Tribunal Do Juri e A Influencia Da Mídia
Tribunal Do Juri e A Influencia Da Mídia
Tribunal Do Juri e A Influencia Da Mídia
1. INTRODUÇÃO
O Direito Penal, que define normas de caráter material e tem por escopo à proteção de
alguns dos mais sagrados bens do homem, como, por exemplo, a vida, ao trazer as "regras do
jogo" determinadas, o Direito Penal busca não só apenas elencar a pena para quem infringir
suas determinações, antes disso, o Direito Penal e o Direito em si, tem a função preventiva e
inibidora de tais condutas, estabelecendo que ao crime cometido lhe caberá uma pena,
freando, naturalmente, ações delituosas.
Ademais, o Estado, agindo em nome do dever-punir, estabelece normas instrumentais
que visam assegurar a efetivação do direito material que, em cede de crimes, são
vislumbradas no Processo Penal.
Contudo, existem garantias arraigadas ao homem que nem mesmo o direito material
penal ou o processual podem se desvencilhar. Muitas dessas garantias estão previstas nas
Cartas Magnas de cada nação, sendo que, a nossa, de 1988, é extremamente assecuratória
quanto aos direitos e deveres dos cidadãos, mesmo quanto ao sofrimento de sanções penais.
Neste viés, sublinha-se que ao poder-dever do Estado de punir aqueles que
transgridem as leis penais não é dado caráter absoluto, visto que nossa Constituição Federal, a
mãe das leis, estabelece que os direitos mínimos do homem devem ser observados, sendo que
o direto à vida e a liberdade se traduzem nas suas principais proteções.
Objetivando essa proteção, a Constituição trouxe em seu bojo princípios de direito que
devem ser respeitados para o desenrolar legal de um processo criminal, como por exemplo, o
direito do réu ao devido processo legal, onde lhe será concedido o direito a resistir à pretensão
punitiva do estado, lhe garantindo o direito à ampla defesa, ao contraditório e à presunção de
inocência, tendo, o órgão acusar, o ônus de provar sua culpabilidade, em face do réu
encontrar-se num estado de inocência presumida, segundo os ditames do art.5°, LVII da
Constituição Brasileira, que assim determina: "ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Não obstante o tratamento legal dado ao réu objetivando protegê-lo de qualquer tipo
de pré-julgamento, nota-se que a exploração midiática, principalmente de casos que chocam a
opinião pública, muitas vezes pode contribuir para que a efetividade do princípio da
presunção de inocência seja reduzida. Aliás, não é raro conhecermos o resultado final da
sentença que será produzida por um tribunal do Júri diante do suntuoso espaço que é dado nos
veículos de comunicação à discussão, por vezes imprópria, do crime, que acaba coadunando
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com a propagação da informação viciada na opinião pública e por fim nos jurados, que são
partes da sociedade.
Assim, o presente trabalho tem por objetivo analisar e estudar o fenômeno da
efetividade social do princípio da presunção de inocência em casos de grande repercussão em
Júris Populares, trazendo alguns exemplos práticos para ilustrar o tema.
A idéia do tema nasceu da minha observância de casos onde os réus que, seriam
julgados pelo conselho de sentença popular, eram colocados como condenados, antes mesmo
de julgados, pela mídia e opinião pública, como por exemplo, o caso do casal Nardoni,
Daniela Peres e internacionalmente o caso do astro pop Michael Jackson. Pude observar que
de fato não há uma preocupação do judiciário e do legislativo com a efetivação desse direito
tão importante para o desenvolvimento do devido processo legal, o que gera julgamentos
duvidosos e muitas vezes distantes do verdadeiro sentido de justiça.
Aprofundando mais o tema, constatei que algumas medidas poderiam ser tomadas para
que o princípio da presunção de inocência pudesse ter maior efetividade, como a adoção de
proibição da divulgação dos nomes dos réus em casos em que a opinião pública é comovida
emocionalmente pelo crime praticado, a exemplo do que já faz o Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Deste modo, pretendo levantar a discussão sobre o que de fato é ter o direito a ser
presumido inocente. Qual o papel da mídia e da opinião pública e as formas de amenizar os
impactos das possíveis influências advindas da pressão popular sobre os jurados, tendo como
luz a busca da efetivação à presunção de inocência.
