Síndrome de Münchhausen por procuração
Síndrome de Münchhausen por procuração | |
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Especialidade | psiquiatria, psicologia |
Classificação e recursos externos | |
CID-10 | F68.12 |
CID-11 | 775605963 |
DiseasesDB | 33167 |
MedlinePlus | 001555 |
eMedicine | med/3544 ped/2742 |
MeSH | D016735 |
Leia o aviso médico |
A síndrome de Münchhausen por procuração (com sigla MSBP do nome em inglês Munchausen syndrome by proxy; SMPP, em português[1][2]) ou transtorno factício imposto a outro, uma variante da síndrome de Münchhausen, é uma doença mental que foi originalmente descrita em 1977 por Sir Roy Meadow, pediatra, que a definiu como sendo uma forma de abuso infantil onde seus cuidadores provocam de forma deliberada, ou informam falsamente, a existência de alguma doença em crianças como forma de chamarem a atenção para si mesmos.[3]
Segundo o psiquiatra Philip Resnick, em 85% dos casos a mãe é o perpetrador da violência contra a criança, e a taxa de mortalidade entre as vítimas é alto.[4] O padrão que apresentam em comum é ter o genitor que aparenta devotado aos cuidados do filho levando-o repetidamente ao médico para que seja tratado por uma doença misteriosa que ele ou ela não conseguem curar; as autoras Betty Alt e Sandra Alt, na obra "Wicked Women", dizem que é a mãe quem faz a criança doente, pois "alimentam a criança com veneno para induzir dor abdominal, agravam ou infectam feridas existentes, induzem apneia pela sufocação, ou torcem para quebrar os ossos"; em um caso registrado, a mãe injetara em seu filho matéria fecal: em resumo, ferem outro para atrair atenção para si.[4]
Embora considerado raro, é uma situação subvalorizada nas estatísticas.[5]
Descrição
[editar | editar código-fonte]Ocorre quando alguém próximo da criança, quase sempre a mãe (85 a 95%), de forma persistente ou intermitente, produz (fabrica, simula, inventa) de forma intencional sintomas na criança, fazendo que esta seja considerada doente, ou provocando ativamente a doença, colocando-o em risco e numa situação que requeira investigação e tratamento.[6]
Às vezes existe por parte da mãe o objetivo de obter alguma vantagem para ela, como por exemplo conseguir atenção do marido, ou como meio de se afastar de uma casa conturbada pela violência.[6]
Nas formas clássicas, entretanto, a atitude de simular/produzir a doença não tem nenhum objetivo lógico, parecendo ser uma necessidade intrínseca ou compulsiva de assumir o papel de doente (no em si mesmo) ou da pessoa que cuida de um doente (por procuração). O comportamento é considerado como compulsivo, no sentido de que a pessoa é incapaz de abster-se dele mesmo quando conhecedora ou advertida de seus riscos. Apesar de compulsivos, os atos são voluntários, conscientes, intencionais e premeditados. O comportamento que é voluntário seria utilizado para se conseguir um objetivo que é involuntário e compulsivo. A doença é considerada uma grave perturbação da personalidade, de tratamento difícil e prognóstico reservado. Estes atos são descritos nos tratados de psiquiatria como "distúrbios factícios".[6]
Além da forma clássica, em que uma ou mais doenças são simuladas, existem duas outras formas de Münchhausen por procuração: as formas toxicológicas e as por asfixia em que a criança é repetidamente intoxicada com alguma substância (medicamentos, plantas etc.) ou asfixiada até quase à morte.[6]
Segundo Deborah Shurman-Kauflin, as pessoas sob esse transtorno têm uma percepção de importância e auto-estima ao prejudicar uma criança e depois "salvando-a" ao levá-la para receber os cuidados médicos; contudo, se a criança melhorar elas ficam agitadas e se permanece doente, ficam calmas.[4]
Identificação e efeitos na criança
[editar | editar código-fonte]O diagnóstico da MSBP se faz por exclusão, e requer muitas vezes do médico um trabalho de detetive para identificar o histórico do agressor, donde ser bastante difícil; o fato de se exigir a eliminação de todas as demais hipóteses para diagnose por si só já demanda bastante tempo de observação, durante o qual os próprios profissionais de saúde acabam alimentando a falsa crença de que a criança é doentia, e esta acaba sendo submetida a exames desnecessários.[5]
A taxa de mortalidade infantil é calculada na ordem de 10%; as vítimas sobreviventes podem desenvolver a síndrome de Münchhausen para atrair a atenção parental e podem ter sequelas tais como: hiperatividade, crises ansiolíticas, sentimento de abandono e, finalmente, evasão escolar como consequência da baixa sociabilidade.[5]
Diagnóstico
[editar | editar código-fonte]As seguintes situações devem ser observadas para a identificação da síndrome:[5]
- Uma ou mais doenças que não respondem à terapia ou que apresentam uma evolução persistente, fora da normalidade e sem explicação para tal;
- Constatações de exames físicos ou de laboratório contrários ao histórico ou que sejam impossíveis para o caso, tanto física quanto clinicamente.
