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Mercosul: fundamentos e perspectivas (1998)

1998, Mercosul: fundamentos e perspectivas

Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: Editora LTr, 1998, 160 p.; ISBN: 85-7322-548-3) Brasília, 23 março 2020, 143 p. Reformatação completa do livro para fins de livre acesso nas redes de intercâmbio acadêmico. Índice Prefácio 11 1. O MERCOSUL no contexto global 14 O que é o MERCOSUL? 14 O livre-comércio e o MERCOSUL 16 O MERCOSUL: um novo perfil internacional para a região 18 2. A integração econômica na Europa: etapas 21 O contexto econômico e político do pós-guerra 21 Na origem da integração europeia: o BENELUX 24 O projeto comunitário: da CECA ao Mercado Comum 25 Entre a abertura e o protecionismo 27 Do Mercado Comum ao Espaço Econômico Europeu 28 A “nova” União Europeia 31 O euro e seu impacto nas relações econômicas internacionais 36 3. A integração na América Latina: um longo processo 39 A integração em perspectiva histórica 39 Da ALALC à ALADI: ideal integracionista e prática protecionista 39 Uma nova realidade: a sub-regionalização da integração 42 4. A relação Brasil-Argentina: do conflito à cooperação 46 Antecedentes do MERCOSUL 46 Brasil-Argentina: do conflito à cooperação 47 O aprofundamento da integração 48 A Ata de Buenos Aires: aceleração do processo 49 5. O MERCOSUL na fase de transição 51 O Tratado de Assunção e a experiência integracionista anterior 51 Etapas da união aduaneira no MERCOSUL 52 O Protocolo de Ouro Preto e a Tarifa Externa Comum 55 6. Estrutura institucional do MERCOSUL 57 Os órgãos do MERCOSUL 57 Comparação com o modelo europeu 58 O sistema de solução de controvérsias 60 A questão da supranacionalidade 64 7. O futuro do MERCOSUL: dilemas e opções 68 Opções extremas: entre um mercado comum completo e a ALCA 70 Opções de Realpolitik: a grande estratégia do MERCOSUL 75 A agenda institucional do MERCOSUL: direito comunitário? 77 O futuro do MERCOSUL: a work in progress 81 8. Cronologia dos processos integracionistas no hemisfério 85 Origens e desenvolvimento da ideia integracionista 85 O processo Brasil-Argentina: o Mercado Comum do Sul 88 O MERCOSUL: etapas e desenvolvimento institucional 89 O processo de integração hemisférica: a ALCA 92 Desenvolvimentos recentes e agenda futura da integração 93 9. Documentos fundamentais 94 Tratado de Assunção (26/03/1991) 94 Protocolo de Ouro Preto (17/12/1994) 110 Protocolo de Brasília para a solução de controvérsias (17/12/1991) 122 Glossário 129 Bibliografia selecionada sobre o MERCOSUL e a integração 136 Biobibliografia do autor 140

Orelhas do livro 2 3 4 5 A Carmen Lícia, Pedro Paulo e Maíra, pela generosa compreensão demonstrada em relação às muitas ausências e repetidos “desvios acadêmicos” incorridos nestes anos... 6 7 8 Índice (desta edição reformatada) Prefácio 11 1. O MERCOSUL no contexto global O que é o MERCOSUL? O livre-comércio e o MERCOSUL O MERCOSUL: um novo perfil internacional para a região 14 14 16 18 2. A integração econômica na Europa: etapas O contexto econômico e político do pós-guerra Na origem da integração europeia: o BENELUX O projeto comunitário: da CECA ao Mercado Comum Entre a abertura e o protecionismo Do Mercado Comum ao Espaço Econômico Europeu A “nova” União Europeia O euro e seu impacto nas relações econômicas internacionais 21 21 24 25 27 28 31 36 3. A integração na América Latina: um longo processo A integração em perspectiva histórica Da ALALC à ALADI: ideal integracionista e prática protecionista Uma nova realidade: a sub-regionalização da integração 39 39 39 42 4. A relação Brasil-Argentina: do conflito à cooperação Antecedentes do MERCOSUL Brasil-Argentina: do conflito à cooperação O aprofundamento da integração A Ata de Buenos Aires: aceleração do processo 46 46 47 48 49 5. O MERCOSUL na fase de transição O Tratado de Assunção e a experiência integracionista anterior Etapas da união aduaneira no MERCOSUL O Protocolo de Ouro Preto e a Tarifa Externa Comum 51 51 52 55 6. Estrutura institucional do MERCOSUL Os órgãos do MERCOSUL Comparação com o modelo europeu O sistema de solução de controvérsias A questão da supranacionalidade 57 57 58 60 64 7. O futuro do MERCOSUL: dilemas e opções Opções extremas: entre um mercado comum completo e a ALCA Opções de Realpolitik: a grande estratégia do MERCOSUL A agenda institucional do MERCOSUL: direito comunitário? O futuro do MERCOSUL: a work in progress 68 70 75 77 81 9 8. Cronologia dos processos integracionistas no hemisfério Origens e desenvolvimento da ideia integracionista O processo Brasil-Argentina: o Mercado Comum do Sul O MERCOSUL: etapas e desenvolvimento institucional O processo de integração hemisférica: a ALCA Desenvolvimentos recentes e agenda futura da integração 85 85 88 89 92 93 9. Documentos fundamentais Tratado de Assunção (26/03/1991) Protocolo de Ouro Preto (17/12/1994) Protocolo de Brasília para a solução de controvérsias (17/12/1991) 94 94 110 122 Glossário Bibliografia selecionada sobre o MERCOSUL e a integração Biobibliografia do autor 129 136 140 10 Prefácio A presente obra visa, por um lado, fornecer uma visão panorâmica do processo de constituição do MERCOSUL, desde suas origens históricas, suas motivações políticas e seus desenvolvimentos econômicos na fase recente, e discutir, por outro, as questões principais colocadas para a implementação plena da união aduaneira, num contexto de intensificação dos debates em torno da constituição de uma área de livre comércio no continente americano (ALCA). A visão comparativa pode ser considerada como essencial à compreensão do próprio processo de integração sub-regional, razão pela qual, depois de curto capítulo introdutório, foi inserida uma análise relativamente densa sobre o itinerário histórico da integração européia, até aqui a experiência mais bem sucedida, em termos econômicos e sociais, de constituição de um espaço econômico integrado com base num projeto político bem delineado. São feitas, igualmente, constantes referências a outras experiências sub-regionais de integração ou de liberalização comercial, com ênfase para o NAFTA e a ALCA. O livro foi elaborado com base em minha experiência anterior como representante alterno do Brasil na Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), em Montevidéu, durante os anos de 1990 a 1992, como participante nas negociações de temas institucionais do MERCOSUL ¾ já no cargo de assistente executivo na Subsecretaria-Geral de Assuntos Econômicos e de Integração do Ministério das Relações Exteriores, no decorrer da fase de transição (1992-1993) ¾ e também a partir dos muitos trabalhos acadêmicos e de informação institucional que tive a oportunidade de redigir enquanto criador e primeiro editor do Boletim de Integração Latino-Americana do Itamaraty, bem como no papel de responsável pela implementação inicial de um Banco de Dados sobre o MERCOSUL. Durante todo esse período, e mesmo ulteriormente no exterior e atualmente de volta ao Brasil, tive a oportunidade de ministrar dezenas de palestras e de participar de muitos seminários sobre o MERCOSUL e a integração regional, continuando também a exercer ocasionalmente atividades didáticas nessa área e a escrever alguns artigos e mesmo um livro inteiro sobre essa vasta temática (vide bibliografia). Mais recentemente assumi o encargo de Editor do Boletim de Diplomacia Econômica, também do Ministério das Relações Exteriores, voltado para a apresentação dos documentos mais relevantes do processo hemisférico, que entrou agora em fase 11 negociadora de uma hipotética zona de livre comércio do Alasca à Terra do Fogo, a ser implementada, em caso de conclusão positiva, a partir de 2005. Por outro lado, como Editor Adjunto, desde 1993, da Revista Brasileira de Política Internacional, também tenho oportunidade de compulsar uma massa relevante de informações e análises sobre os mais diversos processos e eventos vinculados à agenda diplomática do Brasil, em especial na sua vertente econômica. Essa revista, verdadeira decana dos veículos brasileiros de relações internacionais e política externa (publicada ininterruptamente desde 1958), constitui uma verdadeira memória histórica sobre a inserção econômica internacional do Brasil, com ênfase nos processos de integração latino-americanos. Uma consulta aos sumários dos números publicados pode ser efetuada na seguinte página da Internet: http://www.geocities.com/Athens/Olympus/2980/. O trabalho se beneficia, portanto, não apenas de uma intensa vivência pessoal com o processo negociatório da integração, mas também do estudo constante dos problemas colocados pelo MERCOSUL para a inserção econômica internacional do Brasil, em geral, e para a política externa brasileira em particular. O anexo bibliográfico traz algumas referências a essas contribuições pessoais ao debate sobre o MERCOSUL, bem como a outros textos relevantes para o estudo da problemática geral da integração no Brasil. Cabe mencionar, por fim, que versão ligeiramente diferente deste mesmo texto ¾ pois que adaptada a um público não-brasileiro ¾ está sendo publicada simultaneamente em Paris (com circulação igualmente no Canadá) pela Editora L’Harmattan, sob o título de Le Mercosud: un marché commun pour l’Amérique du Sud, no seguimento de outra obra minha igualmente divulgada na França, ainda em 1995, chamada L’Intégration latino-américaine et le Mercosud. A despeito de suas dimensões relativamente modestas, quando comparado a gigantes como a União Européia e o NAFTA, deve ser enfatizado que o MERCOSUL é simplesmente o terceiro espaço econômico mundial e o primeiro entre os países em desenvolvimento. É importante, assim, que seu modo peculiar de integração, suas origens e desenvolvimento político e econômico, a par de suas características institucionais próprias, sejam amplamente conhecidos não apenas do público brasileiro, em particular o universitário e a comunidade empresarial, mas também em outros países e continentes. Esta obra tem precisamente estes objetivos de divulgação e de informação ¾ o que os franceses chamam justamente de haute vulgarisation ¾ , tanto mais relevantes na medida em que se trata de uma experiência contemporânea em fase de construção, pertencente, 12 portanto, ao terreno da histoire immédiate, mais do que ao da história passada. O MERCOSUL constitui aquilo que os anglo-saxões chamam de work in progress, um processo complexo do qual somos protagonistas e, de certa forma, agentes participantes. Paulo Roberto de Almeida Brasília, setembro de 1998 13 1. O MERCOSUL no contexto global O que é o MERCOSUL? O Mercado Comum do Sul, ou MERCOSUL, é um projeto integracionista que vem se desenvolvendo desde meados dos anos 80, a partir das primeiras tentativas de cooperação econômica entre o Brasil e a Argentina. Tendo assumido sua primeira conformação institucional em 1991, com o Tratado de Assunção, ele perseverou no processo de unificação dos mercados da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai durante a primeira metade dos anos 90, adotando em 1995, a partir do Protocolo de Ouro Preto, o formato de uma união aduaneira. Os êxitos econômicos do MERCOSUL, bem como a forte capacidade de atração política que ele passou a exercer em seu imediato entorno geográfico conduziram outros países da região a buscar formas de associação com os membros originais do esquema integracionista: assim, por meio de acordos de liberalização do comércio recíproco, Chile e Bolívia foram os primeiros vizinhos a terem feito do MERCOSUL a base de uma grande zona de livre-comércio no cone sul latino-americano. Se, como se espera, os demais países das vertentes andina e amazônica vierem agregar-se, até o final do século, a esse dinâmico empreendimento, estarão lançados os fundamentos de um vasto espaço econômico integrado no território da América do Sul. Entre 1991 e 1994, o MERCOSUL poderia ser descrito mais como um processo do que como um resultado: o próprio título do documento diplomático que o tinha lançado, o Tratado de Assunção — assinado em 26 de março de 1991 —, indica que se trata de um tratado “para a constituição de um mercado comum” entre os quatro membros originais, e não do tratado do “Mercado Comum do Sul”. Tal como definido no Artigo 1º desse instrumento, que permanece plenamente válido, o objetivo final a ser alcançado é a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países membros, através da eliminação de direitos alfandegários e de restrições não-tarifárias vigentes no comércio recíproco. Esse objetivo foi parcialmente alcançado durante aquela primeira fase de transição, restando a eliminação residual de alguns produtos sensíveis durante uma “segunda fase de transição”, de acabamento de sua zona de livre-comércio e de unificação de sua união aduaneira. O Protocolo de Ouro Preto — de 17 de dezembro de 1994 — confirma essa visão gradualista do processo de integração, ao reconhecer a importância dos avanços 14 alcançados durante a fase de transição (entre 1991 e 1994) e da implementação da união aduaneira como etapa para a construção de um mercado comum. O Protocolo não modifica os objetivos básicos que já tinham sido definidos no Tratado de Assunção: ele apenas adapta a estrutura institucional do Mercosul às mudanças ocorridas desde aquela época e lista os órgãos encarregados de administrar a união aduaneira em implementação. Em outros termos, o MERCOSUL pretendia ser, antes de mais nada, uma zona de livre-comércio, que é a primeira etapa das diferentes formas de integração entre dois ou mais países. Essa zona de livre-comércio, que significa a livre circulação de mercadorias nos territórios dos países-membros, está sendo complementada pelo estabelecimento de uma política comercial conjunta dos países membros em relação a terceiros países, o que implicou na definição de uma tarifa externa comum (TEC), conformando o que se denomina correntemente de união aduaneira, isto é, um grupo de países dotados de uma mesma estrutura tarifária em relação a terceiros países. Essa união aduaneira deve ser a conformação básica do MERCOSUL até princípios do século XXI, quando terá início, verdadeiramente, a construção do mercado comum, que representa o terceiro grau dos processos de integração. O aprofundamento eventual desse processo, através da definição de uma união econômica, tal como pretendida, por exemplo, pelos acordos de Maastricht (1992) da União Europeia (UE), fica reservada para uma etapa mais avançada da unificação dos espaços econômicos no Cone Sul. Pela dotação natural de recursos do Cone Sul latino-americano, pelas dimensões territoriais e demográficas dos países membros, pela sua relevância econômica e política regional e internacional e pela diversidade agrícola e industrial já alcançada pelas economias nacionais de seus constituintes, o MERCOSUL apresenta-se como um dos mais importantes blocos econômicos no mundo contemporâneo. Ele é seguramente o de maior peso relativo no conjunto dos países em desenvolvimento, muito embora possa parecer modesto no confronto com os demais blocos comerciais do mundo ocidental, como por exemplo o da União Europeia (UE) e o do Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA), que congrega os Estados Unidos, o Canadá e o México. Tanto a UE, que responde ao conceito mais elaborado de um mercado comum, quanto o NAFTA apresentam produtos globais de mais de 7 trilhões de dólares, com populações de mais de 370 milhões de pessoas em cada um dos blocos. O MERCOSUL, por sua vez, tem uma população conjunta de cerca de 200 milhões de habitantes e seu produto bruto global se situava, em 1998, abaixo de um trilhão de dólares. 15 Do ponto de vista institucional e político, o projeto integracionista do MERCOSUL se aproxima mais do modelo europeu da UE, isto é, tendencialmente comunitário, do que do norte-americano, exclusivamente livre-cambista. A despeito dessa vocação unificacionista nos planos político e econômico, o MERCOSUL evitou o “salto supranacional”, mantendo, tanto em sua primeira fase de transição como durante o processo em curso de acabamento de sua união aduaneira, um esquema essencialmente intergovernamental de tomada e implementação de decisões. O livre-comércio e o MERCOSUL O Tratado de Assunção tem como um de seus principais objetivos a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países membros, através, entre outros, da eliminação de direitos alfandegários e de restrições não-tarifárias à circulação de bens e serviços. Ou seja, o MERCOSUL é, antes de mais nada, uma zona de livre-comércio, que é o substrato comum de todos os processos de integração econômica. A essa zona de livre-comércio veio agregar, a partir de 1995, o estabelecimento gradativo de uma política comercial conjunta dos países membros em relação a terceiros países, mediante o estabelecimento de uma tarifa externa comum, chegando-se, portanto, à etapa da união aduaneira. Esta visa, segundo a meta original do Tratado de Assunção, a constituição de um mercado comum entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, base indispensável de projetos mais ambiciosos ao estilo europeu. Ainda que o esquema comunitário não tenha sido privilegiado no cone sul latinoamericano, em contraste com os primeiros esquemas europeus de integração — Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, de 1951, Tratado da Comunidade Econômica Europeia, de 1957 —, o objetivo do mercado comum permanece válido e legítimo do ponto de vista político, assim como economicamente factível nesta segunda fase de transição. Que ganhos econômicos ou que vantagens sociais os países membros podem esperar dessa zona de livre-comércio e dessa união aduaneira que são, em primeira instância, os objetivos imediatos do processo de constituição desse mercado comum? As respostas podem ser tanto teóricas quanto práticas. Os especialistas costumar apresentar os ganhos líquidos advindos de um processo de integração econômica simplificado, normalmente sob a forma de um mercado comum básico, da seguinte forma: 1) maior eficiência na produção, pela especialização crescente dos agentes econômicos segundo suas vantagens comparativas ou competitivas; 16 2) altos níveis de produção pelo maior aproveitamento das economias de escala permitidas pela ampliação de mercado; 3) uma melhor posição de barganha no plano internacional, em virtude das dimensões ampliadas da nova área, resultando em melhores termos de intercâmbio; 4) mudanças positivas (e obrigatórias) na eficiência econômica dos agentes em virtude de maior concorrência intra-setorial; 5) transformações tanto na qualidade quanto na quantidade dos fatores de produção por força de avanços tecnológicos. Se o grau de integração econômica passa da união aduaneira para o do mercado comum ampliado, fontes adicionais de ganho econômico são então possíveis, como as seguintes: 6) mobilidade de fatores através das fronteiras entre os países membros, permitindo uma alocação “ótima” de recursos; 7) coordenação de políticas monetárias e fiscais num sentido teoricamente mais racional, já que subordinadas a uma lógica impessoal e não à pressão de grupos setoriais ou correntes politicamente influentes em escala nacional; e 8) os objetivos do pleno emprego (ou quase), de taxas estáveis de crescimento econômico e de uma melhor distribuição da renda tornam-se metas comuns dos países membros do processo. Esses resultados positivos da integração econômica não são simplesmente teóricos, mas costumam efetivamente reproduzir-se na maior parte dos casos, ainda que na prática o objetivo do pleno emprego possa estar comprometido pela rigidez das normas trabalhistas nos mercados laborais, como o demonstra o exemplo europeu. Com efeito, os países da Europa ocidental lograram no pós-guerra inverter uma tendência aparentemente “irresistível” ao declínio econômico e político em escala mundial graças aos efeitos potencializadores que a unificação dos mercados na antiga Comunidade Econômica Europeia provocou nos sistemas econômicos nacionais e na própria capacidade de influência política dos países membros. Os resultados observados na UE coincidiram, grosso modo, com os efeitos programados pelos teóricos: à exceção do pleno emprego, ou melhor do desemprego estrutural — cujas raízes tem menos a ver com os problemas da integração do que com a grande rigidez estrutural nos mercados de trabalho europeus (inclusive com um excesso de proteção social setorizada) —, todos os demais ganhos esperados de um processo de integração foram razoavelmente cumpridos na Europa. 