Content-Length: 194318 | pFad | https://www.academia.edu/72940543/Refugiados_espanh%C3%B3is_em_Castro_Laboreiro_1936_1939_

(PDF) Refugiados espanhóis em Castro Laboreiro (1936-1939)
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Refugiados espanhóis em Castro Laboreiro (1936-1939)

Revista de História da Sociedade e da Cultura

Este artigo tem como objetivo analisar a receção e o percurso de refugiados por Portugal no contexto da Guerra Civil de Espanha, focando-se na região montanhosa de Castro Laboreiro, em Viana do Castelo. A proximidade com Espanha tornou este território um local privilegiado de refúgio para se protegerem da guerra e da perseguição movida pelas forças oponentes. Receoso do contacto com o exterior, o regime salazarista desenvolveu uma repressão dirigida estes refugiados, considerados indesejáveis, traduzida na realização de buscas por intermédio das diferentes forças policiais, nomeadamente a PVDE, a GNR, a PSP e a Guarda Fiscal. Aos efetivos destas forças pedia-se uma ação conjunta e um reforço dos postos de vigilância. No contexto da passagem e da captura de refugiados espanhóis em Castro Laboreiro, aborda-se o caso da família de Eudózia Lourenço Diz, o qual exemplifica a realidade de muitos refugiados em Portugal.

https://doi.org/10.14195/1645-2259_20_10 Refugiados espanhóis em Castro Laboreiro (1936-1939) Spanish refugees in Castro Laboreiro (1936-1939) Fábio Alexandre Faria1 Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE – IUL), Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES – IUL) fabio_faria@iscte-iul.pt https://orcid.org/0000-0002-3803-0374 Maria João Vaz Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE – IUL), Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES – IUL) maria.vaz@iscte-iul.pt https://orcid.org/0000-0002-0003-920X Texto recebido em / Text submitted on: 28/11/2019 Texto aprovado em / Text approved on: 07/09/2020 Resumo. Este artigo tem como objetivo analisar a receção e o percurso de refugiados por Portugal no contexto da Guerra Civil de Espanha, focando-se na região montanhosa de Castro Laboreiro, em Viana do Castelo. A proximidade com Espanha tornou este território um local privilegiado de refúgio para alguns espanhóis se protegerem da guerra e da perseguição movida pelas forças oponentes. Receoso do contacto com o exterior, o regime salazarista desenvolveu uma repressão dirigida a estes refugiados, considerados indesejáveis, traduzida na realização de buscas por intermédio das diferentes autoridades, nomeadamente a PVDE, a GNR, a PSP e a Guarda Fiscal. Aos efetivos destas forças pedia-se uma ação conjunta e reforço dos postos de vigilância. No contexto da passagem e da captura de refugiados espanhóis em Castro Laboreiro, aborda-se o caso da família de Eudózia Lorenzo Diz, que exemplifica a realidade vivida por muitos refugiados em Portugal. Palavras-chave. Refugiados, repressão, Guerra Civil de Espanha, Castro Laboreiro. Abstract. This article aims to analyze the reception and travel of refugees through Portugal in the context of the Spanish Civil War, focusing on the mountainous region of Castro Laboreiro, in the district of Viana do Castelo. The proximity to Spain has made this territory a privileged place of refuge to protect themselves from war and persecution by the opposing forces. Afraid of contact with the outside world, the salazarist regime has developed a repression directed at these refugees, considered undesirable, translated into searches through the different authorities, namely the PVDE, the GNR, the PSP and the Guarda Fiscal. The troops of these forces were asked for joint action and reinforcement of the surveillance posts. In the context of the passage and capture of Spanish refugees in Castro Laboreiro, we address the case of the family of Eudózia Lorenzo Diz, which exemplifies the reality experienced by many refugees in Portugal. Keywords. Refugees, repression, Spanish Civil War, Castro Laboreiro. 1 Bolseiro de Doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BD/114813/2016). Doutorando em História Moderna e Contemporânea – Defesa e Relações Internacionais no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. FÁ B I O A L E X A N D R E FA R I A E M A R I A J O Ã O VA Z | R E F U G I A D O S E S PA N H Ó I S E M C A S T R O L A B O R E I R O ( 1 9 3 6 - 1 9 3 9 ) 221 Introdução Os recentes conflitos ocorridos no Médio Oriente, particularmente a guerra na Síria, fizeram com que inúmeras pessoas fugissem da região e procurassem acolhimento e proteção noutras zonas, nomeadamente na Europa, constituindo a maior vaga de refugiados no novo milénio. Perante esta situação, a comunidade internacional voltou novamente a sua atenção para o fenómeno dos refugiados, que havia ganho um forte significado durante o século XX, sobretudo no contexto do despontar de grandes confrontos mundiais e europeus, geradores de enormes deslocações de população, como a I Guerra Mundial (1914-1918), a Guerra Civil de Espanha (1936-1939) e a II Guerra Mundial (1939-1945) (MAURRAS 2002). Assistiu-se a uma atualização do conceito de refugiado, largamente utilizado ao longo do século XX para definir quem procurava proteção e segurança em países estrangeiros. De acordo com a definição do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em 1951, um refugiado era “[…] qualquer pessoa que, em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 1 de janeiro de 1951, e receando, com razão, ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade ou opinião política, se encontre fora do país de sua nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio ou por outras razões que não sejam de mera conveniência pessoal, não queira requerer a proteção daquele país; ou quem, não possuindo uma nacionalidade e estando fora do país de residência habitual, não possa ou, em virtude desse receio ou por outras razões que não sejam de mera conveniência pessoal, não queira retornar.”2. Esta definição contemplava a população afetada pelos grandes conflitos bélicos que tiveram lugar na Europa durante a primeira metade do século XX e, distinguindo claramente da dimensão económica, considerava refugiados os indivíduos que se sentissem alvo de perseguição por questões de raça, religião, nacionalidade e opinião política. O fenómeno do refúgio já foi objeto de estudo por inúmeros académicos, tanto no estrangeiro como em Portugal. A questão dos refugiados da II Guerra Mundial é uma das que tem despertado maior atenção, o que faz com que sejam muitos os estudos que se dedicam à presença destes indivíduos nos 2 222 Estatuto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, de 1951, disponível em http://www. acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/ (consultado em 23 de março