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EM3 | Hematologia Urgências Hematológicas

Urgências Hematológicas
As emergências hematológicas podem ser agrupadas de diferentes formas. Podem, então, ser
organizadas consoante as diferentes linhagens sanguíneas, ou seja, emergências hematológicas
relacionadas com:
• Glóbulos vermelhos
• Leucócitos
• Plaquetas e coagulação

Glóbulos vermelhos
No que concerne às emergências relacionadas com os eritrócitos, podemos ter:
• Reações Transfusionais
Cada vez em menor número, uma vez que existem mais testes de compatibilidade. As reações
mais frequentes, que possam existir, devem-se à libertação de citocinas, quando são feitas
transfusões muito rápidas, ocorrendo febre e tremores. Pode prevenir-se com a toma de
corticoides e anti-histamínicos antes da transfusão.
• Anemia hemolítica autoimune

Em doentes com drepanocitose é muito frequente ocorrerem:


• Crises vaso-oclusivas
Crises dolorosas, por precipitação das hemácias falciformes, cujas causas
mais comuns são:
§ Não compliance na toma da medicação
§ Infeções intercorrentes
§ Desidratação
§ Exercício físico
§ Frio/calor
Nestes doentes, é muito importante estarmos atentos para este quadro não evoluir para uma
síndrome torácica aguda.

• Síndrome Torácica Aguda, explorada adiante.

Síndrome Torácica Aguda


Define-se pela existência de um infiltrado intersticial de novo no raio-x tórax, associado a sintomas
respiratórios e/ou febre, no contexto de drepanocitose. Os MCDTs incluem:
• Raio-x tórax
• Gasimetria
• Exames culturais (importante para excluir qualquer tipo de infeção)
• Análises, que tendem a apresentar leucocitose, mesmo na ausência de infeção

O exame físico deve ter como objetivo identificar algum foco infecioso.

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O mecanismo fisiopatológico desta síndrome envolve situações diversas, que resultam num
agravamento da hipoxemia e da faciformação, tais como:
• Na presença de um fator precipitante, por exemplo, infeção respiratória, ocorre hipoxemia que
agrava a falciformação, levando à presença de dor que resulta na restrição da ventilação, com
dificuldade na expansão do tórax.
• Libertação de pequenos êmbolos gordos
• Microenfartes à periferia

Nesse sentido, a sintomatologia passa por dispneia, dor torácica e tosse. Por norma, é precedida,
em cerca de 24-72h, por uma crise vaso-oclusiva dolorosa.
O tratamento incluí a resolução de eventuais intercorrências infeciosas. Deve, também, instituir-se
oxigenoterapia, broncodilatadores, hidratação, analgesia e realizar transfusão ou
exsanguineotransfusão (flebotomia seguida de transfusão de concentrado eritrocitário). O principal
objetivo é evitar ou reverter a insuficiência respiratória, que pode mesmo evoluir para uma ARDS.
Assim sendo, é importante um alto grau de suspeição clínica.

Glóbulos Brancos
No que concerne às emergências relacionadas com os glóbulos brancos, podemos ter:
• Febre neutropénica (abordada noutra aula)
• Leucemia aguda (abordada noutra aula)
• Síndrome de Hiperviscosidade
• Síndrome de Lise Tumoral
• Hipercalcemia maligna
• Síndrome de compressão da veia cava superior
• Síndrome de compressão medular epidural de causa neoplásica

Síndrome de Hiperviscosidade
Associada a:
• Mieloma Múltiplo (IgA);
• Macroglobulinemia de Waldenstrom (IgM);
• Policitemia Vera;
• Hiperleucocitose (podendo estar associada a leucoestase cerebral ou leucoestase pulmonar).

Ocorre um aumento da viscosidade do sangue, resultando em alterações da perfusão dos tecidos.


Mais frequentemente deve-se a um aumento do hematócrito, sendo que também ocorre em situações
de Policitemia Vera ou por aumento de proteínas. Estas proteínas formam agregados que se ligam à
água, aumentando a pressão osmótica com consequente aumento da resistência do fluxo sanguíneo.
Dentro das disproteinemias, a causa mais comum é a macroglobulinemia de Waldenström, com
aumento de IgM, não existindo relação direta entre a concentração sérica das proteínas com os
sintomas. No entanto, quando a IgM atinge valores superiores a 3,5-4g/L o risco aumenta
substancialmente. São necessárias concentrações superiores de IgA e IgG para conferir um risco
igualmente tão aumentando.

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Em termos clínicos, apresenta uma tríade clássica que incluí:


• Alterações neurológicas (alterações do estado de consciência, vertigens, parestesias);
• Alterações visuais (devido a alterações vasculares da perfusão do sangue ao nível dos
capilares);
• Alterações hemorrágicas (a mais comum é a hemorragia ao nível das mucosas).
O tratamento passa pela plasmaferese, seguida do tratamento da causa subjacente.