Inicialmente iremos trazer as informações para a compreensão do tema, o histórico do
princípio da presunção de inocência e dos júris populares, para posteriormente podermos
analisar mais a fundo os institutos, culminando com o estudo da possibilidade da influência da
mídia e da opinião publica nos jurados, comprometendo os direitos basilares do réu, e,
finalmente, ilustrar através de casos práticos como acontecem tais influências e finalmente e
mitigação do princípio.
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II - CAPÍTULO
Ar.t 5°.
...
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe
der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
A França, no ano de 1.789, vivia sobre uma intensa injustiça social no reinado de Luiz
XVI. A sociedade era estratificada, podendo-se observar no topo da pirâmide o clero, seguido
pela nobreza, onde encontrava-se o rei e toda sua família, os condes, duques, marqueses e os
demais nobres que vivam sobre a voluptuosidade da corte, em quanto o terceiro seguimento,
formado pelos trabalhadores, camponeses e a burguesia eram obrigados a pagar impostos
exorbitantes para sustentar o luxo das outras duas classes.
Com uma vida de extrema miséria, crescia o desejo das classes baixas por melhores
condições de vida e na burguesia o desejo de maior participação na vida do estado, o que
motivou a revolução que teria como início a queda da prisão de Bastilha em 14/07/1789,
utilizada pela coroa para aprisionar quem fosse considerado uma ameaça ao sistema. Assim,
sobre os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade os revolucionários enraizaram o
pensamento que não se poderiam admitir condenações sem antes haver um julgamento justo,
onde eram dadas garantias básicas ao réu, em outras palavras, o respeito ao princípio do
devido processo legal, do qual é o princípio da presunção de inocência reflexo imediato, em
contraposição a arbitrariedade da coroa que antes era exercida.
Banhado por estes novos ideias e por esta nova forma de pensar é que então surgiria
no séc. XVIII a Declaração dos Direitos do Homem de 1.791, que previa no art. 9° o seguinte:
Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, caso seja
considerado indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da
sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo
público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa.
advinda, ainda que de forma positivada, da publicação da Carta Magna inglesa e do princípio
da presunção de inocência ainda no séc. XIII, após a Revolução do séc. XVIII este ideal seria
difundido por toda Europa e para o mundo, chegando até as terras brasileiras em pouco menos
de 200 anos, como se abstrai dos argumentos utilizados por Paulo Roberto Gonçalves (2009).
No Brasil, porém, observou-se um grande atraso em relação à positivação do direito da
pessoa a ter sua inocência presumida se levarmos em conta o histórico de nossas
Constituições. Só na Constituição Federal de 1.988 é que realmente veríamos que o
ordenamento jurídico pátrio efetivamente traria em seu texto a proteção contra o pré-
julgamento, estabelecendo a máxima In dubio pro reo como núcleo central de interpretação
do tipo que assegura o direito a inocência presumida.
No entanto, vislumbra-se que a doutrina e a jurisprudência brasileira já tratavam do
tema desde a ratificação pelo Brasil da Declaração dos Direitos do Homem, assinada em
1.948, mesmo que de forma esparsa e muitas vezes apenas teórica.
Hodiernamente, a jurisprudência é rica no sentido de que ao réu é dado o direito a
ser presumido inocente, bem como as doutrinas que se escalonam aos montes tratando
dos direitos e deveres dos acusados.
III-CAPÍTULO
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Art. 8° [...]
I - Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua
inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.
Saliente-se, pois, que foi a própria Constituição Federal brasileira que no art. 5°, § 2 e
§ 3, que positivou que os tratados internacionais assinados pelo Brasil teriam força de
emendas constitucionais, ipse literis:
Art. 5° [...]
Segundo Antonio Magalhães Filho citado por Adriano Almeida Fonseca (FONSECA,
1999), "as duas redações se completam, expressando os dois aspectos fundamentais da
garantia." Argumenta, ainda, Magalhães Filho, que no Brasil, devido às garantias legais
previstas, o direito a presunção de inocência está completamente protegido, não existindo
motivo qualquer para desculpas de não aplicabilidade sobre interpretações meramente literais.
