aula 10

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 34

Culturas afro-brasileira e indígena

na sociedade brasileira
contemporânea

Apresentação

O percurso da formação histórica e social brasileira envolveu um longo processo de miscigenação.


No decorrer desse procedimento, diversos povos contribuíram nos mais variados aspectos para a
composição de uma "colcha de retalhos" que viria a ser o Brasil, em aspectos étnicos e culturais.

Entretanto, apenas um grupo étnico específico é creditado como colonizador do Brasil, o


branco/português. Essa visão, além de ser simplista, também é preconceituosa, pois reduz de forma
significativa o processo de trocas simbólicas e culturais que constituíram o povo brasileiro a um
único grupo, além de vislumbrar a percepção coletiva que a sociedade brasileira tem acerca dos
grupos não dominantes, como as populações afrodescendentes e indígenas.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você perceberá como a cultura brasileira foi contemplada pelas
matrizes africana e indígena, também entenderá os perfis criados para negros e índios na literatura.
Assim, será capaz de desconstruir visões preconceituosas e estereotipadas presentes na sociedade
acerca desses grupos étnicos.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer as influências africanas e indígenas na constituição da cultura brasileira.


• Analisar as representações dos africanos e indígenas na literatura brasileira.
• Compreender estratégias de desconstrução de estereótipos e preconceitos em relação a
africanos e indígenas no Brasil contemporâneo.
Infográfico

Você já pensou como ocorria o processo de captura e transferência de pessoas de um continente


para o outro na condição de cativos? Em uma travessia normal, durante o comércio transatlântico
de escravos, o navio passava cerca de dois meses em alto mar, quando as condições climáticas
eram favoráveis.

Nessa situação, as condições de viagem eram desumanas e as famílias sofriam durante todo o
percurso. Para as crianças, o drama era maior, pois eram separadas das suas mães e só as viam uma
vez no dia para tomar banho de sol. Buscando solucionar esse problema, algumas mães
confeccionavam Abayomis.

Confira, no Infográfico a seguir, um pouco mais sobre essa história.


Aponte a câmera para o
código e acesse o link do
conteúdo ou clique no
código para acessar.
Conteúdo do Livro

No processo de rememorar acontecimentos do passado, a sociedade reflete no presente o seu


modelo de organização. Ao enfatizar as ações de determinados grupos em detrimento de outros,
são lançadas também as bases e os anseios de uma sociedade projetada para o futuro. No lugar de
comemorar certas datas do calendário, a escola deve ser local de reflexão sobre os significados
simbólicos desses acontecimentos, mostrando como elas repercutem as contradições da sociedade.

No debate que se desenrola atualmente no país, sobre a superação do racismo e as práticas de uma
educação voltada para o multiculturalismo no ambiente escolar, os profissionais da educação,
sobretudo os professores, ocupam lugar de destaque para o desenvolvimento de ações que não
reproduzam mitos, preconceitos ou visões folclóricas sobre esse período nem a população que
viveu naquela época.

No capítulo Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea, da obra


História e Cultura Africana, Afro-Brasileira e Indígena, você verá aspectos do processo histórico que
levou à conquista e à colonização do Brasil, percebendo como a população indígena foi
compreendida pelos europeus enquanto selvagens e como os africanos e os seus descendentes
foram afetados pela escravidão desenvolvida no país. Você também irá compreender as
representações presentes na literatura a respeito de negros e indígenas.

Boa leitura.
HISTÓRIA E
CULTURA AFRICANA,
AFRO-BRASILEIRA E
INDÍGENA

Hezrom Vieira Costa Lima


Culturas afro-brasileira
e indígena na sociedade
brasileira contemporânea
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer as influências africanas e indígenas na constituição da


cultura brasileira.
 Analisar as representações dos africanos e indígenas na literatura
brasileira.
 Discutir sobre estratégias de desconstrução de estereótipos e precon-
ceitos em relação a africanos e indígenas no Brasil contemporâneo.

Introdução
Neste capítulo, você vai ver como se deu o processo de conquista do
território brasileiro. Antes da chegada dos portugueses, em 1500, esta
terra não era isolada nem desabitada; muito pelo contrário, era dispu-
tada por diversos povos nativos, que foram denominados “índios” pelos
portugueses.
O século XVI foi marcado por um choque cultural sem proporções na
história da humanidade, pois colocou em lados opostos grupos com cul-
turas e visões de mundo antagônicas. Portugueses e indígenas possuíam
entendimentos distintos em relação à riqueza, à utilização da terra, ao
trabalho, às relações pessoais, à organização social, etc. Esse caldo cultural
“engrossa” mais quando um novo elemento entra em cena, o africano.
Como você vai ver, aspectos culturais de origem africana e indígena
contribuíram para a formação do Brasil. Apesar da violência à qual os
indígenas e africanos foram historicamente submetidos, eles consegui-
ram burlar as regras estabelecidas e sobreviver, mesclando sua cultura à
cultura dominante e tornando o Brasil, ao contrário do que pretendiam
os colonizadores portugueses, um país plural.
2 Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea

Colonização do Brasil:
táticas de resistência cultural
O processo de conquista e colonização das terras brasileiras pelos portugueses
se inseriu na lógica da expansão ultramarina europeia, iniciada no século XV
pelos reinos ibéricos de Portugal e Espanha e difundido, posteriormente, para
as demais nações daquele continente. De maneira geral, esses reinos busca-
ram expandir o seu território conquistando novos mercados consumidores,
obtendo recursos naturais e eliminando outros povos que se opuseram aos
seus objetivos. Esse empreendimento colocou em contato visões de mundo
antagônicas que dificilmente poderiam conviver de maneira pacífica, uma
vez que o modelo colonizador utilizado pelos europeus determinava apenas
um padrão de comportamento, o proposto pelos próprios colonizadores, que
deveria ser seguido à risca pelos colonizados. Isso traz à tona a violência que
todo processo de colonização possui em sua essência: a eliminação do outro,
seja física, simbólica ou culturalmente.
Certeau (2009), em A Invenção do Cotidiano, analisou como o ser humano
consegue criar um modelo de comportamento denominado por ele de “arte
de fazer”. Fugindo dos padrões e regras impostos pelo modelo dominante,
os indivíduos inventam o seu cotidiano criando, de maneira sutil, diversas
“táticas” de resistência e sobrevivência, de modo que códigos e objetos são
alterados em seu benefício. Essa noção é de suma importância para que você
possa compreender como se deu a permanência de características culturais
de africanos e indígenas na cultura brasileira.

