O Juiz No P Civil Brasileiro
O Juiz No P Civil Brasileiro
O Juiz No P Civil Brasileiro
* Publicado originalmente na Revista Dialética de Direito Processual n.º 59 (São Paulo, Brasil).
1 Cf. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Julgamento e ónus da prova”. In: Temas de Direito Pro-
cessual: Segunda Série. São Paulo: Saraiva, 1980. pp. 73-82 (o entendimento foi reiterado em
inúmeros trabalhos posteriores do autor); BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes ins-
trutórios do juiz. 2. ed. São Paulo: RT, 1994; GOMES, Sergio Alves. Os poderes do juiz na dire-
ção e instrução do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995; MATTOS, Sérgio Luís Wet-
zel de. Da iniciativa Probatória do juiz no Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001;
PUOLI, José Carlos Baptista. Os Poderes do Juiz e as Reformas do Processo Civil. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2002. Evidentemente, isto não significa que não existam divergências
entre as posições de cada um destes (e de outros) autores.
2 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. “Iniciativas probatórias del juez y bases prejurídicas de la estructura
del proceso”. In: La oralidad y las pruebas en el proceso civil. Buenos Aires: EJEA, 1972.
pp. 111-135; MORELLO, Augusto M. La Prueba: Tendencias Modernas. 2. ed. La Plata: Libre-
ria Editora Platense, 2001. pp. 185-202.
3 Cf. LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Direito Processual Civil Brasileiro. v. I. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1959. pp. 211-212; SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de
Direito Processual Civil. v. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 77; SENTIS MELENDO, San-
tiago. “Prejuzgamiento”. In: Estúdios de Derecho Procesal. t. I. Buenos Aires: EJEA, 1967.
p. 259.
4 É o caso de indagar se este não seria o único e verdadeiro objetivo. Pois, se fosse a busca
da verdade (cf. item 3), não deveria o julgador também suprir eventuais falhas da parte mais
forte (v. g., do fornecedor que litiga com o consumidor), que pode ter razão? Até hoje,
porém, não vimos ninguém defender tal possibilidade, muito menos colocá-la em prática.
5 “Descuidos eventuais dos advogados não devem mais ser decisivos na solução final da con-
trovérsia. A vitória não deve ser fruto de pequenas falhas na atividade do adversário, mas
sim da existência do direito ao lado do vencedor” (BARBI, Celso Agrícola. “Os poderes do juiz
e a reforma do Código de Processo Civil”. São Paulo, Revista de Direito Processual Civil, v. 6,
jul./dez. 1962, p. 162). Faltou o ilustre autor esclarecer quando uma “falha” é ou não “pequena”
e como saber quem tem ou não razão antes de proferido o julgamento final, pois do contrá-
rio corre-se o risco de beneficiar justamente a parte que não tem razão. Ademais, o autor e
aqueles que compartilham de tal opinião aparentemente não se dão conta ou menosprezam
o efeito nefasto que esta atitude produz sobre a imparcialidade do juiz e o exercício da Advo-
cacia. A relevação deliberada e sistemática da negligência e imperícia de maus profissionais
(na realidade, não de todos eles, apenas os que defendem a parte mais “fraca”), sob o pre-
texto de não prejudicar seus constituintes, compromete a imparcialidade do juiz: “Também cons-
titui garantia irrenunciável para a imparcialidade e justiça das decisões colocar-se o juiz supra
partes, ao invés de se atribuir funções de tutela do litigante que ele, certa ou erradamente,
julgue pior defendido: semelhante procedimento, de índole paternal, afasta o juiz de sua fun-
ção e pode rebaixá-lo inconscientemente da categoria de ministro imparcial da justiça à de
modesto mediador” (CHRISTOFOLINI, Giovanni. “Poderes da parte e poderes do juiz: instrução
do processo”. In: Processo Oral. Rio de Janeiro: Forense, 1940. p. 180). “O paternalismo judi-
cial entra em conflito com a idéia de imparcialidade e equidistância” (LOPES, Maria Elizabeth
de Castro. O Juiz e o Princípio Dispositivo. São Paulo: RT, 2006. p. 116). Além disso, nivela
por baixo os advogados, como ressaltou o advogado e ex-juiz argentino Adolfo Alvarado Vel-
loso: “De nada vale ser buen abogado para estos jueces justicieros que, en lo que creen su
augusta misión, igualan hacia abajo. Por isto mismo es que el joven abogado no se prepara
adecuadamente: no sólo no le sirve — pues así es como logra la ayuda del juez — sino que,
tragicómicamente, el estúdio conspira contra sus proprios intereses: cuando sea un letrado reco-
nocido y capaz de abogar como Dios manda, el juez tomará partido seguro por el adversa-
rio joven e inexperto, ignorante y chapucero. ¿Se advierte como y cuánto se iguala hacia abajo
y, a la postre, se perjudica a todo el sistema de Justicia?” (“La imparcialidad judicial y el sis-
tema inquisitivo de juzgamiento”. In: MONTERO AROCA, Juan (Coord.). Proceso Civil y Ideolo-
gia. Valencia: Tirant lo blanch, 2006. p. 230).
6 A expressão “iniciativa probatória”, embora compreendida no conceito de “poderes instrutórios”,
de maior abrangência (cf. MIRANDA, Vicente. Poderes do juiz no processo civil brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 1993. pp. 208-209), parece ser considerada pela doutrina dominante o seu ele-
mento mais importante.
7 Ainda que correndo o risco de provocar polêmicas, que podem tanto favorecer quanto preju-
dicar o estudo do tema (em que pese o propósito não seja afirmar que esta ou aquela ideo-
logia é melhor, mas verificar qual se encontra subjacente ao nosso sistema processual).
