Teoria Do Texto Poético PDF
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Língua Portuguesa
modalidade a distância
1
Disciplina
Teoria do Texto Poético
Licenciatura em Letras
2 Língua Portuguesa
modalidade a distância
MATERIAL DIDÁTICO
ELABORAÇÃO DO CONTEÚDO
José Guilherme dos Santos Fernandes
REVISÃO
Iaci de Nazaré Silva Abdon
Maria Cristina Ataide Lobato
COORDENAÇÃO DE EDIÇÃO
Maria Cristina Ataide Lobato
IMPRESSÃO
Gráfica Universitária - UFPA
Disciplina
Teoria do Texto Poético
Belém-Pa
2014
volume 3
Licenciatura em Letras
4 Língua Portuguesa
modalidade a distância
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Aloizio Mercadante Oliva
VICE-REITOR
Horácio Schneider
SUMÁRIO
Unidade 1 – Literatura, Sociedade e Cultura: a mimesis ..... 09
Atividade 1 – Literatura e Imitação ..... 11
Atividade 2 – Literatura e Contexto Sócio-Cultural ..... 25
APRESENTAÇÃO
A disciplina Teoria do Texto Poético compõe a grade curricular do Curso de Li-
cenciatura em Letras – Habilitação em Língua Portuguesa – na Modalidade à Distância,
apresentando carga horária de 102 horas.
O objetivo da disciplina é discutir aspectos da literatura enquanto produção lin-
güística e cultural, considerando-se as especificidades da linguagem literária e a cons-
tituição da Poética. Serão tratadas a constituição dos gêneros literários e os níveis do
poema, mediante debate teórico que pretende conformar ferramentas para uma reflexão
associada à prática de análise de textos poéticos, tanto na modalidade escrita quanto na
modalidade oral.
O conteúdo da disciplina está dividido em cinco unidades, que se comportam dez
atividades, sendo duas atividades por unidade, numeradas em ordem crescente, conforme
o sumário deste livro.
Durante o período de funcionamento desta disciplina, você deverá proceder ao
estudo das atividades previstas conforme o planejamento, ou seja, uma unidade a cada
semana, o que totalizará cinco semanas para a integralização das atividades. Aos sábados,
você poderá participar dos encontros presenciais com seu tutor, quando será possível
discutir o conteúdo estudado durante a semana, além de dirimir suas dúvidas em relação
aos exercícios, sendo que em alguns sábados você realizará as avaliações.
Reserve, em média, 20 horas semanais, para proceder à leitura do material didático,
ao estudo dos conteúdos, pesquisa on-line e da bibliografia disponibilizada nos pólos e
ao desenvolvimento de exercícios. O seu bom desempenho neste ou em qualquer outro
módulo depende, em parte, da sua capacidade de ordenar seu tempo e disponibilizar
algumas horas para o estudo e a realização das atividades. Não deixe de participar de
encontros com seu tutor e com colegas, lembre-se que você faz parte de uma turma e,
enquanto tal, o senso de coletividade e a amizade são importantes para que todos, mesmo
com diferenças pessoais, possam caminhar juntos, alcançando o sucesso no processo
ensino-aprendizagem.
Bons estudos!
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Unidade 1
Literatura, Sociedade e
Cultura: a mimesis
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LITERATURA,
SOCIEDADE E CULTURA:
A MIMESIS
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Unidade 1
Literatura, Sociedade e
Cultura: a mimesis
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LITERATURA E
IMITAÇÃO
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objetivos
Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de
- conceituar literatura a partir da construção histórica desse conceito;
- caracterizar a mimesis literária tanto em sua concepção tradicional quanto na concepção
moderna.
Prezado(a) aluno(a),
Aqui você começa uma nova etapa em sua vida, relativa aos estudos sobre literatu-
ra. Entre as competências para que você seja um graduado(a) em Licenciatura Plena em
Letras – Habilitação em Língua Portuguesa – na Modalidade a Distância, há necessidade
que tenha habilidades relativas à compreensão conceitual e prática sobre o texto literário,
uma vez que a literatura é um dos modos em que a língua de uma sociedade, de um país,
se manifesta. Portanto, antes de considerar que literatura não apresenta uma relação mais
imediata com o estudo da língua portuguesa, devemos, contrariamente, considerar que
os estudos literários são, sim, um desdobramento dos estudos lingüísticos.
Nosso curso de Estudo do Texto Poético foi elaborado desse modo, e sempre
nas unidades que o compõem faremos correlações entre a produção literária e os estudos
fonéticos/fonológicos, morfológicos e sintáticos. Nesta primeira atividade não é diferente,
e associada às questões da linguagem faremos uma abordagem sócio-histórica do conceito
de literatura.
Leia atentamente o poema abaixo, de Manuel Bandeira (1981, p.65), e depois reflita:
poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro
[da Babilônia num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
O termo literatura começou a ser usado para aludir ao ato de ler textos escritos,
decorrente do desenvolvimento da imprensa, da palavra impressa e do livro, o que foi um
fenômeno do século xix. Antes da massificação da palavra escrita,
o que prevalecia era a oralidade, com a transmissão oral de poemas,
ORALIDADE
uma vez que o texto escrito era de difícil reprodução, por ainda
Termo que se refere à produção
não existir a máquina de impressão em larga escala, ou seja, só
original de textos verbais mediante
o uso do aparelho fonador com o advento da tipografia e do prelo foi possível a impressão e
humano, implicando construção popularização de livros ou, pelo menos, do texto escrito. Por isso a
de texto independente do suporte maioria da produção literária, até meados do século xviii, era em
escrito. Pelas características de sua
verso, pois somente com esta forma textual era possível a recitação,
gênese, o texto oral, mesmo que
transcrito, apresenta índices da uma vez que existiam regras padronizadas de metrificação, rimas
fala: marcadores conversacionais, e ritmos, o que facilitava trazer a memorização dos poemas. Não
digressões narrativas, presença é sem razão que a unidade do poema chama-se “verso”, do latim
de interlocutores, marcas supra- vertere, que significa ‘virar, voltar, retornar’, configurando-se em
segmentais, entre outras. Para alguns
autêntica mnemotécnica (ou seja, técnica de memorização), dada
teóricos, existe uma Literatura Oral,
consolidada em textos narrativos a regularidade que é suscitada. É o que acontece ainda hoje com
próprios de uma cultura, e que, por os poetas cordelistas e com os cantadores repentistas, ou seja, a
mais que sejam transcritos, têm partir de uma métrica constante, normalmente de sete a dez sílabas
origem na oralidade.
poéticas, e de posse de um repertório determinado de palavras,
criam-se inúmeros poemas.
condição de pura subjetividade, em que definir literatura era muito mais adequar-se ao
julgamento de livros que se consideravam como “bons” e “belos”, estabelecendo-se a partir
daí uma tradição literária, o que chamamos de cânone. Em outras palavras, literatura
passava a ser muito mais uma produção cultural específica, para um público específico,
que tinha acesso à leitura e era alfabetizado. A literatura começa a ser seletiva, com a es-
colha de obras escritas consideradas como as melhores, mediante a crítica literária, que
determinava o que é a “superioridade” literária e a respectiva “inferioridade” de outras
formas de conhecimento e de linguagem, ou livros. Isso fez com que os indivíduos que
não tinham acesso à escola ficassem à margem do que passou a ser considerado cultura
erudita, ou seja, sem saber ler e escrever como caracterizar uma obra literária? Restou a
esses indivíduos ser usuário do que chamamos hoje de literatura oral, que não podemos
classificar como inferior. Pelo contrário, é rica em uma sabedoria mais popular. Qualquer
discriminação é decorrente de hierarquização social!
Não vamos discutir aqui se aquilo a que Platão se refere é procedente ou não. O
certo é que cada sociedade e cada cultura estabelecem seu sistema de valores, e, no mun-
do grego daquele momento, Deus estava no ápice social. Portanto, a idéia de que a arte
(aqui representada pela pintura e pela poesia) induz a uma aparência e à mentira (no
sentido mais tradicional de ficção) vem desde os tempos antigos, mesmo porque existia o
princípio da essência: acreditavam os antigos que a essência das coisas e dos seres estava
em Deus. Ou seja, todas as coisas e objetos teriam uma essência, considerada a natureza,
a idéia principal, o cerne de um ser. Mas, hoje, os homens perguntam se as coisas e os
seres são constituídos de uma única essência: é possível, em um mundo globalizado e
tão multicultural?
Um conceito básico de cultura é o seguinte: é tudo aquilo que o ser humano criou,
produziu, para melhor sobreviver no mundo, seja produção material (casas, vestuário,
alimentos, etc.), seja produção imaterial (ideologias, linguagens); contrariamente, temos
a Natureza, que é toda forma de existência que o ser humano não criou, mas foi gerada
espontaneamente, “criação” que se atribui a um Deus (conceito do filósofo grego Pla-
tão). O ser humano vive transformando a Natureza para criar cultura: é a árvore que é
transformada em cama, o fruto é industrializado e se transforma em goiabada, os sons
se tornam música ou a linguagem verbal pela capacidade criativa do homem. Ao ser
criada, mediante objetos e símbolos, toda cultura traz valores e ideologias, o que faz com
que os grupos sociais, que utilizam as culturas, tenham significações diferenciadas para
um mesmo referencial: assim é que a goiabada, comprada na quitanda da esquina, é um
doce mais barato que uma fatia de torta de chocolate comprada em uma lanchonete de
shopping center; uma cama feita de angelim é mais barata que uma cama feita de cedro,
esta madeira mais nobre. E por estarmos em uma sociedade capitalista, o que é bom e
melhor corresponde ao que é mais caro, custa mais dinheiro. Não é diferente com a Li-
teratura, que acaba sendo valorada não apenas pela importância de sua linguagem — o
que veremos nas próximas atividades —, mas esta importância acaba sendo valorada
financeiramente, fazendo com que alguns livros e autores sejam mais “caros”, o que
distancia a obra literária de quem não pode comprá-la.
Essa valoração, não apenas financeira como também ideológica, não nos impede
de conceituar Literatura sob um ponto de vista mais abrangente, um conceito que en-
globe todas as produções consideradas literárias no mundo, mesmo que a Literatura de
cada país possa ser diferente quanto ao tema, à escritura ou às ideologias transmitidas
pelo texto. Portanto, para tanto, vimos que o texto literário é marcado por ser a criação
de uma nova realidade, uma ficção, mas que está pautado no mundo em que vivemos,
daí ser imitação, por isso não podemos classificá-lo de “mentira”. Este texto é feito de
palavras, que adquirem uma utilização própria, e por isso são chamadas de metáforas.
Segundo Goulart & Silva (1994, p.23):
Daí, então, podemos concluir:
1. A obra literária cria seu próprio mundo, não sendo, portanto, uma cópia da realidade.
2. A criação deste mundo será feita através da palavra que comporá imagens ficcionais.
3. Diante da resistência que a própria palavra oferece, o escritor tem de volver ao mundo
real, onde se alimentará para continuar criando seu mundo de ficção.
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modalidade a distância
Atentos ao que foi dito antes, podemos concluir ainda que Literatura é a produ-
ção textual que tem como temática o ser humano e seus conflitos, apresentando valores
relativos a cada cultura retratada (por isso imitação, ou mimesis), sendo construída por
palavras polivalentes, orais ou escritas, que compõem imagens organizadas a partir do
ponto de vista do poeta ou narrador.
todo conhecimento, a literatura tem de mostrar a sua validade para o receptor, deve
estabelecer com este uma empatia, ou seja, mediante suas qualidades próprias, devemos
perguntar ao texto literário: para que serve esse conhecimento?
exercício
1. Agora, teste sua compreensão sobre os conceitos abaixo, já tratados nesta atividade.
Numere a coluna da direita de acordo com a da esquerda:
leitura complementar
A seguir, apresentamos o texto de Rogel Samuel (1985, p.7-12), que aborda as
relações entre arte, cultura e ideologia, considerando a literatura como produção inscrita
nessa relação triádica.
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Arte e Cultura
A literatura faz parte do produto geral do trabalho humano, isto é, da cultura.
A cultura de um povo são suas realizações, em diversos sentidos, como as ciências
e as artes. É um conjunto socialmente herdado, que de certo modo determina a
vida dos indivíduos.
Para compreender a literatura (e a arte em geral) do ponto de vista cultural,
há de fazer-se certas distinções e algumas observações.
Em primeiro lugar, é necessário distinguir objeto artístico de utensílio.
A arte não se pode identificar com um utensílio. A arte é gratuita, isto é, sua
finalidade é quase a própria arte. A arte não deve ter finalidade, porque ela é uma
finalidade em si mesma. É pois uma atividade lúdica, isto é, não tem finalidade fora
de si mesma. Isto não quer dizer que a arte não sirva para nada, mas outra coisa: foi
a sociedade moderna que estabeleceu que o padrão da realidade de um determinado
objeto é sua necessidade, isto é, os objetos são definidos não pelo que são, mas para o
que servem. Tudo na vida social é visto com respeito a um determinado fim. Todos
os produtos humanos e todas as ações humanas (o trabalho) estão assim definidos.
Entretanto há outros valores além dos que visam a um determinado fim.
O visar a um determinado fim significa inserir-se no meio de produção capitalista
que objetiva a satisfação de necessidades e lucro. A arte não visa a um determinado
fim, porque a arte expande-se no espaço da liberdade, e a liberdade é a espera do
nada, ou seja, a arte não visa a nada, porque ela é em si sua própria finalidade, não
há outra além dela mesma tão importante quanto ela. Isto não quer dizer que a
arte não tenha outra finalidade além dela mesma (a arte pode servir, por exemplo,
para educar), mas que a sua própria finalidade em si mesma já seria suficiente para
justificar sua própria existência. A liberdade é a espera de nada no sentido de que
vige no espaço lúdico, isto é, gratuito, que não visa a nada além de si mesma.
A atividade lúdica, isto é, o jogo, é gratuito. É uma atividade que não visa a
um determinado fim outro que não a própria ação. Assim como a dança não visa
a outra coisa senão ao próprio movimento.
É claro que a arte (como o jogo, a dança) tem muitas finalidades práticas:
serve para desenvolver o corpo e o espírito, para viver, ganhar dinheiro, ganhar
fama, mudar a sociedade, desenvolver a relação entre os homens e muitos outros
etcs. Mas, por melhores e mais necessárias que sejam as finalidade que poderíamos
enumerar para a arte, nenhuma poderia ser melhor do que ela mesma. Ou seja:
tautologicamente a arte visa à arte.
É muito antigo esse fenômeno. Já no período paleolítico, os homens pinta-
vam, antes de saber falar. Pintavam as grutas. E não com a finalidade de enfeitar,
já que muitas pinturas ficavam em lugares onde dificilmente alguém poderia ver.
Por que pintavam?
A arte tem, pois, essa gratuidade.
O utensílio não tem. Um machado de pedra tem uma finalidade. Não é uma
obra de arte.
Unidade 1
Literatura, Sociedade e
Cultura: a mimesis
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A arte pode ser inteiramente gratuita, como um quadro, ou pode estar embu-
tida num utensílio, por exemplo, um saleiro de ouro do Renascimento. Benvenuto
Cellini fez um saleiro de ouro para a mesa de Francisco i com as figuras de Netuno
e da Terra. Este saleiro de ouro têm pelo menos três aspectos. Em primeiro lugar
é uma obra-de-arte, tem as características estéticas e formais de uma obra-de-arte
renascentista. Em segundo lugar tem um certo valor material, isto é, a matéria com
que foi formado tem um certo valor no mercado, a peso: o ouro. Em terceiro lugar,
é um utensílio, isto é, tem uma finalidade fora de si mesmo, qual seja, para portar
sal à mesa. A arte, portanto, está embutida num utensílio, mas aquilo que é a arte
no objeto está livre daquilo que tem utilidade nele, e livre também do seu valor em
ouro (poderia ter sido feito em madeira, mais barata, ou em ferro). A arte escapa,
pois, do utensílio (como escapou da matéria, do metal ouro que, embora caro, não
a constituiu). E o aspecto artístico do saleiro continuou, desta maneira, gratuito,
isto é, sem finalidade fora de si mesmo.