Michel de Certeau foi um erudito francês que nasceu em Chambéry em 1925. Sua
formação abrengeu os campos da filosofia, das letras clássicas, da história e da teologia.
Nas suas pesquisas, ele utilizou métodos da antropologia, da linguística e da psicanálise.
Na obra A Invenção do Cotidiano, Certeau (2009) desenvolve duas noções para analisar
a sociedade. A primeira delas é denominada “estratégia”, que é o modelo dominante,
criado pelos grupos sociais que ocupam o topo da sociedade; esse modelo serve
como padrão. Do outro lado, existem as táticas, ações criadas intencionalmente pelos
grupos dominados para burlar a ordem existente. São modelos próprios de ações que,
de maneira astuciosa, enfrentam o padrão vigente sem, no entanto, comprometer ou
destruir a sua existência.
Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea 3

Essa questão evidencia as condições nas quais a nação brasileira foi for-
jada. Estava em jogo um projeto político criado pela coroa portuguesa, que
deveria ser levado a cabo por indivíduos que vinham para a terra brasilis
em busca de fama e riqueza, incentivados pela notícia de que ouro e prata
haviam sido encontrados pela coroa espanhola no mesmo continente. Apesar
de ser pioneiro no processo das grandes navegações, o reino de Portugal não
possuía condições materiais suficientes para efetivar a conquista e a posse
do território. Além disso, havia total desconhecimento da fauna e da flora da
região, uma vez que o litoral brasileiro é formado por aproximadamente 7.300
km de extensão, habitados então por povos distintos.

Os indígenas sob o olhar europeu:


entre o bom e o mau selvagem
A expansão ultramarina levou os europeus ao encontro de um continente
até então desconhecido por eles: a América. Da mesma maneira, houve um
conhecimento das populações nativas dessa região, que, apesar de possuírem
características heterogêneas entre si, se assemelhavam por se diferenciarem
física e culturalmente dos europeus. No aspecto cultural, é emblemática a
percepção das diferenças na organização social, a qual diferia bastante dos
modelos preconizados pelas sociedades europeias.

Pero de Magalhães de Gândavo foi um historiador, gramático e cronista português


que esteve no Brasil no início do século XVI. Ao escrever História da Província de Santa
Cruz que vulgarmente chamamos Brasil, em 1576, ele deixa claro que os portugueses,
e europeus de maneira geral, percebiam as suas diferenças em relação à população
indígena. Leia o trecho a seguir e reflita sobre a impossibilidade da compreensão do
outro por parte dos portugueses: “A língua de que usam toda pela costa é uma [...]
Carece de três letras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna
de espanto, porque assim não tem Fé, nem Lei, nem Rei: e desta maneira vivem
desordenadamente [...]” (GÂNDAVO, 1576, fl. 33v).
4 Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea

A percepção das diferenças entre indígenas e europeus suscita um debate


acerca da humanidade daqueles. Os portugueses se questionavam sobre a
existência da alma indígena e sobre a possível conversão dos índios. Sobre
essa questão, veja o que afirma Laplantine (2007, p. 37–38):

A grande questão que é então colocada, e que nasce desse primeiro confronto
visual com a alteridade, é a seguinte: aqueles que acabaram de ser descobertos
pertencem à humanidade? O critério essencial para saber se convém atribuir-
-lhes um estatuto humano é, nessa época, religioso: o selvagem tem uma alma?
O pecado original também lhes diz respeito?

O olhar europeu sobre a população nativa cria dois modelos que servem
de explicação para a percepção a respeito dos indígenas durante o processo
de colonização. Esses arquétipos inserem grupos inteiros sob uma mesma
denominação, estabelecendo modelos de ação perante a população nativa.
São eles: o “bom selvagem” e o “mau selvagem”. A definição de mau
selvagem recai sobre aqueles indivíduos que possuem estas três caracterís-
ticas: “estar nu ou vestido de peles de animais” (aparência física); “comer
carne crua/canibalismo” (comportamentos alimentares); “falar uma língua
ininteligível” (inteligência, a partir da linguagem) (LAPLANTINE, 2007).
Na Figura 1, a seguir, você pode observar dois quadros pintados pelo
holandês Albert Eckhout, que esteve no Brasil entre os anos de 1637 e
1644. Neles, é possível identificar a oposição entre o “bom” e o “mau”
selvagem. A mulher tupi é representada sob o viés maternal. Ela carrega
a vida ao segurar seu filho no colo, eliminando qualquer possibilidade
de ameaça. Além disso, transporta um recipiente com água e uma cesta
com produtos manufaturados e veste uma saia branca (inserida no seu
vestuário pelos colonizadores). Na paisagem, é possível identificar três
características que fazem menção à colonização europeia nos trópicos:
a bananeira, planta introduzida no Brasil pelos portugueses; a paisagem
colonial, com a plantação de cana-de-açúcar; e a casa-grande no engenho.
Em contrapartida, a mulher tapuia carrega a morte, um cesto com uma
perna decepada. Na sua mão direita, ela segura a mão de outro indivíduo,
remetendo à prática do canibalismo. Está nua, mesmo que parcilamente
coberta por folhas, e calça sandálias de fibras vegetais. Já a paisagem re-
presenta a cena de guerreiros armados, ao fundo, demonstrando a condição
natural dessa sociedade sem contato com os “civilizadores” europeus.
Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea 5

Figura 1. (a) Mulher Tupi e (b) Mulher Tapuia, óleo sobre tela, de Albert Eckhout, 1641.
Fonte: Fonte: Chicangana-Bayona (2008, p. 606–607).

Esses olhares criados sobre a população nativa demonstram tanto o po-


sicionamento dos nativos em relação aos europeus quanto o modo como
estes últimos perceberam as trocas culturais entre os povos. De um lado,
posicionam-se aqueles que lutaram contra o invasor, mantendo suas práticas
religiosas e culturais e abertamente inimigos do europeu (maus selvagens). Do
outro lado, figuram aqueles grupos que aceitaram determinados aspectos da
colonização, como roupas, língua e religião, submetendo-se ao poder colonial,
mas, apesar disso, não conseguindo tratamento igualitário (bons selvagens).

