Resenha - Misérias Do Processo Penal
Resenha - Misérias Do Processo Penal
Resenha - Misérias Do Processo Penal
Logo no prefácio temos uma possível revelação dos propósitos que motivaram
a escrita do livro: o interesse crescente do público pelo processo penal1, mas não um
interesse vigilante em prol dos direitos e garantias processuais, mas sim um interesse
macabro pelo sofrimento alheio, tal qual o interesse que tinham os romanos pelas
lutas nos coliseus. O que pretende o autor é desmistificar essas ilusões que
fabricamos a respeito das lides penais, que se transpõem do público externo para o
próprio interior dos tribunais, pois a verdade é que os grandes julgamentos penais são
hoje, ainda mais do que nos tempos de Carnelutti, negativamente influenciados pela
opinião pública2.
1 Confira-se, por exemplo, o seguinte trecho do livro: “a função judiciária está ameaçada pelos opostos
perigos da indiferença ou do clamor: indiferença pelos processos pequenos, clamor pelos célebres” (p.
16).
2 Tome-se como exemplo a superlotação do auditório no julgamento de Adriana Villela. Informações
disponíveis em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2019/10/01/interna_cidadesdf,793094/publi
co-lota-auditorio-no-julgamento-de-adriana-villela.shtml
Assim, em linguagem poética e de fácil compreensão, Carnelutti se propõe a
colaborar para uma compreensão mais realista e humanista acerca dos dramas dos
acusados e do papel dos defensores, dos juízes e do Ministério Público, instituições
que deveriam colaborar para a construção de uma civilização mais justa e harmônica,
mas que acabam colaborando para os antagonismos e contradições do sistema.
3 Na legislação brasileira estas prerrogativas constam de dois dispositivos: o inciso XI do art. 41 da Lei
nº 8.625/93 e o art. 18, I, “a”, da Lei nº 75/94.
4 Op. Cit. p. 32.
5 RMS 23919/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe de 11/09/2013.
penal haverá sempre a tentação inarredável de ser ele também parte, e é nisso que
consiste o drama imbatível do julgador. Aqui, o autor quebra mais uma das nossas
ilusões: a da justiça imparcial, pois não há nada de imparcial na justiça humana, “tudo
o que se pode fazer é buscar diminuir esta parcialidade”6.
Todavia, tudo deve ser feito para que se tente alcançar a imparcialidade do
magistrado, e o princípio do colegiado, conforme bem anota Carnelutti, contribui para
isso, porque aí o juiz deixa de emitir uma nota só para compor um acorde, o que exige
muito mais harmonia. Não obstante, talvez a contribuição mais profunda desse livro a
esse tema seja o de que o juiz, para ser superior às partes, precisa apequenar-se,
colocar-se no degrau mais baixo da escada antes de subi-la.
6 Op. Cit.p. 35
7 "Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo
razoável, decisão de mérito justa e efetiva." Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. BRASIL.
Torna-se o processo um espetáculo televisivo semelhante a um evento esportivo,
sobre o qual lançam-se previsões, opiniões, críticas e, o que é pior, pré-julgamentos.
Perante o tribunal da opinião pública, condena-se ou absolve-se antecipadamente o
acusado sem que se tenha o direito ao contraditório ou à resposta, não se tem
recursos e não importa a sentença final, pois o dano à imagem do réu não se repara.
8 Para ficar apenas em alguns exemplos: HC 152.752, HC 126.292, HC 84.078 e ADCs 43, 44 E 54.
9 Em entrevista à Rede Record, o autor do livro Richthofen, Roger Franchiniesc, afirma que Suzane
Richthofen jamais poderá levar uma vida normal fora da prisão. Disponível em:
https://noticias.r7.com/sao-paulo/videos/ela-nao-tem-direito-ao-esquecimento-diz-escritor-sobre-
futuro-de-suzane-von-richthofen-15102015 .
insuficiente, ainda que necessário, pois os seus mecanismos, ainda que funcionando
de acordo com a lei, produzem contradições.
Conclui-se, portanto, que o livro “Misérias do Processo Penal”, ainda que pelo
seu título indique o direcionamento aos juristas, foi escrito para todos, não tem público
específico, porque é um livro que quebra as nossas ilusões acerca do processo, e se
trata, ao fim e ao cabo, de uma obra sobre a civilização.
10
Op. Cit. P. 52.