- Cuidador, em geral a mãe, com grande conhecimento médico e/ou com interesse exagerado nos casos médicos e no ambiente do hospital, sobretudo na sintomatologia de outros pacientes;
- Cuidador sempre atento e presente, chamando para si mesmo a atenção;
- Conduta pouco comum do cuidador diante da situação, ora aparentando bastante calma e confiança na equipe que atende o caso, ou então se revoltando com esta a cobrar maior atenção, segundas opiniões;
- Cuidador ser da área da saúde, ou manifesta interesse em sê-lo;
- Sintomas e sinais na criança desaparecem quando o cuidador está ausente;
- No caso de ser parental o cuidador, ausência e distanciamento do cônjuge com a situação da criança;
- Pai ou mãe que relatam graves acidentes durante o tratamento do filho e;
- Cuidador com grande carência de atenção e conforto.
Casos concretos
[editar | editar código-fonte]O registro de um caso na cidade portuguesa de Amarante demonstra como é difícil se identificar a ocorrência da MSBP: um menino recém-nascido de quatro dias apresentou um quadro de hemorragia digestiva alta (de origem no trato gastrointestinal superior); como a mãe apresentava ulceração mamária, imaginou-se que o sangue seria dela e, com a melhora, a criança teve alta; com um mês e um dia novo internamento com o mesmo quadro e foi realizada uma bateria de exames; dezenove dias após, volta ao hospital com os mesmos sintomas; aos dois meses de vida a coisa se repete, o mesmo ocorrendo aos dois meses e meio, aos cinco meses e meio, aos seis meses de idade mais uma, aos oito meses outra e aos nove meses e meio mais uma, sempre submetido a mais e mais exames (dentre os quais várias endoscopias) sem que a causa das hematemeses sejam detectadas; aos onze meses e no décimo episódio, finalmente, os médicos suspeitam que a mãe não estava revelando a verdade da situação familiar e convocam o pai (até ali sempre ausente) quando então se descobriu que a criança tinha dois irmãos mais velhos falecidos em circunstâncias obscuras e uma outra irmã que fora retirada do convívio da mãe e do padrasto (o pai da criança em estudo) por maus tratos; só então se diagnosticou a síndrome e as autoridades foram contactadas, revelando a demora médica em perceber a situação.[5] Contribuiu para isto a conduta da mãe, sempre humilde e cuidadosa, o que levou os facultativos a uma longa fase de diagnósticos excludentes.[5]
Em junho de 2015, nos Estados Unidos, “Dee Dee” Blanchard foi assassinada a pedido da filha Gypsy Rose, pelo namorado desta, Nicholas Godejohn; segundo se apurou o crime teria sido motivado por conta dos abusos que "Dee Dee" infringira à filha desde a infância, por alegadamente sofrer da síndrome de Münchhausen por procuração. Gypsy foi condenada a dez anos de prisão (pena mínima) por assassinato não premeditado, e Nicholas a prisão perpétua por assassinato em primeiro grau. O caso foi divulgado publicamente em 2016 através de um artigo publicado pela BuzzFeed.[7]
Em outubro de 2019 uma mãe estadunidense, Kelly Turner Gant, foi detida acusada da morte da filha Olivia de apenas quatro anos, após tê-la usado para obter doações e chamar a atenção, aparecendo em redes de televisão sob a alegação de que a menina tinha uma doença terminal que a deixaria com pouco tempo de vida, despertando assim a compaixão de todos; durante as investigações a polícia descobrira que a filha mais nova de Gant havia falecido pouco tempo antes e ela se apressou a contestar, mesmo sem que houvesse qualquer menção a respeito, que ela não sofria da síndrome.[8]
Referências
- ↑ Pires, Joelza M.A.; Molle, Lucas Dalle (1999). «Síndrome de Münchausen por procuração - relato de dois casos» (PDF). Jornal de Pediatria. Consultado em 25 de abril de 2020
- ↑ Gouveia, Rui (7 de dezembro de 2004). «Peste negra - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa». Consultado em 25 de abril de 2020
- ↑ David Batty (6 de dezembro de 2007). «Serial killer nurse Allitt must serve 30 years». The Guardian. Consultado em 3 de novembro de 2017. Cópia arquivada em 29 de agosto de 2013
- ↑ a b c Katherine Ramsland. «Beverley Allitt: Suffer the Children». TruTV (reproduzido em Tap a Talk). Consultado em 3 de novembro de 2017. Cópia arquivada em 3 de novembro de 2017
- ↑ a b c d e f Egas Moura; Maria José Oliveira; Margarida Guedes; António Machado (2000). «Caso clínico: síndrome de Münchhausen por procuração». Saúde Infantil (22-2) pp. 75-81. Consultado em 4 de novembro de 2017. Cópia arquivada em 4 de novembro de 2017
- ↑ a b c d Feldman, Marc (2004). Playing sick?: untangling the web of Munchausen syndrome, Munchausen by proxy, malingering & factitious disorder. Philadelphia: Brunner-Routledge. ISBN 0-415-94934-3.
- ↑ Gomes, Fernando (2 de maio de 2019). «A trágica história real da garota refém de doenças criadas pela própria mãe». MdeMulher. Consultado em 25 de abril de 2020
- ↑ Pablo Ximénez de Sandoval (24 de outubro de 2019). «Percorreu as TVs com a filha porque ela estava morrendo. Agora é acusada de assassiná-la». El País. Consultado em 25 de outubro de 2019. Cópia arquivada em 25 de outubro de 2019
Ver também
[editar | editar código-fonte]- Beverley Allitt, enfermeira britânica que assassinou quatro crianças e vitimou outras nove, diagnosticada com a síndrome "por procuração".