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SÃO CIPRIANO
RESUMO
Nossa abordagem acerca da vida de São Cipriano está baseada na literatura oral popu-
lar aliada a erudita, uma vez que grandes escritores se debruçaram sobre a temática
religiosa da vida do mesmo. Vale lembrar que estamos tratando neste trabalho de
histórias ficcionais e que em nenhum momento temos a intenção de provar sua real
existência. Temos como intuito nesta pesquisa um resgate do folclore, da cultura po-
pular do povo ibérico, temos ainda a intenção de demonstrar como, através da difun-
dida literatura oral popular, histórias, narrativas, lendas, mitos, como essa, são conta-
das e recontadas ao longo dos tempos, de geração em geração, ganhando com isso
cunho universal, pois hoje as várias lendas existentes acerca da vida de Cipriano
fazem parte do folclore mundial.
Introdução
Afinal, quem foi São Cipriano? Que mistérios envolvem sua vida? E qual é o
motivo de sua associação com a cova de Salamanca, conhecida por se acreditar ser um
lugar de prática de magias. Seu nome está intimamente ligado à fama da cova salman-
tina. Conta-se que quando jovem Cipriano foi um mago de grande prestígio, e com isso
ganhou fama ao redor do mundo e que, após deixar o paganismo e converter-se a
religião de Cristo recebeu, como um presente dos céus, um verdadeiro símbolo da
bondade divina, o dom de fazer milagres.
* Graduada em Letras – Português/ Inglês pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União
da Vitória – FAFIUV – Atualmente cursa mestrado em Literatura pela Universidade Federal de Santa
Catarina – UFSC. E-mail: elisdpaula@gmail.com.
Sua conversão ocorreu devido ao fato de um dia ele, o senhor dos encantamen-
tos, segundo as lendas, ter permanecido diante da Cruz Bendita dos cristãos para
realizar uma de suas magias, não obtendo resultado satisfatório em um trabalho seu, o
qual consistia em fazer uma bela jovem cristã apaixonar-se por ele, uma vez que ele a
amava, então Cipriano foi ao encontro de seu antigo mestre, o próprio Demônio, com
o qual tinha feito um pacto, para saber a razão pela qual seus encantamentos não
estavam surtindo o efeito desejado.
Segundo conta a história, diz-se que o Demônio respondeu a ele dizendo que:
diante da Cruz de Cristo ele nada poderia fazer. Foi aí que o mago decidiu servir a um
senhor que a tudo pode e para isso se converteu ao Cristianismo. Porém, com um
destino cruel, foi preso, tendo uma morte trágica. Ele teria sido desmembrado ou des-
pedaçado, como nos diz Daniel Granada em sua Reseña Historico-Descriptiva de
Antiguas y Modernas Supersticiones del Rio de la Plata de 1947.
Ele e a moça, Justina, sobre a qual seu encantamento não obteve efeito algum,
são hoje considerados mártires da igreja católica, sendo que ela também foi condena-
da, em sua época, por eminente santidade, todos a temiam, por acreditarem que ela
também teria aprendido as artes das magias, por isso deveria ser morta.
Cipriano teve uma vida conturbada e dividida entre o paganismo, as artes
mágicas, os encantamentos, as bruxarias, a feitiçaria e a sua conversão ao Cristianis-
mo, ao catolicismo, a uma vida de dedicação ao próximo. Seu dom divino de fazer
milagres geraram e continuam gerando até os dias de hoje muitos questionamentos a
respeito de sua vida e dos mistérios que a envolvem. Hoje ele é um mártir, mas sua
figura inevitavelmente sempre estará ligada à lembrança das artes mágicas. A sacristia
subterrânea da igreja que leva o seu nome, São Cipriano, é conhecida também como a
famosa cova de Salamanca, ou ainda chamada de cova cipriana, até os dias de hoje,
depois de séculos passados destes acontecimentos.
Os fatos, porém, são muito mais complexos do que realmente parecem, gerando
com isso certa confusão com o nome de Cipriano. Seu nome está associado a um lugar
mágico encantado, as criaturas das trevas, ao culto ao Demônio. Mas, o fato é que
existiram dois São Ciprianos, portanto, duas histórias diferentes, duas lendas divergentes.
O santo, cujo culto data, na Espanha pelo menos, do século VII e cuja fama
havia chegado à Península Ibérica durante sua vida mortal no século III, é um curio-
so santo que adquire uma importância especial, devido sua ligação com a magia
existente e praticada na cova de Salamanca, com os tradicionais cultos aos seres
fantásticos e as tradições necromânticas da cidade. Ele pode nos ajudar a conhecer
o passado mítico de Salamanca, entre os fracassos do mundo antigo e os primeiros
séculos medievais.
