Vigília de Pentecostes - Papa Francisco
Vigília de Pentecostes - Papa Francisco
Vigília de Pentecostes - Papa Francisco
Papa Francisco
Praça de São Pedro - Sábado, 18 de Maio de 2013
1ª pergunta:
«A verdade cristã é fascinante e persuasiva, porque dá resposta a uma necessidade profunda da existência humana,
anunciando de forma convincente que Cristo é o único Salvador do homem todo e de todos os homens». Santo
Padre, estas suas palavras impressionaram-nos profundamente: exprimem de maneira direta e radical a experiência
que cada um de nós deseja viver sobretudo no Ano da Fé e nesta peregrinação que nos trouxe aqui esta noite.
Estamos na sua presença para renovar a nossa fé, para a confirmar, para a reforçar. Sabemos que a fé não é algo que
se possui de uma vez por todas. Como dizia Bento XVI na Porta fidei: «A fé não é um pressuposto óbvio». Esta
afirmação não diz respeito apenas ao mundo, aos outros, à tradição donde proviemos: esta afirmação diz respeito,
antes de mais nada, a cada um de nós. Com muita frequência, nos damos conta de quanto a fé seja uma irrupção de
novidade, um início de mudança, mas depois titubeamos em investir a totalidade da vida. Não a constituímos
origem de todo o nosso saber e agir.
Na sua vida, Santidade, como pôde alcançar a certeza a respeito da fé? E que estrada nos indica para podermos,
cada um de nós, vencer a fragilidade da fé?
2ª pergunta:
Santo Padre, a minha vida diária é uma experiência como muitas outras. Procuro viver a fé no local de trabalho, em
contacto com os outros, como um sincero testemunho do bem recebido no encontro com o Senhor. Sou, somos
«pensamentos de Deus», concretizados por um Amor misterioso que nos deu a vida. Ensino numa escola; e a
consciência desta verdade dá-me motivo para amar apaixonadamente os meus alunos e também os colegas. Com
frequência, verifico que muitos buscam a felicidade em tantos itinerários individuais, nos quais a vida e as suas
grandes questões se reduzem muitas vezes ao materialismo de quem quer ter tudo e permanece eternamente
insatisfeito, ou ao niilismo para o qual nada tem sentido. Pergunto-me como a proposta da fé, que é a de um
encontro pessoal, de uma comunidade, de um povo, possa alcançar o coração do homem e da mulher do nosso
tempo. Somos feitos para o infinito – «jogai a vida por coisas grandes!», disse recentemente – e contudo ao nosso
redor e aos nossos jovens tudo parece dizer que é preciso contentar-se com respostas medíocres, imediatas, e que o
homem se deve adaptar ao finito sem levar mais longe a sua busca. Às vezes sentimo-nos temerosos, como os
discípulos na véspera de Pentecostes. A Igreja convida-nos à Nova Evangelização. Penso que todos nós aqui
presentes sentimos fortemente este desafio, que está no centro das nossas experiências. Por isso, gostaria de lhe
pedir, Santo Padre, que me ajudasse, a mim e a todos nós, a compreender o modo como viver este desafio no nosso
tempo.
Na sua opinião, qual é a coisa mais importante para a qual todos nós – movimentos, associações e comunidades –
devemos olhar para realizar esta tarefa a que somos chamados? Como podemos hoje comunicar, de maneira
eficaz, a fé?
3ª pergunta:
Santo Padre, tocaram-me profundamente estas palavras que disse no encontro com os jornalistas depois da sua
eleição: «Ah, como eu queria uma Igreja pobre e para os pobres!» Muitos de nós estão envolvidos em obras de
caridade e justiça: somos parte ativa da presença radicada da Igreja lá onde o homem sofre. Sou funcionária, tenho a
minha família e, na medida do possível, comprometo-me pessoalmente junto dos vizinhos e na ajuda aos pobres.