8 Cf. “Iniciativas probatórias del juez y bases prejurídicas de la estructura del proceso”. In: La
oralidad y las pruebas en el proceso civil. Buenos Aires: EJEA, 1972. pp. 130-131.
9 Cf. “Poderes probatórios de las partes y del juez en Europa”. Ius et Praxis, v. 12, n. 2, 2006,
pp. 95-122. Disponível em: http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-
00122006000200005&Ing=es&nrm=iso. Acesso em: 10 ago. 2007.
10 Cf. BARBOSA MOREIRA, José Carlos“Correntes e contracorrentes no processo civil contemporâneo”.
In: Temas de Direito Processual Civil: Nona Série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 65.
11 Cf. “Os poderes do juiz e a reforma do Código de Processo Civil”. São Paulo, Revista de Direito
Processual Civil, v. 6, jul./dez. 1962, pp. 157-158.
12 O autor ressalva que tais princípios não podem implicar “quebra do mais importante dogma
relativo ao juiz, que é o de assegurar sua imparcialidade”, mas aí a questão já é outra: os limi-
tes da validade constitucional do princípio.
13 Cf. “Fondamento del principio dispositivo”. In: Problemi del processo civile. Napoli: Morano,
1962. p. 6.
14 Segundo Moacyr Amaral Santos foi este o caso da reforma processual que deu origem ao
Código de Processo Civil de 1939, na qual o legislador tudo fez, sem dissimulação, para
extrair dos fatores técnicos “princípios consorciáveis com a orientação autoritária do regime ins-
tituído” (“Contra o processo autoritário”. São Paulo, Revista de Direito Processual, v. 1,
jan./jun. 1960, p. 32).
15 Cf. ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. “Liberalismo y autoritarismo en el proceso civil”. In: Estudios
de Teoria General e Historia del Proceso (1945-1972). t. II. México: UNAM, 1974. p. 260; MENDONÇA,
Luís Correia de. Cf. “Vírus autoritário e processo civil”. Coimbra, Julgar, n. 1, jan./abr. 2007, p. 78.
16 Cf. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “O neoprivatismo no processo civil”. In: Temas de Direito
Processual Civil: Nona Série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 89.
17 Entendimento em relação ao qual já manifestamos nossa discordância. Cf. YOSHIKAWA,
Eduardo Henrique de Oliveira. “O público e o privado no processo civil: perplexidades diante
do novo artigo 745-A do Código de Processo Civil”. São Paulo, Revista Dialética de Direito Pro-
cessual, n. 52, jul. 2007, pp. 71-89.
18 No mesmo sentido afirmou Angelo Pieri Sereni que o predomínio do poder de iniciativa e
disposição das partes no processo civil norte-americano decorre da concepção lá existente a
respeito da função do processo e do juiz. Cf. El Proceso Civil en los Estados Unidos. Tra-
dução de Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1958. pp. 11-12. E esta concepção,
como procuramos sustentar no artigo acima citado, e ficará claro no item 5 do presente tra-
balho, decorre do direito material envolvido. Donde se conclui que a lei não cria tipos de juí-
zes (espectador, diretor, ditador), mas sim tipos de processos. Cf. SENTIS MELENDO, San-
tiago. “Iniciativa probatória del juez”. In: Estudios de Derecho Procesal. t. I. Buenos Aires: EJEA,
1967. p. 615. Imaginar o contrário é inverter a ordem natural das coisas.
25 Cf. “Los sistemas procesales”. In: Oscar A. Zorzoli e Adolfo Alvarado Velloso (Coords). El
debido proceso. Buenos Aires: Ediar, 2006. pp. 85-86. A opinião parece ser compartilhada
por Girolamo Monteleone. Cf. Compendio di Diritto Processuale Civile. Padova: CEDAM,
2001. p. 132.
26 Cf. BARBI, Celso Agrícola. “Os poderes do juiz e a reforma do Código de Processo Civil”.
São Paulo, Revista de Direito Processual Civil, v. 6, jul./dez. 1962, p. 168.
27 Vício de que também padece a tese da “relativização” da coisa julgada, mormente sob a ale-
gação de que o instituto não pode ser óbice à “busca da verdade” e à “realização da justiça”,
dos com a verdade e a justiça e aqueles que não se importam com estes valo-
res28, divisão que não corresponde à realidade.
Em primeiro lugar, carece de comprovação na prática a tese de que a
participação ativa do juiz na busca da verdade resulta em uma justiça “mais
justa”:
como apontou José Ignácio Botelho de Mesquita. Cf. “Teste de DNA versus autoridade da
coisa julgada”. São Paulo, Revista do IASP, n. 19, jan./jun. 2007, p. 343.
28 A acusação é feita, por exemplo, por Michele Taruffo. Cf. “Poderes probatórios de las partes y
del juez en Europa”. Ius et Praxis, v. 12, n. 2, 2006, pp. 95-122. Disponível em: http://www.scielo.cl/
/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-00122006000200005&Ing=es&nrm=iso. Acesso em:
10 ago. 2007. O autor chega mesmo a afirmar que se a verdade não importa, o desfecho
poderia ser obtido recorrendo-se às ordálias ou ao “cara-ou-coroa”, simplificação absurda da
questão que ora se debate.
