Aula 02

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AULA 02

Noite Na Taverna, Álvares De Azevedo.

Sejam muito bem-vindos a mais uma aula do Clube dos Pensadores, essa
é nossa segunda e última aula sobre "Noite na taverna", de Álvares de Azevedo.
Não é uma obra simples de ler porque o português é um pouco rebuscado, não
é o próprio da nossa época, digamos assim, mas você consegue compreender; e
há, durante a obra, elementos de criatividade que demonstram a genialidade de
Álvares de Azevedo em criar a narrativa como um todo.

Hoje esgotaremos essa obra e começaremos no capítulo 5. Para quem


tem a mesma edição que a minha, começaremos na página 48, no final dela.
Faço o seguinte destaque:

"O passado é o que foi, é a flor que murchou, o sol que se apagou, o
cadáver que apodreceu. Lagrimas a ele? Fora loucura! Que durma
com suas lembranças negras!".

Destaquei esse ponto para fazer uma pergunta a você: o que é o passado
para você? É muito legal a gente pensar nessa ideia, do que significa o passado
para a gente, porque há pessoas que colocam o passado no presente. E há
pessoas que colocam o passado no futuro. Então, eu tive um relacionamento
com alguém, eu não tenho mais. Mas eu carrego essa pessoa para meu
presente e então não consigo me abrir, não consigo conhecer outra pessoa, não
me permito me apaixonar por outra pessoa, porque o passado está no presente.
E pior: não consigo enxergar um amanhã sem aquela pessoa. Então, coloquei o
passado no futuro. Você não precisa e nem deve esquecer a sua história, não
tem absolutamente nada a ver. A gente tem uma história, essa história fala
muito da gente, fala muito de quem somos e do que nos aconteceu e como
fomos forjados. Mas não temos o compromisso de perpetuar a nossa história ou
perpetuar um passado indesejado, ou mesmo que desejado, mas que morreu. É
preciso deixar o passado no passado. Para lembrar Machado de Assis "é preciso
apagar o quadro para escrever uma nova história". Um quadro em branco.
Preciso avançar de página, preciso mudar de capítulo. Se sempre, ao começar o
capítulo, eu trouxer as dores de um capítulo anterior, eu nunca começarei em
paz. Deixe o passado no passado.

Na página 49, faço outro destaque. É um destaque que faço no começo


do quarto parágrafo e eu lerei para vocês. Diz assim:

"O luxo também sacia, e é essa uma saciedade terrível! Para ela
nada basta; nem as danças do Oriente, nem as lupercaes
romanas, nem os incêndios de uma cidade inteira lhe
alimentariam a seiva de morte".

Quem pode ter tudo, continua sentindo uma falta, um vazio inexplicável.
Você buscar se saciar pelo luxo é buscar em um lugar que você não irá
encontrar. Gosto muito de uma frase que você encontra dentro do Rosewood,
em São Paulo, que é a seguinte "não há luxo sem cultura". A nossa sociedade
atual quis, ou pretendeu e pretende, mudar essa ideia. Ela quer falar que há luxo
sem cultura. Então, as pessoas andam parecendo que são outdoors de
determinadas marcas. São relógios caros, são bolsas caras, são joias caras, são
marcas aparentes; o sapato tem uma marca aparente, a bolsa tem uma marca
aparente, toda estampada, reproduzindo a marca. E isso é luxo. Isso não é luxo.
Não existe luxo sem cultura. A busca do luxo pelo luxo puro e simplesmente,
sem qualquer acréscimo cultural, é a busca de uma saciação ou de se saciar de
forma que não será possível. Depois de ter tudo, depois de ir ao oriente, depois
de conhecer todo o ocidente, os locais mais luxuosos, os melhores hotéis, você
ainda sentirá falta. Porque você não é só um corpo. Um corpo a tudo se
acostuma. Se eu lhe der um carro caro, na primeira semana você fica admirado.
Na segunda semana, já começa a se acostumar. Depois de um mês, dois meses,
você entra no carro e dirige o carro e nem repara de que se trata de um carro
luxuoso. Você já se acostumou.