Mas isto não me basta; gostaria de poder dizer com Madre Teresa: tudo é por Cristo. A grande ajuda para viver esta
experiência são os irmãos e irmãs da minha comunidade que estão comprometidos com a mesma finalidade. E neste
compromisso, somos sustentados pela fé e a oração. A necessidade é grande. Isto mesmo no-lo recordou Vossa
Santidade: «No mundo há ainda tantos pobres, e estas pessoas passam tantas tribulações». E a crise tudo agravou.
Penso na pobreza que aflige tantos países e que assomou também no mundo do bem-estar: a falta de trabalho,
os movimentos migratórios em massa, as novas escravidões, o abandono e a solidão de muitas famílias, de muitos
idosos e de muitas pessoas que não têm casa nem trabalho.
Deixe-me perguntar-lhe, Santo Padre: Como podemos, eu e todos nós, viver uma Igreja pobre e para os pobres?
Como é que o doente é uma interpelação à nossa fé? Que contribuição podemos nós todos, enquanto movimentos
e associações laicais, dar concreta e eficazmente à Igreja e à sociedade para enfrentar esta crise que toca a ética
pública, o modelo de desenvolvimento, a política, em suma, um novo modo de ser homens e mulheres?
4ª pergunta:
Caminhar, construir, confessar. Este seu «programa» para uma Igreja-movimento – pelo menos assim o entendi eu,
ao ouvir uma homilia sua no início do Pontificado – confortou-nos e estimulou-nos. Confortou-nos, porque nos
sentimos em profunda unidade com os amigos da comunidade cristã e com toda a Igreja universal. Estimulou-nos,
porque de certo modo Vossa Santidade obrigou-nos a sacudir o pó do tempo e da superficialidade da nossa adesão a
Cristo. Mas devo dizer que não consigo superar o sentimento de perturbação que me provoca uma destas palavras:
confessar. Confessar, isto é, testemunhar a fé. Pensemos em tantos irmãos nossos que sofrem por causa dela, como
ouvimos há pouco. Pensemos em quem deve decidir se ir ou não à Missa na manhã de domingo, porque sabe que
arrisca a sua vida. Pensemos naqueles que se sentem oprimidos e discriminados por causa da fé cristã em tantas,
demasiadas partes do mundo.
Vendo estas situações, parece-me que a minha confissão, o meu testemunho seja tímido e desajeitado. Gostaria
de fazer mais, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar o seu sofrimento, não tendo
possibilidade de fazer nada, ou pelo menos muito pouco, para mudar o seu contexto político e social?
É uma pergunta de história, pois refere-se à minha história, à história da minha vida.
Tive a graça de crescer numa família onde se vivia a fé de forma simples e concreta; mas foi sobretudo a minha avó,
mãe do meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Era uma mulher que nos explicava, falava de Jesus, ensinava o
Catecismo. Lembro-me sempre que, na Sexta-Feira Santa, ela nos levava à noite à procissão de velas; no final desta
procissão, passava o «Cristo jacente», e a avó fazia-nos – a nós crianças – ajoelhar e dizia-nos: «Olhai! Morreu, mas
amanhã ressuscita». Recebi o primeiro anúncio cristão precisamente desta mulher, da minha avó! Tudo isto é muito
belo! O primeiro anúncio em casa, com a família! Isto faz-me pensar no carinho que põem tantas mães e tantas avós
na transmissão da fé. São elas que transmitem a fé. O mesmo acontecia nos primeiros tempos, porque São Paulo diz
a Timóteo: «Recordo a fé da tua mãe e da tua avó» (cf. 2 Tm 1, 5). Oh vós todas, mães e avós que estais aqui, pensai
nisto! A transmissão da fé… É que Deus coloca ao nosso lado pessoas que nos ajudam no nosso caminho de fé. Não
encontramos a fé no indefinido, não! Mas há sempre uma pessoa que prega, que nos diz quem é Jesus, nos
transmite a fé, nos dá o primeiro anúncio. E assim foi a primeira experiência de fé que tive.
