Sobre este e-book
"Demônios" é uma obra indispensável para os amantes da literatura brasileira e para todos que buscam compreender as profundezas da natureza humana. Nesta edição, trouxemos a versão final publicada na coletânea original de Aluísio Azevedo, mas também a versão original, publicada em capítulos na Gazeta de Notícias, em 1891 — maior e mais assustadora em vários momentos! Além das ilustrações incluídas na versão em capa-dura da nossa edição.
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Pré-visualização do livro
Demônios - Aluísio Azevedo
Sumário
Introdução
Foto de Aluísio Azevedo
Sobre as versões de Demônios
Conto 1
Demônios
Conto 2
Vícios
Conto 3
Último lance
Conto 4
O Macaco Azul
Conto 5
O Impenitente
Conto 6
Pelo Caminho
Conto 7
Resposta
Conto 8
Aos Vinte Anos
Conto 9
Heranças
Conto 10
A Serpente
Conto 11
No Maranhão
Conto 12
Uma lição
Conto 13
Fora de Horas
Conto 14
Inveja
Conto 15
Das Notas de uma Viúva
Conto 16
Insepultos
Conto 17
O Madeireiro
Conto 18
Músculos e Nervos
Conto 19
Como o Demo as Arma
Conto 20
Polítipo
Conto 21
Demônios (versão original)
Demônios
Aluísio Azevedo
Demônios – Aluísio Azevedo
Uma introdução à vida e obra do autor de O Cortiço
por Braulio Queiroz
Vamos falar sobre este maranhense, de São Luís, nascido em 14 de abril de 1857. Seu nome é Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo ou simplesmente Aluísio Azevedo. Escritor, caricaturista, jornalista, diplomata e cofundador da Academia Brasileira de Letras, ABL. Definitivamente, um homem multitarefas, antenado com os acontecimentos não só brasileiros, mas também mundiais a sua volta.
Filho de D. Emília Amália Pinto de Magalhães e do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo, o menino Aluísio Azevedo desde cedo demonstrou interesse pelas artes. O garoto gostava muito de desenhar e pintar suas ilustrações. Isso fez com que seus pais se mudassem de São Luís, no Maranhão, para o Rio de Janeiro assim que o jovem Aluísio terminou a educação básica em 1876, com dezenove anos. O objetivo era matriculá-lo na Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. Na capital do país, à época, desenhava caricaturas para os jornais O Fígaro, A Semana Ilustrada, O Mequetrefe, e Zig-Zag. Também rascunhava cenas de romances.
Com a morte do pai, Aluísio Azevedo e a mãe voltaram para São Luís onde ele começou sua carreira de escritor. Dono de uma carreira literária sólida, Aluísio escreveu cerca de vinte e duas obras entre romances, contos e peças teatrais. Suas primeiras obras, entre elas o romance Uma Lágrima de Mulher, de 1879, tiveram como inspiração o Romantismo. Assim como seu amigo contemporâneo carioca e fundador da ABL, Machado de Assis.
No entanto, assim como o Bruxo de Cosme Velho deu uma guinada na carreira, em 1881, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, inaugurando o Realismo no Brasil, Aluísio Azevedo, também em 1881, publicou um livro que mudou as bases da literatura brasileira, o romance naturalista O Mulato. A obra, inspirada na literatura do português Eça de Queirós e do francês Émile Zola, inaugurou o Naturalismo no Brasil.
O Naturalismo é uma estética literária que pode ser chamada de realismo científico, pois os autores dessa estética apoiaram-se nas correntes científico-filosóficas que vigoram no final do século XIX, como o Positivismo, de Auguste Comte; o Determinismo, Hippolyte Taine, e o Darwinismo, de Charles Darwin. Aluísio Azevedo bebeu fartamente da água dessas correntes científico-filosóficas. Um exemplo disso ocorre em vários trechos de sua obra mais famosa, O Cortiço (1890), como em: "Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. (...) O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço." Ao tratar as personagens como machos e fêmeas, utiliza-se a técnica da zoomorfização, ou seja, o homem não é nada mais do que um animal à luz da biologia de Darwin.
Temas como promiscuidade, o adultério, o racismo, a pobreza, os vícios são tratados como patologias sociais. O sexo, de forma mais bruta e até animalesca também, é bastante retratado em sua obra. O olhar de Aluísio Azevedo, em suas obras, foi sempre mais coletivo do que individual.