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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
Sem sombra de dúvida a liberdade é o segundo bem maior de todo ser humano,
ficando apenas atrás do direito à vida que pode ser traduzido como o principal bem jurídico e
imaterial do homem, sendo uma cláusula pétrea praticante imodificável na Carta Magna.
Desta forma a constituição arraigou um pensamento jurídico-social de que as normas
devem atender a esses fins precípuos, não se admitindo, em tese, qualquer vedação ou
limitação a esses direitos. Assim é que o processo penal fincou em suas bases o direito do réu
a um julgamento justo, com direito ao contraditório, ampla defesa e à presunção de inocência,
pensamento que é reflexo da constituição que estabelece que o único meio de obter uma
condenação de um acusado de forma legal e justa é através do devido processo legal.
Na visão de Alexandre de Morais (2007, p. 107), “há a necessidade do Estado
comprovar a culpabilidade do individuo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob
pena de voltarmos ao total arbítrio estatal”. Sabia dicção do doutrinador, pois, com a
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evolução da sociedade o direito caminha à sua luz, e voltar a aplicar medidas não condizentes
com o atual modelo de estado e de cultura do povo seria regredir ao totalitarismo e descaso do
Estado. A lição do Egrégio Supremo Tribunal federal vem ilustrar bem esse pensamento:
Ocorre que, diante dos fatos supra, uma questão é consequentemente levantada: Teria
o direito constitucional à presunção de inocência a eficácia esperada em Julgamentos pelo
Tribunal do Júri?
O Júri Popular brasileiro tem a competência precípua de julgar crimes dolosos contra a
vida. Segundo Mirabete (2003, p. 303) , in verbis:
O tribunal elege, para isso, sete cidadãos do povo que terão o papel de decidir o futuro
dos acusados. O conselho de sentença, como também pode ser chamado o conjunto de jurados
incumbidos de tal missão, após ser sorteado ouvirá a seguinte exortação lida pelo presidente,
prevista no art. 472 da Lei 11.689 de 2008: “Em nome da lei, concito-vos a examinar esta
causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e
os ditames da justiça”.
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No entanto, nos parece mais que isso o estado de inocência ou a inocência presumida.
O certo é que a vinculação do princípio a estes dois vieses – in dúbio pro reo e o ônus da
prova - não se traduz totalmente na realidade, haja vista serem apenas repercussões no campo
probatório, devendo ser bem mais abrangente a sua observância.
Tal princípio desdobra-se, antes de tudo, em um direito-dever do Estado e de seus
cidadãos ao tratamento do réu como um sujeito de direito na relação processual, devendo ter
suas garantias constitucionais respeitadas e a ser punido apenas na medida da sua
culpabilidade, sem julgamentos arbitrários e infundados, além de ter a sua honra e imagem
protegida, pois ainda encontra-se em estado de inocência antes de sentença penal condenatória
transitada em julgado, sendo desmedida qualquer posição jurisdicional que tenda a retirar-lhe
esses direitos.
Assim, como o processo criminal, especialmente o Tribunal do Júri, já tem um caráter
acusatório, na medida em que o órgão acusador do estado presume, através de um mínimo de
provas, a culpabilidade do réu, surge à necessidade de contrabalancear o procedimento, dando
garantias ao acusado que sua liberdade não seria retirada de maneira discricionária pelo
Estado, pensamento que, como já analisado, teve origens ainda na Revolução Francesa e que
viria a garantir ao réu, diversos diretos que hoje concebemos como sagrados.
Do exposto, extrai-se que a presunção de inocência não repercute apenas na inversão
do ônus da prova ou o direito do réu a ser declarado inocente em caso de dúvida. Ser
presumido inocente é ter a sua dignidade respeitada, com os direitos a ampla defesa e ao
julgamento de forma justa, pois, o contrário não poderia ser verdade, já que a presunção de
inocência teve difusão através do movimento Iluminista.
