DEPOIS DE NISHIDA:
O VAZIO DIALÓGICO E A
COSMOVISÃO HISTÓRICA
Gerald Cipriani
2
DEPOIS DE NISHIDA:
O VAZIO DIALÓGICO E A
COSMOVISÃO HISTÓRICA
Gerald Cipriani
Projeto Orientalismo/UERJ
2023
3
Reitor
Mario Sérgio Alves Carneiro
Chefe de Gabinete
Bruno Redondo
Direção
Pró-reitora de Extensão e Cultura
Cláudia Gonçalves de Lima
Produção
Obra produzida e vinculada pelo Projeto
Orientalismo, Proj. Extens. UERJ Reg. 6078,
coordenado pelo Prof. André Bueno [Dept.
História].
Rede
www.orientalismo.net
Rede
https://aladaainternacional.com/aladaa-brasil/
Ficha Catalográfica
CIPRIANI, Gerald.
DEPOIS DE NISHIDA: O VAZIO DIALÓGICO E A COSMOVISÃO
HISTÓRICA. Trad. A. Bueno. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Proj.
Orientalismo/ UERJ, 2023. 103 p.
ISBN: 978-65-00-77518-1
Filosofia; Orientalismo; Japão; Diálogos Interculturais.
4
DEPOIS DE NISHIDA:
O VAZIO DIALÓGICO E A
COSMOVISÃO HISTÓRICA
Gerald Cipriani
5
6
A nova modernidade do aqui e agora no contexto da
globalização gerou atitudes perceptivas particulares. O
impacto
da
tecnologia
na
comunicação,
transporte
e
representação levou a uma certa forma de desinteresse com
consequências
relacionais
e
existenciais.
Apesar
dos
lembretes constantes de nossa condição histórica, como
guerras,
desastres
naturais,
conquistas
humanas
ou
transformações de todos os tipos, a percepção das coisas
como tais devido ao encolhimento do tempo e do espaço
afetou nossa concepção da realidade do mundo. Talidade
perceptiva na nova modernidade, longe de nos despertar para
a natureza relacional das coisas e de nós mesmos como no
Budismo Mahayana, é sintomática de uma forma de niilidade
histórica.
Partindo de uma reflexão sobre a concepção do mundo
histórico do filósofo da Escola de Kyoto Nishida Kitaro (西田幾
多 郎 , 1870-1945) e a reinterpretação de seu discípulo
Nishitani Keiji (西谷啓治, 1900-1990) do conceito Mahayana
de vacuidade, este pequeno livro considera a necessidade de
desenvolver uma cosmovisão histórica que nos desperte para
a condição relacional da existência; um “vazio dialógico” que
só pode ser alcançado dentro de um determinado ambiente
7
espaço-temporal do qual a modernidade atual não oferece as
condições mais favoráveis.
Agradecimento: Esta publicação é apoiada pelo Conselho
Nacional de Ciência e Tecnologia de Taiwan. Referência do
projeto: NSTC 111-2811-H-008-012 / NSTC 110-2410-H-008048-MY3. Um primeiro rascunho foi apresentado na 2023
International Graduate Philosophy Conference, University of
Galway, Irlanda, sob o título “After Nishida: Dialogical
Emptiness and the Historical Worldview” (Orador principal, 17
de abril).
Tradução: A. Bueno, 2023.
8
The new modernity of the here and now in the context of
globalisation has generated particular perceptual attitudes.
The impact of technology on communication, transportation
and
representation
has
led
to
a
certain
form
of
disinterestedness with relational and existential consequences.
In spite of constant reminders of our historical condition such
as
wars,
natural
disasters,
human
achievements,
or
transformations of all kinds, the perception of things as such
due to the shrinking of time and space has affected our
conception of the reality of the world. Perceptual suchness in
the new modernity, far from awakening us to the relational
nature of things and ourselves as in Mahayana Buddhism, is
symptomatic of a form of historical nihility.
Starting from a reflection on Kyoto School philosopher Nishida
Kitaro’s (西田幾多郎, 1870-1945) conception of the historical
world and his disciple Nishitani Keiji’ s (西谷啓治, 1900-1990)
reinterpretation of the Mahayana concept of emptiness, this
paper considers the need to develop a historical worldview
that awakens us to the relational condition of existence; a
“dialogical emptiness” that can only be achieved within a
particular spatiotemporal environment of which the present
modernity does not offer the most favourable conditions.
9
Acknowledgement: This publication is supported by the
National Science and Technology Council of Taiwan. Project
Reference: NSTC 111-2811-H-008-012 / NSTC 110-2410-H008-048-MY3. A first draft was presented at the 2023
International Graduate Philosophy Conference, University of
Galway, Ireland, under the title “After Nishida: Dialogical
Emptiness and the Historical Worldview” (Keynote Speaker,
17 April).
Translation: A. Bueno, 2023.
10
Sumário
Depois de Nishida: o vazio dialógico e a
cosmovisão histórica .................................... 13
Talidade perceptiva ...................................... 17
A filosofia de Nishida .................................... 29
Visão de mundo histórica de Nishida ............ 34
O vazio de Nishitani ...................................... 56
O vazio dialógico e a cosmovisão histórica ... 67
Referências ................................................... 72
11
12
Depois de Nishida: o vazio
dialógico e a cosmovisão histórica
O que pertence ao passado é “histórico” e o que tem
significado histórico é “histórico”. No entanto, tudo o que
é percebido como pertencente ao passado tem um
significado. A nuance, então, é mais que o impacto da
“coisa” histórica é tal que o campo dentro do qual o
significado histórico é determinado torna-se afetado. As
coisas tornam-se históricas quando as inscrevemos em
uma temporalidade que pudemos medir ou localizar, por
meio de dias, anos ou séculos, ou mesmo por padrões
mais abstratos como narrações, percursos ou quaisquer
configurações
desdobramentos
–
em
e
outras
palavras,
representações
ciclos,
baseadas
em
fenômenos materiais ou mentais. Mas para inscrever a
coisa em tal estrutura de medição ou situação, ela
13
precisa chamar nossa atenção; ele deve se destacar do
tempo “objetivo”, para usar a distinção que Henri
Bergson
faz
do
tempo
“vivido”
(durée)
que
é
experimentado intuitivamente. 1 Às vezes, o significado
da coisa será estabelecido pelo historiador como uma
parte funcional de uma narração ou representação
holística, seja em formação ou congelada pelas garras
da ideologia; outras vezes a experiência pessoal nos fará
apreender o significado histórico da coisa relacionando o
que é percebido com o que imaginamos que deve ter
sido no passado. Ora, parece que um tipo particular de
atitude perceptiva, a percepção desinteressada das
coisas como tais, não deixa falar o seu significado
histórico. E esta é a pedra angular do que eu gostaria de
discutir
neste
ensaio.
O
que
chamo
de
nova
modernidade do aqui e agora, especialmente, mas não
apenas no contexto da globalização, de fato gerou
atitudes
perceptivas
particulares.
O
impacto
da
tecnologia na comunicação, transporte e representação
levou
a
uma
certa
forma
de
desinteresse
com
consequências relacionais e existenciais. Apesar dos
lembretes constantes de nossa condição histórica, como
guerras, desastres naturais, conquistas humanas ou
14
transformações de todos os tipos, a percepção das
coisas como tais devido ao encolhimento do tempo e do
espaço, para usar a célebre imagem de Martin
Heidegger, 2 afetou nossa concepção da realidade do
mundo. Talidade perceptiva na nova modernidade, longe
de nos despertar para a natureza relacional das coisas e
de nós mesmos como no Budismo Mahayana, é
sintomática de uma forma de niilidade histórica.
Agora, os filósofos da Escola de Kyoto Nishida Kitaro (西
田幾多郎, 1870-1945) e seu discípulo Nishitani Keiji (西谷
啓治 , 1900-1990) levantaram questões muito atuais que,
a meu ver de qualquer maneira, nos ajudam a entender
os problemas existenciais relacionais que enfrentamos
na tecnomodernidade do aqui e agora e, talvez, formas
de superar essa crise. Eu tomo a concepção de mundo
histórico de Nishida (rekishiteki sekai 歴史的世界) e a
reinterpretação de Nishitani do conceito Mahayana de
vacuidade (sânsc. sunyata, Jp . ku 空) como dicas para
desenvolver uma cosmovisão histórica que nos desperte
para a condição relacional da existência; um “vazio
dialógico” que só pode ser alcançado dentro de um
ambiente
espaço-temporal
15
particular
do
qual
a
modernidade atual do aqui e agora não oferece as
condições mais favoráveis.
16
Talidade perceptiva
Perceber as coisas como tais pode ser entendido de
duas maneiras muito diferentes. A primeira refere-se ao
que muitos veem como o sintoma de uma crise
existencial com profundas consequências relacionais; a
segunda refere-se a um modo perceptivo de ser que
equivale a uma forma de sabedoria relacional. Na nova
modernidade de hoje, o advento e a penetração em
todos os níveis da tecnologia digital deram lugar a uma
atitude perceptiva que eclipsa os mundos aos quais as
coisas percebidas se relacionam. As configurações nos
dias de hoje tendem a ser cada vez mais percebidas
como tais, pela velocidade avassaladora dos processos
de reiteração que nos fazem perder de vista os campos
pelos quais elas emergem e que em parte as tornam
possíveis. A tecnologia nos acostumou cada vez mais a
17
acessar mundos em instantes como se houvesse muito
perto de nós. Em outras palavras, a tecnologia nos
acorrentou a experimentar um modo diferente de
“verdade”
–
Heidegger,
em
particular,
discutiu
notoriamente como a essência da tecnologia (moderna)
como “ordenação” radical ou “en-enquadramento” (Gestell) é inexoravelmente afetando não apenas nosso
modo de ser, mas o próprio fundamento de nosso ser em
sua capacidade de experimentar “uma verdade mais
primordial”. 3 Agora podemos acessar em um piscar de
olhos características exóticas de outras partes do mundo
natural, figuras históricas de um passado distante,
simbolismos de culturas remotas, o conteúdo de um
museu ou formas e sons que, de outra forma, exigiriam o
artesanato de um vida inteira para elaborar.
4
As
implicações perceptivas, existenciais e relacionais são
óbvias. Na nova tecnomodernidade do aqui e agora, a
percepção das coisas como tais impede os atores e os
perceptivos de serem receptivos à voz da mensagem,
pondo em risco a autenticidade e, portanto, a integridade
não apenas das pessoas envolvidas, mas também
daquilo que é comunicado ou expresso. Essa nova
modernidade falha em trazer as condições perceptivas
18
para tal ética relacional. De fato, como Heidegger aponta,
“[e] tudo é agrupado em um uniforme sem distância ”.
5
Mas por que é tão importante estar atento à
autenticidade do que se percebe? Porque representa
nossa consciência do fato de que tal autenticidade, longe
de ser uma ilusão irrelevante ou sem sentido, existe por
meio daquilo a que se relaciona. Mais ainda, perceber a
autenticidade das coisas é atentar para a natureza
relacional do mundo, por mais paradoxal que pareça.
Assim, uma configuração, cenário ou entidade de
qualquer tipo deve sua autenticidade ao campo em que é
percebida e da qual brota para criar uma diferença – isto
é, algo perceptível. Tal campo não é necessariamente
material como no caso de um ecossistema, uma sala ou
uma folha de papel; pode ser mais abstrato como a
intenção de um escritor, o contexto cultural, o espírito da
época,
a
historicidade
da
época,
as
condições
institucionais, ou qualquer lugar de determinações
diferenciais. Um ambiente que ignora ou mesmo oblitera
o fundamental de tal campo de experiências perceptivas
abre as portas para um vazio relacional, ao qual
corresponde um desinteresse que não se preocupa em
estar atento ao mundo que fala através da coisa
19
percebida. Tal é o caso da nova modernidade do aqui e
agora e do modo de talidade perceptiva que ela acarreta.
Na esfera cultural, por exemplo, o ecletismo histórico da
arquitetura pós-moderna ocidental tipifica um ambiente
que induz talidade perceptiva; o uso de uma única língua
como língua franca cada vez mais em escala global
também infunde talidade perceptiva; imagens digitais,
tecnologia da informação, meios de transporte cada vez
mais rápidos e assim por diante, todos contribuem para
criar um mundo de talidade perceptiva. É dessa nova
modernidade que estou falando.
A
outra
forma
de
talidade
perceptiva,
que
foi
desenvolvida no budismo antigo e subseqüentemente
reinterpretada por diferentes escolas, tem, ao contrário,
uma profunda dimensão relacional e reflexiva, pois a
experiência leva à compreensão dos fundamentos da
vacuidade e da inter-relação. No Budismo Mahayana,
“talidade” (sânsc. tathata) designa a natureza “verdadeira”
da realidade e a forma “autêntica” como as coisas
aparecem em oposição a construções conceituais,
preconceitos, uso da linguagem, discriminações e
abstrações.
6
É uma forma de verdade absoluta das
20
coisas como elas aparecem para nós na percepção. De
fato, na obra do filósofo budista indiano Nagarjuna e em
alguns
dos
mais
antigos
Mahayana
Sutras
(o
Prajnaparamita), “talidade” muitas vezes pertence ao
mesmo paradigma de “Buda”, “não-dualidade”, “o
incondicionado”, “iluminação” e “vazio” entre outros. 7
Dependendo da escola do budismo e do período da
história, a maneira como esses conceitos se relacionam
entre si para entender nossa consciência da realidade
varia
consideravelmente.
Na
filosofia
zen-budista
japonesa, por exemplo, o conceito mahayana de talidade
como realidade esvaziada de substância está em pé de
igualdade com a afirmação concreta da vacuidade. Para
Nishitani, que também tirou de outros aspectos do
Budismo Mahayana (por exemplo, o Chan chinês), bem
como do existencialismo e do pensamento cristão, a
capacidade de perceber (às vezes) o mundo como tal
(shinnyo 真如, talidade) por meio do qual as entidades
sejam elas quais forem ( ser, eu, coisas materiais, idéias
e assim por diante) – ou mesmo o que não são, se
tomados em sua versão niilista (por exemplo, não-ser, eu
negado, inação, imaterialidade) – são esvaziados de sua
determinação causal, projeção conceitual, identificação
21
discriminatória
ou
representação
convencional;
em
outras palavras, a talidade perceptiva leva ao despertar
(sânsc. bodhi ) para o que compõe o que é percebido:
um vazio – se posso usar um neologismo – que nem
substitui nem nega o mundo das substâncias, mas que
se torna “o ponto de vista da unidade da mente e das
coisas”, para citar Nishitani de The Standpoint of Zen
( Zen no tachiba 禅の立場, 1967), segundo o qual “todas
as coisas deixam de ser o mundo dos objetos contra a
mente discriminativa”. Nishitani qualifica este ponto de
vista como uma “sabedoria que é prajñā ”.8
A divisão entre “sujeito e objeto, eu e mundo externo”,
9
que coloca o eu como o centro determinante é assim
dissolvida para abrir caminho para um ponto de vista que
não é nem metafísico nem niilista, mas sim baseado no
vazio (sânsc. sunyata). 10 Assim, a talidade das coisas
não é nem a substância aristotélica nem sua negação
niilista. A talidade torna-se, portanto, a forma concreta da
unidade do eu e do mundo circundante através do
campo do vazio. 11Por mais paradoxal que possa parecer
de um ângulo particular, a percepção das coisas como
tais implica um distanciamento de qualquer impulso para
22
determinar
causalmente,
projetar
conceitualmente,
discriminar para fins de identificação ou representar
convencionalmente aquilo com o qual se relaciona. As
coisas do mundo – incluindo o eu – não são mais
percebidas como entidades abstratas e, portanto,
discretas pelos olhos de Deus; em vez disso, as coisas
são percebidas como realmente são, autenticamente,
isto é, dentro do tecido relacional do mundo – para usar
uma terminologia mais merleau-pontiana (le tissu du
monde).