Gratuito, aqui, não significa não pago. Se Cellini recebeu ou não recompen-
sa em dinheiro pelo trabalho artístico, não importa, do ponto de vista estético. E
mesmo do ponto de vista estético, certas obras-de-arte têm um valor inestimável,
porque são irreproduzíveis. E só tem preço aquilo que se pode tornar propriedade
de alguém, ou de um museu. O problema do valor é sempre definido como valor
de troca, nunca como valor artístico. Não pertence à estética o valor em dinheiro
de uma obra-de-arte, mas sim ao comércio de obras-de-arte. E saber se um artista
ganha muito dinheiro com sua arte não significa que sua arte tem necessariamente
grande valor artístico, mas sim que tem grande valor no mercado de arte, que nem
sempre corresponde ao valor estético, mas ao valor da aceitação por parte do público.
Aceitação esta que pode estar viciada pela propaganda.
A segunda distinção que devemos fazer (a primeira é entre objeto artístico
e utensílio) é entre a coisa dada na natureza e o objeto criado pelo homem, ou
produto. Uma pedra é um dado na natureza. Um machado de pedra é um produto,
objeto feito. A cultura é o elenco dos produtos e outros feitos humanos. A coisa na
natureza, pois, distingue-se do objeto do homem. E note-se que um objeto só o é
para um determinado sujeito, que o pensa e que o faz. A arte é, logo, um produto
gratuito. Marca a passagem e o fazer da cultura, essa energia. O homem se define
pelo que faz; o trabalho define o homem. O sujeito faz a realidade do objeto. Esse
fazer, essa interferência vai ser chamada trabalho. Hegel percebeu que a ação do
trabalho é a força motriz que impulsiona a História. É no trabalho que o homem
se produz a si mesmo. O trabalho é o núcleo de onde pode ser compreendida a
atividade criadora do sujeito, pois no trabalho se sente a resistência do objeto e o
poder do sujeito. O trabalho permitiu ao homem conhecer-se a si mesmo, além de
dominar a natureza. A compreensão do trabalho é necessária para que nós possa-
mos compreender a literatura como produto do trabalho humano. Pois a divisão
social do trabalho criou as antigas classes sociais: através dessa divisão de classes,
o trabalho passou de criador para alienador do homem.
Como trabalho, a literatura faz uma transformação da realidade. Trans-
formação da História. A História é um processo unitário, um devir, um pôr-se,
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modalidade a distância
Arte e Ideologia
Ideologia é a maneira de interpretar o mundo de acordo com os interesses
da classe social do interpretante. A ideologia é um fenômeno (quase) inconsciente;
não nos damos conta de que nossas avaliações e perspectivas são ideológicas, pois
quando temos consciência disto elas deixam de ser ideológicas. O empresário que
monta uma grande fábrica, despendendo grande soma de capital, considera-se um
gerador de empregos e de riqueza. O mesmo homem pode ser considerado, dentro
de outra postura ideológica, um explorador da capacidade de trabalho humana.
Todas as duas interpretações são ideológicas.
Unidade 1
Literatura, Sociedade e
Cultura: a mimesis
23
Outro exemplo: para uma determinada classe que está no poder é necessário
que haja verdades eternas, valores eternos, pois consciente ou inconscientemente
a classe deseja eternizar-se no poder. Esta postura é chamada freqüentemente de
“conservadora”, ou de “direita”, e raciocina na base do pensamento: “Isso sempre
foi e será assim”. Outra postura, chamada de “esquerda”, ou “revolucionária”,
acredita que pode haver mudanças, que a realidade está sempre em transformação.
Chama-se ideologia dominante aquela que a classe dominante consegue
impor à sociedade, através dos meios de comunicação e da produção da cultura.
Por causa disto, a classe operária, por exemplo, pode deixar de ter consciência de
classe (da sua classe) para pensar como pensa a classe dominante, e assim servir
aos interesses da dominação.
Alguns cientistas sociais, como Habermas, acreditam que não se pode falar
hoje de ideologia na sociedade industrial, que caracteriza o mundo moderno. O
Estado tecnológico, o capitalismo moderno, tratou de resolver a antiga separação
de classes, hoje dissolvidas na massa. E a prevalência do Estado (que é um poder
sem dono, um poder passageiro) fez com que tendam a desaparecer os donos dos
meios de produção, isto é, a chamada burguesia, que caracterizava o tipo de socie-
dade do século xix. Vivemos, hoje, uma enorme sociedade de massa, controlada
por um gigantesco aparelho burocrático do Estado (no Terceiro Mundo o tipo de
sociedade burguesa talvez ainda exista).
Não podemos reduzir o sentido da literatura essencialmente à sua forma
ideológica, ou à crítica da ideologia dominante. Alguns teóricos defendem a tese
de que a arte faz parte da superestrutura (a ideologia dominante que se manifesta
na religião, na filosofia, no direito e na política da classe dominante). Arte, porém,
é forma, além de ser mensagem. Assim, a arte resiste mesmo quando determinadas
estruturas sociais desaparecem, mesmo quando já não importa a ideologia em que
se inseria. Foi Marx o primeiro a ver como a arte grega perdurava, mesmo já tendo
desaparecido aquele tipo de sociedade e de economia grega. Havia alguma coisa
naquela arte, além da ideologia. E ler a Ilíada vendo só o problema escravagista é
um contra-senso.
É certo que o artista está condicionado histórica e socialmente, mas sua arte
não se reduz à ideologia. A obra-de-arte supera o problema social do meio onde
nasceu. Do ponto de vista social, a arte é expressão da divisão da sociedade; mas do
ponto de vista da estética, a arte tende para a universalidade, vendo o homem de
todas as sociedades e de todas as classes como o mesmo homem. Assim, um perso-
nagem de Racine transcende o absolutismo; um personagem de Balzac transcende
o capitalismo burguês. As ideologias de classe passam; a arte permanece.
Não se pode esquecer que a arte é um produto histórico e que o universal
que ela realiza não é um universal abstrato e intemporal (o que seria uma postura
idealista). A arte surge no e pelo particular para atingir o universal. Surge num
determinado tipo de sociedade para atingir a universalidade.
É necessário, pois, excluir os dois extremos: nem pensar que a arte é somente
ideologia, nem opor arte e ideologia, negando o seu caráter ideológico.
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modalidade a distância
Socialize sua reflexão com os demais companheiros de curso e com o tutor, a fim
de construir seu próprio conceito de literatura e mimesis.
bibliografia
básica
aristóteles. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro: Ediouro, 198-.
bandeira, Manuel. Manuel Bandeira; seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e
crítico e exercícios. São Paulo: Abril Educação, 1981.(Literatura comentada)
culler, Jonathan. Teoria literária; uma introdução. São Paulo: Beca Produções Culturais
Ltda., 1999.
goulart, Audemaro Taranto, silva, Oscar Vieira da. Introdução ao estudo da literatura. Belo
Horizonte: Ed. Lê, 1994.
moisés, Massaud. Dicionário de termos literários. 5.ed. São Paulo: Cultrix, 1988.
platão. A república. São Paulo: Martin Claret, 2000.
williams, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.
complementar
denis, Benoît. Literatura e engajamento; de Pascal a Sartre. Bauru, sp: edusc, 2002.
samuel, Rogel (org.). Manual de teoria literária. Petrópolis, rj: Vozes, 1985.
resumo da atividade 1
Nesta atividade, pudemos compreender que a literatura se constitui como re-
presentação do homem e de sua realidade, servindo a várias ideologias e concepções de
sociedade, o que nos faz afirmar que a obra de arte literária tanto pode estar ligada às
vanguardas como à tradição.
LITERATURA E CONTEXTO
SÓCIO-CULTURAL
a t i v i d a d e 2
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26 Língua Portuguesa
modalidade a distância
objetivos
Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de
- interpretar o texto literário indicando suas condições sociais e históricas de produção;
- considerar o texto literário como forma de conhecimento da realidade em que está
inserido.
A segunda parte do poema (da sétima estrofe até o final) nos surpreende com a
descrição da condição de outro animal, não mais humano, e sim o cavalo. Só que a des-
crição, de certa maneira, “humaniza” este animal: “animais adormecidos, com o mesmo
mistério humano”. Só percebemos que o animal descrito é o cavalo quando, na penúltima
estrofe, no terceiro verso, a autora se refere à palavra “cavalo”. É como se houvesse uma
aproximação de mundos – o humano e o animal – que no dia-a-dia são tão distantes, e
por vezes se torna inaceitável, para alguns, a comparação. O que acontece, no entanto, é
que a aproximação nos propicia uma reflexão sobre a própria condição humana, condição
de “humana vassalagem”. Podemos dizer, então, que o texto nos desvela uma ideologia,
porque nos mostra que na sociedade moderna e capitalista somos tão “animalizados” pelo
trabalho como os cavalos, que só têm noções da vida (água e primavera) e não compre-
endem que são seres históricos, com um passado e uma possibilidade de ter uma cultura,
uma tradição. A noite se verte em possibilidades de transformação dessa condição, em
“mil sonhos vacilantes”, mas quando ela se desmancha no oriente, voltamos à condição
de puxarmos as imensas rodas do dia.
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modalidade a distância
Assim é que o poema “imita”, espelha uma condição humana, em um dado momento
da história da Humanidade, ou seja, a partir do mundo moderno, com a Revolução Indus-
trial, em que os homens passaram a ter uma vida muito mais “robotizada”, tornou-se mais
freqüente esta condição animal do ser humano. Por essa razão este poema é verossímil,
ou seja, é possível que hoje mesmo esta condição se repita em algum momento de nossa
Humanidade. Portanto, a ficção literária, antes de ser uma “mentira”, é uma possibilidade,
um modelo de pensar sobre o homem e o mundo, a partir de questionamentos e de indícios
de possíveis condições do homem, “escravo” do próprio homem. Em outras palavras, o
texto literário nos ajuda a sempre questionar o seguinte: esta situação é realmente váli-
da? Isto que acontece é legítimo? É justo o que se faz entre os homens, só porque temos
pensamentos, ideologias e comportamentos diferentes?
exercício
1. Leia a assertiva de Proença Filho (1995, p. 20) e comente em seguida, a partir das ex-
plicações anteriores sobre a função representativa da literatura em relação à sociedade:
Ora, se acreditamos que “a literatura revela o homem enquanto homem, sem distinção
ou qualificação”, se sabemos que “uma literatura surge sempre onde há um povo que
vive e sente”, é fácil concluir que cultura, língua e literatura estão estreitamente ligadas.
leitura complementar
O texto abaixo, de Regina Zilberman (1990, p.32-35), trata da crise da função da
literatura na sociedade moderna, destituída de fruição pela praticidade do mundo con-
temporâneo. Leia-o e depois responda à questão acerca do assunto.
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30 Língua Portuguesa
modalidade a distância
bibliografia
básica
maingueneau, Dominique. O contexto da obra literária; enunciação, escritor, sociedade. 2.ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2001.
meireles, Cecília. Cecília Meireles: seleta em prosa e verso. 2.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.
proença filho, Domício. Estilos de época na literatura. 15.ed. São Paulo: Ática, 1995.
sousa, Inglês de. “O baile do judeu”. In: Contos amazônicos. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
wellek, René, warren, Austin. Teoria da literatura. 5.ed. Lisboa: Publicações Europa-
América, 1962.
complementar
leahy-dios, Cyana. Educação literária como metáfora social. Niterói, rj: eduff, 2000.
souza, Roberto Acízelo de. Teoria da literatura. 3.ed. São Paulo: Ática, 1990.
zilberman, Regina. Literatura e pedagogia: ponto e contraponto. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1990.
Unidade 1
Literatura, Sociedade e
Cultura: a mimesis
33
resumo da atividade 2
Nesta atividade, a partir de exemplos de textos literários, um poema e uma prosa,
observamos que a organização interna desses textos reflete a sociedade em que ocorre a
produção literária, com valores verossímeis histórica e socialmente tratados.
A obra literária simula lidar com coisas e pessoas conhecidas, porém deixa claro
que aquelas nunca tiveram existência concreta, tangível ou mensurável. Reais são apenas
as palavras que as enunciam e que, mediante um arranjo sintático, constróem uma para-
-realidade que imita o nosso mundo cotidiano.
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modalidade a distância
Unidade 2
Poesia e Verossimilhança
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POESIA E
VEROSSIMILHANÇA
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Unidade 2
Poesia e Verossimilhança
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POIESIS
E VEROSSIMILHANÇA
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38 Língua Portuguesa
modalidade a distância
objetivos
Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de
- distinguir poiesis, poética e poesia;
- conceituar verossimilhança.
Texto 1
- Onde ela estava?
- Eu encontrei sua amiga em sua casa, ela estava toda desarrumada!
Texto 2
Quem pode medir um homem?
Quem pode um homem julgar?
Um homem é terra de sonhos,
Sonho é mundo a decifrar.
Naveguei ontem no vento,
Hoje cavalgo no mar.
(barata, 2000. p. 57)
Texto 3
Na pescaria é assim, a gente vai comendo as safras, tem o tempo
de ganhar muito e tem o tempo de ganhar pouco.
novas informações que adquirimos com os filhos, por isso eles podem ser considerados
“nossos livros” também. Assim, fica evidente que posso utilizar uma palavra transferindo
parcialmente seu sentido para outro objeto ou referência, a fim de proporcionar maior
expressividade para o que eu quero dizer.
verbal adquiriu variações, o que fez com que essas duas línguas, mesmo tendo uma origem
comum – latim – sofressem alterações tamanhas que derivaram em línguas diferentes.
Em certa medida, toda língua sofre transformações, com o passar do tempo, o que
demonstra sua capacidade de ser criativa, de comportar, em certo grau, uma poiesis. Um
exemplo dessa transformação histórica, através da qual as línguas se modificam e incor-
poram novos significados, pode ser observado no uso da palavra “manjar”, nas seguintes
frases: a) “Je mange un petit poisson” (Eu como um pequeno peixe); b) “O manjar estava
divino”; c) “Eu manjo qual é a tua!”; d) “O nosso relacionamento está um manjar”. A
palavra ‘mange’ é a flexão, na primeira pessoa do singular do presente, do verbo francês
manger, que significa ‘comer’, ou mesmo corroer, em certos contextos. Esse verbo, quan-
do foi incorporado ao português, adquiriu outros significados, e mesmo passou a outras
categorias gramaticais, como o substantivo, além de adquirir outras conotações, mesmo
que continue ocorrendo uma correlação com o campo semântico do verbo “comer”, mas
essa variação estabeleceu certa especificidade em nossa língua: na frase “b”, “manjar” é
uma espécie de doce, sobremesa, degustada em ocasiões especiais e refinadas; na frase
“c”, a expressão “manjo” se refere a entender o que o interlocutor fala ou pensa; na frase
“d”, a palavra “manjar” se refere a considerar uma relação entre pessoas como sendo boa,
amigável e amorosa, que nos deleita. Por mais que haja variações, desde a palavra francesa
manger até a palavra portuguesa “manjar” existe um sentido comum a todas as frases,
que é de absorver, tomar para si algo ou alguma coisa, com apurada percepção, o que,
em certa medida, é uma forma de alimentar o corpo físico ou o conhecimento mental.