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Consoante a garantia trazida pela Constituição Federal de que o réu será presumido
inocente até sentença penal condenatória transitada em julgado, respingou na legislação
infraconstitucional, especialmente no Processo Penal, o estado de inocência do réu, o que
acabou abrindo outros aspectos importantes da repercussão principiológica. Primeiro que
devido a esta garantia inverte-se o ônus da prova, tendo o acusador o dever de provar suas
alegações, seja um particular ou o estado representado pelo Ministério Público; Segundo que,
no caso de dúvida quando do proferimento da sentença, deve-se entender-se favoravelmente
ao réu – In dúbio pro reo; Terceiro, o acusado deve ser tratado durante o desenrolar do
julgamento como sujeito processual e não como objeto do processo, lhe sendo garantido o
direito à dignidade da pessoa humana e seus desdobramentos e, por último, a cautela na
determinação de prisões acautelatórias cerceadoras de sua liberdade.
Insta destacar que nem todos esses requisitos nos interessam no momento, vamos nos
ater basicamente a análise dos três primeiros pontos citados por serem mais ligados ao tema
em estudo.
ônus tem adimplemento facultativo, sendo que o seu não cumprimento não caracteriza
atuação contrária ao direito.
Deste modo, fincado na máxima jurídica actori onus probandi incumbit (cabe ao autor
o ônus de provar suas alegações), no Processo Penal e, especialmente no caso, no Tribunal do
Júri, é dado ao réu a garantia de que não lhe será gravado o direito de provar sua inocência e
sim ao acusador, que no caso de crimes dolosos contra a vida, dar se na figura do Ministério
Público por se tratar de crime de Ação Pública Incondicionada.
O motivo não poderia ser outro senão a presunção de inocência do réu. O réu
encontra-se num estado processual de inocência, antes de sentença penal condenatória
transitada em julgado, e sendo assim seria ilógico exigir-lhe a prova da sua não culpabilidade,
pois em estado de inocência o mesmo já se encontra. Segundo o doutrinador Grandinetti
(2006), é inegável que há repercussão do instituto presunção de inocência no instituto
liberdade, entretanto, assevera que os desdobramentos na ceara do ônus da prova também são
de importante relevância. Para o autor é intuitivo que o ônus probatório seja da outra parte
quando a Constituição assegura a uma delas a presunção de inocência. Nas suas palavras
(GRANDINETTI; 2006, P. 166) o autor consubstancia:
Pensamento que é corroborado por Guilerme de Sousa Nucci (2008, p. 82), que ao
discorrer sobre o princípio da presunção de inocência assegura que este “Reforça, ainda, o
princípio da prevalência do interesse do réu (in dúbio pro reo), garantindo que, em caso de
dúvida, deve sempre prevalecer o estado de inocência, absolvendo-se o acusado”.
Sublinhe-se que do ônus da acusação provar suas alegações nascem outros deveres,
como: acusação formal e utilização de provas lícitas, sob pena de livrar o réu da condenação
baseado no princípio do devido processo legal e da presunção de inocência.
Observa-se de modo límpido que para que haja condenação de um acusado é
necessário prova constitutiva e irrefutável da sua culpa, pois, de modo diverso, estaria o
estado agindo de modo discricionário em situação que não lhe é permitia. Exigir do réu a
prova de sua inocência seria presumir sua culpa, confrontando o direito constitucional à
presunção de inocência, o que é inadmissível na atual fase evolutiva do Direito brasileiro,
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resguardada, claro, a relativização do princípio, que para Tourinho Filho (2010) não pode ser
levado ao pé da letra, pois, se fosse assim, e se inocente se presume a pessoa, contra ela não
poderia existir um processo, já que a sua inocência já seria presumida.
Ter o condenado direito à dignidade não é o mesmo que o defender contra os atos
possíveis praticados. Ao contrário, o direito à dignidade da pessoa humana, previsto no art.
1°, III, da Carta magna, é estendido a todos os homens, que, antes de serem potenciais sujeitos
em relações processuais são sujeitos de direitos constituídos e constitucionalmente protegidos.