Da vasta obra de Aluísio Azevedo, merecem destaque O Mulato, a primeira obra Naturalista; Casa de Pensão, que o consagra de vez como grande escritor; O Cortiço, sua obra-prima, e um livro de contos, diferente do estilo tradicional de Azevedo, chamado Demônios, de 1893. Um livro de narrativas curtas e com uma boa dose de humor, bem ao estilo de Guy de Maupassant. Há no livro, porém, um conto mais longo homônimo ao título do livro, Demônios. Esse conto foi considerado o precursor da ficção científica brasileira.
No conto Demônios
, Aluízio de Azevedo colocou um ar de suspense em uma história naturalista/realista em certas partes do seu texto. A história começa com o personagem tendo certas alucinações que o levam a duvidar sobre o que era aquilo. O autor, personagem sempre falando em primeira pessoa, fora dormir, porém o dia não amanhecia. O sol não se abria mais e o mundo estava em completa escuridão. Todas as pessoas haviam morrido e tudo estava fora do normal: pessoas mortas, o mundo e a natureza parados.
Em 1895, próximo dos 40, anos Aluísio Azevedo ingressou na carreira diplomática ao vencer um concurso para cônsul. O primeiro lugar que trabalhou foi na cidade de Vigo, na Espanha, depois passou, também, por Japão, Inglaterra, Itália, Uruguai, Paraguai e Argentina. Nesse período, ele deixou a carreira literária para se dedicar à diplomática. Aluísio viveu na Argentina e no país portenho conheceu dona Pastora Luquez, por quem se apaixonou. Passou a viver com ela e adotou seus filhos Pastor e Zulema.
No dia 21 de janeiro de 1913, morreu Aluísio Azevedo em Buenos Aires, na Argentina, devido a problemas cardíacos. Após 6 anos de seu falecimento, durante o governo de Coelho Neto, a urna funerária de Aluísio foi levada para a sua terra natal, em São Luís, Maranhão.
Sendo assim...
Boa leitura!
Braulio Queiroz
Abril de 2024
Aluísio AzevedoSobre as versões de Demônios
Existem três versões diferentes para o conto Demônios
e que representam momentos distintos da vida de Aluísio Azevedo. Em cada uma dessas versões há um elemento estratégico do escritor que pensa em sua obra não apenas como arte literária (o que o tornaria um romântico, tendo no texto a representação gótica desse romantismo plenamente justificável num primeiro olhar desavisado), mas como objeto de prova da condição humana mais básica e animal, mais racional e prática.
A primeira versão foi publicada em capítulos pelo jornal Gazeta de Notícias, de 1° a 11 de janeiro de 1891. É a versão mais profunda e fantástica, carregada em tintas de horror gótico e sobrenatural. Sensualismo profano, medos etéreos, necrofilia, sensações nefastas e contradições mundanas vão se misturando e tomando o mundo em que o romântico escritor acorda insone e percebe que a realidade pode ter sido tomada pelos demônios que o incitaram a escrever uma última história.
Atacado por colegas e críticos do romantismo, que certamente não entenderam o evidente panfletarismo naturalista da história (onde o amor romântico é substituído pelo desejo sexual mais profano, onde o pesar de estar rodeado por pessoas mortas é substituído pela fome carnal, pela redução do indivíduo ao que há de mais material no corpo e no mundo que nos cerca), Aluísio desenvolve o texto usando o gótico como alegoria e não como fim em si mesmo.
A segunda versão seria publicada dois anos depois numa coletânea que levou o mesmo nome. Nesta o autor fez mudanças sutis, além de retirar um capítulo — um episódio em que os protagonistas se encontram com almas sofredoras e que talvez seja o trecho da história que mais alude à moralidade elevada por trás da fantasia gótica. Era como se Aluísio Azevedo enxergasse ali um panfletarismo com que não quisesse mais se envolver.
E, por fim, temos a versão publicada em 1898, quando o autor já era diplomata e havia vendido os direitos de suas obras para a Garnier. Uma nova coletânea, chamada Pegadas
, foi organizada, e Aluísio Azevedo decidiu-se por uma versão ainda mais enxuta, eliminou a maior parte dos elementos sexuais da história e tentou ser menos repulsivo em suas descrições — de necrofilia, de estado de morte e decomposição...