17 O MERCOSUL: um novo perfil internacional para a região A importância política e econômica do projeto integracionista no Cone Sul, não só para o Brasil, como também para os demais países membros e para o continente como um todo, está longe de ter sido adequadamente realçada, sobretudo num país de dimensões verdadeiramente continentais e com uma forte e persistente vocação para a autarquia econômica como o Brasil. Uma apreciação sumária do significado do MERCOSUL no contexto regional indicaria, antes de mais nada, que ele se converteu, sem dúvida alguma, num tema prioritário de política externa para os países do continente, introduzindo elementos inéditos nas relações internacionais da região como um todo. O projeto integracionista do MERCOSUL muda não só a geografia econômica da América do Sul, como a própria geopolítica da região. Com efeito, o Tratado de Assunção e o Protocolo de Ouro Preto representam a confirmação prática de que o ideal integracionista no Cone Sul latino-americano, longe de reiterar as frustrações amplamente conhecidas em projetos similares anteriores, pode converter-se em realidade, desde que observadas algumas simples regras de bom senso e pragmatismo. Esse processo de integração deixou de ser uma aposta sobre o futuro para tornar-se o eixo político e econômico mais importante das articulações recíprocas internas e externas dos quatro Estados signatários e dos demais países associados. O projeto MERCOSUL constitui, de fato, não só o tema singular de maior importância política nas relações externas dos quatro membros originais, como também, para todos os países participantes do esquema integracionista, uma área crescentemente prioritária nos processos respectivos de ajuste econômico e de modernização tecnológica. É no MERCOSUL que passa a estar concentrada grande parte dos interesses nacionais respectivos na atual fase de estabilização econômica e para onde devem confluir os esforços de modernização e de inserção internacional, com vistas a uma adaptação bem sucedida dos países membros e associados às atuais condições da nova ordem econômica mundial. Não é preciso alongar-se muito nas características essenciais dessa chamada nova ordem internacional — na verdade um sistema ainda em transição — com tendências dominantes conduzindo à internacionalização dos circuitos produtivos e à conformação de blocos regionais de comércio preferencial. O MERCOSUL não escapa a ambos os 18 fenômenos, globalização e regionalização, e é sob esse prisma que ele também deve ser encarado como um dos vetores essenciais da política econômica externa brasileira. Esse novo perfil das relações internacionais do Brasil coincide com o próprio significado político do MERCOSUL para a sociedade brasileira: o Tratado de Assunção foi acolhido unanimemente no Parlamento brasileiro, assim como pelo conjunto da opinião pública, inclusive os sindicatos de trabalhadores. Registre-se aliás, de positivo, o maior envolvimento, nos quatro países, de uma classe empresarial mais dinâmica e aberta (o que permitiu, entre outras medidas, uma reforma significativa no setor tarifário), o apoio da sociedade em geral para um projeto ousado de reforma do setor público e de modernização do Estado, bem como uma atitude de franca simpatia e de clara sustentação ao projeto integracionista por parte dos meios de comunicação de massa, dos acadêmicos e intelectuais e da opinião pública como um todo. No setor produtivo, em particular, se logrou superar o falso dilema que contrapunha a inserção competitiva de cada país no sistema econômico mundial aos progressos da integração na esfera regional. O MERCOSUL não é, por certo, uma varinha de condão que vai varrer, da noite para o dia, os problemas acumulados em décadas de crescimento orientado para dentro ou de intervencionismo paternalista. O processo de integração não vai resolver, por si só, todos os nossos dilemas de desenvolvimento. Ele é, isto sim, uma poderosa alavanca e um indutor do aperfeiçoamento das estruturas produtivas no âmbito empresarial, das condições de concorrência no nível macroeconômico e do grau de bem-estar do consumidor final. Ele também representa um reforço considerável no poder de barganha dos quatro países em escala mundial, de que já são testemunhos, por um lado, os acordos de cooperação firmados em 1991 e 1992, respectivamente com os Estados Unidos para tratar de questões de comércio e investimentos e com a antiga Comunidade Econômica Europeia para cooperação técnica entre a Comissão e as instituições do MERCOSUL, e, por outro, a continuidade do diálogo de alto nível empreendido com a União Europeia e que culminou com o acordo-quadro de cooperação inter-regional assinado em Madri em dezembro de 1995. Da mesma forma, a cooperação e a integração com os demais parceiros continentais, tanto no âmbito da ALADI como no hemisférico, deverá continuar com redobrado vigor, como demonstrado pelos acordos de associação comercial com o Chile e a Bolívia, antecipando a conformação das zonas de livre-comércio sul-americana e, finalmente, hemisférica. 19 Independentemente, porém, da perfeição dos mecanismos de integração econômica que se consiga implementar na região, o MERCOSUL pressupõe, antes de mais nada, o sistema democrático de governo, como amplamente demonstrado no próprio contexto sub-regional. Nesse sentido, ele deixa de ser um simples projeto interessando a ordem econômica ou um mero esquema essencialmente comercial, para ser uma obra em permanente construção e mutação, uma nova forma de organização política e social que deve mudar profundamente a vida dos povos desta região. 20 2. A integração econômica na Europa: etapas O contexto econômico e político do pós-guerra A situação econômica e social da Europa, ao cabo da Segunda Guerra Mundial, era bastante precária. Na mesma conjuntura histórica na qual se negociava o GATT-1947 e a Carta de Havana de 1948, os países europeus enfrentavam graves situações de penúria material e de desequilíbrios macroeconômicos fundamentais, que pareciam colocar em perigo a ordem liberal que os Estados Unidos tencionavam colocar em vigor nos países por eles liberados do jugo nazifascista. O espectro do comunismo rondava novamente a Europa, como tinha antecipado Marx exatamente um século antes. Dois problemas maiores se colocavam aos Estados Unidos e aos países ocidentais na difícil conjuntura que então se desenhava na Europa: o da situação de penúria absoluta e relativa em que viviam as populações dos países destruídos pela guerra e o da ameaça comunista representada pelo renovado vigor que as forças de esquerda e a própria URSS imprimiam aos movimentos de protesto social e econômico nesses países. A aliança da época da guerra se desfazia rapidamente: entre 1945 e 1947 os desentendimentos se aprofundaram, seja a propósito da reunificação da Alemanha dividida, seja em relação à implementação das decisões de Ialta nos países centroorientais (eleições livres, governos democraticamente eleitos, etc.). O “grande cisma” entre as democracias ocidentais e os países socialistas — segundo o título dado por Raymond Aron a um de seus livros dessa época — se desenvolve a despeito de uma vontade inicial de entente e de colaboração entre os parceiros da guerra, manifesta sobretudo na atitude conciliadora da França em relação à URSS e no desejo da primeira de, mais uma vez, diminuir economicamente e subordinar militarmente a Alemanha, inimiga principal desde 1871. Mas, apenas dois atores passaram a contar efetivamente no grande jogo mundial que então começava: os EUA e a URSS, com interesses e valores que se opunham de maneira radical, como escreveria George Kennan no “longo telegrama”. Do ponto de vista das relações internacionais, o relativo equilíbrio geopolítico existente até a Segunda Guerra foi substancialmente alterado pelos seus resultados. A bipolaridade russo-americana, anunciada um século antes por Tocqueville, estava finalmente convertendo-se em realidade, trazendo contudo pelo menos dois elementos historicamente inéditos em relação ao cenário imaginado pelo filósofo liberal francês: um 21 conflito ideológico global, impensável em termos da política de poder tradicional, bem como uma completa, e excepcional, dependência dos países europeus em face das potências ocupantes. A realidade da bipolaridade estrita apresenta-se, então, como um fenômeno novo no sistema internacional, já que nem os antigos impérios, nem o equilíbrio vestfaliano nascido com os modernos Estados-nacionais tinham conseguido reduzir de tal maneira os atores da Machtpolitik, para empregar um conceito caro a Raymond Aron. A reconstrução econômica do mundo do pós-guerra tentaria, é verdade, evitar os erros cometidos ao cabo da Primeira Grande Guerra, quando a humilhação política e o sistema de exações econômicas operadas contra a Alemanha acarretaram os germes da Segunda. As instituições monetária e financeira criadas em 1944 em Bretton Woods, uma outra voltada para o comércio que se desenhava em 1947-48 na conferência de Havana, bem como — e principalmente — o Plano Marshall representam, assim, importantes inovações conceituais e pragmáticas em relação aos esquemas puramente reivindicativos implementados depois de Versalhes. O Plano Marshall não fazia parte do planejamento econômico do pós-guerra, mas veio a ser implementado tanto por razões econômicas, como pela urgência política representada pela ameaça comunista em diversos países do continente europeu. Com efeito, seriamente preocupados com o quadro de caos social que se desenhava na Europa em princípios de 1947, os EUA decidem sustentar um plano de reconstrução econômica suscetível de complementar os esquemas de segurança política e militar em vias de estabelecimento. Uma nova concepção sobre a restauração econômica da Europa ocidental — inclusive da Alemanha ocupada, contra a vontade da França, que pretendia limitar o potencial industrial alemão — e sobre os esquemas militares suscetíveis de garantir a segurança desses países em face da ameaça soviética toma forma no primeiro semestre de 1947. A ajuda americana, no quadro do European Recovery Program, era oferecida ao conjunto da Europa, o que colocava de imediato o problema de sua unidade, ou pelo menos o da coordenação europeia. A Comissão Econômica para a Europa, da ONU (que incorporava igualmente a área sob influência soviética e que estava sendo instalada nesse mesmo momento), foi afastada da administração da ajuda, em favor de mecanismos institucionais regulando a coordenação da ajuda entre europeus ocidentais e norte-americanos. Depois de vários meses de tergiversações, ao abrigo de um Comitê de Cooperação Econômica Europeia, criado pela conferência de julho de 1947, o ato de nascimento da Organização Europeia 22 de Cooperação Econômica (OECE) foi assinado em Paris, em 16 de abril de 1948, vinculando 16 países europeus soberanos e dois territórios ocupados, a Alemanha ocidental e Trieste. Muitos pensaram descobrir na nova instituição um embrião de supranacionalidade. Raymond Aron, por exemplo, num de seus raros julgamentos políticos não confirmados pela História, via na OECE uma etapa da transferência a uma autoridade superiora de uma parte das soberanias nacionais europeias. Ela foi, de toda forma, a base sobre a qual se assentou o esforço de recuperação e o embrião dos esquemas ulteriores de cooperação e de integração econômica. De um ponto de vista político e diplomático, os resultados do Plano Marshall, bem como o movimento em prol da integração econômica europeia, possuem enorme significado histórico. A tendência à elevação de tarifas e ao protecionismo econômico depois da Primeira Guerra, sob iniciativa inclusive dos próprios Estados Unidos, tinha conduzido à grande depressão e a uma maior intensificação do nacionalismo econômico. A partir de Bretton Woods, essa tendência inverteu-se. Do ponto de vista prático, a sustentação do processo de liberalização econômica foi garantida pelo Plano Marshall: ele permitiu efetivamente uma progressiva liberalização do comércio entre os países da Europa ocidental e destes com o resto do mundo. A OECE teve um certo sucesso no estímulo ao intercâmbio regional, contribuindo positivamente para a recuperação dos níveis de comércio intraeuropeu e para a abolição das restrições quantitativas que vigoravam nas importações recíprocas dentro e fora da área. Ela impulsionou, ao mesmo tempo, os estudos pioneiros dos quais iriam resultar os primeiros projetos integracionistas na região, sob a forma de uniões aduaneiras e de mercado comum para certos produtos (carvão e aço, por exemplo). O processo de integração econômica, já testado nas experiências iniciais do Benelux (194447) e da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951), se desdobraria institucionalmente por meio do Tratado de Roma (1957), colocando as bases de um futuro mercado comum de bens, serviços e fatores produtivos. No final dos anos 50, a maior parte das restrições comerciais e cambiais estabelecidas no imediato pós-guerra tinha sido levantada, os níveis de comércio e de produção industrial tinham largamente superado os índices do pré-guerra e o Sistema Europeu de Pagamentos, regulado pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS) de Basiléia, podia abrir espaço à livre conversibilidade das moedas, por meio do Acordo Monetário Europeu, entrado em vigor em dezembro de 1958. 23 Na origem da integração europeia: o BENELUX Nos países da Europa ocidental, o projeto de reconstrução econômica então em curso permite que fosse levantada igualmente a questão da integração econômica. As bases para tal integração já existiam desde muito cedo, sobretudo entre os pequenos países: assim é que uma União Alfandegária foi constituída entre a Bélgica e o Luxemburgo desde 1922, à qual iriam agregar-se, no final da guerra, os Países Baixos. Em janeiro de 1948, pela Convenção BENELUX — firmada em Londres, em 5 de setembro de 1944 e completada pelo Protocolo de Haia, de 14 de março de 1947 — entrava em vigor uma União Aduaneira entre a Bélgica, o Luxemburgo e os Países Baixos. Esses países se propunham a criar um território econômico no qual nada se oporia à livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas, a eliminar qualquer discriminação entre produtos e produtores nacionais respectivos, a instaurar uma política econômica, financeira, fiscal e social coordenada, a instituir uma tarifa externa comum, a estabelecer uma política comercial e cambial comum em relação a terceiros países e a promover o bem-estar econômico e social de seus povos. No plano institucional, a implementação do BENELUX deveria ser obra de conferências ministeriais entre os três países, assim como de órgãos mistos econômicos e técnicos, com função puramente consultiva. Não havia, portanto, instituições comuns ou supranacionais, como seria o caso mais tarde da CECA e da CEE, e as decisões teriam de ser tomadas em negociações diretas entre os três governos. O órgão superior, responsável pelo cumprimento do Tratado, era o Comitê de Ministros, formado por pelo menos três representantes de cada Governo, cujas decisões deveriam ser unânimes. O BENELUX dispunha igualmente de uma Comissão Interparlamentar e de um Conselho Assessor Econômico e Social, ambos com caráter consultivo. Um Tribunal Arbitral, encarregado da solução de controvérsias vinculadas à aplicação do Tratado e seus instrumentos subordinados, completava a superestrutura administrativa do BENELUX. Em 1965, o Tribunal seria substituído pela Corte de Justiça do BENELUX, composto de nove juízes com a tarefa de assegurar também a equidade na interpretação de regras comuns de direito, dando-lhe, portanto, uma autoridade jurisdicional. Resultados positivos foram alcançados em pouco tempo — como o incremento do intercâmbio comercial intra-BENELUX — e, ao entrar na década de 60, os países membros consideravam cumprida grande parte da união econômica pretendida (eliminação da maior parte dos entraves ao livre fluxo de mercadorias, livre circulação de 24 pessoas e capitais). Assim, a despeito da não implementação de alguns de seus objetivos fundamentais, como por exemplo a coordenação de políticas macroeconômicas ou a eliminação de regulamentos nacionais restritivos, o BENELUX serviu de fundamento e modelo às experiências ulteriores de integração na Europa ocidental, entre elas a CECA e a CEE, nos quais aliás acabou por se fundir, em grande medida, o BENELUX, tendo em vista os objetivos mais ambiciosos do Mercado Comum Europeu (em matéria de política agrícola, por exemplo). O projeto comunitário: da CECA ao Mercado Comum Na Europa como um todo, o processo de integração foi marcado por momentos históricos de progressos rápidos, impulsionados por grandes projetos que mobilizaram a vontade nacional de algumas lideranças políticas em determinadas conjunturas. O cenário de destruição e de ameaças geopolíticas do imediato pós-guerra incitou aos primeiros esforços de coordenação e de vocação integracionista. Tentando encontrar uma solução aos problemas da reconstrução europeia nos anos do imediato pósguerra, um grupo de trabalho financiado pela “Carnegie Endowment for International Peace”, que operava paralelamente aos esforços de coordenação suscitados pelo Plano Marshall (OECE), fez figurar num relatório preliminar algumas dúvidas quanto ao caminho a ser seguido naquela oportunidade. As primeiras conclusões eram razoavelmente pessimistas: “Uma união aduaneira não poderia ser a panaceia para os males atuais da Europa e não seria razoável tentar fazê-la cumprir esse papel. Um estudo mais aprofundado mostraria talvez que ela poderia trazer uma contribuição efetiva à prosperidade futura da Europa, mas é preciso considerar que os ajustes iniciais acarretariam, no período imediato, sacrifícios consideráveis para as nações, as indústrias e os indivíduos, sacrifícios que teriam de ser aceitos de maneira resoluta”. Em todo caso, esses desafios foram aceitos e os progressos subsequentes foram rápidos e constantes: no espaço de três décadas, passou-se da coordenação dos recursos escassos para fins de reconstrução econômica no final dos anos 40, à partilha inovadora dos recursos do carvão e do aço entre a França e a Alemanha em princípios dos anos 50 consubstanciada no Tratado da CECA (1951), salto comunitário confirmado pelo Tratado de Roma de 1957, culminando na constituição de uma união aduaneira nos anos 60, então integrada pelos 6 países do núcleo original (os dois citados, os três do Benelux e a Itália). 25 Os países europeus que mais fizeram progressos no itinerário integracionista foram, indubitavelmente, os dois grandes, Alemanha e França, de onde tinham partido as três grandes guerras que devastaram o continente a partir de 1870. O modelo de cooperação interestatal por eles iniciado em finais dos anos 40 vai desdobrar-se rapidamente em projetos de integração que instituem o princípio da supranacionacionalidade, isto é, o abandono parcial da soberania absoluta dos Estados. Esse novo modelo, materializado sobretudo na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e na CEE, vai alterar profundamente o cenário político da integração e provocar movimentos similares em outras regiões, em especial na América Latina. Rompendo um princípio que remontava ao Tratado de Vestfália, nascem assim, as primeiras organizações de direito internacional que superam o sistema da soberania nacional, revolucionando os métodos e os resultados da cooperação europeia. Em 1950 é criada a Autoridade Internacional do Ruhr, dedicada à organização da produção carbonífera na Europa ocidental, seguida, no ano seguinte, pela Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, com seis países membros: os dois grandes, os três do BENELUX e a Itália. O Tratado da CECA, de 1951, introduz no direito a noção inédita de comunidade, que combina princípios do direito internacional com os do direito público interno, em vista de seus prolongamentos na ordem jurídica interna dos Estados membros. Pela natureza de seus mecanismos e modo de funcionamento, com uma “alta autoridade” de tipo supranacional, a CECA constitui já o próprio Mercado Comum em embrião, a ser implementado pelos Tratados de Roma de 1957, instituindo a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atômica (Euratom). Com efeito, segundo o Tratado da CECA, as decisões tomadas pelo seu órgão superior “são obrigatórias em todos os seus elementos” e são aplicáveis “pelo simples efeito de sua publicação”. Os tratados da CEE e do Euratom são ainda mais claros em seus mecanismos decisórios: o regulamento “é obrigatório em todos os seus elementos e ele é diretamente aplicável em todo Estado membro”, enquanto a decisão “é obrigatória em todos os seus elementos para os objetivos que ela designa”. À diferença do BENELUX, cujo processo de integração se fazia inteiramente pela via das negociações diretas entre os Estados Partes — sistema intergovernamental —, as instituições comunitárias europeias dispõem de um órgão executivo, com competências próprias e distintas dos governos dos países membros. 