Direito Processual Penal

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Universidade Católica de Moçambique

Faculdade de Direito

Tamara Aurorara da Conceição Justo

Conceito histórico do Direito Processual Penal

Gurué
2023
1 Conceito de direito processual
O Direito Processual Penal ou Direito Processual Criminal é o ramo de estudo
tradicionalmente voltado à atividade de jurisdição de um Estado soberano no julgamento do
acusado de praticar um crime. O procedimento de legitimação do direito de punir estatal,
chamado de processo penal, é o universo de estudos do Direito Processual Penal. O direito
processual penal é um ramo jurídico autónomo, uma sentença construída pelas garantias
fundamentais da ampla defesa, o acusado tem o direito de usar todas as provas
possíveis, ou seja, ninguém pode abrir mão da defesa; contraditório, o direito do acusado de
manifestar sua posição. É decorrente da bilateralidade do processo; isonomia e igualdade
entre as partes e o devido processo legal, ninguém será privado de sua liberdade e de seus
bens. 1(Mata, 2015, p. 6)
1.1 Evolução histórica
A história do processo penal é de extrema relevância para a compreensão do poder
punitivo no actual âmbito jurídico. Para que se possa entender a filosofia e os princípios
que regem o direito penal é preciso analisar os acontecimentos históricos cronologicamente.
Buscando aprofundar no contexto histórico, pode-se perceber que as nuances do direito penal
destacaram-se cedo na história, afinal, o poder era rude. Houve a escravatura, a qual foi um
marco de violência, agressões, mortes, maus tratos; muitas guerras, penas de morte,
torturas, prisões, banimentos, crimes de sangue; até nos relatos bíblicos tem-se o registo
de diversos acontecimentos cruéis. 2(Mata, 2015, p. 6)
Desse modo, o direito destaca-se com a finalidade de garantir a sobrevivência do
homem, visando alcançar uma sociedade com valores éticos e morais, diminuindo assim, seus
índices de criminalidade. Diante da situação crítica da época, o direito processual penal, se
preocupa em definir os crimes e atribuir-lhe pena. Tal direito objectiva resolver o conflito
entre o interesse de punir e da responsabilidade criminal.
Pode-se dizer que naquela época não havia aplicação de justiça; os julgamentos
eram feitos por ordálias, as penas judiciais constituíam uma espécie de vingança
colectiva, de modo que um criminoso sofria castigos muito mais severos e cruéis do que os
próprios males que havia praticado. As pessoas buscavam a vingança com as próprias mãos.
Era considerado um dever sagrado, era correto se vingar.
Dessa forma, surge a Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”. Essa Lei foi a
primeira delimitação do castigo; o crime deveria atingir o seu infractor da mesma forma
e intensidade do mal causado por ele. 3(Mata, 2015, p. 6).

1
Isabella Cristina Almeida da Mata, Evolução Histórica Do Direito Processual Penal
Historical Process Criminal Law Developments. 2015, p. 6)
2
Idem, p.
3
Idem, p.
Existia ainda a vingança divina, na qual o direito se confundia com a religião e
a vingança pública, a qual assegurava a segurança do monarca. Nesse contexto,
prevaleciam os mais fortes.
O direito processual penal, portanto, direcciona a apurar a culpa do réu, determinar a
pena para quem realmente é culpado e, além disso, a pena deve ser imputada ao infractor de
acordo com o crime que o indivíduo cometeu.
1.2 Períodos da vingança
Desde os primórdios da humanidade existe a ideia de punição das pessoas que se
comportam de maneira prejudicial às outras ou que agem contrariamente a moral e aos bons
costumes. O Direito Penal nada mais fez do que estabelecer uma forma de aplicar estas
punições, e foi evoluindo com o passar do tempo e com as mudanças de comportamento e de
pensamento da sociedade. Assim podemos dizer que o Direito Penal surgiu com o próprio
homem e evoluiu juntamente com este. As primeiras ideias de direito penal foram expressas
pela vingança penal que se subdivide em três, sendo estas a vingança privada, a vingança
divina e a vingança pública. 4(Gaecez, apud Mirabete, 2010, p. 16).
Sobre a vingança divina explica 5Noronha, (2001, p.21):
Já existe um poder social capaz de impor aos homens normas de conduta e
castigo. O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo
crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em
relação com a grandeza do deus ofendido.
A vingança pública passou a ser praticada pressupondo um maior desenvolvimento
das sociedades, todavia o seu conteúdo ainda era permeado pela influência religiosa,
entretanto o poder punitivo passou a ser exercido também pelo monarca, segundo o seu
arbítrio, mas em nome de Deus. Sobre o assunto explica Cezar Roberto Bitencourt (2009, p.
31), que “a primeira finalidade reconhecida desta fase era garantir a segurança do soberano,
por meio da aplicação da sanção penal, ainda dominada pela crueldade e desumanidade,
característica do direito criminal da época”.
1.3 Direito penal dos povos
1.3.1 Direito Romano
Inicialmente, o direito e a religião eram fortemente ligados, o Pater Famílias detinha o
poder de exercitar o direito de vida e de morte sobre todos os seus dependentes, até mesmo
em relação às mulheres e aos escravos. Com o advento da República Romana ocorreu a
ruptura e o desmembramento destes dois alicerces. A partir desse momento, aboliu-se o
período das vinganças e os crimes passaram a ser divididos em crimes públicos e crimes
privados. Os crimes públicos eram aqueles que traziam algum mal à sociedade e eram punidos

