada, me seguindo enquanto eu me afastava
em direção à área dos fundos. — Não é só pagar para sumir com fotos. É
sobre evitar que a mídia transforme cada movimento meu em um
espetáculo. E, não, Alice, até ontem eles nunca me viram com mulher
alguma.
Abri a porta dos fundos, deixando o ar fresco aliviar a sensação
sufocante que tomava conta de mim. Eu não conseguia acreditar nele; a
ideia de que ele nunca havia sido visto com outra mulher parecia mais uma
tentativa patética de se vangloriar. Era ridículo, muito ridículo.
— E o que você acha que eles estão fazendo agora? — perguntei,
me virando para ele, minha frustração transbordando. — Estão insinuando
coisas sobre mim, sobre nós... e a minha vida não é um jogo para eles! Eu
não gosto disso, nunca gostei.
— Alice, é exatamente por isso que vou resolver tudo. Não quero
que você sofra as consequências de algo que não tem nada a ver com a
realidade. — Marcus se aproximou um pouco mais, seus dedos tocando
levemente a minha testa machucada. — Vai me dizer como você caiu no
banheiro?
— Como sabe? — perguntei, tentando me afastar um pouco. Eu já
estava sufocada pela proximidade dele.
— Instinto... deixa eu ver. — Ele moveu o curativo, tentando
examinar o machucado, mas eu segurei sua mão, firme, num gesto que o
parou no ato.
— Marcus, está tudo bem — falei, minha voz saindo mais afiada do
que eu planejava. — Só resolve isso, por favor. — Baixei sua mão e olhei
diretamente em seus olhos. — Eu não pedi para ser parte dessa confusão.
Minha cabeça girava, cheia de arrependimento. Eu nunca devia ter
aceitado aquela carona. Jamais deveria ter me envolvido o suficiente para
sequer esbarrar com ele novamente. Tudo que eu sempre quis era manter o
anonimato, viver minha vida em paz, sem me meter em confusões — e
agora estava na boca do povo, sendo alvo de fofocas, novamente. Tudo
porque, por um breve momento, eu tinha abaixado minha guarda, de novo.
— Sim, eu entendi. Vim ver como você estava, mas já estou
providenciando para resolver isso — ele disse com uma calma que,
sinceramente, só me irritou mais.
— Ótimo, resolva logo, porque estou arrependida até o último fio
de cabelo de ter aceitado aquela carona. E como se isso não fosse suficiente,
ainda tem as fotos da noite do jogo circulando por aí! — Minha voz saiu
mais alta do que eu pretendia, e eu me afastei dele, indo para a sala como se
a distância física fosse me ajudar a organizar os pensamentos. Parei em
frente à lareira, encarando o vazio, enquanto a frustração me consumia.
— Eu nunca quis isso, Marcus, você não entende!
Ele veio atrás de mim, parando ao meu lado, em silêncio. Eu podia
sentir a presença dele, mesmo sem olhar, e aquilo me irritava ainda mais.
— Sabe... eu deveria ter esperado o Simon. Tudo isso teria sido
evitado — suspirei, tentando esconder o arrependimento, mas ele estava lá,
óbvio.
A reação de Marcus foi imediata. Ele deu um passo à frente, e eu já
podia sentir o calor da irritação crescendo nele. Quando ele falou, sua voz
estava baixa, quase um rosnado.
— Simon? — Ele repetiu, incrédulo. — Você acha que esperar pelo
Simon teria resolvido alguma coisa? — Dava para ver ele passando a mão
pelo cabelo na sua sombra no chão, um gesto claramente frustrado. —
Então é isso? Você acha que o problema é eu ter te ajudado?
Tentei manter a calma, mas era difícil quando ele estava tão perto,
com aquela intensidade. Me senti diminuída, quase encurralada. Levantei os
olhos, encarando os dele, tentando me firmar.
— Eu não deveria estar perto de você, Marcus. Nunca deveria ter
me envolvido nisso — murmurei, tentando ignorar o peso daquelas
palavras.
A tensão no rosto dele aumentou, sua mandíbula travada, e sua voz,
quando finalmente saiu, foi mais fria do que eu já havia ouvido antes.
— Então é isso. Você me vê como um problema? — Ele deu um
passo para trás, me olhando com um misto de raiva e decepção.
— Sim! Desde o momento em que te vi pela primeira vez, você
sempre foi um problema! — Resmunguei, cruzando os braços, tentando
parecer firme, mas me sentindo mais perdida do que nunca.
— Jura, Alice? Que ingrata. — O sarcasmo escorria da voz dele.
— Ingrata? Ingrata por quê? — Minha voz subiu, a confusão e a
irritação se misturando.
— Nada, esquece. Tenha uma boa noite, Alice — ele disse, já
girando nos calcanhares.
E antes que eu pudesse pensar em uma resposta ou me desculpar,
ele saiu, batendo a porta atrás de si. Fiquei ali, parada, ouvindo o eco da
porta batendo. As palavras dele continuavam a ecoar na minha mente, e, de
repente, o arrependimento me atingiu com força total.
Eu estava completamente absorta em meus pensamentos,
mergulhada nas lembranças das fotos e na forma como Marcus havia agido
na noite passada. As imagens circulando por aí me atormentavam, e a
confusão sobre o que tinha acontecido entre nós estava me consumindo. Eu
girava em torno desses pensamentos, tentando encontrar algum sentido no
caos. A tampa da caneta, que eu tinha inconscientemente colocado entre os
dentes, estava sendo mastigada enquanto meus olhos fixavam em lugar bem
longe daqui. Foi só quando ouvi a voz de Liz chamando-me, um pouco
mais alta e insistente, que eu percebi que estava completamente imersa na
minha própria bolha.
— Alice! — Liz disse, puxando-me de volta à realidade.
Eu pisquei e levantei os olhos para ela, ainda um pouco atordoada.
— Desculpe, Liz. Estava distraída com...
— Você tem um momento? — A seriedade no tom de Liz fez meu
estômago revirar. Provavelmente ela já sabia de tudo. Senti um frio na
espinha ao imaginar como explicar à irmã de Marcus que, na verdade, não
houve nada entre nós. Foi apenas uma carona amigável em um momento de
vulnerabilidade da minha parte, já que eu não me lembrava muito bem do
que aconteceu na noite de sábado.
— Claro — respondi, tentando manter a calma. Levantei-me com
um esforço visível para esconder meu nervosismo.
Liz me conduziu até sua sala, e cada passo parecia ecoar na minha
mente, fazendo o corredor parecer interminável. Quando chegamos à porta
e Liz a abriu, uma onda de apreensão me envolveu. Ao entrar, o cenário me
deixou sem palavras. Marcus estava de costas, olhando pela janela com as
mãos nos bolsos. A vista de Manhattan atrás dele parecia surreal, como se o
mundo exterior estivesse em desacordo com o caos na minha mente.
Quando Marcus se virou e nossos olhares se encontraram, ambos
parecíamos igualmente surpresos e desconfortáveis. O olhar de Marcus
refletia a mesma confusão que eu sentia. Ficamos ali, parados, em um
momento que parecia se estender eternamente, sem saber como quebrar o
silêncio carregado entre nós. O tempo parecia arrastar-se enquanto nos
encarávamos, com o som abafado das vozes e atividades no escritório
criando um pano de fundo quase surreal para aquele encontro tenso.
Eu estava me sentindo como a rainha dos escândalos. Expulsa de
Harvard e agora, sendo insinuada como amante do bilionário mais cobiçado
e que pelo visto sempre evitava relacionamentos. Liz sentou-se em sua
mesa, observando a interação e ela então sorriu e depois começou a rir. O
que?
Quando Liz finalmente quebrou o silêncio, sua voz doce e
levemente cômica cortou a tensão no ar.
— Então, vocês têm algo a dizer sobre o que foi publicado? —
perguntou ela, seus olhos dançando entre mim e Marcus, um brilho de
diversão visível.
— Houve uma briga no meu bar, causada por alguns idiotas que não
sabem beber com moderação. Eu vi Alice caída no chão, completamente
bêbada, e ofereci uma carona. Afinal, tenho educação. — A voz de Marcus
era firme, mas havia uma pontinha de sarcasmo que quase me fez querer
socá-lo. Eu estava incrédula com a mudança de atitude dele.
Olhei para ele e para Liz, boquiaberta. Fiquei parada por um
momento, sem acreditar no que estava ouvindo. Juntei toda a coragem que
tinha e, com a voz levemente trêmula, tentei me justificar.
— Na verdade, eu voltaria com Simon. Não entendi por que Marcus
quis me dar carona. — Disse com desdém, decidida a participar do teatro se
ele queria agir como se nada tivesse acontecido.
— Simon? O analista? — Liz franziu a testa, claramente confusa,
alternando o olhar entre mim e Marcus.
— Sim, ele e Alice estão tendo um caso, e quiseram solidificar
esses laços no meu bar. — Marcus respondeu antes que eu pudesse me
defender, com um tom provocativo.
— Ele e eu somos apenas amigos. Não temos um caso! — Minha
voz aumentou, clara e determinada, enquanto encarava Marcus.
Liz, parecia estar se divertindo com a cena, riu suavemente.
— Nossa, Marcus, estou realmente admirada por você ter deixado
esse escândalo passar. É a primeira vez que ouço seu nome associado a
alguma mulher, meu irmão. — Ela riu novamente. "Deixar o escândalo
passar?" Eu estava ainda mais confusa.