Índios e negros na literatura brasileira


Na literatura brasileira, há representações de índios e negros que expõem muito
mais a visão do autor do que necessariamente aquilo que ele deseja representar.
Tais obras ganham notoriedade por dois aspectos que se relacionam entre si.
6 Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea

O primeiro deles é a amplitude de leitores que são capturados pelas páginas dos
romances, sendo mais fácil um leitor conhecer uma obra de ficção do que um
livro acadêmico. Já o segundo é o fato de que, embora sejam obras de ficção,
elas possuem em comum a semelhança com a realidade, o que traz à tona a
possibilidade de serem analisadas sob a óptica da verossimilhança. Afinal,
em determinada medida, tais obras lançam uma luz sobre a sociedade na qual
estão inseridas, demonstrando os medos, anseios e pensamentos de uma época.
Conforme destaca Chartier (2010, p. 21), “As obras de ficção, ao menos
alguma delas, e a memória, seja ela coletiva ou individual, também conferem
uma presença ao passado, às vezes ou amiúde mais poderosa do que a que
estabelecem os livros de história [...]”. Tendo como base esse pressuposto, a
seguir você vai ver como a ficção criou representações e perfis para africanos
escravizados e índios na sociedade brasileira. Você também vai verificar
como esses lugares comuns foram sendo considerados pela sociedade como
definidores de comportamento da população afrodescendente e indígena no
Brasil, sendo retroalimentados por outras mídias, como novelas e filmes.

Coragem, nobreza e solidariedade: a poesia indianista


Gonçalves Dias foi o poeta que deu início à idealização do indígena na litera-
tura brasileira. Na corrente do Romantismo, o nativo é associado à coragem,
à compaixão, à bondade, à nobreza e à solidariedade, da mesma forma que
os cavaleiros medievais no imaginário europeu. Autor de diversos poemas
indianistas, como I-Juca-Pirama, Marabá e Canção do Tamoio, Gonçalves
Dias reflete a percepção sobre os indígenas no Brasil enquanto um ideal
distante, que não pode mais ser alcançado.
I-Juca-Pirama (“aquele que deve morrer”), escrito em 1851, é considerado
a obra máxima do autor. Ela conta a história de um nobre índio tupi que, após
ser derrotado, torna-se prisioneiro de outra tribo, os timbira. O guerreiro tupi
encontra o seu pai com saúde debilitada, pois está velho e doente, então toma
uma decisão inusitada, pedindo ao chefe timbira que o deixe voltar para a
sua tribo para cuidar do progenitor. Porém, na cultura indígena, esse ato é
interpretado como covardia. É isso o que pensa o seu pai quando o guerreiro
retorna à tribo para informar a sua decisão. O pai recebe o filho com desprezo
e indignação, afinal este humilhou não só a si, mas a toda a sua geração.
Então, para provar o seu valor e recuperar a sua honra, o guerreiro decide ir
lutar sozinho contra os inimigos. Após vários combates, a vitória é obtida e o
chefe da tribo timbira encerra a luta. O pai reconhece o valor do filho, digno
de ser chamado novamente de tupi.
Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea 7

Veja os trechos a seguir, retirados de I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias. No Canto IV, é


possível perceber a identificação do personagem:

Meu canto de morte, Guerreiros ouvi: sou filho das selvas, nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo da tribo Tupi. Da tribo pujante, que agora anda errante
por fado inconstante, guerreiros, nasci: sou bravo, sou forte, sou filho do
Norte; meu canto de morte, Guerreiros, ouvi (DIAS, 1851, canto IV).

No Canto VIII, há a reação do pai ao descobrir que, após o seu filho ser preso, chorou
pedindo para não morrer:

Tu choraste na presença da morte? Na presença de estranhos choraste?


Não descende o cobarde do forte, pois choraste, meu filho não és! Possas
tu, descendente maldito de uma tribo de nobres guerreiros, implorando
cruéis forasteiros, seres presa de vis Aimorés (DIAS, 1851, canto VIII).

Por fim, no Canto X, há a redenção do indígena, que é rememorada por um velho


timbira que relata o heroísmo dele, servindo de modelo para os mais jovens: “Um
velho Timbira coberto de glória, guardou a memória do moço guerreiro, do velho
Tupi! E à noite, nas tabas, se alguém duvidava do que ele contava, dizia prudente:
‘meninos, eu vi!’”.

Em outro poema, Canção do Tamoio, um guerreiro da tribo tamoio explica ao


seu filho recém-nascido qual é o seu papel no mundo, como ele deve se comportar
frente aos perigos da vida. Ou seja, o pai informa ao filho que tipo de comporta-
mento é esperado que ele exerça, não só pelo seu pai, mas por todos os membros
da tribo tamoio e dos outros povos que vierem a ter contato com eles. Veja:

I. Não chores meu filho; não chores, que a vida é luta renhida: viver é lutar. A
vida é combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos só pode exaltar.
II. Um dia vivemos! O homem que é forte não tema da morte; só teme fugir;
no arco que entesa tem certa uma presa, quer seja tapuia, condor ou tapir.
III. O forte, o cobarde, seus feitos inveja de o ver na peleja garboso e feroz; e os
tímidos velhos nos graves conselhos, curvadas as frontes, escutam-lhe a voz!
IV. Domina, se vive. Se morre, descansa dos seus na lembrança, na voz do porvir.
Não cures da vida! Sê bravo, sê forte! Não fujas da morte, que a morte há de vir! [...]
XI. E cai como o tronco do raio tocado, partido, rojado por larga extensão; assim
morre o forte! No passo da morte triunfa, conquista mais alto brasão (DIAS, 1852).
8 Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea

Veja outras obras que abordam a população indígena:


 José de Alencar: O Guarani, Iracema e Ubirajara
 Gonçalves de Magalhães: A Confederação dos Tamoios
 Gonçalves Dias: I-Juca-Pirama, Canção do Tamoio, Marabá, Leito de Folhas Verdes,
Canto do Piaga

Outro exemplo das obras indianistas de Gonçalves Dias é Marabá. O termo


que dá título à obra é de origem tupi e significa “de mistura”. Nesse poema,
Gonçalves Dias expõe o dilema de uma índia mestiça que é recusada pelos
índios guerreiros justamente por sua condição. A personagem Marabá possui
olhos com “cor das safiras”, rosto “da alvura dos lírios” e “loiros cabelos”,
porém não consegue encontrar um guerreiro que a deseje, terminando por viver
“[...] sozinha, chorando mesquinha, que sou Marabá!” (DIAS, 1968, p. 325).
Essas representações da população indígena presentes nas obras literárias
criam um ideal que se encaixa em um perfil de guerreiros honrados. Assim,
impossibilita-se outra manifestação cultural e psicológica. Além disso, entra
em cena a crença em um tipo indígena preso no passado, que não conseguiu
acompanhar o desenvolvimento da civilização brasileira.