A segunda versão do conto abre nossa coletânea como ela foi publicada em 1893 — seguindo-se os diversos (e maravilhosos) contos daquele livro, a maioria deles sutis recortes de realidades carregadas pelo naturalismo que esmiúça a verdade humana por trás das ambições e atos dos personagens. Alguns deles são mais sutis ao tocar nas motivações de cada um, outros escancaram em reviravoltas a mesquinhez, o vício, a mentira, o escárnio com o que é sagrado ou romântico.
E por último, trouxemos a versão original de Demônios
, como publicada nas páginas da Gazeta de Notícias — cheia de perversidades, sensualíssima, grotesca em vários aspectos e assustadora em termos de genialidade!
Demônios
O meu quarto de rapaz solteiro era bem no alto; um mirante isolado, por cima do terceiro andar de uma grande e sombria casa de pensão da rua do Riachuelo com uma larga varanda de duas portas, aberta contra o nascente, e meia dúzia de janelas desafrontadas, que davam para os outros pontos, dominando os telhados da vizinhança.
Um pobre quarto, mas uma vista esplêndida! Da varanda, em que eu tinha as minhas queridas violetas, as minhas begônias e os meus tinhorões, únicos companheiros animados daquele meu isolamento e daquela minha triste vida de escritor, descortinava-se amplamente, nas encantadoras nuanças da perspectiva, uma grande parte da cidade, que se estendia por ali a fora, com a sua pitoresca acumulação de árvores e telhados, palmeiras e chaminés, torres de igreja e perfis de montanhas tortuosas, donde o sol, através da atmosfera, tirava, nos seus sonhos dourados, os mais belos efeitos de luz. Os morros, mais perto, mais longe, erguiam-se alegres e verdejantes, ponteados de casinhas brancas, e lá se iam desdobrando, a fazer-se cada vez mais azuis e vaporosos, até que se perdiam de todo, muito além, nos segredos do horizonte, confundidos com as nuvens, numa só coloração de tintas ideais e castas.
Meu prazer era trabalhar aí, de manhã bem cedo, depois do café, olhando tudo aquilo pelas janelas abertas defronte da minha velha e singela mesa de carvalho, bebendo pelos olhos a alma dessa natureza inocente e namoradora, que me sorria, sem fatigar-me jamais o espírito, com a sua graça ingênua e com sua virgindade sensual.
E ninguém me viesse falar em quadros e estatuetas; não! queria as paredes nuas, totalmente nuas, e os móveis sem adornos, porque a arte me parecia mesquinha e banal em confronto com aquela fascinadora realidade, tão simples, tão despretensiosa, mas tão rica e tão completa.
O único desenho que eu conservava à vista, pendurado à cabeceira da cama, era um retrato de Laura, minha noiva prometida, e esse feito por mim mesmo, a pastel, representando-a com a roupa de andar em casa, o pescoço nu e o cabelo preso ao alto da cabeça por um laço de fita cor-de-rosa.
I
Quase nunca trabalhava à noite; às vezes, porém, quando me sucedia acordar fora de horas, sem vontade de continuar a dormir, ia para a mesa e esperava, lendo ou escrevendo, que amanhecesse.
Uma ocasião acordei assim, mas sem consciência de nada, como se viesse de um desses longos sonos de doente a decidir; desses profundos e silenciosos, em que não há sonhos, e dos quais, ou se desperta vitorioso para entrar em ampla convalescença, ou se sai apenas um instante para mergulhar logo nesse outro sono, ainda mais profundo, donde nunca mais se volta.
Olhei em torno de mim, admirado do longo espaço que me separava da vida e, logo que me senti mais senhor das minhas faculdades, estranhei não perceber o dia através das cortinas do quarto, e não ouvir, como de costume, pipilarem as cambaxirras defronte das janelas por cima dos telhados.
— É que naturalmente ainda não amanheceu. Também não deve tardar muito... — calculei, saltando da cama e enfiando o roupão de banho, disposto a esperar sua alteza, o sol, assentado à varanda a fumar um cigarro.