Síndrome de Lise Tumoral


É das emergências hematológicas mais comuns. Caracteriza-se por anomalias metabólicas e
consequente disfunção de órgãos-alvo, resultantes da destruição tumoral massiva, espontânea (muito
rara, exceto no tumor de Burkitt) ou induzida pelo tratamento.
Na base destas alterações podemos encontrar hemopatias malignas de turn-over celular rápido e
de grande quimiosensibilidade (leucemia aguda, em particular hiperleucocitária; linfomas não-Hodgkin,
em particular o de Burkitt). Existem casos raros descritos noutros tumores. O elevado turn-over leva a
uma libertação dos metabolitos das próprias células.

A eventual existência de toxicidade, resultante das alterações metabólicas, deve ser avaliada,
devendo-se fazer uma estratificação de risco, tendo em conta alterações clínicas e laboratoriais.
Quanto à clínica, deve-se procurar a presença de:
• Alterações renais (a lesão renal é frequente e precoce);
• Toxicidade cardíaca (arritmias);
• Alterações neurológicas (convulsões), podendo, inclusive, levar à morte.

Analiticamente, as alterações metabólicas incluem:


• Hiperuricemia (≥8 mg/dL);
• Hipercaliemia (≥6 mEq/L);
• Hiperfosfatemia (≥6.5 mg/dL);
• Hipocalcemia (Ca corrigido ≤7 mg/dL).

A estratificação de risco, que inicialmente se prende com uma lise tumoral meramente laboratorial, é
mandatária para decisão de medidas profiláticas. O grau 5 corresponde a um doente que está morto.
Os graus 3 e 4 requerem uma abordagem mais agressiva, com eventual necessidade de diálise para
corrigir as alterações. Os graus 1 e 2 corresponde a um doente que pode ser controlado na enfermaria.

A prevenção é feita com base em:


• Hidratação vigorosa IV para diurese 2 cc/kg/h (NaCl 0.9%), com avaliação contínua de sinais
de sobrecarga;
• Diurético de ansa (permite espoliar o potássio);
• Suplementação com cálcio;
• Alopurinol (se ácido úrico >10mg/dL, uma vez que abaixo deste valor este é eliminado através
da hidratação e da diurese) ou Rasburicase (se hiperuricemia importante e de alto risco). O
alopurinol inibe a xantina oxidase, inibindo a produção de ácido úrico. A rasburicase transforma
o ácido úrico em alantuina, que é um produto de degradação das células que é muito mais
solúvel na urina sendo, por isso, mais facilmente eliminado.

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Hipercalcemia Maligna
É a síndrome paraneoplásica mais frequente, tanto dos tumores sólidos (como mama e pulmão),
como dos tumores hematológicos (como linfomas e mieloma). Ocorre em cerca de 30% dos doentes
com neoplasias, no decorrer da doença (ou seja, quer como forma de apresentação, quer já após o
diagnóstico estabelecido).

Os mecanismos que estão na base desta alteração envolvem:


• Formação autónoma, por parte do tumor, de análogos da PTH (aumentam a reabsorção de
cálcio dos ossos e a retenção de cálcio pelo rim);
• Destruição óssea (com libertação de citocinas, nomeadamente TNF, IL-1 e IL-6, que estimulam
os macrófagos a diferenciarem-se em osteoclastos, aumentando a destruição óssea);
• Produção de análogos da vitamina D (aumentam reabsorção óssea e absorção pelo intestino).

Clinicamente, o doente apresenta-se com sinais e sintomas muito inespecíficos, começando por
obstipação, dores abdominais, letargia, confusão, anorexia, náuseas, vómitos, arritmias (encurtamento
do QT), poliúria, lesão renal aguda (que se relacionam com grau de hipercalcemia e rapidez da
instalação).

O tratamento envolve:
• Hidratação e calciurese (cloreto sódio 0.9% 200-500 cc/h; furosemida);
• Bifosfonatos (bloqueiam a reabsorção óssea feita pelos osteoclastos, sendo que a sua
utilização está dependente da função renal);
• Corticoides (se o tumor for corticossensível, estes inibem a conversão da hidroxilase D3 em
calcitriol, inibindo reabsorção do osso)
• Tratamento da causa subjacente.