A escravidão no Brasil: denúncias e crueldade


No ano de 1869, Joaquim Manuel Macedo publica um romance intitulado As
Vítimas-Algozes: Quadros da Escravidão, uma obra de literatura que propõe
uma espécie de denúncia contra a escravidão praticada no Brasil. Seu autor
era um emancipacionista convicto e defende, utilizando diversos argumentos,
o fim da escravidão, pois para ele “A escravidão gasta, caleja, petrifica, mata
o coração do homem escravo [...]” (MACEDO, 1869, p. 53).
O romance narra a história de três escravizados, todos com características
que têm o objetivo de demonstrar como a sociedade era afetada pela escravi-
dão. São eles: Simeão, o crioulo; Pai-Raiol, o feiticeiro; e Lucinda, a mucama.
Apesar de ser uma obra de ficção, o autor deixa claro o seu papel de denúncia,
na medida em que os textos escritos são “[...] romances sem atavios, contos
sem fantasias poéticas, tristes histórias passadas aos nossos olhos, e a que não
poderá negar-se o vosso testemunho [...]” (MACEDO, 1869, p. 1).
Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea 9

A construção da argumentação de Macedo (1869) é baseada na ideia de


que a escravidão era um atraso econômico, uma ideia inaceitável em um país
que deveria passar por um processo de modernização, deixando de ser agrí-
cola. Além disso, o autor defende uma linha de pensamento que demonstra a
crueldade desse sistema: a escravidão era um veneno e criava inimigos dentro
de casa. Isso mostra que Macedo (1869) entende o escravo como o verda-
deiro inimigo, pois é corrompido pelo sistema e simultaneamente corrompe
a sociedade. Para o autor, o Brasil deveria acabar com a escravidão, não por
humanidade, mas para se livrar dos incômodos desse sistema, incluindo aí a
população afrodescendente.
Uma das personagens principais da obra de Macedo (1869, p. 157) é a
mucama Lucinda, “Uma escrava mucama da menina que em breve ia ser
moça!”. A menina chama-se Cândida e acaba de completar 11 anos de idade,
ganhando como presente, uma prática comum do Brasil oitocentista, uma
jovem mucama, Lucinda. No desenrolar da trama, o problema surge a partir
do momento em que a mucama Lucinda, corrupta e imoral, começa a fazer
parte do cotidiano da doce e angelical Cândida.
O uso de adjetivos para definir os comportamentos da mucama e da menina
é intencional por parte do autor; de um lado, há uma pessoa corrupta e imoral;
do outro, alguém doce e angelical. O contato entre elas cria uma rachadura no
comportamento que era esperado para uma moça que faria parte da sociedade.
Após várias conversas, a mucama percebe que a menina é ingênua e começa
a questionar seus conhecimentos sobre “ser moça” e “casamento”, maculando
assim sua pureza inicial. Segundo o autor, a escrava Lucinda, que em momento
algum demonstra inocência em suas atitudes, envenena a alma de Cândida
com as “explicações necessariamente imorais” (MACEDO, 1869).
Com essa narrativa, o autor tem por objetivo criar uma dicotomia entre as
protagonistas, Cândida e Lucinda. A primeira é uma menina branca, ingênua
e pura que é corrompida pela segunda, uma escrava negra e promíscua. Essa
dinâmica torna a sinhazinha “escrava da sua escrava” (MACEDO, 1869),
uma vez que desperta nela um desejo que não poderia ser conhecido naquele
momento e que só foi possível graças à convivência degenerante.
Para o autor emancipacionista, um dos piores males que a escravidão gerava
era o da convivência entre inimigos naturais, ou seja, senhores e escravos.
Segundo ele, “O escravo é necessariamente mau e inimigo do seu senhor. A
madre-fera escravidão faz perversa, e vos cerca de inimigos [...]” (MACEDO,
1869, p. 29). Essa ideia é percebida quando, ao explicar a transgressão do
caráter de Cândida por Lucinda, o autor afirma que “[...] a ideia do casamento
10 Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea

atirada ali de mistura com a de moça feita confundiu ainda mais a pobre e
curiosa menina abandonada à companhia da mulher escrava [...]” (MACEDO,
1869, p. 172). Novamente, percebe-se a suposta depravação que a escravidão
trazia para os brancos. Era por meio do “abandono à companhia da mulher
escrava” que as sinhazinhas e a sociedade branca em geral eram corrompidas
aos poucos pelos negros escravizados.

Devido a relatos de viajantes estrangeiros e às condições precárias e desumanas


da escravidão, imaginou-se que era impossível a formação de núcleos familiares
por pessoas escravizadas. Entretanto, esse posicionamento está sendo revisto pela
historiografia. Obras como Na senzala, uma flor, do historiador norte-americano Robert
W. Slenes, buscam trazer à luz histórias de vidas de pessoas escravizadas que, lutando
contra todas as condições da época, conseguiram formar famílias e buscar auxílio para
sobreviver em uma sociedade que agia de forma violenta e arbitrária.

Essa percepção negativa sobre as consequências que a presença dos escra-


vizados tinha no cotidiano da população não se resumiu às escravas mucamas,
estendendo-se a outro personagem de As Vítimas Algozes, Simeão, um crioulo,
o qual também é afetado psicologicamente pela ação degenerativa da escravi-
dão. O fato de o indivíduo ser um escravo alterava a sua percepção emocional:
Simeão não possuía a capacidade de amar, já que a escravidão o degradava e
arrancava toda e qualquer forma de sentimento puro. Veja:

O escravo não amava, não amou Florinda; mas em sua mente audaz, em seus
instintos escandalosos, revoltantemente ultrajadores e licenciosos, lembrou,
contemplando a senhora-moça, o que lembrava aproximando-se da negra
fácil, da escrava desmoralizada que lhe agradava e não fugia a seus ignóbios
afagos (MACEDO, 1869, p. 51).

