Unidade 4
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1. OBJETIVOS
Familiarizar-se com as dimenses constitutivas do ser humano e com a relao corpo-alma.
Interpretar a reflexo que a antropologia faz sobre o ser
"homem" e sua estrutura ontolgica.
Reconhecer e analisar os argumentos vlidos para justificar o no antagonismo e a no identificao do corpo e
da alma.
Identificar o eu, ncleo da pessoa humana, e refletir sobre ele.
Interpretar a importncia do tu na formao da personalidade.
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2. CONTEDOS
Elementos constitutivos do ser humano.
Princpios essenciais do ser humano.
Relao funcional das dimenses constitutivas do ser humano.
Descrio da unidade vital do homem, o sujeito.
Caracteres constitutivos do ser humano.
O homem, ser social.
Surgimento da personalidade e a relao com o outro.
Caractersticas existenciais do homem.
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4. INTRODUO UNIDADE
Na Unidade 1, voc teve oportunidade de ver que existem
diversas interpretaes filosficas sobre o homem, as quais o explicam de diferentes perspectivas:
As que do nfase ao fsico: o homem atuaria sustentado pelas caractersticas fsico-biolgicas, sem se admitir
que possa existir entre ele e a natureza uma diferenciao
qualitativa.
A existencialista, que enfatiza a construo da personalidade na existncia.
Os que defendem que h, entre o homem e a natureza,
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uma diferenciao ontolgica. Por sua capacidade superior, o homem pode passar por cima do determinismo da
matria e da existncia.
Nesta unidade, voc vai perceber que o estudo da Antropologia Filosfica tem por objetivo abranger o homem em sua totalidade. Por isso, de vital importncia saber como se unificam
as dimenses constitutivas. Voc vai estudar as regies essenciais
que compem o Ser Homem: a biolgica ou vital, a psicolgica e a
espiritual.
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Aristteles, pronuncia-se a favor da concepo unitria. Corpo animado em conjunto com alma corporizada.
Informao complementar
O homem um horizonte entre corporal e espiritual. Cabe ento falar do espiritual. Porm, h uma necessidade ontolgica de falar do esprito ou , uma
necessidade metafrica?
Ou, com outras palavras, se ajusta somente descrio do homem como horizonte ou tem uma real existncia alm do simblico?
Por experincia, percebemos uma diferena entre o vivo e o inerte, isto , naquilo
que manifesta vida e o que nunca teve uma cadeira, por exemplo ou no tem
vida porque a perdeu um animal morto . Por outra parte tambm experimentamos algo comum que existe entre o vivo e o morto, e isso comum o material.
Deve existir algo mais que somente matria para poder explicar a vida. E esse
"algo mais", esse outro que no est nos seres mortos, o chamamos alma ou
esprito.
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Isso que foi colocado tem alguns pressupostos. Por um lado, devemos experimentar a diferena entre o vivo e o morto, isto , devemos ver uma heterogeneidade no real, uma diferena radial entre estar vivo e estar morto.
Isto significa que "esses 21 gramas", que diferenciam um ser vivo de um morto
no pertencem mesma hierarquia que o material. Seja como for, imaginemos
como imaginemos, o que chamamos alma o que d sentido a essa matria,
sem a qual a matria dissolve-se nos diferentes elementos que a compem. Ou
para dizer de outra maneira, quando a alma se vai da carne, esta se torna corpo
e os elementos que a compem retornam a suas formas primitivas, o mido do
corpo volta a ser lquido, e se evapora, por exemplo.
O outro pressuposto que essa teoria da alma no deve ser uma soluo por
ignorncia, isto , no devemos dizer "esprito" onde a cincia biolgica diz "ainda no sei".
A Antropologia filosfica, neste caso enquanto psicologia ou estudo da alma,
deve se esforar em dialogar com as cincias biolgicas, tanto para a superao
do esquema cartesiano de res cogitans / res extensa, como para a superao do
esquema cincias do esprito/cincias da natureza.
Assim, podemos dizer que existe uma alma ou esprito que anima, isto , d
vida a uma matria, fazendo com que passe de corpo a carne. Temos usado
indistintamente o termo alma como o termo esprito, porm, cabe fazer algumas
distines. Neste livro de antropologia preferimos usar a palavra "esprito" mais
que "alma", porque este termo nos permite mostrar o mais propriamente humano, em comparao com os outros seres viventes e, por outro lado, nos leva a
pensar algo mais que humano.