O que concluímos com essa reflexão? Que a língua é uma representação mental
da realidade exterior ao homem, mesmo que seja escrita, e aí ela comporta certa mate-
rialidade (a grafia). A origem da língua está no pensamento e nas
SIMBÓLICO/SÍMBOLO imagens que concebemos para representar os seres e as coisas, por
Um dos modos de representação isso a língua é um sistema simbólico, que varia de um grupo social
dos seres e coisas do mundo para outro, daí as diferentes línguas no mundo. Sendo, em parte,
humano, os símbolos se um sistema social – e por isso a necessidade de ser invariável –,
caracterizam por estabelecerem
uma relação arbitrária entre
sendo, por outro lado, aberta a novos sentidos – e por isso é variá-
o representante (signo) e o vel, poética e artística –, cada língua tem a construção de sentidos,
representado (ser/coisa), isto para representar o mundo, que seu povo falante entende que seja
é, não existe uma relação de o melhor e o mais verdadeiro para garantir a sua existência. Mas é
semelhança (a fotografia é igual
aqui que outra questão se coloca: o que é o melhor, o verdadeiro, o
a pessoa fotografada) nem de
contigüidade (a fumaça é uma verossímil, para cada usuário de uma língua e uma cultura?
continuação do fogo) entre signo
e objeto, mas sim uma relação A verossimilhança é um conceito presente na literatura desde
de convenção social e ideológica Aristóteles e pode ser considerada como característica marcante
entre esses elementos semióticos. de textos literários em relação a outros gêneros textuais, como nos
lembra o autor grego:
Unidade 2
Poesia e Verossimilhança
43
é evidente que não compete ao poeta narrar exatamente o que aconteceu; mas sim o
que poderia ter acontecido, o possível, segundo a verossimilhança ou a necessidade. O
historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o primeiro escrever em
prosa e o segundo em verso (...). Diferem entre si porque um escreveu o que aconteceu
e o outro o que poderia ter acontecido. (aristóteles, 198-, p.252)
Então a questão não é se existe uma verdade mais “verdadeira” do que a outra, mas
em que condições e tempo cada representação, seja literária ou não, se constrói, porque,
por certo, os valores de cada sociedade e de cada artista (este enquanto membro de um
grupo social) estarão refletidos nas obras. O problema é que
o modelo naturalista da verdade, presente desde os clássicos
MEDIAÇÃO
processo que implica o
greco-latinos até hoje, perdura, sendo atualmente um modelo
estabelecimento de relações por que passou a representar todo o mundo ocidental como a rea-
meio de um elemento intermediário, lidade, por isso os responsáveis por este modelo construíram
que favorece a atividade produtiva uma versão de natureza que passou a ser a única considerada
e o materialismo histórico, ou
como verdade. Mas, com o advento dos estudos antropológi-
seja, a produção de um objeto. Por
exemplo, o trabalho é o elemento cos, começamos a perceber que a verdade de representações e
mediador entre homem e natureza. modelos culturais não está unicamente nos padrões europeus
Em relação à arte e à literatura, ou norte-americanos, mas em todo grupo social que tenha
implica em dizer que a obra de
uma cultura particular. Franz Boas (apud castro, 2004,
arte é o elemento mediador entre o
homem e a sociedade, resguardando p.9), antropólogo alemão, por ocasião de uma expedição de
a representação de ambos. estudos a uma comunidade de esquimós, comentou em seu
NATURALISMO diário em 23 de dezembro de 1883:
estilo ou técnica artística Freqüentemente me pergunto que vantagens nossa “boa
que aborda, de maneira direta, sociedade” possui sobre aquela dos “selvagens” e descubro, quanto
aspectos da realidade tal qual mais vejo de seus costumes, que não temos o direito de olhá-los
nossa visão abarca a paisagem de cima para baixo. Onde, em nosso povo, poder-se-ia encontrar
que se nos apresenta. Caracteriza- hospitalidade tão verdadeira quanto aqui?... Nós, “pessoas altamente
se pela riqueza de detalhes educadas”, somos muito piores, relativamente falando. (...) Creio que,
(descritivismo) e pela objetividade se esta viagem tem para mim (como ser pensante) uma influência
do enunciador em relação à valiosa, ela reside no fortalecimento do ponto de vista da relatividade
realidade retratada (distanciamento). de toda formação [Bildung], e que a maldade, bem como o valor de
uma pessoa, residem na formação do coração [Herzensbildung], que
eu encontro, ou não, tanto aqui quanto entre nós.
sua realidade. No entanto, esses grupos não devem ser etnocêntricos e, mais ainda, não
devem julgar os outros grupos, com suas produções diferentes, somente a partir do que
acreditam como o possível, o verdadeiro, o verossímil.
Com os textos literários não foi diferente e nem o é, como veremos na Atividade 4.
exercício
Para refletir: se você fosse escrever um texto sobre a realidade à sua volta, construiria-o
por meio da representação criadora ou da representação reprodutora? Que tipo de re-
presentação seria mais adequada para descrever sua realidade, o seu ambiente cultural?
leitura complementar
O capítulo xi do livro Introdução à teoria da literatura, de Antonio Soares Amora
(1989, p.133-135), nos apresenta a importância da cultura para a compreensão da produção
do texto literário. Leia-o e utilize as informações em suas respostas ao exercício acima.
Introdução
É fácil perceber que, embora nos comportemos, nesta ou naquela situação,
por força de impulsos de nossa personalidade (conscientes ou inconscientes), bem
examinados os nossos comportamentos, eles refletem influências do meio cultural
em que vivemos. É esse meio que nos fornece a língua com que nos expressamos, os
valores que defendemos, o gosto que nos leva a preferir determinadas cousas, etc. E
se bem virmos, o que acontece em cada um de nós acontece com os escritores: eles
estão sujeitos às influências do meio cultural a que pertencem e suas obras refletem,
fatalmente, essas influências.
Relações entre a obra e seu ambiente cultural
Que uma obra reflete influências do ambiente cultural em que surge é ,
portanto, um fato fácil de compreender. Os romances O Guarani e Iracema, de José
de Alencar, foram o fruto da valorização de nossos índios, levada a efeito durante
os anos do Romantismo (1830-1888) e numa época em que nos dominava o senti-
mento nacionalista e o entusiasmo por tudo que era expressão de um Brasil nativo.
Mas se é certo dizer que o ambiente cultural exerce influência sobre o escritor e se
expressa em sua obra, não é menos certo dizer que uma obra acaba também por
exercer influência sobre o meio cultural que a envolve. Voltando ao exemplo dos dois
romances indianistas de Alencar, fácil é verificar que deram, ao nosso movimento
Licenciatura em Letras
48 Língua Portuguesa
modalidade a distância
bibliografia
básica
amora, Antonio Soares. Introdução à teoria da literatura. São Paulo: Cultrix, 1989.
aristóteles. Arte poética. Rio de Janeiro: Ediouro, 198-.
castro, Celso (org.). Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
oliveira, Marta Kohl de. Vygotsky; aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico.
São Paulo: Scipione, 1993.
walty, Ivete Lara Camargos. O que é ficção. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
Unidade 2
Poesia e Verossimilhança
49
complementar
andrade, Carlos Drummond de Andrade. Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro:
Agir, 1994.
barata, Ruy Guilherme Paranatinga. Antilogia. Belém: rgb Editora, Secult, 2000.
vygotsky, Lev Semenovictch. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
resumo da atividade 3
Nesta atividade, considerou-se a literatura na perspectiva da poiesis, isto é, o texto
literário, mesmo oriundo da língua, que é uma convenção social, apresenta-se como in-
venção, criação, em que o poeta forja sua obra. A língua é uma forma de representação da
realidade e como tal pode adquirir um caráter reprodutor dessa realidade ou um caráter
criador sobre essa realidade.
ESTILO E REPRESENTAÇÃO
LITERÁRIA
a t i v i d a d e 4
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52 Língua Portuguesa
modalidade a distância
objetivos
Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de
- compreender a obra literária como uma forma de verossimilhança;
- conceituar estilo.
Texto 1
Súbito ouvi uma palavra doméstica e veio-me a idéia de procurar a significa-
ção exata dela. Tratava-se do inferno. Minha mãe estranhou a curiosidade: impossível
um menino de seis anos, em idade de entrar na escola, ignorar aquilo. Realmente
eu possuía noções. O inferno era um nome feio, que não devíamos pronunciar. Mas
era apenas isso. Exprimia um lugar ruim, para onde as pessoas mal-educadas man-
davam outras, em discussões. E num lugar existem casas, árvores, açudes, igrejas,
tanta coisa, tanta que exigi uma descrição. Minha mãe condenou a exigência e quis
permanecer nas generalidades. Não me conformei, apelei para a ciência dela. Por
que não contava o negócio direitinho? Instada, condescendeu. Afirmou que aquela
terra era diferente das outras. Não havia lá plantas, nem currais, nem lojas, e os
moradores, péssimos, torturados por demônios de rabo e chifres, viviam depois
de mortos em fogueiras maiores que as de São João e em tachas de breu derretido.
Falou um pouco a respeito dessas criaturas.
Fogueiras de São João eu conhecia. Tinha-se feito uma diante de casa. Eu
andara à tardinha em redor do monte de lenha que o moleque José arrumava. Ad-
mirando os aprestos, espantava-se de haver nascido ali de supetão um mamoeiro
carregado de frutos verdes. À noite deitara-se na pilha uma garrafa de querosene,
viera um tição. E eu ficara na calçada até dez horas, olhando as labaredas, que meu pai
alimentava com aduelas e sarrafos. A gente da vila mexia-se, ria e cantava, iluminada
por outros fogos. No dia seguinte as folhas do mamoeiro se torravam, pulverizavam.
E na rua, desentulhada, apareciam grandes manchas negras.
Também conhecia o breu derretido. No armazém, barricas finas continham
substância escura que, pisada, tomava a cor das moedas de vintém livres de azinha-
vre, raspadas do tijolo, molhadas e enxutas. Eu havia esfarelado um pedaço dessa
maravilha, com um peso de meio quilo, junto à balança romana da loja. Tinha posto
a massa dourada num cartucho de jornal, riscado um fósforo em cima e esperado
o fenômeno. Uma lágrima correra no papel, alcançara-me o dedo anular, descera
da unha à primeira falange. Largando a experiência, eu me desesperara, abafando
Unidade 2
Poesia e Verossimilhança
53
os gritos, fora meter a mão num pote de água. Tinha sofrido em silêncio, receando
que percebessem a traquinada e a queimadura.
Quando minha mãe falou em breu derretido, examinei a cicatriz do dedo e
balancei a cabeça, em dúvida. Se o pequeno torrão, esmagado com o peso de meio
quilo, originara aquele desastre, como admitir que pessoas resistissem muitos anos
a barricas cheias derramadas em tachas fundas, sobre fogueiras de S. João?
— A senhora esteve lá?
(ramos, conto “O inferno”, 2002, p.71-73)
Texto 2
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os
infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinaria-
mente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco,
a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A
folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escancha-
do no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo,
a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no
ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho
pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
— Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.
Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o
pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano
ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não
acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas
brancas que eram ossadas. O vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor
de bichos moribundos.
— Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração gros-
so, queria responsabilizar alguém por sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um
fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo
miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar,
não sabia onde.
Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a idéia de abandonar o filho
naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja,
irresoluto, examinou os arredores. Sinhá Vitória estirou o beiço indicando vagamente
uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu
a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino,
que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. Aí a
cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos
Licenciatura em Letras
54 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Os fragmentos dos textos acima são do escritor alagoano Graciliano Ramos, co-
nhecido por produzir obras que têm como pano de fundo a região do Nordeste brasileiro,
apresentando seus cenários e os dramas dos homens que os habitam, seja o do sertão ou
o das grandes cidades da região.
Existem marcas textuais que nos dão indícios do espaço e da realidade nordestinos,
além de nos referirmos propriamente ao contexto histórico de produção das obras. Em
relação às marcas textuais podemos nos referir, inicialmente, aos
GRACILIANO RAMOS substantivos que se referem a espaços, como no Texto 1: casa, rua,
(1892-1953) igreja, açude, armazém; no Texto 2, temos planície, rio, juazeiro,
Escritor brasileiro, produtor catinga. Percebemos que são dois espaços diferentes, a cidade e
de contos, crônicas, novelas e
o sertão, tratados por cada texto, por mais que entendamos que
romances. Foi também político,
prefeito da cidade de Palmeira seja a mesma região, o Nordeste brasileiro. Então, podemos dizer
dos Índios (al). A marca de sua que são duas representações espaciais de uma mesma região,
poética é a combinação entre que retratam não só um cenário ou uma paisagem, mas, por
regionalismo, conflitos sociais
outro lado, nos dão mobilidade, a partir do momento em que,
e a investigação dos dramas
universais do homem, como nesses espaços, ocorrem ações quando observamos o homem, a
amor, ódio, poder. personagem atuar, entrar em ação, com seus valores e atitudes
DIALÉTICA que confirmam ou refutam sua ideologia, personagens que são
Processo de diálogo ou discussão, diferentes a despeito de serem nordestinos, o que nos faz concluir
pautado em teorias e conceitos, que, mesmo em uma mesma região, existem representações di-
em que pontos-de-vista opostos
versas, verdades diferentes, conforme o narrador, o elaborador do
provisoriamente se resolvem em
unidade, ou seja, um terceiro discurso. Para Santos (1997, p.72), “o espaço resulta do casamento
ponto-de-vista que contemple os da sociedade com a paisagem. O espaço contém movimento. Por
posicionamentos anteriores. isso, paisagem e espaço são um par dialético”.
Unidade 2
Poesia e Verossimilhança
55
O que podemos observar é que a verossimilhança dos textos é relativa aos espaços
que são representados, havendo, mesmo, a possibilidade de um inferno aqui na Terra: o
inferno que é questionado pelo filho – fogueiras maiores que as de São João e tachas de
breu derretido – se faz presente, alegoricamente, no brutal calor da planície “avermelhada”
e na catinga rala, em que o sertanejo é obrigado a caminhar, sob sol escaldante. A cada
espaço ou realidade, então, podemos concluir que existem dife-
rentes formas de representação, pela literatura, que nos oferecem ESTÉTICA
diferentes verdades e textos com diferentes verossimilhanças, Estudo dos processos de criação
porque o espaço é onde os processos sociais e os dramas humanos artística e dos produtos originados
acontecem, e estes dramas e processos acabam por estabelecer uma – a obra de arte , considerando-
se o efeito que o belo suscita nas
relação de reciprocidade com o espaço em que acontecem, por
emoções e sentimentos humanos.
isso o verossímil é relativo a cada espaço, tempo e drama humano.
ESTILO/ESTILÍSTICA
Na literatura, esta diferença de representação e verossimi- Caracterização dos modos de
construção de uma obra de arte,
lhança ocorre mediante diferentes poéticas. A poética é o modo
a partir do conjunto de elementos
como certos escritores, em dados momentos históricos, conside- expressivos da linguagem utilizada,
ram o que sejam as regras para a construção do texto literário, o que imprimem valoração à obra
que implica em serem obedientes a certos modos de representação, em conformidade com os padrões
o que pode ser observado na maneira como descrevem persona- estéticos do momento (estilo de
época). A estilística é o estudo do
gens e espaços, nas ações que atribuem a cada sujeito, nos valores uso da linguagem verbal pelo poeta
atribuídos a seres e objetos. A poética é considerada, também, ou prosador, quer dizer, o emprego
como o estudo ou tratado de produção estética do texto literário, individual que estes fazem dos
mediante a descrição das convenções e operações (ideológicas e recursos de uma língua visando a
imprimir maior expressividade à
lingüísticas) que possibilitam a compreensão pela leitura do texto.
sua mensagem, pela capacidade de
Por exemplo, Graciliano Ramos apresenta uma poética mediante a sugestionar e emocionar mediante
maneira própria de escrever seus textos, com recursos estilísticos e determinados processos e efeitos.
lingüísticos que o individualizam e que o fazem ter estilo próprio.
ao que tudo indica, está presente em sua escritura, em sua poética, marcada pela tensão
entre o eu do escritor e a sociedade em que se insere.
exercício
1. Por que a obra literária não é uma cópia da realidade e sim uma realidade possível de
acontecer (verossimilhança)?