As denúncias da escravidão presentes na obra de Macedo (1869) também


são estendidas aos escravizados, daí o título da obra, Vítimas Algozes. A ideia
é que aqueles que sofrem a violência da escravidão reproduzem essa mesma
Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea 11

violência na sociedade, tornando-se também algozes. Esse pensamento deve


ser dimensionado, pois cria uma espécie de amenização da escravidão desen-
volvida no Brasil, uma vez que retira parte da culpa dos próprios senhores de
escravos, já que estes também se tornam vítimas do processo.
Em uma perspectiva diferente, outro autor que também contesta a escravidão
desenvolvida no Brasil é Machado de Assis. Ao contrário do que acontece
no caso de outros autores da sua época, como o próprio Macedo (1869), as
denúncias de Machado de Assis são explícitas e o caráter cruel e violento da
escravidão é denunciado em suas páginas.

Após 18 anos da abolição da escravidão, que ocorreu em 13 de maio de 1888, Machado


de Assis publica o conto “Pai contra Mãe”, presente na obra Relíquias da Casa Velha, de
1906. No conto, a violência da escravidão é mostrada quando um caçador de escravos,
chamado Cândido Neves, passa por um dilema ético e moral: para conseguir dinheiro
para cuidar da sua família, deve ir atrás de uma escrava que está grávida, correndo o
risco de fazê-la abortar o bebê. Acesse o link a seguir para ler o conto.

https://qrgo.page.link/sa6tv

As várias faces da escravidão são mostradas por Machado de Assis nas


suas obras. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881, Prudêncio, um
antigo escravo do protagonista, é visto no cais do Valongo impondo sua fúria
a outro indivíduo, também negro, porém seu escravo. Essa violência era uma
reação à condição de vida imposta ao indivíduo escravizado:

Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas


— transmitindo-as a outro. Eu, em criança, montava-o, punha-lhe um freio
na boca, e desancava-o sem compaixão; ele gemia e sofria. Agora, porém,
que era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das pernas, podia trabalhar,
folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condição, agora é que ele se desban-
cava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando, com alto juro, as quantias que
de mim recebera (ASSIS, 1881, p. 76).
12 Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea

Outro autor que também viveu e escreveu sobre o século XIX no Brasil,
enfocando o tema da escravidão, foi Castro Alves, conhecido como “o
poeta dos escravos”. Ele faleceu com apenas 24 anos, sem ver a abolição
da escravidão nem a publicação da sua obra máxima, Navio negreiro, de
1880. Nessa obra, ficam evidentes os horrores da escravidão e as condições
desumanas do transporte marítimo dos “tumbeiros”, termo que designava
popularmente os navios que transportavam os escravizados na travessia
transatlântica. Como o índice de mortandade era elevado, a comparação
com tumbas era evidente.
A obra é dividida em partes (cantos): (1) a descrição do belo natural,
a exuberância da natureza brasileira; (2) a descrição do belo humano, a
valorização dos marinheiros dos diferentes países; (3) a indignação ao ver
o que se passa no interior do navio, a estupefação; (4) a descrição dos hor-
rores cometidos contra os escravos; (5) a comparação da vida pregressa dos
negros com o horror do momento; e (6) a crítica ao Brasil, por se beneficiar
da infame escravidão.

Por uma educação antirracista


Uma educação antirracista nas escolas deve contemplar a identidade e a história
dos indivíduos e dos respectivos grupos que frequentam o ambiente escolar.
Para que esse processo seja de fato efetivado, a escola deve repensar a sua
estrutura, ampliando a definição de currículo, avaliação e material didático e
as formas de ação entre corpo docente e corpo discente.
Geralmente, o debate sobre o racismo e as formas de combatê-lo vêm à tona
apenas nas datas de 19 de abril, para a população indígena, e 13 de maio e 20
de novembro, para os afrodescendentes. Esses marcos simbólicos, caso não
sejam devidamente problematizados, podem servir para reproduzir estereótipos
e reforçar visões negativas sobre as populações, transformando a escola em um
ambiente hostil para determinados grupos e anulando a sua função social de
aparelho que possibilita o acesso à cidadania e a emancipação dos indivíduos.
Ao analisar as ações dos movimentos sociais na busca por uma sociedade
mais justa e igualitária, percebe-se que a legislação avançou, possibilitando a
materialização de um aparato legal que diminua e iniba a prática de racismo
em território nacional. Sobre essa questão, Sousa (2005, p. 110–111) destaca
o seguinte:
Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea 13

Dizem até que falar de racismo é invenção do negro complexado, que tem ver-
gonha da própria origem. Felizmente esta cultura do silenciamento está sendo
superada, um resultado de décadas de lutas do movimento negro organizado
por todo este país e que vem obtendo importantes conquistas, inclusive no
campo legal, como, por exemplo: o art. 5º da Constituição Federal de 1988,
que torna “a prática do racismo crime inafiançável e imprescritível”; a lei
3.198/2000, que institui o “Estatuto da Igualdade Racial”; a lei 10.639/2003,
que torna obrigatório incluir nos currículos escolares a “história e cultura
afro-brasileira”. Isso demonstra que avanços estão sendo conquistados, apesar
de ainda termos muito a buscar.

Soma-se a essa trajetória de luta antirracista a promulgação da Lei nº 11.645,


de 10 de março de 2008. Ela modifica a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
e amplia a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e
indígena na educação básica do País.

No link a seguir, confira o aparato legal que tornou possível o ensino da história e da
cultura indígena e afro-brasileira nas escolas do País.

https://qrgo.page.link/zuKnW

Racismo: identificar e combater


Gilberto Freyre, na sua obra máxima Casa-Grande & Senzala, de 1933, foi
o responsável por criar um mito que até hoje ecoa na sociedade brasileira, a
ideia de democracia racial. De acordo com esse autor, que era pernambucano
e descendente de antigos senhores de engenho da região, o Brasil seria a
“mais perfeita democracia racial do mundo”, pois o português teria criado
nos trópicos uma sociedade em que os preconceitos de raça ou cor teriam sido
diluídos na mistura entre brancos, negros e índios. Assim, teria forjado um
ambiente propício para o desenvolvimento de uma sociedade em que a prática
de racismo era inexistente, modelo bem diferente do de outras sociedades, como
os Estados Unidos da América, onde houve luta por direitos civis, segregação
e ação de grupos racistas como a Ku Klux Klan.
14 Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea

Esse mito começou a ser combatido nos anos 1950, pela chamada “escola
de sociologia paulista”. Autores como Florestan Fernandes e Fernando Hen-
rique Cardoso questionaram a existência de uma democracia racial no Brasil
e passaram a denunciar as condições nas quais a população negra brasileira
estava inserida, configurando, portanto, a primeira crítica contudente a Freyre
e revelando o racismo na sociedade brasileira após a abolição da escravidão.