29 Cf. MONTELEONE, Girolamo. “El actual debate sobre las ‘orientaciones publicísticas’ del proceso
civil”. In: Oscar A. Zorzoli e Adolfo Alvarado Velloso (Coords). El debido proceso. Buenos Aires:
Ediar, 2006. pp. 230-232. No mesmo sentido: GRECO, Leonardo. “A Prova no Processo Civil:
do Código de 1973 ao Novo Código Civil”. In: COSTA, Hélio Rubens Batista Ribeiro et alii. Linhas
Mestras do Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2004. p. 404. Há uma conhecida frase de Cala-
mandrei que parece sugerir o contrário: “Concordariam os ingleses em trocar sua boa justiça
pelo alto desenvolvimento científico dos italianos?”.
30 Cf. Due process and fair procedures. Oxford: Clarendon Press, 1996. p. 23. As comparações
entre o adversary system e outros modelos de processo (especialmente o processo dos países
da Europa continental) normalmente confrontam a realidade de um com uma visão idealizada
do outro. Cf. HAZARD, JR., Geoffrey C. e TARUFFO, Michelle. American Civil Procedure: An Intro-
duction. New Haven: Yale University Press, 1993. pp. 101-104 (os autores enumeram os aspec-
tos positivos do advesary system ou, mais propriamente, procuram demonstrar que a maior
parte dos defeitos que lhe são imputados encontram-se presentes também em outros modelos).
31 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. III. São Paulo:
Malheiros, 2001. p. 103.
32 Cf. MONTELEONE, Girolamo. Compendio di Diritto Processuale Civile. Padova: CEDAM, 2001. p. 131.
33 Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
pp. 136-138.
34 Cf. BUZAID, Alfredo. “Do ónus da prova”. São Paulo, Revista de Direito Processual Civil, v. 4,
jul./dez. 1961, p. 18; “Falar de verdade no processo civil é qualquer coisa de ingênuo (ou exac-
tamente o oposto). Não há verdade, apenas aproximações da realidade, reconstruções mais
ou menos fidedignas do que aconteceu” (GOUVEIA, Mariana França. “Os poderes do juiz cível
na acção declarativa: Em defesa de um processo civil a serviço do cidadão”. Coimbra, Julgar,
n. 1, jan./abr. 2007, p. 62); “De esta manera en el proceso no se persigue la ‘verdad verda-
dera’ a toda costa, sino algo más humilde pero más real como es la ‘verdad legal’, la que es
posible obtener en el proceso, y con las garantias proprias del mismo” (MONTERO AROCA,
Juan. “El proceso civil llamado ‘social’ como instrumento de ‘justicia’ autoritária”. In: MONTERO
AROCA, Juan (Coord.). Proceso Civil y Ideologia. Valencia: Tirant lo blanch, 2006. p. 163).
35 Cf. LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Direito Processual Civil Brasileiro. v. III. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1959. p. 69.
36 “O que legitima a decisão jurisdicional ou a coisa julgada é a devida participação das partes
e do juiz, ou melhor, as próprias regras que criam as balizas para a construção da verdade
material” (MARINONI, Luiz Guilherme. A questão do convencimento judicial. Disponível em:
http://www.professormarinoni.com.br/principal/pub/anexos/2007081011272406.pdf. Acesso em:
10 out. 2007) — grifamos. O processualista argentino Augusto Mario Morello, defensor da ini-
ciativa probatória do juiz, reconhece que a necessidade de compatibilização do “princípio da
verdade” com outros princípios (como o dispositivo) “es la posición más coherente con los fun-
damentos y presupuestos ideológicos de nuestro sistema procesal” (La Prueba: Tendencias
Modernas. 2. ed. La Plata: Libreria Editora Platense, 2001. p. 41), afirmação que reputamos
válida também em relação ao Brasil.
37 Talvez o paradigma seja alterado no século XXI, podendo ser apontada como representativa
desta possível nova tendência a nova Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola (2000), que em
sua exposição de motivos assim se manifesta: “La Ley considera improcedente llevar a cabo
Isto, porém, ainda não é o suficiente. Não basta vedar ao juiz a inicia-
tiva probatória e depois permitir que ele supra as deficiências ou omissões de
nada de cuanto se hubiera podido proponer y no se hubiere propuesto (por las partes) así como
cualquier actividad del tribunal que, con merma de la igualitaria contienda entre las partes, supla
su falta de diligencia y cuidado”.
38 “Combinar correctamente en la práctica estos dos principios, es fundamental” (SENTIS MELENDO,
Santiago. “Iniciativa probatoria del juez”. In: Estúdios de Derecho Procesal. t. I. Buenos Aires:
EJEA, 1967. p. 617).
39 Seria muito fácil, embora claramente ilegal, resolver o conflito mandando ao limbo (se o limbo
ainda existisse!) o ónus da prova, como defende Marcelo Abelha Rodrigues, ao afirmar que
“a prova não é regida por “ónus”, e, por isso, qualquer regra processual que assim a consi-
dere é, no mínimo, ilegítima, devendo ser completamente banida do sistema a vergonhosa regra
de julgamento diante do non liquet” (Elementos de Direito Processual Civil. v. 1. São Paulo:
RT, 2003. p. 300). A posição é absolutamente coerente com uma visão exacerbada do cará-
ter público do processo. Porem não foi essa a concepção albergada por nosso direito posi-
tivo. O art. 130 não é “uma ‘regra de ouro’ com força para apagar do Código as regras
sobre o ónus da prova” (LOPES, Maria Elizabeth de Castro. O Juiz e o Princípio Dispositivo.
São Paulo: RT, 2006. p. 90).
40 Cf. LOPES, Maria Elizabeth de Castro. “Ativismo judicial e ónus da prova no processo civil”. São
Paulo, Revista do IASP, n. 19, jan./jun. 2007, p. 225.
