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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

VANESSA DE MATTOS

ESQUADRÕES DA MORTE NO BRASIL (1973 A 1979): REPRESSÃO


POLÍTICA, USO ABUSIVO DA LEGALIDADE E JURIDICIDADE
MANIPULATÓRIA NA AUTOCRACIA BURGUESA BONAPARTISTA.

DOUTORADO EM HISTÓRIA

São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP

VANESSA DE MATTOS

ESQUADRÕES DA MORTE NO BRASIL (1973 A 1979): REPRESSÃO


POLÍTICA, USO ABUSIVO DA LEGALIDADE E JURIDICIDADE
MANIPULATÓRIA NA AUTOCRACIA BURGUESA BONAPARTISTA.

Doutorado em História

Tese apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de Doutor em História Social,
sob a orientação da Profa. Dra. Vera
Lúcia Vieira.

São Paulo
2016
Banca Examinadora:

....................................................................................
Profa. Dra. Vera Lúcia Vieira (Orientadora)

....................................................................................

....................................................................................

....................................................................................

....................................................................................
Pai, só enquanto eu respirar, vou me lembrar de você.
AGRADECIMENTOS

A pesquisa acadêmica é certamente um trabalho árduo, porém gratificante.


É o momento em que você se depara com a solidão do quarto, da biblioteca, da
leitura, do pensamento, com suas limitações físicas e intelectuais.
Os anos de desenvolvimento da tese, em especial, também foi um período
realmente difícil para mim e minha família. A perda de alguém tão querido e
amado é uma dor imensurável, e o silêncio da ausência é ensurdecedor. Perdi
meu amigo de todos os dias, de tardes regadas de café e conversas sobre
minhas abstrações razoáveis. Perdi, certamente, meu maior admirador.
E nesses dias tão difíceis, anjos da guarda humanos me ajudaram a
levantar, ergueram minha cabeça e me deram força para continuar. Sem vocês,
tenho plena certeza de que não teria concluído este trabalho. Assim, por medo de
esquecer alguém, expresso toda minha gratidão por cada um de vocês.
Em especial à minha orientadora, Professora Dra. Vera Lúcia Vieira, por
me acompanhar desde a graduação; por sua paciência e prestatividade. Sinto-me
muito orgulhosa por ter sido sua orientanda, desde a iniciação científica,
passando pelo mestrado e concluindo neste doutorado. Obrigada por me ensinar
o gosto pela pesquisa e tornar esse caminho menos solitário e árduo. Obrigada
pela força e apoio que sempre me deu e por não ter desistido de mim.
Aos professores doutores Antônio Rago Filho, Lívia Cotrim, Felipe Magane,
Anderson Brettas e Luis Rodolfo Dantas, pelas contribuições intelectuais que
proporcionaram para o aprofundamento dessa pesquisa.
Aos meus professores da PUC-SP, que também contribuíram para esta
pesquisa, em especial a Professora Dra. Estefânia Knotz Canguçu Fraga e aos
companheiros de labuta Jussara, Dani, Beto, Vitor e Clécio.
À minha mãe Tereza, mulher guerreira e forte, alicerce da minha família.
Pela bravura com que suportou a dor da perda de meu pai, buscando não se
abater e a nós, fortalecer. À senhora, a minha imensa gratidão pela paciência e
tolerância a minha ausência nesses anos, pelo amor enraizado nos pequenos
gestos, por me dar forças para caminhar.
Ao meu amado pai, Antônio. Uma pessoa sensacional, com uma riquíssima
visão de mundo e que foi embora tão cedo. Agradeço por toda a admiração que
sempre teve por mim e sei que o amor que sentimos um pelo outro é a força que
nos mantém unidos, mesmo que agora, habitando moradas diferentes.
As minhas queridas irmãs, Sônia e Bruna, pelo apoio e incentivo que nunca
deixaram de dar; ao meu lindo sobrinho Breno, que sempre faz meus dias serem
melhores e a minha tia Alice, sempre presente.
Ao meu companheiro e grande amor, Alexandre Monteiro de Queiróz.
Obrigado pelo companheirismo, pela amizade, pela paciência, por suportar a
minha ausência e os meus destemperos durante este trabalho; por sempre me
apoiar e dar força. Eu te amo mais!
Aos amigos que me acompanharam ao longo desses anos, pessoas que
me apoiaram, me ajudaram e deram cor aos dias cinzentos, especialmente, a
Danielle, Win, Viviane, Bruna, Fernanda, Juliana, Monique, Marjah, Talita, Ana
Elisa, Bárbara, Kátia, Cleber, Milena, Bruno, Wilson e Andressa. Também
agradeço aos meus alunos queridos, em especial a Bete, Alexandra e Rose.
Agradeço a CAPES pelo auxílio concedido para a realização desta
pesquisa.
Quatro jovens
morreram na chacina
do fim da rua.
Conforme a notícia,
dois deles tinham passagem.
Os outros dois foram assim mesmo...
Clandestinamente.
“Viagem”, poeta Sérgio Vaz,
MATTOS, Vanessa de. 2016. Esquadrões da morte no Brasil (1973 a 1979):
repressão política, uso abusivo da legalidade e juridicidade manipulatória na
autocracia burguesa bonapartista. Tese (Doutorado em História Social). São
Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / Programa de Pós-
Graduação em História Social.

RESUMO

A presente tese tem o objetivo de analisar a atuação dos grupos de extermínio, os


esquadrões da morte, na repressão política, em âmbito nacional, durante o
período de 1973 a 1979. Buscamos evidenciar que a violência do Estado
bonapartista se utilizou também desses grupos para perpetuação da repressão
política em contraposição à ideia dominante de que essas organizações
limitavam-se à aplicação da “limpeza social”. Atuantes durante o período da
autocracia burguesa bonapartista, os esquadrões da morte integravam o sistema
repressivo e possuíam “modus operandi” próprio, aplicado a qualquer segmento
social taxado pelo Estado como subversivo, atendendo aos anseios dos
segmentos hegemônicos na burguesia representados pelo Estado classista. Em
virtude dessa integração, os agentes dos esquadrões gozavam de proteção
política por parte daqueles autocratas por meio da aplicação do uso abusivo da
legalidade que garantiu a eles liberdade legal. A impunidade também lhes foi
conferida por meio da lógica da juridicidade manipulatória, entranhada naquele
Estado. O fim do milagre econômico e o processo de abertura política marcaram a
decadência dos esquadrões da morte tendo em vista a retirada do apoio dos
autocratas, dos segmentos hegemônicos da burguesia e da opinião pública
favorável àquelas práticas. Para o desenvolvimento desta pesquisa, utilizamos
documentos do DOPS, presentes no Arquivo do Estado de São Paulo; do acervo
pessoal do Dr. Hélio Bicudo, disponíveis na Biblioteca da PUC-SP e do Arquivo
Nacional do Rio de Janeiro. Esses documentos foram submetidos à análise
imanente, visando à análise do objeto na busca pelas formas do ser e sua função
no processo histórico.

Palavras-chave: Esquadrões da Morte; Estado autocrático bonapartista;


Repressão política; Uso abusivo da legalidade; Juridicidade Manipulatória,
Esquadrão da Morte; Doutrina de Guerra Revolucionária; Escola de Guerra
Francesa.
MATTOS, Vanessa de. 2016. Esquadrões da morte no Brasil (1973 a 1979):
repressão política, uso abusivo da legalidade e juridicidade manipulatória na
autocracia burguesa bonapartista. Tese (Doutorado em História Social). São
Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / Programa de Pós-
Graduação em História Social.

ABSTRACT

This thesis aims to analyze the work of death squads, death squads, political
repression at the national level during the period from 1973 to 1979. We seek
evidence that the violence of the Bonapartist state has also used these groups to
perpetuation of political repression in contrast to the prevailing view that these
organizations were limited to the application of "social cleansing". Active during the
period of bourgeois Bonapartist autocracy, the death squads were part of the
repressive system and had "modus operandi" itself, applied to any social segment
taxed by the state as subversive, meeting the wishes of the hegemonic segments
in the bourgeoisie represented by the class-State. Because of this integration,
agents of squads enjoyed political protection from those autocrats by applying the
abuse of legality which secured them legal freedom. Impunity was also afforded
them through the logic of manipulative legality, embedded in that state. The end of
the economic miracle and political opening process marked the decline of the
death squads in view of the withdrawal of support of autocrats, the hegemonic
sectors of the bourgeoisie and the favorable public opinion to those practices. To
develop this research, we used DOPS documents, present in the São Paulo State
Archives; the personal collection of Dr. Hélio Bicudo, available at PUC-SP Library
and the National Archives of Rio de Janeiro. These documents were submitted to
the immanent analysis, aimed at the analysis of the object in the search for ways
of being and their role in the historical process.

Keywords: Death Squads; Bonapartist autocratic state; Political repression;


Abusive use of legality; Manipulative Juridicity; Death Squad;
Revolutionary War Doctrine; French War College .
LISTA DE SIGLAS

(AI-1) Ato Institucional n° 1


(AI-2) Ato Institucional n° 2
(AI-5) Ato Institucional n° 5
(ALN) Ação Libertadora Nacional
(ANL) Aliança Nacional Libertadora
(BNH) Banco Nacional de Habitação
(CECEM) Comissão Especial de Combate ao esquadrão da morte
(CEI) Comissão Estadual de Investigação
(Cenimar) Centro de Informações da Marinha
(CGT) Comando Geral dos Trabalhadores
(CIGS) Centro de Instrução de Guerra na Selva
(CODI) Centro de Operações de Defesa Interna,
(CPC) Código de Processo Civil
(CPP) Código de Processo Penal
(CSN) Conselho de Segurança Nacional
(DEIC) Departamento Estadual de Investigações Criminais
(DEOPS) Departamento Estadual de Ordem Política e Social
(DESPS) Delegacia Especial de Segurança Política e Social,
(DFSP) Departamento Federal de Segurança Pública
(DFSP) Departamento Federal de Segurança Pública
(DOI) Departamento de Operações de Informação
(DOPS) Delegacia de Ordem Política e Social
(DPS) Divisão de Polícia Política e Social
(DSI) Doutrina de Segurança Interna
(DSN) Doutrina de Segurança Nacional
(ESG) Escola Superior de Guerra
(GR) Guerra Revolucionária
(GTA) Grupo Tático Armado
(IAPI) Instituto de Aposentadoria de Pensão dos Industriários
(IBAD) Instituto brasileiro de ação democrática
(IML) Instituto Médico Legal
(IPES) Instituto de Pesquisas e estudos sociais
(JM) Justiça Militar
(LSN) Lei de Segurança Nacional
(MDB) Movimento Democrático Brasileiro,
(OBAN) Operação Bandeirantes
(ONU) Organização das Nações Unidas
(PE/SI) Plano Estadual de Segurança Interna
(PM/SI) Plano Militar de Segurança Interna
(PND) Plano Nacional de Desenvolvimento
(POC) Partido Operário Comunista
(PP/SI) Plano Político de Segurança Interna
(SFH) Sistema Financeiro de Habitação
(SFICI) Serviço Federal de Informação e Contrainformação
(SNI) Sistema Nacional de Informações
(SS) Serviço Secreto
(STF) Supremo Tribunal Federal
(TSN) Tribunal de Segurança Nacional
(VPR) Vanguarda Popular Revolucionária
SUMÁRIO

Introdução .................................................................................................. 14

Capítulo 1- Esquadrões da morte e as bases da excludência na


configuração autocrata ............................................................................. 49
1.1. As bases da excludência na configuração autocrata....................... 55
1.1.1. As teorias raciológicas .............................................................. 56
1.1.2. Repressão nas cidades: “um caso de polícia”........................... 64
1.1.3. A configuração autocrata na segregação do espaço urbano .... 68
1.1.4. A repressão aos movimentos sociais no campo na
configuração autocrata......................................................................... 75
1.2. Os Estados Unidos e a escola francesa: a teoria que
potencializava a prática. .......................................................................... 86

Capítulo 2 - Modus operandi dos esquadrões da morte: uma


instituição nacional a serviço da autocracia burguesa bonapartista... 93
2.1. Execuções sumárias ........................................................................ 101
2.2. Morte sob custódia do Estado .......................................................... 109
2.3. Desovas: “cemitérios dos esquadrões da morte” ............................ 113
2.4. “O relações-públicas”: serviço de informação do esquadrão da
morte ....................................................................................................... 122

Capítulo 3 - “Os intocáveis”: esquadrões da morte na repressão


política......................................................................................................... 127
3.1. O desenvolvimento do aparelho repressivo e suas ramificações
extralegais: o caso dos esquadrões da morte......................................... 128
3.2. O estado sob o poder da burguesia: os esquadrões da morte e o
“trabalho sujo” ......................................................................................... 146
3.3. A criação dos centros de tortura: formas de perpetuação do estado
autocrático bonapartista........................................................................... 152
3.4. A atuação dos esquadrões na repressão política ............................ 164
3.5. O trato era o mesmo! A atuação dos esquadrões contra presos
políticos e presos comuns........................................................................ 174

Capítulo 4 - O uso abusivo da legalidade ................................................ 181


4.1 O primeiro julgamento e a criação da Lei Fleury ............................... 185
4.2. O segundo julgamento: a coação aos membros do judiciário .......... 200
4.2.1. Apesar de tudo... mantêm-se os policiais envolvidos na ativa .. 205
4.3. O terceiro julgamento: policiais absolvidos e juízes afastados por
“merecida promoção” .............................................................................. 210

Capítulo 5 - A juridicidade manipulatória e os frutos da árvore


envenenada: formas de perpetuação da impunidade ............................ 231
5.1. Juridicidade manipulatória ................................................................ 231
5.2. Os frutos da árvore envenenada ...................................................... 235
Capítulo 6 - Construções e desconstruções: o papel da opinião
pública ........................................................................................................ 257
6.1. A opinião pública favorável aos esquadrões da morte..................... 261
6.2. Os esquadrões batem em qualquer porta: a opinião pública
desfavorável............................................................................................. 266

Considerações Finais ................................................................................ 288

Fontes ......................................................................................................... 295

Referências bibliográficas e digitais ....................................................... 316


Introdução

A busca pela democracia após as ditaduras ocorridas em quase todos os


países da América Latina se deu por meio de rupturas parciais com o cenário
anterior, configurando-se em transições, seja por novos pactos entre as
burguesias autocratas e os militares, com a incorporação de alguns segmentos da
sociedade civil, seja por iniciativa dos próprios militares em meio a sublevações,
insurreições armadas ou derrotas em guerras1.
Em que pesem as diferenças políticas das transições, em todos os casos,
os autores observam que, concomitante a esses fatores, ocorreu um esgotamento
das funções atribuídas aos militares e a retirada do apoio do capital internacional.
Todavia, resquícios desse passado são vividos no presente, uma vez que a
militarização da polícia e sua lógica de atuação extrajudicial são preconceituosas
e sem qualquer respeito ao direito constitucional, quando se trata de pessoas
integrantes de determinados segmentos da sociedade, tais como jovens das
periferias urbanas, negros ou brancos e pobres.
No caso do Brasil, buscando esclarecer o passado recente, em 18 de
novembro de 2011, a partir da Lei 12.528/2011, foi instituída a Comissão Nacional
da Verdade com a função de “examinar e esclarecer as graves violações de
direitos humanos praticados entre os anos de 1946 e 1988, período este que
inclui o da ditadura militar (1964-1985)”2.
Era o início do esperado processo de efetivação do “direito à memória e à
verdade histórica”3 que, como pressupunha o título, deveria dar à população o
acesso à verdade, tais como as informações ocultadas na época como a

1
WEEKS, Gregory B. “Repensando factores históricos: las Transiciones Políticas y
Militares en América del Sur” In: Politics & Policy, Volume 32, n. 1, Univeristy of North
Carolina, Charlotte March, 2004.
2
“Comissão Nacional da Verdade”. Disponível em
http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1017&sid=40.
Acesso em 19 abr. 2015.
3
Lei n. 12.528, de 18 DE novembro de 2011, criação da Comissão Nacional da Verdade
no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm. Acesso em: 19
abr. 2015.
14
localização dos corpos daquelas vítimas, o direito às famílias de sepultar seus
mortos e a punição aos que perpetraram tais brutalidades. Apesar de encerrados
os trabalhos, ainda há muitos corpos a serem entregues às famílias e muito ainda
a se dizer – fato é que a Comissão manteve o diapasão de “promover a
reconciliação nacional”4, sem que houvesse punição aos torturadores.
Diante desse cenário nacional atual, o objetivo desta pesquisa é evidenciar
que a violência do Estado bonapartista se utilizou também de grupos de
extermínio, como os esquadrões da morte para a repressão política, embora,
ainda hoje, no senso comum, no acadêmico e para a própria Comissão Nacional
da Verdade, perdura a ideia de que essas organizações estavam ligadas à
eliminação física de indivíduos tidos como contraventores penais5, “numa tentativa
de limpar a sociedade”.6
O período escolhido para análise neste trabalho, 1973 a 1979, remete ao
ápice e declínio dos grupos de extermínio no aparato repressivo do Estado,
resultando no retorno deles à responsabilidade da esfera estadual. Essas duas
premissas estavam diretamente ligadas à conjuntura nacional, pautada na
repressão e no cerceamento, na ascensão e no esgotamento do milagre
econômico, no fim do apoio antes dado pelos segmentos hegemônicos da
burguesia e o início da abertura política.
Ainda há muito que analisar sobre os esquadrões da morte e não temos a
pretensão de esgotar as possibilidades de seu entendimento, mas contribuir com
novas proposições acerca desse tema, principalmente, porque, os resquícios dele

4
Lei n. 12.528 de 18 de novembro de 2011, criação da Comissão Nacional da Verdade
no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm. Acesso em: 19
abr. 2015.
5
Apontam os teóricos do direito que crime e contravenção são espécies distintas da
infração penal, mas que não existe uma diferença substancial entre os dois termos. Elas
se diferenciam apenas por suas penas, de acordo com os termos do artigo 1° da Lei de
Introdução ao Código Penal e da Lei de Contravenções Penais. Enquanto na
contravenção “ a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou
ambas, alternativa ou cumulativamente”, no crime, a lei prescreve “penas de reclusão ou
detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”.
Os teóricos chamam atenção, ainda, para a conotação que a escolha de cada termo
remete, podendo o mau emprego delas colaborar para a criminalização dos segmentos
sociais. SILVA, Lívio. “Crime e contravenção penal: diferenças e semelhanças”. In:
DireitoNet. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7657/Crime-e-
contravencao-penal-diferencas-e-semelhancas. Acesso em 18 jan.2016.
6
Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Brasília: CNV, 2104, Volume I, p. 166.
15
ainda estão presentes na atualidade, haja vista que grupos de extermínio atuam
em nosso cotidiano, apoiados pelo Estado e pela opinião pública, que ainda
associam tais execuções a eliminação de contraventores penais.
A título de exemplo, apontamos o programa televisivo transmitido pela
Rede Bandeirantes (Band)7 que, ao noticiar as chacinas ocorridas em Osasco e
Barueri, em agosto de 2015 e perpetradas por grupos de extermínio locais, o
radialista José Luiz Datena anunciava que das 19 pessoas assassinadas, 12
eram inocentes, pois 7 delas, no passado, foram fichados por algum tipo de
contravenção8 – esse fato denota que aquele radialista, formador de opinião
pública, ainda se ampara na lógica da máxima “bandido bom é bandido morto”,
bem como também justifica o uso da pena de morte quando aplicada a um
indivíduo que foi contraventor penal.
Aquele radialista, infelizmente, não está sozinho em suas proposições,
pois, assim como nos grupos de extermínio atuantes no passado, os do presente
também têm suas práticas heroicizadas pela imprensa e toleradas pelos
segmentos da classe média, alta e hegemônica da burguesia brasileira, como
demonstra pesquisa realizada em 2015 que apontou que “metade da população
das grandes cidades acredita que “bandido bom é bandido morto”” 9.
Assim, quando a atualidade aceita e estimula práticas violentas, analisar o
passado é tarefa fundamental para atuar sobre o presente e é essa função social
a ser desenvolvida por nós, historiadores.
Os esquadrões da Morte10, nosso objeto de análise, foram grupos de
extermínio compostos por policiais civis e militares que atuaram no Brasil no
período da última autocracia burguesa bonapartista.

7
Programa chamado “Brasil Urgente”, apresentado por José Luiz Datena, de segunda a
sábado a partir das 16h15.
8
Outros periódicos também fizeram a mesma associação como, por exemplo, o site
globo.com na matéria intitulada “Secretário confirma 18 mortes em ataques em Osasco e
Barueri”. 15/08/2015. Disponível em:
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/08/secretario-confirma-19-mortes-em-ataques-
osasco-barueri-e-itapevi.html. Acesso em 18 jan. 2016.
9
“Metade do país acha que “bandido bom é bandido morto”, aponta pesquisa”. Folha de
São Paulo, versão eletrônica, 05/10/2015. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/10/1690176-metade-do-pais-acha-que-
bandido-bom-e-bandido-morto-aponta-pesquisa.shtml. Acesso em 18 jan. 2016.
10
Ao longo deste trabalho, usaremos “Esquadrões da Morte” no plural e no singular,
“Esquadrão da Morte”, de modo a diferenciar a prática de cunho nacional, na primeira
16
A partir do “modelo” carioca, implantado naquele estado, no final da década
de 1950, os esquadrões da morte difundiram-se para várias regiões do país,
como São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas entre
outras, agindo, em princípio, contra suspeitos de contravenções sociais, incursas
nos preceitos do Código de Processo Penal de 1941 e estendidas para os
indivíduos ligados a organizações políticas.
Esses grupos foram organizados por iniciativa do próprio Estado, e as falas
oficiais corroboram a assertiva de que sua ação estava limitada ao combate ao
suspeito de contravenções, conforme se observa no trecho da entrevista de um
delegado à pesquisadora Martha Huggins:

Foi o governo do estado de São Paulo e seu secretário de Segurança


Publica que decidiram que São Paulo precisava de um esquadrão da
morte, para ‘restabelecer a ordem pública - fazer alguma coisa boa pela
comunidade mat[ando]... criminosos’, porque “ a sociedade precisava de
uma limpeza - a justiça era muito lenta para resolver as coisas e a lei os
deixava de mãos amarradas” (HUGGINS),1993). Em pouco tempo, um
dos delegados da Polícia Civil de pior fama, Sergio Paranhos Fleury,
lotado na RONE e, mais tarde, no DOPS, criou um esquadrão da morte
que ‘começou realmente a limpar... porque se você mandasse [os
criminosos] para a cadeia, eles [acabavam] sai[indo]... [Então, os
homens de Fleury] mataram um monte [deles]11.

A historiografia12 que abordou, especificamente, os esquadrões da morte


associaram tais grupos à eliminação física de indivíduos acusados de
contravenção penal. Todavia, as evidências apontaram que aqueles grupos de
extermínio, a partir da década de 1970, passaram a integrar o aparelho repressivo
do Estado, atuando no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e
também prestando serviços ao Sistema Nacional de Informações (SNI), como a

grafia e a atuação específica de um estado, na segunda grafia. Também utilizaremos a


grafia em letra minúscula nos próximos momentos.
11
Entrevista do ex-delegado da Rondas Noturnas Especiais da Policia Civil (Rone) à
autora, em 5 de agosto de 19. In: UGGINS, Martha K. Polícia e política: relações
Estados Unidos/América Latina, São Paulo: Cortez; 1998, p. 160.
12
Essa perspectiva pode ser vista nos trabalhos de COSTA, Márcia Regina. “1968: O
esquadrão da morte em São Paulo” In: SILVA, Ana Amélia da e CHAIA, Miguel (orgs.).
Sociedade, Cultura e política: Ensaios críticos. São Paulo: EDUC, 2004; SOUZA, Diego
Oliveira. “Entre violência e (in)justiça: o esquadrão da morte paulista (1968-1979)” In:
Mouseion. Canoas, n. 18, agosto 2014. Disponível em
http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/mouseion. Acesso em 12 jan. 2016.
17
busca de informações necessárias para aquele órgão que se dava através da
prática dos sequestros e da tortura.
Com essa inserção na repressão política e no aparato repressivo, as
práticas dos policiais junto aos esquadrões se imbricaram de tal modo que não
havia como dissociá-las. A execução sumária de indivíduos em liberdade ou sob
custódia do Estado13; a ocultação dos corpos em cemitérios clandestinos ou
regulares; a interceptação de informações, fosse por meios tecnológicos ou por
longas sessões de tortura; a invasão às casas sem autorização judicial, fosse
para encaminhar o aprisionado para longas sessões de tortura ou para executar o
indivíduo ali mesmo, na frente de seus familiares; a desarticulação de órgãos
representativos, fossem organizações políticas, estudantis ou mesmo de bairro e
as execuções sumárias, justificadas pela preservação do bem comum, ou seja, a
segurança nacional era feita pelos mesmos agentes do Estado e dos esquadrões,
tanto contra o contraventor comum quanto ao contraventor ligado a organizações
políticas. Assim, é possível apontar que havia um modus operandi.
O caso exemplar de tal imbricamento é o da atuação do delegado Sérgio
Paranhos Fleury, chefe da polícia política do DOPS-SP, líder do esquadrão da
morte no período em questão, cujas práticas foram acobertadas pelos
representantes do Estado por considerá-lo um herói “eficaz em sua missão de luta
contra a subversão” – elogio extensivo a todos os outros policiais que com ele
atuaram14, os quais receberam os mesmos incentivos e gozaram da mesma
impunidade a ele conferida.
Tal pronunciamento foi feito em 1970, embora um ano antes tivesse sido
publicado pela entidade denominada Anistia Internacional, o nome de 422

13
Denomina-se execução sob custódia quando pessoas que morrem por meio de mãos
de policiais encontram-se sob a guarda do poder público, ou seja, nas cadeias ou
dependências de algum órgão público. Conforme a legislação, as autoridades
responsáveis por sua guarda têm a incumbência, entre outras, de salvaguardar suas
vidas, zelarem por sua segurança, cuidar para que não cometam suicídios ou que
morram por doenças não tratadas. Assassinatos durante rebeliões ou por “vingança”,
toleradas ou incentivadas por agentes prisionais e de segurança, são de total
responsabilidade do Estado, particularmente do órgão ou unidade onde essa morte
ocorreu. Para maiores informações, ver o site http://www.ovp-
sp.org/indice_mortes.htm#mortes. Acesso em: 30 jul.2010.
14
BICUDO, Hélio. Do esquadrão da morte aos justiceiros. São Paulo: Ed. Paulinas,
1988, p. 87.
18
torturadores civis e militares e “o nome do delegado Fleury foi citado 86 vezes
como responsável direto de sevícias”15.
Assim, ao mesmo tempo em que esses policiais executavam indivíduos
que não eram vinculados a organizações políticas, eles também se tornavam
figuras de destaque na imprensa, por executarem lideranças de grupos políticos.
A título de exemplo, Fleury e sua equipe se vangloriavam por terem executado
Carlos Lamarca16, Carlos Marighella17, Bacuri18; assim como também assassinou

15
Idem, p. 87.
16
Carlos Lamarca foi um dos principais lutadores da oposição armada à ditadura no
Brasil. Ele entrou na carreira militar bastante cedo e chegou a ser capitão do Exército
brasileiro. Em 1969, desertou e foi expulso da corporação e militante da organização que
daria origem à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Em 1970, ele já era
considerado inimigo número um da ditadura, tendo sido duramente perseguido e fuzilado
pelos militares. Para maiores informações, ver:
http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-resistencia/carlos-lamarca/. Acesso em 10
jun. 2015.
17
Carlos Marighella fundou e dirigiu a Ação Libertadora Nacional (ALN), logo após seu
rompimento com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1968. Possuidor de um longo
histórico de lutas sociais e prisões políticas, ele ofereceu resistência armada à ditadura,
representando uma das mais importantes lideranças que rapidamente se espraiou por
todo o país. Ameaçados pelo potencial de explosão dos problemas sociais brasileiros, os
generais revelaram novamente suas garras reagindo com o terror e a tortura. Na noite de
4 de novembro de 1969, Carlos Marighella foi surpreendido por uma emboscada em São
Paulo montada pelo Delegado Fleury e seus policiais. Contrariando os pedidos da família,
ele foi enterrado como indigente no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, seus
restos mortais foram trasladados para a Bahia em 1980. http://www.torturanuncamais-
rj.org.br/MDdetalhes.asp?CodMortosDesaparecidos=29&Pesq=Marighela. Acesso em: 03
abr.2015.
18
Eduardo Collen Leite, codinome Bacuri, começou sua militância na Política Operária
(POLOP), vinculando-se, em 1968, à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), da qual
se retirou para fundar a Rede Democrática (REDE), em abril de 1969 e, posteriormente,
passando a Ação Libertadora Nacional (ALN). Ele fora preso, no Rio de Janeiro, pelo
delegado Fleury e sua equipe e, após 109 dias consecutivos de tortura e mutilação,
transitando entre CENIMAR/RJ, o DOI-CODI/RJ, o DOI-CODI/SP, a DEOPS-SP foi, por
fim, levado para o Sítio particular de Fleury. Após esse longo período de tortura, os
jornais do país, em nota oficial, informavam a morte de Eduardo em um tiroteio nas
imediações da cidade de São Sebastião, no litoral paulista. A notícia oficial da morte de
Eduardo teve um objetivo claro: tirar as condições da inclusão de seu nome na lista das
pessoas a serem trocadas pela vida do Embaixador da Suíça no Brasil, que havia sido
sequestrado no dia 7 de dezembro. Seu nome seria incluído nessa lista e seria
impossível soltar o preso Eduardo que, oficialmente estava foragido e, além do mais,
completamente desfigurado e mutilado pela tortura. A única alternativa para o delegado
Fleury foi criar mais uma morte em tiroteio. O corpo de Eduardo foi entregue à família,
que constatou o nível animalesco a que chegaram as torturas a ele infligidas. Seu corpo,
além de hematomas, escoriações, cortes profundos e queimaduras por toda a parte,
apresentava dentes arrancados, orelhas decepadas, e os olhos vazados, segundo o
testemunho de Denise Crispim, esposa de Eduardo, desmascarando por completo a
farsa montada pelo delegado Fleury e sua equipe. Os Relatórios do Ministério da
19
lideranças de bairros que pediam por melhores condições sociais – caso de Pato
n’Água19 e tantos outros20.
A análise das práticas cotidianas dos componentes desses grupos de
extermínio indicou a íntima relação que o Estado manteve entre a perseguição
política e a contenção ao suspeito de contravenção penal. Inseridos em ambas as
esferas, a atuação dos esquadrões da morte demonstra a indistinção no trato
dado ao contraventor comum e ao político, ambos classificados como
subversivos. Mesmo a Revista Veja apontava isto naquele momento, conforme
atesta sua reportagem de 1969:

A tática usada no cerco de Marighella, segundo um delegado do DOPS,


foi a mesma empregada normalmente na captura de marginais:
"Quando a gente prende um malandro, ladrão ou assassino, enfim um
bandido, e a gente sabe que ele tem um companheiro, obrigamos o
preso a nos levar até o barraco onde o outro mora. O bandido vai lá,
bate na porta, o outro pergunta 'Quem é?', e o bandido responde 'Sou
eu'. O camarada abre a porta e entram dez policiais junto com o
bandido21.

Aeronáutica e Marinha confirmam a versão policial. Durante o período em que foi


torturado, Eduardo esteve nas mãos do delegado Fleury e sua equipe, composta por
membros do famigerado esquadrão da morte. Entre eles, podem ser identificados os
investigadores João Carlos Trali, vulgo Trailer, José Carlos Campos Filho, vulgo Campão,
Ademar Augusto de Oliveira, vulgo Fininho, Astorige Corrêa de Paula e Silva, vulgo
Correinha e vários outros conhecidos apenas por apelidos. Para maiores informações
ver: http://www.torturanuncamais-
rj.org.br/MDDetalhes.asp?CodMortosDesaparecidos=358. Acesso em: 03 abr.2015.
19
Pato N’Água foi fundador da escola de Samba Vai Vai, situada no Bixiga, em São
Paulo. Ele fazia parte das lideranças de bairro. No ano de sua morte, 1969, Geraldo
Filme compôs a música Silêncio no bexiga: Silêncio / O sambista está dormindo / Ele foi
mas foi sorrindo/ A notícia chegou quando anoiteceu/ Escolas / Eu peço silêncio de um
minuto / O Bixiga está de luto / O apito de Pato N'água emudeceu / Partiu / Não tem placa
de bronze / Não fica na história / Sambista de rua morre sem glória / Depois de tanta
alegria que ele nos deu / Assim / Um fato repete de novo / Sambista de rua, artista do
povo / E é mais um que foi sem dizer adeus / Silêncio. Para maiores informações, ver:
AZEVEDO, Amailton Magno. A memória musical de Geraldo Filme: os sambas e as
micro-áfricas em São Paulo. São Paulo: PUC-SP, 2006, Tese de doutorado em História
Social.
20
Para ter acesso a tantas outras pessoas que sofreram tortura nos centros clandestinos
comandados pelos esquadrões da morte, veja o “Centro de Referência das Lutas
Políticas no Brasil (1964-1985)”. Disponível em:
http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=
17&sid=4. Acesso em 10 jun.2015.
21
“Estratégia para matar o terror” In Veja, 12 de novembro de 1969. Arquivo VEJA on-
line.
20
Assim, os esquadrões da morte integravam o sistema repressivo que vinha
se expandindo desde meados da década de 1950, cuja atuação radicalizava a
ilegalidade das ações do Estado no controle social, no período em que vigorou a
autocracia bonapartista.
O aparato repressivo, de acordo com historiografia tradicional, teria se
iniciado no período pré-ditatorial, especificamente no governo de João Goulart
(1961-1964), dadas as supostas ameaças que suas medidas político-sociais
acarretavam para os segmentos sociais detentores do capital no Brasil, como
apontou Lira Neto22.
Na contramão dessa vertente23, outros estudos mostraram que o
desenvolvimento do aparelho repressivo se iniciou, ainda, em 1920, através da
criação de diversos organismos de inteligência, vigilância e repressão compondo
uma rede de segurança. Na década de 1950, ela ganhou maior centralidade,
tornando-se um articulado Sistema de Segurança Nacional, cujo auge ocorreu no
período da autocracia bonapartista24.
Ao longo desta tese, o leitor poderá acompanhar a exposição mais detida
desse processo – por agora, destacamos as proposições acerca da articulação e
centralização que garantiram àquela rede o cunho de Sistema.
Ela ocorreu ainda na década de 1950, no governo de Juscelino Kubistchek
(1956-1961), quando a rede adquiriu possibilidades de vigiar e controlar toda a
sociedade a partir da articulação dos órgãos que atuavam como polícias políticas,
tais como o Conselho de Segurança Nacional (CSN), a Divisão de Polícia Política
Social (DPS), as seções de Segurança Nacional, existentes em todos os
Ministérios Civis da República, os Serviços de Informações, como as Delegacias
de Ordem Política e Social (DOPS), as Secretarias de Segurança estaduais e o
Serviço Secreto Federal, criado em 1956, com ajuda financeira norte-americana,

22
NETO, Lira. Castelo: a marcha para a ditadura. São Paulo: Editora Contexto, 2004.
23
A historiografia enfatizava que não havia articulação federal na ação repressiva no
período de JK, o que levou Nilo a demonstrar que essa articulação existia e era
estabelecida para a repressão ao inimigo interno. Na contramão dessa perspectiva,
Oliveira faz um levantamento das pesquisas que inovaram ao adentrarem nas
contradições internas da repressão no período de JK, questionando “a efetivação da
democracia no país”. Cf. OLIVEIRA, Nilo Dias. A configuração do sistema nacional de
repressão no governo JK (1956 a 1961). São Paulo: PUC-SP, 2013, Tese de
doutorado. P. 35-38 e também nota de rodapé n° 72
24
OLIVEIRA, 2013, op. cit.
21
bem como ter havido grande pressão feita pelos EUA para obter informações do
“movimento comunista” nas Américas. Todo esse aparato repressivo integrava
horizontal e verticalmente o Estado brasileiro, inclusive estabelecendo conexões
com as polícias políticas de vários países da Europa, EUA e América Latina,
como pontuou Nilo Dias25.
No caso da Divisão de polícia política e do Conselho de Segurança
Nacional, estes órgãos estabeleceram relação com as Delegacias de Ordem
Política e Social (DOPS) de alguns estados, montando uma rede que articulava a
Federação e os estados e os estados entre si mesmos, formando um verdadeiro
sistema de controle e repressão na década de 1950. Nesse sentido, Nilo Dias
demostrou que o sistema atuava como uma “malha fina” em todo o país ao

cobrir os mais diversos segmentos sociais que se manifestavam sobre a


coisa pública, não importando sob qual perspectiva ideológica.
Particularmente são mapeadas as demandas sociais que, na ótica dos
preceitos da Segurança Nacional, reduzem tais demandas ou
expressões sobre a coisa pública a meros reflexos ideológicos
exógenos26.

Essa rede repressiva criada ao longo dos anos será acrescida no pós-
segunda guerra, na América Latina pelos ensinamentos pautados na Doutrina de
Guerra Revolucionária, cunhada e transmitida pela própria Escola Francesa.
Desde 1957, quase uma década antes do início da Ditadura Militar na Argentina
(1966-1973), uma comitiva francesa foi encaminhada para este país para dar
assessoria teórica e prática27.
A base formativa eram as recentes experiências do exército francês na
Indochina (1946-1954) e na Guerra da Argélia (1954-1962), incluindo as
estratégias para enfrentamento da guerra contrarrevolucionária e luta contra a
subversão. Essa missão contou com o apoio de militares argentinos de alta

25
Idem.
26
OLIVEIRA, 2013, op. cit., p. 6.
27
MAZZEI, Daniel. “La misión militar francesa en la Escuela Superior de Guerra y los
orígenes de la Guerra Sucia, 1957-1962.” Revista de Ciencias Sociales, n. 13, 2002,
p.105-137 apud VELÁSQUEZ, Carlos Guerrero. El impacto ideológico de la Escuela
Francesa sobre el Ejército argentino In: Persona y Sociedad. Buenos Aires (ARG):
Universidad Alberto Hurtado. Vol. XXV / n. 2, 2011, p. 55-72.
22
patente que haviam recebido capacitação na Escola Superior de Guerra de
Paris28.

La Ecole tenía como objetivo seleccionar y adiestrar a un grupo


reducido de oficiales que se destinarían a los estados mayores con lo
que se aseguró contar con alumnos de la elite de cada cuerpo que
pudieran ser a su vez instructores en la Argentina29.

Os “alunos” desse treinamento logo se tornaram diretores e subdiretores da


Escola Superior de Guerra Argentina, com destaque para o general Alcides López
Aufranc (1921-2015), que se tornou chefe do Estado Maior do Exército argentino.
Aplicada na América Latina, essa Doutrina tinha três embasamentos:
primeiro, a implantação da ideia de haver uma guerra global e a necessidade da
luta contra a ameaça comunista que pretenderia desestalizar a ordem burguesa;
segundo, a existência de uma grande infiltração comunista nos países em
processo de desenvolvimento e consequente existência do inimigo interno; e, por
fim, a manutenção da segurança nacional e internacional como justificadora de
todas as práticas desenvolvidas, como por exemplo, a tortura para conseguir
informações30.
Há vários indícios de que a Doutrina da Guerra Revolucionária foi
introduzida na acadêmica militar brasileira diretamente pelos franceses. Tal
proposição, no entanto, não anula a importância da Doutrina de Segurança
Nacional implantada no Brasil pelos norte-americanos – ambas estiveram
enraizadas na atuação dos militares.
Há também indícios de que tal Doutrina tenha chegado ao Brasil ainda no
final da década de 1950, quando o coronel Augusto Fragoso (1908-1997) proferiu
uma palestra na Escola Superior de Guerra (ESG), em 1959. Ainda neste ano,
oficiais do exército foram para Paris, como aponta João Roberto Martins Filho:

28
Idem.
29
Ibidem, p. 59
30
ROBIN, Marie-Monique, 2005. Escuadrones de la muerte, la Escuela Francesa.
Buenos Aires: Sudamericana. Tradução de Sérgio Di Nucci y Pablo Rodríguez. É
importante frisar que o site do centro apontando pela historiadora, na parte que versa
sobre sua história, confirma a sua criação no ano de 1964, mas não faz alusão à Guerra
Revolucionária. Para maiores informações, ver:
http://www.cigs.ensino.eb.br/index.php/historico. Acesso em 17 mai. 2015.
23
O Estado-Maior da Armada publicou o fascículo Alguns estudos sobre a
guerra revolucionária, coletânea de quatro artigos traduzidos da Revue
Militaire d’Information e um da Revue de Defense Nationale e a Escola
de Comando e Estado Maior do Exército o Relatório do Seminário de
Guerra Moderna. Em maio de 1959, o coronel Augusto Fragoso
pronunciou na Escola Superior de Guerra extensa palestra sobre o
tema, citando ampla bibliografia da GR. Em setembro do mesmo ano,
ato do Chefe do Estado-Maior do Exército nomeava uma comissão para
estudar a programação e a coordenação da instrução sobre guerra
moderna com ênfase na guerra insurrecional31.

Para outros autores, a Doutrina Francesa teria chegado ao Brasil apenas


na década de 1960, quando 355 brasileiros foram treinados pela Escola
Francesa, em uma base própria criada em Manaus, chamada Centro de Instrução
da Guerra na Selva (CIGs).
Um general francês, Paul Aussaresses32 (1918-2013) que participou da
formulação e exportação da Doutrina para outros países como a América Latina
foi adido33 militar francês no Brasil já na ditadura militar, entre os anos de 1971 e
1973. Ele afirmou que “ensinou a doutrina e os métodos aplicados na Argélia a
oficiais latino-americanos em Fort Bragg, na Virgínia, mencionando atividades do
mesmo tipo na Escola de Guerra na Selva, em Manaus”34. Outros adidos
franceses também estiveram presentes no território brasileiro, colaborando para a
implantação da Doutrina francesa no Brasil:

31
MARTINS Filho, João Roberto. A conexão francesa da Argélia ao Araguaia (1959-
1975). In: Varia Historia, Belo Horizonte, vol.28, n. 48, p.528. Ver também: FRAGOSO,
Augusto. Introdução ao Estudo da Guerra Revolucionária. Rio de Janeiro: Presidência
da República, Estado-Maior das Forças Armadas, Escola Superior de Guerra, 1959. A
partir de então, publicações como o Mensário de Cultura Militar, o Boletim de Cultura
Militar, Cultura Militar e o Boletim de Informações, de responsabilidade do Estado-Maior
do Exército, passaram a veicular regularmente sobre o tema.
32
Paul Aussaresses foi general e agente secreto francês, tendo atuado na Resistência
Francesa na Segunda Guerra Mundial e nas guerras da Indochina (1946-1954) e da
Argélia (1954-1962). Ela ministrou cursos na escola dos agentes especiais norte-
americana, em Fort Bragg, na Carolina do Norte entre 1961 e 1963, bem como no Brasil
entre 1973 e 1975. Sua especialidade era a doutrina da guerra revolucionária “um
método militar não convencional de luta contra insurgentes que pressupõe prisões
arbitrárias, tortura, execuções sumárias e terror psicológico sobre a população”. Cf.
SANTOS, Luciano Felipe dos. Paul Aussaresses: um general francês na ditadura
brasileira (um estudo de caso). 2014. Dissertação (Mestrado em História Social) -
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-
16012015-185607/>. Acesso em: 19 jan.2016.
33
Membro de uma embaixada encarregado de certas funções, no caso, os ensinamentos
militares.
34
MARTINS Filho, op. cit., p.533-5.
24
a difusão do pensamento francês é garantida pelos adidos militares e
pelas missões francesas; no seio do Exército a ação dos agentes
franceses é reforçada por oficiais brasileiros que mantêm relações
pessoais com os serviços consulares deste país. Podemos destacar
Odílio Denis, Aurélio de Lira Tavares e Alfredo Souto Malan, os dois
últimos são antigos alunos da Escola Superior de Guerra de Paris,
organizam conferências, debates e abrem novas perspectivas para a
difusão do pensamento francês. Provindos de diversos horizontes
políticos, tais oficiais entram em contato com os adidos franceses,
particularmente com os coronéis Henri Lemond (1959 – 1962) e Pierre
Lallart (1962 – 1965)35.

A doutrina teria sido incorporada à Lei de Segurança Nacional, em 1967,


por meio da aplicação dos parâmetros teóricos de Guerra Revolucionária posto no
Decreto-lei n. 314 de 13 de março daquele ano. Alguns órgãos brasileiros teriam
sido criados com a mesma função e configuração que órgãos da Escola
Francesa, como o Destacamento de Operações Internas (DOI) no Brasil, que
remontava ao Détachement Opérationnel de Protection (DOP) francês – a
brutalidade da ação dos militares na repressão à Guerrilha do Araguaia36 foi
comparada à francesa, na Guerra da Argélia, elementos que evidenciam a
aplicação da Doutrina na Guerrilha Revolucionária no Brasil 37.
Outras evidências acerca da introdução dos desígnios presentes na
Doutrina de Guerra Revolucionária Francesa no Brasil podem ser notadas na
descrição feita pela pesquisadora Robin38 acerca daquela Doutrina. De acordo
com ela, tal teoria pressupunha a criação de um sistema de inteligência que
integrasse todas as instâncias, o uso de práticas diversas de tortura, a suspeição

35
ARAUJO, Rodrigo Nabuco de; MARIN, Richard. Guerra revolucionária: afinidades
eletivas entre oficiais brasileiros e a ideologia francesa (1957 – 1972). Institut
Pluridisciplinaire pour les Etudes sur l’Amérique Latine à Toulouse, Université de
Toulouse 2-Le Mirail, 5 allées Antonio Machado, 31058 Toulouse, França, p. 5.
Disponível em:
http://www.arqanalagoa.ufscar.br/abed/Integra/Rodrigo%20NABUCO%20DE%20ARAUJ
O%2031-08-07.pdf. Acesso em: 09 mai.2015.
36
Agrupamento de militantes que se situaram na divisa entre o Maranhão e Tocantins
entre os anos de 1972 e 1975 e que foram barbaramente executados pelos militares.
Para maiores esclarecimentos, ver: MACIEL, Lício Augusto Ribeiro. Guerrilha do
Araguaia. Editora Schoba, 2011; CAMPOS FILHO, Romualdo Pessoa. Guerrilha do
Araguaia: a esquerda em armas. Editora UFG, 1997.
37
MARTINS Filho, op.cit., p.533-5.
38
ROBIN, 2005, op. cit.
25
da população e a criação do inimigo interno, práticas que estavam no cerne da
ditadura aqui vivida.
Além dessas semelhanças, outro ponto que chama a atenção na descrição
feita pela autora é a determinação existente na Doutrina Francesa quanto à
necessidade de criação de esquadrões da morte oficialmente. De acordo com a
Doutrina de Guerra Revolucionária, tais grupos eram parte do aparato repressivo,
possuindo as mesmas características dos grupos brasileiros, bem como as
mesmas funções, o que demonstra que os que foram aqui desenvolvidos
operavam de acordo com o modelo cunhado pela Escola Francesa.

Los escuadrones de la muerte. Según la versión de los militares


franceses, su gobierno, con asiento en París, conocía y aprobaba las
ejecuciones sumarias. Los escuadrones de la muerte, fueron pequeños
grupos armados, conformados por miembros del estamento castrense,
de diversos rangos, encargados de asesinar, bien a miembros de la
subversión, a sospechosos de serlo, o simplemente a sujetos de algún
tipo de prestancia para atribuirle el asesinato de los mismos a la
subversión39 .

Assim, os esquadrões da morte estavam inseridos no Estado e não à


margem dele e foram uma das bases de combate aos considerados subversivos
de modo a erradicar a “ameaça comunista”. Não à toa que a Doutrina da Guerra
Revolucionária também tratava do cerceamento às liberdades individuais e
democráticas e da violação dos direitos humanos. Nesse sentido, os esquadrões
da morte eram os perpetradores dessa função política do Estado, cunhada
ideologicamente pela Escola Francesa.
A Doutrina de Segurança Nacional elaborada pelos EUA, ao longo do
período da Guerra Fria, foi decisiva para a configuração da autocracia
bonapartista no Brasil. Ela introduziu, no Brasil, o medo da ameaça comunista,
associando-os ao impedimento do bom funcionamento da ordem capitalista e do
funcionamento das instituições liberais. Nessa dinâmica, os “opositores” foram
catalogados como “agentes da subversão internacional, patrocinada pela URSS,
pela China e por Cuba” 40.

39
ROBIN, 2005, op. cit., p. 103-5.
40
PALMAR, Aluizio. “Doutrina de Segurança Nacional” In: Documentos Revelados.
Disponível em http://www.documentosrevelados.com.br/midias/doutrina-de-seguranca-
nacional/. Acesso em 19 jan. 2016.
26
Na população, aquela Doutrina associava a tal ameaça comunista a
implantação da barbárie, pois

estariam em perigo os valores mais tradicionais do país: a família (as


crianças poderiam ser mandadas para a Rússia e Cuba), a religião (que
seria perseguida e proibidas as escolas religiosas) e a propriedade (que
seria abolida e expropriada pelo Estado)41.

No âmbito estatal, o Estado sofreu forte processo de militarização tendo


sido “transformado no quartel general das Forças Armadas americanas (FFAA)
desde onde controlavam o país através do SNI – Sistema Nacional de
Informações”42 e assim como a Doutrina de Guerra Revolucionária, cunhada pela
Escola de Guerra Francesa, tinham, em seu cerne, a legitimação das práticas
violentas, como prisões arbitrárias para fins de esclarecimentos, o uso dos mais
brutais métodos de tortura, as execuções sumárias e o desaparecimento dos
corpos.
Em suma, se fora integrado ao aparelho repressivo no Brasil em meados
da década de 1950, ou na década seguinte – fato é que a Doutrina Guerra
Revolucionária foi aqui implantada pela Escola Francesa e, somada à Doutrina de
Segurança Nacional norte-americana, foram decisivas para aquela ditadura.
O Sistema de Segurança Nacional chegou ao seu auge de atuação no
período ditatorial. O Sistema Nacional de Informações (SNI) foi instituído em 13
de julho de 1964 e possuía a função de investigar pessoas ou instituições
consideradas suspeitas, mantendo a vigilância sobre toda a sociedade de forma a
impedir quaisquer manifestações consideradas contrárias à manutenção da
ordem vigente. Assim, a atribuição oficial era a de “coletar e analisar as
informações pertinentes à segurança nacional [brasileira], combater a [des]
informação e [reunir] informações sobre os assuntos subversivos internos”43.
No final da década de 1970, o SNI empregava duzentos mil agentes e, em
1979, ele possuía arquivos de mais de duzentas mil pessoas44, atuando de forma
integrada com os DOPS espalhados pelo país, com as Secretarias de Segurança

41
Idem.
42
PALMAR, op.cit.
43
HUGGINS, Martha 1998 apud ALVES, op.cit., p. 148.
44
HUGGINS, Martha K. Polícia e política: relações Estados Unidos/América Latina, São
Paulo: Cortez; 1998, p.148.
27
Estaduais, os Serviços de Informações e com a polícia política de diversos países
– estruturavam-se, portanto, como uma rede nacional e internacional de
vigilância45.
Em contraposição, internacionalmente, a lógica repressiva e autocrática do
Estado brasileiro ganhava visibilidade a partir das ações das guerrilhas urbanas e
rurais, das lutas pelos direitos civis e humanos, particularmente quando
conseguiram denunciar a inexistência das garantias individuais básicas a partir
dos pedidos de libertação de presos políticos em troca de embaixadores
sequestrados.
Uma das organizações que se destacou foi a Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR), recém-reagrupada com o nome de Var-Palmares (VPR-
Palmares)46. Atuando nas grandes cidades do país, manteve um braço de
militantes no Vale do Ribeira – localizado entre o sul do Estado de São Paulo e o
leste de São Paulo –, onde desenvolviam atividades variadas contra a ditadura,
como por exemplo, o sequestro do embaixador japonês, medida usada para
libertar presos políticos, muitos dos quais integravam a Aliança Libertadora
Nacional (ALN), atuantes em São Paulo.
A repercussão internacional foi imensa, pois o governo negava a existência
de presos políticos no país. Pressionados, os militares viram-se obrigados a
libertar os presos em troca da vida do embaixador 47, o que despertou ainda mais
sua animosidade contra os opositores e ampliou o espectro de pessoas incursas
na lógica do “inimigo interno”.
É importante ressaltar que tal terminologia, bem como “subversivo”,
“inimigo vermelho”, “comunista” e outras remetem a caracterizações feitas pelos
representantes do Estado que, por sua vez, o faziam de acordo com critérios
diversos. A análise dos mapeamentos feitos pelo DOPS nas cidades do Estado
de São Paulo levou a historiadora Luciana Feltrim a constatar que este trabalho

45
OLIVEIRA, Nilo Dias de. A vigilância da DOPS-SP as forças Armadas (Brasil-
década de 1950): sistema repressivo num estado de natureza autocrática. São Paulo.
PUC-SP, 2008 – Mestrado, p. 43-55.
46
CHAGAS, Fábio Gonçalves. A Vanguarda Popular Revolucionária: dilemas e
perspectivas da luta armada no Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual
Paulista, Franca, 2000.
47
“O governo decide preservar a vida do cônsul”. Folha de São Paulo, 13 de março de
1970. Arquivo Folha on-line.
28
era feito pelo aparato repressivo para conhecer a prática cotidiana da população e
identificar possíveis focos subversivos.
Nesse sentido, ela demonstrou que as autoridades reconheciam a íntima
relação existente entre as mazelas vividas – pobreza, miserabilidade, não
cumprimento da legislação trabalhista e assistencial, baixos salários, inflação,
falta de condições para arrendamento – e o surgimento de lutas por demandas
sociais. Todavia, atribuíam às pessoas que denunciavam essas condições ou
mesmo reclamavam delas localmente a pecha de atividades comunistas48.
Dessa forma, a preocupação do Estado não era com as mazelas sociais
vivenciadas pela sua população, mas com a contestação gerada. Isso servia para
justificar as práticas repressivas aplicadas a estes segmentos sociais, pois haviam
sido tachados de praticar atos comunistas.

Presentemente, a questão social preocupa, de modo sensível, os


dirigentes do mundo. O grande líder das democracias, Harry Truman,
afirmou “O comunismo não pode ser detido apenas pela força das
armas. Uma de suas armas mais perigosas é a atração falsa que exerce
sobre as pessoas que sofrem de fome, moléstia, pobreza e ignorância”.
Atendendo a essas considerações, as organizações policiais modernas
criaram órgãos especializados para atender a essas questões sociais e
humanitárias, que interessam, de maneira inequívoca, à ordem e à
segurança pública (...) A polícia de São Paulo, reconhecendo que, além
de suas atribuições específicas de manter a ordem pública, prevenindo
e reprimindo o crime, deve também atender aos desajustados sociais,
doentes, os pobres, bem como entrar em contato especializado para
desempenhar, exclusivamente, essa tarefa49.

Tendo como base este cenário e, após a análise de grande parte dos
fichamentos de trabalhadores da indústria das cidades do Estado de São Paulo,
no final da década de 1950, Feltrim define “inimigo interno”:

Em linhas gerais, podemos identificar as configurações para tal


caracterização nessa década de 50: o que era considerado o “inimigo
interno”, ou seja, aquele que viesse a público fazer denúncias sobre a
situação social, econômica ou mesmo cultural vigente no país, ou se
atrevesse a fazer propostas para alterar a situação, e no mais incipiente

48
FELTRIM, Luciana da Conceição. As formas Institucionais da violência: controle,
vigilância, cerceamentos e repressão política no Estado de São Paulo de 1954 a 1960.
São Paulo: PUC-SP, 2012. (Mestrado em história social), p. 83-84.
49
PESTANA, 1959, p. 224-5, apud FELTRIM, 2012, p. 88.
29
que fossem quanto à sua viabilidade ou no sentido de alterar
significativamente a dinâmica sócio/econômica/política50.

Essa perspectiva fica corroborada pelas informações extraídas da


documentação analisada no desenrolar do presente trabalho. Outros autores
também trabalharam com a definição deste conceito. De acordo com Ahumada, o
critério para se considerar uma prática como comunista foi construído a partir da
identificação de um inimigo comum, o “Comunismo Internacional”, oriundo das
revoluções socialistas da Europa Oriental, expressa na ala latina do globo por
meio da Revolução Cubana e que, paulatinamente, estaria adentrando em outros
países subdesenvolvidos 51.
Nesse sentido, o inimigo interno eram os indivíduos que compunham as
camadas populacionais que lutavam para ter acesso aos bens produzidos
coletivamente pelo processo de desenvolvimento da nação. Como esses bens
não estavam garantidos a eles, poderiam pender para o comunismo.

La concepción del “enemigo interno” se instaura a través de un proceso


de difusión desde las grandes potencias hacia los países
“subdesarrollados”, en situación de dependencia estructural, brindando
más argumentos para la negación de una apertura y flexibilidad en la
participación del poder y reafirmando la negación y la exclusión del
otro52.

Assim, o combate ao “inimigo interno” podia significar tanto a repressão


aos opositores da autocracia bonapartista inseridos em organizações políticas
quanto os contraventores incursos no Código Penal, tendo em vista que ambos
estavam na contramão das determinações do Estado.
Esses grupos de extermínio garantiam a manutenção dos anseios dos
segmentos hegemônicos da burguesia que tinham suas demandas atendidas pelo
Estado, governando indiretamente. Tal proposição se dava pela especificidade do
desenvolvimento do capitalismo brasileiro – pautado na “via colonial” 53, hipertardio

50
FELTRIM, 2012, op. cit., p. 86.
51
AHUMADA, P., Magda Alicia. El enemigo interno em Colombia. Quito/Ecuador:
Ediciones Abya-Yala, 2007, p. 19
52
Idem.
53
CHASIN, José. Miséria brasileira: estudos e edições AD Hominem, 2000, p. 37-58.
30
e atrófico – e da burguesia – subordinada, dependente e conciliadora, como
pontuou Chasin.
Essa particularidade do caso brasileiro impediu que houvesse uma ruptura
com os países imperialistas e, sem essa ruptura, a modernização do capitalismo
no Brasil estava diretamente ligada e imposta pela dinâmica internacional, bem
como a nossa burguesia estava subordinada àquela ordem, elementos que
marcam a sua fragilidade, como pontua Rago Filho54.
Assim, ao mesmo tempo em que se consolida o novo bloco de poder que
promovera o golpe de 64, produz-se dois movimentos: primeiro, a continuidade da
subordinação do desenvolvimento nacional ao capital estrangeiro – o que
resultaria, sistematicamente, na continuidade do atrofiamento do capital nacional;
segundo, a incompletude da burguesia no que tange à sua capacidade de
promover a revolução que a fizesse romper com as forças conservadoras
oligárquicas dominantes desde fins do período colonial.
Nesse sentido, destacara Octavio Ianni que o que se punha era uma
ditadura da grande burguesia – a partir dos seus anseios, atrelados à preservação
da propriedade privada e acumulação privada do capital a burguesia determinou
as características do Estado ditatorial.55
A expansão de tais órgãos repressivos deveu-se, não apenas à sua
sofisticação, mas também expressou a forma particular que assumiu o Estado,
sob o domínio dos segmentos hegemônicos da burguesia, cujas características a
levaram permanentemente a se respaldarem nos militares para promoverem as
renovações necessárias ao desenvolvimento do próprio capitalismo, perpetuando
o exercício autocrático do poder.
Essa lógica não se punha apenas para o Brasil, mas para a maior parte
dos países latino-americanos e consistia na premência de se promover a
renovação do parque tecnológico e a oligopolização do capital financeiro56.

54
RAGO Filho, Antônio. “O ardil do politicismo: do bonapartismo à institucionalização da
autocracia burguesa”. In: Revista Projeto História (29), tomo 1. São Paulo: Educ,
dezembro de 2004, p.152.
55
IANNI, Octavio. A ditadura do grande capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1981, p. 1-59.
56
Consistia na criação de uma estrutura financeira pautada no controle da maior parcela
do mercado por poucas empresas, cuja efetivação ocorreu pela fusão entre as empresas,
incorporação ou mesmo eliminação por compra das empresas pequenas, gerando
31
A oligopolização atendia ao processo de concentração e centralização do
capital ante a exploração e pauperização do trabalhador – características
alicerçadoras do milagre econômico e da repressão política ditatorial.
Tal programa foi implantado pelo Ministro da Fazenda Delfim Neto, em sua
gestão ocorrida entre 1967 e 1973 e, pautava-se na redução dos custos
operacionais – e consequente processo de perda das conquistas trabalhistas –,
diminuição das elevadas taxas de juros e obtenção de vantagens produtivas e
financeiras.
Nesse sentido, o Ministro da Fazenda implantou a política de grandes
empresas e conglomerados, base da rede bancária e financeira a partir de três
fundamentos básicos: primeiro, o estímulo à concentração bancária, a partir das
fusões e incorporações de bancos comerciais privados nacionais ao longo do
milagre econômico; segundo, promoção da centralização financeira que dava
respaldo e condições para a efetivação da conglomeração do sistema; por fim, a
integração entre o capital financeiro bancário e o capital industrial, transformando
a produção industrial em ações e papéis a serem negociados nos mercados de
capitais57. Tal processo se comprovaria pela redução do número de casas
bancárias, ante as incorporações, de 188 bancos privados comerciais privados
nacionais em 1968 para 72, em 197458.
Essas características do processo de desenvolvimento brasileiro – a
subordinação nacional ao capital internacional atrelado à superexploração da
classe trabalhadora e sua consequente marginalização –, usaram grupos de
extermínio presentes na repressão, como os esquadrões da morte, para
perpetuá-lo59, bem como manter a população “calma” diante da condição de
miserabilidade constante.

movimentos de resistência e luta dos trabalhadores bancários contra a superexploração


do trabalho no período da ditadura militar, especificamente entre 1964 e 1980. ROCHA,
Danielle Franco da. Bancários e oligopolização: avanços e limites nas lutas contra a
superexploração do trabalho na ditadura no Brasil (1964-1980). São Paulo: PUC-SP,
2013. (Tese de doutorado em História).
57
Idem, p. 69-70.
58
ROCHA, Danielle Franco, p. 70 apud MACARINI, José Pedro. A política bancária do
regime militar: o projeto de conglomerado (1967-1973) In: Economia e Sociedade,
Campinas, v.16, n°3, pp. 343-369, dez. 2007.
59
A luta dos trabalhadores ao longo do período ditatorial contra o processo de
centralização oriundo da implantação da oligopolização e a repressão do Estado contra
este segmento social foram esmiuçados com rigor ao longo da tese de Danielle Franco
32
O desenvolvimento econômico desvinculado do social e assegurado pelo
uso da violência pelas forças do Estado, no último período de vigência da
autocracia burguesa bonapartista, mantém relação direta com o “milagre
econômico”, que explorava e pauperizava a classe trabalhadora, em uma inflação
que oscilava entre 15% a 20%, com imensa concentração de renda, com aumento
do número de pessoas em condições de miséria absoluta e da dívida externa,
bem como com os desaparecimentos de pessoas nos DOPS do país.
Esse processo também foi visto em períodos anteriores, como na década
de 1950, com o desenvolvimento do Plano de Metas, aplicado durante o governo
de Juscelino Kubitscheck que almejara o crescimento brasileiro de “50 anos em
5”60, chegando a alcançar crescimento de 58,2% no período posterior, bem como
registrou grande crescimento demográfico. Todavia, a modernização do parque
industrial e o aumento demográfico, associados a um fator atávico no Brasil, o
ciclo das secas, que obrigava milhares de pessoas a migrarem em busca de
sobrevivência e trabalho, resultaram no crescimento das periferias urbanas,
dissociada de investimentos em implementos básicos, como saneamento,
planejamento habitacional, escolas, postos de saúde e demais direitos sociais.
O aumento da riqueza resultante dessa modernização oriunda da década
de 1950, entretanto, ocorreu de forma concentrada, observando-se que, durante
1960, os 20% mais ricos concentravam 54% da renda, e, nos idos de 1970, essa
concentração atingia a marca de 62%61. A principal política da ditadura foi
oligopolizar o capital financeiro para servir à autocracia associada ao capital
internacional.
O processo de inacessibilidade aos bens produzidos socialmente – e a
repressão para a manutenção da ordem capitalista –, não só fazia parte dos
custos sociais, oriundos daquela particular forma de crescimento econômico da
época, como também se evidenciava na depressão salarial sofrida pela classe
trabalhadora ao longo do período, ante a acumulação de capitais das indústrias

da Rocha, especificamente no capítulo três. Nele a pesquisadora deixou clara a relação


entre a superexploração do trabalhador e a violência do Estado. Cf. ROCHA, 2013, op.
cit.
60
O Plano de Metas foi um programa planejado e implementado na gestão de Juscelino
Kubitschek, cujo objetivo era que o Brasil crescesse cinquenta anos em cinco.
61 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania
em São Paulo. São Paulo, Ed. 34/Edusp, 2000, p. 44-6.
33
por meio dos incentivos fiscais e subvenções, dados pelo governo às
exportações. Em suma,

(...) visto que os salários reais decresceram enquanto que o produto


per capita aumentou, os benefícios da expansão econômica
brasileira concentraram-se nas mãos das classes mais abastadas,
cujo padrão de vida hoje em dia é igual ao de suas homólogas nos
países ricos. As classes humildes foram, portanto, um dos
financiadores do milagre econômico62.

Os processos de milagre econômico e sua posterior crise também


marcaram dois momentos em específico da atuação dos esquadrões: no primeiro,
a opinião pública apoiava a atuação daqueles grupos de extermínio, expressando
os anseios dos segmentos da classe média, alta e hegemônica da burguesia: “a
opinião pública d(ava) seu consentimento: uma sondagem efetuada em 1970
mostra que 60% das pessoas interrogadas em São Paulo aprovam as atividades
dos esquadrões da morte”63.
No começo daquela década, a riqueza produzida coletivamente graças ao
milagre econômico e à exploração da classe trabalhadora – mas apropriada por
poucos –, “dava aval” para que as práticas dos grupos de extermínio fossem bem
vistas, pois elas atendiam a demanda dos segmentos de classe hegemônicos da
burguesia, que pediam mais punição aos contraventores penais, em razão do
crescimento dos crimes contra a propriedade privada. Os crimes de execuções
sumárias perpetradas pelos agentes do Estado contra os segmentos
marginalizados por este estado de coisas e noticiadas cotidianamente não os
chocavam.
O cenário, porém, tornou-se completamente diferente quando ocorreu o fim
do milagre econômico e juntamente com ele, o fim do apoio dos segmentos
hegemônicos da burguesia a aquela autocracia burguesa bonapartista. Assim, em
meados de 1975, a opinião pública passava a questionar aquela violência.
Fato é que, com o aval, ou não, dos segmentos hegemônicos da
burguesia, expressos através da opinião pública, o extermínio dos indivíduos
excluídos do acesso aos bens produzidos coletivamente através dos esquadrões

62
SANTIAGO, Zeno. “A arrancada econômica do Brasil: custos sociais e
Instrumentalidade” In: Revista Dados. Publicação do Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro, 1972, p. 12.
63
BICUDO, op. cit., p. 84.
34
da morte foi contínuo ao longo do final da década de 1960 e toda a década de
1970.
Os grupos de extermínio faziam o trabalho sujo e vital para manutenção da
autocracia e, por isso, foram de suma importância para a manutenção desse
processo de exclusão, pois foram “instituído como uma espécie de resposta da
Polícia à violência popular, numa demonstração pública de eficiência”64.
Para esses segmentos sociais, o cotidiano era marcado pela suspeição
constante, por prisões que, sem a comprovação de delito efetivo, caracterizavam-
se pela total irregularidade e pela submissão desses indivíduos aos
encarceramentos em condições subumanas.

Não há dúvida de que, para o Estado brasileiro e seu aparelho


policial, os trabalhadores que moram nas favelas e periferias são
classes perigosas, que precisam estar sob permanente vigilância
punitiva. Já os abastados residentes dos bairros ricos merecem o
privilegio da vigilância protetora65.

Essas características estavam presentes em outros países da América


Latina que também passaram por ditaduras militares. Assim como no Brasil, as
ações dos agentes do Estado foram marcadas pelo uso da violência como política
nacional, garantindo a manutenção da exclusão dos segmentos sociais não
abastados, calcado em preceitos de suas respectivas doutrinas de segurança
nacional.

Ao longo do caminho, a tortura, os desaparecimentos e o assassinato,


armas do arsenal do governo militar contra a subversão interna, haviam
se tornado a estratégia militar para preencher a ‘ausência de
legitimidade’ à medida que porções cada vez mais significativas da
população capaz de demonstrar eficácia política eram excluídas da
participação política e civil, a repressão passava a ser cada vez mais
empregada para garantir a estabilidade do governo em curto prazo,
mesmo que, a longo prazo, esse tipo de tática minasse a legitimidade
do governo e o ameaçasse de desintegração66.

64
BICUDO, op.cit., p. 32.
65 GORENDER, Jacob. Direitos humanos: o que são (ou devem ser). São Paulo:
Editora Senac, 2004, p. 64.
66
HUGGINS, 1998, op. cit., p. 185.
35
Essa elitização das questões nacionais afastava as massas populares da
condução do Estado e destruíam qualquer possibilidade de participação. A forma
de atuação do Estado não apenas feria os direitos humanos como também
demonstrava a equiparação da ditadura às vigentes em outros países latinos,
principalmente na segunda metade do século XX 67. Assim como no Brasil, no
Chile, na Argentina e no Uruguai, justificados por ideologias de Segurança
Nacional, agiram de forma a combater a presença comunista sob os auspícios da
Guerra Fria que envolveu também a preocupação com o crescimento de
movimentos sociais, resultando na criminalização das lutas sociais e a sequente
perseguição política, que se dava tanto aos tidos criminosos políticos quanto aos
contraventores penais.
Afinal, para reprimir a insatisfação popular ante as mazelas sofridas,
segundo os ditames autocratas, nada era mais assertivo do que a eliminação
sumária daquelas pessoas e a inclusão dos esquadrões da morte no aparato
repressivo do Estado. Era uma maneira de obrigar o povo a aceitar a aplicação
das medidas adotadas para o desenvolvimento do capitalismo, solucionando
possíveis movimentos de reação massiva68.
Enquanto os integrantes desses grupos de extermínio atuaram também no
aparato repressivo, o Estado buscou formas de dar legalidade 69 à liberdade
daqueles agentes, que se punham à margem da lei.
Nesta busca por legalidade, os autocratas alteraram a legislação de
diversas formas: criaram a Lei Fleury, em 1973, garantindo a liberdade dos
agentes da repressão atuantes nos esquadrões; mudaram alguns ditames quanto
à produção e uso de provas nos processos regidos pelo Código de Processo Civil;

67
Esse período tem sido objeto de debates entre os analistas, pois alguns consideram
que, dada a institucionalidade dos três poderes e de dois partidos – um deles de
oposição (MDB)-, assim como de eleições indiretas, a hegemonia dos militares configura
o autoritarismo, mas não uma ditadura propriamente dita, à semelhança de outros países
latinos americanos. Uma representante desta linha historiográfica é a historiadora Maria
Aparecida de Aquino. Para maiores esclarecimentos, ver FICO, 2004, op. cit.
68
RUDÉ, George. A Multidão na Historia. Rio de janeiro: Ed. Campus, 1991.
69
“O Princípio da Legalidade é uma das maiores garantias para os gestores frente o
poder público. Ele representa total subordinação do poder público à previsão legal, visto
que os agentes da Administração Pública devem atuar sempre conforme a lei”. Cf.
PIRES, Vitor César Freire de Carvalho. “Administração pública: Princípio da
Legalidade” In: DireitoNet. Disponível em:
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7643/Administracao-Publica-principio-da-
legalidade. Acesso em 20 jan. 2016.
36
promulgaram atos institucionais e os incorporaram ao texto da Constituição de
1967 e, posteriormente, na de 196970. Tratava-se do uso abusivo da legalidade.
O uso de meandros que garantissem a legalidade daquele Estado foi
demonstrado por Felipe Magane71, por meio da análise de três dispositivos e em
momentos específicos: a Lei de Abuso de Autoridade de 1965; a Lei de Anistia de
1979 e a Lei de Tortura de 1997. A primeira lei foi criada para tutelar o abuso de
autoridade e dar legitimidade para a ditadura, preocupada em dar ares
democráticos e constitucionais ao uso brutal da força. A lei de anistia, o segundo
preceito, ratificou a impunidade diante da prática da tortura, ao excluir os agentes

70
Há uma discussão entre os magistrados acerca dos ditames constitucionais de 1969,
se se tratava de nova Constituição ou uma Emenda Constitucional. Uma emenda
constitucional, de acordo com José Afonso da Silva, consiste na “modificação de certos
pontos, cuja estabilidade o legislador constituinte não considerou tão grande como outros
mais valiosos, se bem que submetida a obstáculos e formalidades mais difíceis que os
exigidos para alteração das leis ordinárias”. Ao longo dos anos de 1964 e 1969, os
militares criaram os atos institucionais. No que tangia aos quatro primeiros, eles
garantiam a ordem constitucional vigente na época e, posteriormente, foram incluídos na
Constituição de 1967. O debate sobre o caráter daquelas mudanças legais se iniciou a
partir da promulgação do Ato Institucional n° 5, pois, de acordo com os especialistas do
direito, ele representou uma sobreposição à constituição federal, às estaduais, bem como
suspendia várias garantias constitucionais. O outro momento de debate se pôs com a
promulgação da emenda n° 1, em 17 de outubro de 1969 pela Junta Militar que estava no
poder, em substituição do general Médici. Aquele ditame garantia a intensificação da
concentração do poder do Executivo e a permissão para que houvesse a substituição do
Presidente pela Junta Militar, impedindo que o vice, Pedro Aleixo, substituísse Médici.
Estabeleceu eleições indiretas para o cargo de Governador do Estado, ampliou o
mandato presidencial para cinco anos, extinguiu a imunidade dos parlamentares. Os
magistrados entendem essas mudanças por duas perspectivas: a Doutrina Minoritária,
que entende que se tratava de uma pequena alteração e não uma nova Constituição e a
Doutrina Majoritária, que se tratava de uma nova Constituição, outorgada pelos
governantes que usaram do verdadeiro Poder Constituinte Originário para fazê-lo. De
acordo com Silva, “teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova
Constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que
verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformado, a começar pela
denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto
que a de 1967 se chamava apena de Constituição do Brasil. (...) Se convocava a
Constituinte para elaborar Constituição nova que substituiria a que estava em vigor, por
certo tem natureza de emenda constitucional, pois tem precisamente sentido de manter a
constituição emendada. Se visava destruir esta não pode ser tida como emenda, mas
como ato político”. Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.
25. ed. São Paulo. Malheiros. 2005, p.132, apud RIBEIRO, Lane. “Emenda Constitucional
ou Constituição de 1969?”. In: JusBrasil. Disponível em:
http://lany.jusbrasil.com.br/artigos/143739919/emenda-constitucional-ou-constituicao-de-
1969 Acesso em: 19 jan. 2016.
71
MAGANE, Felipe Toledo. A construção jurídica da impunidade do crime de tortura:
o legado Bonapartista da violência e o Estado democrático de direito no Brasil. São
Paulo: PUC-SP. 2012. Tese de doutorado. p. 102-110.
37
do Estado da possibilidade de punição, além de ter impedido que houvesse, no
Brasil, uma ruptura efetiva entre o período ditatorial e o democrático. E, por fim, a
lei de tortura, elaborada já no período de constitucionalidade democrática, mas
que, para o autor, é inconstitucional, ao alocar o crime de tortura na esfera do
crime comum, além do que as penas são irrisórias se comparada com as vigentes
para a prática do furto, por exemplo 72.
No caso analisado neste trabalho, o da lei Fleury, sabe-se que essa lei foi
construída e promulgada com a finalidade de colocar em liberdade os agentes do
aparato repressivo atuantes nos esquadrões da morte, bem como legalizar aquela
situação – há, portanto, indícios da juridicidade manipulatória, presente na lógica
de funcionamento do Estado. Essa juridicidade é entendida como corporativismo
militar, quando nos atemos à prática dos policiais de forjar provas, “frutos da
árvore envenenada”.
Se nos limitarmos a essa associação – forjamento de provas e
corporativismo militar – assumimos que os policiais agiam com desvio de conduta
ao forjarem tais provas e assim como parte da historiografia, os
responsabilizamos por tais práticas. Todavia, ao ampliarmos a discussão,
estabelecendo o diálogo com o direito, é possível notar que a juridicidade militar
estava entranhada na lógica do Estado e que aqueles policiais não se tratavam de
transgressores da norma, mas sim, cumpridores da norma.
Apesar dos inúmeros trabalhos sobre a problemática da repressão, tortura
e ditadura militar73, as questões especificamente envolvendo a atuação dos
esquadrões da morte não são um assunto muito trabalhado na historiografia
brasileira, menos ainda vínculos que o analisam no interior da lógica da
perseguição política.

72
Idem, p. 102-145.
73
Sobre tortura ver ALVARES, Delaine de Sousa Silva. Lê Monde e a tortura no
período Médici. São Carlos: UFSCar, 1999. Mestrado em Sociologia; FREIRE, Camila
Pimentel. As marcas da tortura engendrada pela ditadura militar brasileira. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2007. Mestrado; PRADO, Larissa Brisola Brito. Estado democrático e
políticas de reparação no Brasil: tortura, desaparecimentos e mortes no regime militar.
UNICAMP, 2004: Mestrado. Sobre a repressão, ver ANSARA, Soraia. Memória Política
da ditadura militar e repressão no Brasil: uma abordagem psicopolítica. PUC-SP,
2005. Mestrado; MACHADO, Cátia da Conceição Faria. Revolucionários, bandidos e
marginais: presos políticos e comuns sob a ditadura. Niterói: UFF, 2005. Mestrado.
38
Nos últimos anos, viemos acompanhando os trabalhos produzidos acerca
dos esquadrões da morte e, paulatinamente, esse tema vem ganhando o
interesse dos pesquisadores das diversas áreas. Acreditamos que isso tenha se
dado pela constante aparição de casos “semelhantes” na nossa atualidade, o que
torna nosso objeto de estudos cada vez mais atual, sem anacronismos.
Os enfoques, perspectivas e análises feitas são diversos. Das leituras
realizadas, os trabalhos produzidos pelo Dr. Hélio Bicudo merecem destaque,
dada a ligação visualizada dos esquadrões da morte com a lógica da repressão
política. Como membro do Ministério Público Paulista, Bicudo trabalhou durante
anos, na formulação de processos e denúncia dos esquadrões da morte que
atuavam em São Paulo ao Ministério Público. Após sua destituição desta função,
em clara medida política tomada pelo Estado, ele continuou a denunciar tais
mazelas tanto através de processos jurídicos, quanto no decorrer de seus estudos
sobre o tema, revelando o grau de omissão do Ministério Público e das
instituições governamentais, estaduais e federais, em agir contra os grupos de
extermínio espalhados por todo o Brasil, perpetuando a letalidade do nosso
bonapartismo.
O nascimento dos esquadrões da morte, conforme Martha Huggins,
coincidiu com a expansão do programa de treinamento policial americano.
Embora trabalhe em uma linha distinta da de Bicudo, essa autora aponta ainda
que a promulgação do AI-5 dificultou que as denúncias chegassem até os órgãos
internacionais e principalmente à mídia americana, mantendo-se a “sete chaves”
a ajuda que esta dava para o (e no) treinamento de policiais. Ela também aponta
que a promulgação do ato referido coincide com o segundo momento de maior
ajuda financeira para o Brasil, 1969-1970, tendo sido o primeiro entre 1963-1964,
logo depois da instituição do governo militar. Tal conjuntura e sigilo sobre as
práticas de tortura impediram que houvesse qualquer cerceamento às relações
internacionais do Brasil durante o bonapartismo.
Alguns autores situam a prática dos esquadrões da morte no campo da
discussão acerca da “limpeza social”, entendendo que tais grupos, ao longo de
sua existência, estiveram diretamente ligados ao combate ao contraventor penal

39
como pontua Diego Oliveira Souza74 e Marcia Regina Costa75, em seus
respectivos trabalhos. A pesquisadora ainda destaca a atuação dos policiais dos
esquadrões na repressão política, mas não a desenvolve por entender que eram
casos isolados.
As implicações da militarização da polícia militar na produção de um
contexto no qual mecanismos oficiais e oficiosos podem conferir “legitimidade” e
“legalidade” a práticas abusivas e ilegítimas praticadas por seus agentes foi objeto
da tese de Vanda de Aguiar Valadão76. Essa autora também chega muito próximo
à temática dos esquadrões da morte, mas não o aborda. Ela demonstrou que as
práticas violentas e corruptas de agentes policiais militares refletem o
autoritarismo socialmente implantado na sociedade, mas sua persistência se
ampara nas características organizacionais e de funcionamento interno dessas
agências policiais e na legislação que regulamenta o exercício da função policial
militar.
Próximo a essa perspectiva, o Núcleo de Estudos da Violência (NEVE) da
Universidade de São Paulo tem desenvolvido grande trabalho quanto à análise da
violência no Brasil, bem como direcionado a construção das políticas públicas
sobre esse problema. No que tange à ação dos Esquadrões da Morte, a análise
deles muito se aproxima da nossa, dado o reconhecimento da integração dos
grupos de extermínio ao aparato repressivo, que garantia a eles imunidade
advinda do Estado, impunidade e a continuidade das matanças. Todavia, o
“NEVE” atribui essa escalada da violência a uma “cultura” desenvolvida nas
corporações policiais ao longo da sua existência, potencializada na ditadura e
continuada na democracia, dissociando, assim, o Estado da responsabilidade
efetiva pela violência perpetuada cotidianamente contra sua população mais
pobre. Quanto à continuidade dessa violência em momentos democráticos ou
ditatoriais, eles a associam à permanência do modelo imbricados no âmbito
policial, enquanto nós a entendemos como uma dada forma de ser do Estado,
pautado seu viés autocrático burguês bonapartista.
74
SOUZA,2014, op. cit.
75
COSTA, Márcia Regina. “1968: O esquadrão da morte em São Paulo” In: SILVA, Ana
Amélia da e CHAIA, Miguel (orgs.). Sociedade, Cultura e política: Ensaios críticos. São
Paulo: EDUC, 2004;
76
VALADÃO, Vanda de Aguiar. Implicações para as práticas policiais. Rio de Janeiro:
UFRJ, 2004 – Doutorado.
40
A defesa que policiais faziam do Esquadrão da Morte, no início dos
anos 70, revelava como se cultivou profundamente no interior da
instituição policial a simpatia pelas ações ilegais, pelas execuções
sumárias, que acabaram se tornando um problema crônico na vida das
corporações policiais mesmo depois da volta do país à normalidade
democrática. Assim, o combate à criminalidade não era encarado como
resultado de um trabalho eficaz da Polícia no âmbito da prevenção, da
repressão dentro do marco legal, de investigação através de trabalho de
perícia. Para muitos policiais a ação do Esquadrão da Morte era a
“única forma de impedir o aumento do índice de criminalidade”, “a
sociedade nada perde com as execuções, muito pelo contrário”77.

Ao analisar as memórias sobre esse delegado que, baseado no uso do


medo, levou a cabo uma terrível guerra contra supostos inimigos do status quo, o
jornalista Percival de Souza aponta como Fleury simbolizou a defesa da violência
institucional. Em sua obra Autopsia do medo: vida e morte do delegado Sérgio
Paranhos Fleury78, esse autor o considera um policial que se notabilizou como
profissional dedicado e competente, cotidiana e metodicamente aplicado a
elaborar o terror.
Concentrando sua análise no Massacre do Carandiru – momento em que
111 pessoas que estavam sob custódia do Estado, alguns dos quais sequer com
processos judiciais formalizados, foram executadas –, Iwi Mina Onodera79 analisa
o aparato repressivo que atuou na coerção dos direitos individuais por meio do
uso da polícia militar, dos órgãos do governo e de seu aparelho burocrático.
Pondera que estas ações são características que denotam a inoperância das leis
penais, da problemática do Estado de Direito, da falência do sistema prisional e
da recusa aos direitos humanos, conforme previsto na constituição do país.
Parte da historiografia brasileira, ao analisar as práticas cotidianas da
ditadura militar, marcadas pelos aprisionamentos sem culpa formada, as torturas,
julgamentos, condenação e assassinatos praticados pelos membros dos
esquadrões, constituíam o que alguns pesquisadores convencionaram chamar de

77
Cf. ALVAREZ, Marcos; SALLA, Fernando e SOUZA, Luiz Antônio. Construção das
políticas de segurança pública e o sentido da punição. São Paulo (1822-2000). São
Paulo: Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, 2004, p. 54-63.
78
SOUZA, Percival. Autopsia do Medo: vida e morte do delegado Sérgio Paranhos
Fleury, São Paulo: Globo, 2000.
79
ONODERA, Iwi Mina. Estado e violência: um estudo sobre o massacre do Carandiru.
São Paulo: PUC-SP, 2007 – Mestrado.
41
“cultura policial”80 – pautada na premissa de que a percepção subjetiva do policial
sobre o mundo é o fato gerador da violência, da desconfiança à sociedade, da
solidariedade entre os policiais, da corrupção policial, da guarda da informação 81.

(os) contatos (dos policiais) com a realidade também são marcados


pelos aspectos negativos da existência – dos grandes crimes às
pequenas fraquezas – e a imagem que o policial conserva da natureza
humana é extremamente depreciativa, e, em segunda instância,
desiludida ou cínica. Fundado nesta experiência, o policial constrói uma
visão do mundo e de sua tarefa que incorpora uma série de atributos
comuns. Entre estes estariam, segundo Buchner, a dissimulação, a
solidariedade, a desconfiança, a astúcia e o conservadorismo 82.

Tal perspectiva coloca o Estado à margem da atuação de seus próprios


agentes, responsáveis pela segurança pública, caracterizando-o como incapaz de
conter as ações destes, apontando-os como insubordinados, pois ao conceituar
tais práticas como simples desvios de conduta individual,83 atribui aos membros
dos esquadrões da morte a responsabilidade total pelas execuções efetuadas.
Nessa lógica, o aparelho estatal acaba dissociado da ação destes grupos de
extermínio, distorção que traduz um percurso habitual na história da violência
brasileira, como mostra Pinheiro, ao analisar o Brasil República:

Os maus tratos e a tortura aos presos comuns sempre foram entendidos


como uma distorção devida somente ao despreparo do aparelho de

80 A perspectiva da cultura policial é desenvolvida pelos pesquisadores Marcos Luis


Bretas, André Rosemberg, Dominique Monjardet, Robert Reiner, H. Jerome Skolnick, J.
A.P. Waddington; Paula Poncioni.
81 BRETAS, Marcos Luis e PONCIONI, Paula. A cultura Policial e o Policial Civil Carioca.
In: CARVALHO, J.M. et al. Cidadania, justiça e violência. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1999. Ver
http://comunidadesegura.org.br/files/aculturapolicialepolicialcarioca.pdf. Acesso em: 28
out. 2010.
82 Idem.
83
Alguns autores apontam que a tortura e o extermínio seriam excessos, desvios de
conduta dos agentes do Estado sem a aprovação dos seus superiores. Esta tese foi
admitida pelos pesquisadores KLEIN, L., FIGUEIREDO, M. F.Legitimidade e coação no
Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978, p.46-7; OLIVEIRA, E. R. As
Forças Armadas: política e ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis: Vozes, 1976,
p.105 e STEPAN, A. C. Os militares: da abertura à Nova República. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1986, p.21.
42
repressão policial ou às condições subdesenvolvidas do sistema
penitenciário84.

