Módulo 1 - 11ºD
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Módulo 1 - 11ºD
marogozoeadaoradeuscascaispescad
ordabarcabelaondevaispescarcomesc
adornãadeusanjoésvaispescarcomesc
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Literatura portuguesa II
eoliriorosacondessadalvaispescarco
[Almeida Garrett – Folhas Caídas]
[2010-2011]
mescadornãadeusanjoésanjoanjoanjo
EB2,3/S do Cerco
anjuzmulheranjanaturezanaovejoout
rabelezasenãoatiatimulherfatalsãobel
asasfloresemtodanaoteamoqueroteoa
morvemdalmaenalmatenhocalmaacal
madojazigocreioemtideusafevivadem
inhalmaatiseelevaesoquenaõesderiva
meuserdoteuluzetrevaemqueindistin
tasseenvolvesseespíritoagitadodetive
mdetidevolveonadaaquefoiroubadoe
steinfernodeamarcomoeuamoquemm
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ealentaeconsomequeéavidaequeavid
adestróicomoequese
Literatura portuguesa II
Biobliografia
Paula Cruz
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Literatura portuguesa II
Paula Cruz
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Literatura portuguesa II
Linhas de Leitura
1. A colectânea Folhas Caídas não é fruto de um acaso, antes o produto de uma escolha criteriosa.
2. Qualquer que seja a reacção do público em relação aos poemas, mesmo que de riso, será sempre em
segunda mão, porque, primeiro, a sentiu o próprio autor.
3. O poeta sente a necessidade de justificar a publicação de Folhas Caídas (Garrett tinha, então (1853), 54 anos
de idade). Certamente que o que queria justificar era o seu conteúdo, por isso teve o cuidado de advertir que,
mesmo no inverno da vida, haveria de ser poeta «em tudo».
4. As Folhas Caídas dizem respeito a uma época de vida íntima e nada são pelo público nem para o público.
5. As Folhas Caídas foram inspiradas por um deus a quem o autor as consagrou.
6. O poeta parece pretender mistificar o Ignoto Deo a quem consagra os seus versos, envolvendo-o num manto
de mistério.
7. Segundo Garrett, o poeta é louco porque aspira sempre ao impossível. Resta saber que impossível será este.
8. As Folhas Caídas «representam o estado de alma do poeta nas variadas, incertas e vacilantes oscilações do
espírito». Efectivamente, dá-se conta disto mesmo, não só de poema para poema, mas, por vezes, ao longo de
um mesmo poema.
9. O mundo material e o poético são incompatíveis, mas o que prevalece é o espírito (poesia) e não a matéria.
10. Nos poetas, apenas o corpo é mortal, a poesia, não: «E aqueles que por obras valerosas / Se vão da lei da
Morte libertando», Camões, Os Lusíadas, I, 2 (Proposição).
Para uma melhor compreensão dos aspectos formais nas Folhas Caídas
O metro e as estrofes
As Folhas Caídas evidenciam, efectivamente, a preferência de Garrett pela redondilha. Todavia, a obra
apresenta grande variedade de metros, muitos dos quais coexistir na mesma composição, numa perfeita
adequação do ritmo desenvolvimento do tema ou motivo poético.
Noutras composições, Garrett adoptou o verso de no sílabas (eneassílabo), próprio para o canto,
divulgado pela ópera e amplamente aproveitado pelos Românticos para traduzir a «doce melancolia» por que se
manifestava a sensibilidade oitocentista.
Independentemente da estrutura métrica e do esquema rítmico adoptados, os versos aparecem de
preferência agrupados em quadras, sendo mais frequentes os metros curtos, sobretudo redondilha, o que
acentua a intertextualidade voluntariamente assumida pelo poeta, com a poesia tradicional. Ocorrem também
composições em sextilhas, estancias que andam em voga no Romantismo, sendo posteriormente muito usadas
pelos poetas que cultivam a poesia de inspiração popular. Encontram-se também uma composição em quintilha e
outra em oitavas, para além de poemas em séptimas, ou estâncias de sete versos, muito prezados pelos
11. trovadores e pelos poetas do Cancioneiro Geral.
Contudo, onze poemas apresentam estâncias com vários números de versos, irregularidade que se
explica pela obediência ao ritmo do discurso amoroso, intensamente emotivo e imitando as pausas naturais da
linguagem coloquial. Há ainda poesias compostas só de uma sequência de versos, ou menos longa, como se vê
em «Ignoto Deo».