A ideia que você tem das coisas que você não vive e não viveu, do luxo
que você não usufrui, é uma ideia que ela vai encontrar eco na realidade em um
primeiro momento, em uma primeira visita. Mas depois, se você tiver que morar
lá, você vai se acostumar com aquilo. E a sua felicidade não vai ser definida por
aquilo. Há um estudo que fixa um determinado patamar de receita financeira a
partir do qual os níveis de felicidade variam muito pouco. Então, é mais ou
menos assim: se você tem família, filhos e você ganha 5 mil reais por mês, você
tem um nível de felicidade X. Se você tem família, filhos, do mesmo jeito, mas
você ganha 10 mil por mês, o seu patamar de felicidade é 2X. Se você ganha 20
mil reais por mês, o seu patamar de felicidade é 3X, já não dobra mais. Se você
ganha 30 mil reais por mês, o seu patamar de felicidade é 3,5X. É quase o
mesmo tanto de quem ganha 20. E à medida que você vai subindo, este
incremento da felicidade oriundo do incremento da receita ele, praticamente,
deixa de existir. Para você ter uma noção, quem é mais feliz? Só para eu pegar
um exemplo absurdo para você entender a lógica, quem é mais feliz? Quem
ganha um milhão de reais por mês ou quem ganha dois milhões de reais por
mês? Não sei. Porque ganhando um milhão de reais por mês ou dois milhões
de reais por mês, a felicidade não estará sendo determinada pela receita. Agora,
então, veja você como isso é relevante. Por quê? Porque nós nos enganamos,
como diz Shakespeare, pelos ornamentos, "o mundo vive enganado pelos belos
ornamentos", nós nos enganamos buscando nos saciar com o luxo. Não há luxo
sem cultura. E ainda que você busque se saciar no luxo, você não vai conseguir
porque você é corpo, alma e espírito. É preciso que haja alimento para a sua
alma e para o seu espírito.

Na página 62, destaco o seguinte ponto. Último parágrafo da página 62,


avançando até uma linha da 63. Vou ler:

"- Eleonora, ouve-me: deixo-te só; velarei contudo sobre ti d'aquela


porta. Resolve-te. Seja uma decisão firme, sim, mas pensada.
Lembra-te que hoje não poderás voltar ao mundo; o duque Maffio
seria o primeiro que fugiria de ti; a torpeza do adultério senti-la-hia
ele nas tuas faces, creria roçar na tua face a umidade de um beijo
estranho. E ele te amaldiçoaria! Vê: além a maldição e o escarneo,
a irrisão das outras mulheres, a zombaria vingativa d'aqueles que
te amaram e que não amaste. Quando entrares, dir-se-ha: ei-la!
arrependeu-se! o marido, pobre d'ele, perdoou-a... As mães te
esconderão suas filhas, as esposas honestas terão pejo de tocar-te".

A Eleonora é raptada. A Eleonora não traiu o marido. A Eleonora é vítima


100%. A despeito disso, a mentira destruiria a sua vida. Porque o que ele narra
aqui é absolutamente verdadeiro. Ele fala "ôh, Eleonora, se não tiver uma
câmera registrando - e não havia - as pessoas irão achar o quê? Que você
fugiu comigo. Que você veio parar aqui porque você quis. Vão achar que você
traiu o seu marido. A umidade na tua boca do beijo de um estranho. O seu
marido não vai te aceitar. As mulheres honestas terão horror a você, repúdio,
asco". Mas a Eleonora fez alguma coisa? Não fez. Veja você o potencial da
mentira. Há um exemplo nos dias atuais que mostra o poder da mentira e como
uma câmera é capaz de mudar tudo. Você deve se recordar quando o Neymar
foi acusado de ter agredido fisicamente uma mulher com quem ele saiu. Ela
teria ido a Paris, para ficar com ele, e em Paris ele teria a agredido. E ela tirou
fotos dela toda machucada, etc. A mulher, depoimento da vítima, com riqueza
de detalhes, a vítima lesionada, fotos das lesões, 99,9% das pessoas atribuiriam
culpa ao Neymar. Só que havia uma câmera lá. E a câmera mostrou, depois de
alguns dias, que era ela quem o agredia, que a vítima era ele.

Não estou fazendo uma defesa moral do Neymar, mas, neste episódio em
especial, não havia responsabilidade alguma dele. Mas ela contava uma mentira
que era verossímil. E aqui me lembro do conselheiro Aires, no "memorial de
Aires", de Machado de Assis: a verdade, às vezes, é inverossímil. Você conta uma
verdade e parece mentira, ninguém acredita. Mas o contrário também é
verdade. A mentira, às vezes, é verossímil. A mentira parece verdade. Essa
mulher aqui, sem uma câmera, sem nada, ela sairia de lá e ela, simplesmente,
teria a sua reputação destruída por um nada. E é muito importante isso porque
nós precisamos ter a consciência de que há o assassinato de reputações em
curso promovido ou, pelo menos, permitido pela nossa sociedade, em que basta
a acusação de um fato para que, então, sentenciemos alguém e o condenemos
pela prática de algo que não resta demonstrado que tenha sido praticado por
ele. E não estou falando de Direito Penal, não estou falando do âmbito jurídico,
que também é uma verdade. É socialmente. É uma fofoca. Alguém disse que
disse que disse. A mentira, às vezes, é verossímil. Ela tem indícios. Tudo leva a
crer que aconteceu o que não aconteceu. E este caso é emblemático. E
precisamos ter essa compreensão.

