Traducao de Moralidade e Emocoes de Bern
Traducao de Moralidade e Emocoes de Bern
Traducao de Moralidade e Emocoes de Bern
Moralidade e Emoções1
Bernard Williams
1
Texto traduzido por Flavio Williges do original publicado em: WILLIAMS, Bernard. Morality and the
emotions. In: Problems of the self. Philosophical Papers 1956-1972. Cambridge: Cambridge University
Press, 1999. P. 207-230.
2
'bom', 'certo' e 'dever'; já as noções mais específicas em termos das quais pessoas muitas
vezes pensam e falam sobre sua própria conduta e a dos outros, com exceção de um ou
dois escritores, foram, em grande medida, deixadas de lado.
Essa concentração ajudou a empurrar as emoções para fora do quadro. Se você
pretende indicar as características e conexões mais gerais da linguagem moral, você não
encontrará muito a dizer sobre as emoções; porque há poucas, caso haja alguma,
conexões altamente gerais entre as emoções e a linguagem moral. Tem sido tudo mais
fácil para a filosofia analítica recente aceitar esta verdade em virtude das evidentes falhas
de uma teoria, ela mesma uma das primeiras no estilo linguístico, que afirmava
precisamente o contrário. Essa teoria foi o emotivismo, que oferecia uma conexão
entre linguagem moral e as emoções tão direta e tão geral quanto se possa
conceber, na forma da tese de que a função e a natureza dos juízos morais era
expressar as emoções do falante e despertar emoções semelhantes em seus
ouvintes. Esta teoria não se mostra muito plausível, e o interesse nas questões altamente
gerais remanescentes tornou suficientemente natural olhar para coisas bem diferentes
das emoções como respostas. Não que o emotivismo tenha deixado de ser mencionado.
Ele é mencionado para ser refutado, e na verdade a demolição do emotivismo quase veio
a ocupar o lugar nos exercícios de graduação que costumava ser ocupado (como Stephen
Spender lembra comicamente em sua autobiografia World Within World) pelo
desmembramento igualmente mecânico do utilitarismo de Mill. O emotivismo é
especialmente adequado para este papel de vítima sacrificial porque ele é, ao mesmo
tempo, um pouco desonrado (o emotivismo sendo considerado irracionalista) e, com
certo embaraço, será provavelmente tomado como um parente próximo. Mas há coisas
a aprender com o emotivismo que nem sempre surgem no decorrer dos exercícios rituais;
e é algumas dessas que agora passarei a considerar. Meu objetivo não será reconstruir o
emotivismo, mas defraudá-lo; não reconstruir o templo pagão, mas colocar suas ruínas a
serviço de um propósito mais sagrado.
O emotivismo sustentava que havia dois propósitos dos juízos morais: expressar
as emoções do falante e influenciar as emoções de seus ouvintes. Quero me
concentrar no primeiro deles. De fato, foi claramente a intenção do emotivismo oferecer,
ao referir-se à expressão de emoções, uma visão sobre a natureza dos juízos morais, uma
visão do seu caráter lógico e linguístico; não estava oferecendo meramente uma
afirmação empírica no sentido de que os juízos morais (eles próprios identificados de
alguma outra forma) sempre expressam as emoções de seus enunciadores. Sendo assim,
deve ser parte de uma tese emotivista que existem alguns tipos de regras linguísticas
associando julgamentos morais com a expressão da emoção. Que forma tais regras
linguísticas assumem? Aqui há duas possibilidades importantes e diferentes, que devem
ser distinguidas. Por um lado, podem ser regras sobre o uso correto de certas
sentenças ou formas de palavras – a saber, aquelas formas de palavras que ao serem
pronunciadas fazem um juízo moral; e as regras estabeleceriam que, a menos que essas
formas de palavras fossem usados na expressão da emoção, elas estavam sendo mal-
empregadas. Nesta forma, as regras seriam sobre o uso correto das sentenças que usamos
ao fazer juízos morais, estabelecendo-se sobre essas sentenças que seu uso correto está
em parte na expressão da emoção. A segunda possibilidade é que as regras linguísticas
não devem dizer respeito ao uso correto ou incorreto dessas frases, mas deve
regular a aplicação da expressão 'juízo moral'. Nesta forma, as regras não
estabeleceriam que um falante seria culpado de um uso indevido de certas sentenças se
ele não as usou na expressão de suas emoções; apenas estabeleceria que, se ele as usasse,
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não se consideraria que estivesse a fazer um juízo moral. Em termos um pouco mais
técnicos, pode-se dizer que a primeira possibilidade diz respeito à semântica de uma certa
classe de sentenças, enquanto a segunda possibilidade diz respeito à definição de um
certo ato de fala, o ato de fala de fazer um julgamento moral. Vou considerar essas duas
possibilidades uma de cada vez.
Na primeira possibilidade, que o requisito de expressão de emoção realmente
entre nas regras semânticas das sentenças empregadas em julgamentos morais, pode-se
perguntar se existem sentenças cujo uso foi regido por regras semânticas deste tipo.
Certamente existem. Deixarei de fora o caso de sentenças que também dizem algo
explicitamente sobre o estado emocional do falante, por exemplo.