Para mim, porém, há um dia muito importante: 21 de Setembro de 1953 (tinha quase 17 anos); celebrava-se o «Dia
do Estudante», sendo, para nós, o início da Primavera, ao passo que, para vós, é o início do Outono. Antes de ir para
a festa, passei pela paróquia que habitualmente frequentava: encontrei um padre, que não conhecia, e senti
necessidade de me confessar. Esta foi para mim uma experiência de encontro: achei que alguém me esperava. Eu
não sei o que se passou, não me lembro; não sei sequer por que motivo estivesse lá aquele padre que eu não
conhecia, não sei porque senti aquela vontade de me confessar, mas a verdade é que alguém estava à minha espera.
Esperava-me há muito tempo. Depois da confissão, senti que qualquer coisa tinha mudado; eu não era o mesmo.
Tinha ouvido como que uma voz, uma chamada: fiquei convencido de que devia tornar-me sacerdote. Na fé, é
importante esta experiência. Dizemos que devemos procurar Deus, ir ter com Ele para pedir perdão… Mas, quando
chegamos, já Ele está à nossa espera, Ele chega primeiro! Em espanhol, temos uma palavra que explica bem isto: «O
Senhor sempre nos primerea», é o primeiro, está à nossa espera! E esta é uma graça mesmo grande: encontrar
alguém que te espera. Tu vais pecador, e Ele está à tua espera para te perdoar. Esta é a experiência que os Profetas
de Israel descreviam ao dizer que o Senhor é como a flor da amendoeira, a primeira flor da Primavera (cf. Jr 1, 11-
12). Antes da chegada das outras flores, aparece ela: é ela que espera. O Senhor espera por nós. E, quando O
procuramos, deparamos com esta realidade: é Ele que está à nossa espera, para nos acolher, para nos dar o seu
amor. E isto infunde no teu coração uma maravilha tal que nem acreditas, e assim vai crescendo a fé… no encontro
com uma pessoa, no encontro com o Senhor. Alguém poderá dizer: «Não, eu prefiro estudar a fé nos livros». É
importante estudá-la, mas olhai que isso não basta! O mais importante é o encontro com Jesus, o encontro com Ele;
é isto que te dá a fé, porque é precisamente Ele quem te la dá.
Na pergunta, faláveis também da fragilidade da fé: Como se pode vencê-la? O maior inimigo que tem a fragilidade é
o medo. Curioso, não é!? Mas eu digo-vos: Não tenhais medo! Somos frágeis – bem o sabemos –, mas o Senhor é
forte! Se tu caminhas com Ele, não há problema. Uma criança – hoje vi tantas! – é fragilíssima, mas, estando com o
pai, com a mãe, sente-se segura! Com o Senhor, estamos seguros. A fé cresce com o Senhor, precisamente a partir
da mão do Senhor; isto faz-nos crescer e torna-nos fortes. Às vezes, porém, pensamos que podemos arranjar-nos
sozinhos; mas não! Pensemos no que aconteceu a Pedro: «Senhor, eu nunca te negarei» (cf. Mt 26, 33-35), mas,
quando o galo cantou, já ele O tinha negado três vezes! (cf. vv. 69-75). Pensemos bem nisto: quando temos
demasiada confiança em nós mesmos, somos mais frágeis; sim, mais frágeis. Sempre com o Senhor! E quando digo
com o Senhor, pretendo dizer com a Eucaristia, com a Bíblia, com a oração…, mas também em família, também com
a mãe, também com ela, porque é quem nos leva ao Senhor; é a mãe, é aquela sabe tudo. Por conseguinte, rezar
também a Nossa Senhora e pedir-lhe que, como mãe, me faça forte. Isto é o que penso sobre a fragilidade; pelo
menos, é a minha experiência. Uma coisa que me faz forte todos os dias é rezar o Terço a Nossa Senhora. Sinto uma
força tão grande, porque vou ter com ela e sinto-me forte.
