Narrativas Da Memoria Juventude Negra e
Narrativas Da Memoria Juventude Negra e
Narrativas Da Memoria Juventude Negra e
Revista de Cultura
Reitor
AMARO HENRIQUE PESSOA LINS
Vice-Reitor
GILSON EDMAR GONALVES E SILVA
Editor
DENIS ANTNIO DE MENDONA BERNARDES
Comisso Editorial
ALLENE CARVALHO LAGE, CARLOS COSTA DANTAS, DENIS ANTNIO DE MENDONA BERNARDES,
HELOSA MARIA MENDONA DE MORAIS, LOURIVAL DE HOLANDA BARROS,
MARCOS FERREIRA COSTA LIMA, SOLANGE GALVO COUTINHO
Conselho Cientfico
ANA MAE BARBOSA (USP), GIANE DA PAZ FERREIRA DA SILVA (UFPE), JOS DIAS DOS SANTOS (UFPE),
JOS MAURCIO DOS SANTOS FILHO (UFPE), LUIZ COSTA LIMA (PUC/RJ), MARIA ELIETE SANTIAGO (UFPE),
MARIO DE FARIA CARVALHO (UFPE), MAURICIO ALVES DA MOTTA SOBRINHO (UFPE), MIGUEL NGELO LAPORTA
NICOLELIS (UNIVERSIDADE DE DUKE/EUA), ROGRIO LUIZ COVALESK (UFPE), SRGIO ALVES DE SOUZA (UFPE),
SURANYIT KUMAR SAHA (WALLES UNIVERSITY), SUZANA NOVICK (UNIVERSIDADE DE BUENOS AIRES),
TNIA BACELAR DE ARAJO (UFPE), THEOTNIO DOS SANTOS (UFRJ).
Secretaria
DJANYSE BARROS DE ARRUDA MENDONA, MIRIAM VILA NOVA MAIA, GEYSA KARLA GALVO
Catalogao na fonte:
Bibliotecria Joselly de Barros Gonalves, CRB4-1748
UFPE
378 CDD (22.ed.) BC2010-
Design Grfico
Bureau de Design da PROEXT/UFPE
MANUELA BRAGA E SOLANGE COUTINHO
Capa: ANDERSON MARTINS
Coordenao Geral: Jowania Rosas
Reviso
DANIEL CISNEIROS
ESTUDOS
ALLENE LAGE E LOURIVAL HOLANDA
Apresentao do tema Juventudes 11
TERESA CRISTINA ESMERALDO BEZERRA MEMRIA
JUVENTUDE E CIDADANIA: DENIS ANTNIO DE MENDONA BERNARDES E
Uma Crtica Estetizao 15 JULIENE TENRIO DE ALBUQUERQUE
A JUVENTUDE NAS CONSTITUIES
EDIMA VERNICA DE MORAIS E ALLENE LAGE 89 BRASILEIRAS: Um Trajeto Histrico
A PARTICIPAO POLTICA DOS
ESTUDANTES EM CARUARU: DECRETO N. 219, de 24 de Novembro
Formao Poltica, Desafios e Limites do de 1938 Cria a autarquia administra-
Movimento Estudantil da Atualidade 29 103 tiva Casa do Estudante de Pernambuco
135 NOTCIAS
Editorial
Mos obra.
7
Denis Bernardes
2 Ver Habermas.
3 Ver Sociologia das Ausncias e das Emergncias de Boaventura de Sousa Santos.
hip-hop, alm do trajeto histrico da juventude nas constituies brasilei-
ras so os pontos de partida para o debate que pretendemos iniciar. Neste
conjunto de vozes contamos com Teresa Cristina Esmeraldo Bezerra, Edima
Vernica de Morais, Allene Lage, Mauricio Antunes Tavares, Silvia Regina
Lorenso de Castro e Adjair Alves, Denis Antnio de Mendona Bernardes e
Juliene Tenrio de Albuquerque.
15
Introduo
2 As polticas pblicas de Embora no tenha a pretenso de dar respostas para todas estas inter-
juventude so considera-
das polticas setoriais e por rogaes, elas podem servir de fio condutor ao debate, pois se encon-
segmento da populao, cuja tram, atualmente, no centro das reflexes dos pesquisadores que discutem
emergncia relaciona-se ao re-
conhecimento dos jovens (para a juventude como categoria social e as chamadas polticas pblicas de
alm da adolescncia) como juventude2. Como bem argumenta Regina Novaes, as respostas a tais in-
sujeitos de direitos por parte
do Estado, englobando, quanto dagaes podem revelar no s diferentes perspectivas tericas de anlise,
ao critrio etrio, a faixa etria
dos 15 aos 29 anos. No Brasil, mas campos de disputa econmica, poltica, ideolgica e conflitos entre e
tal reconhecimento deve-se s intergeraes (2006, p. 105).
mudanas na condio juvenil
no contexto contemporneo, as
quais sero explicitadas neste
artigo. Maiores esclarecimentos.
Para se ter uma ideia, bastaria que fizssemos um exerccio coletivo na
Cf. FREITAS, M.V. & PAPA, F. busca de encontrar respostas para aquelas interrogaes. Causaria sur-
C. (Org.) Polticas pblicas:
juventude em pauta, So Paulo: presa provavelmente, a diversidade e heterogeneidade das concepes so-
Cortez: Ao Educativa, Asses- bre juventude, a depender das condies scio-econmicas, das situaes
soria, Pesquisa e Informao:
Fundao Friedrich Ebert, 2003. histrico-culturais dos indivduos e de suas vises de mundo, mediadas por
determinantes de classe social, gnero, raa, etnia, regio em que vivem,
religio, etc. Esta heterogeneidade, no entanto, no impede a identificao
de traos recorrentes e de tendncias gerais que atravessam hoje as diversas
concepes sobre juventude na nossa sociedade.
Mas o que significa afirmar isto? Em outras palavras, significa dizer que
as definies sobre o que ser jovem, quem considerado jovem, quando
se inicia e se deixa de ser jovem variam conforme o tempo, a experincia
histrico-cultural dos indivduos sociais, e so sempre diferentes nas diver-
sas culturas e espaos sociais (Novaes: 2006).
3 Mesmo reconhecendo a indiferenciao entre infncia e juventude argumentada por Aris (1981),
Schindler (1996) menciona rituais diferenciados, conforme o gnero e a classe social, que j demarcavam a
construo de uma cultura juvenil distinta daquela da infncia e do mundo adulto nos sculos XVI e XVII.
Tais rituais sinalizavam para a presena de provas, as mais diversas, que possibilitavam a sada da infncia
e a entrada no mundo juvenil (testes de coragem, assuno de uma linguagem diferenciada, acesso aos
lugares e espaos prprios, etc). Ele argumenta, tambm, sobre a ritualizao da sada deste universo juve-
nil, por intermdio da constituio de uma nova famlia, mediante a instituio do casamento; pela via da
aquisio de independncia financeira, graas conquista de uma herana ou pela entrada no mercado de
trabalho; enfim, pela assuno de um status pblico-poltico de cidadania. No entanto, para este historia-
dor as relaes entre jovens e adultos, nos primrdios da modernidade, eram consideradas mais flexveis,
pois aos jovens se permitia maior liberdade de ao, dada a idia de experimentao ser considerada tpica
deste momento da vida. Da os jovens terem assumido a funo de tutores da desordem, responsabili-
zando-se pela organizao do carnaval, de festas populares, e de diferentes rituais em que se dava uma
inverso dos papis sociais, num processo de aprendizado dos futuros lugares e funes que assumiriam nas
comunidades. Esta viso sobre a juventude nos primrdios da modernidade sofrer descontinuidade com
o avano da industrializao e urbanizao, prevalecendo uma relao diferenciada e de distanciamento
entre as geraes, bem como uma perspectiva de disciplina e controle em relao desordem juvenil.
Cf. SCHINDLER, N. Os tutores da desordem: rituais da cultura juvenil nos primrdios da era moderna. In:
LEVI, G. & SCHMITT, C. trad.br. Cludio Marcondes, Nilson Moulin, Paulo Neves. Histria dos jovens: da
antiguidade era moderna, So Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.p.265-324.
4 Este processo compreendido como a perda da centralidade e do poder dos velhos na hierarquia das socie-
dades, sobretudo modernas, quer no mundo do trabalho, nas instituies sociais e polticas; quer no mbito
da cultura. A associao entre velhice, tradio, memria e sabedoria, que outrora dera poder aos ancios no
se sustentar mais numa civilizao em constante transformao, onde o essencial a adeso ao movimento
e no a experincia acumulada. Da a promoo da juvenilidade e sua associao s idias de novidade, novo,
modernidade. Cf. MORIN, E. Juventude. In: Cultura de massas no sculo XX: neurose. Trad.br. Maura Ribeiro
Sardinha. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2002, p.p.147-157.
Tal cidadania est ancorada nos ideais de liberdade, autonomia, eman-
cipao e reconhecimento social dos indivduos como sujeitos plenos de
direitos: o direito de decidirem sobre o seu destino e os destinos da cidade.
Suas bases se assentam na insero no mundo da produo (entrada no
mercado de trabalho independncia financeira); na esfera da reproduo
social (formao de uma nova famlia capacidade de gerar e cuidar dos
filhos autonomia emocional); e no mbito da participao social e polti-
ca (nas decises, direitos e deveres que regulam a sociedade emancipao
social e poltica).
5 Sobre a adolescncia como moratria social imposta pela sociedade tardo-moderna aos jovens, rep-
resentando um tempo de suspenso entre a chegada maturao dos corpos e a autorizao para
realizao dos valores sociais bsicos (independncia, sucesso financeiro, social, amoroso e sexual), cf.
CALLIGARIS, C. A adolescncia, So Paulo: Publifolha, 2000, p.12-21.
mundo do trabalho. Sem mencionar-se ainda que a possibilidade de experi-
mentar a juventude como moratria social, tambm era um privilgio dos
indivduos pertencentes ao gnero masculino e raa branca.
O termo situao juvenil, por sua vez, busca expressar o modo como os
diferentes sujeitos jovens vivenciam a condio juvenil, tendo em vista suas
condies scio-econmicas e deo-culturais, ou seja: as experincias de
classe, gnero, raa, etnia, etc. Em outras palavras, por meio da situao
juvenil que se pode destacar a heterogeneidade da condio juvenil, evi-
denciando as diferenas e as possveis desigualdades em sua vivncia.
6 Sobre a polmica e os usos destas expresses para caracterizar a juventude como categoria social. Cf.
SPOSITO, M. Trajetrias na construo de polticas pblicas de juventude no Brasil. In: FREITAS, M.V. &
PAPA, F. C. (Org.) Polticas pblicas: juventude em pauta, pp.57-75; ABRAMO, H.W. Condio juvenil no
Brasil contemporneo. In: ABRAMO, H.W. & BRANCO, P.P.M. Retratos da juventude brasileira: anlises de
uma pesquisa nacional. So Paulo: Editora Fundao Perseu Abramo: Instituto Cidadania, 2005, p.p.37-72.
texto contemporneo. Basta se pensar na transformao da juventude em
ideal social a ser perseguido por todos, independentemente da classe social,
do gnero, da raa e da gerao, graas sua estetizao7 como signo de
consumo. Um fenmeno difundido no imaginrio capitalista contempor-
neo, por intermdio dos meios de comunicao de massa, cujo peso na
nossa experincia social cada vez mais significativo. Da a necessidade,
ao se discutir juventude e condio juvenil na atualidade, de se levar em
considerao o peso das construes veiculadas por intermdio da sua es-
tetizao, que interferem nas vivncias de diferentes geraes, em especial
daquelas consideradas jovens, de modo interclassista.