Aqui parece razoável dizer que o uso desta frase é regido pela exigência de que o falante
esteja expressando irritação, ou algum sentimento desse tipo. Encontramos aqui a
questão da entonação em enunciados desse tipo; é notável que há uma grande variedade
de entonações em que a frase seria inadequada, e outros em que seria apropriada, e se
este último fosse empregado quando o falante não estava irritado, seu enunciado seria
enganoso, até mesmo desonesto.
Nesse caso, essas características da sentença, é claro, centram-se em uma palavra,
o palavrão (expletivo); e isso respalda a descrição dessas características em termos da
semântica da sentença, pois elas são características ligadas ao uso desta expressão: se
alguém não sabia que a expressão funcionava assim, ele seria ignorante de um fato sobre
a Língua Inglesa. Que as características se centram nesta expressão faz este exemplo
particularmente simples de uma certa maneira; a inclusão do palavrão meramente
acrescenta algo ao que, sem ele, seria uma declaração direta do fato. Essa elocução
(statement) por si só poderia, claro, também ser feita de uma maneira que expressasse
irritação, mas não precisa ser assim; a adição do palavrão permite uma maneira de fazer
essa mesma alegação factual (statment of fact) que se restringe aos casos em que sua
expressão (utterance) deve ser tomada como expressiva de irritação. Este é o tipo de caso
ao qual se pode aplicar diretamente o velho pedido do New Yorker: Apenas atenha-se aos
fatos, por favor!
O tipo mais primitivo de teoria emotivista assimilou juízos a este tipo de
enunciado: declaração de fato mais palavrão. Isso, como tem sido muitas vezes apontado,
não funciona. É muito óbvio que o julgamento moral
2Para uma discussão útil sobre isso e questões relacionadas, veja W. P. Alston, 'Expressing',
em Max Black ed., Filosofia na América (Londres: Allen and Unwin. 1965).
4
uma declaração de fato pode ser. À parte isso, palavrões não são logicamente
manobráveis o suficiente para fornecer um modelo para juízos morais ou quaisquer
outros juízos de valor. A fim de adaptar a esta questão um argumento que tem sido usado
por J. R. Searle3 contra uma tese mais sofisticada, é notável que você não pode tornar
condicional as funções expressivas de um palavrão. Assim a sentença
Se ele quebrou seu triciclo novamente, ele ficará sem sua mesada, dane-se.
obedece aos mesmos tipos de regras que a sentença mais simples considerada
anteriormente; ela pode ser usada apropriadamente apenas por alguém que já está
irritado. Mas mesmo que eu fique indignado se eu acreditar que ele fez algo errado em
não ir ao seu compromisso, é claro que a sentença, proferida quando ainda estou em
dúvida sobre as circunstâncias,
e B responde
dificilmente isto [a opinião] parece aberto a mim; mesmo que eu queira discordar de sua
avaliação da aparência de Lisa, fazê-lo simplesmente negando sua afirmação em seus
próprios termos:
seria uma coisa estranha de se dizer, e teria um lugar, eu suspeito, apenas se eu o estivesse
citando, como acima – e sendo, dessa forma, muito rude - ou possivelmente, e mais
interessante, se eu mesmo estivesse bastante apaixonado, e discordando apenas sobre a
3
"Significado e atos de fala", Philosophical Review (1 962), pp. 423-32. Embora o princípio do argumento
de Searle e o meu seja o mesmo, os argumentos avançam em direções contrárias. Seu ponto é que não
há um link de significado entre uma determinada frase e a execução de um determinado ato de fala, uma
vez que o ato de fala não é realizado quando a sentença ocorre em outros contextos do que a simples
afirmação. Meu argumento sugere antes que há uma ligação de sentido entre o palavrão e sua função
expressiva, uma vez que a função expressiva é preservada em tais contextos.
5
parece ser reservado para uso em circunstâncias em que certas emoções, como o
desprezo, são sentidas pelo falante. O que mais o enunciado desta frase faz? Primeiro,
afirma ou implica certos fatos, como que ele fez um acordo e voltou atrás na reunião; e
segundo, importa uma explicação, já que 'covardia' é uma noção explicativa (o falante
estaria tendo uma visão diferente do que aconteceria se, igualmente desagradavelmente,
ele chamasse o homem de 'trapaceirozinho ambicioso'). Isso é tudo? Se sim, podemos
analisar o enunciado em três componentes: declaração de fato, sugestão de explicação e
(algo como um) adição de palavrão: ou seja, apenas como um exemplo um pouco mais
complexo do tipo 'dane-se'. Mas isso parece deixar algo de fora, já que alguém estaria
naturalmente disposto a pensar que a observação original também incorporava alguma
opinião moral ou avaliação do comportamento do homem. Na presente análise, parece
que esta função conseguirá algum suporte apenas pela adição de palavrões - isto é dizer
que estaremos aceitando para este caso a descrição emotivista primitiva que tem sido em
geral rejeitada. Se isso não for aceitável, parece que deve haver alguma forma de
representar a propriedade característica de avaliação moral independentemente da
adição do palavrão, de modo que a retirada da adição de palavrões nos deixará com um
núcleo triplo, de declarar fatos, sugerir explicações e fazer uma avaliação moral. Se for
assim, devemos ser capazes, em princípio, de isolar esse núcleo sem os enfeites do
palavrão - obedecendo, por assim dizer, a uma instrução amplificada do New Yorker:
Apenas Atenha-se aos Fatos, Explicações e Avaliações Morais, Por favor!
