SILVA. Concepção Trial Da Antropologia Filosófica
SILVA. Concepção Trial Da Antropologia Filosófica
SILVA. Concepção Trial Da Antropologia Filosófica
INTRODUÇÃO
da cultura.
b) A antropologia física se dedica à análise do corpo e suas peculiaridades:
organização, funcionamento, patologias etc. Porém, o homem é visto apenas do
ponto de vista físico. Esta visão leva ao materialismo (Marx), que reduz toda a
existência humana às perspectivas materiais.
c) O historicismo (Dilthey), por sua vez, compreende o homem somente a
partir da história: o homem compreende as coisas com a totalidade de sua alma,
constatando assim a presença de um mundo exterior. Mas para compreender a
totalidade da sua alma, ele precisa se conhecer: o melhor modo conhecer o homem
é através da história; somente através dela o homem saberá o que ele mesmo é.
d) A antropologia existencialista (Heidegger) está preocupada mais com o
estudo da existência e não tanto com o estudo da essência. De certo modo, isso
esvaziou a concepção ontológica tradicional.
e) Já a antropologia instintiva de Freud reduz o homem ao combinado de
forças e instintos pessoais: todas as ações humanas, inclusive as decisões
racionais, estão condicionadas pela energia sexual contida (libido). No entanto, tal
visão contribuiu muito para a constituição de uma antropologia trial, pois suas
reflexões evidenciam a existência de uma estrutura que próxima ao corporal, mas
que também não é racional: a psyché humana.
Mas, ainda assim, o surgimento de tais concepções acabou fragmentando a
visão unitária de homem, realizada pelas antropologias metafísicas, isto é, acabaram
se tornando apenas visões isoladas e parciais do homem. Desta forma, o
reducionismo está muito presente na época contemporânea.
1 VAZ, Henrique Lima. Antropologia Filosófica. São Paulo: Loyola, vol. 1, 2001, p. 167.
7
O ser humano é um ser uno e integral e por isso não pode ser considerado
como ente fragmentado. No entanto, a antropologia sistematiza teoricamente a
representação do homem a partir de estruturas distintas, isto é, partes que se inter-
relacionam. Todavia, o espírito é o responsável por essa unidade do ser humano,
pois ele tem a capacidade de perpassar todas as outras dimensões (corporalidade e
psiquismo), transcender a fragmentação e chegar à categoria de unidade do ‘ser’ do
homem.
Em síntese, o nível do ‘eu espiritual’ unifica todas as estruturas do ser
humano, isto é, todo o seu ser em suas dimensões mais fundamentais,
considerando o homem de maneira integral e indivisível como corpo, psiquismo e
espírito. Com isso, não há mais a tripartição corpo, psyché e espírito, mas sim uma
única ‘dimensão’: a dimensão o ser humano enquanto totalidade de ser e enquanto
‘eu transcendental’2.
O ‘eu corporal’ e o ‘eu psíquico’ são particularizados pelas experiências do
aqui e agora, situando o sujeito num nível temporal e espacial. Porém quanto mais a
atenção do sujeito sobre si mesmo caminha em direção do espírito, mais o seu ‘eu’
se torna transcendental, ou seja, desligado dos condicionamentos sensitivos e
materiais. O espírito dá ao sujeito a oportunidade de ‘ser’ em sua totalidade, fazendo
que o seu ‘eu’ esteja cada vez mais aberto a ‘transcendentalidade’ do ser. É um
nível de relação com o ser que unifica tanto o seu ser como os outros seres. E é
neste ponto que se experimenta realmente o espírito: quando se considera o ser
como máxima universalidade, tem-se uma coisa que é própria do espírito, que se
afasta de tudo aquilo que é particular e puramente material (psíquico e corporal).
Com esta concepção antropológica, Lima Vaz tenta delinear um pensamento
que possa abranger o homem em sua totalidade. No caso, dispor de um esquema
dual, por mais profundo que seja não conseguiria representar tão bem os profundos
relacionamentos da corporalidade, psiquismo e espírito. O conceito de alma, como já
dito, abrange a psyché e o espírito e, por isso, teria mais dificuldades em identificar
as qualidades específicas do ‘eu psíquico’ e suas relações com o eu corporal e o eu
espiritual. Além do mais, considerar a psyché e o espírito dentro de um esquema só
(alma), correria um sério risco teórico em eleger elementos que não pertençam a
natureza específica de cada estrutura e por isso confundir as características de um
2Não no sentido kantiano, mas como unidade ontológica que expressa a totalidade e a unidade do
ser humano.
12
7 BÍBLIA. Primeira Carta aos Coríntios. Português. Bíblia de Jerusalém. Tradução de Gilberto da
Silva Gorgulho (org.) et al. São Paulo: Paulus, 2000, p. 2150.
8BÍBLIA. Carta aos Romanos. Português. Bíblia de Jerusalém. Tradução de Gilberto da Silva
Gorgulho (org.) et al. São Paulo: Paulus, 2000, p. 2131.
9 BÍBLIA. Segunda Carta aos Coríntios. Português. Bíblia de Jerusalém. Tradução de Gilberto da
Mas onde está o conceito de alma para São Paulo? Apesar de a alma ser
imaterial, tudo leva a crer, que o apóstolo identifica o conceito de alma como a
naturalidade própria do ser humano, isto é, sensibilidade e sentimentos, que estão
intimamente ligadas ao corpo físico: “em tudo o que fizerdes põe a tua alma para o
Senhor e não para os homens [isto é, para o psíquico]”11 (Col. 2,23). Desta forma, a
alma diferencia-se do espírito por ser ele uma estrutura sublime, própria do homem,
que o faz lançar-se ao infinito, à razão, ao transcendente: “Deus, a quem sirvo em
meu espírito”12 (Rm. 1,9).
Neste sentido, a alma, em sentido amplo, pode ser compreendida então
como uma outra forma de expressão do conceito grego ‘psyché’ e do conceito
hebraico ‘nefesh’, ambos relacionados à vida e ao princípio natural do homem. Já o
termo espírito, faz ressaltar o aspecto espiritual do homem ou até do próprio Deus:
derivam do hebraico ‘ruah’ e do grego ‘pneuma’, ambos referindo-se ao sopro vital e
divino, que só pode ser usado para falar do aspecto racional, moral e espiritual do
homem: “quem, pois, dentre os homens conhece o que é do homem, senão o
espírito do homem que nele está?”13 (1Cor. 2,11).
Portanto, para Paulo, o homem é muito mais do que corpo (matéria) e alma
(razão), como eram vistos pelos gregos, mas como um ser complexo, situando
hierarquicamente as estruturas fundamentais: o corpo, que por sua vez é animado
pela alma (psyché) e que possui uma identidade e abertura ao transcendente
(espírito).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
11BÍBLIA. Carta aos Colossenses. Português. Bíblia de Jerusalém. Tradução de Gilberto da Silva
Gorgulho (org.) et al. São Paulo: Paulus, 2000, p. 2215.
12 BÍBLIA. Carta aos Romanos. Português. Bíblia de Jerusalém. Tradução de Gilberto da Silva
VAZ, Henrique Lima. Antropologia Filosófica. São Paulo: Loyola, vol. 1, 2001.