Analisando a temática do crime político, Gustavo Pamplona coaduna com


as proposições de Hannah Arendt, apontando que a esfera política não admite a
existência da violência85, o que acarreta a interpretação de que a criminalização
das lutas por demandas sociais deve ser analisada na esfera do crime social.
Alguns trabalhos no Direito também contribuíram para a análise do nosso
objeto. Neste sentido, podemos apontar a criminologia crítica e o trabalho de Nilo
Batista, no qual analisa a legalidade da igualdade presente na legislação, uma
vez que a mesma parte da proposição de que todos são iguais – enquanto a
prática cotidiana mostra uma realidade pautada na miséria exacerbada, na
pauperização do trabalhador e débeis condições de efetivação da dignidade
humana 86. Consequentemente, esse processo gera a criminalização das lutas por
melhores condições de vida, tratando-as como caso de polícia, justificando o uso
da violência do Estado – tanto em seu cunho bonapartista, quanto em seu
momento autocrático burguês. Essa falsa neutralidade comprova-se na ação dos
esquadrões da morte, que oficiosamente nasceram das entranhas do Estado,
mas que é parte essencial para a manutenção do estado de coisas vigente na
época.
O Direito Penal do inimigo reflete sobre a “cultura” da eliminação das
pessoas excluídas socialmente, também aplicada em nossa sociedade. Criado
pelo alemão Günter Jakobs, a distinção entre o cidadão e o inimigo é que o
inimigo é aquele que se afasta do Estado, tais como terroristas, delinquentes,
autores de delitos sexuais, outras infrações perigosas e aqueles que não
oferecessem segurança cognitiva comportamental suficiente para viver em

84
PINHEIRO, Paulo Sérgio. “Violência do Estado e Classes Populares” In: Revista
Dados. Publicação do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, n. 22, 1979,
p. 05.
85
O autor analisa o princípio da não-contradição da lei no Estado Democrático de Direito
a partir das proposições de Hannah Arendt. Para maiores informações, ver PAMPLONA,
Gustavo. “Crime Político no Estado Democrático de Direito: o nocrim a partir de Hannah
Arendt” In: Revista MPMG Jurídico, n.18, out./nov./dez.2009.
86
Para maiores informações, ver BATISTA, Nilo. Introdução à crítica ao Direito Penal
Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2001, pp. 32-3.
43
sociedade87. Nesta perspectiva, o indivíduo que se recusa a aceitar o status de
cidadão não deve ser tratado como pessoa, mas sim como um inimigo, não
devendo, consequentemente, gozar de direitos processuais, uma vez que não é
mais considerado um sujeito processual88, dotado de direitos fundamentais. Esses
princípios, se analisados na conjuntura brasileira, evidenciam a caracterização
dos indivíduos, socialmente excluídos, com a “tarja” de inimigos, legitimando,
dessa forma, a violência do Estado e diminuindo sua pecha negativa ante a
atuação brutal dos esquadrões da morte – afinal, a esses indivíduos toda coação
física era necessária e justificada.
Se a bibliografia pouco se debruçou sobre a análise dos grupos de
extermínio e a sua vinculação ao Sistema de Segurança Nacional, Sistema
Repressivo e a Doutrina da Guerra Revolucionária produzida pela Escola
Francesa, o volume documental que aponta para tal tese é significativo. Apenas
no Arquivo do Estado de São Paulo, situado na zona norte de São Paulo, do
Arquivo pessoal do Dr. Hélio Bicudo, doado para a biblioteca da PUC-SP e os
processos, cedidos também pelo jurista, o número de documentos é enorme.
No arquivo do Estado, seção DOPS, cerca de 50% de todo o material
encontrado está microfilmado. Esses documentos apontam citações sobre os
esquadrões da morte em jornais, transcrições de entrevistas ou noticiários feitos
por meio do rádio, policiais acusados de participação nos esquadrões da morte,
torturas realizadas, ofícios expedidos pela SNI, panfletos feitos, denúncias contra
Sérgio Fleury. Também apontam os trâmites e a morosidade em julgamentos de
envolvidos com tais esquadrões, como é o caso do de Sérgio Fleury. A partir das
notícias, tanto pelo relato de fatos, quanto pelos editoriais e comentaristas, pode-
se refletir sobre a luta contra os esquadrões, o apoio de entidades à violência
policial, o financiamento de comerciantes, a ligação destes com o tráfico de
drogas, o uso destes grupos pelo Estado para manter o controle da efervescência
social. A análise do conteúdo desta documentação exige um tratamento próprio,
pois é material produzido pelos próprios agentes policiais (civis e militares). Estes

87
GUNTHER, Jakobs. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2007, p. 42.
88
Idem, p. 28-9.
44
documentos foram adquiridos a partir da indicação em 103 fichas, contendo 142
documentos, alocados em torno de 130 pastas diferentes.
Os jornais ainda não microfilmados estão acondicionados em pastas
individuais, separados por mês, em péssimo estado de conservação,
praticamente se desfazendo ao serem manuseados. Encontram-se, nestas pastas
também, jornais diversos, de todo o país, que apontam a atuação de esquadrões
da morte em diversos Estados brasileiros, como Rio de Janeiro, São Paulo,
Paraná, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco e Alagoas.
Também tivemos acesso aos documentos disponibilizados pelo Dr. Hélio
Bicudo, tanto em suas obras quanto nos que estavam guardados em sua
residência. São documentos do Poder Judiciário e do Ministério Público do Estado
de São Paulo, que compõem os processos formulados por ele na época. A
riqueza desse material é incomensurável, dada a possibilidade de reconstruir
aquele momento histórico, tendo em vista que apresentam o cotidiano do
Judiciário no trato aos esquadrões da morte. No entanto, como já o tínhamos
analisado, bem como o utilizamos apuradamente ao longo do mestrado, optamos
por deixá-los em segundo plano nesse momento, mas sem deixar de retornar a
eles quando as lacunas emergidas poderiam ser preenchidas por esse material.
Os documentos reunidos por Hélio Bicudo ao longo da sua história como
no aparelho judiciário brasileiro e que foram cedidos para o acervo Hélio Bicudo,
da PUC-SP, tiveram sua organização mantida como havia feito seu proprietário,
distribuídas em pastas, em ordem cronológica e composta por diversas
publicações feitas ao longo dos anos de 1968 a 1980. São oriundas de meios
diversos, desde a construção de um filme sobre os esquadrões até recortes de
jornais cotidianos – e este último compõe a maioria do material.
A partir de toda a documentação analisada e algumas obras produzidas,
pudemos visualizar a existência de esquadrões da morte em quase todos os
Estados da Federação. Notamos também que em alguns Estados, tais como São
Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, os grupos de extermínio tiveram maior
destaque, dada a quantidade de pessoas que eles assassinaram, o que gerou
também uma maior quantidade de documentos e, por isso, estes três estados
apareceram bastante em nosso trabalho. No entanto, as práticas realizadas por
esses grupos serão também analisadas – menos apuradamente, tendo em vista a

45
pequena quantidade de documentos a que tivemos acesso – nos estados da
Paraíba, Alagoas, Minas Gerais, Paraná, Sergipe e Pernambuco.
Ao longo deste trabalho, buscamos respeitar as informações em sua
integralidade, partindo do procedimento analítico da imanência. Dessa forma,
buscamos não atribuir significados a priori às nossas fontes documentais,
possibilitando que os nexos constitutivos que revelam a dinâmica social na sua
concretude viessem à tona despidos de pressupostos e prerrogativas. Como
pontua José Chasin,

o exame imanente dos materiais revela a natureza e a organização de


um pensamento que dispensa qualquer artificialismo ou recurso
extrínseco para evidenciar consistência e identidade. Não precisa de
aditivos, recortes ou remontagens para ser legitimado no universo do
pensamento de rigor. (...). Por isso mesmo a própria voz dos escritos
pulveriza as interpretações irrazoáveis desse feitio e desmancha as
hipóteses de investigação centradas em apriorismos, equações sempre
subjetivas, não importa em que paradigma creiam estar apoiados, pois
construtores desse tipo nunca podem ser nada além de moldagens ou
figuras, mais ou menos organizadas, de elementos da própria
subjetividade, e enquanto tais, já nascem em crise, pois estão em
originária tensão dicotômica com os objetos89.

No entanto, sabemos que as fontes aqui analisadas são vestígios do


passado, repletos de lacunas e incompreensões inerentes ao documento
histórico, cabendo a nós também reconstruir a dinâmica da época e preencher
tais espaços existentes por meio da análise historiográfica.
Por essas razões, acreditamos que a nossa contribuição à historiografia se
deu na reconstrução de uma concretude social em que, para além da superficial
perspectiva de que os esquadrões da morte atuaram isoladamente e contra um
segmento específico da sociedade – os contraventores penais -, deixamos
emergir sua real e mais importante função social: corroborar para a manutenção
da ordem vigente, da preservação da propriedade privada e da exclusão de uma
grande parcela da população da esfera da práxis social através da atuação no
aparelho repressivo do Estado.
As evidências analisadas ao longo desta tese resultaram na confecção de
seis capítulos. No primeiro, “Esquadrões da morte e as bases da excludência na

89
CHASIN, José. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo:
Boitempo, 2009, p. 84-5.
46
configuração autocrata”, buscamos entender as bases da excludência na
configuração autocrata que deram margem à emergência de grupos de extermínio
ao longo da história. Assim, analisamos o papel das teorias raciológicas e como
elas deram embasamento para a escolha das vítimas dos grupos de extermínio;
analisamos as formas de repressão na cidade e como elas se consolidaram
através da segregação do espaço urbano, principalmente nos anos em que
ocorria a industrialização. A repressão aos movimentos sociais no campo também
foi aqui analisada através do resgate dos movimentos sociais do nordeste
brasileiro, como Canudos, do Sítio Caldeirão, o Cangaço, as Ligas Camponesas e
do sul do país com a Guerra do Contestado, demonstrando que a repressão
autocrática se punha desde o início da República e tinha ligação direta com a
forma de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a “via colonial”. Por fim,
apuramos como as doutrinas oriundas dos EUA e da Escola Francesa
consolidaram a violência do Estado.
No capítulo 2 “Modus operandi dos esquadrões da morte: uma instituição
nacional a serviço da autocracia burguesa bonapartista”, apresentamos os
esquadrões da morte e buscamos demonstrar a sua articulação nacional através
da semelhança entre as práticas perpetuadas em todos os estados em que eles
atuaram. Assim, analisamos seu modus operandi, tais como as execuções
sumárias, as mortes sob custódia do Estado, a formação dos cemitérios
clandestinos e os Relações-Públicas.
Ao longo do terceiro capítulo, “”Os intocáveis”: esquadrões da morte na
repressão política””, analisamos a vinculação dos esquadrões com o aparato
repressivo. Para isso, retomamos o desenvolvimento da rede de vigilância em
meados de 1920 até sua transformação em um Sistema de Segurança Nacional
em 1950, bem como seu auge ao longo da autocracia bonapartista e o papel
desempenhado pelos grupos de extermínio naquela articulação. Buscamos
entender a quais demandas os esquadrões atendiam ante o cunho classista do
Estado e compreender como as práticas de tortura e os espaços em que elas
ocorriam abarcavam tanto contraventores penais quanto indivíduos de
organizações políticas, não havendo assim, distinção no trato a eles.
No capítulo 4 “O uso abusivo da legalidade”, buscamos compreender como
a autocracia bonapartista tornou legal suas práticas ilegais a partir dos três

47
julgamentos ocorridos ao longo da década de 1970 contra os agentes da
repressão atuantes nos esquadrões da morte. Aqui analisamos a Lei Fleury e
como ela garantia a legalidade da liberdade daqueles policiais; a coação aos
membros do Judiciário, tanto verbal quanto através dos Atos Institucionais e, por
fim, o afastamento dos juízes de modo a garantir a liberdade daqueles policiais.
Também apuramos o retorno da responsabilidade sobre os esquadrões para a
esfera dos estados.
No capítulo 5 “A juridicidade manipulatória e os frutos da árvore
envenenada: formas de perpetuação da impunidade”, analisamos as práticas
policiais no que tange ao forjamento de provas, que garantiam a impunidade dos
agentes atuantes nos esquadrões da morte e como elas aparentavam tratar-se de
puro corporativismo militar, mas que, na verdade, estavam dentro da dinâmica da
juridicidade e, assim, entranhada na lógica do Estado. Também apuramos como a
teoria dos “Frutos da Árvore Envenenada” foi aplicada e deturpada a serviço
daquela autocracia.
Por fim, o capítulo 6, “Construções e desconstruções: o papel da opinião
pública”. Aqui analisamos como a opinião pública atuou ao longo da década de
1970 ante as execuções realizadas pelos esquadrões. Na primeira parte,
apuramos a ligação do viés favorável da opinião pública ao desenvolvimento do
milagre econômico; e na segunda parte, o viés desaprovador delas e seu vínculo
com a crise do milagre e o processo de abertura política. Nesse momento,
também apuramos por que a morte do delegado Fleury foi estratégica.

48
Capítulo 1
Esquadrões da morte e as bases da excludência na configuração
autocrata

Os esquadrões da morte foram grupos de extermínio que atuaram em


âmbito nacional desde o final da década de 1950. Nascidos no Rio de Janeiro,
eram grupos paramilitares – “ligados al Estado y su actividad central es la
producción de violencia”90 – que se expandiram, a partir da iniciativa de
representantes do Estado, para outras localidades do país, como São Paulo e
Espírito Santo – nos primeiros anos da ditadura – e, posteriormente, para
Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Sergipe e Pernambuco, entre outros.
Suas práticas, grosso modo, eram o aprisionamento sem delito efetivo, o
sequestro justificado para fins de esclarecimentos, a tortura e, principalmente, a
execução sumária das vítimas em liberdade ou sob custódia do Estado91.
Especificamente, em 1958, atendendo aos anseios dos segmentos
hegemônicos da burguesia, nasceu o primeiro grupo de extermínio.

Em 1958, a Associação Comercial, apavorada com o número de


assaltos e argumentando que a cidade estava “infestada” de marginais,
exigiu medidas duras do então chefe da polícia, o general Amaury
Kruel. O resultado foi a criação do Serviço de Diligências Especiais,
com a permissão de “caçar bandido à bala”. O resultado foi que a ação
do grupo resultou em extorsão, centralização das ”caixinhas” do jogo do
bicho, prostituição e consumo de drogas, entre outras atividades
criminais. Em 1958, o detetive Eurípides Malta foi denunciado como o
primeiro chefe do esquadrão da morte92.

90
De maneira geral, grupos paramilitares são “grupos armados que están directa o
indirectamente com el Estado y sus agentes locales, conformados por el Estado o
tolerados por éste, pero que se encuentran por fuera de su estructura formal”. KALYVAS,
Stathis; ARJONA, Ana. “Paramilitarismo: una perspectiva teórica”. In: TOBON, William
Ramírez (org.). El poder paramilitar. Editora Planeta, (s/d), p. 29.
91
Cf. MATTOS, Vanessa de. O Estado contra o povo: a atuação dos esquadrões da
morte em São Paulo (1968 a 1972). PUC-SP, 2011. Dissertação de mestrado.
92
COSTA, Márcia Regina. “1968: O esquadrão da morte em São Paulo”. In: SILVA, Ana
Amélia da e CHAIA, Miguel (orgs.). Sociedade, Cultura e política: ensaios críticos. São
Paulo: EDUC, 2004, p. 371.
49
Foi o General Amaury Kruel, então chefe da polícia do Rio de Janeiro,
quem recebeu a ordem de criar o Grupo de Diligências Especiais, como apontou
o Jornal Notícias Populares. Na prática, era uma “tropa de choque subordinada
diretamente ao seu gabinete”93. Atendendo ao pedido do general que, por sua
vez, respondia aos anseios da classe hegemônica da burguesia carioca, foi criado
o primeiro esquadrão da morte no Rio de Janeiro com a supervisão do detetive
Eurípedes Malta94.

A missão do Grupo era reservada, mas os jornais noticiavam que era


matar bandidos de alta periculosidade e considerados irrecuperáveis.
Formado por homens discretos e silenciosos, era quase impossível
saber sobre suas missões, o Grupo era impenetrável à imprensa que,
pouco depois o batizava de esquadrão da morte95.

Como é possível notar, já nessa época, momento tido pela historiografia


como democrático, os anseios de classe de segmentos hegemônicos da
burguesia96, tais como a manutenção do status quo, da propriedade privada e do
capitalismo já se punham representados no Estado, que usava da violência para
efetivar a sua preservação.
Assim, os esquadrões não foram grupos atuantes exclusivamente em
períodos de autocracia bonapartista, pois também estiveram presentes em
momentos democráticos, “tempos de paz”, configurando, dessa maneira, a

93
"Violência no Rio é pior que Chicago nos anos 30". Notícias populares. DOPS.
06/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - 1978 - esquadrão
da morte.
94
COSTA, 2004, op. cit., p. 371.
95
BARBOSA, Adriano. Esquadrão da morte, um mal necessário? São Paulo:
Mandarino, 1971, p. 31.
96
Os segmentos hegemônicos da burguesia são os que estão apoiadas no capital
internacional, bem como subordinados a ele, são estes “industriais, banqueiros,
comerciantes, proprietários de meios de comunicação” entre outros. Apenas essa parcela
da burguesia tem suas demandas representadas no Estado. Os demais segmentos
dessa classe social não têm acesso ao Estado. Tal distinção representa um dos fatores
para a fragilidade da burguesia. Assim, usaremos esta terminologia para representar a
parcela daquele segmento social. No trabalho desenvolvido pelo historiador Marcelo
Squinca, essas contradições e interesses particulares das classes burguesas foram
explicitadas na construção de um modelo para o setor elétrico brasileiro entre os anos
1950 e 1960, além de deixar clara a dimensão dos embates e fragilidades dentro delas.
SILVA, Marcelo Squinca. Energia elétrica: estatização e desenvolvimento (1956-1967).
São Paulo: Alameda, 2011.
50
autocracia burguesa institucionalizada97 – veja-se que a atuação desses grupos
pode ser observada até os anos de 199698, o que denota que a configuração do
Estado brasileiro, pautado no uso da violência para controle da população, não é
uma característica de um ou outro tipo de governo, mas faz parte da própria forma
do ser, autocrática bonapartista burguesa e, nesse sentido, a função social dos
esquadrões é permanente, respondendo aos anseios dos segmentos
hegemônicos da burguesia em prol da preservação da propriedade privada.
Ao longo do período da autocracia bonapartista, forma de expressão da
dominação burguesa em tempos de guerra99, o uso da violência do Estado contra
os segmentos sociais que lutavam pelo acesso aos bens produzidos
coletivamente se radicalizou. Assim, desde o final de 1960 e ao longo da década
de 1970, a prática dos esquadrões da morte tornou-se rotineira e, nesse período,
praticamente, recebeu a adesão da imprensa que ajudava na consolidação do
senso comum de que se tratava da efetivação de uma “limpeza social” 100, ante o
aumento da criminalidade já em curso naqueles anos, tópico que analisaremos ao
longo deste capítulo. Tal postura vai se alterar quando as ações dos esquadrões
atingirem pessoas integrantes de setores das classes médias, em fins da década
de 1970, conforme veremos no capítulo 6 deste trabalho.
A classificação dos indivíduos com o estigma de “marginais” era prática
efetuada pela mídia e pelo Estado, expressando os anseios de determinados
segmentos sociais formadores de opinião pública, justificando-se, assim, tais
execuções, o que já vem sendo discutido pelas ciências humanas101. Entre as

97
CHASIN, José. Hasta Cuando? A propósito das eleições de novembro. Nova Escrita
Ensaio. São Paulo, Escrita, 1982, p. 11 apud ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira.
Pandemônio de Infâmias: classes sociais, Estado e política nos estudos de Marx sobre
o Bonapartismo. São Paulo: PUC-SP, 2005 (Tese de doutorado em história), p. 326.
98
MAJELLA, Geraldo de. Execuções sumárias e grupos de extermínio em Alagoas.
Maceió: EDUFAL, 2006.
99
CHASIN, 1982, p. 11, apud ASSUNÇÃO, 2005, op. cit., p. 326.
100
A limpeza social consistia em eliminar fisicamente os indivíduos que não tinham
acesso ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro oriundo do milagre econômico
existente ao longo da década de 1970 e que contestavam a inacessibilidade desse
desenvolvimento. Desta forma, a limpeza social era o mote de perpetuação dos anseios
dos segmentos burgueses dominantes em busca da proteção do seu status quo e da
propriedade privada. Cf. MATTOS, 2011, op. cit.
101
Inúmeros pesquisadores já se debruçaram sobre esse tema, entre eles podemos
destacar os trabalhos de: Bensaid, Daniel Os irredutíveis. Teoremas da resistência para
o tempo presente. São Paulo, Boitempo, 2008; MENDES ALMEIDA, Angela de,
"Violência e cordialidade no Brasil", Estudos - Sociedade e Agricultura, (EDUR), Rio de
51
inúmeras controvérsias sobre o termo, infelizmente “acostumou-se” a caracterizar
tal segmento da população a partir da premissa de que “(é) constituído pelos que
se encontram em situação de desemprego, subemprego ou pobreza”102 e, assim,
mais propícios à marginalidade, como apontou o sociólogo Edmundo Campos
Coelho.
No entanto, após uma apurada análise sobre os indicadores e as
perspectivas que levavam a essa associação, o sociólogo pontua que tal ideário
resultava em uma “subcultura” que teorizava sobre a violência partindo do
pressuposto de que o local de residência, no caso as periferias, geravam,
necessariamente, o criminoso. Todavia, não é a pobreza que gera criminalidade,
mas sim os mecanismos classificatórios utilizados pelos poderes públicos e seus
agentes – no caso, as policiais - que permitem elaborar tal subcultura,
penalizando assim, pela segunda vez, pessoas com pouco ou nenhum poder
aquisitivo, pois consideradas marginais.
Essa subcultura permeava a aplicação desses estereótipos pela polícia,
que associava a criminalidade à marginalidade, acreditando que “os indivíduos de
status socioeconômico baixo são aqueles que mais se ajustam a estes
estereótipos, são eles que constituem os alvos por excelência da ação policial,
seja esta o mero uso da violência ou a detenção”103.
Para ratificar essa construção, ainda segundo o autor, estatísticas oficiais
foram elaboradas por meio de dados parciais, como por exemplo, os boletins de

Janeiro, nº 9, novembro 1997 – Disponível em


http://www.usp.br/nemge/textos_seminario_familia/violencia_cordialidade_angela.pdf;
_______; "Estado autoritário e violência institucional", In: Meeting of the Latin American
Studies Association (LASA), Montréal, Canada, sep. 2007. Disponível em
http://www.ovp-sp.org/debate_teorico/debate_amendes_almeida.pdf; _________, “O
papel da opinião pública na violência institucional”, 29º Congress of the Latin American
Studies Association (LASA), Rio de Janeiro, Brazil June 11-14, 2009. Disponível em
http://lasa.international.pitt.edu/members/congress-
papers/lasa2009/files/MendesAlmeidaAngela.pdf; ___________, “Impunidade e
banalização da violência dos agentes do Estado”, Revista Projeto História, nº 38,
Violência e poder, jan. / jul. 2009. Disponível em
http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/5241/3771; Silveira, Padre Valdir
J., "A realidade dos presídios na visão da Pastoral Carcerária", in: Estudos Avançados,
v. 21, n. 61, São Paulo, set./dez. 2007.
102
Cf. COELHO, Edmundo Campos. A criminalização da marginalidade e a
marginalização da criminalidade. Revista de Administração Pública, p.140. Rio de
Janeiro, 12(2)139-161, abr./jun. 1978. Disponível em:
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/7458. Acesso em 10 set. 2015.
103
Cf. idem, p.152.
52
ocorrência que não eram lavrados quando o contraventor era oriundo das classes
médias e altas. Configura-se, assim, uma tipologia de contravenções que nem
sempre reflete a totalidade dos casos, mas que contribui para o julgamento do
mesmo crime com pesos diferentes, como por exemplo, o roubo. Dependendo
das circunstâncias acima referidas, o indivíduo oriundo das classes de menor
poder aquisitivo era enquadrado no Código Penal, ou quando se tratava de
corrupção, efetuado nos altos escalões do Poder Público ou privado, era visto
como simples desvio de conduta. Nesse sentido,

a extensão da delinquência encoberta - infrações cometidas e não


detectadas pela polícia - é considerável, mas, sobretudo, que são os
jovens de status socioeconômico mais alto que violam as leis mais
frequentemente e com maior gravidade; na pior das hipóteses, o
resultado dessas investigações mostra que não existem diferenças
significativas entre as classes no que diz respeito à incidência da
delinquência. O que ocorre, e está refletido nas estatísticas oficiais, é
que as pessoas de classe mais baixa não possuem as imunidades
institucionais das de classe média e alta, e por isso têm mais
probabilidades de serem detectadas, detidas, processadas e
condenadas104.

Os legisladores tipificavam o crime ao elaborar as leis, ou seja, criavam


mecanismos e procedimentos legais de modo a ratificar a probabilidade de que o
marginal cometesse o crime ao mesmo tempo em que se pusesse como
inversamente proporcional à baixa possibilidade de que grupos socioeconômicos
de alto poder aquisitivo fossem penalizados por seus crimes, pois suas ações
eram classificadas como apenas ilegais, desvio de conduta.

Mas, seja no caso da marginalização da criminalidade ou no da


criminalização da marginalidade, pouco importam os comportamentos
efetivos. Em outros termos, não importa muito o que o marginal
realmente faz ou deixa de fazer, pois do momento em que ele é
estigmatizado como um criminoso em potencial começam a ser
acionados os mecanismos legais (polícia, tribunais, júris e autoridades
penitenciárias) que farão com que a profecia se auto realize. E quando
o marginal efetivamente comete o crime, este deve ser tratado apenas
como uma das variáveis que explicam a criminalização da
marginalidade, não como o fenômeno a ser explicado105.

104
Cf. COELHO, 1978, op. cit., p. 155.
105
Idem, p.159.
53
Assim, a imunização institucional de determinados segmentos de classe se
puseram como uma resposta política do Estado a outros segmentos que eram
duplamente marginalizados, pois eram criminalizados, como constata Coelho.
Tal postura se observa também no julgamento institucional e na opinião
pública relativa às práticas dos esquadrões da morte, pois conforme veremos,
quando suas ações chegaram aos bairros de classe média alta, extrapolando os
limites dos bairros pobres e praticamente sem infraestrutura urbana, as barbáries
praticadas pelos esquadrões passaram a ser contestadas pela mídia e
condenadas pela opinião pública – evidências a serem trabalhadas no capítulo 6.
A tipificação do crime e do criminoso, portanto, seguia a distinção de
classes vigente na sociedade e o privilégio conferido a determinados segmentos
sociais, a partir dos anseios representados no Estado, conforme enfatiza Maria
Orlanda Pinassi. No presente tema, trata-se das evidências de tais diferenças no
trato do sistema penal simplificada nas frases: “bandidos-que-vão para a cadeia e
os “bandidos-que-não-vão-para a cadeia”, onde para os primeiros, “o trabalho
desenvolvido no interior da atividade criminosa constitui um meio de reproduzir as
condições de sua vida” e para os últimos,

o crime é a oportunidade de acumular e fortalecer a condição de


burguês, a fim de conquistar os benefícios materiais e imateriais que
correspondem a esse status quo, cujo pré-requisito é a propriedade
privada, independentemente dos critérios de moral e de princípios
éticos, constituídos de forma hipócrita para a sociedade de classes106.

Assim, não se trata apenas da produção de uma subcultura sobre a


marginalidade (ou sobre o marginal), restrita ao campo da teorização, mas do
reconhecimento das evidências de que tais proposições estavam no campo da
institucionalização da violência exercida pelo Estado, de forma orquestrada em
nome da ordem e da segurança pública, conforme reconhecido até mesmo por
seu agente Sérgio Paranhos Fleury, delegado de polícia, líder do esquadrão
paulista e integrante do DOPS, referindo-se aos métodos violentos empregados
pelo Estado na década de 1970: “(...) presumivelmente justificada, porém, por ter

106
PINASSI, Maria Orlanda. No mundo do capital, a ocasião faz o ladrão. Margem
Esquerda – Ensaios Marxistas, nº 8, São Paulo, Boitempo, 2006, p. 47.
54
sido habilmente regulada – controlada por um plano, regras e procedimentos e
supervisionada por um policial superior “racional” e “treinado”107.
Isso se põe ao notarmos que os indivíduos executados, nos primeiros anos
de atuação desses grupos de extermínio, eram pessoas que integravam os
segmentos mais pobres, negros e brancos, moradores de bairros periféricos e de
favelas dos grandes centros urbanos108. Na medida em que a autocracia
bonapartista aprofundava sua repressão social, o preceito “marginal” se estendia
àqueles que eram tachados de subversivos, abarcando qualquer indivíduo que
contestasse as práticas repressivas ou as vozes críticas à ditadura.
Assim, se os esquadrões emergiram na década de 1950 com a finalidade
da “limpeza social” vinculada aos suspeitos de praticarem ações contra o código
penal, ao longo do período bonapartista, sua atuação foi ampliada, ocorrendo
também na perseguição política na lógica ditatorial.

1.1. As bases da excludência na configuração autocrata

A complexidade em que estão inseridos os esquadrões da morte nos


remete a análise das bases da excludência, que promoveram, em longo prazo, a
possibilidade de existência de tais grupos. Sem essa verificação, certamente
estagnaremos, assim como outros estudos, no entendimento superficial do nosso
objeto. As inúmeras determinações que incidem e geram os modos de ser devem
ser entendidas na sua complexidade, mesmo que não tenhamos a pretensão de
esgotá-las.

107
HUGGINS, Martha K. Operários da violência: policiais torturados e assassinos
reconstroem as atrocidades brasileiras. Brasília: Editora Universidade Brasília, 2006, p.
357.
108
A partir da década de 1990, a condição de vida nos bairros periféricos da cidade de
São Paulo tornou-se mais cara tendo em vista a legalização dos lotes após a pressão dos
movimentos sociais e a expansão do lucrativo sistema de transporte. Esses fatores
levaram ao encarecimento do acesso a essas localidades, obrigando muitas famílias a
migrarem para locais ainda mais distantes, ocupando terrenos que ainda não passavam
por esse processo. Assim, é possível estabelecer a distinção entre bairro periférico e
favela – o primeiro se trata de áreas que passaram por processo de regularização das
prefeituras; o segundo, são locais extremamente afastados dos grandes centros, sem
regularização e, em consequência, sem acesso a qualquer tipo de benfeitoria pública. Cf.
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em
São Paulo. São Paulo: ed. 34/Edusp, 2000.
55
1.1.1. As teorias raciológicas

Ao longo da história brasileira, foi permanente o processo de exclusão dos


segmentos sociais mais pobres do acesso ao Estado. Com diferenças na forma
de acordo com cada momento histórico, em períodos remotos, ela se punha na
prática cotidiana, tornando-se oficial com a promulgação da primeira Constituição,
em 1824, ainda no período imperial. Nela, esses segmentos tinham sua existência
reconhecida, graças ao artigo 6, parágrafo I, que tornava cidadãos, “os que no
Brazil (sic) tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda que o pai seja
estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação”109.
Na época, chamava-se de ingênuo o indivíduo que nascia livre e, liberto, o
que tendo nascido escravo, conseguiu a liberdade. Todavia, para este último
caso, a possibilidade de perda do direito à alforria era iminente havendo uma
série de determinações a serem cumpridas para manutenção dessa liberdade,
tais como jamais ofender seu ex-senhor, seja direta ou indiretamente, na forma
física ou verbal, entre outras.
O reconhecimento da cidadania a esses dois segmentos das camadas
pobres representava um grande avanço, pois, entre os direitos a eles garantidos,
estava o de não receber tratamento desumano, ao mesmo tempo em que,
classificados como cidadão de segunda ordem, os impedia de ter acesso aos
direitos políticos.
Nossa primeira Constituição não declarava a existência da escravidão, o
que não impede de inferir tanto sua existência quanto sua legitimidade, pois, ao
negarem a essa parcela da população o título de cidadão, também os excluía do
acesso a qualquer direito constitucional ou mesmo da noção de humanidade,
garantindo a preservação do escravo como objeto e a consagração da
permanência daquela propriedade privada.

109
Constituição Política do Império do Brasil, 25 de março de 1824, outorgada por D.
Pedro I. Ver informações disponíveis em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.html;
http://www.sinprofaz.org.br/artigos/a-escravidao-no-imperio-do-brasil-perspectivas-
juridicas/pagina-2. Acesso em 21 set. 2015.
56
No período republicano, a Constituição de 1891110 ampliou o direito ao
título de cidadão para todos os indivíduos que se enquadrassem no artigo 69, que
rezava:

1º) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não, residindo


este a serviço de sua nação;
2º) os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos
em país estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República;
3º) os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço da
República, embora nela não venham domiciliar-se;
4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de
1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor
a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem;
5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem
casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que
residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de
nacionalidade;
111
6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados .

Essa Constituição, ao contrário da anterior, não explicitava quem era


cidadão de primeira e segunda ordem, mas implicitamente os mantinha fora do
acesso ao direito político, como definia o artigo 70:

São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na


forma da lei.§ 1º - Não podem alistar-se eleitores para as eleições
federais ou para as dos Estados: 1º) os mendigos; 2º) os analfabetos;
3º) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de
ensino superior; 4º) os religiosos de ordens monásticas, companhias,
congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a
voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da
liberdade Individual112.

Somados os excluídos a partir desse artigo aos menores de 21 anos,


mulheres e estrangeiros ficavam à margem do direito ao voto – e do
reconhecimento das suas demandas sociais, políticas e econômicas –, ou seja,
cerca de 80% da população e, assim, "a República conseguiu quase literalmente

110
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de
fevereiro de 1891. Informações disponíveis em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em: 21 set.
2015.
111
Idem.
112
Ibidem.
57
eliminar o eleitor"113, motivo pelo qual "os representantes do povo não
representavam ninguém, os representados não existiam, o ato de votar era uma
operação de capangagem"114.
Tal exclusão foi justificada pela retórica da ameaça de instabilidade política
trazida pelos primeiros anos republicanos, em especial nos centros urbanos
maiores, onde as manifestações, em praça pública, reuniam mais pessoas. Essa
premissa foi o motivo para que os velhos aristocratas e os novos burgueses,
donos do dinheiro e com acesso ao poder, impusessem a redução do nível de
participação popular. Continuamente, o que se via era a exclusão dos segmentos
sociais mais pobres bem como sua criminalização.
Essa exclusão da população das decisões do Estado mantinha-os à
margem do acesso aos direitos básicos, que os possibilitaria ter uma vida melhor.
Em consonância, desde o início do século XX, para garantir que movimentos
contestatórios ocorressem, paulatinamente houve a ampliação da repressão em
todas as esferas da vida, inclusive com a eliminação física, perpetradas nas
zonas rurais por jagunços e capangas, cuja função social era reproduzida pelos
esquadrões a partir da década de 1950, como vimos anteriormente.
Um exemplo disso são os grupos armados formados por jagunços em
Alagoas em cuja base estava o coronelismo e a apropriação das instituições
públicas locais para benefício privado, típico dos proprietários de terras, fato
ratificado por Majella, ao destacar que “assim, as instituições públicas atendiam
aos interesses privados dos latifundiários e, dentre elas, a policial era considerada
essencial para o controle econômico e político”115, desde o início do século XX.
Tais proposições também serão justificadas cientificamente, através das
teses geneticistas. Elas foram produzidas na Europa ao longo da segunda metade
do século XIX, tendo chegado ao Brasil no início do XX quando foram

113
Para maiores esclarecimentos, ver PATTO, Maria Helena Souza. “Estado, ciência e
política na Primeira República: a desqualificação dos pobres” In: Estudos Avançados.
vol.13, n.35. São Paulo, jan./apr. 1999. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
40141999000100017&script=sci_arttext&tlng=en. Acesso em: 02 ago. 2010.
114
Idem.
115
MAJELLA, Geraldo de. Execuções sumárias e grupos de extermínio em Alagoas.
Maceió: EDUFAL, 2006, p. 22.
58
amplamente aplicadas e discutidas, dando embasamento para as campanhas
higienistas.
Essas teses eram oriundas das teorias raciológicas em suas diversas
perspectivas e pautavam-se nos estudos anatômicos e craniológicos que
buscaram responder às indagações sobre a diferença entre os homens. Esse é o
caso dos estudos desenvolvidos por pensadores, como Retzius,116 Pierre Borca117
e Quatrefages118 que se pautavam em métodos ditos científicos em um momento
em que o positivismo 119 tornava-se hegemônico, potencializando, dessa maneira,
suas teses por meio da confirmação empírica dos argumentos teóricos120.
Sobre a mestiçagem, os pesquisadores Gobineau121 e Agassiz122 tiveram
grande destaque já que foram influências diretas para os teóricos brasileiros, tais
como Nina Rodrigues123, Sílvio Romero124 e Euclides da Cunha125 – precursores
das ciências sociais no Brasil. Eles mostraram a questão racial formulada com um
contorno altamente racista, inclusive incorporando outras teorias, como o

116
Antropólogo e anatomista sueco que desenvolveu uma técnica de medição de crânios
em 1842.
117
Fundador da primeira sociedade de Antropologia, em 1959, em Paris, e também se
especializou em cranologia.
118
Professor de anatomia e etnologia no Museu de História Nacional de Paris, em 1855.
119
O positivismo, grosso modo, foi uma corrente filosófica e sociológica do século XIX
que defendia a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento
verdadeiro. Fundada por Augusto Comte, os positivistas propunham que, uma teoria só
poderia ser correta se ela fosse comprovada cientificamente. Cf: BOURDÉ, Guy e
MARTIN, Hervé. As escolas históricas. São Paulo: Europa/América, 1983.
120
Na obra em questão, o sociólogo Renato Ortiz busca retomar as diferentes maneiras
como a identidade nacional e a cultura brasileira foram entendidas ao longo da história,
bem como entendê-las no seio da sociedade atual, que se organiza distintamente a do
passado. Nesse sentido, o autor é enfático em afirmar que tais problemáticas estão
inseridas no campo da política, pois a identidade nacional está ligada a uma
reinterpretação do popular pelos grupos sociais e a construção do Estado brasileiro. A
identidade é uma construção simbólica, onde não existe autenticidade, mas sim, uma
pluralidade de identidades construída por diferentes grupos sociais em diferentes
momentos históricos. Cf. ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São
Paulo: Brasiliense, 1994, pp. 7-35.
121
Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882), diplomata, escritor e filosofo francês.
122
Jean Louis Rodolphe Agassiz (1807-1873), zoólogo e geólogo suíço.
123
Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), médico legista, psiquiatra e antropólogo
brasileiro.
124
Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (1851-1914), advogado, jornalista,
crítico literário, ensaísta, poeta, historiador, filósofo, cientista político, sociólogo, escritor,
professor e político brasileiro.
125
Euclides Rodrigues da Cunha (1866-1909), engenheiro, militar, físico, naturalista,
jornalista, geólogo, geógrafo, botânico, zoólogo, hidrógrafo, historiador, sociólogo,
professor, filósofo, poeta, romancista, ensaísta e escritor brasileiro.
59
positivismo de Comte, o darwinismo social e o evolucionismo de Spencer 126, tidos
como bases para entendimento da evolução histórica dos povos.
Na perspectiva do evolucionismo, o desenvolvimento da nossa identidade
nacional foi colocado em posição de inferioridade ao ser comparada com a cultura
europeia, cabendo aos nossos intelectuais explicarem esse “atraso” – e o fizeram
a partir dos estudos sobre o “caráter nacional” no interior da formação do Estado
nacional. Todavia, à medida que nossa realidade se distanciava da europeia,
outras teorias passaram a ser vistas como necessárias para entender o atraso de
nosso país e, para entendê-la, os intelectuais buscaram argumentos nas noções
de “meio e raça”, parâmetros dos intelectuais brasileiros no fim do XIX e começo
do XX, marca da produção de Euclides da Cunha em “Os Sertões”127, de Silvio
Romero128 e de Nina Rodrigues.129 Nesse sentido, as características geográficas
determinavam e esclareciam a realidade política e econômica do país.

A história brasileira é, desta forma, apreendida em termos


deterministas, clima e raça explicando a natureza indolente do
brasileiro, as manifestações tíbias e inseguras da elite intelectual, o
lirismo quente dos poetas da terra, o nervosismo e a sexualidade
desenfreada do mulato130.

Influenciado pelo pensador inglês Buckle131, Silvio Romero estende à


análise do meio a questão racial. Euclides da Cunha e Nina Rodrigues criticaram

126
Buscava um nexo entre as diferentes sociedades humanas ao longo da história,
entendendo que elas partiam do simples (povos primitivos), evoluindo naturalmente para
o complexo (sociedades ocidentais) e procurando estabelecer as leis que permeavam
esse processo. Pelo viés político, o evolucionismo possibilitaria à elite europeia uma
tomada de consciência de seu poder consolidado com a expansão mundial do
capitalismo. Ideologicamente, legitimava-se a posição hegemônica do mundo ocidental,
sendo sua superioridade justificada pelas leis naturais que orientavam a história dos
povos. Cf. ORTIZ, 1994, op. cit., p. 14-5.
127
Na obra citada, ver capítulo sobre a Terra e o Homem. CUNHA, Euclides da. Os
Sertões. Rio de Janeiro: Ed. Ouro.
128
O autor, ao estudar o folclore, dividiu o povo brasileiro em habitantes das matas, das
praias e margens de rio, sertões e das cidades. ROMERO, Silvio. Cantos populares no
Brasil. Rio de Janeiro: José Olpympio, 1954.
129
O autor, em sua análise sobre o direito penal brasileiro, vinculou as características
psíquicas do homem e sua dependência em relação ao meio ambiente. RODRIGUES,
Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Guanabara, s.d.p.
130
Cf. ORTIZ, 1994, op.cit. p. 16.
131
O historiador inglês Buckle, ao tentar analisar o desenvolvimento das nações –
comparando o caso brasileiro ao europeu -, vincula o desenvolvimento aos fatores
60
o autor inglês, mas por razões pontuais: por seus exageros e por desconhecer o
Brasil. De modo geral, a essência do pensamento exterior permaneceu nos
estudos brasileiros, mesmo que os contextos sejam amplamente diversos.
Nesses estudos, a problemática da raça era tida como mais abrangente,
tanto que Sílvio Romero considerava que ela era a “base fundamental de toda a
história, de toda política, de toda estrutura social, de toda a vida estética e moral
das nações”132 – a política de imigração do final do XIX veio reforçar essa
questão. Nesse sentido, os escritores se debruçaram sobre o indígena a partir de
reflexões superficiais e pouco esclarecedoras. No caso do romantismo de
Gonçalves Dias e José de Alencar, ambos estavam preocupados em criar uma
visão do índio civilizado, despido de características reais, mas sem apreendê-lo
em sua concretude. As populações africanas, por sua vez, passaram a ser
tratadas a partir do fim da escravidão, pois até aquele momento sua existência
era tida como um “longo silêncio sobre as etnias negras que povoaram o
Brasil”133, passando a ser “vistas” quando entraram na nova dinâmica econômica,
momento em que as populações africanas ganharam maior importância nos
escritos de Nina Rodrigues e Sílvio Romero em comparação ao índio.
A questão da raça também estava atrelada à ideia de superioridade do
branco sobre os demais, pressuposto apontando por Sílvio Romero ao analisar a
figura do português; em Euclides da Cunha, ao apontar a origem bandeirante do
nordestino; e, em Nina Rodrigues, ao acreditar na supremacia racial do mundo
branco. Nessas perspectivas, o negro e o índio representavam impedimento ao
desenvolvimento do processo civilizatório, apontando como possibilidade para
superação deste entrave a mestiçagem moral e étnica em um processo de
branqueamento da sociedade brasileira.

A temática da mestiçagem é neste sentido real e simbólica;


concretamente se refere às condições sociais e históricas da amálgama

oriundos do meio como calor, umidade, fertilidade da terra, sistema fluvial. Nesse sentido,
se todas as nações se desenvolveram a partir da existência desses pressupostos e, se o
Brasil também os possuía, a explicação para a inexistência de civilização nesta parte do
mundo eram os ventos alísios. Nesse sentido, a natureza aqui suplanta o homem e, por
isso, a cultura europeia tem dificuldade de implantar suas raízes. Cf. ORTIZ, 1994, op. cit.
132
ROMERO, Silvio. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio,
1943.
133
ORTIZ, Renato, 1994, op. cit. p. 19.
61
étnica que transcorre no Brasil, simbolicamente conota as aspirações
nacionalistas que se ligam à construção de uma nação brasileira 134.

Esses escritos, com conotação racista, dataram de 1888-1914, fim da


escravidão e escrita do texto de Silvio Romero, “História da Literatura brasileira”, e
1914 com o começo da primeira guerra mundial e emergência das discussões
sobre o caráter nacional e as características de nosso nacionalismo. No entanto,
é importante frisar que há uma defasagem entre o momento de produção cultural
dessas teorias e o momento de consumo delas. Assim, entender que o Brasil
imitou teorias estrangeiras não se confirma, pois enquanto a Europa entrava em
declínio em suas teorias raciológicas, aqui elas se punham hegemonicamente, o
que denota que a escolha delas remetia ao atendimento de necessidades
específicas, ligadas à construção de uma identidade nacional que se objetivava
ter, escolhida pela elite intelectual brasileira, obedecendo a necessidades
internas.

A elite intelectual brasileira, ao se orientar para a escolha de escritores


como Gobineau, Agassiz, Borca, Quatrefages, na verdade não está
passivamente consumindo teorias estrangeiras. Essas teorias são
demandadas a partir de necessidades internas brasileiras, a escolha se
faz “naturalmente”. O dilema dos intelectuais do final do século é o de
construir uma identidade nacional. Para tanto é necessário se reportar
às condições reais da existência do país135.

As teses geneticistas136 propunham o aniquilamento físico da população


por questões raciais e passaram a ser discutidas nos meios acadêmicos e
estatais, em meados de 1929, com a ocorrência do Primeiro Congresso de
Eugenia, realizado no Rio de Janeiro, que contou com a participação de
profissionais de medicina e acadêmicos da sociologia, jornalistas, educadores que

134
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense,
1994, p. 21.
135
Cf. idem, p. 30.
136
Sobre as teses geneticistas, Ronaldo Vainfas produziu um artigo onde analisa autores,
como Capistrano de Abreu, Karl von Martius, Francisco Adolpho de Varnhagem, Paulo
Prado, Manuel Bomfim, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior,
Charles Boxer, Katia Mattoso, João José Reis, Robert Slenes, Richard Morse. Para
maiores informações sobre a perspectiva teórica dos autores que se debruçaram sobre
esta problemática, ver: VAINFAS, Ronaldo. Colonização, miscigenação e questão racial:
notas sobre equívocos e tabus da historiografia brasileira. In: Revista Tempo 8, ago-
1999.
62
vinham de vários estados brasileiros e até mesmo de outros países da América
Latina. As discussões eram as mesmas de outros momentos, ou seja, buscar
formas de sanar o “problema” brasileiro da mestiçagem, pois entendiam que “a
caracterização do Brasil como “país mestiço”, vindo do cruzamento entre negro,
índios e brancos, era considerada como um entrave, a razão do “atraso” ou “não
progresso” do país por muitos dos “homens de sciência” de então”137.
Nesse sentido, medidas eugênicas buscavam a criação de uma raça
superior a partir da superação da nossa miscigenação. Para tal fim, atos de
extrema violência e desumanidade foram praticados, como a mutilação genital de
indivíduos transgressores138. Tal prática garantia a funcionalidade da campanha
higienista existente no Brasil139, bem como atendia aos projetos da classe
dominante para superar o nosso atraso econômico com relação aos “países
civilizados” e garantiam a salvação da nacionalidade pela “regeneração do seu
povo” que, em linhas gerais, significava embranquecê-la140. De acordo com Patto,
a campanha,

higienista esteve, sobretudo a serviço de dois projetos da classe


dominante: superar a humilhação frente ao "atraso" do país em relação
aos "países civilizados", pela realização do sonho provinciano de
assemelhar-se à Europa, e salvar a nacionalidade pela regeneração do
povo 141.

137
A autora discute sobre a função dos “homens da sciência” que, ao longo do século
XIX, utilizavam da ciência positiva e determinista para predeterminar os rumos a serem
tomados pela nação para sanar os problemas internos. Nesse sentido, seriam estes um
“Misto de cientistas e políticos, pesquisadores e literatos, acadêmicos e missionários,
esses intelectuais irão se mover nos incômodos limites que os modelos lhes deixavam:
entre a aceitação das teorias estrangeiras – que condenavam o cruzamento racial – a
sua adaptação a um povo a essa altura já muito miscigenado”. Cf. SCWARCZ, Lília
Moritz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil,
1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras, 1993, p.25.
138
Cf. MACIEL, Maria Eunice de S.“A Eugenia no Brasil”. In: Revista Anos 90, n. 11.
Porto Alegre, julho de 1999. p. 123-40.
139
Cf. MATTOS, 2011, op. cit.
140
PATTO, Maria Helena Souza. “Estado, ciência e política na Primeira República: a
desqualificação dos pobres” In: Estudos Avançados. vol.13, n.35. São Paulo, jan./apr.
1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
40141999000100017&script=sci_arttext&tlng=en. Acesso em: 02 ago. 2010.
141
PATTO, Maria Helena Souza. “Estado, ciência e política na Primeira República: a
desqualificação dos pobres” In: Estudos Avançados. vol.13, n.35. São Paulo, jan./apr.
1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
40141999000100017&script=sci_arttext&tlng=en. Acesso em: 02 ago. 2010.
63
As teses higienistas atendiam aos anseios dos segmentos hegemônicos da
burguesia que viam, na origem da população, o cerne do atraso do país,
abstendo-se de analisar as características do desenvolvimento do capitalismo,
justificando, assim, políticas radicais que mantiveram em suspeição todas as
demandas por acesso aos elementos básicos garantidores da dignidade humana,
tais como educação, habitação, saúde, saneamento básico e transporte público.
Esses estudos até aqui apresentados se tornaram ainda mais perigosos
quando passaram a ser utilizados como política de saneamento por meio da
eliminação física dos indivíduos tidos como indesejáveis. Assim, se no começo da
Primeira República, buscavam-se bases científicas que comprovassem que o
desenvolvimento da nação se daria pelo seu embranquecimento, ao final desse
período, e durante todos os posteriores a ele, essa política foi ganhando novos
ares. Não se tratava mais de embranquecer a nação, mas sim de eliminar todo
indivíduo que se contrapunha à ordem autocrática burguesa bonapartista e, nesse
sentido, os esquadrões da morte e suas variações foram exemplares.
Assim, as teses geneticistas foram de suma importância para o
desenvolvimento da política de saneamento social aplicada pelo Estado brasileiro
contra toda a população, tendo sido estendidas para a perseguição aos que
lutavam para ter acesso à cidadania.

1.1.2. Repressão nas cidades: “um caso de polícia”

Os anos entre 1889 e 1930, período da nossa primeira república, foram


marcados pela constante suspeição a população, que era tida pelos autocratas
como marginais – efetivos ou em potencial. Nessa dinâmica, o termo “marginal”
era usado para classificar o indivíduo economicamente inativo ou em situação de
subemprego, como atestou Edmundo Coelho142, assim como também era
sinônimo de bandido, traficante, assaltante, vadio e outros, com ou sem culpa
comprovada. Como se nota, o Estado criminalizava pessoas a partir de critérios

142
COELHO, Edmundo Campos. A criminalização da marginalidade e a marginalização
da criminalidade. In: Revista de Administração Pública, p.155. Rio de Janeiro,
12(2)139-161, abr./jun. 1978. Disponível em:
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/7458. Acesso em 10 set. 2015.
64
ideológicos a serviço de políticas públicas excludentes. Tal terminologia, usada
ampla e pejorativamente, banalizava a criminalização do marginalizado 143. Tais
classificações também eram perpetradas pela opinião pública a serviço do poder
estatal, fato que justificativa a violência dos agentes do Estado para com aqueles
segmentos populacionais.

A estigmatização de camadas destituídas com o rótulo de 'vadios' é


um dado que percorre a História brasileira desde o período colonial.
Nos relatórios oficiais, desempregados e subempregados
compareciam como "vadios", como "incansáveis parasitas", como
"sanguessugas" que se alastravam pelas cidades atacando a
propriedade com "cínica temeridade"144.

Uma rotulação comum nos relatórios oficiais desde o período imperial –


como já mencionado – era corroborada pela opinião pública, uma suspeição que
tinha classe social.

Bastava ser pobre, não-branco, desempregado ou insubmisso para


estar sob suspeita e cair nas malhas da polícia. Sem nenhum poder a
opor ao poder policial, os pobres eram detidos a todo o momento e
adensavam as estatísticas criminais. (...) entre 1890 e 1924 o número
de detenções superou em muito o número de processos. Em 1905, por
exemplo, os detidos foram mais de 11 mil, enquanto que os
processados ficaram em torno de 800. Uma das causas dessa
defasagem pode ter sido a pouca importância dos delitos, que não
justificava a abertura de processos; a corrupção do aparelho policial
também pode responder por certo número de casos, mas não se pode

143
Pensemos na contravenção penal da “vadiagem” que, prevista na lei de
contravenções penais de 1942, pelo artigo 59 – mas que já aparecia muito tempo antes,
ainda no período de vigência das ordenações Filipinas, sob o título “LXVIII, Dos Vadios” –
, determinava que “Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o
trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à
própria subsistência mediante ocupação ilícita: Pena – prisão simples, de quinze dias a
três meses”. Essa determinação criminalizava, nitidamente, os indivíduos das camadas
mais baixas da população, desempregados à procura de emprego, bem como uma
grande parcela dessa juventude à procura do primeiro trabalho. De acordo com Edmundo
Coelho, “Na faixa de idade de 18 a 21 anos, a percentagem média da população
indiciada por vadiagem foi de aproximadamente 23% no período 1942-1967; esta média
sobe para 50% se ampliarmos a faixa até os 25 anos de idade. Este é o exemplo mais
patente do processo de criminalização da marginalidade”. Esse ilícito penal foi revogado
apenas em 2009 pela Lei nº 11.983. Para maiores informações, ver: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5349 (sobre a
origem do ilícito da vadiagem); http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del3688.htm (sobre a vadiagem na lei de 1942); e também COELHO, 1978, op. cit.
(sobre os índices de exclusão). Acessos em 10 set. 2015.
144
CF. PATTO, 1999, op. cit.
65
desconsiderar que a arbitrariedade era a regra quando se tratava de
trancafiar os pobres. Assim, boa parte das detenções podia não ser
passível de processo pelo simples fato de que não havia delito, mas só
ação da mais pura prepotência145.

Esse processo de criminalização das lutas sociais da população em prol de


melhores condições de vida e de acesso aos direitos republicanos, transformava
as demandas de cunho político em “caso de polícia”146 e estas eram duramente
reprimidas pelo Estado: “(...) quando não se logra êxito em conter as
manifestações mais radicais e latentes da contradição social, prontamente o
aparato repressivo oficial aciona seus mecanismos mais violentos”147.
Economicamente, o período da primeira república brasileira estava ligado
ao desenvolvimento da produção e à exportação do café brasileiro,
movimentando as casas bancárias e ocasionando o surgimento das fábricas nas
grandes cidades. A diversidade da mão de obra existente também era
significativa, tendo em vista que o fim da escravidão transformou 2/3 do total da
população, antes escravos, em novos assalariados e que, da noite para o dia,
viram-se obrigados a buscar sua sobrevivência em subempregos, dada a
concorrência – direta e desleal – com a mão de obra dos italianos. Nessas
condições, fica explícito que foram também excluídos do acesso aos direitos
trabalhistas.
O processo de crescimento vivido pelas grandes cidades deu maior
visibilidade à ordem excludente, acirrando a tensão social, oficialmente vista como
“caso de polícia”:

Configurada na tensão entre o processo de produção de desigualdades


sociais (efeitos da apropriação privada dos meios de produção e dos
bens e riquezas) e o processo de resistências e rebeldia do trabalho
(que forjam as lutas políticas da classe trabalhadora contra o projeto
societário que legitima o capital)148.

145
PATTO, 1999, op. cit. Acesso em 02 ago. 2010.
146
Expressão cunhada pelo Presidente da República Velha (1926-1930), Washington
Luís (1869-1957), ao se referir às lutas dos trabalhadores nesse período.
147
PINASSI, 2006, op.cit., p. 44.
148
IAMAMOTO, Marilda. Serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro,
trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2008, apud BARISON, Mônica Santos.
“Caso de polícia: reflexões sobre a questão social e a Primeira República”. In: Cadernos
UNIFOA. Rio de Janeiro. Edição n° 22 – Ago./2013, p. 44. Disponível em:
http://web.unifoa.edu.br/cadernos/edicao/22/43-51.pdf. Acesso em: 27 mai. 2015.
66
De todo modo, nota-se que a instauração da República no Brasil não se
deu em consonância com a implantação dos valores republicanos. A supremacia
do bem comum, inerente a esse tipo de Estado, não esteve à frente dos
interesses privados, tampouco o povo foi efetivamente detentor do poder, já que
se tratava de uma “Res publica”, assim como esses representantes não atendiam
às demandas daqueles aos quais deveriam representar.
Na concretude social, “nós somos uma República oligárquica, dirigida por
partidos oligárquicos, sem respeito mínimo ao conceito de igualdade, que é a
essência da ideia de República”149, pontuou Roberto Romano e “no sentido pleno
do vocábulo, não temos e, infelizmente, sequer sabemos seu gosto, pois também
nunca tivemos uma autêntica República”,150 apontou Bráulio Junqueira. Essas
relações, na verdade, estavam diretamente ligadas às características da ordem
capitalista, como pontuou Fábio Konder Comparato:

O sistema capitalista é de todo incompatível com a observância da ética


republicana, pois ele tende, pela sua própria lógica, à exclusão social
dos não-proprietários, bem como à transformação dos trabalhadores e
dos consumidores em mercadorias, que têm preço, mas não dignidade.
Note-se a extrema abrangência da noção de bem comum. Ela diz
respeito não só ao povo, em relação aos indivíduos, grupos ou classes
que o compõem, como também à nação, enquanto entidade
permanente, em relação aos interesses particulares do povo atual, e,
finalmente, à humanidade como um todo, em relação a cada nação em
particular. Ninguém tem direito de sacrificar o todo em benefício da
parte, ou as gerações futuras para favorecer a geração presente, como
tem ocorrido presentemente, em matéria de preservação do meio
ambiente151.

Assim, se a República brasileira se desenvolveu em um processo contínuo


de usurpação dos direitos de uns em prol de outros, a perseguição histórica aos
movimentos sociais que almejavam as prerrogativas da República, não poderia
ser diferente. O que se nota aqui é que, se, na teoria, a “res pública” trazia a ideia

149
ROMANO, Roberto. Entrevista. In: OAB – Jornal do Advogado – ano XXXI, n° 299.
Outubro de 2005, p. 13
150
JUNQUEIRA, Bráulio. Ignomínia aos princípios democrático e republicano. In: Revista
Brasileira de Direito Constitucional – RBDC, n. 10 – jul./dez. 2007, p. 486. Disponível
em: http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-10/RBDC-10-481-Braulio_Junqueira.pdf.
Acesso em 25 mai. 2015.
151
COMPARATO, Fábio Konder. Reflexões desabusadas sobre o abuso do poder
político. In: http://www.oabsp.org.br/comissoes/republica/artigos/pop01.htm, p. 7. Acesso
em: 25 mai. 2015.
67
ilusória de “acesso”, na prática, o que houve foi o uso das forças armadas pela
frágil burguesia nascente aliada à tradicional aristocracia latifundiária brasileira,
que se respaldava nos militares para continuarem a fazer valer seus interesses de
classe na república que se iniciava152.

1.1.3. A configuração autocrata na segregação do espaço urbano

Os grandes centros urbanos brasileiros, considerando as especificidades


locais, passaram por períodos de mudanças estruturais contínuas que
aumentaram ainda mais a falácia entre as classes sociais. Ao final do século XIX
e ao longo do XX, várias cidades do país passaram por mudanças radicais,
decorrentes da industrialização, como as de Recife, Pernambuco, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, São Paulo e outras.
Em consonância com a implantação da República, acontecia a passagem
do trabalho agrícola para o industrial. A chegada das fábricas nos grandes centros
urbanos acarretava o desenvolvimento de outras formas de organização, e os
problemas oriundos da forma particular de constituição do Estado brasileiro,
pautado no capitalismo hipertardio, não tardaram a aparecer.
As péssimas condições de trabalho, a ausência de direitos trabalhistas, a
mentalidade escravocrata dos autocratas que consideravam o trabalho uma
benesse, a insalubridade, os constantes acidentes e as longas jornadas de
trabalho, inclusive noturno, geraram lutas reivindicativas.
As condições fora das fábricas eram tão ruins quanto dentro delas. A
dificuldade de acesso ao transporte público gerava uma grande concentração
populacional em áreas centrais, onde reinava a especulação imobiliária,
obrigando os trabalhadores a viverem em moradias coletivas, tais como cortiços,
casas de um cômodo, dividindo o espaço com outras famílias. Tanto na fábrica

152
O extenso balanço historiográfico produzido por Ângela de Castro Gomes e Marieta de
Moraes Ferreira demonstra a prevalência de estudos que apontam a manutenção do
poder das oligarquias na configuração do recém fundado Estado Republicano. Cf.
GOMES, Ângela de Castro; FERREIRA, Marieta Moraes. “Primeira República: um
balanço historiográfico” In: Estudos históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n.4, 1989, p.244-
280. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2287/1426.
Acesso em: 10 jun. 2015.
68
quanto nessas casas, as condições precárias e insalubres davam lugar ao
aparecimento de diversas doenças, como varíola, febre amarela e a mortal
tuberculose, sintoma claro da fome e da subnutrição que os abatia.
São Paulo, por exemplo, de acordo com a antropóloga Teresa Pires do Rio
Caldeira, viveu três momentos de expansão: no primeiro, do final do XIX ao início
de 1940, a cidade se concentrava na área urbana central; no segundo, de 1940 a
1980, houve a expansão desta para as zonas periféricas em uma relação centro-
periferia; e no terceiro, de 1980 em diante, ocorreu o cercamento das cidades
com os muros dos condomínios fechados e o boom das vigilâncias privadas153.
No primeiro período, de 1890 a 1940, o espaço urbano paulista e sua vida
social estiveram pautados no crescimento da cidade em torno da industrialização
e da constante chegada de imigrantes europeus para o trabalho nas novas
fábricas que surgiam em substituição progressiva à economia do café. Aqui, além
da rápida construção de fábricas, havia a edificação das moradias para abrigar os
trabalhadores, interligada ao comércio e serviços.
A segregação social já começava a ser delineada aqui, tendo em vista que
as moradias dos trabalhadores eram coletivas, normalmente casas de muitos
cômodos ou cortiços, sempre superpovoados, sem infraestrutura adequada,
edificadas nas partes mais baixas do centro, próximo ao Rio Tamanduateí e Tietê.
Em contraposição, as da elite eram mansões, casas próprias ou alugadas e
estabelecidas nas partes mais altas, em direção à região hoje da Avenida
Paulista. No caso das casas construídas com melhores estruturas para os
operários, elas eram também usadas para discipliná-los, dada à ameaça
constante de despejo154.
A falta de estrutura e as péssimas condições de vida refletiam-se na
proliferação de doenças que eram associadas pelas autoridades à promiscuidade
e à criminalidade, elementos que desde o século XIX, justificavam o uso da
violência contra a população mais pobre, como podem ser notados com a criação
do Serviço Sanitário e, em seguida, do Código Sanitário de 1894 – órgãos que

153
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania
em São Paulo. São Paulo: ed. 34/Edusp, 2000, p. 211.
154
Idem, p. 213.
69
perpetuavam o controle social das camadas mais pobres155 e serviram para
afastar esses segmentos sociais da elite industrial, que começou,
progressivamente, a migrar para áreas próximas ao centro, mas afastadas das
vilas operárias – políticas higienistas que foram postas em prática, já no século
XX156.
Outra medida que perpetuava o distanciamento entre as classes sociais
ocorreu em meados de 1930, quando o Governo Federal adotou a política de
incentivo à aquisição da casa própria, voltada para as classes urbanas,
exclusivamente nos locais em que se desenvolvia a industrialização, como por
exemplo São Paulo. Na prática, tal política, somada à alta no valor dos aluguéis,
em 1942, e a Lei do Inquilinato de 1947 que congelava os preços das locações de
imóveis para residência, a qual se estendeu até 1964, provocou, em longo prazo,
a diminuição do mercado de aluguéis bem como acelerou a migração dos

155
Nessa mesma linha que no começo do século XX, em 1904, no Rio de Janeiro,
ocorrerá a Revolta da Vacina, quando “o prefeito Pereira Passos lançou um programa
radical de reforma urbana do tipo haussmanniano, abrindo grandes avenidas no centro
da cidade e destruindo muitas habitações de moradores pobres”. Cf. CALDEIRA, 2000,
op.cit., p. 214.
156
Nessa perspectiva de tipificação e visando se separar das classes pobres que eram
tidas como responsáveis pelas epidemias, as elites começaram a se afastar delas,
migrando para áreas afastadas e exclusivas, a exemplo da formação do bairro de
Higienópolis, Campos Elísios e Avenida Paulista. Políticas higienistas, de âmbito
nacional, foram postas em prática entre os anos de 1920 e 1930 por pelo menos quatro
esferas da vida pública: pelo governo municipal, pela associação dos industriais, pelos
movimentos sindicais e populares e governo federal. O resultado direto das legislações
urbanas criadas era estabelecer uma disjunção entre o território central, com domínio da
elite, regido por leis especiais que eram cumpridas, e as regiões suburbanas e rurais,
habitadas pelos mais pobres e onde as leis eram cumpridas com menor rigor. Como a
legalidade ou ilegalidade são mal definidas, as classes abastadas tinham maior poder de
decisão nas disputas de terras, por exemplo. É desse momento também a divisão da
cidade em zonas centrais, urbanas, suburbanas e rural. As leis criadas na época
destinavam-se apenas às duas primeiras, espaços das elites, ficando os dois últimos,
local de habitação dos pobres, sem regulamentação. No que tange à associação dos
industriais, após um breve estudo sobre os padrões de consumo e moradia da classe
trabalhadora, eles chegaram à conclusão de que os empregadores não podiam arcar
com o custo da moradia a seus funcionários e incentivaram a aquisição da moradia
própria para os trabalhadores, fato que reduziria os custos dos patrões e aumentaria o
consumo, bem como também abria espaço para a organização da cidade e impulsionaria
a expansão industrial. Os movimentos sindicais populares, por sua vez, razoavelmente
fortalecidos com o movimento anarquista de 1910, se uniram a outros movimentos na
década seguinte, promovendo a formação das “ligas dos inquilinos” para boicotar o
pagamento dos aluguéis, medida que, na prática, não sanou os problemas tendo em vista
que a questão da moradia acabou sendo tratada pelos trabalhadores de maneira
individual e não coletivamente. Cf. CALDEIRA, 2000, op. cit., p. 213-18.
70
trabalhadores para a periferia, onde podiam comprar terrenos irregulares e
baratos para construir suas casas próprias. Nasciam as periferias e se
consolidava o distanciamento entre pobres e ricos. A periferia trouxe a
designação dos

(...) limites, as franjas da cidade, talvez em substituição a expressões


mais antigas, como “subúrbio”. Mas sua referência não é apenas
geográfica: além de indicar distância, aponta para aquilo que é precário,
carente, desprivilegiado em termos de serviços públicos e infraestrutura
urbana157.

Entre os anos de 1948 e 1952, o desenvolvimento industrial brasileiro


crescia pautado na produção por substituição das importações 158 e, em
consonância, crescia o processo de urbanização das cidades, sobretudo no
sudeste brasileiro. De acordo com Squinca,

no final dos anos 30, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro haviam
ultrapassado o número de 1,3 milhão e 1,6 milhão de habitantes,
respectivamente, para atingirem no início da década de 50 o total de 2,6
milhões e 2,4 milhões de habitantes. Em 1940, a urbanização cresceu
31,2% sendo que o Sudeste colaborava com 39,4% desse percentual.
No ano de 1950 chegava a 36,2%, com o Sudeste contribuindo com
47,5% desse total159.

Concomitante a esse processo de desenvolvimento industrial e


urbanização nacional, ocorria a expansão populacional para os espaços
periféricos, em uma relação centro-periferia160. Esse processo, iniciado em
meados de 1940 e concretizado, em 1980, esteve pautado tanto na já
mencionada urbanização, quanto no grande fluxo migratório de nordestinos para
o sudeste brasileiro em busca de trabalho. Assim, a industrialização e o

157
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. A política dos outros: o cotidiano dos moradores
da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.
7.
158
Diante da crise do capitalismo mundial, no período da Segunda Guerra Mundial, a
indústria brasileira passou a fabricar produtos similares aos que eram importados, fato
que levou a uma grande aceleração da industrialização nacional entre os anos de 1930 e
1950. Cf. SILVA, Marcelo Squinca. Energia elétrica: estatização e desenvolvimento
(1956-1967). São Paulo: Alameda, 2011, p. 71.
159
SILVA, 2011, op. cit., p.72.
160
CALDEIRA, 2000, op. cit., p. 218.
71
crescimento urbano empurraram a população mais pobre para os bairros mais
afastados, periferias das grandes cidades que não contavam com infraestrutura.
Esse processo se deu em quatro pontos:

1 - disperso em vez de concentrado; 2 - as classes sociais vivem longe


uma das outras no espaço da cidade: as classes média e alta nos
bairros centrais, legalizados e bem-equipados; os pobres na periferia,
precária e quase sempre ilegal; 3 – a aquisição da casa própria torna-se
regra para a maioria dos moradores, ricos e pobres; 4 – o sistema de
transporte baseia-se no uso de ônibus para as classes trabalhadoras e
automóveis para as classes média e alta.

A elaboração do sistema de transporte público urbano pela iniciativa


privada161 foi primordial para a implantação dessa nova forma de organização,
pois possibilitava o acesso da população dos bairros periféricos para o centro da
cidade.
No período em que vigorou a ditadura militar, políticas de incentivo à
aquisição da casa própria para a população de baixa ou muito baixa renda foram
desenvolvidas, através da criação em 1964 do Banco Nacional de Habitação
(BNH) e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Todavia, poucos anos
depois, em 1970, essa política foi deslocada para atender as necessidades de
moradia da classe média e direcionadas para a construção de apartamentos por
incorporações imobiliárias, que contratavam empréstimos no SFH e vendiam as
novas moradias por meio de financiamento do BNH. Nessa dinâmica, fica claro
que o Estado operava de modo a promover o desenvolvimento de determinados
segmentos da população, especificamente a classe média e alta.
Se as corporações imobiliárias puderam enriquecer à custa de políticas
públicas que beneficiavam os segmentos hegemônicos da burguesia, os
especuladores imobiliários também o fizeram nos bairros periféricos onde,
aproveitando as brechas na legislação e a ausência do Estado no rigor de seu

161
O desenvolvimento desse meio de transporte, no entanto, não se deu por medidas do
governo, mas pela empreita dos empresários particulares – não à toa, pois entre 1948 e
1966 as empresas particulares passaram a dominar 75,7% das linhas de ônibus. Eles
também interessavam à especulação imobiliária que encontrou, nessa expansão
populacional para as periferias, uma forma rentável para os interesses imobiliários. Dessa
forma, é possível dizer que a urbanização das periferias foi feita pela iniciativa privada e
atendendo a seus interesses e não houve interesse ou políticas do governo para
incentivar as construções. Idem., p. 218-20.
72
cumprimento, realizaram todo tipo de ilegalidade – isso dificultava ainda mais o
desenvolvimento dessas localidades 162.

A própria legislação garantia a excepcionalidade da periferia: enquanto


regulava cuidadosamente o que definia como perímetro urbano, deixava
as zonas suburbana e rural quase sem regulamentação e, portanto,
abertas às mais diversas formas de exploração. Os especuladores
imobiliários desenvolveram várias práticas ilegais ou irregulares para
maximizar seus lucros: da grilagem e fraude ao não suprimento de
serviços urbanos básicos e desrespeito das dimensões mínimas do lote
exigidas por lei163.

O nascimento da periferia esteve diretamente relacionada à exclusão dos


segmentos sociais do acesso ao Estado, processo ainda mais visível quando
analisamos o desenvolvimento da infraestrutura na cidade (São Paulo), elemento
que ampliou a diferenciação social, pois,

enquanto no centro 1,3% dos domicílios não tinha água encanada, 4,5%
não estavam ligados à rede de esgoto, 1,7% não tinha asfalto e 0,8%
não tinha coleta de lixo, num distrito novo na periferia leste, como
Itaquera, em 89,3% dos domicílios não havia água encanada, 96,9%
não dispunham de esgoto, 87,5% não tinham asfalto e 71,9% não
dispunham de coleta de lixo164.

Esse processo de radicalização da segregação social e do não acesso aos


direitos fundamentais básicos passou a ser questionado em meados de 1970,
quando a população paulistana começou a notar que os prometidos frutos do
“milagre econômico” não chegaram, mas sim a violência e a repressão cotidiana
do Estado.
Nesse momento, os moradores dos bairros periféricos, que já se
organizavam, cobravam por melhores condições de vida165, por meio das
Associações e Sociedades criadas entre os trabalhadores, tendo sido duramente
reprimidas pelo Estado. Não por coincidência, nesse momento histórico, meados
de 1972, os esquadrões da morte estiveram no ápice da sua atuação,
amplamente noticiada pela imprensa.

162
CALDEIRA, 2000, op. cit., p. 228.
163
Idem, p. 220.
164
Ibidem.
165
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. A política dos outros: o cotidiano dos moradores
da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo: Brasiliense, 1984.
73
As cidades tornaram-se palco da luta de classes: de um lado, havia toda a
assistência e ação do Estado para proteger os segmentos hegemônicos da
burguesia contra os tidos como “criminosos”, inimigos internos que emperravam o
desenvolvimento da Nação; do outro lado, as populações periféricas, para a qual
a repressão brutal era perpetuada pelas policias e seus grupos de extermínio ante
a luta dessa população por direitos básicos.
Esse processo se assemelha, ao menos ideologicamente, com a
haussmannização de Paris perpetuada pelo Barão Haussmann, prefeito de Paris
ao longo do período de Napoleão III, que consistiu na abertura de bulevares
estratégicos, demolindo os bairros em que, habitualmente, havia motins. Era uma
resposta aos levantes populares através da montagem de barricadas, bem como
se justificava nos discursos higienistas, um embelezamento estratégico, que viria
a ser efetivamente contestado com a Comuna de Paris em 1871 166.
No Brasil, nossa “haussmannização” contou com a criação do Código
Sanitário, a destruição dos casebres operários, a segregação social oriunda do
afastamento das classes sociais mais pobres das áreas mais ricas, bem como do
uso da violência estatal, por meio de suas polícias e esquadrões da morte de
modo a garantir a ordem – social, política e econômica – que os segmentos
hegemônicos da burguesia desejavam manter e que se imputava através do
aparato repressivo.
Nessa lógica, as lutas dos segmentos excluídos do acesso aos direitos de
cidadania foram classificadas como baderna, desordem e ações de “criminosos” e
taxados como “caso de polícia”.

A questão social aparece, então, no pensamento dominado como


relevante. Destaca que os pensadores, publicistas e ativistas
elaboraram um pensamento distinto da classe dominante, que
priorizava a temática social e a publicização das precárias condições de
vida dos pobres e operários. Pontua que, ao contrário, a questão social
aparece no discurso dominante como fato excepcional tendo em vista
que não aglutinava forças políticas para se impor no pensamento

166
LÖWY, Michael. A cidade, lugar estratégico do enfrentamento das classes:
insurreições, barricadas e haussmannização de Paris nas Passagens de Walter
Benjamin. In: Margem Esquerda – ensaios marxistas. São Paulo, Boitempo, 2006, nº
8, pp. 64-65.
74
dominante. É nesse sentido que analisa a sentença de que a questão
social era caso de polícia167.

Assim, a instauração da República, ao longo do século XX, teve na


criminalização das lutas por questões sociais, na vigilância ao cidadão comum e
na repressão política, seu modus operandi.

No interior de um confronto de classes absolutamente desigual, o que


predominou foram os punhos cerrados da polícia, para quem, no Brasil,
as leis nunca tiveram muita importância e o abuso de poder sempre foi
à regra (...) as operações policiais na primeira República não
pretendiam outra coisa senão excluir e, sempre que possível,
exterminar os que ameaçavam a paz da burguesia ou o projeto
eugênico de progresso168.

Se, nas grandes zonas urbanas, a repressão do Estado colocava em


suspeição grande parte da sua população, nas zonas rurais não foi diferente.

1.1.4 – A repressão aos movimentos sociais no campo na configuração


autocrata

As lutas por melhores condições de vida, pelo acesso à terra e pelos


direitos constitucionais também era recorrentes no campo. Todavia, assim como
nas zonas urbanas, a República não estava acessível a todos.
O arraial de Canudos169, comunidade existente entre 1893 e 1897 e
liderada pelo beato Antônio Conselheiro, foi palco de uma das primeiras grandes

167
CERQUEIRA FILHO, Gisálio. A “Questão Social” no Brasil: crítica ao discurso político.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, apud BARISON, Mônica Santos. “Caso de
polícia: reflexões sobre a questão social e a Primeira República”. In: Cadernos UNIFOA.
Rio de Janeiro. Edição n° 22 – Agosto/2013, p. 48. Disponível em:
http://web.unifoa.edu.br/cadernos/edicao/22/43-51.pdf. Acesso em 27 mai. 2015.
168
PATTO, Maria Helena Souza. “Estado, ciência e política na Primeira República: a
desqualificação dos pobres” In: Estudos Avançados. vol.13, nº.35. São Paulo, Jan./Apr.
1999, p. 11. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
40141999000100017&script=sci_arttext&tlng=en, Acesso em 27 mai. 2015.
169
Ao longo do desenvolvimento de sua dissertação, Benedito Tadeu dos Santos aponta
que, apesar da existência de particularidades em cada movimento, fato que os distingue,
o ocorrido em Canudos foi um dos argumentos utilizados para justificar a negativa à
existência do Sitio Caldeirão, por entender, assim como seu precursor, como uma
ameaça à ordem. Para maiores esclarecimentos, ver: SANTOS, Benedito Tadeu dos.
75
execuções perpetradas pelos agentes do Estado contra a população local. Assim
como na zona urbana, o uso da violência era justificado pela contenção a esse
movimento social que, de acordo com os autocratas, representava a usurpação
da ordem existente por buscarem outra forma para garantir sua sobrevivência.
Belo Monte, como também era conhecido, tornou-se o reduto da população
sertaneja, que “tratado com indiferença pelo governo, não sendo assistido em
suas necessidades básicas de subsistência, desejava apenas viver em paz, sem
que o governo os incomodasse por meio da cobrança de impostos”170. Após várias
investidas militares, o poder público local reuniu uma tropa composta por cento e
quatro homens bem armados que incendiaram e destruíram cinco mil e duzentas
casas do povoado de Canudos.

A ação militar tinha alcançado níveis inimagináveis de perversidade;


crânios de bebês foram destroçados, mulheres amamentando morreram
no fogo, famílias inteiras, que suportaram a fome durante meses foram
aniquiladas por dinamites, e diversos conselheiristas tiveram o corpo
queimado com querosene. O conselheiro teve a cabeça removida à faca
e colocada numa lança, onde desfilou à frente de uma parada militar,
sendo observada por todos. O genocídio realizado em Canudos
afirmava o poder soberano da Nação e a força do exército brasileiro na
defesa da ordem171.

O mesmo ocorreu na cidade do Crato, região do Cariri, ao sul do Ceará


entre 1934 e 1936, quando a população daquela comunidade foi chacinada pelas
forças policiais locais, pelo exército e aeronáutica.
Ali existia a comunidade sertaneja Sítio Caldeirão, fundada em 1926 e
liderada por José Lourenço Gomes da Silva, o Beato José Lourenço. Os
habitantes, liderados pelo religioso, organizavam-se em um regime comunitário e
cooperativista, promovendo condições materiais e espirituais básicas para suprir
suas necessidades, demonstrando que outro tipo de organização socioeconômica
que não a latifundiária era possível.
Tal organização foi tida pelos autocratas como um ultraje à ordem, pois, ao
encontrarem condições para garantirem sua sobrevivência, sem recorrerem à

Sítio Caldeirão: a violência institucional contra uma comunidade fraterna (1889-1937),


Região do Cariri/Ceará. São Paulo: PUC-SP, 2014, (Dissertação de mestrado em história
social).
170
Idem, p.213.
171
Ibidem, p.19.
76
exploração do Estado, colocavam-se na contraposição ao regime do coronelismo
que assolava o nordeste brasileiro por meio da exploração do trabalho e da
concentração de riqueza. A comunidade vivia de um sistema de produção e
apropriação coletiva, conforme a necessidade de cada família.
Essa comunidade gerou condições para acabar com a miserabilidade em
que vivia a população, dada à incompetência do Estado em prover a eles os
direitos básicos constitucionais e, por tais características foi desqualificada tanto
pelo Estado quanto pela Igreja, tendo sido acusada de promotora do comunismo.
Essa luta foi vista, aos olhos da ordem estabelecida, como um perigo, culminando
em seu extermínio.

Em 1934, a perseguição às atividades do Caldeirão se intensificou,


resultando, em 1936, numa ação policial, que culminou com a dispersão
dos moradores do Sitio, que tiveram seus lares destruídos, suas
lavouras queimadas e todos os bens materiais saqueados. Os dispersos
se refugiaram na Mata dos Cavalos, na Serra do Araripe, porém, foram
atacados de forma violenta pelas forças policiais em 11 de maio de
1937, com a soma oficial de 200 mortos172.

Ainda na década de 1930, especificamente em 1937, outra comunidade


chamava a atenção do Estado por conseguir sua sobrevivência à margem da
inoperância das instâncias superiores. Era a comunidade Pau de Colher, situada
entre a Bahia, Pernambuco e Piauí e liderada por José Senhorinho, discípulo de
Severino Tavares, beato itinerante que aprendeu no Sitio Caldeirão sobre a
montagem dessas comunidades. Ela. por sua vez, também não durou muito,
pouco menos de um ano até a invasão policial e assassinato de cerca de
quatrocentas pessoas pelos agentes do Estado. Os que fugiram foram
perseguidos catinga adentro173.
Também buscando a sobrevivência ante as pressões do governo e do
coronelismo e motivados pela expulsão do campo e as condições mínimas de
existência, houve, no nordeste brasileiro, o movimento do Cangaço. Pautados na
luta pela terra, dada a expulsão das mesmas pelos coronéis locais, os
cangaceiros atacavam a ordem vigente ao se colocarem como homens

172
SANTOS, 2014, op. cit., p.19.
173
SANTOS, 2014, op. cit., p.221-24.
77
destemidos e acima do poder dos coronéis, adentrando fazendas e vilas,
saqueando-as.
Os primeiros grupos de cangaceiros remontam ao século XVIII com o
sertanejo José Gomes, comumente conhecido por Cabeleira, atuante na região
do Recife. Todavia, foi no final do século XIX e início do XX que o Cangaço
ganhou notoriedade pela luta que engendrava contra os coronéis. Nessa
perspectiva, o primeiro grupo foi liderado por Jesuíno Alves de Melo Calado,
conhecido por Jesuíno Brilhante e, posteriormente, em 1922, assumido pelo mais
conhecido dos cangaceiros, Virgulino Ferreira, o Lampião, juntamente com seu
bando174.
O grupo de Lampião começou a ser desarticulado em 1938, por ordem de
Getúlio Vargas, que associava a luta daqueles homens à desordem. Após várias
tentativas do governo, uma emboscada foi bem sucedida, resultando na morte do
seu líder e a de vários outros cangaceiros. Suas cabeças foram degoladas e
expostas em praça pública como sinônimo da força estatal175.
Depois do grupo de Lampião, outras pessoas assumiram a liderança do
grupo e deram continuidade à ação dos cangaceiros. O último deles foi Cristino
Gomes da Silva Cleto, conhecido por Corisco, cuja morte se deu em 1940,
mesmo ano do fim oficial do Cangaço.
É importante frisar que o primeiro grupo de extermínio institucionalizado foi
criado no final do século XIX pelo Poder Público com a justificativa de conter o
cangaço. Na prática efetiva, tratava-se de dar fim à luta daqueles sertanejos por
melhores condições de vida ante a opressão do Estado e do coronelismo
presente no nordeste brasileiro.
Esses grupos denominados “volantes” atuavam como esquadrões da morte
e sua prática era marcada pela violência, pela tortura e pela execução sumária
das comunidades organizadas, fosse colaborando com o cangaço – comumente

174
Sobre o Cangaço, ver:
http://www.eunapolis.ifba.edu.br/informatica/Sites_Historia_EI_31/cangaco/Site/Cangaco.
html. Acesso em 10 jan. 2016.
175
MARQUES, Ana Claudia Duarte Rocha e VILELLA, Jorge Luiz. “O poder e o território
do bandido: reflexões sobre Lampião, o Rei do Cangaço”. In: ILHA Florianópolis, n. 0.
Outubro de 1999, p.119-138. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/viewFile/14513/13292. Acesso em 10 jan.
2016.
78
chamados de coiteiros –, fossem os próprios cangaceiros. Assim, se os
cangaceiros, ao empregarem a violência, foram considerados fora da lei, os
volantes o faziam com o apoio total da lei176.
Entre o final da década de 1950 e início de 1960, porém, a luta dos
trabalhadores do campo no Nordeste retornou à cena com as ligas camponesas
que lutavam contra os grandes fazendeiros ante à desapropriação e expulsão da
terra em prol do assalariamento. Também exigiam a melhoria na condição de vida
e que a reforma agrária fosse feita. Tendo à frente o advogado e deputado federal
Francisco Julião, “nasceram das lutas de resistência de pequenos agricultores e
não-proprietários contra a tentativa de expulsão das terras onde trabalhavam”177.
Eles contestavam:

a dominação política e econômica a que as populações rurais estavam


secularmente submetidas. Em algumas localidades, ocorreram conflitos
armados entre camponeses e proprietários de terras; lideranças
camponesas eram perseguidas e assassinadas a mando dos
latifundiários, alarmados com a politização das massas rurais 178.

Na região sul do país, entre Paraná e Santa Catarina, a mesma violência


do Estado foi aplicada na Guerra do Contestado. Ocorrida no início do século XX,
o aparato repressivo executou milhares de pessoas ao longo desses anos. A
região em questão era marcada por disputas territoriais entre latifundiários e
posseiros locais que tinham sua sobrevivência garantida pelo uso da terra,
principalmente para o plantio de erva-mate. Esse conflito se agravou ainda mais
quando foi construída a estrada de ferro que interligava São Paulo ao Rio Grande
do Sul e, posteriormente, com a extração de madeira, tendo as empresas Brazil
Railway e Lumber Company, estimuladas pelos governos locais, expulsado os
campesinos de suas terras.

176
Cf. NASCIMENTO, José Anderson. Cangaceiros, coiteiros e volantes. Icone
Editora, 1998.
177
TOLEDO, Caio Navarro. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. In: REIS,
Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo e MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs.). O golpe e a
ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: Edusc, 2014, p. 72.
Sobre este tema, ver também BORGES, Maria Eliza Linhares. Reforma agrária e
identidade camponesa, pp. 81-100, presente na mesma obra.
178
TOLEDO, 2014, op. cit., p. 72.

79
É importante frisar que tais desapropriações geraram um contingente de
camponeses e operários – estes vindos de inúmeras partes do país para trabalhar
nesse grande empreendimento – desempregados, em situação de miséria. Assim
como Canudos, Colher de Pau e Crato tais condições levaram à formação de uma
comunidade de ajuda mútua, visando viver dignamente e fora do autoritarismo do
Estado.
A partir da presença do Beato José Maria, foi fundada a comunidade de
Quadrado Santo, que vivia da agricultura de subsistência, do gado e pautados na
religiosidade e espiritualidade, agremiando o cunho social desse movimento ao
fenômeno religioso. Após a morte da sua liderança, ainda no primeiro combate
em outubro de 1912, o movimento se reorganizou e continuou, sendo, muitas
vezes, associado ao messianismo. O pesquisador Paulo Pinheiro Machado
destacou que, acima de tudo, os sertanejos tinham consciência da sua condição
social e política de marginalização, de que se tratava de uma guerra entre ricos e
pobres e principalmente de pobres contra o Estado, que atuava em prol dos
interesses dos abastados, dos coronéis e dos estrangeiros. Todavia, a vertente
crítico-social não anulava a religiosa e vice-versa179. O autor também destaca que,
se, em princípio, o confronto entre sertanejos e as forças estatais se limitava por
segmentos sociais da própria região, a expectativa da “volta” de José Maria e a
busca por melhores condições de vida atraíram inúmeros outros segmentos
sociais como,

Posseiros, sitiantes expulsos de suas terras, comunidades negras e


caboclas do planalto, ervateiros, trabalhadores desempregados pela
estrada de ferro, médios fazendeiros, antigas lideranças federalistas e
opositores políticos dos Coronéis de Curitibanos, Canoínhas, Lages, Rio
Negro, Timbó e União da Vitória180.