No capítulo 6, que começa na página 69, faço um destaque na página 70.


Diz assim, no início da página:

"Era demais! Caminhei para ele: resoou uma bofetada. O moço,


convulso, caminhou para mim com um punhal; mas os nossos
amigos nos sustiveram.

—Isso ó briga de marujo. O duelo, eis a luta dos homens de brio.

O moço rasgou nos dentes uma luva, e atiroum'a á cara. Era


insulto por insulto, lodo por lodo: tinha de ser sangue por sangue".

O que você chama de honra pode ser só orgulho. E o orgulho pode lhe
custar a vida. É legal você perceber isso e é importante que a gente perceba
isso. O que a gente tem aqui? Duas pessoas discutindo - essa é a história mais
trágica da obra - jogaram, ele perdeu, não aceitou perder o jogo, foi lá e deu
uma bofetada no sujeito. E aí o sujeito partiu para cima com um punhal. E
seguraram os dois e apartaram. Então, o sujeito pega uma luva e rasga a luva,
quer dizer, puxa a luva com a boca porque devia estar com a outra mão presa,
puxa a luva com a boca, rasga a luva, pega essa luva e joga na cara dele. E ele diz
"lôdo por lôdo. Para resolver isso agora: sangue por sangue". Por que para
resolver isso agora? "Porque é minha honra que está em jogo". Não, não é sua
honra que está em jogo. O que está em jogo é seu orgulho. É diferente.
E, às vezes, a gente entra em guerras na vida e brigas na vida e discute na
vida e arruma inimizades na vida simplesmente porque somos movidos por um
orgulho. Não estamos movidos por uma honra. Não é minha honra que está em
jogo, é meu orgulho. "Ninguém faz isso comigo, eu não aceito. Ninguém fala
assim comigo. Ninguém me trata assim. Eu vou resolver", isso é orgulho. Não é
uma questão de honra. E, às vezes, a gente perde a vida nisso. Você vê, às vezes,
em processos judiciais, o caminho mais fácil era X, mas as duas partes, por
orgulho, não se adequam, ou uma delas. Alguém vai dizer que é honra. Mas não
é honra, é orgulho. Porque o orgulho nos faz fazer coisas não inteligentes, tolas,
para que alguém o nosso nome um pouco mais alto, conte nosso feito. Mas
nisso corremos um risco: um risco até de morrer por uma idiotice. Isso se
manifesta muito claramente no trânsito. No trânsito é assim: o sujeito te dá uma
fechada, "não vai ficar desse jeito", aí você lá "porque ele não vai fazer isso
comigo". Há muito de orgulho aí. Cuidado para você não desperdiçar a sua vida
por orgulho. Cuidado!

Voltamos aqui no capítulo 7. E nele faço um destaque na página 77. Na


metade da página, mais ou menos, um parágrafo maior. Vou lê-lo:

"— Sim; já não sou bela como há cinco anos! É verdade, meu loiro
amante! É que a flor da beleza é como todas as flores. Alentae-as
ao orvalho da virgindade, o vento da pureza, e serão belas —
Revolvei-as no lodo — e como os frutos que caem, mergulham nas
águas do mar, cobrem-se de um invólucro impuro e salôbre!
Outr'ora era Giorgia a virgem; mas hoje é Giorgia a prostituta!".