Entenda-se que o réu não é objeto do processo. O réu é sujeito da relação processual,
e, por isso, como sujeito deve ser tratado. Como pessoa humana que é, deve ter sua intimidade
e privacidade respeitadas, bem como o direito a imagem e a moral. Na lição de Alexandre de
Morais (2007, p. 16):
Como bem dito pelo respeitável doutrinador, não se trata a dignidade apenas de um
direito positivado, antes disso, é uma questão moral e espiritual, ou seja, subjetiva, que, não
obstante a excepcionalidade da sua limitação deve ser respeitada amplamente por todas as
pessoas e pelo Estado, por tratar-se de garantia constitucional à que toda pessoa no estado
democrático de direito faz jus.
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IV- CAPÍTULO
Não por coincidência o Júri foi difundido com maior força a partir da Revolução
Francesa do século XVIII que tinha por fundamento a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
Além disso, o Júri popular é uma das instituições da justiça mais antigas que
conhecemos. Um dos mais célebres casos da história dos Júris é o de Jesus Cristo. Acusado de
blasfêmia, pois alegava ser o filho de Deus (O Messias), a verdade e a vida, Jesus foi levado
por Pilatos à julgamento que, para não “sujar suas mãos” pela condenação de Jesus, o colocou
sob a responsabilidade da população judaica que o condenou à crucificação. Mais
emblemático caso na história para ilustrar o julgamento popular não há, e, de mesma sorte, a
repercussão da não utilização dos direitos ao devido processo legal.
Do exemplo prático de Cristo exsurge um dado interessante: Cristo não foi levado a
julgamento popular apenas por ter supostamente cometido um crime, mas sim por necessidade
que houvesse uma resposta aos Judeus diante de tais "heresias" que eram proferidas por Jesus,
pois estes acreditavam que o filho de Deus viria a terra com as características de rei e
sacerdote e, na sua visão, tais características não eram preenchidas por Jesus, por mais que
este afirmasse ser o “Salvador”. Em outras palavras, Cristo foi levado a julgamento e
condenado por seus concidadãos para servir de exemplo de punição à conduta praticada, sem
direito ao devido processo legal e conseguintemente à presunção de inocência, com o
resultado totalmente previsível da condenação.
Apesar de séculos passados, o caso de Jesus Cristo é bem verossímil com nossa atual
realidade. A comoção populacional de crimes com grande repercussão tem levado a
julgamentos eivados de vicitudes que podem ferir de morte qualquer condenação, pois, a
partir das garantias previstas em nosso ordenamento jurídico não se pode mais admitir um
verdadeiro linchamento do acusado, onde os réus não têm o direito à presunção de inocência
respeitada e entram já condenados no procedimento do julgamento pelo Júri Popular.
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inocência tenha força para que não se tenha resultados certos de condenações mesmo antes do
desenvolvimento processual.
Segundo o jurista Mauro Otávio Nacif, que trabalhou no caso Suzane Von Richtofen,
condenada em 2006 pelo assassinato dos pais, em entrevista concedida à edição 280 da
Revista Super Interessante (2010, p. 83), “os jurados analisam o caso por consciência e não
por ciência”. A verdade é que por não ter o preparo técnico cientifico os jurados enveredam
mais para o seu sentimento de justiça do que para a análise cabal das provas que lhes são
apresentadas, contudo, isso não é o mesmo que dizer ser isto uma conduta totalmente errada.
A conjunção dos dois fatores, provas e convicção é que deve pesar na hora da condenação.
Apesar destes questionamentos, é inegável o caráter democrático que baliza a
instituição e sua importância em um estado democrático de direito que deve prezar a
participação efetiva da população na técnica jurídica da qual são atores formadores,
diminuindo a distância entre as normas e o povo, contudo, não podemos olvidar que os
jurados são pessoas comuns e que estão suscetíveis à influência de variados fatores sociais
que devem ser ao máximo diminuído. Aliás, não só os jurados estão submetidos a qualquer
tipo de influência, o homem por sua própria natureza tem seus valores éticos e morais que são
passados em sua formação ao longo da vida. A diferença entre um jurado e um juiz togado
resiste em que o último foi preparado para passar exatamente por esse tipo de situação sem
deixar que suas paixões tomem de conta do seu julgamento - apesar de ser impossível alguém
se livrar completamente dos seus valores ético/morais vestindo-se de completa neutralidade -
que, na visão do Promotor do caso Suzana Richthofen, Roberto Tardeli (2007, p. 10):
criminoso, e, junte-se a isso a busca da imprensa por tentativas insanas de lucro que todos os
meios mais perigosos para a não concretização das garantias constitucionais dadas ao réu,
entre eles a presunção de inocência, estarão reunidos, somando grande força.