Passemos à segunda pergunta: «Penso que todos nós aqui presentes sentimos fortemente este desafio – o desfio da
evangelização – que está no centro das nossas experiências. Por isso, gostaria de lhe pedir, Santo Padre, que me
ajudasse, a mim e a todos nós, a compreender o modo como viver este desafio no nosso tempo. Na sua opinião, qual
é a coisa mais importante para a qual todos nós – movimentos, associações e comunidades – devemos olhar para
realizar esta tarefa a que somos chamados? Como podemos hoje comunicar, de maneira eficaz, a fé?»
Só vou dizer três palavras. A primeira: Jesus. Qual é a coisa mais importante? Jesus. Se pretendemos avançar com
mais organização, com outras coisas – coisas certamente boas –, mas sem Jesus, não avançamos, não resulta. O mais
importante é Jesus. Deixai-me fazer-vos aqui uma pequena advertência, mas fraternalmente, cá entre nós. Todos
vós gritastes na Praça: «Francisco, Francisco, Papa Francisco». E Jesus, onde estava? Eu teria gostado que vós
gritásseis: «Jesus, Jesus é o Senhor, e está verdadeiramente no meio de nós». Daqui para diante, não digais
«Francisco», mas «Jesus»!
A segunda palavra é: oração. Olhar o rosto de Deus, mas sobretudo – e isto está ligado com o que disse antes –
sentir-se olhado. O Senhor olha-nos: é o primeiro que olha. A minha experiência é aquilo que sinto diante do
Sacrário quando vou rezar, à noite, diante do Senhor. Às vezes cabeceio um pouco, é verdade! O cansaço do dia faz
adormecer. Mas Ele compreende-me. E sinto grande consolação, ao pensar que Ele me olha. Nós pensamos que
devemos orar, falar, falar, falar… Não! Deixa-te olhar pelo Senhor. Quando Ele olha para nós, dá-nos força e ajuda-
nos a testemunhá-lo. A pergunta era sobre o testemunho da fé, não era? Pois bem; primeiro «Jesus», depois
«oração»: sentimos que Deus nos leva pela mão. Sublinho a importância disto: deixar-se guiar por Ele. Isto é mais
importante do que qualquer um dos nossos cálculos. Somos verdadeiros evangelizadores, quando nos deixamos
guiar por Ele. Pensemos neste caso de Pedro: estava ele talvez a fazer a sesta, quando teve uma visão – a visão da
toalha com todos os animais – e ouviu Jesus que lhe dizia qualquer coisa, mas ele não entendia. Naquele momento,
chegaram alguns não-judeus chamando-o para ir a certa casa; ele foi e viu como o Espírito Santo estava lá. Pedro
deixou-se guiar por Jesus para chegar àquela primeira evangelização dos gentios, que não eram judeus; uma coisa
então impensável (cf. Act 10, 9-48). E o mesmo se deu em toda a história… toda a história! Deixar-se guiar por Jesus.
O líder é precisamente Ele; o nosso líder é Jesus.
E terceira: testemunho. Jesus, oração – a oração, este deixar-se guiar por Ele – e depois testemunho. Mas há mais
qualquer coisa que gostava de dizer. Este deixar-se guiar por Jesus é abandonar-se às surpresas de Jesus. Pode-se
pensar que devemos programar em pormenor a evangelização, pensando nas estratégias, fazendo planos. Mas isto
são instrumentos, pequenos instrumentos. O importante é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Então podemos fazer as
estratégias, mas isso é secundário. Finalmente, o testemunho: a comunicação da fé pode-se fazer unicamente
através do testemunho; e este é o amor. Não com as nossas ideias, mas com o Evangelho vivido na própria
existência, que o Espírito Santo faz viver no nosso íntimo. É como uma sinergia entre nós e o Espírito Santo; e isto
leva ao testemunho. Quem faz avançar a Igreja são os Santos, porque são precisamente eles que dão este
testemunho. Como disseram João Paulo II e também Bento XVI, o mundo de hoje tem tanta necessidade de
testemunhas; precisa mais de testemunhas que de mestres. Devemos falar menos, mas falar com a vida toda: a
coerência de vida. Precisamente, a coerência de vida! Uma coerência de vida que seja viver o cristianismo como um
encontro com Jesus que me leva aos outros, e não como um fato social. Socialmente aparecemos assim: somos
cristãos, cristãos fechados em nós mesmos. Isto não! O testemunho!