A pontuação
O uso dos sinais de pontuação é também renovado por Garrett, pondo-os mais ao serviço da
expressividade e do dramatismo do que da lógica, ou então fazendo-os apenas sublinhar as pausas naturais do
discurso emotivo. (Maria Ema Tarracha)
Paula Cruz
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Literatura portuguesa II
Apoio à leitura
2.1. Identifique-os.
2.2. O sujeito poético experimenta alguma dificuldade em definir o destinatário. Que versos
traduzem essa dificuldade?
3.1. Faça um levantamento dos termos e expressões que nos reenviam para esse confronto.
- a escolha da métrica;
- o uso da pontuação.
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Literatura portuguesa II
ADEUS!
Que a fonte secou. Agora
Adeus! para sempre adeus! Amarás... sim, hás-de amar,
Vai-te, oh! vai-te, que nesta hora Amar deves... Muito embora...
Sinto a justiça dos céus Oh! mas noutro hás-de sonhar
Esmagar-me a alma que chora. Os sonhos de oiro encantados
Choro porque não te amei, Que o mundo chamou amores.
Choro o amor que me tiveste;
O que eu perco, bem no sei, E eu réprobo... eu se o verei?
Mas tu... tu nada perdeste; Se em meus olhos encovados
Que este mau coração meu Der a luz de teus ardores...
Nos secretos escaninhos Se com ela cegarei?
Tem venenos tão daninhos Se o nada dessas mentiras
Que o seu poder só sei eu. Me entrar pelo vão da vida...
Se, ao ver que feliz deliras,
Oh! vai... para sempre adeus! Também eu sonhar... Perdida,
Vai, que há justiça nos céus. Perdida serás - perdida.
Sinto gerar na peçonha
Do ulcerado coração Oh! vai-te, vai, longe embora!
Essa víbora medonha Que te lembre sempre e agora
Que por seu fatal condão Que não te amei nunca... ai! não;
Há-de rasgá-lo ao nascer: E que pude a sangue-frio,
Há-de sim, serás vingada, Covarde, infame, vilão,
E o meu castigo há-de ser Gozar-te - mentir sem brio,
Ciúme de ver-te amada, Sem alma, sem dó, sem pejo,
Remorso de te perder. Cometendo em cada beijo
Um crime... Ai! triste, não chores,
Vai-te, oh! vai-te, longe, embora, Não chores, anjo do céu,
Que sou eu capaz agora Que o desonrado sou eu.
De te amar - Ai! se eu te amasse!
Vê se no árido pragal Perdoar-me tu?... Não mereço.
Deste peito se ateasse A imundo cerdo voraz
De amor o incêndio fatal! Essas pérolas de preço
Mais negro e feio no inferno Não as deites: é capaz
Não chameia o fogo eterno. De as desprezar na torpeza
Que sim? Que antes isso? - Ai, triste! - De sua bruta natureza.
Não sabes o que pediste. Irada, te há-de admirar,
Não te bastou suportar Despeitosa, respeitar,
O cepo-rei; impaciente Mas indulgente... Oh! o perdão
Tu ousas a deus tentar É perdido no vilão,
Pedindo-lhe o rei-serpente! Que de ti há-de zombar.
Vai, vai... para sempre adeus!
E cuidas amar-me ainda?
Enganas-te: é morta, é finda, Para sempre aos olhos meus
Dissipada é a ilusão. Sumido seja o clarão
Do meigo azul de teus olhos De tua divina estrela.
Tanta lágrima verteste, Faltam-me olhos e razão
Tanto esse orvalho celeste Para a ver, para entendê-la:
Derramado o viste em vão Alta está no firmamento
Nesta seara de abrolhos, Demais, e demais é bela
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Literatura portuguesa II
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Adeus. | Eugénio de Andrade
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar. Soneto da Separação
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava. De repente do riso fez-se o pranto
Acreditava, Silencioso e branco como a bruma
porque ao teu lado E das bocas unidas fez-se a espuma
todas as coisas eram possíveis. E das mãos espalmadas fez-se o espanto
Mas isso era no tempo dos segredos, De repente da calma fez-se o vento
era no tempo em que o teu corpo era um aquário, Que dos olhos desfez a última chama
era no tempo em que os meus olhos E da paixão fez-se o pressentimento
eram realmente peixes verdes. E do momento imóvel fez-se o drama
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade, De repente não mais que de repente
uns olhos como todos os outros. Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Vinicius de Moraes
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Literatura portuguesa II
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Literatura portuguesa II
Apoio à leitura
OS CINCO SENTIDOS 1. Atente no título do poema.