Como poderia ter sido previsto, ele deu para atrás em seu acordo no encontro por medo;
que ele não deveria ter feito (ou isso foi uma coisa ruim).
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Esta sentença deve estar na mesma relação com sua anterior contrapartida emocional
como 'ele quebrou seu triciclo' faz com 'ele quebrou seu triciclo, dane-se’; ou seja, neste
caso mais complexo, afirmam-se os mesmos fatos, sugere-se a mesma explicação e faz-se
a mesma avaliação. Tudo o que a sentença substitutiva supostamente perdeu são os
acréscimos expletivos. Mas isso é de fato assim?
É um pouco mais fácil concordar com isso por eu ter introduzido um termo que
é às vezes introduzido neste tipo de conexão, a saber, 'avaliação moral', uma vez que há
um sentido satisfatório de 'avaliação' em que você e eu fazemos a mesma avaliação apenas
se nós dois estivermos 'a favor' ou ambos 'contra' ou, talvez, ambos 'neutros'. Certamente
no presente caso tanto a sentença original quanto sua substituição não emocional
igualmente revelam o falante como 'contra' [as atitudes de seu colega]. Em um sentido
da frase 'juízo moral', a noção de 'mesmo juízo moral' pode ser adequadamente modelada
neste padrão esquelético de 'avaliação'; é aqui que 'juízo' é algo oferecido por um juiz,
aquele que aplica rótulos como 'aprovado' ou 'reprovado', 'primeiro', 'segundo', 'altamente
recomendado' e assim por diante. Nesse sentido, podemos dizer que a sentença original
e sua substituição incorporavam o mesmo juízo moral. Mas, como tem sido muitas vezes
apontado, a frase técnica 'juízo moral' tem outras conotações, sendo praticamente a único
sobrevivente no vocabulário filosófico contemporâneo desse uso idealista pelo qual
crenças e opiniões, grosso modo, eram chamadas de 'juízos'. E essas conotações devem
ser preservadas se a frase 'juízo moral' tiver alguma esperança de fazer um trabalho
adequado para a posição defendida na filosofia moral; uma vez que, ao se interessar
pelo julgamento moral de uma pessoa, assim chamada, na verdade não estamos
apenas interessados em saber se ela é a favor disso e contra aquilo, se ele classifica
esses homens em uma ordem ou em outra. Estamos interessados na visão moral
que ele tem das situações, como essas situações parecem para ele à luz de sua visão
moral.
Poderíamos neste sentido mais amplo de 'juízo moral' dizer – para voltar ao nosso
exemplo - que a frase de substituição expressa o mesmo juízo moral que a primeira? Ela
espalha diante de nós a mesma visão moral da situação? Dificilmente! Concordar com
isso nos obrigaria a dizer que o desprezo (ou algo assim) que o falante da primeira frase
sentiu e colocou em suas palavras não eram parte integrante de sua visão moral da
situação; esse desprezo foi um acréscimo acidental à sua baixa classificação do
comportamento do homem no compromisso, pois minha irritação é sem dúvida uma
reação acidental ao saber que Tommy quebrou seu triciclo novamente. Algo assim pode
ser verdade; mas muito obviamente não precisa ser assim. De fato, está longe de ser claro
qual conteúdo deve ser atribuído, na conexão moral, à simples noção de 'classificação
baixa'; esta é uma ideia que parece muito mais familiar em ambientes altamente
estruturados como ambientes profissionais ou técnicos de comparação. No presente caso,
o modo como o comportamento desse homem parecia ruim pode muito precisamente ter
sido o comportamento de ser desprezível; e se a pessoa que fez a observação vier a não
pensar nisso nesses termos, ele deixará de ter a mesma visão moral anterior acerca do
comportamento deste homem. Quando for assim, talvez não sejamos capazes de isolar o
conteúdo do juízo moral dos enunciados daquilo que os torna expressivos de emoção.
Vamos voltar a esta área novamente. Agora, porém, deixe-me retomar o que
mencionei anteriormente como a segunda linha pela qual um tipo de teoria emotivista
pode procurar fazer uma ligação direta entre o fazer juízos morais e a expressão da
emoção. Esta foi a sugestão de que a expressão da emoção pode estar logicamente
envolvida não na semântica de certas frases que as pessoas pronunciam, mas na descrição
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que damos ao pronunciá-los: que a expressão das emoções do falante deve ser
considerada como uma condição necessária para contarmos seu enunciado como a
elaboração de um juízo moral. Essa era a tese do 'ato de fala'. Acho que veremos que essa
sugestão, embora não menos falsa que a última, também levanta algumas questões que
nos levam, por um caminho bastante diferente, a entrelaçamentos das emoções com os
juízos morais.