Assim como o Nordeste, também no Sul, a formação dessa comunidade


incomodava os governos, tanto estadual quanto federal e expedições militares
passaram a ser enviadas para destruir tal comunidade. Entre conquistas e
derrotas, tanto das brigadas enviadas quanto dos sertanejos ao longo dos quatro

179
MACHADO, Paulo Pinheiro. Um estudo sobre as origens sociais e a formação
política das lideranças sertanejas do Contestado, 1912-1916. São Paulo: Unicamp,
2001, tese de doutorado em História.
180
MACHADO, 2001, op. cit., p. 5.
80
anos de conflito direto, no final de 1916, a guerra se encerraria após a utilização
de aviões e artilharia pesada pelas forças repressivas do Estado, contra os
contestados, deixando milhares de pessoas mortas.
Como podemos notar, o uso da força do Estado para reprimir e executar
indivíduos ligados à luta por demandas sociais é recorrente na história da nossa
República, dado o seu caráter autocrata bonapartista.
Setores das ciências humanas trataram de buscar definição para o que
seria uma “autocracia”. Dentre os inúmeros significados, o Dicionário de Política
apontou que se trata de

um grau máximo de absolutismo na direção da personalização do


poder. Uma autocracia é sempre um Governo absoluto, no sentido de
que detém um poder ilimitado sobre os súditos. Além disso, a autocracia
permite que o chefe do Governo seja de fato independente, não
somente dos seus súditos, mas também de outros governantes que lhe
estejam rigorosamente submetidos. O chefe de um Governo absoluto é
um autocrata sempre que suas decisões não possam ser eficazmente
freadas pelas forças intra-governativas181.

Nesse sentido, um governo autocrata estaria vinculado ao poder do


monarca absoluto aos moldes europeus, podendo ele dividir o poder com outras
instâncias, mas desde que suas decisões não pudessem ser impedidas por outros
setores.
O termo, porém, ganhou um sentido mais geral graças ao trabalho de
teóricos da política e do direito182 que designaram autocracia como “toda classe
dos regimes antidemocráticos ou não democráticos”183. Nesse sentido, os autores
permaneceram associando a terminologia “autocracia” a ditaduras, entendendo a
concentração do poder na figura de um chefe maior. Nessa perspectiva, não se
considera a existência de regimes autocráticos fora de períodos ditatoriais, pois
se entende que há a distribuição do poder, mesmo que feita impositivamente, de
cima para baixo.

181
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário
de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 368-379. Disponível em
http://www.capitalsocialsul.com.br/capitalsocialsul/analisedeconjuntura/DICION%C3%81R
IO_DE_POL%C3%8DTICA[1].pdf. Acesso em 20 abr. 2015.
182
Idem, p. 368-379.
183
BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, Op. cit, p. 368-379.
81
Alguns estudos estabelecem ligações mais pontuais, ao entender que a
autocracia não se limitava à relação impositiva entre o chefe do poder sobre sua
população, pois, também se configurava como autocracia formas de governos
compostos por um grupo ou por algum extrato social que impunha suas vontades
e decisões, dentro do aparelho do Estado, pelo alto e de cima para baixo. Nesse
sentido, Hermann Heller, citado por Florestan Fernandes,184 apontou que

a maneira como se distribui o Estado determina a forma do mesmo. Isto


é aplicável, em primeiro lugar, a duas formas fundamentais de Estado.
A democracia é uma estrutura de poder construída de baixo para cima;
autocracia organiza o Estado de cima para baixo185.

No caso brasileiro, a autocracia está associada a nossa formação, que se


deu pela concentração do poder nas mãos de poucos. Tais características
estavam “estruturalmente vinculadas aos valores das classes dominantes
brasileiras, de origem estamental, que refletia a concentração econômica e de
poder”186. Nesse sentido, de acordo com Florestan Fernandes, a dominação
autocrática brasileira, de cunho burguês, estava atrelada ao desenvolvimento do
capitalismo dependente, em que a sobrevivência do último, juntamente a da
burguesia também estava diretamente condicionada à aplicação da primeira187.
Dessa forma, o viés autocrático burguês do Estado brasileiro se impõe.

Atrás dessas noções, temos uma opção pela mudança social que
pretende submeter às forças que alteram a estrutura e a organização da
sociedade brasileira aos interesses e aos valores sociais de camadas
tradicionalmente acostumadas à estabilidade social e ao que ela
sempre ocultou no Brasil: extrema iniquidade na distribuição da terra, da
renda e das garantias sociais; operação automática de controles sociais
que regulavam ou dissimulavam as tensões sociais, por meio da
dominação autocrática dos poderosos e da acomodação passiva dos
subordinados; identificação das fontes de lealdade através de relações

184
Cf. CHAGAS, Rodrigo Pereira. Florestan Fernandes: a autocracia burguesa como
estrutura histórica e a institucionalização da contrarrevolução no Brasil. São Paulo: PUC-
SP, 2011. (Mestrado em história social), p. 70-1 e nota de rodapé n° 201.
185
HELLER, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 292-94 apud
CHAGAS, 2011, op. cit., p. 70.
186
CHAGAS, 2011, op.cit., p. 73.
187
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação
sociológica. São Paulo: Globo, 2005, p. 345.
82
pessoais e diretas, objetiváveis no âmbito da família, da parentela ou de
grupos locais e regionais188.

Assim, as demandas sociais oriundas dos segmentos sociais excluídos do


acesso aos bens produzidos coletivamente eram tidas pelo Estado autocrático
como uma afronta a ele, uma vez que se punha como empecilho para a
consolidação do poder dos segmentos de classe da burguesia. Nesse sentido, a
autocracia bonapartista é a forma de expressão do poder burguês em tempos de
guerra.

O bonapartismo é a verdadeira religião da burguesia moderna. Eu vejo


cada vez mais que a burguesia não tem estofo para dominar
diretamente, e que, por consequência, lá onde ela não tenha uma
oligarquia, como aqui na Inglaterra, que possa, por um bom pagamento,
assumir a direção do estado e da sociedade em proveito da burguesia,
uma semiditadura bonapartista é a forma normal. Ela defende os
grandes interesses materiais da burguesia, mesmo contra a sua
vontade, mas não lhe deixa a menor parte do poder 189.

O bonarpartismo no Brasil, de acordo com Chasin, se pôs na forma


dependente e subordinada do nosso capitalismo que resultou em um
desenvolvimento hipertardio. O autor chegou a essa conclusão ao analisar as
formas em que se deram o desenvolvimento do capitalismo em outros países,
comparado à forma brasileira.
Ele nota semelhanças do nosso processo com o ocorrido na Alemanha, a
qual Lenin havia atribuído o nome de “via prussiana”. Em ambos, ocorreu a
conciliação com o atraso, feita pelo alto, conciliando o novo – emergente – como
o velho, não havendo rupturas que pudessem beneficiar outras classes sociais.
No caso da “via prussiana” do desenvolvimento do capitalismo, Chasin
aponta que esse processo,

188
FERNANDES, Florestan. Reflexões sobre a mudança social no Brasil (1962). In: A
sociologia numa era de revolução social. Rio de Janeiro: Zahar, 1976, p. 215, apud
CHAGAS, op.cit., p. 73.
189
ENGELS, Friedrich. “Carta a Marx de 13 de abril de 1866”. In: ASSUNÇÃO, Vânia
Noeli Ferreira. Pandemônio de Infâmias: classes sociais, Estado e política nos estudos
de Marx sobre o Bonapartismo. São Paulo: PUC-SP, 2005 (Tese de doutorado em
história).
83
(...) se põe de forma retardada e retardatária, tendo por eixo conciliador
entre o novo emergente e o modo de existência social em fase de
perecimento. Inexistindo, portanto, a ruptura superadora que de forma
difundida abrange, interessa e modifica todas as demais categorias
sociais subalternas. Implica um desenvolvimento mais lento das forças
produtivas, expressamente tolhe e refreia a industrialização, que só
paulatinamente vai extraindo do seio da conciliação as condições de
sua existência e progressão. Nesta transformação “pelo alto” o universo
político e social contrasta com os casos clássicos, negando-se de igual
modo ao progresso, gestando, assim, formas híbridas de dominação,
onde se “reúnem os pecados de todas as formas de estado”190.

Há semelhanças do caso alemão com o brasileiro, mas dirá Chasin que, de


maneira alguma, eles são idênticos: “é precisamente enquanto modo particular de
se constituir e ser capitalismo que o caminho prussiano tem para nós importância
teórica básica”191. Em ambos os casos, a propriedade rural tem presença decisiva,
assim como o reformismo pelo “alto” foi característica do processo de
modernização de ambos, impondo uma solução conciliadora no plano político que
excluía qualquer possibilidade de que houvesse uma ruptura com o antigo. O
desenvolvimento das forças produtivas foi mais lento, e a implantação da indústria
e seu desenvolvimento foi retardatário, tardio, “sofrendo obstaculizações e
refreamentos decorrentes da resistência de forças contrárias e
adversas”192.Todavia, se na Alemanha esse processo foi tido como tardio, no
Brasil ele foi hipertardio, pois,

(...) enquanto a industrialização alemã é das últimas décadas do século


XIX, e atinge, no processo, a partir de certo momento, grande
velocidade e expressão, a ponto de a Alemanha alcançar a
configuração imperialista, no Brasil a industrialização principia a se
realizar efetivamente muito mais tarde, já num momento avançado da
época das guerras imperialistas, e sem nunca, com isto, romper sua
condição de país subordinado aos polos hegemônicos da economia
internacional193.

Assim como o modo de produção no Brasil foi diferente, a conciliação feita


entre o “novo e o velho” também foi fundamental para a distinção entre suas
burguesias. Se, na Alemanha, a conciliação se deu entre a burguesia e o

190
CHASIN, 2000, op. cit., p. 42.
191
Idem, p. 43.
192
Ibidem, p. 43-4.
193
CHASIN, José. Miséria Brasileira: estudos e edições AD Hominem, 2000, p.45.
84
feudalismo, no Brasil, ocorreu entre a burguesia e os latifundiários. Enquanto o
feudalismo alemão já se pautava em um mercado nacional, os latifundiários
estavam ligados ao mercado internacional, fato que impedirá que a burguesia
desenvolva uma ruptura com os países imperialistas, levando a formação de um
capitalismo autônomo. Nesse sentido, Chasin distingue o processo brasileiro do
alemão, classificando o primeiro como “via colonial”194.
Em síntese, a modernização do capitalismo imposta pela dinâmica
internacional, cujos “donos do poder”195 gestaram o capital atrófico, se deu pela
forma excludente, interpondo dificuldades à participação política das massas 196,
seja pelos meandros constitucionais ou pela violência perpetrada pelo Estado.
Aqui,

quando as transformações políticas se tornavam necessárias, elas eram


feitas “pelo alto”, através de conciliações e concessões mútuas, sem
que o povo participasse das decisões e impusesse organicamente a sua
vontade coletiva197.

Essas relações podem ser vistas na repressão do Estado à população das


zonas urbanas e rurais que, ao questionar o processo de exclusão em que se
inseria, foi barbaramente punida, inclusive com a morte – da mesma forma
excludente que se deu o processo de transformação das cidades com a chegada
da industrialização, como vimos ao longo desse capítulo.
Diante dos fatos, fica evidente que o processo de desenvolvimento
brasileiro, pautado nesse modelo de capitalismo e das características da
burguesia, só poderia se sustentar pela marginalização da pobreza e pela
criminalização das lutas dos segmentos sociais excluídos do acesso ao que era
produzido coletivamente. Essas classes sociais foram transformadas em “caso de
polícia”, bem como taxadas de “perigosas” e, assim, inimigos internos em
potencial, o que justificava a atuação violenta do Estado bem como eram para
esses segmentos que as prisões foram utilizadas:

194
Idem, p. 37-58.
195
FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.
5ed. Porto Alegre, Ed. Globo, 1979.
196
CHASIN, 1989, p. 17 apud ASSUNÇÃO, 2005, op. cit., p. 326.
197
CHASIN, 2000, op. cit., p. 54.
85
(...) para abrigar o pobre “desocupado, ocioso”, na verdade, o
trabalhador – desempregado, faminto, insurreto, previamente
condenado, sem apelação, e jogado na vala comum da gentalha, alheia
aos ensinamentos dos céus e rebelde à lei, enfim, a população que
habita o mundo das classes perigosas. A partir daquela inversão da
culpa pelo pecado original, a classe operária, tratada como “caso de
polícia”, vem há séculos expiando o delito ao qual foi desde o princípio a
parte vitimada198.

Para conter os antagonismos de classe que se acentuavam


progressivamente, ao longo do século XX, ante a nossa “via colonial” e ante o
caráter conciliatório das nossas burguesias, teorias também foram importadas de
modo a garantir a total eficácia da repressão do Estado para com as classes
sociais que foram excluídas do acesso à dignidade humana. Passemos a analisá-
las.

1.2. Os Estados Unidos e a escola francesa: a teoria que potencializava a


prática.

Inúmeros estudos mostram a influência direta e precursora dos EUA na


criação de parâmetros para conter o suposto descomunal avanço comunista e a
exportação de doutrinas antisubversivas ao longo da guerra fria. No entanto,
novos estudos sobre a origem e implantação das Doutrinas de Segurança
Nacional, nos países da América Latina, têm levantado questionamentos sobre
esta primazia ou mesmo exclusividade. A historiadora Marie-Monique Robin tem
contestado essa visão. Partindo da análise de um grande corpo documental, ela
mostrou que a Escola Francesa foi a precursora na criação e exportação da
Doutrina de Segurança Nacional para os demais países, inclusive para os EUA.
Ela aponta que,

da cuenta de cómo Francia, en la intención de preservar a cualquier


precio sus colonias, especialmente las de Indochina y Argelia, por
medio de sus militares, configuró la denominada “doctrina
contrasubversiva francesa”, cuya ideología y métodos de represión,

198
PINASSI, 2006, op. cit., p. 44.
86
sirvieron de base a la Doctrina de la Seguridad Nacional (DSN),
auspiciada por Estados Unidos, en América Latina199.

Tal constatação, no entanto, não nega a atuação norte-americana, como


exportadora de uma Doutrina de Segurança Nacional para os países latino-
americanos, mas aponta que quase sua totalidade está no pensamento militar
francês,

pues lo que se podría considerar como los fundamentos ideológicos, el


cuerpo conceptual, los métodos y las estrategias de la DSN, se
encuentran en su totalidad, en el pensamiento militar francés derivado
de su práctica represiva contra los movimientos de liberación nacional
en sus colonias. Estados Unidos aprendió de los franceses, la ideología
y los procedimientos antisubversivos, por medio de los cuales actuó en
Vietnam e impuso en América Latina200.

Dessa forma, os primeiros a pensarem em um corpo teórico, ideológico e


estratégico ao enfrentamento da chamada expansão comunista e infiltração do
inimigo interno nas nações em processo de desenvolvimento foram os franceses,
por meio da formação da Doutrina da Guerra Revolucionária, criada ao longo dos
combates franceses na Indochina (1946-1954) e aplicada na Guerra da Argélia
(1954-1962). Essa doutrina consistia, a priori, na criação de um sistema de
inteligência capaz de adiantar seus ataques contra o inimigo e, para isso, era
importante ganhar o aval da população.
Tal doutrina foi cunhada pelos franceses, na Guerra da Indochina201, região
composta pelos povos do Vietnã Camboja e Laos que lutaram contra o exército
francês, conseguindo derrotá-lo e, consequentemente, proclamar sua
independência. A perda da guerra, diante das condições materiais da França ante
as dos exércitos locais, gerou reflexões nos generais franceses, levando-os à
conclusão de que as práticas usadas contra a população eram inadequadas para

199
ROBIN, Marie-Monique. Escuadrones de la muerte, la escuela francesa. Buenos
Aires: Sudamericana, 2005. Trads. Sérgio Di Nucci y Pablo Rodríguez.
200
Idem.
201
Conflito travado entre 1946 e 1954, após a oposição francesa em aceitar a
independência da sua antiga colônia (parte sul e leste da Indochina, atualmente
equivalente ao território do Vietnã, Camboja e Laos) declarada pelo líder nacionalista Hô
Chi Minh em 2 de setembro de 1945 e proclamada a República Democrática do Vietnã.
Para maiores informações ver: http://www.defesanet.com.br/ecos/noticia/2013/21-de-
julho-de-1954--Cessar-fogo-na-Indochina-/. Acesso em 10 jan.2016.
87
o grau de organização que ela tinha. Grosso modo, os oficiais notaram que os
soldados possuíam um sistema de inteligência que dava base para a ação dos
mesmos. De acordo com o coronel francês Charles Lacheroy,

Este nuevo modelo militar la retaguardia tenía especial importancia,


pues estaba constituida por elementos de la población civil que,
organizada en redes, colaboraba con la inteligencia de las
operaciones202.

Convencido da importância do sistema de inteligência para obter sucesso


em uma batalha e ante o pânico do crescimento de um comunismo em níveis
internacionais, tendo em vista que a Indochina teve o apoio da China comunista e
da URSS, o general desenvolveu uma estratégia militar chamada Doutrina de
Guerra Revolucionária, que dava embasamento, em todos os níveis, para a
Escola Militar Francesa. Tal estratégia foi testada na Guerra iniciada seis meses
antes de a anterior acabar, na Argélia (1954-1962).

Es entonces cuando las milicias francesas modifican sus técnicas de


obtención de información, comenzando a emplear métodos más
brutales y poco practicados con anterioridad, que aseguren el éxito de la
misión, ya que el orgulloso Ejército no estaba dispuesto a repetir en
Argelia la humillación sufrida en Indochina203.

A Doutrina de Guerra Revolucionária foi aplicada pela Escola Militar


Francesa na Argélia. Todos os meios deveriam ser usados para se chegar ao fim
maior, ou seja, a segurança nacional e internacional contra a ameaça comunista.
Nas palavras do general francês Aussaresses, na época, membro dos
paraquedistas que serviu em ambas as guerras (Indochina e Argélia), quando
perguntado sobre os meios usados na ação dos militares, ele apontou que “todos
los medios posibles que había usado al referirse a la obtención de información
incluía el uso de la tortura, él contesta, como si de algo obvio se tratara: “¡Qué
pregunta! Incluía la tortura”204.

202
VELÁSQUEZ, Carlos Guerrero. El impacto ideológico de la Escuela Francesa sobre el
Ejército argentino IN: Persona y Sociedad. Buenos Aires (ARG): Universidad Alberto
Hurtado. Vol. XXV / Nº 2 / 2011 / 55-72, p. 58.
203
Idem.
204
ROBIN, Marie-Monique, 2005. Escuadrones de la muerte, la Escuela Francesa.
Buenos Aires: Sudamericana apud VELÁSQUEZ, 2011, op. cit., p. 59.
88
Apesar dos esforços, em 1962, com a ajuda do Acordo de Évian 205, a
Argélia obteve sua independência, mas, no cenário mundial, estava criada uma
doutrina que seria utilizada nas ditaduras ocorridas ao longo da década de 1960 e
1970 nos países da América Latina. De acordo com Velásquez,

aunque no se logra el éxito militar y las posibilidades de una Argelia


francesa se desvanecen, han nacido ya las semillas ideológicas y
metodológicas que serán sembradas luego en América bajo el tutelaje
francés, para germinar dolorosamente durante las dictaduras de los
años setenta del siglo pasado206.

A ideia de que existia uma guerra global era o ponto inicial desse processo
e deveria criar no militar, de acordo com a Doutrina da Guerra Revolucionária, o
sentimento de que aquela ameaça de cunho mundial já havia chegado ao seu
país e que a infiltração comunista buscava desestabilizar o capitalismo,
“doctrinando a las masas trabajadoras y estudiantiles para que se interfiera en el
orden establecido por la sociedad burguesa”207. Nesse sentido, aponta Velásquez,
criou-se a necessidade do desenvolvimento da defesa, tendo em vista que
estariam em uma guerra antissubversiva.

Es así que la capacidad de defensa no se proyecta ya hacia el exterior,


sino hacia el enemigo interno que amenaza la seguridad de las
instituciones. Este es el escenario global sobre el cual se representa la
escena local, el contexto en el que es comprensible la existencia de una
guerra y, por lo tanto, de una defensa208.

O segundo ponto era a infiltração comunista, criando a ideia de haver nos


territórios, inimigos internos infiltrados e, assim, era necessário identificá-los e
eliminá-los. Para a realização da primeira premissa, a Escola Francesa apontava
a prática de tortura como o meio mais eficaz. “Leamos nuevamente al general

205
O Acordo de Évian foi assinado em 18 de março de 1962, entre o Governo francês e o
Governo Provisório no Cairo da República Argelina (GPRA), formado pela Frente de
Libertação Nacional (FLN), garantindo o cessar-fogo e reconhecimento francês da
soberania da Argélia.
206
VELÁSQUEZ, 2011, op.cit., p. 59 .
207
Idem, p. 64.
208
Ibidem, p. 65.
89
Ramón Díaz Bessone, quien pregunta: “¿cómo puede usted sacar información si
no lo aprieta, si no tortura?”209
A Escola Francesa exportou para as ditaduras latino-americanas o
entendimento do que era uma guerra subversiva, ou seja, que consistia em uma
guerra dentro do território com o objetivo de derrubar a autoridade presente, à
revelia da população e apoiada por ordens exteriores. Nas palavras de Mazzei,

Allí se define la guerra subversiva como “Guerra dirigida dentro del


territorio dependiente de una autoridad de derecho o de hecho,
considerada enemiga por parte de los habitantes de dicho territorio,
apoyada y reforzada o no desde el exterior, con el objeto de arrebatar a
dicha autoridad el control sobre ese territorio o por lo menos paralizar su
acción en el mismo”210.

É importante frisar que esse conceito está atrelado à existência de uma


guerra, conferindo-se à autoridade o direito de intervenção imediata e a qualquer
custo contra os “inimigos internos” da nação – fato que corrobora o uso de
práticas abusivas.
Também é relevante apontar que a definição apresentada estabelecia que
a ameaça da infiltração comunista se dava no território à revelia da população,
logo, os segmentos populacionais que não aderissem à caça aos comunistas e
que não cedessem informações que levassem o Estado a identificar e capturar os
indivíduos tidos como comunistas, ou ainda, quem criticasse o poder do Estado
ou lutasse por demandas sociais, também eram enquadrados como inimigos
internos. Esse estado de coisas não só justificava os excessos que incidiam,
principalmente, sobre a sociedade civil e, em particular, sobre os trabalhadores e
estudantes críticos do sistema vigente, como também criava grupos de extermínio
para fazer o “trabalho” andar mais rapidamente.

Si cualquier habitante puede entender como enemiga a la autoridad,


cualquiera puede convertirse en sospechoso de pertenecer al
movimiento armado hasta que no se compruebe lo contrario. Este es

209
ROBIN, Marie-Monique,. Escuadrones de la muerte, la Escuela Francesa. Sérgio Di
Nucci y Pablo Rodríguez, trads. Buenos Aires: Sudamericana 2005, apud VELÁSQUEZ,
op. cit., 2011, p. 69.
210
MAZZEI, Daniel. “La misión militar francesa en la Escuela Superior de Guerra y los
orígenes de la Guerra Sucia, 1957-1962.” Revista de Ciencias Sociales, nº 13, 2002,
p.118 apud VELÁSQUEZ, 2011, op.cit., p. 65-6.
90
sólo el inicio de un estado de paranoia que pudo ser en lo sucessivo un
factor determinante para la incidencia de los ‘excesos’ en el ejercicio de
la represión 211.

Por fim, a manutenção da segurança nacional e internacional, como bem


maior, justificava os excessos cometidos. Nesse sentido, o militar se entendia
como um protetor da nação, da paz, da liberdade e da estabilidade em prol da
criação de um Estado melhor para a população, que o comunismo tentava minar.

La idea permanente de entender a las Fuerzas Armadas como


defensoras de un valor definido como ‘sistema de vida nacional’. Es
este concepto de orden establecido por la propia junta el que se busca
mantener –lo que a su entender constituye el modo de vida de los
argentinos– y que al parecer es preservado por las instituciones del
Estado, así como por las jerarquías sociales y económicas. Por lo tanto,
el Ejército se ve ‘impelido’, obligado, forzado a actuar212.

A Escola Francesa entrelaçava esses três fundamentos com a criação de


um sistema de inteligência bem estruturado que, por sua vez, teria a função de se
adiantar ante as medidas a serem tomadas pelos inimigos. Este é o cerne do
desenvolvimento da Doutrina de Guerra Revolucionária.

Una de las enseñanzas más importantes que instaura la Escuela


Francesa es la operación que debe hacerse con el fin de nutrir los
sistemas de inteligencia con información suficiente para planear los
movimientos de ataque y defensa, así como el desmembramiento de las
redes formadas por los grupos guerrilleros. 213

Essa crescente repressão se via desde meados de 1920, cuja


radicalização se efetivou no período ditatorial brasileiro, momento em que tudo
era válido para a manutenção “do bem comum” ante a suposta ameaça
comunista, de acordo com os preceitos da Doutrina de Guerra Revolucionária
utilizada no Brasil. Nesse sentido, a

(...) importância al volverse una peligrosa fuente de paranoia, pues


como declara Balza: “todos nosotros, yo incluido, interiorizamos el
hecho de que el enemigo contra el cual debíamos batirnos era nuestro

211
VELÁSQUEZ, 2011, op. cit., p. 66.
212
Idem, p. 68.
213
Ibidem, p. 69.
91
propio conciudadano: con el que estábamos a punto de almorzar, el
profesor de nuestros hijos o nuestro vecino”214.

Nessa lógica, a violência do Estado é justificada, bem como entendida


como necessária para a manutenção da ordem vigente, e os esquadrões da
morte representaram uma das vertentes desse processo, atuantes em momentos
democráticos ou ditatoriais que marcaram a efetivação da autocracia burguesa
bonapartista, para garantir a manutenção da ordem vigente e sua ineficiência
frente às demandas dos segmentos sociais destituídos dos direitos básicos.
Se o desenvolvimento da história brasileira foi campo fértil para o
nascimento e a atuação de esquadrões da morte, seu modus operandi,
ressalvadas as particularidades locais, denota a integração de tais grupos,
configurando sua existência imbricada ao Estado no que tange à preservação da
forma de sua existência. Assim, passaremos agora a analisar tais meandros e sua
função social.

214
ROBIN, Marie-Monique. Escuadrones de la muerte, la Escuela Francesa. Buenos
Aires: Sudamericana, 2005, p. 267. Tradução de Sérgio Di Nucci y Pablo Rodríguez.
92
Capítulo 2
Modus operandi dos esquadrões da morte: uma instituição
nacional a serviço da autocracia burguesa bonapartista

A atuação desses grupos não estava especificamente ligada a momentos


ditatoriais, mas representava a violência e a repressão do Estado brasileiro, no
trato aos segmentos populacionais destituídos do acesso aos direitos básicos,
como vimos anteriormente. Para com estas classes, “o sistema penal brasileiro,
sua polícia e suas prisões se instaura sempre para controlar sua clientela
histórica, os escombros das civilizações indígenas, os africanos e trabalhadores
livres e pobres”215.
Naquele momento histórico, 1958, a criação de grupos de extermínio
consistia no aval dado pelas autoridades para os agentes do Estado atuarem à
margem do que preconizava oficialmente a legislação, mas que estava
entranhado naquela ordem autocrata. Assim, os esquadrões nasciam para
realizar o “serviço sujo”, ou seja, eliminar os indivíduos indesejáveis sem ter que
recorrer ao processo jurídico constitucional.
Ao longo das duas décadas seguintes, 1960 e 1970, os esquadrões da
morte disseminaram-se para outras localidades, tendo existido em todo o território
brasileiro. Atuando de modo articulado e sob orientação do aparelho estatal,
representava a expansão dessa política de eliminação. Eram conhecidos por toda
a sociedade, amplamente noticiados nos meios jornalísticos e, ao longo desses
anos, seus integrantes passaram a também atuar na repressão política, como
veremos ao longo desse trabalho.
Essa violência e repressão estatal para com os segmentos populacionais
menos favorecidos, como pudemos ver, foi uma constante no processo de
desenvolvimento brasileiro. No campo e na cidade, o que se punha era a
suspeição e perseguição da população, que buscava formas para superar a
pauperização em que estavam postas. Quanto maior era a luta dessas classes

215
BATISTA, Vera Malaguti. A questão criminal no Brasil Contemporâneo. In: Margem
Esquerda – ensaios marxistas, nº 8, pp. 37-41, São Paulo, Boitempo, 2006.
93
sociais, maior era a brutalidade do Estado para com elas, e a criação de grupos
de extermínio na quase totalidade das cidades brasileiras ratificam esse processo.
Dentre os diversos grupos de extermínio que surgiram, os formados em
São Paulo e Rio de Janeiro tiveram maior destaque no cenário brasileiro em
decorrência, tanto da grande quantidade de pessoas executadas – cerca de 2.000
pessoas entre 1958 e 1980 –, quanto pelo alarde causado pelas constantes
publicações na imprensa da época. De acordo com o Jornal do Comércio, apenas
em fevereiro de 1970, foram quase 500 pessoas mortas, “(...) de acordo com o
levantamento feito pelos próprios esquadrões, o do Rio de Janeiro tinha a seu
crédito, 262 vítimas. O paulista, que anunciara apenas 23 de sua lista inicial,
ultrapassou os números [do carioca]”216.
Nos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná, de acordo com
o Jornal do Comércio, a atuação desses grupos contou com menor prestígio em
relação aos dois grandes grupos – São Paulo e Rio de Janeiro -, mas com o
mesmo apoio dos representantes do governo, em todos os níveis217.
Em Alagoas, de acordo com Majella218, os grupos de extermínio,
conhecidos por “sindicato do crime”, “esquadrão da morte” e “sindicato da morte”,
atuaram entre 1975 e 1998 e eram também formados por policiais. Esses grupos
tinham, em seu cerne, as marcas do coronelismo, no qual os proprietários de
terras se apoderavam das instituições locais para benefício próprio – fato que
define a atuação do Estado como representação dos interesses privados dos
latifundiários, de cuja força repressiva se serviam para garantir a manutenção e o
controle econômico e político dessas relações219. De acordo com Meneghetti, “o
uso da violência como recurso das elites econômicas e políticas faz parte da
história do estado de Alagoas, sendo a violência policial a de uso mais explícito”
(...)220.

216
“Esquadrão da morte promete matar novos bandidos". Jornal do Comércio.
22/02/1970. CHB - A5 - P30.
217
Idem.
218
MAJELLA, Geraldo de. Execuções sumárias e grupos de extermínio em Alagoas.
Maceió: EDUFAL, 2006.
219
Idem, p. 22.
220
MENEGHETTI, Francis Kanashiro. “Origem e fundamentos dos Esquadrões da morte
no Brasil”. In: XXXV Encontro da ANPAD. Rio de Janeiro, 2001, p. 5. Disponível em:
http://www.anpad.org.br/admin/pdf/EOR1233.pdf. Acesso em 28 mai.2015.
94
À semelhança dos jagunços, assunto tratado no capítulo anterior, tais
grupos de extermínio, oriundos das cidades do nordeste brasileiro deram
continuidade a uma prática já existente que marcava a pré-formação de
esquadrões, na figura dos “volantes”, que eram um braço armado do Estado,
praticando a execução de indivíduos indesejáveis ao sistema. É nesse sentido,
pontua Majella, que os grupos de extermínio desse Estado têm na sua base a
violência como uma “prática institucionalizada nas suas elites agrárias e
diretamente relacionada com a proteção da propriedade privada rural”221.
Em alguns casos, nas regiões de maior quantidade populacional e,
principalmente, maior incidência de grupos de trabalhadores organizados, havia
vários esquadrões atuantes. No Rio de Janeiro, o grupo precursor foi o do
detetive Eurípedes Malta, criador do primeiro grupo carioca no final da década de
1950. Logo em seguida, foi criado o mais famoso grupo do Rio de Janeiro, a
“Scuderia Le Cocq”, que recebeu esse nome em homenagem ao detetive Milton
Le Cocq de Oliveira, morto pelo indivíduo apelidado pela imprensa da época de
“Cara de Cavalo”, em uma execução cheia de controvérsias, já que uma das
balas retiradas do corpo do detetive foi deflagrada pela arma de um dos policias
da própria equipe de Le Cocq. Foi na cerimônia de sepultamento dele que os
policiais oficializaram a existência do grupo de extermínio que ganhou seu nome,
tendo em vista que o esquadrão da morte, chefiado pelo próprio Milton Le Cocq já
atuava no Rio de Janeiro. Dessa forma, a data da sua morte foi apenas o marco
de “inauguração oficial”.
Todavia, após morte de Milton Le Cocq, algumas práticas anteriormente
realizadas pelo grupo foram modificadas, pois, enquanto seu fundador estava na
liderança, havia um esforço em “passar para a opinião pública a imagem de que
matavam perigosos marginais em luta e troca de tiros”, aponta a pesquisadora
Marcia Regina da Costa222. Fato é que essa preocupação não era foco dos
membros da Scuderia Le Cocq que, atendendo às necessidades estatais,
passaram a fazer as execuções com grandes espetáculos de torturas e
mutilações, como podiam ser vistos nos corpos das vítimas, gerando grande

221
MAJELLA, 2006, op.cit., p. 22.
222
COSTA, Márcia Regina. “1968: O esquadrão da morte em São Paulo” In: SILVA, Ana
Amélia da e CHAIA, Miguel (orgs.). Sociedade, Cultura e política: Ensaios críticos. São
Paulo: EDUC, 2004, p. 379.
95
medo na população. Do seu começo, no final da década de 1950 até 1968, a
Scuderia executou mais de 250 pessoas223.
Ainda no Rio de Janeiro, havia o grupo do policial Perpétuo de Freitas,
conhecido como “caçador de bandidos” que agia na região da Baixada
Fluminense e em conjunto com delegados, comissários e investigadores. Suas
técnicas, de acordo com a Revista Veja, deram início à prática dos chamados
“relações públicas”, informantes da imprensa quanto à localização dos corpos e
próximas vítimas a serem feitas.

Num trabalho menos aparatoso, usava muitos informantes, costumavam


mandar recado para o inimigo se entregar (...). Descendo os morros, a
onda de violência espalhava-se por toda a Baixada Fluminense224.

Houve ainda os grupos do “Vampiro” e o do “China” que, de acordo com o


jornal Notícias Populares, possibilitavam a operacionalização das matanças.
Ambos os grupos usavam os mesmos métodos – execução de pessoas em
bairros periféricos, com requintes de crueldade, muitos tiros e métodos de tortura.
O que os diferenciava era o símbolo colocado na vítima após a morte, sendo o
primeiro a imagem de um morcego em voo e, o segundo, a cabeça de um chinês,
desenhada com longos bigodes e gorro de mandarins225.
Havia também, no Rio de Janeiro, o grupo chamado “Polícia Mineira”, que
atuava na Baixada Fluminense e em Belford Roxo. Esse esquadrão chegou a ser
reprimido por um delegado, Sr. Helber Murtinho, fato que não impediu a
continuação dos assassinatos nessa localidade226. Esse grupo, em particular,
estava ligado exclusivamente à proteção a supermercados que contratavam seus
serviços a um custo de Cr$ 700,00 por semana, disponibilizando armas de
diversos calibres e carteira de trabalho com registro de balconistas do
supermercado. Eles eram chefiados pelos agentes do Estado Silas Pereira de

223
COSTA, 2004, op. cit., p. 371.
224
"Polícia contra ao fantasma". Veja. 25/03/1970. CHB - A5 - P30.
225
"Mataram criminoso e depois crivaram o cadáver de balas". Notícias populares.
17/02/1970. CHB - A5- P30.
226
"Polícia Mineira mata mais cinco". Diário Paulista (Rio de Janeiro). DOPS.
08/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-1977.
96
Andrade e Paulo “Cigano”, ambos também envolvidos em outros esquadrões
atuantes nessa região227.
Em São Paulo, a dinâmica também foi a mesma, existindo inúmeros grupos
de extermínio, como o da capital, o de Santos e o de Diadema. No caso do grupo
da capital, os assassinatos realizados pelos esquadrões da morte começaram em
meados de novembro de 1968 após a morte do investigador de polícia Davi
Romero Paré em uma perseguição policial ao indivíduo alcunhado de Saponga.
Em seu sepultamento, os policiais prometeram vingança e a realizaram,
executando cerca de 30 pessoas em menos de quatro meses 228.
A semelhança entre os grupos – paulista e carioca – não foi à toa, pois os
indícios documentais apontam para a realização de um encontro entre
autoridades paulistas e cariocas em prol da formação de um grupo de extermínio
em São Paulo nos moldes do já existente no estado vizinho. Tal encontro foi
anterior à morte de Paré. O objetivo era eliminar indivíduos que contestavam a
ordem vigente, bem como eram entendidos como obstáculos ao desenvolvimento
do capitalismo brasileiro que se punha aos moldes da “via colonial”. Bastava
então conhecer melhor o modelo e aplicá-lo ao Estado paulista. De acordo com
Percival de Souza,

a criação do esquadrão havia sido decidida bem antes da morte do


investigador (Paré)(...). Já fazia pelo menos três meses que um grupo
de policiais de São Paulo viajara para o Rio de Janeiro com a missão
exclusiva de absorver dos policiais cariocas a “técnica” de eliminar os
indesejáveis do convívio social, com base em critérios estritamente
particulares229.

Ainda de acordo com Percival de Souza, o próprio delegado Sérgio


Paranhos Fleury, apontado como líder do esquadrão Paulista, em carta trocada
com sua amante, mencionava o aval recebido para a realização da sua prática, e
o investimento do Estado na formação do esquadrão da morte paulista:

227
"A polícia mineira mata". O Estado de São Paulo (Sucursal do Rio de Janeiro).
DOPS. 17/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 (n° 67) 1977 - 77.
228
MATTOS, 2011, op. cit., p. 27-8.
229
SOUZA, Percival. Autopsia do medo: vida e morte do delegado Sérgio Paranhos
Fleury, São Paulo: Globo, 2000, p. 70.
97
Qual dos chefes [dos esquadrões da morte]? Disseram que há vários
esquadrões por aí... Em tudo o que eu fiz, recebi ordens. Vinham lá de
cima. Você acha que o governo não poderia, se quisesse, acabar com o
esquadrão da morte? Há vários policiais que nunca aparecem em
nenhum processo e participavam disso.(...) O que havia era um grupo
de policiais fazendo (a) justiça com as próprias mãos.(...) um grupo
quente, protegido por forças superiores. O esquadrão faz parte de uma
guerra política. Não importa quem está sendo julgado. É a minha vez de
ficar sentado no banco dos réus. Mas esta é uma história que já está
terminando... Acho que é meu dever encarar isso230.

No Espírito Santo, os esquadrões da morte atuaram no final da década de


1960 e início de 1970 e contavam com a supervisão direta do Superintendente e
depois Secretário da Segurança Pública, Sr. José Dias Lopes. Este, por sua vez,
era irmão do governador do Estado, Sr. Cristiano Dias Lopes, que dava seu apoio
a essa organização criminosa, conforme Guimaraes231. O grupo era ainda
composto pelos policiais civis: coronel Domingos Oliveira (chefe do policiamento
ostensivo), Jesse Alexander Burns (corregedor da polícia), José Ranilson
(delegado de Segurança Patrimonial), Jair Leão Borges (diretor da polícia civil) e
pelos de baixa patente Hélido Rocha, Ernane Barcelos e Nenir Costa – e estes
merecem destaque.
Os aludidos policiais foram os responsáveis pela denúncia da existência de
esquadrões da morte no Espírito Santo, bem como pela informação de onde
estavam localizadas centenas de ossadas de suas vítimas, uma vez que eram
eles os incumbidos de conduzirem as vítimas até o chamado Cemitério Juru e
consequente execução. No entanto, por saberem demais, passaram a ser
considerados como “arquivo vivo” do esquadrão local e foram perseguidos. De
acordo com Ewerton Montenegro Guimarães, jornalista e advogado produtor do
livro “A chancela do crime”, as autoridades da polícia civil passaram a tramar o
assassinato dos três, chegando, inclusive, a tentar executá-los, mas sem
sucesso232.

230
Diálogo publicado em SOUZA, 2000, op. cit., p. 540 e também em “Entrevista com
Percival de Souza”. Jornal da Tarde de 27/11/2000, disponível em
http://intocaveis.com.br/480-1SinonimoDeTortura.html. Acesso em 22 jul.2010.
231
GUIMARÃES, Ewerton Montenegro. A chancela do crime: a verdadeira história do
esquadrão da morte. Ed. Âmbito Cultural. 1978.
232
Idem, p. 13.
98
(...) além de denunciar a conivência [do governador Cristiano Dias
Lopes] com os crimes do esquadrão da morte do Espírito Santo, acusa
seu irmão, o ex-secretário da Segurança José Dias Lopes, vulgo “Zé
Pavão”, de chefiar a organização responsável pelo assassínio
comprovado de 17 pessoas e de outras 100 cujos corpos não foram
encontrados233.

Em Minas Gerais, o esquadrão da morte era composto pelo 3° Sargento


Joaquim Zózimo Braga, o cabo Ramiro Silva dos Santos e os soldados Valdemir
Gonçalves Filho, José Eustáquio Seara da Silva, Napoleão Lúcio dos Santos e
Hélio Antônio, todos da polícia militar mineira. Essa articulação veio à tona após a
tentativa frustrada de executar uma pessoa, atirando em seu pescoço e, certos de
sua morte, jogaram o corpo em uma gruta, onde já havia muitas outras pessoas,
assassinadas nas mesmas circunstâncias e já em estado de decomposição.
Todavia, a vítima chamada José Paulo de Almeida sobreviveu e denunciou o
grupo234. Nesse local de desova de corpos, outros oitos crimes foram
descobertos, dando maior sustentação à tese de existência dos esquadrões em
Minas Gerais235. Esses homicídios, porém, não foram os únicos registrados nesse
estado, tendo a polícia de Belo Horizonte registrado outros casos aos moldes do
esquadrão da morte após as denúncias recebidas236.
Nos estados em que apuramos a existência de esquadrões da morte,
observa-se o mesmo padrão de atuação.
No caso dos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde
havia grande concentração de movimentos sociais de trabalhadores organizados,
a emergência da implantação de sistemas de repressão que efetivassem a
eliminação física imediata dos indivíduos indesejáveis deu margem para a
primazia de suas formações e, em ambos os estados, justificadas pelo sentimento
de vingança.

233
"Cristiano tenta vetar livro do esquadrão". O Estado de São Paulo (Sucursal de
Vitória). DOPS. 22/09/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-
1977 - esquadrão da morte.
234
“Vítima do esquadrão depõe na PM mineira". Folha da Tarde. DOPS. 06/10/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
235
"Surge o esquadrão da morte mineiro". Folha da Tarde. DOPS. 26/09/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte e "Policiais
mineiros negam envolvimento com esquadrão". Jornal da Tarde. DOPS. 28/09/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
236
"Dois crimes misteriosos em Belo Horizonte". Folha da Tarde. DOPS. 27/10/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
99
No que tange à forma de ação, o modus operandi de todos os estados foi
igual, pois todos os assassinatos eram realizados no formato de execução
sumária, sem chance de defesa das vítimas – em alguns casos, as vítimas já
estavam inclusive encarceradas. A tortura física era regra, e os corpos desovados
nos cemitérios clandestinos ou municipais dos bairros periféricos das grandes
cidades, impedindo que houvesse testemunhas, dado o temor da população em
denunciar esses grupos e, posteriormente, ser perseguida por eles.

Não há registro documental da decisão, mas o cemitério (de Perus)


seria utilizado não apenas para servir de última morada para os mortos
da região, mas também de depósito de cadáveres de indigentes, vítimas
da violência urbana, das ações do Esquadrão da Morte e para enterrar,
ou “fazer desaparecer”, os corpos de militantes de organizações
revolucionárias que ousaram enfrentar numa luta desigual a ditadura
iniciada em 31 de março de 1964237.

Na maioria dos Estados, houve a presença de um “relações-públicas”,


pessoa que compunha o grupo e que participava tanto das execuções quanto
informava a imprensa sobre a localização dos corpos. A imprensa, por sua vez,
também ratificava a atuação desses grupos associando-os à eliminação de
“marginais”, fato que, para a opinião pública e os segmentos hegemônicos da
burguesia, justificava tais mortes.
Nesse sentido, podemos afirmar que a existência dos esquadrões bem
como a sua atuação seguiam um roteiro, um modus operandi. Essa similaridade
na forma com que eram realizadas as execuções também conferia uma
“assinatura” aos esquadrões, pois as equipes de investigação, ao chegarem aos
locais de desova de corpos, logo o atribuíam aos grupos de extermínio. A
imprensa também consolidava tais pressupostos, tendo em vista a grande
exploração que faziam sobre essa brutalidade. Esse espetáculo de horrores, no
entanto, não se punha aleatoriamente, pois causava medo na população, que
temia passar por tal violência. Entretanto, era expressa pela imprensa como
necessária, pois tais grupos de extermínio intimidavam os indivíduos classificados

237
CARDOSO, Ítalo; BERNARDES, Laura (orgs.). Vala clandestina de Perus:
desaparecidos políticos, um capítulo não encerrado da história brasileira. São Paulo:
Instituto Macuco, 2012, p. 24.
100
por eles como marginais – perpetuava-se, dessa maneira, a dinâmica do Estado
autocrático burguês bonapartista vigente.
Se a marca mais visível da violência perpetrada pelos esquadrões era a
manifestação da eliminação física, outras formas também foram empregadas,
como a violência psicológica, social, política, uma vez que a tensão e o medo que
vigoravam entre as pessoas dos bairros periféricos, garantiam que se calassem,
não questionassem e, com isto, a “perpetuação da exclusão socioeconômica e
cultural que tem caracterizado o capitalismo”238. Passemos a analisar as
categorias que configuram o modus operandi desses grupos paramilitares.

2.1. Execuções sumárias

A execução sumária foi uma prática realizada costumeiramente nas


corporações oficiais da ditadura militar e se dava sob três formas: a eliminação de
presos já dominados e desarmados, realizada dentro do camburão policial ou
mesmo na rua, de modo que o preso fosse levado com vida para ser executado.
Outra forma era a eliminação pura e simples de jovens das periferias das grandes
cidades, em alguns casos com o desaparecimento do corpo e, por fim, a chacina
perpetrada por agentes do Estado encapuzados, que chegavam ao local do crime
com a intenção de matar um determinado indivíduo e, ao fazê-lo, também
executavam todos que estavam ao redor 239. Essa dinâmica era costumeiramente
vista nas ações dos esquadrões sempre ligadas à brutalidade, tortura, uso
desproporcional da força e vinculação com as polícias locais.
Agindo com extrema brutalidade, antes de executar as vítimas, os
esquadrões usavam de todo tipo de tortura, tais como algemar suas vítimas,
enforcá-las, quebrar-lhes os ossos, a fim de impedir qualquer defesa como aponta

238
FRANCISCATTI, K. V. S. Violência, preconceito e propriedade. Um estudo sobre a
violência a partir da teoria crítica da sociedade. São Paulo, sn, 1998, apud VIEIRA, Vera
Lucia. Criminalização das lutas sociais em estados autocráticos burgueses In: Revista
Projeto História, São Paulo (31), dez.2005, p. 190.
239
Organizado em parceria com o Centro de Estudos de História da América Latina
(CEHAL-PUC-SP) e vinculado ao Programa de Estudos de Pós-graduação em História
da PUC-SP, o Observatório de Violências Policiais (OVP) reúne um grande acervo sobre
a violência institucional do Estado brasileiro. A definição exposta foi extraída e tantos
outros casos de violência policial, ver: http://www.ovp-sp.org/indice_exec.htm#execucoes.
101
o jornal Notícias populares, ao narrar a execução do indivíduo Jorge da Silva,
vulgo “Neguinho”, morto pelo esquadrão da morte carioca.

O local da execução foi a estrada de Luna Campos próximo à favela do


Paratodos. Um grupo de crianças presenciou a cena e contaram às
autoridades que “Neguinho” não teve a mínima chance de defesa, pois
um tiro na perna o impediu de fugir ao cerco dos homens do “EM” 240.

As execuções também eram feitas com uma grande quantidade de tiros 241
e, em muitos casos, a vítima era carbonizada em seguida, dificultando o trabalho
de reconhecimento e as apurações feitas pelos órgãos estatais. As armas dos
membros do esquadrão também eram feitas “sob medida” por seus próprios
armeiros, que transformava os canos das armas a serem utilizadas nas
chacinas242. Outra prática utilizada pelos grupos era deixar sobre o corpo da
vítima um cartão com desenho de caveira e tíbias cruzadas e a inscrição “EM”,
comumente associado aos esquadrões da morte243.
Ao longo da década de 1970, as matanças realizadas pelos esquadrões
eram rotineiramente noticiadas nos veículos de imprensa. A quantidade de
pessoas mortas, tanto na somatória semanal quanto em execuções singulares,
impressionava, pois poucos foram os casos em que apenas uma pessoa foi
morta. Normalmente, os esquadrões executavam grupos inteiros como apontou o
Jornal Folha da Tarde, em agosto de 1978, sobre o assassinato de quatro
pessoas no Rio de Janeiro, atingidas com 83 disparos de armas de calibres
diversos, inclusive metralhadoras, ou seja, mais de vinte tiros em cada pessoa.
Os métodos usados eram de guerra, pois as vítimas foram “enfileiradas num
barranco e assassinadas”244. Não bastava, portanto, matar a pessoa, era

240
"Esquadrão fuzilou comparsa de Renatinho". Notícias populares. 07/02/1970. CHB -
A5 - P30.
241
"Esquadrão". Diário da Noite. DOPS. 09/08/1978. Arquivo do Estado de São Paulo.
Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte e também "Continua matança na Baixada
Fluminense". Folha da Tarde. DOPS. 29/08/1978. Arquivo do Estado de São Paulo.
Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
242
"Preso o homem que armava esquadrão". Folha de São Paulo (Sucursal do Rio de
Janeiro). 18/08/1977. DOPS. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-
1977.
243
"Esquadrão da morte executa 2 presuntos". Notícias populares. 16/01/1970. Coleção
Hélio Bicudo (CHB) - A5 - P30.
244
"EM no Rio mata 4 com metralhadoras". Folha da Tarde. DOPS. 05/08/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
102
necessário criar um show de horrores, uma grande carnificina, potencializando a
eficácia desses grupos frente aos segmentos sociais mais pobres – e contra
quem inicialmente esses grupos atuavam. Ao temê-los, acabavam silenciando-se
diante das arbitrariedades impostas pelo aparelho repressivo a sua existência.
O uso de táticas de guerra pelo Estado brasileiro estava pautado na
dinâmica da Doutrina de Guerra Revolucionária, introduzida no Brasil pela Escola
Francesa, como vimos anteriormente. Inúmeras estratégias compunham sua
base, dentre elas, a eliminação física dos indivíduos indesejáveis à ordem
estabelecida e perpetrada por esquadrões da morte. De acordo com Lemoine,

assim, a GR (Guerra Revolucionária) extraiu seu nome, sua estratégia e


seus métodos daquilo a que visava combater, em um “efeito espelho”
no qual o inimigo seria derrotado através da utilização das mesmas
armas que empregava. Complementarmente, a teoria abrangia uma
estratégia e métodos que incluía um eficaz sistema de informações
organizado mediante a quadriculação do território, a utilização de
centros clandestinos de detenção e interrogatório, o emprego das
torturas físicas e psicológicas como forma de obter dados, a
“reconversão” dos presos políticos e a eliminação dos militantes através
de esquadrões da morte ou do desaparecimento245.

O aperfeiçoamento das práticas de tortura, o momento certo de sua


aplicação, a política de execução e desaparecimento de militantes e a dificuldade
em localizar e identificar os corpos das vítimas foram práticas influenciadas
diretamente pelo general francês Aussaresses que veio ao Brasil em 1973 para
ensinar as técnicas da Guerra Revolucionária para os nossos oficiais246, segundo
estudos de Maria Auxiliadora.
O general francês também conviveu com o delegado Fleury que influenciou
diretamente na construção do modus operandi dos esquadrões, utilizado os
mesmos métodos contra os indivíduos tidos como transgressores comuns ou
políticos. Essa característica, que será devidamente analisada no capítulo 3 desta

245
LEMOINE, 2004 apud BAUER, Caroline Silveira. “Aproximações entre o combate à
guerrilha do Araguaia e o operativo indenpendencia na Argentina: preceitos da Guerre
Révolutionnaire no Cone Sul”. Escritas Vol. 3 (2011), p.84-112. Disponível em:
http://www.uft.edu.br/revistaescritas/sistema/uploads/aproximac3a7c3b5es-entre-o-
combate-c3a0-guerrilha-do-araguaia-e-o-operativo-independencia-na-argentina-
preceitos-da-guerre-rc3a9volutionnaire-no-cone-sul.pdf. Acesso em 09/05/2015.
246
ARANTES, Maria Auxiliadora de Almeida Cunha. Tortura: testemunhos de um crime
demasiadamente humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013, p. 338-42.
103
tese, potencializou a atuação do delegado bem como o levou para os altos postos
do aparato repressivo.

A escolha de Fleury para o aparato repressivo ocorreu naturalmente. O


delegado já tinha conquistado notoriedade pelos métodos utilizados
contra marginais e contraventores, de quem podia, ao mesmo tempo,
ser algoz e sócio. Corrupto e violento, Fleury foi transformado em
exemplo de eficiência na luta contra os opositores do regime. Transitava
com a mesma desenvoltura na repressão política e na bandidagem,
onde vendia proteção para traficantes de drogas247.

Os esquadrões usavam métodos diversos, tais como o estrangulamento,


mutilações248, golpes de faca e porrete249, atropelamentos e fuzilamentos 250 e
cirurgias recentes o que leva a crer que estavam hospitalizados 251. As torturas,
comumente utilizadas, de acordo com o Jornal do Correio, variavam de Estado
para Estado. No Rio de Janeiro, era comum o uso de pistolas e a tortura antes da
execução, apagando cigarros em seus corpos e estrangulando-os com cordas de
nylon. No caso paulista, a execução era feita com metralhadoras.

A maior diferença entre os dois esquadrões era a maneira de executar


os criminosos. No Rio sempre matavam com tiros de pistola, depois de
despirem os bandidos e os marcarem com brasas de cigarros e
charutos apagados na pele do peito ou do rosto. Alguns criminosos
eram estrangulados com uma cordinha de nylon, como parte do
suplício. Mas, em São Paulo (...) e os tiros eram de metralhadoras252.

Mesmo em localidades menores, como no caso de Arujá, município de São


Paulo, o modus operandi se mantinha. Nessa localidade, o esquadrão da morte
local executava suas vítimas também com diversos tiros e de armas de calibres

247
CARDOSO e BERNARDES, 2012, op. cit., p. 26.
248
"No Rio, esquadrão da morte executa mais cinco pessoas". Folha de São Paulo
(Sucursal do Rio de Janeiro). DOPS. 25/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta
OS 0992 (n° 67) 1977 - 77.
249
"Esquadrão da morte executa mais 5 na Baixada Fluminense". Notícias populares.
DOPS. 05/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.
250
"Atropelamentos e um crime são atribuídos ao EM". Notícias populares. DOPS.
05/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
251
"Mais uma vítima do esquadrão do Rio". Folha da Tarde. DOPS. 06/07/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
252
"Esquadrão da morte promete matar novos bandidos". Jornal do Comércio.
22/02/1970. CHB - A5 - P30.
104
diversos – 22, 32, 38 -, desovando os corpos em estradas desertas, para dificultar
a possibilidade de haver testemunhas253.
Em Santos, o esquadrão da morte também fazia muitas vítimas, caso do
assassinato de Juca do Marapé, “cujo corpo foi encontrado” em uma estrada da
região e sua morte informada para as autoridades e para a imprensa via Relações
Públicas254.
Fora do eixo sudeste, no nordeste brasileiro, o modus operandi dos
esquadrões locais também se mantinha. Eles executavam suas vítimas e
deixavam os corpos em locais desertos de municípios do interior, como no caso
do grupo existente na Paraíba. De acordo com o jornal Diário Paulista,

o aparecimento de cadáveres baleados já se tornou rotina nos


municípios do interior paraibano. Ultimamente três corpos de
desconhecidos foram encontrados, em Cachoeira dos índios, sem que o
destacamento policial pudesse identifica-los visto que as vítimas não
conduziam documentos. (...) Acreditam as autoridades que os culpados
das mortes são integrantes do esquadrão da morte255.

Os esquadrões desenvolveram um roteiro de execução, ou seja, havia


práticas habituais para dificultar a apuração dos casos. Como aponta o periódico
O Jornal, apenas nos primeiros dias do mês de janeiro de 1970, quatro pessoas já
haviam sido executadas pelos esquadrões no Rio de Janeiro256. Essas práticas já
eram conhecidas pelos órgãos policiais, assim como também já faziam parte do
cotidiano das grandes cidades.

A polícia ainda não conseguiu identificar o corpo encontrado na Estrada


do Sapê, em Niterói. O cadáver estava completamente carbonizado.
Para a polícia, esta é uma nova tática do esquadrão da morte: depois
de matar o marginal, queima o corpo para não ser identificado. Não se
sabendo quem é o morto não se pode apurar o crime 257.
253
"Surgiram 2 presuntos do esquadrão da morte". Notícias Populares. 14/07/1970.
CHB - A5 - P30.
254
"Sem assunto". Serviço Secreto. DOPS. 27/01/1970. Arquivo do Estado de São
Paulo. 20-C-43. Documento n. 811.
255
"Esquadrão da morte mata 3 no interior da Paraíba". Diário Paulista (Sucursal da
Paraíba). DOPS. 03/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-
1977.
256
"Esquadrão fuzilou comparsa de Renatinho". Notícias Populares. 07/02/1970. CHB -
A5 - P30
257
"Esquadrão da morte incendiou a vítima". Notícias Populares. 17/01/1970. CHB - A5
- P32.
105
A carbonização dos corpos, assim como as demais práticas, ocorria em
diversas cidades, e era amplamente sabida por todos os setores da sociedade
dada a constante publicação de matérias ligadas à execução de pessoas pelos
esquadrões. Era tão comum que o periódico O Jornal elaborou e publicou um
campeonato de matanças. Apelidado de “Copa Caveira” ou “Taça Caveira”258, o
periódico fazia a contagem e atribuição das mortes e apontava a colocação dos
Estados do Rio de Janeiro, Guanabara e São Paulo em um ranking no qual o
primeiro lugar era dado ao grupo que realizasse o maior número de homicídios.
Na ocasião, o Coronel Sículo Perlingeiro, Secretário da Segurança Pública
do Rio de Janeiro, exigiu o fim dessa organização, principalmente por este Estado
liderar a aludida copa259. No entanto, dada a continuidade das mortes atribuídas
aos esquadrões, o periódico citado, buscando respostas sobre a ação desse
bando, passou a fazê-lo através do deboche, criando inclusive um regulamento
para este campeonato, com tabela de pontuação e critérios de desempate,

Art. 1° - Cada cadáver valerá um ponto. Parágrafo 1 e único: Em caso


de empate, ganhará a Taça o esquadrão da morte que demonstrar,
durante o ano, maior crueldade e sadismo, valendo pontos os números
de perfurações (balas), marcas de queimaduras produzidas por
cigarros, sinais de enforcamento, equimoses, escoriações, provas
evidentes de apalmatoadas e outras sevícias, como farpa de bambu nas
unhas, sulcos nos pés deixados pela lata de cera, coágulos produzidos
por socos, pontapés e etc.260

O uso do sadismo como critério de desempate no campeonato de


execuções dos esquadrões explicita a banalidade da prática, como denunciou a
Comissão Diocesana de Justiça e Paz de Nova Iguaçu, em março de 1978, ao
Ministério da Justiça. A comissão elaborou um relatório apontando a morte de 96
pessoas ao longo dos três primeiros meses daquele ano apenas na região
sudeste, mencionando que havia “em todos os corpos, além das sevícias – desde

258
"Esquadrão anuncia mais um presunto" Notícias Populares. 19/01/1970. CHB - A5 -
P30.
259
"Delegado é o assassino do fuzilado n° 4 da caveira fluminense". O Jornal.
29/01/1970. CHB - A5 - P30.
260
"São Paulo lidera torneio da morte". O Jornal. 22/01/1970. CHB - A5 - P30.
106
a castração até a mutilação de outros órgãos – há indícios de que foram
previamente algemados”261.
Em outro caso, as vítimas foram obrigadas a comer cacos de vidro de um
copo e de uma garrafa que, de acordo com o médico legista, os mortos estavam
com a garganta “totalmente dilacerada”262. Em outras execuções, as vítimas
foram estraçalhadas ao serem postas nos trilhos de um trem263. Em muitos casos,
não era possível sequer identificá-las, dada a situação em que deixaram o corpo,
com rosto, braços e mãos dilaceradas, inclusive por cães264. No caso do taxista
polonês identificado como Kalma Nisker (ou Kalma Kiskier), em Nova Iguaçu,
havia indícios de que ele tivera sido enterrado vivo após ter sofrido torturas, pois
havia

(...) marcas de espancamento e várias perfurações de bala. Quase


todas as costelas estavam quebradas, por pancadas desferidas com
algum objeto pesado, possivelmente uma barra de ferro. Um dos braços
estava para fora da terra, o que levou os policiais à conclusão de que o
motorista lutara desesperadamente para se livrar da terra que o
cobria.265

É possível assim entender por que o periódico O Jornal, ao criar o macabro


campeonato de execuções, via o sadismo como critério de desempate para se
chegar ao “campeão”. Grosso modo, o sadismo estava presente na atuação de
todos os esquadrões da morte.
Em São Paulo, os métodos sádicos também eram comuns. As execuções
eram feitas sempre com grande brutalidade, uma imensa quantidade de tiros e

261
"Igreja denuncia 96 crimes do esquadrão". Jornal da Tarde (Sucursal do Rio de
Janeiro). DOPS. 31/03/’. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68) -
esquadrão da morte e também "Diocese denuncia esquadrão". O Estado de São Paulo
(Sucursal do Rio de Janeiro). DOPS. 31/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo.
Pasta OS 0993 (n° 68) - esquadrão da morte.
262
"Mais 10 mortos na Baixada no fim de semana". Folha de São Paulo (Sucursal do Rio
de Janeiro). DOPS. 03/04/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68)
- esquadrão da morte.
263
"Esquadrão do rio continua matança". Folha da Tarde. DOPS. 04/05/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
264
"Mais 5 mortos na Baixada Fluminense". Folha de São Paulo. DOPS. 02/06/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
265
"Rio: um motorista enterrado vivo". Jornal da Tarde. DOPS. 08/05/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
107
após sessões de tortura. São inúmeros os documentos que trazem isso à tona 266.
O jornal O Globo RJ, ao realizar um levantamento sobre as mortes atribuídas ao
esquadrão paulista, após a morte do investigador Davi Paré, descreveu a
brutalidade do grupo paulista,

(...) dois dias depois [da morte do investigador Paré] aparecia (...) o
cadáver do marginal Neizão. A seguir, foram executados Domiciano
Antunes Filho, [apelidado de] Luciano, o traficante de drogas Paraíba e
um outro ainda não identificado, todos no dia 2 de dezembro de 1968.
Um dia depois, apareceram os corpos de Baltazar e Nego Sete. Dia 9
de Dezembro foram encontrados dois corpos crivados de balas, em
Guararema. No mesmo dia, em mata do Morumbi, aparecia o cadáver
de Cláudio José Faria com 12 tiros. Dia 18 de dezembro (...). Na
estrada Nazaré-Paulista-Mairiporã, estavam em um terreno, todos
furados de balas, Antônio Dalava, o Nico; Antonio Mendonça, o Gaúcho;
e Marcos Pietrafieza, o Italianinho. Dia 27 de dezembro, no Sitio
Pinheirinho, em Arujá, foi executado Airton Néri Nazareth. No dia 3 de
janeiro de 1969, o bandido Lambreta foi fuzilado no quilômetro 53 da via
Castelo Branco. Saponga morreu com 21 tiros, no sítio Coqueiros,
Jardim Tremembé, a 8 de janeiro de 1969. Três dias depois, outro corpo
aparecia nos fundos do cemitério Santo Antônio, em Osasco,
metralhado. No dia 2 de março de 1969, em Guararema, com 50 tiros,
foi fuzilado o “rei” da maconha, Horácio Fidalgo. Depois, foram mortos,
Lindalva Trajano, enterrada em um terreno de Diadema, Darcy da Lili,
Darci da Bôca, Baianinho das Tretas, Gauchinho da Bôca, Peralta,
Caveirinha, Gasolina, Mão Branca, Vadinho, Pancada, Nicão e Mato
Grosso. Outros corpos não identificados foram sepultados como
indigentes em diversos cemitérios267.

Os esquadrões também praticavam o sequestro de suas vítimas 268.


Adentrando em suas casas, retiravam as pessoas com total brutalidade, sem dar

266
. Boletim Informativo nº 291 de 15/12/1969. SNI - Agência São Paulo. d. Atividades
Subversivas. Dossiê 20-C-43, documento 512; Boletim Informativo nº 300. SNI -
Agência São Paulo. d. Atividades Subversivas. Dossiê 20-C-43, documento 556; Boletim
Informativo nº 276 de 27/11/1969. SNI - Agência São Paulo. d. Atividades Subversivas.
Dossiê DOPS 20-C-43, documento 390, pasta 5; Boletim Informativo nº 280. SNI -
Agência São Paulo. d. Atividades Subversivas. Data 02/12/1969. Dossiê 20-C-43, pasta
5, documento 407; Boletim Informativo nº 280. SNI - Agência São Paulo. D. Opinião
Pública - Manchetes Principais. Data 02/12/1969. Dossiê 20-C-43, pasta 5, documento
407; Boletim Informativo nº 291 de 15/12/1969. SNI - Agência São Paulo. d. Atividades
Subversivas. Dossiê 20-C-43, documento 512. Arquivo do Estado de São Paulo.
267
.“Sem título”. O Globo RJ, São Paulo, 28/07/1970, dossiê DOPS 50-Z-09, pasta 77,
documento 13.881. Arquivo do Estado de São Paulo.
268
"Esquadrão abandona mais três cadáveres no Rio". Folha da Tarde. DOPS.
12/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte; "Reiniciada a matança na Baixada Fluminense". Folha da Tarde. DOPS.
23/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
108
explicações aos familiares para executá-los após longas sessões de tortura. Esse
era o procedimento – tão habitual no trato ao criminoso político quanto ao
criminoso comum – como contou a vítima Araguari de Oliveira Santos, quando
encontrado por transeuntes antes de entrar em coma269.

O menor baleado encontra-se internado, em estado de coma, no


Hospital Getúlio Vargas. (...) O rapaz era viciado em tóxicos e foi
sequestrado da casa dos pais durante a madrugada de ontem
aparecendo, posteriormente, manietado e com dois tiros na cabeça,
jogado numa lixeira da rua Kempson, no bairro Parque Araruama 270.

Aos familiares cabia aguardar o aparecimento do corpo de seus entes, pois


tanto a execução do sequestrado quanto a desova do corpo em locais afastados
da cidade eram tidas como certas271 – tão certa que, no caso citado, informou o
jornal Folha de São Paulo, que “seus pais realizaram buscas nos hospitais,
delegacias e batalhões, mas não tiveram qualquer notícia até o momento. Eles
temem que o menor apareça morto”272.
As execuções sumárias perpetradas pelos agentes do Estado a serviço dos
esquadrões da morte configuravam uma das características do modus operandi
desses grupos e, não a única. A execução de pessoas sob custódia do Estado
tornou-se outro modo de efetivar tais rotinas – era a forma considerada pelos
membros desses bandos como a mais efetiva, pois não demandava qualquer tipo
de trabalho efetivo, pois os mesmos já estavam rendidos. Passemos a analisá-la.

2.2. Morte sob custódia do Estado

O Estado e seus organismos repressivos são responsáveis pela vida e pela


segurança dos indivíduos que estão sob sua custódia. Assim, desde suicídios,

269
"No Rio, o esquadrão deixa vítima com vida". Folha de São Paulo. DOPS.
12/05/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
270
"Mortes e quatro sequestrados no Rio". Folha da Tarde. DOPS. 11/05/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
271
"EM deixa vítima na lixeira". Folha de São Paulo. DOPS. 11/05/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
272
"EM sequestra e baleia estudante de 16 anos no Rio". Folha de São Paulo. DOPS.
11/05/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
109
mortes por doenças não tratadas ou assassinatos durante rebeliões são de total
responsabilidade do Estado273. Em contraposição à obrigação e cumprimento da
segurança aos presos, no Estado de São Paulo, os esquadrões tinham o hábito
de retirar indivíduos encarcerados para serem executados e depois desovados
em locais afastados. Em um dos casos, dois indivíduos foram retirados do
Presídio Tiradentes274, passaram por sessões de tortura, foram executados com
balas de grosso calibre e deixados em um matagal na Estrada do Alvarenga, no
Munícipio de Diadema275.
O Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) também foi
palco de retiradas de encarcerados para execução. Em uma das situações, três
pessoas foram retiradas, executadas e tiveram seus corpos desovados em
estradas de pouca movimentação no estado de São Paulo 276. Para isentar-se de
culpa e também dificultar as investigações, os agentes do Estado criaram
documentos falsos que associavam a permanência das vítimas a locais de
encarceramento distintos dos verdadeiros, assim como também criavam
documentos atestando que as vítimas já gozavam de liberdade antes do crime 277.

273
Para maiores informações, ver http://www.ovp-sp.org/indice_exec.htm#execucoes.
Acesso em 28 mai. 2015.
274
O embrião do Presídio Tiradentes começou a ser construído, em 1825, no Paço
Municipal, ficando pronto vinte anos depois e com a finalidade de encarcerar escravos
fugitivos e os chamados arruaceiros. Durante o Estado Novo, o presídio passou a receber
presos políticos e, na Ditadura Militar, ele se tornou a casa de detenção de opositores do
regime militar e também presos correcionais. Em 1973, ele foi desativado por risco de
queda e demolido no mesmo ano. Cf. FREIRE, Alípio; ALMADA, Izaias; PONCE, J. A. de
Granville (orgs.). Tiradentes: um presídio da ditadura: memórias de presos políticos. São
Paulo: Ed. Scipione, 1997.
275
"O julgamento dos policiais em Diadema". Folha da Tarde. DOPS. 06/06/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte;
"Esquadrão responde por duplo homicídio". Folha de São Paulo. DOPS. 06/06/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte e também
"Diadema julga 3 integrantes do esquadrão". O Estado de São Paulo. DOPS.
06/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
276
"Esquadrão: o investigador acusado é absolvido". O Estado de São Paulo. DOPS.
26/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
277
Idem.
110
“A defesa também assegurou que os três presos mortos não estavam no DEIC,
mas sim na Casa de Detenção, o que invalidaria as acusações da promotoria”278.
Forjar provas, no entanto, não era uma prática nova, mas sim comumente
utilizada pelas polícias brasileiras, fato que não nos causa estranhamento quando
também foi feito pelos esquadrões. Essa prática será detidamente apurada ao
longo do capítulo 5.
Em um dos casos, junto à vítima identificada pelo nome de “Naval”,
alvejada com diversos tiros, muitos em curta distância, foi deixada uma arma em
suas mãos para forjar o “auto de resistência seguida de morte” 279, justificando a
ação do bando em prol da legítima defesa 280. No entanto, o suposto tiroteio não
possuía testemunhas, tampouco havia vestígios que comprovassem que de fato
existiu, havendo como prova apenas a arma encontrada na mão da vítima, como
aponta o jornal Folha de São Paulo: “nas mãos de Naval, (...) o delegado
arrecadou um velho revólver com três cápsulas deflagradas. O suposto tiroteio
havido entre a vítima e os policiais não teve testemunhas”281.
O uso da classificação “auto de resistência”, ou ainda, “resistência seguida
de morte” eram simbologias policiais que tinham a função de justificar a execução,
atribuindo a ela a justificativa de que os policiais apenas se defenderam de um
ataque – a morte causada aos “agressores” era apenas uma consequência.
Todavia, na realidade, tal determinação consistia em “construir” uma cena do
crime para legitimar a ação policial, normalmente sendo deixadas armas e

278
"Esquadrão: o investigador acusado é absolvido". O Estado de São Paulo. DOPS.
26/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
279
O “auto de resistência seguida de morte” ou apenas “resistência seguida de morte”
compõe o artigo 292 do Código de Processo Penal, promulgado, em 1941, no Brasil: “Se
houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à
determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem
poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do
que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas”. Desde sua
promulgação até os dias atuais, esse pressuposto tem sido usado para justificar a
execução de indivíduos normalmente pobres, negros e de bairros periféricos. Na
atualidade, há grande mobilização da sociedade civil para aprovar o projeto de Lei
4471/2012 que substitui essa terminologia por “morte decorrente de intervenção policial”.
280
"Esquadrão da morte faz mais 4 vítimas". Folha de São Paulo. DOPS. 04/05/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte e também
"Esquadrão do rio continua matança". Folha da Tarde. DOPS. 04/05/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
281
"Esquadrão da morte faz mais 4 vítimas". Folha de São Paulo. DOPS. 04/05/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
111
cápsulas deflagradas próximas aos corpos para simular o auto de resistência.
Como aponta o Jornal da Tarde, no caso da vítima alcunhada de “Naval”, a cena
do crime legitimava a afirmativa de que havia ocorrido um grande tiroteio, pois
“colocando revólveres com cápsulas deflagradas ao lado do corpo de dois
rapazes (...)”282, dava a noção de que, na luta entre os dois lados, os “agressores”
levaram a pior, encerrando assim, qualquer tipo de apuração sequente.
Em contraposição, os laudos feitos por legistas quando chegavam alguns
desses corpos, ou quando não se tratavam – ou não se sabia – de lideranças de
grupos políticos e militantes procurados283, os médicos acabavam descontruindo
a afirmativa da polícia ao mostrar que os tiros recebidos pela vítima foram feitos à
queima-roupa, sem chance de defesa tampouco possibilidade de revidar. Havia,
inclusive, indícios, em alguns casos, de que as vítimas estavam algemadas no
momento da execução, informações que constavam nos laudos periciais284.
A dissonância entre os relatórios policiais e os produzidos pelo Instituto
Médico Legal (IML), no caso das mortes de indivíduos classificados como
criminosos, era grotesca, como detalhou o jornalista Caco Barcellos. Ele aponta
que a discrepância se dava de várias formas, dentre elas, a criação de cenas que
justificassem a matança policial. Se os relatórios policiais apontavam para a
ocorrência de um grande tiroteio, o laudo cadavérico produzido pelo IML mostrava
a execução da vítima com tiro recebido na nuca e à queima-roupa285. Tal
dissonância mostra a prática efetiva do Estado no trato a seus cidadãos menos
favorecidos, pautado na violência extrema, característica básica da autocracia
burguesa bonapartista.
O caso dos encarcerados, retirados do Departamento Estadual de
Investigações Criminais (DEIC), é um exemplo do forjamento de documentos,
pois, mesmo havendo o testemunho dos demais detentos, confirmando que os
indivíduos estavam ali encarcerados e que foram retirados de lá para a morte, no

282
"Ação da justiça do Rio contra esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 12/09/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
283
Inúmeros médicos legistas colaboraram diretamente com a ditadura militar ao forjarem
laudos médicos de necropsias onde não apontavam as marcas de tortura e agressões
sofridas pelas vítimas, bem como ratificavam a causa da morte apontada pelos policiais
nas suas fichas internas. Cf. CARDOSO e BERNARDES, 2012, op.cit.
284
Cf. BARCELLOS, Caco. Rota 66: a história da polícia que mata. Rio de Janeiro:
Record, 2008.
285
Idem.
112
momento do julgamento dos policiais, prevaleceu a prova documental em
contraposição ao testemunho dos colegas de encarceramento. Como constatou o
jornal O Estado de São Paulo, o testemunho de um encarcerado não foi
considerado pelo judiciário como qualificado para acusar um agente do Estado 286.
A prática de retirar pessoas de presídios para serem executadas, no
entanto, não é exclusiva dos grupos paulistas. No Espírito Santo, diversos
aprisionados foram retirados do Presídio, levados ao Cemitério clandestino do
Jucu e também executadas após longas sessões de torturas, como aponta o
pesquisador Ewerton Guimarães287. Em meados de 1975, no estado de Alagoas,
inúmeras pessoas passaram a “desaparecer”, todavia, na “sua grande maioria do
Presídio São Lourenço e das delegacias de policiais”288, aponta Majella e, se
considerarmos a prática de executar os indivíduos que já estavam em poder da
polícia, totalmente imobilizados, muitos até já com algemas, mas que ainda não
foram levados para nenhuma carceragem, aí sim podemos afirmar que a
execução de pessoas sob custódia do Estado foi utilizada por todos os grupos de
extermínio brasileiro, inclusive justificado pelas autoridades como meio de
resolver a inoperância do judiciário.

2.3 Desovas: “cemitérios dos esquadrões da morte”

Os esquadrões da morte também tinham um modus operandi no momento


de enterrar as suas vítimas, comumente em cemitérios clandestinos, prática
conhecida pela população, pela imprensa e pelas autoridades. Eram os
chamados “pontos de desova dos corpos” ou “Cemitério do esquadrão da
morte”289, locais próprios dos grupos para sepultamento dos corpos, normalmente
estratégicos, pois estavam afastados do centro.

286
"Esquadrão: o investigador acusado é absolvido". O Estado de São Paulo. DOPS.
26/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
287
GUIMARÃES, 1978, op. cit.
288
MAJELLA, 2006, op.cit.,p. 27.
289
"Mais três cadáveres encontrados no Rio". Folha da Tarde. DOPS. 13/04/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
113
Esses locais eram instalados dentro de cemitérios municipais e por serem
um espaço de sepultamentos “oficiais”, as vítimas enterradas eram classificadas
como indigentes ou com nomes falsos, graças à colaboração de legistas do
Instituto Médico Legal, que faziam a liberação dos corpos e emissão de atestado
de óbito, omitindo as marcas de tortura290 e as reais causas das mortes, fossem
eles militantes ou não – trâmite que servia para dificultar a busca dos familiares.
Tanto o governo federal quanto os estaduais sabiam desse trâmite291. Em São
Paulo,

(...) o cemitério da Vila Formosa que recebeu estes corpos até 1970,
sofreu modificações nos anos de 1975 e 1976, exatamente nas quadras
onde estavam enterrados os presos políticos, como forma de impedir o
acesso aos corpos. As ordens expressas para o tratamento diferenciado
de corpos de presos políticos partiram dos órgãos de segurança
nacional (centros da repressão política) para o IML que, por sua vez,
encaminhava os cadáveres para os cemitérios, com nomes falsos, ou
como desconhecidos292.

O uso desses espaços para sepultamento das vítimas dos esquadrões foi
comum em todo o território brasileiro. Destaca-se essa prática no Cemitério da
Vila Formosa, na Zona Leste de São Paulo, no de Perus, na região metropolitana
de São Paulo, próximo ao Vale do Juqueri e Serra da Cantareira, no Cemitério de
Santo Amaro, em Recife (PE) e no Cemitério de Ricardo Albuquerque, localizado
na região do Grande Rio (RJ). Além destes, há outros seis no Rio de Janeiro, três
em Pernambuco, um no Paraná, quatro em Goiás e um em Minas Gerais “cujas
investigações feitas ao longo dos anos indicam a ocorrência da mesma prática e a
existência de valas clandestinas”293 – sem considerar os corpos que foram
jogados no mar e nos rios, ou mesmo queimados como na região do Araguaia.
Em Alagoas, o local para desova de corpos era conhecido como “Cemitério da
Coca-Cola”, e os operários da fábrica de refrigerantes de mesmo nome, em
meados de 1970, “encontraram 16 corpos enterrados em vala coletiva”294.

290
As formas e uso da tortura pelos esquadrões da morte serão devidamente analisadas
no próximo capítulo.
291
ARANTES, 2013, op.cit., p. 240-50.
292
CARDOSO e BERNARDES, 2012, op. cit., p. 66.
293
ARANTES, 2013, op. cit., p. 251.
294
MAJELLA, 2006, op. cit., p. 26.
114
Em 1990, após inúmeras pressões de órgãos ligados aos direitos humanos
e familiares das vítimas da ditadura, descobriu-se cerca de 1.049 ossadas,
colocadas em sacos plásticos e sem identificação. A descoberta dessa vala
comum só foi possível graças à “denúncia” feita pelo administrador do cemitério
de Perus, o funcionário Antônio Pires Eustáquio que, na década de 1970, viu a
abertura da vala e guardou esse segredo até então. De acordo com Eustaquio,
“para lá eram levados os corpos de indigentes, vítimas anônimas do Esquadrão
da Morte, da miséria social e da repressão política, para serem enterrados em
covas individuais ou jogados numa vala comum”295.
Essas valas, denunciadas no início da década de 1990, passaram por
vários processos ao longo do período ditatorial, desde suas aberturas até a busca
pelo seu esquecimento, como se as famílias não mais fossem procurar por seus
entes queridos. Nesse último processo, datada de 1974, o General Ernesto Geisel
(1974-1979) passou a ordenar que as valas comuns fossem destruídas, acabando
com os vestígios do passado recente. De acordo com Cardoso e Bernardes, esse
período da ditadura

decide não deixar pistas de sua campanha de extermínio da oposição


política, que nesse momento já não é mais luta armada, e também não
quer mais deixar provas dos crimes cometidos nos anos anteriores. Nos
quatro anos de mandato desse general a ditadura prende, tortura, mata
e desaparece com os corpos ao mesmo tempo em que começa uma
“operação limpeza” dos corpos de assinados sob torturas. (...) No
cemitério de Vila Formosa há uma grande operação de destruição das
quadras de sepultamentos “desaparecendo” com centenas de
sepulturas de cidadãos pobres da cidade e de desaparecidos políticos
ao mesmo tempo em que uma enorme vala clandestina é criada para
misturar as ossadas de milhares de mortos, dentre eles os
desaparecidos políticos. (...) No cemitério de Perus, pelo menos, duas
quadras inteiras são exumadas e os corpos ficaram nas dependências
da administração enquanto era aberta uma vala par esconder os corpos
do 1.564 ossadas inconvenientes da ditadura. Pessoas mortas pelo
Esquadrão da Morte, vítimas das epidemias ocultadas pela censura à
imprensa, mortos pelo abandono do Estado e corpos de desaparecidos
políticos296.

Outra forma de ocultar os corpos, sem precisar passar por registros


burocráticos, fato que dinamizava as ações dos esquadrões, era a desova dos

295
CARDOSO e BERNARDES, 2012, op. cit., p. 21.
296
Idem, p. 49-50.
115
corpos em cemitérios clandestinos, comumente sabidos por todos, inclusive
quanto a sua localização. Nesses espaços eram sepultados todos os tipos de
opositores do Estado, fossem os contestadores atrelados à militância ou as
pessoas que buscavam melhores condições de vida dada a permanente situação
de exclusão ao acesso dos bens produzidos coletivamente.
Esses cemitérios clandestinos existiram em todo o território brasileiro. No
Rio de Janeiro, somente na Baixada Fluminense existiam dois; um no Rio Guandu
e sabido pelos funcionários da Cosigua, empresa situada às margens desse rio e
outro no quilometro 10 da Avenida Joaquim da Costa Lima, “onde desde 1968 já
foram encontrados inúmeros cadáveres com a marca do EM” 297.
Nesse bairro também havia metas a serem cumpridas: ao menos duas pessoas
deveriam ser mortas por dia na Baixada Fluminense298.
Ainda na Baixada Fluminense, na estrada de Adrianópolis, em Nova
Iguaçu, frequentemente corpos eram deixados ali pelos esquadrões: “ali são
abandonados muitos corpos de pessoas assassinadas na Baixada Fluminense,
em geral com diversas balas e mais sinais de violência pelo corpo”299, local onde
“mais de vinte cadáveres crivados de tiros foram encontrados nos últimos
meses”300. A própria polícia de Nova Iguaçu reconhecia o local como cemitério do
esquadrão naquela localidade301.
No Espírito Santo, o esquadrão da morte local também possuía um
cemitério próprio para as suas vítimas. Essa informação foi trazida à tona por um
dos integrantes do grupo, o ex-policial civil Ernani Barcelos. O agente público
apontou que o cemitério na Barra de Jucu, no município de Vila Velha, era o local
em que as vítimas eram enterradas, a comando de José Dias Lopes, ex-

297
"Achados mais 2 corpos na Baixada Fluminense". Folha da Tarde. DOPS.
25/09/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
298
“Mais dois homicídios na Baixada Fluminense". Notícias Populares. DOPS.
13/04/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
299
"Rio: um motorista enterrado vivo". N. DOPS. 08/05/1978. Arquivo do Estado de São
Paulo Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte e também "Mortes do E. M. carioca
podem envolver drogas". Folha de São Paulo. DOPS. 10/05/1978. Arquivo do Estado de
São Paulo Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
300
"Parentes reconhecem vítimas s do EM". Folha de São Paulo. DOPS. 03/08/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
301
"Esquadrão fluminense continua a assassinar". Folha da Tarde. DOPS. 18/07/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
116
secretário de Segurança desse Estado e articulador do grupo 302. Lá foram
encontrados onze cadáveres sepultados pelos esquadrões da morte capixaba 303.
Nas imediações desse local, quase uma centena de outras vítimas também foram
encontradas304.
Em Pernambuco, o comerciante Osvaldo Gomes de Morais, morto com
quatro tiros pelo esquadrão da morte local, comumente conhecido como
“Sindicato do Crime” – igual a um dos nomes atribuído ao grupo alagoano –,
também teve seu corpo deixado em uma avenida deserta do munícipio de
Garanhuns, conhecida por abrigar os corpos das vítimas desse grupo 305.
Vários outros homicídios, ocorridos nas mesmas circunstâncias, são
atribuídos a essa organização, cujo chefe era o sobrinho do então prefeito do
munícipio de Brejão, vizinho de Garanhuns306.
Em Alagoas, no munícipio de Maceió foram encontrados cerca de quarenta
corpos de vítimas do esquadrão da morte local, enterrados em três cemitérios
clandestinos. De acordo com o deputado José Costa, em discurso na tribuna da
Câmara local, “ocorreram cerca de 240 mortes misteriosas nos últimos 30 meses,
a maioria delas atribuídas ao esquadrão da morte alagoano” 307. Todos os corpos
encontrados possuíam perfurações de balas e um dos corpos havia sido
cremado 308 e “com evidências de participação policial”309.

302
"Condenado membro do EM a 197 anos". O Estado de São Paulo (Sucursal de
Vitória). DOPS. 25/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-
1977 - esquadrão da morte.
303
"Justiça condena membro do esquadrão capixaba". Folha da Tarde (Sucursal do Rio
de Janeiro e de Brasília). DOPS. 12/10/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS
0992 - 1977-1977 - esquadrão da morte.
304
GUIMARÃES, 1978, op. cit.
305
"Morte é atribuída ao sindicato do crime". Folha da Tarde (Sucursal de Pernambuco).
DOPS. 29/09/1977. Pasta OS 0992 - 1977-1977 - esquadrão da morte.
306
"Outra morte é atribuída ao sindicato do crime". Notícias Populares (Sucursal de
Pernambuco). DOPS. 29/09/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 -
1977-1977 - esquadrão da morte.
307
"Denunciada ação de esquadrão em Alagoas". Folha da Tarde. DOPS. 08/11/1977.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-1977 - esquadrão da morte.
308
"Alagoas também tem "esquadrão", diz o deputado". Folha de São Paulo (sucursal de
Brasília). DOPS. 08/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-
1977 - esquadrão da morte.
309
"Delegacia invadida, tiroteio. Seria o esquadrão da morte de Alagoas?". Jornal da
Tarde. DOPS. 09/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-1977
- esquadrão da morte.
117
Ainda em Maceió, após o pronunciamento feito pelo deputado José Costa,
quatro homens encapuzados entraram em uma delegacia na cidade alagoana de
Batalha, a 210 quilômetros da capital Maceió e realizaram grande tiroteio contra
três presos. Ninguém ficou ferido, tampouco os encapuzados foram presos ou
identificados. No final da tarde desse mesmo dia, no entanto, um homem foi
encontrado morto próximo à delegacia alvejada. Pelas características narradas
por testemunhas, os executores da vítima foram os mesmos que atentaram contra
a delegacia310. A situação ficou sem apuração e, consequentemente, sem
indicação de culpados.
Outra prática dos esquadrões da morte era a execução das vítimas e
posterior desova dos corpos em locais onde havia disputa do ponto de venda de
drogas, de modo a associar às mortes a ação dos traficantes. Como mostra o
jornal O Estado de São Paulo, após a execução errônea de dois indivíduos, sendo
um destes, cabo da Aeronáutica, os policiais o levaram junto com um amigo e
outros dois indivíduos para uma região de disputa entre o tráfico e tentaram
atribuir às mortes aos traficantes locais.

(...) sete ou oito soldados da polícia Militar, lotados no 14° Batalhar em


Bangu, numa diligência para prender dois traficantes, balearam por
engano um cabo da Aeronáutica e seu amigo. Constatado o erro,
pegaram os dois baleados, os dois traficantes e mais um rapaz que se
encontrava na boca de fumo, colocaram os cinco num carro, fuzilaram
todos e largaram, também por engano, em Santa Cruz. Os soldados
queriam deixar os corpos em Itaboraí, distrito da baixada, a fim de
atribuir o crime a uma das quadrilhas existentes naquela região 311.