7 A estetizao compreendida como experincia scio-cultural que decorre de uma exploso do esttico
para alm de suas fronteiras tradicionais, em razo das novas configuraes assumidas pelos meios de
comunicao de massa e pelas novas tecnologias informacionais, que se articulam profuso do mercado e
consumo globalizados nas sociedades contemporneas. Estes meios assumem a funo de distribuidores de
informaes, cultura e entretenimento, seguindo sempre critrios gerais de beleza, no sentido da atrao
formal dos produtos. A exploso do esttico se revela mediante a profuso de modelos, modas, formas de
comportamento, identidades e linguagens associados a diversos estilos culturais, mediados pelo consumo,
e que so acompanhados da exigncia de inovao constante de hbitos, costumes, gostos, objetos e am-
bientes. Cf. BEZERRA, T.C.E. O estetismo difuso na experincia do hip hop: resistncia e adaptao nas
verses locais do MH20CE e do Movimento Hip Hop Cultura de Rua. Fortaleza: UFC/Departamento de
Cincias Sociais e Filosofia, 1999. (Dissertao de Mestrado). p.p.11-13.
8 Sobre a relao entre a expanso da indstria cultural, da cultura de massa e a juvenilizao da sociedade,
cf. MORIN, E. Cultura de massas no sculo XX: neurose. V.1. Trad.br. Maura Ribeiro Sardinha. 9. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitria, 2002; MORIN, E. & NAHOUM, I. Cultura de massas no sculo XX: necrose.
V.II. Trad.br. Agenor Soares Santos, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2003.
9 Segundo Morin (2003), a cultura de massas descentraliza e entra em concorrncia com o papel antes
atribudo a determinadas instituies responsveis pela transmisso cultural e socializao dos indivduos, a
exemplo da famlia, da escola, das instituies religiosas, do emprego assalariado, das organizaes scio-
polticas, entre outras.
veiculao. Tais meios assumem uma centralidade na construo dos novos
mitos, imagens, modelos de comportamento, ideais de felicidade e valores
que iro povoar o imaginrio social, definindo como tipos ideais de homem
e de mulher aqueles considerados jovens, belos e sedutores.
presente. (2002:152)
10 Para Morin (2002: 153) a adolescncia s surge como classe de idade na civilizao do sculo XX,
momento em que o rito social da iniciao no mundo adulto perde a sua virtude operadora, perece ou de-
saparece. Algo que se acentua na segunda metade do sculo XX, diante das transformaes scio-econmicas
e expanso da indstria cultural. O que a caracteriza a moratria sociamente imposta pelos adultos, um
tempo a mais para o aprendizado, um perodo em que nem se considerado criana, nem adulto. Da a
contradio fundamental que a caracteriza: a busca de autenticidade e ao mesmo tempo de integrao na
sociedade (Idem: 154). A cultura adolescente juvenil se constri, ento, em busca desta autenticidade, uma
identidade prpria, e ao mesmo tempo, mediante o desejo de reconhecimento social no mundo dos adultos.
Por isso, a tendncia comum aos grupos de adolescentes a afirmar sua prpria moral, arvorar seu uniforme
(blue jeans, bluses, suteres), a seguir sua prpria moda, a reconhecer-se nos heris, uns exibidos pelo
cinema (James Dean, Belmondo), outros oriundos da imprensa (...) uma sensibilidade adolescente se infil-
tra na cultura de massas... (Idem: 155). Esta cultura absorvida e encontra um estilo esttico-ldico na
cultura de massa, que desagrega os valores gerontocrticos, acentua a desvalorizao da velhice, d forma
promoo dos valores juvenis, assimila uma parte das experincias adolescentes. (Idem: 157). Cf. MORIN,
E. Juventude. In: Cultura de massas no sculo XX: neurose. pp.154,155.
um estado de esprito, um jeito de corpo, um sinal de sade e disposio, um
perfil de consumidor, uma fatia do mercado onde todos querem se incluir. Parece
humilhante deixar de ser jovem e ingressar naquele perodo da vida em que os
mais complacentes nos olham com piedade e simpatia, e para no utilizar uma
palavra ofensiva velhice , preferem o eufemismo dos termos terceira idade
ou melhor idade. (Idem: p. 89-90)
Ainda para a psicanalista, hoje em dia, passamos de uma longa, lon-
gussima juventude, direto para a velhice, deixando vazio o lugar
que deveria ser ocupado pelo adulto. (Idem: p. 90). Numa socie-
dade pautada pela indstria cultural, diz a autora, as identifica-
es se constituem por meio de imagens industrializadas (Idem:
p. 93). No entanto,
11 Sobre a relao entre individualismo, narcisismo e ressentimento na cultura contempornea, cf. KHEL,
Maria Rita. Ressentimento. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2004. Ainda sobre a individualidade mnima ou
narcisista como sintoma da cultura contempornea, cf. LASCH, Cristopher. O mnimo eu: sobrevivncia
psquica em tempos difceis. So Paulo: Brasiliense, 1990; LASCH, Cristopher. A cultura do narcisismo: a
vida americana numa era de esperanas em declnio. Rio de Janeiro: Imago, 1983.
12 Sobre a crise no espao social e nos vnculos afetivo-sociais como crise da poltica, em razo da nova forma
que assume o imaginrio capitalista contemporneo. Cf. BARCELLONA, P. O egosmo maduro e a insensatez
do capital. Trad.br. Sebastio Jos Roque. So Paulo: cone, 1995.
delinqncia por assimilao aos valores hedonistas do consumo e no
por desadaptao. Outros novos sintomas da cultura contempornea po-
dem ser percebidos no aumento da toxicomania, da agressividade e da
intolerncia, que revelam o esgaramento dos vnculos afetivos e sociais no
mbito das relaes cotidianas entre e intergeraes13.
REFERNCIAS
ABAD, M. Crtica das polticas de juventude. In: FREITAS, M.V. & PAPA, F.
C. (Orgs.). Polticas pblicas: a juventude em pauta, So Paulo: Cortez;
Ao Educativa Assessoria, Pesquisa e Informao; Fundao Friedrich Eb-
ert, 2003. pp. 12-32.
Introduo
2 Pedagoga pela UFPE. Profes- A forma como hoje conhecemos e entendemos o Movimento Estudantil
sora da Prefeitura Municipal
de Caruaru. Foi bolsista PIBIC (ME) existe desde a criao da UNE (Unio Nacional dos Estudantes) em
com projeto sobre o Movimento 1937. No entanto isso no significa que os estudantes s se organizaram
Estudantil de Caruaru.
a partir de 1937. No livro O Poder Jovem (1968) Poerner cita a primeira
3 Doutora em Sociologia pela
Universidade de Coimbra. manifestao estudantil registrada pela histria no Brasil ocorrida ainda
Professora Adjunta da UFPE. Foi no perodo colonial. Porm, a nossa pesquisa pretende traar um paralelo
orientadora do Projeto de PIBIC
e TCC da primeira autora. histrico da organizao estudantil desde a criao da UNE.
Socialmente usamos critrios para classificar/distinguir/hierarquizar os in-
divduos, e a juventude um destes. Essa classificao depende de alguns
fatores como o contexto histrico e social de cada poca ou forma como
cada sociedade se organiza. Assim, como exemplo, na Roma antiga, a vida
humana est dividida em duas etapas: a imaturidade e a maturidade, a
primeira ligada fase em que o homem no sabe controlar seus instintos e
a segunda, por volta dos cinquenta anos, quando o indivduo suficiente-
mente maduro para assumir todos os direitos e deveres da sua vida pblica.
(BENEVIDES, 2006).
Nessa direo o referido autor traz uma reflexo sobre a classificao dos
indivduos em categorias elaboradas como a idade, para definir lugares
e poderes que os jovens reivindicariam para si, o lugar ocupado pelos
velhos nos espaos pblicos da vida social. Tambm um perodo em
que os jovens se afastam da esfera privada se aproximando do universo
pblico. Nesse confronto, segundo Costa apud Benevides (2006), estaria
a razo pela qual a juventude comumente caracterizada como uma fase
de inquietao.
30
Quando observamos a histria do Brasil e os diferentes momentos de trans-
ESTUDOS - Estudos Universitrios
O dia 26 de junho foi marcado por um ato que ficou conhecido como a
Passeata dos cem mil, que aconteceu de forma pacfica. A partir dessa
manifestao constituiu-se uma comisso para falar com o Presidente Cos-
ta e Silva e os estudantes apresentaram algumas reivindicaes, entre elas
a libertao de militantes presos, a reabertura do Restaurante Calabouo
e mais verbas para o ensino superior. A Passeata foi o ponto mximo da
mobilizao do ME (ARAUJO, 2007). Em outubro de 1968 a UNE organiza
o congresso de Ibina, que significaria, segundo Araujo,
o marco final de todo processo poltico, de confronto e radicalizao, que estava
sendo vivido pelo movimento estudantil, principalmente a partir de 1966, e que
se acirrou depois do assassinato de Edson Lus. O congresso embora no tenha
sido percebido assim na poca, foi um ponto final na experincia poltica que os
estudantes brasileiros estavam vivendo. (ARAUJO, 2007, p.185).
No congresso de Ibina, toda a liderana do movimento estudantil brasileiro
foi identificada presa e fichada. As fotografias serviram mais tarde para
prender vrios militantes que partiram para luta armada. S a partir de
1977 inicia-se o processo de reconstruo da UNE.
32 Depois dos anos de chumbo, o primeiro presidente eleito pelo voto dire-
ESTUDOS - Estudos Universitrios
5 o nome popular da lei n 6.683, que foi promulgada pelo presidente Figueiredo em de 28 de agosto de
1979, ainda durante a ditadura militar.
6 Movimento ocorrido no Brasil entre os anos de 1983 e 1984: era um movimento civil de reivindicao por
eleies presidenciais diretas. O movimento agregou diversos setores da sociedade brasileira. Participaram
inmeros partidos polticos de oposio ao regime ditatorial, alm de lideranas sindicais, civis, artsticas,
estudantis e jornalsticas.
o protagonismo do ME na dcada de 1960 com a atualidade. As neces-
sidades histricas da dcada de 1960 eram outras, como tambm havia
um contexto social e poltico que demandava muita organizao social.
Havia toda uma atmosfera de luta, de contestao, entre os jovens de
alguns pases da Europa, dos Estados Unidos e Amrica Latina, inspi-
rados pelos ideais da Revoluo Cubana e de seu grande lder revolu-
cionrio, Ernesto Guevara. Porm, nem todos os jovens eram militantes
do Movimento Estudantil ou estavam envolvidos em algum tipo de ao
poltica. Muitos caminhavam na contramo do iderio revolucionrio de
transformao social participando de grupos de extrema direita como o
Comando de Caa aos Comunistas. No livro Na contramo do poder,
Silvio Csar Oliveira Benevides relata que esses grupos agiam com ex-
trema violncia contra intelectuais, integrantes do movimento estudan-
til e artistas.
Talvez nem seja uma rejeio poltica, mas ao modo vigente de pratic-la.
Talvez no se esteja satisfeito com o prprio modelo de Democracia Parla-
mentar Representativa em que as deliberaes no so tomadas diretamente
pelos diferentes grupos de interesses na sociedade, mas por pessoas elei-
tas para represent-las nos parlamentos e na esfera dos poderes executivos
(SALES, 2008, p. 184).
2. METODOLOGIA
Com o objetivo de compreender a realidade e enriquecer a aprendizagem no
confronto entre teoria e prtica, a partir das experincias vivenciadas no uni-
verso da pesquisa, realizamos uma pesquisa de cunho qualitativo, que con-
tribuiu para a ampliao dos conhecimentos sobre as questes centrais deste
estudo. Segundo Deslandes et al (1994) a pesquisa qualitativa trabalha com:
o universo dos significados, dos motivos, das aspiraes, das crenas, dos
valores e das atitudes. Esse conjunto de fenmenos humanos entendido
aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue no s
por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas aes dentro
e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. (DESLAN-
DES et al, 2008, p. 21).
A pesquisa qualitativa foi primordial para este estudo, pois ela permitiu
conhecer as subjetividades dos participantes que no podendo ser suprimi-
das, apareceram nos dilogos e nos encontros. O mtodo utilizado nesta
pesquisa foi o Mtodo do Caso Alargado. Esse mtodo se inicia a partir
do estudo de caso, e supera a amplitude estrita do caso para alargar suas
implicaes na concluso. importante se iniciar com o estudo de caso,
pois parte de um estudo intenso dentro da realidade do tema pesquisado.