12
A concepção de Nishitani da talidade
perceptiva das coisas sugere, portanto, um certo
desinteresse – uma forma de liberdade ético-compassiva
por meio do desapego que encarna a natureza relacional
de um mundo que inclui a nós mesmos.13
É neste ponto que o contraste entre essa concepção
budista de talidade baseada no vazio relacional e a
talidade da nova modernidade do aqui e agora e seu
correlativo perceptivo de desinteresse se torna óbvio. A
partir dessa distinção, podemos agora ser capazes de
discernir quais são as implicações em termos de
consciência histórica de viver em um mundo cada vez
mais
dominado
por
experiências
23
perceptivas
desinteressadas das coisas como opostas a um mundo
em que a talidade perceptiva nos desperta para a
natureza
relacional
incondicionada
das
coisas
–
novamente, às quais o eu pertence – conforme
formulado pela filosofia budista e seus desenvolvimentos
variantes. A questão é se a nova modernidade está
levando a um tipo de niilidade histórica em muitas áreas
de nossa existência.
Quando Francis Fukuyama evoca “o fim da história”,
14
ele está se referindo ao resultado final de uma
concepção
hegeliano-marxiana
da
dinâmica
das
formações históricas que atinge seu auge com a
globalização do modelo ocidental de democracia liberal.
Deixando de lado a questão de saber se a concepção de
desenvolvimento histórico de Fukuyama se mostra
errada
com
o
retorno,
o
restabelecimento
ou
simplesmente o fortalecimento de regimes totalitários
que reagem da maneira mais incivilizada contra os
efeitos da globalização - não acho que haja necessidade
para dar exemplos, pois são óbvios demais para as
palavras – há um caso a ser feito sobre um fim da
história em um mundo permeado pelo achatamento do
24
significado histórico. O mundo em questão é o da nova
modernidade do aqui e agora e de todas as suas
propriedades econômicas, tecnológicas e culturais – um
mundo que trouxe o triunfo da talidade perceptiva
desinteressada. De fato, a percepção desatenta e
desinteressada das coisas como tais não deixa falar seu
significado histórico, em outras palavras, não expressa
aquela relação co-dependente entre o mundo histórico e
a presentidade da consciência perceptiva. O significado
histórico
certamente
depende
da
natureza
das
configurações ou situações, mas também depende de
sua experiência perceptiva correlata. Para que algo seja
identificado como histórico, deve ser notado como tal,
implicando que todos os fatos históricos contêm um certo
grau de ruptura que é claramente experimentado
espacialmente, bem como vivido temporalmente. Não me
refiro aqui apenas a eventos social ou culturalmente
reconhecidos como exemplares de historicidade, ou seja,
eventos
notórios,
interpretados
e
aceitos
pela
comunidade como marcadores históricos. A historicidade
das coisas também diz respeito às configurações da vida
cotidiana. De certa forma, assim que alguém percebe
alguma coisa, essa mesma coisa se torna histórica.
25
Ora, se a dimensão espacial do elemento de ruptura que
compõe os fatos históricos é óbvia, o que talvez seja
mais complexo seja a dimensão temporal, que é o que
me trouxe à concepção budista Mahayana da talidade e
ao ponto de vista do despertar / codependência /vazio
como alternativa às filosofias ocidentais da história,
incluindo a filosofia continental da vida, do ser ou da
existência que reconhecem de uma forma ou de outra o
entrelaçamento
entre
presente,
(Nietzsche, Heidegger, Sartre).
passado
e
futuro
15
Para que algo seja visto como histórico, deve suspender
nossa consciência temporal ordinária, engendrando
assim um despertar, não para a coisa histórica como
objeto, mas para sua dimensão relacional, e isso através
do esvaziamento do campo dentro do qual é percebido –
um campo que inclui o eu que percebe. A experiência
perceptiva
da
coisa
histórica
torna-se,
portanto,
semelhante à da natureza das coisas, como o Budismo
Mahayana a concebe. De fato, podemos conceber tanto
uma talidade histórica quanto uma talidade estética, ou
mesmo uma talidade religiosa. Em qualquer caso, o
ponto de convergência dos três modos correspondentes
26
de
experiência
perceptiva
é
o
movimento
de
esvaziamento que leva ao despertar ético-compassivo.
Os elementos de divergência dependem do grau e da
natureza
da
concretude
envolvida,
da
forma
de
desinteresse, do campo da experiência, bem como das
diferentes objetivações que decorrem da experiência a
posteriori, por exemplo, história , beleza e moral,
respectivamente. E como talidade perceptiva desperta
para a compleição relacional não dualista das coisas e
não para a objetividade das coisas, o despertar também
equivale ao autodespertar. Além disso, a experiência
perceptiva da talidade histórica e estética envolve um
grau maior de concretude em comparação com a
talidade
religiosa.
autodespertar
Podemos,
concreto
no
portanto,
caso
de
falar
sobre
experiências
perceptivas de talidade histórica ou estética.
Agora, a ideia de “autodespertar”, que é obviamente uma
natureza semelhante à de Buda, é central em todo o
budismo – ou seja, o que é comumente conhecido nas
línguas ocidentais como “iluminação”. Mas o que nos
interessa aqui é a maneira como Nishida desenvolve sua
concepção de mundo histórico e, portanto, a consciência
27
histórica em torno dessa noção de “autodespertar”. De
fato, para entender até que ponto o significado histórico,
conforme previamente definido especificamente e do
qual
o
autodespertar
concreto
é
uma
condição
necessária, está desaparecendo na nova modernidade
do aqui e agora, temos que entender a concepção de
Nishida do mundo histórico e da consciência histórica,
essa é sua concepção de cosmovisão histórica. E para
isso temos que recolocar sua concepção no contexto de
sua filosofia geral, que na verdade foi influenciada tanto
pelo pensamento ocidental quanto pelo asiático.
28
A filosofia de Nishida
O pensamento de Nishida é geralmente visto como
sendo dividido em diferentes períodos ou fases. 16 Ele
iniciou sua reflexão filosófica abordando a possibilidade
de compreender nossa consciência da “realidade”
(jitsuzai 実在) usando o que ele chamou de “experiência
pura” (junsui keiken 純粋経験). 17 Ele acreditava que se
poderia então estar em condições de compreender como
a “realidade autêntica” era experimentada, antes da
distinção entre sujeito e objeto, antes das explicações e
discriminações conceituais de todos os tipos. A influência
da prática zen-budista conforme concebida pelo monge e
estudioso zen-budista japonês Daisetsu Teitaro Suzuki
(鈴木大拙貞太郎, 1870-1066) estava limpo nesta fase.18
Embora Nishida não fosse tão radical quanto muitos
monges zen-budistas em sua desconfiança e até
29
rejeição de qualquer forma de linguagem e pensamento
articulado por meio da escrita, ele acreditava que uma
compreensão de qualquer consciência autêntica da
realidade deve ser fundamentada na experiência dos
fatos em si mesmos.
Nishida então percebeu que o foco na “experiência pura”
poderia ser corretamente acusado de misticismo, pois
apontava inexoravelmente na direção da consciência
subjetiva. De fato, promover, como ele fez, uma
concepção
bergsoniana
ferramenta
para
de
entender
“intuição”
nossa
como
uma
consciência
da
realidade só poderia levar, contra sua vontade, a uma
forma de subjetividade do inefável. Ele, portanto, teve
que se afastar da prática meditativa de zazen (座禅), por
assim dizer, para mais elaborações conceituais à luz do
método transcendental prezado pela epistemologia
neokantiana.
Ele chegou à conclusão de que a intuição, ou a
apreensão imediata da realidade, deveria ser trabalhada
em relação àquilo de que ela difere, ou seja, a reflexão
objetiva.
Além
disso,
intuição
30
e
reflexão
foram
compreendidas em termos de bipolaridade recíproca por
meio da qual a “vontade absoluta” se materializa no “eu”.
A forma como a intuição e a reflexão se relacionaram
permitiram
a
concretização
da
vontade
absoluta,
portanto, entendida como pano de fundo necessário para
a formação do eu. O despertar para tal fenômeno foi
então formulado como “ autodespertar” ( jikaku 自覚).19
A experiência pura perdeu sua natureza fundacional e foi
assim substituída pelo “autodespertar”, ou seja, o
momento em que a bipolaridade intuição/reflexão foi
desbloqueada ou qualquer dualidade sujeito/objeto foi
contornada.
Esta
concepção
foi
originalmente
influenciada por Johann Gottlieb Fichte (1762-1814);
apresentou a vontade como um pano de fundo
necessário para qualquer “autodeterminação” (jiko gentei
自 己 限 定 ). Mas uma das principais preocupações de
Nishida era evitar qualquer forma de dualismo do tipo
comumente encontrado na filosofia moderna ocidental.
Essas ideias foram inicialmente formuladas em seu livro
de 1917, Intuition and Reflection in Self-Awakening
(Jikaku ni okeru chokkan para hansei 自覚に於ける直観
と 反 省 ).
20
Outras obras importantes deste período
incluem O Problema da Consciência (Ishiki no mondai 意
31
識の問題, 1920) e Arte e Moralidade ( Geijutsu to dotoku
芸術と道徳, 1923).21
Em seguida, para superar o dualismo, Nishida articulou
uma filosofia em torno de concepções distintas de “nada”
( mu 無) e “lugar” ( basho 場所). Este último foi inspirado
não apenas pelas ideias de Platão sobre “topos” do
Fédon e “ chora ” do Timeu , mas também pela
concepção aristotélica da alma como o local onde as
formas ocorrem. Para os japonologistas , encontrar uma
tradução exata nas línguas ocidentais para o “ basho ”
de Nishida provou ser difícil; provavelmente é mais
apropriado falar sobre um paradigma que englobe ideias
de lugar, sítio ou localização. Na verdade, Nishida
reinterpretou a concepção japonesa de ba (場, campo) à
luz de uma variedade de filosofias ocidentais. Parece,
portanto, mais apropriado manter o termo japonês
basho , que se tornou central em sua filosofia após seu
1927 From the Acting to the Seeing (Hataraku mono kara
miru mono he 働くものから見るものへ) e em particular
em seu ensaio intitulado “ Basho ” (場所).22
No final de sua vida, Nishida procurou explicar o “mundo
histórico” (sekaishiteki 世界史的) através das lentes do
32
“ basho do nada” ( mu no basho 無の場所). Ele também
escreveu um de seus textos mais importantes, no qual a
religiosidade é apresentada como um evento espiritual
no cerne das relações entre o basho , o autodespertar, a
ação expressiva e as autoidentidades contraditórias, que
incluem o mundo criativo ( sozoteki sekai 創造的世界) e
personalidade ( jinkaku 人格) – entre os quais A Lógica
do Basho e a Cosmovisão Religiosa ( Basoteki ronri para
shukyoteki sekai kan (場所的論理と宗教的世界観, 1945).
23
Isso nos leva agora à visão de mundo histórica de
Nishida.
33
Visão de mundo histórica de Nishida
Na filosofia relacional de Nishida, o “tu” com o qual o eu
se relaciona pode ser outra pessoa, o mundo social ou o
mundo histórico. O último período de sua vida filosófica
de Nishida é marcado por sua preocupação em
compreender
a
natureza
do
“mundo
histórico”
( sekaishiteki 世界史 的 ), bem como a sociedade e a
humanidade como um todo em relação à formação
situada da consciência, ou seja, a existência .
Autodespertar e história
Nishida já ponderou em períodos anteriores sobre o
mundo histórico, mas apenas através do que ele
considerava estar na raiz das formações históricas
percebidas , ou seja, o eu que desperta, ou melhor, o
“autodespertar”. A palavra japonesa jikaku (自覚, ji [auto]
34
+ kaku [despertar]) foi traduzido de muitas maneiras
diferentes nas línguas ocidentais – autoconsciência, bem
como autoconsciência, ou mesmo autodespertar. Mas a
palavra de forma alguma se refere ou evoca algum
estado psicológico no sentido de estarmos cientes de
nossos próprios sentimentos ou personalidade quando,
por exemplo, fazemos um discurso diante de um público;
em vez disso, a palavra deve ser entendida como o
advento ou o acontecimento do autodespertar que
envolve, entre outros, determinação, negação e até
criatividade. Nesta luz, jikaku não é “consciência” (ishiki
意識) . 24Voltarei mais tarde a este aspecto do jikaku ; só
pra dizer por enquanto que vou me ater a tradução do
jikaku como “autodespertar” tanto por sua tradução
budista quanto para invocar uma dimensão criativa.
Na concepção contrapontística de Nishida, quanto mais
o eu nega o mundo externo, mais ele se determina
ativamente no sentido de que “ o significado fundamental
da cognição é que o eu se espelha dentro de si mesmo”.
25
Além disso, o lugar ( basho ) do autodespertar, aquele
que permite que o autodespertar se determine e se veja,
é o próprio autodespertar – e nada mais. É por isso que,
35
nesta fase, ele vê como base subjacente “ a ideia de
auto[despertar] em que o eu se espelha interiormente”.26
Este foi o período noético fundamental do trabalho de
Nishida, que colocou ênfase na internalização da
consciência para entender o despertar para a “realidade”
em qualquer forma e, de fato, no mundo histórico.27
Nishida descreve o “conteúdo histórico”, ou seja, o que
anteriormente chamei de “significado histórico” da
seguinte maneira: “O conteúdo histórico pode ser visto
como
o
conteúdo
noemático
ou
expressivo
da
determinação noética do eu que vê seu próprio nada”.
28
Claro, é a última parte da frase que pode parecer
bastante estranha para a compreensão tradicional da
interpretação histórica: “que vê o seu próprio nada”.