O Geledés (Instituto da Mulher Negra) explica como o mito da democracia racial está
presente na sociedade brasileira. Confira no link a seguir.

https://qrgo.page.link/AHgV6

A negação do racismo no Brasil reforça a ideia de que no País as condições


de vida e as oportunidades são iguais para todos, independentemente da cor de
pele, visão que não reflete a realidade. Em uma análise sobre o perfil étnico
do Brasil e o seu reflexo nas condições econômicas, o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2018) constatou que, em média, os brasileiros
brancos possuem salários maiores, sofrem menos com desemprego e possuem
maior acesso ao nível superior. Essa situação reflete o processo histórico
iniciado pela colonização portuguesa e atinge principalmente os grupos que
foram historicamente afastados das classes dominantes.

Negros e indígenas no Brasil hoje


Ao combater o racismo no ambiente escolar, a escola cumpre a sua função so-
cial. Nesse processo, os professores são peças fundamentais dessa engrenagem.
Identificar o racismo, compreender as suas consequências para a formação do
alunado e o seu consequente exercício de cidadania, reconhecer a presença
de estereótipos, bem como a ausência de embasamento durante a formação
inicial e continuada dos professores, é o caminho a ser seguido para, enfim,
ter uma educação antirracista.
Sobre essa questão, Gomes (2009, p. 57) afirma o seguinte: “[...] somos
desafiados a realizar uma mudança epistemológica, no campo da formação de
professores(as) no Brasil, que vá além das velhas dicotomias entre o escolar e
Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea 15

o não escolar, o político e o cultural, o instituído e o instituinte, ainda presente


em vários currículos e práticas de formação de professores [...]”.
Ao longo da história do Brasil, os grupos de indivíduos não brancos, como
negros e indígenas, criaram diversas táticas para burlar a ordem vigente e
realizar suas práticas culturais sem que fossem punidos pelo poder colonial
estabelecido. Essas astúcias foram materializadas em diversos aspectos da
vida cotidiana desses indivíduos, inclusive na esfera religiosa, com a criação
de irmandades religiosas de negros e pardos, em que as divindades e os orixás
africanos foram assimilados ao culto aos santos católicos. No campo cultural,
destaca-se a prática da capoeira, uma mistura de luta com dança, inicialmente
proibida e, posteriormente, alçada à condição de patrimônio histórico e cultural
nacional. Aspectos linguísticos também foram afetados, como o vocabulário,
que amenizou o português europeu, desenvolvendo uma nova linguagem mais
branda, com a repetição de sílabas.
Os aspectos da cultura africana foram ressignificados no Brasil, adqui-
rindo outras roupagens, repletas de herança, memória e resistência étnica
e cultural. No campo do sagrado, as religiões afro-brasileiras se materia-
lizaram como práticas de fé. Nesse contexto, destacam-se as irmandades
negras, associadas ao catolicismo; a umbanda, associada ao espiritismo;
o candomblé; o culto dos orixás; o tambor de mina (Maranhão); e o culto
congo-angolano (Rio de Janeiro e Bahia). A interação étnica e cultural no
Brasil foi tão intensa que surgiram também cultos afro-indígenas, como os
candomblés de caboclo (Bahia), jurema (Paraíba e Pernambuco), barba-soeira
(Amazônia e Pará) e terecô (Maranhão), popularmente denominados de
catimbó, macumba e canjerê.
Os folguedos dos reis negros, também conhecidos como festas do rosário,
são manifestações culturais que demonstram a forte presença da cultura
africana no Brasil. Essas manifestações culturais têm origem nas irmandades
religiosas de escravizados, quando os irmãos em um ato de fé elegiam um
rei que era conhecido pelos membros da irmandade e tinha sua autoridade
validada inclusive pelos colonizadores, mostrando como a vida social durante
a escravidão era complexa. No Brasil, essas denominações mudaram, depen-
dendo do local de origem, entretanto guardam semelhanças entre si.
Lutas por posse e manutenção das terras, seja por comunidades tradicionais
indígenas ou comunidades remanescentes de quilombos, refletem a disputa
pelo acesso à terra no Brasil, que ficou restrito a pequenos grupos com capital
necessário e que herdaram a posse da terra dos antigos senhores da região.
Todas essas questões evidenciam a luta pela sobrevivência de negros e indí-
genas no Brasil de hoje.
16 Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea

Assim, a resistência de índios e negros não terminou; ela não ficou restrita
ao passado, mas continua viva, existindo no Brasil contemporâneo. Enquanto
houver uma sociedade racista, que busca eliminar os indivíduos que agem de
modo diferente da classe dominante, a luta antirracista é necessária.

As histórias em quadrinhos são uma forma de literatura que pode contribuir para
aproximar os alunos da cultura afro-brasileira. A seguir, confira uma seleção de obras.
 André Diniz: Chico Rei (2007) e O Quilombo Orum Aiê (2010)
 Marcelo D’Salete: Cumbe (2013) e Angola Janga (2016)
 Amaro Braga, Danielle Jaimes e Roberta Cirne: AfroHQ: História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana em Quadrinhos (2010)
 Alexandre Miranda Silva: Orixá: Do Orum ao Ayê (2011)

ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: ASSIS, M. Obra completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1881.
ASSIS, M. Pai contra mãe. In: ASSIS, M. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1888.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.
htm. Acesso em: 19 ago. 2019.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. (Artes de Fazer, v. 1).
CHARTIER, R. A história ou a leitura do tempo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
CHICANGANA-BAYONA, Y. A. Os Tupis e os Tapuias de Eckhout: O declínio da imagem
renascentista do índio. Varia História, Belo Horizonte, v. 24, n. 40, p. 591–612, 2008.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/vh/v24n40/16.pdf. Acesso em: 19 ago. 2019.
Culturas afro-brasileira e indígena na sociedade brasileira contemporânea 17

DIAS, G. Canção do Tamoio. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, [1852].


DIAS, G. I-Juca-Pirama. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1851.
DIAS, G. Marabá. [S. l.: s. n.], 1968.
GÂNDAVO, P. M. História da província Santa Cruz que vulgarmente chamamos Brasil.
Lisboa: Antônio Gonçalves, 1576.
GOMES, N. L. Diversidade étnico-racial: por um projeto educativo emancipatório. In:
FERREIRA, R. F. Afro-descendente: identidade em construção. São Paulo: EDUC, 2009.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: PNAD contínua. Mercado
de trabalho brasileiro: 4º trimestre de 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2018. Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/08933e7cc5
26e2f4c3b6a97cd58029a6.pdf. Acesso em: 20 ago. 2019.
LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007.
MACEDO, J. M. As vítimas-algozes: quadros da escravidão. [S. l.: s. n.], 1869.
SOUSA, F. M. N. Linguagens escolares e reprodução do preconceito. In: BRASIL. Minis-
tério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Ministério
da Educação, 2005. (Coleção Educação para Todos).