A 'tese do ato de fala' toma 'juízo moral', ou mais precisamente 'fazer ou expressar
um juízo moral', como o nome de um certo tipo de ato de fala; ou seja, como membro da
classe que inclui também itens como 'dar um aviso', 'fazer uma promessa', 'declarar uma
intenção', 'fazer um pedido de desculpas', 'expressar arrependimento', 'descrever o que
aconteceu' e assim por diante. O interesse em tais atos de fala, promovido pela obra do
falecido J. L. Austin, tem se destacado na filosofia recente, não menos na filosofia moral,
onde particularmente atividades linguísticas como 'elogiar' têm estado em primeiro
plano. Eu acho que uma luz valiosa foi lançada por esses estudos, e que isso continuará
sendo assim.
Seremos capazes de ver as possíveis relações das emoções com o ato de fala de
fazer um juízo moral, somente se obtivermos maior clareza sobre uma questão um tanto
complexa, que é o papel da sinceridade nos diferentes atos de fala. A categoria de
sinceridade e insinceridade é de importância fundamental para a compreensão das
atividades linguísticas; pois é uma característica necessária do comportamento
linguístico que ele possa ser deliberadamente inapropriado, projetado para enganar, etc.
Isso não significa, no entanto, que as noções de sinceridade e insinceridade se aplicam
igualmente a todos os atos de fala, ou da mesma maneira para todos. Vou tentar
distinguir muito brevemente seis tipos diferentes de casos; isso será apenas um exercício
muito preliminar, projetado para limpar um pouco da vegetação rasteira em torno do
nosso problema atual.
1 Existem alguns atos de fala altamente convencionais que não podem ser
sinceros ou insinceros em tudo: como cumprimentos (ou pelo menos cumprimentos
muito simples). Apenas dizer 'olá' não pode ser feito com sinceridade ou insinceramente,
embora certos acompanhamentos, como um tom de entusiasmo, possa admitir as noções.
Da mesma forma, dizer 'Como estás?' não pode ser insincero, se considerado como uma
saudação; se for considerado uma expressão de preocupação com a saúde do homem, poderia
ser.
2 As ordens não podem ser sinceras ou insinceras. No entanto, existem algumas
condições associadas ao falante e sua situação que nos levam mais perto do reino da
sinceridade, sem realmente alcançá-lo. Essas preocupações dizem respeito a saber se o
falante quer que o ouvinte faça a coisa ordenado ou não; e, diferentemente, se ele quer
que o falante faça a coisa ou não.
3 Considere agora certos tipos de juízo: atribuir notas e (em um sentido) elogiar,
como quando um homem dá seu juízo, aloca uma ordem de mérito, etc., em uma
exposição ou exame de cães. Poderia ser dito (embora fosse uma coisa antinatural dizer)
que um homem faz essas coisas 'sinceramente' ou 'insinceramente'; e há mais de uma
maneira de fazê-lo 'insinceramente' (há diferenças importantes entre ele ter sido
subornado, e sua aplicação conscienciosa de padrões oficiais que ele próprio considera
inadequados). Mas quando ele julga ou elogia sem sinceridade, ele realmente julga ou
elogia - o ato é realizado, embora 'insinceramente'.
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4 A esse respeito, há uma semelhança entre esses atos e aquele de prometer: uma
promessa insincera é certamente uma promessa. Prometer, porém, tem a característica
não presente no último caso, que a aplicação de 'sincero' e 'insincero' é absolutamente
clara e bem estabelecida - uma promessa insincera é uma promessa feita sem a intenção
de realizá-la. No entanto, pode-se talvez repetir, é bastante certamente feito: na frase
'promessa insincera', a palavra 'insincero' não é o que os escolásticos chamavam de termo
alienans4, ou seja, uma qualificação que enfraquece ou retira a força do termo que qualifica
(como 'falso', 'imitação', 'faz de conta’ etc.).
5 Igualmente bem estabelecida é a aplicação de 'sincero' e 'insincero ' a expressões
de intenção e de crença (que podem ser consideradas em conjunto a este respeito). Mas
aqui parece que 'insincero' tem um efeito bastante diferente: aqui parece ser alienans, pois
uma expressão insincera de intenção certamente não é uma expressão de intenção, nem
uma expressão insincera de crença uma expressão de crença. Talvez, para sermos
precisos, não possamos dizer nada tão simples quanto isso; podemos realmente falar do
homem enganador, mesmo depois de termos descoberto seu fingimento, como 'tendo
expressado uma intenção de. . . ', o que significa que ele usou uma fórmula geralmente
tomada como uma expressão de intenção, e pretendia que assim fosse. Mas, embora possa
ser assim, ele certamente não expressou suas intenções, nem o homem que nos enganou
sobre suas crenças, expressou sua crença. Este 'seu' seja talvez significativo. Suas
saudações, suas ordens, seus elogios, suas promessas são dele, basicamente, apenas
porque é ele quem as pronuncia; suas expressões de intenção ou crença são suas não
apenas desta forma, mas porque são expressões de suas intenções ou de suas crenças, e
estas últimas situam-se abaixo do nível do ato de fala.