Conclui-se, pois, que os meios existentes para efetivação do princípio da presunção
de inocência (Constituição, Pacto São José da Costa Rica...) e os aplicadores do direito
atualmente estão enfrentando um grande dilema que pode ser traduzido em limitar a
liberdade de imprensa no tratamento de casos de comoção nacional em Tribunais do Júri, com
o objetivo de minimizar os prejuízos morais e processuais causados ao réu, o que é
praticamente impensável na atual democracia, ou rever seus próprios meios de efetivação
desses direitos, através do Processo Penal e da adoção de novas medidas protetoras para dar
ao preterido a garantia de que não será pré-julgado antes do final do processo legal, com a
defesa ampla, o contraditório e o direito a ser presumido inocente tratados como verdadeiras
garantias de uma sociedade verdadeiramente democrática e defensora da humanização da
pena.
4.2 A MÍDIA
Tanto é verdade a lição do ilustre professor que, após a primeira divulgação dos três
casos antes citados, não se falava em outra coisa em todo o Brasil senão dos crimes
cometidos.
É exatamente por entender o importante papel da imprensa em casos de competência
do Tribunal do Júri, onde pessoas comuns serão postas a julgar seus concidadãos, muitas
vezes após terem acompanhado por meses o linchamento público dos acusados, que a cautela
deve balizar os noticiários. No entanto o que se observa na prática é o inverso do processo, em
outras palavras, a falta de cautela com os direitos fundamentais do réu. O que dá a entender é
que por um determinado período de tempo há uma inversão das funções do Estado, passando
a imprensa a julgar o réu e não o judiciário.
Um dos maiores exemplos do escárnio público do réu pela mídia é o famoso programa
da Rede Globo de televisão intitulado Linha Direita, onde casos verídicos são relatados,
muitos deles antes mesmos de serem julgados, a população é induzida a ligar para determinar
a inocência ou a culpa do acusado.
Sublinhe-se que não é exclusividade da rede Globo de Televisão ter em suas grades
programas de tal estirpe, sendo notados em praticamente todas as redes de televisão formatos
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A priori tal idéia parece simplória, mas se analisada com mais afinco, vê-se que ter
como exemplo o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, para a proteção da intimidade dos
menores, proíbe a divulgação do seu nome e dados pessoais, nestes casos do Tribunal do Júri
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de grande repercussão midiática, no Processo Penal, poderia ajudar a reforçar muito o direito
à presunção de inocência do réu sem limitar o direito da imprensa a divulgar a informação.
Por se tratar de uma valoração sobre algo que acontece, aconteceu ou acontecerá na
sociedade, guarda a opinião pública intima ligação com o que é divulgado pelos meios de
comunicação, pois, como já dito, é através deles que a massa populacional toma
conhecimento do que está acontecendo no país, e, a partir de então, passa a julgar o que é
certo ou errado.
Já em relação ao Tribunal Popular, o que se pergunta é se tem a opinião pública
capacidade para oferecer influência ao conselho de sentença e assim por em riste o direito do
réu a presunção de inocência. Ainda, pergunta-se qual a repercussão no direito da presunção
de inocência do réu quando a opinião pública toma partido para sua condenação ou sua
absolvição.
É salutar lembrar que se levarmos em conta os julgamentos de repercussão nacional
que de fato comovem toda a população brasileira diante da sua expressa divulgação e da
atrocidade do crime, com certeza estaremos diante de um percentual muito pequeno dos
julgamentos que acontecem no país, mas, são exatamente esses casos, que servem de espelho
para a análise do fenômeno da não observância dos direitos do réu e que podem acabar por
modificar o cenário jurídico do país.