26 Entre a abertura e o protecionismo Um fator importante no que se refere ao papel do comércio na estruturação da macroestrutura política da ordem econômica internacional no pós-guerra seria dado pelo desenvolvimento do regionalismo comercial, em primeiro lugar na Europa ocidental, depois na América Latina. Os esquemas de zonas de livre comércio ou de união alfandegária, tal como impulsionados pelo regionalismo econômico, tendem a colocar em xeque o multilateralismo patrocinado pelo GATT e a suscitar o aparecimento de espaços particulares, regidos por regras especiais e discriminatórias. Na Europa, a contradição se estabeleceu entre os seis países continentais partidários de um mercado comum (e já congregados na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, estabelecida pelo Tratado de Paris de 1951) e alguns outros, liderados pelo Reino Unido, que pretendiam manter o caráter aberto do intercâmbio comercial. Esse processo explica aliás, em parte, a crise da OECE e sua evolução para a OCDE: as tentativas de conciliar o esquema fortemente protecionista da Comunidade Econômica Europeia com a prática de um regionalismo aberto — para usar um conceito contemporâneo —, tal como defendida por países que procuravam instituir uma zona paneuropeia de livre comércio, causaram fortes tensões na OECE em seus dois últimos anos de existência. Em última instância, os países comprometidos com o esquema de “regionalismo aberto” terminaram por se reagrupar, em 1960, na Associação Europeia de Livre Comércio (AELC/EFTA). A Associação Europeia de Livre Comércio, mais conhecida sob sua sigla inglesa EFTA, nasceu, assim, de um fracasso: o das negociações conduzidas na OECE para instituir uma mesma associação multilateral de comércio entre seus países membros e os que estavam formando a CEE em 1957. A Grã-Bretanha, por exemplo, pretendia “diluir” o mercado comum numa zona de livre-comércio, pois não concordava com os critérios franceses para a formação da tarifa externa comum. Em consequência, os seis países continentais da Europa ocidental seguem adiante com o Tratado de Roma e sete outros de sua periferia decidem instituir uma organização distinta de livre-comércio, pela Convenção de Estocolmo de 1960. Durante a fase mais ativa de sua existência independente, a EFTA tinha mais membros que a própria CEE, mas depois da retirada do Reino Unido, da Irlanda, da Dinamarca e de Portugal, ela passou a estar integrada basicamente por países da “periferia” comunitária: Áustria, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia, além da Suíça, todos eles, é verdade, historicamente muito ligados aos países da CEE. Na conformação do mercado unificado europeu, em 1993, a EFTA, que já possuía 27 inúmeros acordos de associação com as Comunidades, decidiu aceitar a proposta de instituir-se um único espaço econômico comercialmente integrado entre as duas entidades, chamado de EEE (Espaço Econômico Europeu). A entrada ulterior da Áustria, da Finlândia e da Suécia no espaço comunitário, em 1995, enfraqueceu ainda mais a EFTA enquanto entidade de coordenação de políticas comerciais. Curiosamente, as mesmas tendências observadas ainda hoje no continente europeu a propósito do itinerário futuro da União Europeia, em especial em torno dos debates sobre o conteúdo substantivo de seu mandato liberalizador no campo comercial, bem como a respeito de seu formato político-institucional, manifestavam-se então, em termos quase similares, entre os países membros da CECA e os demais da OECE: os Países Baixos e a Alemanha viam com simpatia as perspectivas comerciais da ampla zona de livre comércio, enquanto a França (que tinha aceito a muito custo o projeto da CEE no condicionamento estrito de uma política agrícola protecionista e de associação dos “países do ultramar”) não deixava de manifestar sua hostilidade; o Reino Unido, por sua vez, exigia que as regras de não-discriminação imperantes na OECE determinassem a extensão automática a todos os demais países das medidas de liberalização do intercâmbio que deveriam ser implementadas pela CEE a partir de janeiro de 1959. A negociação terminou em impasse, retirando da OECE (e de sua sucessora) condições “psicológicas” de mais tarde legislar sobre os diferentes aspectos da interface regionalismo-multilateralismo ou mesmo de controlar o desenvolvimento muito pouco liberal do processo de construção comunitária na Europa (de que é exemplo, entre outros, a extensão desmesurada e de certa forma irracional, em termos da estrita ortodoxia econômica da OCDE, da política agrícola europeia). Do Mercado Comum ao Espaço Econômico Europeu O Tratado de Roma de 1957 constituiu uma construção regional sistemática e progressiva de um conjunto de países relativamente uniformes do ponto de vista econômico e social, cujo funcionamento dependia desde o começo de instituições, senão supranacionais, pelo menos comuns e em todo caso “desnacionalizadas”: a Comissão, guardiã do Tratado e independente dos Governos, deveria velar, junto com a Corte de Justiça, pelo cumprimento das obrigações (que eram muito precisas em termos de desarme aduaneiro e de tarifa externa comum). A Comissão por sua vez remete projetos de diretivas, de regulamento ou de decisão ao Conselho, cujas decisões, durante a fase de transição para o mercado comum, também requeriam a unanimidade. Mas, as decisões e 28 regulamentos do Conselho tinham força de lei para os Estados membros, sendo diretamente aplicáveis nos territórios destes, ou, no caso das diretivas, necessitando de sua transposição na lei nacional. A eliminação dos entraves internos à livre circulação de bens nessa época permitiu o surgimento de políticas comuns nos setores agrícola, industrial e tecnológico a partir dos anos 70, a despeito do período de crise e de “estagflação” que se instalou com o choque do petróleo. A partir de seu núcleo inicial de 6 membros, o projeto integracionista europeu foi expandindo-se gradualmente, primeiro com o ingresso de países do norte da Europa (Dinamarca, Reino Unido e Irlanda, em 1973) e depois com os “primos pobres” do Mediterrâneo e Atlântico (Grécia, em 1982, Espanha e Portugal em 1986), até atingir 12 membros nos anos 80. O que era conhecido por “Mercado Comum Europeu” converteu-se em Comunidade Econômica Europeia, ou mais exatamente Comunidades Europeias (CE). No começo dos anos 80, depois de enfrentar duas crises do petróleo e vários sobressaltos cambiais e monetários, a Europa ocidental se encontrava entregue a uma onda de “Europessimismo”. Os países membros da CEE se debatiam entre altas taxas de inflação e o fenômeno aparentemente estrutural do desemprego, “desconstruindo” o mercado comum por uma série de novas barreiras técnicas ao comércio. De fato, a construção europeia enfrentava uma certa paralisia, depois da adesão da Grã-Bretanha, da Dinamarca e da Irlanda em princípios dos anos 70, situação provocada em parte pelos choques energéticos dos anos 70, mas também pelo recrudescimento de barreiras internas à conformação de um espaço econômico integrado na Europa. A decisão de se instituir um Conselho Europeu — reunindo regularmente os chefes de Estado e de Governo dos “Seis”, depois dos “Nove”, mais adiante dos “Doze” — e a opção pela instituição, em 1979, de um Parlamento eleito diretamente por meio do sufrágio universal — e não mais constituído a partir dos parlamentos nacionais — foram provavelmente decisivas para o renascimento do projeto europeu, e com ele o reforço subsequente do papel internacional da Europa. O retorno à democracia de três países da Europa meridional e o desejo dos países membros de ancorá-los nesse regime sustentam a decisão, mais de natureza política do que propriamente econômica, de aceitar nas Comunidades Europeias a Grécia (em 1981) e Portugal e Espanha (em 1985), reforçando com isso, ainda mais, a projeção internacional da Europa Ocidental. A partir daí, a região entra num período de afirmado “euro-otimismo”, quando não de verdadeira “euroeuforia”, com a retomada do ritmo de crescimento e o estabelecimento das bases de 29 grande mercado unificado previsto para 1993. A Comissão de Bruxelas, que passou a ser liderada pelo francês Jacques Delors, impulsiona a partir de 1985 uma série de iniciativas tendentes a fazer renascer o combalido espírito comunitário, todas elas apontando para a unificação final do mercado interno: identificação e sugestão de contramedidas para eliminar mais de 3 centenas de barreiras anti-integracionistas, publicação de estudos sobre “os custos da não-Europa”, mobilização da vontade política de uma nova geração de políticos menos nacionalistas que seus predecessores e, sobretudo, fixação de prazos para o cumprimento de uma vasta gama de medidas a serem implementadas pelos Estados membros (Portugal e Espanha estavam então em fase de adesão). Estava nascendo a mística da “Europa 93”. Todo esse conjunto de iniciativas foi formalizado num novo instrumento diplomático, o Ato Único de 1986, na verdade uma proclamação de objetivos integracionistas mais afirmados, seguida de uma série de modificações aos tratados constitutivos das Comunidades Europeias (CECA, CEE, Euratom) e de adições ao Tratado de Roma, no sentido de aumentar a cooperação nas áreas econômica, monetária e política. Foram ainda reforçados os capítulos sobre política científica e tecnológica e meio ambiente, dando uma impulsão a políticas ativas nos mais diferentes segmentos industriais e de pesquisa. O Ato Único de 1986 modificou o Tratado de Roma, dando mais poderes às instituições comunitárias e reforçando a construção do mercado único sem fronteiras internas com o estabelecimento de uma data-alvo: 1992. Os objetivos da união aduaneira e do estabelecimento de uma política comercial comum foram cumpridos de modo relativamente rápido, o que permitiu avançar igualmente na definição de uma política agrícola comum, foco de um arsenal de medidas regulatórias, protecionistas e claramente distorcivas dos mercados, inclusive a nível internacional. Mas, ao mesmo tempo em que, sob o signo do “Euro-otimismo”, a Europa se unia e promovia políticas de modernização e de ampliação de seus mercados internos, os riscos de marginalização aumentavam proporcionalmente para os parceiros — ou competidores — externos. Começou a se falar igualmente em “fortaleza Europa”. De fato, as políticas agrícola e industrial da então CEE começam a apresentar um profundo impacto para o comércio de países em desenvolvimento como o Brasil, incapazes de subsidiar pesadamente a produção e a exportação primária ou de superar as barreiras “técnicas” que começam a ser erigidas ao comércio de manufaturados. A obsessão regulamentadora da Comissão de Bruxelas começa a afetar de forma crescente (e 30 preocupante) diversos setores do comércio exterior da Comunidade, numa clara derrogação ao espírito, senão à letra, das regras do GATT. Ainda assim, desde os anos 70 a CEE tornou-se o principal parceiro brasileiro, com cerca de 30% das trocas externas do País: mas, é também a região onde é menor o dinamismo e a composição tecnológica de nossas exportações, a despeito mesmo de um intenso fluxo de capitais entre as duas regiões, geralmente sob a forma de investimentos produtivos e empréstimos bancários. A importância da CEE nos fluxos econômicos globais de bens, serviços, capitais e tecnologia converteram-na, de todo modo, no parceiro obrigatório de todas as economias do planeta, a começar pelos Estados Unidos e Japão. Mas, o comércio interno, isto é, intracomunitário, é ainda mais importante no conjunto das trocas europeias, com um impacto crescente para as economias nacionais dos Estados membros. No plano externo, os principais parceiros eram, evidentemente, os países da EFTA, o que justificou a implementação do Espaço Econômico Europeu, o mais poderoso bloco de comércio em escala mundial. A eles vieram agregar-se, no final do socialismo e da transição para o capitalismo, os países da Mitteleuropa, as novas economias emergentes da Europa central e oriental. Coroando essa crescente interdependência ativa, os países membros se comprometeram com etapas ainda mais avançadas de integração e de união econômica e política, notadamente através do Tratado da União Europeia, que faz parte dos chamados acordos de Maastricht de 1992. Tanto o Ato Único de 1986 como os acordos de Maastricht exerceram um fascínio quase que irresistível sobre os primos distantes da América Latina que, abandonando décadas de letargia protecionista, decidiram igualmente revigorar seus projetos integracionistas. A “nova” União Europeia O Tratado de Maastricht, assinado em 7 de fevereiro de 1992 e entrado em vigor no dia 1° de novembro de 1993, após peripécias em diversos países — difícil passagem referendária na Dinamarca e na França, longos debates de procedimento no “eurocético” Parlamento britânico, limitações de jurisdição ditados pela Corte Constitucional de Karlsruhe —, trouxe um compromisso complexo entre vocação “federal” e realidades nacionais europeias. Ele introduziu também o mais ambicioso projeto da nova União Europeia, a união monetária, cuja implementação deve ser feita entre 1999 e 2002, com a circulação plena de um novo padrão monetário: o euro, com tendências a desafiar a hegemonia do dólar no médio prazo. 31 A União Europeia é definida pelo Tratado de Maastricht como um “quadro institucional único”, mas essa união não possui uma personalidade jurídica, ao mesmo título que, anteriormente, as Comunidades Europeias. O Conselho Europeu, ou seja, a instância intergovernamental onde se encontram os representantes supremos das legitimidades nacionais, continua a ser o governo político da União. Essa realidade é o resultado de uma contradição nunca resolvida, praticamente desde o início do processo de integração, entre as impulsões supranacionais de alguns de seus ideólogos e promotores e as realidades mais prosaicas da afirmação das soberanias nacionais promovida por políticos e burocratas dos países membros. Com efeito, o debate sobre a estrutura do tratado de Maastricht mergulha suas raízes no passado da integração europeia, caracterizada pela oposição sempre renovada entre os partidários de uma abordagem comunitária ou até mesmo supranacional e os partidários de uma abordagem intergovernamental. Ele traduz concepções diferentes da União Europeia e se abre, em consequência, a controvérsias filosóficas e ideológicas. A nova Comissão Europeia é constituída por 20 comissários, tendo sido acrescentadas 3 novas línguas nacionais às 9 existentes (12 no total, do que resulta um impressionante número potencial de 110 traduções ou interpretações cruzadas). O mecanismo decisório é do tipo misto, com uma ponderação exercida nos conselhos ministeriais a partir de uma maioria qualificada de 62 votos sobre um total de 87. Os grandes países detêm 10 votos cada um (Alemanha, França, Reino Unido e Itália), reduzindo-se o número progressivamente (Espanha 8 votos, por exemplo; Bélgica, Países-Baixos, Portugal e Grécia, com 5 cada; Dinamarca e Irlanda com 3) até o minúsculo Luxemburgo com 2 votos. Os novos membros detêm, respectivamente, 4 votos cada um, no caso da Suécia e da Áustria, e 3 votos a Finlândia. A minoria de bloqueio passou de 23 a 26 votos, mas, sob insistência do Reino Unido e da Espanha, um compromisso deve ser encontrado quando mais de 23 votos contrários são reunidos contra um projeto. O Parlamento da nova UE a 15 compõe-se de 626 deputados eleitos diretamente, sendo que a maioria absoluta está fixada em 314 votos. Os socialistas conformam o grupo parlamentar majoritário, com 198 deputados, seguidos pelos democratas-cristãos, com 173 deputados, e pelos liberais, com 53 representantes. Pelo Tratado de Maastricht, o Parlamento ganhou novos poderes em matéria de apreciação legislativa e de controle do orçamento. A União Europeia em seu atual formato de 15 membros, tal como conformada 32 pela adesão da Áustria, da Suécia e da Finlândia em 1° de janeiro de 1995, apresenta-se como o primeiro bloco comercial do mundo pelo volume de seu intercâmbio global. Trata-se também de um importante conjunto demográfico, com uma população de aproximadamente 375 milhões de pessoas (terceiro “território” em população, depois da China e da Índia) apresentando-se como segundo bloco econômico depois do NAFTA (que comporta 370 milhões de habitantes). Cerca de 10 milhões dos habitantes da UE são estrangeiros (3% do total), sendo a região, como no caso dos Estados Unidos, importante foco de atração de imigrantes legais e ilegais. Em termos de produto global, com um PIB de mais de 7 trilhões de dólares, a nova UE superou o NAFTA. Sua renda per capita, assegura um alto padrão de consumo e a manutenção de alguns custosos programas comunitários de sustentação regional, de reconversão econômica e de incentivo a atividades setoriais. A “política agrícola comum”, por exemplo, consome praticamente a metade de um orçamento global de aproximadamente 120 bilhões de dólares. Os estados membros contribuem à razão de 1,21% de seus respectivos PIBs nacionais para o orçamento comunitário, sendo que os Estados ricos são contribuintes líquidos (como a Alemanha e os países do norte em geral, com exceção da Finlândia) e outros recipiendários dos programas regionais de desenvolvimento (países do Sul, mas também regiões atrasadas e zonas em fase de reconversão econômica). Os próximos desafios da União Europeia são bastante complexos, uma vez que ela deve implementar a moeda única, absorver os novos candidatos a adesão — diversos ex-socialistas da Mitteleuropa — e proceder à reforma da onerosa política agrícola comum, tanto por exigências dessa ampliação como em consequência de novas negociações no âmbito do GATT-OMC. Observa-se, por exemplo, uma tensão política entre os principais países membros em torno dos objetivos do aprofundamento da UE (isto é, avanços para a União econômica e monetária) e do alargamento aos novos candidatos a Leste e ao Sul. Esse dilema é visível também na opção entre a construção de uma Europa política e social, como gostariam os membros continentais, ou a simples constituição de um espaço livre-cambista, como parece preferir o Reino Unido. Em todo caso, os desafios que se colocam aos dirigentes políticos europeus, em princípios do século XXI, são comparáveis talvez aos que se colocavam aos founding fathers do sistema integracionista que se ensaiava em princípios dos anos 1950. Os problemas de desenvolvimento do processo de integração na União Europeia poderiam ser considerados como típicos daqueles estados de transição que os cientistas “kuhnianos” 33 chamariam de “rupturas de paradigma”. Trata-se de uma fase de adaptação a situações inéditas, aparentemente superável com alguma dose de imaginação jurídica e várias doses de vontade política, à condição, evidentemente, que os interesses sociais e econômicos dos países membros sejam coincidentes. Os problemas do “federalismo” e do “centralismo” do processo decisório numa União Europeia em abertura para os novos candidatos da Mitteleuropa ocupam o essencial dos debates institucionais. O núcleo de debate concentra-se no sistema de tomada de decisões que deve ser aplicada à “nova” Europa de Maastricht, ou seja, entrada em sua fase de união monetária (à qual, finalmente, a maioria dos países membros se qualificou) e preparando-se para o reforço de sua vocação política. Esse debate não é novo e foi colocado desde os anos 60 quando o aprofundamento da união aduaneira introduziu os primeiros conflitos de interesse entre os seis países membros e com eles a ameaça do bloqueio do processo decisório. Cabe, com efeito, lembrar que a experiência das Comunidades Europeias, com diversas instâncias e sistemas decisórios, ofereceu, no terreno institucional, um laboratório avançado sobre o funcionamento dos vários mecanismos possíveis de tomada de decisão numa estrutura comunitária. Mas, não se deve tampouco esquecer que a experiência histórica da primeira fase do Mercado Comum Europeu demonstrou a existência de problemas no sistema decisório quando prevalecia o critério da unanimidade, o que retardou consideravelmente os processos de conformação do mercado interno e de afirmação do poder comunitário até a assinatura do Ato Único de 1986. Essas tensões políticas entre pretensões comunitárias e limites intergovernamentais manifestaram-se ao longo de todo o período e ainda hoje marcam a natureza contraditória dos arranjos de Maastricht. Quais são, finalmente, as características estruturais do modelo comunitário de integração do tipo proposto pela União Europeia? Elas estão definidas pela presença de instituições independentes dos Estados membros (Comissão, Parlamento, Corte de Justiça), dotadas de métodos supranacionais (direito de iniciativa dado à Comissão e, agora também, ao Parlamento Europeu, possibilidade do Conselho votar segundo o princípio majoritário, ou seja, superando eventuais oposições de Estados individuais), um sistema próprio de recursos e a transferência de certas competências à Comunidade. O Conselho de Ministros, integrado por representantes dos governos dos Estados membros, exerce em relação às competências comunitárias um poder de decisão separado dos Estados membros e vinculando diretamente os indivíduos e as empresas e agentes 34 econômicos. Esse esquema comunitário e supranacional de construção política e econômica vem enfrentando algumas resistências na fase atual do processo europeu, em virtude dos problemas econômicos e políticos já mencionados. A própria ideia da supranacionalidade tem gerado adversários em países tradicionalmente “integracionistas” como a França, o que é de certa forma natural em vista da compreensível resistência dos Estados nacionais em ceder soberania. A experiência histórica da Europa, tanto do Benelux quanto das Comunidades Europeias confirma que uma das tarefas mais difíceis da construção integracionista é a atribuição de poderes supranacionais a órgãos de constituição e funcionamento em regime propriamente comunitário. Na Europa essa tarefa foi facilitada pela percepção de um destino conjunto em face de uma ameaça comum — real ou ilusória, não importa aqui — representada pela União Soviética. Mas, a mesma experiência europeia indica também que a existência de uma Corte politicamente independente e soberana em suas decisões é também uma segura garantia de uma construção comunitária uniforme, por cima dos óbices colocados pelos Estados Partes. De certa forma, os princípios constitucionais legais da Comunidade são basicamente encontrados nos julgamentos da Corte, e não no Tratado de Roma. Foi a Corte de Luxemburgo que assegurou na prática a existência de uma Europa sem fronteiras, ao eliminar muitos dos entraves colocados pelos Estados membros ao pleno funcionamento do mercado único. Na fase atual, o Parlamento Europeu será provavelmente chamado a desempenhar um papel relevante na formulação de ideias e sugestões para a solução dos problemas institucionais. Cabe finalmente referir-se, ainda que rapidamente, aos problemas de construção da Europa política, já objeto de decisões de Maastricht em matéria de política exterior e de segurança comum (PESC). A União da Europa Ocidental, sem praticamente nenhuma função durante o auge da guerra fria e a preeminência exclusiva da OTAN, foi definida como o “pilar europeu da Aliança Atlântica” e o “braço armado da União Europeia”. A União da Europa Ocidental — esquema de coordenação e de cooperação militar surgida no limiar da Guerra Fria — poderia eventualmente servir de estrutura de transição para a integração política e militar dos ex-socialistas aos esquemas de segurança da Europa ocidental. Mesmo nessa hipótese, os progressos deverão ser muito lentos, em virtude de indefinições persistentes entre os grandes parceiros da UE (França, Reino Unido e Alemanha) e os Estados Unidos, patrão inconteste da OTAN, quanto aos vetores (nuclear, convencional), composição e doutrina militar de um corpo europeu de defesa. Dessa forma, o surgimento e pleno funcionamento de uma “Europa política”, dotada de 35 estruturas comuns e de uma mesma vontade em matéria de política externa e de segurança, afigura-se como uma tarefa distante da atual agenda comunitária. O euro e seu impacto nas relações econômicas internacionais Se no terreno político e militar, o processo de integração europeia deve ainda marcar alguns percalços, na área monetária as perspectivas parecem ser mais otimistas. Com efeito, a introdução do euro como meio circulante europeu, a partir de 2002, representará, para a Europa continental, a conformação definitiva do mercado unificado prometido pelo Ato Único de 1986 e pelos acordos de Maastricht sobre a união monetária. A nova moeda terá efeitos diversos, de grande amplitude econômica, nas áreas de comércio de bens e serviços, de fluxos de investimentos (de risco e de portfólio), dos mercados financeiros (isto é, empréstimos e créditos), das reservas em divisas dos países extra-europeus e, também, no âmbito do sistema monetário internacional, o que está evidentemente vinculado ao poder econômico da União Europeia. Do ponto de vista do comércio internacional, por exemplo, o euro vai significar uma redução substancial dos custos em transações correntes, pois que a unificação efetiva do mercado representará maior fluidez das correntes existentes e potenciais de comércio, facilitando o rápido transbordo de mercadorias em todos os países aderentes ao euro e nos que o utilizarem como moeda de referência (toda a Mitteleuropa, as zonas bálticas e mediterrâneas e mesmo escandinavas e britânicas). O comércio será apenas e simplesmente comércio, e não mais custosas operações de câmbio e perdas significativas em comissões para os operadores de câmbio. No que se refere aos fluxos de investimento direto, os efeitos serão ainda mais impressionantes, pois que não apenas as empresas e os bancos europeus se fortalecerão nos mercados globais, como disporão de maior volume de recursos — aritmética da soma das poupanças nacionais e das pequenas sobras marginais, antes atomizadas em mercados segmentados — para aplicações de risco nas economias intra- e extra-europeias. A Europa liberará enormes somas de dinheiro, numa única denominação, retomando a posição privilegiada que ela tinha no século XIX como principal exportador líquido de capitais para os países emergentes. Do ponto de vista dos mercados financeiros, os mesmos efeitos acima descritos potencializarão o papel histórico que ela tinha no século XIX como world’s banker, pois que uma fonte uniforme de créditos produzirá muito maior volume de recursos do que a soma dos mercados financeiros nacionais. Os custos de captação serão 36 sensivelmente reduzidos, bem como, no caso dos empréstimos syndicated, os encargos adicionais derivados da mobilização de diferentes denominações, que simplesmente desaparecerão. A concorrência da oferta atuará também para reduzir taxas de juros e eventualmente até os prêmios de risco. Muitos países não-europeus também encontrarão vantagens financeiras e de simples contabilidade em converter uma parte de suas atuais reservas em dólar em euro — grosso modo o equivalente, em proporção, dos valores do intercâmbio com a zona euro —, uma moeda mais estável que o dólar e supostamente menos suscetível de sofrer ataques especulativos, pois que sustentada por um banco central autônomo e independente, comprometido unicamente com sua estabilidade e seu poder de compra, sem a obrigação de responder a autoridades monetárias nacionais, mais sensíveis às questões sociais ou dotadas de maior permissividade orçamentária. A contrapartida é a menor rentabilidade ou a própria heterogeneidade contábil das reservas — algo como sair do padrão-ouro da belle époque para o bimetalismo pré1871 —, mas esse tipo de desconforto é menos nocivo do que a instabilidade cambial. A maior parte dos países da periferia, entre eles o Brasil, operou em libras esterlinas desde princípios do século XIX até a primeira metade do século XX, adotando a partir de então o dólar; eles provavelmente passarão a trabalhar em euro numa proporção crescente, a partir da consolidação dessa moeda já na primeira década do século XXI. Finalmente — e aqui entra um elemento de diplomacia financeira consubstanciado na contestação europeia à hegemonia do dólar —, o euro será talvez a grande chance de realizar, no século XXI, a grande reforma do sistema financeiro internacional que se requer desde o desmantelamento dos esquemas de Bretton Woods em 1971. Com efeito, não apenas se terá de rever a composição do SDR/DES — hoje baseado num coquetel das cinco principais moedas, das quais duas, e talvez três, desaparecerão —, como as novas paridades implicarão igualmente numa redefinição política do poder intrínseco a elas associado no board das instituições de Bretton Woods, em especial no FMI. A despeito do conservadorismo habitual da representação política de muito dos países europeus nessas instituições — alguns super-representados, tendo em vista suas atuais dimensões econômicas, quando comparados a vários emergentes, entre eles o Brasil — é provável que a unificação do poder monetário na UE — com a assunção, pelo Banco Central Europeu de um mandato amplo de representação europeia nas instituições financeiras internacionais — provoque essa mudança há muito desejada por muitos países 37 emergentes. Trata-se, porém, de um capítulo ainda mais complicado que o próprio acabamento da integração europeia. 38 3. A integração na América Latina: um longo processo A integração em perspectiva histórica Desde sua constituição, em 1948, a Comissão Econômica da ONU para a América Latina (CEPAL) defendeu a ideia da integração regional, mediante o projeto de uma união aduaneira e o de uma união de pagamentos na América Latina. A CEPAL promove, nos anos 50, o conceito de cooperação regional baseado num sistema de preferências comerciais como meio para acelerar o desenvolvimento econômico. Ela também preconiza um mecanismo poupador de divisas estrangeiras, similar ao que tinha então curso na Europa, através da União Europeia de Pagamentos. Em 1958, a CEPAL auspicia a Primeira Reunião de Consulta sobre Política Comercial no Sul do Continente, organizada em Santiago, quando representantes da Argentina, do Brasil, do Chile e do Uruguai concluem que, “sem prejuízo dos estudos que já vinham sendo efetuados referentes ao Mercado Comum Latino-americano”, seria conveniente que os governos dos quatro países adotassem, “simultaneamente e no mais breve prazo possível, uma política de liberação progressiva de seu comércio recíproco”. Em 1959, ocorre a Segunda Reunião de Consulta sobre Política Comercial no Sul do Continente, em Santiago, quando se elabora, em colaboração com a CEPAL, um projeto de zona de livre comércio, modificado depois de consultas dos quatro países com o Secretário-Executivo do GATT. Outros países da região, Paraguai, Peru e Bolívia, decidem igualmente aderir ao projeto. O Tratado de Montevidéu-1960 — que constituiu a ALALC, Associação Latino-Americana de Livre Comércio — serviu para impulsionar os fluxos do intercâmbio intrarregional, mas ele não poderia, por si só, realizar a promessa de desenvolvimento sonhado pelos estadistas da região. Da ALALC à ALADI: ideal integracionista e prática protecionista Com a assinatura do Tratado de Montevidéu, criando a Associação Latinoamericana de Livre Comércio, os países da região dão início à construção do primeiro projeto integracionista de amplo escopo, cujo sucesso dependeria de sua capacidade em abrir-se reciprocamente, ao mesmo tempo em que pudessem competir internacionalmente para ampliar mercados e oportunidades de investimento. O objetivo último da ALALC 39 era a constituição de um mercado comum regional, a partir da conformação inicial de uma Zona de Livre Comércio num prazo de 12 anos. Durante os primeiros anos da ALALC (1960-64), se observa a negociação multilateral de “listas comuns” e “listas nacionais”, produto a produto, de rebaixas tarifárias e eliminação de restrições não-tarifárias para a ampliação dos mercados, a liberalização do intercâmbio e o desmantelamento das medidas protecionistas vigentes no comércio intrarregional. Nessa fase, mais precisamente em 1962, Cuba solicita, sem sucesso, seu ingresso na ALALC. Em 1965, por outro lado, se dá a assinatura do Convênio sobre Créditos Recíprocos, criando um sistema de compensação de pagamentos entre os países membros da ALALC, instrumento extremamente útil para países tão carentes de divisas fortes como os latino-americanos. A partir de meados dos anos 60, e até a década de 80 pelo menos, os países da América Latina conhecem uma onda de regimes militares e autoritários, o que vem dificultar a marcha da integração regional: os regimes militares costumam manifestar uma preferência por regimes econômicos igualmente fechados, com fortes tendências à autosuficiência e à autarquia. Daí a inclinação das elites militares por diretrizes claramente substitutivas nas políticas econômicas (de industrialização e de comércio exterior), o que não deixa de afetar o processo integracionista. Em conseqüência de todos esses percalços, já na segunda metade dos anos 60 ocorre uma paralisação do processo negociador multilateral para a definição de “listas comuns” na ALALC. Disseminam-se as políticas fortemente protecionistas (tarifas altas e restrições não-tarifárias) e os desentendimentos políticos entre os países membros, muitas vezes divididos entre regimes liberais (no sentido oligárquico da palavra, entenda-se) e ditaduras de fato. Ainda assim, em 1967, durante a Conferência de Punta del Este, os chefes de Estado e de Governos americanos proclamam a constituição de um “mercado comum latino-americano” num prazo máximo de 15 anos a partir de 1970, projeto manifestamente irrealista em vista das tendências nas relações econômicas externas. Precisamente, ao final dos anos 60, se observa uma divisão entre países “comercialistas” — que seriam Argentina, Brasil e México, que preferiam chamar-se de pragmáticos — e os “desenvolvimentistas” — Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Essa divisão faz com que estes últimos, sem abandonar formalmente a ALALC, decidissem criar um subgrupo regional andino, através do Acordo de Cartagena (1969). 40 A Venezuela adere em 1973 e o Chile, já sob o regime ditatorial de Pinochet, abandona o Grupo Andino em 1976. Durante seus primeiros anos, em especial de 1969 a 1975, o Grupo Andino evolui de forma bastante dinâmica em suas fases iniciais, com o estabelecimento de programas de desgravação tarifária, tarifa externa mínima comum, tratamento uniforme para o capital estrangeiro, regime comum sobre patentes, organismo de financiamento e programas setoriais de desenvolvimento industrial, instituição de um Tribunal de Justiça, de uma Comissão, da Junta e do Parlamento Andino. O caráter ambicioso do programa integracionista, aliado à crise econômica que sacudiu a América Latina a partir da crise do petróleo (e, posteriormente, da dívida), levou a uma desaceleração das metas propostas em 1969. Nessa fase, a crise do processo integracionista era latente em todo o continente: em 1970, incapazes de avançar nos esquemas de desgravação alfandegária, os países da ALALC decidem empreender uma revisão do programa de liberalização, com a prorrogação até 1980 do período de transição para a implementação da Zona de Livre Comércio. Nesse ano, finalmente, sem poder conformar a tão prometida zona de livre comércio, os países decidem negociar um novo tratado de Montevidéu, que institui desta vez a Associação Latino-americana de Integração (ALADI), no quadro de amplo (e bem mais modesto) processo de reestruturação dos objetivos, compromissos e modalidades da integração econômica na região. Elimina-se no novo Tratado a obrigação de elaboração de listas comuns, abandona-se a fixação de prazos rígidos para o cumprimento das metas integracionistas (zona de livre comércio ou mercado comum) e passa-se a mecanismos mais flexíveis, de caráter bilateral, para a conformação de uma “área de preferências tarifárias”, sem prazos para o seu estabelecimento. O sistema de “preferências tarifárias” significava que qualquer país podia entrar em acordo com outro da região e intercambiar concessões recíprocas nos níveis de tarifas aplicadas à importação sem nenhuma obrigação de estendê-las aos demais países da ALADI. A ALADI nasce, contudo, numa conjuntura extremamente difícil para a economia dos países latino-americanos, enfrentando logo em seguida seu “batismo de fogo”. As relações econômicas internacionais nos anos 80, de uma forma geral, são caracterizadas pela irrupção de diversos mecanismos desestabilizadores em vários setores da vida econômica das nações, tornadas cada vez mais interdependentes: os movimentos são particularmente bruscos, traumáticos ou inovadores nos campos financeiro e monetário 41 (flutuação desordenada das moedas), dos mercados de capitais e das balanças de pagamentos (alta dramática das taxas de juros e crise da dívida externa dos países em desenvolvimento), bem como no sistema internacional de comércio (expansão do neoprotecionismo e introdução de uma vasta agenda negociadora no GATT). Uma nova realidade: a sub-regionalização da integração O esgotamento do modelo tradicional de inserção dos países latino-americanos no sistema econômico internacional obrigou a uma reconsideração dos pressupostos implícitos no próprio padrão da integração regional, tradicionalmente multilateralista. De uma forma geral, o contexto mundial, em meados dos anos 1980, apontava para a busca de soluções parciais, de tipo “minilateral”, aos problemas de acesso aos mercados e de uniformização das regras de concorrência. A despeito do lançamento, em 1986, de uma nova rodada de negociações comerciais multilaterais no âmbito do GATT, diversos países começam a adotar soluções parciais para suas preocupações, com a ampliação dos mercados nacionais e com a garantia de acesso recíproco. É o caso, por exemplo, da Comunidade Européia, que em 1986 adota o Ato Único, tendente a conformar um grande espaço econômico consolidado em 1993. Respondendo ao que muitos consideraram como o projeto de uma “fortaleza Europa”, outros importantes parceiros lançaram-se igualmente em processos “minilaterais” — por oposição ao estrito multilateralismo das regras do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio — de liberalização comercial, consubstanciados em acordos seletivos que muitas vezes foram identificados como substitutivos ou alternativas de maior escopo que os esquemas baseados na cláusula de nação-mais-favorecida do sistema multilateral de comércio consubstanciado no GATT. É o caso, por exemplo, dos Estados Unidos e do Canadá, que negociam um tratado bilateral de livre comércio em 1987. Ainda nos Estados Unidos, respondendo aos aparentes impasses do GATT e da Rodada Uruguai, também se menciona a possibilidade de se concluir um amplo acordo de liberalização do comércio apenas entre like-minded countries, isto é, os países membros da OCDE. O presidente Bush dos Estados Unidos, dando algumas tinturas plurilateralistas às suas propostas bilateralistas de liberalização negociada dos intercâmbios econômicofinanceiros na região, anunciou, em junho de 1990, o lançamento da “Iniciativa para as Américas”, vasto esquema de constituição de uma zona de livre-comércio hemisférica, 42 incluindo ainda programas de reconversão da dívida externa e de canalização de investimentos privados. Sintomaticamente, porém, indica que o México seria o primeiro a beneficiar-se de tais possibilidades, o que efetivamente deveria concretizar-se três anos mais tarde, através da conformação do NAFTA, o acordo trilateral de livre-comércio da América do Norte, envolvendo ainda o Canadá. Enquanto que na Ásia, os países membros da ASEAN, consoante o antigo espírito político anticomunista da associação do sudeste asiático, relutavam em engajar-se num processo de conformação de uma área preferencial de comércio, na Oceania, ao contrário, a Austrália e a Nova Zelândia aderiam a um esquema resolutamente livre-cambista, conhecido por CER, de closer economic relations. Mas, na mesma região, a dinâmica APEC, que envolve também vários países americanos da costa do Pacífico, começa a negociar a formação de um amplo espaço de liberalização do comércio nessa vasta região, segundo o modelo do “regionalismo aberto”. Em princípios dos anos 90, a própria ASEAN começa a aceitar um maior número de sócios, alguns antigos inimigos “socialistas”, e engaja discussões preparatórias tendentes ao estabelecimento de preferências tarifárias entre seus membros. Na própria Europa central, era constituído o “Grupo de Visegrad”, reunindo numa união aduaneira os ex-países socialistas candidatos a ingressar na União Europeia: Polônia, Repúblicas Tcheca e Eslovaca e Hungria. A adaptação dos países latino-americanos, por sua vez, às novas exigências da economia internacional materializou-se na mudança de ritmo e numa transformação do caráter do velho projeto integracionista, dilacerado durante longos anos entre uma retórica política “bolivariana” e uma prática comercial protecionista. O novo cenário da integração regional, que modifica amplamente a experiência da ALALC-ALADI a partir das novas realidades regionais, traduziu-se, antes de mais nada, na aceleração, em escala sub-regional, do processo negociador da integração e seu aprofundamento, como observado nos casos da relação bilateral Brasil-Argentina, na nova vitalidade (até agora frustrada) demonstrada pelo Grupo, hoje Comunidade Andina e na própria constituição do MERCOSUL. A tendência geral era a de um abandono dos antigos esquemas uniformemente “multilaterais”, em favor de mecanismos sub-regionais de caráter essencialmente pragmático. No hemisfério sul, por exemplo, Brasil e Argentina davam início ao processo de integração sub-regional, mediante o Programa de Integração e Cooperação Econômica, de 1986, que logo desdobrou-se no Tratado de Integração de 1988, prevendo a 43 constituição de um mercado comum no espaço de dez anos. As características do projeto integracionista, nessa conjuntura, são ainda razoavelmente “dirigistas” e “industrializantes”. Mas, com a assunção, em 1990, de presidentes mais claramente identificados com uma orientação “liberal” no terreno econômico, Menem na Argentina, e Collor de Mello no Brasil, observa-se uma clara inflexão desse processo. Com efeito, em julho de 1990, os dois países decidem acelerar o programa de constituição de um mercado comum bilateral, reduzindo pela metade os prazos previstos nos esquemas de liberalização comercial do Tratado de Integração de 1988 e introduzindo um caráter de automaticidade no processo, doravante calendarizado, de eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifárias: é o início das negociações que conduzirão ao MERCOSUL, consubstanciado pouco depois no Tratado de Assunção, que, em março de 1991, associou ao esquema bilateral o Paraguai e o Uruguai. O Chile, que participou das discussões iniciais para a formação do MERCOSUL, declinou finalmente do convite para nele ingressar, em virtude de seu perfil tarifário mais rígido (tarifa única de 11%, embora mais reduzida em relação à média então praticada por Brasil e Argentina, de cerca de 40%), preferindo mais adiante negociar um esquema de liberalização comercial por meio de um acordo de tipo livre-cambista. O cenário em princípios dos anos 90 era, portanto, claramente o de uma subregionalização dos processos de integração, com diversos projetos de zonas de livrecomércio bi, tri ou plurilaterais. Sem considerar os projetos integracionistas pioneiros no continente (como o Mercado Comum Centro-Americano), o próprio Grupo Andino representou uma manifestação precoce dessa tendência à sub-regionalização, que se materializou também nos diversos processos caribenhos (de certa forma largamente frustrados, igualmente). O MERCOSUL evoluiu de forma mais dinâmica que os demais processos conhecidos, mas outros lograram afirmar-se sob a forma de acordos de complementação econômica e de processos livre-cambistas: foi o caso do Grupo dos Três (G-3, formado por México, Venezuela e Colômbia), do acordo Chile-México de liberalização comercial (1992), da zona de livre-comércio entre o México e os países centro-americanos e de diversos outros experimentos mais ou menos avançados de integração. A proposta de uma vasta área de livre comércio do Alasca à Terra do Fogo, tal como anunciada pelo presidente Bush em junho de 1990 e retomada ulteriormente pelo presidente Clinton na Conferência de Miami de dezembro de 1994, veio de certa forma 44 atropelar os diversos esquemas sub-regionais, mas ela colocou de imediato a questão da “convergência” desses vários esquemas sub-regionais. O Brasil e o MERCOSUL indicaram claramente a preferência por um aprofundamento dos esquemas sub-regionais em vigor, antes de se fazer essa convergência, o