6 Expressões de sentimento ou emoção devem obviamente ser consideradas em
geral, à luz do que acaba de ser dito: ele não está expressando seus sentimentos se suas
observações forem insinceras. No entanto, há pelo menos uns poucos casos em que o
fluxo constante de fingimento humano moldou a linguagem, e usou uma lacuna
semântica entre fórmula e sentimento. 'Expressão de arrependimento', por exemplo,
parece ser o nome de um tipo de expressão convencionalmente identificada, e uma
expressão insincera de arrependimento ainda é uma expressão de arrependimento. Da
mesma forma, talvez, com expressões de preocupação. Ambos, pode-se notar, estão entre
os tipos de itens frequentemente enviados por um governo para outro.
Permitam-me agora tentar juntar o que acaba de ser dito com a questão dos
enunciados morais. Tem havido uma tendência nos últimos trabalhos a assimilar os atos
de fala envolvidos nos enunciados morais - 'fazer um juízo moral' e assim por diante -
aos tipos do ato de fala considerado em (2) e (3): dar ordens e classificar, elogiar, etc. Esta
assimilação tende a esconder os muitos e vitais aspectos em que atos de fala associados
a enunciados morais pertencem aos tipos (5) e (6). Isso nos leva a esquecer que um
homem que sinceramente faz alguma declaração moral expressa seu juízo moral da
situação, suas crenças sobre seus méritos, sua perspectiva moral, sua opinião, seus
sentimentos sobre o assunto - possivelmente suas intenções. Um homem que faz uma
declaração moral insincera não faz essas coisas, mas esconde sua crença e seus
verdadeiros sentimentos. Mas são estes que dizem respeito principalmente a nós: o
elenco moral do homem está abaixo do nível do ato de fala.
Isso não quer dizer que se concentrar em modelos nas classes (2) e (3) para
entender a linguagem moral necessariamente deixa de fora a noções de sinceridade e
4
For the use of this term, cf. P. T. Geach, 'Good and evil', Analysis 17 ( 19 6),p. 33.
9
insinceridade. Nós já vimos que há algum espaço para elas lá, ainda que menos
diretamente do que em outros lugares; e o caso (4) - prometer - mostra que pode haver
um uso desses termos para qualificar atos de fala que, como aqueles outros e ao contrário
dos agrupados em (5), podem ser expressos pelo que Austin chamou um 'performativo
explícito'5. O problema não é tanto que essa concentração nos modelos em (2) e (3)
desloca a noção de sinceridade, no sentido de colocá-la no lugar errado e tende a esconder
de nós a verdade básica, se não simples, que aquele que nos engana sobre sua visão moral
é, nesse aspecto, como alguém que nos engana sobre suas crenças factuais ou sobre seus
sentimentos - ele diz algo diferente do que ele realmente pensa ou sente.
Considere o modelo de classificação ou recomendação (2). Nós observamos lá que um
homem pode classificar ou elogiar certas coisas ou pessoas contrariamente à sua opinião
real sobre seus méritos, e isso poderia ser uma forma de 'insinceridade' (embora não
precise ser: pode não ser seu trabalho trazer suas próprias opiniões sobre isso). Mas
agora o que significa ' sua opinião real sobre seus méritos'? Se atividades como dar notas
e elogiar devem ser as chaves para o pensamento moral, é isso que deve ser em si
explicado, e presumivelmente explicado em termos de avaliação em notas e elogios. Aqui
a linha que foi realmente perseguida, talvez a única linha possível, é esta de dizer que
'sua opinião real sobre os méritos deles' deve ser explicada em termos das notas ou
elogios que ele dá ou daria de acordo com seus próprios padrões. Isto, por sua vez, tem
que ser explicado; e embora grandes esforços tenham sido feitos para validar essa
noção meramente em termos de ação sistemática, eu mesmo estou convencido que
não poderíamos de fato dar muito conteúdo a isso se os homens não fizessem
coisas como expressar seu entusiasmo, admiração, esperança, tédio, desprezo,
antipatia, ceticismo - isto é, expressar opiniões e sentimentos sobre os objetos ou
pessoas que eles classificam ou elogiam, e não apenas avaliá-los ou elogiá-los.
Eu disse anteriormente que nossa sugestão emotivista segundo a qual a posse de
certas emoções pode ser uma condição necessária para realizar o ato de fala de fazer um
juízo moral se revelaria falsa. Agora podemos ver por que isso é assim. Em primeiro
lugar, há certamente um sentido de 'expressar um juízo moral' em que um juízo moral
insincero ainda é um juízo moral: o sentido em que um homem que, insinceramente e
para agradar um anfitrião conservador, diz que 'os homossexuais devem ser açoitados',
expressou o juízo moral de que os homossexuais deveriam ser açoitados. Este sentido
pode favorecer a assimilação de 'fazer um juízo moral ' para os tipos de ato de fala (2) e
(3), que já notamos. Mas não deve fazê-lo assim. Ele é, ao contrário, como o sentido -
anotado em (5) - em que um homem que insinceramente diz que ele pretende fazer uma
certa coisa expressou uma intenção. Nesse sentido de 'expressar um juízo moral', a tese
emotivista deve obviamente ser falsa; se alguém pode realizar este ato sem ser até mesmo
sincero, como ele pode ser uma condição necessária para realizar essa ideia de ter
sentimentos adequados ao conteúdo do juízo?