Os usos da palavra esprito.
A palavra "esprito" chega a nossos ouvidos com um som de divindade. Um dos
usos desse termo o religioso. Esprito uma das pessoas da trindade. Assim,
ento, quando usamos essa palavra no que diz respeito ao homem, teremos que
assinalar que algo dele divino, que alguma participao tem com a natureza
de Deus.
O segundo uso desta palavra j no no singular, mas, sim, no plural. Falamos
de "os espritos" para nos referirmos realidade demonaca, isto , realidades
que fazem de nexo entre os deuses e os homens. Assim se entende o demnio
de que falava a Scrates e que lhe aconselhava o que no fazer, ou a caracterizao que faz Plato do amor no Banquete. O esprito como demnio um poder
capaz de unificar as diferentes foras da alma humana dando-lhe um sentido,
uma orientao superior.
Na histria do pensamento o termo "gnio" se aplica pessoa que muito inteligente, com o qual vemos que o espiritual referido diretamente ao racional
no tanto ao afetivo. Porm, "gnio" se aplica tambm pessoa que se destaca
sobre o comum, quele que tem certo carisma que o torna atrativo aos demais,
ou, em outras palavras, um dolo para os demais. Tanto demnio como gnio
tm a capacidade de colocar o homem alm de seus limites. Ento podemos dizer que o demnio e o gnio possuem a caracterstica de propor uma forma nova
de atuar, rompem com a rotina e anunciam algo novo, a est a genialidade por
sua novidade seja inicialmente rejeitada, mal compreendida.
O terceiro uso da palavra esprito se aplica atitude que tomamos perante as
dificuldades. Assim, dizemos que um ancio tem esprito quando apesar da idade
e das enfermidades tem uma viso otimista das coisas, ou tambm o usamos
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Essa definio de alma explicita ou d razo primeira definio, quando nos diz
que o princpio das operaes, porque ato primeiro, a forma substancial do
vivente. Porm, cabe ainda uma terceira definio, e a seguinte: "A alma de
algum modo todas as coisas" (ARISTTELES, Da alma).
Enquanto que na segunda definio a alma se fecha na carne, se oculta ao
dar vida matria e, portanto, se limita a essa carne, a esses ossos, esta nova
definio nos mostra que a alma infinita, isto , est aberta a todo o real (SANTO TOMS DE AQUINO, Suma Teolgica). A alma, ento, tem uma capacidade
de infinitude enquanto pode receber, pode hospedar inclusive ao mesmo tempo
Deus, por isso se fala do homem como "capax Dei", est aberta ao absoluto.
Porm, essa infinita abertura da alma, que a constitui em alma espiritual, envolve um
risco, envolve o drama da alma. Porque enquanto infinita, a alma pode se perder,
pode no encontrar seu sentido e cair em desespero. Seguindo Kierkegaard, podemos
dizer que o desesperado aquele que no o que , e o que no . O desesperado aparece como aquele que, graas a essa capacidade de ser tudo, no nada
(KIERKERGAARD, Tratado da desesperao). Vai de um lado para o outro, sem lugar
prprio, sem destino fixo. Assim, a infinitude da alma pode ser seu fundamento, porm
tambm seu abismo. (ETCHEBEHERE, 2008, p. 47-52, traduo nossa).
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pode alargar o ambiente circundante dimenso do universo e objectivar as "resistncias"; pode igualmente e o mais notvel transformar em objecto a sua
prpria constituio fisiolgica e psquica, cada "vivncia" mental particular, cada
uma das suas funes vitais. S por isso que semelhante ser pode tambm
renunciar livremente sua vida. O animal ouve e v mas sem saber que ouve e
que v. A psique do animal funciona, vive mas o animal no nenhum psiclogo e fisilogo! Devemos pensar em estados extticos muito raros do homem na
hipnose plena, na absoro de certos venenos inebriantes, em certas tcnicas
de inibio consciente do esprito (ou seja, j com uma interveno mental), por
exemplo, cultos orgisticos de toda a espcie para, de algum modo, nos transferirmos para o estado normal do animal. O animal tambm no vive os impulsos
derivados das suas tendncias como seus, mas como atraces e repulsas dinmicas, que derivam das prprias coisas do meio. [...]