A terceira pergunta: «Deixe-me perguntar-lhe, Santo Padre: Como podemos, eu e todos nós, viver uma Igreja pobre
e para os pobres? Como é que o doente é uma interpelação à nossa fé? Que contribuição podemos nós todos,
enquanto movimentos e associações laicais, dar concreta e eficazmente à Igreja e à sociedade para enfrentar esta
crise que toca a ética pública» – isto é importante! – «o modelo de desenvolvimento, a política, em suma, um novo
modo de ser homens e mulheres?»
Recomeço do testemunho… Antes de mais nada, viver o Evangelho é a principal contribuição que podemos dar. A
Igreja não é um movimento político, nem uma estrutura bem organizada. Não é isso! Não somos uma ONG, e
quando a Igreja se torna uma ONG perde o sal, não tem sabor, não passa de uma organização vazia. Neste ponto
sede sagazes, porque o diabo nos engana; há o perigo do eficientismo. Uma coisa é pregar Jesus, outra é a eficácia,
ser eficientes. Isto, não; aquela é outro valor. Fundamentalmente, o valor da Igreja é viver o Evangelho e dar
testemunho da nossa fé. A Igreja é sal da terra, é luz do mundo; é chamada a tornar presente na sociedade o
fermento do Reino de Deus; e fá-lo, antes de mais nada, por meio do seu testemunho: o testemunho do amor
fraterno, da solidariedade, da partilha. Quando se ouve alguns dizerem que a solidariedade não é um valor, mas uma
«atitude primitiva» que deve desaparecer… é errado! Está-se a pensar na eficácia apenas mundana. Quanto as
momentos de crise, como este que estamos vivendo… Antes tinhas dito que «estamos num mundo de mentiras».
Atenção! A crise actual não é apenas económica; não é uma crise cultural. É uma crise do homem: o que está em
crise é o homem! E o que pode ser destruído é o homem! Mas o homem é a imagem de Deus! Por isso, é uma crise
profunda! Neste tempo de crise, não podemos preocupar-nos só com nós mesmos, fecharmo-nos na solidão, no
desânimo, numa sensação de impotência face aos problemas. Não se fechem, por favor! Isto é um perigo: fecharmo-
nos na paróquia, com os amigos, no movimento, com aqueles que pensam as mesmas coisas que eu… Sabeis o que
sucede? Quando a Igreja se fecha, adoece, fica doente. Imaginai um quarto fechado durante um ano; quando lá
entras, cheira a mofo e há muitas coisas que não estão bem. A uma Igreja fechada sucede o mesmo: é uma Igreja
doente. A Igreja deve sair de si mesma. Para onde? Para as periferias existenciais, sejam eles quais forem…, mas sair.