41 Cf. SENTIS MELENDO, Santiago. “Prejuzgamiento”. In: Estudios de Derecho Procesal. t. I. Bue-
nos Aires: EJEA, 1967. p. 262.
42 A idéia de que as partes colaboram com o juiz para obter a justa composição da lide e não
a vitória tem algo de ingénuo, como ressaltou o magistrado português Luís Correia de
Mendonça. O processo não é “um alegre passeio de jardim que as partes dão de mãos
dadas, na companhia do juiz” (“Vírus autoritário e processo civil”. Coimbra, Julgar, n. 1,
jan./abr. 2007, p. 90).
43 Cf. FORNACIARI, Fernando Hellmeister Clito. Ónus da Prova no Processo Civil. (Dissertação
de Mestrado). São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2005.
p. 79.
44 Cf. BUZAID, Alfredo. “Do ónus da prova”. São Paulo, Revista de Direito Processual Civil, v. 4,
jul./dez. 1961, p. 19 (entendimento que remonta a Chiovenda). A referência é ao aspecto sub-
jetivo do ónus da prova (advertência às partes das consequências negativas da falta de prova
e estímulo à participação da instrução probatória). O aspecto objetivo, isto é, o ónus da
prova como regra de julgamento, sempre se faz presente, ainda que o processo seja do tipo
inquisitivo. Cf. MICHELI, Gian Antonio. La carga de la prueba. Tradução de Santiago Sentis
Melendo. Bogotá: Temis, 2004. p. 223; JAUERNIG, Othmar. Direito Processual Civil. 25. ed., total-
mente refundida, da obra de Friedrich Lent. Coimbra: Almedina, 2002. p. 272. Esta circuns-
tância, aliás, é invocada pelos partidários de uma ampla iniciativa probatória do juiz para
refutar a oposição entre iniciativa probatória e ónus da prova.
45 Cf. “Perención de instancia y carga procesal”. In: Estudios de Derecho Procesal. t. I. Buenos
Aires: EJEA, 1967. p. 352. A posição de Barbosa Moreira, no sentido de que o ónus subje-
tivo é apenas atenuado, parte de um pressuposto diferente: o de que o juiz tem a faculdade
e não o dever de proceder à colheita de provas. Cf. “Julgamento e ónus da prova”. In: Temas
de Direito Processual: Segunda Série. São Paulo: Saraiva, 1980. pp. 78-79. A afirmação, porém,
equivale a reconhecer que a atividade do juiz é discricionária e no final enseja uma contra-
dição com a concepção publicística do processo: como pode o juiz ter a faculdade e não a
obrigação de buscar a verdade?
46 Cf. LOPES, João Batista. “Iniciativas probatórias do juiz e os arts. 130 e 333 do CPC”. São Paulo,
Revista dos Tribunais, n. 716, jun. 1995, p. 44.
47 É o que dispõe o Código de Processo Civil Francês, segundo noticia Jolowicz, que apesar de
conceder ao juiz “poderes consideráveis para atuar por sua própria iniciativa na coleta de
informações”, “estabele que uma mesure d’instruction não pode ser ordenada com o fim de
suprir a falha da parte em cumprir seu dever quanto à produção de provas” (“Justiça subs-
tantiva e processual no processo civil: uma avaliação do processo civil”. São Paulo, Revista
de Processo, n. 135, mai. 2006, p. 170).
48 Cf. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “As bases do direito processual civil”. In: Temas de
Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 11.
49 A doutrina dominante age como se todos os possíveis poderes do juiz (v. g., de instrução,
de controle dos pressupostos processuais e condições da ação, de repressão à má-fé pro-
cessual, etc.), estivessem necessariamente vinculados. Ou se aceita a presença de todos
eles ou a todos se renuncia, acenando-se, nesta última hipótese, com a figura do “juiz fan-
toche”, verdadeiro espantalho com o qual se procura afugentar as pessoas na direção con-
trária… Recusamo-nos, porém, a aceitar este tipo de “venda casada”. “Una cosa es
aumentar los poderes del juez respecto del proceso mismo (en su regularidad formal, en el
control de los presupuestos procesales, en el impulso, por ejemplo) y otra aumentarlas con
relación al contenido del proceso y de modo que pueda llegarse a influir en el contenido de
la sentencia” (MONTERO AROCA, Juan. Proceso (civil y penal) y Garantia. Valencia: Tirant lo
blanch, 2006. p. 73).
50 Cf. WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de e TALAMINI, Eduardo. Curso
Avançado de Processo Civil. v. 1. 8. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 167.
51 Cf. MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1962. pp. 289-290.
52 Cf. MENDONÇA, Luís Correia de. “Vírus autoritário e processo civil”. Coimbra, Julgar, n. 1,
jan./abr. 2007, p. 91.
53 “A história chega ao tribunal, que a desconhece em absoluto, já muito trabalhada” (GOUVEIA,
Mariana França. “Os poderes do juiz cível na acção declarativa: Em defesa de um processo civil
a serviço do cidadão”. Coimbra, Julgar, n. 1, jan./abr. 2007, p. 61). “Cada parte tem a sua [ver-
dade], e o juiz, para proferir decisão, elabora a própria — que pode ser a versão inteira ou par-
cial de uma das partes” (MARINONI, Luiz Guilherme. A questão do convencimento judicial. Disponível
reram, mas tal como foram alegados por cada uma das partes. Tanto o autor
como o réu trazem para o processo um “recorte” dos fatos53 (ainda que acre-
ditem sinceramente que a “verdade” e a “justiça” estão do seu lado), por assim
dizer, tendo em vista os seus objetivos (acolhimento ou rejeição do pedido)54.