que remete a pretendida Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), proposta pela administração dos Estados Unidos em 1994, a um cenário ulterior ao ano 2005. No intervalo a União Europeia buscou aproximar-se da América Latina, tendo firmado um acordo de cooperação com o MERCOSUL, em dezembro de 1995: a eventual negociação de uma área de livrecomércio nesse contexto transatlântico é, claramente também, um projeto para o século XXI. 45 4. A relação Brasil-Argentina: do conflito à cooperação Antecedentes do MERCOSUL Houve, durante os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, um projeto de constituição de um “bloco austral”: em fevereiro de 1941, por iniciativa da Argentina, os países da bacia do Prata se reuniram na cidade uruguaia de Rivera com o propósito de discutir a criação de um bloco alfandegário regional. Poucos meses depois, em novembro desse ano, os chanceleres do Brasil (Oswaldo Aranha) e da Argentina (Enrique Ruiz) assinavam em Buenos Aires um tratado comercial no preâmbulo do qual se afirmava a vontade de ambos os países de adotar “um regime de intercâmbio livre que permita chegar a uma união aduaneira, aberta à adesão dos países limítrofes”, isto é, os do Cone Sul, aqui compreendido também o Chile. O formato integracionista que então se privilegiou, o de uma união aduaneira, veio a ser, precisamente, o do processo aberto pelo MERCOSUL no princípio da década de 90. A decisão adotada em novembro de 1941 em Buenos Aires, ficou, contudo, no papel, já que logo depois aconteceu o ataque japonês a Pearl Harbor, seguida da conferência de consulta interamericana do Rio de Janeiro, de janeiro de 1942, dando lugar, a posturas distintas adotadas pelas diplomacias dos dois Estados, Brasil e Argentina. O Brasil adotou uma posição resolutamente pró-aliada, esperando com isso conseguir benefícios materiais dos Estados Unidos, enquanto a Argentina mantinha, mesmo contra as decisões da conferência do Rio de Janeiro, uma situação de ambígua neutralidade, quando não uma atitude favorável às potências do Eixo. Terminada a guerra, o mesmo cenário da guerra fria que serviu para unir os países da Europa ocidental num mesmo projeto de reconstrução econômica, contribuiu, deste lado do Atlântico, para dividir politicamente os dois grandes vizinhos da América do Sul. A política neutralista do governo peronista no imediato pós-guerra, num momento em que o Brasil aceitava a opção ocidental e a correspondente liderança dos Estados Unidos, assim como, de maneira geral, o enfrentamento hegemônico entre governos de diferente orientação ideológica e militar nas duas vertentes do Prata, foram poderosos fatores de separação entre os dois países nas décadas seguintes. Durante os anos do segundo Governo Vargas no Brasil, entre 1951 e 1954, quando na Europa já se tinha avançado para a constituição do Mercado Comum Europeu, se fazem algumas tentativas de aproximação política e econômica entre o Brasil, a Argentina 46 e o Chile, no que seria uma reedição do velho “pacto ABC” de princípios do século (mas agora com um conteúdo econômico bem mais marcado). Essa iniciativa, impulsionada sobretudo pelo “caudilho” argentino Juan Perón, seria todavia sabotada pelo próprio exChanceler de Vargas, João Neves da Fontoura, que mantinha a tradicional postura antiargentina de muitos setores das elites — e das Forças Armadas — do Brasil. Acontece, então, a famosa denúncia João Neves, que serviu de base, em abril de 1954, a um pedido de “impeachment” (não acolhido) contra Vargas no Congresso brasileiro. Fracassou, assim, uma das primeiras tentativas de substituir a tradicional rivalidade Brasil-Argentina por um esboço de cooperação regional suscetível de conduzir a um projeto integracionista. O fato é que a rivalidade entre as duas maiores nações sul-americanas, Brasil e Argentina, frustraria a integração de duas economias altamente complementares, num momento em que a Europa ocidental, forçada pelas circunstâncias da reconstrução e empurrada por estadistas como Monnet e Schuman, começava a caminhada para o ideal integracionista. O fato é que o Brasil e a Argentina permaneceram afastados durante meio século mais, até que necessidade econômica e vontade política puderam se combinar, a partir de meados dos anos 80, numa aliança virtuosa entre duas democracias renascentes. Brasil-Argentina: do conflito à cooperação Na segunda metade dos anos 70, quando a quase totalidade da América Latina era dominada por regimes militares ou por ditaduras de fato, se dá a negociação do Tratado bilateral Brasil-Paraguai, constituindo Itaipu Binacional. Abre-se, então, uma fase caracterizada por grandes rivalidades político-militares e econômico-comerciais entre os dois grandes países da região, Brasil e Argentina, que passam a se enfrentar diplomaticamente a propósito do aproveitamento dos recursos hídricos da bacia do Paraná. O tema somente seria equacionado no final da década, mais exatamente em 1979 com o acordo tripartite sobre Itaipu, dando espaço a que a confrontação hegemônica fosse substituída pela cooperação econômica e pelo entendimento político. É num contexto de crise econômica, mas de volta à democracia no continente, com a derrocada de diversos regimes militares e a convocação de líderes civis, que se inaugura uma nova fase no relacionamento Brasil-Argentina. Em 1985, pela “Declaração de Iguaçu”, os Presidentes da Argentina e do Brasil expressam sua “firme vontade de acelerar o processo de integração bilateral” e criam, para tal fim, uma Comissão Mista de 47 Alto Nível, presidida pelos Ministros de Relações Exteriores dos dois países. Na mesma ocasião, ainda que com efeitos meramente simbólicos nessa primeira fase, se firma uma “Declaração Conjunta sobre Política Nuclear”, que proclama os propósitos pacíficos da cooperação bilateral nessa área. Estava aberto, a partir daí, o processo de integração bilateral que, mais tarde, se desdobraria na iniciativa quadrilateral do MERCOSUL. O aprofundamento da integração As fases seguintes do novo relacionamento Brasil-Argentina assistem ao aprofundamento dessa relação privilegiada inaugurada em 1985 e que são aqui resumidas. Em 1986, temos a “Ata para a Integração Brasil-Argentina”, estabelecendo o Programa de Integração e Cooperação Econômica, de caráter “gradual, flexível e equilibrado” e prevendo tratamentos preferenciais frente a terceiros mercados. Nesse programa, baseado nos princípios da gradualidade, da flexibilidade, do equilíbrio e da simetria, se adotou uma estratégia de integração paulatina por setores industriais, cuja complementação dinâmica constituía o próprio núcleo do processo integracionista. Os resultados foram satisfatórios, em especial do ponto de vista do intercâmbio bilateral. Tendo experimentado um declínio constante durante toda a primeira metade dos anos 80, o comércio Brasil-Argentina aumentou progressivamente desde então. Para a Argentina, em especial, a integração bilateral passou a apresentar vantagens significativas: ela não apenas duplicou suas vendas para o Brasil (que se transformou em seu primeiro mercado de exportações, ultrapassando os Estados Unidos), como também passou a acumular, pelo menos numa primeira fase, saldos comerciais favoráveis. A temida especialização “agrária” de suas exportações, com base em vantagens comparativas concentradas sobretudo no setor primário, tampouco se confirmou: cerca de 50% das exportações está hoje constituída por manufaturados industriais. Numa segunda etapa, o processo de integração Brasil-Argentina adquire novos contornos. Em 1988 é a vez do historicamente importante “Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento”, com o objetivo de consolidar o processo de integração bilateral e instituir, numa primeira etapa, um espaço econômico comum no prazo máximo de dez anos: busca-se a harmonização das políticas aduaneiras, comercial, agrícola, industrial e de transportes e comunicações, assim como a coordenação de políticas monetária, fiscal e cambiaria. Por esse instrumento diplomático, os dois países se 48 comprometem, numa fase mais avançada, a proceder à harmonização gradual das demais políticas necessárias à formação do mercado comum. Cabe relembrar aqui o lançamento, em junho de 1990, da “Iniciativa para as Américas”, pelo Presidente norte-americano George Bush: ela estava declaradamente orientada a acompanhar as transformações políticas e econômicas em curso na América Latina e a oferecer uma nova modalidade de relacionamento dos EUA com a região, centrada não mais na ajuda, mas no comércio, nos investimentos e na solução do problema da dívida. O objetivo final, a ser atingido no longo prazo, era o de chegar,como depois com a ALCA, a uma zona de livre comércio hemisférica, do Alasca à Terra do Fogo. Os primeiros passos nesse sentido são, contudo, dados com o México: eles culminaram no final de 1992 com o “North American Free Trade Agreement” (NAFTA). A Ata de Buenos Aires: aceleração do processo Nessa mesma ocasião, o processo Brasil-Argentina conhecia uma arrancada espetacular: pela “Ata de Buenos Aires”, assinada em 6 de julho de 1990, os Presidentes da Argentina e do Brasil decidem conformar o mercado comum bilateral até 31 de dezembro de 1994, ou seja, reduzindo pela metade os prazos acordados no Tratado de 1988. Os dois governos estabelecem uma metodologia apropriada para tal fim (rebaixas tarifárias generalizadas, lineares e automáticas, eliminação de barreiras não-tarifárias) e criam o Grupo Mercado Comum, de caráter binacional. A aceleração no processo integracionista bilateral, decidida em julho de 1990, responde à tomada de consciência de que a modernização econômica, bem como a inserção competitiva na economia mundial seriam grandemente facilitadas, nos dois países, por uma complementaridade ampliada entre as duas economias. A própria mudança no modelo de desenvolvimento, com uma definição por um projeto socialliberal de modernização (abertura econômica externa, liberalização comercial), e a transformação importante operada no papel do Estado (redefinição das regras de intervenção, privatização etc.), operadas de maneira independente em cada um dos países, conduziram à aceleração do processo negociador da integração, seu aprofundamento no caso Brasil-Argentina e sua ulterior extensão aos dois outros parceiros do Cone Sul. Como consequência direta da Ata de Buenos Aires, se elabora o “Acordo de Complementação Econômica nº 14”, firmado em dezembro de 1990 pelos representantes da Argentina e do Brasil junto à ALADI, consolidando no âmbito daquela Associação o 49 programa de liberalização comercial concertado no Tratado de Integração, nos prazos definidos pela Ata de Buenos Aires. Até aquele momento, o processo se desenvolvia no plano estritamente bilateral Brasil-Argentina, muito embora o Uruguai tenha sido convidado — e tenha participado efetivamente — de todos os encontros presidenciais mantidos entre a Argentina e o Brasil na segunda metade dos anos 80. O impacto da aceleração no processo integracionista bilateral foi considerável no imediato entorno regional. Compreensivelmente preocupado com um desenvolvimento que ameaçava deixá-lo num relativo isolamento econômico, o Uruguai procurou rapidamente inserir-se no novo contexto sub-regional, como aliás foi sua orientação permanente durante toda a primeira etapa da aproximação Brasil-Argentina. Pouco depois, o Paraguai redemocratizado juntou-se igualmente ao exercício de ampliação do mercado comum do Cone Sul, haja vista a intensidade dos vínculos comerciais com seus vizinhos platinos. Finalmente, em 26 de março de 1991, como resultado de intensas negociações levadas a cabo durante os meses precedentes, os Presidentes da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai puderam firmar o Tratado de Assunção, que passou a reger as relações econômico-comerciais dos quatro países no período transitório 1991-1994, antecedendo à conformação de um mercado comum quadrilateral. O MERCOSUL constituiu assim uma resposta criativa à nova dinâmica das economias nacionais e internacional, uma vez que o esgotamento das políticas substitutivas levou obrigatoriamente à necessidade de encontrar novas formas de inserção econômica externa. Transformou-se, assim, num espaço de tempo relativamente curto em termos históricos, a geografia econômica desse grande espaço sul-americano, projetando-se uma nova entidade comunitária, cujo impacto vai se exercer plenamente nos albores do século XXI. 50 5. O MERCOSUL na fase de transição O Tratado de Assunção e a experiência integracionista anterior O Tratado de Assunção definiu como um de seus principais objetivos a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países membros, por meio, entre outros, da eliminação de direitos alfandegários e de restrições não-tarifárias à circulação de bens e serviços, ou seja, uma zona de livre-comércio, que é a primeira etapa das diferentes formas de integração entre dois ou mais países. Essa zona de livre-comércio foi complementada, a partir de 1995, por uma política comercial conjunta dos países membros em relação a terceiros países, o que implicou na definição de uma tarifa externa comum, conformando, portanto, uma união aduaneira. Ao iniciar-se o processo de integração sub-regional do MERCOSUL, a América Latina havia conhecido, no curso das experiências passadas, diversas inadimplências em termos do cumprimento de compromissos pactuados, a começar pela própria ALALC, que prometia a zona de livre-comércio num prazo de dez anos. Ainda em 1967, em declaração solenemente firmada em Punta del Este, os presidentes das Repúblicas da América Latina resolviam criar de forma progressiva, a partir de 1970 e em prazo não maior que quinze anos, o Mercado Comum Latino-Americano. O Grupo Andino, igualmente, ao constituir-se, esperava avançar melhor e mais rapidamente por caminhos que a própria ALALC não ousou trilhar. Esta, em 1970, postergou em dez anos o prazo para o estabelecimento da zona de livre-comércio e, ao cabo desse novo período, teve de reconhecer o fracasso e reformular todo o esquema integracionista segundo um modelo mais flexível, o da zona de preferências tarifárias e isento de qualquer prazo mais rígido. A ALADI, realisticamente, pela primeira vez, não fixou qualquer prazo para o cumprimento de seus objetivos, de resto mais afirmados do que buscados ativamente. Um dos grandes problemas da integração latino-americana sempre se situou na fixação de prazos pouco realistas para o cumprimento de objetivos pactuados de forma genérica nos instrumentos constitutivos, adicionalmente à falta de vontade política em respeitar efetivamente cronogramas estabelecidos de maneira retórica. O Tratado de Roma de 1957, criando o Mercado Comum Europeu, concedeu por exemplo, um prazo de 12 anos para a eliminação das tarifas internas, o que foi efetivamente cumprido, muito embora outras barreiras não-tarifárias tenham sido introduzidas no intervalo. O Ato Único de 1986, por sua vez, deu um prazo de sete anos (até dezembro de 1992) para a unificação 51 completa dos mercados europeus, isto é, a eliminação de todo tipo de obstáculo ao comércio e oferta interregional de bens e serviços. O mesmo se decidiu fazer, portanto, em relação ao processo de integração bilateral Brasil-Argentina: o Tratado bilateral de Integração, de 1988, concedia prazo de dez anos para a conformação do mercado comum, ao passo que a Ata de Buenos Aires, de 1990, reduzia esse prazo à metade, decidindo viabilizá-lo até 31 de dezembro de 1994. Ao adotar-se o Tratado de Assunção, em março de 1991, os demais parceiros do MERCOSUL aceitaram os mesmos mecanismos e prazos previstos no processo bilateral, fixando-se, portanto, a data de 31 de dezembro de 1994 para a realização do Mercado Comum quadrilateral. A pergunta que então se faziam diversos especialistas era precisamente a seguinte: tendo em vista a experiência anterior e o próprio exemplo europeu, seria possível alcançar um mercado comum, ou tão-somente uma união aduaneira, em apenas quatro anos? Os objetivos fixados no Artigo 1º do Tratado de Assunção ou seja, a constituição, até 31 de dezembro de 1994, de um mercado comum, caracterizado pela “livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos”, pelo “estabelecimento de uma tarifa externa comum” e pela “coordenação das políticas macroeconômicas”, assim como o “compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes” constituíram, na verdade, o início de um processo de conformação de um amplo espaço econômico conjunto, cuja primeira etapa era dada pela instituição de uma união aduaneira evolucionária, isto é, potencialmente tendente a uma consolidação progressiva e cujo aprofundamento dar-se-ia em direção de fases mais avançadas de integração econômica. Etapas da união aduaneira no MERCOSUL O período de transição, nesse sentido, esteve bem mais voltado para a remoção dos mais diversos obstáculos à livre circulação de bens, capitais e fatores produtivos entre os territórios dos quatro países membros do que para a criação de estruturas políticas e econômicas de tipo comunitário. Em outros termos, as tarefas concentraram-se na eliminação de entraves e barreiras ao livre-comércio intrazona, na identificação das assimetrias setoriais e institucionais que dificultavam a fluidez no intercâmbio, na correção ou harmonização das regras legais (algumas de ordem constitucional) e nas medidas administrativas que impediam ou dificultavam a liberdade do comércio, assim 52 como na adoção de regulamentos e procedimentos comuns para facilitar a consecução do objetivo fixado da união aduaneira. Numa linguagem figurada, poder-se-ia dizer que a preocupação imediata dos negociadores governamentais dos quatro países foi com a remoção do “entulho protecionista e anti-integracionista” construído ao longo de décadas de industrialização substitutiva. A emergência de uma estrutura econômica e política propriamente “comunitária” deveria ficar para uma etapa ulterior, hipoteticamente a ser decidida na conferência diplomática que, no segundo semestre de 1994, teria o encargo de definir, nos termos do Artigo 18 do Tratado de Assunção, “a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercado Comum, assim como atribuições específicas de cada um deles e seu sistema de tomada de decisões”. Desde seu início, o processo negociador do MERCOSUL tornou-se um importante fator de harmonização e de aperfeiçoamento de uma série de regras e disposições relativas a comércio exterior, política industrial e investimento estrangeiro nos quatro países envolvidos no processo sub-regional de integração. Assim, as empresas operantes na região, fossem elas nacionais dos países membros ou estrangeiras, desejosas de estabelecer novos vínculos ou reforçar os já existentes, começaram a contar com regras claras e transparentes relativas ao “habitat” de seus negócios. Na verdade, por força das transformações em curso na economia internacional e dos esforços de adaptação dos países, individualmente, as legislações nacionais já vinham enfrentando mudanças nas disposições afetando o setor econômico, independentemente das decisões tomadas na esfera do projeto integracionista, mas, a partir do MERCOSUL, essas legislações, assim como todo o emaranhado administrativo regulador da vida econômica das empresas, entraram num processo de constante revisão e de compatibilização, de maneira a adaptálo ao novo ambiente econômico regional. Não se pode, evidentemente, negar os imensos problemas práticos com que se defrontavam os países membros em seus esforços para lograr a consecução do objetivo integracionista num período tão curto de transição. A maior parte dos problemas derivava de fortes assimetrias econômicas entre os países membros, além do fato de que todos eles tinham de conduzir processos de ajuste econômico nem sempre coincidentes em seus ritmos e mecanismos. A coordenação das políticas macroeconômicas entre os países membros, particularmente, representava, precisamente, não só um dos principais objetivos institucionais do MERCOSUL durante o período de transição, mas um de seus 53 maiores desafios, cobrindo temas tão complexos como a tarifa externa comum, a harmonização das políticas setoriais, referentes, por exemplo, à tributação nacional e local, às políticas fiscal, monetária e cambial, à política da concorrência e de defesa do consumidor, bem como ao tratamento dos serviços e dos monopólios estatais no MERCOSUL. Na primeira fase dos trabalhos foram definidos os critérios para a formulação da tarifa externa comum e de uma política tarifária comum aos quatro países membros (níveis de alíquotas, diferenciação por categorias de uso, exceções); para tanto, foram trocadas informações sobre as estruturas tributárias nacionais com vistas à sua harmonização futura e apresentadas sugestões para a coordenação de políticas macroeconômicas. Alguns pontos de consenso emergiram, como, por exemplo, o entendimento de que a estrutura tarifária do MERCOSUL deveria contar com um número reduzido de alíquotas e com baixa dispersão. Esse entendimento foi materializado em Montevidéu, em dezembro de 1992, quando se adotou o perfil tarifário externo comum, consistindo de uma alíquota máxima de 20%, com algumas exceções, até um máximo de 35%, durante 6 anos desde a entrada em vigor da TEC (isto é, a partir de 1995). No que se refere aos incentivos fiscais durante a fase de transição, houve consenso de que se deveriam identificar os casos suscetíveis de representar subsídios ou vantagens para sua harmonização ulterior, com vistas a evitar distorções comerciais na região. A necessidade básica naquela fase era, evidentemente, o pleno atendimento dos objetivos e prazos fixados no próprio Tratado de Assunção. Nesse sentido, o tema da coordenação das paridades cambiais, importante em vista de suas repercussões imediatas nas correntes de comércio e de capitais, foi objeto de estudos aprofundados, a partir de uma análise dos regimes cambiais nacionais existentes e do papel, na definição das paridades recíprocas, do intercâmbio intra e extrazona. Não se logrou, contudo, uma definição tendente à adoção de um sistema de bandas convergentes ou mesmo um sistema monetário baseado em paridades fixas, em vista dos grandes descompassos então observados nos processos de ajuste e de estabilização macroeconômica. A Argentina adotou, como se sabe, a partir de maio de 1991 (Plano Cavallo), uma lei de conversibilidade, sustentada numa paridade absoluta entre o peso e o dólar, enquanto o Brasil tardava até 1994 para iniciar seu processo de estabilização (Plano Real), parcialmente sustentado numa âncora cambial. 