O animal no tem uma "vontade" que sobreviva aos seus impulsos e sua mudana e que, na alterao dos seus estados psicofsicos, possa garantir uma
continuidade. Um animal chega sempre, por assim dizer, a um lugar diferente daquele que originariamente "pretendia". Nietzsche profundo e correcto quando
diz que "o homem o animal que pode prometer".
H quatro graus essenciais em que aparece todo o existente, relativamente sua
interioridade (Innesein) e ipseidade (Selbstsein).
As coisas anorgnicas so de todo desprovidas de semelhante interioridade e
ipseidade; tambm no tm centro algum, que onticamente lhes pertena; portanto, tambm nenhum medium, nenhum ambiente. O que neste mundo objectivo designamos como unidade, at s molculas, aos tomos e aos electres,
depende exclusivamente do nosso poder de dividir os corpos realiter (do latim
corpori realiter) ou, pelo menos, em pensamento. Cada unidade corporal anorgnica s tal relativamente a uma legalidade determinada da sua aco sobre
outros corpos. Mas os centros inespaciais de foras, que suscitam o aparecimento da extenso no tempo, e que temos de colocar metafisicamente na base das
imagens dos corpos, so centros de pontos dinmicos de aco interdependente
e recproca, em que confluem as linhas de fora de um campo. Um ser vivo, pelo
contrrio, sempre um centro ntico e modela "a sua" unidade espacio-temporal
e a sua individualidade; estas no derivam, como nas coisas anorgnicas, da
"nossa" actividade de unificao biologicamente condicionada. Ele um X que a
si prprio se delimita; tem "individualidade" desmembr-lo significa aniquil-lo,
eliminar a sua essncia e a sua existncia. O impulso afectivo da planta possui
um centro e um meio em que o ser vivo, relativamente aberto no seu crescimento, est mergulhado, sem rplica dos seus diferentes estados ao seu centro; mas
a planta dispe, em geral, de uma "interioridade" e, por isso mesmo, "animada".
No animal, a sensao e a conscincia existem, e h nele um ponto central de
retransmisso dos estados mutveis do seu organismo, e tambm uma modificabilidade do seu centro mediante tal retransmisso: est, pois, j dado a si
mesmo uma segunda vez. Mas o homem ainda o uma terceira vez, em virtude
do esprito: na autoconscincia e na objectivao dos seus processos psquicos
e do seu aparelho sensrio-motor. Importa, pois, pensar a "pessoa" no homem
como o centro que supera a oposio do organismo e do meio (SCHELER, 2011,
p. 6-13).
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importante expor que, no homem, o psquico, com o orgnico e o espiritual, integra um sistema superior, que a estrutura humana. O psquico, mesmo que alguns autores o denominem alma,
difere do esprito. Ainda sobre a alma, leia o quadro a seguir:
Informao complementar
Voltando ao problema, lembremo-nos mais uma vez de que, na psicologia emprica, o termo "alma" utilizado para indicar os fenmenos psquicos. Dessa
forma, esse termo deixa de ter um contedo filosfico para ter uma aplicao
prtica (denota uma capacidade operativa). Na linguagem teolgica, alma indica
essa relao entre o homem e Deus; dizer que o homem tem alma dizer que o
homem foi criado por Deus, que algum diante do Criador. Para os clssicos,
alma indica a forma substancial constitutiva da pessoa humana.
Sobre esse tema, voc, alm de outras obras, pode ler o Captulo
2, intitulado "A vida", da obra O homem que ele?, de B. Mondin.
Esprito
Gevaert (1995) explica que o termo "esprito" um termo
"complicado" por ser vago e impreciso. Muitas vezes, expressa
um fenmeno vital concreto: hlito, e, outras vezes, um princpio
exclusivamente humano: atman, pneuma, spritus etc. No nvel
filosfico-antropolgico, esse termo empregado para simbolizar
aquilo que humano e que no pode ser reduzido a fenmenos
materiais definidos pela causalidade ou pela realidade espaotemporal.
Como explica Royce (apud GEVAERT 1995, p. 140): "Denomina-se espiritual o sujeito que pode atuar sem depender intrinsecamente da matria. O espiritual no inclui uma dependncia extrnseca da matria e sim intrnseca". Indica que a pessoa humana no
pode ser compreendida unicamente desde a dimenso material
por ser tanto material quanto espiritual.