Leituras recomendadas
BENJAMIN, R. E. C. A África está em nós: história e cultura afro-brasileira. João Pessoa:
Grafset, 2004.
FAUSTO, C. Os índios antes do Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
FONSECA, M. V.; SILVA, C. M. N.; FERNANDES, A. B. (org.). Relações étnico-raciais e educação
no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011.
MUNANGA, K. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade
negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
NASCIMENTO, A. Democracia racial: mito ou realidade? 1977. Disponível em: https://
www.geledes.org.br/democracia-racial-mito-ou-realidade/. Acesso em: 19 ago. 2019.
PROUS, A. O Brasil antes dos brasileiros: a pré-história do nosso país. Rio de Janeiro:
Zahar, 2006.
Dica do Professor

As palavras têm poder, e é por meio da fala que se representa e se dá sentido ao mundo. Termos
adquirem conotações de acordo com o ambiente social no qual estão inseridos e os significados
simbólicos expressam visões de mundo e versões acerca do que é considerado certo, belo e
repetível em determinada sociedade, da mesma forma que o seu contrário.

Assista ao vídeo da Dica do Professor para compreender como o vocabulário brasileiro é


colonizado e conhecer o significado de palavras que são bem comuns no dia a dia, mas que têm um
significado negativo, devendo ser evitadas.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.
Exercícios

1) Gilberto Freyre foi um dos principais sociólogos brasileiros da geração de 1930. Em seu livro
Casa-Grande & Senzala, define a noção de "democracia racial", descrevendo as relações
construídas historicamente no Brasil, as quais deram origem a um povo mestiço. Analise as
alternativas a seguir e assinale a que define corretamente o pensamento de Gilberto Freyre
a respeito desse conceito:

A) Para Gilberto Freyre, a democracia racial é a garantia de acesso à democracia e aos direitos
políticos para toda a população, independente da cor de pele e da origem étnica ou social.

B) Descrições de inúmeras relações amorosas entre senhores e escravos – negros e indígenas,


que contribuíram para a miscigenação do Brasil, eliminando, assim, as diferenças étnicas e
anulando o racismo.

C) Nessa visão, as relações amorosas aumentariam a violência entre senhores brancos e


escravos negros, tornando o Brasil um país com forte presença de preconceito racial.

D) Indígenas, africanos e portugueses contribuíram de forma igual para a formação cultural do


Brasil, fenômeno denominado por Gilberto Freyre como democracia racial.

E) Reconhecimento da existência de racismo no Brasil, mas essa situação seria diminuída ao


longo do tempo, pois a miscigenação eliminaria totalmente as diferenças.

2) A literatura é uma forma de ficção que não tem como objetivo retratar a realidade,
entretanto, apesar dessa condição, serve como uma forma de compreender o imaginário de
determinada época ou sociedade. Autores brasileiros criaram representações sobre negros e
índios que expressam mais a visão e o entendimento dos primeiros do que necessariamente
a realidade deles. Sobre as formas como esses grupos aparecem nas obras literárias, assinale
a alternativa correta:

A) A população indígena foi abordada por autores como José de Alencar, Gonçalves de
Magalhães e Gonçalves Dias. Nesse tipo de literatura, valores como coragem, compaixão e
nobreza são relacionados aos indígenas tanto do passado como na época em que a obra foi
escrita.

B) Gonçalves Dias faz parte da poesia denominada indianista; é autor de obras como I-Juca-
Pirama e Canção do Tamoio e criou representações sobre os indígenas, nas quais valorizava o
caráter guerreiro desses povos, silenciando outras formas de manifestação cultural e
psicológica.

C) A escravidão foi constantemente denunciada na literatura nacional. Autores como Joaquim


Manuel de Macedo foram abolicionistas fervorosos e denunciaram os males que a escravidão
trazia para a sociedade, colocando-se ao lado dos escravizados.

D) Castro Alves, considerado o "escritor dos escravos", foi o responsável por denunciar as
condições desumanas do tráfico transatlântico de escravos em Navio Negreiro e também
publicou o romance Pai contra Mãe, no qual a violência da escravidão era amenizada.

E) Machado de Assis e Castro Alves refletem as formas como a literatura funcionou como
denúncia ao sistema escravista. O primeiro publicou Pai contra Mãe e o segundo, Navio
Negreiro, ambas as obras apresentam a violência do sistema escravista e como a população
escravizada é afetada diretamente pelo regime.

3) Buscando expressar critérios raciais de diferença entre os grupos humanos e, em certa


medida, uma justificativa para o processo de colonização e extermínio das populações
nativas da América, os europeus criaram dois modelos de explicação do comportamento da
população indígena, as noções de "bom selvagem" e "mau selvagem". Considere as
implicações presentes em tais aspectos e indique a resposta correta:

A) Não existia diferença entre "bom selvagem" e "mau selvagem", pois ambos refletiam
características reais da população indígena. O termo selvagem não mostra um juízo de valor,
fazendo referência apenas ao ambiente em que viviam, a selva.

B) A diferença existente entre os indivíduos correspondia, exclusivamente, à religião, pois os


nativos considerados "maus selvagens" eram aqueles que negavam os preceitos religiosos
presentes no cristianismo, como o batismo, a salvação pela fé e a crença em um messias.

C) Os "maus selvagens" foram os indígenas que adotaram os costumes dos europeus, como
roupas ocidentais e religião de base cristã, auxiliando na colonização europeia. Devido a essa
atitude, foram considerados como traidores por outras tribos, dando origem ao nome "mau
selvagem".

D) Os "bons selvagens" foram os indígenas que se mantiveram fiéis aos costumes nativos,
mantendo a sua tradição e enfrentando os invasores europeus. Por essa razão, o indivíduo
que se manteve fiel à sua tradição foi considerado um "bom selvagem".

E) Foi uma definição criada pelos europeus para explicar o posicionamento dos indígenas em
relação aos colonizadores europeus, em que o "bom selvagem" seria aquele que contribuiu
com a colonização, aceitando a cultura exterior, e o "mau selvagem" aquele que manteve a
sua prática tradicional, virando inimigo.