São belas - bem o sei, essas estrelas, 1.1. Relacione-o com cada uma das
Mil cores - divinais têm essas flores; estrofes.
Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:
Em toda a natureza 1.2. Faça um levantamento do campo
Não vejo outra beleza lexical referente a cada um dos
Senão a ti - a ti! sentidos.
1.3. Não é arbitrária a ordem das
estrofes. Justifique.
Divina - ai! sim, será a voz que afina
Saudosa - na ramagem densa, umbrosa. 1 .4. De que forma a crescente
será; mas eu do rouxinol que trina erotização eu/tu é traduzida pelas
Não oiço a melodia, variações do refrão (a ti .. ./de ti . ../
Nem sinto outra harmonia em ti)?
Senão a ti - a ti!
2. O sujeito poético alterna o saber
Respira - n'aura que entre as flores gira, com o sentir.
Celeste - incenso de perfume agreste, 2.1. Demonstre-o com expressões do
Sei... não sinto: minha alma não aspira, texto.
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma 2.2. Prevalece o saber ou o sentir?
Que vem de ti - de ti! 2.3. Indique, exemplificando no
texto, em que recurso estilístico se
apoia a «confusão de sentidos)}.
Formosos - são os pomos saborosos, 2.4. Que tipo de amor se canta no
É um mimo - de néctar o racimo: poema?
E eu tenho fome e sede... sequiosos,
Famintos meus desejos 3. A presença do rouxinol constitui
Estão... mas é de beijos, um aviso que o eu poético ignora.
É só de ti - de ti! Porquê?
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Literatura portuguesa II
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Literatura portuguesa II
NÃO TE AMO
Não te amo, quero-te: o amar vem d'alma.
E eu n'alma --- tenho a calma,
A calma --- do jazigo.
Ai! não te amo, não.
Apoio à leitura
1. O poema constrói-se a partir de uma frase antitética inicial que se repete e se desdobra,
revelando a existência de um drama psicológico do poeta. Em que consiste esse drama?
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DESTINO
Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu? Que eras tu meu ser, querida,
A fabricar o seu ninho Teus olhos a minha vida,
Como é que a ave aprendeu? Teu amor todo o meu bem...
Quem diz à planta --- ―Floresce!‖> --- Ai! não mo disse ninguém.
E ao mudo verme que tece Como a abelha corre ao prado,
Sua mortalha de seda Como no céu gira a estrela,
Os fios quem lhos enreda? Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Ensinou alguém à abelha Eu no teu seio divino
Que no prado anda a zumbir Vim cumprir o meu destino...
Se à flor branca ou à vermelha Vim, que em ti só sei viver,
O seu mel há-de ir pedir? Só por ti posso morrer.
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Literatura portuguesa II
BARCA BELA
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ROSA E LÍRIO
A rosa
É formosa;
Bem sei.
Por que lhe chamam – flor
D’amor
Não sei.
A flor,
Bem de amor
É o lírio;
Tem mel no aroma, - dor
Na cor
O lírio.
Se o cheiro
É fagueiro
Na rosa.
Se é de beleza – mor
Primor
A rosa,
No lírio
O martírio
Que é meu
Pintado vejo: - cor
E ardor
É o meu
A rosa
É famosa
Bem sei...
E será de outros flor
D’amor
Não sei.
tu
Lírio Eu ----------------------- ----------------------- TU Rosa
Eu
1. Após a leitura deste quadro, explica como este texto é um poema de amor, embora não o pareça.
2. A ultima estrofe permite fazer a ligação deste amor à mulher inspiradora confessa dos poemas
deste livro. Como?
3. Alternado a presença dos dois símbolos, nota-se claramente que a dinâmica do poema gira à volta
do símbolo «Rosa», sendo o eu fascinado por esta. Para compreenderes tal facto, selecciona os
elementos seguintes: número de estrofes atribuídas aos dois símbolos, a pontuação usada na última
estrofe e, dentro desta, o 4º verso.