Sabemos que o esprito a dimenso constitutiva que diferencia o humano do resto da criao. O espiritual a dimenso
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operam por meio dos rgos corporais, e que, unidas naturalmente, conceituam o ser humano (estando o esprito perante a vida).
Pelo poder do esprito, o homem pode dizer no ao meio, aos impulsos. Para esses pensadores, pessoa a realidade substancial
composta de corpo e alma.
Os pensadores modernos como Hegel interpretam o esprito
como uma obra cultural realizada na histria, como evoluo da matria corprea. Por esse caminho, perde-se a singularidade da pessoa.
A Antropologia Filosfica contempornea defende como
princpio que o que caracteriza a pessoa espiritual a capacidade
que possui para se distanciar da dimenso psicofsica, esse "sair
de si". Essa caracterstica o converte em um "ex-sistente". Como
explica Heidegger a expresso "o homem ex-siste" no esta dirigida a explicar se o homem real ou no, responde questo da
essncia do homem. "A essncia reside na sua exsistencia, isto
aquilo que se apresenta com 'ser ai'".(HEIDEGGER, 1967, p. 50).
Enquanto que a existncia est relacionada com a concretude.
O sujeito espiritual nico por ser irredutvel ao mundo e
aos outros. Por ser espiritual, o ser humano sujeito diante do
mundo.
Na Antropologia do sculo 20, predomina a ideia de que as duas
dimenses humanas, corpo e esprito, atuam em conjunto, mas,
deixando suas diferenas ontolgicas aparecerem, nunca se confundem; o esprito o no fsico.
Corpo
O corpo, assim como o esprito, no um sistema completo. Ambos, corpo e esprito, formam partes, como subsistemas de
uma estrutura superior: a pessoa humana. Sobre o corpo, podemos destacar as seguintes concepes:
1) O corpo coloca a pessoa dentro dos organismos vivos;
existimos como corpo.
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7. HOMINIZAO
O termo "homem", ou hominis, no indica somente um
grau diferente dentro da escala zoolgica; ele sugere alguma coisa
mais. Quando se pensa o homem, um dos questionamentos mais
comuns : "de onde ele surge?".
Sabemos que, pela reproduo sexuada, herdamos de nossos pais o quadro cromossmico. Dessa unio, surge um novo ser,
que, produto da gestao, vai ter uma carga gentica dos pais e,
tambm, vai ser um novo eu. Mas por que "novo eu"? Porque esse
sujeito que espreita o mundo uma figura nova, com uma realidade prpria. Como os seus pais, esse novo eu vai possuir uma
existncia particular, unitria, intransfervel e indivisvel. Esse ser
humano , portanto, nico.
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A escolstica chama de haecceitas o princpio de individualizao. Nessa explicao muito simples, acabamos de descrever
uma hominizao filogentica. Entretanto, h outra, paralela, chamada ontognica, que caracterizada pela infuso do esprito.
Aristteles diz que o esprito vem do exterior (thyrathen).
O que sabemos que o esprito constitutivo do ser humano,
afinal, ningum carece dele, nem tem dois ou mais. O ato reprodutivo possibilitou a hominizao e esse ser humano novo est
composto de:
Uma dimenso corporal caracterizada pela herana.
Uma dimenso psquica alinhada pela herana e trabalhada pela educao (influncia do meio cultural).
Natureza do homem
O homem tem uma natureza que universal a todos os homens.
Entretanto, ele no uma realidade esttica, pois o homem concreto
um ser dinmico que forja sua personalidade na existncia.
A inteligncia instrumental, ou seja, o uso do pensamento
como instrumento, no particular do homem, afinal, ela comum a todos os primatas superiores. O que propriamente humano a capacidade de individualizar as coisas como meio para satisfazer necessidades e perceber as essncias dos entes, das coisas.
Uma vez que o homem o nico ser que possui essa capacidade,
ele se sente um ente separado da natureza.
O homem um animal, mas, diferentemente dos outros
animais, no se sente produto da evoluo da vida e no se sente somente natureza. Bilogos, como Portmann e Gehlen (apud
FRANKL, 2003), afirmam que o homem no tem um lugar definido
dentro da natureza e no possui um desenvolvimento orgnico determinado. Ele livre diante do meio.