— Primeira vez? — Perguntei, alternando o olhar entre Liz e
Marcus. — Você me disse que ia resolver isso! — Eu estava furiosa com
Marcus. Ele havia mentido para mim.
— Eu até pensei em resolver, mas depois percebi que seria melhor
deixar como está. Precisavam me ver com alguma mulher. — Marcus disse,
olhando para o chão antes de me encarar novamente. Não entendi o que ele
quis dizer. Precisavam vê-lo com alguma mulher?
— Como assim, precisavam?
— Para calar rumores... — Ele disse, evitando me olhar nos olhos.
Que ridículo. Eu era então apenas um disfarce para abafar os rumores sobre
ele.
Liz assentiu com um sorriso no rosto.
— Sim, Marcus não sai com ninguém, a não ser por razões
profissionais. Estou mentindo? — Ela perguntou diretamente ao irmão,
claramente ciente da situação. Marcus se afastou um pouco, olhando pela
janela antes de responder.
— Não, eu não me envolvo com ninguém porque geralmente sou
procurado por interesse. E, sinceramente, eu não gosto de coisas fáceis.
A raiva que eu sentia por ele ter mentido ainda estava presente. Ele
disse que resolveria a situação, mas os sites e as notícias continuavam a
falar sobre nós. A revelação dele me pegou de surpresa. Então, lembrei de
algo que havia ouvido antes.
— E a moça loira do 30º andar?
Liz levantou uma sobrancelha, claramente curiosa.
— A Amber? Cabelo liso e batom vermelho? Saltos scarpin?
— Sim, ela mencionou que Marcus a levou de limusine a um
restaurante Michelin. — Marcus e Liz começaram a rir, o que só aumentou
minha confusão. — Qual é a graça? — perguntei, sentindo-me cada vez
mais desconfortável.
— Tem um Marcus que é de uma seguradora no prédio. Ele
geralmente leva suas pretendentes de limusine ao Le Bernardin, afinal, o
seu irmão é o chef. — Liz, ainda rindo, explicou.
— Ah... — murmurei, tentando processar a revelação. A vergonha
me atingiu instantaneamente. Eu havia acreditado em rumores e, pior, fiz
suposições infundadas. Meus pensamentos estavam um turbilhão. Então,
Marcus não tinha nada a ver com aquilo. Eu fui rápida demais em julgar.
— Voltando ao assunto... os rumores aumentaram demais ao verem
você e Marcus saindo do bar dele. Então para eles era nítido de que vocês
dois estão saindo juntos. Eu os chamei aqui só para poder sanar as minhas
duvidas e as da minha mãe.
— A nossa mãe estava com dúvidas? Ela me conhece bem o
suficiente para saber que eu não saio com ninguém. — Marcus olhou para
Liz, claramente surpreso com sua última observação.
— Na verdade, ela acha que você e Alice formam um ótimo casal.
— Liz sorriu com um toque de malícia.
Eu e Marcus nos entreolhamos, atônitos e constrangidos. Eu queria
desaparecer dali. Meu rosto estava queimando de vergonha, especialmente
porque o assunto agora era um tema familiar.
— Eu jamais teria algo com Alice. Olhe para ela. É completamente
o oposto de mim — Marcus declarou, com desdém, apontando para mim.
Senti-me profundamente ofendida. O que ele queria dizer com isso?
Olhei para minha roupa: jeans preto, camisa branca, sobretudo preto e
cabelos soltos. Respirei fundo, tentando manter a calma.
— Eu não entendi. Está sendo irônico? — perguntei, a frustração
evidente na minha voz.
— Me desculpe, Alice..., mas é que você parece ter saído de uma
loja de desconto e, além disso, está toda machucada como se não soubesse
ficar em pé. Eu jamais pensaria em ficar com alguém como você —
retrucou ele, com um sorriso irônico.
Fiquei incrédula ao ouvir isso. O que era aquilo? As lembranças de
sábado à noite, quando ele havia cuidado do meu curativo com tanta
gentileza, passaram rapidamente pela minha mente. Essas palavras agora
pareciam uma lâmina afiada fincando no meu peito. O choque e a dor eram
quase físicos, e eu queria desesperadamente sair dali. Mas, ao invés de
tristeza, o que começou a crescer dentro de mim foi raiva. Ele estava
revidando. Era óbvio. Depois do que eu disse no domingo, depois de eu ter
deixado claro que nunca deveria ter me aproximado dele, ele agora estava
devolvendo na mesma moeda. Estava se vingando com essas palavras
cortantes. E isso só fazia minha frustração aumentar.
— Liz, eu realmente preciso ir agora. Tenho um compromisso para
escolher os doces da festa — disse, tentando mudar de assunto, minha voz
soando um pouco mais firme do que eu me sentia. — Marquei para agora à
tarde, então preciso ir.
— Ah, sim... — Liz parecia confusa. — Tudo bem, tenha uma
ótima tarde!
Acenei para ela e saí da sala, querendo ignorar completamente o
que Marcus havia dito anteriormente. Cheguei na minha sala e o olhar
curioso e espantado do pessoal fez meu estômago se revirar. Forçando um
sorriso falso, peguei minha bolsa e saí apressada. Elisa, que estava voltando
de uma entrevista, me viu e imediatamente percebeu que algo estava errado.
Ela segurou meus ombros e me olhou com preocupação.
— Vai, diz o que aconteceu? — Ela levantou meu queixo, mas eu
me desviei de sua mão, tentando manter a compostura.
— Acabei de sair da sala da Liz. Parece que o Marcus não cuidou
do assunto como ele prometeu.
— O que ele ia fazer? — Elisa perguntou, a confusão evidente em
seu tom.
— Marcus prometeu que resolveria o problema das fotos que
saíram, mas parece que ele não fez nada — respondi, minha voz carregada
de desânimo.
— Ele não quis sumir com as notícias? — Elisa franziu a testa,
claramente perplexa.
— Exatamente. Ele simplesmente deixou o problema como estava.
Nem sequer tentou fazer algo — suspirei, lutando para manter a calma.
— Não acredito... — Elisa ficou boquiaberta, uma risada incrédula
escapando de seus lábios. — Alice...
— Nem pense... Ele deixou bem claro que eu não sou o tipo dele,
ok? — Lembrando-a de seu comentário sobre ele me achar alguém especial.
Eu forcei um sorriso fraco e ergui meu sobretudo. — Afinal, minhas roupas
são de segunda mão...
— Ele realmente disse isso? — Elisa arregalou os olhos e balançou
a cabeça em descrença.
— Sim, mas não quero mais pensar nisso — menti. — Preciso ir à
confeitaria, e combinei de ir com a minha avó. Não volto para o trabalho
hoje. Até amanhã, tá?
Elisa assentiu, e eu dei um beijo em sua bochecha antes de me
encaminhar para fora da empresa. Meu passo estava apressado enquanto me
dirigia ao elevador, tentando deixar para trás o peso das palavras de Marcus
e a sensação de traição que elas haviam causado. A cada passo para fora do
prédio, me xingava mentalmente por ter aceitado aquela carona, por ter
permitido à proximidade dele no jogo. Como pude ser tão tola? A
lembrança da sua aparente gentileza pós festa, agora parecia um cruel
engano, um truque de uma mente desesperada por um pouco de bondade.
Sinalizei para um táxi que passava e entrei, dando o endereço da
confeitaria. Enquanto o carro avançava pelas ruas, minha mente girava em
torno de tudo. A raiva crescia em mim como uma chama incontrolável. Eu
estava furiosa não só com Marcus, esse arrogante, prepotente e imbecil,
mas também comigo mesma. Como pude cair na dele? Ele usou minhas
palavras contra mim, e agora estava se vingando de cada palavra que eu
disse. Marcus sempre foi assim — frio, desdenhoso e incapaz de qualquer
tipo de mudança genuína. A lembrança da sua falsidade na noite passada só
reforçava o quanto ele era um truque cruel. Eu estava envergonhada e
frustrada por ter acreditado que ele poderia se livrar das fotos, era obvio que
ele queria holofotes. “Sanar rumores...” Que ridículo.
Enquanto a raiva fervia dentro de mim, lembrei de Simon. Meu
coração apertou ao pensar na confusão que ele deve ter sentido quando
mencionei que Marcus havia me levado para casa. Simon sempre foi gentil
e respeitador, e eu me sentia horrível por ter envolvido ele em uma situação
tão embaraçosa. Ele merecia muito mais do que isso, e eu precisava me
redimir. Afinal, era para eu ter esperado por Simon no sábado, e não ter
aceitado a carona de Marcus. Como pude ser tão ingênua? Se
arrependimento matasse, eu já estaria enterrada em um mausoléu de teias de
aranha e coberta de pó.
Ao chegar na confeitaria, avistei minha avó já esperando na entrada.
Ela estava com um suéter de lã cinza, e uma calça de tecido confortável. Ela
apertava um cachecol cinza ao redor do rosto, tentando se proteger do frio.
Seu sorriso caloroso e sua presença foram um alívio em meio à tempestade
emocional que eu estava enfrentando. Minha avó me cumprimentou com
um abraço.
— Que bom te ver, querida! Estava ansiosa para escolher os doces
com você.
— Eu também, vó. — Respondi, tentando manter a compostura e
levando-a para dentro do estabelecimento.