Essa prática veio à tona graças ao engano cometido pelos integrantes do


grupo que, ao errarem o destino dos corpos, não puderam atribuir as mortes a
quadrilhas locais, tendo em vista que, na localidade escolhida, não havia disputa
por pontos de vendas de drogas. Atribuindo ao tráfico as mortes, retirava-se do
Estado o peso das ações, e o caso seria encerrado.

310
"Delegacia invadida, tiroteio. Seria o esquadrão da morte de Alagoas?". Jornal da
Tarde. DOPS. 09/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-1977
- esquadrão da morte.
311
"Pequeno balanço dos crimes do esquadrão no Rio: 95 mortos". O Estado de São
Paulo (Sucursal do Rio de Janeiro). DOPS. 17/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo.
Pasta OS 0992 (n° 67) 1977 - 77.
118
A escolha destes locais, no entanto, não se dava aleatoriamente, mas
seguiam o modus operandi do grupo que era gerar dificuldade em apurar os
casos, dada a total ausência de testemunhas que se dispusessem a falar sobre o
que viram, o que resultava no esquecimento do crime e na consequente
banalização da ação dos esquadrões.
Ao fim de 1978, os próprios meios midiáticos já associavam a forma da
violência perpetuada contra as vítimas como modus operandi dos esquadrões da
morte, como aponta o jornal Diário da Noite,

Com requintes de selvageria que caracterizaram através dos anos, o


esquadrão da morte da Baixada Fluminense voltou à carga nas duas
últimas semanas (....). O festival de sangue foi condimentado com 84
tiros, 26 facadas e um degolamento a golpe de foice312.

O deputado também denunciou que, de acordo com um levantamento


nacional sobre os casos envolvendo os esquadrões da morte, ao menos seis mil
pessoas foram executadas por estes grupos, sendo:

(...) no Rio de Janeiro, foram assassinadas, nos últimos cinco anos,


perto de cinco mil pessoas, enquanto em São Paulo, em quatro anos,
foram mortas perto de mil. Na Bahia e no Espírito Santo também os
esquadrões são ativos(...)313.

A prática do sepultamento das vítimas do Estado, tanto em cemitérios


clandestinos ou nos oficiais, em valas comuns, remetia a uma questão ainda
maior, a usurpação do direito das famílias de velar seus mortos. Em entrevista
concedida ao Diário do Nordeste, o diretor do Instituto de Ciências Religiosas do
Ceará, Padre Luis Sartorel, foi enfático ao apontar que enterrar seus entes era
“direito sagrado que faz parte da ética humana e religiosa” 314, era um elemento
básico na garantia da dignidade humana que foi destituído de muitas famílias

312
"Em dois dias esquadrão executou 16: banho de sangue na Baixada Fluminense".
Diário da Noite. DOPS. 28/09/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n°
68 - esquadrão da morte.
313
"Alagoas também tem "esquadrão", diz o deputado". Folha de São Paulo (sucursal de
Brasília). DOPS. 08/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-
1977 - esquadrão da morte.
314
CARDOSO e BERNARDES, 2012, op. cit., p. 105.
119
brasileiras, bem como da história nacional, mesmo após o fim do período
ditatorial.
Os crimes cometidos pelos esquadrões da morte, quando vistos à luz do
direito internacional, enquadram-se na questão de lesa-humanidade. Os delitos
nela enquadrados foram determinados por meio do Estatuto de Roma, que
detinha o desígnio de “julgar os crimes mais graves, que afetam a comunidade
internacional em seu conjunto” 315. De acordo com esse estatuto, configuram-se
como tal os crimes de:

a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou


transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de
privação da liberdade física grave, em violação das normas
fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual,
escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização
forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de
gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que
possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos,
culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou
em função de outros critérios universalmente reconhecidos como
inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato
referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do
Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid;
k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem
intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a
integridade física ou a saúde física ou mental316.

O crime de lesa-humanidade configura-se, assim, como aquele de maior


grau, que causa na sociedade um dano persistente e mais grave que os outros,
por isso são imprescritíveis. Dirão os pesquisadores que:

seguindo o raciocínio majoritário do costume internacional, da doutrina


brasileira e universal e da jurisprudência interamericana, para que a
prescrição não corra para um determinado crime, é necessário que ele
seja de grau maior, que ele cause no seio da sociedade um dano mais
persistente e grave do que os outros. Em outras palavras, acima de
tudo, o crime imprescritível é o crime de lesa-humanidade: é gigantesca
a incoerência ao tentar conceber-se a ideia de esquecimento
correlacionada à violação cruel, desumana, sistematizada e ampla dos

315
MOREIRA, Thiago Oliveira; CARVALHO, Juliana Santos de. Os crimes de lesa-
humanidade imprescritíveis da ditadura militar. In: Revista Transgressões: ciências
criminais em debate. (s/d). Disponível em file:///C:/Users/Vanessa/Downloads/6581-
16445-1-PB.pdf. Acesso em 10 jan.2016.
316
ESTATUTO de Roma, 17 de julho de 1998, art. 5.1. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm. Acesso em 10 jan.2016.
120
direitos mínimos do indivíduo – as sequelas destes atos, a qualquer
tempo e em qualquer lugar, perpetuar-se-ão na sociedade devido à sua
discrepante magnitude317.

Como podemos notar, os crimes que compõem a lista dos configurados


como crime de lesa-humanidade, na sua grande maioria, contemplam as práticas
dos esquadrões da morte. Nesse sentido, tais crimes são, sem sombra de dúvida,
imprescritíveis dado seu caráter desumano.

Assim, os crimes cometidos pelos agentes estatais no período de


ditadura militar no Brasil são indubitavelmente de lesa-humanidade e,
consequentemente, imprescritíveis, pelo seu caráter generalizado,
sistematizado, contra uma população civil, desumano e discriminatório
no campo político. Tendo isto em mente, as leis de anistia que amparam
agentes de delitos de ordem mais grave do Direito Internacional,
quando analisadas sob a ótica universal, são inválidas, incluindo a
brasileira. Ocorre que tais leis não ajudam na conciliação de uma
sociedade pós-conflito, pois evitam que os agentes responsáveis sofram
a devida persecução criminal, corroborando assim para uma escassa
investigação dos casos e para o sentimento de impunidade que pode
incitar novas violações318.

Todavia, o Estado brasileiro entende que os grupos de extermínio atuavam


no campo da criminalidade comum e, assim, não se tratava da atuação no campo
político, logo, não atribuíam as atrocidades perpetradas por estes agentes da
repressão como crimes de lesa-humanidade, portanto, eram prescritíveis.
Apenas em 1995, com a promulgação da Lei 9.140319, foi reconhecida a
responsabilidade do Estado pelas mortes dos desaparecidos políticos, e seus
familiares tiveram direito de receber uma indenização simbólica 320. Todavia, não

317
MOREIRA e CARVALHO, op. cit.,p. 146-7. (grifos nossos).
318
Idem.(grifos nossos).
319
A Lei nº 9.140, promulgada em 04 de dezembro de 1995, dentre os seus ditames,
“Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou
acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961
a 15 de agosto de 1979”. Para maiores informações, ver:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9140compilada.htm.
320
Entre os anos de 1995 e 2007, a partir da promulgação da Lei 9.140/95, foi instituída a
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) para buscar
solução para os desaparecidos e mortos ao longo dos anos 1961 a 1988. Seus
resultados foram sistematizados e publicados no livro-relatório, intitulado “Direito à
memória e à verdade: comissão especial sobre mortos e desaparecidos políticos”. Seu
trabalho foi importante no levantamento de dados e no reconhecimento das
arbitrariedades cometidas pelo Estado como o uso sistemático da tortura, mas não
resultaram no aparecimento dos corpos dos desaparecidos. Em 2006, a CEMDP por
121
buscaram efetivamente acabar com o sofrimento dessas famílias, sobretudo com
a localização e identificação de seus restos mortais ou o esclarecimento de seus
paradeiros, bem como a revelação das circunstâncias dos fatos321.
Tal indenização está instituída para as famílias dos desaparecidos
políticos, mas não para todas as vítimas do Estado autocrático bonapartista
vigente na época em questão, pois as pessoas que foram mortas pelos
esquadrões da morte, vítimas de violência extrema que também são crimes de
lesa-humanidade, por não serem encaixados nessa determinação, permaneceram
na história como contraventores, para os quais a execução do Estado se
justificava.

2.4 “O relações-públicas”: serviço de informação do esquadrão da morte

Na maioria dos estados em que os esquadrões da morte foram formados,


um dos integrantes desses grupos desempenhava a função de porta-voz,
representando o setor de informações. Esse agente do Estado tinha a função e
finalidade de disponibilizar à polícia e à imprensa a localização das últimas
vítimas executadas, bem como transmitir a listagem dos próximos a serem
mortos. Eles se identificavam como seu “relações-públicas”.
Em Santos, município da baixada santista de São Paulo, o relações-
públicas chamava-se “Bala de Prata”322, cuja função era comunicar as datas das

decisão do governo e em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos,


implantou a proposta de criação de um banco de DNA para possibilitar a comprovação
científica dos restos mortais das ossadas localizadas, que, na prática, não se efetivou.
Em continuidade a esse trabalho, em 2010 a presidência da República, durante a gestão
do ministro da Secretária dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi, instituiu a “Comissão
Nacional da Verdade” que, em 2011, passou para o âmbito da Casa Civil da Presidência
da República. Em suma, essa comissão “buscou examinar e esclarecer as graves
violações de direitos humanos praticados entre 1946 e 1988 a fim de efetivar o direito à
memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”, por um prazo de
dois anos. Ao findar em 2012, também não devolveu as famílias os corpos de seus entes
desaparecidos. Para maiores informações, ver: ARANTES, 2013, op. cit., p. 240-53.
321
CARDOSO e BERNARDES, 2012, op. cit., p. 117.
322
"Esquadrão anuncia mais um presunto". Notícias Populares. 19/01/1970. CHB - A5 -
P30.
122
próximas mortes, “não será o último. Outro morrerá na terça”323 e, também contar
os detalhes da morte da vítima, bem como sua completa identificação,

Aqui é Bala de Prata, relações públicas 6 do esquadrão. Fizemos mais


um presunto no quilometro 72 da rodovia Cubatão-Pedro Taques. É o
Lazinho, conhecido traficante que tinha seu império no bairro do
Mercado324.

Posteriormente ao crime cometido por seu respectivo esquadrão, o


relações-públicas vinha a público anunciar que o prometido foi cumprido e a
imprensa acompanhava esse processo: “O esquadrão da morte santista prometeu
e assassinou mais um, Juca do Marapé, cujo corpo foi encontrado ontem” 325.
No Rio de Janeiro, o “relações-públicas” do esquadrão era chamado de
“Rosa Vermelha” e, ao ser questionado do motivo para a escolha do nome, o
indivíduo por trás da ligação não se intimidou em responder,

(...) O homem de voz educada, que fazia as comunicações recebeu o


apelido de Rosa Vermelha, porque certa vez declarou: tenho imenso
prazer ao ver uma bala 45 num corpo baleado, o sangue brotando do
buraco, como uma rosa vermelha da terra326.

Em um dos casos em que Rosa Vermelha ligou para apontar a localização


de mais um corpo executado pelo esquadrão, o informante chegou a reclamar do
grande alarde causado pela atuação do bando junto aos meios midiáticos, bem
como o anúncio de possíveis punições pelos órgãos públicos pela formulação de
processos. O relações-públicas associou tais posturas a uma tentativa de
“ludibriar a opinião pública”327. Por fim, buscou intimidar o jornal e a sociedade
num todo, frisando:

façam quantos inquéritos quiserem para apurar nossos crimes.


Continuaremos no nosso papel de lixeiros da sociedade, liquidando

323
Idem.
324
Idem.
325
"Sem assunto". Serviço Secreto. DOPS. 27/01/1970. Arquivo do Estado de São
Paulo. 20-C-43. Documento n. 811
326
“Esquadrão da morte promete matar novos bandidos". Jornal do Comércio.
22/02/1970. CHB - A5 - P30.
327
"Esquadrão entregou um novo presunto". Notícias Populares. 26/04/1970. CHB - A5 -
P30.
123
bandidos que matam chefes de família que assassinam para roubar.
Bandido morto – completou – população tranquila. Bandido vivo –
cidade apavorada328.

Em Minas Gerais, o “relações-públicas” era conhecido pelo nome de


“Corisco” e informava as autoridades por meio de cartas os nomes das próximas
vítimas a serem executadas. Em uma dessas correspondências, datada de 02 de
outubro de 1978, ele informou que a lista era composta por marginais e também
policiais329.
Em São Paulo capital, o relações-públicas do esquadrão local chamava-se
Alberto Barbour, ou “Lírio Branco”, que desempenhava a dupla função de
executar e informar a imprensa sobre a localização dos corpos do grupo paulista,
vínculo apontado pela Revista Veja em 1976, ao dizer que ele “(...) era um dos
tristes relações-públicas do esquadrão da morte”330.

(...) o esquadrão da morte ganhava notoriedade e seus membros


impunes e prestigiados, gabavam-se de suas atrocidades, informando a
imprensa, através de um relações públicas de apelido Lírio Branco, a
respeito dos locais em que os presuntos poderiam ser encontrados331.

Os relações-públicas tinham diversas funções: ligavam para a polícia e


para a imprensa para informar a localização dos últimos corpos, inclusive
concedendo a listagem das próximas execuções 332: “(...) O esquadrão anunciou o
recrudescimento da matança, fornecendo até relação nominal dos marginais que
estão marcados para morrer”333. Também informavam à sociedade sobre o
trabalho desenvolvido pelos esquadrões da morte, bem como ressaltavam sua
“importante função social, limpar a sociedade executando bandidos” 334.

328
Idem.
329
"Corisco denuncia esquadrão da morte". Notícias Populares. DOPS. 02/10/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
330
"Uma voz contra o esquadrão". Veja. 20/10/1976. CHB - A5-P33
331
“A luta contra o crime ainda não foi perdida”. Jornal da Tarde. São Paulo, 24/10/1973,
Dossiê DOPS 50-Z-30, pasta 46, documento 4.542. Arquivo do Estado de São Paulo.
332
MATTOS, 2011, op. cit., p. 49.
333
"Esquadrão da morte promete matar novos bandidos". Jornal do Comércio.
22/02/1970. CHB - A5 - P30.
334
"Esquadrão entregou um novo presunto". Notícias populares. 26/04/1970. CHB - A5 -
P30.
124
É muito normal os relações-públicas das organizações dessa natureza,
discar para a redação dos jornais e dizer: “olha, eu quero avisar que
vocês encontrarão mais um cadáver na Estrada Rio-São Paulo335.

A prática do relações-públicas integrava o modus operandi dos esquadrões


da morte, bem como desempenhava uma função social que era a de mostrar para
a sociedade que a estava protegendo, portanto, garantindo-lhe segurança que,
nos moldes legais, tais policiais não conseguiam garantir. Tal postura, no entanto,
deve também ser entendida como um meio de os esquadrões ganharem o aval
dos setores da sociedade e o consequente apoio. Tanto é que os relações-
públicas traziam os nomes dos próximos a serem mortos e, em seguida,
mostravam que a execução havia sido realizada, em demonstração pública de
seu poder de ação e de sua impunidade.
Os elementos que compõem o modus operandi denotam que havia
semelhança nas atuações dos esquadrões da morte no Brasil. À priori, é
importante ressaltar que a radicalização, ou não, de cada uma dessas práticas
variava muito. O aparato repressivo utilizava do mesmo modus operandi, a
mesma força e violência contra qualquer organização da sociedade civil que
fossem críticas do bonapartismo, qualquer segmento social que contestasse o
estado de coisas vigente. O esquadrão era uma das forças usadas para
perpetuação dessas eliminações.
Assim, deixadas de lado as particularidades existentes em todos os
estados, notamos que havia uma “linha condutora” dessas práticas, algo que
centralizava e dava forma de ação desses grupos e, ao contrário do que se punha
no senso comum de que estes grupos representam exceções, na concretude
social, eles cumpriam uma função social, representando o viés violento da
dominação autocrática burguesa brasileira que se impôs “por meio da repressão
brutal e das práticas de tortura, do desaparecimento, do aniquilamento, da
humilhação, em suma, práticas de uma burguesia vil, covarde e indigna”,336

335
"Esquadrão da morte promete matar novos bandidos". Jornal do Comércio.
22/02/1970. CHB - A5 - P30.
336
RAGO FILHO, Antônio. “Sob este signo vencerás! A estrutura ideológica da autocracia
burguesa bonapartista”. In: Caderno AEL, v.8, n.14/15, 2001, p. 195.
125
características da forma de ser do Estado brasileiro, em momentos ditatoriais ou
democráticos337.

337
A prática dos esquadrões da morte pode ser vista na atualidade a partir das inúmeras
chacinas cotidianamente feitas nos bairros periféricos das grandes cidades. A título de
exemplo, apontamos a execução sumária ocorrida em agosto de 2015 nos municípios de
Osasco e Barueri na qual 19 pessoas foram executadas por indivíduos encapuzados. Até
o momento de fechamento deste trabalho, janeiro de 2016, apenas um tenente foi
reconhecido pela vítima e encontra-se preso provisoriamente. As apurações sobre o
caso, de acordo com a Secretária Estadual do Estado de São Paulo, encontram-se em
fase de apuração. Todavia é sabido por todos que logo que essa caso seja esquecido,
junto com ele também serão as apurações.
126
Capítulo 3
“Os intocáveis”: esquadrões da morte na repressão política

O crescimento dos movimentos sociais em prol de melhores condições de


vida, de trabalho e de acesso aos direitos constitucionais agitava a população: de
um lado, havia tais lutas por acesso, e de outro, um Estado classista, que
representava os segmentos hegemônicos da burguesa na luta pela manutenção
do capitalismo dependente.
Assim, quando esses segmentos da burguesa foram cobrados pelos
segmentos de classe sem acesso ao desenvolvimento estrutural, privilégio dos
primeiros, eles mostraram seu ultraconservadorismo, transformando tais lutas em
caso de polícia e estas, bruscamente reprimidas pelo Estado, que garantia a
sobrevivência burguesa, como pontuou Florestan Fernandes. Dessa forma,

quando outros grupos se puseram em condições de cobrar essa


identificação simbólica, ela se desvaneceu. A burguesia mostrou as
verdadeiras entranhas, reagindo de maneira predominantemente
reacionária e ultraconservadora, dentro da melhor tradição do
mandonismo oligárquico (que nos sirva de exemplo o tratamento das
greves operárias na década de 1910, em São Paulo, como puras
“questões de polícia”; ou, quase meio século depois, a repressão às
aspirações democráticas das massas)338.

A transformação das lutas por demandas sociais em “caso de polícia”, por


sua vez, estimulou o desenvolvimento, aprimoramento e sistematização dos
órgãos de inteligência e repressão pelo Estado, ao longo do século XX, até sua
completa organização já no período ditatorial, com a criação de divisões de polícia
política, delegacias especiais, conselhos, sistemas de informação e articulação de
dados, criando, paulatinamente, uma “malha fina” em todo o país.
A repressão aos movimentos sociais, à classe trabalhadora e aos
segmentos sociais menos favorecidos ganhou articulação e integração nacional, a
partir dos anos 1920, por meio do desenvolvimento do Sistema de Segurança
Nacional e da criação dos órgãos que o compunha, além das ramificações

338
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação
sociológica. São Paulo: Globo, 2005, p. 242.
127
extralegais, caso dos esquadrões da morte. Essas relações são o foco de análise
deste capítulo.

3.1. O desenvolvimento do aparelho repressivo e suas ramificações


extralegais: o caso dos esquadrões da morte.

A rede de vigilância começou a ser estruturada ainda na década de 1920,


concomitantemente ao crescimento da luta operária. Aqui os Serviços de
Inteligência começavam a ser criados com a finalidade de reprimir e monitorar os
trabalhadores, em especial os operários, que se “articulavam em prol do
reconhecimento da sua condição de trabalhador e do direito a ter assegurado
condições mínimas de sobrevivência, revelando-se aí a continuidade da face
violenta do Estado”339. Progressivamente, eram criadas instâncias que
controlavam, vigiavam e, consequentemente, reprimiam toda a sociedade.
O primeiro órgão a integrar tal rede de Segurança Nacional foi a instituição
da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), em 1924, pela lei n° 2.034 de
30 de dezembro de 1924. Esse organismo cumpriria a função social de vigilância
e repressão aos considerados suspeitos de desordem política e/ou social, ou seja,
os trabalhadores, cujo objetivo era

manter sob controle as ações consideradas crimes de desordem, o que


englobava tanto as lutas operárias como as greves e manifestações de
revolta contra a penúria em que se encontrava este segmento social,
quanto às praticadas por indigentes ou contraventores comuns340.

Ainda na década de 1920, e nesse contexto de vigilância, ante a ascensão


dos movimentos operários, o presidente Washington Luís criou, em 1927, o
Conselho de Defesa Nacional, para a realização de levantamento e o
processamento de informações para a Presidência da República 341,
representando um suporte às ações que começavam a se estruturar no Brasil no

339
OLIVEIRA, Nilo Dias. A configuração do sistema nacional de repressão no
governo JK (1956 a 1961). São Paulo: PUC-SP, 2013. Tese de doutorado, p. 14.
340
Idem, p. 15-6.
341
Ibidem, p. 16-7.
128
que tange à repressão aos movimentos dos trabalhadores, como aponta Nilo Dias
de Oliveira.
A busca por “assegurar e disciplinar a ordem no país” 342, preceitos e
funções dessa Delegacia, demonstrava, já no início do século, os anseios dos
segmentos hegemônicos da burguesia, representados pelo Estado. De acordo
com Florestan,

tanto as burguesias nacionais da periferia quanto as burguesias das


nações capitalistas centrais e hegemônicas possuem interesses e
orientações que vão noutra direção. Elas querem: manter a ordem,
salvar e fortalecer o capitalismo, impedir que a dominação burguesa e o
controle burguês sobre o Estado nacional se deteriorem343.

Esse órgão teve maior destaque nas grandes capitais – partindo de São
Paulo, foi, posteriormente, instalado nos outros Estados do país –, dada a
concentração de trabalhadores, como demonstrou a pesquisadora Arleandra
Ricardo, ao analisar a atuação do DOPS em tempos “democráticos”344.
Funcionando no interior do Gabinete de Investigações e Capturas do Estado, o
DOPS foi regulamentado pelos decretos n° 4.405-A, de 17 de abril de 1928 e o de
n° 4.715 de 23 de abril de 1930.
Ainda em 1930, a Delegacia foi desmembrada em duas, a de ordem
política e a de ordem social, de acordo com regulamentação do Decreto n.4.780-
A, de 28 de novembro deste ano. Na mesma década, em 1933, esse processo se
acentuou com a criação da Delegacia Especial de Segurança Política e Social
(DESPS), consolidando a autonomia da polícia política no âmbito federal.
Dois anos depois, em 1935, a instituição da Lei de Segurança que
regulamentou a ação e a gestão das DESPS e do aparato repressivo, dava

342
CORREA, Larissa Rosa. “O departamento estadual de ordem política e social de São
Paulo: as atividades da polícia política e a intrincada organização de seu acervo” In:
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, n.33, 2008.
Disponível em:
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao33/materia04/.
Acesso em 11 dez. 2015.
343
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação
sociológica. São Paulo: Globo, 2005, p. 343.
344
RICARDO, Arleandra de Lima. A DOPS em Pernambuco no período de 1945 a
1956: autocracia em tempos de "democracia"? São Paulo: PUC-SP, 2009. (Mestrado em
história social).

129
interligação às instâncias repressivas – não à toa, a criação desta lei coaduna
com o momento de fundação da Aliança Nacional Libertadora (ANL). A aplicação
de seus ditames também foi reforçada pela criação de um Tribunal de Segurança
Nacional, criado no ano seguinte, responsável por julgar os crimes enquadrados
na Lei de Segurança Nacional (LSN)345. Tal tribunal estava subordinado à Justiça
Militar e era composto por juízes civis e militares, escolhidos pelo Presidente da
República e seria acionado quando o país estivesse sob “estado de guerra”.
Em 1937, ela passou a estar diretamente subordinada à Presidência e
também se tornou um órgão permanente, que julgava não só comunistas e
militantes de esquerda, mas também integralistas e políticos liberais que
manifestavam suas críticas ao governo. Na prática, em razão da sua ampla
atuação, esse Tribunal processava e julgava, em primeira instância, as pessoas
acusadas de realizar atividade contra a segurança interna e externa do país.
Em linhas gerais, essas medidas geravam a interligação dos policiais civis
ao exército, graças ao poder dado aos militares para que pudessem atuar como
chefes de polícia ou magistrados do Tribunal de Segurança Nacional. Aqui
também se consolidava a repressão e a confecção dos fichamentos de indivíduos
tidos como subversivos. Nesse contexto,

a Segurança Nacional significava a prevenção à mobilização da


sociedade civil e a repressão às demandas sociais, principalmente
aquele tachados de comunistas, pois após o levante comunista de 1935
(ou revolta) a agenda da Segurança Nacional considerou o comunismo
como o “inimigo número 1” da Nação, tendo as Polícias Políticas à
missão de mapear e destruir os focos “bolcheviques” 346.

No Estado Novo, em 1938, órgãos da vigilância e repressão teriam sua


atuação modificada, caso da DOPS, que passou a ser supervisionada pela
Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública, com a expansão dos
setores que a compunham, como pontua Larissa Rosa Corrêa,

de modo geral, o órgão repressivo era constituído pelo Gabinete do


Delegado, pelas delegacias de Ordem Política e Ordem Social, cada

345
Cf: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-
37/RadicalizacaoPolitica/LeiSegurancaNacional. Acesso em 24 set. 2015.
346
OLIVEIRA, Nilo Dias. A configuração do sistema nacional de repressão no
governo JK (1956 a 1961). São Paulo: PUC-SP, 2013, Tese de doutorado, p. 18-9.
130
uma composta pelas seções de policiamento e investigações: o
Cartório, a seção de Expediente – em que estavam vinculados os
serviços de Protocolo e Arquivo Geral –, e, ainda, a seção de
Contabilidade, o Corpo de Segurança, o Serviço Reservado (mais tarde
chamado de Serviço Secreto), Prisões e Portaria. Além das duas
primeiras delegacias, o órgão também contava com mais duas
especializadas: a Delegacia de Fiscalização de Explosivos, Armas e
Munições e a Delegacia de Fiscalização de Entrada, Permanência e
Saída de Estrangeiros347.

Houve a ampliação das funções desempenhadas, dada a vigilância cada


vez mais abrangente aos inúmeros setores da sociedade brasileira. Dentre eles,
cabia:

fiscalizar o fabrico, a importação, a exportação, o comércio, o emprego


ou o uso de matérias explosivas; fiscalizar a entrada e permanência de
estrangeiros; instaurar, avocar, prosseguir e ultimar inquéritos relativos
a fatos de sua competência; proceder ao registro de jornais, revistas e
empresas de publicidade em geral; inspecionar hotéis, pensões e
semelhantes; fiscalizar aeroportos, estações ferroviárias e rodovias;
proceder a investigações sobre pessoas suspeitas, lugares onde se
presuma qualquer alteração ou atentado contra a ordem política e
social; organizar, diariamente, boletins de informações de todos os
serviços executados nas últimas 24 horas; e finalmente, identificar e
prontuariar os indivíduos suspeitos por crimes e contravenções
atentatórias à ordem política e social, organizados em fichário
apropriado, de modo a facilitar os trabalhados estatísticos de seu
movimento e toda e qualquer investigação348.

Como se nota, havia grande abrangência sobre o que era considerado


segurança nacional – desde a vigilância à sociedade quanto a aeroportos. No que
tangia a identificação dos indivíduos supostamente suspeitos de crimes contra a
ordem política e social, essa era feita por repartições específicas, tais como as do
expediente de Gabinete, Protocolo e Arquivo Geral, responsáveis pelo
recebimento das correspondências oficiais, protocolar e distribuição entre as

347
CORREA, Larissa Rosa. “O departamento estadual de ordem política e social de São
Paulo: as atividades da polícia política e a intrincada organização de seu acervo” In:
Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, n.33, 2008.
Disponível em:
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao33/materia04/.
Acesso em 11 dez. 2015.
348
Idem.
131
delegacias para arquivo349. Assim, tal classificação era estabelecida pelos
próprios agentes do Estado, seguindo as determinações de cada época.
É importante mencionar esses trâmites, pois a atuação do Serviço Secreto,
em 1940, estava condicionada “às instruções internas, determinadas pelo
superintendente do DOPS”350. Em suma, em meados de 1940, estavam
configurados os órgãos de vigilância à sociedade.
Ainda em 1938, dando continuidade à perseguição do Estado, Getúlio
Vargas criou o Conselho de Segurança Nacional (CSN), a partir da instauração do
artigo 162 na nova Constituição, com a função de estudar todas as questões
relativas à Segurança Nacional. Junto com ele, também foram criados órgãos
auxiliares, em cada Ministério Civil, chamados de Seções de Segurança Nacional.
De acordo com Nilo Dias de Oliveira, naquele momento, já começava a se
configurar uma rede de informações que se consolidaria nas décadas de 1940 e
1950, contrariamente ao que a historiografia tradicional aponta, pois

a responsabilidade da Segurança Nacional foi estendida para todas as


instituições da Federação que compuseram uma rede de informações
que no decorrer das décadas de 1940 e 1950 foi consolidando a um
grande amálgama de informações que circularam entre os órgãos da
Federação e mapearam as personalidades políticas, os funcionários
públicos, as propostas partidárias, as entidades de classe, enfim,
entidades ou pessoas que, de uma maneira ou de outra, expressaram
os interesses da sociedade civil e subsidiaram a elaboração de medidas
preventivas e repressivas351.

Na década de 1940, especificamente, em 1944, e regulamentada em 1946,


a Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS) foi transformada
em Divisão de Polícia Política e Social (DPS), almejando a centralização dos
serviços de Segurança Nacional. Esse órgão ficou subordinado ao Departamento
Federal de Segurança Pública (DFSP) e este último, subordinado ao Ministério da
Justiça. O Sistema Nacional de Informações (SNI), de 1964 foi herdeiro dessa
divisão. De acordo com Reznick, a DPS

(...) não apenas rotinizou procedimentos de investigação, como


estabeleceu vínculos formais com os DOPS’s e as Secretarias de

349
CORREA, 2008, op.cit.
350
Idem.
351
OLIVEIRA, 2013, op.cit., p. 20-1.
132
Segurança estaduais, com as Seções de Segurança Nacional
existentes em todos os Ministérios Civis da República, com os Serviços
de Informações e com a polícia política de vários países europeus,
norte-americanos e latinos americanos. Desta maneira estruturou, para
viabilizar as suas funções, uma rede nacional e internacional352.

Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a Delegacia de Ordem Política e


Social, na época subordinada à Chefia de Polícia Estadual, intensificou suas
ações de repressão, desdobrando-se em cinco outras especializadas, ao mesmo
tempo em que ocorria a transformação, em outros estados brasileiros, das antigas
unidades de informações estaduais nas DOPS’s que, por sua vez, desenvolveram
uma rede de troca de informações sobre os “trabalhadores periculosos”, com
destaque para sua atuação nas grandes capitais, tais como Rio de Janeiro, São
Paulo, Recife, Belo Horizonte e outras.
Quanto maior era a concentração de trabalhadores, operários e
camponeses, na mesma proporção se punha a aplicação de órgãos de vigilância
e repressão, cada vez mais elaborados. A violência do Estado, portanto, era
justificada como meio para manutenção da ordem, haja vista os movimentos
comunais e o massacre do Estado contra eles desde o início do século XX.
Essa rede de vigilância e segurança que vinha se desenvolvendo desde
meados de 1920, transforma-se em um sistema articulado e integrado em
meados de 1950. Tal aparelhamento cresceu progressivamente, inclusive tendo
havido picos de maior expansão, fato que se confirma com as reformas físicas
feitas nas instalações da DOPS, em 1957, para expansão e intensificação do
trabalho investigativo do Serviço Secreto (SS), ante as agitações do movimento
operário que culminaram na Greve de 1957353.
A ampliação dos setores sociais sob profunda vigilância e repressão feita
pela DOPS se consolidava, tanto que, de 1940 a 1969, aponta Corrêa, a

352
OLIVEIRA, p. 24 apud REZNIK, Luís. Democracia e segurança Nacional: a polícia
política no Pós-Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de
Pesquisas – Iuperj, 2000, p.11.
353
Dentre as inúmeras greves ocorridas na época, uma delas ocorreu em outubro de
1957, no estado de São Paulo, tendo reunido cerca de 400 mil pessoas. Para maiores
informações, ver
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Politica/MovimentoSindicalUrbano.
Acesso em 10 jan.2016.
133
Delegacia de Ordem Social era responsável por investigar todos os
tipos de movimentos sociais, como greves, campanhas contra a
carestia, associações de amigos de bairros, bem como fiscalizar a ação
dos sindicatos e dos trabalhadores organizados, produzindo inquéritos,
relatórios e prontuários de presos e investigar os movimentos nas
cidades do interior do estado de São Paulo354.

Esse crescimento da vigilância, ao longo da década de 1950, vinculado à


configuração mundial decorrente da Guerra Fria, com o preceito da “ameaça
comunista”, adquire uma conotação particular no Brasil e, quiçá, em toda a
América Latina, pois aqui o termo “comunista” foi aplicado para classificar as
pessoas que participavam de qualquer tipo de mobilização social e, na ditadura
militar, além da questão da luta por demandas sociais, também era expandido a
todas as pessoas que não coadunavam com as práticas ditatoriais. Em suma,
todos que se opunham ao Estado repressivo eram inimigos do Brasil, daí o
slogan, “Brasil, ame-o ou deixe-o”355.
Se a radicalização da perseguição ao “comunista” chegou ao seu ponto
máximo ao longo da ditadura, sua gestação ocorreu durante todo o período
republicano através da organização de inúmeros movimentos e seu brutal
extermínio perpetuado pelo Estado, que externava os anseios de setores de
classe que este representava.
No período ditatorial, outros órgãos foram criados, de modo a radicalizar o
processo da repressão à sociedade – caso do Centro de Operações de Defesa
Interna (CODI), responsável pelo trabalho burocrático administrativo, análise das
informações e planejamento estratégico contra a subversão, e pelo Departamento
de Operações de Informação (DOI), responsável pela parte “operacional” com
suas equipes de interrogatórios e execução dos planos traçados pelo CODI,
mantendo contato direto com o prisioneiro. O CODI coordenava as atividades de
um ou vários DOI’s, que eram comumente conhecidos pela sigla CODI-DOI356.
Se esses órgãos se institucionalizaram em 1970, sua origem remonta a
1969, isso porque os CODI-DOI’s são herdeiros da Operação Bandeirantes

354
CORREA, 2008, op.cit.
355
O slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o” foi criado pelo Presidente Emílio Garrastazu
Médici (1969-1974) e atendia a proposta da Ditadura que investia milhões de cruzeiros de
modo a criar uma opinião pública favorável a si.
356
FON, Antônio Carlos. Tortura: a história da repressão política no Brasil. Editora
Global, 1979.
134
(OBAN), instituída em 1 de julho de 1969 pelo general José Canavarro Pereira,
comandante do II Exército, em cerimônia que contou com a presença do
governador do Estado de São Paulo, Roberto Costa de Abreu Sodré e seu
secretário da Segurança Pública, Hely Lopes Meirelles, ambos “padrinhos” do
esquadrão da morte paulista, e também dos comandantes do VI Distrito Naval e
da 4ª Zona Aérea. Sua função era “coordenar as atividades dos diversos órgãos
encarregados da repressão à subversão e ao terrorismo” 357.
Todavia, naquele momento, o órgão em questão ainda era extralegal,
passando a oficializar-se apenas no governo Médici (1969 a 1974), por meio da
circular secreta chamada “Instruções sobre a Segurança Interna”, encerrando um
processo de cinco anos de discussão da função das forças armadas na
manutenção da segurança interna. Essa discussão havia começado junto ao
grupo de coronéis da dita “linha dura” e, quando levada aos debates na Escola
Superior de Guerra (ESG), foi ratificado pelo general Jayme Portella, na época
Ministro chefe da Casa Militar do presidente Costa e Silva e, posteriormente,
secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional. Foi a partir desse órgão que
o projeto ganhou base jurídico-filosófica através da assessoria do Ministro da
Justiça – professor Luiz Antônio da Gama e Silva – e teve seus aspectos
operacionais definidos pelo chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI),
general Médici358.
A ordem para a organização de um grupo que agregasse as forças
armadas, a polícia civil e militar e a polícia federal, surgiu, ainda, em 1968, numa
reunião realizada em Brasília, contando com a presença de todos os secretários
de Segurança Pública do país, sob a orientação do Ministro da Justiça.
Oficialmente, o encontro foi intitulado de “Seminário de Segurança Interna” e tinha
o intuito de agir no combate à subversão.
Além da criação desse órgão centralizador – Operação Bandeirantes
(OBAN)359, naquele momento, e CODI-DOI, posteriormente –, também foi
decidida a estratégia governamental para aplicação da Doutrina de Segurança

357
FON, 1979, op. cit., p. 15.
358
Idem.
359
Sobre a OBAN, ver também: CARDOSO, Ítalo; BERNARDES, Laura. (Orgs.). Vala
clandestina de Perus: desaparecidos políticos, um capítulo não encerrado da história
brasileira. São Paulo: Instituto Macuco, 2012.
135
Interna (DSI) que se pautava em dois planos: um de responsabilidade do
Ministério da Justiça – Plano Político de Segurança Interna (PP/SI) – e outro de
responsabilidade do Estado-Maior das Forças Armadas – Plano Militar de
Segurança Interna (PM/SI). Estavam decididas, então, as bases para articulação
nacional da repressão.
A junção dessas duas propostas deveria resultar, em cada Estado, em um
Plano Estadual de Segurança Interna (PE/SI) a ser montado por um
representante da Polícia Civil, o comandante da Polícia Militar e um representante
do Estado-Maior do comando militar da área. O documento deveria conter
medidas visando “assegurar a ordem política e social, garantir a proteção moral e
material das populações, salvaguardar as instalações e recursos de interesse
nacional e coordenar as ações civis e militares”360. Essa última finalidade deveria
ser assumida pela Operação Bandeirantes (OBAN)361, criada a priori em São
Paulo, cidade tida como polo irradiador dos movimentos de esquerda.
Há indícios que apontam ter sido, nessa reunião, decidida a criação dos
esquadrões da morte, organizações estaduais com vinculação e modus operandi
nacional, como vimos no capítulo anterior. A Operação Bandeirantes (OBAN)
contou com uma parte do seu contingente composto por policiais da Divisão de

360
FON, 1979, op. cit., p.19.
361
A OBAN não fora estruturada apenas pela e para as forças armadas, mas contou, em
seu plano de desenvolvimento, com a junção dos militares ao empresariado. Deste
segmento social, o integrante mais conhecido foi Henning Boilensen, industrial
dinamarquês naturalizado brasileiro, diretor do grupo Ultra e organizador das doações
empresariais e reuniões. Foi ele quem expôs ao Grupo Permanente de Mobilização
Industrial (GPMI) a necessidade da participação do empresariado na luta antissubversiva.
Henning foi o único, efetivamente, a aparecer nos meios de comunicação da época, mas
inúmeras foram as empresas, nacionais e estrangeiras que participaram com doações a
OBAN; entretanto, tendo a imagem dos contribuintes e das empresas preservada, com
medo de represálias. Boilensen foi justiçado em 1971 por membros da Ação Libertadora
Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) em retaliação à ajuda e
tortura praticadas por ele a presos políticos nos porões de algumas das empresas
patrocinadoras e obviamente da OBAN. É importante apontar que nem todos os
empresários da época contribuíram com a OBAN, recebendo em troca ameaças por parte
de outros membros da classe a que pertenciam e perda de credibilidade no mercado.
Para saber quais foram as empresas que mais contribuíram com os grupos de
extermínio, basta visualizar as que tiveram maior ascensão, de “forma fácil” e
aparentemente “inexplicável” no período ditatorial. Antônio Fon cita, por exemplo, o
empresário João Carlos Di Gênio, dono do cursinho pré-vestibular Objetivo que, mais
tarde, passou a oferecer também ensino fundamental e médio e, posteriormente,
universitário. Cf. FON, 1979, op. cit., e também CARDOSO e BERNARDES, op. cit.,
2012.
136
Crimes Contra o Patrimônio, um dos quais era o delegado Sérgio Paranhos
Fleury, chefe do esquadrão da morte Paulista362. Ele também ficaria “conhecido”
na OBAN, tanto pelos requintes de crueldade que praticava quando participava
das sessões de interrogatórios e torturas, quanto pelas desavenças que
desencadeou nas corporações repressivas, por não informar a OBAN/CODI-DOI
sobre os planos para a captura de militantes considerados importantes,
desenvolvendo as ações de combate à subversão “sozinho”, ou seja, sem
comunicar as demais instâncias. Assim, o esquadrão da morte estava em todos
os espaços, afinal, pertencia ao aparelho repressivo do Estado e tinham a função
de mantê-lo, ante as ameaças externas.
Os esquadrões estavam em todos os espaços da repressão graças a sua
organização. Para os municípios considerados como casos potencialmente
perigosos, os agentes do Estado, que acumulavam função junto aos grupos de
extermínio, atuavam nas DOPS, que seguiam tramitações próprias no combate à
subversão. Essas unidades, por sua vez, centralizavam informações recebidas de
delegacias que não contavam com tal aparato, mas que mantinham policiais
previamente designados para tanto. Em cada delegacia, portanto, havia pelo
menos um policial, na falta daqueles diretamente vinculados ao Sistema de
Segurança Nacional, encarregado de fornecer informações sobre pessoas
suspeitas de atividades políticas, quaisquer que fossem – como mapeou a
historiadora Luciana da Conceição Feltrim363.
Assim, pode-se afirmar que, em todas as delegacias do país, se exercia o
controle e a vigilância e que, no período ditatorial, essa vigilância se transforma
em repressão, sempre de forma articulada com as instâncias superiores. O

362
BICUDO, Hélio Pereira. Do esquadrão da morte aos justiceiros, São Paulo: Ed.
Paulinas, 1988; BICUDO, Hélio Pereira. Meu depoimento sobre o esquadrão da morte,
São Paulo: Pontifícia comissão de justiça e paz de São Paulo, 1976; BICUDO, Hélio.
Segurança Nacional ou Submissão. São Paulo: Paz e Terra, 1984; BICUDO, Hélio.
Violência: o Brasil cruel e sem maquiagem. São Paulo: Moderna, 1994. SOUZA,
Percival. Autopsia do medo: vida e morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury. São
Paulo: Globo, 2000.
363
Sobre essas relações, a autora Luciana da Conceição Feltrim realizou uma longa
coleta de dados e uma detalhada análise, mostrando como ocorria a vigilância sobre a
população através da articulação entre as delegacias e o DOPS. Para maiores
informações, ver FELTRIM, Luciana da Conceição. As formas institucionais da
violência: controle, vigilância, cerceamentos e repressão política no Estado de São
Paulo de 1954 a 1960. São Paulo: PUC-SP, 2012. (Mestrado em história social), capítulo
2: Policiamento/Repressão na capital e no interior, p. 72-95.
137
policial lotado na delegacia, comumente um militar, obedecia assim a dois
comandos: o de seu superior imediato e o das instâncias superiores que
compunham o aparato do sistema de segurança nacional. Os esquadrões da
morte que emergiram em todo o país, não por mera coincidência, eram formados
por policiais – civis e militares – lotados nas delegacias de polícia e, em grande
parte dos casos, como o paulista, esses agentes também eram funcionários do
Departamento de Ordem política e Social (DOPS), fato que ratifica tal controle,
bem como a atuação desses grupos de extermínio na repressão política.
Quando os esquadrões surgiram, pareceu ao senso comum ser uma
continuidade de práticas de justiçamento, existente no país desde tempos
imemoriais, pois eram policiais que matavam contraventores penais e,
aparentemente, contribuíam para aumentar a segurança, demandatária da
população ante a crescente violência social nos grandes centros urbanos, como
vimos no capítulo 1. Empresários em busca de “proteção especial” para seus
bens, pessoas demandatárias de “justiça direta” em forma de vendetas, sempre
tiveram acesso a “justiceiros” conhecidos, contando com o beneplácito das
autoridades e com a anuência da opinião pública.
Todavia, as funções desses grupos mesclavam-se, pois eram policiais –
civis ou militares –, integrantes do aparato repressivo e dos esquadrões da morte
que executavam indivíduos tidos como “bandidos” – nesse enquadramento,
estavam suspeitos de contravenção penal comum a militantes de organizações
políticas chamados de “subversivos”. Em suma, havia uma ampliação e
centralização da função de eliminar indesejáveis.
Se a criação dos esquadrões, ainda no período democrático (1958),
atendia às reivindicações da associação comercial, que pediam por maior
segurança e preservação à propriedade privada, esta foi potencializada ao longo
do momento seguinte, onde diversos setores da classe média e alta apoiaram o
golpe de 1964364 em resposta à possibilidade de conquistas sociais pela classe
trabalhadora, entendida por Jacob Gorender como,

364
O historiador Carlos Fico fez um levantamento sobre algumas das posições de
teóricos acerca do golpe de 1964. Dentre eles, Stefan, Moraes, Gorender, René Armand
Dreifuss e Soares. Ver STEFAN, Alfred C. Os militares na política: as mudanças de
padrões na vida brasileira. Rio de Janeiro: Artenova, 1975; MORAES, João Quartim de.
“O colapso da resistência militar ao golpe de 64” In: TOLEDO, Caio Navarro de (org.).
138
o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros neste século
XX. O auge da luta de classes, em que pôs em xeque a estabilidade
institucional da ordem burguesa sob os aspectos do direito de
propriedade e da força coercitiva do Estado. Nos primeiros meses de
1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se
definiu, por isso mesmo, pelo caráter contrarrevolucionário preventivo. A
classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir
antes que o caldo entornasse365.

Assim, podemos afirmar que, nessa escalada progressiva de vigilância e


repressão aos movimentos sociais, em geral, e a classe trabalhadora,
especificamente, se inseriam os esquadrões da morte – a priori, atuando nos
bairros periféricos das grandes cidades, onde estava concentrada a classe
operária e a população destituída do acesso aos bens produzidos coletivamente e
que, diante de tais circunstâncias, lutavam melhores condições de vida e trabalho.
Posteriormente, mas em consonância, tais grupos de extermínio ao adentrarem
no aparelho repressivo do Estado, expandiram sua atuação a outros segmentos
da população.
As instituições que foram criadas, ao longo do século XX, chegaram ao seu
auge de organização, articulação e interligação no período bonapartista, criando
um verdadeiro sistema repressivo com o intuito de controlar toda a sociedade.
Nesse sentido, atuantes dentro do Estado, os esquadrões representavam uma
vertente da atuação do aparato repressivo, tanto que os integrantes desses
grupos, na quase totalidade, também eram funcionários de órgãos da repressão,
como ratifica o Relatório da IV Reunião anual do Comitê de Solidariedade
Revolucionária do Brasil, datado de 1976, em que consta uma lista contendo o

1964: visões críticas do golpe: democracia e reformas no populismo. São Paulo:


Unicamp, 1997; GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das
ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo/Expressão
popular, 2014; REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro: os
comunistas no Brasil. São Paulo; Brasília: Brasiliense. CNPQ; SOARES, Gláucio Ary
Dillon. “O golpe de 64” In: SOARES, Gláucio Ary Dillon, D’ARAUJO, Maria Celina (orgs.).
21 anos de regime militar: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1994. Cf: FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a
ditadura militar. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2004.
365
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões
perdidas à luta armada. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo/Expressão
popular, 2014, p. 66-7.
139
nome e função de 233 torturadores elaborada por presos políticos e que grande
parte acumulava as duas funções:

DELEGADO DE POLÍCIA RAUL FERREIRA, “PUDIM” – da Delegacia


de Ordem Social do DEOPS/SP no período de 1969/70. É tido como
membro do esquadrão da morte.

INVESTIGADOR JOSÉ CAMPOS CORREA FILHO, “CAMPÃO” – da


Delegacia de Ordem Social do DEOPS/SP em 1969/70. É tido como
membro do esquadrão da morte.

INVESTIGADOR JOÃO CARLOS TRALLI – da Delegacia de Ordem


Social do DEOPS/SP desde 1969. É tido como membro do esquadrão
da morte.

DELEGADO DE POLÍCIA SÉRGIO FERNANDO PARANHOS FLEURY


– “COMANDANTE BARRETO” – da Delegacia de Ordem Social do
DEOPS/SP desde 1969. Atualmente é titular dessa delegacia e tido
Homem chefe do esquadrão da morte.

DELEGADO DE POLÍCIA ERNESTO NILTON DIAS – da Delegacia de


Ordem Social do DEOPS/SP em 1970. É tido como membro do
esquadrão da morte.

INVESTIGADOR SÁLVIO FERNANDES MONTES – da Delegacia de


Ordem Social da DEOPS/SP em 1970. É tido como membro do
esquadrão da morte.

INVESTIGADOR ASTORIGE CORREA DE PAULA E SILVA,


“CORREINHA” – do DOPS/SP em 1971, onde auxiliava nos
interrogatórios. É tido como membro do esquadrão da morte.

INVESTIGADOR ADEMAR AUGUSTO DE OLIVEIRA, “FININHO” – do


Departamento Estadual de Investigações Criminais (DHIC) de São
Paulo. Torturou presos políticos no DEOPS/SP; em 1971, quando lá
se encontrava oficialmente preso. É tido como membro do esquadrão
da morte366.

Outros documentos também reafirmam a ligação dos membros do


esquadrão da morte com a repressão política, o que dá mais indícios do
corporativismo militar na preservação da ditadura militar brasileira e do
bonapartismo. Esse é o caso da lista formulada pelo “Projeto Desaparecidos”:

366
MELO, Alice e LIMA, Vivi Fernandes de. Lista de torturadores no acervo de
Prestes. Centro de Estudos Hannah Arendt. Disponível em:
https://hannaharendt.wordpress.com/lista-de-torturadores-no-acervo-de-prestes/. Acesso
em 10 jun. 2015. (Grifos nossos).

140
AMADOR NAVARRO PARRA Investigador da Delegacia de Ordem
Social do DEOPS-SP (1969-1972); chefiava uma equipe de Busca;
conhecido como Parrinha do esquadrão da morte; estava no DEIC.

ANGELINO MOLITERNO Ex-investigador da PF em SP; desde 1968 foi


do esquadrão da morte; conhecido como (*); passou a chefiar a
segurança da boate La Licorne.
ANTÔNIO GONÇALVES DE OLIVEIRA Investigador da PF; lotado no
DEOPS-SP, conhecido como Fininho II; era do esquadrão da morte.

ANTÔNIO LÁZARO CONSTANZIA Investigador da PF; lotado no


DEOPS-SP desde 1969; era do esquadrão da morte; fora jogador de
futebol profissional conhecido como Lazinho; e, 1983 estava no DEIC-
SP.

ANTÔNIO VALVERDE Agente da PF; lotado no DEOPS-SP; era do


esquadrão da morte.

ASTORIGE CORRÊA DE PAULA E SILVAS Investigador da PF; lotado


no DEOPS-SP desde 1968; era do esquadrão da morte que acabou
por levá-lo à prisão; conhecido como Correinha.

DIRCEU GRAVINA Investigador da PF; integrava a Equipe A de


Interrogatório do DOI-CODI-SP (1971-1972); conhecido como JC, Jesus
Cristo e Dirceu; em 1969 foi carcereiro do DEOPS-SP; era do
esquadrão da morte.

ERNESTO MILTON DIAS Delegado da PF; lotado no DEOPS-SP (19 *


-1970); (era do esquadrão da morte; depois esteve no 3o Distrito
Policial-SP (1984); chefiou o Departamento de Defesa do Consumidor
(1985)

HELLY LOPES MEIRELLES Chefiou a Secretaria de Segurança


Pública de São Paulo (1968-1969); foi um dos organizadores do
esquadrão da morte.

INDIO Investigador da PF; lotado no DOPS-SP desde 1969; era do


esquadrão da morte.

JAPA Investigador da PF; desde 1969 esteve no DOI-CODI-SP; era do


esquadrão da morte; descende de japoneses.

JOÃO CARLOS TRALLI Investigador da PF; desde 1969 estava no


DEOPS-SP; conhecido como Trailler; era do esquadrão da morte;
atuou no DEIC-SP em 1982; foi exonerado da Polícia (1984).

JOSÉ CAMARGO CORRÊA FILHO Investigador da Delegacia de


Ordem Social do DEOPS-SP (1969-1970); conhecido como *pão; era do
esquadrão da morte; estava no DEIC-SP (1983).

JOSÉ GIOVANINNI Investigador da PF; desde 1968 integrava o


esquadrão da morte.

141
JOSECYR CUOCO Delegado da PF; chefiou Equipe de Interrogatório
da Delegacia de Ordem Social do DEOPS-SP desde 1970; era do
esquadrão da morte; em 1987 estava no setor de combate ao
sequestro; hoje está preso.

MARIEL ARAÚJO MARISCOTT DE MATTOS Investigador da PF; foi


do esquadrão da morte (1969-1970); assassinado em 08.10.1981.

NATHANIEL GONÇALVES DE OLIVEIRA Investigador da PF; lotado


no DEOPS-SP (1968); era do esquadrão da morte.

OLAVO VIANNA MOOG General de Divisão; em 1964 servia no


1O.BPE-RJ; foi secretário de Segurança Pública-SP (1969); um dos
organizadores do esquadrão da morte-SP; em 27 de dezembro de
1971 foi nomeado Comandante Militar do Planalto, comandando a
repressão à Guerrilha do Araguaia; recebeu a Medalha do Pacificador.

OLINTO DENARDI Delegado de Polícia; foi Diretor do Presídio


Tiradentes-SP (1971); era do esquadrão da morte-SP; em 1984 estava
na Delegacia do 9O. Distrito Policial de Santana.

PAULO BORDINI Sargento PM-SP; integrava a equipe A de


Interrogatório do DOI-CODI-SP (1969-1971); a partir de 1971 passou
para a Equipe de Busca; conhecido como Americano e Risadinha; era
do esquadrão da morte.

RAUL FERREIRA Delegado da PF; lotado no DOPS-SP (1969-1970);


conhecido como Pudim; era do esquadrão da morte; foi Delegado em
São Caetano do Sul e depois na Divisão da Polícia Federal (1983).

RUBENS Atuava no esquadrão da morte; em Petrópolis-RJ (1971)


estava na Casa da morte; conhecido como Laccato.

SÁLVIO FERNANDES DO MONTE Investigador da Delegacia de


Ordem Social do DEOPS-SP (1969-1970); era do esquadrão da morte;
em 1983 estava no 2O. DP-SP.

SAMUEL PEREIRA BORBA Escrivão da Delegacia de Ordem Social


do DEOPS-SP (1969-1971); era do esquadrão da morte.

SILAS SILVA NICOLETTI Investigador da PF; lotado no DOPS-SP


desde 1969; era do esquadrão da morte.

WALTER BRASILEIRO POLIM Investigador da Polícia Federal; lotado


no DOPS-SP (1969-1970); conhecido como Brasileiro; era do
esquadrão da morte. 367

367
A listagem foi extraída da página do “Projeto desaparecidos” e tem a finalidade de
denunciar os crimes cometidos pelo Estado na América Latina. Para maiores
informações, ver http://www.desaparecidos.org/brazil/tort/pequena.html. Acesso em 10
jun.2015. (grifos nossos).
142
Grande parte desses agentes do sistema repressivo agia nos centros de
tortura de todo o país, controlando a efetividade das ações, ou mesmo as
praticando. Esse fato foi denunciado por um ex-militante do Grupo Tático Armado
(GTA) da Ação Libertadora Nacional (ALN) quando foi preso em uma ação
articulada pelo delegado de São Paulo e pelo Centro de Informações da Marinha
(Cenimar). Ele foi torturado na Casa da Morte, no bairro de São Conrado, Rio de
Janeiro, pelo delegado Fleury, lotado do DOPS-SP.368
Além de atuar em outros estados, há indícios de que Fleury colaborou na
articulação do golpe militar no Chile e na Argentina, estabelecendo conexões com
as polícias políticas de países da Europa, EUA e América Latina369. Essa conexão
pode ser percebida porque alguns exilados brasileiros denunciaram sua presença
em Santiago, no Chile, no período do golpe militar contra o presidente Salvador
Allende, em setembro de 1973 e no golpe militar que levou o General Rafael
Videla ao poder na Argentina, em meados de 1976370.
A criação desse aparato de inteligência articulado e vinculado ao
desenvolvimento de sistemas de informação era premissa básica da Doutrina de
Segurança Nacional norte americana em que

os opositores eram catalogados como agentes da subversão


internacional, patrocinada pela URSS, pela China e por Cuba e o
Estado foi militarizado e transformado no quartel general das FFAA,
desde onde controlavam o país através do SNI – Sistema Nacional de
Informações –, buscando transformar o país numa caserna sob controle
dos militares.371

E na Doutrina de Guerra Revolucionária da Escola Francesa, e essa


teoria, como aponta Bauer,

368
“Ex-guerrilheiro abre baú de memórias”. Observatório da Imprensa. Edição n° 270.
30/03/2004. Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/armazem-
literario/exguerrilheiro-abre-bau-de-memorias/. Acesso em 19 out.2015.
369
Cf. OLIVEIRA, Nilo Dias. A configuração do sistema nacional de repressão no
governo JK (1956 a 1961). São Paulo: PUC-SP, 2013, Tese de doutorado.
370
CARDOSO e BERNARDES, 2012, op. cit.,p. 27.
371
“Doutrina de Segurança Nacional”:
http://www.documentosrevelados.com.br/midias/doutrina-de-seguranca-nacional/. Acesso
em: 17 dez. 2015.

143
(...) abrangia uma estratégia e métodos que incluía um eficaz sistema
de informações organizado mediante a quadriculação do território, a
utilização de centros clandestinos de detenção e interrogatório, o
emprego das torturas físicas e psicológicas como forma de obter dados,
a “reconversão” dos presos políticos e a eliminação dos militantes
através de esquadrões da morte ou do desaparecimento. 372

Não à toa que o delegado Fleury e o general Aussaresses estabeleceram


laços de amizade, reflexo dessa relação, onde o primeiro aplicava o que o
segundo trouxe para o Brasil na teoria373. Assim, para garantir a efetividade das
práticas do aparelho repressivo estatal, organismos foram criados para auxiliá-los,
e um deles foram os esquadrões da morte, responsáveis por “dinamizar” o
fornecimento de informações para o serviço de inteligência e para a repressão
aos grupos anticomunistas. Essa “dinamização” era feita tanto através da tortura e
sequestro quanto pela execução de indesejáveis ao sistema.
Os grupos de extermínio para além do trato ao transgressor comum
também atuavam nos órgãos do sistema repressivo. Em suma, “acumulavam”
funções, pois atuavam nos esquadrões e nos órgãos da repressão como, por
exemplo, o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
Se as funções, superficialmente aparentavam diferenciação, na prática elas
complementavam-se, pois os policiais executavam todo indivíduo indesejado aos
setores de classe média e burguesia brasileira, aflitas pela preservação do
modelo de desenvolvimento do capital, tanto nacional quanto internacional – o
atendimento dessas demandas era imposto através da força repressiva e violenta
do Estado.
Nesse sentido, a força repressiva do Estado atendia às necessidades de
determinados segmentos sociais em prol da manutenção da organização
econômica, social e política. Como pontuou Engels, tal força não se põe de fora
para dentro, ela é

372
BAUER, Caroline Silveira. “Aproximações entre o combate à Guerrilha do Araguaia e o
Operativo Independente na Argentina: preceitos da Guerre Révolutionannaire no Cone
Sul”. In: Revista Escritas, vol 3, 2011, p. 84-102. Disponível em:
http://www.uft.edu.br/revistaescritas/sistema/uploads/aproximac3a7c3b5es-entre-o-
combate-c3a0-guerrilha-do-araguaia-e-o-operativo-independencia-na-argentina-
preceitos-da-guerre-rc3a9volutionnaire-no-cone-sul.pdf. Acesso em 29 mai.2015.
373
CARDOSO e BERNARDES, 2012, op. cit.
144
(...) um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado
grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se
enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida
por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para
que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos
colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta
estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima
da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos
limites da “ordem”. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima
dela se distanciando cada vez mais, é o Estado374.

As práticas dos esquadrões da morte – como grupos de extermínio ou à


frente do aparato repressivo, tendo em vista que uma tarefa não exclui a outra,
mas sim, integram-se – expressavam uma dada forma de funcionamento do
Estado brasileiro que, em seu momento bonapartista, atuava em prol de
interesses de determinados segmentos sociais em contraposição a outros. Essa
lógica, de acordo com Engels, diz respeito à forma como a sociedade se põe,
gestada a partir dos antagonismos de classe, expresso na apropriação privada da
produção coletiva que remete ao atendimento das demandas de segmentos
específicos ante os interesses de todos. O Estado nasce para conter esses
antagonismos.

Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das


classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas,
é, por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da classe
economicamente dominante, classe que, por intermédio dele, se
converte também em classe politicamente dominante e adquire novos
meios para a repressão e exploração da classe oprimida. (...) o
moderno Estado representativo é o instrumento de que se serve o
capital para explorar o trabalho assalariado375.

A contenção desses antagonismos, de modo a preservar a permanência da


organização da sociedade como ela se punha, é materializada por meio das
forças repressivas do Estado, tendo em vista que ela é “essencialmente uma
máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada” 376, fato demonstrado
na participação efetiva desses grupos de extermínio na repressão à classe
trabalhadora e às lutas por demandas sociais. A progressiva criação dos

374
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado.
Tradução de Ruth M. Klaus. São Paulo: Editora Centauro, 2002, p. 203.
375
ENGELS, 2002, op. cit., p. 205.
376
Idem, p. 210.
145
organismos de repressão política, ao longo da primeira metade do século XX, e
sua perpetuação já no período ditatorial ratificam essa dinâmica do Estado
brasileiro e sua lógica de funcionamento.
A radicalização das ações do Estado contra as lutas por demandas sociais,
como pudemos notar, se deu progressivamente, ao longo do século XX, com a
criação de inúmeros órgãos ligados ao Sistema de Segurança Nacional. Os
esquadrões, no período ditatorial, era uma das expressões desse movimento.
Integrado ao aparelho repressivo, era um potente instrumento do Estado ante as
lutas da classe trabalhadora. Passemos agora a entender o funcionamento do
nosso Estado que os levou a se apoiar em grupos de extermínio para perpetuar a
sua existência.

3.2. O estado sob o poder da burguesia: os esquadrões da morte e o


“trabalho sujo”

A radicalização da violência do Estado por meio dos agentes ligados à


repressão política que também atuavam nos esquadrões estava diretamente
associada à contenção dos antagonismos de classe. Como pudemos notar no
tópico anterior, desde a década de 1920, havia um crescente movimento de
vigilância à sociedade feita pelo poder estatal através da criação de órgãos
especializados em conter a classe trabalhadora e sua luta por melhores
condições de vida.
No Brasil, esse processo se punha na representação dos anseios
burgueses pelo Estado, tais como sua sobrevivência, a do capitalismo e a
manutenção da ordem vigente, ficando o último sob poder indireto do primeiro. De
acordo com Florestan, era

um poder que se impõe sem rebuços de cima para baixo, recorrendo a


quaisquer meios para prevalecer, erigindo-se a si mesmo em fonte de
sua própria legitimidade e convertendo, por fim, o Estado nacional e
democrático em instrumento puro e simples de uma ditadura de classe
preventiva377.

377
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação
sociológica. São Paulo: Globo, 2005, p. 346.
146
A contenção a tais antagonismos de classe se punha na forma autocrática
burguesa bonapartista. Nela, o Estado era indiretamente apropriado pela
burguesia hegemônica, tornando-se representante das demandas dessa classe
ao mesmo tempo em que se dissimulava na falsa ilusão de unificador das
necessidades coletivas. De acordo com Emir Sader, na pratica efetiva, era o
Estado “quem melhor concilia o favorecimento econômico direto das classes
possuidoras, com a manutenção da ordem, requisito indispensável do
funcionamento das relações burguesas”378.
Assim, o Estado dissimulava representar a multiplicidade de uma
sociedade dividida em classes, mas que, na prática efetiva, apontou Florestan
Fernandes, ele refletia, “historicamente, tanto no plano econômico quanto no
plano militar e político, os interesses sociais e as orientações econômicas ou
políticas das classes que o constituem e o controlam. O Estado nacional brasileiro
sucumbiu aos interesses de classe que ele representa”379.
Assim, em contraposição à aludida dissimulação e, embora o Estado não
seja apropriado diretamente pelos segmentos de classe burguesa, ele a
representa, em detrimento das necessidades dos grupos não hegemônicos.

O Estado bonapartista é um Estado de classe, para Marx, bem como


todos os tipos possíveis de Estado. Porém, Estado de classe quer dizer
Estado de uma sociedade dividida em classes (...). Porque não se
identificam sumariamente “interesses das classes dominantes” e
comportamento do Estado; este representa o produto de uma relação
com a totalidade das relações sociais, isto é, o Estado representa a
relação dos interesses das classes dominantes com os das outras
classes sociais. Dessa relação se extrai sua forma de existência. Ele
existe por causa da divisão da sociedade, e as formas de existência
pelas quais passa ganham daí também sua justificação, relacionando-
se com o grau de desenvolvimento das contradições de classes na
sociedade380.

Dessa forma, concluiu Sader, mesmo que as classes dominantes não


tivessem a posse direta do Estado, este último estabelecia diretriz e usava de
mecanismos para que os primeiros fossem favorecidos, como a repressão aos
378
SADER, Emir. Estado e política em Marx: para uma crítica da filosofia política. São
Paulo: Cortez, 1993, p. 105-106.
379
FERNANDES, 2005, op. cit., p. 306.
380
SADER, 1993, op. cit., p. 110-1.
147
movimentos dos trabalhadores e esquadrões da morte, funcionando, assim, como
instrumento de perpetuação da sua existência e de suas demandas 381. Tratava-se
do uso de formas de violência considerado como mecanismo político de
manutenção da ordem econômica, pautada no capitalismo dependente, altamente
exploratório, característica do Estado autocrático burguês bonapartista. Em suma,
as necessidades econômicas específicas dos segmentos de classe burguesa
migraram para o campo da política, transfigurando-se em necessidade coletiva.

O Estado adquire estruturas e funções capitalistas, avançando, através


delas, pelo terreno do despotismo político, não para servir aos
interesses “gerais” ou “reais” da nação, decorrentes da intensificação da
revolução nacional. Porém, para satisfazer o consenso burguês, do qual
se tornou instrumental, e para dar viabilidade histórica ao
desenvolvimento extremista, a verdadeira moléstia infantil do
capitalismo monopolista na periferia382.

Nesse mesmo sentido, mas discordando do uso do termo bonapartismo 383,


Florestan Fernandes apontou que o processo de perpetuação do Estado
autocrático burguês estava ligado a duas características básicas: a presença
militar no Estado e a articulação dos estratos burgueses também com o Estado.
Eram estas, ao menos, as duas maneiras utilizadas pelos segmentos
hegemônicos da burguesia para perpetuar sua dominação indireta no Estado,
fazendo das suas demandas e necessidades próprias a dissimulação da vontade

381
Idem.
382
FERNANDES, 2005, op. cit., p. 402.
383
Para Florestan Fernandes, a autocracia no Brasil estava diretamente ligada à
burguesia brasileira e ao processo contrarrevolucionário desenvolvido por ela de modo a
consolidar o capitalismo e sua forma dependente. Nesse sentido, pontua o sociólogo que
não existia uma democracia burguesa fraca, mas uma autocracia burguesa dissimulada.
A preservação da sua própria existência e a do capitalismo estavam associadas à
militarização e à tecnocratização do movimento contrarrevolucionário burguês e estes,
eram movimentos intrínsecos a autocracia burguesa. Assim, o que seria o viés
bonapartista desse movimento é associado pelo autor a uma reação autodefensiva da
burguesia ante a tentativa de afirmação das massas, tomando como exemplo as
explicitações feitas pelos analistas do “populismo”. Nas palavras de Florestan, “a
militarização e a tecnocratização tanto do movimento contrarrevolucionário da burguesia
(em suas diversas faces: conspirativa, de assalto e consolidação do poder etc.) quanto ao
Estado nacional “regenerado”, autocrático-burguês, são intrínsecos à reação
autodefensiva da burguesia e instrumentais para os fins históricos imanentes, de
autoafirmação e autoprivilegiamento das classes burguesas”. FERNANDES, 2005, op.
cit., p. 394-6..
148
geral, bem como recorrendo ao uso da força repressiva do Estado para conter
contestações.

Primeiro, a impregnação militar e tecnocrática dos serviços, estruturas e


funções do Estado. Essa impregnação não só elevou o volume da
burguesia burocrática como ampliou sua participação direta na
condução dos “negócios do Estado”. (...) Segundo, a modernização e a
racionalização dos processos de articulação política dos estratos
dominantes das classes burguesas entre si e com o Estado. Os
interesses burgueses superaram, assim, sua debilidade congênita na
esfera política. Deixaram de “ter de pressionar” o Estado por vias
indiretas e precárias (através do Parlamento, dos meios de
comunicação de massa, da manipulação de greves e de agitações
populares etc.), conduzindo os ajustamentos necessários a formas de
exteriorização menos visíveis, mas que se adaptam melhor a requisitos
técnicos e políticos de rapidez, sigilo, eficácia, segurança, economia
etc384.

O atendimento das demandas dos segmentos de classe burgueses, por


sua vez, estava diretamente ligado à forma com que se deu o desenvolvimento do
capitalismo no Brasil, pautado na “via colonial” e na dependência e subordinação
desses segmentos sociais. Esses processos, típicos da burguesia brasileira, de
acordo com Chasin, são resultado da sua incompletude de classe, uma vez que
ela é

desprovida de energia econômica e por isso mesmo incapaz de


promover a malha societária que aglutine organicamente seus
habitantes, pela mediação articulada das classes e segmentos, o
quadro brasileiro da dominação proprietária é completado cruel e
coerentemente pelo exercício autocrático do poder político. Pelo caráter,
dinâmica e perspectiva do capital atrófico e de sua (des)ordem social e
política, a reiteração da excludência entre evolução nacional e
progresso social é, sua única lógica, bem como, em verdade, há muito
de eufemismo no que concerne à assim chamada evolução nacional 385.

Nessa dinâmica, os segmentos de classes dominantes da burguesia


caracterizam-se pela vigência de uma forma específica do desenvolvimento do
capitalismo: a atrofia, segundo a qual o capitalismo se manifesta pelo
desenvolvimento incompleto ou inconcluso, pautado na anteposição permanente

384
FERNANDES, 2005, op. cit., p. 401.
385
CHASIN apud RAGO FILHO, Antônio. A ideologia 1964: os gestores do capital
Atrófico. São Paulo: PUC-SP, 1998 (Tese de Doutorado em História), p. 17.
149
e excludente entre a evolução nacional e o progresso social386. Nessa dinâmica,
ao mesmo tempo em que o Estado se consolida pelo novo bloco de poder
apoiado no golpe de 64 e na ideia de que este consolidaria a democracia, ele
produz a continuidade do condicionamento do desenvolvimento nacional ao
capital internacional, que resulta no atrofiamento do capital nacional e, ainda, leva
a incompletude das ações da burguesia no que tange à promoção da revolução
que a fizesse romper com as forças conservadoras oligárquicas dominantes.
Assim, quanto menor são as condições de acumulação primitiva do capital,
maior é a violência do Estado autocrático burguês bonapartista sobre os
segmentos de classe mais pobres, como pontuou Sader:

nos países subdesenvolvidos e coloniais, por outro lado, onde a


incapacidade de criação das condições de acumulação primitiva é um
problema estrutural, as diferentes formas de intervenção da política,
quer através do Estado – elemento indispensável nos mecanismos de
reprodução desses países – quer através da política imperialista em
geral, têm papel central 387.

O recrudescimento paulatino da violência está diretamente condicionada ao


caráter da burguesia, de orientação ultraconservadora e reacionária, que buscava
manter a todo custo a manutenção do status quo, da propriedade privada e do
capitalismo e que os fazia por meio do Estado, responsável pela garantia da
preservação dessas demandas. De acordo com Florestan Fernandes,

(...) as tendências autocráticas e reacionárias da burguesia faziam parte


de seu próprio estilo de atuação histórica. O modo pelo qual se
constituía a dominação burguesa e a parte que nela tomaram as
concepções da “velha” e da “nova” oligarquia converteram a burguesia
em uma força social naturalmente ultraconservadora e reacionária 388.

Esse fato se ratifica com o progressivo desenvolvimento do aparato


repressivo estatal, desde meados de 1920 até o final da ditadura militar, e tem,
nos esquadrões da morte, a forma mais radical desse processo. Não à toa, pois,
tomando por base as conclusões de Florestan, que, nos últimos anos desse
386
RAGO Filho, Antonio. “O ardil do politicismo: do bonapartismo à institucionalização da
autocracia burguesa”. In Revista Projeto História (29), tomo 1. São Paulo: Educ,
dezembro de 2004, p.152.
387
SADER, 1993, op. cit., p. 22.
388
FERNANDES, 2005, op. cit., p. 250.
150
processo, a burguesia se via diante de três grandes engodos: o primeiro era a
pressão vinda de fora para dentro, nascida nas estruturas e dinamismos do
capitalismo monopolista mundial, que se

fortificando num crescendo avassalador, essa pressão ameaçou vários


interesses econômicos internos e pôs em causa a própria base material
de poder de certos setores da burguesia brasileira. Essa pressão
continha um elemento político explícito: condições precisas de
“desenvolvimento com segurança”, que conferissem garantias
econômicas, sociais e políticas ao capital estrangeiro, às suas
empresas e ao seu crescimento389.

O segundo foi a pressão feita pelo proletariado e pelas massas populares,


que punham a burguesia na iminência de aceitar um novo pacto social, mesmo
que “tal ameaça não era propriamente incompatível com a continuidade do
sistema, pois era contida nos limites da revolução dentro da ordem, que a
dominação burguesa devia ao Brasil Republicano”390; e o terceiro, foi a
intervenção direta do Estado na esfera econômica, que “nasceu e cresceu da
própria continuidade do sistema, nas condições de um capitalismo dependente e
subordinado” 391.
Para reagir a essas três pressões, os setores dominantes das classes alta
e média aglutinaram-se em torno de uma contrarrevolução, culminando num
golpe militar, que garantia a “continuidade de seu status quo ante e condições
materiais ou políticas para encetar a penosa fase de modernização tecnológica,
de aceleração do crescimento econômico e de aprofundamento da acumulação
capitalista”392. Nesse sentido, a burguesia conseguiu as condições mais
vantajosas possíveis:

1) para estabelecer uma associação mais íntima com o capitalismo


financeiro internacional; 2) para reprimir, pela violência ou pela
intimidação, qualquer ameaça operária ou popular de subversão da
ordem (mesmo como uma “revolução democrático-burguesa); 3) para
transformar o Estado em um instrumento exclusivo do poder burguês,
tanto no plano econômico quanto nos planos social e político 393.

389
FERNANDES, 2005, op. cit., p. 254.
390
Idem.
391
Ibidem.
392
Ibidem, p. 255.
393
Ibidem.
151
Nessa dinâmica, os segmentos sociais destituídos do acesso aos bens
produzidos coletivamente e à luta por suas demandas foram tomados pela
burguesia como o inimigo principal a ser combatido; assim, a perpetuação dos
anseios burgueses se objetivou pela repressão e nesta,

a reorganização do Estado, a concentração e a militarização do poder


político estatal, bem como a reorientação da política econômica sob a
égide do Estado, foram a mola mestra de todo o processo de
“recuperação” e de volta à “normalidade” 394.

Essa normalidade, entretanto, se punha na mudança do funcionamento do


poder político estatal que se pautou na sua “capacidade de relacionamento com o
capital financeiro internacional e com a intervenção do Estado na vida econômica,
ganhando maior controle da situação interna e maior flexibilidade na fixação de
395
uma política econômica destinada a acelerar o desenvolvimento capitalista” .
Para lutar por demandas sociais e ter acesso aos bens construídos coletivamente,
a repressão estatal recorria sempre a “novos velhos” meios, dentre eles, o uso da
tortura.

3.3 – A criação dos centros de tortura: formas de perpetuação do estado


autocrático bonapartista.

A tortura, no Brasil, remonta a períodos distantes da nossa história e


mesmo ilegal, se nos pautarmos em nossas constituições, foi utilizada
amplamente, inclusive justificada nos discursos de representantes do Estado,
bem como foi aceita, ou ao menos tolerada, pelos segmentos sociais que
compõem nossa sociedade. Essa prática é definida pelo artigo 1° da Convenção
da ONU de 1984 como:

394
FERNANDES, 2005, op. cit., p. 255-6.
395
Idem, p. 255.

152
qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais
são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de
terceira pessoa, informações ou confissões; de castiga-la por ato que
ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter
cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por
qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza;
quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário
público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua
instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência396.

Desde o período colonial e imperial397, passando pela República e seus


períodos ditatoriais, a tortura foi amplamente utilizada e justificada de acordo com
as necessidades do Estado autocrático burguês bonapartista, bem como
largamente noticiada pela imprensa398.
Ao longo do período colonial e imperial, a tortura era praticada contra
escravos, índios e pessoas tidas como “perigosas”. Quanto aos dois primeiros,
essa prática era comum, tendo em vista que eles não eram tidos como seres
humanos, mas sim como “coisas”, objetos que pertenciam a alguém – por isso,
contra eles tudo era permitido. Quanto aos “perigosos”, sua prática delitiva era
entendida também como crime de “lesa majestade”, onde, para além da vítima
imediata, tais ações atacavam o rei, seu poder, sua lei e vontade. Já no século
XX, com o advento da República, a tortura é perpetrada contra os indivíduos tidos
pelo Estado como criminosos e marginais. Apenas com a Constituição de 1988 é
que tal prática passa a ser considerada crime.
O período Republicano não apenas foi marcado pelo uso da tortura no trato
com a população mais pobre e vulgarmente atrelada à marginalidade, como
também viveu a “especialização” dos seus métodos. Assim, de acordo com
Alvarez, Salla e Souza, o uso dos choques elétricos e pau-de-arara, comumente

396
Cf. DALLARI, Dalmo de Abreu. In: VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. São
Paulo: Martins Fontes, 1992, pp. 21-2.
397
Cf. COIMBRA, Cecília Maria Bouças. Tortura no Brasil como herança cultural dos
períodos autoritários. R. CEJ, Brasilia, n.14, p. 5-13, mai./ago. 2001. Disponível em:
file:///C:/Users/Vanessa/Downloads/406-746-1-PB.pdf. Acesso em 01 out.2015.
398
Cf. ALVAREZ, Marcos; SALLA, Fernando; SOUZA, Luiz Antônio. Construção das
Políticas de Segurança Pública e o sentido da punição, São Paulo (1822-2000). São
Paulo: Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, 2004, p. 39-54.
153
atrelado ao período de vigência da nossa última ditadura, foram introduzidos em
momentos anteriores, assim como tantas outras rotinas violentas e repressivas 399.

O caso Maria Zélia400, bem como outras arbitrariedades (prisões ilegais


de pessoas, apreensão de livros, repressão da polícia à greve de
operárias) foram denunciadas na Assembleia pelos Deputados que se
opunham à política do Partido Constitucionalista e ao mesmo tempo à
candidatura de Armando de Salles Oliveira à Presidência da República.
A atuação da Polícia nesse período segue o estilo dos períodos
autoritários, sem que tivesse ocorrido sequer a instalação ainda do
Estado Novo401.

Tanto no Brasil quanto nos demais países da América Latina, repressão


política e sessões de tortura para levantamento de informações eram prática
comum – fato que se põe pelo caráter ultraconservador e contrarrevolucionário da
nossa burguesia na luta por sua existência e da do capitalismo, que se perpetuam
no viés autocrático burguês bonapartista do nosso Estado, como vimos nos
tópicos anteriores. Nesse sentido, é importante frisar as “colaborações” advindas
de escolas estrangeiras no desenvolvimento de formas de manutenção da ordem
vigente, caso da Doutrina de Guerra Revolucionária, aplicada amplamente nessa
399
Os autores Alvarez, Salla e Souza, integrantes do Núcleo de Estudos da Violência
(NEVE) da Universidade de São Paulo, fizeram grande levantamento e análise
documental, comprovando o uso das práticas de tortura em períodos anteriores ao
ditatorial. Todavia, eles atribuem essa violência ao desenvolvimento de uma “cultura”
policial tendo em vista que “quando estourou o golpe de 1964, já estava, portanto,
bastante enraizada na Polícia uma “cultura” diferenciada sobre como lidar com homens
que viviam à margem da lei: a cultura do pau”. Tal perspectiva, mesmo que nos coloque
em contato com um grande rol documental para refletir sobre tais questões, também nos
limita ao entendimento de que a violência no Brasil está atrelada à insubordinação de
agentes do Estado e assim, trataram-se de acontecimentos pontuais. Nessa linha de
raciocínio, a historiografia tratou de classificar os esquadrões da morte como grupos de
extermínio formados a partir da vontade policial em limpar a sociedade – entendimento
limitado no que tange a abarcar a complexidade do tema, bem como limitado no que
tange à estreita relação que existia entre esses grupos e o Estado brasileiro,
demonstrando assim que não se tratava de uma exceção, mas de um braço armado da
repressão policial e política do Estado. Para ter acesso a outros textos e materiais do
NEVE, acesse: http://www.nevusp.org. Acesso em 02 out. 2015.
400
Situada no Belenzinho, zona leste da cidade de São Paulo, Maria Zélia era uma vila
operária fundada em 1917 pelo empresário Jorge Street para abrigar os trabalhadores da
Companhia Nacional de Tecidos de Juta. Entre 1923 e 1929, a empresa foi vendida, e a
vila passou por mudanças, dentre elas, o antigo Instituto de Aposentadoria de Pensão
dos Industriários (IAPI) passou a administrar a vila, tendo a mesma servido como presídio
político no Estado Novo, entre 1936 e 1937. Nela eram encarcerados trabalhadores
operários. Para maiores informações, ver https://docmariazelia.wordpress.com/historia-
da-vila/. Acesso em 11 jan. 2016.
401
Cf. ALVAREZ, SALLA e SOUZA, 2004, op. cit., p. 48.
154
parte do continente americano que, dentre as inúmeras estratégias operacionais,
contavam com a

(...) quadriculação do território e a utilização de centros clandestinos de


detenção e interrogatório – e métodos que seriam exportados a outros
países, tais como a importância das informações, a utilização da tortura
como forma de interrogatório, e os desaparecimentos402.

A vinda do general francês Paul Aussaresses, idealizador da Doutrina, ao


Brasil a pedido do governo brasileiro também foi importante para a ampliação e
especialização dos métodos e uso da tortura no período ditatorial, pois ele
“ensinava a tortura às vezes como teoria, às vezes com simulações de episódios
e também em exercícios com cobaias humanas, envolvendo estagiários em
papeis de torturador e de torturado”403. Sobre tais ensinamentos, desenvolvidos
no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus, 404 Aussaresses
disse em uma entrevista:

claro, eu ensinava as técnicas da batalha de Argel, quer dizer, o


mapeamento dos bairros e quarteirões, a coleta de informações e sua
devida exploração e as prisões (...). Ensinava a prender com calma e
com brutalidade. Há uma parte psicológica importante na escolha do
momento de prender alguém; o estresse pode conduzir a pessoa a falar
tudo, naturalmente. (...) Era um centro único em toda a América Latina.
Havia poucas e a seleção era rigorosa. Manaus aceitava somente

402
BAUER, Caroline Silveira. “Aproximações entre o combate à Guerrilha do Araguaia e o
Operativo Independente na Argentina: preceitos da Guerre Révolutionannaire no Cone
Sul”. In: Revista Escritas, vol 3, 2011, p. 84-102. Disponível em:
http://www.uft.edu.br/revistaescritas/sistema/uploads/aproximac3a7c3b5es-entre-o-
combate-c3a0-guerrilha-do-araguaia-e-o-operativo-independencia-na-argentina-
preceitos-da-guerre-rc3a9volutionnaire-no-cone-sul.pdf. Acesso em 29 mai. 2015.
403
ARANTES, Maria Auxiliadora de Almeida Cunha. Tortura: testemunhos de um crime
demasiadamente humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013, p. 340.
404
O Centro de Instrução de Guerra na Selva, CIGS foi criado em 02 de março de 1964,
pelo decreto 53649 com a finalidade de ministrar cursos de operações na selva. Nessa
época, ele estava subordinado ao Grupamento de Elementos de Fronteira, tendo
passado, em 1970, a ser subordinado à Diretoria de Especialização e Extensão (DEE) e
a ministrar cursos de ações de comandos. Entre 1966 e 1969, eles forneciam treinamento
em três modalidades: para oficiais superiores, capitães e tenentes e subtenentes e
sargentos. Disponível em: http://www.cigs.ensino.eb.br/index.php/principal/historico.
Acesso em 11 jan.2016.
155
oficiais, (...) oficiais jovens. Formei brasileiros e também chilenos,
venezuelanos e argentinos405.

Se a prática da tortura já era conhecida no Brasil desde períodos


anteriores, fica evidente que ela se especializou, potencialmente, ao longo do
período ditatorial.
As “doutrinas importadas”, tanto a americana quanto a francesa, foram
base de sustentação teórica para o desenvolvimento das práticas internas. Aqui,
elas foram usadas para dar embasamento para a criação de organismos ligados à
repressão, oficial ou oficiosamente, que justificavam a prática da violência, caso
da tortura e dos esquadrões da morte.
Tais ideários respaldaram a violência institucional entranhada no Estado
desde períodos anteriores e se tornaram potentes no Brasil desde o
engendramento do golpe de 1964, iniciado anos antes por segmentos da
sociedade civil, ligada ao capital nacional e internacional.
É importante frisar que os elementos que levaram ao golpe de 1964 são
múltiplos, como a historiografia já tratou de analisar406. Apesar de não ser nosso
objetivo fazer a análise de todas as perspectivas de entendimento dessa
questão407, é necessário entender sobre as movimentações que estão direta ou
indiretamente ligadas ao nosso objeto de pesquisa e, nesse sentido, destacamos
o papel do Instituto de Pesquisas e estudos sociais (IPES) e do Instituto brasileiro
de ação democrática (IBAD).