54 No terreno dos investimentos, foram firmados dois instrumentos quadrilaterais sobre promoção e proteção dos investimentos: o Protocolo de Colônia, sobre tratamento recíproco, e o Protocolo de Buenos Aires, sobre a proteção a ser acordada aos investimentos das terceiras partes. A tendência geral foi a da liberalização, no sentido de facilitar os fluxos de capitais e eliminar algumas das limitações ainda existentes. No Brasil, por exemplo, eram conhecidas, sob o regime da Constituição de 1988, as limitações ao investimento estrangeiro, em geral no setor da exploração e do transporte de combustíveis fósseis (petróleo), minerais nucleares, recursos hidráulicos e minerais, navegação de cabotagem, instituições financeiras e de saúde, navegação aérea doméstica, meios de comunicação de massa, transportes internos e serviços portuários, além de serviços de fornecimento elétrico. Vários desses setores e os dispositivos legais que os regulamentavam receberam nova definição normativa, por via de emendas constitucionais, processo ainda em curso de elaboração. O Protocolo de Ouro Preto e a Tarifa Externa Comum Como decorrência das intensas negociações transcorridas durante todo o período de transição, os países membros decidiram, na reunião de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994, concluir um instrumento adicional ao Tratado de Assunção, materializado num Protocolo que criou uma nova estrutura institucional para o MERCOSUL. Na mesma oportunidade foi adotada a Tarifa Externa Comum, em vigor a partir de 1995 (assim como outros instrumentos de política comercial): a TEC comporta ainda algumas exceções temporárias para um conjunto limitado de produtos, o que todavia não compromete o perfil da União Aduaneira, na medida em que foram já definidos os critérios de desgravação tarifária por meio da qual esses itens serão progressivamente integrados à TEC, alcançando seus patamares “normais” em 2001 ou, em alguns poucos casos, em 2006. A TEC foi objeto de uma revisão em novembro de 1997, procedendo-se, por iniciativa do Brasil e da Argentina, a um aumento linear de 3 pontos nas alíquotas efetivas, o que representou um aumento de 25% na tarifa média de 14% aplicada geralmente pelos países membros. [Algumas novas exceções foram permitidas ao Paraguai e Uruguai, como forma de compensá-los pelo incentivo ao “desvio de comércio” que então passou a se fazer em favor do Brasil e da Argentina, as duas economias mais industrializadas da região.] 55 O Protocolo de Ouro Preto atribuiu ao MERCOSUL personalidade jurídica internacional, o que consolidou a prática até então observada de negociar de forma quadripartite com terceiros países ou com grupos de países, como é o caso da União Européia ou no âmbito da projetada ALCA, assim como em organismos internacionais. Enquadra-se também nessa perspectiva a definição dos critérios de base para a negociação de acordos de livre-comércio com os países sul-americanos pertencentes à ALADI, processo iniciado com o Chile e a Bolívia e a ser estendido progressivamente aos demais países do continente. Ele também representou um reforço considerável no poder de barganha dos quatro países em escala mundial, de que já é testemunha, por exemplo, o diálogo de alto nível mantido com as Comunidades Européias desde as fases iniciais do MERCOSUL e consubstanciado no Acordo de Cooperação interregional firmado com a União Européia em dezembro de 1995, em Madri. O aprofundamento eventual da integração do MERCOSUL, por meio da definição de uma união econômica, tal como pretendida, por exemplo, pelos Tratado de Maastricht (1992) da União Européia (UE), fica reservado para uma etapa mais avançada da unificação dos espaços econômicos no Cone Sul. Atualmente, o processo em curso é o da consolidação do espaço econômico já constituído entre os quatro membros originais, sua extensão a outros parceiros do continente, mediante a negociação de acordos de associação (como já se fez com o Chile e com a Bolívia e se está fazendo com países do Grupo Andino, hoje Comunidade Andina). Observa-se, ainda, a ativa participação do MERCOSUL em outros esquemas ou foros negociadores de liberalização do comércio, seja em escala hemisférica (como revelado no projeto da ALCA), seja no âmbito intercontinental (como se depreende pelo acordo de cooperação interregional com a União Européia), seja ainda no plano multilateral (onde o tema da integração regional, considerado uma derrogação ao princípio da nação-mais-favorecida, é discutido na Organização Mundial do Comércio). 56 6. Estrutura institucional do MERCOSUL Os órgãos do MERCOSUL No âmbito institucional, o Protocolo de Ouro Preto confirmou a escolha básica do Tratado de Assunção por uma estrutura orgânica de tipo intergovernamental, descartando-se, portanto, o chamado “salto supranacional” desejado por alguns teóricos. O Protocolo de Ouro Preto estabeleceu, assim, a seguinte estrutura institucional: a) Conselho do Mercado Comum (CMC): órgão supremo do processo de integração, composto pelos ministros de Relações Exteriores e de Economia; adota decisões; b) Grupo Mercado Comum (GMC): órgão executivo cuja função é a de assistir o Conselho nas decisões de natureza executiva; adota resoluções; c) Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM): assiste o GMC na aplicação dos principais instrumentos de política comercial comum; d) Comissão Parlamentar Conjunta (CPC): canal de representação dos Parlamentos dos quatro países; e) Foro Consultivo Econômico-Social (FCES): permite aos diferentes setores da sociedade (sindicatos, consumidores, sociedade civil em geral) encaminhar seus pleitos e proposições aos órgãos de decisão; f) Secretaria Administrativa do MERCOSUL (SAM): com sede em Montevidéu, faz o registro das decisões tomadas pelos órgãos permanentes e facilita o processo de solução de controvérsias na fase arbitral. Ainda nesse terreno institucional, decidiu-se suprimir os subgrupos de trabalho que tinham funcionado até 31 de dezembro de 1994 e criar onze novos subgrupos: 1) Comunicações; 2) Mineração; 3) Regulamentos Técnicos; 4) Assuntos Financeiros; 5) Transportes e Infraestrutura; 6) Meio Ambiente; 7) Indústria; 8) Agricultura; 9) Energia; 10) Assuntos Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social. 11) Saúde Foram igualmente constituídas reuniões especializadas (ciência e tecnologia, turismo, por exemplo), assim como reuniões de ministros nos mais diferentes setores (entre os quais os da Justiça, Educação, Cultura, Agricultura, Ciência e Tecnologia e de Economia e presidentes dos bancos centrais). Finalmente, o GMC foi encarregado, pelo Conselho, de elaborar um plano de ação estratégico com vistas a alcançar os objetivos do 57 Tratado de Assunção e de consolidar a união aduaneira até o ano 2000. Esse programa foi elaborado, sendo conhecido como Mandato de Assunção. Comparação com o modelo europeu Muito embora as finalidades do MERCOSUL tenham sido muitas vezes definidos como tendencialmente correspondentes aos objetivos perseguidos pelo processo de integração europeia não se julgou necessário que o sistema institucional seguisse os mesmos padrões que aqueles implementados no âmbito do Tratado de Roma: buscou-se, ao contrário, garantir um modelo que correspondesse às realidades intrínsecas — com todas as limitações de fato existentes — do esquema sub-regional, preservando os espaços de soberania nacional alocados aos Estados membros. Foi o que fizeram os protagonistas do processo de integração, conscientes de que qualquer “salto supranacional” nesta fase poderia comprometer os objetivos nacionais de estabilização macroeconômica ou alterar o delicado equilíbrio entre competências nacionais e atribuições decisórias coletivas. A antiga Comunidade, hoje União Europeia, constitui uma delicada construção híbrida, combinando alguns aspectos intergovernamentais — consubstanciados no Conselho, por exemplo — e diversas instâncias supranacionais, das quais a Comissão e o Tribunal Europeu são os principais expoentes. Desde a assinatura do Tratado de Roma, em 1957, e mais ainda a partir do Tratado de Maastricht, de 1992, os países membros, não sem alguma relutância, renunciaram de forma progressiva a parcelas significativas de soberania, sobretudo nos terrenos das políticas comercial, agrícola e industrial, delegando mais e mais funções à Comissão Europeia, com sede em Bruxelas. Constando de apenas 24 artigos, o Tratado de Assunção não pode, portanto, ser comparado ao Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Econômica Européia, e muito menos ao Tratado de Maastricht, que lançou a União Europeia, com o objetivo inclusive de chegar a uma união monetária. Diferentemente do instrumento institucional que lançou o Mercado Comum Europeu, o Tratado de Assunção não comporta nenhum procedimento de tipo comunitário, nem prevê órgãos supranacionais. Tampouco ele contempla aspectos normativos de alcance tão vasto como, por exemplo, a política agrícola comum da UE, cujos parâmetros são definidos no âmbito da Comissão Européia. Do ponto de vista comparativo, o Tratado de Assunção aproxima-se mais da Convenção BENELUX, que instituiu, entre 1944 e 1947, uma “união aduaneira” entre a Bélgica, o Luxemburgo e os Países-Baixos. Da mesma forma que esses países, os Estados 58 Partes do Tratado de Assunção também se propõem a criar um território econômico comum no qual nada deve se opor à livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas, eliminar qualquer discriminação entre produtos e produtores nacionais respectivos, instaurar uma política econômica, financeira, fiscal e social coordenada, instituir uma tarifa externa comum, estabelecer uma política comercial e cambial comum em relação a terceiros países e a promover o bem-estar econômico e social de seus povos. No plano institucional, a implementação do BENELUX estava a cargo de conferências ministeriais entre os três países, assim como de órgãos mistos econômicos e técnicos, com função puramente consultiva. Esses mesmos objetivos e mecanismos são encontrados, com as diferenças que se sabe, no Tratado de Assunção, que também previu, como no caso do BENELUX, uma Comissão Interparlamentar de caráter consultivo, mas não um Parlamento dotado de poderes específicos no quadro de uma comunidade de Estados. O BENELUX veio ulteriormente a diluir-se no conjunto mais vasto da Comunidade, depois União Europeia, mas ele ainda permanece uma referência válida para uma avaliação institucional do MERCOSUL. As decisões intergovernamentais do MERCOSUL sempre foram encaminhadas por meio dos dois órgãos que o Tratado de Assunção definia como provisórios e que o Protocolo de Ouro Preto confirmou em suas mesmas atribuições: o Conselho do Mercado Comum (CMC) e o Grupo Mercado Comum (GMC). O Conselho é o órgão superior de condução política do processo de integração e é composto pelos ministros de Relações Exteriores e de Economia dos quatro países membros; ele sempre se reuniu na presença dos presidentes dos Estados Partes do Tratado. O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo provisório, que vela pelo cumprimento do Tratado, adota as providências necessárias para o cumprimento das decisões do Conselho, toma iniciativas e propõe as medidas necessárias para a administração do Tratado de Assunção, assim como encarrega-se da cooperação econômica setorial e macroeconômica e elabora o calendário das atividades internas e de cooperação com outros países e esquemas de integração. Ele é integrado por quatro representantes de cada país membro do MERCOSUL, pertencentes às áreas de relações exteriores (que coordenam suas seções nacionais) e de economia (fazenda, comércio exterior, bancos centrais). As decisões de ambos os órgãos políticos — Conselho e Grupo Mercado Comum — são adotadas por consenso entre os Estados Partes e na presença de todos os seus 59 membros. Esse processo decisório tem suas vantagens, mas também apresenta inconvenientes. Ao mesmo tempo em que ele leva os quatro Estados a se colocarem de acordo para adotar uma decisão válida, ou seja, obriga a uma negociação exaustiva de cada ponto relevante da agenda comum, ele introduz uma certa rigidez estrutural no encaminhamento dos problemas, ao colocar os quatro países em pé de igualdade, independentemente de seu peso econômico relativo ou da magnitude de seus interesses na construção da nova área de integração. O sistema de solução de controvérsias A constituição e afirmação progressiva de tribunais supranacionais constitui um dos fenômenos mais importantes da comunidade internacional nas últimas décadas, similar em seus efeitos à emergência do próprio direito internacional nos albores da era moderna. O ordenamento jurídico que então se procurava dar às relações entre as comunidades políticas visava a substituir o recurso quase que exclusivo, ou primacial, à guerra pela utilização de algumas poucas regras, consensualmente acordadas, para dirimir conflitos e encaminhar pendências. Os meios tipicamente político-diplomáticos de solucionar controvérsias foram sendo aperfeiçoados desde o século XVI até os nossos dias: entendimentos diretos (negociação), bons ofícios, mediação, consulta e conciliação, até mesmo, muitas vezes, por iniciativa coletiva de diversos Estados. Similarmente, os métodos jurídicos, ou seja, a arbitragem e a solução judicial começaram a afirmar-se gradativamente desde fins do século passado, encontrando notável impulso institucional a partir das duas conferências de paz da Haia, do próprio Tratado de Versalhes e da constituição da Liga das Nações. Assim, a lenta elaboração, desde essa época, de sistemas jurisdicionais não limitados pelo princípio da soberania absoluta dos Estados nacionais em especial a Corte Internacional da Haia e o Tribunal de Justiça da União Européia representam, até aqui, os esforços mais bem sucedidos de solucionar controvérsias entre Estados e de reforçar o primado da razão onde antes se manifestava o predomínio da força. O reforço contínuo desse tipo de instituição continuará previsivelmente a marcar as tendências de desenvolvimento do direito internacional público pelas próximas décadas. A Corte de Luxemburgo, por exemplo, representa uma das garantias mais eficazes da construção comunitária no continente europeu, bem como de um controle mais estrito da legalidade das ações dos países membros. Ela constitui um exemplo claro da 60 importância de se manter a unidade jurídica numa ordem comunitária em construção, afirmando de maneira peremptória o princípio da superioridade do direito comunitário sobre os diversos ordenamentos jurídicos nacionais. O Tratado de Assunção indicou, no Anexo III, que as controvérsias que possam surgir entre os Estados Partes em decorrência de sua aplicação devem ser resolvidas por meio de negociações diretas e, em etapas ulteriores, mediante a intervenção do Grupo Mercado Comum ou do Conselho. Esse Anexo determinou igualmente a elaboração, dentro de 120 dias da entrada em vigor do Tratado, de um sistema transitório de solução de controvérsias. Em cumprimento a esse mandato, os países membros negociaram, em novembro de 1991, um projeto de protocolo ao Tratado que, ligeiramente modificado com base em sugestões brasileiras, foi aprovado pelo Conselho de Ministros e pôde ser firmado durante o primeiro encontro de presidentes do MERCOSUL em sua reunião de Brasília, no dia 17 de dezembro de 1991. O protocolo que instituiu o sistema de solução de controvérsias para o período de transição, confirmado em suas grandes linhas durante a reunião de Ouro Preto, prevê quatro instâncias resolutivas, com procedimentos adequados a cada uma delas. Além das negociações diretas entre as partes envolvidas e da intervenção do Grupo Mercado Comum, já previstas no próprio Tratado de Assunção, adotou-se o recurso a um sistema arbitral (por meio de um Tribunal ad hoc) e previu-se igualmente um procedimento mais expedito — de tipo “fast track” — para as reclamações formuladas por particulares. Basicamente, porém, os mecanismos ali previstos configuram dois métodos complementares de solução de controvérsia: as vias diplomáticas tradicionais de negociação e o recurso a uma instância jurisdicional de caráter arbitral. Cabe destacar, de início, que, consoante as características do processo de transição que não criou estruturas de tipo comunitário, mas tão-somente órgãos diretivos com representações nacionais , decidiu-se não se instituir, pelo protocolo sobre solução de controvérsias, nenhum Tribunal de Justiça do MERCOSUL, com traços algo similares aos de seus congêneres europeu ou andino, mas simplesmente um sistema arbitral ad hoc, de funcionamento exclusivamente delimitado ao objeto em disputa. Sem embargo, dadas as dificuldades antevistas para a tomada de decisão no MERCOSUL — as decisões do Conselho ou do Grupo Mercado Comum devem ser tomadas por consenso — os Estados Partes reconhecem como obrigatória a jurisdição do Tribunal Arbitral e se comprometem a cumprir suas decisões. 61 A estrutura do Protocolo, sem mencionar o tradicional preâmbulo de caráter informativo e declaratório, é a seguinte: Capítulo I: Âmbito de Aplicação Capítulo II: Negociações Diretas Capítulo III: Intervenção do Grupo Mercado Comum Capítulo IV: Procedimento Arbitral Capítulo V: Reclamações de Particulares Capítulo VI: Disposições Finais O primeiro capítulo, constando de apenas um artigo de caráter explanatório, delimita o âmbito de aplicação dos procedimentos inscritos no sistema instituído pelo Protocolo, qual seja: controvérsias que surjam entre os Estados Partes sobre a interpretação, aplicação ou o não-cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, em acordos celebrados em seu âmbito jurídico, bem como de decisões e resoluções que emanem, respectivamente, do Conselho do Mercado Comum ou do Grupo Mercado Comum. O Protocolo de Brasília não conforma um sistema de arbitragem comercial, no sentido de que ele não é um mecanismo para dirimir litígios entre particulares, nem para tomar decisões sobre a aplicação das legislações nacionais, a não ser na medida em que estas ou outras medidas dos países membros entrem em conflito com o “direito comunitário”, isto é, com as decisões e normas do Mercado Comum. Os capítulos II e III abrigam os procedimentos de primeira instância, onde se espera poderá ser resolvida a maior parte, senão a quase totalidade, dos casos representando disputas entre duas ou mais partes envolvidas. As negociações diretas dão-se pelos meios diplomáticos tradicionais, devendo as partes em controvérsia informar ao Grupo Mercado Comum (GMC) sobre as gestões realizadas, bem como os resultados das mesmas. Essa primeira instância resolutória não poderá ultrapassar um prazo de 15 dias contado a partir da data em que uma das partes levantar a controvérsia. Se não se puder alcançar um acordo mediante negociações diretas dentro de um prazo razoável, ou se a pendência se resolver apenas parcialmente, qualquer uma das partes em conflito poderá submetê-la à consideração do GMC, o qual, dentro de 30 dias, deverá pronunciar-se sobre o caso, formulando recomendações tendentes à solução do diferendo. Na avaliação do caso, o GMC poderá requerer a assessoria de especialistas, se considerar necessário. Esses peritos são retirados de uma lista de 24 especialistas, 62 designados em partes iguais pelos Estados Partes, que também atuarão no caso de denúncias formuladas por particulares. As despesas incorridas nesse tipo de procedimento deverão ser custeadas em partes iguais pelos Estados partícipes da controvérsia ou numa proporção a ser determinada pelo GMC. O núcleo do Protocolo está dominado pela descrição do funcionamento do sistema arbitral, baseado num Tribunal Arbitral Ad hoc composto de 3 árbitros, cuja jurisdição os Estados Partes reconhecem como obrigatória e competente para resolver todas as pendências previstas no Protocolo. Os Estados se comprometem, ademais, a cumprir as decisões do tribunal arbitral constituído para julgar uma determinada controvérsia. Esse procedimento passa a operar quando a controvérsia não tenha podido ser solucionada pelos mecanismos previstos anteriormente, caso no qual uma das partes envolvidas pode comunicar à Secretaria Administrativa do MERCOSUL sua intenção de recorrer ao sistema arbitral. No prazo de 15 dias, cada Estado Parte designa, a partir de listas de 10 árbitros nacionais elaboradas por cada um deles e registradas na Secretaria Administrativa, um árbitro (além de um árbitro suplente), sendo o terceiro escolhido de comum acordo dentre os não-nacionais dos países envolvidos. Este último presidirá o Tribunal Arbitral. À falta de acordo