2. Para responder a esta questão, primeiramente realize a leitura complementar. Ao final
da leitura, você encontrará a questão correspondente.
leitura complementar
O texto abaixo é de Dominique Maingueneau (2001, p. 32-34) e se refere a impor-
tância das condições de produção na leitura do texto literário. Leia-o e depois responda
ao exercício de aplicação:
A vida literária
5 L’oeuvre, capítulo III, Livre de Poche, p.91. Para um estudo da boemia ver o livro de J. Siegel,
Paris-Bohème 1830-1930, Gallimard, 1991.
6 L’oeuvre, Livre de poche, pp. 84-85.
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58 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Cena exemplar, em que o bando de artistas erra pelas ruas com o sonho
contraditório de conquista do mundo burguês e de “não serem mais que artistas”. De
fato, a arte não dispõe de outro lugar além desse movimento, dessa impossibilidade
de se fechar em si mesma e deixar-se absorver por esse Outro que se deve rejeitar,
mas de quem se espera o reconhecimento.
bibliografia
básica
loureiro, João de Jesus Paes. Elementos de estética. 2.ed. Belém: cejup, 1988.
maingueneau, Dominique. O contexto da obra literária. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
santos, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. 5.ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
suassuna, Ariano. O auto da compadecida. 34.ed. Rio de Janeiro: Agir, 2002.
complementar
coli, Jorge. O que é arte. 9.ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
ramos, Graciliano. Infância. 38.ed. Rio, São Paulo: Record, 2002.
______ . Vidas secas. 32.ed. São Paulo: Martins, 1974.
resumo da atividade 4
Nesta unidade, estudamos o texto literário como representação de seres e objetos,
portadores de significados – denotação ou conotação – que nos remetem a mundos
possíveis de serem verdadeiros (verossímeis). A linguagem literária nada mais é do que
a linguagem verbal que apresenta uma capacidade criativa, potencializada pelo escritor,
que, mediante a poiesis, inventa novos sentidos, conforme o mundo que queira representar,
construindo, assim, uma poética sua, apoiada na poesia da linguagem.
Unidade 3
Funções da Linguagem
59
u n i d a d e 3
FUNÇÕES
DA LINGUAGEM
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60 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Unidade 3
Funções da Linguagem
61
AS FUNÇÕES
DA LINGUAGEM
a t i v i d a d e 5
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62 Língua Portuguesa
modalidade a distância
objetivos
Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de
- caracterizar as funções da linguagem
- identificar a função poética da linguagem;
Mas as palavras estão aí, no mundo, no nosso cotidiano, no dicionário e nas gra-
máticas. Por que não usá-las conforme nossas conveniências? Eis a diferença entre os
usos da linguagem, já que, exatamente por ser um fenômeno social e público, a linguagem
verbal tem diferentes situações e condições de uso, o que podemos esclarecer com o co-
nhecimento das funções da linguagem, particularmente a função poética, e os conceitos
que derivam desta função, a serem tratados nesta unidade.
Foi Roman Jakobson quem afirmou, no ensaio “Lingüística e poética” (1960), que
estes fatores apresentam funções, em conformidade com a finalidade do ato comunica-
tivo. Primeiramente, Jakobson questiona o que faz de uma mensagem verbal um texto
artístico, para depois esclarecer que cabe à Poética diferençar a arte verbal das outras
artes e das condutas verbais, não sem afirmar, complementarmente, que, sendo a Poética
parte integrante da Lingüística, muitas características da linguagem literária pertencem
também à ciência da linguagem e à teoria dos signos em geral. Por isso, “a questão das
relações entre a palavra e o mundo diz respeito não apenas à arte verbal, mas realmente
a todas as espécies de discurso” (jakobson, 1991, p.119). O discurso, como unidade
lingüística superior à frase, corresponderia ao ato de enunciação, ou seja, a enunciação
é uma situação efetiva de manifestação da língua entre os interlocutores, com a apro-
priação individual desta pelos sujeitos falantes a fim de construir efeitos de sentido; e
estes sentidos se constroem em conformidade com o mundo representado e a partir de
referentes de dada cultura e sociedade, o que faz com que em cada ato comunicativo
verbal exista a latência do uso literário da linguagem verbal. Como exemplo do uso da
linguagem literária, particularmente a metáfora, na linguagem cotidiana, podemos nos
referir a algumas expressões populares: “quinto dos infernos” e “santo do pau-oco”
significam, respectivamente, um lugar muito distante, caracterizado por uma condição
inóspita, no primeiro caso, e uma pessoa que aparenta uma imagem angelical, mas que
oculta atitudes hipócritas e sonsas, no segundo. Estas expressões, utilizadas no cotidiano,
principalmente pelos mais velhos, originaram-se no Brasil Colônia por ocasião do ciclo
do ouro: à Coroa portuguesa deveria se destinar um quinto de toda produção aurífera
da Colônia, na condição de imposto. Já que o Brasil era considerado um lugar extrema-
mente distante naquela época, nada melhor do que compará-lo com um inferno, em que
bastaria recolhermos o que vinha de lá, nunca morar lá. O pau-oco se refere ao ato de,
Unidade 3
Funções da Linguagem
65
Esses exemplos permitem compreender que, por mais que exista uma unidade
de língua para uma determinada comunidade, esta língua apresenta sub-códigos nesse
sistema lingüístico, que são inter-relacionados, mas que se caracterizam por funções
diferentes, conforme o discurso historicamente construído.
É bom lembrar que as funções da linguagem não estão isoladas umas das outras,
mas dialogam entre si, por mais que, dependendo da finalidade da comunicação, uma
ou mais sejam privilegiadas em relação às outras. Vejamos como esse conjunto pode ser
articulado, mesmo a despeito de uma função ser privilegiada na mensagem.
direta, sem intermediações, dos seres e objetos do mundo, não podemos perder de vista
que a relação entre linguagem e realidade não é ingênua, uma vez que, como já vimos,
toda representação está contaminada por questões ideológicas. A própria condição de
arbitrariedade do signo lingüístico, já apontada por Saussure, nos evidencia que toda
representação tem uma implicação ideológica, em conformidade com as conveniências
do grupo social que a constrói e a utiliza.
O poeta, quase sempre, lança mão dessa função, uma vez que a arte literária é a
expressão particular do autor, de suas concepções e sentimentos. Mas não quer dizer que
unicamente da vontade e dos sentimentos do poeta é feita a obra literária, porque a idéia
de poeta inspirado e assinalado, modernamente, cai por terra quando concluímos que
Licenciatura em Letras
68 Língua Portuguesa
modalidade a distância
também é necessária a organização lógica e coerente de um texto, mesmo que seja uma
lógica própria, não comum ao mundo cotidiano.
Quando o poeta qualifica positivamente sua casa no campo, também utiliza a função
poética, uma vez que sua mensagem é elaborada com certa preocupação em causar um
paralelismo (repetição da construção sintática entre os versos), por isso atribui uma série
de combinações lingüísticas à frase principal – “eu quero uma casa no campo”, numa
construção sintática que reforça seu desejo.
Segundo Jakobson, esta função “encontra sua expressão gramatical mais pura no
vocativo e no imperativo, que, sintática, morfológica e amiúde até fonologicamente, se
afastam das outras categorias nominais e verbais” (idem, p.125). Na frase “Coma tu-
dinho!”, que muitos pais pronunciam no afã de fazer com que os filhos degustem suas
refeições, mesmo que haja a preocupação em evitar a inanição, está latente a posição
hierarquicamente superior dos genitores sobre seus filhos o que os habilita a pronunciar
uma frase imperativa, uma ordem a ser atendida por quem a ouve. Neste particular, há
também uma certa subjetividade, quando o emissor manifesta seu desejo de impor ao
outro – no caso, a mãe impondo ao filho – a sua vontade de que este realize a ordem; há,
aqui, uma certa tendência à função emotiva.
É claro que nem sempre a função conativa se realiza de forma tão ditadora. Ela
por vezes se reveste de um caráter persuasivo e sedutor, veiculado pelo discurso, direto
ou indireto, forma mais natural desta função. É o que acontece nos textos jornalísticos e
publicitários. Temos como exemplo: “Paulistano defende Congonhas, mas com mudan-
ças”. Esta manchete é do jornal Folha de São Paulo, do dia 22 de julho de 2007, e circulou
no primeiro domingo após um grande acidente aéreo, ocorrido na terça-feira da mesma
semana, na cidade de São Paulo, que vitimou perto de 200 pessoas. Ao assumir o discur-
so do público paulistano, como se todos os paulistanos defendessem a permanência do
aeroporto em uma área urbana e altamente habitada, o jornal tenta convencer seu leitor
de que não deve haver mudanças. Mas, ao lermos com detalhe a notícia, observamos que
26% dos entrevistados defendem o fechamento completo, outros 29%, o fechamento do
aeroporto até o esclarecimento do acidente aéreo e apenas 34% defendem a permanência
do aeroporto, mas com menos vôos operando.
Unidade 3
Funções da Linguagem
69
Ao finalizar esta terceira função, vale lembrar que o primeiro modelo das funções
da linguagem privilegiava as três funções acima – emotiva, referencial e conativa – e os
elementos lingüísticos desse modelo – a primeira pessoa, o emissor; a segunda pessoa, o
receptor; e a terceira pessoa, sobre quem se fala algo (ele), que é o referencial. Atualmente,
mais três funções foram agregadas a esse modelo, as que trataremos a seguir.
alguém dizer “alô”, de pronto, respondemos “alô”, como padrão, instituído em nossa
sociedade, em caso de comunicação telefônica. Segundo Jakobson (idem, p.126),
este pendor para o contato ou, na designação de Malinowski, para a função
fática, pode ser evidenciado por uma troca profusa de fórmulas ritualizadas, por
diálogos inteiros cujo único propósito é prolongar a comunicação.
Outro exemplo do predomínio dessa função pode ser um casal de namorados que,
envergonhados um com o outro, em um primeiro encontro, estabelecem um diálogo de
“meias-palavras”, como parte do ritual de aproximação entre homens e mulheres: “o
tempo tá frio hoje, né?”, “você gosta de futebol?”, “tua mãe está bem?” e outras frases
dessa natureza, somente no afã de fazer perdurar o contato entre os dois. Podemos supor,
sem pestanejar, que esta é a primeira função que as crianças manifestam, quando, antes
de elaborarem frases plenamente compreensíveis em seus balbucios, são capazes de se
comunicar, testando o canal.
A partir do excerto acima, podemos compreender que toda vez que perguntamos
ao nosso interlocutor “Você está entendendo o que quero dizer?”, utilizamos a função
metalingüística na comunicação, porque nossa necessidade de nos fazer entender requer
que a mensagem que construímos seja compreensível para nosso receptor. Ou seja, não
basta apenas que utilizemos um código comum, uma língua comum. Há, por outro lado,
a exigência de que as palavras que utilizamos e, conseqüentemente, o tema sobre o qual
discorremos sejam de domínio do interlocutor sob o risco de não haver comunicação.
Portanto, mesmo sendo prerrogativa do texto literário, a função poética pode estar
presente em outras formas de mensagem, em que ela não é prioritária, mas contribui
para o êxito da mensagem.
exercício
Para testar sua compreensão sobre o assunto tratado nesta atividade, marque
Verdadeiro (V) ou Falso (F) em relação às afirmações apresentadas, sem consultar o
texto teórico da atividade:
( ) os elementos estruturais presentes no ato comunicativo são emissor, receptor e
mensagem.
( ) a semiótica é a ciência ou teoria geral que trata dos signos, investigando a semiose
nas linguagens humanas.
( ) a função poética da linguagem é a predominante na construção da linguagem literária.
( ) a função fática está ausente na arte moderna, porque neste tipo de arte a forma é
preterida.
( ) a metalinguagem é a explicação, presente nos textos verbais, acerca das condições
sociais de produção dos versos.
( ) os formalistas russos são responsáveis pelo conceito de estranhamento, que significa
uso incomum da linguagem.
leitura complementar
Do livro O que é poesia, de Fernando Paixão (1987, p. 12-16), extraímos o capítulo
abaixo que versa sobre a natureza da linguagem poética. Leia-o e utilize a reflexão na
resposta ao exercício que você acabou de fazer, particularmente nas justificativas.
Guerra
Os aviões abatidos
são cruzes caindo do céu.
(Mário Quintana)
Como você pode perceber, a idéia de lua tem neste poema um sentido amplo
e inusitado. E o seu efeito sobre quem lê é estranhamente bonito, não é verdade? Já
uma abordagem técnica sobre o mesmo tema seria opostamente diferente, descre-
vendo a posição da lua entre os outros astros, etecétera, etecétera.
Foi pensando nisso, provavelmente, que o crítico Alfredo Bosi concluiu numa
frase o que estamos tentando dizer: “o poeta é doador de sentido”. Essa capacidade
de revelar nova substância dentro de palavras já gastas e surradas é que constitui a
maior riqueza da poesia (...).
O que interessa compreender inicialmente é por que motivo se criou na
civilização ocidental uma ruptura tão forte da linguagem poética com a linguagem
prática, consumida nos meios de comunicação e tão comum nos meios jurídicos
e administrativos. Quais as condições que permitiram e forçaram para que isso
acontecesse?
Na verdade, essa incompatibilidade de gêneros – ou gênios – se tornou em
nossa sociedade um fato corriqueiro e assimilado por todas as atividades, da escola
à televisão, das conversas aos livros. Algumas pessoas chegam mesmo a pensar que
a poesia não serve para nada e que é necessário ler apenas textos que contenham
“conteúdo informativo”. Para elas, poesia é coisa para encher o tempo de desocu-
pados. Imenso engano.
Ao entendermos o nascimento da poesia, vamos verificar que nos tempos
primitivos não havia a divisão da linguagem em categorias. Ao invés disso, a lin-
guagem era concebida como meio único de o homem se integrar aos fenômenos
da natureza e com as entidades divinas. A comunicação entre os indivíduos se dava
como gesto experimentador da linguagem, uma autêntica maneira de ampliar a
relação entre as palavras e as coisas.
A evolução histórica e política da sociedade, porém, acabou dando à lin-
guagem as mesmas rígidas características que se verificam nas relações de trabalho.
Divisões. Especializações, manipulações, etc. E a linguagem, do mesmo modo que
a vida, passou a ser governada por regras e leis. Proibições e limites.
bibliografia
básica
chalhub, Samira. Funções da linguagem. 4.ed. São Paulo: Ática, 1990.
gullar, Ferreira. Os melhores poemas de Ferreira Gullar. 5.ed. São Paulo: Global, 1994.
jakobson, Roman. Lingüística e comunicação. 14.ed. São Paulo: Cultrix, 1991.
menezes, Philadelpho. Roteiro de leitura: poesia concreta e visual. São Paulo: Ática, 1998.
proença filho, Domício. A linguagem literária. 4.ed. São Paulo: Ática, 1992.