Nesta direo Gil (2006), diz:
Para dar conta das anlises das falas e dos contedos escritos coletados ao
longo da pesquisa, escolhemos como caminho metodolgico uma aproxi-
mao com a anlise de contedo. Originalmente tratava-se de uma tc-
nica de interpretar textos que se apresentam obscuros ou ambguos. Atu-
almente pode se definir a anlise de contedo como:
Um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes visando obter, por pro-
cedimentos sistemticos e objectivos de descrio do contedo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou no) que permitam a inferncia de conhecimentos
relativos s condies de produo/recepo (variveis inferidas) destas mensa-
gens. (BARDIN, 2004, p. 37).
A anlise de contedo permitiu uma anlise mais fiel da realidade, na
medida em que por detrs do discurso aparente geralmente simblico e
polissmico esconde-se um sentido que convm desvendar (BARDIN, 2004).
De fato esse conjunto de instrumentos metodolgicos nos possibilitou a
explicitao e sistematizao dos contedos expressos durante a pesquisa.
3. RESULTADOS E DISCUSSO
O Movimento Estudantil em Caruaru, assim como em todo Brasil, tambm
teve seu momento de grande visibilidade no perodo da ditadura militar.
No final da dcada de 1970 os estudantes caruaruenses participaram forte-
mente das campanhas pela anistia8 poltica dos presos polticos persegui-
39
8 o nome popular da lei n 6.683, que foi promulgada pelo presidente Figueiredo em de 28 de agosto de
1979, ainda durante a ditadura militar.
9 Movimento ocorrido no Brasil entre os anos de 1983 e 1984. Era um movimento civil de reivindicao por
eleies presidenciais diretas. O movimento agregou diversos setores da sociedade brasileira. Participaram
inmeros partidos polticos de oposio ao regime ditatorial, alm de lideranas sindicais, civis, artsticas,
estudantis e jornalsticas.
Estudantes Secundaristas) e ai foi mais que eu me identifiquei, de fato com
o movimento. Antes admirava, achava legal, tinha certa influncia de famlia,
mas no era uma militncia propriamente dita era mais uma admirao. Depois
deste congresso que eu conheci a entidade foi que eu realmente me engajei no
movimento. (Militante Secundarista Secretaria do Grmio Estudantil).
Durante a pesquisa, o que nos chamou ateno foi o fato de que os estu-
dantes, em nenhum momento, mencionam os professores como agentes de
politizao, o que era algo caracterstico na gerao da dcada de 1960,
como cita a autora Cristina Costa em seu livro Caminhando contra o vento:
40
Alm dos jornais, nossa politizao ficava por conta dos professores, prin-
ESTUDOS - Estudos Universitrios
... depois que a gente entra no movimento, passa a ter mais uma viso de
sociedade, uma viso mais poltica, mais crtica das coisas. Quando tava
por fora do movimento a gente v a sociedade, observa, mas, no tem
uma posio crtica em relao quilo e nem um posicionamento; assim,
de que lado voc est, ou o que voc deve fazer, a soluo do problema. 41
E a partir da militncia no ME a gente aprende a tentar solucionar os
Sempre costumo ver tais discusses com olhares medianos, onde consigo en-
contrar pontos negativos e positivos. Acredito que os partidos polticos influ-
enciam na organizao de movimentos estudantis. perceptvel a organiza-
o de MEs com membros de partidos, bem como a desorganizao dos quais
no tem essa participao. Claro que a imposio do partido tambm permite
o afastamento de estudantes que no participam do ME, pois sabemos que
42 nos dias contemporneos partidos polticos no so benquistos por todos. A
competio dos partidos polticos que envolvem o ME tambm condiciona o
ESTUDOS - Estudos Universitrios
Bom, eu acho que o movimento estudantil, como eu falei nas questes acima
e como a maioria das pessoas percebe, est enfraquecido. Eu acho que isso
acontece principalmente por causa da evoluo das tcnicas de manipu-
lao e explorao das classes dominantes, como a mdia e forma de fazer
voc pensar que ter sucesso profissional se esforar-se. Sabemos que isso no
verdade. Em alguns casos, por mais inteligente e esforado que voc seja
nunca conseguir se desenvolver social e economicamente. Na verdade, o que
essas tcnicas focam o crescimento econmico do indivduo, j que como
se a sociedade perfeita essa, basta voc se esforar. (Militante Universitrio)
... uma realidade que quando voc passa a conviver, voc sente mais vontade
de transformar isso, entendeu? De querer mudar e de querer conscientizar as
outras pessoas, por isso que s vezes as pessoas... Ah! O que vocs tentam
uma utopia, um negcio s. No no, real, e o estudante quando ele
tiver conscincia poltica de que isso pode ser realmente transformado. (Mili-
tante Secundarista Presidente da UESC).
Nossa reflexo segue no sentido de que este pensamento tambm
uma forma de desmobilizar e enfraquecer o movimento. Assim, segundo
Mannheim:
E eu acho que dentro dessas causas, dessas lutas mais especficas, os Movimen-
tos Sociais tem momentos que tem de convergir. Por exemplo, agora dessa luta
do petrleo nosso (Pr-Sal)10 foi uma riqueza imensurvel que foi encontrada
no nosso pas e se os Movimentos Sociais, que so as pessoas que esto mais
frente, mais na vanguarda da luta, no se unirem para lutar, por exemplo, para
que esse petrleo seja destinado para garantir as necessidades mais bsicas da
sociedade como: sade, segurana, educao e tal, a gente no vai conseguir e
uma causa que atinge a todos esses grupos (Militante Universitria)
46
CONCLUSES
ESTUDOS - Estudos Universitrios
Podemos perceber que muitos so os desafios do ME. Entre eles est a necessi-
dade de romper com os padres impostos pelo sistema econmico vigente, que
se utiliza de diversos meios para impor seu modelo de dominao e explorao, 47
o que faz aumentar a cada dia o nmero de jovens expostos a situaes de
A partir desse estudo, podemos concluir que a juventude tem buscado novos
modelos de atuao, como atravs da internet, que um ambiente de militn-
cia poltica forte. O esprito revolucionrio continua presente e impulsiona-os a
contestar os padres que vo contra suas concepes polticas. Enfim, a mili-
tncia dentro do Movimento Estudantil um fenmeno educativo de grande
importncia, que contribui para uma educao cidad, baseada no respeito e
na solidariedade, formando jovens atuantes e preocupados com as questes
sociais que afligem o nosso tempo.
REFERNCIAS
ARAUJO, Maria Paula Nascimento. Memrias estudantis, 1937-2007: da fundao da
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ENTRELAAMENTOS ENTRE CAMPO DE
POSSIBILIDADES E TRAJETRIAS DE VIDA:
a questo da escolarizao dos jovens no
interior de Pernambuco
Mauricio Antunes Tavares1
49
Esta perspectiva aberta por Elias quando ele questiona os efeitos que o
conceito de socializao produz no entendimento dos processos sociais
pela sociologia. O conceito de socializao, afirma Elias, tomado na so-
ciologia como se tratasse de um processo de mo nica a socializao
como a modelagem dos infantes pelos adultos , e a que reside a limita-
3 Neste sentido, concordo com a crtica que Charlot faz a Bourdieu, segundo a qual, apesar de negar o
sujeito da filosofia clssica livre e racional , Bourdieu, no entanto, faz do habitus um tipo de psiquismo
de posio, pensado unicamente a partir da posio social do indivduo. Se o habitus incorporao,
ou seja, internalizado, o exterior que d inteligibilidade ao interior. Sendo assim, onde est o sujeito?
Charlot admite que uma distenso desta posio foi ensaiada por Bourdieu na obra A Misria do Mundo,
quando ele admitiu que as estruturas mentais no so mero reflexo das estruturas sociais. De um lado,
admite a fora do desejo interior: a iluso determinada desde o interior a partir das pulses que impelem
a investir-se no objeto. Porm, de outro lado, enquadra esse desejo, prendendo-o a um universo particu-
lar de objetos socialmente oferecidos ao desejo. Assim, para Bourdieu, o desejo se manifesta somente,
em cada campo [...], sob a forma especfica que este campo lhe assinala num momento dado do tempo
[...] (BOURDIEU, 2003: 592-3). por isto que Charlot diz que podemos considerar que cada entrevista
individual que figura nessa obra de Bourdieu (A misria do mundo), representa uma posio de um grupo
social, e que mesmo a Bourdieu continua desenvolvendo uma sociologia das posies dos grupos sociais
(CHARLOT, 2000: 35-9).
o desse conceito, o seu qu de determinismo social. Elias vai tratar da
ligao entre as experincias e formas de conduta das geraes mais jo-
vens e o edifcio de regras dos adultos, partindo dessa crtica ao conceito
de socializao. O conceito induz ao erro interpretativo por escamotear
as tenses criadoras de novos padres de pensar e agir, porque esconde
o sentido inverso da influncia dos novos sobre os mais velhos. preciso
aceitar o fato de que os filhos tambm socializam os pais, que os mais
jovens criam novos comportamentos e novas ideias e semeiam o novo no
mundo em que so socializados, diz Elias (1997, p. 242-3). A modificao
desse conjunto de regras do mundo adulto pelos mais jovens leva criao
de novas verdades, renovam as tradies e produzem deslocamentos nos
padres de comportamento e de pensamento social, processo que tambm
vai influenciar o mundo dos mais velhos.
Estes dois plos opostos dos discursos sobre o jovem e a juventude revelam
o paradoxo que contamina esse debate no Brasil: a juventude pode ser
amada e desejada transformada em mercadoria adquirida nas academias,
farmcias, clnicas, etc. , enquanto que os jovens podem ser odiados e
temidos. Estes ltimos, fundamentalmente, so os que vivem nas favelas e
periferias das grandes cidades.
Nos estudos que versam especificamente sobre o jovem rural, essas as-
sociaes negativas entre juventude, criminalidade e violncia quase que
desaparecem por completo. como se aos jovens rurais fossem coladas
imagens de uma vida rural idlica, por proporcionar maior contato com a
natureza: a vida mais calma, as pessoas mais simples, o ambiente menos
competitivo, portanto, imagens contrapostas vida urbana das grandes
cidades. Em contrapartida, nas pesquisas sobre o jovem rural crescem as
referncias excluso social, denunciada pela invisibilidade desses jovens
para as polticas pblicas (DURSTON, 1998).
4 Nomenclatura pejorativa, criada pelos agentes da segurana pblica e corroborada pela mdia, para
se referir ao territrio dos municpios onde se produz maconha, na regio do Submdio So Francisco e
entorno. Em virtude das estratgias do narcoplantio, de movimentar a produo para burlar as foras de
represso, os limites desse polgono so variveis e, por isto, a cada momento um novo municpio pode
ser considerado como parte desse territrio de conflito.
quanto que o jovem que mora no permetro urbano da cidade ou em vilas,
independentemente do tamanho, um jovem urbano. Mas, se for para
acompanhar as tendncias que criticam essa forma de classificao, ento,
os municpios pequenos a questo do tamanho tambm controversa ,
cuja dinmica econmica estivesse vinculada produo agrria, poderiam
ser classificados como cidades rurais e, conseqentemente, todos os resi-
dentes tambm o seriam.
A experincia escolar negativa pode ser manifestada por uma queixa co-
mum entre muitos jovens: a rotina escolar desinteressante. Muitos depoi-
mentos apontam para a vivncia do jovem no sistema escolar como rotina,
como obrigao mais do que como aquisio de conhecimento.
Para Valter, que no comeo dos estudos teve uma carreira escolar marcada
por reprovaes, desistncias e brigas na escola, estudar era uma forma
de matar o tempo, numa poca em que no havida nada o que fazer
na cidade. Depois de muitas idas e vindas, depois de ter vivenciado uma
experincia educativa no-escolar, freqentando um curso de Agente de
Desenvolvimento Local, oferecido pela ONG chamada SERTA para jovens
agricultores. Atravs desta experincia Valter comea a entender as razes
do seu repdio escola, e, entendendo isto, descobre um novo caminho
para estudar, desta vez conseguindo estabelecer pontes entre o saber es-
colar e a vida cotidiana. A escola, que antes era lugar de encontro, passa
a ser reconhecida como lugar de construo do conhecimento, ainda que
deficiente em suas prticas pedaggicas descoladas da vida.