de 2018). R E V I S TA D E H I S T Ó R I A D A S O C I E D A D E E D A C U LT U R A | 2 0 mais variados espaços, nomeadamente em Shanghai (BEI 2013), na América Latina (RONIGER 2014; NEWTON 1982) e em diversos países europeus (TAMMES 2007; MAGA 1982; HOLFTER 2006). A passagem de refugiados da II Guerra Mundial por Portugal, sobretudo judeus, tem sido estudada tanto por autores nacionais como por autores estrangeiros, que apresentam o país não como um espaço de exílio definitivo, mas como uma ponte para alcançar outros territórios além-mar, particularmente a América (MILGRAM 2012; MUHLEN 2012; PIMENTEL 2006; PIMENTEL e RAMALHO 2016; SCHAEFER 2014). Sobre os refugiados da Guerra Civil de Espanha, os estudos existentes centram-se essencialmente na sua fuga do território espanhol e acolhimento em países próximos, como Portugal e França (DREYFUS-ARMAND 2000), e em diversos países da América Latina, territórios que favoreciam a integração em termos culturais, linguísticos e devido à existência de um considerável número de espanhóis aí residentes, fruto de emigrações anteriores. Nem todos os países da América do Centro e do Sul acolheram de igual forma os espanhóis que aí procuravam refúgio. Enquanto na Argentina se resistiu à entrada dos refugiados espanhóis, o México mostrou-se mais favorável ao seu acolhimento (ORTUÑO MARTÍNEZ 2010; NÚÑEZ SEIXAS 2006; SCHWARZSTEIN 2001). Em Portugal, o estudo deste acontecimento tem sido realizado sobretudo por historiadores e antropólogos. Os primeiros, ao avaliarem as relações entre os dois países ibéricos, debruçaram-se também sobre a presença de refugiados (DELGADO 1980; OLIVEIRA 1987), analisando-se ainda o reforço da vigilância fronteiriça então ocorrido e a passagem dos refugiados por regiões distantes da fronteira (CANDEIAS 1997; FARIA 2017; VAQUINHAS 2015). Os antropólogos têm estudado o fenómeno sobretudo sob o ponto de vista da vivência das comunidades que, muitas vezes solidariamente, acolheram estes refugiados, inserido num quadro mais amplo da resistência ao regime salazarista, convocando para tal as memórias individuais e coletivas das populações que participaram, direta ou indiretamente, nos acontecimentos (SIMÕES 2016; CUNHA 2006). Privilegiando fontes policiais, provenientes maioritariamente do Arquivo da PIDE/DGS e do Arquivo do Ministério do Interior, depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, este artigo debruça-se sobre a presença de refugiados espanhóis na região de Castro Laboreiro, distrito de Viana do Castelo, nos meses iniciais da Guerra Civil de Espanha. As fontes analisadas privilegiam as ações de repressões de que os refugiados foram objeto por parte das autoridades policiais portuguesas, testemunhando igualmente as preocupações e estratégias desenvolvidas pelo regime salazarista, com o ob- FÁ B I O A L E X A N D R E FA R I A E M A R I A J O Ã O VA Z | R E F U G I A D O S E S PA N H Ó I S E M C A S T R O L A B O R E I R O ( 1 9 3 6 - 1 9 3 9 ) 223 jetivo de manter a ordem pública e a acalmia social, procurando impedir o contacto entre as populações locais e aqueles que definia como “um perigo vermelho”, representado pelos refugiados espanhóis, geralmente assimilados a simpatizantes comunistas. Partindo do estudo de caso de uma família galega que procura refúgio na região de Castro Laboreiro, distrito de Viana do Castelo, a família de Eudózia Lorenzo Diz, analisa-se o percurso e a passagem de refugiados pela região norte de Portugal no contexto da Guerra Civil de Espanha, confrontando este caso com o de outros espanhóis que igualmente procuraram refúgio em Portugal. 1. O aparelho de vigilância fronteiriço em Viana do Castelo O Estado Novo de Oliveira Salazar, regime autoritário, fechado, repressivo e receoso do contacto com exterior, pouco propenso a receber elementos estrangeiros considerados indesejáveis pelas ideias de que poderiam ser portadores, sobretudo quando percecionados como simpatizantes comunistas, colocou-se ao lado dos nacionalistas de Franco na Guerra Civil de Espanha, iniciada a 18 de julho de 1936, em oposição ao governo legítimo da Frente Popular, de tendência republicana, recentemente eleito em fevereiro3. Seguindo uma linha de antagonismo que já se vinha a manifestar particularmente desde a instauração da II República em Espanha, em abril de 1931, agravada pelo acolhimento proporcionado a portugueses opositores do regime, o governo salazarista prestou auxílio à fação franquista a vários níveis: permissão para a passagem de homens e de armamento por Portugal; fornecimento de alimentos, de armas e de munições aos sublevados; envio de portugueses para combater pelos nacionalistas; propaganda favorável aos franquistas; vigilância e entrega de refugiados republicanos a Franco (OLIVEIRA 1995: 50-51). Dada a sua posição de país confinante, Portugal foi particularmente procurado pelos fugitivos espanhóis como lugar de refúgio, sobretudo durante os primeiros meses do conflito e por aqueles que residiam na região ocidental e noroeste de Espanha. As redes de relações fronteiriças construídas ao longo do tempo facilitaram os fluxos de refugiados, especialmente na zona raiana que compreende a Galiza e o Norte de Portugal, o que levou a que fosse natural a escolha desta região como espaço de refúgio por parte de muitos espanhóis4. As regiões raianas do interior português sempre manifestaram grande proxi3 4 224 Sobre a natureza e o funcionamento do regime salazarista ver, entre outros, ROSAS 2015 e 2019. Sobre esta questão, atente-se nos estudos de Paula Godinho sobre a raia luso-espanhola, com destaque para Godinho 2011. R E V I S TA D E H I S T Ó R I A D A S O C I E D A D E E D A C U LT U R A | 2 0 midade com Espanha, registando-se uma grande circulação de pessoas, que vinham a Portugal trabalhar, muitas vezes num quadro de sazonalidade, ou num contexto de lazer, particularmente nos meses de verão, embora neste último caso se dirigissem essencialmente às principais zonas balneares, de que é exemplo Figueira da Foz (VAQUINHAS 2015). Neste contexto de proximidade geográfica com Espanha salientou-se o distrito de Viana do Castelo, fronteiriço com a região da Galiza, com destaque para as províncias de Pontevedra e de Ourense, onde se encontra localizada a freguesia de Castro Laboreiro, pertencente ao concelho de Melgaço. A preocupação com a vigilância e o controlo de estrangeiros em Portugal foi uma constante ao longo do Estado Novo, mostrando-se Salazar receoso que a população portuguesa contactasse com ideias que considerava subversivas. A PVDE, principal instância encarregue de vigiar e controlar as fronteiras e as entradas no país, contava, até ao final da II Guerra Mundial, com uma rede de delegações, inspeções, postos e subpostos que se cifrava nas 36 