405
AUSSARESSES, Paul. Je n’ai pas tout dit: ultimes révélations au servisse de la
France. Entretiens avec Jean-Charles Deniau en colaboration avec Madeleine Sultan.
Paris: Rocher, 2008, p. 160 In: ARANTES, 2013, op. cit., p. 339-40.
406
Sobre tais divergências, ver FICO, 2004, op. cit.
407
De acordo com Dreifuss, para conseguir uma troca de regime, construiu-se uma rede
de apoio dentro das forças armadas e, nesse sentido, os mais destacados associados ao
IPES/IBAD foram oficiais influentes da época, que coordenaram e integraram vários
grupos militares, conspirando contra o governo, proporcionando raciocínio estratégico
para que o golpe fosse posto em prática.Houve um processo político progressivo de
preparação para o golpe que minou, durante anos, o poder Executivo, a esquerda e o
trabalhismo, bem como afirmou os interesses do capital financeiro-industrial multinacional
e associado, pontuando assim, a efetiva e importante participação do empresariado
nesse processo em contraposição às análises que privilegiam a autonomia das Forças
Armadas e tecnoburocracia. Desse modo, o golpe não foi dado pelas forças militares,
mas por uma organização civil-militar. DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do
Estado: ação política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1981, p. 259-486.
156
O complexo comumente conhecido como IPES-IBAD era composto pela
“elite orgânica” brasileira e atuou de maneira variada e em várias frentes,
mobilizando-os e espraiando-se virtualmente pelo país, com recursos e
financiamentos abundantes através de uma ampla campanha de desestabilização
do governo que envolvia doutrinação anticomunista, antissocialista, contra o
atraso da oligarquia rural, contra a corrupção do populismo. Essa campanha foi
feita durante anos por meio de palestras, debates, simpósios, entrevistas à
imprensa, filmes, peças, desenhos animados, livros e rádio.
Nesse sentido, não foi o aparelho militar-burocrático que tomou o poder em
prol das classes dominantes e de modo a fazer prevalecer seus interesses, mas,
na verdade, teria o Estado sido diretamente reorganizado por eles, em processo
capitaneado pelo IPES. Não à toa, ao longo do período de gestão do Presidente
Castelo Branco, vários cargos foram dados para empresários dos grandes
empreendimentos industriais e financeiros e de interesses multinacionais,
realizando os interesses do bloco multinacional e associado408.
Ainda sobre o golpe de 1964, o historiador Daniel Aarão Filho entende que
o objetivo era “reforçar a hegemonia do capital internacional no bloco do
poder”409, o que só foi possível graças ao caráter amplo e heterogêneo, ligada a
banqueiros, empresários, industriais, latifundiários, comerciantes, políticos,
magistrados e à classe média, formando uma frente social e política a fim de
depor Goulart, condicionando uma unidade no interior das Forças Armadas, cujo
ponto em comum entre esses segmentos era a “aversão ao protagonismo
crescente das classes trabalhadoras na história republicana depois de 1945”410.
Mesmo que com proposições diferentes sobre a tomada do golpe, tanto
Dreifuss quanto Daniel Aarão Reis Filho nos chama a atenção para o medo dos
segmentos sociais de classe média e alta para os movimentos sociais que vinham
crescendo. Nesse sentido, os esquadrões, integrantes do aparato repressivo,

408
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe
de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1981, p. 259.
409
REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro: os comunistas no Brasil.
São Paulo; Brasília: Brasiliense. CNPQ, 1990, p. 22.
410
REIS FILHO, Daniel Aarão. “O colapso do colapso do populismo ou a propósito de
uma herança maldita”. IN: FERREIRA, Jorge (org.). O populismo e sua história: debate
e crítica. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2001, p. 344.
157
radicalizaram a atuação do Estado através do uso da violência sobre tais classes
sociais.
Na medida em que a vigilância e a repressão do Estado se expandiram ao
longo do século XX, também cresceu a mobilização dos trabalhadores na busca
por melhores condições de vida. O momento auge desse processo, aponta Caio
Navarro de Toledo, ocorreu no triênio 1961/1963, que contou com mais 430
paralisações dos trabalhadores. Nesse período, houve o aumento das
organizações sindicais e, principalmente, a atuação do Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT), que, ainda, de acordo com o autor,

embora proibido pela rígida legislação sindical vigente, o Comando


Geral dos Trabalhadores/CGT teve uma destacada atuação na cena
politica brasileira. Juntamente com outras centrais sindicais de menor
vulto, o CGT foi responsável pelas primeiras greves explicitamente de
caráter político na história brasileira411.

Todavia, mesmo com grande representação junto aos trabalhadores, o


Comando Geral dos Trabalhadores não foi capaz de “oferecer qualquer
resistência ao golpe de abril”412, como destaca Toledo.
Se, na prática, não houve movimentos na sociedade que oferecessem
resistência efetiva ao golpe, em contraposição, a construção da ameaça
comunista pautada na figura de João Goulart era feita, interna e externamente.
Disseminada pelos EUA ao longo do período da Guerra Fria junto aos países em
desenvolvimento, a suposta ameaça do comunismo internacional colaborou para
a consolidação da Doutrina de Segurança Nacional, pautada em duas vertentes: a
francesa e a norte-americana. Quanto a esta última, de acordo com o Projeto
Documentos Revelados, na sua aplicação concreta no Brasil,

Os editoriais do Estadão usavam a expressão de governo “petebo-


castro-comunista” para catalogar o governo do Jango. Os outros órgãos
da mídia seguiam a mesma linha, consideravam que a democracia
estava em risco e pregavam uma ação militar para resgatar a liberdade.
As marchas que todos apoiavam se auto intitulavam “Marchas da
família com Deus pela propriedade” e organizavam rezas domésticas

411
TOLEDO, Caio Navarro. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. In: REIS,
Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs.). O golpe e a
ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: Edusc, 2004, p. 71.
412
TOLEDO, 2004, op. cit., p. 70-76.
158
com o lema “Família que reza unida, permanece unida”. Estariam em
perigo os valores mais tradicionais do país: a família (as crianças
poderiam ser mandadas para a Rússia e Cuba), a religião (que seria
perseguida e proibidas as escolas religiosas) e a propriedade (que seria
abolida e expropriada pelo Estado)413.

Nessa dinâmica, a Lei de Segurança Nacional, ainda presente na


Constituição, mas fora de uso desde a saída de Vargas do poder, retorna à cena
brasileira em 1967, justificando a premissa da vigilância aos direitos
constitucionais e à defesa do Estado414. Assim, a introjeção dos preceitos da
defesa e segurança interna adentraram as Escolas Militares na América Latina e,
no Brasil cumpre este papel a Escola Superior de Guerra (ESG), como aponta
Fernandes:

a ESG teve dois nascimentos. O primeiro ocorreu em 1948, sendo a


continuidade do projeto lançado em 1942, que consistia em um curso de
Alto Comando a ser frequentado por generais e coronéis e,
posteriormente, por altos oficiais das três armas; o segundo foi em
1949, quando o projeto de 1942 foi rapidamente atropelado pelo
contexto da Guerra Fria, momento em que os Estados Unidos enviaram
uma missão de assessoria. Assim, pela Lei n° 785, de 20 de agosto de
1949, surgia a ESG, tendo por finalidade “desenvolver e consolidar os
conhecimentos necessários para o exercício das funções de direção e
para planejamento da Segurança Nacional”. A instituição nascia
subordinada ao Estado-Maior das Forças Armadas e seu primeiro
comandante foi o General Oswaldo Cordeiro de Farias415.

A tão disseminada ameaça comunista, a partir de teorias e investiduras


externas, tal como a norte-americana, desenvolveu internamente a busca pela
segurança interna a todo custo. Assim, o país travava uma guerra contra os
comunistas, que demandava, na perspectiva dos autocratas, o aperfeiçoamento
dos métodos da tortura, justificados pela necessidade de conseguir informações,
como apontou o presidente Costa e Silva.

413
Para maiores informações, ver
http://www.documentosrevelados.com.br/midias/doutrina-de-seguranca-nacional/. Acesso
em 17 dez. 2015.
414
OLIVEIRA, Nilo Dias. A configuração do sistema nacional de repressão no
governo JK (1956 a 1961). São Paulo: PUC-SP, 2013, Tese de doutorado, p. 24.
415
OLIVEIRA, p. 25 apud FERNANDES, Ananda Simões. “A reformulação da Doutrina de
Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil: a geopolítica de Golbery
do Couto e Silva”. In: Revista Antíteses. V.2. n. 4. Londrina/PR: Universidade Estadual
de Londrina – UEL, jul-dez. 2009, p. 841.
159
Nessa linha, houve a criação de centros de tortura e morte, como a
416
OBAN , que não era oficial, inicialmente, mas houve uma posterior modificação
e ramificação para todo o Brasil, tornando-se órgão oficial do aparato repressivo
no formato de Destacamentos de Operações de Informações (DOI) que cumpriam
o que fosse determinado pelos Centros de Operações de Defesa Interna (CODI),
como já tratamos anteriormente. Os DOI-CODI’s, como eram conhecidos
costumeiramente, possuíam um colegiado formado por representantes das três
forças – Exército, Marinha e Aeronáutica – que, por sua vez, estavam interligados
aos quartéis, às auditorias militares, às delegacias de polícia e ao Departamento
de Ordem Política e Social (DOPS). Juntos, eles possibilitaram a criação e
manutenção de “uma rede de casas de tortura, de locais preparados para torturar
que funcionavam em sítios, casarões desocupados, casas de pequeno porte em
bairros afastados, conjuntos comerciais, apartamentos em prédios residenciais e
até mesmo dentro de uma boate”417, fato que dinamizou o uso dessa prática no
Brasil.
Esses espaços de tortura dinamizavam a ação dos grupos de extermínio a
serviço da repressão, pois recebiam a informação em primeira mão e a
sonegação a outros órgãos, o que dava, no caso do esquadrão da morte chefiado
pelo Fleury, maior tempo para atuar, desmontando grupos vigiados, sem
intervenção dos demais segmentos que compunham o aparato repressivo,
inclusive o próprio CODI-DOI – sem contar que essa prática também inflava o ego
do delegado, que recebia o mérito sozinho pela captura dos militantes.
Esses centros de tortura, oficiais e oficiosos, estavam espalhados por todo
o Brasil e também contavam com locais secundários como a

a antiga Escola de Veterinária do Exército, em Curitiba, o Quartel do


Barbalho, em Salvador; o Pelotão de Investigações Criminais do
Exército, principal centro de tortura de Brasília; o 10° Batalhão de
Caçadores em Goiânia; o Quartel da Polícia do Exército na Vila Militar

416
A OBAN funcionou em princípio no Quartel do Batalhão de Reconhecimento
Mecanizado (REC-MEC) na esquina das ruas Tutoia e Abílio Soares, na região do
Ibirapuera em São Paulo, tornando-se, posteriormente, o DOI-CODI e seguiu para outros
estados, a partir de 1970, no Rio de Janeiro, Recife e Brasília; em 1971, em Curitiba,
Belo Horizonte, Salvador, Belém e Fortaleza; e, em 1974, em Porto Alegre. Cf:
ARANTES, 2013, op. cit., p. 245.
417
ARANTES, 2013, op. cit., p. 242-3.
160
do Rio de Janeiro, a Delegacia Policial de Invernada de Olaria, no Rio
de Janeiro e a Casa de Detenção de Recife418.

No caso dos oficiosos, uma rede de tortura clandestina foi montada,


dinamizando e facilitando a eliminação e ocultamento dos corpos, bem como
servindo de apoio aos centros oficiais. Eram eles, “a Casa de Petrópolis, também
conhecida como Casa da Morte, poderia ser considerada paradigmática, bem
como a Fazenda 31 de Março419 em São Paulo e a Casa de São Conrado, no Rio
de Janeiro”420.
Os centros de tortura também agiam articuladamente, havendo trânsito de
oficiais entre os estados, unidades e instâncias, caso do delegado e chefe do
DOPS-SP, Sérgio Paranhos Fleury, que também atuava em centros de tortura de
outros estados, como no caso do militante Otoni Fernandes Junior que

(...) esteve na Casa da Morte, um centro de tortura utilizado por Fleury


no bairro de São Conrado, no então estado da Guanabara. Além do
centro de operações do DOI-CODI, na rua Tutoia, e de outras
Delegacias de Polícia onde tinha livre acesso, Sérgio Fleury também
teve à disposição um sítio denominado 31 de Março, localizado no
bairro de Embura, em Parelheiros, no extremo sul da capital paulista421.

418
ARANTES, 2013, op. cit., p. 245.
419
A “Fazenda 31 de Março de 1964” fica localizada entre Itanhaém e Embu-Guaçu, no
extremo sul da região da Grande São Paulo. Durante o período da ditadura militar, suas
instalações foram usadas como centro clandestino de tortura de militantes políticos de
organizações contrárias ao regime militar. O proprietário da fazenda era dono da
empresa Transportes Rimet Ltda. que se localizava no bairro da Mooca (São Paulo-SP) e
que tinha como única cliente a empresa estatal de Telecomunicações de São Paulo
(Telesp). Pode-se inferir, dessa forma, que o Estado mantinha a empresa que, por sua
vez, disponibilizava sua propriedade no interior de São Paulo para o uso do exército.
Coronel Fagundes, como era conhecido o dono da casa, era um colaborador do regime
militar. Fotografias guardadas pelo ex-caseiro da fazenda, Alcides de Souza, mostram o
contato de Fagundes com Sérgio Paranhos Fleury, delegado do Deops/SP de São Paulo;
dos coronéis Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI de São Paulo
(1970-1974), e de Antônio Erasmo Dias, secretário de Segurança Pública do Estado de
São Paulo (1974-1978). A Fazenda foi utilizada por grupos de militares interessados em
promover investigações extraoficiais; os agentes envolvidos eram recompensados pelas
prisões de líderes de organizações clandestinas de esquerda e pelas novas informações
obtidas nas sessões de tortura; sem qualquer direito de defesa, presos políticos foram
transformados em sinistros troféus, pois essa caçada era incentivada por uma disputa por
prêmios e por prestígio entre os próprios militares. Cf. “Fazenda 31 de Março de 1964” In:
Programa Lugares da Memória. Memorial da Resistência de São Paulo. Disponível em:
http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/Upload/file/lugares-da-
memoria/fazenda%2031%20de%20maro%20de%201964.pdf. Acesso em 10 jun. 2015.
420
ARANTES, 2013, op. cit., p. 246.
421
CARDOSO e BERNARDES, 2012, op. cit., p. 27.
161
O uso de métodos de tortura era comumente noticiado nos jornais da
época. Era uma prática recorrente no aparato repressivo, bem como
habitualmente usada pelos esquadrões da morte, pois configurava uma de suas
características, seu modus operandi, como destaca no início de março de 1978,
um perito do Instituto de Criminalística, após a execução de um casal carioca e
desova na sua área de jurisdição, “acredita(ndo) as autoridades policiais que o
casal tenha sido vítima do esquadrão da morte devido os visíveis sinais de
torturas que os cadáveres apresentavam" 422.
A grande quantidade de pessoas mortas ao longo da atuação dos
esquadrões também chama a atenção e configura seu modus operandi. Em 1978,
em menos de um mês, o número de execuções realizadas apenas na Baixada
Fluminense subiu de 74 para 112 pessoas, aumentando para 118, oito dias
depois423, e para 131, nos dois dias seguintes424.
A novidade nesses casos era a execução de mulheres como em um
desses casos, ocorrido em São Paulo, segundo o qual uma mulher foi torturada e
morta por presenciar uma execução do grupo paulista e ter ameaçado delatá-los.
Além dos cinco disparos que Lindalva Trajano recebeu, também teve “o seio
direito cortado, as mãos queimadas, o corpo retalhado por gilete e marcas de
algema nos pulsos”425. Ainda nesse caso, a Revista Veja denunciou a incoerência
entre as notícias publicadas e os inquéritos formulados, pois as sevícias sofridas
pelas vítimas e narradas, não constavam no laudo da polícia técnica, embora
fossem notadas pelo advogado da vítima que viu o cadáver426.
Em Santos, Baixada Santista de São Paulo, o uso de métodos de tortura,
tais como amarrar as mãos das vítimas com fios de nylon e de executá-las com

422
"No rio, dois corpos". Folha da tarde. DOPS. 11/04/1978. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte e também "Esquadrão faz mais 2
vítimas". Diário da Noite. DOPS. 11/04/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS
0993, n° 68 - esquadrão da morte.
423
"No rio, dois corpos". Folha da tarde. DOPS. 11/04/1978. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte e também "Esquadrão faz mais 2
vítimas". Diário da Noite. DOPS. 11/04/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS
0993, n° 68 - esquadrão da morte.
424
"Mais 7 corpos na Baixada Fluminense". Folha da Tarde. DOPS. 12/04/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
425
"A última denúncia". Veja. 15/04/1970. CHB - A5 - P30.
426
Idem.
162
grande quantidade de tiros também era habitual 427. O atuante esquadrão da morte
dessa localidade também executava suas vítimas com requintes de crueldade,
dando inúmeros tiros centralizados na região da cabeça. No caso do assassinato
de Lázaro Braga Arruda, “Lazinho”, havia indícios de que a execução foi feita com
disparos à queima roupa, “com o cano da arma quase encostado [entre os olhos],
pois a região estava queimada de pólvora”428. Em outra execução realizada pelo
mesmo grupo, a vítima identificada como José Aníbal de Oliveira, alcunha “Juca
do Marapé”, foi encontrado às margens da estrada velha de Santos, altura do
quilometro 49 com mais de 35 perfurações à bala, espalhadas pelo corpo e de
diferentes calibres429.
Como se pode notar, as execuções eram feitas com suas vítimas já
imobilizadas pelas forças policiais, bem como após longas sessões de tortura. Os
tiros na região da cabeça também não eram aleatórios, pois prejudicavam a
identificação das vítimas tanto pela perícia técnica quanto pelos familiares. Em
muitos dos casos, essas pessoas foram enterradas como indigentes, por não
haver quem contestasse o corpo dada a impossibilidade de reconhecimento.
É importante frisar que o uso da tortura, como prática habitual da ditadura
militar, foi atribuído à má conduta dos policiais, que entendiam os conceitos
doutrinários de guerra incorretamente430, atribuição que tirava do Estado a
responsabilidade pelas ações de seus agentes – estes sim, transgressores da
norma –, bem como camuflava a real característica do Estado que era o seu
caráter autocrático burguês bonapartista. As ações dos esquadrões da morte, no
trato ao criminoso comum ou ao político, eram precisamente engendradas,
sabidas e aceitas pelo Estado. De acordo com Fico, sobre a ação desses agentes
da repressão,

a independência com que trabalhavam, tomando a iniciativa de


investigar, prender e torturar este ou aquele indivíduo, pressupunha
exatamente estas etapas: investigação, prisão e tortura para obter
revelações rapidamente. Desse modo, não se deve confundir a

427
"Esquadrão anuncia mais um presunto". Notícias Populares. 19/01/1970. CHB - A5 -
P30.
428
Idem..
429
"Esquadrão mata Juca do Marapé". Notícias Populares. 21/01/1970. CHB - A5 - P30
430
FON, 1979, op. cit.
163
independência operacional com que trabalhava a polícia política com
uma suposta autonomia em relação aos oficiais-generais431.

A título de exemplo, notemos o caso do jornalista Vladimir Herzog, morto


após longas sessões de tortura. Logo após o ocorrido, esse caso tomou uma
proporção mundial, levando os militares a fazerem pronunciamentos, dizendo que
não coadunavam com tal violência432 – embora tal forma de atuação sobre os
indesejáveis fosse recorrente desde outros momentos históricos.
Essa prática de sequestros e sessões de tortura para obter informações e
consequente execução das vítimas, era a mesma usada com indivíduos ligados à
criminalidade comum ou política. Isso indica que a prática dos esquadrões – tais
como sequestros, morte sob custódia do Estado, execuções sumárias, tortura etc.
– no trato da população, não se diferenciava, pois os agentes que atuavam
nesses grupos de extermínio também atuavam na repressão política. Assim,
estando a população em constante processo de suspeição, todos poderiam ser
vítimas em potencial dos esquadrões. Passemos a analisar este vínculo.

3.4. A atuação dos esquadrões na repressão política

A atuação dos esquadrões da morte na repressão política, ainda no início


de 1970, possibilitou que houvesse o desenvolvimento do grau máximo de
eficiência do aparato repressivo contra a população.

431
FICO, 2004, op. cit., p. 83.
432
A desativação do aparelho de segurança do Estado teve início nos primeiros dias do
governo Geisel (1974-1979). A ordem presidencial era a desativação dos órgãos de
repressão política para todo o país, embora as dificuldades fossem tamanhas, devido à
perda do controle desses órgãos e à subversão da hierarquia militar ocorrida no governo
Médici. Durante os anos de 1974 a 1975, os homens integrados aos organismos de
segurança e contrários ao seu fim, resistiam às medidas do governo, que apostavam na
proposta de transferência dos agentes acusados de maus-tratos contra prisioneiros
políticos para outros departamentos. Esse processo de dispersão se encerraria em 1977
quando o delegado Sérgio Paranhos foi promovido e transferido para a Diretoria do
Departamento Estadual de Investigações Criminais. Apesar dessa desmobilização oficial,
após a desarticulação do CODI-DOI, alguns grupos se mantiveram, formando novas
frentes de ação repressiva, como foi o caso do grupo “Voluntários da Pátria” no nordeste
e do “Braço Clandestino da Repressão”, em São Paulo, coincidindo com o aumento do
número de desaparecidos políticos. Apesar dessa desarticulação, os órgãos de
segurança ainda existem e são perigosos. Cf. FON, 1979, op. cit.
164
Essa articulação começou a se estruturar com a ida dos mais eficientes
policiais desses grupos de extermínio – e notamos por eficiente aqueles que mais
faziam vítimas por onde passavam – para o aparato repressivo. Um caso
exemplar dessa relação era o delegado Sérgio Paranhos Fleury, já mencionado
em outros momentos.
Integrante da OBAN e chefe do esquadrão da morte paulista, ele se tornou
também delegado operacional no Departamento Estadual de Ordem Política e
Social (DEOPS)433, porta de entrada para esses grupos de extermínio atuarem no
seio do aparato repressivo. Ele tinha livre acesso a todas as instâncias desses
órgãos, prestando assessoria nos estados para criar articulações de cunho
nacional, inclusive participando de reuniões internacionais, com a mesma função
de amplitude internacional, como por exemplo, a Operação Condor e a Guerrilha
do Araguaia.
As primeiras evidências da relação entre os esquadrões da morte e a
repressão política surgiram com a designação de Fleury para a chefia do
Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS-SP),
em meados de 1970, para a função de delegado operacional, cargo de médio
prestígio, concomitantemente à continuidade de sua atuação no comando do
esquadrão que atuava em São Paulo. Essa dupla função não se alterou quando,
em 1978, ele foi designado delegado de classe especial e diretor do
Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC),434 tornando-se a
“terceira mais importante autoridade policial do Estado”435.
Ao longo da sua existência, os esquadrões acumularam funções. Desde
1970, quando eles foram acionados para o trabalho da repressão política, a sua

433
A transformação da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) em Departamento
Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS) possui algumas explicações. A primeira
aponta que tal mudança deveu-se a uma reorganização em 1975, transformando a
delegacia em departamento. A outra possibilidade aponta que tal reestruturação data de
1945. A historiadora Luciana da Conceição Feltrim faz uma belíssima análise sobre essa
transformação, bem como sobre as discussões acerca dela. Cf: FELTRIM, Luciana da
Conceição. As formas Institucionais da violência: controle, vigilância, cerceamentos e
repressão política no Estado de São Paulo de 1954 a 1960. São Paulo: PUC-SP, 2012.
(Mestrado em história social).
434
"Mandado de prisão n° 47.215: (O nome poderá ser:) Fleury". Jornal da Tarde.
DOPS. 22/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio
Fleury.
435
"Fleury já está preso". Notícias Populares. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do Estado de
São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
165
atuação como grupos de extermínio continuou ao longo de toda esta década. O
próprio delegado Fleury, em entrevista dada, em meados de 1977, ao Jornal do
Brasil, logo após sua absolvição em um dos processos, assumiu lidar com as
duas esferas da violência institucional: (...) “Eu combato os dois tipos de crimes: o
político e os comuns, e já condenei vários elementos” 436. Em outras palavras, ele,
como delegado, assumia publicamente que tinha o poder de “condenar”, à revelia,
portanto, do sistema judiciário.
Apoiados pelo Estado, os esquadrões passaram a aplicar a sua própria lei
sobre qualquer segmento populacional, sem recorrer às instituições às quais
cabia processar julgamentos, mediante processos formais. É nesse momento que
também ocorre o aumento do número de execuções atribuídas e assumidas pelos
esquadrões. Em suma, os membros desses grupos executavam qualquer pessoa,
desde que não estivessem de acordo com suas necessidades437, ou com as do
Estado.

(...) os intocáveis brasileiros, resguardados pela sua condição de


policiais, assassinaram impunemente dezenas e dezenas de pessoas
sem condições de defender-se, para preservar o domínio do comércio
de tóxicos, tendo de enfrentar na sua faina criminosa apenas o protesto
diário da imprensa independente, enquanto também essa não foi calada
pela censura438. (sic)

O caso do delegado Fleury teve grande destaque na mídia e na imprensa,


pois ele expressava uma situação recorrente em todo o território nacional –
porque comprovava não só a associação dos esquadrões com a repressão
política, como também o aprisionamento político e as torturas como método no

436
"Tribunal absolve Fleury por unanimidade". Jornal do Brasil. 02/10/1977. CHB - A5 -
P33
437
Como mostram as evidências documentais, uma parcela de alguns dos Esquadrões
atuantes nos estados brasileiros “complementava” sua renda a partir de práticas
delituosas, como o tráfico de drogas, o jogo do bicho e a cobrança de “pedágio” das
casas de prostituição. No entanto, grande parte dos estudos realizados sobre os
Esquadrões aponta que essa característica – a corrupção – era o seu ponto forte,
enquanto que, como vimos demonstrando, não era essa função social a que eles foram
designados. Cf: COSTA, Márcia Regina. “1968: O esquadrão da morte em São Paulo” IN:
SILVA, Ana Amélia da e CHAIA, Miguel (orgs) Sociedade, Cultura e política: Ensaios
críticos. São Paulo: EDUC, 2004.
438
. "Um Homem contra o esquadrão da morte: medo e preocupação na polícia". Jornal
da tarde. DOPS. 18/10/1976. Arquivo do Estado de São Paulo. 50-z-707. Pasta 08.
Documento 852.
166
interior das delegacias. De acordo com a Revista Francesa Le Neuval
Observation, em 1973,

(...) seja para descobrir o nome de um traficante de tóxico ou para saber


quem se esconde atrás de tal nome de guerra, não há para Fleury,
senão um único e mesmo método: o interrogatório sob pressão, isto é, a
tortura439.

O chefe do esquadrão paulista e considerado pelas forças estatais como


exímio funcionário do aparato repressivo, delegado Fleury, junto com sua equipe,
gozavam de grande poder nesse sistema, tanto que desobedecia a ordens
hierarquicamente “superiores”. Isso se colocou em uma das muitas vezes na
prisão de Shizuo Ozawa conhecido como “Mario Japa”, militante da Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR) que, no final de 1970, sabia-se estar ele em
contato com o capitão Carlos Lamarca.
Preso em 1970 pelo delegado Fleury, Ozawa era considerado
extremamente importante para o CODI-DOI e, obviamente, também para o
delegado Fleury. Essa era a possibilidade de descobrir a localização do Lamarca
que, após a morte de Marighella, havia se tornado o maior alvo dos órgãos de
segurança. Quando o CODI-DOI soube da ação, invadiu o DOPS e obrigou Fleury
a entregar-lhe o preso. Após a discussão, ele permitiu que Ozawa fosse levado,
não sem antes obrigá-lo a deitar-se de bruços e pular sobre seu peito, quebrando-
lhe várias costelas, impossibilitando assim que o preso passasse por outra sessão
de interrogatório. Apesar da tentativa do Centro de Informações da Marinha
(Cenimar) de evitar punições a Fleury, essa ação rendeu a transferência dele da
Divisão de Ordem Social do DOPS para o 41º Distrito Policial de Vila Rica440.
Esses episódios serviram para estreitar as relações do delegado com o
Centro de Informações da Marinha (Cenimar) ao longo dos anos, e seria esta uma
das ligações que levaria o Fleury e sua equipe a participarem de sessões de
interrogatório e tortura por todo o Brasil e, também, em outros países da América

439
Tradução da Revista Francesa "Le Neuval Observation". DOPS. 21/05/1973. Arquivo
do Estado de São Paulo. 50-Z-30. Pasta 62. Documento n. 5527 e Pasta OS-0986. n.61 -
Fleury
440
FON,1979, op.cit.
167
Latina441, o que novamente ratifica a presença dos esquadrões da morte em todo
o país.
Além disso, a execução pura e simples era a ferramenta mais viável, uma
vez que “a polícia demonstrava claramente que não desejava capturar seu inimigo
vivo”442, perpetuando as execuções dos indivíduos classificados como
desnecessários para o Estado.
Os processos instaurados ao longo da década de 1970 contra os membros
desse esquadrão e dos demais grupos existentes em outras cidades brasileiras
demonstravam que tais policiais, que atuavam nessas corporações, gozavam da
mesma imunidade conferida pela ditadura aos demais agentes que integravam o
aparato repressivo, pois punições efetivas não ocorreram. Todavia, é importante
ressaltar que o Estado jamais assumiu que os grupos de extermínio integravam o
corpo repressivo, tampouco que no Brasil existiam prisioneiros políticos. Para
todos os fins, os esquadrões agiam contra transgressões comuns, incursos no
Código Penal e à revelia das ordens superiores, agremiando-os no rol de agentes
que cometeram “apenas” excessos443.
Os agentes da repressão e os membros dos esquadrões da morte eram as
mesmas pessoas, o que torna impossível dissociar a prática de um da do outro.
Outra evidência que se põe acerca disso está ligada aos resultados de
investigações recentes relativos à organização do Sistema de Segurança
Nacional. Sabemos que tal sistema foi montado em fins da década de 1950 e que,
como tal, articulou todas as delegacias de polícia de todo o país no trabalho de
vigilância e controle social que, no período ditatorial, se completa com as ações
de repressão.

Cumprindo as determinações do Conselho de Segurança Nacional


(CSN), as Delegacias de Ordem Política e Social Estaduais, mantinham
semanalmente relatórios de vigilância referentes a diversas instituições
de caráter privado ou público, alimentando de informações tanto o CSN
como os demais Ministérios Civis, na medida dos interesses de cada
instituição governamental, no que tangia a busca de informações
relativas à Segurança Nacional444.

441
CARDOSO e BERNARDES, 2012, op. cit. p. 27.
442
"Polícia contra o fantasma". Veja. 25/03/1970. CHB - A5 - P30.
443
FICO, 2004, op. cit., p. 76.
444
OLIVEIRA, 2013, op. cit., p. 125.
168
Uma das formas de atuação desse controle, encetado desde aqueles anos,
foi a de traçar um perfil de todos os municípios do país, classificando-os pelo grau
de periculosidade – fossem zonas urbanas ou rurais. Definiu-se, a seguir, a
estratégia da atuação de controle social: as delegacias de cidades ou regiões
consideradas mais perigosas passaram a contar com um posto do DOPS com
agentes especiais designados para o exercício do controle e da vigilância,
organizando prontuários que eram remetidos às instâncias superiores, como
vimos anteriormente.
A classificação de quem era inimigo do Brasil era feita pelo próprio Estado
e, nesse sentido, dava margem a um grande rol de motivos para o recebimento
de tal estigma. Lutar por demandas sociais que garantissem a sobrevivência e a
dignidade humana, nos próprios bairros, sem prévia organização ou junto a
associações políticas organizadas, em ambos os casos, eram tidos pelo Estado
bonapartista como indivíduos perigosos em potencial e classificados como
“inimigo interno”, “subversivo”, “comunista” e “inimigo do Brasil”. Esse estado de
coisas estava diretamente vinculado à ideia da ameaça comunista, propagada
pelos EUA a partir da influência advinda da Doutrina de Segurança Nacional e
também vista na Escola Francesa e sua Doutrina de Guerra Revolucionária. Era
uma ameaça que assolava todos os países que passavam por processo de
desenvolvimento econômico apartado da integração social. Nesse sentido, os
gestores autocráticos justificavam suas ações apontando que tudo era feito,

visando à ordem pública interna, à defesa da ordem social, ao zelo pelo


equilíbrio da ordem econômica. E tudo também para que ficassem
asseguradas as liberdades individuais e que se garantisse segurança à
coletividade, conforme era o dever do Estado, para o que deveriam ser
usadas ações tanto preventivas quanto repressivas. Ou seja, competia
ao Estado reprimir, em nome da tranquilidade da coletividade e da
segurança contra o comunismo, ideologia que tiraria a liberdade das
pessoas445.

Em meados da década de 1970, o jurista Hélio Bicudo, responsável pela


formulação dos processos contra os esquadrões atuantes em São Paulo, com a
clareza que o conhecimento lhe conferia, já via os esquadrões e o aparato
445
A função de cada um desses órgãos foi analisada ainda na Introdução deste trabalho.
Assim, para maiores informações, retornar a ela e ver também: OLIVEIRA, 2013, op. cit.,
p. 54.
169
repressivo como instituições que atuavam em parceria e de forma objetivamente
seletiva. Para o jurista,

(...) houve uma modificação de enfoque na atuação de alguns membros


do esquadrão, ordinariamente o esquadrão foi constituído para o
pseudo-combate à criminalidade e os seus elementos de maior
destaque foram pinçados pelo Serviço de Segurança e aproveitados na
luta contra o terrorismo446.

O uso dos esquadrões para a repressão política foi explicitado de forma


exemplar a partir do caso do delegado Fleury, naqueles idos de 1973, percebida
pela Revista Francesa Le Neuval Observation, da seguinte forma: “Fleury caçador
de bandidos, Fleury agente principal da Segurança Nacional”447.
Houve várias denúncias de ex-militantes, como no caso de Izabel Fávero,
presa em 5 de maio de 1970 quando militava pela VAR-Palmares em Nova
Aurora (PR). Ela e sua família, ao serem torturados por agentes da repressão,
fizeram questão de deixar explícito que seus torturadores integravam um dos
grupos dos esquadrões, nesse caso, o do Rio de Janeiro:

Eram mais ou menos 2 horas da manhã quando chegaram à fazenda


dos meus sogros em Nova Aurora. A cidade era pequena e foi tomada
pelo Exército. Mobilizaram cerca de setecentos homens para a
operação. Eu, meu companheiro e os pais dele fomos torturados a noite
toda ali, um na frente do outro. Era muito choque elétrico. Fomos
literalmente saqueados. Levaram tudo o que tínhamos: as economias
do meu sogro, a roupa de cama e até o meu enxoval. No dia seguinte,
fomos transferidos para o Batalhão de Fronteira de Foz do Iguaçu, onde
eu e meu companheiro fomos torturados pelo capitão Júlio Cerdá
Mendes e pelo tenente Mário Expedito Ostrovski. Foi pau de arara,
choques elétricos, jogo de empurrar e, no meu caso, ameaças de
estupro. Dias depois, chegaram dois caras do DOPS do Rio, que
exibiam um emblema do esquadrão da morte na roupa, para ‘ajudar’ no
interrogatório. Eu ficava horas numa sala, entre perguntas e tortura
física. Dia e noite. Eu estava grávida de dois meses, e eles estavam
sabendo448.

446
"Assunto: Conferência proferida pelo procurador da Justiça Hélio Pereira Bicudo".
Informação n. 1681-B/76. Serviço de Informações. DOPS. 17/12/1976. Arquivo do
Estado de São Paulo. Secretaria da Segurança Pública. 50-Z-707. Pasta 9. Documento
1063.
447
Tradução da Revista Francesa "Le Neuval Observation". DOPS. 21/05/1973. Arquivo
do Estado de São Paulo. 50-Z-30. Pasta 62. Documento n. 5527 e Pasta OS-0986. n.61 -
Fleury
448
“O testemunho de mulheres que foram vítimas da ditadura militar”. Jornal on line;
GGN. Coluna de Luiz Nassif. 30/03/2014. Disponível em http://jornalggn.com.br/blog/iv-
170
O caso de Izabel Fávero, torturada no Paraná por agentes da repressão e
do esquadrão da morte do Rio de Janeiro, denota que havia articulação e
integração nacional entre os esquadrões, o que mais uma vez demonstra que não
se tratava de casos isolados e sim, de uma forma de ser do Estado brasileiro.
No caso de Rose Nogueira, presa em 4 de novembro de 1969 em São
Paulo, na época jornalista e militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), o local
de tortura era também sede dos esquadrões da morte paulista.

Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava


e beliscava minhas nádegas escada acima no DOPS. Eu sangrava e
não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Na sala do delegado
Fleury, num papelão, uma caveira desenhada e, embaixo, as letras EM,
de esquadrão da morte. Todos deram risada quando entrei. ‘Olha aí a
Miss Brasil. Pariu noutro dia e já está magra, mas tem um quadril de
vaca’, disse ele. Um outro: ‘Só pode ser uma vaca terrorista’. Mostrou
uma página de jornal com a matéria sobre o prêmio da vaca leiteira
Miss Brasil numa exposição de gado. Riram mais ainda quando ele veio
para cima de mim e abriu meu vestido. Picou a página do jornal e atirou
em mim. Segurei os seios, o leite escorreu. Ele ficou olhando um
momento e fechou o vestido. Me virou de costas, me pegando pela
cintura e começaram os beliscões nas nádegas, nas costas, com o
vestido levantado. Um outro segurava meus braços, minha cabeça, me
dobrando sobre a mesa. Eu chorava, gritava, e eles riam muito,
gritavam palavrões. Só pararam quando viram o sangue escorrer nas
minhas pernas. Aí me deram muitas palmadas e um empurrão.
Passaram-se alguns dias e ‘subi’ de novo. Lá estava ele, esfregando as
mãos como se me esperasse. Tirou meu vestido e novamente escondi
os seios. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de
leite azedo. Ele ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo
por cima da calça com um olhar de louco. No meio desse terror,
levaram-me para a carceragem, onde um enfermeiro preparava uma
injeção. Lutei como podia, joguei a latinha da seringa no chão, mas um
outro segurou-me e o enfermeiro aplicou a injeção na minha coxa. O
torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’. ‘E se não
melhorar, vai para o barranco, porque aqui ninguém fica doente’. Esse
foi o começo da pior parte. Passaram a ameaçar buscar meu filho.
‘Vamos quebrar a perna’, dizia um. ‘Queimar com cigarro’, dizia
outro449.

avatar/o-testemunho-de-mulheres-que-foram-vitimas-da-ditadura-militar-0. Acesso em 10
jun.2015.
449
“O testemunho de mulheres que foram vítimas da ditadura militar”. Jornal on line;
GGN. Coluna de Luiz Nassif. 30/03/2014. Disponível em http://jornalggn.com.br/blog/iv-
avatar/o-testemunho-de-mulheres-que-foram-vitimas-da-ditadura-militar-0. Acesso em 10
jun.2015.
171
Assim como, no caso da ex-militante do Partido Operário Comunista
(POC), Eleonora Menicucci de Oliveira, na época estudante de Sociologia e
professora do ensino fundamental e presa em 11 de julho de 1971, em São Paulo
(SP), o centro de tortura carioca também era sede do esquadrão da morte.

Logo que fui levada ao DOI-CODI do Rio de Janeiro – depois de três


dias no DOPS – recebi na cela onde estava, um pouco antes de a
tortura começar, uma estranha ‘visita’: Amílcar Lobo, que se disse
médico. Ele tirou minha pressão e perguntou se eu era cardíaca. Ou
seja, preparou-me para a tortura para que esta fosse mais eficaz. Os
guardas que me levavam, frequentemente encapuzada, percebiam
minha fragilidade e constantemente praticavam vários abusos sexuais
contra mim. (...) Numa madrugada, fui retirada da cela, levada para o
pátio, amarrada, algemada e encapuzada. Aos gritos, diziam que eu
seria executada e levada para ser ‘desovada’ como num ‘trabalho’ do
esquadrão da morte450.

Em outro fragmento, o jornalista Marcelo Magalhães que entrevistou Cecil


de Macedo Borer, chefe do DOPS carioca até 1965 e também torturador nos
esquadrões da morte, apontou que:

Foi Cecil de Macedo Borer (1913-2003), e não o delegado Sérgio


Fernando Paranhos Fleury (1933-79) ou o coronel Carlos Alberto
Brilhante Ustra, 81, o mais marcante agente da repressão política no
Brasil do século XX. (...) Há meio século, às vésperas do golpe de
Estado de 1964, Borer comandava o DOPS carioca. Conspirou e atuou
na deposição do presidente constitucional João Goulart. Ganhou fama
como torturador e pioneiro do esquadrão da morte451.

A atuação dos esquadrões da morte na repressão política concedeu a seus


integrantes o aval extraoficial para realizar as execuções que já praticavam, mas
agora, com a proteção do Estado e com o corporativismo militar, que
analisaremos no próximo capítulo. De tais práticas, a mais conhecida foi quando
Fleury e sua equipe, utilizando-se dos mesmos métodos vigentes para os

450
“O testemunho de mulheres que foram vítimas da ditadura militar”. Jornal on line;
GGN. Coluna de Luiz Nassif. 30/03/2014. Disponível em http://jornalggn.com.br/blog/iv-
avatar/o-testemunho-de-mulheres-que-foram-vitimas-da-ditadura-militar-0. Acesso em 10
jun.2015.
451 “Ex-diretor do DOPS contou que espiãs iam para a cama em busca de segredos”.
MAGALHÃES, Mario. Disponível em:
http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2014/03/13/ex-diretor-do-dops-
contou-que-espias-iam-para-a-cama-em-busca-de-segredos/. Acesso em 10 jun. 2015.
172
suspeitos comuns, armaram duas grandes emboscadas e executam Carlos
Marighela e Carlos Lamarca, lideranças políticas que lutavam contra a ditadura
militar, pondo, assim, em prática a lei de guerra do bonapartismo contra a
subversão.
A mesma postura usada no combate ao crime comum foi introduzida no
combate ao crime político. Notícias sobre as ações dos esquadrões da morte
ganharam páginas dos jornais em todo o país onde atuavam. Ironicamente, a
polícia matava, e isso era noticiado sem sofrer censura por parte dos
bonapartistas.
Não se podia falar de repressão política, mas se podia noticiar, sem
problemas, as execuções dos esquadrões – mesmo o caso emblemático de
Fleury ficou restrito à sua atuação e à de seus comparsas. Nem mesmo após as
denúncias das práticas de tortura contra prisioneiros políticos promovidas por
Fleury,452 embora sobejamente conhecidas como estratégias corriqueiras nas
delegacias do país, houve tal reconhecimento. De acordo com Mário Magalhães,
Fleury:

nas câmaras de tortura, encarnava o pavor. A novidade que introduziu


na polícia política foi exacerbar a violência no confronto com a esquerda
armada. Tratou os militantes como criminosos comuns que o esquadrão
da morte exterminava453.

A escolha do grupo de Fleury para tal trabalho, na repressão política, não


foi aleatória e demonstra um padrão vigente em todo o país. Ao longo de sua
trajetória, esse policial e seu grupo mostraram-se aptos a realizar as mais cruéis
barbáries de acordo com as necessidades do aparato repressivo a que serviam.
Eram pessoas que não mediam esforços para colocar em prática as mais cruéis
tarefas, fossem nas longas sessões de tortura física ou psicológica (ou ambas),
no combate à criminalidade comum ou no trato ao preso político.
A relação dos membros dos esquadrões da morte e a repressão política à
sociedade rendeu a eles grande prestígio diante dos segmentos de classe média,

452
"Menos um no listão dos torturadores". Em tempo. 02/05/1979. CHB - A5 - P33 e
também "Fleury, últimos momentos". Jornal da Tarde. 02/05/1979. CHB - A5 - P33.
453
MAGALHÃES, Mário. Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo:
Companhia das letras, 2012, p. 533.
173
alta e hegemônicos da burguesa e da imprensa, prestígio que foi inflado pelos
representantes do Estado, de modo a conseguir impunidade e aceitação a tais
práticas, bem como dar proteção política a eles, como veremos apuradamente no
capítulo 4.

3.5. O trato era o mesmo! A atuação dos esquadrões contra presos políticos
e presos comuns

Tal separação, entre crime comum e político, era feita, assim como o é até
hoje, inclusive pela sociedade em geral. Todavia, na prática existente, ao longo do
período ditatorial, isso não se confirmava, tanto pelos meandros militares, na
“busca sistemática e progressiva da institucionalização do aparato repressivo
fundada na premissa da eliminação dos “empecilhos” para realização dos
“objetivos nacionais permanentes”454, como aponta Carlos Fico, quanto pelas
reinvindicações dos presos políticos, que pediam por diferenciação quando
colocados nas cadeias comuns, caso dos encetados pelos integrantes da Ação
Libertadora Nacional (ALN),455 ao serem postos no presídio do Carandiru ou no
Tiradentes456 junto aos presos “comuns”.

454
FICO, 2004, op. cit., p. 75.
455
A Ação Libertadora Nacional (ALN) era uma organização política fundada em 1967 por
Carlos Marighella após este romper com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
456
Ambos os presídios foram criados com a finalidade de aprisionar criminosos comuns,
mas foram também usados, ao longo do tempo, para encarceragem de presos políticos.
Conhecido inicialmente como “Cadeia da Luz”, o Presídio Tiradentes começou a ser
construída em 1825 e inaugurada em 1852 e desempenhava, em princípio, a função de
depósito de escravos e casa de detenção para onde iam tanto os que praticaram delitos
comuns quanto os indivíduos mais pobres. Esse local foi usado para aprisionar
criminosos políticos ao longo da ditadura Vargas e também na ditadura militar brasileira.
As péssimas condições de carceragem foram a marca levada por ele até 1973, quando
foi desativado para passagem do metrô na região. Tais condições, no entanto, levaram o
senado brasileiro a criar uma Comissão, encarregada de verificar as condições e
necessidades desse presídio. O parecer do senador da República Paulo Egídio (1890 a
1896) foi a necessidade de criar uma nova Penitenciária no Estado. As obras foram
iniciadas em 1911 e o Instituto de Regeneração Carandiru foi inaugurado em 1920. Assim
como no Tiradentes, esse presídio também foi utilizado para prender presos políticos ao
longo da ditadura. Após o episódio do Massacre do Carandiru, em 1992, momento em
que 111 presos, alguns portando armas brancas, foram executados pelos agentes do
Estado, munidos de metralhadoras, esse presídio foi progressivamente desativado até
174
Desde o início da estada desses presos naquelas prisões, suas ações
voltou-se para obrigar a ditadura a reconhecê-los como prisioneiros políticos, bem
como fazer a denúncia, em âmbito internacional, da existência de presos políticos,
fato veemente negado pelos ditadores, que apontavam que, na verdade,
tratavam-se de criminosos comuns que usavam da desculpa de motivação política
para assaltar bancos, sequestrar diplomatas, assassinar pessoas e, contra eles
não existia tortura, apenas alguns esporádicos excessos, como apontou Carlos
Fico457.
Contra eles e contra toda a população, pois o que se nota é que o trato
dispendido à população era o mesmo, fossem pessoas comuns ou ligadas a
organizações políticas, pois ambos eram considerados suspeitos e, para eles,
toda a violência do Estado era cabível e justificável, inclusive a de grupos de
extermínio. Essa era a prática muito diferente da retórica dos autocratas, que se
punham à margem de tais violações, apontando-as como desvios de conduta.
Assim agiam os esquadrões da morte sobre toda a sociedade, pois, ligados à
repressão, mantinham a população em suspeição. No trato aos encarcerados,
não poderia ser diferente: presos políticos ou comuns passavam por sessões de
tortura, fato que ratifica que todos eram tidos como inimigos do regime:

a punição não era aplicada somente contra os opositores do regime,


dentro deste espaço carcerário encontravam-se os presos comuns -
corrós. Segundo os relatos de presos políticos alguns corrós eram
retirados de suas celas no meio da madrugada, sendo torturados em
um poço existente no meio do presídio, e muitas vezes após a tortura
eram levados para lugares ermos, pelo temido Esquadrão da Morte que
os eliminavam de modo torpe e cruel. O Esquadrão da Morte era
composto por autoridades policiais do próprio Tiradentes, os envolvidos
eram o diretor do presídio, bem como o delegado e outros funcionários
da instituição, tendo como seu principal mentor o delegado Sérgio
Fernando Paranhos Fleury, conhecido agente da repressão. Portanto, a
prática das torturas e do extermínio se estendia a outros campos da
sociedade, eliminar os indesejados e os excluídos era parte do projeto
deste grupo, podemos subentender que a perseguição não se dava

sua demolição e construção do Parque da Juventude, em 2007. Cf: Programa Lugares da


Memória. Repressão política e os presídios da ditadura: Presídio Tiradentes e
Presídio Carandiru. Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2014. Disponível
em: http://memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/Upload/file/lugares-da-
memoria/presdios%20represso.pdf. Acesso em 26 out. 2015.
457
Cf. FICO, 2004, op. cit.p. 86.
175
apenas no âmbito político-ideológico, para esses homens as camadas
empobrecidas deveriam ser eliminadas e seus direitos subtraídos458.

É importante retomar brevemente algumas discussões feitas anteriormente


para elucidar as afirmações aqui feitas. A atuação dos grupos de extermínio
atendia às necessidades de manutenção da ordem vigente imposta pelo Estado,
de viés autocrático burguês bonapartista – que, por sua vez, representava
indiretamente os anseios dos segmentos hegemônicos da burguesia na busca da
manutenção da sua sobrevivência, da propriedade privada e do capitalismo. De
acordo com Florestan, é através do Estado que os anseios da burguesia se
colocam como necessidades de toda a sociedade, transformando o poder
econômico desses segmentos de classe em político, instrumentalizado na
condução do Estado por esses segmentos.

Contudo, em nações capitalistas nas quais as funções classificadoras


do mercado e as funções estratificadoras do sistema de produção são
tão limitadas, a ponto de o grosso da população permanecer excluído
do funcionamento normal do regime de classes e da ordem social
competitiva, somente as classes altas e médias chegam a participar
efetivamente das vantagens proporcionadas pelo desenvolvimento
capitalista. Essa participação é, em si mesma, um privilégio e só se
pode manter na medida em que outros privilégios, vitais para as
situações de classe alta e média, são intocáveis. A dominação da
burguesia irradia-se de modo muito fraco da minoria dominante para o
resto da sociedade. (...) Ela se concentra no tope, nos 10, 15, 20 ou
25% que têm rendas altas, monopolizam a cultura e o poder político, o
que faz com que o poder político indireto, nascido do poder econômico
puro e simples, e o poder especificamente político se confundam,
atingindo o máximo de aglutinação, e o Estado se constitua no veículo
por excelência do poder burguês, que se instrumentaliza através da
maquinaria estatal até em matérias que não são nem administrativas
nem políticas459.

A atuação dos esquadrões no que tange ao atendimento das necessidades


do Estado, na realidade, significa o atendimento das demandas dos segmentos
hegemônicos da burguesia, que tem, no aparelho estatal, a representação dos

458
Cf. Programa Lugares da Memória. Repressão política e os presídios da ditadura:
Presídio Tiradentes e Presídio Carandiru. Memorial da Resistência de São Paulo, São
Paulo, 2014. Disponível em:
http://memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/Upload/file/lugares-da-
memoria/presdios%20represso.pdf. Acesso em 26 out.2015.
459
FERNANDES, 2005, op. cit., p. 311-2.
176
seus interesses de classe. Grande parte dos assassinatos cometidos pelos
grupos de extermínio ocorreu nos bairros periféricos, locais de concentração da
classe trabalhadora, eliminando-os e, buscando silenciá-los através do medo – na
medida em que a perseguição, a tortura, o sequestro e a eliminação física
estavam postos para toda a população que contestasse as diretrizes militares,
fosse através de segmentos ligados a organizações políticas ou não.
Se o trato dos agentes do Estado para com a população era igual, no que
tange aos presos políticos, estes exigiram que fossem tratados como tal, uma
maneira encontrada para denunciar naquele momento os horrores perpetrados
pelos bonapartistas. Concomitantemente, passaram a desenvolver estratégias
para conseguir que denúncias sobre a existência de presos políticos chegassem
aos organismos de defesa dos direitos humanos internacionais, para o que
contaram e muito com a colaboração ousada de D. Paulo Evaristo Arms. Em
suma, “(...) eles buscavam meios de denunciar as atrocidades a que eram
submetidos, além de usarem a única arma que dispunham para chamar a atenção
da imprensa para situação: A greve de fome”460.
Na maioria dos presídios usados para a detenção de presos comuns e
políticos, houve greves de fome461, inclusive, no caso ocorrido no Tiradentes, onde
a greve tomou proporção nacional e internacional, contando com o apoio da
Anistia Internacional e de Dom Paulo Evaristo Arms. Os jornais também
divulgaram a greve, apontando que “a debilidade física dos presos políticos, dada
às torturas e a ausência de alimentação, jornais anunciavam a greve e a
possibilidade dos presos não resistirem e virem a óbito”462.
Tais greves de fome, como já foi citado, eram a arma usada pelos presos
políticos para denunciarem as mazelas vividas no sistema prisional, no entanto,
não apenas com este segmento, mas também com os presos comuns, que eram

460
Cf. Programa Lugares da Memória. Repressão política e os presídios da ditadura:
Presídio Tiradentes e Presídio Carandiru. Memorial da Resistência de São Paulo, São
Paulo, 2014. Disponível em:
http://memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/Upload/file/lugares-da-
memoria/presdios%20represso.pdf. Acesso em 26 out. 2015.
461
Idem.
462
Programa Lugares da Memória. Presídio Tiradentes. Memorial da Resistência de
São Paulo, São Paulo, 2014. Disponível em:
http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/upload/memorial/bancodedados/130
740251278039152_192_PRESIDIO_TIRADENTES.pdf. Acesso em 27 out. 2015.
177
sistematicamente torturados pelos esquadrões da morte ou mesmo retirados do
presídio para serem executados. De acordo com Aytans Miranda Sipahi, em
algumas das sessões de tortura perpetradas pelos esquadrões contra os presos
correcionais, os presos políticos conseguiram,

interromper essa prática de violência macabra batendo e gritando


através das grades. A rotina de tortura e maus tratos contra os presos
comuns no presídio chegava ao ápice quando, durante a madrugada,
vários detentos eram retirados de suas celas e lados pelo Esquadrão da
morte para serem fuzilados nas periferias de São Paulo463.

Todavia, essa intervenção, quando levada para fora dos muros dos
presídios, incomodou os bonapartistas, que tomaram medidas para calá-los. Na
década de 1970, o procurador da justiça, Dr. Hélio Bicudo, começou a apurar os
casos envolvendo o esquadrão. Após algumas visitas às carceragens e reunião
de documentos que provassem as práticas dos esquadrões paulista, em 1971
foram ordenadas o fechamento do poço usado para as práticas de tortura. O juiz
Mario Fernandes decretou a prisão preventiva por 30 dias de vários policiais que
participaram da execução de presos comuns que foram tirados do presídio e
executados, inclusive do diretor do Presídio Tiradentes, delegado Olinto Denardi.
Com o seu afastamento, assumiu o cargo seu assistente, José Marconi
Júnior, que começou uma “retaliação aos presos políticos, principais
denunciadores do Esquadrão da morte”. Será a partir desse momento que
inúmeros presos políticos começaram a ser transferidos para outras unidades
prisionais, como o Carandiru, o DOPS, entre outros. Aqui os presos políticos da
ala masculina e feminina iniciaram uma longa greve de fome no Presídio
Tiradentes, bem como foi elaborado um abaixo-assinado, exigindo o retorno dos
demais. Em nova represália, outros presos foram também transferidos, mas agora
para mais longe, para o Presídio Presidente Venceslau, no interior de São Paulo.
Nessa leva estavam, “os dominicanos Frei Fernando de Brito, Frei Yves do
Amaral Lesbaupin, Frei Carlos Alberto Libânio Christo (cujos nomes eram os
primeiros da lista do abaixo-assinado enviado a direção), e Wanderley Caixe
(advogado), Manuel Porfírio de Souza (camponês) e Maurice Politi

463
SIPAHI, Aytan. A cidade vista da janela. In: Tiradentes, um presídio da ditadura.
Memórias de presos políticos. São Paulo, SP: Scipione Cultural, 1997, p. 233.
178
(estudante)”464. No todo, foram 32 dias de greve no Tiradentes e 33, no
Presidente Venceslau. A greve teve grande repercussão nacional e internacional,
bem como contou com o apoio da Anistia Internacional 465.
A partir dessas greves, os presídios passaram a isolar os presos políticos
em alas específicas, de modo a evitar que a “contaminação de ideias subversivas
a outros detentos”466, bem como impossibilitar que novos movimentos de
denúncias fossem feitas, buscando desmobilizar qualquer tipo de organização. No
caso do Carandiru, por exemplo, foi reservado o pavilhão 8 exclusivamente para
os presos políticos, após a greve de fome 467. Também houve a manutenção do
presídio do Barro Branco, usado na época exclusivamente para presos
políticos468, – hoje é utilizado para cumprimento de penas privativas de liberdade
e medidas de segurança para os oficiais e praças da Polícia Militar do Estado de
São Paulo, conforme legislação vigente469.
O não reconhecimento inicial da existência de presos políticos ocorreu em
todo o território nacional, mas ainda não há estudos sobre o real sentido que isso
conferiu à repressão ditatorial, a não ser aqueles que discutem se o surgimento
de organizações dos presos comuns no interior dos presídios decorreu, ou não,
da convivência com os prisioneiros políticos, que atuavam articuladamente para
preservar sua sobrevivência e ser eficaz em suas demandas 470. Todavia, tanto

464
Programa Lugares da Memória. Presídio Tiradentes. Memorial da Resistência de
São Paulo, São Paulo, 2014. Disponível em:
http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/upload/memorial/bancodedados/130
740251278039152_192_PRESIDIO_TIRADENTES.pdf. Acesso em 27 out. 2015.
465
Idem.
466
Cf. Programa Lugares da Memória. Repressão política e os presídios da ditadura:
Presídio Tiradentes e Presídio Carandiru. Memorial da Resistência de São Paulo, São
Paulo, 2014. Disponível em:
http://memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/Upload/file/lugares-da-
memoria/presdios%20represso.pdf. Acesso em 26 out.2015.
467
Idem.
468
Para maiores informações, ver BERARDO, João Batista. Guerrilhas e Guerrilheiros
no drama da América Latina. São Paulo: Edições Populares, 1981 e também
ROLLEMBERG, Denise. Exílio: entre raízes e radares. Rio de Janeiro: Record, 1999.
469
Para maiores informações ver Resolução 009/2012 do Tribunal de Justiça Militar do
Estado de São Paulo. Disponível em:
http://www.tjmsp.jus.br/AtosComunicados/Home/Visualizar/4. Acesso em 10 jun.2015.
470
A discussão sobre o surgimento de organizações dos presos comuns a partir do
contato com presos políticos é abordada no filme “400 contra 1”. Nele é abordada a
formação do Comando Vermelho, milícia que domina grande parte das comunidades
pobres do Rio de Janeiro. De acordo com a sinopse, o filme conta a história de William da
Silva Lima, único sobrevivente do grupo que fundou o Comando Vermelho no final dos
179
nos estudos desenvolvidos pelo Memorial da Resistência de São Paulo ora
citados, quanto na filmografia apontada, nota-se que havia certa “integração”
entre esses segmentos – fato que também se ratifica quando analisamos os
métodos bonapartistas usados com ambos, dentro e fora do sistema prisional,
marcado por sequestros, tortura, sadismo, execuções sumárias e mortes sob
custódia do Estado.
Todavia, se esses fatos se apresentaram na análise feita, a historiografia
ainda diferencia tais rotinas, supervalorizando o uso delas sobre os presos
políticos, mesmo que sejam aplicadas com a mesma intensidade para os demais
segmentos. Nesse sentido, o crime de lesa humanidade é associado ao militante
político, mas desconsiderado – e inclusive justificado – quando se tratava de
outros segmentos sociais que, fora de organizações políticas, também lutavam
para a mudança desse estado de coisas.
Nesse sentido, a utilização de métodos, como o extermínio, as mortes sob
custódia, as emboscadas plantadas, a violação de provas, as técnicas para o
desaparecimento de corpos e outras evidências do crime, são sobejamente
conhecidas, mas ainda não devidamente elucidadas no concernente às
perseguições políticas, particularmente as realizadas por policiais militares na
qualidade de integrantes de esquadrões da morte, mesmo não havendo diferença
nas estratégias utilizadas pelos agentes desses grupos no tratamento do acusado
ou perseguido sob acusação de crime comum e as aplicadas para a perseguição
política.
Passemos agora a analisar como a inserção daqueles agentes do Estado
na repressão conferiu a eles proteção política oriunda dos autocratas.

nos 1970. Sua convivência com os presos políticos incursos sob a mesma Lei de
Segurança Nacional; sua liderança no presídio de Ilha Grande durante o surgimento do
grupo que criou um tipo de conduta inédito nos presídios brasileiros, a atuação deste
grupo nas ruas do Rio de Janeiro no início dos anos oitenta, quando infernizaram a vida
da polícia carioca fazendo ousados assaltos; e a surpreendente história de amor entre
William e Tereza. A narrativa entrelaça seus conflitos íntimos às fugas e assaltos
espetaculares.
180
CAPÍTULO 4
O uso abusivo da legalidade

Ao longo do capítulo anterior, pudemos entender o processo de inserção e


a atuação dos esquadrões da morte no aparelho repressivo do Estado, bem como
sua importância para a ordem ditatorial, para os segmentos hegemônicos da
burguesia e para a preservação do capitalismo.
Tal proteção pode ser notada ao longo de toda a década de 1970 e de
diversas maneiras, apesar de os pronunciamentos oficiais negarem a existência
de tais grupos ou mesmo reconhecerem sua existência, associando-a a uma
campanha difamatória engendrada pelo movimento comunista 471.
Não pretendemos aqui abarcar todos os mecanismos criados pelos
autocratas que possibilitavam a impunidade para os membros dos esquadrões,
mas sim aqueles que os puseram no campo da legalidade472, pelo menos,
percebidos em três momentos pontuais: 1973, quando houve o primeiro
julgamento e a criação da Lei Fleury que os punha em liberdade; 1977, quando a
absolvição dos agentes fora possível graças às ameaças feitas para a
magistratura; e, por fim, 1978, momento em que a soltura dos membros da
repressão atuantes nos esquadrões se deu pela remoção dos magistrados para
outras Comarcas. Em todos esses momentos, os esforços do Estado para manter
na legalidade a liberdade desses agentes da repressão foram explícitos,
configurando-se em formas diversas de proteção.
Entretanto, essa proteção passou a ser amplamente denunciada por
segmentos da sociedade civil, bem como por membros da imprensa e do
Judiciário a partir de meados de 1976, quando a “popularidade” dos esquadrões
começou a ser questionada – assunto a ser analisado no capítulo 6.

471
Para maiores informações, ver MATTOS, 2011, op.cit.
472
O Princípio da Legalidade pressupõe a subordinação do Poder Público à lei, visto que,
os agentes da Administração Pública devem atuar sempre de acordo com ela. SANTOS,
Michelly. “Princípio da legalidade” In: JusBrasil. Disponível em:
http://michellysantos.jusbrasil.com.br/artigos/170455437/principio-da-legalidade. Acesso
em 16 jan.2016.
181
Em 1976, a proteção perpetrada pelos autocratas aos membros dos
esquadrões já era associada à atuação desses grupos na repressão política –
essa relação era estabelecida por causa da dificuldade do Judiciário em realizar
as apurações dos crimes cometidos por eles –, proposição corroborada por
lideranças da imprensa, como Ruy Mesquita, jornalista e diretor do Jornal da
Tarde e de O Estado de São Paulo. De acordo com o jornalista,

(...) se não tivesse ocorrido a circunstância dos criminosos do


esquadrão da morte, ou pelo menos, algumas de suas principais figuras
terem tido participação importante na repressão ao terrorismo político e
a subversão, tínhamos a certeza de que Hélio Bicudo teria encontrado
todo o apoio de que necessitava para levar sua luta até um final
plenamente satisfatório473.

A participação dos membros dos esquadrões na repressão política era


apontada como o elo entre tais grupos e a proteção que recebiam do Estado,
como denunciava o desembargador Alves Braga474 que contava com outros
membros do Judiciário por fazerem a mesma associação. Em palestra proferida
na PUC-SP, em 1976, o então promotor de justiça Hélio Bicudo afirmou:

Estes homens atuaram amplamente, tiveram como se diz vulgarmente


“costas quentes”, da cúpula policial e da cúpula governamental de
então. As entrevistas que o governador Abreu Sodré fez perante as
câmaras de televisão são testemunhas disso, estes homens tiveram
toda cobertura oficial e depois foram aproveitados pelo sistema
repressivo relativo à Segurança Nacional (...)475.

Ao longo dos próximos dois anos, quando a proteção dada pelo Estado aos
seus agentes da repressão – membros dos esquadrões da morte – tornou-se
mais recorrente, membros do Judiciário tornaram pública sua consternação
quanto à tal proteção e a sua relação direta com a atuação dos membros dos
esquadrões na repressão política, conforme novamente denunciava, em 1977, o

473
“Livro denuncia a proteção política ao esquadrão”. O Estado de São Paulo. DOPS.
17/10/1976. Arquivo do Estado de São Paulo. 50-z-707. Pasta 08. Documento 851, 854.
474
“Ameaça não impede o júri de Fleury”. O Estado de São Paulo. DOPS. 30/09/1977.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio Fleury.
475
Conferência proferida pelo procurador da Justiça Hélio Pereira Bicudo. Informação n.
1681-B/76. Serviço de Informações. DOPS. 17/12/1976. Arquivo do Estado de São
Paulo. Secretaria da Segurança Pública. 50-Z-707. Pasta 9. Documento 1063.
182
desembargador Alves Braga, relator do processo na 1° Comarca Criminal de
Justiça. De acordo com o magistrado,

(...) o combate à subversão, significava para eles erigir sua imagem


positiva aos olhos da Nação incauta que, preocupada com a onda
subversiva que varria o território nacional, via em erro de perspectiva,
um grupo de policiais a garantir o regime476.

É importante relembrar que o uso do termo “subversão” ou “subversivo” era


feito tendenciosamente, pois a mesma partia dos agentes do Estado, seguindo
suas diretrizes, cuja finalidade era classificar os cidadãos e condutas para os
quais o uso da violência estaria justificado. Em suma, tais taxações eram
“manipuladas à vontade de quem detém o poder”477.
A participação desses agentes do Estado no combate à subversão era
motivo para a aceitação e o enobrecimento de tais práticas, afinal, tratava-se de
“(...) conter os desejos de participação [da população], [através de] um
programado exercício de violência, que se espraia nos mais variados setores da
vida”,478 como analisa outro membro do Judiciário, o promotor Hélio Bicudo.
Segmentos do Judiciário questionavam as promoções, os aumentos
salariais e o público reconhecimento de bravura, todos feitos pelo poder estatal
aos membros dos esquadrões, concomitantemente ao julgamento dos processos
em que eram acusados de cometer os mais bárbaros crimes contra a vida. Tais
concessões foram feitas para grande parte dos agentes que atuavam na
repressão política e nos esquadrões – caso dos policiais do grupo paulista,
chefiado por Fleury e do grupo carioca, como denunciou o jornal O Estado de São
Paulo, em matéria feita por sua sucursal do Rio de Janeiro que destacou que se
tratava “de agentes da Secretária da Segurança que viram reconhecidos,

476
“Ameaça não impede o júri de Fleury”. O Estado de São Paulo. DOPS. 30/09/1977.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio Fleury.
477
“Procurador Bicudo diz que direitos são desrespeitados”. Folha de São Paulo
(Sucursal do Rio de Janeiro). DOPS. 06/10/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta
OP 0867 - Hélio Bicudo.
478
“Bicudo denuncia violência contra marginalizados”. O Estado de São Paulo. DOPS.
26/10/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo
183
publicamente, os relevantes serviços prestados ao Sistema, além de ter em suas
folhas de serviço promoções por merecimento”479.
Essas condecorações também demonstravam que as práticas dos
esquadrões não eram arbitrárias, mas sim, dignas de elogios e felicitações, pois
esses agentes do Estado faziam o que foram incumbidos a fazer. Não se tratava
de desvio de conduta, tampouco de policiais transgressores da norma, como
apontavam os estudiosos da cultura policial480 – eles eram agraciados com
condecorações e aumentos salariais por cumprirem fielmente as funções a que
foram designados.
Já em 1977, segmentos do Judiciário reconheciam que tal desempenho
conferiam a esses agentes do Estado tais regalias. Sobre os membros dos
esquadrões, o procurador da justiça Hélio Bicudo, apontou que,

Sempre disse que o problema da apreciação dos crimes do esquadrão


da morte foi o de haver passado a atuar no setor de segurança na luta
contra o terrorismo e a partir daí se tornarem intocáveis. Jamais foram
afastados de suas atividades, foram promovidos por merecimento e
guindados aos mais altos postos da polícia 481.

Além da magistratura, a imprensa da época também questionava a


situação associando-a à proteção política. De acordo com o Jornal da Tarde de
1978, tal proteção se dava por eles terem, (...) participado com êxito da campanha
contra terroristas e ganhou acesso ao quadro de heróis intocáveis482.
Tal proteção conferida pela autocracia bonapartista burguesa aos seus
agentes da repressão foi, progressivamente, se tornando explícita e questionada
por segmentos da sociedade civil. Passemos a analisar as formas como tais
mecanismos se configuraram como proteção.

479
“O esquadrão da morte carioca”. O Estado de São Paulo (Sucursal do Rio de
Janeiro). DOPS. 10/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-
1977 e CHB - A5 - P33.
480
A perspectiva da cultura policial é desenvolvida pelos pesquisadores Marcos Luis
Bretas, André Rosemberg, Dominique Monjardet, Robert Reiner, H. Jerome Skolnick, J.
A.P.Waddington; Paula Poncioni.
481
Fleury se apresenta e é recolhido à prisão. O Globo. 23/02/1978. CHB - A5 - P33
482
Durou pouco a confiança restaurada. Jornal da tarde. DOPS. 01/03/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
184
4.1 O primeiro julgamento e a criação da Lei Fleury

O uso abusivo da legalidade – ligado tanto ao abuso de autoridade, crime


que abrange as condutas abusivas de poder, quanto ao abuso de poder, gênero
do qual surgem o excesso de poder ou o desvio de poder e de finalidade483 – foi
prática recorrente na autocracia burguesa bonapartista brasileira, que se valeu de
mecanismos legais para legitimar-se no poder.
Nesse sentido, as alterações e inclusões feitas na legislação pelos
autocratas se punha de modo a que se “regulasse por lei o que não pode ser
normatizado”484, como apontou o húngaro Agamben485. Na dinâmica brasileira,

dado que leis dessa natureza – que deveriam ser promulgadas para
fazer face a circunstância excepcionais de necessidade e de
emergência – contradizem a hierarquia entre lei e regulamento, que é a
base das constituições democráticas, e delegam ao governo um poder
legislativo que deveria ser competência exclusiva do parlamento 486.

Essas relações podem ser notadas com a alteração da dinâmica dos três
poderes pelo bonapartismo no Brasil que subordinou o Legislativo e o Judiciário
ao Executivo, aumentando, dessa forma, seus próprios poderes. A Constituição
de 1946 vigorou integralmente até a aprovação na Câmara da nova Carta
Constitucional, em 1967, e ambas foram alteradas a partir dos atos e emendas
institucionais487, que garantiam a ordem autocrata bem como a legitimidade de
suas práticas. Nesse sentido, a violência se punha já no início desse sistema por
causa da mudança jurídica imposta à sociedade.

483
WADY, Ariane Fucci. Qual a diferença entre o abuso de poder e o abuso de
autoridade? In: JusBrasil. Disponível em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/20923/qual-a-
diferenca-entre-o-abuso-de-poder-e-o-abuso-de-autoridade-ariane-fucci-wady. Acesso
em: 12 jan. 2016.
484
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. 2ed. São Paulo: Boitempo, 2004, p.18-9.
Tradução Iraci Poleti.
485
É importante ressaltar que o autor trabalha com a noção de estado de exceção, em
várias temporalidades, e como ela se apresenta em países da Europa e nos Estados
Unidos. Embora ele não trabalhe especificamente com a configuração política brasileira,
tampouco com a noção de Estado autocrático bonapartista burguês, ele é importante
para o entendimento do legislativo em momentos não democráticos. Para maiores
explicações, ver AGAMBEN, op.cit.
486
AGAMBEN, op.cit., p. 19.
487
COSTA, Emília Viotti. O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania.
São Paulo: IEJE - Instituto de Estudos Jurídicos e Econômicos, 2001, p. 159.
185
O primeiro golpe da autocracia burguesa bonapartista que se
institucionalizou foi a submissão do Poder Legislativo ao Executivo, a partir da
promulgação do Ato Institucional n°-1 (AI-1) de 9 de abril de 1964. Conforme o
texto aprovado pela junta militar composta pelo general Arthur da Costa e Silva, o
tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello e pelo vice-almirante
Augusto Hamann Rademaker Grunewald, a legitimidade do Legislativo se daria a
partir do crivo do Executivo – tratava-se, portanto, da instituição do exercício do
Poder Constituinte488 pela autocracia bonapartista.
O ato instituía que “a revolução não procura legitimar-se através do
Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do
Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação”489. Tal
mudança na ordem jurídica apoiava-se e justificava-se no estigma da
“reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil” 490. Diante dessa
dinâmica, apontou Hélio Bicudo:

nossa justiça invariavelmente se tem atrelado aos desígnios do poder,


poder entendido como os regimes que governaram o Brasil. A
Constituição, supõe-se, deve ser um texto estável ou pelo menos com
alguma estabilidade. Mas a partir de 64 ela sempre esteve sujeita à
vontade discriminatória do chefe de Estado, quer pelos poderes
excepcionais que lhe eram dados pelos Atos Institucionais, quer pelo
esmagamento dos poderes Legislativo e Judiciário que passaram a não
ter expressão no contexto da lei fundamental491.

Em consonância à promulgação do AI-1, estava mantida a Constituição de


1946, com profunda alteração quanto aos poderes do presidente da República,

488
O Poder Constituinte é o poder de elaborar e modificar normas constitucionais, criando
uma nova Constituição ou realizando alterações na já existente. Esse tipo de poder
expressa a suprema vontade do povo. Ele é dividido em duas espécies: o originário, que
se pauta no poder de criar uma Constituição quando o Estado é novo ou de substituí-lo
quando o Estado já existe. Assim, é um poder ilimitado, autônomo e incondicionado. O
outro tipo é o derivado, que deriva do poder originário, mas é subordinado, condicionado
e respeita as limitações impostas pelo seu precursor. Para maiores informações ver,
Poder Constituinte. Disponível em:
http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1112/Poder-constituinte. Acesso em: 12
jan.2016.
489
Ato Institucional n° 1 (AI-1), promulgado em 09 de abril de 1964 pelo Comando
Supremo da Revolução, representado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da
Marinha e da Aeronáutica.
490
Idem.
491
“Hélio Bicudo, discretamente justo”. Folha de São Paulo. DOPS. 23/01/1979. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo.
186
que foram ampliados. Tal mudança, aponta Viotti, foi justificada pela premissa da
restauração da ordem econômica e financeira no Brasil, como já apontado acima,
e também para “tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão
comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo
como nas suas dependências administrativas”492.
A obsessiva perseguição aos comunistas – presente no texto do primeiro
ato instituído pelos autocratas bonapartistas – já dava indícios do que viria
adiante, ou seja, o uso constante de mecanismos jurídicos para dar legalidade
àquela ordem vigente, como por exemplo, a promulgação da Lei Fleury, que se
figurou em uma alteração no Código de Processo Penal para garantir a liberdade
dos agentes da repressão política do Estado, como veremos adiante.
O ato institucional n° 1 também regulamentava a suspensão dos direitos
políticos de determinados cidadãos493 por dez anos e a cassação dos mandatos
legislativos federais, estaduais e municipais. Tratava-se de eliminar os opositores
daquela ordem. Tais meandros davam indícios do que estaria por vir, ou seja, o
transbordamento de mecanismos de violência, repressão e supressão de
quaisquer direitos, justificados pela necessidade de manutenção do controle e da
ordem. Não era à toa que os grupos de extermínio fossem desdobramentos dessa
violência entranhada, institucionalizada, do próprio Estado.

(...) foi o instrumento que permitiu as primeiras cassações de mandatos


parlamentares e suspensões de direitos políticos, feitas inicialmente
pelo próprio “Comando” e, posteriormente, pelo presidente da
República, durante sessenta dias. 494 Outro episódio importante foi a
regulamentação (...) dos inquéritos que deveriam culminar nas
punições: o responsável por um Inquérito Policial Militar teria amplos
poderes e os oficiais superiores encarregados da condução de tais
inquéritos comporiam o embrião da futura comunidade de segurança e
informações495.

492
COSTA, 2001, op. cit., p. 160.
493
Nos dias que se seguiram a promulgação do AI-1, foram elaborados documentos,
intitulados de “Ato do Comando Supremo da Revolução”, em que continham os nomes
dos cidadãos, magistrados e membros das forças armadas que perderam seus direitos e
mandatos. Estes documentos foram compilados pelo historiador Carlos Fico em sua obra
citada. Cf: FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista
Brasileira de História, volume 24, n.47, Editora RHB: São Paulo, 2004, p. 330-8.
494
FICO, op. cit., p. 20.
495
Idem.
187
É importante frisar que este trabalho não busca aprofundar-se sobre todos
os artigos e determinações que os atos institucionais regulamentaram, mas sim,
sobre os que podem nos ajudar a entender nosso objeto de análise496.
Com o Legislativo subjugado ao Poder Executivo, o próximo passo foi
intervir no Judiciário que, naqueles idos, já era entendido como uma pedra no
sapato dos autocratas. Em 20 de outubro de 1965, o presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministro Ribeiro Costa condenou publicamente a “interferência
do Executivo e do Legislativo no Judiciário” no que tangia ao aumento do número
de membros daquele Poder e ainda declarou que “a atividade civil pertence aos
civis”, bem como lembrou os militares de que

(...) eles tinham jurado fidelidade à disciplina, às Leis e à Constituição, e


que ao Supremo cabia o controle da legalidade e da constitucionalidade
dos atos dos outros poderes, sendo por isso investido de excepcional
independência. Portanto, considerava intolerável a alteração do número
de juízes por iniciativa do Executivo e chancela do Legislativo 497.

As palavras do ministro causaram grande repercussão nos meios militares,


principalmente porque o Supremo preparava-se para conceder um pedido de
habeas corpus ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, alvo de inquérito policial
militar498. Poucos dias depois, em 27 de outubro de 1965, o presidente Humberto
de Alencar Castelo Branco emitiu o Ato Institucional n°2 (AI-2).
Dentre as várias determinações e cerceamentos instituídos por esse ato,499
cabe aqui ressaltar que ele ampliou o poder dos militares e principalmente alterou
os artigos da Constituição de 1946 concernentes ao Poder Judiciário, que

496
Inúmeros autores debruçaram-se sobre a análise dos atos institucionais na sua
totalidade e amplitude, tais como FICO, 2004, op. cit., ALVES, Maria Helena Moreira.
Estado e Oposição no Brasil 1964-1984, Bauru, SP: Edusc, 2005; e, COSTA, 2001, op.
cit.
497
COSTA, 2001, op. cit., p. 166.
498
Idem.
499
Esse ato institucional extinguia os partidos políticos existentes e permitia a criação de
novos; dava ao Presidente o direito de remeter ao Congresso os projetos de emenda
constitucional que deveriam ser analisados e aprovados desde que obtivessem a maioria
dos votos das duas casas do Congresso ou por decurso de prazo, assim como também
poderia o presidente decretar estado de sitio, submetendo-o posteriormente à aprovação
no Congresso Nacional; ficavam também suspensas por seis meses as garantias
constitucionais de vitaliciedade e estabilidade, podendo os titulares dessas garantias
após investigação sumária, serem demitidos, aposentados, transferidos ou reformados,
desde que atentassem contra a segurança do país. Cf. COSTA, 2001, op. cit., p. 167.
188
passava a ser composto pelo “I – Supremo Tribunal; II – Tribunal Federal de
Recursos e Juízes Federais; III – Tribunais e Juízes Militares; IV – Tribunais e
Juízes Eleitorais e V – Tribunais e Juízes do Trabalho”500. A alta cúpula desses
órgãos passou a ser escolhida direta e livremente pelo Presidente da República e,
no caso do Supremo Tribunal Federal, pedra no sapato dos autocratas, sua
composição foi diretamente afetada, pois “o número de ministros foi aumentado
de onze para dezesseis, tendo sido nomeados cinco ministros com militância
partidária na UDN, mais adequados, portanto, à política do momento”501.
O subjulgamento do Poder Judiciário ao Executivo institucionalizava-se sob
a fachada de legalidade. No mês seguinte, mais um golpe foi dado contra o
Supremo Tribunal. Através da Emenda Constitucional n°16 de 1965, que
introduziu cláusula no artigo 101, parágrafo 1° da Constituição de 1946,
posteriormente incorporada à de 1967, ficava permitido ao Supremo “julgar, em
tese, as leis e os atos normativos federais mediante representação do procurador-
geral da República”502.
A Constituição de 1967 fez ampliar ainda mais o embate entre os militares
e o Judiciário – uma vez que as emendas e atos institucionais cerceavam sua
atuação – bem como reforçou e ampliou o poder do presidente e limitou as
atribuições do Legislativo e do Judiciário. As medidas do Executivo eram
justificadas como de interesse público e de segurança nacional, o que denota que
a ameaça comunista permanecia na base das justificativas autocratas, na mesma
proporção em que as garantias constitucionais se tornavam secundárias. Como
pontuou Lúcia Klein e Marcus Figueiredo,

a reorganização da estrutura do poder ocorrida em 1964 no Brasil e que


resultou na ascensão de elementos ligados às Forças Armadas aos
postos-chaves do governo vai dar início a um período em que se verifica
uma ênfase nos problemas relacionados com a segurança nacional.
Conceito de caráter extremamente abrangente e, ao mesmo tempo,
difuso, é com base nele que se procura, em parte, justificar a iniciativa

500
Ato Institucional n° 2, promulgado em 27 de outubro de 1965 pelo Presidente
Humberto de Alencar Castelo Branco.
501
COSTA, 2001, op. cit., p. 167.
502
Idem.
189
das Forças Armadas e, paralelamente, legitimar as alterações que se
processam na ordem legal503.

O ponto alto da pressão do Executivo contra o Judiciário, que mesmo com


dificuldade, continuou atuante, foi a promulgação do Ato Institucional n°5 em 13
de dezembro de 1968, instituído pelo presidente Costa e Silva. Nesse documento,
ficava outorgado ao presidente da República poderes excepcionais que lhes
permitia atuar sem o crivo do Poder Judiciário. No ano seguinte, a instituição do
Ato Institucional n°6 em 1° de fevereiro reduziu de dezesseis para onze os
ministros do Supremo.
Se levarmos em consideração as alterações feitas entre 1965 – inclusão de
cinco ministros partidários da UDN –, as aposentadorias compulsórias, renúncias
ao cargo e afastamentos e a redução do número de ministros praticamente na
promulgação do AI-1 em 1964, e o AI-6 em 1969, quase todos os ministros foram
alterados por magistrados ligados aos militares 504.
Tais emendas constitucionais, atos institucionais e a Constituição de 1967
foram mecanismos utilizados pela autocracia bonapartista burguesa para dar
legalidade e legitimidade às medidas do governo vigente, conforme apontado pela
historiografia. A mesma lógica se aplica à Lei Fleury, que não apenas teve o
poder de promover alterações no Código do Processo Penal, como também
garantiu, ao longo dos anos seguintes, que sua interpretação e aplicação se
desse de forma diferenciada, visando a um único objetivo: legalizar a impunidade
dos agentes da repressão, conforme veremos a seguir.
Em meados de 1973, iniciaram-se os julgamentos contra os membros dos
esquadrões da morte. Como já apontamos, eram policiais que, na quase maioria,
atuava no aparato repressivo do Estado e ficaram conhecidos nacionalmente por
seu empenho e precisão no aprisionamento e execução de indivíduos
classificados como subversivos. Por tal tarefa, pressuposto que justificou quase a
totalidade das mudanças jurídicas do Poder Executivo, esses homens gozaram
de proteção estatal. Seguindo o hábito da fachada da legalidade, os autocratas

503
KLEIN, Lúcia; FIGUEIREDO, Marcus. Legitimidade e coação no Brasil pós-64. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1978, p. 24.
504
COSTA, 2001, op. cit., p. 173.
190
bonapartistas criaram meios jurídicos para dar legitimidade e legalidade à soltura
dos seus homens.
Em 1973, o Código do Processo Penal em vigor instituía que indivíduos
pronunciados em processos penais deveriam aguardar o julgamento presos, em
caráter preventivo. Com o início dos julgamentos, os agentes da repressão,
incluindo o delegado Fleury, chefe do grupo de extermínio paulista, deveriam
aguardar o julgamento encarcerados. Assim, foi expedido o mandado de prisão
para todos os pronunciados, que foram recolhidos em uma das dependências do
DOPS, órgão chefiado na época pelo próprio Fleury.
Aqui já se nota uma arbitrariedade, tendo em vista que a prisão preventiva
tinha a finalidade de afastar esses policiais de suas funções, fato que não seria
respeitado, uma vez que o chefe do DOPS e seus funcionários aguardariam o
julgamento encarcerados em seu local de trabalho.
A medida preventiva, aplicada “tortamente”, no entanto, durou poucos dias,
pois os representantes do Estado mobilizaram-se e formularam uma lei que
alterava os dispositivos legais anteriores em prol dos seus agentes da repressão,
a Lei 5.941 – não por acaso alcunhada de Lei Fleury, serviu apenas para colocar
os membros dos esquadrões em liberdade enquanto aguardavam julgamento 505.
A proteção política do Estado, em consonância, tornara-se explícita, com os
bonapartistas integrantes das câmaras federais se articulando para conseguir a
liberdade desses agentes de maneira legal.

Em outubro de 1973, pronunciado como autor de outro crime de morte,


o delegado Fleury teve amigos que conseguiram dobrar o Congresso:
um mês depois da prisão, o Parlamento aprovou a Lei Fleury, que
alterou o Código do Processo Penal, permitindo que os réus
pronunciados, mas de bons antecedentes, aguardem o julgamento em
liberdade. Como demonstração de força da Polícia não poderia haver
nada mais expressivo506.

Nesse momento, o mandado de prisão preventiva contra Fleury levou-o a


permanecer alguns dias em uma sala especial do DOPS – tratava-se, na verdade,

505
Conferência proferida pelo procurador da Justiça Hélio Pereira Bicudo. Informação n.
1681-B/76. Serviço de Informações. DOPS. 17/12/1976. Arquivo do Estado de São
Paulo. Secretaria da Segurança Pública. 50-Z-707. Pasta 9. Documento 1063.
506
“Durou pouco a confiança restaurada”. Jornal da tarde. DOPS. 01/03/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
191
do seu local de trabalho -, e “(...) um mês depois, nascia a chamada lei Fleury
pela qual a sentença de pronúncia deixava de significar prisão imediata”507, para
ele e extensiva – teoricamente - a todos que preenchessem as mesmas
condições.

(...) este mandado de prisão determinou o recolhimento do delegado


Fleury, numa das dependências do DOPS, imediatamente mobilizaram-
se os interessados na manutenção do Delegado Fleury no esquema de
segurança e a lei processual foi alterada no sentido de que o mesmo
pronunciado, o réu desde que seja primário e tenha bons antecedentes,
pode aguardar o livramento pelo júri em liberdade. Esta é a lei Fleury508.

Teoricamente, pois, a Lei Fleury integrava o Código do Processo Penal e,


nesse sentido, era extensiva a todo cidadão brasileiro. Na prática, porém, foi
aplicada apenas para os policiais atuantes nos esquadrões e na repressão
política. Assim, além de não abarcar toda a sociedade, mesmo fazendo parte do
Direito Civil, também não se punham para policiais que não atuavam no aparato
repressivo.
Apesar das tentativas de se encarcerar Fleury e os demais membros dos
esquadrões, encetadas por alguns magistrados 509, o que ocorreu foi a proteção
política que lhes foi dispensada, pois, em todas as situações em que havia o risco
iminente de seus aprisionamentos, as forças bonapartistas trataram de garantir a
liberdade dos integrantes desse braço armado da repressão.
Não houve vozes eloquentes que denunciassem essa arbitrariedade, ou
seja, a da não aplicação da aludida lei para outros casos, mas apenas para os
agentes envolvidos na repressão política, naquele momento, idos de 1973,
tampouco houve magistrados que contestassem seu uso para indivíduos que, na
prática, não tinham bons antecedentes.
Tal silêncio se devia à onda repressiva vivida no Poder Legislativo e
Judiciário desde a promulgação dos atos institucionais 1 e 2, que reafirmavam o

507
“Mandado de prisão n° 47.215: (O nome poderá ser:) Fleury”. Jornal da Tarde.
DOPS. 22/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio
Fleury.
508
Conferência proferida pelo procurador da Justiça Hélio Pereira Bicudo. Informação n.
1681-B/76. Serviço de Informações. DOPS. 17/12/1976. Arquivo do Estado de São
Paulo. Secretaria da Segurança Pública. 50-Z-707. Pasta 9. Documento 1063.
509
Juiz de direito quer Fleury na cadeia. Diário da Noite. DOPS. 22/02/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
192
Poder Executivo, diminuía o poder de atuação dos outros dois e determinava a
possibilidade de aposentadoria compulsória aos funcionários públicos que
contestassem a autocracia burguesa bonapartista vigente. De acordo com Klein e
Figueiredo,

na ausência de um quadro normativo institucionalizado, transfere-se


para o órgão no qual se concentra o poder, no caso, o Executivo,
grande parte da atribuição de regulamentar esfera jurídica através de
um processo eminentemente pragmático. As normas só são formuladas
quando a situação requer e sua validade tende a se restringir à
resolução da questão para a qual foi criada510.