A iniciativa probatória do juiz, assim, “no puede sino tener la finalidad de dar o
negar fundamento de hecho a las demandas, excepciones o defensas pro-
puestas por alguna de las partes”55.
Como é intuitivo e revela a experiência forense, embora não haja óbice
legal a que o autor peça a produção de prova para demonstrar que o fato extin-
tivo, impeditivo ou modificativo alegado pelo réu não existe, e vice-versa (por
parte do réu, quanto ao fato constitutivo alegado pelo autor), na prática isto não
ocorre56, vez que não há interesse em adotar semelhante conduta57, pois a não
realização da prova já favorece o litigante, por força do ónus da prova imposto ao
adversário58. Mesmo não sendo possível prever qual será o resultado da prova
(se o fato será ou não provado59), é evidente que a sua realização somente
representa um benefício potencial para o litigante que tem o ónus da prova60.
61 Cf. RIBEIRO, Débora de Oliveira. Inversão do Ónus da Prova no Código de Defesa do Con-
sumidor (Dissertação de Mestrado). São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, 2005. p. 17.
62 “Além do mais, só um observador clarividente ou talvez omnisciente seria capaz de determi-
nar os casos em que realmente o resultado do processo teria sido outro, não foram as con-
dutas que efetivamente tiveram as partes no seu curso (especialmente no processo de conhe-
cimento)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 9. ed. São Paulo:
Malheiros, 2001. p. 205).
63 A alusão é tanto frequente quanto incorreta. Não é preciso ser especialista nas escrituras
(se fosse esse o caso não nos aventuraríamos a escrever esta nota de rodapé) para saber que
o episódio em que Pilatos “lava as mãos” nada tem a ver com prova ou iniciativa instrutória do
juiz. A Pilatos não faltava certeza, pois estava convencido da inocência de Jesus (Lucas 23:4,
23:14, 23:15 e 23:22; João 18:38, 19:4, 19:6). Faltava integridade de caráter para julgar de
acordo com a sua consciência. Pilatos foi pusilânime porque abriu mão do dever de decidir,
delegando sua atribuição à massa sedenta de sangue (excelente exemplo dos perigos da
demagogia judicial). Julgar (e não investigar) é a atividade inseparável da figura do juiz.
64 “Toca às partes propor as provas que julguem oportunas. O magistrado julga sobre as pro-
vas produzidas: tanto pior para as partes se forem insuficientes” (CHIOVENDA, Giuseppe. Ins-
tituições de Direito Processual Civil. v. II. 2. ed. Tradução de J. Guimarães Menegale e notas
de Enrico Tullio Liebman. São Paulo: Saraiva, 1965. p. 349).
65 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 9. ed. São Paulo: Malheiros,
2001. p. 250. Isto é tanto mais necessário se considerarmos a enorme quantidade de proces-
sos que cada juiz tem para julgar em nosso país. O estereótipo do juiz instrutor (diretor “mate-
rial” do processo) poderia ser compatível com a Áustria do final do século XIX, mas não com o
Brasil do século XXI. A carga de trabalho não o permite. Em um cenário em que todos os juí-
zes têm “una montaña de trabajo atrasado” (como é o caso do Brasil e a maioria dos países, pelo
que temos notícia), aumentar os poderes do julgador e dele fazer depender a marcha do processo,
pode ser deixá-lo sob a condução de um fantasma, cuja presença (ou seria ausência?) é sen-
tida durante os longos períodos em que as partes aguardam as decisões e audiências. Cf. CIPRIANI,
Franco. “El proceso civil entre libertad y autoridad (el reglamento de Klein)”. In: Oscar A. Zor-
zoli e Adolfo Alvarado Velloso (Coords). El debido proceso. Buenos Aires: Ediar, 2006. p. 172. Em
termos semelhantes, defendendo o que chamou de “visão mais simples e realista” da regra de
aportação de provas pelas partes, assim se manifestou Alcalá-Zamora y Castillo: “Además, si juz-
gador y tribunales se hallan por doquiera recargados de trabajo, calcúlese la situación si todavia
tuviesen que cuidasse de la búsqueda de la prueba. Es, pues, una consideración utilitaria, reco-
mendada por la experiencia y por la economia, la que justifica que respecto de ella predomine
el principio dispositivo sobre el de oficialidad” (ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. “Autoridad y liber-
dad en el proceso civil”. In: Estudios de Teoria General e Historia del Proceso (1945-1972). t. II.
México: UNAM, 1974. p. 239). Em obra recente, a mesma visão, lúcida e realista, foi defendida
por Maria Elizabeth de Castro Lopes. Cf. O Juiz e o Princípio Dispositivo. São Paulo: RT, 2006.
pp. 115-116. Aliás, se, como afirmou Taruffo, no direito francês os juízes raramente se valem de
seus poderes instrutórios (de natureza discricionária), provavelmente por serem supérfluos, pois
as partes, como em qualquer sistema, são ativas em trazer ao processo as partes que lhes inte-
ressam (“Poderes probatórios de las partes y del juez en Europa”. Ius et Praxis, v. 12, n. 2, 2006,
pp. 95-122. Disponível em: http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-
00122006000200005&Ing=es&nrm=iso. Acesso em: 10 ago. 2007), fica a pergunta: por quê,
então, a insistência em atribuir iniciativa instrutória ao juiz? “A tão decantada tese de que o juiz
deve determinar prova de ofício deve ser vista como uma idéia simplista e ingênua caso tenha
a pretensão de se constituir em uma alternativa ao julgamento baseado na regra do ónus da
prova” (MARINONI, Luiz Guilherme. A questão do convencimento judicial. Disponível em:
http://www.professormarinoni.com.br/principal/pub/anexos/2007081011272406.pdf. Acesso em:
10 out. 2007).