Paula Cruz
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Literatura portuguesa II
4. Todo o poema é a expressão poética dum devaneio sentimental. A sua modernidade advém-lhe do
uso original da métrica, da pontuação, das imagens poéticas, da extraordinária sensação de leveza e
prazer que nos causa a sua leitura. Comenta estes aspectos.
Romantismo
Romantismo é designação duma época determinada da História da Cultura - época mais ou menos
longa, que, no caso português, abrange, conforme os pontos de vista: 1) de cerca de 1770, quer dizer,
do Pré-Romantismo aos nossos dias, entendendo-se, pois, o Realismo, o Simbolismo, O Modernismo
como desdobramentos ou fases evolutivas dum primeiro Romantismo, consequência duma
progressiva desagregação espiritual que arrasta o cerebralismo puro e, em contraste, a pura expansão
das forças irracionais; 2) de cerca de 1770 a 1865, data em que se produz a chamada Questão
Coimbrã, primeira afirmação de rebelião da geração que fará o Realismo português; 3) excluído o Pré-
Romantismo, - de 1825, data de publicação do poema Camões de Garrett, já de intenção romântica, a
1865. Alguns distinguem ainda entre Romantismo (no conceito mais restrito) e Ultra-Romantismo,
que seria o período final, com o postiço e os excessos que caracterizam a dissolução da escola; mas
não parece fácil delimitar cronologicamente os dois conceitos, e mais convirá considerar
«romantismo» e «ultra-romantismo» duas facetas paralelas, simultâneas, dum movimento único. Na
verdade, A Noite do Castelo (1836) de Castilho ou certos trechos da «tragédia de família» que é a
história de Fr. Dinis nas Viagens (1846) de Garrett não são menos «ultra-românticos» que Soares de
Passos ou João de Lemos; pelo contrário, os epígonos do Romantismo, como Bulhão Pato e Tomás
Ribeiro (para já não falarmos num João de Deus) inclinam-se para uma estética de maior naturalidade.
O que sucede é que os chefes de fila do Romantismo português (embora caindo por vezes nos
defeitos que verberam) procuram manter-se sobranceiros ao folhetinesco, ao melodramático, à
mecanização de processos expressionais - pechas que pejorativamente rotulam de «ultra-românticas».
E esses perigos não cessam de ameaçar o Romantismo ao longo da sua duração, apesar de Garrett,
em 1844, os julgar conjurados: o público estaria cansado de «estimulantes violentos»; «depois das
saturnais da escola ultra-romântica» (eis a palavra que surge) desejaria ordem e moderação («Memória
ao Conservatório»). Nota E). A palavra será retomada por Camilo Castelo Branco, que virá a pôr de
lado as receitas de «terror grosso» com que fabricou os Mistérios de Lisboa e o Livro Negro. Os mentores
do Romantismo português procuram uma posição independente, equilibrada, de certo modo «anti-
romântica».
Rigorosamente, só depois de 1836, quando as feridas causadas pelas lutas entre miguelistas e liberais
começam a cicatrizar, o Romantismo se constitui em Portugal, como escola com os seus adeptos
menores, as suas revistas, o seu público. Até lá, assistimos a tentativas isoladas, prefiguram-se casos
individuais de pioneiros: Garrett canta a Saudade, idealiza um Camões romanesco, joguete do
Destino, abjura as ficções pagãs, inspira-se nos romances populares (Camões, 1825, D. Branca, 1826,
Adozinda, 1828) e durante o cerco do porto, sob o estímulo do romance histórico de Hugo, delineia O
Arco de Santana; [...] Herculano, poeta em verdes anos, põe em versos austeros as fundas experiências
do exílio e dos combates pela Liberdade, canta Deus e a Pátria (A Harpa do Crente, 1838). [...]