unidades, contemplando Portugal Continental e Ilhas. A esmagadora maioria destes postos de vigilância localizava-se junto à raia espanhola, justificado pelo facto de a maioria das entradas que se registavam em Portugal se processar pela via terrestre. Assim, contavam-se 27 postos de vigilância junto à fronteira terreste com Espanha, tendo-se registado um aumento no seu número no período que compreendeu a Guerra Civil de Espanha, criando-se 1 delegação e 9 postos da PVDE, dos quais 8 estavam localizados na zona raiana: Zebreira, Sobral de Adiça, Campo Maior, Caia, Quintanilha, Portelo, Bragança e Moura (RIBEIRO 1995: 299). O distrito de Viana de Castelo era um dos que apresentava um maior número de postos de vigilância fronteiriços, embora a sua criação não se tenha relacionado diretamente com a Guerra Civil de Espanha, uma vez que todos os postos já existiam antes do início do conflito, podendo, contudo, significar um reforço da vigilância perante uma Espanha republicana, olhada com desconfiança pelo regime salazarista. Estes postos localizavam-se em Caminha, Vila Nova de Cerveira, Valença, Monção, Melgaço, Peso/Melgaço e São Gregório. De acordo com Maria da Conceição Ribeiro, excetuando o posto de Melgaço, todos os restantes já se encontravam em funcionamento no tempo da Polícia Internacional Portuguesa (PIP), antecessora da PVDE, antes de 1933 (RIBEIRO 1995: 109). Ao contrário do que se verificou noutras regiões do país, não foi criado nenhum posto de vigilância no distrito de Viana do Castelo no contexto da Guerra Civil de Espanha. Durante o conflito espanhol foram estabelecidos os seguintes postos fronteiriços por parte da PVDE: Portelo, Quintanilha e Bragança (distrito de Bragança); Zebreira (Castelo Branco); FÁ B I O A L E X A N D R E FA R I A E M A R I A J O Ã O VA Z | R E F U G I A D O S E S PA N H Ó I S E M C A S T R O L A B O R E I R O ( 1 9 3 6 - 1 9 3 9 ) 225 Campo Maior e Caia (Portalegre); Sobral da Adiça e Moura (Beja). Na colocação dos novos postos, o regime salazarista privilegiou os espaços na raia onde não existia uma fronteira natural, nomeadamente rios, que dificilmente seriam ultrapassáveis. No entanto, esta barreira natural não impediu que muitos espanhóis entrassem em Portugal, uma vez que vários indivíduos aventuraram-se a fazer a sua travessia. Por outro lado, no processo de entrada em Portugal muitos refugiados serviram-se de uma estrutura de rotas de passagem que se encontrava estabelecida entre os dois países ibéricos, pelo menos desde o século XII, cujo conhecimento, para além da proximidade geográfica, esteve na origem da escolha do território português como espaço de refúgio. Da mesma forma que os cidadãos espanhóis aproveitaram as rotas já existentes, também as autoridades portuguesas, para fiscalizar a entrada de refugiados no país, se serviram da vigilância já antes dedicada à repressão do contrabando, prática de sustento das populações raianas que se desenvolveu antes, durante e após o conflito espanhol (LANERO TÁBOAS et al 2009). Salazar procurou melhorar o controlo fronteiriço, sobretudo para combater a prática do contrabando durante este período, através da adoção de diversas medidas: melhoria de infraestruturas e de serviços; reorganização dos organismos de vigilância, principalmente Guarda Fiscal e GNR; endurecimento de medidas legais contra a prática do contrabando (LANERO TÁBOAS et al 2009). Apesar de estas medidas se direcionarem especialmente para a repressão ao contrabando, acabaram também por ter efeito sobre os espanhóis que procuravam refúgio em Portugal, uma vez que estes dois aspetos, contrabando e entrada clandestina de pessoas no país, se encontraram relacionados durante e após o conflito espanhol, favorecidos pela rede de ligações e contactos já estabelecidos na raia luso-espanhola. Estes trilhos, para além de terem sido utilizados por quem pretendia entrar escondido em Portugal, foram ainda usados pelos opositores ao regime português que se viam obrigados a fugir à repressão salazarista até à queda do regime, em 25 de abril de 1974. A vigilância e a repressão aos estrangeiros que entravam em Portugal de forma clandestina não era exercida exclusivamente pela polícia política. As restantes autoridades policiais, dada a carência de efetivos e de bens materiais da PVDE, colaboravam ativamente no desempenho destas funções. Algumas das falhas no processo de vigilância e controlo de estrangeiros já haviam sido apontadas por Leone Santoro, responsável pela Missão Italiana de Polícia em Portugal, convidado por Salazar em 1937, destacando a insuficiente vigilância sobre os estrangeiros e as fronteiras e uma escassa colaboração entre a PVDE, a PSP, a GNR, a Polícia de Trânsito, a Polícia Marítima e a Guarda Fiscal (RIBEIRO 1995: 153-154). 226 R E V I S TA D E H I S T Ó R I A D A S O C I E D A D E E D A C U LT U R A | 2 0 Tendo em conta que a GNR atuava particularmente no espaço rural, esta força policial destacou-se na colaboração com a PVDE na vigilância e na repressão aos estrangeiros que tentavam entrar ilegalmente no país. Em 1940, no distrito de Viana do Castelo as localidades que se encontravam guarnecidas pela GNR eram: Arcos de Valdevez, Caminha, Monção, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo, Âncora e Lanheses. Todas estas unidades estavam providas com elementos da 5.ª Companhia do Batalhão 4, cuja discriminação se apresenta no quadro 1 que se segue. Apesar de ter existido uma estreita colaboração entre a PVDE e as restantes forças policiais na tentativa de impedir a entrada clandestina de estrangeiros no país, a Guerra Civil de Espanha motivou a vinda para Portugal de inúmeros refugiados que procuravam escapar à repressão franquista e aos perigos da guerra. A sua entrada realizou-se ao longo de toda fronteira terrestre, situação que atingiu o distrito de Viana do Castelo, em particular a região de Castro Laboreiro, zona confinante com Espanha. 