Assim, não por acaso a mudança do Código do Processo Penal se deu


para resolver uma situação específica, bem como sua rápida promulgação se deu
pelo “fato de a criação de regras passarem a se processar quando a sua
aplicação se faz necessária torna relativamente exíguo o tempo necessário à sua
regulamentação” 511
. Em suma, a tal lei também estava inserida na dinâmica da
institucionalização da autocracia bonapartista e dos meandros que davam
legalidade a tais práticas, processo iniciado ainda nos primeiros dias dessa
autocracia bonapartista.
Essas alterações marcavam a chegada dos segmentos hegemônicos da
burguesia brasileira ao poder indireto do Estado e do exercício histórico de sua
dominação que se punha no Brasil de forma oscilante entre dois polos: “a
truculência de classe manifesta e a imposição de classe velada ou semivelada”512.
Em síntese, tais medidas que garantiam a soltura desses homens e a
continuidade das práticas violentas eram amenizadas e justificadas pela
“realização da paz social e do desenvolvimento econômico”513, contra os
considerados subversivos.

510
KLEIN e FIGUEIREDO, 1978, op. cit., p. 27.
511
Idem.
512
CHASIN, José. Hasta Cuando? A propósito das eleições de novembro. Nova Escrita
Ensaio. São Paulo, Escrita, 1982, p. 11, apud ASSUNÇÃO, 2005, op. cit.
513
Os autores analisaram a questão da busca da legitimidade ditatorial e concluíram que
aqui “os generais que dirigiram o país desde 1964 tiveram o bom-senso de governar
recorrendo amplamente à distorção e não à destruição das instituições básicas da
democracia política”, ainda que os partidos políticos tenham sido banidos em prol do
bipartidarismo de fachada ou mesmo com o fechamento do parlamento e demais
medidas postas em prática pelos bonapartistas, acabando com a democracia brasileira.
Para maiores informações, ver O‟DONNELL, Guillermo e SCHMITTER, Philippe.
193
Nesse sentido, a promulgação da Lei 5.941 foi mais um dos meandros da
autocracia burguesa bonapartista para se legitimar no poder, por meio da
legalização da liberdade e institucionalização da impunidade, pois era apenas
aplicada aos agentes dos esquadrões envolvidos na repressão.
Essa lei de 1973 alterava os artigos 408, 474, 594 e 596, do Decreto-Lei nº
3.689, de 3 de outubro de 1941, no que se referia “à isenção da prisão preventiva,
ao relaxamento da prisão e ao pagamento de fiança, dando ao magistrado mais
ferramentas para análise, classificação e julgamento dos casos”514. Por meio
dessa lei, portanto, todos os agentes que pertenciam ao aparato repressivo,
presos pela pronúncia nos processos dos esquadrões, foram imediatamente
postos em liberdade e, legalmente, tinham o direito de aguardar o julgamento no
exercício de suas funções.
A Lei Fleury aparentemente trazia um viés humanizador para o Código do
Processo Penal brasileiro, pois possibilitava que o indivíduo pronunciado – mas
que fosse réu primário e com bons antecedentes – pudesse aguardar o
julgamento em liberdade, fato reconhecido por outros magistrados, já na
reabertura política, em 1985, como foi o caso do promotor de Justiça Sérgio de
Oliveira Médici:

(...) não se pode deixar de reconhecer seus aspectos positivos e que


devem ser preservados. Ninguém pode negar, por exemplo, que a
impossibilidade genérica de apelar sem recolhimento à prisão criava
muitas injustiças. Quantos réus, primários e de bons antecedentes,
condenados em primeira instância, são posteriormente absolvidos nos
Tribunais? Como justificar, para essas pessoas que nunca delinquiram,
a prisão durante o tempo de processamento e julgamento do
recurso?515

Tal perspectiva se punha em vários artigos da aludida lei. O de número


408, por exemplo, garantia que todos os pronunciados fossem efetivamente
identificados. Na prática, o que ocorreu foi uma maior morosidade e a
possibilidade de prescrição do processo tendo em vista que os autos deveriam

Transições do regime autoritário. Primeiras conclusões. Trad. Adail U. Sobral. São


Paulo: Vértice / Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 46.
514
MATTOS, 2011, op. cit.
515
MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Sugestão de reforma da “Lei Fleury”. In: Justitia, São
Paulo, 47 (130): 181-184, jul./set. 1985. Disponível em
http://www.revistajustitia.com.br/revistas/9zz556.pdf. Acesso em: 31 dez. 2015.
194
voltar ao Ministério Público, pois nem todos os envolvidos estavam devidamente
identificados na denúncia e, na quase totalidade dos casos, as testemunhas
apontavam os transgressores apenas por apelidos, tornando impossível o
fechamento do processo.
O artigo 474, porém, garantiu que o tempo de arguição da defesa e da
acusação fosse ampliado, inclusive de réplica e tréplica, aparentemente dando
maior equanimidade ao julgamento.
Mas, o cerne da distorção do sentido da legalidade se encontra nos artigos
594 e 596: o primeiro garantiu que os trâmites do pedido de apelação fossem
feitos sem que o réu precisasse estar encarcerado, desde que fosse primário e de
bons antecedentes; o segundo, garantiu a liberdade imediata dos que se
encontravam aprisionados516, ou seja, os agentes do esquadrão envolvidos na
repressão, em particular o delegado Fleury.
Dessa forma, o problema da aludida lei não estava em seu corpo textual,
mas sim na sua aplicação efetiva, pois inúmeros casos existentes na época em
que essa regra poderia também ter sido aplicada, não foram agraciados por ela –
outros cidadãos não gozaram do mesmo direito.
Apenas em 1985, alguns juristas propuseram a reforma da lei, chamando a
atenção para o caráter “casuístico, tantas vezes denunciado”517, conforme aponta
o magistrado Sérgio de Oliveira Médici. Como pontuou Bicudo, essa lei, em sua
prática efetiva, era “discriminatória em favor de uma determinada classe de
delinquentes, em detrimento de outra, que chegou ao crime por imposição de
forças sociais”518.
Essa lei tornava legal a liberdade dos citados réus, mas foi aplicado apenas
aos agentes da repressão pronunciados nos processos dos esquadrões, fato que
denota a primeira evidência da proteção dada pelo Estado aos seus agentes,
perpetrada através de meios jurídicos para tal fim. Em suma, era a
institucionalização da autocracia bonapartista no âmbito dos poderes do Estado.

516
A Lei 5.941, intitulada de Lei Fleury, alterava os artigos 408, 474, 594 e 596, do
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 e foi detidamente apurada na dissertação
de mestrado de MATTOS, 2011, op. cit., capítulo 2: Fleury e a Lei de Segurança
Nacional: disputas entre a justiça militar e o Ministério Público.
517
MÉDICI, 1985, op. cit.
518
“As opiniões de Hélio Bicudo sobre a violência policial”. Jornal da tarde. DOPS.
16/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo.
195
A denúncia da extensividade das ações dos esquadrões em todo o país fez
emergir as vozes reacionárias vinculadas à ditadura, tal como se observa nos
exemplos a seguir. O Sr. Ivahir Garcia, representante da ARENA-SP, escreveu
para o Diário do Congresso Nacional, defendendo a promulgação da Lei Fleury
por entendê-la como um grande avanço na legislação brasileira. Segundo ele,
esta lei “concedia aos réus primários e de bom comportamento o direito de
permanecerem em liberdade até o julgamento pelo Tribunal do Júri, após a
sentença de pronúncia519”520.
Enquanto o parlamentar via, na Lei Fleury, a representação de um avanço
para o direito penal brasileiro, a imprensa denunciava seu uso restritivo, ou seja, o
fato de ter sido criada e utilizada apenas para alguns dos membros do esquadrão
da morte, mesmo inserida no Código do Processo Penal. Assim, apesar de
representar um grande avanço para o sistema penal brasileiro 521, na prática, ela
foi aplicada discriminatoriamente, beneficiando, exclusivamente, os policiais
membros da repressão e dos esquadrões, pronunciada em processos de dolo
contra a vida humana522.
Tal uso da lei tornou explícita a proteção que alguns agentes dos
esquadrões recebiam do Estado. Isso ficou ainda mais evidente quando um juiz,
em meados de 1978, cinco anos após a promulgação da lei, deu parecer negativo
em um caso quase idêntico ao de Fleury, principalmente arrogando a premissa de
bons antecedentes.

519
A sentença de pronúncia ocorre apenas em casos de crimes dolosos contra a vida, que
são de competência do Tribunal do Júri e trata-se da decisão que leva o acusado a
julgamento popular. Ela ocorre quando o magistrado, “ao verificar a materialidade do
crime e dos indícios suficientes de autoria, submete o réu a julgamento pelo Júri popular
por meio de sentença fundamentada, indicando os dispositivos de lei pelos quais ele
responderá”. Para maiores informações, ver: Glossário Jurídico. Disponível em
http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=S&id=521 e “Sentença de
pronúncia não deve influenciar jurados”: Disponível em:
https://www.ibccrim.org.br/noticia/13773-Sentena-de-Pronncia-no-deve-influenciar-
jurados. Acesso em 31 dez. 2015.
520
“O Sr. Ivahir Garcia (Arena - SP pronuncia o seguinte discurso)”. Diário do
Congresso Nacional. DOPS. 19/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP
0867 - Hélio Bicudo.
521
“Defesa quer Fleury solto porque é herói nacional”. Notícias populares. DOPS.
10/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0986 - Sérgio Fleury
522
“Quando a polícia não respeita as regras morais”. O Estado de São Paulo.
25/09/1977. CHB - A5 - P33.
196
Recentemente, um processo instaurado em cidade do Estado do Rio
suscitou grande debate, focalizando exatamente o problema de ser o
réu posto em liberdade. A questão foi, primeiramente, colocada perante
o juiz, em primeira instância. Depois, foi levado ao Tribunal. E,
finalmente, subiu ao Supremo Tribunal. Tratava-se de réu acusado de
crime de latrocínio. O juiz entendeu que ele deveria aguardar preso o
pronunciamento final. Acentuou o magistrado que, embora fosse o réu
primário, nem por isso podia ser considerado como portador de bons
antecedentes. Segundo salientou o juiz, havia ele cometido crime
bárbaro, revelando ainda, intensa periculosidade. Como, em tais
circunstancias permitir que ficasse em liberdade?523

O que podemos notar é que a Lei Fleury sempre manteve um caráter


exclusivista, como foi denunciado na matéria acima citada, publicada em 1978 ou
mesmo a sua conotação “casuística”, como denunciou o promotor Sérgio de
Oliveira Médici, já na década de 1980, como apontado anteriormente.
Além desse caráter exclusivista e casuístico, a lei também foi “manipulada”
quando a situação pediu. Esse foi o caso do julgamento ocorrido em 1977 e que
veremos mais apuradamente adiante. Nesse processo, a aludida lei precisou de
certos “arranjos” para a sua plena utilização e garantia da absolvição dos policiais.
Como um de seus preceitos determinava que os réus deveriam ter bons
antecedentes, era importante que todos os réus tivessem tal condição, tanto para
garantir a possibilidade de sua aplicação, quanto para não os desabonar perante
a magistratura. O problema era que um dos policiais atuantes nos esquadrões
paulistas – o policial Ademar Augusto, vulgo “Fininho” que também foi
pronunciado no processo contra os esquadrões na Comarca de Barueri – já havia
sido condenado em processos anteriores e, em 1977, encontrava-se encarcerado
por isso. Os autocratas bonapartistas, no entanto, encontraram uma solução para
que seus agentes da repressão não tivessem sua condição de “bons
antecedentes” manchados. Eles desmembraram o julgamento e, assim, Fininho
foi ouvido separadamente.
Esse procedimento foi realizado a pedido de membros da alta cúpula do
Estado ante a ameaça feita por Fininho de contar tudo o que efetivamente
vivenciou junto aos esquadrões, caso ele sofresse nova condenação, ao mesmo
tempo em que pedia por melhores condições carcerárias, já que se encontrava

523
“O crime, a lei e os tribunais: maus antecedentes”. Folha da tarde. DOPS.
14/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0896 (n° 61) - Sérgio Fleury.
197
preso. Suas denúncias poderiam acarretar na condenação de Fleury. De acordo
com o jornal O Estado de São Paulo,

como se trata de réu já condenado em outros processos promovidos


contra o esquadrão, e que se encontra em difíceis condições
carcerárias, ele poderia, caso sofresse nova condenação, fazer
revelações da mais alta importância, pois lá reza o ditado: perdido por
cem, perdido por mil. E mais do que isso, como existe um
entrelaçamento da prova, natural, em casos de coautoria, a condenação
de esse réu poder ter influência decisiva no julgamento que se lhe
seguiria, o do delegado Fleury524.

E, de fato, essa possibilidade existia tendo em vista que, desde o início de


1977, Fininho trocava correspondências com o Dr. Hélio Bicudo, denunciando
inúmeras das mazelas sofridas, inclusive a de que ele estaria sendo punido
enquanto os verdadeiros culpados estavam impunes ou em vias de serem
absolvidos. Em carta enviada a Bicudo em 10/03/1977, Fininho desabafa:

Hoje tenho que contentar-me com as migalhas que oferecem, pois sou
e sempre fui pobre e nem dinheiro para pagar advogado tive, e os que
me defendem são advogados indicados e orientados pelo Sr. Todo
poderoso Fleury, que só fazem o que ele acredita que não vá prejudicá-
lo no futuro525.

Fininho se colocou à disposição da justiça para falar abertamente tudo o


que sabia526 em troca de sua “remoção para o presídio da polícia civil”527. No
entanto, o julgamento em separado de “Fininho”, ao resultar em sua absolvição,
colaborou para que ele não fizesse acusações aos outros policiais, bem como
garantiu a permanência da impunidade. De acordo com o jornal O Estado de São
Paulo,

É certo que, na atual conjuntura, a perdurar o apoio à malta criminosa,


considerada intocável relativamente aos seus elementos mais

524
“Situação que afronta a opinião pública”. O Estado de São Paulo. 27/09/1977. CHB -
A5 - P33.
525
“Policial preso renega esquadrão e confessa crime”. O Pasquim. 06/1978. CHB - A5 -
P33.
526
Idem.
527
Idem.
198
expressivos, pois até uma modificação a seu favor se introduziu no
Código de Processo Penal, não há esperanças de que se faça justiça 528.

A institucionalização dos meandros ditatoriais, por meio da implantação de


bases legais, foi aplicada em todos os julgamentos ocorridos no Brasil, desde que
os réus fizessem parte do aparelho repressivo, como demonstrado pelo jornal
paulista, para o qual, ante a “fixação de uma imagem heroica”529 dos membros
dos esquadrões, “(...) nenhum jurado se abalançará a um veredito condenatório e,
muito menos, aqueles dos pequenos centros, muito mais sensíveis a pressões”530.
Todavia, quanto mais legal esse sistema tentava ser, mais arbitrário ele se punha:

o caráter permanente adquirido, a partir de 1968, pela ordem


revolucionária, contribuiu para acentuar esse tipo de tendência,
tornando crônica uma situação na qual as normas existentes podem, a
qualquer momento, perder a validade. Tornados extremamente frágeis
os vínculos mantidos pelo sistema de poder com a chamada ordem
legal, e criadas as condições para o fortalecimento intensivo da ordem
revolucionária, desaparecem alguns dos traços típicos de um sistema
de dominação legal531.

Assim, se tal procedimento, realizado pelos autocratas bonapartistas,


garantia a absolvição dos membros dos grupos de extermínio, mantendo-os na
legalidade constitucional, mais arbitrária tal ordem se punha dado seu caráter
exclusivista.
A formulação e promulgação dessa lei gerou grande discussão na
sociedade civil, bem como já levantava questionamentos sobre a proteção que o
Estado dava aos membros desse sistema – e Fleury era, notoriamente, um caso
exemplar da articulação entre as instâncias do aparato repressivo 532. Garantir a
liberdade dos integrantes do aparato repressivo representava a manutenção da
ordem vigente e foi realizada ao longo da década de 1970 de qualquer forma e a
qualquer custo.

528
“Volta ao Júri o esquadrão”. O Estado de São Paulo. 15/12/1977. CHB - A5 - P33
529
“Quando a polícia não respeita as regras morais”. O Estado de São Paulo.
25/09/1977. CHB - A5 - P33.
530
“Situação que afronta a opinião pública”. O Estado de São Paulo. 27/09/1977. CHB -
A5 - P33.
531
KLEIN e FIGUEIREDO, 1978, op. cit., p. 28.
532
A análise mais apurada da lei e seus impactos foram detidamente realizados em
MATTOS, 2011, op. cit.
199
4.2. O segundo julgamento: a coação aos membros do judiciário

Os esforços dos membros do Judiciário, ao longo do julgamento ocorrido


em 1973, esbarravam na onda punitiva, oriunda dos atos institucionais 1, 2 e 5.
Até meados de 1974, a punição aos membros do Judiciário já havia se
institucionalizado, desde o AI-5 em 1968, fato que preocupava os membros desse
poder. Havia a possibilidade de que tais magistrados tivessem sua imparcialidade
nos julgamentos associada a um atentado contra a ordem vigente. De acordo com
Klein e Figueiredo,

assim sendo, vemos que o uso da coerção, tanto em sua função


repressiva quanto preventiva, obedece a uma sistemática cumulativa e
expansionista. Sua abrangência é, desde o primeiro ciclo [instituição do
AI-1], a mais ampla possível, atingindo tanto os indivíduos ligados ao
aparato estatal quanto os ocupantes de cargos políticos, formais ou
informais. O direito de uso da punição e o escopo desta, no entanto, se
expandem no decorrer do processo, passam de transitórios nos dois
primeiros ciclos [AI-1 e AI-2] para permanentes, no terceiro [AI-5]. O
escopo da punição, por sua vez, limitado no primeiro ciclo, se amplia no
segundo, institucionalizando-se no terceiro ciclo, quando a punição
passa a ser aplicada em função do interesse de preservar e consolidar
a revolução533.

Todavia, as pressões oriundas de segmentos da sociedade civil e o


impacto da crise do milagre econômico em todos os setores sociais tornava a
legalidade daquela autocracia questionável.
Iniciado por volta de 1974, a crise do milagre econômico se deu por dois
motivos primordiais: a proposta político-econômica não contemplou as
necessidades, nem as mais básicas, da classe dominada no Brasil – pelo
contrário, sua dinâmica propunha como base a exclusão maciça das camadas
populares dos resultados produzidos; e não trataram de entender que a larga
acumulação efetivada no período do milagre, 1968-1973, não tinha mais como
continuar, dado o seu esgotamento 534.

533
KLEIN e FIGUEIREDO, 1978, op. cit., p. 149-50.
534
CHASIN, José. Miséria brasileira: estudos e edições AD Hominem, 2000, p. 60.
200
No Brasil, períodos de ditaduras e milagres econômicos fizeram parte da
dinâmica social e configuraram um traço profundo e dominante da nossa
formação. De acordo com Chasin, tal processo econômico-social correspondeu,
sucessivamente, ao “milagre da cana-de-açúcar, (...) da mineração, (...) do café, e
finalmente, dentro do milagre da industrialização subordinada ao imperialismo, o
menor e mais curto de todos, [a]o milagre de 1968 a 1973”535.
Intercalados a esses períodos de milagre econômico, havia momentos de
distensão política com ditaduras – mas, em qualquer dos momentos, contaram
com forte aparato repressivo e vigência de uma estrutura de poder autocrata. De
acordo com Chasin, essa oscilação pode ser vista no período monárquico,
pautado na mão-de-obra escrava; no período republicano, com a política dos
governadores, pautada em uma estrutura de poder autocrática, mas de fachada
liberal-democrática, intitulada por ele de “real ditadura das oligarquias rurais”; a
segunda metade da década de 1930, com a ditadura do Estado Novo; os anos
1940, com o governo constitucional de Dutra, mas ligado à repressão geral
oriunda da guerra fria e do embate entre capitalistas e comunistas e sua
propagação pelo mundo; o período “democrático” de Juscelino Kubitscheck e por
fim, o golpe de Estado e implantação da ditadura militar 536. Assim, nossa história
é rica em milagres e ditaduras, ao mesmo tempo em que é

(...) pobre efetivamente de soluções econômicas de resolução nacional


e carente de verdadeira tradição democrática. Trata-se, pois, no Brasil
de conquistar a democracia, e não propriamente reconquistá-la, visto
que, até hoje, em termos concretos não a conhecemos de forma
duradoura e real, nem mesmo nos limitas mais acanhados do que se
entende por democracia burguesa537.

A crise do milagre econômico foi sentida por todos os segmentos sociais,


mesmo que de maneiras distintas. As camadas mais pobres da população, que
vivia a repressão na sua forma mais efetiva quando ousavam lutar por seus
direitos básicos, inerentes a sua sobrevivência, viu o milagre econômico se
realizar às custas da sua própria exploração e pauperização. Para eles, a crise
tornaria sua condição de vida ainda pior. Os segmentos hegemônicos da

535
CHASIN, 2000, op. cit., p. 60.
536
Idem.
537
Ibidem.
201
burguesia, no outro extremo, viam a acumulação da sua riqueza diminuir diante
do fim do milagre econômico e, consequentemente, sentiam a preservação do
seu status quo ameaçada, bem com a manutenção da ordem capitalista na
particularidade vigente no país. Em consonância ao início da crise do milagre, os
expurgos, demissões, aposentadorias compulsórias e outras medidas já não
cabiam para aquele novo cenário político.
Assim, no segundo momento de julgamento dos membros dos esquadrões,
ocorrido em 1977, é possível notar que os magistrados tiveram maior espaço para
buscar a desarticulação dos grupos de extermínio 538, porém, um espaço breve,
pois os autocratas utilizaram de outras medidas para garantir a legalidade de seus
agentes da repressão.
Nesse momento, a forma encontrada pelos autocratas para tal fim foi a
coação. Essa prática já havia sido utilizada em julgamentos anteriores, mas
restritamente às testemunhas, se estendendo agora aos magistrados que
passaram a receber ameaças de morte, extensivas a seus familiares.
As ameaças feitas contra os magistrados foram constantes. No julgamento,
realizado na Comarca de Barueri, em meados de 1977, de acordo com os
periódicos da época que denunciaram as ameaças sofridas pelos magistrados,
não existiam condições ideais para que tais julgamentos ocorressem com
tranquilidade, pelo contrário, eles aconteciam “em clima de tensão e suspense
provocados pela denúncia da promotora pública Marcia Claudia Foz, de que todos
que ali se encontravam tinham sido ameaçados de morte por forças ocultas”539.
A coerção sofrida pelos magistrados foi denunciada pela imprensa da
época, ao informar que a promotora, Dra. Claudia Maria, diante das ameaças
sofridas e da omissão da procuradoria geral, “se limitou à leitura de peças dos
autos e não fez uma análise profunda das acusações”540.
As ameaças feitas contra os magistrados criavam, com relação aos
membros do sistema repressivo, uma eficiente blindagem que garantiu a

538
“Juiz de direito quer Fleury na cadeia”. Diário da Noite. DOPS. 22/02/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
539
“A absolvição de Fleury”. Jornal Sem identificação. DOPS. 03/10/1977. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio Fleury.
540
“Tribunal absolve Fleury por unanimidade”. Jornal do Brasil. 02/10/1977. CHB - A5 -
P33.
202
absolvição do delegado Fleury e dos demais acusados por unanimidade,
alegando falta de provas contra os acusados541.
Na sequência, observa-se que estes mesmos magistrados passaram a
aceitar a ausência de provas, a partir da alegação da defesa de que as
testemunhas eram indivíduos socialmente excluídos, comumente chamados de
“marginais”542 e, por tal condição, não poderiam ter seu depoimento considerado
como uma prova – em outras palavras, mesmo que esses agentes do Estado
fossem “claramente acusados da prática de torturas nas funções que
desempenham, incentivando, sem medida a própria violência” 543, eles seriam
inocentados, e as testemunhas, desqualificadas.
De acordo com um promotor de justiça de Barueri que acompanhava o
julgamento, ao ser questionado sobre a possível punição a Fleury, respondeu:
“Quem tem coragem de condenar Fleury”544? Era senso comum que, ao tentar
condenar Fleury, a força do Estado recairia de maneira brusca sobre quem o
tentasse e, caso houvesse a condenação, novos mecanismos seriam
engendrados para sua soltura.
Os julgamentos dos crimes dos membros dos esquadrões, em nível
nacional, eram pautados na certeza da sua absolvição. Em um caso registrado
por Geraldo Majella, pesquisador do esquadrão da morte de Alagoas, tais
julgamentos também “criavam um clima de pânico e terror na população, [a]
certeza da impunidade e ampliando o efeito devastador dos grupos criminosos na
Segurança Pública”545. Nesse sentido, notamos que as ações protetivas do
Estado para com esses grupos não remetem a uma particularidade local.
No Rio de Janeiro, a realidade era a mesma, ou seja, julgamentos que
graças à proteção do Estado, resultaram em absolvição dos réus. Em um caso,
ocorrido na Baixada Fluminense, eram acusados os sargentos Elói Felipe da Silva
541
“Tribunal absolve Fleury por unanimidade”. Jornal do Brasil. 02/10/1977. CHB - A5 -
P33.
542
“A absolvição de Fleury”. Jornal sem identificação. DOPS. 03/10/1977. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio Fleury.
543
“A que leva a anulação do julgamento do esquadrão”. O Estado de São Paulo.
23/07/78. CHB - A5 - P33.
544
“Assim os sete jurados decidiram que Fleury é inocente”. O Estado de São Paulo.
DOPS. 03/10/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio
Fleury.
545
MAJELLA, Geraldo de. Execuções sumárias e grupos de extermínio em Alagoas.
Maceió: EDUFAL, 2006, p. 27.
203
e Miguel Domingos de Souza, além de dois comerciantes locais. Mesmo sendo o
sargento Elói já reincidente nos crimes dos esquadrões, sua absolvição e a dos
outros membros do grupo, era dada como certa:

a maioria dos assistentes acredita que os sargentos Elói Felipe da Silva


e Miguel Domingos de Souza (...) serão absolvidos, baseados no fato
de que, nos dois grandes julgamentos do EM já realizados na Baixada
Fluminense, os acusados (cinco policiais) foram absolvidos por
unanimidade546.

Como se pode notar, a absolvição dos agentes da repressão era certa.


Eles eram parte integrante e de extrema importância para a manutenção da
ordem almejada pelos autocratas bonapartistas. A título de exemplo, no caso
paulista, ocorrido na Comarca de Barueri, mesmo após a promotora Márcia
Claudia Foz denunciar que havia sofrido ameaças, antes do julgamento ocorrido
em 1977, seu pedido de adiamento da sessão fora indeferido, pois a alta cúpula
do Judiciário entendeu que tal situação não era motivo suficiente para impedir que
ela desempenhasse suas funções.

Embora a promotora Márcia Claudia Foz tenha enviado ofício ao


procurador-geral da Justiça, Gilberto Quintanilha Ribeiro, narrando a
série de ameaças que ela e o juiz Osvaldo da Silva Rico [vinham]
recebendo há vários dias, o julgamento do delegado Sérgio Paranhos
Fleury, (...) será realizado hoje na Comarca de Barueri 547.

A esperada absolvição dos réus se efetivou e, depois disso, a promotora


Maria Cláudia Foz ressaltou a imparcialidade daquela decisão. Como haveria de
ter sido imparcial, se promotores, juízes e mesmo desembargadores foram
ameaçados? Embora o “desembargador Mendes Pereira tivesse afirmado que
elas [as ameaças] devem ter realmente existido, pois vários desembargadores
também as receberam” 548, tal situação não foi levada em consideração.

546
“Esquadrão em julgamento". Folha de São Paulo. DOPS. 11/04/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte; “Expectativa no
julgamento do esquadrão”. Jornal Folha da tarde. DOPS. 26/04/1978. Arquivo do Estado
de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
547
“Ameaça não impede o júri de Fleury”. O Estado de São Paulo. DOPS. 30/09/1977.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio Fleury.
548
“Anulada a absolvição de Fleury”. O Estado de São Paulo. 18/07/78. CHB - A5 - P33.
204
O caso repercutiu na imprensa da época, como pode ser visto na matéria
publicada pelo jornal Folha de São Paulo: “Na época do júri, o episódio despertou
celeuma e o noticiário foi agitado com as denúncias da promotora, segundo a
qual, ela e o magistrado Osvaldo da Silva Rico, vinham recebendo ameaças
telefônicas”549. Todavia, mesmo com tais ameaças e a imagem negativa que se
formava com relação a tal proteção, este foi mais um dos julgamentos em que os
agentes da repressão foram absolvidos.
A proteção do Estado autocrático aos membros da repressão atuantes nos
esquadrões começou a se esfacelar. Se antes essa proteção tinha cunho
nacional, aos poucos, eles passaram a ser “esquecidos” por seus protetores,
como veremos a seguir.

4.2.1. Apesar de tudo... mantêm-se os policiais envolvidos na ativa

As ameaças feitas aos magistrados tinham relação direta com outra


arbitrariedade imposta pelo Estado ao Judiciário: a continuidade dos réus no
pleno exercício de suas funções. Esse fato blindava os membros dos esquadrões
e permitia que eles continuassem a representar uma ameaça aos denunciantes
ou testemunhas. Além disso, ocupavam cargos de alto prestígio e de grande
importância para a ordem que se buscava perpetuar, o que subordinava ainda
mais a autoridade dos magistrados denunciantes.

(...) Enquanto os expedientes protelatórios eram provocados e aceitos


por juízes de direito e promotores públicos, o homem-símbolo do
esquadrão paulista [delegado Sérgio Fleury], sempre no pleno exercício
de suas atividades funcionais, era objeto de intensa promoção,
ascendendo, por merecimento, aos mais altos escalões da polícia e
recebendo condecorações de corporações públicas e entidades
privadas550.

A imprensa da época denunciava tais arbitrariedades e atribuíam a


responsabilidade ao Poder Executivo e Judiciário, que não os afastavam do
549
“Anulado julgamento que absolveu Fleury”. Folha de São Paulo. 18/07/78. CHB - A5 -
P33.
550
“Quando a polícia não respeita as regras morais”. O Estado de São Paulo.
25/09/1977. CHB - A5 - P33.
205
cumprimento de suas funções. Recebendo proteção política do Estado, conforme
reconhecido pela imprensa e pela opinião pública, como apontou o jornal O
Estado de São Paulo, em meados de 1978,

se os réus do esquadrão da morte desfrutam hoje, na Polícia, posições


de destaque, a responsabilidade cabe por inteiro aos Poderes Executivo
e Judiciário, que não determinaram o seu afastamento no momento
oportuno (...)551.

A continuidade de tais agentes da repressão e esquadrões no cumprimento


de suas funções possibilitava-lhes o acesso a informações privilegiadas, e a
proteção recebida pela alta cúpula do Executivo ratificava isso – não apenas
coagiram magistrados, ligando para suas casas e fazendo ameaças, como
também coagiram as testemunhas.
Tomaremos como exemplo, uma ocorrência na comarca de Barueri,
município de São Paulo. Nessa comarca, Fleury e seu grupo executaram duas
pessoas, concorrentes dos esquadrões na venda de entorpecentes.
Misteriosamente, a principal testemunha desapareceu dias antes da realização do
julgamento 552, encerrando, sem maior alarde, a possibilidade de que ela fosse
ouvida.
Os policiais tinham livre acesso aos processos em que estavam incursos e
poderiam alterar provas importantes contra eles. De acordo com Hélio Bicudo, “a
única medida a ser tomada constituía-se no afastamento imediato da função
policial de quantos, apontados à justiça, aguardam o pronunciamento” 553, o que
nunca ocorria. O não afastamento dos policiais de suas funções, portanto, era
fator primordial para que segmentos da sociedade civil – que já estavam
alarmadas com a atuação dos grupos de extermínio – tivessem completa certeza
de que, na verdade, os julgamentos significavam a representação, a encenação

551
“A que leva a anulação do julgamento do esquadrão”. O Estado de São Paulo.
23/07/78. CHB - A5 - P33.
552
“Situação que afronta a opinião pública”. O Estado de São Paulo. 27/09/1977. CHB -
A5 - P33
553
“Na Câmara, Bicudo denuncia ação dos órgãos de segurança”. Folha de São Paulo.
DOPS. 10/08/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo;
“Bicudo recebe título e defende a anistia”. O Estado de São Paulo. DOPS. 10/08/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo.
206
de um processo que já se sabia o fim, ou seja, os policiais seriam absolvidos,
como o foram.
A imprensa da época denunciou que a impunidade ante tais
arbitrariedades, quando se tratavam dos policiais da repressão acusados de
delitos à frente dos esquadrões, não era exceção. De acordo com o jornal O
Estado de São Paulo, era impossível que juízes, promotores e jurados, que
também se viam pressionados com as represálias, atuassem com imparcialidade.

E que julgamento será possível quando o réu ocupa a direção de um


dos maiores e importantes departamentos policiais, tendo sob seu
comando homens e meios capazes de exercer coação irresistível – e
nem se requer que pratiquem qualquer ato nesse sentido – sobre juízes,
promotores e, sobretudo, sobre os jurados?554

Essa era mais uma evidência de que a atuação dos agentes da repressão
política também nos esquadrões conferiu a eles a proteção dos autocratas
bonapartistas, como mostrou o periódico em 1977:

Transformado no homem símbolo da luta contra a subversão, não se


pejaram as autoridades federais de lhe dispensar todo o peso de um
apoio incondicional, que chegou a refletir na edição de lei especial que
pudesse livrar da prisão [o delegado Fleury]555.

Tais relações se tornavam mais evidentes, além de serem questionadas


pela imprensa e por segmentos do Judiciário. A questão era a manutenção
desses policiais nas suas funções no aparato repressivo, como questionou o
jornal O Estado de São Paulo:

Se o servidor incriminado não tem o decoro de se afastar para que os


trabalhos da Justiça possam desenvolver-se com tranquilidade e
segurança e, pelo contrário, ainda recebe a solidariedade dos mais altos
escalões do governo, então, é legítimo desconfiar das intenções desse
mesmo governo, relativamente à ordem jurídica556.

554
"Quando a polícia não respeita as regras morais". O Estado de São Paulo.
25/09/1977. CHB - A5 - P33.
555
"Ameaça não impede o júri de Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS. 30/09/1977.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio Fleury.
556
“Quando a polícia não respeita as regras morais". O Estado de São Paulo.
25/09/1977. CHB - A5 - P33.
207
Na verdade, os periódicos questionavam a divisão dos poderes e qual era
o efetivo papel que o Judiciário estava desempenhando, uma vez que este era
enxovalhado quando se tratava de tentar punir os esquadrões que, ao invés de
serem afastados, recebiam todo tipo de condecoração.

(...) é preciso que passe a atuar efetivamente com honestidade. Não


apenas de intenções, em particular quando se sabe que elementos
seus, claramente envolvidos nas atividades do esquadrão da morte, não
foram sequer afastados dos cargos que ocupam, mas ao contrário,
viram-se cumulados de honrarias ou até promovidos por
merecimento557.

Tais questionamentos se tornaram ainda mais acalorados quando veio à


tona outra irregularidade – questionada ainda naquele momento, mas, assim
como ocorrido com relação às ameaças sofridas pelos magistrados, nada foi feito
– no julgamento realizado na Comarca de Barueri. Tratava-se da constatação
pela promotora de que cento e quarenta e oito documentos haviam sido
introduzidos pela defesa no processo sem que houvesse tempo hábil para a
acusação analisá-los558 – o tempo mínimo para realizar tais inclusões era de três
dias úteis.
A arbitrária aceitação da inclusão de novos documentos aos autos pelo juiz
“sem conceder o prazo legal ao Ministério Público para que deles tomasse
conhecimento”559 também pode ser entendida como uma forma de coação ao
magistrado, pois, se agissem com imparcialidade, certamente sofreriam mais
represálias, como mostra o jornal O Estado de São Paulo:

(...) E, como tal, [Fleury] chegou a ser considerado pelas Forças


Armadas, como verdadeiro Herói nacional, condecorado, entre outros,
pelo Ministério da Marinha, com a medalha de “Amigo da Marinha”. E
daí, a proteção de que se beneficiava e continua se beneficiando.
Temido por essa mesma proteção, recebe vênias de juízes e
promotores temerosos de futuras e eventuais represálias560.

557
"A polícia e a mulher de César". O Estado de São Paulo. 08/03/1977. CHB - A5 -
P33.
558
"A absolvição do delegado Fleury, agora anulada". O Estado de São Paulo. 18/07/78.
CHB - A5 - P33.
559
"A que leva a anulação do julgamento do esquadrão". O Estado de São Paulo.
23/07/78. CHB - A5 - P33.
560
"Ameaça não impede o júri de Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS. 30/09/1977.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio Fleury
208
A inclusão arbitrária de documentos pela defesa foi notada e contestada no
momento do julgamento, mas seu pedido só foi atendido quase um ano depois –
tempo necessário para que o Tribunal da Comarca de Barueri entendesse que,

tendo em vista as alegações da representante do Ministério Público, o


Tribunal acolhe o recurso tendo em vista que os trabalhos da promotora
pública foram prejudicados porque os advogados da defesa
apresentaram provas durante o julgamento, que não constavam nos
autos, impossibilitando que a representante do Ministério Público
tivesse tempo hábil para examiná-los561.

Apesar da acolhida do pedido da promotora, mesmo que um ano depois,


fato é que um novo julgamento não aconteceu562, mantendo-se o veredito de
inocência já definido anteriormente, garantindo a prática desses braços armados
da repressão. Os jornais da época também questionavam se, caso houvesse
outro julgamento, ele seria realmente imparcial ou apenas uma mera formalidade.
De acordo com o jornal O Estado de São Paulo,

a anulação do julgamento a nada conduz. Realizar-se-á outro, mas, nas


circunstâncias atuais, ocorrerá provavelmente nova absolvição por
unanimidade, pois não se adotaram providências, da parte do Poder
Judiciário, para assegurar a imparcialidade da decisão563.

Em suma, era sabido pela opinião pública e pela imprensa que um novo
julgamento, assim como o primeiro, não aconteceria em condições necessárias
para que houvesse imparcialidade das partes julgadoras para exercerem suas
funções.
Os questionamentos que, em 1973, eram tímidos, agora em 1977, estavam
em diversos segmentos da sociedade civil e ecoavam por todos os cantos. A
autocracia bonapartista e seus tentáculos começavam a ser questionados.

561
“Fleury volta ao banco dos réus". Diário da Noite. DOPS. 18/07/78. Arquivo do Estado
de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
562
"A que leva a anulação do julgamento do esquadrão". O Estado de São Paulo.
23/07/78. CHB - A5 - P33.
563
Idem.
209
4.3. O terceiro julgamento: policiais absolvidos e juízes afastados por
“merecida promoção”

A revogação do ato institucional n° 5, em outubro de 1978564, representou o


retorno da autonomia do Poder Judiciário, mas de forma muito limitada, pois não
apenas manteve a lógica bonapartista no sistema judiciário como transferiu para
os estados o ônus da questão relativa aos esquadrões: afinal, não se tratava mais
de uma questão política, mas sim de criminalidade comum.
Para os magistrados que julgariam os crimes dos esquadrões da morte,
abria-se um espaço para o uso da imparcialidade, como apontou o juiz Filardi, da
Comarca de Guarulhos e responsável pelo julgamento que lá ocorreria:

eu atuo conforme a interpretação da lei e a minha consciência. (...) Eu


não interpreto a lei com dois pesos e duas medidas. Este, parece, é o
seu princípio básico para a interpretação e aplicação da lei. E foi assim
que notabilizou-se por sentenças límpidas e pouco criticadas, aplicadas
e nos fóruns onde trabalhou desde sua aprovação no concurso à
magistratura565.

Em 1978, o Ato Institucional n. 5 foi revogado, o que para alguns autores


significou o final do processo de distensão política que propunha um
afrouxamento tutelado das tensões sociopolíticas, associando-se a uma maior
participação política e ao desmantelamento da coerção legal, de cuja posição a
historiadora Maria Helena Moreira H. Alves é representante 566. De acordo com
Alves, o general Golbery fez um alerta sobre aquele difícil momento e sobre a
necessidade de legitimação do Estado. Assim, o programa da distensão política
tinha que estar atento para o fato de que “a repressão ilimitada, na busca de uma
segurança absoluta, levaria em última análise à debilitação da segurança nacional
pretendida”567.

564
A revogação do Ato Institucional n° 5 “manteve a legislação eleitoral, os senadores
biônicos e reservou-se o direito de decretar o estado de emergência”. Cf. COSTA, 2001,
op. cit., p. 181.
565
"A ameaça ao homem que mandou prender Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS.
21/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
566
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil 1964-1984. Bauru, SP:
Edusc, 2005, p. 223-224.
567
ALVES, 2005, op. cit., p. 225.
210
No que tange ao funcionamento do Judiciário, em meados de 1978, tinha
início o terceiro julgamento contra os esquadrões, agora na Comarca de
Guarulhos. No processo de n° 173/71, os réus respondiam pela execução de
Antônio Rodriguês (Nico), Antônio Mendonça (Gaúcho) e Marcos Tetracesar
(Italianinho), que se encontravam sob custódia do Estado, no presídio Tiradentes
de onde foram tirados e executados em Guarulhos.
Os advogados de defesa, como já feito em outras pronúncias, entraram
com o pedido de concessão da Lei Fleury, alegando que seus clientes eram réus
primários e de bons antecedentes. Para espanto geral, o magistrado daquela
Comarca, juiz Antônio Filardi Luiz questionou tais “qualidades” dos réus.
Como era possível classificá-los como cidadãos com bons antecedentes,
se, contra eles, pesavam inúmeras acusações, muitas ainda a serem julgadas? A
imprensa da época, ainda em 1977, no julgamento ocorrido na Comarca de
Barueri, já trazia ao público tal incoerência, quando apontou que os membros dos
grupos de extermínio não poderiam ser beneficiados com a lei Fleury, pois
aqueles policiais “não satisfazia(m) pelo menos uma das exigências”568, ou seja,
não possuíam bons antecedentes, uma vez que já haviam sido julgados e ainda
tinham tantos outros processos a responder, inclusive alguns já com data
marcada para ocorrer, caso de que era um exemplo, aqueles contra os agentes
que haviam executado uma pessoa alcunhada de “Nego Sete” 569. Logo,

(...) tecnicamente, todos os réus são primários. Mas não podem ser
considerados como portadores de bons antecedentes pessoais para os
efeitos do disposto no parágrafo 2° do artigo 408 do Código do
Processo Penal com redação emprestada pela Lei 5941/73: Fleury
responde ou respondeu por vários outros processos semelhantes570.

568
"Ameaça não impede o júri de Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS. 30/09/1977.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio Fleury.
569
“Nego Sete” foi o primeiro indivíduo a ser morto pelo esquadrão da morte paulista. Ele
foi fuzilado pelo grupo no final de 1968 quando chegava a sua casa. Em seguida, foi
enrolado em um tapete e desovado na Comarca de Guarulhos. Para maiores
informações. ver MATTOS, 2011, op. cit. e também "Será em Guarulhos o outro júri de
Fleury". Notícias populares. DOPS. 03/10/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta
OS 0986 - n° 61 - Sérgio Fleury; e também "Outro julgamento de Fleury em Guarulhos".
Folha de São Paulo. DOPS. 03/10/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS
0986 - n° 61 - Sérgio Fleury.
570
"A ameaça ao homem que mandou prender Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS.
21/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury; e
211
Em 1978, o juiz Filardi questionou a concessão da Lei Fleury aos
integrantes do aparato repressivo e, por entender que não tivessem bons
antecedentes, em virtude da quantidade de processos movidos contra eles,
decretou a prisão preventiva de Fleury a ser cumprida imediatamente. O
magistrado ainda ressaltou a necessidade da boa conduta desses policiais que
deveriam servir de exemplo para a sociedade, tendo em vista o posto que
ocupavam, em especial o referido delegado. De acordo com Filardi,

Junte-se a tudo isso a razoável exigência de maior rigor quando se trata


de elementos que exercem funções públicas, inclusive em altos postos
da hierarquia policial, como é o caso do co-réu Fleury, pelo exemplo
que devem dar em decorrência da própria função exercida571.

Tal decisão do juiz não ficou sem retaliação dos autocratas bonapartistas.
Logo após a determinação do juiz, ele e sua família passaram a sofrer ameaças
de morte, obrigando-lhe alterar sua rotina familiar, havendo a necessidade da
presença constante de proteção familiar em sua casa – suas filhas passaram a
ser acompanhadas em sua vida quotidiana.

Pela primeira vez, os seis [o juiz, sua esposa e as quatro filhas] [viram]-
se num estado de angústia familiar. Claro, o pai não demonstra suas
preocupações. (...) O único detalhe destoante agora é a presença
constante de uma viatura de Rádio Patrulha, chapa GC6719, cujos dois
ocupantes anotam as chapas dos veículos que passam por ali. Na
verdade, o recurso antecedeu muitos dias à divulgação da prisão de
Fleury e ao telefonema anônimo e agressivo de ontem. “Eu já previa
consequências, justifica. E por mais alguns meses, as filhas serão
acompanhadas ao Colégio Estadual, a viatura permanecerá, a família
residirá no sobrado. Uma diferença – portas e janelas –
cuidadosamente fechadas, ninguém pode se aproximar sem ser
inquerido pelo policial atento. Provavelmente, outros hábitos da família
também sofrerão algumas mudanças: as garotas não mais ficarão
sozinhas assistindo televisão(sic), enquanto os pais vão às reuniões do

também "Juiz de direito quer Fleury na cadeia". Diário da Noite. DOPS. 22/02/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
571
"Fleury se apresenta e é recolhido à prisão". O Globo. 23/02/1978. CHB - A5 - P33; e
também "Fleury já está preso". Notícias Populares. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
212
Rotary Club; o tênis que o juiz aprendeu a prática em Piedade será
interrompido (...)572.

O objetivo de tal pressão era a de que o magistrado revisse sua decisão e


aplicasse a lei de acordo com a necessidade do aparato repressivo. Como o
magistrado não o fez, outras medidas foram tomadas pelo Estado. O juiz Filardi,
lotado na Comarca de Guarulhos, havia feito um pedido de remoção para a
mesma instância no Tribunal de Justiça de São Paulo, capital, um dos postos
mais concorridos da magistratura. O pedido feito anos antes foi autorizado duas
horas após o juiz decretar a prisão preventiva de Fleury e dos demais integrantes
dos esquadrões e, em menos de 24 horas, ele estava empossado no cargo na
outra Comarca. Essa “maratona” foi narrada pelos periódicos:

O juiz Antônio Filardi, autor da sentença, teve um dia particularmente


agitado. Às 8h20 recebeu telefonema anônimo, voz de homem,
ameaçando a vida de suas quatro filhas. Até às 11 horas leu uma
dezena de telegramas congratulatórios, enviados por colegas ou não.
Às 13 horas foi empossado juiz na cidade de São Paulo pelo Tribunal
de Justiça. Depois, nas providências burocráticas para consolidação do
novo posto, e nas caminhadas pelas ruas da Capital, constrangeu-se
com a súbita notoriedade que o cerca573.

A postura de Filardi na contramão das determinações do aparato


repressivo causou grande alarde na imprensa da época, com diversos pedidos
para que ele justificasse sua posição. O magistrado, atendendo a tais demandas,
foi a público justificar sua decisão e também amenizar o furor causado:

Não decretei sua prisão preventiva, como alguns jornais noticiaram. O


que sucedeu foi o seguinte: o réu deveria aguardar em liberdade seu
julgamento, beneficiado que seria pela lei n° 5.941 de dezembro de
1973, lei essa que é vulgarmente chamada de Lei Fleury, por ter sido
ele próprio o seu primeiro beneficiado. (...) Porém, eu considerei que o
réu não tem bons antecedentes. Ele esteve e está envolvido em vários
processos. Essa consideração é subjetiva, mas levou-me aquela
decisão574.

572
"A ameaça ao homem que mandou prender Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS.
21/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
573
"A ameaça ao homem que mandou prender Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS.
21/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
574
"Fleury está preso". Diário da noite. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
213
A decretação da prisão preventiva contra Fleury e a de seus subordinados
acirraram as vozes conservadoras na defesa da liberdade do delegado. Afinal,
tratava-se de apenas cinco processos. Seria isso suficiente para que ele não
pudesse gozar do benefício da lei575? Em um Estado que mantinha quase a
totalidade de sua população sob suspeição constante, podendo qualquer
indivíduo ser preso sem motivo efetivo e obrigado a passar por longas sessões de
torturas até confirmar tudo o que o aparato repressivo julgasse ser verdadeiro,
ficava cada vez mais claro que os membros dos esquadrões recebiam proteção
legal para a prática de suas ilegalidades.
A decisão do magistrado também representava a abertura de um
precedente identificado pela mídia impressa, ou seja, a possibilidade de que
outros julgamentos contra representantes do Estado fossem realmente imparciais
e que, efetivamente, punissem os membros dos famigerados grupos. De acordo
com o jornal O Estado de São Paulo de 1978, isso já se punha como senso
comum entre os próprios policiais do Departamento Estadual de Investigações
Criminais (DEIC):

as opiniões dos policiais nos corredores do prédio (...) são unânimes:


Fleury não será mais diretor do DEIC. Acreditam que com a decisão do
juiz de Guarulhos, os outros magistrados poderão se manifestar e
pronunciar também o delegado nos processos restantes576.

Em linhas gerais, a corajosa atitude do juiz poderia ser uma possibilidade


para o restabelecimento da confiança no Judiciário brasileiro, que há tempos
caminhava subordinado ao Executivo. A determinação do juiz, de acordo com
matéria publicada pelo Jornal da Tarde, foi destacada como medida “inédita” em
contraposição à ideia de rotina que o cumprimento da lei deveria trazer. Aponta o
jornal que “assim podemos resumir uma sentença que deveria ser de rotina, mas,
dadas certas circunstâncias do momento, pode ser considerada um documento
histórico”577.

575
"Um possível pedido de habeas corpus". Folha da tarde. DOPS. 24/02/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
576
"Juiz decide hoje sobre a liberdade de Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS.
24/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
577
"Uma sentença que restaura a confiança no Judiciário". Jornal da tarde. DOPS.
23/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
214
Havia, então, a lei para o povo e a lei para os agentes do Estado e, para
este último segmento, a interpretação da lei e a sua respectiva aplicação
deveriam mesmo ser bem diferentes. Em longo prazo, essa dissonância trazia à
tona os limites impostos ao Estado por sua própria prática que, pautada na busca
da legitimidade através de mudanças constitucionais, na verdade, fazia “aumentar
sua capacidade imediata de controle e de repressão, mas esses esforços não têm
probabilidade de ser considerados arranjos permanentes (...)”578 – esta era a real
função social desempenhada por tais alterações constitucionais.
Tomemos como base o trato com o indivíduo ligado à militância, à luta pela
liberdade de expressão e pelo retorno das garantias individuais, ou mesmo o
cidadão comum que lutava por demandas sociais. A estes, mesmo tendo bons
antecedentes confirmados por documento oficial emitido pelas delegacias, cabiam
as prisões arbitrárias, as longas sessões de tortura e ainda deviam comprovar sua
inocência, mesmo não havendo culpa formada ou processo formulado. Essa
dubiedade foi denunciada em 1978 pelo periódico O movimento, que questionava:
“Como pretender-se que os comandados do delegado Fleury ajam segundo os
ditames da lei, se esta, quando se trata da figura do policial intocável, é ignorada
e até mesmo abastardada”579?
A concessão da remoção ao magistrado foi assunto na mídia impressa
tanto por novamente explicitar a proteção política do Estado para com seus
agentes da repressão, quanto por parte do Executivo e segmentos do Judiciário,
vinculados à ditadura que se apressaram em anunciar que tais trâmites de
remoção já estavam previstos e que sua publicação apenas “coincidiu em ser
publicada pelo Diário Oficial, três dias depois de ser decretada a prisão preventiva
do delegado Sérgio Fleury” 580.
Os autocratas bonapartistas apenas não disseram que, com a remoção do
magistrado – que poderia ser entendida como uma promoção, dada à grande
concorrência para conseguir uma vaga no Tribunal da capital – abria-se um
espaço para que a decisão de Filardi fosse anulada. Não à toa, no mesmo dia da
saída do juiz, foi protocolado o pedido de reconsideração do advogado de defesa

578
O‟DONNELL e SCHMITTER, 1988, op. cit., p. 36.
579
"O esquadrão da morte na polícia". O Movimento. 05/1978. CHB - A5 - P33.
580
"A ameaça ao homem que mandou prender Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS.
21/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
215
de Fleury e de seus subordinados acusados dos crimes do esquadrão 581.
Cessando o período de atuação do magistrado naquela Comarca, ele não poderia
receber o pedido, tampouco cabia a ele julgá-lo. Os meandros do Estado para
legalização da liberdade de seus agentes da repressão estavam em trânsito.
Por pressões exteriores, ou não, o próprio juiz Filardi também foi a público
anunciar que sua remoção não tinha relação com a sua decisão sobre o processo
de Fleury. Para o magistrado, sua saída era “um ato de rotina que nada tem a ver
com o caso do esquadrão”582. No entanto, seus pedidos de remoção, feitos em
momentos anteriores ao seu envolvimento no caso dos esquadrões paulistas, não
haviam sido acatados, contrariamente ao que ocorria agora, quando foi atendido
prontamente, configurando-se, assim, a possibilidade de outro magistrado
assumir em seu lugar e rever sua decisão – já que Filardi deixou claro que não
mudaria sua decisão. Fato é que, independente de qual a real intenção, ele fora
removido, e o próximo magistrado, escolhido pelos autocratas, certamente
concederiam a liberdade aos agentes da repressão.
Era necessária a concessão da liberdade aos membros dos esquadrões
Sérgio Paranhos Fleury, Ademar Augusto de Oliveira (Fininho), José Campos
Correia Filho (Campão), João Bruno e João Carlos Tralli, pois a expedição do
mandado de prisão contra eles ocorreu no período entre a remoção do juiz Filardi
e o ingresso do novo magistrado.
Com exceção de Fleury, que se apresentou para cumprimento da medida
cautelar e de Ademar Augusto de Oliveira, que já estava preso em razão da sua
culpa em outro processo, os demais policiais estavam em situação de foragidos.
Eles acreditavam que Fleury não ficaria preso e, esperando por isso, não se
apresentaram, esperando a soltura do chefe do grupo para também utilizarem do
mesmo pressuposto jurídico que a ele seria concedida.

581
"Fleury: a primeira petição de liberdade". Jornal da tarde. DOPS. 24/02/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
582
"Fleury já em prisão especial". Folha da Tarde. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do Estado
de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
216
(...) os policiais falavam somente na decisão da Justiça. Muitos
duvidavam quanto à aplicação da lei, assegurando que Fleury sempre
foi beneficiado e não seria desta vez que a coisa irá ser do contrário 583.

O próprio Fleury, ao ser questionado, demostrou-se tranquilo com relação à


sua prisão: “(...) procurado em seu gabinete, o delegado Sérgio Fleury não
demonstrou qualquer preocupação, negando-se a comentar a medida”584. Era
sabido por todos que a manipulação jurídica para legalidade da liberdade dos
agentes da repressão aconteceria. Era uma questão de tempo, ou de
oportunidade.
A divisão de capturas, órgão integrante do Departamento Estadual de
Investigações Criminais (DEIC) e subordinado a Fleury, deveria realizar a prisão
do delegado – tarefa a ser realizada pelo delegado Ari Bauer, também
subordinado a Fleury. A imprensa começou a especular sobre isso, acreditando
que Bauer, quando recebesse o mandado, passaria o caso para o Secretário de
Segurança Pública, coronel Erasmo Dias 585. Tal fato denota que o cumprimento
da ordem de prisão do delegado seria excepcional porque demandava
intervenção de instâncias superiores, embora fosse voz corrente também que tais
superiores, como o coronel Erasmo Dias, por exemplo, atuassem em defesa da
corporação.
O próprio magistrado Filardi, antes de ser removido, já havia encaminhado
para o citado Coronel o pedido de prisão preventiva de Fleury, ao invés de enviá-
lo ao setor de capturas586. Como se pode notar, Fleury era um caso da alta cúpula
do aparato repressivo e cabia ao Secretário de Segurança Pública atuar na
aplicação da lei. De fato, o coronel Erasmo Dias efetuou a prisão do delegado,

583
"Juiz decreta a prisão de Fleury". O Estado de São Paulo. 22/02/1978. CHB - A5 -
P33 e também DOPS. Pasta OS 0986 (n° 61). Sérgio Fleury. Arquivo do Estado de São
Paulo.
584
"Decretada a prisão do delegado Fleury". Diário Popular. DOPS. 22/02/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
585
"Juiz decreta a prisão de Fleury”. Folha de São Paulo. 22/02/1978. CHB - A5 - P33
586
"A ameaça ao homem que mandou prender Fleury". Estado de São Paulo. DOPS.
21/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
217
mas antes “(...) ficou nervoso ao ser informado que o juiz de Guarulhos iria
expedir os mandados de prisão e não concederia os benefícios da Lei Fleury” 587.
Quando os advogados de defesa de Fleury entraram com recurso, pedindo
a revisão da sentença do juiz Filardi, alegando a condição de réu primário e de
bons antecedentes, usaram como comprovação um atestado emitido pela
Delegacia Geral de Polícia, onde de fato, não constava condenação alguma. Os
advogados de defesa chegaram a questionar por que a lei passou a ser aplicada
de outra forma, apontando que “em todos os processos, Fleury foi considerado de
bons antecedentes. Por que não agora”588? Em suma, os advogados estavam
questionando a mudança na aplicação da lei, pois

os diferentes juízes que oficiaram nos autos concederam ao acusado o


direito de conservar-se em liberdade, julgando poder eles beneficiar-se
do direito instituído estabelecido pelo Paragrafo II do artigo 408 do
Código de Processo Penal, com a redação determinada pela lei
5.941/73 (...)589.

No dia seguinte à expedição do mandado de prisão, Fleury se apresentou


na Delegacia Geral de São Paulo e passou a cumprir a determinação do juiz
Filardi. Os demais indiciados, conforme dissemos, esperaram o resultado do
pedido de anulação para também se apresentarem. Já na delegacia, o delegado-
geral Tácito Pinheiro Machado, responsável pelos novos presos, informou que
nenhuma regalia lhes seria dada, ao mesmo tempo em que os funcionários
providenciavam a arrumação da melhor sala do prédio: “a sala era acarpetada,
com ar condicionado, música ambiente, televisão a cores (sic) e banheiro
privativo”590. Essa foi a dependência em que Fleury ficou por apenas cinco dias,
quando ocorreu sua soltura. Tais regalias também foram pauta de vários
noticiários, em contraposição aos pronunciamentos de que isso não aconteceria.

587
"Juiz decreta a prisão de Fleury". O Estado de São Paulo. 22/02/1978. CHB - A5 -
P33 e também DOPS. Pasta OS 0986 (n° 61). Sérgio Fleury. Arquivo do Estado de São
Paulo.
588
"A ameaça ao homem que mandou prender Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS.
21/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
589
"Advogado de Fleury pede reconsideração". Folha de São Paulo. DOPS. 24/02/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
590
"Fleury se apresenta e é recolhido à prisão". O Globo. 23/02/1978. CHB - A5 - P33.
218
De acordo com o Jornal da Tarde, a prisão do delegado não alterou os seus
hábitos, muito pelo contrário,

ontem, ele almoçou com o delegado geral Tácito Pinheiro Machado e


com os delegados Generoso Grutilla, João Paterno, José Souto Maior,
Ary Bauer (atual diretor do DEIC), Adhemar Magalhães Lopes, Josecir
Cuoco e Expedito Marques Pereira. A tarde recebeu visita da esposa,
dos filhos, sobrinhos e primos, além de muitos amigos e atendeu a
dezenas de telefonemas591.

A repercussão contra tais privilégios obrigou a Secretaria de Segurança


Pública do Estado e o próprio delegado-geral de Polícia, Sr. Tácito Pinheiro
Machado, a intervir pronunciando-se sobre a necessidade do cumprimento da
determinação jurídica de que o encarceramento deveria ocorrer no “(...) Presídio
da Polícia Civil, onde devem ficar, normalmente, todos os policiais civis sub
judice”592 , como apontou o Jornal da Tarde na época.
Na teoria, a prisão de Fleury deveria afastá-lo de suas funções, de modo
que ele ficasse impossibilitado de utilizar de sua posição privilegiada dentro do
aparato, bem como de exercer qualquer pressão sobre as testemunhas ou
mesmo influenciar sobre a decisão final do processo.
Mas, apenas um dia após a sua prisão, ele já frequentava todas as
dependências do departamento, inclusive ficando a maior parte do tempo na sua
própria sala, no 5° andar do DEIC e, “mesmo afastado do cargo, foi procurado por
policiais que o avisaram sobre o andamento das investigações de casos que ele
presidia”593. Para a Folha de São Paulo, a manutenção de Fleury no prédio do
aparato policial, ainda no exercício de suas funções, principalmente quando se
tratava de denúncias de execuções sumárias, era complicada, pois

591
"Fleury: a primeira petição de liberdade". Jornal da tarde. DOPS. 24/02/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
592
"Mandado de prisão n° 47.215: (O nome poderá ser:) Fleury". Jornal da Tarde.
DOPS. 22/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio
Fleury.
593
"Juiz decide hoje sobre a liberdade de Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS.
24/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
219
um juiz se for julgado afasta-se da função, um homem público que se
oferece em novo julgamento aos eleitores abre mão do cargo. A este
processo dá-se o nome de incompatibilização594.

Essa incompatibilidade foi notada também por lideranças políticas que


teceram críticas a tal situação, como o deputado federal, integrante do Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), Airton Soares, que relacionou a reintegração de
Fleury ao DEIC, a possibilidade de sua intervenção direta no andamento dos
processos, “ameaçando testemunhas, tentando coagir promotores e até juízes”595,
como aconteceu nos julgamentos anteriores.
A escolha do DEIC não foi à toa: era a possibilidade de Fleury continuar a
ter acesso direto aos fatos ocorridos no seu próprio trabalho e meio596. Em suma,
ele não estava afastado de suas funções. Daí sua segurança ao chegar às
dependências da sua prisão, acompanhado por seis delegados e seus dois
advogados597.
Tal escolha, no entanto, se punha à revelia da determinação do juiz Filardi,
que havia estabelecido que a prisão fosse feita nas dependências da Secretaria
da Segurança Pública. Fleury justificou a escolha do departamento específico,
alegando o nível hierárquico vigente nas instituições. De acordo com o próprio
delegado,

eu poderia ter ido para o DOPS. Mas não vejo sentido nisso, pois eu e o
diretor do DOPS estamos no mesmo nível, que é de diretor de
departamento. O mais certo é que eu fique ligado ao meu superior
hierárquico imediato, no caso, o delegado-geral de Polícia. 598

Era amplamente sabido que Fleury, assim como nas outras situações em
que fora beneficiado com a lei que levava seu nome, tinha total acesso aos
trâmites e informações do processo e que influenciaria na decisão final. Além
disso, sua prisão não mudava em nada sua atuação no aparato repressivo, como
594
"Incompatibilidade". Folha de São Paulo. DOPS. 01/03/1978. Arquivo do Estado de
São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
595
"Airton Soares critica libertação do delegado". O Estado de São Paulo. DOPS.
01/03/1978. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury. Arquivo do Estado de São Paulo.
596
"Eu estou inocente". O Estado de São Paulo. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do Estado
de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
597
"Fleury se apresenta e é recolhido à prisão". O Globo. 23/02/1978. CHB - A5 - P33
598
"Eu estou inocente". O Estado de São Paulo. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do Estado
de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
220
o próprio Fleury, em entrevista em fevereiro de 1978, a O Estado de São Paulo,
“admitiu que pretende ser informado de tudo que estiver ocorrendo”599.
Seu advogado de defesa, o Dr. Alceu de Almeida Gonzaga, ao dar uma
entrevista sobre os passos seguintes para libertar seu cliente, associou sua
manutenção no local de trabalho a um estado de liberdade. No entendimento do
advogado, “Fleury tem o direito de aguardar seu julgamento em liberdade, ao
afirmar que o juiz concedeu a prisão especial em sala da Secretaria da Segurança
Pública”600. Na prática, mesmo cumprindo medida cautelar, ele continuou
exercendo suas funções e tinham possibilidade de influenciar o julgamento. Cabia
então, apenas esperar pela legalização da sua liberdade, que aconteceria na
sequência.
O chefe do esquadrão paulista e articulador do aparato repressivo foi
liberado poucos dias depois. O novo juiz Péricles de Toledo Pizza Junior,
designado para a Comarca de Guarulhos, revogou a determinação de seu
antecessor, garantindo aos membros da repressão política a liberdade. Para o
novo magistrado, Fleury possuía “provas robustas dos bons antecedentes”601 e
acrescentou:

em todos os outros processos a que se responde ou respondem, que se


encontra em fase análoga – isto é, pronunciado – gozou o acusado do
direito de aguardar o julgamento pelo egrégio Tribunal do Júri popular
em liberdade, não vejo porque receber tratamento diverso neste 602.

O magistrado também pontuou que “a dúvida deve ser interpretada em


favor do acusado”603, fato presente na Constituição a partir do princípio clássico
do in dubio pro reo,604 o que, ressalte-se mais uma vez, não se aplicava a

599
"Fleury apresenta-se e fica em cela especial". O Estado de São Paulo. 23/02/1978.
CHB - A5 - P33.
600
"Fleury já em prisão especial aguardará decisão do juiz". Diário Popular. DOPS.
23/02/1978.Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
601
"Fleury livre reassume no DEIC". Folha da tarde. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
602
"Fleury livre reassume no DEIC". Folha da tarde. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
603
"Fleury livre reassume no DEIC". Folha da tarde. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
604
O princípio do in dubio pro reo consiste em, na dúvida, realizar a interpretação em
favor do acusado, pois a garantia da liberdade deve prevalecer sobre a pretensão
punitiva do Estado. Informações disponíveis em:
221
nenhum outro acusado, particularmente naqueles anos de intensa repressão
política. Uma hora depois de ter sido posto em liberdade605, Fleury reassumiu seu
cargo no DEIC, como apontou O Estado de São Paulo, “o delegado Sérgio
Paranhos Fleury é, agora, um homem livre”606. Essa decisão, em linhas gerais,
coadunava-se com as necessidades do Estado em manter legalmente em
liberdade seus colaboradores.
O próprio réu confirmou, em entrevista coletiva à imprensa, que já
esperava sua soltura607, conforme, inclusive, esperava a corporação militar –tanto
que o delegado Ari Bauer, da Divisão de Capturas, designado para substituí-lo,
em nada mexeu, ou mudou, durante sua breve passagem no cargo do colega.

Ari Bauer, que voltou para a Divisão de Capturas, não havia feito
nenhuma alteração na Diretoria do DEIC, desde terça-feira da semana
passada, e por isso, Sérgio Fleury encontrou-a como havia deixado,
com os mesmos delegados assistentes, os mesmos assessores, os
mesmos investigadores e escrivães. Nem no setor de secretária e em
outros burocráticos, Ari Bauer havia mexido608.

A mesma certeza tinha os outros envolvidos: José Campos Correia Filho e


João Carlos Tralli, integrantes do esquadrão, que estavam de férias no momento
do mandado de suas prisões, sequer a interromperam; esperavam pela decisão
do pedido feito pelos advogados de Fleury para depois se apresentarem e
também solicitarem a liberdade, através do mesmo recurso609. Esse fato, que
ocorreu no início de março de 1978 610, também foi autorizado pelo juiz Péricles de

http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121916192/principio-do-in-dubio-pro-reo.
Acesso em 10 jun.2015.
605
"Juiz reconsidera parte da sentença e libera Fleury". Folha de São Paulo. DOPS.
28/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury;
"Fleury reassume o DEIC". Diário Popular. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do Estado de
São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury; e, "Fleury espera a sua liberdade a
qualquer momento". Folha de São Paulo. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
606
"Em liberdade. O juiz decide: Fleury é primário, de bons antecedentes". O Estado de
São Paulo. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61)
- Sérgio Fleury.
607
"Juiz reconsidera parte da sentença e libera Fleury". Folha de São Paulo. DOPS.
28/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
608
Idem.
609
Ibidem.
610
"Pedida a liberdade para dois policiais de Fleury". Diário da noite. DOPS. 10/03/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
222
Toledo, entendendo que, assim como Fleury, eles gozavam de bons
611
antecedentes .
É importante frisar que o uso de práticas jurídicas para garantir a legalidade
da repressão era prática comum do Estado para com os membros do aparato
repressivo desde o início das atividades desses grupos de extermínio – a primeira
vez que o Judiciário teve de rever sua sentença em prol desses agentes da
repressão ocorreu ainda 1973, quando um magistrado, cujo nome não fora
identificado pelo jornal, revogou o mandado de prisão contra os homens do
esquadrão. De acordo com o Jornal da Tarde, o juiz em questão na época,

(...) ao decretar a prisão preventiva de Fleury, um juiz foi chamado ao


Tribunal e obrigado a reformular sua própria decisão. E isso ele fez,
realmente. Mas sem colocar “juiz de Direito” abaixo do seu nome, como
sempre fez, envergonhado com a situação612.

Os meandros para garantir a liberdade e legalidade dos esquadrões, como


se pode notar, deram-se ao longo dos anos de sua atuação. Retomando a 1978,
o subprocurador da justiça Antônio Motta Neto escreveu um parecer na época,
repudiando a interpretação de livramento da prisão por bons antecedentes,
coadunando com os argumentos do juiz Filardi, que fora afastado. Para o
magistrado,

não importa acuse (o réu) bons antecedentes (bom marido, bom pai,
etc.), mesmo de ordem administrativa (diretor geral de Polícia, chefe do
DEIC, etc.), pois à evidência faltam-lhe bons antecedentes criminais613.

O subprocurador da Justiça voltou a enfatizar o fato de os acusados


responderem por vários outros processos, o que denotava a insistência dos réus

611
"Juiz mantém a decisão e deixa Fleury em liberdade". O Estado de São Paulo.
DOPS. 15/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0896 (n° 61) - Sérgio
Fleury.
612
"Mandado de prisão n° 47.215: (O nome poderá ser:) Fleury". Jornal da Tarde.
DOPS. 22/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio
Fleury.
613
"Em liberdade. O juiz decide: Fleury é primário, de bons antecedentes". O Estado de
São Paulo. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61)
- Sérgio Fleury.
223
em permanecer com a prática delituosa614. Tantas argumentações em defesa da
correta aplicação da lei em nada resultaram, além do repúdio de Péricles de
Toledo aos magistrados e a reafirmação de sua decisão615.
No dia seguinte após a libertação de Fleury, o juiz Antônio Filardi Luiz,
magistrado que determinara a prisão dos membros dos esquadrões, em
entrevista à Folha de São de Paulo, mostrou-se extremamente consternado ante
a decisão da 1° Vara do Fórum de Guarulhos. Filardi apontou diversos pontos que
comprovavam o beneficiamento de Fleury e de como a legislação brasileira
operava de forma dúbia: uma para os representantes do Estado e outra para a
população no geral. Para Filardi, a primeira irregularidade fora o fato de não ter
sido levado para o presídio, “por desobedecer a ordens do juiz, uma vez que o
despacho foi bem claro ao fixar como local da detenção uma sala especial e não
o prédio do DEIC”616.
O magistrado também questionou a tese de bons antecedentes adotada
por seu sucessor no caso, reafirmando que ele, Filardi, embasara-se no estudo
dos autos para decidir pela expedição de mandado de prisão617. Por fim, ele
apontou que a aplicação da lei estava em acordo com ditames da repressão e
não dos preceitos constitucionais, pois diversas outras pessoas, na mesma
condição de Fleury, foram consideradas não possuidoras de bons antecedentes e
tiveram que aguardar o julgamento preso.

Eu já mandei muita gente para a cadeia, usando as mesmas palavras


que usei para prender o delegado Fleury. Veja bem, o caso de bons
antecedentes de Fleury é difícil de ser explicado. Como é que um
homem que é campeão de processos do Júri no Brasil pode ter bons
antecedentes? Não conheço ninguém que tenha mais processos que
ele no Júri618.

614
Idem; "Fleury vai continuar preso? Hoje, a resposta". Jornal da tarde. DOPS.
28/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
615
"Durou pouco a confiança restaurada". Jornal da tarde. DOPS. 01/03/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
616
"Juiz Filardi Luiz: eu teria enviado Fleury ao presídio". O Estado de São Paulo.
01/03/1978. DOPS. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury. Arquivo do Estado de São
Paulo.
617
Idem.
618
Ibidem.
224
Diante das novas solturas que vieram na sequência, e ainda consternado
pela anulação de sua decisão, o juiz Filardi entendeu que a liberdade dos
membros dos esquadrões estava diretamente relacionada à atuação deles na
repressão política619 – fato amplamente denunciado também pela imprensa,
conforme se observa no exemplo abaixo, entre outros:

No máximo podemos concluir que se uma legislação é tão elástica a


ponto de permitir conclusões tão distintas, alguma coisa está errada
com a legislação. Ou com os homens que a interpretam620.

A evidência da subordinação do Judiciário ao bonapartismo causou grande


mal-estar nos meios forenses, observando-se alguns pronunciamentos como o do
subprocurador da Justiça, Antônio Motta Neto, que já havia questionado o uso de
trâmites jurídicos para garantir a legalidade das práticas estatais com os membros
dos esquadrões, uma vez que o recurso impetrado pelos advogados de defesa de
Fleury deveria ser analisado e não reconsiderado, como o foi. De acordo com o
magistrado,

num recurso desse tipo, o juiz reforma ou não sua decisão, havendo
parecer do Ministério Público. Em caso positivo, a sentença pode ser
reformada; em caso negativo, o conhecimento da causa é levada ao
Tribunal de Justiça621.

Tal arbitrariedade levou o magistrado perpetrar uma ação no Tribunal de


Justiça do Estado contra a libertação ilegal de Fleury, buscando o
622
restabelecimento de sua prisão provisória . Os advogados de defesa valeram-se
do argumento da importância de Fleury e dos membros dos esquadrões na
repressão, ressaltando que ele era um “herói nacional”623, imagem em processo
de consolidação ao longo dos anos em consonância à sua atuação no

619
Ibidem.
620
"Incompatibilidade". Folha de São Paulo. DOPS. 01/03/1978. Arquivo do Estado de
São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
621
"A libertação de Fleury, contestada". Jornal da tarde. DOPS. 02/03/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
622
"Defesa quer Fleury solto porque é herói nacional". Notícias populares. DOPS.
10/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0986 - Sérgio Fleury
623
Idem.
225
“aniquilamento dos movimentos subversivos e terroristas”624. Tal situação de
enobrecimento do delegado foi a justificativa para a aceitação das ações dos
esquadrões da morte pelo juiz Péricles de Toledo Pizza, que manteve sua
decisão de permitir que Fleury aguardasse o julgamento em liberdade. A próxima
instância a dar seu aval foi o Tribunal de Justiça 625.
O juiz Péricles de Toledo Pizza também recebeu sua “promoção” por
legalizar a situação dos membros dos esquadrões, aceitando o pedido de gozo da
Lei Fleury. O magistrado permaneceu à frente do Tribunal da Comarca de
Guarulhos por menos de um mês após a decretação da liberdade dos agentes da
repressão e depois foi também “removido para a capital como auxiliar das 1° e 2°
Varas Criminais”626. Em suma, sua passagem por essa Comarca durou o tempo
necessário para interpretar e aplicar a lei, de acordo com os interesses da
autocracia burguesa bonapartista.
Após todos esses trâmites feitos a partir da alta cúpula do Executivo, a
possibilidade de que os julgamentos posteriores fossem feitos com imparcialidade
caiu por terra – o que se viu foram sessões manipuladas que resultavam sempre
na legalização da liberdade dos agentes da repressão, a exemplo do julgamento
ocorrido na Comarca de Diadema, em junho de 1978. Nesse processo, os
policiais Valter Brasileiro Polim, João Carlos Tralli e João Surreição Frade foram
acusados de terem retirado do Presídio Tiradentes as vítimas Manoel Benedito
Lisboa (Estrelinha) e Nico e de os terem executado. Todos os policiais citados
eram membros da equipe de Fleury e desempenhavam suas funções no DEIC. A
certeza da absolvição era nítida, tanto que, mais uma vez, os advogados dos
policias “(...) estavam certos da absolvição de seus constituintes que foram
denunciados por homicídio qualificado pelo emprego de meio cruel e recurso que
impossibilitou a defesa das vítimas"627.

624
Ibidem.
625
Doc. "Juiz mantém a decisão e deixa Fleury em liberdade". O Estado de São Paulo.
DOPS. 15/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0896 (n° 61) - Sérgio
Fleury.
626
"Juiz mantém a decisão e deixa Fleury em liberdade". O Estado de São Paulo.
DOPS. 15/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0896 (n° 61) - Sérgio
Fleury
627
“O julgamento dos policiais em Diadema". Folha da tarde. DOPS. 06/06/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte; "Justiça absolve
226
Nesse caso, os advogados de defesa argumentaram que a imprensa criara
um estereótipo contra os esquadrões628 e que as testemunhas não tinham
qualificação para prestar depoimento, pois tratava-se de encarcerados629. Essa
desqualificação fora justificada pelos advogados de defesa através da alegação
de que havia “animosidade natural existente entre policiais e marginais, o que faz
com que os segundos acusem os primeiros como vingança”630.
Tal argumentação foi aceita com unanimidade pelo Tribunal de Justiça,
mesmo após a corajosa afirmativa de uma das testemunhas, de que as vítimas
estavam marcadas para morrer, assim como após ter havido o reconhecimento
dos policiais pela mesma testemunha. O depoimento do encarcerado Samuel
Machado não foi levado em consideração631 e, ainda, os advogados de defesa
trouxeram provas forjadas que buscavam comprovar que as vítimas não estavam
presas naquele presidio. Cabia ao promotor de justiça provar o contrário, mas
como fazê-lo se o testemunho dos colegas de cela não servia?

O representante da promotoria, tendo em vista declarações apensadas


ao processo, tentou provar que os policiais, com a colaboração de
outras pessoas, tinham retirado aqueles dois marginais do Presídio
Tiradentes, isto no dia 23 de dezembro de 1969, assassinando-os na
noite de 23 para 24 daquele mesmo ano e mês, abandonando seus
corpos num trecho da Estrada do Everly, em El Dorado, distrito de
Santo Amaro632.

A tentativa da promotoria em provar o contrário parou no aparente


corporativismo policial que mentia, omitia e destruía provas – relações que
veremos no próximo capítulo. O Sr. Olintho Denardi, na época diretor do Presídio

três policiais". Folha da tarde. DOPS. 07/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo.
Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
628
"Diadema julga 3 integrantes do esquadrão". O Estado de São Paulo. DOPS.
06/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
629
"Esquadrão responde por duplo homicídio". Folha de São Paulo. DOPS. 06/06/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte
630
"Outro crime atribuído ao esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 26/05/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte
631
"Esquadrão da morte absolvido em Diadema". Notícias populares. DOPS.
07/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte
632
"Esquadrão absolvido: quem matou Zorro e Estrelinha?". Diário da Noite. DOPS.
07/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte
227
Tiradentes, apontou que jamais um preso poderia sair do presídio sem estar “sob
a responsabilidade de um delegado de polícia ou de um juiz de direito” 633, como
se isso não ocorresse na prática. Por fim, a simples negativa do crime por parte
dos policiais foi o motivo apontado pelo Tribunal de Justiça como prova suficiente
para inocentá-los. De acordo com o Diário Popular, “os jurados acolheram a tese
da negativa da autoria, sustentada pela defesa”634.
Ao final do julgamento, a absolvição esperada concretizou-se. Os policiais,
já julgados em outros processos dos esquadrões e arrolados em tantos outros
autos, foram inocentados por seis votos a favor e um contrário. Para o promotor, o
que gerou essa absolvição foi

o alto índice de criminalidade existente hoje em São Paulo e a


insegurança em que vive a população – justifica o promotor – podem
trazer com que muitos cidadãos comuns sejam favoráveis à existência
de sociedades do tipo do esquadrão da morte635.

Havia um fato, porém, não mencionado pelo promotor: o júri também temia
por sua vida, afinal estavam julgando os membros dos esquadrões da morte –
indivíduos que foram abertamente protegidos pelo Estado na busca da
manutenção da liberdade desses agentes da repressão. Assim, os jornais da
época noticiavam o amedrontamento pelo qual passavam os jurados, que não
gozavam de proteção ou garantias para decisões tomadas com imparcialidade:

Existem maneiras de proteger o júri, assim como existe empenho maior


em se conseguir a impunidade para os membros do esquadrão da
morte. Não há nenhum interesse em dar proteção ao corpo de jurados.
Além disso, esta proteção estaria a cargo da própria polícia. E, pelo que
temos visto, ela está aí para defender o sistema e não o cidadão636.

633
Idem.
634
"Policiais absolvidos". Diário Popular. DOPS. 07/06/1978. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte; "Justiça absolve três policiais". Folha
da tarde. DOPS. 07/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 -
esquadrão da morte.
635
"Outro crime atribuído ao esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 26/05/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
636
“Fleury se entrega à Justiça em Guarulhos”. Folha de São Paulo. 23/02/1978. CHB -
A5 - P33.
228
Em outro julgamento, ainda em 1978, a dinâmica foi praticamente a
mesma. Foram pronunciados os policiais Vitor José de Almeida, Fleury, Astorige
Correa e João Surreição pela morte das vítimas Pedro Faustino dos Santos
(Pedrão), Luís Antônio Augusto (Irada) e José de Souza (Carequinha). Eles foram
retirados das celas do DEIC e executados. A absolvição dos réus se deu com
base na negativa dos policiais e na premissa de que os depoimentos dos presos –
únicas testemunhas possíveis para o caso, segundo as circunstâncias – eram
falsos637. A defesa também usou de documentos forjados, atestando a soltura das
vítimas, meses antes do crime 638, mesmo que os detentos, companheiros de cela
da vítima, testemunhassem que ele havia sido retirado da cela do DEIC para a
morte 639.
O que se nota é que, ao longo da década de 1970, o Estado autocrático
burguês bonapartista tratou de dar respaldo legal às práticas dos seus agentes da
repressão, como o uso da lei conforme as circunstâncias. Todavia, a
arbitrariedade de tal legalidade passou a ser paulatinamente questionada,
principalmente com o descontentamento geral oriundo da crise do milagre
econômico. Se tais arranjos garantiram a permanência da característica
esquizofrênica640 do regime ditatorial, também impulsionaram seu
questionamento.

No que se refere aos setores da população excluídos e vitimados pelo


regime, a caracterização esquizofrênica do regime abre espaço
ideológico no interior do qual esses setores podem expressar aquilo que
com frequência torna-se sua exigência fundamental: a remoção do
regime autoritário e sua substituição por um regime democrático 641.

637
“Esquadrão: o investigador acusado é absolvido”. O Estado de São Paulo. DOPS.
26/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
638
“Promotoria vai recorrer no caso do esquadrão”. Notícias Populares. DOPS.
27/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
639
Idem.
640
Os autores usam o termo “esquizofrenia ideológica” para caracterizar as antagônicas
relações existentes ao longo da nossa ditadura militar que pressupunha a recorrência a
“práticas ditatoriais e repressivas no presente, ao mesmo tempo em que prometem
liberdade e democracia no futuro”. Cf. O‟DONNELL e SCHMITTER, 1988, op. cit., p. 35.
641
Idem, p. 36.
229
Aquele Estado, para ambos, mesmo que por motivos diferentes, não
poderia mais existir. A abertura política, posta em prática de cima para baixo, bem
como tutelada pela autocracia burguesa bonapartista iniciava-se, e seus
“entulhos” deveriam ser eliminados. Não à toa que, em 1° de maio de 1979, o
maior protegido daquele aparato repressivo seria morto. Mas, isso é tema do
capítulo 6.
A lógica do Estado de proteger seus agentes da repressão que atuavam
nos esquadrões permanecia – tanto que formas foram encontradas para
conseguir a legalidade da liberdade desses policiais. Todavia, dada à conjuntura
histórica que se punha, principalmente no momento desse último julgamento, em
1978, a atuação dos esquadrões da morte já não era tão necessária a ponto de a
autocracia burguesa bonapartista tornar sua já péssima imagem, nacional e
internacional, ainda pior.
Assim, o que notamos é que desde 1978, os autocratas empurraram para
os estados a responsabilidade por tais grupos, abandonando seus agentes da
repressão, não mais necessário para aqueles anos em que acontecia a busca por
legitimidade junto à sociedade civil. Todavia, a juridicidade militar é um caso a ser
analisado e o será no próximo capítulo.

230
Capítulo 5
A juridicidade manipulatória e os frutos da árvore envenenada:
formas de perpetuação da impunidade

Os esquadrões da morte eram compostos por agentes das mais diversas


patentes e agrupamentos, da polícia civil e militar, de acordo com a
particularidade de cada estado brasileiro. Na ativa, ou aposentados, eles eram
delegados, sargentos, informantes da polícia, detetives, investigadores, soldados,
entre outros.
Embora, na ação de extermínio e demais violências contra direitos
humanos, todos estivessem em condições de igualdade, a patente do agente do
Estado e o momento em que ocorreu o julgamento determinavam o grau de
impunidade, ou seja, distinguia quem poderia sofrer algum tipo de punição e
quem não seria punido.
Nessa linha, os policiais desses grupos de extermínio, envolvidos com a
repressão política tinham ainda maior proteção política, como pudemos ver ao
longo do capítulo 4, e os de menor patente, a partir do final da década de 1970,
foram aleatoriamente escolhidos e “punidos” de modo a atender os anseios dos
setores representados na opinião pública.
Assim, neste capítulo, trataremos como os policiais colaboravam para a
perpetuação da impunidade naquela ordem autocrática. À primeira vista, tais
meandros podem ser entendidos como puro corporativismo militar, mas não era
bem assim. A juridicidade manipulatória e os frutos da árvore envenenada nos
levam a outras conclusões. Passemos a analisá-las.

5.1. Juridicidade manipulatória

Ao longo daquela autocracia bonapartista, os militares se valeram de


inúmeras ferramentas para garantir a sua permanência no poder do Estado642.

