Alternância de Gerações Sob Perspectiva Evolutiva
Alternância de Gerações Sob Perspectiva Evolutiva
Alternância de Gerações Sob Perspectiva Evolutiva
Gustavo Gollo
A expressão “alternância de gerações” tem sido usada para designar o ciclo de vida de seres que
apresentam formas multicelulares diferentes entre sua fase haploide e a diploide Iyer (2009). Tal uso
foi estabelecido com o propósito de enfatizar a continuidade entre criaturas diversas que em outro
caso seriam classificadas como espécies distintas. A retirada da exigência de multicelularidade na
aplicação dessa caracterização faria com que todos os eucariotas fossem englobados por ela, o que
aos olhos de botânicos e micologistas esvaziaria o conceito.
Sob o olhar de um evolucionista, no entanto, a generalização do conceito a todas as criaturas que
alternam seu ciclo de vida entre uma fase haploide e outra diploide, independentemente da
quantidade de células nelas presente, enfatizaria a relevância da competição acirradíssima que
ocorre entre esporos, em geral, durante a fecundação. A inexistência de um conceito que enfatize a
realidade da alternância entre seres haploides e diploides em todas as linhagens sexuais tem
minimizado a importância desse fenômeno tão marcante.
De fato, seres sexuais vivem uma vida dupla, uma delas sob a forma diploide, outra sob o modo
haploide. A importância de tal fato é extrema, embora camuflada em espécies complexas, como a
nossa, tanto pela discrepância do tempo de vida passado entre os dois modos, quanto pela diferença
entre tamanho e complexidade das criaturas em cada uma das fases.
Livres de tal camuflagem, seres unicelulares evidenciam sem qualquer pudor a equivalência entre
os dois modos de vida. Tais criaturas, no entanto, são tão negligenciadas quanto suas diferentes
formas de vida, de modo que seu testemunho é igualmente inaudível.
A alternância de gerações, no entanto — essa condição paradoxal tão poucas vezes explicitada —,
exige que os seres se adaptem a dois modos de vida radicalmente diferentes. Tal omissão tem
ocultado a constatação de que os genes são selecionados tão intensamente na fase haploide quanto
na outra, embora costumemos menosprezar a severa seleção a que se submetem os gametas. De
fato, aos olhos da seleção natural, as duas fases são equivalentes, mesmo que a complexidade dos
seres em questão difira tão radicalmente quanto a de um homem e de um espermatozoide.
A negligência de condição tão significativa tem condescendido com o pressuposto implícito, hoje
corrente, de que os genes se destinem, basicamente, a se manifestar na fase diploide, equívoco
decorrente de nossa atenção direcionada muito mais intensamente ao ser diploide que aos gametas
produzidos por ele. Dada a severíssima seleção a que são submetidos os esporos, no entanto, os
efeitos pleiotrópicos dos genes devem-se manifestar, muito provavelmente, igualmente nas duas
fases, embora pouquíssima atenção se costume dar às expressões dos genes na fase haploide —
como tudo o mais, nessa fase. A expectativa de que a complexidade, o tamanho e a duração do ser
diploide exijam uma quantidade de genes muito maior que a requerida pela criaturinha haploide é
enganosa. O direcionamento dos genes é guiado, muito mais, pela seleção natural, que pela
complexidade, ou tamanho, da criatura. Ao contrário de nós, a seleção natural não privilegia uma
das fases em detrimento da outra, atuando de maneira igualmente drástica em ambas as fases. Desse
modo, alterações de adaptabilidade dos gametas devem ser selecionadas tão intensamente quanto as
manifestadas durante a fase diploide. Insisto na importância de tal fato, apesar do menosprezo a que
tem sido relegado, e alerto que só costumamos encontrar aquilo que procuramos.
Referência:
Priya Iyer and Joan Roughgarden (2009) Alternation of haploid and diploid generations: evolution
by gamete amplification. Evolutionary Ecology Research, 11: 57–77.