4
Mirabete, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal: parte geral. 26ª edição, rev. e actual. São Paulo:
Atlas, 2010.
5
Noronha, E. Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral. 36ª edição. São Paulo: Saraiva, 2001.
pelo Estado, enquanto os crimes privados eram aqueles cometidos contra os
particulares, cuja punição ficava a cargo deles mesmos, sendo que o Estado apenas
regulamentava estas punições caso fosse necessário.
Para 6Cezar Roberto Bitencourt, (2009, p. 33) as principais características do Direito
Penal Romano são:
a) a afirmação do carácter público e social do Direito Penal; b) o amplo
desenvolvimento alcançado pela doutrina da imputabilidade, da culpabilidade e de
suas excludentes; c) o elemento subjectivo doloso se encontra claramente
diferenciado. O dolo – animus -, que significava a vontade delituosa, que se aplicava a
todo campo do direito, tinha, juridicamente, o sentido de astúcia – dolus malus - ,
reforçada, a maior parte das vezes, pelo adjectivo má, o velho dolus malus, que era
enriquecido pelo requisito da consciência da injustiça; d) a teoria da tentativa, que não
teve um desenvolvimento completo, embora se admita que era punida nos chamados
crimes extraordinários; e) o reconhecimento, de modo excepcional, das causas de
justificação (legitima defesa e estado de necessidade); f) a pena constituiu uma
reacção pública, correspondendo ao Estado a sua aplicação; g) a distinção entre
crimina publica, delicta privada e previsão dos delicta extraordinária; h) a
consideração do concurso de pessoas, diferenciando a autoria e a participação.
1.3.2 Direito Germânico
O direito germânico tem como característica principal o fato de ser baseado nos
costumes (direito consuetudinário), deste modo não era um direito escrito. Naquele período o
direito era visto como uma “ordem de paz” cuja violação consistia em uma ruptura dessa paz,
podendo ser pública ou privada, conforme a natureza do delito, e sujeita, portanto a repressão.
Na hipótese de perda da paz pública havia uma autorização para que qualquer pessoa do povo
matasse o transgressor, contudo, no caso de delito privado o agente era entregue à família da
vítima para que esta exercesse o direito de vingança.
1.3.3 Direito Canónico
Para Heleno Cláudio Fragoso a influência do direito canónico foi benéfica porque
trouxe a humanização das penas, conquanto politicamente a sua luta metódica se propusesse a
obter a superioridade do papado sobre o poder estatal visando proteger os interesses religiosos
de dominação. O Direito Canónico apregoou a igualdade de todos os homens, enfatizando o
aspecto subjectivo do crime, opondo-se, assim ao sentido puramente objectivo da ofensa, que
prevalecia no direito germânico. Posicionava-se contrariamente a pena capital entendendo que
o indivíduo precisava manter-se enclausurado para que se arrependesse do mal que cometeu e
se convertesse. Além disso, o Direito Canónico também fez oposição às ordálias e aos duelos
judiciários e buscou introduzir as penas privativas de liberdade, suprindo as penas
patrimoniais, para permitir o arrependimento e a ressocialização do réu.
1.4 Período humanitário