Passamos algum tempo explorando as vitrines cheias de doces e
guloseimas. Minha avó estava animada, apontando uma variedade de
opções e perguntando sobre minhas preferências. No entanto, eu estava
distante, com a mente vagando longe daquele ambiente aconchegante.
Sentei-me em um dos bancos da confeitaria, olhando para os doces,
mas sem realmente vê-los. A distração foi tão profunda que eu nem percebi
o tempo passar. Só quando senti um toque gentil no meu braço, despertei
dos meus devaneios. Olhei para o lado e vi minha avó, com um olhar
carinhoso, segurando um pequeno doce de morango com chocolate.
— Alice, querida, você precisa provar este — disse ela, com um
entusiasmo contagiante.
— Desculpe, vó. Eu estava distraída — respondi, sorrindo um
pouco, tentando não transparecer meu estado de espirito.
Olhei para a mesa à minha frente, repleta de uma variedade
impressionante de doces finos e lindamente decorados. Havia trufas
delicadas, cobertas com finas camadas de chocolate brilhante, macarons de
todas as cores possíveis, pequenos bolos decorados com flores de açúcar,
tortas miniaturas com frutas frescas e éclairs recheados com cremes
diversos. Peguei o doce de morango com chocolate das mãos da minha avó
e dei uma mordida. O sabor era divino: o doce morango combinava
perfeitamente com o chocolate amargo. Sorri para minha avó, que estava
radiante. Enquanto provávamos os doces, minha avó e eu concordávamos
em alguns sabores, rindo e comentando sobre quais eram nossos favoritos.
Algumas vezes, discordávamos, mas eu sempre acabava concordando com
ela, confiando em seu paladar aguçado e refinado.
A representante da confeitaria, Sara, estava ao nosso lado,
explicando cada doce com detalhes minuciosos. Ela descrevia os
ingredientes, a inspiração por trás de cada criação e como eles poderiam ser
apresentados na festa.
— Este aqui é uma trufa de chocolate belga com recheio de
framboesa — disse ela, apontando para um dos doces expostos na mesa. —
E este é um macarron de pistache com um toque de limão siciliano.
Minha avó provava cada doce com um cuidado quase reverencial,
fechando os olhos para apreciar melhor os sabores. Enquanto observava
minha avó, uma onda de gratidão me envolveu. Estar com ela me
proporcionava uma sensação de segurança e tranquilidade, uma fuga
temporária do tumulto em que eu me encontrava.
— Então, vamos começar? — perguntou Sara, com um sorriso
encorajador.
— Sim, vamos lá — respondi, tentando me concentrar e afastar os
pensamentos perturbadores. Olhei para os doces à minha frente e comecei a
listar alguns dos meus favoritos.
— Eu realmente gostei dessas trufas de chocolate belga com
recheio de framboesa.
Minha avó, que estava ao meu lado, assentiu com aprovação.
— E aqueles macarrons de pistache com limão siciliano, não
podemos esquecer deles.
— Certo, trufas de chocolate belga e macarons de pistache com
limão siciliano — disse Sara, anotando as opções em seu caderno com
precisão.
Continuei a listar com um pouco mais de entusiasmo.
— Também quero incluir esses minis éclairs de baunilha, tortas de
frutas vermelhas e as trufas de chocolate branco com coco, limão e
damasco.
— Não se esqueça dos brownies com nozes e dos cupcakes de red
velvet. — Minha avó interveio com um sorriso.
A cada sugestão, Sara anotava cuidadosamente, sorrindo e
concordando com nossas escolhas. Minha avó e eu discutíamos algumas
opções com entusiasmo, mas no final sempre encontrávamos um consenso
que nos satisfazia.
— Acho que também deveríamos incluir aqueles copinhos de
chocolate amargo com cereja — sugeri, sentindo uma leveza em meio à
nossa colaboração.
— Boa escolha, Alice. E as mini tortas de amêndoas? — lembrou
minha avó, com um olhar satisfeito. E eu assenti.
Sara fez as anotações finais com um sorriso satisfeito, e o processo
de seleção dos doces prosseguiu com uma sensação crescente de realização.
A reunião trouxe uma lufada de normalidade e alegria ao meu dia, algo que
eu realmente precisava. Depois de algumas deliberações e degustações
adicionais, finalmente escolhemos um cardápio com vinte e quatro opções
de doces. Decidi escolher a quantidade correspondente à minha idade, pois
sabia que, de outra forma, ficaria indecisa. Pelo menos agora, eu sentia que
nossas escolhas estavam perfeitas e que os convidados certamente
adorariam os doces. Estávamos encomendando no melhor lugar. Sara
perguntou quanto convidados seriam, e eu respondi que trezentos, pois era
uma festa importante. Ela anotou a informação e nos garantiu que tudo
estaria pronto a tempo e na quantidade certa. Ao sair da reunião, senti-me
um pouco mais leve. Organizar o cardápio com minha avó foi uma pausa
bem-vinda em meio ao caos que havia sido meu dia.
Cheguei em casa depois de deixar minha avó, agradecendo pela
companhia dela durante a escolha dos doces. Assim que entrei no meu
quarto, a exaustão me envolveu como um manto pesado, e eu me senti
como se tivesse sido atropelada por um caminhão. Olhei para a cama,
desejando profundamente me jogar nela e me entregar ao sono. Prometi a
mim mesma que primeiro tomaria um banho, porque, se eu me sentasse
naquela cama, seria um piscar de olhos até adormecer. Mas antes que eu
pudesse relaxar, a campainha tocou. O som me fez pular de susto, um
choque repentino já que eu não estava esperando ninguém. Fiquei parada,
tentando adivinhar quem poderia ser.
Desci as escadas, sem conseguir imaginar quem poderia estar à
porta àquela hora. Quando abri, meu coração deu um salto ao ver Marcus na
entrada. Sem pensar duas vezes, tentei fechar a porta imediatamente, mas
sua mão deteve o movimento, segurando-a.
— Alice, espera — disse ele, com a voz firme, mas sem elevar o
tom. Eu já não queria ouvir mais nada, e tudo em mim gritava para afastá-
lo.
— Você é a última pessoa que eu quero ver, então vá embora! —
retruquei, enquanto lutava contra a força dele, tentando fechar a porta com
toda a minha vontade.
— Eu só quero conversar, por favor. — Ele me olhou de um jeito
que me fez hesitar por um segundo, mas eu me obriguei a manter a porta o
mais fechada possível.
— Eu não! Você já disse o suficiente por hoje.
— Alice, me ouve só por alguns minutos... eu tenho que viajar
daqui a uma hora. Eu preciso falar com você antes. — O tom dele tinha
uma urgência que me fez soltar a porta e encará-lo com as mãos na cintura.
— Fala.
Antes que eu pudesse reagir, Marcus aproveitou a brecha e
empurrou a porta, entrando na minha casa sem ser convidado.
— Eu não disse que você podia entrar! — protestei, franzindo o
cenho.
Ele me ignorou, fechando a porta atrás de si e se virando para me
encarar. A expressão dele estava séria, mas havia algo mais ali, algo que eu
não conseguia decifrar.
— Alice, eu... eu sinto muito, tá? — Ele disse, a voz mais suave do
que antes, como se realmente quisesse que eu acreditasse em suas palavras.
— Desculpa por quê, exatamente? Pelo que você disse? Ou pelo
que não fez? — Revirei os olhos, cruzando os braços.
— Eu não deveria ter falado daquele jeito. Fui um idiota.
— Isso eu já sei — retruquei, a raiva fervendo novamente.
Marcus passou a mão pelos cabelos, claramente frustrado e
inquieto, como se estivesse lutando para encontrar a maneira certa de se
expressar. Ele começou a andar de um lado para o outro, evitando meu
olhar por um momento antes de finalmente se virar para mim novamente.
— Me arrependi no minuto em que vi você saindo da sala. Eu sabia
que tinha falado besteira... e Liz, bom, ela me deu um sermão enorme
depois daquilo.
Eu ri, mas era um riso sarcástico, sem humor.
— Então é só por isso que você está se desculpando? Porque Liz te
deu um sermão? — sacudi a cabeça, sem acreditar.
Ele parou de andar, seus olhos encontrando os meus com uma
intensidade que me fez sentir uma pontada de desconforto.
— Não, Alice, não é só por isso. Eu me desculpei porque fui um
idiota, porque não quero que você pense que eu... — Ele parou, respirando
fundo, claramente tentando controlar a frustração que o estava consumindo.
— Eu não quero que você pense que eu não me importo, porque me
importo. Mais do que eu deveria.
Fiquei em silêncio por um momento, processando o que ele havia
dito.
— E eu deveria acreditar nisso? — perguntei, minha voz cheia de
dúvida.
Marcus deu um passo na minha direção.
— Se não quiser acreditar, tudo bem, Alice... — Ele suspirou,
parecendo cansado, mas com um tom que revelava uma frustração contida.
— Eu não quero que a última coisa entre a gente seja o que aconteceu hoje.
Eu o encarei, a confusão e a raiva se misturando em meu olhar.
— E o que você espera, Marcus? Que eu simplesmente ignore tudo
o que aconteceu? Foi humilhante o que você me disse. Eu deveria ter
esperado algo assim vindo de você.
Marcus deu um passo à frente, o rosto tenso e os olhos fixos nos
meus.