Unidade 3
Funções da Linguagem
77
complementar
eikhenbaum et al. Teoria da literatura; formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1978.
paixão, Fernando. O que é poesia. 4.ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
resumo da atividade 5
Nessa atividade, pudemos distinguir as funções da linguagem e o que as caracteriza,
no sentido de relacionar a função poética com a linguagem literária. Também pudemos
observar que o uso da linguagem é que a faz produzir distintos textos verbais, dentre os
quais, o texto literário. Conforme a predominância de um dos elementos da linguagem
– emissor, referencial, mensagem, receptor, código ou canal –, vislumbra-se uma determi-
nada função, que não ocorre sozinha, mas em conjunto com outras funções, secundárias.
Licenciatura em Letras
78 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Unidade 3
Funções da Linguagem
79
USO DA LINGUAGEM
LITERÁRIA
a t i v i d a d e 6
Licenciatura em Letras
80 Língua Portuguesa
modalidade a distância
objetivos
Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de
- compreender o uso da linguagem literária em diversos contextos;
- caracterizar a linguagem literária a partir da coerência textual.
A função poética se instaura sempre que existe uma certa “incoerência” na cons-
trução de um texto. Por quê? A construção de textos, sua sintaxe, obedece a princípios
organizadores de sua coerência, que podem ser resumidos em quatro meta-regras, segundo
Michel Charolles (1988): meta-regra de repetição, meta-regra de progressão, meta-regra
de não-contradição e meta-regra da relação. Em certa medida, o texto literário “atenta”
contra a meta-regra de não-contradição.
Para que você entenda melhor o que acabamos de afirmar, observe os textos
poéticos abaixo:
Texto 1
Ditirambo (Oswald de Andrade)
Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade
Texto 2
O estrangeiro (Charles Baudelaire)
- Diga, homem enigmático, de quem gosta mais? De seu pai, de sua mãe, de
sua irmã, de seu irmão?
- Não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.
- Amigos?
- Você usa de palavra cujo sentido até aqui desconheço.
- Pátria?
- Ignoro a que latitude se situa.
- Beleza?
- Deusa e imortal, de bom grado a amaria.
- O ouro?
- Odeio-o como você odeia a Deus.
- Mas de que gosta então, estrangeiro enigmático?
- Das nuvens... as nuvens que passam... lá longe... lá longe... as maravilhosas nuvens!
Unidade 3
Funções da Linguagem
81
Podemos dizer que o sentido dos textos acima não está de imediato posto. O Texto 1
trata da qualidade do amor a que o poeta se refere, qualificando-o como a simplicidade de
um largo de igreja, tão simples que nem sino teria para alertar aos seus fiéis; mas há uma
incoerência quando, na seqüência de comparações, se introduzem elementos de outros
campos semânticos, como lápis e sensualidade.
Mas, para Charolles, não existe a incoerência de todo. Este ponto de vista é decor-
rente da incompreensão de que existem realidades, que para uns podem ser incoerentes
em determinados contextos e em outros não:
Estamos, aliás, perfeitamente dispostos (preparados) a admitir a existência de con-
tradições de fatos que se manifestam de maneira mais ou menos patente através
dos discursos que falam deles. Numerosos são os estudos que mostram como um
mesmo discurso, perfeitamente coerente na superfície, assenta-se sobre proposições
completamente opostas mais ou menos explícitas; são assim, por exemplo, as fa-
mosas ambivalências em psicanálise (“digo e repito que amo meu pai, mas também
digo e repito que o odeio...”). A contradição não é, portanto, um fator absoluto de
incoerência (charolles, 1988, p.64).
exercício
1. Pesquise, na internet, sobre a produção poética de Vinícius de Moraes e as características
de seu estilo, identificando-as no poema (moraes, 1992, p.93-94) abaixo:
Soneto da Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
2. Responda às questões:
a) Qual(ais) a(s) função(ões) da linguagem que predomina(m) neste soneto? Justifique
sua resposta.
b) Podemos afirmar que o soneto acima apresenta mimesis? Por quê?
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84 Língua Portuguesa
modalidade a distância
leitura complementar
O texto abaixo, de Marisa Lajolo (1991, p.33-36), trata da linguagem como atividade
humana fundadora de realidades. Leia-o e utilize-o na resposta ao exercício da atividade 2.
Quando o homem não era mais símio, mas ainda não era completamente
humano, no começo de tudo, ele se maravilhou com a linguagem.
Foi através dela, talvez naquele tempo limitada a ruídos muito primitivos,
ainda próximos do grito animal, que suas coisas ausentes se fizeram tão presentes
como se nunca passaram. O que era remoto e perigoso tornou-se familiar e amoldou-
-se à dimensão humana.
Bichos, plantas, rios e montanhas receberam nome. Foram reproduzidos em
desenhos, foram simbolizados por sons e sinais gráficos. Completou-se a transforma-
ção: o homem não era mais um ser entre outros seres, mas o ser capaz de simbolizar
todos os outros. E, nessa faculdade de simbolização, estava latente a possibilidade
de conhecimento e domínio.
As lendas e histórias que contam o poder mágico de certas palavras, vivem
nos lembrando disso: a caverna de Ali Baba abria-se por força mágica do abre-te
sésamo! Nas mitologias da sociedade moderna, o capitão Marvel invoca, com a
palavra shazam, as qualidades olímpicas e heróicas dos deuses e semideuses que
lhe delegam superpoderes.
Também testemunho vivo desta força mágica que se atribui à linguagem e
que sempre fascinou o homem é o tabu que cerca a pronúncia de algumas palavras.
Câncer talvez seja o maior exemplo contemporâneo do medo que certas palavras
provocam. Esta seqüência de seis letras tem um eco tão terrível e profundo, que
só é pronunciada raramente. Em lugar da precisão fria deste termo para nomear a
doença, usamos circunlóquios, expressões atenuantes: “aquela doença”, “mal terrível”
são formas substitutas: tomam o lugar de câncer, assim como o mal de Hansen e o
mal dos deuses assustam menos do que lepra e epilepsia.
Parece, então, que, em relação a certas palavras, o homem se comporta como
se acreditasse que a simples pronúncia delas tivesse o poder de deflagrar a realidade
da coisa nomeada. Em outras palavras: a presença do nome seria suficiente para
carrear a presença do ser que ele nomeia.
Outro exemplo ainda, para os leitores céticos que acreditam piamente que as
palavras são palavras e nada mais: na tradição judaica ortodoxa, a palavra deus não
pode ser escrita com todas as letras, em obediência ao preceito “não tomarás seu
Unidade 3
Funções da Linguagem
85
bibliografia
básica
charolles, Michel. “Introdução aos problemas da coerência dos textos (abordagem teórica e
estudo das práticas pedagógicas)”. In: O texto: escrita e leitura. Campinas, sp: Pontes, 1988.
lajolo, Marisa. O que é literatura. 13.ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.
complementar
andrade, Oswald. Trechos escolhidos. 3.Ed. Rio de Janeiro: Agir, 1989.
baudelaire, Charles. Spleen de Paris: pequenos poemas em prosa. Rio de janeiro: Imago, 1995.
meireles, Cecília. Seleta em prosa e verso. 2.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.
moraes, Vinícius de. Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
wellek, René, warren, Austin. Teoria da literatura. 5.ed. Lisboa: Publicações Europa-
-América, 1962.
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86 Língua Portuguesa
modalidade a distância
resumo da atividade 6
Nesta atividade, o conceito de coerência textual foi aplicado ao uso da linguagem
literária, levando à conclusão de que inexiste texto com falta de coerência. O que devemos
observar é que a linguagem literária estabelece não somente representações da doxa, mas
também constrói representações que são contradições e que parecem ser incoerentes.
Todavia, o uso da linguagem literária, a “licença poética” para alguns, prescinde de uma
coerência única, pautada na lei e na ordem, e cria sua própria coerência, marcada pela
função poética da linguagem.
Unidade 4
Os Gêneros Literários
87
u n i d a d e 4
OS GÊNEROS
LITERÁRIOS
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88 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Unidade 4
Os Gêneros Literários
89
A TRIPARTIÇÃO DOS
GÊNEROS LITERÁRIOS
a t i v i d a d e 7
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90 Língua Portuguesa
modalidade a distância
objetivos
Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de
- caracterizar os gêneros literários;
- distinguir a tripartição dos gêneros literários.
Texto 1
“Vem por aqui” – dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
Texto 2
E a professora sonhava. Sonhava e as transformava em futuras jovens se-
nhoras, “mãos de fada”, orgulho dos maridos, da família. Proibido falar em mundo
perdido. Vislumbrava-o inteiro naquelas meninas tão meninas, tão delicadas, lou-
çãs, gentis.
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92 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Mas as diferenças entre poema e prosa, na literatura, não se esgotam por aí. Além
dessas diferenças visuais, rapidamente apreendidas em uma olhadela, existem outras de
caráter de construção desses textos, que podem ser observadas quando consideramos
que prosa e poema podem representar diferentes gêneros literários. E o que são os gê-
neros literários? Em primeiro lugar, o que é um gênero? A palavra gênero vem do latim
gènus, éris, que significa ‘nascimento, descendência, origem, tronco’, facilmente sendo
correlata ao sentido de pertencimento a um tipo, classe, espécie, estilo. Assim é que o
gênero em literatura implica um conceito que designa conjuntos de textos agrupados em
função de apresentarem propriedades comuns, como tema, construção sintática, enun-
ciação.
A história dos gêneros literários tem sua raiz na Antigüidade clássica, quando Pla-
tão, no Livro iii de sua obra A república, apresenta os diferentes modos de construção de
poesia e prosa. Platão condenava a imitação total, ou seja, aquela forma de texto em que
se apresentava o discurso direto mediante a presença única de atores, ou personagens,
sem a presença de um narrador que conduzisse a narrativa, porque os atores, a exem-
plo da tragédia e da comédia, ao representarem o papel dos deuses gregos, assumiam,
muitas vezes, uma postura que destoava do caráter que deveria convir a um deus, ten-
tando convencer os jovens de que os deuses eram causadores dos males da sociedade de
então; para Platão, isso era ímpio e falso, porque o filósofo grego atribuía às artes uma
visão moralizante. Em relação ao ditirambo, Platão considerava-o como a narração dos
sentimentos do próprio poeta, ou seja, não havia a representação de uma personagem,
como na tragédia e na comédia, sendo que este modo de imitação era considerado me-
nos agressivo aos modelos sociais da Antigüidade, uma vez que o poeta só imitava a si
Licenciatura em Letras
94 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Em Aristóteles, essa classificação dos gêneros, sugerida por Platão, implica menos
em caráter moralizante e mais em efeito estético a ser implementado pelo poeta, pois a
imitação para Aristóteles era um mecanismo usado para se obter o belo, pois contempla-
mos com mais prazer uma imagem que nos causa repugnância do que ver, ao vivo, este
objeto; ou seja, é “melhor” ver a coisa ou objeto mediante sua imitação: é menos trau-
mático ver um cadáver em um quadro ou fotografia do que vê-lo pessoalmente. Haveria,
assim, três modos de imitação para Aristóteles, mesmo que o meio pelo qual represen-
tavam fosse o mesmo: a palavra. Os modos seriam: a narrativa de ações, realizadas por
personagens e narrada pelo poeta – a epopéia; o diálogo direto entre personagens, sem
intermediação do narrador – a tragédia e a comédia; e, por fim, o ditirambo, em que o
poeta destaca seu ponto de vista, seus sentimentos. O objeto a ser imitado também po-
deria variar entre as ações de personagens, constituindo-se pela externalização de pensa-
mentos e comportamentos, e os sentimentos do poeta, constituindo-se pela páthos, que é
a dor e a emoção de quem narra o que aconteceu consigo ou com outrem.
A liberdade de criação permanece como bandeira dos românticos que, embora não
apresentassem uma solução única para a questão dos gêneros, aceitaram a existên-
cia destes e propuseram suas teorias sempre apoiadas no princípio de derrubada
das regras clássicas e do conceito da mimesis reduzido à imitação de modelos, no
qual se baseavam. O relacionamento entre a autonomia do escritor na estruturação
da obra e a teoria dos gêneros levou, por exemplo, Friedrich Schlegel (1772-1829),
um dos grandes filósofos do Romantismo, a observar, em seu Diálogo sobre poesia,
que da fantasia do poeta não podiam resultar obras caóticas, cada uma delas de-
vendo construir-se de acordo com o gênero a que pertencesse, embora mantendo
características particulares.
É de notar que a questão dos gêneros literários apresenta, desde longo tempo atrás,
um dilema que devemos levar em conta sempre que nos deparamos com a questão: os
gêneros literários devem ser obedecidos à risca, como modelos de criação literária inva-
riáveis, ou, contrariamente, devem ser desconsiderados, a exemplo do filósofo italiano
Benedetto Croce, que negou a existência de gêneros literários?
È sempre de bom alvitre que possamos estabelecer uma relação dialética quanto à
questão. O que queremos dizer é que podemos considerar que existem gêneros literários
que servem como balizas na construção da obra literária, mas que estes balizamentos
não podem servir de amarras para a criação do poeta, porque senão estaremos na con-
tramão do que consideramos como poesia, no sentido mais amplo: capacidade do poeta
de, a partir da linguagem verbal, criar uma obra literária particular; por isso, poesia deve
ser entendida como inovação, em verso ou prosa.
A questão se apresenta menos problemática com Emil Staiger, em seu livro Con-
ceitos fundamentais da poética (1975, p.13-15):
Por Conceitos Fundamentais da Poética se entendem aqui as noções de épico, lí-
rico, dramático e até certo ponto trágico e cômico – num sentido, porém, que se
distingue do comumente usado até agora e que logo de início deverá ser explicado.
De há muito Poética não mais significa ensinamentos para habilitar leigos a escrever
corretamente poesia, obras épicas e dramas. Mas um ranço da conceituação mais
antiga impregna ainda ensaios de hoje, quando estes parecem ver realizada, em
modelos de poemas, obras épicas ou dramas, a essência do lírico, épico e dramáti-
co.Essa maneira de enfocar o problema se apresenta como herança da antigüidade.
Naqueles tempos, cada gênero literário era representado por um pequeno número
de obras (...). A Poética encontrará, portanto, dificuldades quase insuperáveis, e,
caso solucionadas, de muito pouco proveito, se continuar procurando classificar
todos os exemplos isolados (...). Mas um conceito que tenha validez geral será, por
outro lado, vazio de significação. Além disso, no momento em que surgir um novo
artista lírico com um modelo inédito, o conceito perderá sua validade. Por estas
razões, a possibilidade de uma arte poética tem sido muitas vezes contestada (...).
Se desacreditamos da possibilidade de determinar a essência da poesia lírica, da
composição épica ou do drama, não nos parece, porém, fora de propósito uma
definição do lírico, do épico e do dramático.
Licenciatura em Letras
96 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Usamos, por exemplo, a expressão “drama lírico”. “Drama” significa aqui uma com-
posição para o palco e “lírico” refere-se ao tom, que se mostra mais importante na
determinação da essência que a “exterioridade da forma dramática”. Qual é, aqui, o
critério para a determinação do gênero?
(...) Antes tenho em mim uma idéia do que seja lírico, épico e dramático. Idéia esta
que me ocorreu a partir de algum exemplo. O exemplo terá sido, provavelmente,
uma obra literária. Mas nem mesmo isso é imprescindível. Posso ter vindo a co-
nhecer a “significação ideal” – para falar como Husserl – do “lírico” por meio de
uma paisagem, e do épico, talvez, por uma leva de emigrantes; uma discussão pode
ter-me incutido o sentido de “dramático”. Essas significações mantêm-se firmes;
na opinião de Husserl, é absurdo dizer-se que elas oscilam. O valor das obras que
tentamos julgar de acordo com esta idéia é que pode variar; uma pode ser mais ou
menos lírica, épica ou dramática que a outra.
gêneros, presentes nos recursos estilísticos, nada impedisse que na produção da obra
literária (seu acontecimento histórico) tivéssemos a atualização destes recursos, de uma
forma criativa.
