Lei do terceiro excluído
Em lógica, a lei do terceiro excluído (em latim, principium tertii exclusi ou tertium non datur) é a terceira de três clássicas Leis do Pensamento. Ela afirma que, para qualquer proposição, ou esta proposição é verdadeira, ou sua negação é verdadeira.
A primeira formulação conhecida foi o princípio da não-contradição, de Aristóteles, proposto pela primeira vez em Da Interpretação,[1] onde ele diz que de duas proposições contraditórias (ou seja, uma proposição é a negação de outra) uma é necessariamente verdade e a outra falsa.[2] Ele também afirma isso como um princípio no livro 3 de Metafísica, dizendo que em todo caso é necessário afimar ou negar,[3] e que é impossível que haja qualquer coisa entre as duas partes da contradição.[4] Esse princípio foi declarado como um teorema da lógica proposicional por Russel e Whitehead em Principia Mathematica.
.[5]
Esse princípio não deve ser confundido com o princípio da bivalência, que estabelece que toda proposição ou é verdadeira ou é falsa, e tem apenas uma formulação semântica.
As leis clássicas do pensamento
[editar | editar código-fonte]O princípio do terceiro excluído, juntamente com seu complemento, o princípio da não-contradição (a segunda das três leis clássicas do pensamento), são correlatos da lei da identidade (a primeira dessas leis). Por o princípio da identidade particionar o universo em exatamente duas partes, ele cria uma dicotomia na qual as duas partes são "mutualmente exclusivas" e "mutualmente exaustivas". O princípio da contradição é meramente uma expressão do aspecto mutualmente exclusivo dessa dicotomia, e o princípio do terceiro excluído é uma expressão desse aspecto mutualmente exaustivo.
Exemplos
[editar | editar código-fonte]Por exemplo, se P for a proposição:
Sócrates é mortal
então a lei do terceiro excluído sustenta que a disjunção lógica:
Ou Sócrates é mortal, ou não é o caso de Sócrates ser mortal
é verdade simplesmente por sua forma. Ou seja, o valor "intermediário", que Sócrates não é nem mortal, nem não-mortal, é excluído pela lógica, e portanto, ou a primeira possibilidade (Sócrates é mortal) ou a negação (não é o caso de Sócrates ser mortal) tem que ser verdade.
Segue um exemplo de um argumento que depende da lei do terceiro excluído.[6] Buscamos provar que existem dois números irracionais, e , tal que é racional.
É sabido que é irracional. Considere o número .
Claramente, este número é racional ou irracional. Se for racional, a prova está completa, e
e .
Mas se for irracional, então seja
e .
Então:
,
e 2 é certamente racional. Isso conclui a prova.
No argumento acima, a afirmação "esse número é ou racional ou irracional" invoca a lei do terceiro excluído. Um intuicionista, por exemplo, não aceitaria este argumento sem maior embasamento para essa afirmação. Isto poderia vir na forma de uma prova de que o número em questão é irracional (ou racional, como pode ser o caso); ou um algoritmo finito que possa determinar se o número é racional ou não.
A Lei em Provas não-construtivas sobre o infinito
[editar | editar código-fonte]A prova acima é um exemplo de uma prova não-construtiva recusada pelos intuicionistas:
A prova é não-construtiva por não oferecer nenhum valor específico e que satisfaça o teorema, mas apenas duas possibilidades separadas, das quais uma deve funcionar. (Na verdade, é irracional, mas não existe nenhuma prova conhecida deste fato). (Davis 2000:220)
Por não-construtiva, Davis quis dizer que "uma prova de que realmente há entidades matemáticas satisfazendo certas condições teria que fornecer um método para exibir explicitamente as entidades em questão." (p. 85). Tais provas presumem a existência de uma totalidade que é completa, uma noção recusada pelos intuicionistas quando estendida ao infinito - para eles o infinito nunca pode ser completo.
De fato, ambos Hilbert e Brouwer dão exemplo da lei do terceiro excluído estendida ao infinito. O exemplo de Hilbert: "a asserção de que existe apenas uma quantidade finita de números primos ou que existe uma infinidade deles" (citado em Davis 2000:97); e o de Brouwer: "Toda espécie matemática é ou finita ou infinita." (Brouwer 1923 em van Heijenoort 1967:336).
Em geral, intuicionistas permitem o uso da lei do terceiro excluído quando esta é confinada ao discurso sobre conjuntos finitos, mas não quando é usada em discursos sobre conjuntos infinitos (como os números naturais). Logo, intuicionistas reprovam absolutamente a seguinte asserção: "Para todas as proposições P relativas a conjuntos infinitos D: P ou ¬P" (Kleene 1952:48).
História
[editar | editar código-fonte]Aristóteles
[editar | editar código-fonte]Aristóteles escreveu que ambiguidade pode surgir do uso de nomes ambíguos, mas não pode existir nos fatos em si.
"É impossível, então, que "ser um homem" deveria significar precisamente "não ser um homem", se "homem" não apenas signifique algo sobre um sujeito mas também tenha uma significação. ... E não será possível ser e não ser a mesma coisa, exceto em virtude de uma ambiguidade, tal qual se aquele ao qual denominamos de "homem", e outros que fossem a denominar "não-homens"; mas o ponto em questão não é esse, se a mesma coisa pode ao mesmo tempo ser e não ser um homem na denominação, mas se pode ser de fato." (Metaphysics 4.4, W.D. Ross (trans.), GBWW 8, 525–526)
A asserção de Aristóteles de que "não deve ser possível ser e não ser a mesma coisa", que seria escrita em lógica proposicional como ¬ (P ∧ ¬P), é uma sentença que lógicos modernos chamariam de lei do terceiro excluído (P ∨ ¬P), já que a distribuição da negação na asserção de Aristóteles as tornariam equivalentes, independente de que a anterior firma afirma de que nenhuma sentença é tanto verdadeira quanto falsa, enquanto a última requer que qualquer sentença seja ou verdadeira ou falsa.