... s vezes eu gosto muito de entrar em debate na sala de aula, por causa das
experincias que eu j tive no SERTA, naquela formao [...]. Eu sou um pouco
critico tambm. Gosto muito de criticar, principalmente na escola. Professor que
no quer ensinar eu pego no p. [...] Eu nunca vou ficar como antigamente no.
Todo dia a gente adquire um conhecimento, todo dia a pessoa aprende alguma
coisa e vai se desenvolvendo. (Pedro, 20 anos, instrutor em cursos de infor-
mtica, completou o Ensino Mdio, mora na cidade).
O conhecimento pelo qual eles batalham no instrumental, no conhe-
cimento profissional, voltado ao mercado, no se aprende decorando for-
mulas e datas. um conhecimento para a vida, por isto no est distante
da realidade. O que eles demandam que a qumica, a biologia, a fsica e
todas as outras reas do conhecimento expliquem o mundo em que eles
vivem e com isto, que ofeream condies para serem utilizadas por eles,
na vida real, fora dos livros, das provas, do vestibular. 59
Quando voc trabalha na agricultura nem precisa tanto voc ter o estudo
completo. Nem por exemplo, se voc sair daqui pra Arcoverde, esses lugares
assim que no so to grandes. Mas se uma empresa, no vai deixar de
pegar uma pessoa estudiosa. Ela pode ter a experincia que ela tiver, mas se
ela no tiver o estudo, por exemplo, que eu tenho, no vai deixar de pegar
eu que tenho estudo pra pegar ela. Por isso que hoje em dia a melhor coisa
que um pai d pra um filho o estudo. (Rosa, 19 anos, agricultora, Agrovila
1-cidade, 3 srie Ensino Mdio).
PARA CONCLUIR
Como uma das principais agncias civilizadoras dos indivduos na socie-
dade moderna, a escola faz parte do arsenal de possibilidades que essa
sociedade oferece para formar os jovens e, simultaneamente, d-lhes a pos-
sibilidade de criarem expectativas de satisfao pessoal. Mas tambm a
escola, ao contribuir para ampliar o conhecimento e as possibilidades de
desenvolvimento das capacidades individuais, contribui tambm para au-
mentar as possibilidades de frustrao das pessoas, quando se confrontam
com as situaes de trabalho que no aproveitam, nem oferecem possi-
bilidades para que desenvolvam talentos que no forem instrumentais do
trabalho (ELIAS, 1994). A forma atravs da qual a experincia escolar ser
vivida ter muitas variantes devido a estruturas objetivas, ou condies
subjetivas, conforme os casos, mas certamente influenciar os projetos e
possibilidades para o futuro de cada um.
As anlises desses depoimentos demonstram a insuficincia das explicaes
sociolgicas que relacionam as trajetrias escolares posio do grupo
social a localizao geogrfica; a pobreza; a associao entre trabalho e
escola; a tradio familiar letrada ou iletrada; as relaes de gnero. dis-
tncia e luz de novos estudos sobre a escolarizao, especialmente sobre
as razes do fracasso e do sucesso escolar nos meios populares, a exemplo
dos estudos de Charlot (2000) e de Lahire (2004), que apontam que as
explicaes sociais baseadas em termos de diferenas de capital cultural
e de habitus familiares, utilizadas na explicao dos fatores que levam ao
fracasso ou ao sucesso escolar, so insuficientes para dar conta da diversi-
dade de situaes empricas.
REFERNCIAS
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65
3 Os nomes das equipes por si O sucesso era de tal ordem que a Gincana JUBA figurou como a alternativa
s merecem uma pesquisa; so de lazer mais saudvel para a juventude do ASL e adjacncia nos anos 90. O
eles: Ekimalandros, Ekimalucos,
Ekipirados, Foragidos. percurso do amadurecimento dos jovens envolvidos na gincana e o ambiente
4 Pel ganhou vrios prmios de violncia e violao de direitos a que a populao da favela est submetida
pela originalidade do seu tra- foram fatores que estimularam a incluso do tema direitos humanos e ci-
balho estampado nos muros da
Comunidade. dadania a figurar entre as tarefas divulgadas ao longo da primavera de 1995.
As equipes eram incentivadas a produzir esquetes, letras de msica, painis
a serem espalhados pelos muros das casas em toda a comunidade, com
mensagens verbais, visuais ou sincrticas, nas quais se divulgava o conte-
do da Declarao Universal dos Direitos Humanos. Meses aps a Gincana,
os painis decoravam os labirintos do Morro5 e suscitavam calorosos de-
bates ente moradores. Atualmente, embora com atuao mais modesta, o
JUBA rene novos integrantes e tenta sobreviver s dificuldades e desafios
de se promover outras edies da gincana.
5 A palavra Morro aqui utilizada como sinnimo de todo o Aglomerado, em aluso a Morro do Papagaio.
6 Dona Helena Greco e um dos smbolos nacionais da luta por Direitos Humanos.
munidade. A experimentao assistencialista projeta seus mentores como
aqueles/as que trabalham para os pobres, e no com eles. E eles so ainda
parabenizados pela coragem em subir o morro, mesmo que muitas vezes
algum morador tenha que busc-lo(s)/a(s) onde termina o asfalto.
Para a polcia era muito estranho encontrar, pelas ruas do morro, jovens
negras e negros citando artigos da constituio, solicitando ao policial que
no escondesse sua etiqueta de identificao, anotando placas de viaturas
e indagando sobre a truculncia com que as batidas eram realizadas. No
de se estranhar que ao ser questionados quanto atuao distorcida, no
quesito segurana pblica, muitos policiais teimavam em anunciar prises
por desacato autoridade, deslegitimando o direito de ir e vir dos moradores.
7 MLK: Martin Luther King Jr. Tapes (CD) com seus principais discursos (1994).
se tornassem valiosos parceiros da Comisso ao longo dos anos. Houve
avanos? Sim, com certeza. Ainda h questionamentos? Sim, tambm cer-
tamente. Por isso, o trabalho segue. E segue, sobretudo, porque a perspec-
tiva universalista segundo a qual direitos humanos so para todos, no
suficiente. Um jovem que mora em uma favela ter tratamento diferen-
ciado ao preencher uma ficha para emprego, se comparado a um que mora
em bairro. Assim como um jovem negro e um branco, embora morando
na mesma favela, tero tratamento diferenciado, se o empregador preferir
lanar mo o eufemstico aparncia melhor na hora de contrat-los. Da
mesma forma, mulheres ainda recebem tratamentos desqualificantes que
variam da invisibilidade ao estigma. E as desigualdades seguem a todos/a
que pertencem a grupos historicamente em desvantagem. Por isso, tratar
de direitos humanos pressupor que as pessoas tm demandas diferencia-
das e no podem simplesmente ser tratadas sob o cdigo da falta. Falar em
direitos humanos falar em identidade e alteridade, afirmar a diversidade
e torn-la algo positivo. Nesse contexto, a afirmao da identidade racial
foi um dos pilares da perspectiva que os jovens do Aglomerado Santa Lu-
cia construram ao longo dos anos de atuao da Comisso, contrariando
68 muitos/as ativistas em direitos humanos que se negam a colocar tal assunto
na pauta de suas aes.
ESTUDOS - Estudos Universitrios
8 Ver. CAVALLEIRO, Eliane. Do racismo do lar ao racismo escolar: racismo, preconceito e discriminao na
educao infantil. So Paulo: Contexto, 2000.
ras. Informaes sobre como se deu a contribuio dos diversos povos para
a formao do Brasil - somadas compreenso da situao contempornea
da populao negra em nosso pas - levaram os jovens a estabelecer outras
dinmicas de relacionamento com o prprio corpo, e pensar o mundo a
partir de outras perspectivas polticas, culturais e histricas. Cruzaram-se as
categorias semnticas classe, raa e gnero e descobriu-se que o racismo
um trao estrutural das relaes raciais e que mesmo em um ambiente de
favela no qual, teoricamente, as pessoas se encontram no mesmo patamar
de excluso, a relao entre pobreza e pertencimento racial se repete de
maneira assustadora. Ou seja, brancos pobres podem alcanar nveis de
mobilidade social com menos dificuldade que negros, o que indica um fra-
casso coletivo quando se trata de prover servios de qualidade populao
negra em todos os sentidos.
O PROJETO MORROARTE
Importante momento de construo de novas perspectivas foi o projeto
MorroArte o Morro mostra suas armas9. O MorroArte foi outra verso de
mobilizao da juventude com discusses mais profundas sobre africani-
dade (na moda, na filosofia, na performance, na linguagem, na msica, na
poltica, etc.).
9 Projeto Coordenado por Hamilton Borges, educador social responsvel pelo aprofundamento das dis-
cusses sobre as questes raciais. O projeto foi financiado pela Fundao Cultural Palmares, 1998.
sunto para um caloroso debate com os jovens da comunidade. A respeito
dessa metodologia de interveno social, cabe aqui um parntese. Recor-
ramos s palavras de Cidinha da Silva, ex-consultora do programa: No
comeo de tudo (ou do tudo que se sabe) foram os Black Panthers as
primeiras pessoas a realizar um caf cultural. Depois veio a juventude do
projeto MorroArte, na Barragem Santa Lcia(...). Mais recentemente, o Pro-
grama Gerao XXI criou o seu caf em So Paulo. Cada um a seu tempo
histrico e sua moda fazendo o seu prprio caf cultural.10
10 SILVA, Cidinha da. Aes Afirmativas em Educao experincias brasileiras. (org.) So Paulo: Sum-
mus, 2003 pg. 73. Ela se refere ao programa de Ao Afirmativa Gerao 21, do Geledes - Instituto de
Mulheres Negras, no qual 21 jovens negros recebem apoio para realizao de seus estudos do Ensino Mdio
ate a concluso da faculdade. Projeto financiado pelo Banco Boston.
11 Projeto Memria segue em processo de desenvolvimento pelos jovens universitrios nessas comunidades.
H duas linhas de execuo: a primeira a sistematizao das informaes que existem a respeito des-
sas comunidades. A segunda, a iniciativa de auto-producao discursiva. Nesse sentido, esto inseridas a
Revista da Laje e o kit udio-visual com filmes e fotos coletadas pelo programa Cortejo da Memria, alm
do livro Morro do Papagaio ver CRUZ, Mrcia Maria da. Morro do Papagaio. Belo Horizonte: Conceito
Editorial, 2009.
contou com a presena de jovens de diversas comunidades de favelas da
capital mineira, da regio metropolitana de BH, de caravanas de So Paulo
e Rio de Janeiro12. Os prprios integrantes acolheram os convidados em
suas casas, e o centro comunitrio local foi disponibilizado para o evento.
12 De So Paulo houve intercambio com grupos da Zona Leste DMN e Ao Ativa. Houve uma caravana de
membros desses dois grupos nas atividades. De Minas Gerais, o destaque da parceria e para o NUC, Negros
da Unidade Consciente, do Alto Vera Cruz.
13 Ver CASTRO, Silvia Regina Lorenso. Poesia, performance e espao pblico: a venda de Viima e Al-
gozes e os saraus em bares da periferia de So Paulo espaos subalternos de insurgncias. Austin: Revista
Pterodactilo. No. 06, 2009.
14 Fonte: www.morrodopapagaio.org.br.
Como fruto da atuao desses jovens na comunidade, nasceu o projeto
Alm do horizonte planejado: a memria viva do Aglomerado Santa L-
cia. Ele se constitui a partir da interveno daqueles que foram para a
universidade15. Em parceria com o projeto Conexes dos Saberes foi produ-
zido o primeiro nmero da Revista e Kit da Laje e do Cortejo da Memria,
com informaes organizadas sobre a memria da comunidade. Em Minas
Gerais, o programa Cone-xes coordenado pela UFMG. Outros desdobra-
mentos so a iniciativa da igreja catlica local (Parquia Nossa Senhora do
Morro) que, anualmente, apoia a realizao do programa Quilombo do Pa-
pagaio: Trs semanas de Paz e Cidadania, e o apoio da Prefeitura de Belo
Horizonte na realizao do Reveillon Comunitrio: Gente pra brilhar,
na Barragem Santa Lcia.
criativa construda no para, mas com os jovens e por eles mesmos, foi
o que fez com que a juventude ligada Comisso de Direitos Humanos
conseguisse a rgua e o compasso para traar seus prprios caminhos, num
dos quais eu me encontro agora, considerando todos os percalos do que
Milton Santos chamou de construo de uma individualidade forte.16 A
Comisso de Direitos Humanos no se preocupou em construir uma sede
fsica. Sua atuao vai alm de demarcaes de tempo, espao e pessoa.