— Algo assim, vindo de mim? — ele perguntou, avançando mais
um passo, agora a centímetros de distância. — Diga, Alice. Vai, diga o que
você está pensando.
— Que você se acha? — retruquei, cruzando os braços, sem recuar.
— Tem mais, eu sei que tem. Vai em frente, diz tudo, se isso vai te
fazer sentir melhor.
— Não adianta dizer nada. Não muda o fato de que você acha que
pode fazer tudo o que quer, sem pensar nas consequências, me deixando
como uma idiota. Seja no jogo de basquete ou naquela noite no Black
Metal.
— Ah, claro — Marcus zombou, com a mandíbula tensa. — Eu
esqueci, sua vida é toda certinha, não é?
— Não que seja perfeita, mas eu pelo menos tento evitar chamar
atenção. Diferente de você, que parece estar sempre buscando um palco.
Francamente, é uma surpresa você não estar num reality show.
— Olha só, uma crítica às minhas escolhas de vida! — Ele deu mais
um passo à frente, a raiva visível em cada linha de seu rosto. — Você acha
que me conhece, mas está muito errada.
— Ai, me poupe, Marcus. Eu conheço bem o seu joguinho de
provocações — retruquei, meu tom ácido. — E se acha que vai me pegar
nisso, está enganado.
— Não cai no meu jogo, Alice? — Ele arqueou uma sobrancelha, a
voz carregada de ironia. — Você realmente acha que isso é só um jogo pra
mim? — Ele avançou de novo, seu corpo agora quase tocando o meu.
— Eu não caio em provocações, Marcus — mantive o tom firme,
mesmo sentindo a tensão crescente. — Não vou me deixar levar pelos seus
truques.
— Não vai? — Ele sorriu, um sorriso cheio de ironia, seus olhos
brilhando com algo perigoso. — Eu gosto de provocar, Alice. Mas isso aqui
— ele deu uma pausa, seus olhos fixos nos meus — não é só provocação.
Antes que eu pudesse reagir, ele agarrou minha nuca com uma mão
e, em um movimento rápido e determinado, pressionou seus lábios contra
os meus. O beijo era intenso, feroz, com uma urgência desesperada. A sua
língua explorava a minha, e seus lábios se moviam com uma vontade
avassaladora. Só depois de um tempo é que eu consegui processar o que
estava acontecendo. O beijo, a intensidade, a urgência — tudo parecia um
borrão na minha mente. Com um empurrão abrupto, afastei Marcus,
rompendo o contato. Minhas mãos tremiam, e meu coração disparava
descontroladamente. Tentei recuperar o fôlego, minha respiração ofegante,
enquanto Marcus me olhava com uma intensidade que eu nunca tinha visto
antes.
— O que foi... — Eu sussurrei, não conseguindo completar a
pergunta, e toquei meus lábios, ainda sentindo o calor do beijo. As palavras
saíram como um murmurinho confuso, sem conseguir expressar a surpresa
e a perplexidade que estavam se formando dentro de mim.
— Se ao menos você enxergasse... que às vezes eu não consigo me
segurar quando estou perto de você. — Marcus disse, com uma voz baixa e
me olhando nos olhos.
Ele se afastou e balançou a cabeça, sem dizer mais uma palavra,
saiu pela porta da frente. O estalo seco da porta fechando ecoou pela sala
silenciosa, intensificando a sensação de desamparo. Fiquei ali, parada, com
os lábios ainda formigando e a mente completamente em turbilhão. Tudo o
que eu havia experimentado nos últimos momentos se misturava em uma
confusão avassaladora. Eu estava tentando desesperadamente processar o
que ele acabou de dizer, enquanto a quietude ao meu redor parecia
amplificar o caos emocional dentro de mim.
Eu estava correndo em direção à padaria perto de casa, atraída pela
promoção irresistível de donuts que eles ofereciam às sextas-feiras.
Planejava levar uma caixa para o trabalho e compartilhar com o pessoal da
sala. Enquanto corria, tentava não pensar no beijo inesperado e confuso que
Marcus havia me dado há alguns dias. A lembrança ainda fazia meus lábios
formigarem, e eu não o via desde então. Ao chegar na padaria, me deparei
com uma fila desanimadora. Mas, para minha surpresa, avistei Simon na
fila, faltando apenas duas pessoas para chegar à sua vez. Ver Simon trouxe
um alívio inesperado. A última vez que nos encontramos não foi das
melhores, então encontrá-lo ali, em um momento tão simples e
descontraído, foi um verdadeiro presente.
Ele me viu e abanou para que eu me aproximasse.
— Bom dia! — disse Simon, com um sorriso caloroso. — Não te
vejo há dias.
— Bom dia, Simon! — respondi, sorrindo genuinamente. — Estava
tão atolada no trabalho e correndo direto para casa depois do expediente,
que mal tive tempo de avisar as pessoas que conheço que eu ainda estou
viva.
Dei uma pausa para recuperar o fôlego da corrida.
— Imagino, e como está a casa nova?
— Ótima. Ajeitei bastante coisa essa semana, finalmente! —
respondi, com uma pitada de orgulho. — Consegui comprar uns móveis
bem legais, sabe? Pintei a sala de preto e finalmente troquei aquele sofá
antigo que parecia mais uma peça de tortura medieval do que um lugar para
sentar. Também arrumei umas prateleiras pra colocar meus livros, eu meio
que vou ainda fazer uma biblioteca.
Ele riu, balançando a cabeça.
— Fico feliz que esteja se ajeitando Alice. E veio pegar café? —
Ele perguntou.
— Na verdade, vim mesmo aproveitar a promoção de donuts hoje.
E você, vai resistir ou vai se render também?
— Na verdade, eu só vou pegar um café — respondeu Simon,
levantando a sobrancelha de leve. — Quer que eu peça uma caixa para você
junto com o meu?
Nossa, ele realmente leu meus pensamentos. Que gentileza!
— Seria um enorme favor, Simon. Obrigada! — agradeci.
Conversamos um pouco até que nossos pedidos ficaram prontos. Eu
paguei a caixa, e então, Simon e eu nos dirigimos para fora do
estabelecimento. No momento em que estávamos prestes a sair, Simon
parou e me olhou.
— Quer uma carona para o trabalho?
— Vou aceitar sim, obrigada! — respondi, sorrindo.
Entramos no carro de Simon e ele deu a partida, navegando pelos
caóticos movimentos de táxis e carros que dominavam Nova York. Quando
paramos em uma sinaleira, o cheiro da caixa de donuts estava preenchendo
o carro, e a tentação de devorar todos eles, era quase irresistível. Decidi
abrir um pouco a janela para não ceder à tentação antes de chegar à
empresa. Ao olhar para a rua, notei um carro esportivo parando ao nosso
lado. Eu achava que já tinha visto aquele carro antes, mas não dei muita
importância. Quando o sinal abriu, o carro ao lado fez um movimento
brusco e avançou na nossa frente, cortando Simon. Eu quase derrubei a
caixa com a freada bruta que Simon deu.
— Ah... Marcus — murmurou Simon, baixinho.
Ao ouvir o nome de Marcus, meu coração disparou. Eu não
conseguia parar de pensar no beijo que Marcus havia me dado e na sua
saída abrupta. Aquele homem tinha um talento especial para complicar as
coisas, especialmente para mim. Aproximei-me de Simon e, tentando
disfarçar minha frustração.
— Esse Marcus... sempre causando confusão, né?
Simon apenas assentiu. Minha mente estava dividida entre a
frustração e uma leve ansiedade sobre o que viria a seguir. Será que ele iria
mencionar o beijo? Ou, será que ele ia ignorar e agir como se nada tivesse
acontecido? Eu estava torcendo para a segunda opção. Enquanto olhava
para o carro esportivo à nossa frente, sentia uma crescente tensão. Eu só
queria um dia de paz, longe das complicações que Marcus sempre trazia.
Pensar no beijo me deixava ansiosa e confusa, e eu não sabia como lidar
com a possibilidade de ter que enfrentar essa situação novamente. Eu só
quero um dia normal, sem que Marcus venha bagunçar tudo.A verdade é
que Marcus tinha uma habilidade infalível para me deixar desconfortável, e
eu estava me perguntando quanto tempo mais conseguiria lidar com isso.
Precisava manter o foco no trabalho e tentar não deixar que ele estragasse
mais um dia meu.
Eu e Simon chegamos ao prédio, e eu carregava a caixa de donuts
com cuidado para não danificar as coberturas. Conversávamos e ríamos
sobre algumas histórias enquanto nos dirigíamos ao elevador. Apertei o
botão e esperamos em silêncio enquanto as portas se abriam. De repente,
Marcus apareceu no meu campo de visão e entrou no elevador conosco. O
susto foi tão grande que quase derrubei a caixa de donuts. Minha respiração
ficou presa na garganta enquanto eu tentava recuperar a compostura.
Marcus lançou um olhar sério para mim e para Simon. A tensão no meu
corpo aumentava a cada segundo.
O elevador ficou ainda mais cheio quando Amber entrou e outras
pessoas junto dela, ela ao ver Marcus, imediatamente esboçou um sorriso
caloroso. Marcus, por sua vez, sorriu de volta para Amber, sua expressão se
tornando repentinamente mais relaxada e amigável. O contraste entre o
olhar sério que ele havia lançado para mim e o sorriso aberto para Amber
parecia uma ironia diante a situação. O ambiente no elevador ficou
carregado de tensão para mim. Marcus estava ali, tão próximo, e parecia
que ele conseguia perceber cada centímetro do meu desconforto. O silêncio
era interrompido apenas pelo som das conversas esparsas e pelos zumbidos
dos motores do elevador. Será que ele decidiu ignorar o fato de que me
beijou a uns dias atrás?