Jesus diz-nos: «Ide pelo mundo inteiro! Ide! Pregai! Dai testemunho do Evangelho!» (cf. Mc 16, 15). Entretanto que
acontece quando alguém sai de si mesmo? Pode suceder aquilo a que estão sujeitos quantos saem de casa e vão
pela estrada: um acidente. Mas eu digo-vos: Prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, caída num acidente, que uma
Igreja doente por fechamento! Ide para fora, saí! Pensai também nisto que diz o Apocalipse (é uma coisa linda!):
Jesus está à porta e chama, chama para entrar no nosso coração (cf. Ap 3, 20). Este é o sentido do Apocalipse. Mas
fazei a vós mesmos esta pergunta: Quantas vezes Jesus está dentro e bate à porta para sair, ir para fora, mas não O
deixamos sair, por causa das nossas seguranças, por estarmos muitas vezes fechados em estruturas caducas, que
servem apenas para nos tornar escravos, e não filhos de Deus que são livres? Nesta «saída», é importante ir ao
encontro de…; esta palavra, para mim, é muito importante: o encontro com os outros. Porquê? Porque a fé é um
encontro com Jesus, e nós devemos fazer o mesmo que Jesus: encontrar os outros. Vivemos numa cultura do
desencontro, uma cultura da fragmentação, uma cultura na qual o que não me serve deito fora, a cultura das
escórias. A propósito, convido-vos a pensar – e é parte da crise – nos idosos, que são a sabedoria de um povo, nas
crianças… a cultura das escórias. Nós, pelo contrário, devemos ir ao encontro e devemos criar, com a nossa fé, uma
«cultura do encontro», uma cultura da amizade, uma cultura onde encontramos irmãos, onde podemos conversar
mesmo com aqueles que pensam diversamente de nós, mesmo com quantos possuem outra crença, que não têm a
mesma fé. Todos têm algo em comum conosco: são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao encontro de todos,
sem negociar a nossa filiação eclesial.
Outro ponto importante são os pobres. Se sairmos de nós mesmos, encontramos a pobreza. Hoje… – dizê-lo faz doer
o coração – hoje encontrar um sem-teto morto de frio não é notícia. Hoje é notícia, talvez, um escândalo. Um
escândalo: ah, isso é notícia! Hoje pensar que muitas crianças não terão que comer não é notícia. Isto é grave; sim,
grave! Não podemos ficar tranquilos! Bem! As coisas estão assim. Não podemos tornar-nos cristãos engomados,
aqueles cristãos demasiado educados que falam de coisas teológicas enquanto tomam o chá, tranquilos. Isto não!
Devemos tornar-nos cristãos corajosos e ir à procura daqueles que são precisamente a carne de Cristo, aqueles que
são a carne de Cristo! Quando vou confessar – não aqui; aqui ainda não posso, porque sair para confessar… daqui
não se pode sair, mas isso é outro problema – quando, na diocese anterior, ia confessar, vinham as pessoas e eu
sempre lhes fazia esta pergunta: «Dá esmolas?» «Sim, padre!» «Muito bem!» Mas fazia-lhe mais duas: «Diga-me,
quando dá esmola, fixa nos olhos aquele ou aquela a quem dá a esmola?» «Bem, não sei, não me dou conta».
Segunda pergunta: «E quando dá esmola, toca a mão da pessoa a quem dá a esmola ou lança-lhe a moeda?» Este é
o problema: a carne de Cristo, tocar a carne de Cristo, assumir este sofrimento pelos pobres. A pobreza, para nós
cristãos, não é uma categoria sociológico, filosófica ou cultural. Não! É uma categoria teologal. Diria que esta é talvez
a primeira categoria, porque aquele Deus, o Filho de Deus, humilhou-se, fez-se pobre para caminhar connosco ao
longo da estrada. E esta é a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que nos trouxe o Filho de Deus
com a sua Encarnação. A Igreja pobre para os pobres começa pelo dirigir-se à carne de Cristo. Se nos fixarmos na
carne de Cristo, começamos a compreender qualquer coisa, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do
Senhor. E isso não é fácil! Mas aos cristãos apresenta-se-lhes um problema que não lhes faz bem: o espírito do
mundo, o espírito mundano, a mundanidade espiritual. Isto faz-nos sentir autônomos, viver o espírito do mundo, e
não o de Jesus.
Quanto à pergunta que me fazíeis: como se deve viver para enfrentar esta crise que toca a ética pública, o modelo
de desenvolvimento, a política? Pensar que esta é uma crise do homem, uma crise que destrói o homem, uma crise
que despoja o homem da ética. Na vida pública, na política, se não houver a ética, uma ética de referimento, tudo é
possível e tudo se pode fazer. E, quando lemos os jornais, vemos como a falta de ética na vida pública causa tanto
dano à humanidade inteira.