6
Cezar Roberto Bitencourt, (2009, p. 33)
O período humanitário surgiu durante o Século XVIII, também conhecido como
Século das Luzes, devido a uma concepção filosófica que se firmou naquela época,
caracterizada por uma ampliação do domínio da razão em todas as áreas do conhecimento
humano.
Em sua Obra Dos Delitos e Das Penas, 7Beccaria, (2009, p.49 e 50), alegou que:
[...] a finalidade das penalidades não é torturar e afligir um ser sensível, nem
desfazer um crime que já está praticado. [...] Quanto mais terríveis forem os castigos,
tanto mais cheio de audácia será o culpado em evitá-los. Praticará novos crimes, para
subtrair-se à pena que mereceu pelo primeiro. [...] Para que cada pena não seja uma
violência de um ou de muitos contra um cidadão particular, deve ser essencialmente
pública, eficaz, necessária, a mínima das possíveis nas circunstâncias dadas,
proporcional aos crimes, ditada pelas leis.
1.4.1 Escola Clássica
Esta escola teve como base as ideias iluministas que se difundiram naquela época, era
defendida por escritores, pensadores, filósofos e doutrinadores que compartilhavam dessas
ideias. Para 8Basileu Garcia (1982, p.29):
A Escola Clássica comparava a alma humana a uma balança, em cujos pratos
estavam os motivos de nossas acções: a vontade, poderosa e decisiva, seria capaz de
fazer subir o prato que apresentasse os motivos mais pesados, mesmo contra a lei da
gravidade. No livre arbítrio está o fundamento da imputabilidade moral, que é por sua
vez o fundamento da responsabilidade penal. Só se pode imputar delito a alguém,
quando dotado de livre arbítrio, quando possua a liberdade de optar entre os motivos.
1.4.2 Escola Positiva
Esta nova corrente filosófica denominada Escola Positiva teve o pensador e filósofo
Augusto Conmte como seu precursor. A Escola Positiva apregoava uma nova concepção do
direito e consequentemente do delito. Dessa forma, para os defensores dessa Escola, o direito
é resultante da vida em sociedade e submisso a modificações no tempo e espaço, segundo a lei
da evolução.
1.5 Período Contemporâneo
O período contemporâneo começa com a publicação do livro L’Uomo Delinquente
(“O homem delinquente”), de Cesare Lombroso, e com a aparição dos primeiros códigos
penais liberais, como decorrência mesmo do movimento humanitário. No momento, o Direito
Penal e os sistemas penais comtemporâneos estão submetidos a críticas graves sobre sua
legitimidade e eficácia. É possível que o questionamento de abolicionistas e reducionistas dê
origem a um novo período que conheça alternativas todavia incertas.
1.5.1 A nova configuração dada ao Direito Penal: O Direito Penal Moderno
É de se ver, que para a criação de um novo direito penal e de modernas funções
(combate aos riscos por meio da protecção antecipada de bens jurídicos colectivos ou supra-

9
(Bitencourt, 200, p. 15).
10
Machado, Marta Rodriguez de Assis, em: Sociedade do Risco e Direito Penal: Uma avaliação de
novas tendências polito-criminais, Ed. IBCCrim, 1. Ed., 2005, pá. 157/158.
individuais) a ele atribuídas exige, em um primeiro momento, o estabelecimento de sua
justificação. No entanto, o aniquilamento de todo o direito penal clássico tem prescindido de
critérios eminentemente jurídicos de racionalidade penal, o que faz com que se objecte,
muitas vezes, as razões de ser de um direito penal moderno, fulcrado na ideia da punição
antes do dano, na ampliação da responsabilidade penal, enfim, na flexibilização das garantias
9
tenha se dado em virtude da protecção ao meio ambiente, à economias e à saúde publica.
(Bitencourt, 200, p. 15).
1.5.2 A protecção penal a bens jurídicos supra-individuais
Como dito, o núcleo central do Direito Penal de bases clássicas é a protecção ao bem
jurídico individuais circunstância determinante que informa o raio de acção de intervenção
penal do Estado, exercendo função de garantia junto aos cidadãos, já que só haverá
responsabilidade penal se e quando tais bens forem significativamente atingidos ou se
estiverem na iminência concreta de seres afectados. O direito penal moderno, no entanto,
desconhecendo tal a exigência de racionalidade penal e pugnando pela protecção
indiscriminada e sem limites aqueles bens juridicos chamados colectivos, aniquila, por assim
dizer, a função de garantia até então exercida pelos bens jurídicos individuais e promove a
ampliação da tutela penal.
Com razão prelecciona Marta Rodriguez que:
Se hoje em dia parece insustentável negar protecção jurídica aos bens
jurídicos supra-individuais, é de se constatar que a tutela desses bens vem sendo
significativamente promovida pelo direito penal. Entretanto, isso traz reflexos ao
próprio conceito de bem jurídico penal e à integridade dos princípios que até agora
nortearam a intervenção penal de ultima ratio, quais sejam, o da lesvidade, o da
intervenção mínima, o da fragmentariedade e o da subsidiariedade. Melhor dizendo, o
processo de ampliação progressiva do objecto de tutela penal, que inspira a dinâmica
da produção legislativa mais recente, opõe-se dimetralmente aos princípios da
ofensividade e, por conseguinte, ao da fragmentariedade e da subsidiariedade,
colocando em questão a função penal de garantia e bens jurídicos. 10(Rodrigues,
2005,p. 157-158)
1.5.3 A antecipação de tutela penal a esferas anteriores ao dano
A característica mais marcantes desse critério ou tendência do direito penal moderno é
a de actuar de forma, absolutamente, preventiva, ou seja, antecipando a resposta penal para
antes da afectação a qualquer bem jurídico ou mesmo da colocação dos mesmos em estado
periclitante. Isso se dá pelo uso desenfreado que tem feito essa nova dogmática penal, que
encontra-se em franca evolução, dos institutos jurídico-penais dos tipos penais de perigo
abstrato, dos crimes de mera transgressão e da maioria dos tipo penais omissivos.

1
Isabella Cristina Almeida da Mata, Evolução Histórica Do Direito Processual Penal
Historical Process Criminal Law Developments. 2015, p. 6)
2
Idem, p.
3
Idem, p.

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