entre as partes para a designação desse terceiro árbitro, a Secretaria Administrativa procede à designação por sorteio, a partir de uma segunda lista de 16 árbitros confeccionada pelo GMC (sendo metade composta de nacionais dos quatro países membros e metade de terceiros países). Da mesma forma, a não designação, por um dos Estados partícipes da controvérsia, de seu árbitro no prazo indicado, leva a que a Secretaria Administrativa proceda à escolha, seguindo a ordem de precedência estabelecida na respectiva lista nacional. As decisões do Tribunal Arbitral são adotadas por maioria, devendo ser motivadas e firmadas pelo presidente e pelos demais árbitros: estes não poderão fundamentar votos dissidentes. Um aspecto importante do procedimento arbitral, e do próprio processo de solução de controvérsias, é que, com vistas a assegurar a independência do Tribunal e a total liberdade de ação de seus árbitros, estes deverão manter a confidencialidade da votação. O prazo para o pronunciamento de uma sentença (laudo) foi fixado em 60 dias, prorrogáveis por um prazo máximo de 30 dias, mas o próprio Tribunal poderá adotar, no intervalo, medidas provisionais que julgue sejam necessárias para prevenir danos graves 63 e irreparáveis a uma das partes em disputa. As partes na controvérsia devem cumprir imediatamente qualquer medida provisional decidida pelo Tribunal, a menos que este fixe prazos determinados. As decisões do Tribunal são inapeláveis, obrigatórias para os Estados partícipes da controvérsia a partir de sua notificação e terão para eles força de coisa julgada, devendo ser cumpridas num prazo de 15 dias (a menos que o próprio Tribunal fixe outro prazo). Caso um Estado partícipe não dê cumprimento a uma decisão do Tribunal no prazo de 30 dias, os demais Estados partícipes poderão adotar medidas compensatórias temporárias, tais como a suspensão de concessões ou outras equivalentes, tendentes a obter seu cumprimento. Além do sistema arbitral, o Protocolo previu igualmente a aplicação de um mecanismo expedito, mais ágil, de solução de controvérsias, podendo ser utilizado em caso de reclamações efetuadas por particulares (pessoas físicas ou jurídicas). Estas podem ser motivadas pela sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do Tratado de Assunção, dos acordos dele derivados ou de decisões e resoluções emanadas do Conselho e do Grupo Mercado Comum. O Protocolo de Brasília foi confirmado pelo Protocolo de Ouro Preto e as diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL passaram a ser consideradas como elemento adicional na apreciação dos casos. A Comissão de Comércio, aliás, adquiriu uma nova dimensão, pois que, ademais de órgão competente para a administração dos instrumentos de política comercial, se converte em um foro de primeira instância no processo resolutivo de controvérsias. Finalmente, ficou estabelecido que a adesão de qualquer novo Estado ao Tratado de Assunção implica a adesão ao Protocolo sobre solução de controvérsias. A questão da supranacionalidade Durante o primeiro período de transição, ao abrigo do Tratado de Assunção, concretizou-se uma fase de progressos no campo da liberalização comercial quadrilateral, com aumentos contínuos no ritmo, composição e intensidade dos fluxos de intercâmbio recíproco. Do ponto de vista institucional, contudo, uma vez que não foram cumpridos todos os requisitos apontados no Artigo 1º para a constituição de um “mercado comum”, permaneceu uma clara indefinição quanto ao perfil político-jurídico que o esquema integracionista deveria assumir na fase ulterior ao período de transição. O Protocolo de 64 Ouro Preto, cujo objetivo era o de moldar o perfil institucional definitivo ou “permanente” do MERCOSUL, a partir de 1° de janeiro de 1995, nada mais fez senão confirmar as estruturas e órgãos institucionais herdados da fase anterior, ao mesmo tempo em que instituía uma Comissão de Comércio cuja principal função é a de administrar a união aduaneira em implantação. Do ponto de vista institucional, portanto, os países signatários do Tratado de Assunção e do Protocolo de Ouro Preto propõem-se chegar a um mercado comum não através de mecanismos comunitários ou supranacionais — a exemplo de instrumentos diplomáticos do tipo da CECA ou do Tratado de Roma-1957 — mas por meio do que seria mais apropriado chamar-se de um “modelo BENELUX”, ou seja, uma estrutura claramente intergovernamental, limitada aos requisitos estritos da união aduaneira. No entanto, a questão da definição de estruturas políticas e decisionais não mais exclusivamente intergovernamentais, mas sim supranacionais no MERCOSUL encontrase presente, com maior ou menor grau de detalhe, em diferentes propostas formuladas por juristas, por cientistas políticos e, de modo geral, por observadores acadêmicos. São factíveis ou realistas tais propostas? Algumas dessas propostas reconhecem o caráter prematuro de qualquer “salto supranacional” na região e seus autores, em lugar da adoção intempestiva do direito comunitário como base da construção do MERCOSUL, recomendam começar pela uniformização jurídica do espaço integracionista. De fato, o processo de uniformização do direito no MERCOSUL, requisito indispensável do mercado comum, poderia ocorrer ainda antes que se possa avançar decisivamente no caminho de uma institucionalidade mais elaborada, facilitando as atividades econômicas e antecipando, de certa forma, o surgimento de um direito comunitário no espaço territorial comum. Essa uniformização jurídica pode ser feita tanto pela via do direito internacional público, como é o caso no MERCOSUL, quanto pela via do direito comunitário, opção retida no caso da Comunidade Européia. Outros juristas, mesmo sem preconizar diretamente a criação de órgãos supranacionais, apontam a necessidade da construção jurisprudencial comunitária, ou pelo menos comum, em matéria de liberalização de mercados e de direito da concorrência, por exemplo, ou ainda, no campo da solução de controvérsias. Seria o caso do aperfeiçoamento dos mecanismos de resolução de conflitos, apontando tendencialmente para a constituição de um Tribunal supranacional, julgado importante 65 para assegurar o espírito associativo entre os países-membros do MERCOSUL e o respeito às decisões comuns, mesmo na ausência de direito comunitário. Com efeito, se a supranacionalidade devesse sobrepor-se ao esquema intergovernamental do MERCOSUL, ela certamente teria de começar pelo sistema de solução de controvérsias, ou seja, pela instituição, no âmbito sub-regional, de um tribunal de justiça ou, pelo menos, de uma corte arbitral de caráter permanente. Não faltam, contudo, aqueles que acham que se deve passar sem delongas à etapa do direito comunitário, erigindo uma ordem jurídica que se superponha às soberanias nacionais. Tais projetos de construção de um MERCOSUL “supranacional” colocam-se objetivamente na vertente contrária à visão cautelosa — alguns diriam à inércia “soberanista” — dos governos dos países membros, para os quais se deve avançar gradualmente, de molde a evitar rupturas políticas e econômicas muito graves no ainda frágil edifício integracionista ou fissuras institucionais irremediáveis, se se decidisse por estender em demasia a viga mestra de sua sustentação jurídica. Para muitos representantes oficiais dos Estados Partes, a demanda recorrente de acadêmicos e juristas por alguma espécie de institucionalidade supranacional no MERCOSUL soa como um apelo em causa própria, como exemplos de um irrefreável romantismo jurídico, de exagerado idealismo político ou, pior, de algum desvio ideológico de tipo acadêmico. Os acadêmicos, em contrapartida, acusam os “mercocratas” e os funcionários governamentais envolvidos na manipulação diária do coquetel integracionista de miopia jurídica e de insensibilidade política, “demonstrando” que sem um mínimo de normatividade jurídica será impossível construir o mercado comum do MERCOSUL com uma certa eficácia econômica e segurança jurídica. Como assegurar, por exemplo, que as decisões dos órgãos do MERCOSUL possam ser integradas automaticamente ao ordenamento interno de cada um dos Estados sem dispor de um mecanismo autônomo de controle? Na ausência de um tal mecanismo, tem-se a constatação de uma lacuna de ordem jurídica, na acepção do direito comunitário, o que parece bastante evidente a qualquer observador um pouco mais informado. As normas do MERCOSUL só se tornam efetivas se e quando todos os Estados Partes tiverem adotado os procedimentos executórios e administrativos pertinentes em seu próprio ordenamento legal e constitucional e uma vez que a Secretaria Administrativa de Montevidéu tenha feito comunicação apropriada sobre esse fato ao conjunto de países membros. 66 Na prática, reconhecendo-se a saudável diversidade das experiências integracionistas conhecidas, não se deveria ter nenhuma objeção de princípio a essa construção algo inédita nos anais do direito internacional; historicamente, deve-se reconhecer, aliás, que os juristas latino-americanos já deram mais de uma prova de sua inventividade conceitual. O MERCOSUL é certamente híbrido do ponto de vista institucional e não há por que pensar que o modelo comunitário europeu constitui o nec plus ultra dos padrões aceitáveis de construção de um mercado comum. A lógica do MERCOSUL é a do menor custo possível, político ou social, para não dizer econômico. Os juristas de bom senso poderão não aceitar esse tipo de justificativa prática, podendo mesmo argumentar em resposta que uma ordem legal instituída segundo os bons princípios do direito e da boa norma jurídica é absolutamente indispensável ao bom funcionamento de todo e qualquer empreendimento integracionista. Ainda que os juristas possam ter razão na substância, os responsáveis políticos pela condução do processo poderão argumentar que, dadas as circunstâncias, a construção do MERCOSUL tem de ser feita por um método aproximado ao do “ensaio e erro”, através da empiria consagrada em norma, e não segundo um padrão de conformidade jurídico-política a algum a priori conceitual. A atual estrutura institucional do MERCOSUL, em sua segunda fase de transição, não deve, contudo, prejulgar quanto ao futuro formato constitucional dessa área de integração. Na medida em que o Tratado de Assunção foi modificado pelo Protocolo de Ouro Preto, que alterou algumas de suas disposições, não se pode excluir a negociação de novo instrumento diplomático modificatório de ambos ou até mesmo algum novo tratado “fundacional”. Assim, diferentes possibilidades permanecem abertas, dentro e fora das zonas de livre comércio em projeto na região, inclusive a da própria preservação do modelo BENELUX atualmente privilegiado, ou seu aperfeiçoamento através de mecanismos ad hoc de consulta e de controle intergovernamentais. Essas opções institucionais encontram-se, aliás, vinculadas ao próprio futuro do MERCOSUL, enquanto esquema exclusivo ou parte de um conjunto geoeconômico mais vasto. 67 7. O futuro do MERCOSUL: dilemas e opções Qualquer exercício de “futurologia” em torno do MERCOSUL deve, antes de mais nada, delimitar as opções econômicas e comerciais em jogo e as propostas políticas disponíveis em termos de organização institucional, do ponto de vista de seu desenvolvimento interno. Caberia considerar, em seguida, os elementos do relacionamento externo do esquema integracionista, notadamente no que se refere ao processo hemisférico e à continuidade do processo de aproximação com a União Européia, para poder projetar, finalmente, os cenários possíveis ou prováveis da evolução futura do MERCOSUL. É evidente, em qualquer hipótese, que seu itinerário de médio e longo prazo dependerá, em grande medida, das escolhas que faça seu mais importante protagonista, a saber, o Brasil, que detém, assim, a chave estratégica do desenvolvimento político e econômico do MERCOSUL no século XXI. Adotando uma espécie de “futurologia do bom senso”, caberia examinar, assim, as opções extremas que se oferecem ao MERCOSUL para tentar delimitar, mais adiante, as propostas razoáveis abertas a seu desenvolvimento político e institucional. No curto prazo, o MERCOSUL não parece politicamente ameaçado por alguma catástrofe irreversível, nem por algum conflito econômico de grandes proporções, a não ser por suas próprias escaramuças comerciais, de pouca magnitude intrínseca, aliás. Essas disputas por acesso recíproco aos mercados dos países membros (a começar pela própria magnitude da TEC) e as acusações recíprocas de “comércio desleal” entre parceiros são inevitáveis, na medida em que correspondem a uma situação de abertura progressiva num contexto de indefinição de normas estritas de competição e de ausência parcial ou total da “harmonização das políticas macroeconômicas”, objeto, como se sabe, do Artigo 1º do Tratado de Assunção. Ao não ter sido realizada essa harmonização, torna-se evidente o potencial de desentendimentos entre os membros nos mais diversos campos: níveis da TEC, exceções aceitáveis, ritmo da convergência, barreiras ao intercâmbio, normas industriais e regulamentos técnicos, padrões e formas de proteção à propriedade intelectual, medidas de defesa comercial, regras aplicadas aos setores ditos “sensíveis”, enfim, questões próprias a toda e qualquer união aduaneira em formação. Quais seriam, finalmente, as alternativas dicotômicas colocadas como promessa ou como ameaça no futuro do MERCOSUL? Por um lado, a realização plena do projeto 68 integracionista original, ou seja, um mercado comum caracterizado pela “livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos”, consoante os objetivos do Artigo 1° do Tratado de Assunção, ainda não realizados, diga-se de passagem. Por outro, e no outro extremo, a diluição do MERCOSUL numa vasta zona de livre-comércio hemisférica, do tipo da ALCA, de conformidade com o programa traçado em Miami em dezembro de 1994. Antes de discutir se tais opções extremas seriam factíveis, realizáveis no curto ou médio prazo ou mesmo credíveis no atual contexto político-diplomático e econômico da região, vejamos o que significaria o desenvolvimento de uma estratégia intermediária de menor custo político e econômico para o Mercosul, que seria representada por uma zona de livre-comércio geograficamente menos ambiciosa, como a proposta Área de LivreComércio Sul-Americana (ALCSA). Esse espaço de liberalização comercial de âmbito exclusivamente sul-americano não tinha recebido, até os mais recentes progressos da ALCA, a continuidade esperada pelos seus proponentes originais e parecia até há pouco colocado numa espécie de limbo político pelos negociadores da integração. Para registro histórico, lembre-se que esse projeto tinha sido apresentado no Governo Itamar Franco como “Iniciativa Amazônica” pelo então chanceler Fernando Henrique Cardoso, depois ampliado em escala continental pelo Chanceler Celso Amorim. Nas duas modalidades, se previa a negociação, diretamente pelo MERCOSUL e sua ulterior protocolização pela ALADI, de amplos acordos de liberalização comercial e de complementação econômica entre os países do MERCOSUL e os demais países do continente. Tal como apresentado pelo Brasil, ele não despertou entusiasmo nos demais parceiros do MERCOSUL, na medida em que reduzia o impacto do acesso preferencial ao mercado brasileiro por parte desses países e introduzia um difícil processo de negociações “triangulares” que tinha de levar em conta não apenas o chamado “patrimônio histórico” da ALADI, mas ainda acordos de alcance parcial que os países do MERCOSUL pudessem manter individualmente com outros países sul-americanos. A conclusão, em 16 de abril de 1998, de um acordo quadro de liberalização do comércio entre os países do MERCOSUL e a Comunidade Andina vem recolocar num novo patamar os esforços de consolidação de uma zona de livre-comércio na América do Sul. A ALCSA representa uma opção de médio escopo hemisférico, servindo para reforçar o esquema liberalizador no âmbito geográfico da América do Sul. Seu pleno desenvolvimento representa uma estratégia de grande importância na conformação de um 69 projeto econômico próprio para a região, independentemente da vontade política do principal parceiro hemisférico. Opções extremas: entre um mercado comum completo e a ALCA No que se refere aos cenários extremos, comecemos agora por examinar a “hipótese” em função da qual foi elaborado o próprio projeto do MERCOSUL, ou seja, a realização do mercado comum sub-regional. A terem sido cumpridos os objetivos fixados no Artigo 1º do Tratado de Assunção, o mercado comum previsto deveria ter entrado em funcionamento no dia 1º de janeiro de 1995, o que obviamente não foi o caso. Segundo uma leitura otimista desse instrumento diplomático e do próprio processo de integração, esses objetivos serão cumpridos nesta etapa complementar, que denominamos de “segunda transição”, observados os prazos fixados no regime de convergência estabelecido para os diferentes setores definidos como “sensíveis” e cumpridos os requisitos mínimos desse mercado comum. Isto significaria, entre outros efeitos, a implementação efetiva da Tarifa Externa Comum e a conformação eventual, se necessário, de exceções verdadeiramente “comuns” a essa pauta aduaneira, e não listas nacionais de exceções como hoje se contempla. Idealmente, todas as barreiras nãotarifárias e medidas de efeito equivalente deveriam ter sido suprimidas. A coordenação de políticas macroeconômicas, nessa perspectiva, supõe igualmente que os países membros deveriam ter delimitado todas as áreas cruciais de cooperação em vista da necessária abertura recíproca de seus mercados a todos os bens e serviços dos países membros, inclusive no que se refere à oferta transfronteiriça de serviços e ao mútuo reconhecimento de normas e regulamentos técnicos específicos. Na ausência de progressos mais evidentes nessas áreas, se esperava que os países pudessem ter definido, pelo menos, um sistema de paridades cambiais com faixas mínimas de variação, se alguma, entre as moedas respectivas, bem como a harmonização dos aspectos mais relevantes de suas legislações nacionais relativas a acesso a mercados. Estes são os requisitos mínimos para a conformação de um amplo espaço econômico conjunto no território comum aos países do MERCOSUL, a partir do qual se poderia caminhar para a consolidação progressiva e o aprofundamento do processo de integração, em direção de fases mais avançadas do relacionamento recíproco nos campos econômico, político e social. 70 Ainda que esse cenário razoável não se concretize, como parece previsível, nos primeiros anos do próximo século, seu desdobramento faz parte da lógica interna do MERCOSUL. Em todo caso, ele resultaria num MERCOSUL muito próximo do padrão de integração apresentado pelo mercado comum europeu em finais dos anos 60, isto é, após terem os signatários originais do Tratado de Roma completado sua união aduaneira e definido uma espécie de “coexistência pacífica” entre uma pretendida vocação comunitária — encarnada na Comissão, mas freada pelos representantes dos paísesmembros nos conselhos ministeriais — e um monitoramento de tipo intergovernamental, consubstanciado no papel político atribuído ao COREPER, o Comitê de Representantes Permanentes, não previsto no primeiro esquema institucional. Em outros termos, mesmo a mais “comunitária” das experiências integracionistas, sempre foi temperada por um necessário controle intergovernamental, ou melhor dizendo, nacional. Quanto à outra hipótese extrema, a diluição — ou dissolução, prefeririam os norteamericanos — do MERCOSUL na ALCA, ela apenas poderia resultar de uma opção consentida e desejada pelos próprios países membros, a menos que se admita uma deterioração sensível da “solidariedade mercosuliana” nos anos finais da segunda fase de transição. [Essa hipótese não pode ser excluída de todo, a julgar pelas assimetrias persistentes e por uma certa busca de “vantagens” unilaterais, como parece ser a tentativa do Paraguai de preservar os aspectos mais distorcivos de sua atual condição de “entreposto aduaneiro” da produção eletrônica de baixa qualidade que é despejada em seu território a partir de países asiáticos emergentes. Nota PRA: Não constou da edição da LTr] Num caso — consolidação do MERCOSUL — como no outro — começo da implantação da ALCA —, a data fatídica de 2005 aparece como um verdadeiro marco divisor, um “antes” e um “depois” num processo de escolhas cruciais que estarão sendo colocadas para o Brasil e sua diplomacia econômica nos primeiros anos do século XXI. O País não poderá furtar-se a essas opções dramáticas e da qualidade das respostas dadas a alternativas por vezes contraditórias dependerá o futuro do MERCOSUL. Os pressupostos formais e substantivos da ALCA são, evidentemente, inferiores em escala integracionista aos do MERCOSUL, muito embora a agenda econômica da liberalização hemisférica, tal como pretendida pelos Estados Unidos, compreenda bem mais do que os componentes elementares de uma “simples” zona de livre-comércio. Com efeito, tal como definido em Miami, em dezembro de 1994, aprofundado sucessivamente nos encontros ministeriais de Denver (junho de 1995), em Cartagena de Índias (março de 71 1996) em Belo Horizonte (maio de 1997) e em San José (março de 1998), e confirmado na segunda cúpula hemisférica (Santiago, abril de 1998), o programa da ALCA pretende ser algo mais do que um mero exercício de rebaixamento tarifário e de concessões recíprocas de ordem não-tarifária, cobrindo ainda, de forma abrangente, campos como os de serviços, investimentos, propriedade intelectual, concorrência e compras governamentais. Consciente do projeto ambicioso impulsionado pelos Estados Unidos, assim como de suas próprias fragilidades estruturais no confronto com a supremacia competitiva do Big Brother do Norte, o Brasil, secundado pelos parceiros do MERCOSUL, buscou refrear o ímpeto inicial de, nos termos da Declaração de Miami, se “começar imediatamente a construir a ALCA”, logrando afastar, na reunião ministerial de Belo Horizonte (maio de 1997), a ameaça de que se deva, “até o fim deste século [obter] progresso concreto para a realização deste objetivo”. [O Brasil levou o MERCOSUL a adotar uma postura essencialmente crítica em relação à ALCA, quando não um posicionamento contrário à consecução de alguns dos, senão todos, objetivos fixados na Declaração de Miami, com exceção da própria meta geral de se empreender a construção de uma “zona de livre-comércio hemisférica”. Nota PRA: Não constou da edição da LTr] Uma das primeiras conquistas do MERCOSUL no processo preparatório às negociações foi consagrar o princípio dos building blocks, pelo qual a construção da ALCA se faria não pela adesão de cada país individualmente ao NAFTA, como pretendiam os norte-americanos, mas pela conjunção oportuna dos diversos esquemas subregionais de liberalização e de integração. A outra vitória foi afastar o espectro da early harvest, a perspectiva de resultados antecipados até o ano 2000, adicionalmente ao princípio do single undertaking, pelo qual se deve esperar um entendimento global sobre todos os benefícios e vantagens antes da implementação de qualquer acordo setorial que porventura se obtenha. O sucesso foi consagrado nas últimas reuniões do processo hemisférico, quando, ao definir responsabilidades partilhadas em termos das sucessivas presidências do processo negociador e de desenvolvimento dos trabalhos dos grupos setoriais, se logrou obter, a partir de San José, resultados equilibrados do ponto de vista do MERCOSUL e do Brasil. Este país assegurará, juntamente com os Estados Unidos, a co-presidência do processo negociador durante a última – e mais crucial – fase de definição do perfil da futura zona de livre-comércio hemisférica. 