O elevador deu um solavanco brusco, e todos se assustaram. O
impacto fez com que eu perdesse o equilíbrio e a caixa de donuts caísse no
chão. Amber, em um movimento exagerado, se lançou nos braços de
Marcus. Ele sorriu, afastando-a gentilmente enquanto perguntava em voz
baixa se ela estava bem e tentava recuperar a compostura. Eu observei a
cena, um pouco desconfortável. Havia algo na maneira como Marcus
alisava os braços de Amber que me deixou um pouco inquieta, mesmo que
eu tentasse não demonstrar.
— Alice, os donuts.
Simon chamou minha atenção. Eu balancei a cabeça e agachei-me
rapidamente para pegar a caixa, apavorada com o estado dos donuts. Para
minha surpresa e alívio, nenhum donut havia saído da caixa, mas a
cobertura estava toda lambuzada, transformando a apresentação perfeita em
uma bagunça pegajosa.
— Ótimo — murmurei para mim mesma, tentando conter um riso
nervoso e rezando para manter minha compostura. Eles me olhavam com
aqueles olhares mistos de pena e desaprovação.
— Esses donuts são deliciosos, ainda vai dar para comer — Simon
tentou me tranquilizar, e eu lhe retribuí com um sorriso meio forçado.
Amber desceu no 30º andar lançando um último sorriso para
Marcus antes de sair. Revirei os olhos internamente. O silêncio no elevador
se manteve, interrompido apenas pela movimentação de pessoas descendo
em outros andares. Finalmente, chegou a minha vez.
— Tenha um bom trabalho, Simon — disse, me despedindo dele.
— Igualmente, Alice — respondeu ele, assentindo com um sorriso.
Quando me aproximei de Marcus para sair esbarrei no ombro dele
de propósito e falei.
— Tenha um péssimo dia de trabalho. — Baixei a voz e sussurrei
com uma pitada de ironia:
Ele me lançou um olhar de surpresa, mas não disse nada. Saí do
elevador, aliviada por deixar o ambiente carregado de tensão para trás,
embora a sensação de desconforto ainda pairasse sobre mim. Cheguei na
sala com a caixa de donuts em mãos. Ao entrar, todos levantaram os olhos
das telas, curiosos com a caixa em minhas mãos e automaticamente tornei a
explicar.
— Bom dia, pessoal! — disse, tentando não rir da situação. —
Trouxe donuts para todos, mas infelizmente aconteceu um pequeno
imprevisto. Coloquei a caixa em cima da minha mesa e a abri, revelando a
cobertura dos donuts espalhada pela caixa, denunciando o desastre no
elevador. — Então... o elevador deu um solavanco, e a caixa caiu no chão.
Felizmente, os donuts ficaram dentro da caixa, mas a cobertura... bem,
vocês podem ver o resultado.
Tom foi o primeiro a se manifestar, sem nem esperar pela
explicação completa.
— Deve ter batido a cabeça bem forte para ficar tão generosa,
adorei! — disse ele, pegando um donut da caixa sem hesitar. — Que
delícia, melhor jeito de começar o dia.
Enquanto Tom mordia o donut, Elisa se aproximou e, ao pegar o
dela, acabou lambuzando os dedos na cobertura.
— Esses donuts estão deliciosos, Amiga! Obrigada — exclamou
ela, lambendo os dedos com satisfação.
Megan, por outro lado, olhou para a caixa e hesitou.
— Oh Alice, que gentileza. Vou guardar o meu para depois. Se
soubesse que teríamos donuts, não teria tomado um grande café da manhã.
— Ela disse meio triste. Revirei os olhos e ri.
Tom riu e ergueu o donut. Completamente satisfeito.
— Aos donuts acidentados! – E todos riram.
Que droga pensar que o solavanco destruiu os donuts, mas, pelo
menos, ninguém se importou e todos comeram com vontade. Me ajeitei na
cadeira, coloquei a bolsa de lado e liguei meu computador. A maioria dos
manuscritos já estava revisada; eu tinha pegado o ritmo e estava indo bem
nas tarefas. Mas minha mente, insistente, voltou ao beijo com Marcus.
Soltei um suspiro profundo. Foi um erro, claro. Ele não estava em seu juízo
perfeito, agiu por impulso.
Mesmo assim, ver Marcus tão próximo de outra mulher não deveria
ter mexido comigo tanto quanto mexeu. Esse incômodo me deixou mais
confusa. Ele não deveria ter esse efeito sobre mim, mas tinha. Antes que eu
pudesse afundar mais nesses pensamentos, a voz animada de Tom ecoou
pela sala, interrompendo meus desvaneios.
— Vocês viram a lista de convidados para a festa? — perguntou ele,
sua voz cheia de entusiasmo. — Tom Hiddleston vai estar lá! Ele que
interpreta o Loki no universo da Marvel.
Elisa arregalou os olhos, claramente empolgada.
— Não acredito! Sério? Ele é incrível! — Ela exclamou, batendo
palmas de alegria.
— De que ele vai estar fantasiado, será? — Megan perguntou,
franzindo o nariz. Eu, Tom e Elisa nos entreolhamos, incrédulos pela
pergunta que parecia óbvia.
— De Thor, claro. — Tom respondeu em tom irônico, arrancando
uma revirada de olhos de Megan.
— Engraçado, vai ver ele pode se fantasiar de outra coisa.
— Algo mais interessante do que Loki? — Perguntei enquanto
largava o donut sobre o guardanapo na minha mesa.
— Talvez... — Megan quis se justificar, mas Elisa interrompeu.
— Quem mais já confirmou? — Elisa perguntou, curiosa.
Tom continuou, ainda mais animado.
— Julia Roberts e Leonardo DiCaprio também estão confirmados.
E algumas modelos da Victoria's Secret. Vai ser uma festa e tanto! Pensar
que somos os responsáveis por fazer essa festa acontecer... me deixa
nervoso. Estou ansioso para que chegue o dia. Na verdade, estou com dor
de barriga desde ontem.
Enquanto Tom e Elisa discutiam animadamente sobre as
celebridades e os itens que seriam leiloados, minha mente estava em outro
planeta. Eu estava completamente perdida, não apenas entre os preparativos
que ainda precisava fazer para o evento, mas também na confusão que
minha vida se tornara nos últimos dias. Com apenas duas semanas até a
festa, a preocupação com minha roupa estava me consumindo mais do que
eu gostaria de admitir. A fantasia de Jean Grey que planejava usar ainda
estava pendente, e eu não tinha ideia de como resolver isso a tempo.
Honestamente, meu superpoder no momento era procrastinar e,
aparentemente, entrar em situações complicadas.
Como... Marcus Lewis. Mesmo tentando focar no evento, meu
cérebro insistia em me lembrar que as pessoas ainda estavam ligando meu
nome ao dele. Isso era um verdadeiro pesadelo, considerando as fotos que
continuavam circulando por aí. Por curiosidade, me dei ao trabalho de
pesquisar "Marcus Lewis e namorada" no Google. E adivinha só? Todas as
imagens que aparecem eram de nós dois, no jogo de basquete e no dia da
festa da maldita carona que ele me deu. Sério, quando foi que minha vida
virou esse circo? As vezes até me esquecia que fui expulsa de Harvard.
Como se isso fosse ajudar. O nome "Alice Smith" estava sendo
atrelado ao de Marcus de forma tão fácil que até o Google parecia estar
convencido de que algo estava acontecendo. E quanto mais eu tentava
esquecer, mais parecia impossível. Será que era normal se sentir tão perdida
assim? O que quer que estivesse rolando entre mim e Marcus, não fazia o
menor sentido na minha cabeça, e meu emocional estava mais bagunçado
do que minha gaveta de meias e calcinhas.
Caminhei até a cafeteria da empresa, precisando desesperadamente
de um café para clarear a mente. Ao entrar, notei Ashley sentada em uma
das mesas, mexendo em seu laptop. Fui até a máquina de café, preparei uma
xícara e me aproximei dela, curiosa para saber mais sobre o seu papel na
empresa.
— Ei, Ashley — chamei, sorrindo. — Posso me sentar?
Ela olhou para cima e sorriu, gesticulando para que eu me sentasse.
— Claro, Alice.
— Ashley queria te perguntar uma coisa... estou curiosa. — Eu
disse, tomando um pouco do café. E querendo perdidamente mudar o
assunto que se passava na minha mente.
— Claro, o que seria?
— Qual é exatamente o seu cargo aqui na empresa? Sempre vejo
você correndo para lá e para cá, parece que faz um pouco de tudo
Tentei puxar assunto.. Ashley riu, um som leve e despreocupado.
— Bem, sou a recepcionista, cuido do financeiro, sou secretária da
Liz e também organizo o RH da empresa.
Meu queixo quase caiu com a lista impressionante de
responsabilidades dela.
— Uau, isso é muita coisa! — exclamei, ainda atordoada. — Como
você consegue dar conta de tudo isso?