Entretanto, cousa singular! parecia-me ter dormido em demasia; ter dormido muito mais da minha conta habitual. Sentia-me estranhamente farto de sono; tinha a impressão lassa de quem passou da sua hora de acordar e foi entrando, a dormir pelo dia e pela tarde, como só nos acontece depois de uma grande extenuação nervosa ou tendo anteriormente perdido muitas noites seguidas.
Ora, comigo não havia razão para semelhante cousa, porque, justamente naqueles últimos tempos, desde que estava noivo, recolhia-me sempre cedo e cedo me deitava. Ainda na véspera, lembro-me bem, depois do jantar saíra apenas a dar um pequeno passeio, fizera à família de Laura a minha visita de todos os dias, e às dez horas já estava de volta, estendido na cama, com um livro aberto sobre o peito, a bocejar. Não passariam de onze e meia quando peguei no sono.
Sim! não havia dúvida que era bem singular não ter amanhecido!... pensei, indo abrir uma das janelas da varanda.
Qual não foi, porém, a minha decepção quando, interrogando o nascente, dei com ele ainda completamente fechado e negro, e, abaixando o olhar, vi a cidade afogada em trevas e sucumbida no mais profundo silêncio!
— Oh! Era singular, muito singular!
No céu as estrelas pareciam amortecidas, de um bruxulear difuso e pálido; nas ruas os lampiões mal se acusavam por longas reticências de uma luz deslavada e triste. Nenhum operário passava para o trabalho; não se ouvia o cantarolar de um ébrio, o rodar de um carro, nem o ladrar de um cão.
Singular! muito singular!
Acendi a vela e corri ao meu relógio de algibeira. Marcava meia-noite. Levei-o ao ouvido, com avidez de quem consulta o coração de um moribundo; já não pulsava: tinha esgotado toda a corda. Fi-lo começar a trabalhar de novo, mas as suas pulsações eram tão fracas, que só com extrema dificuldade conseguia eu distingui-las.
— É singular! muito singular! — repetia, calculando que, se o relógio esgotara toda a corda, era porque eu então havia dormido muito mais ainda do que supunha! eu então atravessara um dia inteiro sem acordar e entrara do mesmo modo pela noite seguinte.
Mas, afinal que horas seriam?...
Tornei à varanda, para consultar de novo aquela estranha noite, em que as estrelas desmaiavam antes de chegar a aurora. E a noite nada me respondeu, fechada no seu egoísmo surdo e tenebroso.
Que horas seriam?... Se eu ouvisse algum relógio da vizinhança!... Ouvir?... Mas se em torno de mim tudo parecia entorpecido e morto?...
E veio-me a dúvida de que eu tivesse perdido a faculdade de ouvir durante aquele maldito sono de tantas horas; fulminado por esta ideia, precipitei-me sobre o tímpano da mesa e vibrei-o com toda a força.
O som fez-se, porém, abafado e lento, como se lutasse com grande resistência para vencer o peso do ar.
E só então notei que a luz da vela, à semelhança do som do tímpano, também não era intensa e clara como de ordinário e parecia oprimida por uma atmosfera de catacumba.
Que significaria isto?... que estranho cataclismo abalaria o mundo?... que teria acontecido de tão transcendente durante aquela minha ausência da vida, para que eu, à volta, viesse encontrar o som e a luz, as duas expressões mais impressionadoras do mundo físico, assim trôpegas e assim vacilantes, nem que toda a natureza envelhecesse maravilhosamente enquanto eu tinha os olhos fechados e o cérebro em repouso?!...
— Ilusão minha, com certeza! que louca és tu, minha pobre fantasia! Daqui a nada estará amanhecendo, e todos estes teus caprichos, teus ou da noite, essa outra doida, desaparecerão aos primeiros raios do sol. O melhor é trabalharmos! Sinto-me até bem-disposto para escrever! trabalhemos, que daqui a pouco tudo reviverá como nos outros dias! de novo os vales e as montanhas se farão esmeraldinas e alegres; e o céu transbordará da sua refulgente concha de turquesa a opulência das cores e das luzes; e de novo ondulará no espaço a música dos ventos; e as aves acordarão as rosas dos campos com os seus melodiosos duetos de amor! Trabalhemos! Trabalhemos!
Acendi mais duas velas, porque só com a primeira quase que me era impossível enxergar; arranjei-me ao lavatório; fiz uma xícara de café bem forte, tomei-a, e fui para a mesa de trabalho.
II
Daí