Tendo em mente o que foi mencionado anteriormente
sobre “autodespertar”, “autodeterminação” e “negação”,
a passagem sugeriria que o significado histórico das
coisas é expresso no eu perceptivo cuja determinação
equivale a um autodespertar através sua própria
negação, que permite o significado histórico da coisa
percebida, se assim posso dizer. O eu acaba por se ver
em si, no lugar de si. É por isso que o eu “vê seu próprio
36
nada”. Mas no que diz respeito ao mundo histórico (ou
outras realidades percebidas), ele é entendido como
uma espécie de espelho das formas do eu que desperta,
que, em si mesmo, é em última instância o nada, ou
mesmo para Nishida “o nada absoluto” (zettai mu 絶対無)
– aquele eu absolutamente esvaziado como não-eu que
fundamenta nosso conhecimento do mundo. Inicialmente,
Nishida pensou no despertar que se vê em si mesmo
como o fundamento necessário a partir do qual o mundo
histórico é determinado. Como resultado , a própria
noção de Zeitgeist , ou espírito da época, torna-se
impossível de ser trabalhada concretamente, pois ignora
a natureza fundamental e o papel determinante do
“autodespertar”.
O
fundacionalismo
de
Nishida
inevitavelmente levou à rejeição de qualquer concepção
de
realidade
histórica
que
pudesse
ser
viável
independentemente do autodespertar. Além disso, ele
via a realidade histórica colidindo com a própria
possibilidade de liberdade existencial que está embutida
na espiritualidade subjacente que dá acesso ao “nada
absoluto”, ou seja, a consciência que se vê como o lugar
de si mesma. Nesta fase, podemos falar sobre uma
dicotomia preferencial entre a autenticidade do eu
37
interno
como
“determinação
do
autodespertar”
( jikakuteki gentei 自覚的限定) para usar a expressão de
Nishida, e o mundo exterior ao qual pertence o mundo
histórico e que, de certa forma, pode ser interpretado na
metodologia de Nishida como meios para entender o
“autodespertar”. E é isso que vai levar a uma mudança
crucial operada em seu modo de pensar e método, que é
o último período de sua filosofia que aqui nos interessa.
História e auto-despertar
Nishida, a partir da década de 1930, tentará encontrar
uma forma de explicar a formação histórica, ou melhor, a
“autodeterminação” histórica – que inclui o próprio eu –
sem privilegiar o ponto de vista do autodespertar e
enfatizando a unidade não dualista entre “ autodespertar”
e
“o mundo
histórico”.
29
Em
vez de
focar
no
autodespertar como lugar para si mesmo, ele passou a
ver o “mundo histórico” desempenhando um papel
determinante como lugar, pelo menos em parte. Nas
palavras de Nishida, “ nós somos criativos e criados
como a autodeterminação do mundo da afirmação da
negação absoluta...[nós] somos corpos individuais do
mundo da vida histórica que contém dentro de si a
38
negação absoluta...” 30 Assim, se o ser humano ainda
deve ser entendido como criador e determinante, ele
também faz parte de um mundo criativo e determinante.
A expressão, um conceito central na filosofia da história
de Nishida, não é mais a forma de autodespertar
espelhada pelo mundo exterior e pelo mundo histórico
em particular; há expressão também do lado do mundo
percebido. Além disso, Nishida frequentemente evocará
o mundo histórico em formação como um modo de
“criatividade artística” – “criação artística como ação
formativa histórica” (歴史的形成作用としての芸術的創作)
– nem como “geração meramente natural” nem como
“simplesmente dado”; a história como um movimento
formativo só pode ser vista como uma “continuidade de
ruptura absoluta”.31
Como Woo-Sung Huh expõe, a mudança de humor, por
assim dizer, torna-se clara a partir do início dos anos
1930.
32
É importante ressaltar que, a partir de então,
Nishida pensa o mundo histórico como tendo uma
natureza mais fundamental (embora não fundacional) e
expressiva (assim como dialética), portanto, com uma
39
temporalidade
vivida,
conforme
encapsulado
em
formulações como:
[No mundo histórico] as coisas se opõem e agem
umas sobre as outras através da expressão;
conseqüentemente, eles não são nem causais,
como necessidade do passado, nem teleológicos,
como necessidade do futuro. Tudo isso é válido
apenas no mundo histórico que, como unidade de
opostos e como um único presente, se move de
presente para presente, e é um mundo que se
forma do formado para o formador.33
O ensaio “Absolutely Contradictory Self-Identity” ( Zettai
mujunteki jiko d o itsu 絶対矛盾的自己同一, 1939 ) do
qual a citação acima foi retirada é de fato um marco na
filosofia da história de Nishida na medida em que a
dinâmica relacional em ação não não dizem respeito
apenas ao ser humano, mas também ao mundo histórico,
ambos os quais se relacionam de maneira mutuamente
autoformativa.34
40
Por conta disso, a história também deixa de ser um
objeto de compreensão buscando a “coerência estrutural”
(Zusammenhang) e a “regularidade” (Regelmassigkeit)
como formulado por Wilhelm Dilthey.
35
A história tem,
pelo contrário, a sua própria singularidade expressiva
que tem o poder de refletir e mesmo determinar em parte
o nosso próprio eu que desperta. Em termos temporais,
o mundo histórico equivale ao que Nishida chama de “a
autodeterminação do eterno agora” (e ien no ima no jiko
gentei 遠の今の自覚的限定). 36 O espírito da época não
é mais apresentado como uma abstração impossível
como em sua filosofia anterior; pelo contrário, o espírito
do tempo é uma singularidade expressiva, de fato “a
autodeterminação do eterno agora”, que atua como um
lugar determinante da existência do eu que desperta. De
fato,
como
mencionado
anteriormente,
Nishida
subsequentemente estende sua concepção de mundo
histórico à “sociedade” e à “humanidade” como um todo.
No geral, ele se afasta de uma preocupação com o
autodespertar criativo e determinante basicamente como
um lugar para si mesmo para a percepção do papel
desempenhado pela história, sociedade e humanidade –
e, mais importante, até mesmo o “ corpo” (rekishiteki
41
shintai 歴史的身体, corpo histórico) 37– ao dar forma ao
eu que desperta. O eu que desperta criativamente ocorre
onde é historicamente criado.
Agora, do ponto de vista da filosofia atual, não há nada
de revolucionário ou inovador na compreensão do papel
desempenhado pelo mundo histórico na forma como
somos moldados, existimos e pensamos. No entanto,
mais
relevante
para
nossa
preocupação
com
a
cosmovisão histórica dentro do contexto da modernidade
atual do aqui e agora, é a ideia de Nishida segundo a
qual “toda e qualquer época é o absoluto, a partir do qual
toda a nossa vida é vista e determinada” 38 desenvolvido
em seu ensaio “História” (Rekishi 歴史, 1931) que Huh vê
como
fundamental
na
mudança
que
levou
ao
subsequente abandono de qualquer concepção apenas
noética do mundo histórico.
39
Acho que podemos
entender facilmente que cada época histórica, a maneira
como é representada, interpretada ou contada pode
contribuir para determinar o significado ou a forma de
nossa vida. O que talvez seja mais incomum é a imagem
de nossa vida vista da perspectiva do mundo histórico.
Cada época histórica tem sua individualidade expressiva,
42
ativa e determinante. Influenciado pelo historicismo do
historiador alemão Leopold von Ranke e sua visão de
que “ toda época é imediata a Deus, e seu valor não
consiste no que emerge dela, mas em sua própria
existência, em seu próprio eu… cada época deve ser
considerada válida em si mesma...” 40 – algo que para
Ranke deveria ser recuperado empiricamente. Para
Nishida, “[a] identidade própria deve ser contida como
momento de formação espiritual da história, do formado
para o formando”. 41 Cada época como “momento de
formação espiritual” é um autodespertar que ocorre em
um determinado tempo e em um determinado espaço,
em relação ao que se torna uma época passada, a uma
imagem mais universal transformada e ao autodespertar
de o eu humano tal como o historiador que olha para a
coisa histórica como tal. A dimensão “espiritual” não é
mais do que a dimensão de evento e, portanto, extática
do acontecimento do autodespertar. Auto-identidades
como tais são tão espiritualmente criativas quanto
criações espirituais, ao invés da criação de um “Deus”
transcendente – uma forma de pensar-no-mundo que só
pode levantar suspeitas em alguém tão influenciado pelo
Budismo em seu passado e vida filosófica. Para Nishida
43
não existe um Deus transcendente. Dentro do contexto
de sua filosofia da história, o que Nishida se refere é o
acontecimento do autodespertar no e através do mundo
histórico.
Ao contrário de seus períodos anteriores, ou seja, antes
dos anos 1930, compreender a existência é para Nishida
não mais ser encontrado no “autodespertar”, mas no e
através
do
mundo
histórico,
embora
não
como
determinante arqueológico nem teleológico. Em outras
palavras, qualquer tentativa de entender a existência do
ponto de vista fundamental do autodespertar poderia
compreensivelmente apenas crescer em uma ideação
noética.42 De fato, seu sentimento pela necessidade de
se reequilibrar com a realidade histórica noemática
chegou a tornar o ponto de vista metodológico noesisnoema irrelevante para sua concepção de “mundo
histórico”. O próprio autodespertar torna-se histórico e
precisa ser assim entendido, em vez de “ver a si mesmo”
como Nishida sugeriu anteriormente. Todos os aspectos
da existência e da vida cultural como resultado devem
ser abordados e compreendidos através das lentes do
mundo histórico, que, como resultado, também pode ser
44
considerado como tendo um despertar e, por extensão,
uma dimensão espiritual. Mais uma vez, a influência de
“toda época é imediata para Deus” de Ranke é clara.
Como podemos suspeitar, a concepção de Nishida sobre
a natureza e a função do mundo histórico tem uma
dimensão política significativa e inesquecível – senão
imperdoável na época em que Nishida formulou essas
reflexões, nos anos 1930/40, com o Japão imperial visto
como uma época histórica em termos semelhantes, isto
é,
como
autodespertar
e,
portanto,
com
uma
“espiritualidade” imediata e, portanto, única. Mas essa
ênfase no “imediatismo” não diz respeito apenas à
espiritualidade da época histórica como uma entidade
extática que adquire assim um significado. A ênfase
também afeta a concepção de Nishida sobre a
temporalidade da época histórica. Como cada época
histórica é compreendida do ponto de vista de seu
próprio despertar e não mais do ponto de vista de uma
narrativa ou abstração, cada uma dessas épocas não é
nem a origem nem a causa de uma época anterior ou
posterior. Cada época histórica deve ser compreendida
do ponto de vista do “eterno agora” (eien no ima 永遠の
45
今 ),
43
o que, a rigor, o torna epistemologicamente
inapreensível em si mesmo quando determinado por
qualquer narrativa ou sistema causal ou teleológico
escolhido. Para Nishida, e novamente contra Dilthey, o
ponto é entender as épocas históricas não como
entidades que devem ser feitas para se encaixar em uma
configuração mais abrangente ou universal para que
possamos dar sentido a isso; entender as épocas
históricas é para Nishida entendê-las como lugares de
autodespertar cuja presentidade, por assim dizer, implica
descontinuidade temporal – sempre. É por isso que
Nishida usa a expressão “continuidade descontínua”
(hirenzoku no renzok u 非 連 続 の 連 続 ), 44 e por que
mencionei no início do ensaio que as coisas históricas
não são quaisquer coisas, mas coisas perceptíveis, cuja
natureza é justamente romper a continuidade e cujo
significado emerge por meio dela. A temporalidade da
época histórica é a de um autodespertar que se
expressa através do “eterno agora”, 45isto é, nem como
um passado temporal nem na direção de um futuro por
vir, nem permanente nem impermanente, como se
encontra no Mahayana concepção de temporalidade.
46
Nishida chegou a defender – é aqui novamente que
46
suas concepções se tornam políticas, levando alguns a
identificar um elemento de simpatia com o governo
militarista nacionalista de sua época
47
– que apenas o
Japão havia preservado verdadeiramente esse “ponto de
vista” Mahayana (tachiba
立 場 ) de “autoidentidades
absolutamente contraditórias” (zettai mujunteki jikodoitsu
絶対矛盾的自己同一) no mundo oriental e que era hora
de um renascimento que também poderia oferecer uma
“nova ordem mundial” (sekai shin chitsujo 世界新秩序).48
(Isso
foi
basicamente
modernidade
européia
um
e
o
argumento
contra
consequente
a
impulso
objetificante do mundo, incluindo nossa maneira de
entender a história).49
Essa concepção da temporalidade do autodespertar não
está sugerindo que o mundo histórico seja apenas algo
“interno” (naimen-teki 内 面 的 ). O mundo histórico é
interno, ou seja, uma “autodeterminação” (jiko-gentei 自
己限定) no eterno presente, assim como “externo” (gaibu
外 部 ),
quando
estabelecido
e
percebido
como
pertencente ao passado, ou seja, como uma “realidade
histórica” já dada (rekishiteki genjitsu 歴史的 現実). A
natureza interna-qua-externa e externa-qua-interna do
47
mundo histórico segue, portanto, a mesma lógica budista
de autoidentidades absolutamente contraditórias. 50 Essa
dupla dimensão também se reflete necessariamente na
forma como Nishida entende a “criação” (sosaku 創作).
No
sentido
de
que
somos
entidades
criativas
inexoravelmente dentro do mundo histórico das coisas
criadas, incluindo nós mesmos.51 Mais uma vez, Nishida
tenta formular o mundo histórico em termos de nãodualismo
que
podemos
chamar
de
diferencial
complementar entre a autodeterminação através do
autodespertar da época em sua presenteidade eterna
imediata e a época mediada que se coloca contra nós
como uma realidade já dada. Além disso, o mundo
histórico torna-se não apenas um lugar (basho 場 所 )
como uma realidade já formada que permite o despertar
(criativo) do eu humano, mas também um lugar pelo qual
os eus humanos (criativamente) despertam na forma de
suas próprias tradições, culturas ou práticas, em outras
palavras como lugar de autodespertar (criativo) de cada
época histórica. As relações no trabalho são multiníveis
e reciprocamente determinantes. O mundo histórico,
portanto, claramente não é concebido em termos
dualistas; sua dinâmica de ser formado e formar é antes
48
aquela do “universal dialético” (benshohoteki ipansha 弁
証 法 的 一 般 者 ) como expressão da lógica de autoidentidades contraditórias absolutas 52 Em outro plano,
isso também significa que o autodespertar de um eu
humano (por exemplo, em termos de identidade) só pode
ser concebido através da determinação de uma época
histórica ou de qualquer configuração mais universal
(como
sociedade,
comunidade
ou
qualquer
outra
espécies) – e vice-versa. A relação determinante entre o
individual e o universal, o particular e o global, ou
simplesmente entre o eu e o lugar, é não dualista,
complementar, diferencial e dialética. Portanto, cabe
destacar que, a partir dessa leitura, não há assimilação
do indivíduo a um universal como, por exemplo, uma
nação como o teriam algumas interpretações radicais do
pretenso fascismo de Nishida.53
Outra dimensão importante da concepção de mundo
histórico de Nishida é a maneira como ele mistura
história e “religião” (shukyo 宗 教 ) – evidentemente,
assim como a política – mas a religião entendida de uma
forma específica. Novamente, não a religião de um
“Deus” transcendente: uma religião pela qual, em suas
49
próprias palavras, “[um] Deus que é meramente
transcendente e autossuficiente não é um Deus real”; um
Deus
que
certamente
“deve
ser
completamente
caracterizado por kenosis (autoesvaziamento)” como no
cristianismo, mas um Deus que é “verdadeiramente
dialético” e, portanto, “totalmente transcendente e
imanente, imanente e transcendente”. Este é, em outras
palavras, um ponto de vista religioso que expressa a
“maneira de pensar de Nishida [como] absolutamente
contraditoriamente idêntica a si mesma e completamente
dialética”.