— Já estou acostumada. Na verdade, a editora não exige tanto
assim. Sempre tento resolver as coisas o mais rápido possível para evitar
acumular tarefas. E, honestamente, gosto de me manter ocupada. Isso ajuda
a manter a mente afiada. — Ashley deu de ombros, mantendo o sorriso.
— Nossa, você é incrível! Eu não sei se daria conta de tantas
tarefas. Eu já lido com duas e às vezes quase enlouqueço. — Rimos juntas.
Não era exatamente duas tarefas; na verdade, eu estava lidando com muito
mais ultimamente, mas decidi poupá-la das minhas lamentações.
— Aí, Alice, eu também já quase enlouqueci... realmente não é
fácil. Mas com o tempo você nem percebe e já está lidando com tudo.
Ela continuou a me explicar mais de suas tarefas. A cada explicação
eu ficava cada vez mais boquiaberta. Depois de um tempo, nos despedimos
e eu voltei ao meu trabalho, ainda impressionada com a habilidade de
Ashley de equilibrar tantas responsabilidades.
Estava em minha mesa, procurando o manuscrito que eu havia tido
dificuldade para entender o parágrafo. Só que ele sumiu no meio dessa pilha
de já corrigidos na minha mesa. Noto então Elisa se aproximando, com um
sorriso animado no rosto.
— Ei, Alice! — chamou Elisa, inclinando-se sobre minha mesa. —
Estava pensando, já encontrou uma fantasia para o evento?
Levantei o olhar, surpresa com a pergunta. Na verdade, eu tinha
uma ideia do que queria, mas ainda não tinha começado a procurar.
— Na verdade, ainda não — admiti, dando de ombros. — Você tem
alguma sugestão de loja?
— Bem, tem uma loja de fantasias aqui perto que é ótima. Estava
pensando em passar lá depois do trabalho. Quer vir comigo? Podemos fazer
algo depois, que tal?
— Se não for relacionado a jogos... eu adoraria ir com você! —
respondi, sorrindo.
Sair com Elisa, que sempre foi uma ótima companhia, parecia uma
excelente ideia. Ela já havia me ajudado a pintar o quarto e se mostrado
uma amiga incrível recentemente.
— Perfeito! Vamos procurar as fantasias, e não se preocupe, depois
vamos sair para comer!
Ela piscou para mim e bateu palmas, nós duas rimos, animadas com
a ideia.
O tempo passou rápido. Elisa e eu deixamos o escritório e
caminhamos pelo hall. A calçada estava movimentada, e ao longe, o sol já
começava a se pôr. Conversávamos animadamente enquanto caminhávamos
pela rua.
— Estou pensando em me vestir de Tempestade — Elisa comentou,
seus olhos brilhando de excitação. — Sempre adorei a personagem, e acho
que ficaria maravilhosa com uma peruca platinada.
— Você vai arrasar como Tempestade! — exclamei. — Eu estava
pensando em ir de Jean Grey.
Elisa parou por um momento, lembrando-se de algo.
— Ah, então é por isso que você queria saber a fantasia da Liz. Faz
todo sentido agora. O cabelo vermelho dela é perfeito.
— Exatamente. — Concordei com a cabeça, rindo levemente
Chegamos à loja de fantasias, um lugar encantador e repleto de
roupas coloridas e acessórios incríveis. As prateleiras estavam abarrotadas
de trajes de todos os tipos, desde heróis até vilões, e tudo mais que se possa
imaginar.
— Vamos lá — disse Elisa, pegando minha mão e puxando-me para
dentro. — Vamos encontrar as nossas fantasias!
Passeamos pelos corredores, admirando as opções. Elisa encontrou
uma peruca platinada impressionante e um traje preto e prateado que
parecia ter sido feito sob medida para ela. Eu encontrei a roupa de Jean
Grey, exatamente como havia imaginado, e estava aliviada por saber que a
loja a tinha em estoque. No entanto, ao procurar uma peruca vermelha,
fiquei desapontada ao ver que todas eram de fios extremamente sintéticos, o
que me deixou aflita.
— Não encontrei uma peruca vermelha decente — comentei,
levantando uma peruca vermelha com fios sintéticos totalmente
desgrenhados. — As que têm aqui parecem tão falsas.
Elisa, percebendo minha frustração, colocou a mão no meu ombro.
— Não se preocupe. Conheço um lugar maravilhoso que é famoso
por ter perucas deslumbrantes. Eles certamente terão uma vermelha que
você vai adorar. — Ela rapidamente pegou o celular digitou algo e me
enviou uma mensagem. — Te mandei o endereço deles, tenho certeza de
que você encontrará a peruca perfeita.
— Obrigada, Elisa! Preciso muito ficar parecida com a Jean Grey!
— Eu dei pulinhos de alegria, e Elisa riu enquanto saímos da loja.
— Agora, vamos nos recompensar por essa busca intensa. Que tal
irmos ao Blue Smoke?
A ideia de ir ao Blue Smoke fez meu estômago dar um leve pulo de
empolgação. Eu já estava com fome, e a perspectiva de uma refeição lá era
como um abraço quente em um dia frio. Lembrei-me das refeições
incrivelmente satisfatórias que eles serviam e como um bom prato de
churrasco poderia saciar minha fome por umas duas semanas.
— É um restaurante que serve churrasco, e eu sei que você adora!
Como é mesmo que você comentou no blog uma vez... — Elisa franziu o
cenho pensativa e depois ergueu o indicador, lembrando-se. — Gosto tanto
de carne que é satisfatório ficar com os cantos da boca lambuzados. — Ela
mencionou um trecho que eu havia publicado no blog.
— Nossa, você se lembra! — Eu ri, impressionada com a memória
dela.
— Em dois mil e dezessete, o Chá de Hortelã e Livros era o auge,
Alice. Não sei por que você parou...
— Táxi! — Gritei ao avistar um táxi passando.
O táxi parou na nossa frente. Entramos no carro, e eu tentei não
pensar na tristeza de ter abandonado uma das coisas que mais amava fazer.
Saber que Elisa era uma das minhas leitoras assíduas só me fazia sentir
mais pena de ter deixado tantas pessoas sem notícias.
— Ao Blue Smoke, por favor. — Elisa disse ao motorista, que
assentiu e deu partida. Então, ela se virou para mim. — Quer mudar de
assunto, Alice?
— É que é triste lembrar disso... — Eu encarei meus dedos,
apertando-os levemente.
— Por que você não continua?
Levantei o olhar e encarei os olhos dela. Não sabia se conseguiria
retomar de onde parei, como se surgisse das cinzas e nada tivesse
acontecido. Não era uma boa ideia, mas também não tinha certeza.
— Por que... aquela Alice Smith, que reclamava da vida que um dia
quis ter, agora está construindo algo novo... não sei se é uma boa ideia.
— Ah, Alice...
— Vamos pensar nisso quando estivermos no restaurante? —
Perguntei, fuzilando-a com os olhos.
— Combinado!
A caminho do restaurante, Elisa comentou sobre suas recentes
entrevistas e como foi frustrante o ultimo entrevistado, era um autor de um
livro de terror e que ele era tão esquisito que Elisa achou que ele estava
amaldiçoado. Nós rimos de nervosa diante da análise dela.
Chegamos ao Blue Smoke e saímos do táxi. Entramos no
restaurante e, felizmente, não havia fila de espera. Encontramos uma mesa
disponível rapidamente e nos acomodamos. O ambiente estava acolhedor, e
o aroma dos pratos que chegavam às mesas vizinhas era quase irresistível.
— Que ótimo que conseguimos uma mesa tão rápido! — Eu
comentei, já animada com a expectativa do jantar.
— Sim! — respondeu Elisa, sorrindo enquanto examinava o menu.
O cardápio estava repleto de opções deliciosas, e eu estava em
dúvida entre o brisket e a costela. Finalmente, decidi pela costela, e Elisa
optou pelo brisket, ambos acompanhados de algumas das famosas
guarnições do Blue Smoke.
Enquanto esperávamos, Elisa chamou o garçom e pediu duas
cervejas, o que fez meu ânimo aumentar ainda mais. Eu adorava uma boa
cerveja para acompanhar uma refeição caprichada.
— Ok, estamos aqui. Agora me diz Alice, você ainda pensa em
voltar a escrever no blog? — Elisa perguntou, esfregando as mãos ansiosa,
revirei os olhos.
— Ah, não sei... — eu relutava. — Já faz tanto tempo. Às vezes
sinto que ninguém mais se interessa.
— Não diga isso! — Elisa insistiu. — Liz poderia até abrir um
espaço na editora para você, se você quisesse escrever sobre mais.
— Sério? — Eu ri um pouco, achando a ideia absurda. — Não sei...
Parece um pouco impossível. Liz tem uma editora enorme, e eu não sei se
teria espaço lá para algo que envolva o que eu fazia, afinal eu era crítica
literária de diversos livros e falava sobre a minha vida.
— Pode ser mais viável do que você imagina — Elisa ponderou. —
Afinal, seu blog foi um sucesso, e quem sabe não há uma chance de você
retornar criticando os livros de novos autores e ainda os da editora.
O garçom trouxe as cervejas e elas estavam escorrendo água de tão
geladas. Levantei o copo para brindar com Elisa.
— Aqui está, pelo retorno do blog ou não, e pelo Blue Smoke, que
nunca decepciona! — eu brindei, já ansiosa para o que estava por vir.