E quais são esses recursos estilísticos que marcam os diferentes gêneros literários?
Baseados em Helena Parente (1991), estudaremos alguns recursos estilísticos que mar-
cam cada gênero literário.
o gênero lírico
O gênero lírico é marcado pela presença de um sujeito gramatical identificado
com a primeira pessoa do singular – o eu poético –, que se confunde com a voz do poeta,
mas não devemos confundir o eu lírico com o eu autobiográfico. Talvez essa confusão
exista pelo acentuado teor subjetivo do texto lírico, marcado pela emotividade e pas-
sionalidade, aproximando o eu que fala do mundo que este eu retrata. O exemplo pode
ser dado pelo texto 1, da Introdução desta atividade. É evidente a tensão entre o poeta
– eu lírico – e o mundo social que o cerca: dizem ao poeta “Vem por aqui” mas ele se
nega a seguir os passos daqueles que têm os “olhos doces”, preferindo seguir seu próprio
destino, sem interferência de terceiros; o mundo do poeta é representado pelas expres-
sões “areia inexplorada”, “o Longe”, “a miragem”, “a Loucura”, “becos lamacentos”, “flo-
restas virgens”, “farrapos”, “redemoinhos”. Em uma palavra, é marcado pelo inusitado,
com toda insegurança de quem se devota à descoberta do novo e diferente; então, todas
as representações do mundo do poeta constituem propriamente o que é o sentimento
poético, numa fusão entre eu (sujeito) e o mundo representado (objeto), caracterizando
o não-distanciamento, entre o poeta e o objeto de sua representação como atitude fun-
damentalmente lírica. Quando ocorre o predomínio dessa fusão, podemos dizer que o
texto é lírico, mesmo que não possamos afirmar essa classificação em termos rigorosos.
O sufixo –ento, além de conter a idéia de processo do gerúndio, nos remete a uma
sonoridade que lembra a continuidade de uma ação (presença de aliteração, ou seja,
Licenciatura em Letras
98 Língua Portuguesa
modalidade a distância
o gênero épico
O gênero épico é marcado pela presença de um narrador que se distancia do ob-
jeto sobre o qual se refere. Há um distanciamento entre o sujeito (narrador) e o objeto
(mundo retratado). No texto 2 da Introdução desta atividade, podemos notar que existe
um narrador que retrata uma história da qual não participou diretamente: “Contam
também que a menina (...)”. Há uma condição de distanciamento espaço-temporal do
narrador, o que faz com que a atitude épica clássica seja a do narrador onisciente e oni-
presente. É claro que no romance moderno, herdeiro da epopéia tradicional dos gregos e
romanos, existe a ocorrência de narradores em primeira pessoa, que narram o que houve
consigo, enquanto protagonistas (narrador autodiegético), ou narram o que houve com
outro personagem protagonista de quem estavam próximos, como personagens secun-
dários (narrador homodiegético). Mas esta condição de narrador inserido na narrativa é
uma condição do romance moderno, o que faz com que exista uma tendência ao gênero
lírico neste tipo de romance (psicológico ou memorialista, por exemplo).
A palavra epopéia vem do grego épos, ‘palavra, verso, discurso, poema épico’, e
designava os poemas que eram narrados para um público ouvinte distanciado dos feitos
heróicos sobre os quais se historiava. Ainda hoje, no conto e no romance, ainda existe
esse tipo de narrador (heterodiegético), que narra uma acontecimento do passado, em
uma situação de confronto, sem ter estado envolvido diretamente nos fatos e ações.
riamente à narrativa confessional, a narrativa clássica épica se apresenta como uma série
de observações do narrador sobre o mundo concreto, daí o caráter mais verossímil do
texto narrativo, uma vez que apresenta na ficção tudo aquilo que está presente no real:
casas, pessoas, ruas, céu, rios, florestas, enfim, tudo que possa representar a vida como
ela é. Talvez por isso, decorrente dessa similitude entre ficção e realidade, seja tão difícil
determinar até onde vai o real e a partir de onde inicia o imaginário.
o gênero dramático
O gênero dramático apresenta certa semelhança com o gênero épico, pois mo-
dernamente os dois são considerados gêneros da narrativa. Isso acontece porque tanto
no teatro quanto na prosa literária existe uma narrativa, um desenrolar de ações em
que estão presentes tempo, espaço, ação e personagens. No entanto, consideraremos que
existem particularidades no texto dramático que são exclusivas deste gênero, e quando
se fazem presentes em outros textos, que não o teatral, podemos afirmar que existem
traços estilísticos do drama nesses textos.
A começar pela tensão, que é a marca do gênero dramático, uma vez que, ao ler-
mos um texto dramático ou assistirmos a uma peça teatral, o que percebemos é a pre-
sença de personagens que se confrontam diretamente em torno de um conflito que os
envolve, seja bélico, passional ou ideológico. Isso tudo decorre de uma unidade de tem-
po, espaço e ação, já que o texto dramático não se desenrola por um longo tempo, mas
em poucas horas, num acelerado ritmo cênico.
A ligação desse gênero com o teatro é tão importante que a origem da palavra
vem do grego dráma, atos, que significa ‘ação, tragédia’, esta enquanto peça teatral, o
que torna fácil entender que efetivamente o gênero acontece quando é representado em
um palco. É o que consideramos, em literatura, uma forma híbrida, porque o texto dra-
mático somente nos interessa, nos estudos literários, enquanto texto verbal, escrito ou
oralizado; mas daí ocorre um contra-senso: o texto não é feito para ser representado em
um teatro, de rua ou não?
Jorge:
- Homem, acabai!
Romeiro:
- Agora acabo; sofrei, que ele também sofreu muito. Aqui estão as suas palavras:
“Ide a D. Madalena de Vilhena, e dizei-lhe que um homem que muito bem lhe
quis... aqui está vivo... por seu mal... e daqui não pôde sair nem mandar-lhes novas
suas de há vinte anos que o trouxeram cativo.”
Madalena:
- Deus tenha misericórdia de mim! E esse homem, esse homem... Jesus! Esse ho-
mem era... esse tinha sido... levaram-no daí de onde?... De África?
Podemos perceber que toda tensão dramática decorre do conflito entre persona-
gens, decorrente do diálogo.
exercício
Após a leitura da Atividade 7, caro (a) aluno(a), responda às questões abaixo:
1. Qual a diferença entre o conceito de gêneros literários apresentado por Platão e Aris-
tóteles e o conceito de gêneros literários apresentado por Staiger? Para responder a essa
questão, é aconselhável que proceda à leitura complementar.
2. Com base nas características estilísticas do gênero lírico e do gênero épico, apresente
virtualmente à turma, mediante bate-papo na internet, um texto, literário ou não, em
Unidade 4
Os Gêneros Literários
103
que essas características estão presentes, e depois discuta com os demais companheiros,
no próximo encontro, sobre a pertinência da escolha de seu texto para caracterizar o
lírico e o épico.
leitura complementar
O texto abaixo é o Capítulo iv do livro Arte poética (p.244-245), de Aristóteles, e
se refere à imitação como condição básica da produção poética. Leia-o e utilize-o como
suporte para responder às questões acima.
ridículo. Com efeito, o Margites apresenta analogias com o gênero cômico, como a
Ilíada e a Odisséia as apresentam com o gênero trágico. 12. Quando apareceram a
tragédia e a comédia, os poetas, seguindo seu próprio temperamento, voltaram-se
para uma ou para outra destas formas, uns passaram do iambo à comédia, outros
da epopéia à representação das tragédias, porque estes dois gêneros ultrapassa-
vam os primeiros em importância e em consideração. 13. Verificar se a tragédia
já revestiu todas as suas formas possíveis ou não, quer a apreciemos em si mesma
ou em relação ao espetáculo, isso é outra questão. 14. Nascida, em seus inícios, da
improvisação, a tragédia (como, aliás, a comédia, aquela procedendo dos autores
de ditirambos, esta dos cantos fálicos, de que todavia persiste o hábito em muitas
cidades), a tragédia, digo, evoluiu insensivelmente, pelo desenvolvimento progres-
sivo de quanto nela se manifestava. 15. De transformação em transformação o gê-
nero fixou-se, logo que atingiu sua forma natural. 16. Eis o que se refere ao número
de atores: Ésquilo foi o primeiro que o elevou de um a dois, em detrimento do coro,
que , em conseqüência, perdeu uma parte da sua importância e criou o papel do
protagonista; Sófocles introduziu um terceiro ator e criou a cenografia. 17. Tendo
partido de fábulas curtas e de uma elocução grotesca, a tragédia transformou-se,
renunciando ao drama satírico, e já tarde revestiu-se de gravidade e substituiu o
seu metro tetrâmetro (trocaico) pelo trímetro iâmbico. 18. Pois primeiramente ha-
via sido empregado o tetrâmetro trocaico, como o mais apto ao drama satírico e
a suas danças; quando se organizou o diálogo, este encontrou naturalmente seu
metro próprio, porque de todos os metros o iambo é o que melhor convém ao
diálogo. 19. A prova está que na linguagem usual este metro é freqüente, ao passo
que o emprego do hexâmetro é raro e ultrapassa o tom habitual do diálogo. 20.
Acrescentaram-se depois episódios e outros pormenores, dos quais se diz terem
sido embelezamentos. 21. Mas sobre estas questões, baste o que fica dito, pois seria
enfadonho insistir em cada ponto.
bibliografia
básica
aristóteles. Arte poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Ediouro,198-.
parente, Helena. “Os gêneros literários; conceituação e evolução histórica”. In: portella,
Eduardo et al. Teoria literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991.
staiger, Emil. Conceitos fundamentais de poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
complementar
medeiros, Maria Lúcia. Zeus: ou a menina e os óculos. 2. ed. Belé: Maria Lúcia Medeiros, 1994.
mesquita, Samira Nahid de. O enredo. 3.ed. São Paulo: Ática, 2003.
moisés, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 21.ed. São Paulo: Cultrix, 1991.
______ . A criação literária: poesia. 10.ed. São Paulo: Cultrix, 1987.
soares, Angélica. Gêneros literários. São Paulo: Ática, 1989.
Unidade 4
Os Gêneros Literários
105
resumo da atividade 7
Nesta atividade, você estudou os gêneros literários na concepção tradicional de
sua tripartição em lírico, épico e dramático, considerando não apenas a forma externa
mas também o que os gêneros podem ter de substância, ou seja, as características esti-
lísticas que fazem com que os gêneros literários estejam presentes em todos os textos
literários, em verso ou em prosa. Isto ocorre porque não existe exclusividade das carac-
terísticas estilísticas de um gênero em um determinado texto, e sim a predominância.
Licenciatura em Letras
106 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Unidade 4
Os Gêneros Literários
107
A QUESTÃO ATUAL
DOS GÊNEROS LITERÁRIOS
a t i v i d a d e 8
Licenciatura em Letras
108 Língua Portuguesa
modalidade a distância
objetivos
Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de
- distinguir poesia e prosa;
- relacionar tradição e modernidade enquanto estilos de época.
Expliquemos:
1- Quando dizemos prosa e verso, estamos nos referindo a uma forma técnica em
que os textos podem ser escritos. Assim, o texto em prosa é constituído por linhas
contínuas que ocupam toda a extensão da folha, a exemplo deste que estamos len-
do. Já o verso apresenta-se através de linhas descontínuas, ou seja, o espaço que
elas ocupam no papel é, geralmente, curto, não tomando toda a face da folha.
Como se observa, nenhuma dificuldade existe para se fazer a distinção entre prosa
e verso. Um ligeiro correr de olhos sobre o que está escrito é suficiente para que se
veja em qual desses aspectos técnicos o texto s e apresenta. Não há necessidade
nem mesmo de lermos o seu conteúdo ou de compreendermos o seu sentido.
2- O mesmo, entretanto, não se dá quanto à distinção entre prosa e poesia. Agora,
mais do que nunca, temos de descer ao texto, lê-lo, compreendê-lo e interpretá-
-lo, a fim de que descubramos a sua essência, o seu conteúdo. Isso feito, teremos
condições de classificar o texto como prosa ou poesia.
Preliminarmente, pois, já podemos concluir que:
a) Prosa e verso são dois aspectos técnicos, externos, do texto.
b) Prosa e poesia são dois aspectos de conteúdo, de essência, do texto.
Isso posto, procuraremos caracterizar a poesia e a prosa.
Em primeiro lugar, impõe-se a distinção fundamental, baseada no conteúdo: a po-
esia é a maneira que o poeta encontra para projetar o mundo e suas coisas de acor-
do com uma visão pessoal, inteiramente particular. Nessas condições, a realidade
exterior, quando aparece no poema, não precisa, necessariamente, se apresentar
tal qual ela se mostra aos olhos de todas as pessoas. Isto significa que o poeta (o eu)
apreende uma determinada realidade que existe no mundo que o cerca (o não-eu),
retorna com ela para dentro de si, ou seja, interioriza-a, para em seguida projetá-
-la de acordo com a sua visão, a sua maneira particular de encará-la. Desse modo,
tudo aquilo que existe no mundo pode se singularizar de acordo com uma óptica
subjetiva, para assumir características próprias dessa visão pessoal.
Podemos entender que, em certa medida, todo texto literário apresenta poesia
enquanto conteúdo, uma vez que o que marca a literatura é a capacidade do autor lite-
rário de inovar com os elementos do mundo a que tem acesso, ou seja, ao fazer o “es-
tranhamento” da linguagem verbal promove uma visão particular do sentido usual das
palavras, assim como pode criar um mundo seu, que, mesmo à semelhança do mundo
“real”, mesmo sendo verossímil, é a construção de um modelo (ficção) elaborado uni-
camente mediante os valores e concepções do autor. Por isso, podemos afirmar que um
texto, mesmo que seja escrito em prosa, através de parágrafos e não em versos, pode
apresentar poesia. A questão é que essa capacidade de inovação da linguagem, que as
obras literárias realizam, via de regra é mais usual através de versos, uma vez que os ver-
sos não obedecem rigorosamente à sintaxe normativa de uma língua, podendo, como
já vimos, utilizar diversas distribuições na folha do papel, dada a capacidade de experi-
mentação a que o verso se propõe.
Licenciatura em Letras
110 Língua Portuguesa
modalidade a distância
De certa maneira, a tradicional divisão tripartite dos gêneros literários não deixou
de existir, o que houve foi uma condensação nos gêneros clássicos: o gênero lírico gerou
a poesia, e o gênero épico e o dramático se fundiram, originando a prosa.
De qualquer modo, subjaz a relação capital que vai estar presente na prosa ou na
poesia enquanto gêneros: o que vai determinar em um texto, para que afirmemos se é
poesia ou prosa, é a relação entre a voz que fala (o eu, que pode ser o eu da voz do poeta
ou o eu do narrador) e o mundo a que se refere (mundo representado). Dependendo se
existe maior ou menor distância ou fusão entre estes elementos, podemos considerar se
determinado texto é mais poesia ou narrativa.
Texto 3
É vão o amor, o ódio ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento ...
Lançar um grande amor aos pés d’alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!
Texto 4
Bembelelém!
Viva Belém!
Belém do Pará porto moderno integrado na equatorial
Beleza eterna da paisagem
Bembelelém
Viva Belém!
Cidade pomar
(Obrigou a polícia a classificar um tipo novo de
[delinqüente:
O apedrejador de mangueiras)
Unidade 4
Os Gêneros Literários
111
Bembelelém
Viva Belém!
Belém do Pará onde as avenidas se chamam Estradas:
Estrada de São Jerônimo
Estrada de Nazaré
Onde a banal Avenida Marechal Deodoro da Fonseca
[ de todas as cidades do Brasil
Se chama liricamente
Brasileiramente
Estrada do Generalíssimo Deodoro
(bandeira, Manuel. Poema “Belém do Pará”.