2. Vigilância e controlo de refugiados espanhóis em Viana do Castelo A entrada de refugiados espanhóis em Portugal não se desenrolou de forma uniforme e homogénea, processando-se de acordo com o avanço das tropas nacionalistas no território espanhol, podendo ser distinguidos vários momentos de entrada massiva de refugiados espanhóis em Portugal, tanto de civis como de militares afetos aos dois grupos em conflito (republicanos e nacionalistas), ou de população sem nenhuma afinidade política que simplesmente pretendia escapar aos perigos da guerra. Na origem destas deslocações estiveram 3 grandes motivos: os combates entre nacionalistas e republicanos e a ocupação de localidades por Franco, a repressão nacionalista contra as forças republicanas e a fuga à convocação militar (OLIVEIRA 1987: 155-156). De acordo com Dulce Simões existiram 4 grandes movimentos de espanhóis para Portugal: nos finais de julho de 1936, altura em que se refugiaram no Norte de Portugal militares que haviam lutado nas províncias de Pontevedra e de Ourense e civis origenários das regiões de Tui e de Vigo; na zona do Caia, após a fuga de republicanos na sequência da ocupação de Badajoz, em meados de agosto; a 12 de agosto de 1936, quando a população de Encinasola se refugiou na região de Barrancos; na fronteira de Barrancos, quando os sublevados espanhóis ocuparam a região de Oliva de la Frontera, a 21 de setembro desse ano (SIMÕES 2016: 198-199). Ángel Rodríguez Gallardo, que centrou o seu estudo nos fluxos de refugiados provenientes da Galiza, refere a ocorrência de 3 FÁ B I O A L E X A N D R E FA R I A E M A R I A J O Ã O VA Z | R E F U G I A D O S E S PA N H Ó I S E M C A S T R O L A B O R E I R O ( 1 9 3 6 - 1 9 3 9 ) 227 grandes momentos: entre julho e setembro de 1936, protagonizada, sobretudo, pelas populações do sul da Galiza; entre outubro e dezembro de 1936, quando o exército rebelde passou a controlar toda a fronteira; a partir dos finais de 1936, com a redução significativa do número de refugiados (RODRÍGUEZ GALLARDO 2011: 4-5). Conforme atestam os dados do Registo Geral de Presos da PVDE, os refugiados que chegaram ao distrito de Viana do Castelo, em especial ao lugar de Castro Laboreiro, fizeram-no sobretudo durante os primeiros dias do conflito espanhol, sendo origenários, na sua esmagadora maioria, de Pontevedra e de Ourense. Em Castro Laboreiro, os refugiados, para além do centro da freguesia, também se movimentaram noutros espaços, como as brandas e as inverneiras, lugares de habitação temporária utilizados pela população local nas estações quentes e frias, respetivamente, localizando-se as primeiras nas zonas de maior altitude e as últimas nos vales. Dado o seu caráter de ocupação sazonal, facilitavam a ocultação e a sobrevivência dos refugiados, uma vez que se encontravam vazias em determinadas alturas do ano. Os refugiados misturavam-se com os habitantes locais e aproveitavam os espaços que eram abandonados pela população castreja na sua movimentação habitual entre as estações (RODRÍGUEZ GALLARDO 2003: 641). À semelhança do que se verificou na restante área fronteiriça, também no distrito de Viana do Castelo houve uma clara preocupação em vigiar a zona raiana e tentar impedir a entrada de refugiados no país, desenvolvendo a PVDE, em colaboração com a GNR, com a GF e com o Exército, uma acentuada ação repressiva sobre quem procurava refúgio em Portugal. Com o início do conflito em Espanha, o número de efetivos presentes na fronteira tornou-se insuficiente e incapaz de conter a entrada de refugiados em Portugal, o que levou o Ministério da Guerra a decretar medidas com vista ao reforço da vigilância fronteiriça. No caso da fronteira de Barrancos, no Alentejo, os operacionais eram coordenados pelo Comando Militar de Beja, subordinado ao comandante da 4.ª Região Militar que, por sua vez, respondia ao Ministério da Guerra. O tenente António Augusto de Seixas, da GF, ficou responsável pelo comando técnico das operações nesta região da fronteira, a qual era policiada por elementos pertencentes ao Exército e à GF (SIMÕES 2016: 158). São diversos os relatórios e os ofícios das forças policiais, existentes no Arquivo Histórico Militar e no Arquivo do Ministério do Interior, que se referem à entrada de refugiados espanhóis em Portugal, demonstrando a preocupação de Salazar em reforçar os postos de vigilância fronteiriços, particularmente durante julho, agosto e setembro de 1936. Cite-se, a título de exemplo, a comunicação de Salvador Nunes Teixeira, governador civil de Bragança, ao 228 R E V I S TA D E H I S T Ó R I A D A S O C I E D A D E E D A C U LT U R A | 2 0 ministro do Interior, de finais de julho de 1936, referente à entrada de vários espanhóis naquela região, nomeadamente em Miranda do Douro, Vimioso e Moimenta, referindo-se também à captura de 9 espanhóis, maioritariamente origenários de Lubián, em Zamora, acusados de serem elementos comunistas5. O facto de se terem registado tiroteios em Tui, localidade espanhola fronteiriça com o distrito de Viana do Castelo, nos primeiros dias da guerra, levou a que o comandante da Companhia da GNR de Viana do Castelo pretendesse reforçar os postos de Valença e de Monção, tendo em conta as informações transmitidas pelo comandante da secção de Valença6. Em agosto, o comandante Aníbal Franco informava o Comando Geral da GNR que desde o início da Guerra Civil de Espanha, a 5.ª Companhia do 4.º Batalhão havia procedido à vigilância do serviço de fronteira através dos postos localizados em Valença, Monção e Caminha, os quais, contando com a colaboração da GF e da PSP, vigiavam a margem esquerda do rio Minho7. O controlo da fronteira pelas forças franquistas era entendido como um sinal de ordem, visão que foi partilhada pelas autoridades portuguesas, entendendo-se que não havia necessidade reforçar os postos fronteiriços que comunicavam com localidades espanholas controladas pelos franquistas: “Teve este comando conhecimento que toda a fronteira Norte do País está em poder das forças nacionalistas espanholas, mantendo em toda a região a ordem e que por esse facto o comando da 1ª Região Militar mandou retirar de Valença a Companhia que para ali havia destacado prevendo acontecimentos […]”8. A atenção que as autoridades prestavam à entrada de espanhóis em Portugal também se estendia aos indivíduos armados que entravam no país em perseguição dos seus inimigos, situação a que se refere o ofício do governador civil de Viana do Castelo, Tomás Fragoso, datado de 25 de agosto de 1936, dando a conhecer ao ministro do Interior que se tinham registado na região de Castro Laboreiro diversas incursões por parte de espanhóis armados que vinham em perseguição dos seus adversários políticos que se encontravam 5 6 7 8 ANTT, Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Maço 481, pt. 35/41, Ofício confidencial do governador civil de Bragança para o ministro do Interior, de 28 de julho de 1936. ANTT, Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Maço 481, pt. 35/3, Cópia do telegrama do Comandante da companhia de Viana do Castelo, 21 de julho de 1936. ANTT, Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Maço 481, pt. 35/26, Relatório do Comandante do Batalhão 4 da GNR, Major Aníbal Franco, 15 de agosto de 1936. ANTT, Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Maço 481, pt. 35/26, Relatório do Comandante do Batalhão 4 da GNR, Major Aníbal Franco, 15 de agosto de 1936. FÁ B I O A L E X A N D R E FA R I A E M A R I A J O Ã O VA Z | R E F U G I A D O S E S PA N H Ó I S E M C A S T R O L A B O R E I R O ( 1 9 3 6 - 1 9 3 9 ) 229 refugiados