Entretanto, Aristóteles também escreve, "já que é possível que contradições sejam, ao mesmo tempo, verdade da mesma coisa, obviamente contradições também não podem pertencer ao mesmo tempo à mesma coisa" (Livro IV, Cap. 6, p. 531). Ele então propõe que "não pode haver um intermediário entre contradições, mas de um sujeito devemos ou afirmar ou negar qualquer predicado" (Livro IV, Cap 7, p. 531). No contexto da lógica tradicional de Aristóteles, esta é uma afirmação consideravelmente precisa da lei do terceiro excluído, P ∨ ¬P.
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ Geach p. 74
- ↑ Da Interpretação, c. 9
- ↑ Metaphysics 2, 996b 26–30
- ↑ Metaphysics 7, 1011b 26–27
- ↑ Alfred North Whitehead, Bertrand Russell (1910), Principia Mathematica, Cambridge
- ↑ Esse famoso exemplo de uma prova não-construtiva dependendo da lei do terceiro excluído pode ser encontrado em vários cantos, como: Megill, Norman. "Metamath: A Computer Language for Pure Mathematics, footnote on p. 17,". e Davis 2000:220, footnote 2
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1998.
- Aquinas, Thomas, "Summa Theologica", Fathers of the English Dominican Province (trans.), Daniel J. Sullivan (ed.), vols. 19–20 in Robert Maynard Hutchins (ed.),Great Books of the Western World, Encyclopædia Britannica, Inc., Chicago, IL, 1952. Cited as GB 19–20.
- Aristotle, "Metaphysics", W.D. Ross (trans.), vol. 8 in Robert Maynard Hutchins (ed.), Great Books of the Western World, Encyclopædia Britannica, Inc., Chicago, IL, 1952. Cited as GB 8. 1st published, W.D. Ross (trans.), The Works of Aristotle, Oxford University Press, Oxford, UK.
- Martin Davis 2000, Engines of Logic: Mathematicians and the Origin of the Computer", W. W. Norton & Company, NY, ISBN 0-393-32229-7 pbk.
- Dawson, J., Logical Dilemmas, The Life and Work of Kurt Gödel, A.K. Peters, Wellesley, MA, 1997.
- van Heijenoort, J., From Frege to Gödel, A Source Book in Mathematical Logic, 1879–1931, Harvard University Press, Cambridge, MA, 1967. Reprinted with corrections, 1977.
- Luitzen Egbertus Jan Brouwer, 1923, On the significance of the principle of excluded middle in mathematics, especially in function theory [reprinted with commentary, p. 334, van Heijenoort]
- Andrei Nikolaevich Kolmogorov, 1925, On the principle of excluded middle, [reprinted with commentary, p. 414, van Heijenoort]
- Luitzen Egbertus Jan Brouwer, 1927, On the domains of definitions of functions,[reprinted with commentary, p. 446, van Heijenoort] Although not directly germane, in his (1923) Brouwer uses certain words defined in this paper.
- Luitzen Egbertus Jan Brouwer, 1927(2), Intuitionistic reflections on formalism,[reprinted with commentary, p. 490, van Heijenoort]
- Stephen C. Kleene 1952 original printing, 1971 6th printing with corrections, 10th printing 1991, Introduction to Metamathematics, North-Holland Publishing Company, Amsterdam NY, ISBN 0-7204-2103-9.
- Kneale, W. and Kneale, M., The Development of Logic, Oxford University Press, Oxford, UK, 1962. Reprinted with corrections, 1975.
- Alfred North Whitehead and Bertrand Russell, Principia Mathematica to *56, Cambridge at the University Press 1962 (Second Edition of 1927, reprinted). Extremely difficult because of arcane symbolism, but a must-have for serious logicians.
- Bertrand Russell, An Inquiry Into Meaning and Truth. The William James Lectures for 1940 Delivered at Harvard University.
- Bertrand Russell, The Problems of Philosophy, With a New Introduction by John Perry, Oxford University Press, New York, 1997 edition (first published 1912). Very easy to read: Russell was a wonderful writer.
- Bertrand Russell, The Art of Philosophizing and Other Essays, Littlefield, Adams & Co., Totowa, NJ, 1974 edition (first published 1968). Includes a wonderful essay on "The Art of drawing Inferences".
- Hans Reichenbach, Elements of Symbolic Logic, Dover, New York, 1947, 1975.
- Tom Mitchell, Machine Learning, WCB McGraw-Hill, 1997.
- Constance Reid, Hilbert, Copernicus: Springer-Verlag New York, Inc. 1996, first published 1969. Contains a wealth of biographical information, much derived from interviews.
- Bart Kosko, Fuzzy Thinking: The New Science of Fuzzy Logic, Hyperion, New York, 1993. Fuzzy thinking at its finest. But a good introduction to the concepts.
- David Hume, An Inquiry Concerning Human Understanding, reprinted in Great Books of the Western World Encyclopædia Britannica, Volume 35, 1952, p. 449 ff. This work was published by Hume in 1758 as his rewrite of his "juvenile" Treatise of Human Nature: Being An attempt to introduce the experimental method of Reasoning into Moral Subjects Vol. I, Of The Understanding first published 1739, reprinted as: David Hume, A Treatise of Human Nature, Penguin Classics, 1985. Also see: David Applebaum, The Vision of Hume, Vega, London, 2001: a reprint of a portion of An Inquiry starts on p. 94 ff