54
Ali, na verdade, não existe um “Deus”
transcendente e determinante (seja por negação); ao
contrário,
há
uma
relação
mutuamente
negadora
(/esvaziante), autodespertante e, portanto, determinante
entre "o sujeito e o ambiente", 55sejam eles o eu, o tu ou
mesmo o mundo histórico.
E quanto à “nação” (minzoku 民族 ) está preocupado,
Nishida vê uma ligação direta com “religião” (shukyo 宗
教 ). As nações são autodeterminações no presente
absoluto – ao mesmo tempo refletindo e determinando o
presente
absoluto
–
e
como
tal
são
partes
expressas/expressivas do que constitui a autoformação
50
do mundo histórico. Para promulgar a política nacional
(kokutai 国体) no presente absoluto é, portanto, permitir
o autodespertar do mundo histórico dentro do qual o eu
também se autodesperta. 56De um ângulo, a controversa
dimensão política do pensamento de Nishida não
poderia ser mais óbvia. Poderia, no entanto, ser
interpretada da seguinte forma: A nação (ou qualquer
comunidade ou entidade humana) é uma expressão do
mundo histórico em formação que ocorre por meio do
autodespertar, ou seja, por meio do autodespertar de
todos os envolvidos eus – uma forma de experiência
espiritual compassiva de vazio (ou melhor, “nada” na
terminologia de Nishida) que só pode tomar forma dentro
da dinâmica do mundo histórico, uma dinâmica que não
devemos
esquecer
é
sempre
retratada
como
autodeterminações recíprocas através negação, ou seja,
imanente e transcendente dentro de uma configuração
não
dualista
de
relações
complementares
e
diferenciais.57
Interpretando o mundo histórico de Nishida
Agora, e finalmente, para interpretar os aspectos das
concepções posteriores de Nishida sobre o mundo
51
histórico que são pertinentes ao ponto que estou
lentamente tentando alcançar, não se deve pensar na
história meramente como um mundo que já nos foi dado
e de qual devemos buscar resgatar o significado objetivo
dentro de uma narrativa universalizante mais ampla. O
mundo histórico é universal e particular, externo e interno,
transcendente
e
imanente,
mediado
e
imediato.
Refletimos sobre o mundo e identificamos as coisas
como pertencentes ao passado que, ao contrário, reflete
nossa própria imagem; nós agimos e participamos da
formação
de
tal
mundo
como
agentes
“agindo
intuitivamente” tanto quanto estamos incorporados no
mundo histórico que nos determina e transforma. 58Esta
corporificação implica uma temporalidade particular, o
eterno agora, que é ele mesmo entendido como inserido
no tempo histórico entendido como tempo “objetivo” e,
inversamente, o tempo objetivo é determinado a partir do
ponto de vista do presente.
59
Correlativamente, os
componentes absolutamente não-dualistas do mundo
histórico, isto é, épocas ou coisas do passado e o eu que
desperta, não são apenas mutuamente determinados
seguindo a lógica de auto-identidades contraditórias;
eles também são inclusivos um do outro. Não existe, por
52
um lado, o eu que desperta e, por outro lado, o mundo
histórico. O eu que desperta está tanto incorporado na
formação histórica do mundo e, portanto, parcialmente
espelhado nele quanto agindo sobre ele. Em outras
palavras, o advento do mundo histórico se encontra na
determinação de si, que reciprocamente ocorre na
determinação do mundo histórico.
Essa autodeterminação recíproca implica que tanto o
mundo
histórico
expressados
quanto
criativamente
o
em
eu
consciente
um
movimento
são
de
autonegação mútua que reúne espiritualidade e história
(assim como política). Isso também significa que as
épocas históricas também podem ser pensadas como
eus
que
despertam,
isto
é,
como
períodos
de
autodespertar no tempo cujo significado particular reside
precisamente no fato de negarem, perturbarem ou,
melhor ainda, esvaziarem a coerência de uma narrativa
abrangente mais universal, que se estabelece a
posteriori.
Agora, as concepções de Nishida de seu período
posterior
certamente
nos
53
permitem
entender
as
autoformações, sejam elas quais forem, nós mesmos,
culturas, épocas, como se expressando através do
mundo histórico feito de entidades cuja natureza
disruptiva
se
despertamos.
torna
O
perceptível
elemento
e
para
perturbador
do
a
qual
evento
histórico é, portanto, espiritual (definido e compreendido
neste contexto específico) e autodespertante. Nishida,
no entanto, enfatizou a dimensão negadora (ainda que
criativa) da relação entre “autoidentidades”, aquele
elemento de “nada” que não tem a mesma conotação
ético-compassiva de “esvaziamento” ou “vazio” – assim
como , em um contexto diferente da tradição filosófica, a
dialética
de
Hegel
evoca
tal
conotação
ético-
compassiva. 60 O antigo conceito budista de vacuidade
implica um relacionamento de um tipo particular entre
entidades, ou para usar a terminologia de Nishida,
“autoidentidades” de qualquer tipo e sua localização , ou
entre o eu que desperta e seu lugar, ou, melhor ainda, o
eu que desperta. e o mundo histórico. Podemos usar a
imagem de uma xícara e o que está ao redor da xícara.
A xícara tem uma identidade própria e o que está ao
redor é o seu lugar. Para que a taça seja percebida
como tal, ela deve ser esvaziada de seu entorno; e vice54
versa, o que está ao redor da xícara aparecerá quando a
xícara como uma coisa se mover fora de vista. Ainda
assim, a imagem da taça permanece limitada, pois não
atinge uma dimensão fundamental; que a xícara é uma
coisa material e, portanto, não um eu que desperta, ela
nos fala sobre a dinâmica – prefiro evitar a palavra
“lógica” porque ela não equivale a nenhuma “ordem” – a
dinâmica do vazio relacional no cerne de o fenômeno da
afirmação, seja de um indivíduo, comunidade, nação,
cultura ou época. A noção de vazio, longe de ser
concebida do ponto de vista do ser, como uma negação
do ser, ou seja, como o nada, deve ser entendida em
termos positivos em que a relação é um fundamento de
nossas vidas despertas. Um filósofo que resgatou o
conceito
budista
de
vacuidade
na
filosofia
contemporânea do Leste Asiático é Nishitani Keiji. Vou
expor brevemente seu pensamento sobre o assunto
antes de voltar a discutir nossa experiência do mundo
histórico e como ele sofreu uma mutação problemática
hoje em dia.
55
O vazio de Nishitani
Nishitani foi fortemente influenciado pelo existencialismo
e pela fenomenologia, em particular Ser e Tempo de
Heidegger, não apenas em seu uso sistemático de
conceitos emprestados como Dasein ou Existenz, mas
mais profundamente na forma como ele formulou sua
concepção de consciência histórica, no seu caso mais
precisamente em relação ao vazio e à historicidade.
61
Essas reflexões são desenvolvidas em sua obra
Religião e Nada, originalmente O que é religião?
(Shukyo to wa Nanika 宗 教 と は 何 か , 1954-55). 62
Nishitani, juntamente com outros membros da Escola de
Kyoto inspirados por Nishida, é bem conhecido por
promover visões de mundo que, em maior ou menor
grau, buscam recuperar supostos valores autênticos da
Ásia, na verdade o “vazio”, como uma alternativa às
56
tradições filosóficas e culturais ocidentais.
63
Mas de
relevância direta para nossa preocupação é a maneira
como ele vê o papel do vazio em Religião e Nada (em
particular nos capítulos “Vazio e Tempo” e “Vazio e
História”) quando se trata de entender a consciência
histórica
que,
penso
eu,
tanto
retifica
quanto
complementa a concepção de mundo histórico de
Nishida que acabamos de discutir, e que se mostrará
muito pertinente para entender o que chamei de
“nihilidade
histórica”
no
contexto
atual
da
nova
modernidade do aqui e agora.
Nishitani segue Heidegger no sentido de enfatizar a
necessidade
de
estarmos
conscientes
de
nossa
experiência da história como “seres históricos” (a
historicidade de Heidegger: Geschichtlichkeit) ao invés
de buscar recuperar coisas históricas como objetos do
passado. Assim como Nishida, Nishitani pensa que
entender
o
mundo
histórico
implica
algo
mais
fundamental do que sua representação. A fenomenologia
certamente pode trazer à tona a dimensão experiencial
da consciência histórica, mas Nishitani desenvolve sua
reflexão através das lentes do budismo e, de fato, do
57
ponto de vista do vazio. Assim como Heidegger pensa a
existência em termos de “ser-no-mundo” envolvido em
uma rede de relações entrecruzadas, Nishitani pensa a
saída-no-tempo em termos de “ser-no-fazer”, neologismo
que o tradutor Jan van Bragt cunhou juntos.
64
“Ser-a-
fazer” implica que existir é estar fazendo alguma coisa,
constante, inquieto, em um processo incessante de vir-aser cuja forma é o “ser” que brota e desaparece a cada
aqui e agora.
65
Isso também significa que a rede de
relacionamentos entrecruzados de Nishitani que permite
a existência aqui e agora é, em suas próprias palavras,
aquela “teia de causalidade que compõe o mundo” sem
começo nem fim,
66
novamente um conhecido tema
fundamental do budismo. Para recordar, no budismo
essas condições causais são assimiladas com “ligações”
(sânsc. nidanas), como desejo/desejo, volição, apego,
ignorância, nascimento, morte, que pertencem todos aos
Doze Elos do Surgimento Dependente (sânsc. nidanas)
– os elos causais ou reações em cadeia “cármicas” que
nos ensinam sobre a natureza da existência.67
É assim quando alguém suspende ou se liberta dos
efeitos perceptivos dessas causalidades condicionantes
58
que podemos apreender a “existência” das coisas, em
outras
palavras,
o
surgimento
presente
e
interdependente das coisas (sânsc. pratityasamutpada).
Isso inexoravelmente se aplica ao que ocorre através do
mundo
histórico.
A
concepção
de
Nishitani
da
temporalidade do eu consciente aqui e agora está,
portanto, enraizada na concepção budista fundamental
de “surgimento dependente”, que equivale à efemeridade
e renovação, pois não existem eus permanentes,
independentes e fixos. Ou melhor, o surgimento dos eus
é precisamente uma liberação e desapego de – ou
esvaziamento
de
–
suas
condições
causais.
A
temporalidade do aqui e agora equivale, portanto, ao
vazio, à efemeridade e ao devir, em outras palavras,
uma “nihilidade” temporal – uma temporalidade sem
substância em si mesma, sem base e sem direção. No
entanto, essa nihilidade não deve ser entendida como
um nada improdutivo ou destrutivo; a realização do
fundamental da vacuidade está precisamente no coração
da criatividade – algo que lembra o “niilismo ativo” de
Nietzsche em oposição ao “niilismo passivo” (embora
Nietzsche associe o budismo ao niilismo passivo em A
Vontade de Poder [der Wille zur Mach ]).68
59
Quanto a Nishitani, no entanto, a realização do
fundamento
da
vacuidade
é
uma
forma
de
“autossuperação” profundamente enraizada no budismo
primitivo que nem mesmo o niilismo bem-intencionado
pode igualar.
69
Como disse Nagarjuna: “Em virtude da
vacuidade tudo pode surgir, mas sem a vacuidade nada
pode surgir”.
70
E aquele que toma consciência desse
diferencial constitutivo e complementar, para usar a
terminologia moderna, entre o vazio e a criatividade
torna-se “desperto” para nossa condição relacional com
o mundo – a experiência do despertar do que Nishida
chamou de “nada absoluto”. É importante ressaltar que
essa experiência de despertar equivale, para Nishitani, a
uma
“transcendência
extática”
71
É
a
experiência
desapegada e esvaziadora da talidade das coisas que
inexoravelmente
atravessa
a
teia
das
“condições
causais”, através da “atividade cármica” e das “ relações
circunstanciais ”, aqui e agora, e dentro da “abertura
infinita do tempo” – e portanto, de forma livre e criativa.72
Como é de se esperar, as formas do vazio, seja em
termos temporais ou espaciais, dão origem a diferentes
modos de “consciência histórica” dependendo das
épocas e desenvolvimentos do pensamento. Para
60
entender a natureza da temporalidade da experiência
perceptiva da talidade das coisas, precisamos ver como
Nishitani discute os modos de consciência histórica em
relação ao Ocidente cristão, Iluminismo ocidental,
Nietzsche e budismo.
73
No cristianismo, a consciência
histórica é moldada em torno da ideia de criação, relação
do ser humano com Deus e o Cristo, salvação, destino
final e assim por diante – em outras palavras, uma
temporalidade linear com começo e fim contada como tal
em
narrações
e
representações
no
formas
de
desenvolvimento escatológico. Mas para Nishitani, essa
teleologia simplesmente será substituída no Iluminismo
por outra teleologia, a da ideia de progresso que se
acredita ser alcançável por meio de uma razão
supostamente libertadora. A consciência histórica ao
longo do Cristianismo e do Iluminismo permanece
teleológica, embora o centro de gravidade tenha mudado
do eu divino para o eu humano, da devoção para a
autonomia. Para Nishitani, nem o Cristianismo nem o
Iluminismo entendem o fundamental da temporalidade
do aqui e agora quando se trata de consciência histórica.
Ambos permanecem ligados a origens e fins quando se
trata de explicar os desdobramentos históricos. No caso
61
da modernidade, o ideal da razão como ferramenta para
criar uma compreensão objetiva das coisas, incluindo a
história,
apenas
levou
à
ilusão
de
autonomia,
permaneceu uma filosofia da representação e deu lugar
ao egocentrismo. A epistemologia kantiana e sua
revolução copernicana claramente ficaram sob o fogo de
Nishitani.74As coisas, incluindo eus conscientes, existem
apenas por meio de sua condição co-dependente que
implica um elemento de vazio cuja temporalidade é o
“eterno presente”, ou o que Nishida chamou como
mencionado anteriormente de “a determinação presente
do presente” – e ao qual os eus conscientes pode
despertar (obviamente ao contrário das coisas materiais).
Na medida em que o mundo é feito de “origem
dependente”,
não
há
nada
que
justifique
uma
compreensão das coisas baseada no “ponto de vista
humano”. O surgimento incessante da existência ocorre
através daquilo que esvazia “o ponto de vista humano”.