em Portugal, o que obrigava ao reforço da vigilância nessa área9. Esta ideia remete-nos para uma das grandes preocupações do regime salazarista, a manutenção da soberania nacional, uma vez que se tratava de Espanha, país que tinha uma longa tradição de pretensão sobre o território nacional. Como refere Hipólito de la Torre Gómez, “[…] O medo secular do «perigo espanhol» tinha-se tornado, desde a implantação da República em Portugal (1910), num dos condicionantes mais importantes, e com razão de ser, da política externa portuguesa.” (DE LA TORRE GÓMEZ 2010: 45). As autoridades portuguesas não descuravam a vigilância da fronteira mesmo quando eram elementos nacionalistas a atravessá-la em perseguição de simpatizantes republicanos, pretendendo, em primeiro lugar, impedir que forças armadas espanholas entrassem em território português, independentemente da sua tendência política. Em dezembro de 1936, o comandante da GF da Ameijoeira, em Castro Laboreiro referia-se à entrada de 3 espanhóis armados pertencentes às forças nacionalistas naquela região, que pediam auxílio para capturar refugiados que se encontravam em Ribeiro de Baixo, afirmando que tinham indicações da PVDE de São Gregório. O referido comandante, seguindo o que havia sido instruído pelo comandante da secção fiscal de Melgaço, ordenou que estes espanhóis regressassem a Espanha, reforçando a ideia de que era proibido atravessar a fronteira10. Em diversos casos, a entrada em Portugal de elementos nacionalistas foi permitida pelas autoridades portuguesas, no contexto da realização de batidas conjuntas que pretendiam “limpar a fronteira de marxistas espanhóis”. Segundo César Oliveira, na sequência da conquista nacionalista de Mérida e de Badajoz, em agosto de 1936, passaram a realizar-se “operações de limpeza”, sobretudo em regiões de matas, montes e vales de ribeiras, onde participaram elementos nacionalistas e falangistas e forças da PVDE, da GNR e da GF (OLIVEIRA 1987: 161). 9 10 230 ANTT, Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Maço 481, pt. 35/32, Ofício do Governador Civil de Viana do Castelo para o ministro do Interior, 25 de agosto de 1936. Arquivo Histórico Militar, Fundo 1, Série 38, Número 08, Caixa 63, Nº2, Capilha 2, Missão Militar Portuguesa de Observação em Espanha, Cópia da correspondência recebida dos comandos das unidades da Guarda Fiscal, de 6 de dezembro de 1936. R E V I S TA D E H I S T Ó R I A D A S O C I E D A D E E D A C U LT U R A | 2 0 3. Operações policiais para captura de refugiados em Castro Laboreiro Sempre que existiam suspeitas de que espanhóis tinham entrado em território português, as autoridades agiam no sentido de verificar a sua veracidade. Foi o que aconteceu no caso das informações recebidas sobre as incursões de espanhóis armados em Castro Laboreiro no final de agosto de 1936. No seguimento destas informações, o comandante do posto da GNR de Melgaço recebeu ordens para organizar uma patrulha para se dirigir a Castro Laboreiro, com a missão de verificar se tinha ocorrido a entrada de espanhóis armados na zona e se estes haviam procedido a buscas nas casas da população local, concluindo-se que tal não se verificara. Esta operação colocou em evidência um dos principais problemas que as autoridades tinham de enfrentar, o difícil acesso em virtude do terreno acidentado e montanhoso11. Podemos colocar algumas hipóteses a partir deste facto: que efetivamente circulavam poucos refugiados na região ou que os refugiados que se encontravam naquela área estavam bem escondidos das autoridades policiais. Devemos também ter em consideração que, com esta afirmação, o oficial português pretenderia querer demonstrar que a vigilância na região era feita de forma eficaz, o que poderia não corresponder totalmente à verdade. Com efeito, a presença de refugiados espanhóis em Castro Laboreiro parece ter sido significativa. Só para o primeiro semestre de duração do conflito espanhol, Ángel Rodríguez Gallardo, baseando-se em testemunhos orais, refere a presença de 480 refugiados na freguesia (RODRÍGUEZ GALLARDO 2003: 641). Estas batidas realizaram-se também ao longo de 1937 e de 1938, e mesmo após o conflito. Em junho de 1938 era apresentado um relatório por parte do capitão Luís Gonzaga da Silva Domingues relativamente a uma expedição realizada na Serra da Peneda, localizada no Nordeste do distrito de Viana do Castelo, que contou com a participação de elementos da GF da Ameijoeira e de civis para servirem de guias e demonstrou algumas das dificuldades encontradas, nomeadamente maus caminhos, piso irregular e pedregoso, montes e vales com subidas e descidas íngremes12. Este operacional não considerava que existissem refugiados em grande número em Castro Laboreiro, e muito menos que estes tivessem na sua posse grandes armas, admitindo que os que andavam pela região encontravam-se isolados ou em pequenos grupos, abrigando-se em lugares incertos e sustentan11 12 ANTT, Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Maço 481, pt. 26/1, Cópia da nota confidencial nº46 do Comandante do 4.º Batalhão da GNR para o comando geral da GNR, 5 de setembro de 1936. ANTT, Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Livro 2 PV/V Nº3, Maço 495, NT 369, Relatório do Capitão Luís Gonzaga da Silva Domingues, 24 de junho de 1938. FÁ B I O A L E X A N D R E FA R I A E M A R I A J O Ã O VA Z | R E F U G I A D O S E S PA N H Ó I S E M C A S T R O L A B O R E I R O ( 1 9 3 6 - 1 9 3 9 ) 231 do-se à custa do que a população local lhes dava, por uma questão humanitária, por receio ou ainda a troco de dinheiro que, eventualmente, os refugiados pudessem possuir, situação favorecida pelo isolamento da região, evidenciando problemas como a carência de estradas e de recursos humanos e materiais. Os relatórios e ofícios das forças policiais portuguesas atestam a presença de refugiados espanhóis na região de Castro Laboreiro e demonstram que, apesar dos esforços desenvolvidos pelas autoridades, muitos conseguiram escapar à repressão operada pelo regime salazarista. Em sentido contrário, inúmeros refugiados acabaram capturados pelas autoridades portuguesas, levados para as prisões e, posteriormente, expulsos do país. A 25 de setembro de 1936 existiam 496 espanhóis detidos em Portugal, encontrando-se mais de metade concentrada no Forte de Caxias, o que se justifica pelo facto de ter sido durante o primeiro trimestre da Guerra Civil de Espanha que se registou a entrada de um maior número de espanhóis no país, sobretudo após a conquista nacionalista de Badajoz, como já documentou César Oliveira (OLIVEIRA 1987). Estes dados podem ser consultados no quadro 2. O desenvolvimento do conflito espanhol teve uma influência direta no crescimento do número de espanhóis detidos em Portugal. De acordo com o Registo Geral de Presos, em 1935 o número de espanhóis presos em território nacional não ultrapassava os 40 indivíduos, realidade que se manteve ao longo do primeiro semestre do ano seguinte, quando, até se iniciar a guerra civil, foram capturados cerca de 30 espanhóis13. 