4) As Leis n.° 10.639/2003 e n.° 11.645/2008 criaram as bases para uma educação antirracista
no espaço escolar. Considerando o conteúdo dessas leis, qual alternativa se encaixa na
proposta educacional dessa legislação?

A) O conteúdo programático a que se referem as leis incluirá diversos aspectos da história e da


cultura que caracterizam a formação da população brasileira, enfatizando as contribuições
igualitárias de portugueses, indígenas e africanos na formação da sociedade nacional. O
enfoque do ensino deverá ser na cooperação pacífica e histórica entre esses grupos,
resgatando as suas contribuições nos campos social, político e econômico pertinentes à
história brasileira.

B) Os conteúdos referentes à história e à cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros


serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, com atividades exclusivas para os
componentes curriculares de educação artística, literatura e história brasileira. O enfoque do
ensino deverá ser no âmbito da produção literária e das artes, resgatando as contribuições
musicais, artísticas e literárias pertinentes à contribuição multicultural dos grupos sociais que
formaram o Brasil.

C) A Lei n.° 11.645/2008 é resultado de um longo processo histórico de lutas e demandas de


diversos movimentos sociais, especialmente o Movimento Negro, que por décadas buscou
inserir o estudo da história da África, dos africanos e dos seus descendentes no currículo
escolar brasileiro. A importância simbólica da Lei é ampliada na forma de marco legal, pois
essa alteração na legislação ocasionou também a substituição e a anulação do conteúdo da
antiga lei, a Lei n.° 10.639/2003.

D) No art. 26 A, fica estabelecido que "Nos estabelecimentos de ensino infantil, fundamental e


de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e da cultura
afro-brasileira e indígena", afirmando, assim, a importância de a educação antirracista ser
ministrada em todos os níveis da educação básica, preparando alunos ao longo da sua vida
escolar para lidarem com as diferenças e compreenderem a riqueza da formação étnica e
cultural em um país mestiço como o Brasil.

E) O conteúdo programático a que se referem essas leis incluirá diversos aspectos da história e
da cultura que caracterizam a formação da população brasileira a partir desses dois grupos
étnicos, tais como: o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos
povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na
formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política pertinentes à história do Brasil.
5) Considere o trecho a seguir:

"A língua de que usam, toda pela costa, é uma [...] Carece de três letras, convém a saber, não
se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não tem Fé, nem Lei,
nem Rei: e desta maneira vivem desordenadamente."

Qual alternativa melhor explicita o simbolismo empregado nessa obra?

A) Ao afirmar que os indígenas não tinham essas letras no seu vocabulário, fica evidente a visão
que os portugueses construíram sobre a organização social da população nativa,
possibilitando o reconhecimento deles como iguais.

B) O autor era um linguista e a sua contribuição foi de suma importância para a valorização da
cultura tupi dos povos indígenas, auxiliando os portugueses a melhor compreender a cultura
dos nativos e na conquista do território e posterior expulsão dos holandeses.

C) Ao afirmar que os indígenas não tinham essas letras no seu vocabulário, fica evidente a visão
que os portugueses construíram sobre a organização social da população nativa,
impossibilitando o reconhecimento deles como iguais.

D) Esse pensamento insere os portugueses na lógica do mercantilismo europeu e na percepção


dos nativos como grupos humanos que deveriam ser convertidos para a glória da Santa Igreja
durante a Reconquista.

E) Esse pensamento insere os portugueses na lógica da expansão ultramarina europeia e na


percepção dos nativos como grupos humanos prontos para receber as ordens do rei e as
palavras de Deus.
Na prática

As representações construídas socialmente sobre a população indígena no Brasil refletem dois


aspectos: um olhar romântico, que imagina que o índio vive no mato, e um segundo modelo
ideológico, no qual os índios são vistos como preguiçosos e atrasam o progresso. Essa visão,
difundida historicamente no país reflete a forma como essa população, que é tão variada e rica
culturalmente, é percebida pela sociedade.

Daniel Mundukuru, doutor em Educação e pós-doutor em Literatura, é um indígena que busca


desconstruir e questionar a imagem que o ocidente, dito civilizado, criou acerca das populações
nativas. Para ele, não existem índios no Brasil nem ele é um índio. Tal palavra e toda a construção
imagética e discursiva que está embutida nessa relação são elementos que reforçam visões
estereotipadas sobre as populações nativas e reduzem consideravelmente os aspectos culturais dos
mais de 300 povos nativos que habitam o Brasil.

Na Prática, você conhecerá um exemplo de como visões estereotipadas sobre a população indígena
estão incutidas no imaginário social do Brasil.
Aponte a câmera para o
código e acesse o link do
conteúdo ou clique no
código para acessar.
Saiba mais

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

Biografia de Carolina Maria de Jesus


Conheça a história de vida de Carolina Maria de Jesus, escritora negra, autora de Quarto de Despejo.
A obra, que vendeu 10 mil exemplares na primeira semana do seu lançamento, aborda o cotidiano e
os anseios de uma mulher negra na década de 1950 e reflete as desigualdades raciais no Brasil.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

Ecos da escravidão - caminhos da reportagem


Confira uma reportagem que faz referência aos 127 anos da abolição da escravidão. Nela, é
possível perceber as dificuldades enfrentadas pelos escravizados nos últimos anos que vingaram a
escravidão no Brasil.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

Índio é um apelido que nos impuseram e que nos afastou da


sociedade brasileira
O escritor indígena Daniel Mundukuru (doutor em Educação, USP) analisa os preconceitos
existentes em torno do termo "índio" e como essa denominação pode ser utilizada para criar
estereótipos sobre a população nativa do Brasil.
Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

Povo indígena Kaxinawá utiliza game para contar sua história


Em parceria com pesquisadores, artistas e desenvolvedores de jogos eletrônicos, o povo Kaxinawá
(Huni Kuin) produziu um game gratuito, no qual são abordados diversos aspectos da sua cultura
indígena, como cantos, história e mitos.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

Você também pode gostar

pFad - Phonifier reborn

Pfad - The Proxy pFad of © 2024 Garber Painting. All rights reserved.

Note: This service is not intended for secure transactions such as banking, social media, email, or purchasing. Use at your own risk. We assume no liability whatsoever for broken pages.


Alternative Proxies:

Alternative Proxy

pFad Proxy

pFad v3 Proxy

pFad v4 Proxy