75
A atitude relacional correlata que incorpora esse estado
de coisas é, como podemos esperar, “autonegação”,
seja em sua versão Zen ou Terra Pura (respectivamente
sabedoria e compaixão) – uma forma de amor kenótico
cristão do concreto aqui e agora .76
62
Agora Nishitani estava bem ciente de que alguém, em
algum lugar do Ocidente, jogou uma pedra no lago das
tradições de pensamento teocêntricas e antropocêntricas
ocidentais. Esse alguém, é claro, Nietzsche, cujo niilismo
Nishitani usa parcialmente como uma lente para revelar
sua crítica budista da modernidade ocidental. O ponto de
convergência no que diz respeito ao nosso interesse na
consciência histórica é a concepção budista de Nishitani
de “vazio temporal” como “presente eterno” através das
lentes da ideia de Nietzsche de “retorno eterno” como
“mesmice
de momento”, nenhum
dos quais
77
é
determinado por qualquer origem, teleologia, grande
narrativa, representação ou curso da história, e pelo qual
a
temporalidade
linear
passado-presente-futuro
se
rompe. O que Nishitani, no entanto, não subscreve, é a
“vontade” que decreta a temporalidade do “eterno
retorno”. Sem entrar em detalhes, Nishitani vê na
“vontade” uma forma remanescente de antropocentrismo
que simplesmente substituiu outras formas de vontade, a
vontade
teocêntrica
no
cristianismo,
a
vontade
logocêntrica na modernidade, que ele contrapõe à
compaixão budista que remove qualquer forma de
centrismo ao decretar o vazio temporal. 78Mais uma vez,
63
a autonegação atua como se fosse o ponto de vista do
vazio. Segue-se que a genuína consciência histórica só
pode se materializar a partir do ponto de vista do vazio,
cuja temporalidade é o “eterno presente”, ou seja, o
sempre recorrente aqui e agora que experimentamos
com a talidade das coisas. E o mais importante, Nishitani
(assim como Nishida para quem o autodespertar só
poderia ser realizado dentro do mundo histórico)
identifica uma relação diferencial e complementar entre
“tempo histórico” e “vazio” permitido pela sabedoria e
compaixão. O vazio é aqui pensado como um campo
que possibilita o tempo histórico, ou seja, quando sua
forma passa a ser identificada como um significado –
aqueles momentos de “solenidade” que Nishitani evoca
dependendo das tradições culturais, por exemplo, o
cristianismo do budismo.
79
O campo do vazio torna-se
assim “trans-histórico” (no sentido de “através”, não
“além”) e, longe de ser oposto e não relacionado com o
“histórico”,
é
concebido
como
uma
diferenciação
interpenetrante, recíproca, complementar, em outras
palavras, em termos não dualistas e dialéticos.
80
Essa
relação intersetiva e formativa mútua entre o histórico e o
transhistórico ecoa até certo ponto a descrição mais
64
recente de Nishida do mundo histórico, do qual o eu
consciente é uma parte inexorável e que é universal e
particular, externo e interno, transcendente e imanente,
mediado e imediato, objetivamente lá e eternamente
agora. Nishida, sem dúvida e pelo menos em seu último
período, abriu as portas para uma concepção de
consciência histórica que permanece fiel à nossa
natureza e condição existencial, ou seja, o fato de que o
despertar do eu só pode ocorrer, se assim posso dizer,
dentro de um campo feito de coisas identificadas como
pertencentes ao passado – um campo que por sua vez
só pode ser concebido do ponto de vista do eu que
desperta. Nishitani, no entanto, enfatizou o fundamento
da vacuidade e, portanto, o princípio da co-surgimento
dependente
para
desafiar
qualquer
forma
de
centramento, seja Deus, razão ou vontade quando se
trata de entender a consciência histórica, entre outros.
No entanto, a destruição das ilusões criadas por essas
formas de centramento – o que eu simplesmente
rotularia, no que diz respeito ao mundo ocidental, pósmodernismo – levou a um abismo niilista que, para
Nishitani, só pode ser enfrentado pelo ponto de vista de
65
a supostamente autêntica noção asiática de vazio. E é
aqui que gostaria de voltar a como comecei o ensaio.
66
O vazio dialógico e a
cosmovisão histórica
Tendo em mente a concepção de Nishida do mundo
histórico e a insistência de Nishitani na necessidade de
considerar o ponto de vista do vazio, podemos agora
começar a ver onde está o problema com a atitude
perceptiva na nova modernidade do aqui e agora.
Certamente existem semelhanças formais entre a
talidade perceptiva que a tecnologia atual induziu e a
concepção budista Mahayana da percepção das coisas
como tais. A diferença fundamental, no entanto, é que
esta
última
repousa
sobre
uma
concepção
de
esvaziamento relacional que torna possível o eu que
desperta e a coisa percebida. Quando traduzimos isso
em consciência histórica e coisas históricas, vemos que,
de acordo com Nishida, ambos constituem um mundo
67
histórico significativo, pois não existem coisas como
objetos históricos distintos mais do
que
talidade
perceptiva do eterno agora em si mesmo. Sendo ambos
componentes de uma realidade não dualista, eles são
complementares,
diferenciais
e
mutuamente
determinantes. A relação entre os dois, como enfatizou
Nishitani, é extática e, portanto, esvaziadora. As coisas
tornam-se históricas quando perturbam o pensamento
representacional ou narrativo para atrair nossa atenção –
quando nos falam como mencionei no início do ensaio. E
se aplicarmos este ponto de vista do esvaziamento às
épocas e à cultura, podemos entender porque Nishida e
Nishitani sugeriram uma dimensão recíproca na dinâmica
do
autodespertar.
Época,
culturas,
bem
como
comunidades, regiões, nações ou quaisquer entidades
que expressem uma consciência particular são eus que
despertam. Aquele que presencia o acontecer de tais
entidades, seu autodespertar, adota o ponto de vista do
vazio, ou talidade perceptiva – um acontecer só pode
ocorrer através da teia de entidades estabelecidas e
reconhecíveis, ou seja, a configuração histórica que
precisamente se encontra interrompida no decorrer dos
acontecimentos. Assim que o acontecimento da época
68
(ou qualquer outra entidade semelhante a si mesma)
com sua temporalidade imediata recebe um significado
dentro de uma configuração histórica ou grande narrativa,
é a historicidade (novamente no sentido de ocorrer
dentro de um espaço definido e tempo) que passa por
um processo de esvaziamento para se tornar um rastro
cuja forma é determinada pelo mundo conhecido e
conhecedor ao redor. Essa dinâmica relacional é a
condição natural para um mundo significativo e tomar
consciência disso é, de uma perspectiva budista, tornarse “iluminado”. Quando mencionei no início do ensaio
que a nova modernidade do aqui e agora não fornecia
um ambiente favorável para se manter atento à condição
relacional da existência, era isso que eu queria dizer.
Quando a tecnologia e a globalização continuamente nos
fazem experimentar o eterno agora da talidade das
coisas separadas de sua relação com uma realidade
conhecida, objetiva ou referencial – apesar de sua
necessidade vital de excentrar e desaprender tal
realidade – não somos mais experimentando o vazio
criativo, mas sim o nada que não é apenas desprovido
de significado, mas também desprovido de possibilidade
de significado. Tal é a talidade perceptiva da nova
69
modernidade do aqui e agora. O desequilíbrio criado
entre a temporalidade do eterno agora e a do mundo
conhecido e conhecedor é um assunto muito sério.
Tenho
insinuado
a
dimensão
niilista
da
talidade
perceptiva das coisas na nova modernidade do aqui e
agora principalmente de um ponto de vista culturalexistencial. No entanto, os efeitos de não ver a
necessidade de tal equilíbrio, que eu chamaria de vazio
dialógico, também podem ter consequências políticas
dramaticamente destrutivas. A defesa de Nishida e
Nishitani para restabelecer esse equilíbrio superando a
modernidade ocidental e seu esmagador impulso quasicolonizador para a razão objetiva e reafirmando o ponto
de vista asiático do vazio que torna possível o
autodespertar, tem sido surpreendentemente associado
ao imperialismo militarista japonês até o mundo. Guerra
II. Da mesma forma, e concluirei com esta observação,
um desequilíbrio em favor dos mundos que impõe
narrativas históricas ou cursos da história ao despertar
do eu aqui e agora, pode ser a fonte de ameaça, coerção
e, eventualmente, guerra. Entre outros, a situação atual
de Taiwan como um despertar histórico, cultural e
político é um exemplo. O equilíbrio de que estou falando
70
é de fato encontrado em uma visão de mundo histórica
que permite o vazio dialógico, ou melhor, o vazio
dialógico, já que estamos falando de atitudes relacionais.
71
Referências
1
Ver Henri Bergson, Essai sur les données immédiates de la awareness
(Paris: Presses Universitaires de France, 2007 [1889]), em particular o
Capítulo II, « De la multiplicité de l'état de awareness. L'idée de durée » : «
La durée toute pure é a forma que prend la sucessão de nossos estados de
consciência quand notre moi se laisse vivre, quand il s'abstient d' établir
une separation between l'état presente e estado antérieurs » 74-75. “A
duração pura é a forma que assume a sucessão de nossos estados
conscientes quando nosso ego se deixa viver, quando se abstém de
separar seu estado atual de seus estados anteriores.”Trans. FL Pogson,
Time and Free Will (Londres: George Allen & Unwin LTD, 1910), 100.
2
Ver Martin Heidegger, Der Hinweis [ A pista ] [1949], Gesamtausgabe,
Band 79, Bremer und Freiburger Vorträge (Frankfurt am Main: Vittorio
Klostermann, 1994): „Alle Entfernungen in der Zeit und im Raum
schrumpfen ein... Allein, das hastige Beseitigen aller Entfernungen bringt
keine Nähe; denn Nähe besteht nicht im geringen Maß der Entfernung.
Was streckenmäßig in der geringsten Entfernung zu uns steht, durch das
72
Bild im Film, durch den Ton im Funk, kann uns fern bleiben. Was
streckenmäßig unübersehbar weit entfernt ist, kann uns nahe sein. Kleine
Entfernung ist nicht schon Nähe. Große Entfernung ist noch nicht Ferne.”3.
Trans. Albert Hofstadter, “The Thing”, em Poetry, Language, Thought
(Nova York: Harper & Row, 1971): “Todas as distâncias no tempo e no
espaço estão diminuindo.... No entanto, a abolição frenética de todas as
distâncias não traz proximidade; pois a proximidade não consiste na falta
de distância. O que está menos distante de nós em termos de distância,
em virtude de sua imagem no filme ou de seu som no rádio, pode
permanecer longe de nós. O que está incalculavelmente longe de nós em
questão de distância pode estar perto de nós. A curta distância não é em si
proximidade. Tampouco grandes distâncias são distâncias.”165.
3
Ver Martin Heidegger, „Die Frage nach der Technik”[1953] em Vorträge
und Aufsätze ( Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2000), 5-36:
„Überall bleiben wir unfrei an die Technik gekettet, ob wir sie
leidenschaftlich bejahen oder verneinen. Am ärgsten sind wir jedoch der
Technik ausgeliefert, wenn wir sie als etwas Neutrales betrachten; denn
diese Vorstellung, der man heute besonders gern huldigt, macht uns
vollends blind gegen das Wesen der Technik. “7; „Die Herrschaft des
Gestells droht mit der Möglichkeit , daß dem Menschen versagt sein
könnte , in ein ursprünglicheres Entbergen einzukehren und so den Zu
spruch einer anfänglicheren Wahrheit zu erfahren. So ist denn, wo das Gestell herrscht, im höchsten Sinne Ge fahr. “29. Trad. William Lovitt , The
73
Question Concerning Technology and Other Essays (Nova York e Londres:
Garland Publishing, 1977): “Em todos os lugares, permanecemos sem
liberdade e acorrentados à tecnologia, quer a afirmemos ou neguemos
apaixonadamente. Mas somos entregues a ela da pior maneira possível
quando a consideramos como algo neutro; pois esta concepção dela, à
qual hoje particularmente gostamos de homenagear, nos torna totalmente
cegos para a essência da tecnologia.”4. “A regra do Enframing ameaça o
homem com a possibilidade de que lhe seja negado entrar em uma
revelação mais original e, portanto, experimentar o chamado de uma
verdade mais primordial. Assim, onde o Enframing reina, há perigo no
sentido mais elevado.”28.
4
Esta passagem é um desenvolvimento adicional de Gerald Cipriani, “The
Ethics of Relation in the New Modernity of Digital Art and Culture”, no
International Journal of Cultural Research, São Petersburgo, Rússia, 3, 44
(2021): 7.
5
Heidegger, “A Coisa“, 166; „Der Hinweiss“: „ Alles wird in das gleichförmig
Abstandlose zusammengeschwemmt.”4.
6
Entre o incontáveis evocações de “talidade “no história de Budismo , ver
para exemplo o ditado do mestre Chan Yunyan Tansheng (雲巖曇晟, 781 841) quando respondendo para dele estudante Dongshan Liangjie (洞山良
价, 807-869): “'Mais tarde, se me perguntarem para descrever seu
realidade , como devo responder? ' Depois de uma pausa, Yunyan disse:
'Apenas é isso.' “Citado por Dan Leighton Taigen em “Dongshan and the
74
Teaching of Suchness,”in Zen Masters , eds. Dale Wright (Oxford: Oxford
University Press, 2010), veja, por exemplo, Guang Xing, “Tathatā: “The
Creation of the Doctrinal Foundation for Mahāyāna Buddhism”, Journal of
Buddhism Philosophy, Volume 4 (2018): 121-138.
7
Ver Peter Feldmeier, “Vazio, Bodhisattvas e Meister Eckhart,”Estudos
Budistas-Cristãos , 38 (2018): 187-202.
8
西谷啓治 [Nishitani Keiji], 「Zen não tachib a 禅の立場」 [O ponto de
vista do Zen], 「 Kōza zen 講座禅」 [palestras Zen] (Tóquio: Chikuma
Shobo, 1967 ) Mais informações Mais informações 場であり、それが般
若 の 智 と 呼 ば れ る の で あ る 。 」 ; Trans. John C. Maraldo, “The
Standpoint of Zen, ”The Eastern Buddhism , 17, 1 (Primavera de 1984): “Ao
contrário, é o ponto de vista da unidade da mente e das coisas. Aqui todas
as coisas deixam de ser o mundo dos objetos contra a mente discriminativa
e manifestam sua verdadeira forma no campo do vazio absoluto. Todas as
coisas que manifestam sua verdadeira forma nada mais são do que
conhecimento não discriminatório. Este então é o ponto de vista da grande
sabedoria da unidade das coisas e da mente, a sabedoria que é prajna.“
20).
9
Ibid., 19; 「主観と客観、自己と外界」, 23. Veja também ibid., 21:識別
し、また自己自身を諸物から識別する。そこに自っと外界、主 観と
客観が分たれ、人間はその主観の自己中心的な視座から客体の世界
をる。 」 ; “Por meio desse intelecto, o homem distingue claramente uma
coisa da outra, e a si mesmo de todas as outras coisas. O eu e o mundo
75
externo, sujeito e objeto, estão divididos, e o homem vê o mundo dos
objetos do ponto de vista autocentrado do sujeito.”16-17.