O impasse existente acerca desse fato é que houve dois santos com o mesmo
nome e ambos sempre foram associados aos cultos das magias. “Para complicar mais
as coisas havia dois santos com o mesmo nome e os dois também eram praticantes das
artes das magias” (EGIDO, 1994, p. 126, tradução nossa).
Existiu um São Cipriano de Cartago (África), ao qual é rendido culto, na Espa-
nha, desde muito cedo, bem como houve o São Cipriano de Antioquia (Turquia), que
com uma biografia espetacular, entre santo e pecador, chamou a atenção de todos. Sua
fama levaria, inevitavelmente, sua história a converter-se em lenda, a qual ganhou
espaço, além de ser muito popular entre o povo da época, no cenário teatral. Suas
aventuras de mago erótico e mártir enamorado fizeram muito sucesso dentre o povo da
região, a ponto de ser ele também cultuado e, muitas vezes, confundido com São
Cipriano de Cartago. A evidente confusão entre ambos deve-se ao fato, conforme já
mencionado, de que ambos foram magos, apesar da atribuição ao santo de origem
oriental, maior dedicação profissional à prática da magia.
Sabe-se que São Cipriano de Antioquia desfrutava de uma fama universal,
através da cultura do cristianismo. Sua popularidade foi beneficiada pelas várias len-
das contadas sobre sua vida misteriosa, pois corria a história, na Espanha, de que São
Cipriano de Antioquia era um mago apaixonado e que, por esse seu amor à santa
Justina, converteu-se ao cristianismo, tornando-se assim ele o protagonista de uma
história entre o bem e o mal. Portanto, a história acima descrita sobre um mago apaixo-
nado, convertido à religião de Cristo devido seu amor por outra santa nos remete ao
santo do oriente e não ao outro São Cipriano de Cartago, ao qual também era rendido
culto, muito anterior ao culto ao santo de Antioquia.
Sobre o santo oriental Pedro Calderón de la Barca, compôs seu El mágico
Podemos dizer que essa peça se encaixa no gênero da comédia sobre santos,
as chamadas comédias religiosas, mesmo com a morte dos dois protagonistas, Cipria-
no e Justina ao final da história. Não podemos classificar a mesma como uma tragédia,
pois ambos encontram seu fim com extrema felicidade e serenidade no caminho para o
encontro com Deus, e ao diabo restou apenas a vergonha da confissão, lembrando
que o mesmo aparece revelando toda a verdade, toda sua culpa, dizendo que ele era o
manipulador, e que Cipriano fora seu escravo, mas que quebrara o pacto feito com ele:
A peça de Calderón é uma das mais conhecidas sobre tema de São Cipriano de
Antioquia, lembrando que no início da peça do espanhol, seu personagem faz uma
alusão explícita ao seu local de origem, portanto, não há confusão identitária na peça.
A ambigüidade existente acerca dos santos de Cartago e Antioquia está diretamente
ligada às inúmeras histórias contadas pelo povo sobre os cultos aos dois, que além de
santos eram também magos.
Um autor que se debruçou sobre o tema dos pactos com o Demônio, e que foi
fundamental para que Calderón de la Barca produzisse seu mágico prodigioso, foi o
poeta e dramaturgo espanhol, do período de ouro da literatura hispânica, Antonio
Mira de Amescua (1574?-1644). Ele escreveu a peça intitulada El esclavo del demonio,
publicado em 1612, mas escrito muito tempo antes, a qual tem como tema principal o
mito de Fausto, do homem que vende sua alma, que faz um pacto com o diabo para em
Para o folclore, o culto ao santo cartaginês está na origem do culto aos outros
santos homônimos, cabendo ao santo de Antioquia as origens mágicas dos mesmos,
e sendo ele o responsável pela confusão gerada entre todos os santos que levam o
mesmo nome em diferentes regiões. Sabe-se que existem inúmeros santos que levam o
nome de Cipriano, fato que certamente auxiliou na proliferação, não somente do culto,
mas também de sua fama. A propagação dos santos homônimos ocorreu com maior
afinco na região da Galícia, na Espanha, onde as artes mágicas têm um forte poder de
atração entre as pessoas. A Galícia é considerada a terra da magia, e essa propagação
do culto ao santo, com fama de mago, pode ter sido favorecida em terras galegas,
devido a uma convivência do povo da região com os primitivos cultos celtas, com seus
idólatras mágicos.