Elisa riu e levantou seu copo para brindar também. Brindamos e eu
tomei longos goles de cerveja.
— Ok, agora me fale sobre Marcus. — Disse Elisa.
Engasguei imediatamente e comecei a tossir, tentando me recompor
enquanto a cerveja escorria pela minha boca.
— Alice, está tudo bem? — Elisa perguntou, preocupada, enquanto
ria da situação.
— Só... um pouco de cerveja no lugar errado — eu respirei fundo,
ainda tentando recuperar a compostura.
O riso de Elisa se tornou gargalhadas e, de repente, a atenção dos
outros clientes no restaurante se voltou para nós. Eu me senti corar, os olhos
de algumas pessoas se fixando em nossa mesa.
— Eu não sabia que falar do Marcus tinha esse efeito! — Elisa
exclamou, entre gargalhadas.
— Eu... eu realmente não esperava que você mencionasse o nome
dele! — eu disse, tentando esconder o rosto atrás do cardápio. — E não é
tão engraçado assim.
Elisa se esforçou para se acalmar, enxugando as lágrimas de tanto
rir.
— Desculpe, Alice, mas sua reação foi épica. Não consegui evitar.
— Ela olhou ao redor, notando o olhar curioso dos outros clientes. — Acho
que atrapalhamos a paz de quem queria uma refeição tranquila.
— É, parece que nossa noite já está gerando manchetes — eu disse,
forçando um sorriso. — E não era exatamente a cobertura que eu esperava.
— Mas, sério, você nunca me contou exatamente o que aconteceu
entre vocês. Fiquei curiosa.
— Ah, é uma longa história — eu respondi, ainda tentando me
recompor. — E, honestamente, não sei se estou pronta para reviver tudo
isso agora.
— Pelo que eu sei, ele quase te beijou no jogo de basquete e te
levou para casa bêbada numa noite de sábado. Estou perdendo algo? —
Elisa parecia genuinamente intrigada.
— Jura, Elisa? — Eu levantei uma sobrancelha.
— O que? Pensei que vocês se conheciam bem, já que suas mães
são amigas. — Elisa deu um gole na sua bebida, ainda com um olhar
curioso.
— A gente não se via. Eu evitava eventos com a minha mãe sempre
que podia. Sério, eu tento evitar estar no centro das atenções — eu
expliquei, frustrada. — Isso que aconteceu com o Marcus só prova que eu
não sirvo pra isso.
— Entendo — Elisa respondeu, com um tom pensativo. — Bem,
pelo menos sabemos que ele consegue te provocar. — Elisa deu um sorriso
de lado, divertido. — Já que sempre que mencionamos o nome dele suas
bochechas ficam vermelhas.
— Não, com certeza não — fiquei boquiaberta diante do
comentário dela. — Ele não me deixa vermelha desse modo que você está
achando, é de vergonha mesmo!
— Sei, vergonha... é obvio que ele te provoca! — Elisa riu. — Não
posso acreditar que você está tão confusa sobre isso. Eu diria que você tem
uma pequena paixão reprimida aí.
— Você está louca? — Eu dei um leve empurrão em Elisa — Não é
paixão.
— Eu nunca estou errada Alice. — Elisa disse erguendo as
sobrancelhas em provocação — Mas, por agora, aproveite a comida e tente
não pensar demais no Marcus.
— Combinado. — Ironizei, revirando os olhos.
Eu sorri e ergui meu copo, tomando mais um gole de cerveja
enquanto o garçom chegava com nossos pratos. O aroma irresistível do
churrasco invadiu o ar, e meu estômago deu um pulo de alegria. Sem perder
tempo, cortei um pedaço suculento de carne, e o sabor defumado me fez
fechar os olhos por um segundo. Nada como churrasco para aliviar qualquer
tensão.
Enquanto mastigava lentamente, as palavras de Elisa ecoavam na
minha cabeça: "Paixão reprimida". Eu quase engasguei de novo só de
lembrar. Paixão? Por Marcus? Absurdo. Eu ri internamente, pegando outro
pedaço de carne e levando-o à boca, tentando afastar aquela ideia.
Era ridículo, claro. Marcus me irritava de uma forma que ninguém
mais conseguia, e o fato de ele sempre aparecer nos momentos mais
inconvenientes não ajudava. Eu mordi com mais força um pedaço de carne,
como se isso pudesse ajudar a dissipar o desconforto. Mas, enquanto
mastigava e tomava mais um gole de cerveja, a ideia continuava rondando,
insistente. A última coisa que eu queria era nutrir qualquer tipo de emoção
por ele. No entanto, o comentário de Elisa havia plantado uma pequena
dúvida, e isso me incomodava. Talvez eu estivesse apenas cansada, ou
talvez eu estava tempo demais sem beijar alguém para sentir algo esquisito
quando ele me beijou. Mas gostar dele? Isso era demais para processar, e a
ideia parecia simplesmente absurda.
Enquanto mastigava distraidamente o último pedaço de carne no
prato, notei um casal se levantando da mesa ao lado. Eles pareciam tão
animados, rindo um com o outro, em perfeita sintonia. O homem, com um
sorriso nos lábios, tirou o casaco e gentilmente colocou sobre os ombros da
mulher. Um daqueles gestos clássicos de cavalheirismo que a gente só vê
em filme.
Me peguei acompanhando o casal com o olhar discreto enquanto
eles saíam pela porta do restaurante, ainda imersos naquela bolha
romântica. E então, do lado de fora, o homem enfiou a mão no bolso da
jaqueta e puxou uma carteira de cigarros. Ah, aquele pequeno cilindro...
Minhas mãos quase formigaram de saudade. Um simples cigarro poderia,
talvez, resolver a confusão que girava na minha cabeça. Tão pequeno, tão
inofensivo... e ao mesmo tempo, tão eficaz em me acalmar quando nada
mais parecia fazer sentido. Eu suspirei, sentindo uma pontada de nostalgia.
O cheiro do tabaco queimando, a fumaça escapando pelos meus lábios. Por
um segundo, quase senti o gosto na minha boca. Mas não podia. Eu sabia
que não podia. Eu tinha prometido a mim mesma que não cairia nessa
tentação de novo.
"Alice, você não precisa disso", repeti mentalmente, quase como
um mantra. Mas a tentação de apagar o caos dos meus pensamentos com
uma tragada era inegável. Balançando a cabeça, afastei o pensamento.
Tinha prometido, e não seria hoje que eu quebraria essa promessa.
Depois de um bom tempo, nós saímos do restaurante com a
sensação agradável de ter finalmente comido algo decente. Meu estômago,
acostumado aos improvisos de McDonald's ou jantares congelados
esquentados no micro-ondas, agradecia silenciosamente por ter sido tratado
com dignidade pelo menos uma vez naquela semana. Estava escuro lá fora,
mas a rua de Nova York ainda pulsava com vida, como sempre.
— Isso foi incrível, preciso confessar — comentei, esfregando
levemente a barriga. — Já estava esquecendo como era comer algo que não
vem com batata frita de acompanhamento.
Elisa riu, balançando a cabeça.
— É por isso que você precisa sair mais comigo, Alice. Não
podemos deixar você sucumbir à dieta do fast food.
Rimos juntas por alguns segundos, paradas na calçada, enquanto o
vento frio da noite começava a nos envolver. Elisa sinalizou para um táxi e
se virou para mim com um sorriso caloroso.
— Foi ótimo, Alice. Precisamos fazer isso de novo logo.
— Com certeza — concordei. — Mas da próxima vez, talvez um
restaurante com menos chances de me fazer querer casar com um prato de
churrasco.
— Fechado. Se cuida, ok? E pense sobre o que conversamos. — Ela
me deu um abraço rápido antes de entrar no táxi que havia parado na nossa
frente.
— Vou pensar — acenei enquanto ela fechava a porta e o táxi
partia.
Eu não queria pensar em mais nada naquela noite, mas a ideia de
Elisa sobre voltar com o blog, me fez ficar em modo de alerta. Não era uma
má ideia, obvio. Acenei para o táxi que estava entrando na rua, e ele parou
para mim. Entrei no carro, me ajeitei no banco e suspirei, como se todo o
peso das últimas semanas estivesse de repente ali, no assento ao meu lado.
— West 87th Street, por favor — disse ao motorista.
Encostei a cabeça no vidro, observando a cidade passar em borrões
de luzes e sombras. Eu pensava na confusão eu me meti, enquanto a ideia
absurda se desenrolava na minha mente: eu, Alice, sendo cogitada como
namorada do segundo homem mais rico do mundo. Parecia piada.
E o pior de tudo? Eu nem sabia o que sentia por Marcus. Amor?
Jura? Não... Isso era longe demais. Absurdo. Mas o beijo... Ah, o beijo.
Esse foi algo que nem mesmo eu poderia negar. Foi muito bom. Meu corpo
inteiro reagiu de uma forma que ainda me surpreendia quando lembrava. E,
apesar de todos os meus esforços para ignorar ou racionalizar, algo naquele
momento havia mexido comigo. Eu estava em negação, claro. Tinha que
estar. Porque se admitisse qualquer outra coisa, seria o começo de uma
confusão ainda maior.