15 Em 1995, ano de referncia da primeira Gincana JUBA, havia apenas dez jovens universitrios na comu-
nidade. Em 2010, esse nmero subiu para mais de duzentos, segundo a organizao criada pelos prprios
universitrios: Associao de Universitrios do Morro AUM.
16 SANTOS, Milton. Cidadanias mutiladas. In: Preconceito. So Paulo, 2003.
ENSAIOS
tornou-se uma referncia para muitos jovens assinala um jovem, meu informante:
rappers, como modelo de linguagem no hip-hop.
... por mais que a televiso mostre
Embora, como tenho dito, em outros lugares, a as novelas, as discriminaes con-
munio local e a percepo constituda por esses
tra a favela, eles nunca vo mostrar
jovens, da posio que cada um ocupa na estrutura
social, sejam condicionantes sociais para a con- a essncia histrica da violncia
struo dessas linguagens, notria a influncia ou sofrida pelo povo da periferia, a sua
contaminao de modelos de composies atesta- origem; o sofrimento que foi e tem
dos pelo sucesso de alguns grupos na cena do hip- sido a luta do povo sofrido, discrimi-
hop brasileiro. Isso indica que, cultura e realidade se
nado por sua negritude. Porque eles
imbricam nesse gnero de produo artstica e, que
possvel haver tanto comprometimento com a es-
esto fazendo a fico. Tem diferen-
trutura social, como uma interpretao simblica a enorme entre a novela da Record
de quem deseja mudar a realidade social. retratando a periferia e o documen-
trio do Bill,4 Meninos do Trfico.
O sentido da linguagem da violncia presentes Tem muita diferena em termos de
nessas produes no , por assim dizer, uma reali-
dade nomottica, isto , no comporta uso de gene-
sentido de realidade social. So anos
ralizaes sociais, ao contrrio possui propriedades de histria, entre o presente e o pas-
especficas no contexto do grupo ao qual pertence, sado, que esto presentes na con-
enquanto realidade, no movimento hip-hop. Talvez scincia do rappers da periferia...5
3 O refro deita porra est na composio Cartilha do dio. Esta composio fala em granada explodindo as coberturas de 5 milhes do
Itaim Bibi. uma composio que est no lbum O Espetculo do Circo dos Horrores, o mais recente da banda, lanado h um ano, e que j
vendeu cerca de 35 mil cpias. o sexto de uma carreira que comeou h doze anos.
4 Ele se refere a MV BIL, rapper da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, e ao documentrio produzido por ele e Celso Atade.
5 Black-out rapper do Alto da Balana, membro da Famlia MBJ em Caruaru.
No possvel afirmar as linguagens no hip-hop nados trechos, para demonstrar o grau de re-
como apologia violncia, como quer o senso volta. Colocados de forma adequada, eles do a
comum e algumas produes sociais, sem que se dimenso da gravidade, e da seriedade do tema
estabelea um corte epistemolgico na realidade que est sendo abordado.7
social. Elas expressam o sentido de uma realidade
social e histrica. So assim porque possuem vn- Evidentemente, eles no vo encontrar inter-
culos estreitos com o cotidiano de que tratam; locutores entre aqueles que no se dispem a
com aqueles a quem servem e que se identificam entender as razes que os motivam a tamanha
com as mensagens. E s na relao com a reali- agressividade e revolta. Neste jogo da indiferena
dade podem ser compreendidas. verdade que e da ignorncia, formam-se os discursos conde-
elas incomodam as instituies e aqueles cujos natrios, que ganham, s vezes, fora e status de
valores as leis protegem. Enquanto os protago- cincia. Porque essas vozes nem sempre so lei-
nistas, os verdadeiros sujeitos da realidade ex- gas, mas tambm, especializadas, o que nos leva
pressa na linguagem, so afirmados pelo avesso, a entender que exista a um embate ideolgico,
(RAMALHO, 2002; ATHAYDE, 2005), quando so uma disposio poltica que permeia o mundo da
enquadrados pelo sistema social. linguagem nesse contexto.
Seus fundamentos constituem uma teoria social O que se espera de um pas decadente
espontnea da realidade, produzidas nos em- onde o sistema duro, cruel, intransi- 77
bates da vida cotidiana. Nela est implcito um gente? [...] A concluso da sociedade
9 Destaco as concepes sobre a teoria da ao de Pierre BOURDIEU, e os estudos sobre cultura e cotidiano de Michel de CERTEAU.
10 Aqui situo a teoria social forjada pelos jovens do hip-hop, sobre o cotidiano da periferia.
Num primeiro momento, evoco as contribuies A leitura substancialista, como assinala Bourdieu
de Pierre Bourdieu, quanto tendncia de algu- (Id. p. 16),
mas pesquisas sociais, que ao abordar as questes
relacionadas s prticas sociais, tendem a tom- ... considera cada prtica (por exem-
las, em suas propriedades necessrias, como es-
plo, a prtica do golfe) ou consumo
sncias. Segundo BOURDIEU (1996: 17), esta
tem sido uma caracterstica prpria do modo
(por exemplo, a cozinha chinesa) em
de pensar substancialista, que ao abordar as si mesma e por si mesma, indepen-
atividades ou preferncias prprias a certos in- dentemente do universo das prticas
divduos ou grupos de uma dada sociedade, em intercambiveis e concebe a corre-
um determinado momento, as trata como pro- spondncia entre as posies sociais
priedades substanciais, inscritas de uma vez por
todas em uma espcie de essncia biolgica ou
(ou as classes vistas como conjuntos
cultural. um erro, assinala aquele pensador, substanciais) e os gostos ou as prti-
no apenas quando se estabelecem comparaes cas como relao mecnica e direta.
entre sociedades diferentes, mas tambm, entre
perodos sucessivos de uma mesma sociedade. Para este pensador, as prticas sociais no
existem isoladamente, elas so propriedades re-
preciso cuidar para no se transformar em pro- lacionais cujo sentido est na relao com as 79
priedades necessrias e intrnsecas a um grupo outras propriedades. Assim uma determinada
minado espao ou situao social. No seria, por de elo articulador entre trs dimenses fun-
outro lado, um processo conduzido de forma damentais de anlise propostas por Bourdieu:
autnoma, consciente e deliberado pelos sujeitos a estrutura das posies objetivas, a subjetivi-
individuais. dade dos indivduos e as situaes concretas
de ao. E ainda, a posio que cada sujei-
preciso abandonar todas as teorias que tor- to ocupa na estrutura das relaes objetivas
nam, explcita ou implicitamente, a prtica, uma propicia um conjunto de vivncias tpicas que
reao mecnica, diretamente determinada pelas se consolidaria na forma de hbitus adequa-
condies antecedentes redutveis ao funciona- da sua posio social. O sujeito age na so-
mento mecnico de esquemas preestabelecidos, ciedade em funo deste hbitus, como um
modelos, normas ou papis, que deveramos, membro tpico de um grupo social ocupando
alis, supor que so em nmero infinito, como a posio que lhe compete na estrutura social,
o so as configuraes fortuitas dos estmulos colaborando para reproduzir as propriedades
capazes de desencade-los.11 do seu grupo social de origem e as estruturas
na qual foi formado.
As prticas sociais apresentam propriedades
tpicas da posio social de quem as produz, A subjetividade dos indivduos, na perspectiva
porque a prpria subjetividade dos indivduos, bourdieusiana, algo socialmente estruturado,
sua forma de perceber e apreciar o mundo, isto , se configura em consonncia com sua
suas preferncias, seus gostos, suas aspiraes, posio na estrutura social. Mas as estruturas
esto previamente estruturadas em relao ao sociais no produzem comportamento mecani-
momento da ao. Mas esta subjetividade camente, dado que o sujeito incorpora um con-
estruturada internamente pelas experincias junto de disposies que o orientam a agir nas
vivenciadas pelos sujeitos em funo de sua mais diversas situaes sociais.
posio nas estruturas sociais. Estas consti-
11 Id. p.64.
... Em cada um de ns, em propores A sntese bourdieusiana busca articular estas trs
tradies sustentando a ideia de que os sistemas
variveis, h o homem de ontem; o
simblicos so estruturas estruturantes, porque
mesmo homem de ontem que, pela so primeiramente estruturadas. Ou seja, a orga-
fora das coisas, est predominante nizao lgica, interna, das produes simbli-
em ns, posto que o presente no cas, as capacita a organizar a percepo dos in-
seno pouca coisa comparado a divduos, propiciando a comunicao entre eles.
esse longo passado no curso do qual E por esta razo que as produes simblicas
estruturam as aes dos atores sociais na direo
nos formamos e de onde resultamos. da reproduo das estruturas de poder e domina-
Somente que, esse homem do passado, o social, isto , as diferenciaes e hierarquias
ns no o sentimos, porque ele est presentes na sociedade. Mas esta caracterstica
arraigado em ns; ele forma a parte in- das produes simblicas, no reduz seu papel a
consciente de ns mesmos. Em conse- um mero instrumento de manipulao e domina-
o poltica (ideologia). A sntese bourdieusiana
qncia, somos levados a no t-lo em
salienta, ainda, as funes de comunicao e de
conta, tampouco as suas exigncias conhecimento dessas produes. Os sistemas
legtimas. Ao contrrio, as aquisies simblicos so sistemas de percepo, pensam-
mais recentes da civilizao, temos de- ento e comunicao, e no uma iluso idealis- 81
las um vivo sentimento porque, sendo ta, totalidades auto-suficientes e autogeradas,
12 DURKHEIM, E. Lvolution pdagogique en France. Apud. BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. p 66.
cia, presente no discurso social, que no diz o provocado por essa atitude despoja o homem de
sentido ideolgico da linguagem, mas apenas sua subjetividade, homem que se constitui su-
possibilita uma atividade. A anlise, portanto, jeito apenas pela explicitao da resistncia do
dessa linguagem, no deve ter como objetivo outro. Este despojamento impede que o sujeito
desvelar o sentido, significado da violncia, mas se situe como diferente, reintroduzindo a alteri-
a funo daquele discurso, os sintomas do siste- dade. Este Sistema de dominao reproduzido
ma, que o transporta e vende. No discutir a nas relaes polticas.
violncia buscando entender o uso que o sistema
faz daquele discurso, constitui, em si, um ato de Uma ao violenta surge como forma de enfren-
violncia, conforme assinala Certeau (Id. P. 88). tamento a esse discurso homogeneizante, obje-
Portanto se faz necessrio desconstruir o dis- tivando desmascarar esse totalitarismo da iden-
curso condenatrio para encontrar o que fazer. tidade, para fixar o diferente, a alteridade. So
agresses linguagem do sistema como respos-
A linguagem da violncia produzida pelo Sistema tas ao despojamento do sujeito, uma forma de ir-
, segundo Certeau (Idem. p. 89, 90), uma lin- rupo de um grupo; autentica o querer-existir
guagem poltica. de uma minoria que procura se constituir em um
universo onde ela excedente porque ainda no
Os meios de comunicao de massa internacio- se imps. (Idem. p 95). Essa uma violncia,
82 nalizam transmisses annimas, destinadas a to- segundo Certeau, (Idem. p. 96), indispensvel e
dos e verdadeiras para ningum, segundo a lei que mantm a vida e a realidade articuladas.