O Romantismo português participa, está claro, das características do Romantismo europeu em
geral; como sintetiza G. Díaz-Plaja, «à necessidade de seguir modelos clássicos, únicos, feitos de
geometria e razão - universais, portanto -, opõe-se o direito de multiplicar os modelos segundo o
clima e a época; de defender tantos cânones quantos os indivíduos, de preferir o típico ao arquetípico
, o folclore ao gay saber, o pitoresco ao linear». O culto do diferente explica a literatura confessional,
em que o eu liricamente se exibe na singularidade dos sentimentos e da imaginação, como explica
ainda o nacionalismo estético, a valorização do que distingue uma cultura regional de todas as outras,
logo o apreço do tradicional e do popular («Este é um século democrático - proclama Garrett -; tudo
o que se fizer há-de ser pelo povo e com o povo»). E determina do mesmo passo o gosto de evocar a
Idade Média (o distante no tempo, época de mais livre expansão dos impulsos, com o prestígio do
ideal cavalheiresco) e o gosto exótico (o distante no espaço). Algumas vezes aflora, segundo a ideia de
Rousseau, a ideia da bondade natural do indivíduo, pervertido e constrangido pela sociedade (nas
Viagens de Garrett, por exemplo, e em Júlio Dinis); Camilo defende contra a sociedade os direitos dos
Paula Cruz
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Literatura portuguesa II
que amam; mas a nota dominante é a do espiritualismo cristão, metafísica do pecado, da penitência e
do resgate (Eurico, Fr. Luís de Sousa, Romance dum Homem Rico), de mistura com o fatalismo radicado na
mente popular e na literatura. Na temática da poesia e da ficção, a par do amor platónico, aspiração à
mulher-anjo, como a Dulce d' O Bobo, abundam os sentimentos fortes, carregados - ciúme, vingança,
desespero -, a exigirem o estilo exclamativo, «frenético». Aliás, não faltam os contemplativos, os
plangitivos lamartinianos, que procuram no seio da natureza os prazeres da melancolia e os
pressentimentos dum além-mundo. O Romantismo constitui, por outro lado, uma tomada de
consciência, a conquista dum senso histórico (Herculano e discípulos) e dum senso crítico novo
aplicado aos fenómenos da cultura (Garrett, A. P. Lopes de Mendonça). Começa-se a relacionar o
Homem com o meio a que pertence, a época de que é produto. O instável Carlos das Viagens é
expoente duma época de crise, um moderno que sofre de duplicidade amorosa e acaba por se
emburguesar, passando de alma sensível a barão; o próprio Camilo, conquanto mais interessado pelas
almas que pelas realidades sociais, flagela com aguda visão tipos e costumes dum Portugal em
metamorfose (por ex., em A Queda dum Anjo).
Entretanto podemos apontar alguns traços que dão fisionomia particular ao Romantismo
português: estreitamente ligado à Revolução liberal de 1820, à emigração, à vitória sobre os
miguelistas e à reforma das instituições, teve a chefiá-lo patriotas como Garrett e Herculano, que
«mordiam o cartucho (no dizer de Camilo) com tanta seriedade de espírito como escreviam a Harpa do
Crente ou O Arco de Santana», homens que entendiam a literatura como tarefa cívica, meio de acção
pedagógica; cumpre notar que Portugal era um pequeno país decaído, humilhado, saudoso da
grandeza perdida, e que portanto esses patriotas, confiantes nas virtudes da Liberdade, se propunham
contribuir decisivamente para um renascimento pátrio; o espírito iluminístico, de racionalização da
ordem social e difusão de «conhecimentos úteis», encontrou atmosfera propícia depois de 1820, e
sobretudo depois da Revolução de Setembro (1836); aliás os mentores do Romantismo português
revelaram-se homens de bom-senso, de alicerces clássicos, inimigos de excessos, sem propensão
mística, sem alardes messiânicos, antes de pés fincados na terra; note-se que lutaram contra a
desmesura e a trivialidade «ultra-românticas», que lamentaram a enxurrada de traduções de novelas
francesas, factor de corrupção da língua vernácula e de dissolução da moral portuguesa antiga (isto
apesar de um Garrett, um Camilo até, não hesitarem em actualizar a língua incorporando nela modos
de dizer alienígenas).
Feito um balanço, teremos de assinalar um exagerado historicismo (sobretudo medievalismo,
ingenuamente convencional no teatro e no solau), que por demais desviou a atenção da realidade
contemporânea; abundante, monótona produção lírica, muito prejudicada pela afectação piegas e pela
estética da espontaneidade, do coração «ao pé da boca» (espontaneidade que o autor das Folhas Caídas,
homem de apurado gosto, habilmente simulou sem de facto a praticar); frouxa crítica literária, se a
confrontarmos com a de outros países. [...] restaurou-se o teatro, chegando Garrett a escrever uma
verdadeira obra-prima, o Frei Luís de Sousa, drama romântico imbuído do espírito helénico, de trágica
simplicidade; [...]