O cidadão, antes de ser jurado, é integrante da opinião pública, que acompanha todo o
desenrolar da investigação do processo do crime doloso contra a vida posto em destaque.
Deste modo, é preciso ter em mente que, a partir do momento que uma pessoa comum é
escolhida para ser jurado ela leva consigo as informações que obteve antes do fechamento do
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V-CAPÍTULO
Dia 29 de Março de 2008, uma criança de cinco anos de idade é morta após ser
lançada do sexto andar do Edifício London na cidade de São Paulo. O nome dela: Isabella de
Oliveira Nardoni. Os principais suspeitos são seu pai, Alexandre Nardoni e sua madrasta,
Anna Carolina Jatobá, que negam veementemente a autoria do crime.
A partir daí uma saga com horrendos fatos seria exposta diariamente em todos os
veículos de comunicação do país, tendo, inclusive, sido noticiada internacionalmente. Diante
das circunstâncias do caso um grande contingente policial foi movimentando para a
investigação profunda do crime. A imprensa e opinião pública acompanharam todo o
desenrolar investigativo de perto.
O que mais chama atenção no caso Isabella, além da crueldade do crime cometido,
aqui escapando a qualquer julgamento de valor, é sem dúvida a massificação das informações
de forma quase que simultâneas na mídia. Durante alguns meses não se ouvia falar outra coisa
nas esquinas do Brasil a fora que não o hediondo crime praticado contra a criança.
Debates se tornaram comuns nas televisões e rádios a cerca da culpabilidade ou
inocência do então, ainda suspeito, casal Nardoni. Advogados, jornalistas, sociólogos e
profissionais de todas as espécies eram perguntados se acreditavam ou não da culpabilidade
do casal. Note-se que não era questão de se respeitar a presunção de inocência dos acusados,
mas sim de tratar a possibilidade da culpabilidade dos réus.
A vida do casal foi dilacerada pela imprensa que literalmente “puxou a ficha” de todo
o passado e presente dos acusados, tentando, de certa forma, concluir sobre suas condutas
perante a sociedade a fim de determinar um julgamento parcial sobre as suas predisposições
criminosas.
O caso é um dos mais recentes e famosos quando tratamos da não observância aos
direitos do acusado e de Júri Popular. A Constituição brasileira e o Pacto São Jose da Costa
Rica do qual o Brasil é signatário, esclarece que não há que se falar em culpa antes que esta
seja provada e sentenciada em último grau de jurisdição. A luz do direito da dignidade da
pessoa humana o raciocínio é lógico: o suspeito ainda não é o criminoso, ali se pode ter um
inocente, e se seus mínimos direitos não fossem respeitados estaríamos ilicitamente
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deturpando o sentido da norma causando um grande prejuízo ao espírito das leis e dos
princípios constitucionais.
Há um brocardo jurídico que admite a seguinte ideia: é terrível soltar um culpado, mas
é inadmissível deixar um inocente preso. Foi com tal espírito que o legislador constituinte
procurou cercar o réu das mínimas condições da presunção de inocência, o que, no caso
Isabella, não andou perto de acontecer com os réus, pois, como estudado, o princípio não trata
apenas de efetividade processual, mas de efetividade material no seio social.
Alexandra Nardoni e Anna Carolina Jatobá tiveram sua imagem veiculada desde a
instauração do inquérito policial como os verdadeiros autores do crime por grandes meios de
comunicação. A opinião pública clamou por justiça e condenava os acusados mesmo antes do
trâmite do processo. A palavra “monstros” era ouvida sem nenhum pudor, até em forma de
coro por quem acompanhou a seção do julgamento. Uma boa ilustração do escárnio público
do casal é vista na Revista Veja edição n° 16 do ano de 2008, que traz na capa os seguintes
dizeres: FORAM ELES, em letras garrafais. Lembre-se que até então o casal não havia sido
sentenciado.
Advogados, cientistas sociais e por assim dizer, a população em geral, sabia, mesmo
que de maneira inconsciente, que o casal seria condenado. Qual o porquê da certeza? A
resposta pode ser encontrada na condenação antecipada veiculada no meio social, este de
onde os jurados foram escolhidos e que podem, ou não, terem sido influenciados no momento
das respostas sobre a culpabilidade do casal, ainda que não tivessem consciência disso.