Gostaria de contar-vos uma história. Já o fiz duas vezes esta semana, mas farei uma terceira convosco. É a história
que narra um midrash bíblico de um rabino do século XII. Ao contar a história da construção da Torre de Babel, diz
ele que, para construir a Torre de Babel, era necessário fazer os tijolos. Que significa isto? Ir, empastar o barro,
trazer a palha, misturar tudo, e depois… forno. E quando o tijolo estava pronto tinha de ser carregado lá para cima,
para a construção da Torre de Babel. Enfim, o tijolo era um tesouro, considerando todo o trabalho que se requeria
para o fazer. Quando caía um tijolo, era uma tragédia nacional e o trabalhador culpado era punido; era tão precioso
um tijolo que, se caísse, era um drama. Mas, se caía um trabalhador, não sucedia nada; era um caso completamente
diverso. O mesmo sucede hoje: se os investimentos em bancos caem um pouco, é uma tragédia! Que havemos de
fazer? Mas, se as pessoas morrem de fome, se não têm que comer, se não têm saúde, isso não importa! Esta é a
nossa crise de hoje! E o testemunho de uma Igreja pobre para os pobres vai contra essa mentalidade.
A quarta pergunta: «Vendo estas situações, parece-me que a minha confissão, o meu testemunho seja tímido e
desajeitado. Gostaria de fazer mais, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar o seu sofrimento,
não tendo possibilidade de fazer nada, ou pelo menos muito pouco, para mudar o seu contexto político e social?»
Para anunciar o Evangelho, são necessárias duas virtudes: a coragem e a paciência. Eles estão na Igreja da paciência.
Eles sofrem e há mais mártires hoje do que nos primeiros séculos da Igreja. Sim, mais mártires! Irmãos e irmãs
nossos, que sofrem! Levam a fé até ao martírio. Mas o martírio nunca é uma derrota; o martírio é o grau mais alto do
testemunho que devemos dar. Nós estamos a caminho do martírio, de pequenos martírios: ao renunciar a isto, ao
fazer aquilo… vamos a caminho. E eles, coitados, dão a vida, mas dão-na – acabámos de ouvir a situação no
Paquistão – por amor de Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de mansidão,
de humildade; precisamente a atitude que têm eles, confiando em Jesus, confiando-se a Jesus. É preciso notar que,
muitas vezes, estes conflitos não têm uma origem religiosa; frequentemente há outras causas de tipo social e
político, e infelizmente as filiações religiosas acabam por ser utilizadas como gasolina sobre o fogo. Um cristão
sempre deve ser capaz de responder ao mal com o bem, ainda que muitas vezes seja difícil. A estes irmãos e irmãs,
procuremos fazer-lhes sentir que estamos profundamente unidos à sua situação, que sabemos que são cristãos
«entrados na paciência». Quando Jesus vai ao encontro da Paixão, entra na paciência. Eles entraram na paciência: há
que fazê-lo saber a eles, mas também fazê-lo saber ao Senhor. Deixai que vos faça uma pergunta: Rezais por estes
irmãos e estas irmãs? Rezais por eles, na oração de todos os dias? Eu não vou pedir agora que levantem a mão
aqueles que rezam. Não o pedirei… Mas tende-o bem em conta. Na oração de cada dia, digamos a Jesus: «Senhor,
olha este irmão, olha esta irmã que sofre tanto, tanto!» Eles fazem a experiência do limite, precisamente do limite
entre a vida e a morte. E esta experiência deve levar-nos também a promover a liberdade religiosa para todos, para
todos! Cada homem, cada mulher deve ser livre na sua própria confissão religiosa, seja ela qual for. Porquê? Porque
aquele homem e aquela mulher são filhos de Deus.
E, assim, creio ter respondido de algum modo às vossas perguntas. Peço desculpas se fui demasiado longo. Muito
obrigado! Obrigado a todos vós! E não esqueçais: não queremos uma Igreja fechada, mas uma Igreja que sai, que vai
às periferias da existência. Que o Senhor nos guie nelas! Obrigado!