66 É sumamente injusto, pois, imputar ao juiz qualquer responsabilidade pelo resultado do pro-
cesso em tal situação. A inércia decorreu da parte e as suas consequências são impostas
pela lei, que em caso de falta de prova julga o mérito no lugar do juiz.
67 Como já visto, iniciativa probatória não se confunde com atividade probatória, conceito mais
amplo, que inclui a possibilidade de obter esclarecimentos sobre as provas já produzidas,
bem como de indeferir as provas inúteis ou meramente protelatórias.
68 Ou, mais propriamente, arbítrio, porquanto a possibilidade de controle da decisão por meio de
recurso não passa da possibilidade de substituição do arbítrio do órgão a quo pelo arbítrio do
órgão ad quem.
69 Cf. LOPES, Maria Elizabeth de Castro. “Ativismo judicial e ónus da prova no processo civil”. São
Paulo, Revista do IASP, n. 19, jan./jun. 2007, p. 223. A tese é incompatível, como se verá
a seguir, com a exigência constitucional (enquanto componente do devido processo legal)
de imparcialidade do juiz.
70 Cf. LOPES, Maria Elizabeth de Castro. “Ativismo judicial e ónus da prova no processo civil”. São
Paulo, Revista do IASP, n. 19, jan./jun. 2007, p. 223; MIRANDA, Vicente. Poderes do juiz no pro-
cesso civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 217; WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flá-
vio Renato Correia de e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. v. 1. 8. ed. São
Paulo: RT, 2006. p. 399.
71 Cf. Buzaid, Alfredo. “Do ónus da prova”. São Paulo, Revista de Direito Processual Civil, v. 4,
jul./dez. 1961, pp. 6-7.
77 O processo é sempre público, ainda que o seu objeto não o seja. Cf. SENTIS MELENDO, San-
tiago. “El juez y el hecho”. In: Estudios de Derecho Procesal. t. I. Buenos Aires: EJEA, 1967.
p. 381.
78 Cf. SENTIS MELENDO, Santiago. “Iniciativa probatória del juez”. In: Estudios de Derecho Pro-
cesal. t. I. Buenos Aires: EJEA, 1967. p. 618.
79 Cf. Fundamentos Del Derecho Procesal Civil. 4. ed. Montevideo: BdeF, 2005. pp. 153-155.
80 Não concordamos, pois, com a afirmação de Kemmerich no sentido de que “no processo civil
brasileiro, a Verhandlungsmaxime foi afastada sem qualquer ressalva quanto à natureza dos inte-
resses discutidos” (As faces do princípio dispositivo. Disponível em: www.saraivajur.com.br.
Acesso em: 10 out. 2007). A limitação, ainda que não expressa, decorre do sistema adotado
pelo CPC.
81 Cf. MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1962. p. 293.
82 Não se nega que a influência do direito material (i.e., do seu caráter disponível ou não) não
seja a mesma em todos os atos e fases do processo. Na realidade, a intensidade dessa pro-
jeção tende a perder intensidade naturalmente (como a luz, à medida que se afasta da sua
fonte produtora) ao longo da cadeia de ónus processuais (de pedir, de alegar etc.). É isto o
que explica, em nossa opinião, porque mesmo diante de interesses indisponíveis não existe,
como regra, o chamado recurso de ofício, prevalecendo o ónus de recorrer. Do exposto se
pode concluir que não afirmamos ser impossível a atribuição ao juiz do poder-dever de bus-
car a verdade em litígios envolvendo direitos disponíveis, independentemente e até mesmo con-
tra a vontade das partes, de modo a eliminar completamente o aspecto subjetivo do ónus da
prova. Como defendemos em outra oportunidade, trata-se de questão a ser resolvida pelo legis-
lador, “segundo critérios de conveniência e oportunidade” (“O público e o privado no pro-
cesso civil: perplexidades diante do novo artigo 745-A do Código de Processo Civil”. São Paulo,
Revista Dialética de Direito Processual, n. 52, jul. 2007, p. 80). O que afirmamos no presente
estudo é que não foi esta a solução adotada pelo legislador brasileiro em 1973.
83 Cf. K EMMERICH , Clóvis Juarez. As faces do princípio dispositivo. Disponível em:
www.saraivajur.com.br. Acesso em: 10 out. 2007.
84 Cf. “Fondamento del principio dispositivo”. In: Problemi del processo civile. Napoli: Morano,
1962. p. 4.
85 Cf. KEMMERICH, Clóvis Juarez. As faces do princípio dispositivo. Disponível em: www.sarai-
vajur.com.br. Acesso em: 10 out. 2007.
86 O que mostra que o Estado brasileiro não é tão “social” como imaginam alguns autores (ou
como eles gostariam que fosse), pois do contrário a indisponibilidade deveria ser a regra e não
a exceção. E é bom que assim seja, posto que o modelo “social” já apresenta em todo o
mundo inequívocos e inescondíveis sinais de decadência. O pêndulo da história movimenta-se
em sentido inverso, ainda que desse fenômeno muitos prefiram não se dar conta.
87 Cf. MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1962. p. 287.
88 O interesse não deixa de pertencer ao seu titular. Ao interesse individual soma-se o inte-
resse público. Cf. SANSEVERINO, Milton. “O Ministério Público e o interesse público no processo
civil”. São Paulo, Revista de Processo, n. 9, jan./mar. 1978, p. 93.
89 “Ao Estado compete a seleção dos interesses coletivos e individuais que devam prevalecer na
sociedade” (MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A Intervenção do Ministério Público no Pro-
cesso Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 45).