Se nos voltarmos agora para a noção de um homem expressando seus juízos
morais sobre uma situação, aquele pelo qual seu juízo moral, como suas crenças factuais
e outras, situam-se abaixo do nível do ato de fala; é a presença de sentimentos
apropriados uma condição necessária para um homem fazê-lo? Esta pergunta é algo
próximo, se não exatamente, o mesmo que perguntar: os sentimentos apropriados são
uma condição necessária da sinceridade ao expressar um juízo moral no primeiro
5 Nem 'eu pretendo' nem 'eu acredito' é, é claro, um performativo explícito. Solto falar sobre uma análise
'performativa' dessas expressões (em oposição, presumivelmente. a uma análise 'autobiográfica' deles)
obscurece esse fato óbvio.
10
sentido? A esta pergunta, mais uma vez, a resposta parece ser 'não': os fatos se opõem
firmemente a qualquer conexão simples e geral de sentimentos e sinceridade. Assim a
tese geral do emotivista novamente falha. No entanto, os sentimentos fazem alguma
contribuição para a noção de sinceridade: e isso em mais de uma maneira. Tentarei agora
considerar esta contribuição.
A primeira parte da contribuição encontra-se nisto, que há alguns enunciados
morais que, para serem sinceros, devem ser expressivos de emoções ou sentimentos que
o falante tem. Por exemplo, existem aqueles enunciados morais que são expressos em
termos fortes. Estes incluirão os casos a que fomos conduzidos antes, no final da nossa
discussão da primeira sugestão emotivista, a saber, aqueles casos nos quais o enunciado
moral envolve termos que são semanticamente ligados às emoções. Mas estes não serão
os únicos casos; pois é perfeitamente possível que um homem se expresse sobre uma
questão moral de uma maneira que não usa tais termos, mas deixa perfeitamente claro
que ele sente fortemente sobre o assunto. Ele não precisa usar expressões como
'covardezinho', 'ultrajante', 'terrível', 'bagunça medonha', 'criminoso' 'nojento' e assim por
diante, nem ainda o vocabulário comum de obscenidades e palavrões: embora valha a
pena lembrar que linguagem violenta e obscenidades desempenham um papel maior nas
observações das pessoas na avaliação da conduta humana do que se reuniria num manual
de filosofia moral. Mas o falante, como eu disse, pode não expressar a si mesmo desse
modo; ele pode apenas, em poucas e moderadas palavras, tornar claro que está chocado,
desapontado, indignado ou (inversamente) cheio de admiração, por exemplo. É
certamente uma condição do falar sinceramente em todos esses casos que ele deveria
sentir aquelas coisas que nos são dadas a entender que ele sente.
Pode-se dizer aqui que isso é bastante óbvio, mas que não tem nada
particularmente a ver com a sinceridade das declarações morais. É que estamos
simplesmente lidando aqui com aquelas declarações morais que são expressas em termos,
ou de uma maneira, expressiva de emoção, assim como outros tipos de enunciados podem
ser; e que o elo entre sinceridade e as emoções existe meramente em relação a essas
características, e não em relação ao enunciado moral como tal. Mas esta objeção terá
força apenas se afirma ainda que podemos isolar o conteúdo do juízo moral como tal do
resto. Já argumentei, para os casos onde há uma ligação semântica do que se diz com a
emoção, que esta é uma ideia irreal. Acho que a nova perspectiva que temos agora sobre
a questão, do ponto de vista da sinceridade, mostra uma perspectiva geral semelhante.
Não se pode negar que uma característica intrínseca do pensamento moral são as
distinções entre ter uma visão séria e uma visão menos séria; ter convicções fortes e
convicções menos fortes, e assim adiante. Seria uma marca de insanidade colocar todas
as questões morais no mesmo patamar. Agora, o homem que se expressa em termos
fortes, como estamos considerando, geralmente pode ser considerado como alguém que
tem uma visão forte ou séria do assunto em questão6. Isso não é inevitavelmente assim:
às vezes um homem pode ter clareza, e tornar claro para os outros, que a visão moral
que ele está expressando com fortes sentimentos não é uma visão moral muito séria, e
que o sentimento forte é, por exemplo, uma mera irritação pessoal. Mas este é certamente
um caso especial; em geral, a exibição do sentimento e a expressão moral serão tomados
em conjunto, e a força do sentimento demonstrado sobre o assunto é geralmente tomado
como um critério de que o homem tem uma visão forte ou visão moral séria sobre isso.
6
Alguns pontos relacionados a isso são feitos por D. Braybrooke, 'Como são morais?
julgamentos relacionados com demonstrações de emoção? ', Diálogo, IV (1965), pp.
2.o6-2.3.