O vocábulo "romântico", tal como "barroco" ou "clássico", apresenta uma história complexa. Do
advérbio latino romanice, que significava «à maneira dos romanos», derivou em francês o vocábulo
romanz, escrito rommant depois do século XII e roman a partir do século XVII. A palavra rommant
designou primeiramente a língua vulgar, por oposição ao latim, tendo vindo depois a designar
também uma certa espécie de composição literária escrita em língua vulgar, em verso ou em prosa,
cujos temas consistiam em complicadas aventuras heróicas ou corteses. [...]
No século XVII, o adjectivo inglês romantic significa «como os antigos romances», e pode qualificar
uma paisagem, uma cena ou um monumento - [...] -, ou pode oferecer um significado estético-
literário. [...]
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Literatura portuguesa II
Não admira que na atmosfera racionalista que envolve a cultura europeia desde os finais do século
XVII, o vocábulo romantic passe a significar quimérico, ridículo, absurdo - qualidades (ou defeitos) que
se atribuíram precisamente aos romances e poemas romanescos, quer na literatura medieval, quer de
Ariosto, de Boiardo, etc. Tal como "gótico", romântico designa, na época do iluminismo, tudo o que é
produzido pela imaginação desordenada, aquilo que é inacreditável e que reflecte um gosto artístico
irregular e mal esclarecido.
No entanto, a par deste significado pejorativo, a palavra que vimos a analisar oferece no século
XVIII um outro sentido: à medida que a imaginação adquire importância e à medida que se
desenvolvem formas novas de sensibilidade, romantic passa a designar o que agrada à imaginação, o
que desperta o sonho e a comoção da alma, aplicando-se às montanhas, às florestas, aos castelos, etc.
Nesta acepção - que, como foi dito acima, já remonta ao século XVII -, foi-se obliterando a conexão
do vocábulo com o género literário do romance, tendo vindo romantic a exprimir sobretudo os aspectos
melancólicos e selvagens da natureza.
O vocábulo inglês romantic era vertido para francês ora por romanesque, ora por pittoresque. Em 1776,
porém, Letourneur, no prefácio da sua tradução da obra de Shakespeare, distingue romantique de
romanesque e de pitoresque, analisando os respectivos matizes semânticos e expondo os motivos que
levaram a preferir romantique, «palavra inglesa»: o vocábulo, segundo Letourneur, «encerra a ideia dos
elementos associados de uma maneira nova e variada, própria para espantar os sentidos», evocando,
além disso, o sentimento de terna emoção que se apodera da alma perante uma paisagem, um
monumento, uma cena, etc. Em 1777, o marquês de Girardin, na sua obra De la composition des paysages,
usa igualmente o adjectivo romantique, mas a palavra adquire definitivamente direito de cidadania na
língua francesa, quando Rousseau, num passo famoso das suas Rêveries d'un promeneur solitaire, escreve
que «as margens do lago de Bienne são mais selvagens e românticas do que as do lago de Genebra».
Através do francês, o vocábulo penetrou depois noutras línguas, como o espanhol e o português.
Voltemos, todavia, ao significado literário da palavra romântico, que, como ficou acima exposto, está
já documentado no século XVII. O vocábulo romantic reaparece, com um sentido similar ao que
apresenta no texto já mencionado de Rymer, na History of english poetry (1774) de Thomas Warton, cuja
introdução se intitula «The origin of romantic fiction in Europe». Para Warton, o termo romantic
designa a literatura medieval e parte da literatura que se afasta da literatura renascentista (Ariosto,
Tasso, Spenser), isto é, uma literatura que se afasta das normas e convenções vigentes na literatura
greco-latina e no neoclassicismo. [...]
A par deste conceito latamente histórico de literatura romântica, aparece também com frequência,
no início do século XIX, um conceito tipológico de romantismo, corporizado principalmente na
oposição clássico-romântico. Goethe reivindicou a paternidade desta famigerada distinção, mas foi
indubitavelmente August Wilhelm Schlegel quem, inspirando-se em boa parte na oposição
estabelecida por Schiller entre poesia ingénua e poesia sentimental, elaborou a mais sistemática e mais
influente exposição sobre as diferenças existentes entre a arte clássica e a arte romântica. Na décima
terceira lição do seu Curso de literatura dramática, A. W. Schlegel caracteriza a arte clássica como uma
arte que exclui todas as antinomias, ao contrário da arte romântica, que se compraz na simbiose dos
géneros e dos elementos heterogéneos: natureza e arte, poesia e prosa, ideias abstractas e sensações
concretas, terrestre e divino, etc.; a arte antiga é uma espécie de «nomos rítmico, uma revelação
harmoniosa e regular da legislação - fixada para sempre - de um mundo ideal em que se reflectem os
arquétipos eternos das coisas», ao passo que a poesia romântica «é expressão de uma misteriosa e
secreta aspiração pelo Caos incessantemente agitado a fim de gerar novas e maravilhosas coisas»; a
inspiração da arte clássica era simples e clara, diferentemente do génio romântico que, «apesar do seu
aspecto fragmentário e da sua desordem aparente, está contudo mais perto do mistério do universo,
porque, se a inteligência jamais pode apreender em cada coisa isolada senão uma parte da verdade, o
sentimento, em contrapartida, ao abranger todas as coisas, compreende tudo e em tudo penetra»; [...]