90 O dever do juiz de investigar os fatos, precisamente por ser dever, continua a existir (de
direito) mesmo que o processo conte com a participação do Ministério Público, ainda que na
prática possa revelar-se desnecessário, diante da atuação ministerial. Neste sentido, o processo
continua a ser inquisitivo, ainda que a participação do Ministério Público represente um afas-
tamento do modelo tradicional de inquisitoriedade, como ressaltou Liebman. Cf. “Fondamento
del principio dispositivo”. In: Problemi del processo civile. Napoli: Morano, 1962. pp. 9-10.
91 Cf. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A Intervenção do Ministério Público no Processo Civil
Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 46. Razão pela qual a defesa coletiva de
direitos individuais homogêneos pelo Parquet afronta a Constituição. Não há “alquimia” capaz
de transformar direitos disponíveis em indisponíveis apenas pela sua aglutinação decorrente
de uma origem comum. Por óbvio que uma “aglomeração” de direitos tem maior relevância
social (todo direito a tem, pois o Direito é sempre “social”), mas não há que se confundir
relevância social com indisponibilidade.
92 Cf. “A Prova no Processo Civil: do Código de 1973 ao Novo Código Civil”. In: COSTA, Hélio
Rubens Batista Ribeiro et alii. Linhas Mestras do Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2004.
p. 404. No mesmo sentido, afirma José Carlos Baptista Puoli que o grau da atuação do juiz
“irá, para não dizer deverá, variar conforme o grau de disponibilidade do interesse” (Os Pode-
res do Juiz e as Reformas do Processo Civil. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 27). Em
sentido contrário: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “O processo civil contemporâneo: um enfo-
que comparativo”. In: Temas de Direito Processual Civil: Nona Série. São Paulo: Saraiva, 2007.
p. 49; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 2. ed. São Paulo:
RT, 1994. pp. 94-101; MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo
de Conhecimento. 5. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 56.
não possam dispor”. “Os poderes do juiz no processo civil não podem ser deli-
mitados de uma maneira uniforme para todas as causas”93.
93 Cf. CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. v. I. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina
Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. p. 314.
94 Cf. Poderes do juiz e tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 2006. p. 70. O argumento já
havia sido utilizado por Barbosa Moreira (“Breves reflexiones sobre la iniciativa oficial en
materia de prueba”. In: Temas de Direito Processual: Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984.
p. 80) e Bedaque (Poderes instrutórios do juiz. 2. ed. São Paulo: RT, 1994. p. 79).
95 Em texto recente, Antonio Cabral utiliza as palavras impartialidade e imparcialidade para
designar os dois conceitos. Cf. CABRAL, Antonio. “Imparcialidade e impartialidade. Por uma
teoria sobre repartição e incompatibilidade de funções nos processos civil e penal”. São Paulo,
Revista de Processo, n. 149, jul. 2007, pp. 339-364.
96 Ainda que “objetivada” pela lei, ao prever hipóteses abstratas de impedimento e suspeição.
Cf. MONTERO AROCA, Juan. Sobre la imparcialidad del Juez y la incompatibilidad de funciones
procesales. Valencia: Tirant lo blanch, 1999. p. 181. O autor fala em desinteresse objetivo da
jurisdição e desinteresse subjetivo do juiz.
soa do seu titular97, o objetivo do julgador não é dar razão a uma das partes,
tenha ela ou não o direito ao seu lado98. Ele não perde a sua alienità99.
Perde, porém, a sua imparcialidade no sentido de terzietà, vez que age
como se parte fosse, saindo “à caça” de fatos necessários à defesa do inte-
resse indisponível em jogo. Ao assumir o papel de parte, o julgador tende a
com ela se identificar, por força mesmo de um mecanismo psicológico100 nor-
mal101 nos seres humanos (especialmente se a parte for a mais fraca102),
havendo um risco103 104, nada desprezível, de que isto possa influir em seu
sempre quem imputará ao juiz a sua derrota, porque não se quis inves-
tigar mais a fundo a questão”108.
Em tal situação, pois, não se admite que o juiz assuma um papel que não
é o seu:
108 Cf. FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Processo Civil: Verso e Reverso. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2005. p. 102.
109 Cf. MENDONÇA, Luís Correia de. “Vírus autoritário e processo civil”. Coimbra, Julgar, n. 1,
jan./abr. 2007, p. 72.
110 À toda evidência, a supressão do princípio dispositivo pode se dar em matéria de prova sem que,
necessariamente, permita-se ao juiz conhecer de fatos não alegados pela parte ou instaurar o
processo ex officio. Aqui também não existe venda casada. Do contrário já não haveria rela-
tivização, mas abolição do princípio dispositivo. Os vários ónus existentes no processo (de
demandar/contastar, alegar, provar) encontram-se coordenados, de tal forma que a supressão
de um normalmente (a solução fica a critério do legislador, mas seria ilógico se assim não
fosse) acarreta a supressão do subsequente, porém não do antecedente. Desta forma conse-
guimos explicar (ou pelo menos tentamos!) como a indisponibilidade do direito autoriza a iniciativa
probatória do juiz ainda que não o autorize a conceder tutela jurisdicional sem provocação: foi
a solução adotada pelo legislador, talvez por considerar que nesta última hipótese o compro-
metimento da imparcialidade já se revela inaceitavelmente perigoso.
111 Cf. KEMMERICH, Clóvis Juarez. As faces do princípio dispositivo. Disponível em: www.saraivajur.com.br.
Acesso em: 10 out. 2007.