Você pode ser bela em uma fase da vida, mas isso não lhe garante beleza
em todas as outras. Vou tirar um pouco de contexto porque aqui você tem uma
queda moral, há uma depreciação moral: Giorgia, a virgem, para a Giorgia, a
prostituta. Vou restringir essa análise à queda de beleza física mesmo. Ela diz "é,
não sou mais bonita. Não sou bonita como eu era há cinco anos" e isso é muito
legal porque isso é perceptível. Às vezes, você teve um encontro, pense na
época de escola, então, às vezes, você namorou uma pessoa na escola, vocês
tinham 15 anos, e aí você tem 30 anos, você encontra essa pessoa, que palavra
vem à sua mente? "Misericórdia! O que aconteceu?", por quê? Porque os
últimos 15 anos foi igual a um trator passando em cima da pessoa. Acontece?
Acontece. O problema é que, às vezes, a pessoa é você. Então, você vê a pessoa
em uma fase da vida bonita e na outra fase da vida feia. É porque quem não
cuida da beleza, cultiva a feiura. E a feiura ela vem aos poucos, ela vem mansa.
Vem mansinha, parece que não está acontecendo. A pessoa ganha um quilo
por ano. O que é um quilo por ano? Não é nada. Mas nos últimos 10 anos, ela
ganhou 10 quilos. A pessoa parou de fazer exercícios. O que é não fazer
exercícios durante um dia? Um dia não é nada. Mas fica 5 anos sem fazer
exercício, sem fazer musculação. A pessoa parou de cuidar da aparência, pode
esperar.

Essa análise da beleza é uma análise muito interessante e é uma análise


que nós todos podemos fazer, uma espécie de autocrítica. Gosto muito de
pensar assim, de zero a dez, que nota você dá para a sua beleza? Não é para a
sua beleza comparada com a referência de beleza para você. Então, não é a sua
beleza comparada com a do Tom Cruise, do Brad Pitt, não. Não é a sua beleza
comparada com a da Gisele Bündchen. É a sua beleza comparada com você,
com seu melhor momento. De zero a dez, que nota você dá para o investimento
em suas belezas? Porque, às vezes, você tem critérios objetivos. Você olha e fala
assim "meu cabelo está horrível, minha pele está horrível, meu corpo está
horrível, estou mal vestido", então você olha para aquela pessoa e fala "não,
morreu, só esqueceram de enterrar". E a pessoa olha para você e fala "olha,
estou dez quilos acima do peso, cabelo sem corte algum, estou super mal
vestido, não me cuido, enfim" - também tem toda a beleza intelectual
envolvida, mas eu disse que iria me restringir a beleza física. Então, quando olho
para mim, eu falo "gente!", então existe espaço dentro de mim para um
incremento natural da beleza, inclusive. Não precisa ser artificial não. Natural.
Em que eu posso cuidar de mim, que eu posso me vestir melhor, posso me
alimentar melhor, posso me exercitar melhor e que isso vai ter repercussão
física. Então, se você está em uma fase bonita da sua vida, isso não é garantia de
que a próxima vai ser assim não. Você vai ter que continuar se cuidando. Porque
da mesma forma que você olha para uma pessoa depois de 15 anos e fala "o que
aconteceu?", há pessoas que você olha, em diferentes fases da vida e fala "ou
essa pessoa não envelhece" ou "como envelheceu bonita", como é uma pessoa
bonita, a vida inteira bonita, a vida inteira elegante, a vida inteira bem cuidada.
Então, é uma escolha. É uma escolha.

Na página 78, faço o seguinte destaque, na última linha da página e


começo na página 79. Diz assim:

"Contar-te-hei tudo isto; dir-te-hei como profanei minha alma e


meu passado, e choraremos juntos — e nossas lagrimas nos lavarão
como a chuva lava as folhas do lodo!".

Chorar é, muitas vezes, lavar-se por dentro. Sabe que existe uma
expressão, que é catarse; que é essa ideia de quando você chora e você libera
aquilo que está dentro de você, é um desabafo da alma mesmo. Chorar, as
lágrimas saem, mas é como se você estivesse se lavando por dentro. Às vezes, o
sujeito está em profundo sofrimento. Ele chega em casa e chora. E chora
copiosamente. E depois que ele chora e chora durante muito tempo, parece que
ele se acalma. Parece que ele entendeu que aquilo ali foi capaz de lavá-lo por
dentro. Não tenha medo de chorar. Talvez, chore em casa. Em vez de ir chorar
em público. Não porque você não deva expor vulnerabilidades porque a
vulnerabilidade vai conectá-lo a pessoas, mas porque é bom chorar com
liberdade. E essa plena liberdade só existe quando ninguém te vê. Por isso, a
recomendação bíblica: entra no teu quarto, fecha a porta, fala com o teu Deus
em secreto. E o teu Deus, que ouve em secreto, lhe responderá". Quando você
entra em casa, fecha a porta e você tem essa liberdade de expor
completamente os seus sentimentos, isso é um negócio maravilhoso. Naquele
momento você pode chorar e chorar é lavar a alma, apesar de molhar o corpo.

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