10
Ver John WM Krummel, “Nishitani Keiji: Nihilism, Buddhism, Anontology”
em The Dao Companion to Japanese Buddhism Philosophy , ed. Gereon
Kopf (Dordrecht, NL: Springer Nature BV, 2019). Krummel traça o
desenvolvimento tríplice de Nishitani “do campo do ser/consciência, para
o campo da nihilidade e, finalmente, o campo do vazio”para a “dialética
Mahāyāna do 'caminho do meio', especialmente sua articulação de acordo
com a doutrina Tendai dos três verdades”. Ibid., 671. Para um estudo
sobre a mudança de Nishitani do campo do “nada” para o do “vazio”em
seu Religion and Nothingness (originalmente 「 Shukyo to wa nani ka 宗教
とは何か」 [lit. O que é religião?, 1961]) , ver Yasuo Deguchi , “Nishitani
on Emptiness and Nothingness,”em Nothingness in Asian Philosophy , eds.
Jee Loo Liu e Douglas L. Berger (Nova York e Londres: Routledge, 2014),
299-325.
11
Sobre “talidade” Nishitani escreve em Religião e Nada: “… tanto o sujeito
quanto a maneira pela qual as 'coisas' aparecem como objetos de apego
são esvaziados. Tudo agora está verdadeiramente vazio, e isso significa que
todas as coisas se apresentam aqui e agora, tal como são, em sua realidade
original. Eles se apresentam em sua talidade, sua tathatha.”Nishitani
qualifica a experiência perceptiva correlativa como “desapego “e,
portanto, “verdadeira liberdade”. 34 (“O que é religião? “, 「 Shukyo to wa
nani ka 宗教とは何か」). Referindo-se ao poeta haicai Matsuo Basho (松
76
尾芭蕉, 1644-16940), Nishitani escreve: “Ele quer que entremos no modo
de ser onde o pinheiro é o próprio pinheiro, e o bambu é o próprio bambu,
e de onde olhar o pinheiro e o bambu. Ele nos chama para nos dirigirmos à
dimensão onde as coisas se manifestam em sua natureza, para nos
sintonizarmos com a individualidade do pinheiro e a individualidade do
bambu.”128. (“O ponto de vista de Sunyata,”「 Ku no tachiba 空の立場」.
12
Em L'Œil et l'esprit ( Paris: Gallimard, 1960), 6, Maurice Merleau-Ponty
evoca o corpo como parte do “tecido do mundo”( le tissu du monde “): «
Visible et mobile, mon corps est au nombre des chooses, il est l'une d'elles,
il est pris dans le tissu du monde et sa cohésion est celle d'une choose.
Mais, puisqu'il voit et se meut, il tient les chooses en cercle autour de soi,
elles sont une annexe or un prolongement de lui-même, elles sont
incrustées dans sa chair, elles font partie de sa definition pleine et le monde
est fait de l'étoffe même du corps. » ; Trans. Carleton Dallery, “Eye and
Mind”, em The Merleau-Ponty Aesthetics Reader (Evanston, Illinois:
Northwestern University Press, 1993): “Visível e móvel, meu corpo é uma
coisa entre as coisas; é um deles. Está preso no tecido do mundo, e sua
coesão é a de uma coisa. Mas porque ele se move e vê, ele mantém as
coisas em um círculo ao seu redor. As coisas são um anexo ou
prolongamento de [meu corpo]; estão incrustados em sua carne, fazem
parte de sua definição plena; o mundo é feito da própria matéria do
corpo.”Ibid., 124-125.
77
13
Em sua discussão sobre a natureza da alaya -consciência, uma das oito
formas de consciência no Yogacara Mahayana, Nishitani enfatiza a
dimensão relacional do eu: “nosso modo egoísta de ser não é visto dentro
de uma estrutura imutável como o conceito ocidental de pessoa, mas sim
como tendo raízes ocultas fora dessa estrutura e surgindo apenas em
conexão com tais raízes”. Nishitani Keiji, “O Ponto de Vista do Zen,”ed. e
trans. John C. Maraldo, The Eastern Buddhism, 17, 1 (1984): 19. O texto
original diz:における人格概念の場合禅の」 , 「 Zen não tachib a 禅の立
場」 (Tóquio: Chikuma Shobo , 1967), 22-23.
14
Francis Fukuyama, The End of History and the Last Man (Nova York: The
Free Press, 1992), 211-212: “No fim da história, não restam concorrentes
ideológicos sérios para a democracia liberal. No passado, as pessoas
rejeitavam a democracia liberal porque acreditavam que ela era inferior à
monarquia, aristocracia, teocracia, fascismo, totalitarismo comunista ou
qualquer outra ideologia em que acreditassem. consenso que aceita as
reivindicações da democracia liberal de ser a forma mais racional de
governo, isto é, o estado que realiza mais plenamente o desejo racional ou
o reconhecimento racional”.
15
Por exemplo, sobre os usos e desvantagens da história para a vida
(1874), de Friedrich Nietzsche; Ser e Tempo de Martin Heidegger (1927); O
Ser e o Nada de Sartre (1943).
16
Veja, por exemplo, Tatsuya Higaki, Nishida Kitarō's Philosophy of Life,
trad. Jimmy Aames (Milão: Mimesis International, 2020); Robert E. Carter,
78
The Nothingness Beyond God: An Introduction to the Philosophy of Nishida
Kitarō (St. Paul, Minn.: Paragon House (1998); Jacynthe Tremblay,
Introduction à la philosophie de Nishida (Paris: L'Harmattan , 2007); Por
Agustin Jacinto Zavala, ver Filosofia de la transformacion del mundo:
Introdução à filosofia tardia de Nishida Kitaro (Michoacán: El Colegio de
Michoacán, 1989); La losofía social de Nishida Kitarō , 1935-1945
(Michoacán: El Colegio de Michoacán, 1994); tradição e mundo histórico na
filosofia de Nishida Kitarō (Michoacán: El Colegio de Michoacán, 2004).
17
Nishida Kitaro , 「善の研究」 [ Zen no kenkyu , Uma investigação sobre
o bem, 1911] & 「思索と経験」 [ Shizaku to keiken , Pensamento e
experiência, 1915], em 「西田幾多郎全集」[ Nishida Kitaro zenshu (NKZ),
Trabalhos completos de Nishida Kitaro ], 19 vols. (Tóquio: Iwanami Shoten ,
1965), NKZ 1.
18
Sobre a relação entre Nishida e DT Suzuki, veja “My Friend Nishida Kitarō,
”por DT Suzuki e WS Yokoyama, The Eastern Buddhism , 28, 2 (Outono de
1995): 225-230.
19
A noção de jikaku (自覚) começou a ser desenvolvida em 自覚に於ける
直観と反省 [Jikaku ni okeru chokkan para hansei Intuição e reflexão no
autodespertar, NKZ 2, 1917].
20
‘Eu ofereço’.
21
Nishida, 「 意 識 の 問 題 」 [ Ishiki no mondai, The Problem of
Consciousness, 1920] e 「芸術と道徳」[ Geijutsu to dotoku , Art and
Morality , 1923], NKZ 3.
79
22
Nishida, 「場所」[ Basho , Place] in 「働くものから見るものへ」[
Hataraku mono kara miru mono he , Da atuação à visão, 1927), NKZ 4.
23
Nishida, 「場所的論理と宗教的世界観」[ Basoteki ronri to shukyoteki
sekai kan , The Logic of Basho and the Religious Worldview, 1945], NKZ 11.
24
Como Nishida tem o cuidado de esclarecer em “Logic and Life”「論理と
生命」 [ Ronri to semei , 1936], em Place and Dialectic: Two Essays by
Nishida Kitaro , trad. John WM Krummel e Shigenori Nagatomo (Oxford:
Oxford University Press, 2012), 103-174 : “Nosso eu é auto-[despertar]
porque é um elemento criativo no mundo criativo.”Ibid. 138; e: “Nosso
verdadeiro auto[despertar] não envolve consciência. O verdadeiro
auto[despertar] está onde há criatividade.”Ibid. 139. (Tradução de jikaku
自覚 modificado). O texto original diz: 「我々の自己は、創造的世界の
創造的要素なるが故に自覚的なのである。...我々 の真の自覚は意識
的ではない。創造的なる所に、真の自覚があるのである。 」 「西田
幾多郎哲学論集 II 」[ Nishida Kitaro , ensaios filosóficos II] (Tóquio:
Iwanami Shoten , 2019), 237. Também em:西田幾多郎, 「論理と生命」,
「哲学論文集」[ Ensaios filosóficos reunidos] (1935 -1939 ) , NKZ 8.
25
Nishida Kitaro, “Place” 「 場 所 」 (Basho , 1927): “Enquanto a
epistemologia, a partir da ideia da oposição sujeito-objeto, concebeu
previamente o conhecimento como a composição da matéria pela forma,
eu gostaria, ao invés disso, de começar a ideia de auto-[despertar] em que
o eu se espelha por dentro. Acho que o significado fundamental da
cognição é que o eu se espelha dentro de si mesmo. De conhecer o interior
80
de si, equivale a conhecer as coisas fora de si. Aquilo que é dado ao eu
deve primeiro ser dado dentro do eu”. Trans. Krummel e Nagatomo,
“Basho,”in Place and Dialectic , 54. (Tradução de jikaku 自覚 modificado).
O texto original diz: 「従来の認識論が主客対立の考から出立し、知る
とは形式によって質料を構成することである と考える代りに、私は
自己の中に自己を映すという自覚の考から Mais informações と思う。
自分の内を知るということから、自分の外のものを知るということ
に Mais informações ばならぬ。」「場所」「西田幾多郎哲学論集 I」
[Nishida Kitaro , ensaios filosóficos I ] ( Iwanami Shoten : Tokyo, 2019), 74.
Também em 「場所」「働くものから見るものへ」[Hataraku mono
kara miru mono he , From the acting to the s eing ] ( 1927), NKZ 4.
26
Ibid.; veja também a formulação chave: “o eu vê a si mesmo em si
mesmo”( jiko ga jiko ni oite jiko wo miru 自己が自己に於て自己を見る),
NKZ 5, 427.
27
O que se segue é uma explicação e discussão de aspectos selecionados
do pensamento de Nishida sobre a história e seu desenvolvimento ao
longo de sua obra, em parte conforme exposto por Woo-Sung Huh (“The
Philosophy of History in the 'Later' Nishida: A Philosophic Turn,”Philosophy
East e West , 40, 3 (1990): 343-374) e em relação à reflexão posterior
sobre a possibilidade de desenvolver uma cosmovisão histórica que nos
desperte para a condição relacional da existência. O ensaio de Huh é
inestimável pela visão geral que fornece sobre a compreensão filosófica da
história de Nishida, mais do que pelo argumento de alguma forma
81
subdesenvolvido no final que questiona a validade do esforço de Nishida
para compreender “fenômenos não conscientes”, como o mundo histórico,
como formas de “autodespertar”lançando assim dúvidas sobre a mudança
que ocorreu através de sua filosofia da história. Pode-se simplesmente
interpretar a mudança filosófica de Nishida como uma forma de abordar
sua crescente preocupação com a dimensão inicial excessivamente noética
de sua filosofia. Para um contra-argumento para Huh, veja Elizabeth
McManaman Grosz, “Nishida and the Historical World: An Examination of
Active Intuition, the Body, and Time, ”Comparative and Continental
Philosophy , 6, 2 (2014): 143-157.
28
Nishida, NKZ 5, 400-401, citado em Huh, “The Philosophy of History in the
'Later' Nishida ,”8. No ensaio de Nishida 「 一 般 者 の 自 己 限 定 」
[ Ippansha no jiko gentei , universal] (1929), NKZ 5, 353-417.
29
Veja Huh, “The Philosophy of History in the 'Later' Nishida,”3, e Nishida
「自覚について」 [ Jikaku ni tsuite , Concerning self-wakening] (1941),
NKZ 10 (477–564), 515.
30
Nishida, “Lógica e Vida”, trad. Krummel e Nagatomo, 123. O texto
original diz: 「...我々は絶対否定の肯定の世界の自己限定として、創
造せ Mais detalhes ある。 」 「論理と生命」, 211.
31
“O que chamei de atividade de formar é frequentemente considerado o
mesmo que a atividade de criação artística. A atividade de criação artística
é também uma espécie de atividade histórica de formação. Mas não é mais
do que um tipo particular de atividade formadora histórica. A atividade
82
histórica de formação deve ser diferenciada da geração meramente
natural. Seu ponto de vista é precisamente oposto. Na atividade histórica
não há continuidade meramente dada. A geração natural não está
formando atividade. O feito é o que foi superado; é uma coisa morta.
Portanto, não se pode falar em mover-se para o fazer. Aí, nem
espacialmente nem – quase não é preciso dizer – temporalmente há
continuidade. Na medida em que se possa pensar assim, não se está
pensando na formação histórica. É por isso que digo que nada é
simplesmente dado na história; o dado, eu sustento, é algo feito. O
movimento do feito ao fazer é necessariamente a continuidade da
interrupção ou ruptura absoluta”. “Ser Humano”, trad. William Haver,
Ontologia da Produção – 3 Ensaios (Durham e Londres: Duke University
Press, 2012), 145-146. O texto original diz: しかしそれでは作るという意
義はない。私の形成作用 ということは、しばしば芸術的創造作用と
同一視せられる。芸術的創造作用も歴史的形成作用の一種ではある。
しかしそれはその特殊 Mais informações 区別.られた連続という Mais
informações のは過ぎ去ったものである、死んだものである .る。
Mais informações Mais informações れたものという Mais informações
るものへというのは、絶対断絶の連続でなければならない。In 「人
間的存在」 [ Ningenteki sonzai , Ser humano] 「西田幾多郎哲学論集 II 」
(1938), 341-342.
32
Veja Huh que identifica seis ensaios publicados em 1931 mostrando a
mudança no pensamento de Nishida sobre a história: 「歴史」 [ Rekishi,
83
História] (1931), NKZ 12, 31-63; 「私の絶対無の自覚的限定というもの」
[ Watashi no zettai mu no jikakuteki gentei to iu mono , O que chamo de
autodeterminação [desperta] do nada absoluto] (tradução modificada)
(1931), NKZ 6, 117- 180; 「私の立場から見たヘーゲルの弁証法」
[ Watashi no tachiba kara mita Hegeru no benshoho , a dialética de Hegel
sob minha perspectiva) (1931), NKZ 12, 64-84; 「永遠の今の自己限定」
[ Eien no ima no jiko gentei , [A] autodeterminação do [o] eterno agora]
(tradução modificada) (1931), NKZ 6, 181-232; 「時間的なるもの及び非
時間的なるもの」 [ Jikanteki naru mono hijikanteki naru mono , O
temporal e o atemporal] (1931), NKZ 6, 233-259; e 「ゲーテの背景」
( Gete no Heikei , antecedentes de Goethe) (1931), NKZ 12, 149. Veja Huh,
“The Philosophy of History in the 'Later' Nishida ,”nota final 17, 370.
33
Nishida, 絶対矛盾的自己同一 [ Zettai mujunteki jiko do itsu , absoluta
auto-identidade contraditória] (1939, NKZ 9, 147-222 ), traduzido como
“The Unity of Opposites”por Robert Schinzinger em Intelligibility and the
Philosophy of Nothingness (Honolulu: East-West Center Press, 1966), 188;
Veja
também
«L'auto-identité
absolument
contradictoire»,
trad.