112 Cf. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Processo civil e processo penal: mão e contramão?”. In: Temas
de Direito Processual: Sétima Série. São Paulo: Saraiva, 2001. pp. 201-215; GRINOVER, Ada Pel-
legrini. “As garantias constitucionais do novo processo penal na América Latina”. In: FUX, Luiz et
alii. Processo e Constituição: Estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira.
São Paulo: RT, 2006. pp. 488-494. Segundo Luiz Flávio Gomes “a tendência moderna não é trans-
formar o juiz em protagonista da colheita das provas. Exatamente o oposto vem ocorrendo. O
juizado de instrução napoleônico está em descrédito e decadência. Acaba de ser abandonado na
Itália e vem sendo questionado diuturnamente na Espanha” (“Constitucionalidade dos Poderes
Inquisitivos do Juiz. STF Abre Caminho para o Juiz ‘Político’”. In: MORAES, Alexandre de. Os 10
Anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999. p. 23).
113 No processo penal, embora tanto a liberdade do acusado como a aplicação da lei penal sejam indis-
poníveis (esta última com mitigações resultantes da adoção de institutos estrangeiros), o texto
constitucional e a nossa própria tradição histórica dão mais valor ao primeiro. Se é melhor absol-
ver um culpado do que condenar um inocente, não se justifica que o juiz se transforme em inves-
tigador, suprindo deficiências do Ministério Público, órgão do Estado criado e aparelhado para
defender em juízo o interesse público: “Diferentemente do que se dá no processo criminal, no civil
defrontam-se ordinariamente dois interesses da mesma ordem em conflito, e razão alguma existe
para que o Estado-legislador ou o Estado-juiz manifeste preferência por algum deles. Impor pena
ao inocente traz o sentido da injustiça e truculência impostas a uma pessoa sem vantagem alguma
para a parte contrária, até porque ao Estado nada favorece o alijamento de um membro prestante
e não nocivo à sociedade. Atribuir um filho ao réu que não foi biologicamente responsável pela
geração do autor, todavia, é injustiça de igual teor da consistente em negar ao autor, que realmente
seja filho, a condição jurídica decorrente do nexo de filiação. Do mesmo modo, condenar a pagar
o réu que não deve ou privar o verdadeiro credor do seu crédito, constituem injustiças de igual natu-
reza e teor” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 9. ed. São Paulo:
Malheiros, 2001. p. 251). No mesmo sentido, demonstrando que as regras e princípios de justiça
procedimental (procedural fairness), destinados a evitar decisões errôneas, são estruturados de acordo
com o interesse substantivo em jogo: GREY, Thomas C. “Procedural fairness and substantive
rights”. In: PENNOCK, J. Roland e CHAPMAN, John W (ed.). Due Process. New York: New York Uni-
versity Press, 1977. pp. 184-186. No processo civil, é indiferente ao juiz, se por acaso a decisão
for injusta, que ela prejudique o autor ou o réu; no processo penal, como verdadeiro favor liber-
tatis, prefere-se antes que seja prejudicada a acusação do que a defesa.
114 Cf. BENABENTOS, Omar. Realidad y Debido Proceso. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br.
Acesso em: 13 out. 2007. No mesmo sentido: MONTERO AROCA, Juan. “El proceso civil llamado
‘social’ como instrumento de ‘justicia’ autoritária”. In: MONTERO AROCA, Juan (Coord.). Proceso
Civil y Ideologia. Valencia: Tirant lo blanch, 2006. p. 159.
115 “Inoltre, sempre la natura disponibile del diritto consente all’ordinamento di non preoccuparsi né che
il titolare della situazione sostanziale protetta la faccia valere, ove essa sai lesa; né che, all’in-
terno del processo avente ad oggetto quella situazione sostanziale, al giudice sai offerto un qua-
dro completo e veritiero dei fatto storici rilevanti” (LUISO, Francesco P. Diritto Processuale Civile. t. I.
3. ed. Milano: Giuffrè, 2000. p. 134). Também é a posição de Liebman. Cf. “Fondamento del prin-
cipio dispositivo”. In: Problemi del processo civile. Napoli: Morano, 1962. p. 13.
116 A instrumentalidade impõe que se reconheça e aceite que o direito material influi no processo, porém
influi tal como ele é, e não como gostaríamos que ele fosse. “O princípio dispositivo, que pode
ser comparado à sombra do direito privado no processo, deve ser respeitado nos mesmos limites
em que no campo substantivo é respeitado e tutelado o direito privado” (CALAMANDREI, Piero. “Pre-
missas Políticas do Projeto de Código Processual Civil Italiano”. In: Processo Oral. Rio de Janeiro:
Forense, 1940. p. 169). Não parece correto vislumbrar no princípio dispositivo “resquício da noção
privatística de processo” (CAMBI, Eduardo. “A inexistência do ónus da impugnação específica
para o consumidor”. São Paulo, Revista de Processo, n. 129, nov. 2005, p. 67), mas o necessá-
rio reflexo do direito material no processo. Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio. “Fondamento del principio dis-
positivo”. In: Problemi del processo civile. Napoli: Morano, 1962. p. 16 (refutando a opinião de Guasp
de que o princípio dispositivo seria uma “arcaica reminiscência de ordenamentos primitivos”).
117 Cf. MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1962. p. 117.
118 Cf. CALAMANDREI, Piero. “Premissas Políticas do Projeto de Código Processual Civil Italiano”.
In: Processo Oral. Rio de Janeiro: Forense, 1940. p. 170. O processo é um instrumento de
realização e não de transformação do direito material. Não há nada mais grotesco do que per-
mitir que ele seja utilizado para deformá-lo ao invés de aplicá-lo.