Finalmente, no mês de Março de 2010 o Júri profere a sua decisão: Culpados!
Alexandre Nardoni é condenado a 31 anos, 3 meses e 10 dias de prisão e Anna Carolina
Jatobá a 26 anos e 8 meses. Na sentença de Alexandre constatou-se a seguinte síntese que
cominou na pena citada:
3. Por esta razão, os réus foram então submetidos a julgamento perante este
Egrégio 2º Tribunal do Júri da Capital do Fórum Regional de Santana, após
cinco dias de trabalhos, acabando este Conselho Popular, de acordo com o
termo de votação anexo, reconhecendo que os acusados praticaram, em
concurso, um crime de homicídio contra a vítima Isabella Oliveira Nardoni,
pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado pelo meio cruel, pela
utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima e para garantir a
ocultação de delito anterior, ficando assim afastada a tese única sustentada
pela Defesa dos réus em Plenário de negativa de autoria.
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Por cinco votos a dois o Juiz presidente leu a sentença que condenou Guilherme de
Pádua a 19 anos de prisão no mês de Janeiro de 1997, e, no dia 16 de Maio do mesmo ano, foi
a vez de sua esposa, Paula Thomaz, ser condenada, por 4 votos a 3, a 18 anos e 6 meses de
prisão.
O caso foi notícia não apenas no Brasil, mas em redes do mundo inteiro como a CNN
e a BBC de Londres, diante da atrocidade do crime cometido que chocou a opinião pública da
época.
O sentimento de revolta populacional foi tão grande que a mãe de Daniela, Glória
Perez, resolveu juntar assinaturas que acabariam por modificar a lei dos crimes hediondos. A
autora conseguiu mais de um milhão de assinaturas, quantidade suficiente para modificar a
lei, que, a partir de então, incluiria o crime de homicídio qualificado (praticado por motivo
torpe ou fútil, ou cometido com crueldade) entre o rol dos crimes hediondos que não permitia
o pagamento de fiança e exigia um maior tempo de cumprimento da pena em regime fechado.
Tanto é verdade a comoção da opinião pública nestes casos que o crime de homicídio
contra a atriz da Rede Globo foi motivador da alteração da lei dos crimes hediondos que, no
ano de 2006, viria a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (Habeas Corpus n° 87.452-
MG e 87.623-SP) como inconstitucional na parte que proibia a progressão de regime, o que
corrobora que àquela época o desejo de justiça muito a aflorado na opinião pública levou a
uma não ponderação correta dos ditames constitucionais, servido como prova de que a
condenação antecipada ou o desejo desesperado por resultado não são de forma alguma
benéficos.
O caso em epigrafe é mais um exemplo de contradição ao princípio da presunção de
inocência, que em crimes de grande repercussão nacional é de fato ferido.
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VI-CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
AZAMBUJA, Darci. Teoria geral do Estado. 4 ed. Porto Alegre: Globo 1955.
BRASIL. Tribunal Regional Federal (1° Região). Processual Penal. Artigo 171, § 3º, do
Código Penal. Estelionato Contra o INSS. Mutatio Libelli. Ausência de Provas. In
Dubio Pro Reo. ACR 2002.39.00.008660-7/PA. Apelação Criminal, Desembargador
Federal Tourinho Neto, Terceira Turma.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal / Fernando Capez. – 12. Ed. Ver. E atual.
– São Paulo: Saraiva, 2005.
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/162/o-principio-da-presuncao-de-inocencia-e-sua-
repercussao-infraconstitucional> Acesso em: 17 jan 2011.
KELSEN, Hans, 1881-1973. Teoria pura do direito / Hans Kelsen ; [tradução João
Baptista Machado]. 6ª ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1998. – (Ensino Superior)
http://jus.uol.com.br/revista/texto/17652/juri-pequenas-observacoes-historicas-sobre-
um-instituto-ainda-nao-compreendido> Acesso em: 17 jan 2011.