Era a nossa noite de pôquer, algo que eu e a minha avó fazíamos há
anos, e eu já tinha ganho cinquenta pratas. Eu olhava para as cartas na
minha mão nervosa, mas ao mesmo tempo empolgada, pois eu estava
ganhando. E estava com um par de reis. Mas, claro, isso poderia mudar num
piscar de olhos. Minha avó era uma especialista em blefar, e eu não podia
subestimá-la, mesmo com seu ar inocente enquanto tomava seu café fresco
do outro lado da mesa. Ela me olhava com aqueles olhos astutos, segurando
a xícara com tanta calma que parecia quase indiferente à pressão do jogo.
Eu, por outro lado, estava me agarrando à minha xícara de chá de hortelã
com mel, tentando manter a compostura. Minha mente estava a mil.
— Então, vai jogar ou não? — perguntei, tentando esconder o
nervosismo por trás de uma expressão confiante.
Ela deu um gole no café, sem pressa, me deixando naquela agonia.
Com toda a serenidade do mundo, ela colocou a xícara sobre a mesa e olhou
de volta para suas cartas, em silêncio. Meu cérebro gritava para ela decidir
logo, mas eu sabia que minha avó adorava esse tipo de tensão. Era parte do
charme dela, fazer a outra pessoa suar até o último segundo.
— Você tá muito confiante hoje, hein, Alice? — Ela disse
finalmente, com um sorriso que só podia significar uma coisa: perigo.
Engoli em seco, tentando não demonstrar que meu estômago estava
dando voltas. Eu já estava praticamente sentindo o gosto da derrota.
A carta caiu na mesa com a sutileza de uma bomba: um ás. Minha
avó olhou para mim por cima dos óculos e, com um sorriso enigmático,
empurrou todas as fichas para o centro da mesa.
— Aposto tudo — disse, calmamente.
Ela estava blefando. Só podia estar. Olhei para as cartas na minha
mão, relutante. Eu sabia que deveria sair dessa, mas meu orgulho, ah, meu
orgulho não ia me deixar fazer isso. Meu coração acelerou. Eu também
podia blefar, certo? Afinal, já tinha chegado até aqui. Respirei fundo e,
antes que pudesse mudar de ideia, empurrei minhas fichas para o centro da
mesa.
— Aposto tudo também — respondi.
O sorriso da minha avó se transformou numa risada silenciosa
enquanto ela, com uma lentidão provocante, revelava suas cartas.
— Trinca de ás, querida.
Eu congelei. Três ases? Olhei para suas cartas e depois para as
minhas, que pareciam ridiculamente inúteis agora. Meus ombros caíram e
eu joguei minhas cartas na mesa, erguendo as mãos no ar.
— Não acredito nisso! — exclamei, ainda rindo apesar da derrota.
— Como você sempre consegue fazer isso comigo? Eu jurava que dessa
vez você estava blefando!
Ela recolheu as fichas com a calma de quem faz isso há anos e deu
uma piscadela.
— Experiência, querida. Experiência.
Eu me recostei na cadeira, tentando me recuperar da derrota e do
choque.
— Eu realmente achei que tinha alguma chance dessa vez.
— E achou certo. Só que sua velha avó ainda tem uns truques na
manga — ela respondeu, tomando um gole do café.
— Eu só queria entender de onde vem essa sua sorte toda —
comentei, ainda sorrindo, mas de braços cruzados em derrota.
— Não é sorte, Alice. É prática... — Ela piscou de novo.
Eu ri, sabendo que, no fundo, ela tinha razão. Mesmo que eu
perdesse, essas noites eram sempre uma vitória. Perder para a minha avó
nunca era só sobre o jogo. Era sobre compartilhar esses momentos com ela,
as risadas, as provocações, e a conexão que tínhamos.
— Vou acabar falida desse jeito, vovó — brinquei, enquanto
recolhia as cartas.
Ela riu, aquela risada suave e cheia de experiência que só ela tinha.
— Ainda tem muito jogo pela frente, querida. Talvez você possa
pegar de volta essas cinquenta pratas, ou me fazer ganhar mais cinquenta!
— Nem pensar! — retruquei, balançando a cabeça. — Não quero
mais aumentar a banca.
A noite continuou e eu bem que tentei recuperar o que perdi, mas a
verdade era que, por mais que eu me esforçasse, a velha tinha um talento
inegável para o jogo. No fim das contas, ela saiu com cem dólares no bolso
e eu, com trinta. Um saldo magro, mas suficiente para manter minha
dignidade — ou ao menos, o que restava dela. Depois nos despedirmos,
com um abraço e a promessa de uma revanche em breve.
As luzes da rua iluminavam a calçada enquanto eu caminhava em
direção à minha casa, o frio da noite começava a cortar mais fundo, mas
isso não me incomodava tanto quanto outra coisa. Eu tentava focar no som
dos meus passos, mas minha mente insistia em voltar àquelas fotos. As
fotos de mim e Marcus, espalhadas na internet, como se fôssemos um casal.
Aquilo estava me incomodando mais do que eu queria admitir. Eu, a
namorada do segundo homem mais rico? Era surreal, e a atenção que isso
estava trazendo me deixava desconfortável. E o pior? Eu não tinha ideia do
que realmente sentia por ele.
Suspirei, tentando espantar o pensamento, mas minha cabeça já
estava mergulhada no caos. As fotos foram um choque. Não que o beijo não
tivesse sido... bem, maravilhoso, mas eu não queria esse tipo de exposição,
muito menos com alguém como Marcus, que parecia atrair problemas e
paparazzi como um imã. E o mais irritante é que, por mais que eu tentasse
ignorar, ele mexia comigo. Mais do que deveria.
Do outro lado da rua, um homem dentro de um carro teimava em
fazê-lo pegar. Ele batia no volante com raiva, soltando alguns xingamentos
que, embora abafados pelas janelas fechadas, eram visíveis nos seus gestos
exagerados. A cena me arrancou um riso, uma distração momentânea que
foi cortada de forma brusca quando tropecei numa abóbora
estrategicamente colocada na calçada. Quase fui de cara no chão.
Me desequilibrei, os braços se movendo no ar de forma desajeitada,
e consegui me agarrar na grade da escada de uma casa.
— Que droga! — murmurei, olhando para baixo. Meu tênis e calça
estavam manchados de laranja. — Que beleza, Alice!
Me ajeitei de pé, tentando limpar a calça com as mãos, mas sem
muito sucesso. Continuei o caminho para casa, agora com passos mais
apressados, querendo deixar aquele incidente para trás. Assim que cheguei,
tirei os tênis sujos antes de entrar. O silêncio me recebeu assim que entrei e
fechei a porta, um alívio imediato, abri o zíper da calça e tirei ela deixando-
a no chão perto da porta e o tênis em cima. Decidi acender a lareira para
aquecer a casa, e também pra compensar o frio que estava sentindo depois
de tirar a calça suja. Fiquei apenas de camisa e calcinha, largando o casaco
sobre o sofá. Eu estava usando a minha camisa antiga, uma das minhas
favoritas, com a estampa do Metallica.
Acendi a lareira, observando as chamas dançarem e aquecerem
lentamente o ambiente. As faíscas subiam pela chaminé, e um leve estalo
dos gravetos me trouxe uma sensação reconfortante. O calor foi um abraço
acolhedor, que precisava depois de um dia agitado. Mas não durou muito, já
que meu olhar logo se voltou para a cozinha, onde uma pia abarrotada de
louça suja me esperava — as tristes consequências da pressa antes de sair
para o jogo. Suspirei, já imaginando o tempo que aquilo me tomaria. Não
tinha como escapar. O jeito era encarar com coragem e... uma boa trilha
sonora.
— Alexa, toca "Symphony of Destruction" do Megadeth — pedi,
enquanto caminhava em direção a cozinha. O som pesado das guitarras
ecoou pela casa, dando um toque épico à tarefa ingrata. Peguei o primeiro
prato e comecei a esfregar com força, tentando manter o ritmo da música. A
batida forte me deu uma motivação extra, e de alguma forma, lavar a louça
parecia menos horrível. A cada prato limpo, eu sentia que estava vencendo
uma pequena batalha, ainda que fosse contra a pia.
Terminei de lavar a louça, desligando a torneira com um suspiro de
alívio. Limpei as mãos no pano de prato e rapidamente improvisei um
coque com o cabelo molhado nas pontas, só para tirar do rosto. A música do
Megadeth ainda tocava ao fundo, mas com a louça terminada, o peso do dia
começou a bater. Caminhei até a sala, peguei a calça e os tênis manchados
de abóbora e fui para a área de serviço. Coloquei tudo na máquina de lavar,
ajeitei o sabão e liguei o ciclo rápido.
Subi as escadas com passos cansados, ainda sentindo o calor da
lareira. Quando cheguei ao segundo andar, me deparei com as prateleiras
improvisadas que abrigavam meus livros. Suspirei, meu olhar percorrendo o
cômodo. Aquilo um dia seria a minha tão sonhada biblioteca. Já conseguia
me imaginar rodeada por estantes de madeira cheias de livros, com uma
poltrona confortável no canto, perto da janela grande. Peguei um livro
novo, um romance de fantasia que havia comprado recentemente, e desci as
escadas com ele nas mãos. A capa era vibrante, e eu não via a hora de
mergulhar naquela história. Cheguei à sala e me joguei no sofá com um
suspiro de alívio, como se finalmente estivesse me dando um momento de
paz. Abri o livro, folheando as primeiras páginas, o cheiro de papel novo
subindo e me envolvendo. Meu corpo relaxou ainda mais.