11
Que as emoções devem ser consideradas como produtoras de ação, e como estados
a que estamos sujeitos, é um ponto importante que foi enfatizado por vários
14
autores7.Mesmo em seus últimos aspectos, é claro, elas não são, como os mesmos autores
apontaram, ocorrências em branco como certos tipos de sensação corporal; pois elas têm
embutido - geralmente, se não inevitavelmente - uma referência a um objeto, e pode ser
dito que envolvem um pensamento. Isso ajuda a explicar - ou, talvez, seria mais justo
dizer, mostra o lugar em que se começaria a explicar - como é que um homem são pode,
de vez em quando, controlar suas emoções e como elas podem ser direcionadas
adequadamente. Alguns relatos que os moralistas mais grosseiros trouxeram do
cansativo campo de batalha da Razão e das Emoções parecem sugerir que as únicas
maneiras conhecidas de um homem manter suas emoções sob controle são ou negar-lhes
expressão quando a ocasião não é apropriada - aqui as atividades disciplinares da
Vontade são muito importantes - ou então, como investimento de longo prazo, treinar-
se para ter menos delas, ou ter apenas aquelas do tipo mais amável. Mas essas peças de
aconselhamento tático e estratégico parecem omitir a influência mais óbvia do
pensamento racional ou conselho sobre as emoções: o de convencer que um determinado
objeto não é objeto próprio ou apropriado daquela emoção. Como os fenomenólogos têm
constantemente enfatizado, sentir-se uma certa emoção em relação a um determinado
objeto é vê-lo sob uma certa luz; pode ser errado, incorreto, inadequado vê-lo sob essa
luz, e eu posso me convencer disso. Quando estou convencido, a emoção pode ir embora;
e é errado esquecer o número de casos em que simplesmente desaparece ou se transforma
em algo bem diferente, como quando meu medo da viagem de carro iminente evapora ao
saber que a senhorita X não será de fato a motorista; ou minha reserva e suspeita em
relação a este homem se dissolve quando algo mostra que seus modos não significam o
que pareciam significar; ou minha lealdade apaixonada ao líder partidário de repente
racha quando estou convencido que suas ações só podem significar traição.
Claro, pode ser que nenhum pensamento sobre o objeto desloque a emoção;
porque não conseguem convencer (o que, notoriamente, pode ser uma função da própria
emoção) ou porque, embora de certa forma convence, a estrutura emocional persiste. A
fenomenologia, psicologia e, de fato, a lógica de tais situações é altamente complexa e
variada. Mas o ponto importante agora é este: quando considerações que mostram que a
emoção é inadequada falham em deslocá-la, isso não é porque é uma emoção, mas porque
é uma emoção irracional.
As noções de adequação ao objeto, correção e assim por diante clamam, é claro,
por exame; e elas usam em sua frente o fato de que elas são em parte avaliativas. O que
deve ser temido ou esperado, e assim por diante, é obviamente, até certo ponto, uma
questão em que desacordos de valor entre sociedades e indivíduos surgem. Igualmente,
esta é uma questão central da educação moral. Se tal educação não gira em torno de
questões como o que temer, do que ficar com raiva, o que - se alguma coisa - desprezar,
onde traçar a linha entre bondade e um sentimentalismo estúpido - eu não sei o que é. A
frase "inculcação de princípios" é frequentemente usada em conexão com a educação
moral. Há, de fato, áreas em que a 'inculcação de princípios' é uma frase apropriada para
o negócio da educação moral: dizer a verdade, por exemplo, e a esfera da justiça. Mas,
mais amplamente, como Aristóteles percebeu, estamos preocupados com algo não tão
apropriadamente chamado de inculcação de princípios, mas sim a educação das emoções.
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Ver, por exemplo, R. S. Peters, 'Emotions and the category of passivity', Proceedings of the Aristotelian
Society (1961-2), pp. 1 16-34; e A. Kenny, Ação, emoção e vontade (Londres: Routledge & Kegan Paul,
1963), cap. 3.
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Nisto reside também algo importante para a questão de facto e valor. Por
enquanto, como eu disse, na noção de um objeto apropriado de uma emoção e na questão
menos central de quais emoções deve-se sentir, há obviamente um elemento valorativo
que pode diferir de sociedade para sociedade, existem limites naturais e, de fato, limites
lógicos para a gama de objetos que determinadas emoções podem tomar, e quais emoções
espera-se que um ser humano deva sentir ou, alternativamente, evitar. A reflexão sobre
esses limites evidentemente não poderia por si só decidir os méritos de qualquer sistema
existente de valores humanos contra outro; pois qualquer sistema existente deve existir
dentro desses limites. Mas abre um caminho para algo que muitos que sentem que a
força de alguma distinção entre fato e valor têm, no entanto, pensado que não deve e não
pode ser destruído pela pressão dessa distinção: a possibilidade de pensar através de uma
perspectiva moral e alcançar seus pressupostos, em outros termos que aqueles da mera
consistência lógica de seus princípios. São os pontos de intersecção entre os elementos
mais puramente avaliativos em uma perspectiva moral, e uma visão associada da
natureza humana, que fornecem de forma mais frutífera tanto as fontes de compreensão
e o foco da crítica. Tal ponto de interseção será encontrado de forma bastante crucial no
significado moral das emoções.
É hora, finalmente, de enfrentar Kant. Pois, se alguém vai sugerir que aquelas
coisas que um homem faz como a expressão de certas emoções podem contribuir para
nossa visão dele como agente moral; e se, além disso, dir-se-á (como talvez ainda não
tenha dito explicitamente, mas estou muito feliz em fazê-lo) que a concepção de um ser
humano admirável implica que ele deve estar disposto a certos tipos de resposta
emocional e não a outras; é preciso tentar responder a muito poderosa afirmação de Kant
de que isso é impossível. Nem isso é apenas uma reivindicação que aparece em alguns
livros enviados de Koenigsberg há muito tempo atrás; a menos que alguém tenha sido
criado de forma muito incomum, é uma reivindicação que deve ser sentida em si mesmo.