4. Refugiados espanhóis em Castro Laboreiro: o caso de Eudózia Lorenzo Diz Durante a Guerra Civil de Espanha, a PVDE registou a detenção de cerca de 500 espanhóis, muitos dos quais foram presos quando pretendiam esconder-se em Portugal. A esmagadora maioria destes indivíduos, do sexo masculino, era origenária de províncias espanholas confinantes com Portugal, nomeadamente Ourense, Pontevedra, Badajoz e Zamora, e desempenhava profissões ligadas ao setor primário, como a de jornaleiro e lavrador, a de trabalhador, ou ainda a de amolador e comerciante. Na base da detenção da maioria destes espanhóis esteve o facto de serem considerados refugiados políticos, de terem entrado em Portugal de forma clandestina ou indocumentados, definindo-se a sua captura para averiguações. Relativamente ao distrito de Viana do Castelo, de 13 232 ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Registo Geral de Presos. R E V I S TA D E H I S T Ó R I A D A S O C I E D A D E E D A C U LT U R A | 2 0 acordo com o Registo Geral de Presos, foram presos 38 espanhóis. Ressalve-se, contudo, que os números apresentados a seguir não devem ser entendidos como absolutos, uma vez que nem todas as fichas prisionais dos detidos fazem referência ao local onde ocorreu a captura, admitindo-se ainda a possibilidade de não existirem registos de muitos dos capturados. A PVDE registou a captura de cinco espanhóis no distrito de Viana do Castelo até ao final de 1936: 1 em Valença, 2 em Monção e 2 em Caminha, que foram detidos por terem entrado clandestinamente no país ou por se encontrarem indocumentados, 2 dos quais foram entregues às autoridades espanholas, destacando-se ainda a libertação de Hermínio Gonzalez Covelo, apesar de ser considerado chefe comunista. Contudo, nem sempre os presos que eram libertados permaneciam efetivamente em liberdade, uma vez que muitos eram libertados para posteriormente serem expulsos do país. Em 1937 contabilizou-se a detenção de 16 cidadãos espanhóis no distrito de Viana do Castelo, a maioria natural das províncias de Ourense e de Pontevedra. 14 foram capturados em Peso (Melgaço), 1 em Valença e 1 em Monção, sobretudo por estarem indocumentados ou por se encontrarem fugidos de Espanha, sendo a maioria expulsa pela fronteira de Valença. Entre estas detenções, há dois casos diretamente relacionados com a freguesia de Castro Laboreiro, reportando-se ambos a 15 de setembro, quando foram detidos Juan António Salgado e José Gonzalez, por se encontrarem fugidos de Espanha14. O primeiro foi capturado pela GF nas montanhas de Castro Laboreiro e o segundo foi encontrado doente e abandonado num palheiro nessa freguesia, um dos espaços onde os refugiados se procuravam esconder para tentar escapar às autoridades. Ambos foram expulsos pela fronteira de Valença a 18 de setembro de 1937. Em 1938 foram detidos 14 espanhóis no distrito de Viana do Castelo – 13 em Peso e 1 em Monção – por estarem indocumentados, por estarem fugidos de Espanha, por serem considerados indesejáveis, por serem refugiados políticos, ou ainda para averiguações. A esmagadora maioria foi expulsa através de diferentes pontos da fronteira, como São Gregório, Lisboa (fronteira marítima), Peso (Melgaço) e Valença. Até 1 de abril de 1939, final do conflito, a PVDE contabilizou a captura de 3 espanhóis no distrito de Viana do Castelo, todos naturais da província de Ourense, expulsos pela fronteira de Valença. O final da Guerra Civil de Espanha não significou o fim da captura de refugiados espanhóis por parte das autoridades portuguesas e, neste contexto, o distrito de Viana do Castelo não foi exceção, registando-se várias detenções ao longo dos anos seguintes, como José Maria Pereira, detido pelo posto de 14 ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Registo Geral de Presos, Livro 41. FÁ B I O A L E X A N D R E FA R I A E M A R I A J O Ã O VA Z | R E F U G I A D O S E S PA N H Ó I S E M C A S T R O L A B O R E I R O ( 1 9 3 6 - 1 9 3 9 ) 233 Peso em junho de 1939 por estar indocumentado e fugido de Espanha, Amparo Gonzalez Rodriguez, presa no mesmo mês pelo posto de Monção por estar indocumentada, e José Rodríguez Giraldez, detido pelo posto de Peso em fevereiro de 1940 por estar indocumentado e ser considerado refugiado político15. Um dos casos mais exemplares da presença de refugiados em Castro Laboreiro foi o de Eudózia Lorenzo Diz e dos seus pais, Agustin Lorenzo Puga e Basilisa Diz Gonzalez, capturados a 17 de maio de 1938. Eudózia e os pais, naturais da província de Ourense, entraram em Portugal de forma clandestina, pela fronteira de Lindoso (Ponte da Barca), a 20 de julho de 1936, residindo no lugar de Rodeiro, da Serra de Castro Laboreiro, após o que passaram a morar em Arcos de Valdevez, não havendo conhecimento do seu posterior local de residência16. À data da sua entrada em Portugal, esta professora galega não tinha mais do que 20 anos, uma vez que nascera em 1918, ao passo que o pai e a mãe, respetivamente castrador e doméstica de profissão, tinham 44 e 40 anos. Como acontecia frequentemente, os crimes de que eram acusados os refugiados por parte das autoridades não coincidiam com as declarações feitas pelos mesmos. De acordo com informações transmitidas pelo chefe do posto da PVDE de São Gregório, na base da fuga desta família de Espanha esteve o facto de serem considerados pelas autoridades franquistas como importantes elementos difusores de propaganda comunista na sua área de residência, a cujo partido se suspeitava estarem ligados, pelo que eram vistos como perigosos para a causa nacionalista17. Contudo, a fuga desta família não terá estado relacionada com questões políticas, mas sim com ameaças dirigidas ao patriarca após este ter sofrido um ataque nas vésperas da guerra civil. A chegada a Portugal foi motivo de felicidade para esta família galega, particularmente para Eudózia, que considerou este momento como um dos melhores acontecimentos da sua vida (FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ 2019: 85). A captura desta família encontrava-se pedida pela Ordem de Serviço da PVDE n.º 338/37, de 4 de dezembro de 1937. Como tal, foram feitas algumas buscas na região de Castro Laboreiro por haver informações que apontavam para a sua presença ali, nomeadamente ao longo do mês de maio de 1938. No dia 12, João Guilherme da Cunha, chefe do posto de Melgaço, comunicava ao Secretário-Geral da PVDE a busca que efetuara nos dias anteriores. Esta operação resultou na detenção de Camilo Gonzalez Alonso, refugiado espanhol encontrado escondido na palha de um curral de cabras, não surtindo efeito relativamente à família de Eudózia. Esta e os pais, procurando escapar às batidas 15 16 17 234 ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Registo Geral de Presos, Livros 58 e 61. ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Serviços Centrais, Processo-crime 1518/37 NT 4498. ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Serviços Centrais, Processo-crime 1518/37 NT 4498. R E V I S TA D E H I S T Ó R I A D A S O C I E D A D E E D A C U LT U R A | 2 0 levadas a cabo pela GF, haviam fugido para as inverneiras, o que levou a que a PVDE passasse revista ao local. João G. da Cunha chegou à conclusão de que a maioria das inverneiras era utilizada como lugares de refúgio pelos fugitivos espanhóis, sendo a tarefa das autoridades dificultada não só pelo facto de alguns refugiados, como Eudózia, se vestirem de forma semelhante à população local para passarem despercebidos, como também pelo silêncio dos habitantes dos lugares, que preferiam a prisão e a tortura a informarem as autoridades sobre a presença de refugiados espanhóis, considerando que estes contribuíam para a sobrevivência da população local, dado os pagamentos que faziam em troco de alimentação e de guarida18. A operação realizada no dia 17 de maio de 1938 revelou-se mais frutífera. No lugar de Eiras foi detido um refugiado espanhol, que estava escondido numa casa abandonada e, em Castro Laboreiro, uma portuguesa que teria ajudado um espanhol a fugir. Foram realizadas buscas no lugar da Seara, na tentativa de encontrar Manuel Fernández González, considerado pela polícia como um perigoso elemento comunista, o que não se concretizou, uma vez que a portuguesa Virgínia Esteves, com quem aquele teria um relacionamento, o havia ajudado a escapar. João G. da Cunha relata que Eudózia e os pais foram encontrados escondidos na casa de António Domingos Rendeiro, no lugar do Rodeiro, num buraco no chão perto da lareira que estava coberto por urzes. Por lhes ter dado abrigo, o português e a irmã foram também detidos19. António Rendeiro, por ter infringido o artigo 6.º do decreto-lei n.º 15.884, datado de 24 de agosto de 1928, foi multado20. Poucos dias após serem detidas, Eudózia e a mãe, que, juntamente com o pai, se encontravam na cadeia civil de Melgaço, foram transferidas para o Hospital da Misericórdia de Melgaço em virtude do débil estado de saúde que apresentavam, de onde saíram a 6 de junho de 1938. À semelhança do que fizeram muitos outros refugiados, esta família dedicou-se a tratar da sua saída do país, sendo este processo intermediado pela polícia política, especialmente interessada em saber se os refugiados tinham posses suficientes que lhes permitissem pagar a viagem. A 28 de maio de 1938, a Diretoria da PVDE solicitava ao chefe do posto de Peso que informasse se esta família tinha meios suficientes para o pagamento da viagem destinada a Marselha, o que se verificou, destacando-se, porém, o facto de não possuírem nenhum documento de identificação que lhes permitisse obter os passaportes. 18 19 20 ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Serviços Centrais, Processo-crime 1518/37 NT 4498. ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Serviços Centrais, Processo-crime 1518/37 NT 4498. De acordo com este decreto, os portugueses estavam obrigados a comunicar à polícia internacional caso albergassem estrangeiros, sob pena de serem autuados em 100$ ou 500$, se fossem reincidentes. FÁ B I O A L E X A N D R E FA R I A E M A R I A J O Ã O VA Z | R E F U G I A D O S E S PA N H Ó I S E M C A S T R O L A B O R E I R O ( 1 9 3 6 - 1 9 3 9 ) 235 No início de julho de 1938, após uma tentativa falhada na obtenção de passaportes no Consulado da França do Porto, a família de Eudózia solicitou a transferência para Lisboa, onde entendia ser mais fácil adquirir os mesmos. Agostinho Lourenço, diretor da PVDE desde a sua criação, em agosto de 1933, autorizou que Eudózia e os pais fossem transferidos para Lisboa, sob condição de que estes pagassem, não só a sua viagem como a dos agentes que os acompanhassem na deslocação a partir de Melgaço. A 13 de julho, o Cônsul de França respondia a partir do Porto, comunicando que a autorização para a deslocação a Marselha teria de ser dada pelo governo francês, o que não era fácil, dada a maior afluência de refugiados a França. Cerca de um mês depois, a 10 de agosto, esta família embarcava em Lisboa no vapor Jamaique com destino a Casablanca, documentados pelo Cônsul de França21. Frequentemente, as buscas que as autoridades realizavam em perseguição de refugiados baseavam-se em denúncias feitas pela população local. No caso desta família, esta terá sido feita por um conterrâneo, José Juan Domínguez Rodríguez, o qual, permanecendo escondido em Portugal desde os finais de julho de 1936 em casa de Manuel Lopes e mantendo um relacionamento amoroso com Benesinda Duque, residentes na freguesia de Paderne, no concelho de Melgaço, acabou por ser detido e expulso para Espanha, confessando que em Portugal colaborara com a polícia, contribuindo para a captura de 8 refugiados, entre os quais se contavam Eudózia e os pais22. Ao longo dos cerca de 2 anos em que permaneceu refugiada em Portugal, a família Lorenzo relacionou-se de forma bastante próxima com as gentes de Castro Laboreiro, desenvolvendo laços de amizade com a população local, especialmente Eudózia, que ensinou matemática a algumas crianças da freguesia. Após entrarem em Portugal, estes galegos percorreram vários lugares da freguesia de Castro Laboreiro até chegarem a Alagoa, onde se estabeleceram na casa de José Fernandes e Rosa Domingues, aí permanecendo até março de 1937. Durante este tempo, os pais de Eudózia passaram as noites num palheiro, ao passo que esta dormiu juntamente com as filhas do casal, Delfina e Constância, sendo mais tarde acolhidos por António e Antónia Domingos Rendeiro no lugar de Rodeiro, em cuja casa acabaram por ser capturados. Ao longo deste ano, com o intuito de despistar a polícia portuguesa, alternaram a sua presença entre a branda de Rodeiro e a branda de Portos, contando neste último lugar com o apoio de Manuel Luís Alves e de Rosa Gonçalves (FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ 2019: 58-60). Contrariamente a muitos outros refugiados, Eudózia e os pais não foram 21 22 236 ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Serviços Centrais, Processo-crime 1518/37 NT 4498. ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Serviços Centrais, Processo-crime 1518/37 NT 4498. R E V I S TA D E H I S T Ó R I A D A S O C I E D A D E E D A C U LT U R A | 2 0 entregues às forças franquistas. Para esta situação terá contribuído o facto de o chefe da PVDE de Melgaço, João G. da Cunha, se ter encantado pela professora galega ao ouvir o relato da história que conduziu à sua fuga para Portugal23. É neste contexto que devemos interpretar as considerações feitas pelo operacional relativamente a este caso. Entendia que as acusações feitas pelas autoridades espanholas eram infundadas, acreditando que estas se deviam a uma vingança pessoal pelo facto de Eudózia ter terminado o namoro com um professor falangista e ter iniciado uma relação com um advogado de tendência esquerdista24. O caso da família Lorenzo ilustra o que foi a passagem por Portugal de muitos refugiados durante a Guerra Civil de Espanha e a II Guerra Mundial: entrar de forma clandestina e sem documentos no país; tentar passar despercebido às autoridades portuguesas, contando para isso, muitas vezes, com o auxílio da população local ou de seus conterrâneos já estabelecidos em Portugal; ser capturado pelas forças policiais portuguesas e colocado em prisões, maioritariamente no Forte do Caxias ou no Aljube; tratar da documentação necessária para a saída do país nos diferentes Consulados existentes em Portugal, sendo as despesas inerentes a esse processo suportadas pelos próprios refugiados ou, em alguns casos, pelas diferentes associações de auxílio aos mesmos. Este caso atesta ainda a solidariedade manifestada pela população portuguesa raiana perante as dificuldades destes fugitivos, ignorando o perigo que corria, prestando um auxílio que em muitas situações lhes valeu a detenção e o pagamento de multas25. Conclusão Castro Laboreiro foi uma localidade que conheceu uma considerável afluência de refugiados espanhóis não só durante a Guerra Civil de Espanha, como após a mesma. A preferência por este espaço como lugar de refúgio ficou a dever-se tanto à sua proximidade geográfica, como à própria natureza da região, que facilitava que os refugiados passassem despercebidos às autoridades portuguesas. A vida dos refugiados espanhóis na região de Castro Laboreiro foi facilitada pela existência de lugares de ocupação sazonal, como as inverneiras, que constituíam importantes esconderijos, bem como pelo terreno acidentado, 23 24 25 Testemunho de Delfina Fernandes gravado em vídeo, disponível em https://portugaldelesales.pt/eudosiarefugiada-galega-castro-laboreiro/ (consultado em 31 de outubro de 2019). ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Serviços Centrais, Processo-crime 1518/37 NT 4498. Alguma da documentação utilizada para estudar este caso foi fornecida por um descente desta família, Paul Feron Lorenzo, filho de Eudózia Lorenzo, a quem agradecemos encarecidamente. FÁ B I O A L E X A N D R E FA R I A E M A R I A J O Ã O VA Z | R E F U G I A D O S E S PA N H Ó I S E M C A S T R O L A B O R E I R O ( 1 9 3 6 - 1 9 3 9 ) 237 que dificultava a concretização de buscas e batidas por parte das forças policiais. Para que essa permanência passasse ainda mais despercebida contribuiu o auxílio prestado aos refugiados espanhóis pelas populações locais, o que, na opinião de alguns agentes, se processou a troco de dinheiro, arriscando os cidadãos portugueses serem detidos e sujeitos a sanções. Não obstante estas dificuldades, a PVDE e as restantes autoridades conseguiram concretizar algumas detenções de refugiados espanhóis e de portugueses, suspeitos de lhes prestarem auxílio, o que demonstra a colaboração e a entreajuda existente entre as instâncias que tinham a função de manter a ordem pública no país. Na repressão policial portuguesa aos refugiados interessou não apenas a afinidade ideológica existente entre os regimes salazarista e franquista, como também a preocupação em manter a ordem pública interna. O caso da família Lorenzo exemplifica o percurso de um vasto conjunto de refugiados por Portugal, desde a entrada clandestina e indocumentada no país até à expulsão do mesmo, por intermédio de qualquer uma das fronteiras, passando muitas vezes pela detenção e pela respetiva prisão. Em sentido contrário, houve também inúmeros refugiados que conseguiram iludir as autoridades portuguesas e permanecer no país durante largos anos ou sair para outros continentes, nomeadamente para a América. A passagem da família de Eudózia por Portugal ilustra ainda as situações pelas quais passavam os refugiados desde que entravam no país até serem capturados. Encontrando-se no país como fugitivos e na condição de clandestinos, os refugiados tinham de permanecer escondidos. Outra conclusão que podemos retirar prende-se com o interesse que as autoridades portuguesas tinham em manter esses indivíduos longe do território nacional, facilitando a deslocação aos Consulados de países estrangeiros para que pudessem tratar rapidamente da documentação necessária para abandonar Portugal. A repressão exercida pelas autoridades portuguesas e o cuidado com a vigilância e o controlo da fronteira terrestre, embora sendo reveladores da preocupação de Salazar com a manutenção da tranquilidade no país e da sua ambição em combater o comunismo e as ideias consideradas subversivas a este associadas, podem também ser entendidos como mais um exemplo da colaboração do regime salazarista com os nacionalistas espanhóis chefiados por Franco. Esta repressão policial revelou-se vantajosa para a fação franquista ao impedir a fuga de milhares de pessoas operando a entrega de inúmeros refugiados às tropas nacionalistas e contribuindo para que não se desenvolvessem atividades em Portugal que pudessem ser favoráveis aos republicanos (LANERO TÁBOAS et al 2009). 238 R E V I S TA D E H I S T Ó R I A D A S O C I E D A D E E D A C U LT U R A | 2 0 Bibliografia BEI, Gao (2013). Shanghai Sanctuary. Chinese and Japanese Policy toward European Jewish Refugees during World War II. Oxford: Oxford University Press. CANDEIAS, Maria Fernanda (1997). O Alentejo e a Guerra Civil de Espanha. Vigilância e Fiscalização das Povoações Fronteiriças. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. CUNHA, Luís (2006). Memória Social em Campo Maior. Lisboa: Dom Quixote. DE LA TORRE GÓMEZ, Hipólito (2010). O Estado Novo de Salazar. Alfragide: Leya. DELGADO, Iva (1980). 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Quadro 2 – Existência de espanhóis presos em Portugal em 25 de setembro de 1936 Local Presos Barrancos 8 Bragança 99 Castelo Branco 18 Chaves 12 Campo Maior 1 Elvas 61 Moura 37 Valença 1 Vilar Formoso 4 Forte de Caxias 255 Total 496 Fonte: ANTT, Arquivo Oliveira Salazar/CO/IN-8C, pt. 1, Informações da PVDE – Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado sobre presos políticos portugueses e estrangeiros. 242 R E V I S TA D E H I S T Ó R I A D A S O C I E D A D E E D A C U LT U R A | 2 0








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