Mas coube aos repovoadores do século XII, que vinham do norte e do oeste
peninsular, os galegos, os bragancianos e aos castelhanos dos primeiros textos foren-
ses, a introdução do culto de São Cipriano na Salamanca medieval, pois nas regiões
dos mesmos o culto ao santo já estaria arraigado a muito tempo. Encontramos “no
subsolo salmantino um farto terreno para sua instalação na nova terra” (EGIDO, 1994,
p. 134, tradução nossa). Se isso realmente ocorreu, pode-se pensar que onde foi levan-
tada o templo dedicado a São Cipriano, em Salamanca, havia um lugar de culto pagão,
dos antigos rituais célticos.
Apesar de não podermos datar ao certo quando se instaurou o culto ao santo
em Salamanca, mesmo que a construção de seu templo remeta-se ao século XII, há a
possibilidade de existência de um culto ao santo que remonte à época dos visigodos,
povo que emergiu, ao que tudo indica, no século III, uma vez que é desta época a
conquista da Dácia, província romana situada na Europa, por eles. Também devemos
levar em conta a hipótese de que os visigodos deixaram na Espanha inúmeros regis-
tros de sua civilização, pois entre seus vestígios mais relevantes estão as suas igrejas.
A complexa religiosidade da Península, com seu variado politeísmo, que tem
sua origem com os povos primitivos, adoradores do sol, dos elementos da natureza,
entre outros, torna difícil o trabalho de estabelecer uma síntese entre todas essas
crenças, uma vez que elas estão espalhadas por diversas localizações em períodos de
tempos diferentes. “Não obstante, a divinização dos astros e das forças da natureza,
parecem comum aos habitantes da Península Ibérica, como aos de outras regiões”
O culto a Cipriano, suas ligações com a magia da cova de Salamanca, nos fazem
refletir mais uma vez acerca do profano e do sagrado, que novamente são atraídos para
juntos completarem a mística acerca desse assunto, pois, seriam, o santo e a cova de
origem pagã? Seriam eles sagrados, uma vez que falamos de um santo e de uma sacris-
tia católica?
O fato é que, mesmo existindo uma infinidade de cultos a São Cipriano e aos
diversos santos homônimos na Península Ibérica, as lendas que surgiram sobre sua
existência e sobre a cova cipriana fazem parte do universo popular da vida cotidiana da
cidade de Salamanca, da Espanha e da própria Península como um todo. O que um dia
foi profano, hoje é sagrado, um antigo lugar de ritos pagãos transformou-se em uma
bela igreja, como é o caso da cova salmantina, da cova de Toledo, (ambas localizadas
na Espanha, na qual, segundo as lendas, a cova, que também tinha fama de ser um local
das práticas da magia, e principalmente da necromancia era apenas uma antiga cripta
de um templo romano) e de tantas outras ao redor do mundo, como também podemos
citar a de São Patrício, na Irlanda, a de Trofônio, na Grécia, entre tantas outras.
Sua fama de bruxo necromântico atravessou as civilizações, os séculos e os
oceanos, fez sua história ser exaustivamente contada e recontada ao longo dos anos,
deixando transparecer que sua vida de magia sempre chamou mais a atenção do povo
do que sua vida clerical. Paradoxalmente é chamado de santo e associado ao Demônio,
o santo que fez um pacto diabólico.
Essa é a história de um santo que, supostamente, esteve diante do diabo, que
se converteu à Cruz de Belém, ao qual era rendido um culto pagão e sob o nome do qual
está fundada uma igreja em Salamanca. Para o folclore, não importa se ele de fato
existiu, pois ele se manterá vivo, eternizado, como todo bom santo, na crença do povo
ibérico e ao redor do mundo como um todo. E essa é a sua importância.
Our approach on the life of Ciprian is based on the oral popular literature combined
with the erudite, once that great writers studied a lot about the religious issue matter of
his life. It is worth to remember that, in this work, we are dealing with fictional stories
and at any moment we have the intention to prove its real existence. We have as aim,
in this research, a recover of the folklore, the culture of Iberian people. We still intend
to demonstrate how, through the widespread oral popular literature, stories, narratives,
legends, myths, like this one, are told and retold through time, from generation to
generation, being spread universally, as today the several existent legends about the
life of Cyprian are part of the world folklore.
REFERÊNCIAS