A pergunta que se refere ao nascimento da espcie humana
tem, hoje, respostas controversas. A maioria das informaes
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Afirma-se que o homem nasce como uma folha em branco, e que a sociedade o
modela. Esse conceito evolucionista provm de pensadores como Khler e outros. Os evolucionistas modernos, como G. G. Simpson, defendem que o homem
tem atributos essenciais prprios que o diferem dos animais. At Darwin, que
colocou o homem dentro da escala zoolgica animal, descreveu caractersticas
psquicas prprias, como a de refletir sobre seu passado e elaborar abstraes
mentais, como smbolos, em que a capacidade mais elaborada a da linguagem,
seguida pelo sentido de beleza e pelo senso de religio, por ser o homem um
animal cultural e social. A Antropologia Cultural descreve as alteraes do habitat
baseando-se em estudos de povos primitivos e, assim, comprovando que existe
uma enorme variedade de costumes, valores etc.
O grande questionamento da Antropologia Filosfica se existe alguma caracterstica que seja comum a todos os homens e que, portanto, no tenha sido herdada durante o perodo da evoluo. Uma viso explicativa do interior humano
leva-nos a concluir que existe algo que se destaca do puramente sensitivo e do
anmico: o princpio espiritual, que de natureza diferente da matria. H, em
ns, conhecimentos e atos psquicos que so comuns a todos os animais, como
sentir dor, sofrer etc., mas somente o homem pode dar sentido ao sofrimento. O
homem tem a capacidade de transcender seus atos e converter-se em objeto de
suas reflexes. O animal um ser realizado dentro de seus instintos, j o homem
transcende o espao temporal.
As caractersticas humanas denotam a existncia de um Centro Espiritual ou
Alma Espiritual. Esse centro d independncia diante do meio e do corpreo. O
esprito no um agregado, pois o espiritual determina o somtico. Desse modo,
o homem sem esprito no homem, como tambm impossvel imaginar um
animal com esprito, pois este no seria o animal que conhecemos, seria ontologicamente outra coisa, talvez uma criatura parecida com os extraterrestres dos
filmes de fico.
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8. PARALELISMO "PSICOFSICO"
A Antropologia Filosfica apoia-se no princpio de que h, no
homem, uma unidade vital, uma unidade ontolgica que envolve
o corpo e a psique. Como seres humanos, possumos o eu, que nos
confere identidade. O eu o nome do comando interno que unifica, a partir do centro da pessoa, as aes dos extratos biolgico,
psicolgico e espiritual. O eu converte a vida psicofsica numa vida
de carter espiritual e, portanto, nica.
Como se produz essa relao denominada paralelismo psicofsico? H duas correntes principais de interpretao do denominado paralelismo psicofsico. Observe:
A primeira diz que a conscincia (portanto, o esprito) no
passa de um epifenmeno, trocando o paralelismo por
uma reao de causa-efeito. Nessa concepo, tudo depende do aparato psquico e a causa radica na estimulao do sistema nervoso. Tudo explicado a partir da
matria. O comportamento espiritual , desse modo, resultado do crebro.
A outra admite um estreito paralelismo entre o sistema
nervoso e o esprito. O corpo fsico diferencia-se da atividade espiritual da mesma forma que o esprito se diferencia do aparelho psquico. Cada um tem caracteres
prprios. So, por isso, protofenmenos.
As duas interpretaes gerais apresentadas vm desde a filosofia grega primitiva. No princpio, os gregos pensavam a alma como
forma do corpo e, mais tarde, comeam as doutrinas espiritualistas.
Santo Agostinho e, anteriormente, Plato, concebem uma
alma incorprea. J Demcrito, Epicuro e os estoicos (pais do materialismo) reconhecem a alma como composta por tomos.