É uma afirmação profunda o suficiente para fazer o que posso esperar dizer agora de
modo muito inadequado; mas vou fazer um ou dois sugestões bastante rápidas que podem
ajudar.
assuntos que não são diretamente de ordem moral, mas são de preocupação emocional,
para ele. Além disso, eu acho -em uma direção contrária agora - que há uma certa rigidez
moral ou até mesmo insolência nesse vazio de coerência, em qualquer caso. Parece com
o que acredito que Maynard Keynes costumava chamar, com referência às deliberações
dos órgãos acadêmicos, o Princípio da Igualdade de Injustiça: que se você não pode fazer
o bem a todos em uma determinada situação, você não deve fazer isso a ninguém.
Existem de fato atividades e relações humanas nas quais imparcialidade e consistência
são realmente a questão central. Mas extrair dessas noções um modelo de todas as
relações morais é, exatamente como Kant disse que era, fazer de cada um de nós um
Supremo Legislador; uma fantasia que representa, não o ideal moral, mas a deificação do
homem.
Minha segunda sugestão aqui é, mais uma vez, um pensamento moral e um banal:
está assegurado que aquele que recebe um bom tratamento de outro mais o aprecia, pensa
melhor do doador, se ele sabe que é o resultado da aplicação do princípio, ao invés do
produto de uma resposta emocional? Ele pode ter precisado, não dos benefícios da lei
universal, mas de algum gesto humano. Pode-se dizer que isso é obviamente verdade o
suficiente em muitos casos, mas não tem nada a ver com a moralidade; apenas mostra
que as pessoas colocam outros tipos de valor na conduta humana além do valor moral.
Bem, isso pode ser dito, e Kant de fato o disse, mas isso leva a um dilema desconfortável.
Ou o destinatário deve preferir as ministrações do homem moral ao gesto humano, que
parece uma exigência meio insana; ou, alternativamente, se for admitido que é
perfeitamente adequado e racional do destinatário ter a preferência que tem, o valor de
homens morais torna-se uma questão em aberto, e podemos razoavelmente entreter a
proposta de que não devemos procurar produzir homens morais, ou muitos deles, mas
sim aqueles, quaisquer que sejam suas inconsistências, que fazem o gesto humano.
Enquanto houver algo nessa conclusão, não pode haver nada nela para Kant.
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Por fim, Kant insiste que os homens diferem muito em suas composições
emocionais, como resultado de muitos fatores naturais. Como ele comenta em uma
famosa e comovente passagem, alguns acham que o gesto humano vem naturalmente,
alguns não. Para fazer do valor moral o valor supremo alcançável por seres humanos
dependente de tais características de caráter, psicologicamente determinadas como são,
seria tornar a capacidade para o valor moral uma espécie de vantagem natural; e isso é
tanto logicamente incompatível com a noção de moral, e também em algum sentido
último terrivelmente injusto.
Aqui é essencial ter em mente imediatamente dois fatos sobre Kant. Um é que
seu trabalho contém o exercício até o fim desse pensamento, um pensamento que em
formas menos completas marca a maior diferença entre as ideias morais influenciadas
pelo cristianismo, e aquelas do mundo antigo. É esse pensamento, que o valor moral deve
ser separada de qualquer vantagem natural que, consistentemente perseguido por Kant,
leva à conclusão de que a fonte do pensamento e da ação morais devem ser localizados
fora do eu empiricamente condicionado. O segundo fato a ser lembrado, ao mesmo
tempo, é que a obra de Kant é, a esse respeito, um fracasso devastador, e a psicologia
transcendental a que ela conduz é, quando não ininteligível, certamente falsa. Nenhuma
característica humana relevante de estima moral pode deixar de ser uma característica
empírica, sujeito a condições empíricas, história psicológica e variação individual, seja
sensibilidade, persistência, imaginação, inteligência, bom senso; ou sentimento
simpático; ou força de vontade.
Certamente há distinções muito importantes entre vantagens naturais diretas,
com os tipos de admiração, amor e estima que se aplicam a estes, e aquelas características
que provocam alguma reação mais especificamente moral. Mas não se pode atribuir a
essas distinções essa significação absolutamente última que parecem possuir antes que
se compreenda a força total de Kant, mesmo sem querer, de uma reductio ad absurdum.
Diante disso, ainda podemos fazer muito por essas distinções, mas temos que fazê-lo de
uma maneira como perguntar, por exemplo, qual o sentido ou significado a admiração
moral pode ter - não apenas o significado social, mas o significado no próprio
pensamento.
Perguntando isso, pode-se muito bem encontrar razões para pensar que nenhuma
concepção adequada de admiração moral e seus objetos será encontrada ao enfatizar, por
exemplo, características especialmente associadas com pessoas endinheiradas ou
acadêmicas. Pode-se dizer, retrabalhando numa forma mais empírica a república moral
rousseauniana de Kant, que uma concepção mais democrática deve ser preferida; e entre
os tipos relevantes de características, a capacidade de resposta emocional criativa tem a
vantagem de ser, se não igualmente, pelo menos amplamente, distribuída.