In: lima, 1983. p.52-53)
Texto 5
Nu e cru, eis o facto: apareceu um pênis decepado, em plena Estrada Nacio-
nal, à entrada da vila de Tizangara. Era um sexo avulso e avultado. Os habitantes
relampejaram-se em face do achado. Vieram todos, de todo lado. Uma roda de
gente se engordou em redor da coisa. Também eu me cheguei, parado nas fileiras
mais traseiras, mais posto que exposto. Avisado estou: atrás é onde melhor se vê e
menos se é visto. Certo é o ditado: se a agulha cai no poço muitos espreitam, mas
poucos descem a buscá-la.
- Atropelada ou atropilada?
Era um desses bonés dos soldados das Nações Unidas. Pendurado num
galho, balançava na vontade das brisas. No instante que se confirmou a identidade
da boina foi como navalha golpeando a murmuração. E logo-logo a multidão se
irresponsabilizou. Não vali a pena empernar na confusão. E agente se dispersou,
imediata, comentada que nada acontecera, até admiravam tanto o que nunca ha-
viam visto.
(couto, Mia. O último vôo do flamingo.
São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p.15-16)
Licenciatura em Letras
112 Língua Portuguesa
modalidade a distância
E o que dizer do texto 5? De imediato, podemos afirmar que é uma prosa, pois
visualmente (forma) sua disposição é em parágrafos. Analisando mais detidamente seu
conteúdo, podemos perceber que há momentos da narrativa em que o narrador fala de
um acontecimento externo a ele: “eis o facto: apareceu um pênis decepado”; ou seja, o
ocorrido não o envolveu diretamente, portanto é uma narrativa que se enquadra no
gênero épico, em que o narrador está distanciado. Mas, por outro lado, há momentos de
envolvimento do narrador com o acontecimento: “Avisado estou: atrás é onde melhor
se vê e menos se é visto. Certo é o ditado: se a agulha cai no poço muitos espreitam, mas
poucos descem a buscá-la”. O narrador nos surpreende com passagens em que emite
um parecer, transparece seu ponto de vista e seus sentimentos sobre o acontecimento,
Unidade 4
Os Gêneros Literários
113
numa atitude muito próxima do poeta lírico, em que mundo e eu-poético se fundem,
podendo até não haver musicalidade, mas a aproximação é latente. Portanto, no texto
5 a forma é prosa, mas o conteúdo apresenta passagens poéticas: podemos intitular de
prosa poética.
Texto 6
Como são penetrantes os fins de tarde de outono! ah, penetrantes até a dor! Pois há
sensações deliciosas que mesmo vagas não excluem a intensidade; e não há ponta
mais atilada que a do Infinito.
Que grande delícia afogar o olhar na imensidão do céu e do mar! Solidão, silêncio,
incomparável castidade do azul! Um pequeno veleiro tremulante no horizonte, que
imita em sua pequenez e isolamento minha existência irremediável, melodia mo-
nótona das vagas, todas essas coisas pensam por mim, ou penso eu por elas (pois
na grandeza do devaneio o “eu” logo se perde!); pensam, dizia, mas musicalmente
e pitorescamente, sem argúcias, sem silogismos, sem deduções.
Entretanto, esses pensamentos, quer venham de mim ou se elevem das coisas,
tornam-se logo demasiado intensos. A energia na volúpia cria um mal-estar e
um positivo sofrimento. Meus nervos, por demais tensos, só fazem dolorosas e
gritantes vibrações
(Poema “O confiteor do artista”. In: baudelaire, 1995. p.19)
exercício
1. Leia o texto abaixo, de autoria de Max Martins (1992, p.273), e, em seguida, responda
às questões.
Amor: a fera
Amor: a fera
no deserto ruminando
esta lava dentro do peito
dentro da pedra
dentro do ventre
amor lavra
na planura rastejando
sulcos de febre-areia
planta no teu sexo
o cacto que mastiga
o falo que carregas
sobre os ombros
como um santo
um juramento
esta serpente
leitura complementar
No texto abaixo, Angélica Soares (1989, p. 16-21) apresenta um panorama da
situação atual dos gêneros literários, numa orientação que vai da produção endógena à
exógena de textos literários considerados sob a perspectiva genérica. Leia, caro (a) aluno
(a), e, em seguida, responda às questões do exercício da atividade 2.
bibliografia
básica
moisés, Audemaro Taranto, silva, Oscar Vieirada. Introdução ao estudo da literatura. Belo
Horizonte: Ed. Lê, 1994.
moisés, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 21.ed. São Paulo: Cultrix, 1991.
______ . A criação literária: poesia. 10.ed. São Paulo: Cultrix, 1987.
soares, Angélica. Gêneros literários. São Paulo: Ática, 1989.
complementar
baudelaire, Charles. “O confiteor do artista”. In: O spleen de Paris: pequenos poemas em
prosa. Rio de Janeiro: Imago, 1995
couto, Mia. O último vôo do flamingo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
farra, Maria Lúcia Dall (org.). Florbela Espanca. Rio de Janeiro: Agir, 1995.
lima, Alceu Amoroso (org.). Poesia; Manuel Bandeira. 2.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1983.
martins, Max. Não para consolar; poemas reunidos 1952-1992. Belém: cejup, 1992.
Licenciatura em Letras
118 Língua Portuguesa
modalidade a distância
resumo da atividade 8
Nesta atividade, você estudou sobre os gêneros literários, tanto a concepção tra-
dicional quanto a concepção moderna. No primeiro caso, há o privilégio da tripartição
dos gêneros em lírico, épico e dramático, herança das visões paltônica e aristotélica. A
concepção moderna dos gêneros literários procura dividir os gêneros em prosa e poesia,
considerando a fusão do épico e do drama como gêneros pertencentes à narrativa, en-
quanto que a lírica corresponderia ao gênero poesia.
Unidade 5
Estudo do Poema
119
u n i d a d e 5
ESTUDO
DO POEMA
Licenciatura em Letras
120 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Unidade 5
Estudo do Poema
121
TRADIÇÃO E MODERNIDADE
NA POESIA
a t i v i d a d e 9
Licenciatura em Letras
122 Língua Portuguesa
modalidade a distância
objetivos
Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de
caracterizar as formas do poema, na tradição e na modernidade;
distinguir poema e poesia;
analisar o poema a partir de seus níveis.
Texto 1
Canção do exílio (Gonçalves Dias)
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Texto 2
Canto de regresso à pátria (Oswald de Andrade)
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Texto 3
Exílio de pé quebrado (Paulo Nunes)
Minha terra tem açaizeiro
que um palmiteiro buliu,
as mangueiras já não enfeitam
a catorze de abril
tradição modernidade
Escolas Literárias Características Escolas Literárias Características
- Classicismo - regras da poética aris- - Romantismo - relativização das regras
- Medievalismo totélica: tripartição dos - Realismo da poética clássica e
- Renascimento gêneros; - Simbolismo mistura de gêneros
(prosa e poesia);
- Barroco - acentuada utilização - Impressionismo
- Neoclassicismo de formas literárias - Modernismo - utilização de formas li-
vres no poema e do texto
versificadas; - Contemporaneidade em prosa nas narrativas
- representação de (formas romanescas);
mundo pautada nas - representação do con-
instituições sociais tra- flito entre o indivíduo
dicionais, tais como re- e as instituições sociais
ligião, família e nobreza, tradicionais e questiona-
apresentadas de maneira mento da ordem política
empática; e social;
- relevância da história - relevância da história
do homem “comum”
dos vencedores e dos e suas epopéias para
heróis nacionais (cultura sobreviver no mundo
da nobreza); moderno;
- existência de um câno- - existência de vários
ne literário irrevogável e “cânones” literários, com
inquestionável; a construção de obras
literárias conforme o gê-
nero, a etnia, a história,
a faixa etária, etc.
Unidade 5
Estudo do Poema
127
número fixo de sílabas métricas (veremos com mais detalhes na atividade seguinte), para
que houvesse a facilidade ao “decorar” as longas narrativas epopéicas. As formas fixas eram
recursos de memorização, que garantiam a fácil rememoração por parte de uns poucos
iniciados e capazes de tal façanha. A modernidade, ao popularizar o acesso às obras
literárias, fez com que a produção se diversificasse, e, a partir de então, não só o mundo
da nobreza e das divindades mitológicas da Antigüidade será retratado, mas o mundo
do homem “comum”, isto é, a literatura deixou de ser prerrogativa de poucos que tinham
acesso ao cânone literário e à capacidade de ler e escrever. Assim, o mundo moderno, das
cidades e das ruas, diverso do mundo palaciano e dos nobres, e seus espaços mitológicos
(utópicos), transformou-se em matéria para a prosa narrativa e os poemas líricos.
Andrade, em 1925, retoma o texto de Dias mas com o intuito de perverter esse sentido
de bucolismo e idolatria à pátria brasileira: “Minha terra tem mais rosas/ E quase que
mais amores”; o advérbio de intensidade “quase” modifica a visão do texto de Dias, uma
vez que a terra não é tão plena de belezas e maravilhas, como possuidora absoluta de be-
nesses, pois o amor, aquilo sempre almejado pelo homem, não ocorre em sua totalidade,
demonstrando-se, mediante o advérbio, que a intensidade é relativa. Além disso, Andrade
realiza um distanciamento, em relação ao original, de tal modo que seu texto torna-se uma
crítica severa à visão de um Brasil sem homens ou histórias geradas por esses homens.
Exemplo disso é a referência ao Quilombo dos Palmares, reduto de resistência do negro
escravizado no Brasil Colônia:
Já no texto de Oswald o distanciamento é absoluto. Ocorre um processo de inver-
são do sentido, com um deslocamento completo. Substitui-se logo o nome comum
“palmeiras” – pelo nome próprio “Palmares”, mas com a letra minúscula. Introduz-
-se logo uma crítica histórica, social e racial. A substituição do ingênuo termo ro-
mântico “palmeira” pelo nome do famoso quilombo onde os negros liderados por
Zumbi foram dizimados, em 1695, tem um efeito irônico e crítico, introduzindo
um comentário social (...).
Preservando uma semelhança sonora e rítmica, Oswald desarranja o sentido do
texto original. Contrapõe a estética modernista à estética romântica, contrasta a
alienação social à denúncia histórica e transforma o discurso do branco na afirmação
do preto (idem, p. 25).
Mas é oportuno dizer que a paráfrase não tem apenas esse sentido de continuidade,
ligado à permanência de valores e certas hegemonias estéticas, sociais e econômicas, mas
também podemos afirmar que a paráfrase pode ser considerada como a reafirmação de
uma obra literária, configurando-se como seu esclarecimento, utilizando-se, para tanto,
de outras palavras, por isso a idéia de paralelo a ser traçado entre o texto parafrásico e
o texto original. Exemplo disso é o fato de os textos explicativos, de cunho didático, po-
derem ser considerados como paráfrases porque não pretendem perverter ou inverter o
sentido dos textos em exegese, mas, com outras palavras, torná-los mais compreensíveis
ao aluno: é como se houvesse uma tradução do texto original. Nesse sentido, o texto 3,
desta atividade, assume essa condição em algumas passagens, quando o poeta faz afir-
mações, em relação à sua terra – no caso, a cidade de Belém –, do mesmo modo que o
texto 1, de Gonçalves Dias:
Licenciatura em Letras
130 Língua Portuguesa
modalidade a distância
TEXTO 1 TEXTO 3
Não permita Deus que eu morra, Não permita mia Senhora
Sem que eu volte para lá; santinha de amor e de fé
Sem que desfrute os primores que eu desmanche sem voltar
Que não encontro por cá; ao Círio de Nazaré
Portanto, tal e qual a relação entre modernidade e tradição, entre paráfrase e paródia
não existe uma oposição absoluta e excludente e sim uma relação, em que a afirmação
e a negação de valores, apresentadas mediante os poemas em tela, podem e devem ser
relativizadas, considerando-se o momento histórico em que cada obra literária ocorre.
leitura complementar
O texto abaixo é do poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867) e é um fragmento
do ensaio “O pintor da vida moderna”, publicado no livro Fundadores da modernidade
(CHIAMPI, 1991, p. 108-111). Nesse texto podemos compreender a visão do poeta francês
sobre o que considera modernidade. Leia-o e responda à questão que o segue.
Unidade 5
Estudo do Poema
131
A Modernidade
Assim vai, corre, procura. Que procura? Com toda certeza, esse homem, tal
qual o pintei, esse solitário dotado de uma imaginação ativa, viajando sempre através
“do grande deserto de homens”, tem um objetivo mais elevado do que o de um simples
divagador, um objetivo mais geral, diferente do prazer fugaz da circunstância. Ele
busca esse algo que nos permitirá chamar a “modernidade”, já que não se apresenta
palavra melhor para expressar a idéia em questão. Trata-se, para ele, de destacar da
moda o que ela pode conter de poético no histórico, extrair o eterno do transitório.
Se lançamos um olhar às exposições de quadros modernos, chama-nos a atenção a
tendência geral dos artistas de vestir todos os indivíduos com roupas antigas. Quase
todos se utilizam das modas e dos móveis da Renascença, como David se utilizava
das modas e dos móveis romanos. Há no entanto esta diferença, que David, como
escolheu indivíduos particularmente gregos ou romanos, só poderia vesti-los à
antiga, enquanto os pintores atuais que escolhem indivíduos de uma natureza
geral aplicável a todas as épocas se obstinam a trajá-los ridiculamente com roupas
da Idade Média, da Renascença ou do Oriente. É, evidentemente, o sinal de uma
grande preguiça, pois é muito mais cômodo declarar que tudo é absolutamente feio
no vestuário de uma época do que se aplicar em extrair a beleza misteriosa que nela
pode estar contida, por menor ou mais leve que seja. A modernidade é o transitório,
o fugaz, o contingente, a metade da arte, cuja metade restante é eterna e imutável.
Houve uma modernidade para cada pintor antigo; a maior parte dos belos retratos
que nos ficaram dos tempos anteriores está revestida com trajes de sua época. São
perfeitamente harmoniosos, porque o traje, o penteado e até mesmo o gesto, o olhar,
o sorriso (cada época tem seu porte, seu olhar e seu sorriso) formam um todo de
completa vitalidade. Esse elemento transitório, fugaz, cujas metamorfoses são tão
freqüentes, não se tem o direito de menosprezá-lo ou pô-lo de lado. Suprimindo-
-o, cai-se obrigatoriamente o vazio de uma beleza abstrata e indefinível, como a
da única mulher antes do primeiro pecado. Se o costume da época, que se impõe
necessariamente, for substituído por outro, estar-se-á fazendo um contra-senso
indesculpável no caso de uma mascarada exigida pela moda. Assim as deusas, as
ninfas e as sultanas do século xviii são retratos “moralmente” parecidos.
É excelente, sem dúvida, estudar os antigos mestres para aprender a pintar,
mas isso não pode passar de um exercício supérfluo se a finalidade é compreender
o caráter da beleza presente. As tapeçarias de Rubens ou de Veronese não nos en-
sinarão a fazer o “antigo chamalote”, o “cetim à rainha”, ou qualquer outro tecido
de nossas fábricas soerguido e baloiçado pela crinolina ou os saiotes de musselina
engomada. A textura e o grão não são os mesmos tecidos da antiga Veneza ou dos
usados na corte de Catarina. Acrescentamos ainda que o corte da saia e da blusa é
totalmente diferente, que as pregas são dispostas num novo sistema, e enfim que
o gesto e a postura da mulher atual dão a seu vestido uma vida e uma fisionomia
que não são as da mulher antiga. Numa palavra, para que qualquer “modernidade”
seja digna de tornar-se antiguidade, é preciso que a beleza misteriosa, que a vida
Licenciatura em Letras
132 Língua Portuguesa
modalidade a distância
humana nela coloca involuntariamente, lhe tenha sido extraída. É a este trabalho
que particularmente se aplica G.