Nas literaturas espanhola e portuguesa, aparecem os primeiros grupos românticos durante a terceira
década do século XIX, concomitantemente com a instauração de regimes liberais nos dois países da
Península Ibérica e com o regresso de exilados que, na França e na Inglaterra, haviam conhecido as
novas tendências estético-literárias.
Aguiar e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA LITERATURA, 4ª edição, Coimbra, Livraria
Almedina, 1982
Paula Cruz
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Literatura portuguesa II
Características do Romantismo
a) Democratização.
Deixa a nova literatura de ser só para reis, para fidalgos ou para círculos fechados de eruditos e
torna-se a literatura do povo. O livro de cordel, o jornal, o romance picaresco, até mesmo o D.
Quixote de Cervantes tinham arroteado o caminho a seguir pela obra romântica, entusiasmando a
burguesia. Para esta classe, ávida de ler, se destina a literatura do Romantismo. Os burgueses é que
vão ser os seus consumidores mais assíduos.
O povo humilde continuará analfabeto. [...]
Mas pelo menos é curioso constatar que a poesia das décadas de 840 e 850 e sobretudo a ultra-
romântica invadiu infrene o interior das famílias burguesas, ficando profundamente ligada ao
mundanismo, à vida cívica: escreviam-se versos em álbuns, acompanhavam-se poemas a canto e
piano nos salões, havia recitais poéticos em festas de beneficência e patrióticas, promoviam-se saraus
literários.
Foi por este motivo que se assistiu então a uma típica «aculturação» da mulher burguesa com a
aprendizagem da língua francesa e da música.
A obra literária literária não é já um mundo fechado de valores para eleitos; é uma comunicação
franca de ideias práticas e vitais a todo o leitor. Envereda até, uma vez ou outra, pelos caminhos da
denúncia social e do empenhamento político.
Vai notar-se o predomínio da emoção, do sentimento sobre a razão e o espírito ordenador dos
clássicos; isto é, vai sobrepor-se o culto do «eu» e dos direitos do coração às imposições orientadoras
da inteligência (reacção contra o racionalismo clássico).
O Romantismo deixou de ter admiração por tudo quanto era greco-romano e baniu de vez o uso da
mitologia. A Idade Média, tempo admirável em que o povo ajudava os reis a criar nações e em que os
mesteirais, organizados em corporações, tinham iniludível valor político-social, seduziu com as suas
narrações cheias de peripécias os românticos, visceralmente opostos aos absolutismos e partidários
em política da soberania do povo.
Esta evasão para os tempos medievos proporcionou aos escritores o contacto com lugares, factos e
tipos capazes de inspirarem a imaginação mais fria: castelos musgosos, lendas e tradições, cavaleiros,
monges, cruzados, mouros, judeus.
Note-se, porém, que os temas de actualidade não foram postergados (por exemplo em Viagens na
Minha Terra de Garrett) e até estiveram em voga nas poesias revolucionárias dos epígonos do
Romantismo, para só falarmos no caso português.
Paula Cruz
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Literatura portuguesa II
Sabemos que a beleza para o escritor clássico residia na imitação da natureza, não no particular, mas
no universal. Em vez de criar tipos verosimilhantes aos seres individualizados e reais, idealizava seres
com todas as perfeições e sem quaisquer defeitos.