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Hoje, h variadas e diferentes interpretaes derivadas dessas duas formas de concepo antropolgica. Sem chegar a uma
anlise intensiva, lembremos as principais:
a) Dualismo Espiritualista: esse sistema filosfico afirma
que o corpo (matria) e a alma (imaterial) so duas substncias irredutveis e com caracteres prprios de cada
uma delas.
b) Idealismo: corrente de pensamento que nega a existncia objetiva do mundo exterior. Isso significa que a nica
realidade que existe a do nosso esprito. Autores como
Bruno, Berkeley, Fichte, Schelling e Hegel empregam a
palavra "idealismo" em diferentes matizes, ainda que
todos considerem que a realidade do mundo externo
depende de nossas mentes.
c) Pantesmo: Baruch Spinoza (1632-1677), pensador de
orientao marcadamente cartesiana, une os princpios
propostos por Descartes com as concepes de origem
hebreias, como a Cabala, e os conceitos escolsticos
provenientes das obras de Surez. Em sua filosofia, de
orientao pantesta, ele interpreta a realidade de forma racionalista e mecanicista. Em sua obra Ethica Ordine
Geometrico Demonstrata, Spinoza afirma que o homem
um ser em Deus, o que diferente do conceito de
"relao com Deus". Deus, para esse autor, a natureza toda. Para entender melhor esse tema, importante
analisar a seguinte parte da obra citada:
essncia do homem no lhe pertence o ser da substncia, a substncia no pode constituir a essncia do homem porque o ser da
substncia corresponde unicamente "existncia necessria". [...]
a mente humana parte do entendimento de Deus, que se explica
pela natureza da mente humana (SPINOZA, 2002, p. 2).
"Spinoza, dessa forma, s aceita uma nica substncia, que identifica como a natureza de Deus" (CARVALHO, 1992, p. 231). Aqui est a
explicao do porqu de esse autor ser qualificado como pantesta.
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Cabe, aps essa explanao da realidade material e espiritual, investigar o centro convergente de toda a realidade humana,
seu eu (ego). Vejamos!
9. SUJEITO
J explicamos que as principais questes sobre a existncia
humana giram em torno da existncia pessoal, o ncleo que sustenta a existncia (o ego, o eu). Esses termos mostram o atributo
de unicidade que caracterstica do ser humano.
Na pessoa, h uma unidade, ou ncleo, que comum a toda
pessoa humana. Porm, a pessoa de cada um no uma mquina fabricada em srie, pois, como j mencionamos, cada pessoa
nica. Desse modo, o "eu" responde a certas caractersticas:
O sujeito nico, no existem dois sujeitos com os mesmos atos humanos. Todos os atos psquicos respondem a
um eu real e nico.
Tambm h uma coincidncia entre o sujeito que pensava anteriormente e o sujeito que pensa neste momento.
H uma identidade histrica com o tempo. Eu pensava
ontem e eu penso hoje e, mesmo que meu pensamento
tenha pontos de vista diferente, sou eu quem mudou. No
conjunto ontolgico, entretanto, a relao se mantm. O
eu consciente de si mesmo e de sua atividade.
O eu, ncleo da pessoa
Coreth (1998) explica por que cada um de ns se sente um
eu. Esse ponto central do ser humano, que aqui denominamos eu,
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matria, nem psique separadamente, pois suas dimenses constitutivas so irredutveis. O homem uma pea s e essa particularidade faz da vida humana uma realidade nica.
Olhando para o ser humano, podemos afirmar que todos os
homens tm a mesma natureza potencial e que ela inseparvel
da influncia cultural. Mondin explica que todo homem um ser
cultural e alerta:
O homem no um edifcio pr-fabricado que basta simplesmente
montar, como hoje se faz com as coisas, bancos e escolas. Ele deve
se construir com suas prprias mos, cultivando a si mesmo. O
objetivo primrio da cultura promover a realizao da pessoa
(MONDIN, 1998, p. 116).
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Referindo-se indigncia humana, Portmann (apud CABADA, 1994), um investigador que auxilia V. Frankl em seu pensamento, demonstra que o homem passa
por uma espcie de "parto prematuro fisiolgico". A sua tese assinala a deficincia humana ante a segurana instintiva e a especializao do animal.
J. Rof Carballo, na obra Rebelin y futuro, escreve: "a me d duas vezes a vida,
a primeira no momento de dar a luz ao filho e a segunda quando a me possibilita
o 'nascimento' (leia-se surgimento) do esprito do filho concebido, no trato, na dedicao, com ternura" (CARBALLO, 1970). Essa etapa alcanada dando amor,
carinho e cuidando. importante que, paralelamente, acontea o necessrio processo de separao, que possibilitar o entrosamento do novo eu no meio social.