ENSAIOS - Estudos Universitrios
Essa linguagem est vazia do ser, a fraude Mas este ato ainda mantm um vnculo com
universal de si mesma e dos outros como assi- a sociedade do espetculo. Na verdade, ele
nala Hegel (apud CERTEAU). uma linguagem- carrega a marca de um privilgio aristocrtico,
fico, a mscara e o instrumento da violncia, pois no quer a sua destruio, pois ela preserva
da defeco; constitui-se, apenas, no corolrio os meios de transformar em notcias de jornal e
de um poder sem autoridade. O que ele chama de reabsorver, desse modo, a singularidade que
de tirania burocrtica do estado-escola, que se subtraa, por um instante, sua lei. como
se impe a todos e no pertence a ningum. um torneio exibicionista, onde o jovem encontra
Um estado que suprime seu prprio limite. No um meio de salvar, com esse avesso da linguagem,
h autoridade a quem recorrer que compense o que ainda um signo, o lugar excepcional que ele
indivduo que faz sua renncia em funo do inicialmente pretendia instaurado. Como assinala
grupo. (Idem. p. 91). O estado-tirnico est Certeau, a desmistificao da linguagem pela vio-
associado ao discurso da neutralidade cient- lncia d acesso a uma luta poltica, a efetiva e
fica: o apagamento dos organismos decisrios, no a literria, que implica levar a srio e correr os
a obliterao dos lugares sociais onde ele se riscos de um comprometimento com os reprimi-
constri, que fez dele um discurso do servilis- dos que defendem e promovem a diferena.
mo inconsciente (Idem. p. 92). O universalismo
GUISA DE CONCLUSO ocasio da construo da realidade social, no
utilizam, necessariamente, uma mesma lingua-
As percepes etnogrficas construdas em gem para se referir a contextos sociais.
nossa pesquisa possibilitaram algumas inflexes
sobre a forma como os jovens, no hip-hop, A anlise das linguagens presentes no hip-hop
constroem seu conhecimento sobre o mundo nos leva convico de uma relao estreita
e, organizam o processo de mudana, que pode entre estas e a percepo que os indivduos
operar, segundo as disposies sociais como produzem da posio social e poltica na es-
mudana na/da estrutura. preciso que se diga trutura social; na forma como o grupo ou in-
que, embora o campo possa ser uma mesma divduo percebe a si mesmo e aos outros, en-
realidade espacial, no mbito do imaginrio so- quanto ocupando uma posio na estrutura
cial, a realidade social no concebida como social, e na forma que compreende a relao
unidade, porque, teoricamente, cada indivduo que mantm com o sistema social. As discrep-
constri a realidade a partir das percepes que ncias sociais no campo da linguagem assi-
possui do mundo social. Como assinala Leach, nalam para a existncia de embates polticos,
(1996: 71): que se estabelecem tanto fora como no interior
do prprio movimento social. Esses embates
Quando o antroplogo tenta descre- so indicativos da forma como as relaes com
ver um sistema social, ele descreve a estrutura social so efetivadas e compreen- 83
didas nas aes socioculturais dos indivduos,
necessariamente apenas um mo-
blicos Bourdieu (2004a, p. 9) assinala que o circulao de bens culturais no se faz nunca
poder simblico um poder de construo da em uma direo unilateral. E a est o dilema
realidade que tende a estabelecer uma ordem maior que estes jovens tm enfrentado, quando
gnosiolgica, sentido imediato do mundo (e, partem para o mercado. Como constata esta
em particular, do mundo social). Esse poder, pesquisadora (Idem, p. 69-72), o principal obs-
numa perspectiva Durkheimiana, conforme as- tculo enfrentado por esses atores jovens tem
sinala Bourdieu (Idem), supe o conformismo sido a exigncia em combinar a contundncia
lgico, isto , uma concepo homognea da mensagem crtica ao sistema presena no
do tempo, do espao, do nmero, da causa, mercado. A soluo nunca pacfica.
que torna possvel a concordncia entre as
inteligncias. Na verdade mediante a manipulao das dife-
rentes percepes do mundo que estes jovens
Os smbolos so os instrumentos por excelncia entendem conduzir o processo de mudana so-
da integrao social: enquanto instrumentos de cial. Cada qual, em seu prprio interesse, sem
conhecimento e de comunicao, eles tornam que o grupo seja descartado, empenha-se em
possvel o consensus (sic) acerca do sentido do explorar campos diversos de significao,
mundo social que contribui fundamentalmente medida que os percebe, e, ao faz-lo, acredita
para a reproduo da ordem social: a integrao poder contribuir para alterar a estrutura social.
lgica a condio da integrao moral. Compreender as linguagens desses jovens im-
plica considerar essas incongruncias. Poderia
Para Bourdieu (Idem, p. 10), a linguagem, en- dizer que na comunidade hip-hop do Morro
quanto sistema simblico, no pode ser consi- Bom Jesus, estudada por mim, cada indivduo
derada apenas em sua estrutura lgica e funo particular detm a percepo da condio so-
gnosiolgica, mas, sobretudo, como funo cial, disposta em sistemas sociais diferentes,
poltica. Vista por esse ngulo, ela explicita a embora a realidade possa parecer a mesma para
relao de poder existente entre interesses e todos. Para cada um desses jovens ou grupos
posio de classe e fraes de classes. Como as- de jovens, tais sistemas apresentam-se como
alternativa ou incongruncias no esquema de __________. & PAIM, Eugnia. (2000) Os jo-
valores pelo qual eles ordenam a luta pela vida. vens suburbanos e a mdia: conceitos e precon-
So linguagens, que ora implicam a expresso ceitos. In. Rosilene ALVIM e Patrcia GOUVEIA.
da solidariedade com os irmos da quebrada, (orgs.) Juventude anos 90: conceitos, imagens,
porque os jovens entendem que o crime e a contextos. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria.
violncia estatuda na relao com o sistema
constituem uma forma de resistncia aos an- __________. e VALLADARES. 1988. Infncia
tagonismos econmicos e sociais. Ora, divi- pobre no Brasil: uma anlise de literatura. In.
dem-se em aes discrepantes. Todas as formas BIB. Dados.
implicam o desejo de mudana, que se expressa
como mudana na e da estrutura social. ATADE, Celso... [et al.] (2005). Cabea de por-
co. Rio de Janeiro: Objetiva.
__________. (2001). Meninos de rua e crimi- FREINBERG, Joel. 1980. The nature and value
nalidade: usos e abusos de uma categoria. In. of rights. In. Rights, justice and the bounds of
Neide ESTERCI, Peter FRY & Mirian GOLDEN- liberty: essays in social philosophy. New York,
BERG. (orgs.) Fazendo antropologia no Brasil. Princeton.
Rio de Janeiro: DP&A.
GIDDENS, Anthony. (1999). Estruturalismo,
ps-estruturalismo e a produo da cultura.
In. GIDDENS, Anthony e TURNER, Jonathan.
(Org.). Teoria social hoje. Traduo de Gilson
Csar C. de Souza. So Paulo: Editora UNESP.
(Biblioteca bsica).
Apresentao 89
9 Todas as citaes em itlico, salvo indicao contrria remetem ao texto constitucional em exame.
10 Para o conjunto das regras eleitorais do Imprio, definido pela Constituio, ver o citado
Captulo VI, Ttulo IV, do Poder Legislativo.
11 O chamado clero secular, ou seja, os membros das ordens religiosas e quaisquer que vi-
vam em comunidade claustral no tinham o direito ao voto. Esta excluso era justificada
pelo fato de serem obrigados ao voto de obedincia aos superiores, portanto de no terem
vontade prpria e de estar vinculados a ordens eclesisticas cujo poder maior encontrava-se
fora do Brasil, geralmente em Roma. O que no era o caso do clero dito secular, que estava
subordinado autoridade dos bispos e eram, devido ao padroado, de alguma maneira, agentes
do Estado brasileiro. A Constituio republicana de 1891 manteve esta restrio ao voto dos
religiosos regulares.
12 Vale observar que esta determinao da idade mnima, em geral de 25 anos para o ex-
erccio do direito de voto no Imprio pode ter uma possvel origem em poca bem anterior,
havendo o texto constitucional mantido, talvez, uma determinao das Ordenaes Filipinas
(1603), quanto idade mnima para o exerccio dos ofcios pblicos: Que no tenham ofcios
pblicos os menores de vinte e cinco anos, nem os homens solteiros. Ordenaes Filipinas,
Livro I, Ttulo XCIV. Os que infringissem esta determinao perderiam o respectivo ofcio e no
mais poderiam voltar a exerc-lo. E o mesmo dispositivo das Ordenaes exigia que todos os
solteiros que recebessem ofcios judiciais e de escrivo seriam obrigados a casar dentro de um
ano, sob pena de perder o dito ofcio. Notar que a Constituio do Imprio dava o direito de
voto aos que tivessem 21 anos e fossem casados.
no estrito sentido do exerccio daquele direito, a juventude foi
uma categoria ignorada13. Havia, contudo, a partir especialmente
da criao dos Cursos Jurdicos de So Paulo e de Olinda, (11
de agosto de 1827), a presena cultural e poltica da chamada
mocidade acadmica, especialmente importante em movimentos
literrios e na luta pela abolio da escravido14.
22 A exemplo da reduo da jornada de trabalho para 8h, frias remuneradas, repouso semanal,
salrio mnimo, no-diferenciao do salrio para mesma atividade por motivo de sexo, idade
e cor, limitao do trabalho infantil, da juventude e das mulheres, licena maternidade, recon-
hecimento do direito sindicalizao.
23 O direito ao voto a partir dos 18 anos, inserido na Constituio de 1934, permanece em
todas as demais constituies posteriores, sofrendo apenas um alargamento na Constituio de
1988, ao admitir o voto facultativo a partir dos 16 anos.
24 Elaborada por Francisco Campos e promulgada por Getlio Vargas. Vigorou at 1945,
durando cerca de 8 anos.
25 Ditadura de Getlio Vargas de inspirao fascista.
ATENDENDO s legitimas aspiraes do povo
brasileiro paz poltica e social, profundamente
perturbada por conhecidos fatores de desordem,
resultantes da crescente a gravao dos diss-
dios partidrios, que, uma, notria propaganda
demaggica procura desnaturar em luta de classes,
e da extremao, de conflitos ideolgicos, tenden-
tes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se
em termos de violncia, colocando a Nao sob a
funesta iminncia da guerra civil; ATENDENDO ao
estado de apreenso criado no Pas pela infiltrao
comunista, que se torna dia a dia mais extensa e
mais profunda, exigindo remdios, de carter radi-
cal e permanente; ATENDENDO a que, sob as ins-
tituies anteriores, no dispunha, o Estado de
meios normais de preservao e de defesa da paz, 95
da segurana e do bem-estar do povo; Sem o apoio
98
7. CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRA-
MEMRIA - Estudos Universitrios
SIL (05/10/1988)31
30 Promulgada pela Junta Militar, formada pelos Ministros da Marinha, de Guerra, do Exrcito
e da Aeronutica Militar. Vigorou at 1979, durando cerca de 10 anos.
31 Elaborada pela Assemblia Nacional Constituinte. Permanece em vigor, embora bastante
emendada.
O termo juventude, por sua vez, volta ao texto constitucional,
sendo mencionado uma nica vez, quando se refere competn-
cia da Unio, Estados e Distrito Federal para legislar concorrente-
mente sobre: proteo infncia e juventude (BRASIL, 1988,
Art. 24, XV).
CONSIDERAES FINAIS
Percorrer as Constituies Brasileiras para entender como o ter-
mo juventude se apresenta foi, sem dvida, um exerccio muito
frutfero no sentido em que nos fez pensar como o silncio ou
as afirmaes sobre o termo se relacionam com processos histri-
cos mais profundos da sociedade brasileira. Processos histricos
que sempre se deram e se do em uma dialtica do interno e do
externo, ou seja, das relaes entre as dinmicas prprias de nossa
sociedade, inclusive, demogrficas, e as dinmicas internacionais.
32 Em 2005, o governo federal cria o Plano Nacional de Juventude, composto pela Secretaria
Nacional de Juventude (SNJ), Conselho Nacional de Juventude (CEJUVENT) e Programa Nacio-
nal de Incluso de Jovens (PROJOVEM).
33 Para maiores informaes sobre a EC da Juventude, acessar: www.juventude.gov.br.
REFERNCIAS
BRASIL. Constituio 1824. Disponvel em: http://www.planalto.
gov.br/ civil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm. Acesso
em: 01.0jun.2010.