642
Os ditadores dividiam-se em dois grupos: os “castelistas” que diziam que o poder
deveria ser devolvido para os civis rapidamente, e a “linha dura” que não dava prazo para
a saída dos militares do poder do Estado. O primeiro presidente, Humberto de Alencar
231
Recorreram ao Princípio da legalidade, criando dispositivos que davam àquelas
práticas a conotação legal, como pudemos notar ao longo do capítulo anterior, ou
através da juridicidade, que pressupõe a ampliação da Administração Pública à
esfera do ordenamento jurídico643, não se limitando ao posto pela lei. Nesse
último sentido, punha-se a transformação do ilegal em legal.
Tais proposições se explicitam quando os militares buscaram meios de
tratar seus agentes e as questões pertinentes a eles em foros especiais. No
Brasil, essa prática remonta a períodos distantes de nossa história. O Superior
Tribunal Militar e, por extensão, a Justiça Militar, por exemplo, foram criados por
D. João VI, após a chegada da Família Real Portuguesa, em 1808. Na época
chamavam-se Conselho Supremo Militar e de Justiça e tinha a função de
processar e julgar os Generais, decretar a perda de posto e patente dos indignos

Castelo Branco (1964-1967) encabeçava o grupo castelista. Costa e Silva (1967-1969) e


Emilio Garrastazu Médici (1969-1974) representavam a linha dura, e os dois últimos
presidentes, Ernesto Geisel (1974-1979) e João Batista Figueiredo (1979-1985)
representavam o retorno à linha castelista. Cf. KUCINSKI, Bernardo. O fim da ditadura
militar. São Paulo: Contexto, 2001. No entanto, o historiador Carlos Fico chama a
atenção para as caracterizações feitas, entendendo-as muito mais como boa vontade dos
biógrafos do que como uma análise apurada sobre o que tais generais fizeram na prática.
Castelo Branco (1964-1967) era costumeiramente chamado de “legalista” e “moderado”,
e tais qualidades foram utilizadas para caracterizar um conjunto de militares que, assim
como ele, partilhavam de formação intelectual mais refinada, fato que também rendeu
aos integrantes dessa vertente a atribuição de linha Sorbornne. Na prática efetiva,
Castelo Branco foi escolhido para ocupar o cargo da Presidência contra a vontade do
general Costa e Silva que, por sua vez, autonomeara-se "comandante-em-chefe do
Exército Nacional" e líder do "Comando Supremo da Revolução". Com a interferência de
Costa e Silva, o novo presidente não conseguiu interromper as punições, proibiu
atividades políticas dos estudantes, decretou a AI-2, ajudou a redigir e assinou a Lei de
Segurança Nacional, fechou o Congresso Nacional, restringiu a atuação da imprensa, foi
conivente com a tortura. Assim como o general Geisel, também tido como moderado,
admitia a tortura e o extermínio como necessárias, mesmo que não as fizesse com suas
próprias mãos. Dessa forma, é importante ressaltar que mesmo que tenham sido
caracterizados como moderado ou linha dura, não há homogeneidade daqueles militares
sobre a forma de condução do Brasil. Cf. FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre
1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de História, vol. 24, n. 47, Editora RHB: São
Paulo, 2004.
643
Grosso modo, trata-se do conjunto hierarquizado de normas jurídicas que disciplinam
coercivamente as condutas humanas, com a finalidade de alcançar a harmonia e a paz
social. De acordo com Bobbio, o ordenamento jurídico é o conjunto de normas jurídicas
existentes em sociedade, com relações particulares entre si e ao contexto de normas em
que se inserem. Cf. MOURA, Danieli Veleda. “A Teoria do Ordenamento Jurídico de
Norberto Bobbio” In: Âmbito Jurídico. Disponível em: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6751&revista_caderno=23.
Acesso em 16 jan.2016.
232
ou incompatíveis para com o oficialato644. A outro órgão, a Justiça Militar
Estadual, competia processar e julgar os crimes militares definidos em lei
praticados por policiais militares e corpos de bombeiro militares, limitando-se à
jurisdição de cada estado.
Em alguns estados, a Justiça Militar precedeu a Justiça Comum, como
ocorrido no Estado do Rio Grande do Sul, onde o Tribunal Militar do Estado foi
criado oficialmente, em 1918, mas remonta ao século XVIII, com a chegada das
naus portuguesas que integravam a expedição militar de Silva Paes645.
Em São Paulo, ele foi criado em 1937, e, em Minas Gerais, em 1938,
depois reorganizada e instituída oficialmente como Tribunal Militar daquele estado
em 1947. Em ambas as localidades, tais foros estavam ligado aos governos de
Vargas (1930-1945; 1950-1954) que deixou como legado a organização do
aparato estatal646.
Tratava-se da criação de instâncias especiais para julgamento dos
militares, indícios da juridicidade,647 entranhada na lógica de funcionamento do
Estado e, sobre ela, disseram os especialistas:

(...) existe uma atividade estatal que não é jurídica: o aparelho do


Estado age muitas vezes fora do direito e ao mesmo tempo a favor dele
(...) Em conclusão, o surgimento e a substância da juridicidade parecem
depender da existência de um tipo de conflito social que tem, sem
dúvida, sua origem mais profunda (mas não exclusiva) nos fatores

644
ASSIS, Jorge César. “Justiça Militar”. Disponível em:
http://www.jusmilitaris.com.br/novo/index.php?s=justicamilitar. Acesso em 15 jan. 2016.
645
Brigadeiro José da Silva Paes foi fundador da cidade do Rio Grande, no atual estado
do Rio Grande do Sul, em 19 de fevereiro de 1737. Cf.
http://www.jornalagora.com.br/site/content/noticias/print.php?id=39962. Acesso em 16
jan. 2016.
646
ASSIS, Jorge César. “Justiça Militar” Disponível em:
http://www.jusmilitaris.com.br/novo/index.php?s=justicamilitar. Acesso em 15 jan. 2016.
647
O Princípio da Juridicidade tem uma conotação ampla, pois não se limita à esfera do
determinado pela lei, mas é determinada pelo ordenamento jurídico. Assim, ele incorpora
toda a regra, inclusive os costumes, a ética e a eficiência. Na Administração Pública, sua
amplitude possibilita “subverter” a legalidade e a dicotomia entre validade e invalidade,
pois “mesmo não sendo tais atos formais sob a perspectiva estrita da legalidade (razão
pela qual seriam ilícitos e inválidos pelo paradigma da legalidade), são merecedores de
consideração pela simples existência, a qual é capaz de lhes conferir validade jurídica, a
despeito da legalidade formal”. FERNANDES, Francisco Luiz e FERNANDES, Thallita
Maria Moreeuw. “Princípio da juridicidade” In: Revista Âmbito Jurídico. Disponível em:
http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13405&revista_ca
derno=9. Acesso em 16 jan.2016.
233
econômicos, e cuja solução ou atenuação determina a necessidade de
normas cuja eficácia seja assegurada pela força física
institucionalizada648.

Um exemplo foi a determinação, a partir da Constituição de 1967 de que à


Justiça Militar competia “processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei,
os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas” e, ainda: “Esse foro
especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão
de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares, com recurso
ordinário para o Supremo Tribunal Federal”649.
Tal juridicidade se punha ainda mais explicitamente quando, em 1969, com
a promulgação do Código de Processo Penal Militar650, em seu artigo 16, ficava
instituído que tais processos fossem sigilosos, do começo ao fim, podendo
apenas o advogado do indiciado tomar conhecimento do mesmo 651. Aquela
determinação garantia que a impunidade entre os pares pudesse se efetivar,
tendo em vista que não haveria interferência de outras instâncias nela. Em
complementaridade, na mesma data também foi instituído o Código Penal
Militar652 que determinava a aplicação da lei penal militar.
Os agentes do Estado, réus nos processos dos esquadrões da morte e
atuantes na repressão política, não foram julgados em instâncias militares – mas
não por falta de empenho dos autocratas, que tentaram levá-los para as
instâncias privilegiadas, garantindo, assim, a absolvição deles, mas porque, em
1973, momento do primeiro julgamento, o procurador Hélio Bicudo, alegando que
se tratava de crimes comuns e não contra ordem maior, conseguiu que tais
julgamentos fossem realizados em instâncias não especiais653. Todavia, não
conseguiu impedir que leis especiais fossem criadas, no caso, a Lei Fleury que

648
ARNAUD, André-Jean. Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do
direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 435-437.
649
Constituição da República Federativa do Brasil de 1967.
650
Decreto-Lei n° 1002/69 de 21 de outubro de 1969
651
Código de Processo Penal Militar. Decreto-lei 1002/69 de 21 de outubro. Disponível
em: http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91679/codigo-de-processo-penal-
militar-decreto-lei-1002-69#art-16. Acesso em 12 jan. 2016.
652
Decreto-Lei n° 1001, de 21 de outubro de 1969.
653
As discussões desenvolvidas na época que possibilitaram que os crimes cometidos
pelos membros dos esquadrões da morte fossem julgados nas instâncias comuns e não
em Tribunais Militares foram analisadas em MATTOS, 2011, op. cit., p. 69-79.
234
permitia a liberdade daqueles agentes policiais, como vimos ao longo do capítulo
4.
Dessa forma, a lógica autocrática bonapartista pautava-se na juridicidade
militar, fosse através de foros especiais ou leis “exclusivas”, garantindo a
impunidade dos agentes daquela ordem. Passemos a ver outra evidência dessas
relações.

5.2. Os frutos da árvore envenenada

Outra situação em que a lógica da juridicidade também se aplica é a do


forjamento de provas e tratamentos “diferenciados”, omissos, que garantiam a
impunidade.
Quanto aos omissos, destacamos três situações, mas que não são
particulares: a primeira ocorreu, em 1970, quando Ademar Augusto de Oliveira –
vulgo “Fininho”, guarda civil e braço direito do chefe do grupo paulista – e José
Arnaldo Murinelli, investigador, permaneceram por um longo período em
liberdade, mesmo com prisão preventiva decretada pelo judiciário pelos crimes
cometidos, na atuação de ambos no grupo de extermínio. Isso ocorreu porque os
policiais designados para cumprirem o mandado, simplesmente não o fizeram,
tornando a atitude vexatória para o Poder Público.

Mas, no início de março, Fininho continuava solto, apesar de ter sua


prisão preventiva decretada. Todas as repartições de São Paulo tinham
ordem para capturar e recolher para a prisão tanto o guarda-civil como o
investigador. Vários policiais haviam sido destacados para a tarefa, mas
ambos continuavam circulando livremente, e armados, na Boca do Lixo,
zona de meretrício e tráfico de entorpecentes654.

654
“Esquadrão, suas execuções e seus homens”. Correio da Manhã, 2/04/1970, p.7.
Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_08&pagfis=4314
&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#. Acesso em 10 jun. 2015.
235
A segunda situação remonta a 1971, quando o policial Sílvio Carneiro foi
acusado de integrar o grupo de extermínio da Guanabara 655. Naquela época,
ainda não estava em vigor a Lei Fleury. Tendo sido pronunciado em um dos
processos, teve de aguardar o julgamento encarcerado e, posteriormente,
recolhido para as instalações do DOPS. Todavia, sem maiores explicações, ele
conseguiu serrar as grades da cela e fugir. A conivência com seus iguais fica
evidente uma vez que, para realizar tal ação, ele precisaria de ferramenta e
acobertamento, o que, pelo visto, foi dado.
Os dois últimos casos se deram já em 1978. Em um caso, não houve a
possibilidade de realizar as devidas apurações, pois, “inquérito sobre o caso
simplesmente desapareceu (...)”656. Tratava-se dos policiais do esquadrão da
morte carioca, dentre eles o ex-soldado Sena Machado que se tornara
“importante ao fazer parte da segurança pessoal do Ministro da Justiça Armando
Falcão”657. Eles adentraram uma casa e executaram dois indivíduos, identificados
como Jorge Sanches Porto e Marcos, que receberam, respectivamente, 14 e 16
tiros apesar de não oferecerem resistência alguma à ação dos policiais. As
testemunhas que estavam na casa no momento do ocorrido indicaram quatro
policiais como responsáveis, mas, sem inquérito, não havia possibilidade haver
punição.
No outro caso, o aparente corporativismo militar se punha, inclusive, na
possível formação de uma greve dos policiais em favor dos membros dos
esquadrões. Nos corredores do DEIC, em São Paulo, logo após a prisão
preventiva do delegado Fleury, havia policias fazendo indicativo de greve geral na
polícia civil em sinal de apoio e protesto em favor dele. “Bastava parar um dia.

655
"Preso em Muriaé o policial Silvinho". O Estado de São Paulo. (Sucursal do Rio de
Janeiro). DOPS. 13/08/1971. Arquivo do Estado de São Paulo. 50-Z-30. Documento n.
2117
656
"O esquadrão volta a matar no mesmo local". Folha de São Paulo. DOPS.
18/10/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
657
"O esquadrão volta a matar no mesmo local". Folha de São Paulo. DOPS.
18/10/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
236
Ninguém aparecia para trabalhar. Todos os distritos parados. Queria ver se eles
não voltavam atrás”658.
As três situações aqui apontadas não se tratam de casos isolados, por isso
pontuamos que não são situações particulares. Ao longo do período de atuação
dos esquadrões, em todo o território nacional, inúmeras situações iguais a essas
poderiam também estar presentes nesse trabalho. Elas não são situações
particulares, insistamos, pois, remetem à lógica de funcionamento da autocracia
bonapartista burguesa, que buscava meios para tornar legal o ilegal, mesmo que
pela lei, fossem e continuassem ilegais.
Essa dinâmica, pautada na juridicidade militar também se apresentou de
outras formas como na questão do forjamento de provas, ou mesmo na
dificuldade de se ter acesso a elas. Em cada momento histórico, uma ou outra
característica foi predominante.
No início da década de 1970, a ampla visibilidade obtida pelos esquadrões
por meio dos noticiários fez com que aquela situação fosse contestada, e
segmentos da sociedade civil cobraram da autocracia bonapartista medidas
investigativas. Atendendo a essas demandas, os governos começaram a montar
comissões para apurar aqueles crimes, todavia, sem objetivar qualquer tipo de
punição,659 como ironicamente, indicava o coronel do Exército Danilo Darcy de Sá
da Cunha e Mello, então Secretário de Segurança Publica em reunião com Hélio
Bicudo: “(....) ainda que a nomeação de uma comissão, naquele instante,
constituía um erro político primário, pois é sabido que neste país, quando nada se
quer apurar, sempre se instaura uma comissão de inquérito” 660.
O primeiro a montar a Comissão Estadual de Investigação (CEI) foi o
governo do Estado de São Paulo para apurar tais execuções que ocorriam
naquela localidade. Essa comissão, instituída em 1970, deixava claro que
objetivava apenas à diminuição dos índices de violência “(...) em São Paulo, (pois)

658
"Eu estou inocente". O Estado de São Paulo. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do Estado
de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
659
"Uma voz contra o esquadrão". Veja. 20/10/1976. CHB - A5-P33
660
Idem.
237
surgiu por uma necessidade de melhorar as estatísticas da Secretária de
Segurança”661 e, não necessariamente, atribuir punições.
De acordo com o Secretário de Segurança Pública, general Sículo
Perlingeiro662, todo o apoio seria dado pelas repartições para que a Comissão
pudesse apurar os casos que envolvessem os esquadrões em âmbito nacional:

a Comissão Estadual de Investigação, cujo primeiro nome era


Comissão Especial de Combate ao esquadrão da morte – CECEM –
terá 30 dias de prazo para apurar os crimes atribuídos ao famoso grupo.
Para isso, todos os poderes lhe serão concedidos, estando incluída a
requisição de inquéritos arquivados ou em andamento, como também a
tomada dos depoimentos que desejar. Se o prazo não for suficiente
para a elucidação do mistério, este será dilatado663.

Na época, o procurador Hélio Bicudo foi o responsável por essa primeira


comissão664. Ele ficou cerca de nove meses à frente delas, chegando a
conclusões, razoavelmente óbvias na época: tais grupos executavam indivíduos
comuns e estavam ligados a práticas ilícitas, como o jogo do bicho665 e o tráfico
de drogas666.

661
"Hélio Bicudo fala sobre o esquadrão da morte". A Tribuna de Batatais. 14/05/1978.
CHB - A5 - P33.
662
Em 1956, o tenente-coronel Sículo Rodrigues Perlingeiro integrou o quadro de alunos
do ISEB, defendendo uma tese intitulada “Desenvolvimento econômico, produtividade e
pauperismo”. Em 1961, já como Coronel, assumiu a chefia da cooperação militar
brasileira no Paraguai.
663
"Três suspeitos, Jonas vai reconhecê-los". Correio da Manhã (Sucursal do Rio de
Janeiro). 17/04/1970. CHB - A5 - P30.
664
A análise apurada sobre a formação, desenvolvimento e desativação das Comissões
Estaduais de Investigações em São Paulo podem ser vistas em MATTOS, 2011, op. cit.
665
O decreto-lei n° 6.259 de 10 de fevereiro de 1944, artigo 58, criminaliza a prática de
jogo do bicho, estabelecendo a pena de 30 dias a um ano de prisão, além do pagamento
de multa. O jogo do bicho, no entanto, é uma prática que, ao longo da história, esteve
diretamente ligada à corrupção policial e à prática do domínio do território pelos
chamados banqueiros do bicho. Esse último, por sua vez, enriqueceu e manteve
empreendimentos econômicos legais em consonância com a atividade ilegal, realizando
a lavagem do dinheiro. A prática do jogo do bicho passou a ter maior visibilidade na
década de 1980, quando seus banqueiros passaram a usar o dinheiro para financiar os
desfiles de escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro. Cf. MISSE, Michel.
Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro.
Estudos avançados 21 (61), 2007, p. 142-144. Disponível em
http://www.scielo.br/pdf/ea/v21n61/a10v2161.pdf. Acesso em 10 mar. 2015.
666
Para maiores informações, sobre tais conclusões ver MATTOS, 2011, op. cit., p. 39-
43.
238
Todavia, mesmo diante das dificuldades encontradas, Bicudo já havia
percebido que esses grupos de extermínio tinham ligações muito mais profundas
com o Estado. Como a baixa cúpula já estava citada nos processos, a partir de
então, passaria a apurar as responsabilidades da alta cúpula que chefiava a ação
desses grupos.
O procurador da justiça, em sua luta por apontar a intelectualidade667 dos
grupos de extermínio, extrapolava a função dada àquela comissão, pois não fora
formada para apontar efetivamente responsabilidades – e, ainda: dar
aprofundamento as apurações revelaria a ligação dos esquadrões com aquele
Estado autocrático bonapartista.
Bicudo distinguia os integrantes dos esquadrões em dois grupos, os
“membros executivos do bando”668 – os responsáveis pelas execuções – e os
“membros intelectuais”669, os mentores que emitiam a ordem para matar. Assim,

na verdade, o acúmulo de pressões a que vinha sendo submetido tinha


origem justamente na circunstância de ter considerado encerrada a fase
de investigações para indicação dos executivos do bando para passar à
fase seguinte, que implicaria a descoberta dos autores intelectuais da
matança670.

Coincidentemente, foi nesse momento que ocorreu seu afastamento do


cargo, por ordem do Governo Federal. O afastamento de Bicudo de suas funções
possibilitava que a ligação desses grupos de extermínio com o Estado não fosse
efetivamente revelada – Bicudo era incisivo na busca e no acesso aos
documentos que pudessem esclarecer e determinar a responsabilidade daqueles
agentes. Assim, seu afastamento representava uma das mais sutis expressões da
juridicidade, presente na lógica de funcionamento daquela autocracia, tornando-a
legal.
A destituição desse promotor, porém, não deve ser entendida como caso
isolado, pois ele não foi o único a perder a função de apuração dos crimes dos
esquadrões. Todo e qualquer magistrado que representasse perigo para aquela
ordem vigente foi devidamente isolado, ou impedido de trabalhar, tanto que após

667
Essas relações foram apuradamente analisadas em MATTOS, 2011, op. cit.
668
"Uma voz contra o esquadrão". Veja. 20/10/1976. CHB - A5-P33
669
Idem.
670
Ibidem.
239
a exoneração de Bicudo, foram designados dois outros promotores públicos para
assumir as suas tarefas em São Paulo. Eram eles o Dr. Alberto Marino Júnior e o
Dr. Djalma Lúcio Gabriel Barreto, que posteriormente, também foram exonerados
de tais funções.
Assim como Bicudo, eles se empenharam em apurar os crimes dos
esquadrões, fato que não agradava aos anseios e necessidades daquela
autocracia. Ao menos, não em 1970. Em consonância a essa medida dos
bonapartistas, “os processos estão sendo conduzidos pelos promotores das
respectivas Varas e Comarcas pelas quais tramitam, como quaisquer outros
processos”671, desmobilizando qualquer possibilidade de entendimento dos
grupos de extermínio na sua complexidade e ligação com o Estado brasileiro.
A formação de tal Comissão em São Paulo, como já dito anteriormente,
não almejava a resolução ou atribuição de culpa aos agentes policiais; pelo
contrário, naqueles anos, 1970, a repressão política contra os chamados
subversivos se punha com força total, e a quantidade de pessoas que foram
mortas pelos esquadrões ratifica essa constatação. Almejava-se a diminuição nos
índices de violência na cidade e não o fim daqueles grupos. Eles eram
importantes para a manutenção daquela ordem vigente.
Nesse sentido, o afastamento daquele procurador era estratégico. Ainda
com relação ao acesso às provas que pudessem incriminar os membros dos
esquadrões da morte, Bicudo denunciava o que ele acreditava ser corporativismo
militar, dada a dificuldade de ter acesso a elas. Na verdade, não se tratava de
corporativismo militar, mas de mais uma evidência de uma particular juridicidade
inerente ao Estado brasileiro, exacerbado no período do bonapartismo que se
manifestava, mais uma vez, nessa dificultação do acesso às provas.
Aliás, pode-se considerar que, naquele momento, ter conseguido que
membros do Esquadrão fossem julgados em tribunais comuns não garantiria
julgamento imparcial, dado o respaldo da lei Fleury que era de cunho federal, e
ainda mais, contribuiu para que o desvelamento, ou, pelo menos as denúncias da
repressão política imiscuída nas ações destes agentes, deixassem de ser
mencionadas, como se vinha observando no início.

671
"Hélio Bicudo fala sobre o esquadrão da morte". A Tribuna de Batatais. 14/05/1978.
CHB - A5 - P33.
240
Em uma das investidas para acessar tais informações, o coronel do
Exército Danilo Darcy de Sá da Cunha e Mello, na época Secretário da
Segurança Pública, deixou explícito que “(...) o seu departamento não lhe daria o
menor apoio”672. E aqui está o cerne da questão do corporativismo militar: o
acesso às provas e a essência moral de sua construção que as tornava ilegítimas.
No Rio de Janeiro, a dinâmica foi a mesma. O superintendente da polícia
judiciária, Sr. Abdul Sá Peixoto, negou-se a ceder informações, e os promotores
que buscavam apurar os crimes dos esquadrões, em 1970, se viram obrigados a
buscar amparo legal para continuar o trabalho de investigação:

os promotores Rodolfo Avelino e Luiz Gatti negaram-se a revelar o


resultado de sua reunião, ontem na Guanabara, com um terceiro
promotor, Mauro Campello, para estudar as medidas judiciais cabíveis
no caso da negativa feita pelo Superintendente da Polícia Judiciaria,
Abdul Sá Peixoto, de fornecer informações sobre os crimes atribuídos
ao esquadrão da morte673.

Todas as Comissões Estaduais de Investigações formadas ao longo da


década de 1970 encontravam pela frente o mesmo problema, ou seja, a
dificuldade em recolher provas contra os membros dos esquadrões. Afinal, sem
provas não havia processos.
Em 1976, no Rio de Janeiro, por pressão de setores da sociedade que
pediam o fim dos extermínios, foram formadas três comissões: a primeira,
presidida pelo promotor público João Lopes Esteves e constituída por um
delegado, Sr. Heraldo Gomes e por um coronel do Exército 674, responsáveis por
levantar provas sobre os crimes cometidos na Baixada Fluminense. Essa
comissão tinha a função de recolher provas para apurar a responsabilidade
individual dos militares envolvidos com os esquadrões existentes naquele Estado,
bem como “garantir as vidas de testemunhas ou mesmo de marginais” 675.

672
"Uma voz contra o esquadrão". Veja. 20/10/1976. CHB - A5-P33
673
"O Comissariado servia a orgias". O Estado de São Paulo (Sucursal do Rio de
Janeiro). 24/03/1970. CHB - A5 - P30.
674
"Esquadrão". Jornal da Tarde (Sucursal do Rio de Janeiro). 25/04/1977. CHB - A5 -
P30.
675
"EM do Rio marca com faca sua mais recente vítima". Folha de São Paulo (Sucursal
Rio de Janeiro). 04/03/1978. CHB - A5 - P33.
241
Novamente, ludibriavam os setores da sociedade civil com uma falsa
apuração, tendo em vista que, tanto o delegado quanto o coronel do exército,
funcionários ativos, não produziriam provas contra seus iguais – como, realmente,
não o fizeram. Sem muitos recursos financeiros advindos do Estado e com as
poucas apurações feitas – obviamente –, essa comissão durou pouco tempo. A
dificuldade no levantamento de provas era o ponto central de todas as tentativas
de apuração e, sem elas, não haveria processo a ser formulado. Por isso, agentes
da corporação do Estado eram postos à frente dessas comissões.
Mas, também havia outras razões para a dificuldade em obter provas: o
medo da população. Grande parte das execuções foi feita em locais periféricos da
cidade. Em alguns casos, não havia testemunhas; em outros, em que as vítimas
foram assassinadas em locais de grande movimentação, o que se falava era que
“Eles agora não se importam mais com a presença de testemunhas. Sequestram
e matam na frente de qualquer um” 676. Tal espetáculo de horrores e a sensação
de impunidade eram ligados à aberta proteção institucional que tais grupos
recebiam do Estado.
A ausência de testemunhas, ou mesmo o medo das que presenciavam
tais execuções, abria espaço para outra prática recorrente no Brasil: o ato de
forjar provas. De acordo com o Código do Processo Civil, apontaram Larissa
Coutinho e Tauã Rangel que,

as provas são os meios utilizados pelo Magistrado para a formação de


seu convencimento. Por isso a atividade probatória desenvolvida pelas
partes, em um processo, é, além da Lei, instrumento fundamental, já
que o objetivo maior é convencer o Juiz, sobre os fatos controversos e
relevantes para o julgamento da lide. Em contrapartida, busca o
Magistrado a verdade real dos fatos através das provas, para, assim,
exercer a jurisdição de forma equilibrada677.

Ante tais fatos, o promotor, o delegado e o coronel do exército pediram a


destituição de suas funções.

676
“EM do Rio marca com faca sua mais recente vítima". Folha de São Paulo (Sucursal
Rio de Janeiro). 04/03/1978. CHB - A5 - P33.
677
COUTINHO, Larissa Gonçalves de Oliveira; RANGEL, Tauã Lima Verdan. “A
aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada no processo civil”. In:
JusNavigandi. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29149/a-aplicacao-da-teoria-dos-
frutos-da-arvore-envenenada-no-processo-civil. Acesso em 12 jan. 2016.
242
A segunda Comissão Estadual de Investigação foi formada no Rio de
Janeiro, pouco mais de quatro meses depois do fim da anterior. Para essa nova
Comissão, foram nomeados dois promotores civis, Gastão Menescal e Edmo
Rodrigues678. Por não contar com membros militares, esse novo grupo não
vivenciou a questão da produção de provas contra seus iguais, assim como
também não as teve em mãos. A morosidade para ter acesso aos documentos
básicos para as apurações dos crimes dos esquadrões também foi decisiva para
a sua desintegração.

A demora no reconhecimento e na obtenção de provas necessárias,


além das medidas burocráticas, retardadas pela própria polícia, são as
principais causas do atraso na conclusão dos inquéritos e prisão dos
criminosos responsáveis por pelo menos 95 mortes, somente este ano,
na Baixada Fluminense679.

Uma terceira Comissão foi formada, novamente – essa contaria com


agentes militares, nesse caso, um delegado, um comissário e três detetives que
“trabalhariam com o apoio indispensável e prioritário dos órgãos técnicos, como
os institutos de Criminalística, Felix Pacheco e Médico Legal, além da
colaboração de todas as delegacias e da justiça”680.
Assim como a primeira Comissão, essa também não produziria provas
contra os seus iguais. O máximo que fizeram foi juntar documentos incompletos,
provocando lacunas no corpo documental, particularmente no concernente aos
registros sobre o crime, fato que impossibilitava que aqueles processos fossem
aceitos pelo Ministério Público por falta de provas.
Como é possível notar, a configuração da juridicidade da impunidade
possibilita tanto o corrompimento quanto a inacessibilidade às provas, de modo a
impossibilitar qualquer denúncia – sem provas, não há processo, julgamento ou
punição. Este é o cerne da questão.
Isso se agrava com a instituição, em 1973, de que não bastava a presença
de provas para a composição dos processos, mas que essas fossem moralmente
678
"Novo grupo apura atos do esquadrão". O Estado de São Paulo (Sucursal do Rio de
Janeiro). 05/05/1977. CHB - A5 - P30.
679
"Pequeno balanço dos crimes do esquadrão no Rio: 95 mortos". O Estado de São
Paulo (Sucursal do Rio de Janeiro). DOPS. 17/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo.
Pasta OS 0992 (n° 67) 1977 - 77.
680
Idem.
243
legítimas, alterando-se, assim, o Código de Processo Civil, em seu artigo 332 da
Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Nele, passaram a ser consideradas como
prova:

todos os meios de provas, desde que moralmente legítimos, mesmo


que não estejam especificados no Código de Processo Civil, (...) sendo
eles, o depoimento pessoal, a confissão, exibição de documento ou
coisa, prova documental, prova testemunhal, prova pericial e inspeção
judicial.

Essa determinação representava um avanço para o Direito Civil, todavia


sua aplicação, para os casos dos membros dos esquadrões da morte, resultou na
sua distorção, como veremos a seguir.
De acordo com o artigo 332, eram diversos os meios para a produção de
provas, destacando-se o depoimento pessoal, a confissão, a exibição de
documentos ou coisas, a prova documental, a testemunhal, a pericial e a
inspeção judicial.
O depoimento pessoal consiste no interrogatório de uma das partes, a
pedido do juiz – para esclarecimentos –, ou da parte contrária – com o intuito de
conseguir uma confissão provocada681. Nos processos dos esquadrões da morte,
há uma grande diversidade de depoimentos, tomados tanto pelo juiz quanto pela
promotoria, na busca de esclarecimentos ou de uma confissão. Chamo a atenção
para um destes, em que o policial em questão, o investigador Nathanel Gonçalves
de Oliveira, nitidamente responde ao seu arguidor em tom de chacota:

Onde o senhor esteve no dia 23 de novembro de 1968? Na casa de


minha irmã. Qual a rua e o número? Não sei. O senhor estava afastado
do serviço ou de férias? Não. Então quem lhe deu autorização para ficar
na casa de sua irmã? Fui autorizado por ela. Ela é sua chefe? Era
sábado, eu não estava trabalhando682.

Os membros dos esquadrões, sempre que solicitados a prestar


depoimentos, agiam de forma evasiva. Sabiam que aqueles julgamentos
resultariam na absolvição deles. Não seriam eles a produzir provas contra si
mesmos.

681
COUTINHO e RANGEL, op. cit.
682
Veja, Edição 117, 02 dez. 1970. São Paulo: Editora Abril, p. 28.
244
Em todos os processos contra aqueles policiais, réus nos processos dos
esquadrões da morte, o depoimento pessoal pautava-se ainda na negativa da
autoria dos crimes. Tal conduta é razoavelmente esperada de um réu. No entanto,
a aceitação desse depoimento como prova moralmente legítima pela
magistratura, mesmo havendo inúmeras outras que comprovavam o contrário,
nos mostra a juridicidade daquela autocracia, entranhada na lógica daquele
Estado, que tornava legal o ilegal. Foi nessa dinâmica que todos os policiais
foram absolvidos ao longo dos julgamentos.
Outro meio de produção de prova moralmente legítimo era a confissão que
consistia na declaração de veracidade de um fato, ou a afirmação contrária ao
interesse de quem confessava. Ela não é meio de prova, mas sim, a própria prova
e, normalmente é caracterizada por sua irretratabilidade. De acordo com o artigo
352 do Código do Processo Civil, ela pode ser revogada quando emanar de erro,
dolo ou coação e pode ser revogada,

I - por ação anulatória, se pendente o processo em que foi feita;


II - por ação rescisória, depois de transitada em julgado a sentença, da
qual constituir o único fundamento.
Parágrafo único. Cabe ao confidente o direito de propor a ação, nos
casos de que trata este artigo; mas, uma vez iniciada, passa aos seus
herdeiros683.

É razoavelmente sabido, e até compreensível, que não houve casos nos


quais os agentes atuantes nos esquadrões confessassem sua culpa. Muito pelo
contrário, eles sempre afirmaram sua inocência, como mencionado anteriormente,
bem como foram absolvidos graças à consideração dessa prova pela magistratura
–, prova, inclusive, considerada moralmente legítima, pois produzida por “idôneos”
funcionários públicos, mesmo que sobre eles recaíssem tantos outros processos.
Outro tipo de prova moralmente legítima, determinada no Código de
Processo Civil, no artigo 332 de 1973, foi a exibição de documento ou coisa,
pautado no princípio da verdade real dos fatos. De acordo com ela, achando o juiz
útil e necessário, ele poderia determinar a produção de provas, como por
exemplo, a exibição de documento ou coisa que esteja em posse de terceiros 684.

683
COUTINHO e RANGEL, op. cit.
684
Idem.
245
Essa situação não ocorreu no caso dos esquadrões da morte, mas poderia
ter sido aplicado. Em um dos processos formulados pela Comissão Estadual de
Investigação de São Paulo, foi apurado que dois indivíduos, Domiciano Antunes
Filho (conhecido por Luciano) e Geraldo Alves da Silva (Paraíba) faziam a venda
de entorpecentes com o aval dos membros dos grupos de extermínio paulista,
mediante pagamento de propina. Eles mantinham todos os pagamentos anotados
em uma caderneta. Em um dado momento, eles se recusaram a continuar a fazer
os pagamentos e foram mortos em dezembro de 1968, como analisou Mattos 685.
Sabendo que isso poderia acontecer e buscando se certificar de que
aqueles policiais não os matariam, Luciano e Paraíba entregaram uma cópia
daquela caderneta para um suposto advogado, que deveria levá-la à justiça caso
eles fossem mortos. A comissão, na época, apurou aquela informação, bem como
teve acesso ao tal advogado e à caderneta, denunciando sua existência. Todavia,
não foi determinado pelo juiz, anos depois no pronunciamento dos réus, que
aquele advogado apresentasse tal caderneta, tendo em vista que ela era prova
cabal para a culpabilização daqueles policiais.
Outro princípio, o da prova documental, comumente utilizado nos casos
dos esquadrões, consistia em “toda prova que pode se materializar nos autos de
um processo, não se reduzindo a mero documento escrito, mas também à
reprodução de sons, imagens, estados de fato, ações e comportamentos (...)”686.
Poucos foram os processos em que havia provas documentais contra os
integrantes dos esquadrões da morte, pois os registros documentais que
poderiam confirmar, por exemplo, que a vítima daquele grupo havia sido retirada
da encarceragem para a execução, apareciam alterados ou mesmo
desapareciam.
Tal prática recai em outra forma de perpetuação do que poderia ser
interpretado apenas um nítido corporativismo militar, mas que, na essência,
traduz a configuração da juridicidade militarizada do Estado brasileiro exacerbada
naquele período da autocracia bonapartista: a produção das provas. Quem as
criava e as guardava eram agentes policiais, lotados em suas instituições, tais
como presídios, DEIC, DOPS etc.

685
Cf. MATTOS, 2011, op. cit., p. 40-4.
686
COUTINHO e RANGEL, op. cit.
246
Assim, tais agentes construíam provas contra os integrantes da
corporação, ou melhor dizendo, destruíam provas contra si. Caso essas
destruições fossem feitas de maneira exemplar, ou seja, sem deixar vestígios,
praticamente isso encerrava a acusação, pois, como apontou Marinoni e Arenhart,
as provas por,

[...] seu autor imediato seja agente investido de alguma função pública,
e quando a formação do documento se de no exercício dessa função;
trata-se normalmente de alguma função documentadora ou
certificadora, regulada pelo próprio Estado. Nota-se que nesse caso a
ideia continua sendo particular; mas por ter sido presenciada a
declaração por algum servidor público, no exercício de função estatal
típica o documento terá diversa eficácia probatória687.

Em alguns casos, a manipulação das provas pelos agentes do estado era


extremamente malfeita, deixando incoerências documentais nos registros dos
policiais colaboradores do esquadrão da morte em questão – fato que aparece
questionado nos autos, como por exemplo, quando confrontado pelo testemunho
de encarcerados, que afirmavam ter visto a vítima até a véspera da morte,
ocupando uma cela próxima ou, às vezes, até a mesma cela.
Com a noção de ética militar pautada na suspeição e a autorização
superior para execuções sumárias das pessoas tidas como indesejáveis, fossem
por subversivos, ou por contravenção comuns, não é exceção, conforme o faz o
juiz Filardi,

(...) quando quer, a polícia desvenda os mais intrincados crimes. Se a


autoridade policial cruzou os braços e impôs a si mesma a mordaça dos
pusilânimes, é porque não quis obviamente prejudicar seus colegas
coligindo provas comprometedoras688.

A prova testemunhal, por sua vez, consistia no testemunho de qualquer


pessoa estranha ao processo, mas que presenciou o fato, tendo o visto ou o

687
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de
Conhecimento. v. 02. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, apud COUTINHO e RANGEL, op.
cit., acesso em 12 jan.2016.
688
"Fleury apresenta-se e fica em cela especial". O Estado de São Paulo. 23/02/1978.
CHB - A5 - P33 e também "Fleury já esta preso". Notícias Populares. DOPS.
23/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
247
ouvido. De acordo com o artigo 405 do Código de Processo Civil, estavam
impedidos de prestar testemunho três segmentos específicos: os incapazes por:

I - o interdito por demência;


II - o que, acometido por enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo
em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em
que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;
III - o menor de 16 (dezesseis) anos;
IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos
que Ihes faltam.

Os impedidos, que eram:

I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer


grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por
consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou,
tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder
obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao
julgamento do mérito;
II - o que é parte na causa;
III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do
menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e
outros, que assistam ou tenham assistido as partes.

E os suspeitos:

I - o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em


julgado a sentença;
II - o que, por seus costumes, não for digno de fé.
III - o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo.
IV - o que tiver interesse no litígio.

Nos casos em que as vítimas estavam sob custódia do Estado quando de


sua execução, descaracterizava-se o depoimento das testemunhas que
presenciaram a retirada do preso para tal fim, sob a alegação de que, por se tratar
de encarcerados, não tinham imparcialidade quanto ao seu testemunho. Tal
prática foi recorrente ao longo dos julgamentos e inclusive aceita por parte dos
juízes.
Em outros casos, poucas eram as testemunhas que aceitavam falar sobre
o que presenciaram. Caso, por exemplo, da execução de um casal, também no
Rio de Janeiro, efetuado por um dos grupos de extermínio na presença de
centenas de pessoas que não tiveram coragem de depor sobre o viram, “na
248
semana passada, um casal foi sequestrado por quatro homens armados de
metralhadoras e ninguém, entre quase duas dezenas de testemunhas, querem
falar sobre o que viram689.
Era sabido por todos que represálias aconteceriam, tais como ameaças
verbais ou mesmo a perda da vida, caso testemunhassem contra os membros
dos esquadrões da morte. Quem estava disposto a pagar esse preço?
Outra possibilidade de formular provas estava na constatação pericial.
Esse tipo de prova era produzido por um perito, especialista em determinada
área, por meio de exame sobre coisas móveis, vistoria de bens móveis ou
avaliação para aferir valor a um bem ou direito690. Assim como no caso da prova
documental, esta também era amplamente alterada pelos membros dos
esquadrões que não preservavam o local em que ocorrera o delito, usando armas
de calibres diversos que dificultavam a sua identificação e “construção de
cenários” para o crime que não condiziam com o real.
Como se nota, na maioria de possibilidades de recuperação de provas,
ocorria, ou o seu forjamento, ou a sua ocultação, resultando, mais uma vez, na
impunidade, evidenciando-se a “Teoria da Contaminação da Prova”, que deriva
da “Teoria dos Frutos da Árvore envenenada” 691. De acordo com elas, se a prova
fosse considerada ilícita não poderia ser utilizada nos processos, resultando em
sua anulação.

A prova é considerada contaminada quando deriva de uma prova ilícita,


ou seja, a prova contaminada pode até ter sido produzida de modo
lícito, porém, possui uma conexão, uma ponte com àquela, sendo
assim, não existiria, se a primeira prova, obtida de forma ilícita, não
tivesse sido produzida692.

Mesmo sendo provas nitidamente forjadas, elas permaneciam nos autos ou


mesmo eram utilizadas como base para proferir a sentença final, pois a
juridicidade era dada por outro princípio, denominado “Princípios Pas Nulité Sans

689
"Promotor do Rio fala sobre crimes do EM". Folha da tarde (Sucursal do Rio de
Janeiro). DOPS. 13/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68) -
esquadrão da morte. TB:
690
COUTINHO e RANGEL, op. cit.
691
Foi criada, em 1920, pela Corte norte-americana e influenciou o Código do Processo
Civil Brasileiro, no artigo 157, §1º da Lei Nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
692
COUTINHO e RANGEL, op. cit.
249
Grief”693, segundo o qual tais provas poderiam ficar desde que não causasse
prejuízo. Em outras palavras: “não há nulidade sem prejuízo, ou seja, nenhum ato
processual será nulo se este não tiver causado algum tipo de prejuízo ao
processo, nem houver influenciado na Decisão ou na busca da verdade real”694.
Assim, no caso dos processos que se referiam aos esquadrões, tais “frutos
da árvore envenenada” não foram desconsiderados, com exceção daqueles ao
qual tal anulação causasse o prejuízo aos agentes do Estado. Dessa forma, o que
se punha era a juridicidade militar que justificava a absolvição daqueles agentes.
Diante deste cenário, como provar a culpa dos agentes atuantes nos esquadrões
da morte se a produção da prova era feita pela polícia, ou mesmo modificada por
ela?
Outros pesquisadores também se debruçaram sobre as funções
desenvolvidas pelos policiais e chegaram à conclusão de que aqueles policiais
que colaboravam com o sistema, desempenhavam a função de “facilitadores da
violência”, pois, de alguma forma, eles contribuíam para a perpetuação da
violência e da impunidade, como apontaram os pesquisadores Huggins, Haritos-
Fatouros e Zimbardo:

(...) tais atores facilitam, dissimulam, promovem e até mesmo participam


diretamente da violência dos agentes da repressão. (...) o apoio dos
facilitadores da violência, contribui para garantir o sigilo, o anonimato e
a proteção – e o poder permanente – tanto dos que ordenam quanto
dos que apoiam a violência estatal695.

Não há denúncia sem provas; assim, esses facilitadores da violência


permitiam que seus pares permanecessem impunes, como apontou o procurador-
geral da Justiça, Leopoldo Braga:

A ausência de qualquer denúncia incriminando os policiais nos


assassinatos cometidos pelo “esquadrão da morte” são apontados pelo

693
Princípio que determina que não há nulidade sem prejuízo. Cf. JusBrasil. Disponível
em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1674615/o-principio-pas-de-nullite-sans-grief-nao-
ha-nulidade-sem-prejuizo-e-aplicavel-pelos-tribunais-superiores-a-nulidade-absoluta-
marcio-pereira. Acesso em 16 jan. 2016.
694
COUTINHO e RANGEL, op. cit.
695
HUGGINS, Martha Knisely; HARITOS-FATOUROS, Mika e ZIMBARDO, Philip
George. Operários da violência: policiais torturadores e assassinos reconstroem as
atrocidades brasileiras. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2006, p. 70.
250
procurador-geral da Justiça, Leopoldo Braga, como a causa pela qual
até agora a Procuradoria Geral da Justiça não realizou sindicâncias em
torno do esquadrão696.

Todavia, ao tomarmos essa prática do Estado como conduta pontual de


alguns policiais, estamos atribuindo a tais procedimentos a conotação de desvios
de conduta, dissociando-a da sua real concretude, ou seja, retirando-a da lógica
da autocracia bonapartista – lógica pautada na violência “justificada com a tese de
que eram apenas excessos, isto é, a afirmação de que a tortura e o assassinato
político não eram do conhecimento e escapavam ao controle das altas
autoridades”697.
Aqueles “facilitadores da violência” atuavam para o bom funcionamento do
Estado autocrático bonapartista – isto é fato – mas não agiam à margem daquela
ordem: agiam dentro dela e de acordo com as diretrizes dela. Tanto é assim que
agiam de acordo e a partir de tais diretrizes: se tivessem cometidos desvios de
conduta, todos poderiam ter sido punidos. Todavia, nenhum policial, em momento
algum, foi apontado como forjador de provas, faltando, assim, com a verdade,
muito pelo contrário: ao longo dos julgamentos, os documentos por eles
produzidos, ou guardados, foram considerados moralmente legítimos e dignos de
embasamento para formação do veredicto absolvitório.
Pode-se considerá-los como operadores do bom funcionamento daquela
autocracia bonapartista, pois desempenharam sua função social com grande êxito
– foram poucos os casos apresentados ao Ministério Público, tendo em vista a
totalidade das execuções, por falta de provas.
Outro elemento importante a ser considerado é a importância que as ações
daqueles grupos de extermínio tinham em cada momento histórico, pois, quando
os segmentos hegemônicos da burguesia não mais apoiavam aquela autocracia,
estes, por sua vez, não se valeram do ordenamento jurídico para efetuar a prisão
deles. Tratava-se de mostrar para a opinião pública que seus anseios foram
atendidos, evidência que emergiu a partir de 1976 e se pôs até 1979. Um
exemplo disso foi a prisão do ex-investigador João Coelho, acusado de pertencer
ao esquadrão da morte carioca e por tal, foi preso no final da década de 1977. Os

696
"O Comissariado servia a orgias". O Estado de São Paulo (Sucursal do Rio de
Janeiro). 24/03/1970. CHB - A5 - P30.
697
FICO, 2004, op. cit., p. 76.
251
autocratas foram a público apontar que, com a prisão dele, o grupo de extermínio
carioca estaria desarticulado. O “Secretário da Segurança Pública do Estado do
Rio, general Sículo Perlingeiro, acha que a prisão de Coelho permitirá encontrar o
fio da meada que encobre as matanças indiscriminadas na Baixada
Fluminense”698.
Não foram necessárias provas para incriminá-lo, tampouco houve a
concessão da Lei Fleury para ele. Com a prisão dele, atendia-se a vontade
expressa pela opinião pública. Essas relações entre a opinião pública e os
esquadrões serão detidamente aprofundadas no próximo capítulo.
Distinguindo e isolando a dinâmica federal da juridicidade militar inerente a
todos esses processos e a seus procedimentos, passam a enfatizar, nas notícias
divulgadas na grande imprensa, que se trata de ações da alçada de cada Estado,
ou seja, isentam o Estado-Nação sob a égide da autocracia bonapartista, em cuja
legalidade tudo se respalda. Ainda nas palavras do Secretário da Segurança
Pública do Estado do Rio de Janeiro, (...) Coelho é apontado como integrante do
esquadrão da morte e, por causa de sua prisão, o secretário da Segurança
Pública acha que agora as mortes atribuídas ao esquadrão da morte serão
esclarecidas699.
A realidade existente naquelas delegacias, porém, eram as pilhas de
inquérito que se avolumavam. Mortes sem autoria, mas que sabiam tratar-se de
crimes dos esquadrões; inquéritos parciais, mal feitos, sem provas ou com provas
forjadas, frutos da árvore envenenada, que por tal situação não podiam se tornar
processos. Como apontou o próprio delegado da Delegacia de Homicídios do Rio
de Janeiro, Sr. Arnaldo Campana, aquelas apurações eram feitas
700
provisoriamente .

As quatro varas criminais de Nova Iguaçu têm, no momento, sete mil


inquéritos e, destes 1200 são homicídios de autoria “desconhecida”. De
janeiro até hoje, mais de 400 corpos foram encontrados em zonas
afastadas e pelo menos dois terços deles não puderam ser

698
"O fim do esquadrão na prisão deste velho?". Jornal da Tarde (Sucursal do Rio de
Janeiro). 10/04/1977. CHB - A5 - P30.
699
"O esquadrão encontra um inimigo: o Governo". O Estado de São Paulo (Sucursal do
Rio de Janeiro). 13/04/1970. CHB - A5 - P30
700
"Quinze soldados do EM presos no Rio". O Estado de São Paulo. DOPS. 26/10/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
252
identificados. Não há, no entanto, nenhuma esperança de que tais
crimes sejam elucidados, porque as implicações e relações entre eles
terminariam por revelar uma estranha ligação entre policiais e bandidos,
políticos e bicheiros, poder e armas701.

A situação contraditória entre a fala do Secretário, o cenário encontrado


nas delegacias e a figura daquele agente aposentado levantavam dúvidas,
inclusive no próprio Jornal da Tarde, que questionou se “o fim do esquadrão
[estava] na prisão deste velho?”702. As evidências apontam que João Coelho era
sim, membro do esquadrão da morte, inclusive fazendo apologias ao grupo ao
usar no vidro do seu carro o “distintivo da Scuderie Le Cocq, o símbolo do
esquadrão da morte”703. Mas, como todos faziam, negava sua participação tanto
nos crimes quanto na composição do esquadrão704. Assim, a sua prisão não
findava com tais práticas, pois os esquadrões integravam o próprio aparato
repressivo que lhes dava cobertura e assistência.
Em 1978, em julgamento ocorrido no Estado de São Paulo, o juiz do
processo, Sr. Filardi, denunciava a continuidade da prática da inacessibilidade às
provas contra aqueles agentes que atuavam nos esquadrões. De acordo com o
magistrado,

a polícia se omite nos processos do chamado esquadrão da morte, com


silêncio, e em verdadeiro acinte à Justiça e a população. Os órgãos
investigatórios nada conseguiram apurar a respeito dos elementos
encontrados mortos em lugar ermo desta comarca [Guarulhos] e,
apesar disso, através de sindicância na Corregedoria dos Presídios e
pela prova penosamente produzida pelo Ministério Público, ficou
suficientemente comprovada a participação de todos os réus705.

Dificuldade de acesso e disponibilidade de provas forjadas, ambas


possibilitando a continuidade daquela autocracia, pautada na juridicidade inerente

701
"1.200 homicídios ainda sem explicações em Nova Iguaçu". Folha de São Paulo.
DOPS. 16/10/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 - n° 68 - esquadrão
da morte
702
“O fim do esquadrão na prisão deste velho?". Jornal da Tarde (Sucursal do Rio de
Janeiro). 10/04/1977. CHB - A5 - P30.
703
. Idem.
704
"Ele está dizendo que não é do esquadrão". Jornal da Tarde (Sucursal do Rio de
Janeiro). 08/05/1977. CHB - A5 - P30.
705
"Fleury apresenta-se e fica em cela especial". O Estado de São Paulo. 23/02/1978.
CHB - A5 - P33 e também “O melhor policial". Jornal da tarde. DOPS. 23/02/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
253
à lógica de funcionamento do Estado. A conclusão a que se impõe é que “esta
Justiça especialíssima está perfeitamente integrada ao Poder Judiciário Nacional
e balizada pelos ditames maiores da Constituição Federal em vigor” 706.
Como os esquadrões da morte eram organizações inseridas naquela
dinâmica estatal, o uso do “fruto da árvore envenenada” era prática também
nacional. No Espírito Santo, sete dos dezesseis policiais apontados como
membros dos esquadrões da morte foram impronunciados por falta de provas,
apesar dos fortes indícios de que os componentes do grupo de extermínio local
teriam “assassinado dezenas de pessoas a sangue frio”707. A impossibilidade de
juntar provas contra os responsáveis pelas execuções corroborava para que não
houvesse sua punição. “Sete dos 16 indiciados no processo do chamado
esquadrão da morte que agia em Vitória e em Vila Velha, comarca do Espírito
Santo, foram impronunciados ontem, por falta de provas pelo promotor Renato
Pacheco, da 3° Vara Criminal” 708.
Em Minas Gerais, as dificuldades também eram as mesmas. A Comissão
Mineira, criada para apurar os casos dos esquadrões ocorridos na grande Belo
Horizonte, foi presidida pelo Coronel Jair Alves Pinheiro, que conhecia a
existência dos esquadrões, sabia quem eram os integrantes, mas não conseguiu,
bem como não fazia muita questão, de levantar provas contra os seus pares709.
Todos esses meandros utilizados pelos autocratas, que configuram a
particularidade da prerrogativa militar inerente à juridicidade do Estado brasileiro,
expressam os mesmos preceitos contidos na Doutrina de Guerra Revolucionária.
Tratava-se de duas premissas básicas e essenciais: primeiro, era
necessário incutir no agente do Estado a ideia de que o país passava por uma
onde comunista que buscava acabar com todos os países da ordem capitalista,
inclusive o seu e, nesse sentido, era obrigação de ele lutar contra tal mal e
defender sua pátria.

706
ASSIS, Jorge César. “Justiça Militar”. In:
http://www.jusmilitaris.com.br/novo/index.php?s=justicamilitar. Acesso em: 15 jan.2016.
707
"Sete excluídos do esquadrão capixaba". O Estado de São Paulo. 08/05/1970. CHB -
A5 - P30.
708
Idem.
709
"Policiais mineiros negam envolvimento com esquadrão". Jornal da Tarde. DOPS.
28/09/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
254
Nesse sentido, ficam nítidas as razões desses agentes do Estado para o
forjamento das provas, tornando-as “frutos da árvore envenenada”, pois, atuar de
maneira colaboracionista para com os pares, ao arrepio da lei, era uma questão
de segurança nacional, integrando uma particular ética de ação, em que
acreditam que haviam feito o que era necessário para combater a subversão.
Assim, tais agentes do Estado entendiam que prestavam um grande serviço à
nação, como mostrou Huggins, Haritos-Fatouros e Zimbardo, ao questionar um
policial:

quanto ao trabalho violento que necessariamente Eduardo 710 realizava


quando em serviço, isso legitimava-se pelo estado de guerra do Brasil.
Éramos patriotas; estávamos defendendo nosso país, plena justificação
ideológica para toda violência “profissional” que teve de perpetrar711.

A segunda vertente também presente na Doutrina de Guerra


Revolucionária francesa se punha no estímulo dado pelos superiores aos militares
de menor patente, de modo a se sentirem privilegiados em relação ao resto da
sociedade. Essa relação os fazia se entenderem como iguais, subsumindo,
aparentemente, a hierarquia, mas como diferente, em relação ao resto da
sociedade.

Tales métodos provocan en los integrantes la sensación de ser


diferentes y especiales con relación al resto de la sociedad; el integrante
posee información, educación y privilegios que el ciudadano común no
tiene; se le assigna una indumentaria característica para diferenciarlo de
la masa; se le hace sentir protector y salvador; se le inculca una
sensación de pertenencia a un grupo que le brinda una identidad
específica, fuera de la cual sería sólo una persona común. ¿Qué
propósito tiene esta formación ideológica? Es claro que no solamente
crear un espíritu de cuerpo, sino reformar y redefinir la identidad del
individuo712.

710
Os autores usaram nomes fictícios para que os reais policiais não pudessem ser
reconhecidos. Para maiores esclarecimentos, ver HUGGINS, HARITOS-FATOUROS e
ZIMBARDO, 2006, op. cit.
711
Idem, p. 54.
712
VELÁSQUEZ, Carlos Guerrero. El impacto ideológico de la Escuela Francesa sobre el
Ejército argentino In: Persona y Sociedad. Buenos Aires (ARG): Universidad Alberto
Hurtado. Vol. XXV / Nº 2 / 2011 / 55-72, p. 63.
255
Nesse sentido, o exército formava soldados assim como os seminários
formavam sacerdotes, moldando seus corpos e mentes para o combate na guerra
antisubversiva e, nesta, todos os meios eram válidos para conseguir a liberdade
do Brasil. Essa realidade fora moldada por aquela autocracia bonapartista, como
pontuou Velásquez,

El Ejército forma soldados tal como los seminarios forman sacerdotes,


dominando los cuerpos y moldeando las mentes, inculcando con su
mística un sentido metafísico que sirva de guía y fundamento. El
Ejército proporciona no sólo un porqué al ser del militar, sino también un
quién. La educación recibida está encaminada a que el individuo
interiorice una serie de discursos que le permitan no sólo actuar, sino
sentirse y pensarse a sí mismo de la manera esperada en situaciones
especiales, de acuerdo a los discursos que moldean la representación
de la realidad que la institución define. Tal representación explica la
necesidad, el contexto y la función de la institución misma y de los
individuos que la componen. Una representación instaura una
configuración de relaciones establecidas entre los elementos713.

Assim, as práticas de tais policiais militares – mas que também envolveram


servidores civis – protelaram as apurações, a formulação e apresentação dos
processos ao Ministério Público, desempenhando, assim, aquela função social
diante da dinâmica autocrática bonapartista. Essa dinâmica, no entanto,
paulatinamente mudou, em consonância com o fim do milagre econômico. Aos
poucos, os meios institucionais, já entranhados pela lógica da juridicidade, não
eram mais suficientes para dar respaldo àquela autocracia. Juntamente a essas
mudanças, os “entulhos” deveriam ser deixados para trás. Vejamos como isso se
põe ao longo do próximo capítulo.

713
VELÁSQUEZ, 2011, op. Cit., p. 63.
256
Capítulo 6
Construções e desconstruções: o papel da opinião pública

Ao longo dos anos, a atuação dos esquadrões da morte mudou no território


nacional. Conforme demonstramos, esses grupos nasceram no final da década de
1950 para executar contraventores penais e “limpar a sociedade” daqueles
indivíduos tidos pelo Estado e pelos segmentos de classe média e alta da
burguesia como indesejáveis714, função que desenvolveu até o final da década de
1960. Os pesquisadores que se debruçaram sobre a análise desses grupos de
extermínio, de modo geral, captaram apenas essa vertente da atuação deles.
Todavia, ao longo da década de 1970, policiais e delegados, lotados em
delegacias de polícia em todo o país e atuantes nos esquadrões da morte,
passaram a exercer funções vinculadas a Delegacias de Ordem Política e Social,
vigiando, organizando dossiês que atestavam o grau de periculosidade à ordem,
política e social, além do exercício da repressão física dos suspeitos. A atuação
nos grupos de extermínio não foi suspensa e, assim, eles desempenhavam ao
mesmo tempo as duas funções. Nesse período também ocorreu a ampliação dos
considerados “indesejáveis”, abarcando todo indivíduo que contestasse a
autocracia burguesa bonapartista, organizados politicamente, ou não. Assim, a
prática dos esquadrões passou a englobar também os setores de classe média e
alta da burguesia.
Enquanto as vítimas desses grupos advinham dos setores mais pobres da
população, nota-se a colaboração da opinião pública na construção de uma
imagem favorável, heroica, para aqueles homens atuantes nos esquadrões. Mas,
quando tais práticas chegaram aos segmentos da burguesia, atingidas quando
contestavam a ditadura –, nota-se uma mudança na opinião pública que passa a
desabonar tamanha violência.

714
Pode-se encontrar sua gênese no Brasil, considerando suas ações, nas pessoas
contratadas para eliminar pessoas em desavença com proprietários. Eram os chamados
volantes, como explicitados ao longo do capítulo 1.
257
Analisar a colaboração da opinião pública – cujas definições são inúmeras,
e as limitações para o uso do termo são discutidas por especialistas715 – para com
aquela ordem autocrata bonapartista pressupõe o entendimento de como ela se
configurava naquele momento.
Assim, não objetivamos aqui retornar a essa discussão, pois entendemos
que isso remeteria ao desenvolvimento de outro trabalho – procederemos apenas
a uma apropriação do que for necessário para entendimento do presente objeto
de estudo. Em primeiro lugar, é necessário recuperar, a partir de Manin que a
opinião pública se “expressa através dos grupos organizados, das manifestações
mais ou menos espontâneas, das pesquisas, das eleições, dos comícios, das
discussões em reuniões sociais, dos meios de comunicação etc.”716.
Na mesma perspectiva, outro teórico que se debruçou sobre a análise do
que vem a se constituir a opinião pública, Walter Lippman, retomado por Rubens
Figueiredo717, enfatizou seu caráter social, ou seja, como resultante de
informações veiculadas por meio de vários meios de comunicação e várias formas
de interação:

Ele alertava para o fato de que o mundo onde vivemos é muito vasto e
complexo para que cada um de nós possa apreendê-lo sozinho, de
forma independente. Hoje, ao formarmos uma opinião sobre qualquer
assunto, teremos necessariamente que contar com informações
produzidas e veiculadas por instituições e não obtidas exclusivamente
de nossa experiência individual, se é que existe experiência
exclusivamente pessoal718.

715
Para maior aprofundamento, sugerimos a leitura de FARAH, S. O fator opinião
pública: como lidar com ele. São Paulo: IBRACO, 1992; FIGUEIREDO, R.; CERVELLINI,
S. O que é opinião pública. Ed. Brasiliense; GOMES C. T. Opinião pública: os
bastidores da ação política. São Paulo: Global Editora, 1993; HABERMAS, J. Técnica e
ciência enquanto ideologia. In: GRUNNEWALD et al. – tradutores. Os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural, p. 341, 1983; LANE, R. E.; SEARS, D. O. A opinião pública. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1966; MATTEUCCI, N. Opinião pública. In: BOBBIO, N.;
MATTEUCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. Brasília: Ed. UnB, 1986.
716
MANIN, B. Le concept d'opinion publique, s/d., apud FIGUEIREDO, Rubens e
CERVELLINI, Sílvia. “Contribuições para o conceito de opinião pública”. Opinião
Pública, Campinas, vol III, n.3, dezembro, 1995, p. 177. Disponível em:
http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/50629/mod_resource/content/1/figueredo_ceve
llini.pdf. Acesso em: 14 jan. 2016.
717
LIPPMAN, W. The phantom public. London: Transaction Publishers, 1993 apud
FIGUEIREDO e CERVELLINI, op. cit., acesso em: 14 jan. 2016.
718
LIPPMAN, W. The phantom public. London: Transaction Publishers, 1993, apud
FIGUEIREDO e CERVELLINI, op. cit.
258
A opinião pública, portanto, explicita-se como tendências no interior de
debates públicos, de discussões coletivas, implícitas ou explicitamente, de
informações obtidas e/ou construídas através de infindáveis inter-relações, muitas
vezes assumida na sociedade de forma genérica, mas também como
representação de determinados segmentos sociais. De acordo com Figueiredo e
Cervellini, quanto ao sujeito da opinião pública,

não acreditamos haver nenhuma limitação, a não ser o aspecto coletivo,


ou seja, a opinião pública tem que corresponder à opinião de um grupo
de pessoas que tenham algumas características comuns, não
importando se pertençam à elite ou a massa, se são informados ou não
ou se formam a opinião de maneira racional ou emocional. Nesse
contexto, as manifestações de minorias - por mais “minoritárias” que
sejam – devem ser consideradas igualmente como uma das formas de
manifestação da opinião pública. 719

Em que pese os autores assumirem a perspectiva weberiana – elite ou


massa –, a definição a que chegaram nos ajuda a entender o que se pode
considerar opinião pública:

Todo fenômeno que, tendo origem em um processo de discussão


coletiva e que se refira a um tema de relevância pública (ainda que não
diga respeito à toda a sociedade), esteja sendo expresso publicamente,
seja por sujeitos individuais em situações diversas, seja em
manifestações coletivas720.

Em síntese, entendemos a opinião pública como expressão de


representações coletivas sobre um dado contexto histórico, sejam estes de um
determinado segmento social, ou de um conjunto deles; podem, ou não, ser
homogêneas e podem ser mutáveis, dependendo de uma série de circunstâncias:
se são tabus, se estão muito arraigadas, dada a processualidade histórica
vivenciada, sua contemporaneidade e mudanças de conjunturas.
Segundo um dos maiores linguistas da atualidade, Noam Chomsky, a
opinião pública não se faz isenta, observando-se uma íntima relação entre a

719
FIGUEIREDO, Rubens e CERVELLINI, Sílvia. “Contribuições para o conceito de
opinião pública” In: Opinião Pública, Campinas, vol III, n°3, dezembro, 1995, p. 178.
Disponível em:
http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/50629/mod_resource/content/1/figueredo_ceve
llini.pdf. Acesso em 14 jan. 2016.
720
Idem.
259
opinião e a ideologia que se quer hegemônica. Portanto, tende-se a considerar,
como expressão da opinião pública, as representações que os segmentos
dominantes no mundo capitalista fazem da história, da conjuntura, dos fatos, dos
acontecimentos. O instrumento que lhes serve de facilitador para tanto são os
denominados meios de comunicação “de massa”, ou seja, a grande imprensa,
televisiva, impressa, midiática721.
Ao longo do período em estudo, observa-se a aplicação de muita das
estratégias descritas pelo autor. Segundo ele, as dez principais estratégias de
manipulação midiática são:

a distração que consiste em desviar a “atención del público de los


problemas importantes y de los cambios decididos por las élites
políticas y económicas”; criar um problema, método “llamado
‘problema-reacción-solución‘”, cuja solução está nas mãos dos
mandantes; fazer com que uma medida não aceitável seja aceita,
debatendo-a por anos consecutivos; anunciar no momento, um
sacrifício a ser aplicado no futuro; usar argumentos infantis, tratando o
espectador como um débil mental; dar ênfase á emoção e não aos
aspectos racionais, visando induzir comportamentos; manter o público
na ignorância e na mediocridade; estimular no público a ideia de que é
moda ser medíocre; fazer “creer al individuo que es solamente él el
culpable por su propia desgracia’ e 'conocer a los individuos mejor de lo
que ellos mismos se conocen”722.

Essas estratégias descritas pelo autor foram utilizadas pelos vários


protagonistas que atuaram como interlocutores na formação de uma opinião
pública: inicialmente favorável à aplicação da pena de morte e de outras formas
de violência à revelia do que rezava a legislação, mesmo a bonapartista, e depois
rejeitando aquelas ações e reconhecendo-as como atrocidades. Passemos a
analisar essas relações.

721
Noam Chomsky y las 10 Estrategias de Manipulación Mediática. Disponível em:
http://www.revistacomunicar.com/pdf/noam-chomsky-la-manipulacion.pdf. Acesso em: 16
jan.2016.
722
Noam Chomsky y las 10 Estrategias de Manipulación Mediática. Disponível em:
http://www.revistacomunicar.com/pdf/noam-chomsky-la-manipulacion.pdf. Acesso em: 16
jan. 2016.
260
6.1. A opinião pública favorável aos esquadrões da morte.

Entre o final da década de 1960 e o início de 1970, a opinião pública se


punha favoravelmente às práticas dos esquadrões da morte, como expressava a
imprensa da época. Nos jornais, a prática daqueles agentes do Estado associava-
se à limpeza social, ou seja, à eliminação de criminosos comuns. Tais práticas
eram justificadas pela diminuição dos índices de violência, garantindo a
preservação da propriedade privada, uma das demandas reivindicadas pelos
segmentos de classe burguesa.

Como sabemos existe uma Polícia Militar e uma Polícia Civil, aquela
que por motivos que não vem ao caso explicitar, hipertrofiam-se em
prejuízo desta, despreparada para o combate ao crime cada vez mais
organizado, viu subir os índices de criminalidade para minorar os
números alarmantes que as estatísticas passaram a mostrar. A polícia
civil resolveu intervir naturalmente com a cobertura e quem sabe por
determinações superiores para tentar demonstrar eficiências e assim
surgiu o primeiro capítulo na história dos esquadrões da morte723.

Aquelas práticas homicidas, feitas com altíssimo grau de crueldade, como


vimos ao longo do capítulo dois, eram justificadas e inclusive tidas como
necessárias pelos segmentos da burguesia que se sentiam ameaçados pelos
contraventores, em sua grande maioria, cujas ações atingiam a propriedade
privada.
Essa necessidade de extermínio dos destituídos do acesso aos bens
produzidos coletivamente oriunda das classes médias, altas e hegemônicas que
compunham a burguesia brasileira se concretizava na atuação de esquadrões da
morte. De acordo com Costa, era “(...) aceita por parte da população preocupada
em se livrar de todos aqueles considerados socialmente indesejáveis ou, então,
tido como assaltantes perigosos”724.

724
COSTA, Márcia Regina. “1968: O esquadrão da morte em São Paulo” In: SILVA, Ana
Amélia da e CHAIA, Miguel (orgs.). Sociedade, Cultura e política: ensaios críticos. São
Paulo: EDUC, 2004, p. 371; 373-4.
261
Em suma, era a “porta de entrada para políticas genocidas de controle
725
social” , e a ação dos esquadrões representou a prática efetiva dessas políticas.
Tratava-se do atendimento ao anseio de proteção à propriedade privada,
presente no interior do desenvolvimento excludente do capitalismo brasileiro que,
“só tem poder para realizar uma modernização excludente, em que o progresso
social está radicalmente dissociado da evolução nacional”726.
Outra expressão dessa estratégia era a de culpabilizar os segmentos
socialmente marginalizados para justificar o uso da força do Estado contra seus
integrantes, haja vista que a imprensa, naqueles anos, associava os esquadrões
ao extermínio apenas de suspeitos de alguma contravenção penal, considerados
marginais, assumindo, muitas vezes, as teorias raciológicas do início do século
XX. Assim, a imprensa banalizava a violência praticada por esses policiais e a
legitimava, estereotipando por merecedor da violência, uma vez que “marginal” se
tratava de pessoas com o histórico de prática de delitos penais, tais como o uso
e/ou tráfico de drogas, o roubo de automóveis e outros, justificando, assim, aquele
justiçamento 727. Vejamos um caso dessa prática:

O esquadrão da morte voltou a justiçar os marginais caçados pela lei,


tendo executado friamente na manhã de ontem o bandido Jorge da
Silva, vulgo Jorge “Neguinho”. (...) Esse foi apenas mais um caso entre
as centenas de mortes praticadas pelos homens da sigla da caveira,
que não cessarão nunca de executar os piores marginais que
existem728.

725
RODRIGUES, Rafael Coelho. O Estado penal e a sociedade de controle: o
Programa Delegacia Legal como dispositivo de análise. Rio de Janeiro; Revan, 2009, p.
18.
726
ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira. Pandemônio de Infâmias: classes sociais, Estado
e política nos estudos de Marx sobre o Bonapartismo. São Paulo: PUC-SP, 2005 (Tese
de doutorado em história). p. 326
727
"Esquadrão da morte executa 2 presuntos". Notícias populares. 16/01/1970. Coleção
Hélio Bicudo (CHB) - A5 - P30
728
"Esquadrão fuzilou comparsa de Renatinho". Notícias populares. 07/02/1970. CHB -
A5 - P30 e também Doc. "No Rio, outra vítima do EM". O Estado de São Paulo (Rio de
Janeiro). DOPS. 19/08/1977. DOPS. Pasta OS 0992 - 1977-1977.
262
Em algumas publicações, nota-se que o jornal não conhecia o delito
cometido pela vítima, tampouco se ela o havia efetivamente realizado, mas,
seguindo a versão “oficial”, o classificava como “contraventor” 729.
Alguns jornalistas, ao longo do período ditatorial, ficaram marcados por
usarem dessa prática sistematicamente, como por exemplo, o repórter que atuou
em praticamente todas as empresas televisivas do período, Afanasio Jazadi730.
Foi ele quem cunhou, na década de 1970, o termo “trombadinha”, termo que
entrou para a gíria policial e para a linguagem popular, qualificando-se, assim,
todo menor como ladrão. Tendo feito a cobertura de centenas de homicídios
praticados pelos esquadrões na capital, Grande São Paulo, Vale do Paraíba e
Baixada Santista,731 pode ser tido como um dos ratificadores de tal estigma,
justificadora dos assassinatos cometidos pelos policiais dos esquadrões.
Gestava-se, assim, a ideia de que os esquadrões estavam salvando a sociedade
da criminalidade, consolidado a opinião pública favorável a tais práticas.
Naquela época, o Brasil vivia um momento de grande expansão
econômica, ligada, por um lado, aos investimentos do capital internacional e, por
outro, ao arrocho salarial, à concentração de renda e ao crescimento da
desigualdade social trazida por esta expansão 732. De acordo com Chasin,

(...) mostra que o esquema produtivo responsável pelo “milagre” –


centrado nos bens de consumo duráveis, capitaneado por empresas
monopólicas majoritariamente estrangeiras, e complementado pelo
“esforço explorador”, basicamente de produtos agrários – tinha como

729
"Ex-Cartola no esquadrão: matou bicheiro". Diário da Noite. 22/04/1970. CHB - A5 -
P30.
730
Ele começou a atuar na grande imprensa no jornal Folha da Tarde, em fins de 1967,
passando depois a integrar a Agência Folha de Notícias que se implantava no lugar do
DICS (Departamento de Informações, Correspondentes e Sucursais) do Grupo Folha. Foi
também contratado pela sucursal paulista do Jornal do Brasil e TV Paulista (hoje TV
Globo). Em 1972, ingressou na Rádio Jovem Pan, também na Rádio Excelsior (hoje
CBN), Correio da Manhã (jornal carioca já extinto), e depois na Rádio Globo e TV Globo
(participou da estreia do programa “TV Mulher”, que marcaria época na história da
televisão). Ainda apresentou programas nas rádios Capital, Tupi, São Paulo, Rede Líder
(FM) e Trianon. Para maiores informações, ver: http://www.afanasio.com.br/curriculo.html.
Acesso em 10 jun. 2015.
731
Para maiores informações, ver: http://www.afanasio.com.br/curriculo.html. Acesso em:
10 jun. 2015.
732
SINGER, Paul. A crise do milagre: interpretação crítica da economia brasileira. Rio
de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1989.
263
pilar fundamental o rebaixamento salarial: a superexploração do
trabalho733.

O milagre econômico, visto como projeto econômico, foi um fracasso desde


o momento de sua implantação, pois, sob o aspecto de proposta político-
econômica, jamais poderia encaminhar soluções sequer para os problemas mais
básicos que afligiam a população mais pobre, como pontuava Chasin:

Ao contrário, a dinâmica econômica que ele propôs e implantou tem


como base necessária a maciça exclusão das camadas populares dos
resultados que produz. Em termos rigorosos a estrutura de produção
em que se baseia o “milagre” produz necessariamente uma distribuição
negativa para as classes subalternas. Para se realizar, o milagre
obrigatoriamente tem de gerar a miséria de amplas camadas
populacionais; o aviltamento da maior parte da força de trabalho
empregada é a condição de seu funcionamento734.

Outro erro era entender que a larga acumulação, ocorrida entre 1968 e
1973, continuaria em longo prazo. Em suma ele fracassava como “projeto e
prática do desenvolvimento nacional (...) e também, esgotando rapidamente suas
possibilidades”735.
Assim, os custos sociais daquela forma de crescimento econômico na
época foram arcadas pelas classes trabalhadoras, tanto por meio da depressão
salarial, quanto pela acumulação de capitais das indústrias através de incentivos
fiscais, dados pelo governo às exportações. De acordo com Santiago,

(...) visto que os salários reais decresceram enquanto o produto per


capita aumentou, os benefícios da expansão econômica brasileira
concentraram-se nas mãos das classes mais abastadas, cujo padrão de
vida hoje em dia é igual ao de suas homologas nos países ricos. As
classes humildes foram, portanto, um dos financiadores do milagre
econômico736.

Em suma, a classe trabalhadora pagou pelo milagre econômico tanto com


a exploração da sua força de trabalho quanto com a sua própria vida, tendo em

733
CHASIN, 2000, op. cit., p. V.
734
CHASIN, 2000, op. cit., p. 62.
735
Idem, p. 63.
736
SANTIAGO, Zeno. “A arrancada econômica do Brasil: custos sociais e
instrumentalidade” In Revista Dados. Publicação do Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro, 1972, p. 12.
264
vista que o apoio da opinião pública aos esquadrões da morte abria caminho para
a generalização daquela violência. Era o preço a ser pago por aquela “ingratidão”,
disse Engels.

(...) Em uma palavra: elabora-se uma hipocrisia convencional,


desconhecida pelas primitivas formas de sociedade e pelos primeiros
estágios da civilização, que culmina com a declaração de que a classe
opressora explora a classe oprimida e unicamente para o próprio
benefício desta. E, se a classe oprimida não o reconhece, e até se
rebela, isso, além do mais, revela sua mais negra ingratidão para com
seus benfeitores, os exploradores737.

Assim se punham os segmentos hegemônicos da burguesia brasileira,


dada a sua,

(...) forma retardatária, subordinada e conciliada com o historicamente


velho do evolver da industrialização brasileira mostra a manutenção,
devidamente modernizada e “desenvolvida”, de sua face mais perversa
– a miserabilidade das amplas massas trabalhadoras, que se põe, não
como produto de uma “lacuna” distributivista, mas como base e
sustentáculo da sua própria forma de desenvolvimento738.

Essa tendência da opinião pública favorável aos esquadrões da morte pode


ser notada até meados de 1974 quando os efeitos do fim do milagre econômico
tornavam-se cada vez mais explícitos.
A autocracia bonapartista burguesa estremeceu quando o milagre
econômico entrou em declínio. Os segmentos hegemônicos da burguesia que se
satisfazia com os proveitos do milagre, recusaram-se a pagar o ônus daquela
crise que se manifestava também pelo aumento da violência social. Nesse
momento, a opinião pública muda sua conduta com relação aos esquadrões da
morte, expressando a determinação burguesa.

737
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São
Paulo: Editora Centauro, 2002, p. 212. Tradução de Ruth M. Klaus.
738
CHASIN, 2000, op. cit., p. V.
265
6.2. Os esquadrões batem em qualquer porta: a opinião pública
desfavorável.

A partir da segunda metade da década de 1970, as práticas dos


esquadrões da morte passaram a ser questionadas pela opinião pública por meio
da imprensa. Nessa época, as execuções ainda recaíam, na grande maioria,
sobre os segmentos sociais destituídos do acesso aos bens produzidos
coletivamente, mas também atingiam indivíduos de classe média e alta da
burguesia que tinham seus jovens filhos, netos, sobrinhos e outros engajados em
movimentos organizados contra a ditadura.
Ao longo daqueles anos, como vimos em outros momentos deste trabalho,
qualquer indivíduo que, de alguma forma, contestasse aquela autocracia, era tido
como subversivo, indesejável, inimigos da pátria e, uma vez classificado assim, a
violência do Estado contra eles estava justificada. Quando se tratava do
assassinato ou desaparecimento dos estigmatizados por sua pobreza e/ou por
sua condição étnica ou que moravam nos bairros periféricos, observa-se a
legitimação de tais atos pela imprensa. Mas, a partir de 1976, os assassinatos
que atingiram jovens advindos das classes média e alta da burguesia passaram a
ser questionados, e a existência dos esquadrões passou a ser denunciada como
uma excrecência a denegrir a imagem das forças policiais militares,
principalmente.
Não há uma linha divisória clara da ruptura da opinião pública sobre as
práticas dos esquadrões. Apontamos o início de 1976 como marco para isso por
notarmos que foi, nessa época, que esse movimento da imprensa escrita,
contrário àqueles grupos de extermínio, passou a ser hegemônico.
Desde a inserção dos agentes dos esquadrões da morte na repressão
política, a atuação daqueles grupos de extermínio se misturava às práticas contra
os indivíduos engajados nos movimentos organizados.
Não retornaremos aqui ao processo pelo qual os agentes atuantes nos
esquadrões da morte passaram a também atuar na repressão, bem como não
trataremos de como as práticas se davam e contra quais indivíduos e
organizações políticas, pois tal tarefa já foi apresentada ao longo do capítulo três
deste trabalho. Todavia, ao longo da análise das fontes, pudemos constatar que,

266
quando as execuções feitas pelos esquadrões da morte contra os indivíduos das
classes média e alta da burguesia brasileira passaram a ser mais frequentes ou
mais conhecidas pela população, aquela organização estatal passou a ser
questionada pela opinião pública. Assim, definiu Rodriguês que, “crimes que
afetam diretamente a população da classe média tem grande repercussão (...)” 739.
Em suma, as práticas violentas, já usuais contra os segmentos de classe mais
pobres, agora passaram a ser rejeitadas.
Mais conhecida, pois, naqueles anos em que vigorava o Ato Institucional n°
5, de 1968 até 1978, a censura à imprensa dificultava que denúncias incisivas
fossem feitas contra aquela autocracia bonapartista. Inúmeros foram os
pesquisadores que trataram da censura aos meios de comunicação 740, por isso,
não nos ateremos a essa discussão, apenas citaremos abaixo um caso que pode
ser tomado como exemplar no que tange a uma tentativa de denúncia contra os
esquadrões, por meio da imprensa.
A retaliação da autocracia bonapartista burguesa recaiu sobre a tentativa
do jornal Tribuna da Imprensa de veicular uma imagem pejorativa do delegado
Fleury, chefe do DOPS-SP, dos esquadrões da morte paulista e, posteriormente,
do DEIC. Por tal matéria, intitulada de “Fleury está na cadeia. Menos um bandido
na rua”741, um dos funcionários daquele período foi preso, e o jornal foi obrigado a
pagar uma multa de Cr$600,00 de fiança para que ele fosse liberado. O
proprietário do jornal ainda teve que prestar esclarecimento sobre as informações
publicadas.

739
RODRIGUES, Rafael Coelho. O Estado Penal e a Sociedade de Controle: o
Programa Delegacia Legal como dispositivo de análise. Rio de Janeiro; Revan, 2009, p.
18.
740
Sobre este tema, inúmeros pesquisadores podem ser apontados, tais como: DE
AQUINO, Maria Aparecida. Censura, imprensa, estado autoritário, 1968-1978: o
exercício cotidiano da dominação e da resistência. EDUSC, Editora da Universidade do
Sagrado Coração, 1999; GOMES, Joaquim Cardoso. Os militares e a censura: a
censura à imprensa na ditadura militar e Estado Novo (1926-1945). Livros Horizonte,
2006; FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista
Brasileira de História, v. 24, n. 47, p. 29-60, 2004; KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda.
Boitempo Editorial, 2004; ROLLEMBERG, Denise. As trincheiras da memória. A
Associação Brasileira de Imprensa e a ditadura (1964-1974).In: A construção social dos
regimes autoritários: legitimidade, consenso e consentimento no Século XX, v. 2, 2010.
741
"Censura e prisões por causa de Fleury". Diário Popular. DOPS. 24/02/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - Sérgio Fleury
267
A censura também se punha a outros escritos, como no caso da publicação
de livros que versassem, negativamente, sobre os esquadrões. Nesse sentido,
dois casos também foram exemplares: no primeiro, a retaliação recaiu sobre o
procurador Hélio Bicudo, ao publicar, em 1976, o livro chamado “Meu depoimento
sobre o esquadrão da morte”742, obra na qual o procurador da justiça denunciava
o que tinha visto ao longo das apurações contra os grupos de extermínio quando
esteve à frente da primeira Comissão Estadual de Investigação formada em São
Paulo.
No segundo caso, ocorrido em 1977, o jornalista e advogado capixaba
Ewerton Guimarães tentava publicar o livro “A chancela do crime” que denunciava
as práticas dos grupos de extermínio no Estado do Espírito Santo e sua
vinculação com aquele estado. Nesse livro,

(...) além de denunciar a conivência [do ex-governador do Espírito


Santo, Sr. Cristiano Dias Lopes] com os crimes do esquadrão da morte
do Espirito Santo, acusa seu irmão, o ex-secretário da Segurança, José
Dias Lopes, vulgo Zé Pavão, de chefiar a organização responsável pelo
assassínio comprovado de 17 pessoas e de outras 100 cujos corpos
não foram encontrados743.

Com a extensão das práticas dos grupos de extermínio aos segmentos da


burguesia brasileira, como denunciava, mesmo que timidamente a imprensa
nacional e, escancaradamente, as organizações internacionais744, as práticas dos
esquadrões foram questionadas.
A partir da segunda metade da década de 1970, a opinião pública já não
mais se punha a favor daquelas atrocidades, que continuavam a aparecer nos
jornais quando se tratava da execução de indivíduos oriundos dos segmentos
sociais marginalizados por aquela ordem excludente.

742
"Livro denuncia a proteção política ao esquadrão". O Estado de São Paulo. DOPS.
17/10/1976. Arquivo do Estado de São Paulo. 50-z-707. Pasta 08. Documento 851, 854.
743
"Cristiano tenta vetar livro do esquadrão". O Estado de São Paulo (Sucursal de
Vitoria). DOPS. 22/09/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-
1977 - esquadrão da morte.
744
Um dos maiores representantes das denúncias feitas fora do país foi perpetrada pela
Anistia Internacional. Para maiores esclarecimentos sobre esta organização e sua
atuação, ver: KONDER, Rodolfo. Anistia internacional. Campinas: Ed. da Unicamp,
1988.
268
Em julho de 1977, trinta e seis pessoas foram executadas na Baixada
Fluminense pelos esquadrões745 e esse número punha-se em uma constante 746,
pois, meses depois, em outubro daquele ano, o número já aumentava para
cinquenta e sete, como mostra a Folha da Tarde:

A sucessão de mortes na Baixada Fluminense em crimes atribuídos ao


esquadrão da morte que até sexta-feira apresentava um saldo de 53
execuções sumárias em apenas 42 dias elevou para 57 o total de
vítimas da matança747.

A atuação dos grupos de extermínio nos bairros periféricos estava


diretamente relacionada à grande concentração de trabalhadores nessas áreas,
tendo em vista que, desde a década de 1920, a repressão contra esse segmento
social se estruturava e, no período ditatorial, ela se radicalizara. De acordo com o
pesquisador José Cláudio Souza Alves, em entrevista à Revista Nação Brasil, em
2005,

a Baixada Fluminense, com suas cidades-dormitórios, o excesso de


mão-de-obra barata e as indústrias de fundo-de-quintal são o suporte
para a grande metrópole, Rio de Janeiro. Sem Baixada não haveria Rio
Maravilha, Rio Solar e Zona Sul. O jornalista Zuenir Ventura chamou
este grande binômio de Cidade Partida. Mas eu não concordo, porque
se trata de duas realidades conectadas, também, no sistema de
violência organizada, quando com a formação da PM [Polícia
Motorizada], em 1967, estreou o esquadrão da morte para caçar
comunistas. Este contexto permitiu à ditadura livrar-se dos opositores
políticos com mais facilidade e silêncio, além de criar um útil sistema de
alianças políticas locais de que tanto Arena quanto setores do MDB se
beneficiaram748.

745
"Violência no Rio: 36 mortos só em julho". Folha da tarde (Sucursal do Rio de
Janeiro). 01/08/1977. DOPS. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-
1977.
746
"No Rio, outra vítima do EM". O Estado de São Paulo (Rio de Janeiro). DOPS.
19/08/1977. DOPS. Pasta OS 0992 - 1977-1977;
747
"EM do Rio mata 57 marginais em 44 dias". Folha da tarde (Sucursal do Rio de
Janeiro). DOPS. 15/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-
1977.
748
Entrevista de José Cláudio Souza Alves. Baixada Fluminense: violência e poder (Para
entender as causas da chacina). CIMI. Centro de mídias independentes. Revista Nação
Brasil. ed fevereiro de 2004. Por Portal Popular 07/04/2005. Disponível em:
http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/04/312662.shtml. Acesso em: 10 jun.
2015.
269
Em 1978, a imprensa da época não poupava esforços para denunciar as
execuções feitas pelos esquadrões. A chamada das matérias era alarmante:
“Continua a matança na Baixada Fluminense”749 e “Continuam os assassínios na
Baixada Fluminense: mais 2”750, chamando a atenção para a continuidade das
práticas daqueles grupos. Na mesma época, com o fim da censura, a imprensa,
após a revogação do Ato Institucional n° 5, já alarmava para a ação dos
esquadrões sobre os demais segmentos sociais, fugindo à costumeira ligação dos
esquadrões a indivíduos contraventores. Havia, entre os mortos, cobradores de
ônibus, donos de ferro-velho751, operários752, comerciantes753, professores754,
pastores evangélicos755, uma professora primária756 e prostitutas757. Apenas nos
dois primeiros meses de 1978, a imprensa já apurava 64 mortes efetuadas pelos
esquadrões758, tendo esse número subido cotidianamente, chegando a 74
pessoas executadas até o início de março do ano759, dez pessoas em apenas
dois dias760.

749
"Continua matança na Baixada Fluminense". Folha da tarde. DOPS. 29/08/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
750
"Continuam assassínios na Baixada Fluminense: mais 2". Folha da tarde. DOPS.
04/09/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
751
"Identificadas no Rio duas vítimas do EM". Folha da tarde. DOPS. 07/06/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
752
"O esquadrão reaparece e mata seis na Baixada". O Estado de São Paulo. DOPS.
01/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
753
“Esquadrão da morte liquida mais três". Diário da Noite. DOPS. 12/09/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
754
"Mais quatro mortes na Baixada Fluminense". Folha de São Paulo (Rio de Janeiro).
DOPS. 16/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68) - esquadrão
da morte.
755
"Esquadrão do rio matou até um pastor". Folha da tarde. DOPS. 01/08/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
756
"Polícia identificou vítimas do esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 02/08/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
757
"A última denúncia". Veja. 15/04/1970. CHB - A5 - P30.
758
"64 torturados e mortos em apenas 58 dias no Rio". Folha de São Paulo (Sucursal do
Rio de Janeiro). DOPS. 28/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n°
68) - esquadrão da morte.
759
"Esquadrão mata mais seis". Estado de São Paulo (Sucursal Rio de Janeiro). DOPS.
02/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68) - esquadrão da
morte.
760
"Esquadrão mata mais seis". Folha de São Paulo (Sucursal Rio de Janeiro). DOPS.
02/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68) - esquadrão da
morte.
270
Naquele mesmo ano, a imprensa também mostrava que a quantidade de
pessoas que foram executadas por aqueles grupos era surreal e insustentável – e
pior, só aumentava chegando a 184 vítimas no final de maio761, 205 em meados
de junho762, 209 ao final daquele mês763, 308 no início de julho764 e 319 ao seu
final765. Em menos de cinco dias, esse número subiu para 328 no início de
agosto766 e, após o primeiro final de semana seguinte, esse número foi acrescido
em mais 15 execuções, subindo para 343 pessoas767. Entre este momento e o
início de setembro, esse número subiu para 383, de acordo com a Folha da
Tarde, de 05 de setembro de 1978768. Dez dias depois, este número chegou a
393769. E no final do mês de setembro deste ano, o número de mortos chegava a
409, após a chacina de 16 pessoas com requintes de crueldade770.