Jacynthe Tremblay, em Nishida Kitarô , L'Éveil à soi (Paris: CNRS Éditions,
2003).
34
Veja Jacynthe Tremblay, que toma o exemplo do “indivíduo” (kobutsu 個
物) e do “meio” (kankyo 環境) para explicar a relação reciprocamente
autoformada entre os dois, em L'éveil à soi , 15.
84
35
“'Later’ Nishida” 359, aponta para o argumento de Nishida contra Dilthey
em As noções de Dilthey de “regularidade” (Regelmäßigkeit) e “coerência”
(Zusammenhang) como chaves para alcançar o conhecimento “próprio”,
ou seja, “para o conhecimento do essencial e necessário” (zur Erkenntnis
des Wesenhaften und Notwendigen) vem da Introdução (Einleitung) de seu
Das Wesen der Philosophie [A essência da filosofia] (Hamburgo: Felix
Meiner Verlag, 1984), 6.
36
Ver Nishida Kitaro, 「永遠の今の自己限定」 [Eien no ima no jiko
gentei , A autodeterminação do eterno agora, 1931], em 「無の自覚的限
定」 [ Mu no jikakuteki gentei , A determinação do nada conforme autodespertar] , NKZ 6, 181-232.
37
Ao lado de seu ensaio “The Historical Body”( rekishiteki shintai 歴史的身
体, 1937) em Sourcebook for Modern Japanese Philosophy , trad. & ed.
David Dilworth, Valdo Viglielmo e Agustin Jacinto Zavala (Westport, CT:
Greenwood Press, 1998), 37-53, Nishida também discute questões do
“corpo histórico”em relação à filosofia de Descartes, em 「デカルト哲学
について」 [ Dekaruto tetsugaku ni tsuite , Sobre a filosofia de Descartes,
1944), NKZ 11, 147-188. Ao contrário de Descartes, Nishida concebe nosso
“verdadeiro eu”como um “corpo histórico”, pois é um “corpo prático”. O
mesmo se aplica ao “pensamento”; nós “autodespertamos”criando onde
somos criados. Ibid., 169. Ver Jacynthe Tremblay's tradução crítica e
comentada « À propos de la philosophie de Descartes », L'Éveil à soi (Paris:
CNRS Éditions, 2003), 266. Ou, em 為 的 直 観 の立 場[ Koiteki chokkan no
85
tachiba , O ponto de vista da intuição ativa] (1935), NKZ 7: “Nossos corpos
são necessariamente histórico. Nossos corpos se constituem como
autodeterminação do mundo histórico absolutamente dialético, e
possuem as características de sua determinação singular. O que se chama
vida constitui-se como a afirmação da negação absoluta. Essa é a atividade
formadora do mundo histórico”. 117-118. Trans. William Haver, Ontologia
da Produção.
38
Nishida, “História” citado em Huh, “The Philosophy of History in the
'Later' Nishida,” 356: “Como a determinação temporal é vista da
perspectiva da determinação do presente do presente, então cada época é
a absoluta , a partir do qual toda a nossa vida é vista e determinada”. NKZ
12, 50. O texto original em japonês diz: そして現在が現在自身を限定す
るということから時の限定が考 えられる如く、その時代、その時代
が絶対としてそこから全人生というものが見られ、限定せら れ行く
の で あ る 。 「 歴 史 」 [Rekishi, História], 「 続 思 索 と 体 験 」
[Pensamento e experiência, continuação] (Tóquio: Iwanami Shoten , 2020
[1931]), 59.
39
Huh, “'Later' Nishida,” 353-356.
40
Ver Katherina Kinzel em “Método e Significado: Ranke e Droysen sobre
o Ethos Disciplinar do Historiador”, História e Teoria – Estudos em Filosofia
da História (março de 2020). https://doi.org/10.1111/hith.12144 : “Ranke
afirma que 'toda época é imediata para Deus, e seu valor não consiste no
que emerge dela, mas em sua própria existência, seu próprio eu próprio.
86
Portanto, a contemplação da história e das vidas individuais na história
recebe um deleite único, uma vez que cada época deve ser considerada
válida em si mesma, totalmente merecedora de tal respeito.'
Crucialmente, o historiador pode chegar a um relato adequado das épocas
históricas e seu conteúdo espiritual – a força interna que conecta e
distingue as épocas históricas – somente se proceder de forma imparcial.
41
Nishida, “The Unity of Opposites” in Intelligibility and the Philosophy of
Nothingness, 240.
42
Huh aponta para a qualificação posterior de Nishida de sua compreensão
da fundação do “mundo histórico”como sendo “abstrato”. “'Later' Nishida”,
356.
43
Nishida elabora o conceito de “eterno agora” em seu ensaio 「永遠の今
の自己限定」 ( Eien no ima no jiko gentei , A autodeterminação do eterno
agora, 1931), NKZ 6. O eterno agora é uma pedra angular a partir da qual
Nishida articula concepções de “eu”( jiko 自己) , “presente”( genzai 現在) ,
“história”( rekishi 歴史) e “tu”( nanji 汝). A temporalidade do “eterno
agoraӎ uma circularidade que engloba passado, presente e futuro.
Jacynthe Tremblay fornece uma tradução intitulada « L'Autodétermination
du maintenant éternel » [ Eien no ima no jiko gentei 永遠の今の自己限定]
(1931), NKZ 6,181-232 , em Laval théologique et philosophique , 64, 2
( junho de 2008): 245-276.
44
Nishida qualifica “continuidade descontínua” por exemplo em relação à
“memória”( kiokuteki toitsu 記 憶 的 統 一 ): “Podemos encontrar o
87
significado de continuidade descontínua na memória; até certo ponto,
quanto mais disjuntas são as coisas, mais a memória as faz integrar...”(“A
autodeterminação do eterno agora”); 「記憶に於て は非連続的の連続
の意義がなければならない、分離的であればある程、記憶的に統一
せられて居るということができる...。 」,「永遠の今の自己限定」,
NKZ 6, 219. (Tradução própria)
45
Em “Human Being”, por exemplo, Nishida define “o eterno agora” como
“auto-identidade contraditória absoluta” por meio da qual “o presente
determina o próprio presente”: “O que eu chamo de eterno agora que se
determina é aquele eu contraditório absoluto-identidade. É porque o
presente determina o próprio presente que o tempo passa a existir”. 145,
trad. William Haver, Ontologia da Produção. NKZ IX, pág. 9-68). O texto
original diz: 「私が自己自身を限定す Mais informações 定することか
ら、時が成立するという所以である。 Ningenteki sonzai, Ser humano]
「西田幾多郎哲学論集 I I 」( 1938) [Nishida Kitaro , ensaios filosóficos II]
(Tóquio: Iwanami Shoten , 2019), 340.
46
Nas palavras de Nishida: “Considero o eu como a autodeterminação
momentânea
do
presente
absoluto.
Portanto,
somos
existência
contraditória. Refletimos o mundo dentro de nós mesmos e, no entanto,
temos nossa individualidade no outro absoluto. Nascemos para morrer e
morremos para nascer. O momento desaparece para sempre e, no entanto,
para sempre surge. O momento é eterno. O mundo do presente absoluto é
como uma esfera infinita que não tem circunferência e cujo centro está em
88
toda parte”. Trans. YUSA Michiko “A lógica de ' topos ' e a visão de mundo
religiosa”, o budista oriental , 19, 2 (outono de 1986): 6. O texto original diz:
「私 が 我々 我々 の 自己 を 、 絶対 現在 の 的 的 自己 自己 の の 自
己 を 、 絶対 現在 の 的 自己 自己 限定という所以である。故に我々
の自己は、自己矛盾的存在である。世界を自己に映すととも Mais
informações 瞬間は永遠に消え行くものしかなるとともに、永遠に生
れるもの、即ち瞬間は永遠である。而して絶対現在の世界は、周辺
ないたき無限大の球として'到る所が中心となるのである。 」「場所
的論理と宗教的世界観」 [Basoteki ronri para shilkyoteki sekaikan, A
lógica do basho e a cosmovisão religiosa] (1945) 「西田幾多郎哲学論集
皿」 [Nishida Kitaro, ensaios filosóficos III] (Tóquio: Iwanami Shoten, 2019),
307. Veja também sobre o contraditório “permanente” e caracterização
“impermanente”
da
temporalidade
David
Loy's
“The
Mahāyāna
Deconstruction of Time,”Philosophy East and West , 36, 1 (Jan. 1986):13-23.
47
Veja, principalmente, a interpretação radical de Pierre Lavelle da
dimensão política da filosofia de Nishida em “The Political Thought of
Nishida Kitarō ,”Monumenta Nipponica , 49, 2 (1994):139-165; ou “Nishida
Kitaro , l'école de Kyoto et l'ultra-nationalisme ,”Revue philosophique de
louvain 92, 4 (1994): 430-458; para avaliações mais equilibradas, veja
Graham Parkes, “The Putative Fascism of the Kyoto School and the Political
Correctness of the Modern Academy”, Philosophy East and West , 47, 3 (jul.
1997): 305-33; Christopher S. Goto-Jones, Filosofia Política no Japão:
Nishida, a Escola de Kyoto e a Co-Prosperidade (Londres: Routledge, 2005).
89
48
Ver em particular, Nishida Kitaro, “The Principle of the New World
Order ,”trads. Yoko Arisaka, em Monumenta Nipponica, 51, 1 (1996): 100105; 「世界新秩序の原理」 [ Sekai shin chitsujo no genri ] (1943), NKZ XII,
426-434. “O Problema da Cultura Japonesa” em Sources of Japanese
Tradition, Vol.II, ed. W. T. de Bary (Nova York: Columbia University Press,
1958), 350-365; versão completa: La culture japonaise en question, trad.
Pierre Lavelle (Paris: Publications Orientales de France, 1991); 「日本文化
の問題」 [ Nihon bunka no mondai, O problema da cultura japonesa)
(Tóquio: Iwanami shoten, 1940), NKZ XII, 275-394.
49
Ver Andrew Feenberg , “The Problem of Modernity in the Philosophy of
Nishida,”in Rude Awakenings, Zen, the Kyoto School, & the Question of
Nationalism , eds. James W. Heisig e John C. Maraldo (University of Hawai'i
Press Honolulu, 1995), 151-173.
50
A lógica da auto-identidade contraditória absoluta conota a “Lógica de
Sokuhi” ou a “Lógica de Prajnaparamita” como, por exemplo, exposta por
Michiko Yusa em “DT Suzuki e a 'Lógica de Sokuhi ', ou a 'Lógica de
Prajñāpāramitā', em The Dao Companion to Japanese Buddhism
Philosophy, ed. Gereon Kopf (Dordrecht: Springer, 2019), 589-616. Citando
DT Suzuki: “Dizer “A é A”é dizer “A não é A”. Portanto, “A é A”. Isso
significa que a afirmação é negação, assim como a negação é
afirmação....Assim, no prajñāpāramitā pensamento, afirmações são feitas
como 'uma montanha não é uma montanha, um rio não é um rio e,
portanto, uma montanha é uma montanha, um rio é um rio.'“, 589. A
90
lógica pode ser vista no trabalho no seguinte passagem do “Ser
Humano”de Nishida, em relação às mediações “internas”e “externas”que
compõem “o mundo dialético”: “O passado é o passado porque nega
totalmente o futuro; o futuro é futuro porque nega totalmente o passado.
O tempo é constituído como tal auto-identidade contraditória. Dizer que o
que é dado como passado (isto é, o que nos nega como mediação externa)
é dado como aquilo que deve gerar o futuro a partir da negação de si
mesmo, é dizer que ele é dado como aquilo que é ser visto na atividade
expressiva (no espaço histórico da copresença simultânea do passado e do
futuro). No mundo dialético, que é mediação externa enquanto mediação
interna na forma de auto-identidade contraditória, a coisa é vista em
atividade expressiva; a coisa medeia o próprio eu na atividade expressiva”.
166, trad. Willian Haver. O texto original é o seguinte: 「過去は何処まで
も未来を否定することに よって過去であり、未来は何処までも過去
を 否 定 す る こ と に よ っ て 未 来 で あ る , 。 か か る 矛 盾 的 Mais
informações のが)、自己自身を否定することによって未来を生むべ
く与えら れるということは、表現作用的に見らるべきものとして与
えられるということである (過去と未来との同時存在的な歴史的空間
において)。矛盾的自己同一的に外的媒介即内的媒介たる弁証法的世
界においては、物は表現作用的に見られ、物は表現作用的に自己自
身を媒介する。」「人間的存在」 , 372.
51
Em sua “Lógica e Vida” Nishida escreve: “Fazemos coisas com
ferramentas. Mas dentro deste mundo as coisas são independentes e nos
91
determinam. E nós somos [assim] coisas feitas deste mundo também.
Colocados no mundo histórico, criamos coisas. Mas também fomos criados
a partir do mundo histórico. [E] isso significa que o mundo se determina e
que vemos as coisas. Nesse sentido de que estamos inseridos no mundo e
que somos envolvidos pelo mundo, o mundo é em função da lógica da
objetivação. O universal da lógica da objetivação tenta nos envolver
completamente como coisas. É à luz desse [fato] que nós, como universais,
vemos as coisas. Por outro lado, a lógica formal refere-se à lógica do
mundo dos nomes. Isso não significa, entretanto, que a lógica formal seja,
por isso, meramente subjetiva. No mundo da realidade histórica, as coisas
possuem nomes. Não há como ver as coisas apenas por meio disso, e elas
teriam apenas significado instrumental. Ver não implica mera passividade.
É sempre agindo que vemos as coisas. Caso contrário, seriam apenas algo
como imagens mentais”. Trans. Krummel e Nagatomo, 133. O texto
original é o seguinte: であり、また我々を 限定するものである。我々
もまたこの世界から造られ た である。 我々 は 歴史 的 において物を
する 、 しかし しかし 我々 また また 歴史 世界 から 創造 せ られ た
もの である。 それ が 世界 が 世 自身 を する もの と いう が が 世界
が 世 自身 自身 を する する と こと が が 世界 世界 世界 が 界 自身
を する する と こと が が 々 世界 世界 世界 が 界 自身 を する する
と こと が が 世界 世界 世界 が 世 自身 自身 を する する と こと が
が 世界 世界 世界 が 界 自身 を する する とことが' しての我々を包
もうとするのである。我々はそれによって物を見る一般者である。
92
唯、それによって物を見るということはない、単に道具的意義しか
有たない。見るとらざれば、唯、心像の如きものに過ぎない。 」
「論理と生命」「西田幾多郎哲学論集 II 」, 227-228.
52
Eric Cunningham, em Hallucinating the End of History: Nishida, Zen and
the Psychedelic Eschaton (Bethesda: Academica Press, 2007) fornece uma
explicação da qualificação de Nishida da experiência histórica como
“escatológica”no sentido de que ocorre dentro do universal dialético que
autodeterminam mutuamente o eterno agora e o nada absoluto.