102
MEMRIA - Estudos Universitrios
UM MARCO NA POLTICA DE ASSISTNCIA AO ESTUDANTE:
A CRIAO DA CASA DO ESTUDANTE DE PERNAMBUCO.
DECRETA:
COSTA, Alessandra Lucena; OLIVEIRA, Edel- FERREIRA, Roberta Medeiros. O discurso do pro-
weiss Falco de; Universidade Federal de Per- tagonismo juvenil e as polticas pblicas de ju-
nambuco. CCSA. Servio Social. Liberdade assis- ventude: o Projeto Agente Jovem e a formao
tida uma proposta para a transformao. Recife, de identidades juvenis. Recife, 2010. Dissertao
1996 - TCC. (mestrado) - Universidade Federal de Pernam-
buco, Centro de Educao. Programa de Ps-
CUNEGUNDES, Micheline Chaves do Nascimen- Graduao em Educao.
to. Juventude, cultura e identidade: os jovens da
comunidade de Peixinhos. Recife, 2004. Disser- GOMES, Cornelia de Paula. O servio social e a ju-
tao (mestrado) - Universidade Federal de Per- ventude operaria catlica como processos educa-
nambuco. CFCH. Sociologia. tivos que se complementam. Recife, 1958 - TCC.
CARNEIRO, Maria Alice; BERNARDES, Denis; Uni- LIMA, Sandra Carla Pereira de; ROCHA, Mirtes
versidade Federal de Pernambuco. CCSA. Servio Andrade Guedes Alcoforado da; Universidade
Social. Programa de medidas scio-educativas: Federal de Pernambuco. CCSA. Servio Social. A
uma anlise sobre o seu contexto operacional. atuao das orientaes junto aos adolescentes
Recife, 1996 - TCC. em conflito com a lei: na pratica a teoria e outra?
. Recife, 1997 - TCC.
CA, Jos Nildo Alves. PROJOVEM: impactos da
incluso de jovens: uma anlise dos egressos da MALTA, Cludia Viana de Melo. A (in)visibilidade
qualificao profissional do arco de esporte e de crianas e adolescentes: o avesso da regulao
lazer em Recife. Recife, 2009. Dissertao (mes- social do Estado e os caminhos de resistncia.
Recife, 2005. Tese (doutorado) - Universidade NEVES, Angela Maria Barbosa; GOLDBERG, Maria
Federal de Pernambuco. CCSA. Servio Social. Amlia Azevedo; Universidade Estadual de Campi-
nas. Faculdade de Educao. Juventude e conflito
MELO, Mnica Zaira de Siqueira. A ao poltico- familiar divergncias entre pais e filhas, na perspec-
cultural do movimento Hip Hop na comunidade tiva das jovens do Recife. Campinas /SP, 1983.
do Tot: Mnica Zaira de Siqueira Melo. Recife,
2008 - TCC OLIVEIRA, Carla Julliane Pereira de; SILVA, Mile-
na Carina da Cunha. Juventude e mercado de
MELO, Slvia Suellen Cavalcanti de; PESSOA, trabalho: a proposta de qualificao profissional
Vanessa Karla Souza. A Teoria e a prtica do ser- dos centros da juventude. Recife, 2008 TCC.
vio social: experincias de insero do assistente
social no conselho tutelar da RPA-04 e na 1 vara PAULA, Ana Flavia Daniela Alves de; PADILHA,
da infncia e da juventude da cidade do Recife. Miriam Damasceno.; SANTOS, Joelma Vieira dos;
Recife, 2005 - TCC. SILVA, Maria da Conceio Nery Cordeiro da.
Ressocializao do adolescente infrator atravs
MENDONA, rika de Sousa. Prticas discursi- das medidas scio-educativas em meio aberto no
vas sobre participao poltica juvenil: entre os juizado da infncia e da juventude na comarca
prazeres, orgulho e sacrifcios. Recife, 2008. Dis- do Recife. Recife, 1998. Monografia - Departa-
sertao (mestrado) - Universidade Federal de mento de Servio Social do CCSA/UFPE (Grau de 109
Pernambuco. CFCH. Psicologia, 2008. Assistente Social).
2009 Projeto
Memria da juventude Cincias Humanas 2009 / Michel Zaidan 111
Pernambucana Departamento de 2010 Filho
Formao de jovens e
tao de Movimentos
adultos para o uso dos
2007 Cursos Sociais 2007 Ari Luiz da Cruz
meios - Oficina de comuni-
Departamento de
cao e mdia.
Comunicao Social
Ncleo de Documen-
Seminrio de Estudos tao de Movimentos
Paulo Carneiro da
2006 Eventos crticos por uma nova Sociais 2006
Cunha Filho
Sociedade Departamento de
Comunicao Social
Centro de Educao
Alfabetizao Para Todos:
Departamento
Acompanhamento e Apoio 2005 / Srgio Paulino
2005 Projeto de Fundamentos
aos Docentes de Educao 2006 Abranches
Scio-Filosficos da
de Jovens e Adultos
Educao
Homens Jovens, Sexu-
alidade E Reproduo: Centro de Filosofia e
Produo, difuso e Cincias Humanas 2005 / Benedito Me-
2005 Projeto
democratizao de infor- Departamento de 2006 drado Dantas
mao no contexto das Psicologia
relaes de gnero
Centro de Educao
Alfabetizao de jovens
Departamento de
2004 Eventos e adultos: desafios e per- 2004 Telma Ferraz Leal
Mtodos e Tcnicas ee
spectivas (Divulgao)
Ensino
Capacitao de Jovens Centro de Cincias da
Multiplicadores de Sade Rosa Maria
2004 Projeto 2004
Informaes em Sade Departamento de Carneiro
Reprodutiva e Sexual Medicina Social
Projeto: Educao de
jovens e adultos (integrado
Centro de Educao
ao projeto Mobilizao e
Departamento de 2003 /
2004 Projeto alfabetizao de jovens e Telma Ferraz Leal
Mtodos e Tcnicas 2004
adultos, da Prefeitura do
de Ensino
Recife, no mbito do Pro-
grama Brasil Alfabetizado)
Centro de Educao
Seminrio - Alfabetizao
Departamento de
2004 Eventos de Jovens e Adultos: desa- 2004 Telma Ferraz Leal
Mtodos e Tcnicas
fios e perspectivas
de Ensino
Ciclo de Palestras - Ju-
ventude e Incluso
Pr-Reitoria de Luzanira Maria
2003 Eventos Social - programao na III 2003
Extenso Leite Rego 113
Conferncia Nacional sobre
certamente possuem muito que aprender com a Ao conseguirmos colocar o tema na ordem do dia
universidade, mas ao mesmo tempo tambm pos- da instituio para atender suas demandas inter-
suem muito a ensinar aos seus membros, porque nas e externas, acreditamos que a capacidade de
conhecem melhor a realidade, por vivenciarem- dilogo construda no seu interior (em especial)
na em seu dia-a-dia e em sua historicidade. no poder ser desconsiderada, ou precisar ser
mais explicitada, porque, ao mesmo tempo em
A criao de uma preocupao permanente com que trouxemos pessoas para conhecer as ativi-
o tema das juventudes no interior de uma das dades e envolv-las nas mesmas, tambm con-
mais importantes universidades pblicas do Pas tribumos para tornar a instituio merecedora
foi a primeira conquista significativa do Pro- de sua funo pblica e do seu papel educativo
grama, o que pode ser identificado com o al- junto sociedade.
cance de um alto grau de institucionalidade
junto s Pr-Reitorias, aos centros acadmicos e A terceira conquista foi a criao de um substan-
prpria comunidade universitria. cioso banco de dados, o mapeamento e a digitali-
zao de importantes documentos (manuscritos,
O desafio durante todo o perodo de execuo depoimentos, fotografias etc.) sobre a temtica,
das atividades no foi apenas no sentido de se incluindo consultoria acadmica a inmeros es-
criar um ambiente de novos estudos, pesquisas e tudos, matrias de jornais e publicaes, sem
reflexes por meio da disponibilizao de dados contar que o envolvimento de parcela da ju-
de difcil acesso para a sociedade. Foi estabe- ventude, que passou a conhecer as atividades e
lecido um ambiente favorvel para construir um seus produtos, ficou estimulada, e teve fomen-
projeto consistente a partir de um grupo de pes- tada sua curiosidade intelectual, e ampliada sua
quisadores e estudantes de graduao da UFPE, prpria formao cidad.
ou seja, um rapport positivo entre os membros,
o que contribuiu para o estabelecimento de uma A quarta e ltima conquista foi o alcance junto
relao de confiana, de perseverana e de credi- sociedade pernambucana (que ainda precisa
bilidade junto sociedade. de um longo caminho a ser enfrentado), cujas
bases slidas criadas pelas publicaes, eventos, no mundo juvenil e na vida social em Pernam-
publicizao de fontes primrias e a segurana buco ao longo desses perodos.
institucional da UFPE, permitiro a promoo de
saltos maiores, inclusive com a oportunidade de Os principais resultados obtidos at o momento
aproveitamento da estrutura de projetos como o esto relacionados formao cidad de jovens
do CNPq e do MEC-SESU (que inicia no final de por meio de eventos, cursos e a publicizao de
2010) para continuar a trabalhar com um pouco informaes sobre a histria da juventude em li-
mais de profundidade a memria das juventudes vros e artigos, o que consideramos fundamental
pernambucanas. para uma abertura permanente de dilogo com
os jovens visando a trabalhar a questo da for-
A busca de uma inter-relao entre o conhe- mao para a cidadania.
cimento produzido pela universidade com a re-
alidade das diversas juventudes pernambucanas
algo construdo incansavelmente, pois foi fcil A EXTENSO COMO EXPERINCIA FORMATIVA
perceber no incio das atividades que ainda DOS JOVENS
forte o interesse das nossas elites em manter as
vozes da resistncia e das lutas do passado ca- Ao longo de sua histria, a UFPE foi inovadora
ladas ou esquecidas. Portanto, se considerarmos no campo da extenso universitria, conside-
que os jovens pernambucanos pouco sabem so- rando que o Servio de Extenso Cultural (SEC) 117
bre a histria da juventude, dos autoritarismos do - que foi criado e teve a coordenao do edu-
5 O primeiro parecer traz o seguinte: Um ponto positivo da proposta o fato de tratar de um projeto de extenso concebido dentro de um projeto
de pesquisa mais abrangente e que tem sido realizado pelos proponentes. O segundo traz o que segue: Proposta muito bem construda. O tema
bastante pertinente e aglutinador. O projeto pressupe uma ao interdisciplinar e intersetorial. A experincia da equipe bastante pertinente ao
projeto proposto (...). O projeto est bem fundamentado e conta com uma equipe que j vem desenvolvendo estudos na rea faz algum tempo.
feioamento das atividades e das nossas prprias com a perspectiva de socializar o conhecimen-
reflexes como extensionistas, o alargamento to, atravs do atendimento direto sociedade
das nossas preocupaes. com a realizao mtua de atividades. Foi assim
que no Brasil a ideia de levar o conhecimento a
Como o projeto se apoia numa perspectiva de ex- setores desprivilegiados deu origem atividade
tenso defendida por Michel Thiollent (que pensa de extenso na universidade, pois os estudantes
conter nos projetos sociais mobilizadores uma defendiam uma universidade aberta e ligada
forte interao entre diferentes agentes que co- transformao social.
letivamente buscam produzir, difundir um conhe-
cimento e intervir na sociedade visando sada Tendo o compromisso de formao para a ci-
para os enfrentamentos dos nossos dilemas soci- dadania, a extenso interage e dialoga com a
ais), ento, identificar problemas, informar os seus realidade, pois ao trabalhar o conhecimento
participantes devidamente das situaes e dos popular com conscincia das reais necessidades
possveis caminhos para a construo de projetos da sociedade, as aes so produzidas visando
sociais com densidade e perspectivas inovadoras construo compartilhada da soluo de pro-
e factveis um longo caminho que precisa ser blemas, considerando que a relao sociedade-
criado para se gerar os resultados pretendidos. universidade uma atividade que deve existir a
partir de um dilogo. O resultado ser emanci-
118 O projeto visa a repensar a trajetria das diversas patrio ao gerar conhecimento, autonomia e
juventudes ao longo do tempo, inclusive aproxi- liberdade, pois a extenso um tipo de projeto
PRODUZINDO SABERES - Estudos Universitrios
mando os conhecimentos produzidos pelas uni- de emancipao que visa a promover a superao
versidades das experincias e conhecimentos de obstculos sociais, culturais ou profissionais,
produzidos por outras juventudes em espaos e est ligada a uma trajetria de superao, de
alternativos e pouco visveis, o que torna possvel dimenses participativas, crtica e reflexiva.
construir uma viso compartilhada na esfera da
produo, de difuso e de ao na sociedade que Ocorre verdadeiramente um dilogo, como
a prpria equipe e demais participantes adquiri- aponta Freire:
ram para gerar interao, cooperao, participa-
o e articulao com o objetivo de transformar O conhecimento no se estende do
a sociedade. Acreditamos que o projeto vem que se julga sabedor at aqueles que
conseguindo formar homens e mulheres den- se julga no saberem; o conhecimento
tro de uma viso de universidade comprometida
em apoiar a luta por reconhecimento social de
se constitui nas relaes homem-mun-
inmeros grupos juvenis que so destitudos de do, relaes de transformao, e se
visibilidade na esfera pblica. aperfeioa na problematizao crtica
dessas relaes (FREIRE, 1977).