O autor romântico procede de maneira diferente: movimenta nas suas obras todos os tipos
humanos. Sente gosto em referir com pormenor os traços individuais dos heróis, não tendo pejo de
colocar ao lado de pessoas sãs os marginais, os fora de lei, os aleijões tanto morais como físicos: o
ladrão, o pirata, o assassino, o traidor, o perjuro, i incestuoso, o adúltero, a prostituta, o sacrílego, o
cego, o corcunda, o mutilado. Às vezes, não teme aliar a elevação de sentimentos à hediondez física
(como acontece, por exemplo, nestas personagens muito conhecidas: o sineiro Quasimodo de Nossa
Senhora de Paris, de Vítor Hugo, e o jardineiro Belchior de A Escrava Isaura, de Bedrnardo Guimarães).
Desde Bernardim e Rodrigues Lobo que o romance português vinha explorando uma melancolia
patológica, a oscilar entre o pessimismo confessado e os desejos de um contentamento e de uma
satisfação sempre longínquos. Agora, porém, mais do que nunca vai o homem romântico expandir o
que nele há de mais pessoal e íntimo, a começar pela sensibilidade e voos da fantasia e a acabar nos
impulsos do subconsciente. Daí que, ao contrário dos clássicos, sinta doce volúpia no sofrimento e
prefira registar situações de dor e de melancolia, e ambientes de nebulosidade nórdica como o
entardecer, o escurecer, a noite, as florestas sombrias, as cavernas, as ruínas, os agouros, os sonhos, a
morte. A personagem romântica, mergulhada nesta melancolia pessimista, procura evadir-se umas
vezes para o além-morte através do suicídio, outras vezes para o convento, o sacerdócio, a solidão, a
loucura.
A cultura francesa do século XVIII tinha unificado espiritualmente a Europa; Napoleão Bonaparte
tentou a unificação política. Como reacção, es escritores românticos procuram exaltar tudo quanto é
nacional, tudo quanto é popular. E crêem que a alma dos nacionalismos europeus incarnou no povo
da Idade Média e no povo se tem mantido inalterada. O popular e o folclórico adquirem, desta
maneira, um grande prestígio junto da nova escola.
Foi por isso que a literatura romântica cedo adquiriu um carácter cívico e patriótico e enveredou a
pouco e pouco pelo historicismo, tratando com muito carinho figuras nacionais.
Paula Cruz
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Literatura portuguesa II
a) Independência criativa.
O génio criador agora não pode estar sujeito a normas férreas, como eram as da estética clássica.
Essas normas são totalmente banidas, pois convertem a arte num puro mecanismo. O escritor
romântico voa nas asas da imaginação, dos seus sentimentos e instintos. Criará obra estritamente
pessoal. Não admite mais a divisão dos géneros clássicos. Com excepção do soneto, que conserva,
inventa novos agrupamentos estróficos. Opõe-se tenazmente à imitação paradigmática dos escritores
gregos e romanos.
Classicismo Romantismo
A razão, a inteligência O coração, a sensibilidade, a imaginação
O geral, o universal O particular, o individual
O objectivo, o impessoal O subjectivo, o pessoal
A vontade, o heroísmo A melancolia, o abatimento
A inteligência, as abstracções As sensações, a sensibilidade
A clareza, a ordenação O mistério, o sonho, a meditação
O paganismo O cristianismo
O culto da antiguidade greco-latina O culto da Idade Média e dos tempos modernos
O aristocrático, o nobre, o tradicionalista O popular, o pitoresco, a paisagem
(Cfr. Virgínia Mota, Manual de História da Literatura Portuguesa, 2ª edição, Lisboa, pág. 169).
Barreiros, António José, HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição, Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992
Paula Cruz
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Literatura portuguesa II
ESTES SÍTIOS
.1. Após leitura do poema «Estes sítios», associe ao confronto campo/cidade estas oposições:
- indivíduo/sociedade;
- autenticidade /hipocrisia;
- céu/inferno;
- liberdade/ escravidão;
- amor correspondido/ amor frustrado.
1.2. Relacione as três dimensões passado, presente e futuro com esses confrontos.
2. Registe:
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Literatura portuguesa II
C.
“ Não te amo, quero-te...”
“ Anjo és. Mas que anjo és tu?
(...)
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste:
De Jeová ou Belzebu?”
Tendo em conta que a poesia garrettiana revela um espírito renovador, não só quanto
à concepção da mulher amada e do amor, mas também quanto aos aspectos formais, numa
composição cuidada (mínimo 80 e máximo 220 palavras), refere-te à nova sensibilidade e à
nova expressão poética, evidenciadas na lírica de Almeida Garrett.
Paula Cruz
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