53
Veja, por exemplo, Lavelle em “The Political Thought of Nishida
Kitarō”ou “Nishida Kitaro , l'école de Kyoto et l'ultra-nationalisme.”
54
Nas palavras de Nishida em “The Logic of ' Topos ' and the Religious
Worldview “: “Um Deus que é meramente transcendente e autossuficiente
não é um Deus real. Ele deve ser completamente caracterizado por kenosis
(auto-esvaziamento) de alguma forma. O Deus verdadeiramente dialético é
totalmente transcendente e imanente, imanente e transcendente. Como
tal, ele é o real absoluto. Dizem que Deus criou o mundo por amor. O amor
absoluto de Deus deve ser essencial para ele como sua autonegação
absoluta; não é um opus ad extra. Essa visão não é panteísta, mas pode ser
chamada de panenteísta, embora eu não pense de acordo com a lógica
objetiva. Minha maneira de pensar é absolutamente contraditoriamente
auto-idêntica e totalmente dialética”. 20, trad. Yusa Michiko. O texto
original diz: 「単に超越的に自己満足的なる神は真の神ではなかろう。
一面にまた何処までもケノ何処までも内在的なるとともに何処まで
93
も超越的なる神こそ、真に弁証法的なる神であろは、神の絶対的自
己否定として神に本質的なものでなければならない、 opus ad extra
働き]ではない。 私のいう所は、万有神教的ではなくして、むしろ、
万有在神論的 Panentheismus ともいうぺきであろう。しかし私は何
処までも対象論理的に考のである。 」「場所的論理と宗教的世界観」
「西田幾多郎哲学論集皿」, 329.
55
Veja Nishida, “The Logic of ' Topos ' and the Religious Worldview ,”24;
「場所的論理と宗教的世界観」, 334
56
Ver Nishida Kitaro , “Towards a Philosophy of Religion with the Concept
of Preestablished Harmony as a Guide ,”trans. David Dilworth , O budista
oriental , 3 , 1 ( 1970 ): 36 e 45-46 ; 「予定調和を手引として宗教哲学
へ」 [ Yotei cho wa o tebiki to shite sh u ky o tetsugaku e ] (1944), NKZ XI,
114-146.
57
Deve-se notar que, como explica Jacynthe Tremblay, não faz sentido falar
sobre a “autoconsciência” de entidades não-humanas como sugerido a
partir de interpretações errôneas das palavras de Nishida. Veja Jacynthe
Tremblay, “Translating Nishida Kitaro's 'Self-Awareness: The System of
Universals': The linguistic resources of Nishida's Philosophy,”西田哲学会
年報 (2017), 14: nota (4), 149.
https://www.jstage.jst.go.jp/article/jnpa/14/0/14_171/_pdf/-char/ja
.
Acessado em 15/03/2023.
Huh sugere que a mudança de Nishida em direção a uma filosofia da
história é uma “virada” errada, pois se baseia em um “erro de categoria”.
94
Veja Huh, “A Filosofia da História no 'Posterior' Nishida,”27. No contexto
deste ensaio, é claro que sempre é possível usar a expressão
“autodespertar” em um sentido metafórico. Mesmo assim, o uso de
“autodespertar” em vez de “autoconsciência”pode ser aplicado de forma
significativa quando se refere a uma comunidade de eus humanos, ou seja,
o mundo histórico, entre outros.
58
Nishida desenvolve o conceito de “intuição ativa”( Koiteki chokkan 行為
的直観) em seu ensaio de 1935 “The Standpoint of Active Intuition”「行
為的直観の立場」 [ Koiteki chokkan no tachiba ], NKZ 7, 107-218; e seu
ensaio de 1937 “Active Intuition”「行為的直観」 [ Koiteki chokkan ] , NKZ
7, 541-571.
59
O neologismo “imposto“ é emprestado dos numerosos estudos de John
Krummel sobre a filosofia de basho de Nishida. Por exemplo, ver
“Implacement Incorporado em Kūkai e Nishida” Philosophy East and West ,
65, 3 (2015):786-808.
60
Veja as Lições de Georg Wilhelm Friedrich Hegel sobre a Filosofia da
História Mundial (Vorlesungen über die Philosophie der Weltgeschichte ,
1837), trad. HB Nisbet (Cambridge University Press, 1974) e Elements of
the Filosofia do Direito (Grundlinien der Philosophie des Rechts , 1820),
trad. HB Nisbet (Cambridge University Press, 1991).
61
Ver em particular o importante estudo de Chenkuo Lin “Nishitani on
Emptiness and Historical Consciousness,” em Dao, 13 (2014): 491–506.
Esta seção resume e discute os pontos de Lin com o objetivo de um
95
subsequente relato expositivo crítico da ideia de “vazio “na modernidade
do aqui e agora. Veja também “Tempo, História e Budismo” de Zhihua Yao
, Journal of Japanese Philosophy , 6 (2020): 95-110, que se concentra na
reflexão de Nishitani sobre a historicidade nas tradições cristã e budista.
62
Nishitani Keiji , Religião e Nada , trad. Jan Van Bragt (Berkeley: University
of California Press, 1982).
63
Na junção da filosofia, política cultural e espiritualidade, veja o simpósio
de 1942 sobre “Superando a Modernidade” [ Kindai no chokoku 近代の超
克], trans. Richard F. Calichman , em Overcoming Modernity: Cultural
Identity in Wartime Japan ( Nova York: Columbia University Press , 2008);
David Willians, A Filosofia da Resistência Japonesa em Tempo de Guerra:
Uma Leitura, com Comentários, dos Textos Completos das Discussões da
Escola de Kyoto sobre “O Ponto de Vista da História Mundial e do
Japão,”[ Sekaishiteki tachiba para Nihon 世界指摘立場と日本, 1943]
( Nova York: Routledge, 2014); Nishitani Keiji , Visão do Mundo, Visão da
Nação [ Sekaikan to kokkakan 世界観 と 国家間, 1941]; Nishitani Keiji ,
“Ensaio sobre 'A Superação da Modernidade'“『「近代の超克」私論』,
em A Superação da Modernidade 「近代の超克」, eds. Kawakami
Tetsutaro 河上徹太郎 e Takeuchi Yoshimi (竹內好) et al. (Tóquio:
Fuzanbo , 1979). Para um comentário crítico sobre o “nacionalismo” de
Nishitani, veja Mori Tetsuro, “Nishitani Keiji and the Question of
Nationalism,”in Rude Awakenings – Zen, the Kyoto School, & the Question
96
of Nationalism , eds. James W. Heisig e John C. Maraldo (Honolulu:
University of Hawai'i Press), 316-332.
64
Ver referência em Lin, “Nishitani on Emptiness and Historical
Consciousness” 498.
65
Nas palavras de Nishitani: “[...] nossa vida passa a ser como um inquieto
engajamento em fazer algo. Nosso ser preserva a forma do incessante
devir no incessante fazer. Este ser, enquanto ser-a-fazer [...], é um devir
que vem a ser e que se extingue a cada momento”. Religião e Nada, trad.
Jan Van Bragt , 252.
66
Para Nishitani, “...as obras de ação, palavra e pensamento vêm à
consciência no campo do tempo sem começo ou fim, e dentro do nexo de
mundo ilimitado, como algo engajado sem fim em tecer a teia de
causalidade que faz suba o mundo.”Ibidem, 241.
67
Veja “Dependent Surging and Interdependence”de Bhikkhu Anālayo ,
Mindfulness, 12 (2021): 1094-1102, fornece uma visão geral do
desenvolvimento mutável do budismo primitivo, segundo o qual a doutrina
visa cessar o sofrimento em um contexto de condições específicas para o
surgimento dependente da existência , à subsequente sistematização da
noção de interconectividade para explicar a natureza da existência como
no budismo Huayan. Para outro relato sobre a doutrina da “origem
dependente”no budismo primitivo, veja Eviatar Shulman, “Os primeiros
significados da origem dependente”, Journal of Indian Philosophy, 36, 2
(2007): 297–317. https://doi.org/10.1007/s10781-007-9030-8 . Para um
97
relato sobre o desenvolvimento contemporâneo da doutrina, consulte
Dhivan Thomas Jones , “New Light on the Twelve Nidānas ,”Contemporary
Buddhism , 10, 2 (2009): 241–259.
In https://doi.org/10.1080/
14639940903239793. Para um relato mais geral, embora histórico, veja
Dhivan Thomas Jones, Este Ser, Que Se Torna, O Ensinamento de
Condicionalidade do Buda ( Cambridge: Windhorse Publications, 2011).
68
Friedrich Nietzsche, A Vontade de Poder, trad. Kaufmann e R. Hollingdale
(Nova York: Vintage Books, 1967) , 17-18: “O niilismo como condição
normal. [...] Seu oposto: o niilismo cansado que não ataca mais; sua forma
mais famosa, o budismo; um niilismo passivo, um sinal de fraqueza. A força
do espírito pode estar desgastada, esgotada, de modo que os objetivos e
valores anteriores se tornaram incomensuráveis e não são mais
acreditados; de modo que a síntese de valores e objetivos (sobre a qual
repousa toda cultura forte) se dissolva e os valores individuais guerreem
uns contra os outros: desintegração – e tudo o que refresca, cura, acalma,
entorpece emerge em primeiro plano em vários disfarces, religiosos ou
morais, ou político, ou estético, etc.”
69
Nas palavras de Nishitani: “[O vazio é] um ponto de vista que não pode
ser alcançado nem mesmo pelo niilismo que supera o niilismo, mesmo que
este último possa tender nessa direção. ”Nishitani, Budismo e Niilismo” em
The Self-Overcoming of Nihilism , trad. Graham Parkes com Setsuko Aihara
(Albany: SUNY Press, 1990), 180. 「ニヒリズム」 [ Nihirizumu , Nihilism]
(1949).
98
70
Citado em ibid.
71
Do “Śūnyatā and History” de Nishitani, em Religion and Nothingness : “A
abertura infinita do tempo em ambas as direções [passado e futuro] nada
mais é do que uma introjeção no tempo da abertura transtemporal ou
transcendência extática situada diretamente abaixo do presente, uma
introjeção alcançada em cada ocasião da atividade cármica. Quando o
fazer constitui o ser-no-tempo, constitui esse ser enquanto devir em cada
caso como um ser no tempo sem princípio nem fim. E as ações kármicas
que tornam manifesto esse inquieto e incessante devir sempre retornam
ao mesmo tempo ao lar do carma, ao lar do presente. Em outras palavras,
o fazer abre-se a cada momento para a abertura do niilismo e assim
preserva a dimensão da transcendência extática”. Trans. Jan Van Bragt,
245.
72
As duas citações a seguir esclarecem como as concepções de Nishitani de
“tal” ( shinnyo 真如), “vazio”( ku 空) e “circuninsessão “se relacionam
entre si: “... Em parte, colinas e rios são aqui colinas e rios por não serem
colinas e rios, assim como o eu é o eu por não ser o eu. E, no entanto, é
apenas aqui que as colinas e os rios são colinas e rios reais em sua talidade,
somente aqui que o eu é o verdadeiro eu em sua talidade. É neste campo
que nosso eu é a “autoapresentação “do “meio”mais elementar”. RN 166;
“O campo da realidade como uma interpenetração circuninssional é ao
mesmo tempo, como um campo de vazio, um campo de indeterminação
infinita ou possibilidade inesgotável.”Trans. Jan Van Bragt , ibid., 267.
99
73
Ver Lin, “Critique of Modern Historical Consciousness” em “Nishitani on
Emptiness and Historical Consciousness”, 500-504, que expõe a reflexão de
Nishitani sobre o desenvolvimento de modos de consciência histórica em
“Śūnyatā and History” Religion and Nothingness, 218 -285.
74
Veja a discussão crítica de Nishitani sobre a epistemologia de Kant
comparada com os pontos de vista de “nihility “e “Śūnyatā “na seção IV de
“The Standpoint of Śūnyatā “, Religion and Nothingness , 131-140.
75
Em Self-Overcoming of Nihilism, Nishitani escreve: “No locus do vazio,
além do ponto de vista humano, um mundo de 'origem dependente' é
aberto em que tudo está relacionado com tudo o mais. Visto sob esta luz,
não há nada no mundo que surja do 'autopoder' e, no entanto, todos os
trabalhos 'autoalimentados' surgem do mundo. A existência a cada
instante, [...] a humanização na qual o eu se torna humano - tudo isso pode
ser dito como surgindo incessantemente como novas acomodações de um
locus de vazio que nega absolutamente o ponto de vista humano. Do
ponto de vista do vazio, é pelo menos possível ver a atualidade do ser
humano em sua situação sócio-histórica de tal maneira que não se
abandone o tempo e o espaço 'reais'. Trans. Graham Parkes com Setsuko
Aihara , 190-191.
76
Nishitani, “Śūnyatā e História” seções IX e X. Para relembrar a etimologia
grega de kenosis (κένωσις): “um esvaziamento”. No Cristianismo: O “autoesvaziamento”de Jesus é a “auto-renúncia” de seus privilégios divinos
(Filipenses 2:7).
100
77
Em A alegre ciência [ Die fröhliche Wissenschaft , 1882], §341, Nietzsche
concebe o “eterno retorno”( Ewige Wiederkunft ) como o da “vontade”
(der Wille) que se repete cada vez que ocorre. Na seção III de Assim Falou
Zaratustra [Also sprach Zaratustra, 1883-1885] o “eterno retorno” é
assimilado com a presenteidade recorrente do momento aqui e agora.
Veja, por exemplo, “Eternal Recurrence in Nietzsche's Philosophy” de Rose
Pfeffer, The Review of Metaphysics, 19, 2 (dezembro de 1965): 276-300.
Para um estudo sobre o “Budismo” de Nietzsche, ver Benjamin A. Elman,
“Nietzsche and Buddhism”, Journal of the History of Ideas, 44, 4 (Out.Dec., 1983): 671-686.
78
Nishitani, “O ponto de vista de Śūnyatā“, seção IV; “Śūnyatā e o Tempo”,
seções VI & VII; e “Śūnyatā and History”, em Religião e Nada.
79
Veja a discussão de Nishitani sobre os momentos de “solenidade”como
marcos históricos do cristianismo e do budismo, “Śūnyatā and History”,
seção VIII, 272.
80
Ver Nishitani em Religião e Nada: “Śūnyatā e Tempo,”seções V & VII; e
“Śūnyatā e História,”seções II, III e VIII.
101
Partindo de uma reflexão sobre a concepção do mundo
histórico do filósofo da Escola de Kyoto Nishida Kitaro
(西田幾多郎, 1870-1945) e a reinterpretação de seu
discípulo Nishitani Keiji (西谷啓治, 1900-1990) do
conceito Mahayana de vacuidade, este pequeno livro
considera a necessidade de desenvolver uma
cosmovisão histórica que nos desperte para a condição
relacional da existência; um “vazio dialógico” que só
pode ser alcançado dentro de um determinado
ambiente espaço-temporal do qual a modernidade
atual não oferece as condições mais favoráveis.