A segunda gestao, considerada extrauterina, responsvel pela plenitude do
ser, visto que a prematura pessoa no tem meios para surgir por si s, conforme
pretendia o idealismo. Essa evidncia leva comprovao de que s possvel
ser pessoa em relao com o outro, uma das regras de ouro da Antropologia Filosfica. O amor o que possibilita o surgimento da pessoa e vai acompanh-la,
como energia orientadora, pelo resto de sua vida. O tu, inicialmente a me, vai
possibilitar a vida pessoal.
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Atualmente, h uma retomada desses princpios filosficos. Neles, apoia-se a escola fenomenolgica contempornea, concretizada por E. Husserl, que arranca
a possibilidade de poder definir o ser, partindo da intuio da essncia que est
presente em cada realidade, independentemente das circunstncias empricas
que revestem o fato. Para esse pensador, os princpios lgicos supremos no se
referem ao pensar, e, sim, coisa pensada, ou seja, aos objetos.
Observemos, a seguir, um esquema que mostra como compreendemos o mundo. O tomismo est dentro da cincia escols-
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tica que, por sua vez, est apoiada em trs graus diferentes de
abstrao da realidade:
Quando a inteligncia percebe a realidade material por
meio da experincia sensvel, abstrai o ser material (ou
ser mvel, na terminologia escolstica). Pertencem a essa
etapa o conhecimento emprico do ser e os conhecimentos da Filosofia Natural.
Ultrapassando o ser material da primeira abstrao, fica
em evidncia a dimenso de quantidade, como, por
exemplo, os conceitos matemticos.
Superando toda a materialidade do ser, a inteligncia capta o ser enquanto ser. Essa terceira abstrao a que possibilita a percepo do bem.
No podemos pensar no tomismo como um sistema filosfico fechado, terminado. Ele um sistema dinmico, pois a inteligncia
est continuamente descobrindo novos aspectos do ser.
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Informao complementar
O homem espiritual, pela interveno do entendimento, descobre os fins por querer. O fim principal o Bem Universal ou Bem Comum. Contudo, mesmo sendo
um ser espiritual, o homem pode no perceber corretamente o Bem Comum,
fixando-se em fins subordinados ou em bens particulares que encontra no curso
de sua vida. Isso acontece porque a vontade livre e, o juzo, varivel.
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Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questes autoavaliativas propostas:
1) d.
2) b.
3) c.
4) Resposta:
Para configurar sua personalidade, o ser humano precisa do suporte, ou seja,
da cooperao que as outras pessoas proporcionam.
16. CONSIDERAES
Ao longo desta unidade, levantamos o problema da diversidade
cultural e colocamos, como caminho de explicao, a necessidade de
investigar o homem, que sujeito no processo da gerao da cultura.
A Antropologia Filosfica trabalha com a concepo de que
todos os homens tm a mesma natureza. Ento, por que existe
a pluralidade cultural? Os antroplogos culturais, para explicar
esse fato, desenvolveram diferentes teorias. Algumas delas so: o
evolucionismo, o funcionalismo, o estruturalismo etc. Como voc
pde notar, a Antropologia Filosfica focaliza essa realidade a partir do homem como sujeito da cultura.
Assim, nas prximas unidades, vamos continuar a discusso
desses assuntos. Quando voc estudar as propriedades essenciais
do ser humano (a liberdade, a historicidade e a dimenso transClaretiano -
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cendente, com a capacidade intelectual e a vontade livre), analisar por que o homem, como indivduo, vive num meio humano
sustentado pela cultura, enquanto, como pessoa, distingue-se de
tudo o que no ele (e de todos).
Estudamos ainda que, por trs de toda filosofia, h uma concepo de homem. A viso de homem na histria vai desde o homem como ser de dignidade at o homem como ser de utilidade,
passando por todos os nveis intermedirios, como, por exemplo,
homens vivendo em comunho com o meio e com os outros homens; homens explorando o meio e vivendo um individualismo
social; e homens sendo explorados sem nenhum controle sobre o
mundo e suas vidas.
A Antropologia Filosfica entende que o homem uma unidade indissolvel, um ser que no pode caber em nenhum reducionismo.
17. E-REFERNCIAS
Sites pesquisados
SCHELER, M. A situao do homem no cosmos. Diferena essencial entre homem e
animal. Traduo Artur Moro. 2008. Disponvel em: <http://www.lusosofia.net/textos/
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