Sá de Miranda
Sá de Miranda
Sá de Miranda
Algumas disciplinas implicadas no seu estudo são a crítica literária, que busca
analisar e interpretar a sua obra a partir de matrizes teóricas diversas; a filologia, como
ecdótica ou crítica-textual, ao embasar as edições do poeta e comediógrafo, como
lexicografia, ao compor glossários para o entendimento da linguagem quinhentista,
como biografia, e como nova-filologia, ao exercer o elogio da variante no espólio
mirandino; a história do livro, ao examinar os objetos tipográficos e códices
manuscritos que preservam a sua obra; a historiografia literária, ao posicioná-lo no
cânone poético ibero-americano abaixo de Camões. Dois outros critérios devem
também embasar a escolha destas dez obras básicas: a seleção deve contemplar as duas
frentes acima apontadas: a comédia e a poesia, devendo também enfocar os estudos
realizados dentro e fora de Portugal, isto é, por estudiosos europeus, brasileiros e norte-
americanos, e não apenas por portugueses. Variados estudos críticos voltados quer para
a questão melódica, quer para tessitura retórica, quer para a perspectiva histórico-
cultural, quer para um questionamento da fortuna crítica, quer para a recepção criativa
encetada pela própria série literária foram escritos no século XX a respeito de Sá de
Miranda. Este decálogo compõe-se de volumes ou livros dedicados a este autor, mas
não deixará de mencionar alguns artigos, ensaios e capítulos de livro de vários autores
pertinentes à sua matéria.
Cabe aqui uma ressalva ao estudioso do século XVII, para quem a primeira
edição desta lista seria a segunda, também pertencente ao acervo da FBNRJ: As obras
do doctor Francisco de SAA de Miranda. Agora de nouo impressas com a Relação de
sua calidade, e vida, com privilégio Real, Vicente Alvarez, impressor, 1614. Durante os
séculos XVII e XVIII, no mundo ibero-americano, floresceram as fábulas poéticas,
espécie de avaliação crítica de autores e poetas. Em geral, estes textos publicados nas
célebres recolhas oitocentistas, Fênix Renascida e Postilhão de Apolo, consideram a
poesia mirandina prosaica e desprovida de musicalidade. Esta avaliação negativa da
melopeia mirandina está no célebre verso com que Diogo de Sousa Camacho descreve
Sá de Miranda: “Poeta até o umbigo, os baixos prosa”. É por este erro técnico que até ao
século XIX este poeta foi canonizado como autor de prata, ao lado e abaixo de Camões,
o “Luís de ouro”, segundo conhecida imagem de Carlos Drummond de Andrade. Até ao
século XIX, a poesia mirandina foi legitimada como poesia moral, cumprindo a função
ética de aconselhar, mas a sua musicalidade foi, via de regra, objeto de derrisão.
Cito, por fim, autores universitários do século XXI, José Augusto Cardoso
Bernardes (1988), Vanda Anastácio (1998), Rita Marnoto (1997), Hélio J. S. Alves
(2001), Maria do Céu Fraga (2003), que buscam, em determinados capítulos de suas
respectivas teses acadêmicas, enquadrar de volta o poeta do Neiva no Renascimento
português, quer privilegiando o bucolismo exercido entre seus pares, quer comparando a
sua obra lírica à de Camões e à de outros autores contemporâneos relegados à margem
do cânone, quer repensando a questão da métrica multicultural (ibérica, italiana,
provençal, francesa, antiga) de Sá de Miranda, como representativa de uma
musicalidade polifônica, característica da música renascentista, não apenas nos seus
aspectos versificatórios, formais e retóricos, mas sobretudo no plano histórico-cultural
da prática poética. Ainda que inadvertidamente, esta série de estudos estilísticos e
culturais recentes parecem retomar a tese de David Mourão-Ferreira a respeito da
pesquisa formal e rítmica encontrada na poesia nova de Sá de Miranda, reconhecendo a
sua qualidade musical. Deste modo é possível perceber que, ao serem privilegiados os
aspectos retóricos, imagéticos e rítmicos, ocorre uma mudança no juízo crítico a
respeito da obra poética deste autor que vai ao encontro do resgate estético de sua
poesia, levado a cabo pela sua recente fortuna criativa no século XX. Quanto às
comédias em prosa portuguesa de Sá de Miranda, as novas edições tanto no Brasil como
em Portugal, indicam que há um interesse em revisitá-las no século XXI.