Síndrome de Compressão da Veia Cava Superior


Ocorre quando existem massas sólidas ao nível do mediastino. Só é uma verdadeira emergência
hematológica quando existe obstrução da via área ou edema cerebral.
Dentro das principais causas incluem-se a neoplasia (75% dos casos totais) do pulmão (60–80%),
linfoma não-Hodgkin (20–40%), timoma, linfoma de células T e tumor de células germinativas. Pode,
também, estar relacionada com trombose venosa associada a cateteres centrais ou outros dispositivos
intravasculares (25% dos casos totais) e, mais raramente, cpm infeções, aneurisma da aorta ou fibrose
mediastínica.

A apresentação clínica, que tem como base a compressão extrínseca e/ou invasão tumoral dos
vasos, é devida a:
• Aumento de pressão venosa (levando à formação de circulação colateral, com distensão
venosa do pescoço e tórax, e edema membros superiores)
• Compressão laringe/faringe (por exemplo, com disfonia, dispneia)
• Edema cerebral

Para o diagnóstico desta síndrome é obrigatório o diagnóstico histológico da massa antes do início
de quimioterapia ou radioterapia. Para tal, deve efetuar-se uma biópsia urgente, preferencialmente
excisional.

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O tratamento deve sempre incidir sobre a patologia de base. O tratamento sintomático deve
envolver repouso, com elevação da cabeceira, oxigenoterapia e aporte hidríco, bem como a utilização
de corticoides, nomeadamente a dexametasona. Caso esta apresentação se deva a trombose
associada ao cateter, este deve ser removido e o doente deve ser anticoagulado.

Síndrome de Compressão Medular Epidural (de causa neoplásica)


É uma verdadeira emergência oncológica no instante em que surge.
Em cerca de 20% dos casos é a primeira manifestação da doença. Os mielomas e os linfomas são
a causa de 5–10% das compressões medulares urgentes. Dentro dos tumores sólidos aqueles que
mais frequentemente originam este quadro são os tumores da próstata, mama, pulmão e rim. A
compressão é mais comum quando existe metastização para a coluna vertebral, quer seja por
destruição óssea, quer seja por invasão local. Outras causas incluem o trauma, abcesso e hematoma
epidural.
A compressão aguda gera uma compressão do plexo venoso epidural, com compromisso da
barreira hemática, promovendo a inflamação, que leva ao aparecimento de edema vasogénico,
resultando na compressão da medula.
Clinicamente, temos um doente com dor (dorsolombalgia em contexto de tumor com tendência a
localizações vertebrais/epidurais é neoplásica até prova em contrário), paralisia/paraplegia simétrica,
desautonomia, défices sensoriais, com perda de sensibilidade com “nível”.
O diagnóstico é feito recorrendo à RM (gold-standart), sendo que a TC só deve ser utilizada caso
existam contraindicações para a realização de RM.
O tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível, com corticoides. Nas primeiras 24h,
deve avaliar-se a possibilidade de realização de radioterapia (muito mais indicado nos tumores
hematológicos, que tendem a ser muito radiossensíveis) ou cirurgia descompressiva (avaliar condições
para a realização da mesma). O objetivo é prevenir complicações neurológicas, apesar de não existir
risco de morte iminente, a morbilidade associada é bastante elevada.

Plaquetas e Coagulação
No que concerne às emergências relacionadas com as plaquetas e coagulação, podemos ter:
• Púrpura Trombocitopénica Trombótica (a única abordada em aula)
• Coagulação Intravascular Disseminada
• Embolia Pulmonar
• HIT Síndrome (“Heparine associated Imune Thrombocytopenia”)
• Hemofilia A e B

Púrpura Trombocitopénica Trombótica


A púrpura trombocitopénica trombótica é uma microangiopatia trombótica, associada a um défice
ou inibição da enzima proteolítica ADAMTS13, que cliva o fator de von Willebrand (vWF). A
acumulação de multímeros de vWF na superfície endotelial leva à formação de microtrombos e,
consequentemente, origina anemia hemolítica e isquemia, principalmente, a nível cerebral e renal.
É de causa congénita em apenas 5% dos casos, com alterações genéticas que resultam no défice
de ADAMTS13. É, então, adquirida em 95% dos casos, podendo ser idiopática (50%) ou secundária
(50%).

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Em termos semiológicos, a pêntade clássica está presente em apenas 10% dos casos:
• Anemia hemolítica microangiopática (esquizócitos);
• Trombocitopenia (grave <30.000);
• Sintomas neurológicos flutuantes (minor, como cefaleia e confusã, ou major, como convulsão
ou coma);
• Febre;
• Insuficiência renal.

No diagnóstico, devem-se pedir: parâmetros clássicos de hemólise e teste de Coombs (negativo),


esfregaço de sangue periférico (esquizócitos), estudo da coagulação (normal) e atividade ADAMTS13.
O tratamento inclui a administração de plasma, plasmaferese, corticoterapia e Rituximab.

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