Em uma perspectiva assistencialista, a Extenso
Universitria parte para o preenchimento das Essa conscientizao permite com que os indi-
deficincias sociais no atendidas pelo Estado. vduos observem a posio que ocupam com os
Diante disso a Universidade teria trs funes: demais no mundo para assumirem o papel que
ensino, investigao e prestao de servios, sen- lhes cabe: o de serem sujeitos de transformao.
do o foco de diversos grupos sociais.
Os desafios para o entendimento dos fenme-
Longe da viso assistencialista, que uma viso nos ligados multiplicidade das experincias
ultrapassada, de acordo com Jezine (2006), a juvenis abarcadas pelo projeto foram a grande
Extenso Universitria se encontra no mesmo dificuldade, considerando que o objetivo inicial
nvel do ensino e da pesquisa, desenvolvida foi desconcentrar as memrias das juventudes
universitrias das preocupaes dos projetos an- gam nos jovens de hoje interlocutores vlidos
teriores, mas mantendo um paralelo com outras ou no, extremamente positiva, pois falamos
juventudes que contracenaram suas experincias de uma relao intersubjetiva permanente en-
em determinados perodos do sculo XX. Existem tre membro(s) da equipe. tanto com jovens ou
diferenas significativas entre a minoria que adultos que falam de sua juventude.
diramos privilegiada, universitria e a juventude
trabalhadora e habitante de bairros perifricos A percepo de ser ou no ser jovem poder ser
da cidade de Recife. Os dados coletados e apre- observada nas narrativas, no contato face a face
sentados apontam para uma direo importante com agentes que pertencem ou no pertencem
nesse sentido. mais ao sentido do ser jovem, porque conhecer
e pensar sobre esse universo ao longo do tempo
Inicialmente levantamos boa parte da bibliogra- significa pensar um pouco as transformaes
fia referente ao tema, bem como atualizamos o porque passaram a sociedade brasileira. Questes
banco de depoimentos de histria oral que existia como recuar ou avanar, quais limites e possi-
de pesquisas que haviam sido realizadas anterior- bilidades para a atuao poltica e os caminhos
mente por pesquisadores na UFPE. Tambm foi percorridos entre os agentes ao longo do tempo
construda uma rede de colaboradores de pesqui- podem trazer importantes temas de anlise e de
sa, assim como criadas estratgias de divulgao. problematizao.
119
No Seminrio Juventudes Pernambucanas em Os dois grandes resultados em termos de re-
danas para a juventude. Com o fenmeno da ciedade moderna, aparece como fruto
industrializao, da urbanizao ou da moder- do desenvolvimento da sociedade in-
nizao, a expanso do ensino j no favorece
exclusivamente a classe mdia, mas abrange os
dustrial que, ao criar a disjuno en-
jovens oriundos das camadas desprivilegiadas tre a infncia e a maturidade, tornou
que conquistaram um maior acesso ao ensino. necessrio um segundo processo de
Nesse momento aparece uma nova preocupa- socializao. Esta consiste, fundamen-
o com o nascimento do conflito geracional no talmente, na preparao dos jovens
qual os jovens se posicionam contra a sociedade
para a assuno dos papis modernos
adulta; logo a rebeldia juvenil surge causando
transtornos familiares e sociais (ABRAMO, 1994). relativos profisso, ao casamento,
cidadania poltica etc., que os co-
O tema juventude teve pouco desenvolvimento loca diante da necessidade de enfren-
no Brasil entre as dcadas de 60 e 70, cujo es- tar uma srie de escolhas e decises.
pao maior foi dado s pesquisas sobre a juven-
Dessa maneira, por ocupar um status
tude universitria. O campo de lazer e cultura at
os anos 80 tambm no foi explorado em relao
ambguo, between and betwixt, os jo-
a esses jovens, tendo sido de maior interesse da vens constroem redes de relaes par-
Sociologia analisar o papel da juventude como ticulares com seus companheiros de
agente poltico. idade e de instituio, marcadas por
uma forte afetividade, nas quais, pela
O debate sobre juventude tem sido marcado pela
multiplicidade de vises, sendo a mais usual a que
similaridade de condio, processam
trata a categoria juventude a partir de um ciclo juntos a busca de definio dos novos
biolgico e psicolgico (faixa de idade, perodo referenciais de comportamento e de
de vida, mudanas psicolgicas etc) (ABRAMO, identidade exigidos por tais processos
1994). Mas no campo da sociologia tem preva- de mudana (idem, p. 17).
Para a autora, o interesse da sociologia aqui re- A juventude, desta forma, uma relao social
caiu sempre, na verdade, sobre o papel da juven- que o jovem vivencia (SOUZA, 1999). Podemos
tude como agente poltico, sobre sua capacidade ver que as utopias, os projetos, rebeldias e trans-
de desenvolver uma postura crtica e transfor- gresses so elementos nas relaes dessa faixa
madora da ordem vigente (idem, p. 21-22). Ou etria, que por muitas vezes transformaram os
seja, o jovem passou a ganhar visibilidade como problemas que enfrentavam socialmente em con-
sujeito social a partir do momento em que ele era flitos individuais, como cita a autora Janice Souza:
visto como capaz de provocar mudanas por es- Os conflitos de conscincia da juventude so re-
tar situado dentro de uma estrutura de ascenso flexos da complexidade da vida pblica moderna.
social que tinha na escola o seu principal canal.
A juventude ento ligava a sociedade em suas
O jovem passou a ser visto como elemento complexidades a uma transformao. Os con-
dinmico na estrutura vigente a partir dos anos flitos eram consequncias dessa ligao com a
1950, embora a dvida quanto ao papel prota- vida pblica. Os jovens ora vo, ou no, agir sin-
gonista desses jovens tambm remeta margin- cronizados com os contedos emancipatrios.
alidade. Todavia o que prevaleceu foi o entendi- E o conceito da juventude como elo vai abrir a
mento da sua insero no processo de mudana anlise da militncia juvenil.
social da sociedade brasileira.
Observando a caminhada juvenil ao longo do 121
Sabemos que o lugar, o tempo e as condies de tempo, percebemos que a juventude foi colo-
contra o analfabetismo, a implantao de side- moldes dos anos 60, pelo fato da sociedade es-
rurgias, e a crtica ao colonialismo, e produziu tar mudando. Com isso, o movimento estudan-
efeitos sobre a opinio pblica. til passou a no se reconhecer em um territrio
prprio em virtude da ausncia de protagonistas
Isso nos mostra que a participao dos jovens no que o assumissem, e do fato do estudante no se
movimento estudantil tinha como objetivo a trans- ver como uma categoria social, alm de no fazer
formao da vida dos brasileiros. Inclusive, a partir mais sentido dirigir o movimento estudantil com
dos anos 50, os jovens se mantiveram como pre- a mesma concepo dos anos 60. Sendo assim,
sena social visvel, sendo usados como smbolo ou surgem outros atores sociais, marcados por um
realidade capaz de regenerar o passado e, assim, novo tipo de expresso coletiva, redescobrindo
criaram espaos para representar suas ideias. novos modos de interveno social, sem a repre-
sentao de partidos, governos e sindicatos. Ess-
Na dcada de 60, os jovens que eram inseridos es movimentos sociais dos anos 70 vo contestar
prematuramente no mercado de trabalho e os que o Estado pelo difcil acesso s decises referentes
ascendiam educao superior, tinham origem populao.
predominante da classe mdia. Estes radicalizaram
seu comportamento poltico, por verem suas aspi- A autora nos mostra que, assumindo esse outro
raes frustradas, se identificando com as massas espao como seu, uma parte dos jovens passou a
populares urbanas e tornando-se o elo de mudan- questionar o espao social, assumindo a prtica
a do passado com o futuro da sociedade. de outros atores sociais e mantendo a condio
de elo entre a velha e a nova concepo poltica.
De acordo com Forachi (1982), o movimento Hoje podemos perceber que as entidades dos estu-
estudantil dos anos 60 denunciou a margina- dantes so apenas fantasmas do passado, repetindo
lizao, a subutilizao e o distanciamento das a mesma histria contra o que seria a sua substn-
funes da instituio universitria. A autora nos cia. Existem hoje novos atores, novos movimentos
mostra que o estudante se prope como o liber- sociais e culturais visveis, valorizando a liberdade e
tador da explorao capitalista, quando tenta se mantendo contra as crises da sociedade.
CONSIDERAES FINAIS Tendo em vista que, medida que se inicia a
vida acadmica e a consequente vivncia no
A universidade pblica, gratuita, de qualidade meio universitrio, os estudantes que se dedi-
e referenciada socialmente deve ser o ponto de cam s atividades extracurriculares passam a
encontro de diversos grupos sociais e o centro adquirir contedos que garantem um nvel de
de produo de conhecimentos voltados cons- conhecimento privilegiado em relao aos jovens
truo de projetos de sociedade ou de pas. que no tiveram essa oportunidade, fomentar
o contato dos jovens universitrios com outras
Com essa ideia desenvolvemos as atividades juventudes significa estabelecer uma relao de
sobre as juventudes abrindo vrias frentes, cooperao entre os dois grupos em questo, de
principalmente quando os desafios para o en- forma que os estudantes desprivilegiados au-
tendimento das juventudes de ontem ou da mentem sua bagagem terica e os universitrios
contemporaneidade traziam como dilemas a possam aprimorar seus conhecimentos empricos,
tentativa de identificar marcas de espontanei- traduzindo-se assim em uma relao de benef-
dade, do fragmentado, do no-fechado, do ir- cios mltiplos.
repetvel e da diversidade.
No que diz respeito aos elementos procedimentais
A construo de um Programa sobre Ju- para o enriquecimento terico das juventudes,
ventudes, Democracia, Direitos Humanos e possvel direcion-los para o intercmbio pro- 123
Cidadania na UFPE um processo calcado por posto entre os jovens e a universidade, de forma
Fonte: http://www.cepe.com.br/loja/index.php/livros/a-
faculdade-sitiada.html
A REBELIO DOS JOVENS
Histria contempornea: Frana: Paris, maio de 1968
Revoluo operrio-estudantil.
Movimento estudantil francs: universidade
sindicalismo: greves
Revoluo: combates nas ruas de paris: estudantes vs polcia
A rebelio dos jovens.
Fonte: http://www.traca.com.br/autores/autor.
php?autor=Fl%E1vio%20Alcaraz%20Gomes
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PARA CONHECER MAIS - Estudos Universitrios
Formato
18 x 25 cm
Tipografia
Libre Sans Serif SSi
Libre Serif
Frutiger 57Cn
Papel
Miolo: reciclato 90 - gm/2
Lmina: reciclato 120 - gm/2
Capa: triplex 250 - gm/2