Disse que cada época tinha seu porte, seu olhar e seu gesto. É principalmente
numa vasta galeria de retratos (a de Versailles, por exemplo) que se torna fácil veri-
ficar esta proposição. Mas ela pode ainda se ampliar. Numa unidade que se chama
nação, as profissões, as castas, os séculos introduzem a variedade, não somente nos
gestos e nas maneiras, mas também na forma positiva do rosto. Tal nariz, tal boca, tal
testa preenchem o intervalo de uma duração que não pretendo determinar aqui, mas
que certamente pode ser submetida a um cálculo. Tais considerações não são muito
familiares aos retratistas, e o grande defeito de Ingres, em particular, é de querer
impor a cada tipo que pousa sob seus olhos um aperfeiçoamento mais ou menos
completo, isto é, mais ou menos despótico, tomado ao repertório das idéias clássicas.
Em semelhante assunto, seria fácil e mesmo legítimo raciocinar a priori.
A correlação perpétua do que se chama “a alma” com o que se chama “o corpo”
explica muito bem como tudo que é material, ou eflúvio do espiritual, representa e
representará sempre o espiritual de que deriva. Se um pintor paciente e minucioso,
mas de imaginação medíocre, devendo pintar uma cortesã dos tempos presentes,
“se inspira” (é a palavra consagrada) numa cortesã de Ticiano ou de Rafael, é infi-
nitamente provável que faça uma obra falsa, ambígua e obscura. O estudo de uma
obra-prima daquele tempo e daquele gênero não lhe ensinará nem a atitude, nem o
olhar, nem o trejeito, nem o aspecto vital de uma dessas criaturas que o dicionário da
moda classificou sucessivamente com os títulos grosseiros ou jocosos de “impuras”,
de “moças de vida fácil”, de “levianas” e de “mundanas”.
A mesma crítica aplica-se rigorosamente ao estudo do militar, do dândi, do
próprio animal, cachorro ou cavalo, e de tudo o que compõe a vida exterior de um
século. Ai daquele que estude na antiguidade outra coisa que a arte pura, a lógica,
o método geral! Por mergulhar demais nela, perde a memória do presente; abdica
do valor e dos privilégios fornecidos pela circunstância, pois quase toda nossa ori-
ginalidade vem da estampilha que o tempo imprime em nossas sensações. O leitor
pode já entender que eu poderia comprovar facilmente minhas asserções sobre
numerosos outros objetos que não a mulher. Que diriam, por exemplo, de um pintor
de marinhas (levo a hipótese ao extremo) que, tendo de reproduzir a beleza sóbria
e elegante do navio moderno, fatigasse os olhos estudando formas sobrecarregadas,
contornadas, a monumental traseira de um navio antigo e os velames complicados
do século xvi? E que pensariam de um artista a quem encarregassem de fazer um
retrato de um puro-sangue, célebre nas solenidades do turfe, se ele fosse confinar
suas contemplações num museu, se ele se contentasse em observar o cavalo nas
galerias do passado, em Van Djick, Bourguignon ou Van der Meulen?1¹.
G., dirigido pela natureza, tiranizado pela circunstância, seguiu um caminho
diferente, começou por contemplar a vida, e só mais tarde tentou aprender os meios
de exprimir a vida. Resultou então uma originalidade surpreendente, em que aquilo
que possa ter ficado de bárbaro e de ingênuo aparece como uma prova nova de
obediência à impressão, como uma lisonja à verdade. Para a maioria de nós, prin-
cipalmente para os homens de negócios, aos olhos de quem a natureza não existe a
Unidade 5
Estudo do Poema
133
não ser que esteja utilitariamente relacionada com seus negócios, o fantástico real
da vida está singularmente embotado. G. capta-o incessantemente, tem cheios dele
a memória e os olhos
exercício
Responda: qual o conceito de modernidade, segundo Baudelaire?
bibliografia
básica
chiampi, Irlemar (org.). Fundadores da modernidade. São Paulo: Ática, 1991.
compagnon, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: Ed. ufmg, 1996.
jaeger, Werner Wilhelm. Paidéia; a formação do homem grego. 3.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1994.
santa'anna, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase e cia. 4.ed. São Paulo: Ática, 1991.
complementar
andrade, Oswald de. Trechos escolhidos. 3.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1989.
Antologia de poesia brasileira: romantismo / organização de Valentim Facioli e Antonio Carlos
Olivieri. São Paulo: Ática, 1985.
abbagnano, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
nunes, Paulo. O mosquito que engoliu o boi. Belém: Paka-Tatu, 2007.
proença filho, Domício. Estilos de época na literatura. 15.ed. São Paulo: Ática, 1995.
resumo da atividade 9
Nesta atividade, você esteve em contato com os conceitos tradicional e moderno
de poesia. No primeiro caso, preserva-se a construção fixa do poema, obedecendo-se às
regras de metrificação, rima e estrofação, atentando-se para a construção de um texto
parafrástico. No segundo caso, a modernidade traz à luz a ruptura com modelos pré-
-estabelecidos, estabelecendo-se uma poética mais atenta à criatividade, sem perder de
vista os modelos anteriores, mas preocupando-se com o texto parodístico. Em ambos os
casos, não podemos afirmar que haja negação de um ou outro, mas é importante entender
a evolução da construção poética para entendermos o estágio atual da poesia e do poema.
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modalidade a distância
Unidade 5
Estudo do Poema
135
OS NÍVEIS DO POEMA
a t i v i d a d e 10
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136 Língua Portuguesa
modalidade a distância
objetivos
Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de analisar o poema a partir de seus níveis.
O estudo do poema deve considerar seus níveis de organização, pois todo texto lite-
rário apresenta uma organização interna, uma estrutura lingüística, que deve ser observada
para que possamos mais adequadamente interpretar o poema. Ou seja, para termos um
ponto de vista sobre determinado texto – a interpretação – devemos antes entender sua
construção, mediante a compreensão das partes constituintes do texto – a análise. Análise
e interpretação, mesmo que sejam distintas, caminham juntas e são consecutivas. Como
saber sua relação? Um exemplo básico. Você vai ao médico e este lhe pede um exame de
sangue; você vai ao laboratório de análises clínicas e depois de alguns dias recebe o
resultado. No exame você terá a descrição da composição de seu sangue (o objeto), com
as várias taxas: glicose, leucócitos, colesterol, etc. Conforme o resultado da descrição do
material coletado, o médico interpretará o exame e fará sua avaliação, apontando o
possível problema mediante um juízo: você poderá estar obeso ou com problemas renais,
ou anêmico, ou, ou, ou. A partir da análise o médico interpretará sua saúde. Portanto,
antes de qualquer interpretação, há a necessidade de analisarmos o poema, e, para tanto,
devemos entender como ele se constrói, mediante seus níveis.
São níveis do poema: o nível gráfico, o nível fônico, o nível lexical e o nível sintático.
Ao estabelecermos relações entre estes, alcançamos o último nível, que é o semântico.
O nível gráfico diz respeito à configuração visual do texto, desde o título do poema
até as estrofes, que são as partes constituintes do poema, ou seja, cada grupo de versos
que reúnem um sentido mínimo do texto. O título é uma espécie de catáfora, ou seja,
elemento que se refere a toda a seqüência do texto que
CATÁFORA vem a posteriori, sendo um indicador do tema e do sujeito
Uso de elemento sintático ou lexical que vai enunciá-lo na construção textual, determinando-o
como forma de remissão lingüística,
espacial e temporalmente. É importante observar, também,
para diante, que garante a coesão da
informação prestada pelo texto. Ex: se há uma regularidade na construção das estrofes ou se as
“Eu sei o que há com ele: o Ronaldo estrofes são livres, isto é, não há regularidade no número
não gosta de estudar!”. O pronome ele de sílabas ou no número de versos. Observemos os poemas
se refere antecipadamente a alguém
abaixo, para identificarmos esses aspectos:
que será qualificado posteriormente,
no caso a personagem Ronaldo.
Unidade 5
Estudo do Poema
137
Texto 4
Soneto da separação (Vinícius de Moraes)
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
Texto 5
Uma alegria para sempre (Mário Quintana)
As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides... Que importa se —
depois de tudo — tenha “ela” partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma? Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte de tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto
deves à ingrata criatura …
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O nível fônico talvez seja o mais importante para a análise do poema, porque é
neste nível que o poema adquire a sua musicalidade, tão apropriada ao gênero lírico.
Vejamos:
De-re-pen-te-do-ri-so-fez-se o-pranto e.r. 10 (4-8-10)
De-re-pen-te-não-mais-que-de-re-pente e.r. 10 (4-8-10)
Nota-se que tanto nos quartetos (estrofes com quatro versos) quanto nos tercetos
(estrofes com três versos) do Texto 4, existe uma regularidade de sílabas poéticas. Pode-
mos dizer, assim, que a versificação é regular, pois existe igual número de sílabas poéticas
Unidade 5
Estudo do Poema
139
Uma 1a
Duas 2a
Três 3a
1a e 3a
Quatro 1a e 4a
2a e 4a
2a e 5a
Cinco 3a e 5a
1a, 3a e 5a
3a e 6a
2a e 6a
Seis 2a, 4a e 6a
1a, 4a e 6a
Sete qualquer sílaba e a última
4a e 8a
Oito 2a,6a e 8a
3a, 5a e 8a
2a, 5a e 8a
Nove 4a e 9a
3a, 6a e 9a
Dez 6a e 10a
4a, 8a e 10a
5a e 11a
Onze 2a, 5a, 8a e 11a
2a, 4a, 6a e 11a
6a e 12a
Doze 4a, 8a e 12a
4a, 6a, 8a e 12a
apresenta uma regularidade de estrofação, com dois quartetos e dois tercetos, o que faz
com que seja classificado como soneto. Vejamos abaixo a classificação quanto à estrofação:
As rimas podem ser, ainda, toantes ou consoantes. As primeiras são as que apresen-
tam semelhança somente na vogal tônica, como no caso abaixo, entre as palavras repente/
vento, do primeiro verso, que são paroxítonas:
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
b) emparelhadas – são as rimas do tipo “B”, na estrofe acima, pois estão em parelha, em
par, próximas umas das outras.
c) cruzadas – são as rimas que obedecem ao esquema rímico abab ou cdcd, a exemplo
da estrofe abaixo:
De repente da calma fez-se o vento rima C
Que dos olhos desfez a última chama rima D
E da paixão fez-se o pressentimento rima C
E do momento imóvel fez-se o drama rima D
As rimas que não obedecem a nenhum dos esquemas rímicos acima são chamadas
de rimas misturadas.
Também podem existir, por último, rimas ricas ou rimas pobres, definidas assim ou
pelo critério gramatical ou pela extensão dos sons. Vejamos a estrofe abaixo para melhor
entendermos as rimas ricas ou pobres:
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Depois do nível fônico, trataremos do nível lexical do poema. Neste nível podemos
observar que a escolha das palavras que compõem o poema é de grande importância,
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porque as palavras não apenas representam e designam objetos e seres no poema, também
apresentam as ações possíveis ligadas a esses seres e objetos. O uso de neologismos e a
opção por certa categoria gramatical conduzem a um sentido do poema. Por exemplo,
no texto 5 podemos observar a predominância dos pronomes pessoais eu/tu, porque o
poema fala de uma relação já finda entre o poeta (a voz poética, quem fala em primeira
pessoa) e a amada, num tom confessional, o que faz com que haja a predominância des-
ses pronomes e de ações/verbos que concordam com eles: tiveste, teu, pensas, deves, ti.
c) polissíndeto – a presença do conectivo “e”, nos versos abaixo, do poema “Cântico negro”,
de José Régio, nos remete ao sentido de acréscimo em relação aos valores que o poeta
rejeita, demonstrando uma aversão à enumeração cansativa desses valores:
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
g) hipérbato – a inversão da ordem natural da frase marca um efeito frástico, o que pode
ser observado nos 5° e 6° versos da estrofe abaixo (“os brancos flocos de espuma que
saíam das cervejas” = ordem direta da frase), do poema “ABC de Chico Sena ou a morte
do caixeiro viajante”, de autoria do poeta paraense Ruy Barata:
Bem ali o Bar do Parque
onde os parceiros bebiam
mais além o Bar do Zico
onde as moscas coloriam
os brancos flocos de espuma
que das cervejas saíam.
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leitura complementar
O texto abaixo trata dos poemas de forma fixa e é de autoria de Norma Goldstein
(1986, p.55-58). Leia-o e depois responda à questão que o segue.
Unidade 5
Estudo do Poema
145
Um gosto de amora
Comida com sol. A vida
Chamava-se “Agora”.
Soneto
O poema de forma fixa mais encontrado, como já se disse, é o soneto. Com-
posto de dois quartetos e dois tercetos, o soneto apresenta, geralmente, versos de
dez ou doze sílabas. Aparecem rimas de um tipo nos quartetos (AB), e de outro,
nos tercetos (cd). O soneto costuma conter uma reflexão sobre um tema ligado
à vida humana. Como exemplo, um soneto de Vinícius de Moraes. Ao retomar o
modo camoniano de compor sonetos, o poeta moderno presta homenagem ao
grande clássico da língua portuguesa, reconhecendo no presente o legado cultural
de tempos passados.
Soneto de Amor Total
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, como grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente.
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Pergunta-se:
Baseado(a) no texto da leitura complementar e no texto explicativo, ambos da
atividade 8, análise um poema, de sua livre escolha, e procure classificá-lo como uma das
formas tradicionais, considerando em sua análise os níveis do poema.
exercício
Com base no texto indicado para leitura complementar e no texto explicativo desta ativi-
dade, analise um poema de sua livre escolha e procure classificá-lo como uma das formas
tradicionais, considerando em sua análise os níveis do poema. Apresente o resultado do
trabalho a seu tutor e a seus colegas de turma no próximo encontro.
bibliografia
básica
d'onofrio, Salvatore. Teoria do texto 2; teoria da lírica e do drama. São Paulo: Ática, 1995.
goldstein, Norma. Versos, sons, ritmos. 3.ed. São Paulo: Ática, 1986.
complementar
barata, Ruy Guilherme Paranatinga. Antilogia. Belém: rgb Editora, Secult, 2000.
moraes, Vinícius de. Poesia; Vinícius de Moraes. Rio de Janeiro: Agir, 1983.
quintana, Mario. Quintana de bolso. Porto Alegre: l&pm, 1997.
resumo da atividade 10
Nesta atividade nós estudamos a construção do poema, na modernidade e na tra-
dição, considerando-se que a linguagem literária do poema apresenta recursos estilísticos
próprios, concernentes aos níveis do poema, a saber: fônico, gráfico, lexical, sintático e
semântico. A análise do poema não pode estar desvinculada da compreensão da estru-
tura do texto, por isso a necessidade de estudar o poema tendo como primeira atitude a
identificação de sua estrutura.
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modalidade a distância
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SOBRE O CONTEUDISTA
Profa. Dra. Ana Lygia Cunha
Professora Associada da Universidade Federal do Pará, da disciplina Língua Por-
tuguesa. Mestre em Letras pela Universidade Federal do Pará e Doutora em Linguística
Aplicada e Estudo da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tem
atuado, como professora, na graduação em Letras, e como professora e coordenadora,
em cursos de especialização em Letras e de extensão. Desenvolve trabalhos de pesquisa
na área de Linguística, Linguística Aplicada e Educação a Distância e orienta Trabalhos
de Conclusão de Curso de graduação e pós-graduação.