761
"Outro crime atribuído ao esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 26/05/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
762
"Esquadrão carioca faz a 205ª vítima". Folha de São Paulo. DOPS. 12/06/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte;
"Esquadrão mata mais 3 pessoas". DOPS. 12/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo.
Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte e "Esquadrão abandona mais três cadáveres
no Rio". Folha da tarde. DOPS. 12/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS
0993, n° 68 - esquadrão da morte.
763
"Achadas ontem mais quatro vítimas do EM". Folha de São Paulo. DOPS.
26/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte; "Mais quatro assassínios atribuídos ao EM do Rio". Folha de São Paulo. DOPS.
26/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte; "Marginais e esquadrão assassinam três no Rio". Folha da tarde. DOPS.
26/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
764
"Somente este ano, 308 crimes de morte na baixada". O Estado de São Paulo.
DOPS. 18/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.
765
"Aumenta número de assassínios no Rio". Folha da Tarde. DOPS. 22/07/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
766
"Esquadrão do rio matou até um pastor". Folha da tarde. DOPS. 01/08/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
767
"15 assassínios no Rio neste fim de semana". Folha da Tarde. DOPS. 07/08/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
768
"Continua matança na Baixada Fluminense". Folha da tarde. DOPS. 09/09/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
769
"Mais três assassinatos na Baixada". Notícias Populares. DOPS. 13/09/1978. Arquivo
do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
770
"Recrudesce violência no Rio: mais 8 mortos". Folha da tarde. DOPS. 27/09/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte e também
"Em dois dias esquadrão executou 16: banho de sangue na Baixada Fluminense". Diário
da Noite. DOPS. 28/09/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 -
esquadrão da morte.
271
Além de não mais associar as execuções dos esquadrões à limpeza social,
estigmatizando as vítimas com a taxação “marginais”, a imprensa também passou
a mostrar que tais organizações matavam policiais que não compactuavam com
tais práticas, caso do cabo Renaux, que “morreu porque ameaçara denunciar
elementos do esquadrão que agiram no princípio do ano passado, entre Mesquita
e Nova Iguaçu”771 e também do escrivão-chefe da delegacia de polícia e duas
testemunhas, que foram sequestrados e mortos pelos esquadrões da morte772.
Com a ausência do apoio da opinião pública, os autocratas bonapartistas
buscaram formas para amenizar aquelas publicações da imprensa e vieram a
público apresentar sua versão dos fatos. A primeira forma encontrada pelos
autocratas para restabelecer o apoio da opinião pública foi anunciar
repetidamente, na imprensa, a desarticulação dos grupos de extermínio. Em
1977, um delegado de polícia, Sr. Helber Murtinho, designado pelo Secretário de
Segurança pública para tal finalidade veio a público declarar que os esquadrões
haviam sido desarticulados na Baixada Fluminense, após a prisão dos membros
daquele grupo de extermínio:

Depois de 13 dias de investigações na Baixada Fluminense, o delegado


Helber Murtinho, especialmente designado pelo Secretário de
Segurança para apurar os assassínios atribuídos ao esquadrão da
morte, afirmou ontem, que o crime organizado naquela área já está
desarticulado (...) Murtinho apresentou à imprensa, ontem, o suspeito
Paulo Roberto de Morais Rangoni, afirmando que, com sua prisão, pelo
menos 15 homicídios estavam esclarecidos. De acordo com a polícia,
Rangoni pertence ao grupo de extermínio liderado por Naldo Muniz de
Araújo, o Pintado773.

Também fez questão de apontar a eficiência do Estado em acabar com


aquelas organizações. Para isso, ele destacou que “os carrascos do esquadrão

771
"64 torturados e mortos em apenas 58 dias no Rio". Folha de São Paulo (Sucursal do
Rio de Janeiro). DOPS. 28/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n°
68) - esquadrão da morte.
772
"Esquadrão sequestra e mata escrivão e duas testemunhas". Diário da noite. DOPS.
10/10/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da
morte.
773
"Delegado afirma que esquadrão já está desarticulado". O Estado de São Paulo (Rio
de Janeiro). DOPS. 09/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 -
1977-1977.
272
estão chorando como crianças” 774. Desmentindo-o, imediatamente em seguida, a
imprensa denunciou mais mortes naquela mesma região, como mostrou a Folha
de São Paulo:

Mais dois cadáveres crivados de balas foram encontrados ontem em


Belfort Roxo, desmentindo o delegado de homicídios, Helber Murtinho,
que afirmara que o esquadrão da morte fora liquidado. Os corpos foram
encontrados na estrada do Baby, no bairro de Nova Aurora, elevando
para 19 as execuções ocorridas na Baixada Fluminense desde quando
o Secretário da Segurança, general Brum Negreiros determinou
investigações que impedissem o prosseguimento da matança na
região775.

Naquele mesmo ano, cumprindo a mesma função do delegado Murtinho, a


polícia de Nova Iguaçu informava que identificou vários assassinos dos
esquadrões da morte, atuantes na Baixada Fluminense e que os mesmos seriam
presos nas próximas horas. Apenas uma prisão aconteceu, a do militar reformado
da Marinha, Silas Pereira, integrante de um dos esquadrões, na função de
motorista do bando. Ele foi liberado poucos dias depois776.
Em 1978, um periódico também mostrava que a afirmação dos autocratas
de que os tais grupos seriam presos, não condizia com a realidade dos fatos,
marcada pela continuidade das mortes:

Ao mesmo tempo em que a 4° Vara Criminal de Nova Iguaçu reitera o


propósito de decretar, nos próximos dias, a prisão preventiva de 21
integrantes da PM fluminense, que estariam implicados em alguns dos
crimes atribuídos ao chamado “esquadrão da morte”, novos corpos,
crivados de balas e marcados de sevícias, continuam a aparecer, em
regiões ermas daquele Estado777.

Três meses depois da primeira entrevista, em novembro de 1977, Murtinho


retornava à imprensa, mas agora para mostrar sua consternação ante a

774
"Prisões no Rio não param os crimes do esquadrão". Folha de São Paulo (Sucursal
do Rio de Janeiro). 10/08/1977. DOPS. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992
- 1977-1977.
775
"Prisões no Rio não param os crimes do esquadrão". Folha de São Paulo (Sucursal
do Rio de Janeiro). 10/08/1977. DOPS. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992
- 1977-1977.
776
"Libertado um suspeito do esquadrão". Folha de São Paulo. DOPS. 21/09/1977.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0992 (n. 67) - esquadrão da morte.
777
"Continuam as mortes misteriosa no Rio". Folha da Tarde. DOPS. 13/09/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
273
insustentável situação ocasionada com a continuidade daqueles grupos de
extermínio, após uma chacina que vitimou sete pessoas e que fora realizada
pelos esquadrões locais, como ele reconheceu, “é um caso típico do esquadrão
da morte e que a seu ver, a situação está insustentável”778.
O segundo meio utilizado por esses agentes do Estado para restabelecer a
confiança da opinião pública se deu através da associação daqueles grupos de
extermínio à proteção particular, dissociando-os do Estado. Isso foi feito pela
polícia de Nova Iguaçu quando prendeu o agente Silas Pereira, citado
anteriormente. Nesse sentido, disseram que “a polícia de Nova Iguaçu esclareceu
que o grupo do sargento Silas Pereira protegia uma das redes de supermercados
(...)”779.
A terceira forma encontrada foi ir a público elogiar as lideranças dos grupos
de extermínio, como fez o Coronel Erasmo Dias, dirigindo-se ao delegado Fleury,
que naquele momento, 1978, vivenciava o seu terceiro julgamento. Pela negativa
da concessão da Lei Fleury para aquele delegado, como analisamos ao longo do
capítulo 4, o Coronel teve de designar outro delegado, Ari José Bauer, para
ocupar a direção do DEIC. Nesse momento, o militar apontou que “(...) embora
nenhum homem seja insubstituível, há elementos que, de acordo com a época,
são insubstituíveis, o que é o caso do Dr. Fleury”780. E por fim, Erasmo Dias ainda
completou, ressaltando o que para ele, eram grandes qualidades,

o delegado Sérgio Paranhos Fleury é o melhor profissional da polícia do


Estado de São Paulo. Zeloso, cumpridor de seus deveres, ótimo
companheiro, excelente pai de família. Eu desconheço outro profissional
que reúna as qualidades que o Fleury possui781.

778
"Falsos policiais teriam cometido a chacina do Rio". Folha de São Paulo (Sucursal do
Rio de Janeiro). DOPS. 07/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 -
1977-1977 - esquadrão da morte
779
"Polícia carioca anuncia novas prisões do esquadrão da morte". Folha de São Paulo
(Sucursal do Rio de Janeiro). 02/09/1977. DOPS. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta
OS 0992 - 1977-1977 - esquadrão da morte
780
"Fleury se apresenta e é recolhido à prisão". O Globo. 23/02/1978. CHB - A5 - P33 e
também "Fleury se entrega à Justiça em Guarulhos". Folha de São Paulo. 23/02/1978.
CHB - A5 - P33.
781
"Fleury se apresenta e é recolhido à prisão". O Globo. 23/02/1978. CHB - A5 - P33
274
Em outro momento, o coronel fez mais elogios públicos para aquele agente
da repressão e dos esquadrões, se posicionando contrário à prisão de Fleury e o
chamando de “O melhor policial”782. Nas palavras do Coronel,

(...) a polícia perdeu um de seus homens mais notáveis. E que não


apenas a polícia, mas toda a população de São Paulo sairá perdendo
com o afastamento do diretor geral do DEIC – Departamento Estadual
de Investigações Criminais, Sérgio Paranhos Fleury. (....) Durante o
tempo em que ele estiver preso, quero que a população me diga
quantas vidas e patrimônios vão ser perdidos com o Fleury não
disponível783.

O Coronel, na verdade, buscava ressaltar as “qualidades” que, em tempos


anteriores, fizeram daquele policial o símbolo do atendimento dos anseios dos
segmentos hegemônicos da burguesia tal como o empenho de Fleury no combate
à subversão, à manutenção da segurança e à preservação da propriedade
privada.
Os anseios eram pautados na articulação do capital privado, nacional e
internacional, com o Estado em prol da preservação e desenvolvimento da ordem
burguesa, garantindo sua estabilidade social e política e, por fim, colocando todas
as forças do aparato repressivo à sua disposição. Assim, para garantir essas
relações, o aparelho estatal organizou e concentrou a violência em conformidade
com a brutalidade da acumulação exigida pelo grande capital784 – uma lógica
entranhada na particular configuração da sociedade brasileira, como apontou
Ianni785.
A quarta forma utilizada, em meados de 1978, foi a negativa da existência
de esquadrões da morte, como fez o Secretário de Segurança Pública, general

782
"O melhor policial". Jornal da tarde. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury e também "Fleury espera a sua liberdade a
qualquer momento". Folha de São Paulo. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.
783
"Fleury se entrega à Justiça em Guarulhos". Folha de São Paulo. 23/02/1978. CHB -
A5 - P33.
784
A ditadura do grande capital é a imposta pela grande burguesia e a que determina as
principais características do Estado ditatorial. Todavia, nem sempre as classes
dominantes exercem diretamente o governo. Cf. IANNI, Octavio. A ditadura do grande
capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
785
IANNI, 1981, op. cit., p. 33-45.
275
Brum Negreiros, “negando a existência do grupo de execuções sumárias”786. Na
mesma linha, o Diretor do Departamento Metropolitano, delegado Edgar Pires de
Sá, corroborou seu colega de trabalho, dizendo que “não existiam, no Rio e
principalmente na Baixada Fluminense, crimes misteriosos ou relacionados com o
esquadrão”787 e que “a onda de criminalidade violenta estava diminuindo e que o
que existe, realmente é apenas crimes que dependem de investigações mais
demoradas”788.
Tais negativas causaram espanto até para os demais policiais, pois havia
mais de 6.500 investigações sobre assassinatos não esclarecidos e, entre estes,
também estavam as execuções realizadas pelos esquadrões.
Essas tentativas de restabelecer o apoio da opinião pública pela autocracia
bonapartista não se efetivavam, pois aqueles segmentos sociais estavam
descontentes com o rumo econômico que levava o Brasil dada à crise do milagre
econômico, iniciada por volta de 1974. Naqueles anos, a economia brasileira tinha
como base o consumo do petróleo, em âmbito civil e industrial. Em 1970, 70% do
transporte de mercadoria e 96% do transporte de passageiros estavam
diretamente vinculados ao uso do petróleo – que, por sua vez, sofreu grande
aumento em decorrência da suspensão dos países árabes às exportações. Era
uma represália ao apoio do Ocidente a Israel, na guerra do Yom Kipur 789, em
1973.
A política da Petrobrás, acreditando que o preço do barril de petróleo não
subiria por muitos anos, pautava-se na importação de petróleo. Assim, em 1974,
apenas para pagar o petróleo importado, o Brasil gastou 2,8 bilhões de dólares,

786
"Esquadrão mata e sequestra no Rio". Folha de São Paulo (Rio de Janeiro). DOPS.
24/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68) - esquadrão da
morte.
787
"Polícia identificou vítimas do esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 02/08/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
788
"Polícia identificou vítimas do esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 02/08/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
789
A Guerra do Yom Kippur ocorreu em outubro de 1973 entre árabes e israelenses. Este
conflito durou cerca de vinte dias e, como consequência direta, houve o boicote dos
países árabes produtores de petróleo aos países que apoiaram Israel. Assim, a venda de
petróleo ficou restrita, fato que determinou a alta no preço do barril e a derrubada da
bolsa de valores. A essa crise do capitalismo atribui-se o nome de Crise do Petróleo. Cf.
“Guerra do Yom Kippur e a Crise do Petróleo”. Disponível em :
http://historiadomundo.uol.com.br/idade-contemporanea/guerra-do-yom-kippur-e-a-crise-
do-petroleo.htm. Acesso em 18 jan. 2016.
276
sete vezes mais que em 1972. Também pela falta daquele insumo, os EUA
passaram a inflacionar o dólar, provocando aumentos nos bens de capital,
triplicando as despesas do Brasil com as importações necessárias para a
produção nacional.
A esses problemas, somavam-se os custos com pagamentos de lucros do
capital estrangeiro, juros da dívida externa, fretes e seguros, tendo em vista que o
país era dirigido por uma nova classe de tecnocratas civis e militares, que
comandava além do Estado, também as grandes empresas estatais. O regime era
mantido por um “tripé econômico” formado pelos empresários nacionais, as
empresas estrangeiras e o Estado, como apontou Kucinski790.
O déficit brasileiro subiu de 1,5 bilhão de dólares em 1972 para 6,7 bilhões
em 1974. Para pagar essas dívidas, tomavam-se novos empréstimos,
especialmente pelas empresas estatais, aumentando o montante de juros a
serem pagos e, consequentemente, o próprio déficit.
Os grandes empresários, especialmente as multinacionais, perceberam
que as condições econômicas – altas taxas de lucros e crescimento acelerado –
já não eram mais a realidade do regime e fizeram uma enorme campanha contra
a estatização da economia, promovendo a quebra do pacto entre a burguesia e os
militares. Essa campanha contra a estatização devolvia à burguesia a iniciativa do
debate em relação a outros segmentos da sociedade, restringindo a discussão
aos aspectos do interesse do grande capital e abafando temas de interesse
popular, como o achatamento dos salários e a alta do custo de vida 791.
A campanha entrava em confronto direto com o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND) (1975-1979) de Geisel, que previa investimentos na
indústria de bens de capitais e bens intermediários, que deveriam ser feitos com
dinheiro do Tesouro e usando, como agentes da expansão, as empresas estatais.
Isso significava tirar recursos cobiçados por grupos privados e consolidar o
domínio das estatais em setores importantes da economia. Também pela falta de
dólares, esperava-se que o governo restringisse a remessa de lucros das
multinacionais, os royalties da tecnologia estrangeira e as importações para quem
sabe, renegociar a dívida.

790
KUCINSKI, BERNARDO. O fim da ditadura militar. São Paulo: Contexto, 2001.
791
Idem.
277
A burguesia, em contraposição, pressionava o governo a fazer as estatais
operarem com margem zero de lucro, absorvendo as perdas para si. Unidas num
único bloco, a burguesia nacional e a estrangeira – valendo-se do discurso liberal
e colocando a necessidade de maior “liberdade política” – não hesitaram em pôr
fim ao pacto político com os militares, como pontuou Kucinski 792.
A falta de apoio daquela ditadura também se refletia em outros campos. Na
política, a perda de legitimidade do governo se deu após a vitória do Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) nas eleições de 1974793. Para diminuir o peso de
atuação da oposição, Geisel e Golbery lançaram o “Pacote de Abril” que era
composto por 14 emendas794 a artigos da Constituição de 1969, três novos artigos
e seis decretos-leis.
Dentre as determinações daquele pacote, chamamos a atenção para a
modificação com relação ao legislativo. Nele, houve a redução do quorum
necessário para a aprovação de emendas e criação do “senador biônico” a quem
caberia garantir a vitória do governo. O maior problema foi instituir a restrição do
peso do voto urbano, na tentativa de diminuir as cadeiras parlamentares daquelas

792
KUCINSKI, 2001, op. cit.
793
Apesar da dissolução de 11 partidos políticos, em 1965, e a criação de dois partidos:
ARENA - partido do governo – e Movimento Democrático Brasileiro (MDB), – partido da
oposição, cujo papel era dar legitimidade ao governo. Em 1974, o MDB recebera 14,5
milhões de votos para seus candidatos do Senado contra 10,1 milhões da ARENA, ou
seja, Geisel perdia a maioria de dois terços no Congresso e, consequentemente, o poder
de modificar unilateralmente o regime por meio de emendas à Constituição, que
necessitavam de maioria no Senado. Os votos foram também um reflexo das mudanças
demográficas e suas consequências. A vinda de milhares de ex-agricultores às cidades
como mão de obra barata para a construção civil teve, como consequência, a instalação
dessas pessoas nas zonas periféricas da metrópole, enfrentando graves problemas de
transporte, de moradia, de saneamento básico, de qualidade do ar e da água, surtos
epidêmicos e a perda do poder de compra do salário mínimo. Para conter tal avanço
oposicionista, Geisel engendrou um golpe através da edição de uma reforma
constitucional que previa o fechamento do Congresso e a promulgação de reformas por
decreto com base nos atos excepcionais e, posteriormente, eliminaria os atos
institucionais. Petrônio Portella, presidente do Senado, ficou encarregado de convencer o
MDB a aprovar as mudanças na Reforma do Judiciário. O objetivo na verdade era
apontar a intransigência do MDB e fechar o Congresso por tal motivo, podendo, assim,
fazer as mudanças políticas necessárias à continuidade do regime. Obviamente o MDB
não aprovou o projeto, e em fevereiro de 1977, alegando que as oposições exerciam uma
ditadura da minoria, Geisel fechou o Congresso. Cf. KUCINSKI, 2001, op. cit.
794
Grosso modo, o Pacote de Abril, promulgado em 14 de abril de 1977, previa o controle
do processo legislativo, do Executivo Federal, dos Executivos estaduais, restringia as
campanhas eleitorais com a criação da Lei Falcão e a proibição do uso da televisão nas
campanhas municipais e restringia o peso do voto urbano. KUCINSKI, 2001, op.cit., p.
44-8.
278
regiões mais politizadas, pois, ao condicionar o número de cadeiras ao número de
habitantes por Estado e não de eleitores, eles se esqueceram de que, com o
êxodo rural, os analfabetos dos Estados tidos como atrasados, que não votavam,
viviam nas cidades tidas como politizadas, à procura de trabalho. Assim, ao invés
de diminuir o peso das áreas urbanas, elas foram aumentadas795.
No seio militar, Geisel também perdia apoio ao demitir o ministro do
Exército Sylvio Frota, destroçando o alto comando do Exército. Ele foi marcante,
pois, mesmo levantando a bandeira da linha dura, na tentativa de ser sucessor de
Geisel, era o único que se opunha e obstaculizava a prática da tortura no
momento em que chefiou o I Exército (1971-1974), antes de se tornar ministro.
Quando ministro, fez campanha para suceder Geisel, baseando-se na oposição à
retorica liberal, na manutenção das Forças Armadas como núcleo decisório e
centro do poder. Ao final de 1977, ele já contava com uma ala “frotista” no
Congresso. Entendido como um perigo, Geisel o demitiu em 12 de outubro,
feriado local, sem a possibilidade de uma manifestação de repúdio dos
apoiadores dele796.

795
A ideia de Golbery e Geisel era diminuir o peso das regiões urbanas, que eram mais
politizadas. Em primeiro momento, dividiu-se o Estado do Mato Grosso, criando o Mato
Grosso do Sul e estabeleceu um teto para o número de cadeiras de Estados mais
populosos – medida feita principalmente para conter São Paulo – que não poderia ter
mais que 55 deputados federais. Todavia, o que ocorreu foi o inverso: Geisel fez com que
o peso do voto urbano aumentasse. Os estados do sul ganharam 13 cadeiras, São Paulo,
símbolo da oposição, ganhou 5 cadeiras e o Rio de Janeiro, 7 cadeiras. O estado onde
predominava o voto “atrasado” como o Pará, perdeu 5 cadeiras. Sendo este pacote um
ato institucional, não poderia ser alterado após seu lançamento. KUCINSKI, 2001, op. cit.,
p. 43-8.
796
A crise institucional também tinha outros elementos importantes. No fim de 1976, a
inflação e o desaquecimento econômico atingiriam também os oficiais subalternos. A real
situação e a insatisfação haviam demorado a chegar aos quartéis, em detrimento da
lavagem cerebral feita pela doutrina de segurança nacional, onde todos os males da
nação eram atribuídos aos comunistas. Grupos de oficiais descontentes e contrários a
Figueiredo começaram a se articular, surgindo o grupo “centelha nacionalista”, o
Movimento Militar Democrático Constitucionalista (MRD), o grupo pró-governo criado em
1977, chamado Movimento Popular de Defesa da Revolução e o Movimento
Revolucionário Democrático (MRD), formado por coronéis e defensores das teses
castelistas. Em 1978, escolhido o sucessor de Geisel, o grupo centelha decidiu dar apoio
a Magalhães Pinto, ex-governador de Minas Gerais e não militar. O objetivo era implodir
a Arena de forma a impedir a indicação de Figueiredo na convenção do partido. Porém,
sem maiores apoios, Magalhães desistiu da candidatura, mas não desistiu da resistência
a Figueiredo e lançou, em Recife, a Frente Nacional pela Redemocratização,
desestabilizando o sistema eleitoral e gerando a necessidade de uma solução
extraordinária. As pressões da oposição continuavam, e o MDB foi obrigado a lançar o
279
Assim, o que se notava era que, progressivamente, aquela ditadura perdia
suas bases. No que tangia aos segmentos hegemônicos da burguesia, apontou
Chasin que eles não haviam se cansado daquela autocracia, mas sim dos rumos
econômicos e do fim do milagre. Nesse sentido,

(...) enquanto o “milagre” funcionou o empresariado sustentou, honrou e


defendeu intransigentemente o regime em toda a sua extensão
ditatorial. Não é, pois, do regime da ditadura que os empresários se
cansaram, mas o que eles não toleram é o fim do “milagre” e suas
consequências diretas sobre seus negócios797.

Sem a sustentação daquele Estado pelos segmentos hegemônicos da


burguesia, descontentes com as medidas do regime ditatorial que não mais o
beneficiavam, tornava-se subsequente à abertura política independente das
medidas frustradas tomadas pelos seus últimos representantes – Geisel e
Figueiredo – em dar continuidade ao regime, além da crise nos setores políticos e
junto aos militares. Assim, por mais que a autocracia buscasse meios para
restabelecer a confiança, levando a público militares para afirmar que a violência,
inclusive a dos esquadrões estava encerrada, nada mais poderia ser feito além de
esconder tais arbitrariedades. De acordo com Chasin,

O processo de “abertura”, incorretamente denominado de processo de


“redemocratização”798, é abordado a partir de seus fundamentos
socioeconômicos efetivos: a crise do “milagre”, isto é, a crise da
organização econômica em função da qual fora dado o golpe em 64.
Com a crise, já evidenciada em 1974, desfaz-se o bloco aparentemente
monolítico que sustentara o estado bonapartista: os setores burgueses
que compunham têm agora necessidade de discutir e influenciar mais
diretamente os rumos da política econômica governamental, a fim de
disputar quais setores pagariam o ônus da crise, e como se desenharia
uma nova rodada de acumulação. Sem, entretanto, que fossem
questionados os fundamentos da organização econômica vigente – a
superexploração do trabalho, a subordinação do capital externo, a

general Euler como candidato à presidência. Euler era antipopulista, apesar de ter se
oposto tanto à subordinação econômica quanto às violações dos direitos humanos.
Apesar de atrair multidões aos comícios, ele não empolgou a oposição que desconfiava
dele e de sua origem. O MDB suspendeu os comícios e, em 15 de outubro, Figueiredo foi
eleito. Cf. KUCINSKI, 2001, op. cit., p. 49-66.
797
CHASIN, 2000, op. cit., p. 67.
798
Chasin pontua que a história brasileira é marcada por ditaduras e milagres
econômicos, mas pobre de soluções econômicas de amplitude nacional, carente de uma
tradição democrática verdadeira. Cf. CHASIN, 2000, op.cit., p. 60.
280
estrutura agrária, o privilegiamento do setor de bens de consumo
duráveis como carro-chefe do desenvolvimento industrial -, o que
implica deixar em pé o caráter autocrático do estado, mantendo
excluídos do debate da questão essencial – a econômica – os
trabalhadores799.

O fim do apoio dos segmentos hegemônicos da burguesia se refletia na


opinião pública que agora contestava a violência do Estado por meio dos
esquadrões da morte, bem como a imprensa não mais estigmatizava as vítimas
daqueles grupos como sendo marginais. Em meados de 1978, a título de
exemplo, as matérias eram enunciadas como “Esquadrão mata e sequestra no
Rio", ou “Polícia identificou vítimas do esquadrão",800 ambas do Jornal Folha da
Tarde e publicadas em outubro de 1978. A opinião pública através dos jornais,
finalmente, mostrava quem eram as vítimas e quem eram os vilões.
Diante daquele novo cenário que começava a se formar, pautado na
abertura política iniciada em 15 de março de 1979, com a posse do General João
Batista Figueiredo, os rumos da repressão se alteravam e Fleury se tornava, não
apenas desnecessário, mas uma ameaça na dinâmica que se alterava sem
mudar, substancialmente, pois mesmo com a fachada do governo de um período
de distensão, o governo continuava a política de não fazer prisioneiros,
assassinando presos políticos e sumindo com os corpos 801, bem como os
esquadrões continuavam com suas práticas.
Uma das formas de esconder aquelas arbitrariedades era eliminando quem
poderia denunciá-las. Assim, de acordo com o ex-militar da Polícia Civil do estado
do Espírito Santo, Claudio Guerra, a morte de Fleury foi decidida e planejada em
uma reunião informal, presidida por Carlos Alberto Brilhante Ustra, em 9 de março
daquele ano.

Foi uma decisão unânime da nossa comunidade, em São Paulo, numa


votação feita em local público, o restaurante Baby Beef, no horário do
almoço (...) Estávamos sentados à mesa eu, o coronel do 1º Exército
doutor Ney, o coronel-aviador Juarez de Deus, o Ustra, o coronel

799
Idem, p. VII.
800
"Esquadrão mata e sequestra no Rio". Folha de São Paulo (Rio de Janeiro). DOPS.
24/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68) - esquadrão da
morte e "Polícia identificou vítimas do esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 02/08/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.
801
KUCINSKI, 2001, op. cit.
281
Perdigão, o comandante Vieira e o delegado Calandra. (…) Ustra abriu
a reunião. Ele estava numa cabeceira da mesa, não sei se por
hierarquia militar, e Perdigão, na outra. De um lado, eu estava com o
comandante Vieira e o delegado Aparecido Laerte Calandra, que era
muito ligado ao coronel Ustra. No outro lado da mesa, o doutor Ney e o
coronel-aviador Juarez. Éramos sete. Quem decidia mesmo era o
doutor Flávio (o coronel Perdigão), mas em reunião assim quem
presidia era o Ustra802.

Naquela reunião, também foi planejada a forma como a morte de Fleury


aconteceria, tendo sido sugerido pelo Cláudio Guerra que a mesma se desse
através de um acidente – ideia que foi aceita conforme suas palavras:

Também palpitei que seria necessário colocar gente ligada a Fleury na


simulação do acidente. Só assim conseguiríamos chegar perto dele.
(…) Fui então escalado pelo coronel Perdigão e pelo comandante Vieira
para comandar a execução. Chegamos a ficar vários dias em campana
em frente à Viva Maria, esperando algum momento de descuido por
parte dele, mas não aconteceu. (…) Dias depois, os planos mudaram
porque Fleury comprou uma lancha. Informaram-me que a minha ideia
do acidente seria mantida, mas agora envolvendo essa sua nova
aquisição – um ‘acidente’ com o barco facilitaria muito o planejamento.
Disseram-me também que outra equipe faria o trabalho. Iriam usar o
pessoal das Forças Armadas, da Marinha, do Cenimar, pois a execução
se daria na lancha803.

Os militares destacados para montar o “acidente” que vitimaria Fleury


conseguiram colocar tal plano em prática no feriado de 1° de maio de 1979,
quando o delegado passaria aqueles dias em Ilha Bela, litoral norte de São Paulo,
a bordo de sua lancha. Ainda de acordo com Guerra, o Delegado paulista teria
sido dopado e golpeado por uma pedra:

Não sei qual substância usaram para dopá-lo, mas sei que foi colocada
na bebida com a droga. Fleury ainda levou, de um homem de sua
confiança, uma pedrada na parte de trás da cabeça. (...) Os indícios do
envenenamento estão numa perícia feita, mas que não foi divulgada.
Ficou de posse do Expedito (Marques Pereira, delegado de polícia
aposentado),delegado que substituiu Fleury no comando formal do
DEIC804.

802
GUERRA, Cláudio. Memórias de uma guerra suja. Depoimento a Marcelo Netto e
Rogério Medeiros. Rio de Janeiro: Topbooks, 2012, p. 99-100.
803
Idem, p. 104-5.
804
Ibidem, p. 105-6.
282
Foi assim que no feriado de 1° de maio de 1979, Fleury foi morto pelos
agentes do aparato repressivo, tendo, finalmente, se livrado dos processos a que
ainda responderia, bem como também livrou aquele Estado da possibilidade de
ser denunciado, inclusive internacionalmente.
Na versão oficial, reproduzida pelos militares, Fleury sofreu um mal súbito,
caiu no mar e morreu afogado. Tal versão permaneceu incontestável – ao menos
até o Claudio Guerra fazer tais revelações –, pois não foi permitido pelos militares
que o corpo fosse autopsiado, como afirmou o médico legista Harry Shybata,
responsável pelo Instituto Médico Legal (IML) naquela época. De acordo com ele,

O então Diretor do IML de São Paulo, o médico-legista Harry Shybata,


afirmou (...) que havia recebido ordens superiores, do Delegado-Geral
da Polícia Civil de São Paulo, Celso Telles para não autopsiar o corpo
de Fleury. Celso Telles, justificou a ordem emitida naquela madrugada
alegando que havia a “evidência de sinais externos da morte”, bem
como dezenas de agentes do Departamento de Ordem Política e Social
(DEOPS) tinham vasculhando o litoral atrás de pistas de um possível
atentado contra Fleury e nada encontraram805.

As circunstâncias em que ocorreu a morte de Fleury e a negativa do


Estado em permitir a realização da autópsia do corpo deram margem a uma série
de especulações na época – particularmente as que apontavam para a queima de
arquivo promovida pelos agentes do Estado, pois só a eles interessava manter
em sigilo tudo o que aquele policial sabia. Tal ligação foi desmentida pelos
militares durante muitos anos e só em 2012, com as revelações feitas pelo ex-
delegado Cláudio Guerra é que pudemos ter certeza daquilo que já era
amplamente sabido:

Um processo e julgamento de Fleury, se realizados com independência


e liberdade, permitiriam esclarecer as responsabilidades deste iníquo
personagem, e mais que isto, identificar seus auxiliares e mandantes806.

805
SOUZA, Diego Oliveira. “Entre violência e (in)justiça: o esquadrão da morte paulista
(1968-1979)” In: Mouseion. Canoas, n. 18, agosto 2014. Disponível em
http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/mouseion. Acesso em: 12 jan. 2016, p.
160.
806
"Fleury morre afogado em Ilhabela, aos 46 anos". Folha de São Paulo. 02 mai.1979.
CHB - A5 - P33.
283
A morte do delegado foi de extrema importância. Ele era símbolo da
repressão política, conhecedor dos porões daquela autocracia bonapartista e sua
ligação com o Estado já não era mais aceitável, dadas as novas circunstâncias
que se punham naquela época. O retorno da liberdade de imprensa também
possibilitava que, internamente, aquela ampla violência fosse denunciada, bem
como deu à imprensa internacional acesso ao que acontecia aqui. Nesse sentido,
uma confissão de Fleury sobre tais arbitrariedades, exposta publicamente, em
âmbito nacional e internacional, não seria cabível. Assim, temiam eles que a

(...) possibilidade do Delegado Fleury, no momento da abertura política,


vir a ser preso e acabar indicando toda a sua rede de colaboradores, ou
mesmo ser condenado num futuro tribunal internacional não pode ser
descartada como sendo um dos motivos desencadeadores de sua
morte. A argumentação do ex-Delegado da Polícia Civil do Estado do
Espírito Santo, Cláudio Guerra, fornece bons elementos para justificar a
eliminação do expoente e promover o encerramento da Questão Fleury,
através da versão oficial baseada na tese do afogamento 807.

Com a abertura política iniciada no período Geisel e continuada no governo


de Figueiredo, não havia mais espaço para Fleury808. De acordo com o jornal
Folha de São Paulo, na conjuntura social que se estabelecia, pautada no aumento
da liberdade de informação – e consequente aumento das publicações sobre
violência, tortura e execuções –, e no retorno à liberdade do judiciário, Fleury era
uma peça “invulnerável do aparelho da repressão. Uma pessoa difícil de ser
defendida. Além disso, tornava-se um personagem perigoso”809. Como era de
conhecimento público na época, a morte dele seria muito bem-vinda para os
autocratas.

O mínimo que se pode considerar é que a morte do torturador Fleury foi


bastante conveniente para o conjunto do sistema que provavelmente
vivia ansioso com a ameaça seguinte; e se Fleury dissesse o que
sabia?810

807
SOUZA, 2014, op. cit., p. 160.
808
“Fleury Pai Herói”. Manchete. 19/05/1979. CHB – A5 – P33.
809
"Fleury morre afogado em Ilhabela, aos 46 anos". Folha de São Paulo. 02/05/1979.
CHB - A5 - P33.
810
"Fleury morre afogado em Ilhabela, aos 46 anos". Folha de São Paulo. 02/05/1979.
CHB - A5 - P33 e também "Menos um no listão dos torturadores". Em tempo.
02/05/1979. CHB - A5 - P33.
284
A tese de que se tratava de uma queima de arquivos era comum entre os
que falavam sobre a morte desse agente, bem como que ela estava diretamente
ligada ao acesso do delegado às instâncias e informações sigilosas do aparato
repressivo. De acordo com o periódico Em tempo,

pelo fato de haver estado no centro do aparelho da repressão político-


militar de São Paulo desde a fundação da Oban, Fleury estava a par de
todos os fatos e conhecia todas as figuras das Forças Armadas, dos
governos federal e estaduais, e do empresariado que se
comprometeram no terrorismo de Estado811.

Com sua morte, também foi sepultado o desejo de punição, bem como se
fortaleceu a impunidade e a frustação, como escreveu o Comitê Brasil-anistia,
porta voz dos exilados políticos na França:

Essa morte também desperta em nós o sentimento de frustação porque,


com ela, Fleury escapa à justiça. Não foi possível, dada à cobertura
política e jurídica de que gozava – para a vergonha do regime – apurar
e trazer à luz os crimes que cometeu. Respaldado sempre pelo
aparelho político-militar, Fleury pôde desafiar a opinião nacional e
internacional, sendo recompensado abertamente por seus crimes com
leis especiais para protegê-lo, nomeações e cargos de confiança e
medalhas de mérito812.

Em suma, a morte de Fleury está inserida no rol de estratégias dos


autocratas para promover a abertura “lenta, gradual e segura”, cunhada por
Figueiredo em 1979 – movimento que se deu pelo alto, sem visar à democracia,
mas à institucionalização da autocracia, “substituindo sua fisionomia abertamente
ditatorial por traços mais abrandados”, de acordo com Chasin813.
O governo do militar João Batista Figueiredo (1979-1985) tinha ares
democráticos, mas escondia seus resquícios repressivos. Aquela imagem, carro-
chefe daquele governo, foi abalada de várias formas: pela forma como se deu o
processo de anistia, que tão pedida pelas oposições, só foi concedida para os
casos de criminosos políticos “não-condenados” e para funcionários públicos e

811
"Menos um no listão dos torturadores". Em tempo. 02/05/1979. CHB - A5 - P33.
812
"Fleury morre afogado em Ilhabela, aos 46 anos". Folha de São Paulo. 02/05/1979.
CHB - A5 - P33 e também "Menos um no listão dos torturadores". Em tempo.
02/05/1979. CHB - A5 - P33.
813
CHASIN, 2000, op. cit., p. VII.
285
militares814; a tramitação no Congresso da organização de novos partidos, que
causou um racha da oposição, mas também a perda do partido do governo, a
Arena; o adiamento das eleições por dois anos com o pretexto de permitir a
organização partidária, mas que, na verdade, não passava de uma tentativa de
melhorar a crise econômica, sob o risco de perder as eleições municipais para a
oposição; além das greves agrárias815 e as operárias,816 ocorridas no ABC – ou
seja, tanto no campo como na cidade, a “abertura” acontecia, mas não sem dar
seus últimos suspiros ditatoriais817.
Aqueles “ares democráticos” não mais comportavam o delegado da
repressão e dos esquadrões. Assim, com a morte de Fleury também se encerrava
a atuação daquele grupo paulista, bem como as apurações sobre os casos de
execuções já ocorridos retornaram à esfera estatual, não sendo mais um
problema federal. Em contrapartida, a violência gestada naqueles anos
permaneceu, seja na tão criticada, mas bem presente militarização das policiais
ou mesmo na atuação de outros grupos de extermínio pelas periferias de todo o
Brasil.
A ditadura morreu assim como o símbolo que expressou a dinâmica da
atuação das forças repressivas, mas mesmo em tempos de constitucionalidade

814
A oposição viu-se sob pressão, na medida em que a anistia foi passada como “a
máxima possível” pelos militares. Muito embora o MDB e suas bases tenham oferecido
resistência ao projeto, o governo conseguiu aprová-lo no Congresso sem nenhuma
alteração. Isso desgastou a imagem do novo governo, que tinha como “meta” a abertura.
815
As crises no campo, durante o final da década de 70, foram marcadas por inúmeras
mortes. Com o surgimento dos boias-frias e a Teologia da Libertação funcionando como
amálgama para a união entre Igreja e os posseiros, deu-se força ao fomento das greves
por todo o país, pois, embora os donos de engenho, por vezes, negociassem com os
trabalhadores, houve um recrudescimento das forças de repressão no campo, através do
uso das mesmas táticas repressivas das elites agrárias e industriais. Cf. KUCINSKI,
2001, op.cit.
816
Aponta o autor que, com a crise econômica, o governo via a necessidade de cortar
serviços sociais. Isso mobilizou os trabalhadores, especificamente a classe metalúrgica
que era bem organizada, iniciando uma greve em 1° de abril de 1978, no ABC,
estendendo-se até Sorocaba. Os juízes se recusaram a ver a greve como ilegal, num
primeiro momento, mas como os trabalhadores do ABC não aceitaram a oferta que a
Justiça lhes propôs, esta abriu chance para a repressão, sendo os 15 líderes da greve
presos, incluindo Lula. Por alguns dias, a repressão ora se recrudesceu, ora se afrouxou,
até que os próprios trabalhadores deram um fim ao movimento, por conta de suas
necessidades. Entretanto, a greve foi vista, como vitória técnica, pois a repressão não
conseguiu conter os ânimos populares em busca de seus interesses. E o partido dos
trabalhadores pode ser considerado como consequência política das greves de 1978 do
ABC. Cf. KUCINSKI, 2001, op. cit.
817
Idem.
286
democrática, seus resquícios ainda estão presentes em várias instituições, das
quais os esquadrões da morte, os assassinatos de suspeitos e os meios que
permitem a impunidade continuaram atuando.

287
Considerações finais

Trabalhar com a temática aqui abordada fez com que nos deparássemos
com algumas dificuldades. A complexidade do tema já estava indicada nas
interpretações até então feitas acerca daqueles grupos de agentes armados do
Estado, encarregados de sanear a sociedade com a eliminação das pessoas que,
por razões distintas, eram consideradas inimigas do Estado, conforme
demonstramos. A alcunha que receberam explicita bem seus modus operandi -
esquadrões da morte – e isso foi se evidenciando a partir da análise documental
que demonstrou ser o problema muito mais entranhado na sociedade do que
inicialmente se revelava.
Visualizar toda aquela violência perpetrada pelo Estado foi aterrorizante,
principalmente quando seus resquícios estavam tão presentes na atualidade.
Como historiadora, é impossível não me sensibilizar com as brechas que a
perda daqueles indivíduos deixou no seio de suas famílias, as quais ainda tiveram
de lidar com a reprovação moral, pois os vitimados ficaram marcados como
transgressores da ordem, à revelia de qualquer julgamento legal – construção
ideológica perpetuada pelo Estado, pelos segmentos da burguesia e pela opinião
pública, bem como “justificadas” pelas teorias raciológicas, tão utilizadas, inclusive
por nossas policias. Essa dor foi vivida por milhares de famílias e em todo o
território nacional, uma vez que os esquadrões atuaram em praticamente todos os
Estados da federação.
Conforme vimos ao longo desta tese, os denominados esquadrões da
morte foram grupos de extermínio que atuaram em âmbito nacional desde o final
da década de 1950 até o final da década de 1970. Nascidos no Rio de Janeiro,
tiveram sua ideia copiada pelos governadores de outros estados, tendo sido
implantados em São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Alagoas, Pernambuco e
outros.
Seus integrantes eram policiais, tanto militares quanto civis, lotados em
delegacias de todo o país, de diversas patentes, na ativa, ou aposentados. No
começo da década de 1970, a grande maioria passou a também atuar nos órgãos

288
da repressão, não havendo mais como dissociar as práticas perpetradas em uma
ou outra instituição.
Na verdade, a atuação daqueles agentes, na repressão, ou nos
esquadrões, eram as mesmas: sequestros e tortura para fins de esclarecimento,
execução sumária, assassinatos sob custódia do Estado, uso de cemitérios
clandestinos etc.
No período analisado, 1973 a 1979, observamos, a partir das fontes, que
tais grupos de extermínio viveram seu auge e declínio, dada a configuração
nacional em cada momento histórico. Assim, se 1973 os integrantes dos
esquadrões atuavam ativamente no aparato repressivo e nos grupos de
extermínio bem como eram amplamente protegidos pela autocracia bonapartista,
em 1979, a grande maioria daqueles policiais já estava fora dos órgãos da
repressão, e os autocratas não mais conferiam grandes esforços para garantir a
existência deles – tanto que a responsabilidade por tais grupos retornou para a
esfera dos estados.
Enquanto instituição nacional à serviço do bonapartismo, os esquadrões da
morte operavam articuladamente – evidência que pudemos notar quando
comparamos o modus operandi desses grupos nas localidades em que eles
agiam. Em todos os estados, as práticas eram as mesmas: execuções sumárias
justificadas para diminuir os índices de criminalidade; mortes de pessoas sob
custódia do Estado; uso de locais clandestinos para ocultação dos cadáveres ou
locais legais, que guardava alas específicas para tais vítimas, enterradas como
indigentes; representantes dos grupos, os chamados Relações-Públicas, que iam
a público revelar quais seriam os próximos a morrer; sequestros e tortura para
“fins de esclarecimento”.
A operacionalidade, por nós chamado de modus operandi, e semelhança
entre as práticas em cada estado demonstravam que aqueles grupos de
extermínio agiam articuladamente, bem como eram incentivados e protegidos
pela autocracia bonapartista.
Em síntese, lutar por demandas sociais, pelo acesso aos bens produzidos
coletivamente e aos ditames constitucionais fazia daqueles segmentos da
população inimigos internos a serem combatidos e aniquilados para o bem da
Nação. Assim, eles eram duplamente marginalizados e criminalizados: não tinham

289
acesso aos elementos garantidores da dignidade humana e, portanto, tratados
como marginais.
Essa dinâmica se consolidou no Brasil ao longo do período republicano,
nas cidades por meio da segregação do espaço urbano, da repressão aos
movimentos sociais, principalmente quando ocorria a industrialização. No campo,
a busca por melhores condições de vida através da formação de comunidades de
ajuda mútua incitou a repressão que também foi brutal, haja vista os movimentos
no Nordeste como Canudos, Sitio Caldeirão, Cangaço e as Ligas Camponesas e
no sul do país com a Guerra do Contestado.
Aquela violência estava diretamente atrelada à forma de desenvolvimento
do capitalismo no Brasil ocorrido aos moldes da “via colonial”. Nela, a associação
da burguesia brasileira com os latifundiários impediu que houvesse a ruptura com
o capital internacional, tornando nossa burguesia frágil, débil, impossibilitada de
romper com a ordem vigente e engendrar mudanças significativas e, nosso
capitalismo subordinado, dependentes e atrófico.
Nessa dinâmica, pautada na conciliação com o atraso e pelo alto, os
demais segmentos não tinham espaço para participação nas decisões, tampouco
suas demandas atendidas – eram criminalizadas. Lutar por melhores condições
de vida e trabalho, na cidade ou no campo, era sinônimo de subversão, dentro ou
fora de períodos ditatoriais; era “caso de polícia” e contra eles, toda a violência do
Estado estava justificada.
Esse fato é ratificado quando analisamos o desenvolvimento da rede de
vigilância e repressão à sociedade iniciada na década de 1920 até sua
transformação em um Sistema de Segurança Nacional, em 1950, a partir da
articulação dos órgãos que atuavam como polícias políticas, tais como o
Conselho de Segurança Nacional (CSN), a Divisão de Polícia Política Social
(DPS), as seções de Segurança Nacional, presentes em todos os Ministérios
Civis da República, os Serviços de Informações; as Delegacias de Ordem Política
e Social (DOPS), as Secretárias de Segurança estaduais e o Serviço Secreto
Federal.
No período ditatorial, esse Sistema de Segurança Nacional criou novos
órgãos, reorganizou e ampliou as funções de alguns dos já existentes, com

290
destaque para a atuação do Sistema Nacional de Informações articuladas aos
DOPS espalhados por todo o país.
Nesse sistema repressivo altamente articulado, a inserção dos esquadrões
da morte foi essencial e de suma importância. Os policias que atuavam naqueles
grupos passaram a integrar os quadros dos órgãos da repressão no início da
década de 1970. Suas práticas altamente letais garantiam a preservação da
propriedade privada, do capitalismo e do status quo, anseios dos segmentos da
classe média, alta e hegemônica da burguesia e perpetrada através daquele
Estado classista.
As práticas daqueles homens junto às duas instituições – nos esquadrões
da morte e na repressão política – eram as mesmas, fato que denota a
impossibilidade de dissociar tais ações, pois o trato dado ao contraventor penal e
ao indivíduo ligado a organizações políticas eram as mesmas. O próprio delegado
Sérgio Paranhos Fleury, chefe dos esquadrões paulista e do DOPS do mesmo
Estado, garantia que o sucesso obtido na eliminação das grandes lideranças de
organizações políticas, como Marighela e Lamarca se devia ao uso das técnicas
comuns.
Fleury tinha recebido treinamento de Paul Aussaresses, tutor nos
ensinamentos da Doutrina da Guerra Revolucionária, da Escola Francesa no
Brasil. O aperfeiçoamento dos sistemas de inteligência, integrando o território e
estendendo-se aos países vizinhos, o uso de práticas diversas de tortura, a
criação de esquadrões da morte, a suspeição a população, a criação do inimigo
interno que deveria ser combatido por todos e a qualquer custo, eram os
pressupostos básicos daquela doutrina que foram muito bem aplicados no Brasil,
inclusive pelos membros dos esquadrões.
O fim da Segunda Guerra Mundial e o advento da Guerra Fria fizeram os
países do “primeiro mundo” disseminarem o medo da ameaça comunista. Nos
EUA, a Doutrina da Segurança Nacional; e na França, a Doutrina de Guerra
Revolucionária. Ambas partiam da implantação do medo da ameaça do
comunismo internacional, supostamente engendrado pela URSS, China e Cuba
para justificar a militarização do Estado, pautado no uso das práticas violentas,
como prisões arbitrárias para fins de esclarecimentos, uso dos mais brutais
métodos de tortura, as execuções sumárias e o desaparecimento dos corpos.

291
A Doutrina Francesa, explicitamente, apontava a necessidade de que o
Estado organizasse grupos de extermínio – e nossa autocracia bonapartista
seguiu tal ensinamento a risca. Assim, se os grupos de extermínio atuantes no
Brasil, no início, direcionavam sua força contra os indivíduos taxados de
contraventores penais, com ou sem culpa formada, ao longo da ditadura, esses
grupos se estenderam para os setores ligados à militância política. Em suma,
para os esquadrões, todo indivíduo que contestasse a ordem vigente era uma
vítima em potencial.
A violência perpetrada por grupos de extermínio ligados ao aparelho
repressivo do Estado se punha amplamente e não apenas contra militantes
políticos, haja vista que os métodos e os centros de tortura eram os mesmos para
um ou para outro. Todavia, apenas as famílias das vítimas que estavam ligadas a
organizações políticas tiveram direito a reparações financeiras após o
reconhecimento do Estado de que houve arbitrariedade no trato à população ao
longo do período ditatorial.
Por estarem inseridos no aparelho repressivo, os integrantes dos
esquadrões da morte gozaram de grande proteção política daquela autocracia
bonapartista burguesa. Ao longo da década de 1970, quando ocorreram os
julgamentos dos agentes da repressão atuantes nos esquadrões, o que se pôs
foram medidas que dessem legalidade à liberdade daqueles agentes do Estado.
O uso abusivo da legalidade pode ser notado com a promulgação da Lei
Fleury, determinação legal especial desenvolvida para colocar em liberdade
aqueles policiais – mas essa não foi a única. Também mudaram os ditames
quanto à produção e uso das provas nos julgamentos, alterando o Código de
Processo Civil, promulgaram atos institucionais, criaram a Constituição de 1967 e
valeram do verdadeiro Poder Constituinte Ordinário quando lançaram a Emenda
Constitucional em 1969 que, na realidade, tratava-se de uma outra Constituição.
Nessa dinâmica, o uso abusivo da legalidade ainda se punha em outros
meandros da autocracia bonapartista como ameaças contra a vida dos
magistrados, afastamentos, destituições ou mesmo a concessão de benefícios,
outrora pedido por juízes e atendido prontamente em outros momentos, tudo para
garantir a liberdade dos agentes do Estado que atuavam nos esquadrões.

292
A lógica da juridicidade, entranhada no funcionamento daquela autocracia
bonapartista evidenciava-se. A criação de foros privilegiados foi o auge dessa
degenerescência que tratava de subverter o ilegal, tornando-o legal. Essa
situação também foi notada quando tratamos do uso de provas forjadas nos
julgamentos. Eram os chamados “Frutos da árvore envenenada”, teoria que deu
embasamento para a modificação do Código de Processo Civil em 1973 e que
instituiu que as provas a serem colocadas nos processos deveriam ser
moralmente legítimas.
As provas que constavam nos autos, no entanto, não poderiam ser tidas
enquanto “moralmente legítimas”, pois, na maioria dos casos, elas passaram por
mecanismos de forjamento. No entanto, foram inquestionalmente aceitas por
terem sido produzidas pelos agentes do Estado e, por isso, encaixavam-se no
quesito de “moralmente legítimas”.
O ato de forjar provas, à primeira vista, remetia-nos ao entendimento de
que se tratava de corporativismo militar entre aqueles policiais. Todavia, tal
premissa pressupunha acreditar que tais policiais, ao forjarem as provas, estavam
transgredindo a norma e, assim, tratava-se de desvio de conduta.
Na verdade, tal juridicidade militar mostrava que aquilo que se punha
como corporativismo era inerente à lógica de funcionamento do Estado e aqueles
policiais não agiam à revelia da norma, mas sim, de acordo com a juridicidade
militar entranhada na autocracia.
Em suma, os “operários da violência” atuavam de acordo com as
determinações da autocracia bonapartista burguesa e não à margem dela, outra
constatação importante. No entanto, tal juridicidade só prevaleceu enquanto
aqueles homens eram importantes para o funcionamento do Estado autocrático
bonapartista, pois, ao final da década de 1970, quando não mais atuavam em
órgãos da repressão, os autocratas retiraram sua proteção a eles, que passaram
a ser problema dos estados e não mais da Federação.
Essa evidência também é ratificada quando a opinião pública, expressando
os anseios dos segmentos hegemônicos da burguesia, demostrava não ter mais
interesse por aquele tipo de violência. Enquanto o milagre econômico existiu, o
apoio era contundente; quando o milagre acabou, junto com ele, também se
esvaiu o apoio daqueles segmentos hegemônicos da burguesia.

293
Naqueles anos, a violência dos esquadrões, que se punha contra os
segmentos sociais destituídos do acesso aos bens produzidos coletivamente,
também já assolava os indivíduos da classe média e alta daquela burguesia.
Assim, os membros dos esquadrões passaram de heróis para vilões, dada a
desaprovação a eles, expressa na opinião pública. A abertura política era um
caminho que já não tinha mais volta.
Nesse caminho sem volta, os “entulhos” da ditadura tiveram de ser
eliminados e o primeiro deles foi Fleury. Sua morte foi discutida e organizada
pelos próprios militares e deveria parecer um acidente, como versou oficialmente
até 2012, quando um ex-militar, sem pudor algum, resolveu contar sobre isso.
Matar indivíduos indesejáveis estava no cerne da ética militar.
Com sua morte e a passagem dos esquadrões para a esfera da
responsabilidade dos estados, nosso trabalho também se encerrou. A violência do
Estado continua, pois seus resquícios estão presentes em inúmeras instituições,
agora em tempos de constitucionalidade democrática. Novos esquadrões atuam
nos bairros periféricos das grandes cidades do país, executando quem ouse
manifestar sua insatisfação por não ter acesso à saúde, educação, transporte
público, saneamento básico, alimentação, lazer, em suma, ao tal Estado de
Direito.
Mas, essa história eu deixo para outros historiadores que, assim como eu,
queiram utilizar da academia para denunciar a violência cotidianamente vivida em
nossas cidades.

294
FONTES

a) Arquivo do Estado de São Paulo – Seção DOPS

"15 assassínios no Rio neste fim de semana". Folha da Tarde. DOPS.


07/08/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
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"64 torturados e mortos em apenas 58 dias no Rio". Folha de São Paulo


(Sucursal do Rio de Janeiro). DOPS. 28/02/1978. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68) - esquadrão da morte.

"A absolvição de Fleury". Jornal Sem identificação. DOPS. 03/10/1977. Arquivo


do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio Fleury

"A absolvição do delegado Fleury, agora anulada". O Estado de São Paulo.


18/07/78. CHB - A5 - P33.

"A ameaça ao homem que mandou prender Fleury". O Estado de São Paulo.
DOPS. 21/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) -
Sérgio Fleury

"A libertação de Fleury, contestada". Jornal da tarde. DOPS. 02/03/1978. Arquivo


do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

“A luta contra o Crime ainda não foi perdida”. Jornal da tarde, São Paulo,
24/10/1973, Dossiê DOPS 50-Z-30, pasta 46, documento 4.542. Arquivo do
Estado de São Paulo.

"A polícia mineira mata". O Estado de São Paulo (Sucursal do Rio de Janeiro).
DOPS. 17/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 (n° 67)
1977 - 77.

"Ação da justiça do Rio contra esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 12/09/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

295
"Achadas ontem mais quatro vítimas do EM". Folha de São Paulo. DOPS.
26/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte;

"Achados mais 2 corpos na Baixada Fluminense". Folha da tarde. DOPS.


25/09/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Advogado de Fleury pede reconsideração". Folha de São Paulo. DOPS.


24/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio
Fleury.

"Airton Soares critica libertação do delegado". O Estado de São Paulo. DOPS.


01/03/1978. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury. Arquivo do Estado de São
Paulo.

"Alagoas também tem "esquadrão", diz o deputado". Folha de São Paulo


(sucursal de Brasília). DOPS. 08/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta
OS 0992 - 1977-1977 - esquadrão da morte.

"Ameaça não impede o júri de Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS.


30/09/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio
Fleury

"As opiniões de Hélio Bicudo sobre a violência policial". Jornal da tarde. DOPS.
16/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo

"Assim os sete jurados decidiram que Fleury é inocente". O Estado de São


Paulo. DOPS. 03/10/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n°
61 - Sérgio Fleury

"Assunto: Conferência proferida pelo procurador da Justiça Hélio Pereira Bicudo".


Informação n. 1681-B/76. Serviço de Informações. DOPS. 17/12/1976. Arquivo
do Estado de São Paulo. Secretaria da Segurança Pública. 50-Z-707. Pasta 9.
Documento 1063.

"Atropelamentos e um crime são atribuídos ao EM". Notícias populares. DOPS.


05/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

296
"Aumenta número de assassínios no Rio". Folha da tarde. DOPS. 22/07/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

“Bicudo acusa a Rota de ser o novo esquadrão”. Folha de São Paulo.

"Bicudo denuncia violência contra marginalizados". O Estado de São Paulo.


DOPS. 26/10/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio
Bicudo

"Bicudo recebe título e defende a anistia". O Estado de São Paulo. DOPS.


10/08/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo

"Bicudo reclama providências contra violência". Folha de São Paulo. DOPS.


16/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0867 - Hélio Bicudo
(1971-1982).

"Bicudo: abertura é duvidosa". O Estado de São Paulo. DOPS. 12/05/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo

"Bicudo: EM ainda tem cobertura". Folha de São Paulo. DOPS. 30/03/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo

“Boletim Informativo” nº 276 de 27/11/1969. SNI - Agência São Paulo. d.


Atividades Subversivas. Dossiê DOPS 20-C-43, documento 390, pasta 5; “Boletim
Informativo” nº 280. SNI - Agência São Paulo. d. Atividades Subversivas. Data
02/12/1969. Dossiê 20-C-43, pasta 5, documento 407.

“Boletim Informativo” nº 291 de 15/12/1969. SNI - Agência São Paulo. d.


Atividades Subversivas. Dossiê 20-C-43, documento 512;

“Boletim Informativo” nº 300. SNI - Agência São Paulo. d. Atividades Subversivas.


Dossiê 20-C-43, documento 556;

"Censura e prisões por causa de Fleury". Diário Popular. DOPS. 24/02/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - Sérgio Fleury

"Condenado membro do EM a 197 anos". O Estado de São Paulo (Sucursal de


Vitória). DOPS. 25/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 -
1977-1977 - esquadrão da morte.

297
"Continua matança na Baixada Fluminense". Folha da tarde. DOPS. 29/08/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Continuam as mortes misteriosa no Rio". Folha da tarde. DOPS. 13/09/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Continuam assassínios na Baixada Fluminense: mais 2". Folha da tarde.


DOPS. 04/09/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 -
esquadrão da morte.

"Corisco denuncia esquadrão da morte". Notícias populares. DOPS.


02/10/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Cristiano tenta vetar livro do esquadrão". O Estado de São Paulo (Sucursal de


Vitoria). DOPS. 22/09/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 -
1977-1977 - esquadrão da morte.

"Decretada a prisão do delegado Fleury". Diário popular. DOPS. 22/02/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"Defesa quer Fleury solto porque é herói nacional". Noticias populares. DOPS.
10/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0986 - Sérgio Fleury

"Delegacia invadida, tiroteio. Seria o esquadrão da morte de Alagoas?". Jornal da


tarde. DOPS. 09/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 -
1977-1977 - esquadrão da morte.

"Delegado afirma que esquadrão já está desarticulado". O Estado de São Paulo


(Rio de Janeiro). DOPS. 09/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS
0992 - 1977-1977.

"Denunciada ação de esquadrão em Alagoas". Folha da tarde. DOPS.


08/11/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-1977 -
esquadrão da morte.

"Diadema julga 3 integrantes do esquadrão". O Estado de São Paulo. DOPS.


06/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

298
"Diocese denuncia esquadrão". O Estado de São Paulo (Sucursal do Rio de
Janeiro). DOPS. 31/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993
(n° 68) - esquadrão da morte.

"Dois crimes misteriosos em Belo Horizonte". Folha da tarde. DOPS.


27/10/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Durou pouco a confiança restaurada". Jornal da Tarde. DOPS. 01/03/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

“Eles Voltam com a Taça”. Folha de São Paulo, 22 de Junho de 1970.

"EM deixa vítima na lixeira". Folha de São Paulo. DOPS. 11/05/1978. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"EM do Rio mata 57 marginais em 44 dias". Folha da tarde (Sucursal do Rio de


Janeiro). DOPS. 15/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 -
1977-1977.

"Em dois dias esquadrão executou 16: banho de sangue na Baixada


Fluminense". Diário da noite. DOPS. 28/09/1978. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Em liberdade. O juiz decide: Fleury é primário, de bons antecedentes". O Estado


de São Paulo. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS
0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"EM no Rio mata 4 com metralhadoras". Folha da tarde. DOPS. 05/08/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"EM sequestra e baleia estudante de 16 anos no Rio". Folha de São Paulo.


DOPS. 11/05/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 -
esquadrão da morte.

“Esquadrão abandona mais três cadáveres no Rio". Folha da tarde. DOPS.


12/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte;

299
“Esquadrão absolvido: quem matou Zorro e Estrelinha?". Diário da Noite. DOPS.
07/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

“Esquadrão carioca faz a 205° vítima". Folha de São Paulo. DOPS. 12/06/1978.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte;

“Esquadrão da morte absolvido em Diadema". Notícias populares. DOPS.


07/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

“Esquadrão da morte executa mais 5 na Baixada Fluminense". Notícias


populares. DOPS. 05/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993,
n° 68 - esquadrão da morte.

“Esquadrão da morte faz mais 4 vítimas". Folha de São Paulo. DOPS.


04/05/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte;

“Esquadrão da morte liquida mais três". Diário da noite. DOPS. 12/09/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

“Esquadrão da morte mata 3 no interior da Paraíba". Diário paulista (Sucursal da


Paraíba). DOPS. 03/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 -
1977-1977.

“Esquadrão do rio continua matança". Folha da tarde. DOPS. 04/05/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

“Esquadrão do rio matou até um pastor". Folha da tarde. DOPS. 01/08/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

“Esquadrão em julgamento". Folha de São Paulo. DOPS. 11/04/1978. Arquivo do


Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

“Esquadrão faz mais 2 vítimas". Diário da Noite. DOPS. 11/04/1978. Arquivo do


Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

“Esquadrão fluminense continua a assassinar". Folha da tarde. DOPS.


18/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

300
“Esquadrão mata e sequestra no Rio". Folha de São Paulo (Rio de Janeiro).
DOPS. 24/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68) -
esquadrão da morte.

“Esquadrão mata Juca do Marapé". Notícias populares. 21/01/1970. CHB - A5 -


P30

“Esquadrão mata mais 3 pessoas". Diário Popular. DOPS. 12/06/1978. Arquivo


do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte e

“Esquadrão mata mais seis". O Estado de São Paulo (Sucursal Rio de Janeiro).
DOPS. 02/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68) -
esquadrão da morte.

“Esquadrão responde por duplo homicídio". Folha de São Paulo. DOPS.


06/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

“Esquadrão sequestra e mata escrivão e duas testemunhas". Diário da noite.


DOPS. 10/10/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 -
esquadrão da morte.

“Esquadrão". Diário da noite. DOPS. 09/08/1978. Arquivo do Estado de São


Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

“Esquadrão: o investigador acusado é absolvido". O Estado de São Paulo.


DOPS. 26/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 -
esquadrão da morte.

"Eu estou inocente". O Estado de São Paulo. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do


Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"Expectativa no julgamento do esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 26/04/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Falsos policiais teriam cometido a chacina do Rio". Folha de São Paulo


(Sucursal do Rio de Janeiro). DOPS. 07/11/1977. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-1977 - esquadrão da morte

301
"Fleury espera a sua liberdade a qualquer momento". Folha de São Paulo.
DOPS. 28/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) -
Sérgio Fleury.

"Fleury já em prisão especial aguardará decisão do juiz". Diário popular. DOPS.


23/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio
Fleury.

"Fleury já em prisão especial". Folha da tarde. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do


Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"Fleury já está preso". Notícias populares. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do


Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"Fleury livre reassume no DEIC". Folha da tarde. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do


Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"Fleury reassume o DEIC". Diário popular. DOPS. 28/02/1978. Arquivo do


Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"Fleury volta ao banco dos réus". Diário da noite. DOPS. 18/07/78. Arquivo do
Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Fleury: a primeira petição de liberdade". Jornal da tarde. DOPS. 24/02/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"Guarda de ministro implicado com o EM". Folha de São Paulo. DOPS.


08/08/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68. esquadrão
da morte.

"Hélio Bicudo, cidadão paulistano". Jornal da tarde. DOPS. 11/08/1978. Arquivo


do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo.

"Hélio Bicudo, discretamente justo". Folha de São Paulo. DOPS. 23/01/1979.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo

"Identificadas no Rio duas vítimas do EM". Folha da tarde. DOPS. 07/06/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

302
"Igreja denuncia 96 crimes do esquadrão". Jornal da tarde (Sucursal do Rio de
Janeiro). DOPS. 31/03/’. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n° 68)
- esquadrão da morte.

"Incompatibilidade". Folha de São Paulo. DOPS. 01/03/1978. Arquivo do Estado


de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"Interrogado suspeito de pertencer ao EM". Folha da tarde. DOPS. 31/07/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Juiz de direito quer Fleury na cadeia". Diário da noite. DOPS. 22/02/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"Juiz Filardi Luiz: eu teria enviado Fleury ao presídio". O Estado de São Paulo.
01/03/1978. DOPS. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury. Arquivo do Estado de
São Paulo.

"Juiz mantém a decisão e deixa Fleury em liberdade". O Estado de São Paulo.


DOPS. 15/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0896 (n° 61) -
Sérgio Fleury

"Juiz reconsidera parte da sentença e libera Fleury". Folha de São Paulo. DOPS.
28/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio
Fleury;

"Jurista denúncia arbítrio". O Estado de São Paulo. DOPS. 31/05/1980. Arquivo


do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo

"Justiça absolve três policiais". Folha da tarde. DOPS. 07/06/1978. Arquivo do


Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Justiça condena membro do esquadrão capixaba". Folha da tarde (Sucursal do


Rio de Janeiro e de Brasília). DOPS. 12/10/1977. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-1977 - esquadrão da morte.

"Libertado um suspeito do esquadrão". Folha de São Paulo. DOPS. 21/09/1977.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0992 (n. 67) - esquadrão da morte.

"Livro denuncia a proteção política ao esquadrão". O Estado de São Paulo.


DOPS. 17/10/1976. Arquivo do Estado de São Paulo. 50-z-707. Pasta 08.
Documento 851, 854.

303
"Mais 10 mortos na Baixada no fim de semana". Folha de São Paulo (Sucursal
do Rio de Janeiro). DOPS. 03/04/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta
OS 0993 (n° 68) - esquadrão da morte.

"Mais 5 mortos na Baixada Fluminense". Folha de São Paulo. DOPS.


02/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Mais 7 corpos na Baixada Fluminense". Folha da tarde. DOPS. 12/04/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Mais dois homicídios na Baixada Fluminense". Notícias populares. DOPS.


13/04/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Mais quatro assassínios atribuídos ao EM do Rio". Folha de São Paulo. DOPS.


26/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Mais quatro mortes na Baixada Fluminense". Folha de São Paulo (Rio de


Janeiro). DOPS. 16/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993 (n°
68) - esquadrão da morte.

"Mais três assassinatos na Baixada". Notícias populares. DOPS. 13/09/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Mais três cadáveres encontrados no Rio". Folha da tarde. DOPS. 13/04/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Mais uma vítima do esquadrão do Rio". Folha da tarde. DOPS. 06/07/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Mandado de prisão n° 47.215: (O nome poderá ser:) Fleury". Jornal da tarde.


DOPS. 22/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) -
Sérgio Fleury.

"Marginais e esquadrão assassinam três no Rio". Folha da tarde. DOPS.


26/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

304
"Matadores do esquadrão vestidos de mulheres". Diário da noite (Sucursal Rio
de Janeiro). DOPS. 01/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993
(n° 68) - esquadrão da morte.

"Juiz decide hoje sobre a liberdade de Fleury". O Estado de São Paulo. DOPS.
24/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio
Fleury.

"Mesmo a polícia está revoltada com o esquadrão". Folha de São Paulo. DOPS.
01/08/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

“Morte é atribuída ao sindicato do crime". Folha da tarde (Sucursal de


Pernambuco). DOPS. 29/09/1977. Pasta OS 0992 - 1977-1977 - esquadrão da
morte.

“Mortes do E. M. carioca podem envolver drogas". Folha de São Paulo. DOPS.


10/05/1978. Arquivo do Estado de São Paulo Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

“Mortes e quatro sequestrados no Rio". Folha da tarde. DOPS. 11/05/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Na Câmara, Bicudo denuncia ação dos órgãos de segurança". Folha de São
Paulo. DOPS. 10/08/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 -
Hélio Bicudo;

"No rio, dois corpos.". Folha da tarde. DOPS. 11/04/1978. Arquivo do Estado de
São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"No Rio, esquadrão da morte executa mais cinco pessoas". Folha de São Paulo
(Sucursal do Rio de Janeiro). DOPS. 25/11/1977. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0992 (n° 67) 1977 - 77.

"No Rio, o esquadrão deixa vítima com vida". Folha de São Paulo. DOPS.
12/05/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"No Rio, outra vítima do EM". O Estado de São Paulo (Rio de Janeiro). DOPS.
19/08/1977. DOPS. Pasta OS 0992 - 1977-1977;

305
"O crime, a lei e os tribunais: maus antecedentes". Folha da tarde. DOPS.
14/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0896 (n° 61) - Sérgio
Fleury

"O esquadrão da morte carioca". Folha de São Paulo (Sucursal do Rio de


Janeiro). DOPS. 10/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 -
1977-1977 e CHB - A5 - P33.

"O esquadrão reaparece e mata seis na Baixada". O Estado de São Paulo.


DOPS. 01/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 -
esquadrão da morte.

"O esquadrão volta a matar no mesmo local". Folha de São Paulo. DOPS.
18/10/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"O julgamento dos policiais em Diadema". Folha da tarde. DOPS. 06/06/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte;

"O melhor policial". Jornal da tarde. DOPS. 23/02/1978. Arquivo do Estado de


São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"O Sr. Ivahir Garcia (Arena - SP. Pronuncia o seguinte discurso)". Diário do
Congresso Nacional. DOPS. 19/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo.
Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo.

"Objeto: Representação (contra Hélio Bicudo)". Polícia Civil de São Paulo.


Divisão de Ordem Política. Secretaria de Segurança Pública. DOPS. 27/09/1977.
Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo.

"Outra morte é atribuída ao sindicato do crime". Notícias populares (Sucursal


de Pernambuco). DOPS. 29/09/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS
0992 - 1977-1977 - esquadrão da morte.

"Outro crime atribuído ao esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 26/05/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte

"Outro julgamento de Fleury em Guarulhos". Folha de São Paulo. DOPS.


03/10/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 - n° 61 - Sérgio
Fleury

306
"Parentes reconhecem vítimas s do EM". Folha de São Paulo. DOPS.
03/08/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Pedida à liberdade para dois policiais de Fleury". Diário da noite. DOPS.


10/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio
Fleury.

"Pequeno balanço dos crimes do esquadrão no Rio: 95 mortos". O Estado de


São Paulo (Sucursal do Rio de Janeiro). DOPS. 17/11/1977. Arquivo do Estado
de São Paulo. Pasta OS 0992 (n° 67) 1977 - 77.

"PM expulsa integrante do esquadrão". O Estado de São Paulo. DOPS.


08/08/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Polícia carioca anuncia novas prisões do esquadrão da morte". Folha de São


Paulo (Sucursal do Rio de Janeiro). 02/09/1977. DOPS. Arquivo do Estado de
São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-1977 - esquadrão da morte

"Polícia faz subversão quando proíbe reunião legal, declara Bicudo". Folha de
São Paulo (sucursal de Recife). DOPS. 27/11/1977. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OS 0867 - 1977-1977.

"Polícia identificou vítimas do esquadrão". Folha da tarde. DOPS. 02/08/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Polícia Mineira mata mais cinco". Diário Paulista (Rio de Janeiro). DOPS.
08/08/1977. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 - 1977-1977.

"Policiais absolvidos". Diário popular. DOPS. 07/06/1978. Arquivo do Estado de


São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

"Policiais mineiros negam envolvimento com esquadrão". Jornal da tarde. DOPS.


28/09/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Preso em Muriaé o policial Silvinho". O Estado de São Paulo. (Sucursal do Rio


de Janeiro). DOPS. 13/08/1971. Arquivo do Estado de São Paulo. 50-Z-30.
Documento n. 2117

307
"Preso o homem que armava esquadrão". Folha de São Paulo (Sucursal do Rio
de Janeiro). 18/08/1977. DOPS. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992
- 1977-1977.

"Prisões no Rio não param os crimes do esquadrão". Folha de São Paulo (


Sucursal do Rio de Janeiro). 10/08/1977. DOPS. Arquivo do Estado de São Paulo.
Pasta OS 0992 - 1977-1977.

"Procurador Bicudo diz que direitos são desrespeitados". Folha de São Paulo
(Sucursal do Rio de Janeiro). DOPS. 06/10/1977. Arquivo do Estado de São
Paulo. Pasta OP 0867 - Hélio Bicudo

"Promotor do Rio fala sobre crimes do EM". Folha da tarde (Sucursal do Rio de
Janeiro). DOPS. 13/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993
(n° 68) - esquadrão da morte.

"Promotoria vai recorrer no caso do esquadrão". Notícias populares. DOPS.


27/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Quinze soldados do EM presos no Rio". O Estado de São Paulo. DOPS.


26/10/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Recrudesce violência no Rio: mais 8 mortos". Folha da tarde. DOPS.


27/09/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Reiniciada a matança na Baixada Fluminense". Folha da tarde. DOPS.


23/06/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Responsável pela violência é o Estado, diz Bicudo". Folha de São Paulo.


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do Estado de São Paulo Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

308
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"Somente este ano, 308 crimes de morte na baixada". O Estado de São Paulo.
DOPS. 18/07/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 -
esquadrão da morte.

"Surge o esquadrão da morte mineiro". Folha da tarde. DOPS. 26/09/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão da morte.

Tradução da Revista Francesa "Le Neuval Observation". DOPS. 21/05/1973.


Arquivo do Estado de São Paulo. 50-Z-30. Pasta 62. Documento n. 5527 e Pasta
OS-0986. n.61 - Fleury

"Um Homem contra o esquadrão da morte: medo e preocupação na polícia".


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Pasta 08. Documento 852.

"Um possível pedido de habeas corpus". Folha da tarde. DOPS. 24/02/1978.


Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio Fleury.

"Uma sentença que restaura a confiança no judiciário". Jornal da tarde. DOPS.


23/02/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0986 (n° 61) - Sérgio
Fleury.

"Violência no Rio é pior que Chicago nos anos 30". Notícias populares. DOPS.
06/03/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - 1978 -
esquadrão da morte.

"Violência no Rio: 36 mortos só em julho". Folha da tarde (Sucursal do Rio de


Janeiro). 01/08/1977. DOPS. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0992 -
1977-1977.

309
"Vítima do esquadrão depõe na PM mineira". Folha da tarde. DOPS.
06/10/1978. Arquivo do Estado de São Paulo. Pasta OS 0993, n° 68 - esquadrão
da morte.

"Volta ao Júri o esquadrão". O Estado de São Paulo. 15/12/1977. CHB - A5 -


P33

b) Coleção Hélio Bicudo (disponível na PUC-SP)

"A polícia e a mulher de César". O Estado de São Paulo. 08/03/1977. CHB - A5


- P33

"A que leva a anulação do julgamento do esquadrão". O Estado de São Paulo.


23/07/78. CHB - A5 - P33.

"A última denúncia". Veja. 15/04/1970. CHB - A5 - P30.

"Anulada a absolvição de Fleury". O Estado de São Paulo. 18/07/78. CHB - A5 -


P33.

"Anulado julgamento que absolveu Fleury". Folha de São Paulo. 18/07/78. CHB
- A5 - P33.

"Delegado é o assassino do fuzilado n° 4 da caveira fluminense". O Jornal.


29/01/1970. CHB - A5 - P30.

"Ele está dizendo que não é do esquadrão". Jornal da tarde (Sucursal do Rio de
Janeiro). 08/05/1970. CHB - A5 - P30.

"EM do Rio marca com faca sua mais recente vítima". Folha de São Paulo
(Sucursal Rio de Janeiro). 04/03/1978. CHB - A5 - P33.

"Ex-Cartola no esquadrão: matou bicheiro". Diário da noite. 22/04/1970. CHB -


A5 - P30.

"Fleury apresenta-se e fica em cela especial". O Estado de São Paulo.


23/02/1978. CHB - A5 - P33

"Fleury morre afogado em Ilhabela, aos 46 anos". Folha de São Paulo.


02/05/1979. CHB - A5 - P33.

310
"Fleury morre afogado em Ilhabela, aos 46 anos". Folha de São Paulo.
02/05/1979. CHB - A5 - P33.

"Fleury se apresenta e é recolhido à prisão". O Globo. 23/02/1978. CHB - A5 -


P33

"Fleury se entrega à Justiça em Guarulhos". Folha de São Paulo. 23/02/1978.


CHB - A5 - P33.

"Fleury, últimos momentos". Jornal da tarde. 02/05/1979. CHB - A5 - P33.

"Hélio Bicudo fala sobre o esquadrão da morte". A Tribuna de Batatais.


14/05/1978. CHB - A5 - P33.

"Hélio Bicudo: só o povo salva o povo". O São Paulo. 20 a 26/01/1979. CHB - A5


- P33.

"Juiz decreta a prisão de Fleury". Folha de São Paulo. 22/02/1978. CHB - A5 -


P33

"Mataram criminoso e depois crivaram o cadáver de balas". Notícias populares.


17/02/1970. CHB - A5- P30.

"Menos um no listão dos torturadores". Em tempo. 02/05/1979. CHB - A5 - P33.

"Menos um no listão dos torturadores". Em tempo. 02/05/1979. CHB - A5 - P33.

"Novo grupo apura atos do esquadrão". O Estado de São Paulo (Sucursal do Rio
de Janeiro). 05/05/1970. CHB - A5 - P30.

"O Comissariado servia a orgias". O Estado de São Paulo (Sucursal do Rio de


Janeiro). 24/03/1970. CHB - A5 - P30.

"O esquadrão da morte na polícia". O Movimento. 05/1978. CHB - A5 - P33

"O esquadrão encontra um inimigo: o Governo". O Estado de São Paulo


(Sucursal do Rio de Janeiro). 13/04/1970. CHB - A5 - P30

"O fim do esquadrão na prisão deste velho?". Jornal da tarde (Sucursal do Rio
de Janeiro). 10/04/1970. CHB - A5 - P30.

"Polícia contra ao fantasma". Veja. 25/03/1970. CHB - A5 - P30.

311
"Policial preso renega esquadrão e confessa crime". O Pasquim. 06/1978. CHB -
A5 - P33.

"Quando a polícia não respeita as regras morais". O Estado de São Paulo.


25/09/1977. CHB - A5 - P33

"São Paulo lidera torneio da morte". O Jornal. 22/01/1970. CHB - A5 - P30

"Sete excluídos do esquadrão capixaba". O Estado de São Paulo. 08/05/1970.


CHB - A5 - P30.

"Situação que afronta a opinião pública". O Estado de São Paulo. 27/09/1977.


CHB - A5 - P33

"Surgiram 2 presuntos do esquadrão da morte". Notícias populares. 14/07/1970.


CHB - A5 - P30.

"Testemunha com medo de ser assassinada". Notícias populares (Sucursal do


Rio de Janeiro). 23/04/1970. CHB - A5 - P30.

"Três suspeitos, Jonas vai reconhecê-los". Correio da Manhã (Sucursal do Rio


de Janeiro). 17/04/1970. CHB - A5 - P30.

"Tribunal absolve Fleury por unanimidade". Jornal do Brasil. 02/10/1977. CHB -


A5 - P33

"Uma voz contra o esquadrão". Veja. 20/10/1976. CHB - A5-P33

“Esquadrão anuncia mais um presunto". Notícias populares. 19/01/1970. CHB -


A5 - P30.

“Esquadrão da morte executa 2 presuntos". Notícias populares. 16/01/1970.


Coleção Hélio Bicudo (CHB) - A5 - P30

“Esquadrão da morte incendiou a vítima". Notícias populares. 17/01/1970. CHB -


A5 - P32

“Esquadrão da morte promete matar novos bandidos". Jornal do Comércio.


22/02/1970. CHB - A5 - P30.

“Esquadrão entregou um novo presunto". Notícias populares. 26/04/1970. CHB -


A5 - P30.

312
“Esquadrão fuzilou comparsa de Renatinho". Notícias populares. 07/02/1970.
CHB - A5 - P30

“Esquadrão". Jornal da tarde (Sucursal do Rio de Janeiro). 25/04/1970. CHB A5


– P30

“Fleury Pai Herói”. Manchete. 19/05/1979. CHB – A5 – P33.

c) Arquivo Nacional – Rio de Janeiro

BR.AN,RIO.TT.0.MCP.AVU.91 Memorando nº 731 do Ministério da Justiça, e


aviso nº 468 com encaminhamento nº 2.384/1970 do Serviço Nacional de
Informações tratando do esquadrão da morte. Data: Setembro de 1970 Grau
de sigilo: confidencial Informações complementares: no memorando consta
carimbo indicando pertencer ao processo nº 61.764, de 21/9/1970 Quantificação:
7 f., 7 p. UD 51

BR.AN,RIO.TT.0.MCP.AVU.212 Encaminhamentos da Divisão de Segurança e


Informações do Ministério da Justiça (DSI/MJ). Assuntos: Contrabando, , Heleno
Fragoso, liberação das drogas, Djalma D' Avilla, Otaviano de Almeida Braga,
Jacareí (SP), jornal O Fluminense, esquadrão da morte, etc. Data: 12/11/1973 -
29/11/1973 Grau de sigilo: confidencial Quantificação: 19 f., 20 p. UD 95

BR.AN,RIO.TT.0.MCP.AVU.271 Informes da Divisão de Segurança e Informações


do Ministério da Justiça (DSI/MJ). Assuntos: Jornal Opinião, Luiz Alberto Moniz
Bandeira, jornal O Século, Portugal, Glória de Dourados (MT), publicidade
governamental, jornal O Estado de São Paulo, Sindicato dos Bancários, Otacílio
Nóbrega de Queiróz, MDB/PB, Luiz Carlos Prestes, jornal L' Humanité, Aluizio
Alves, ARENA/RN, d. Felipe Tiago Brours, Caravelas (BA), revista Veja , Isabel de
Perón, Argentina, imigrantes cipriotas, São Fidélis (RJ), Rondônia (política), d.
Hélder Câmara, Universidade de Chicago (USA), Lysâneas Maciel, cassados
(retorno), MDB/RS, Sereno Chaise, d. Pedro Casaldáliga, São Félix (MT), índios,

313
FAB, FUNAI, Alberto Guerreiro Ramos, jornal Alvorada , teatro, peça Povo de
Deus no sertão , jornal The Sunday Times, David White e Bruce Handler,
esquadrão da morte, Álvaro Fernandes Dias, MDB/PR, PCB/RS (apreensão de
documentos), eleições, senador Paulo Brossard, Grimaldi Ribeiro de Paiva,
Sobral Pinto, OAB, direitos humanos, advogado Pedro Calmon Mendes, juiz Irajá
Pimentel, d. Antônio Batista Fragoso, Ação Libertadora Não Violenta, problema de
terras em Macaé (RJ), general Antonio de Spínola, Guajará-Mirim (RO), UFCE,
MDB/CE, panfleto, Colégio Estadual de Jataí (GO), PC do B, jornal O Globo,
Jornal do Brasil , países comunistas (perseguições), Goiás (política), panfleto
COREPO AI-3 , Noske Castelo Branco, Juiz de Fora (MG), tortura, Uruguai,
Anistia Internacional, Rondônia (política), ARENA, Nelson Marchezan, senador
Eurico Rezende, Partido Comunista do Japão, Soka Gakkai, revista Fatos e
Fotos, Moysés Weltman, faculdade de Direito (SP), Ministério Público, Justiça
Militar, ex-tenene Edair Nunes Neto, Boletim de Información , Tchecoslováquia,
governador Irapuan Costa Júnior (GO), Embratur, PM-Turismo S/A, Cândido
Norberto dos Santos. Data: 1/9/1975 - 30/9/1975 Grau de sigilo: confidencial
Quantificação: 268 f., 268 p. UD 119

BR.AN,RIO.TT.0.MCP.AVU.385 Informe do Serviço de Informações do


Departamento Estadual de Ordem Pública e Social-DOPS/SP destacando trechos
da reportagem ‘esquadrão - A hora H ?’, publicada na revista VEJA, na qual são
levantadas suspeitas de cumplicidade do DOPS com o esquadrão da morte nas
ameaças ao procurador Hélio Bicudo. Data: 5/8/1971 Grau de sigilo: confidencial
Informações complementares: anexoscópia da reportagem citada, do boletim
Venceremos , de 6/7/1971, da Aliança Libertadora Nacional (ALN), com matéria
‘morte ao esquadrão’, e documentos referentes a Adhemar Augusto de Oliveira,
conhecido por Fininho, citado na matéria da revista VEJA (ofício do diretor do
DOPS, de 11/8/71, relatório de 10/8/71, interrogatório de investigador de polícia
que teria facilitado a fuga de Fininho etc), e informe do Departamento de Polícia
Federal /Regional da Guanabara, de 2/9/71, relatando o interesse de agências
noticiosas estrangeiras na divulgação de matérias que possam influir na formação

314
da opinião pública nacional e levantando suspeita de associação da revista VEJA
com a norte-americana Newsweek. Quantificação: 47 f., 59 p. UD 149;

d) Documentos extraídos de plataformas virtuais:

“Estratégia para matar o terror” In Veja, 12 de novembro de 1969. Arquivo VEJA


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dops-contou-que-espias-iam-para-a-cama-em-busca-de-segredos/. Pesquisa feita
em 10/06/2015.

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Cangaço:
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Guerra da Indochina:
http://www.defesanet.com.br/ecos/noticia/2013/21-de-julho-de-1954--Cessar-fogo-
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9140compilada.htm.

Glossário Jurídico disponível em


http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=S&id=521

“Sentença de pronuncia não deve influenciar jurados” IN:


https://www.ibccrim.org.br/noticia/13773-Sentena-de-Pronncia-no-deve-
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329
ESTATUTO de Roma, 17 de julho de 1998, art. 5.1. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm. Pesquisa feita em
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Vila Maria Zélia: https://docmariazelia.wordpress.com/historia-da-vila/. Acesso


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Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS)


http://www.cigs.ensino.eb.br/index.php/principal/historico. Acesso em 11 jan.
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Abuso de poder e abuso de autoridade: WADY, Ariane Fucci. “Qual a diferença


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http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/20923/qual-a-diferenca-entre-o-abuso-de-poder-
e-o-abuso-de-autoridade-ariane-fucci-wady. Acesso em 12 jan. 2016.

Poder Constituinte
http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1112/Poder-constituinte. Acesso em
12 jan. 2016.

Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985)”, disponível


em:
http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm
?infoid=17&sid=4. Acesso em 10 jun. 2015.

Código de Processo Penal Militar. Decreto-lei 1002/69 de 21 de outubro.


Disponível em: http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91679/codigo-de-
processo-penal-militar-decreto-lei-1002-69#art-16. Acesso em 12 jan.2016.

Justiça Militar: ASSIS, Jorge César. “Justiça Militar” IN:


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/index.php?s=justicamilitar. Acesso em 15 jan.
2016.

330
Princípios Pas Nulité Sans Grief. JusBrasil.
http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1674615/o-principio-pas-de-nullite-sans-grief-
nao-ha-nulidade-sem-prejuizo-e-aplicavel-pelos-tribunais-superiores-a-nulidade-
absoluta-marcio-pereira

Noam Chomsky y las 10 Estrategias de Manipulación Mediática.


Disponível em: http://www.revistacomunicar.com/pdf/noam-chomsky-la-
manipulacion.pdf. Acesso em 16 jan. 2016.

“Guerra do Yom Kippur e a Crise do Petróleo”


Disponível em : http://historiadomundo.uol.com.br/idade-contemporanea/guerra-
do-yom-kippur-e-a-crise-do-petroleo.htm. Acesso em 18 jan. 2016.

“Comissão Nacional da Verdade”. Disponível em


http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1017&sid=4
0. Acesso em 19 jan. 2016.

LEI Nº 12.528, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011, criação da Comissão Nacional


da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm. Acesso
em 19 jan. 2016.

Outras pesquisas:

Ato Institucional n° 1 (AI-1), promulgado em 09 de Abril de 1964 pelo “Comando


Supremo da Revolução”, representado pelos Comandantes-em-Chefe do
Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Ato Institucional n° 2 (AI-2), promulgado em 27 de Outubro de 1965 pelo


Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco.

331

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