72 O que, afinal, assusta tanto os negociadores do MERCOSUL na projetada ALCA? Existem fatores tanto de ordem estrutural quanto elementos conjunturais que podem explicar as reticências brasileiras em relação a esse projeto. Em primeiro lugar, aparece o evidente diferencial de competitividade e de base produtiva (economias de escala) entre os dois maiores parceiros hemisféricos. Os Estados Unidos compõem uma economia de 7 trilhões de dólares, voltada atualmente para os aspectos mais dinâmicos da nova economia de serviços, ao passo que o Brasil, detentor de um PIB equivalente a menos do décimo do norte-americano, tenta consolidar seu processo industrializador em meio aos desafios derivados da implementação da Rodada Uruguai e de seu próprio programa unilateral de abertura comercial. Ainda assim, os argumentos a favor ou contra a ALCA podem ser utilizados num ou noutro sentido, em função da postura que se adote em relação aos ganhos esperados de uma ampliação de mercados não mais limitada em escala sub-regional, mas estendida a todo o hemisfério. No que se refere a uma eventual adesão ao NAFTA, os que encaram positivamente essa opção, não deixam de ressaltar o maior potencial de mercado e a superior qualidade da parceria tecnológica que podem derivar de uma “relação especial” no continente norte-americano, particularmente com os Estados Unidos, comparativamente à modéstia do poder de compra e as menores possibilidades tecnológicas oferecidas no Cone Sul. Aqueles que por sua vez privilegiam os laços subregionais tampouco deixar de sublinhar, como parece claro, o desnível de poder negociador com o Big Brother do Norte, o que condenaria o Brasil a fazer muito mais concessões do que as que obteria em troca em termos de acesso ao mercado dos Estados Unidos. Em segundo lugar, precisamente, e no seguimento deste último argumento, um outro fator de temor pode ser encontrado na também evidente assimetria de concessões e benefícios esperados de mais um processo de liberalização conduzido apenas em escala hemisférica, quando o perfil geográfico do comércio exterior brasileiro – consoante seu perfil tantas vezes afirmado de global trader - e seu relacionamento econômicofinanceiro e tecnológico apontam para uma diversificação bem mais ampla de parcerias, com algumas áreas tradicionais de concentração, a começar pelo continente europeu. A União Europeia é, e continuará sendo no futuro previsível, o mais importante mercado comercial e um dos principais provedores de investimentos para a economia brasileira, assim como a implementação do euro trará efeitos positivos para o Brasil em termos de 73 comércio, finanças e diversificação de reservas. Ainda que não se conceba uma “preferência hemisférica” no terreno dos investimentos diretos, uma liberalização comercial conduzida apenas nesta parte do planeta poderia desestabilizar um quadro de parcerias comerciais e de estratégias empresariais — descontando-se a vertente agrícola, está claro — que promete muito mais em termos de inserção econômica internacional para o Brasil do que um pretendido acesso “privilegiado” ao mercado norte-americano. Em terceiro, e mais importante, lugar, pode-se considerar o espectro do eventual abandono de um projeto regional de construção de um espaço econômico próprio, no qual, a despeito de todas as suas aparentes fragilidades, o Brasil assume um nítido papel hegemônico, em favor de um esquema não controlado de liberalização à outrance, na qual o País se veria atribuir, se tanto, uma função secundária. [Em outros termos, a questão essencial ligada à ALCA não se refere, na verdade, a seus aspectos comerciais ou mesmo econômicos, mas sim, inquestionavelmente, a um projeto de poder. Nota PRA: Não constou da edição da LTr] Compreende-se, dessa maneira, que o projeto ALCA constitui uma “opção extrema” não apenas em relação ao MERCOSUL, mas principalmente em relação à agenda geoestratégica, ainda que “inconsciente”, do Estado brasileiro. Com efeito, não há, nem nunca houve, na doutrina geopolítica brasileira — subjacente e jamais explicitada em sua história diplomática — o equivalente de um “manifesto destino”. Não se pode negar, entretanto, a existência latente de uma concepção própria quanto aos cenários possíveis ou desejáveis para o desenvolvimento do País no contexto sul-americano, podendo afirmar-se que a implementação concreta dessa concepção passa pela conformação de um espaço econômico integrado no hemisfério americano meridional. Esses são, em resumo, os temores explícitos ou implícitos que suscita o projeto da ALCA e as razões, ipso facto, pelas quais a diplomacia brasileira se mobilizou para diminuir seu impacto [ou neutralizar seus efeitos]. Deve-se recordar, en passant, que o projeto da ALCA pode ser também “implodido”, não por ações concretas que possam ser adotadas pelo MERCOSUL ou pelo Brasil em particular, mas por avanços sensíveis que possam ser registrados no plano do sistema multilateral de comércio, mais concretamente a partir do lançamento de uma esperada Rodada do Milênio envolvendo quase todos, senão todos, os temas atualmente em discussão no âmbito hemisférico. Com efeito, que sentido teria, por um lado, conduzir negociações simultâneas de escopo comercial e nãotarifário em foros distintos e paralelos, ainda que não antagônicos, e como seria possível 74 compatibilizar, por outro lado, exigências e demandas de dois conjuntos heteróclitos de parceiros econômicos? Mesmo que se pretenda criar uma dinâmica regional, ou hemisférica, que sustente negociações de escopo mais amplo, ainda que razoavelmente mais “equilibradas”, no foro da Organização Mundial de Comércio, o início de mais uma rodada de negociações multilaterais em âmbito universal inviabilizaria, na prática, a continuidade desse exercício em escala hemisférica. Opções de Realpolitik: a grande estratégia do MERCOSUL Quais seriam, em contrapartida, as opções razoáveis, ou as mais prováveis, que se apresentam para o desenvolvimento futuro do MERCOSUL? Elas se situam, claramente, no campo de seu aprofundamento interno, em primeiro lugar nos terrenos econômico e comercial, no âmbito de sua extensão regional, no reforço das ligações extra-regionais (em primeiro lugar com a União Europeia) e, finalmente, mas não menos importante, no apoio que o MERCOSUL pode e deve buscar no multilateralismo comercial como condição de seu sucesso regional e internacional enquanto exercício de diplomacia geoeconômica. Parece evidente que, a despeito de dificuldades pontuais e de obstáculos setoriais, a marcha da integração econômica não poderá ser detida pelas lideranças políticas que, nos próximos cinco ou dez anos, se sucederão ou se alternarão nos quatro países membros e nos demais associados. Tendo resultado de uma decisão essencialmente política, de “diplomacia presidencial” como já se afirmou, o MERCOSUL econômico não poderá ser freado senão por uma decisão igualmente política: ora, afigura-se patente que o processo de integração possui um valor simbólico ao qual nenhuma força política nacional tem a pretensão de opor-se. Daí se conclui que os impasses comerciais, mesmo os mais difíceis, tenderão a ser equacionados ou contornados politicamente e levados a uma “solução” de mútua e recíproca conveniência num espaço de tempo algo mais delongado do que poderiam supor os adeptos de rígidos cronogramas econômicos. Nesse sentido, o MERCOSUL não é obra de doutrinários ortodoxos, mas de líderes pragmáticos. Assim, sem entrar na questão do cumprimento estrito do programa de convergência ou no problema da compatibilização de medidas setoriais nacionais, tudo leva a crer que a futura arquitetura do MERCOSUL econômico não seguirá processos rigorosamente definidos de “aprofundamento” inter e intra-setoriais, dotados de uma racionalidade econômica supostamente superior, mas tenderá a seguir esquemas “adaptativos” e 75 instrumentos ad hoc essencialmente criativos, seguindo linhas de menor resistência já identificadas pragmaticamente. Se o edifício parecer singularmente “heteróclito” aos olhos dos cultores dos esquemas integracionistas pode-se argumentar, em linha de princípio, que o itinerário do MERCOSUL econômico não precisa seguir, aprioristicamente, nenhum padrão de “beleza estética” ou de “pureza teórica” no campo da integração. No que se refere à questão do aprofundamento interno, político e institucional do MERCOSUL, eventualmente inclusive no terreno militar, não se pode deixar de sublinhar, uma vez mais, as dificuldades inerentes — e as demandas inevitáveis, pelos protagonistas já identificados — vinculadas ao problema da supranacionalidade, constantemente agitado, como uma espécie de “espantalho acadêmico”, sobre a mesa de trabalho de “mercocratas insensíveis”. Nenhum desses cenários “razoáveis” tem, como nos casos anteriores, sobretudo no exercício da ALCA, a data fatídica de 2005 como fator político de mutação estratégica. Eles se situam mais no terreno da continuidade do que no da ruptura, ainda que alguns “choques” internos tenham de ocorrer para tornar verdadeiramente possíveis, ou prováveis, alguns dos desenvolvimentos aqui considerados. É bem verdade que, no caso dos prazos finais de convergência intra-MERCOSUL, o ano de 2005 — e, antes dele, o ano 2000 para a liberalização completa da maior parte das exceções tarifárias — aparece como uma espécie de “ponto de não retorno” no cenário da integração sub-regional, mas ele também pode ser visto como um “ponto de fuga”, após o qual os países membros, ainda a braços com processos delongados de estabilização macroeconômica e confrontados a difíceis escolhas no terreno de suas políticas econômicas nacionais, continuariam afastando diante de si ou - para usar um verbo dotado de conotação positiva - buscando ativamente a “implementação” da união aduaneira projetada. Aceitando-se que tanto a ALCA como a provável Rodada do Milênio na OMC, ambos sob o signo de um “GATT-plus”, poderão servir de aguilhões para a implementação efetiva dessa união aduaneira, tem-se que antes ou a partir de 2005 os países-membros estarão avançando desta vez no caminho do mercado comum. As dificuldades derivadas da abertura comercial brasileira efetuada em princípios dos anos 90 já terão sido provavelmente absorvidas e restaria apenas consolidar as bases de um novo modelo de crescimento econômico e de integração à economia mundial. Nessa fase, com toda probabilidade, estaremos assistindo à consolidação de novas configurações 76 industriais na sub-região e no Brasil em particular, com um crescimento extraordinário do comércio intra-industrial e intra-firmas. Tem-se como certa, igualmente, a continuidade do processo de internacionalização da economia brasileira, em ambos os sentidos, ou seja, não apenas a recepção de um volume cada vez maior de capitais estrangeiros nos diversos setores da economia, com destaque para o terciário, mas igualmente a exportação ampliada de capitais brasileiros para dentro e fora da região. Com efeito, o Brasil é também, crescentemente, um país “exportador” de capitais. Nesse sentido, o MERCOSUL se consolidará como “plataforma” industrial de uma vasta região geoeconômica, mas se converterá igualmente em grande exportador mundial, o que ele hoje faz em escala muito modesta. Seria ainda prematuro debater a questão da “moeda comum”, mas não se poderia excluir tampouco essa hipótese, via adoção prévia de um sistema qualquer de paridades correlacionadas entre suas principais moedas. Este cenário está obviamente vinculado ao abandono, pela Argentina, do sistema de paridade fixa, assim como à própria adoção da moeda única europeia, que poderá “sugerir” o afastamento da referência exclusiva ao dólar. Mas, mesmo um MERCOSUL minimalista não poderá eludir o problema da coordenação cambial como condição essencial de avanços ulteriores nos demais terrenos da construção do mercado comum. Em outros termos, quaisquer que sejam as dificuldades eventuais, o MERCOSUL terá de avançar no terreno econômico-comercial como condição prévia à preservação de sua identidade política, regional e internacional, em face dos desafios hemisférico e multilateral que se apresentarão nos primeiros anos do século XXI. As demandas não são apenas externas, na medida em que se conhece o apetite — e mesmo a necessidade — argentina pela coordenação de políticas macroeconômicas, bem como a reiterada insistência do Uruguai, e com menor ênfase do Paraguai, por instituições supranacionais. A agenda institucional do MERCOSUL: direito comunitário? Um dos grandes problemas da evolução política futura do MERCOSUL é, precisamente, o “salto” para a adoção integral de instituições comunitárias de tipo supranacional, transição que ocorrerá mais cedo ou mais tarde nos países-membros, considerando-se que o MERCOSUL constitui, efetivamente, o embrião de etapas superiores de integração. Este setor é, obviamente, o de maiores dificuldades intrínsecas, uma vez que combina, como seria de se esperar, preocupações relativas à soberania estatal e ao assim chamado “interesse nacional”. A questão principal neste campo refere-se à 77 possibilidade de formação de uma ordem jurídica comunitária no MERCOSUL, que muitos autores consideram automaticamente a partir do conceito similar oriundo do direito comunitário construído a partir da experiência europeia de integração econômica e política. Em outros termos, o MERCOSUL deveria ou precisaria aproximar-se do modelo europeu para receber uma espécie de rótulo comunitário, uma certificação de boa qualidade de origem supranacional? Contra essa perspectiva “europeia” são levantados, e não apenas pelos “mercocratas”, vários óbices estruturais e sobretudo políticos nos países membros. A despeito de uma aceitação de princípio por parte das elites desses países dos pressupostos da construção comunitária — ou seja, a cessão de soberania, a delegação ou transferência de poderes, a limitação da vontade soberana do Estado — a internacionalização efetiva de suas economias respectivas ou uma ativa e assumida interdependência entre os países membros do MERCOSUL parece ainda distante. O problema aqui parece ser mais de ordem prática do que teórica: os economistas, que são os que de fato comandam o processo de integração, pelo menos em seus aspectos práticos, não têm o mesmo culto à noção de soberania — seja contra ou a favor — em que parecem deleitar-se os juristas. Ainda que todos possam concordar em que a soberania nacional pode e deve recuar à medida em que se avança num projeto de mercado comum, não se trata de uma questão em relação à qual os atores relevantes possam ou devam se posicionar simplesmente contra ou a favor, ou, ainda, de uma noção para ser encaminhada ou resolvida por um tratado jurídico de qualquer tipo. A soberania, qualquer que seja o seu significado jurídico, não costuma integrar os cálculos de PIB ou os de equilíbrios de balança comercial; da mesma forma, ela não se sujeita à coordenação de políticas macroeconômicas, daí sua irrelevância prática para a condução efetiva do processo integracionista. Ela é, sim, exercida diariamente, na fixação da taxa de câmbio — que pode até ser declarada estável — ou na determinação do nível de proteção efetiva em situações de baixa intensidade integracionista, que é justamente aquela na qual vivem os países do MERCOSUL ou pelo menos o maior deles. Diversos juristas e estudiosos do MERCOSUL têm avançado a ideia de que caberia impulsionar, através da “vontade política”, a implementação gradual de um modelo supranacional, indicando o Brasil como o grande responsável pela preservação do caráter intergovernamental da estrutura orgânica mercosuliana pós-Ouro Preto. É verdade, mas 78 neste caso se tratou de obra meritória, na medida em que tal atitude salvou o próprio MERCOSUL de um provável desastre político e de possíveis dificuldades econômicas e sociais. A Realpolitik é sempre a linha de maior racionalidade nas situações de forte incerteza quanto aos resultados de qualquer empreendimento inovador, seja uma batalha militar, seja um salto para a frente nesse modesto Zollverein do Cone Sul. Dito isto, este autor pretende deixar claro que não defende uma posição “soberanista” estrita no processo de construção, necessariamente progressivo e gradual, do MERCOSUL. A soberania, como no velho mote sobre o patriotismo, costuma ser o apanágio dos que se atêm à forma em detrimento do conteúdo, à letra em lugar do espírito da lei; sua afirmação, em caráter peremptório ou irredentista, é geralmente conservadora, podendo mesmo sua defesa exclusivista e principista ser francamente reacionária no confronto com as necessidades inadiáveis de promoção do desenvolvimento econômico e social e do bem-estar dos povos da região. O que, sim, deve ser considerado na aferição qualitativa de um empreendimento tendencialmente supranacional como é o caso do MERCOSUL é em que medida uma renúncia parcial e crescente à soberania por parte dos Estados Partes acrescentaria “valor” ao edifício integracionista e, por via dele, ao bem-estar dos povos integrantes do processo, isto é, como e sob quais condições especificamente uma cessão consentida de soberania contribuiria substantivamente para lograr índices mais elevados de desenvolvimento econômico e social. O assim chamado interesse nacional — tão difícil de ser definido como de ser defendido na prática — passa antes pela promoção de ativas políticas desenvolvimentistas do que pela defesa arraigada de uma noção abstrata de soberania. Deve-se colocar o jurisdicismo a serviço da realidade econômica e não o contrário e ter presente que cabe ao Estado colocar-se na dependência dos interesses maiores da comunidade de cidadãos e não servir objetivos imediatos e corporatistas de grupos setoriais ou fechar-se no casulo aparentemente imutável de disposições constitucionais soberanistas. Em certas circunstâncias, pode-se admitir que uma defesa bem orientada do interesse nacional — que é a defesa dos interesses gerais dos cidadãos brasileiros e não os particulares do Estado, a defesa dos interesses da Nação, não os do governo — passe por um processo de crescente internacionalização, ou de “mercosulização”, da economia brasileira. Quando se ouve impunemente dizer que a “defesa do interesse nacional” significa a proteção do “produtor” ou do “produto nacional” poder-se-ia solicitar ao mercocrata de plantão que saque, não o seu revólver, mas a planilha de custos sociais da proteção efetiva à produção 79 nacional (o que envolve também, é claro, o cálculos dos efeitos renda e emprego gerados no País). A opção continuada dos países membros do MERCOSUL por estruturas de tipo intergovernamental, submetidas a regras de unanimidade, pode portanto ser considerada como a mais adequada na etapa atual do processo integracionista em escala sub-regional, na qual nem a abolição dos entraves à livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, nem a instituição efetiva da tarifa externa comum, nem a integração progressiva das economias nacionais parecem ainda requerer mecanismos e procedimentos supranacionais suscetíveis de engajar a soberania dos Estados. Esses objetivos podem, nesta fase, ser alcançados através da coordenação de medidas administrativas nacionais e da harmonização das legislações individuais. Ainda que os objetivos do MERCOSUL sejam similares aos do Mercado Comum Europeu e, eventualmente, em última instância, aos da União Europeia, não há necessidade, para o atingimento dos objetivos que são os seus atualmente, de que o seu sistema jurídico copie, neste momento, o modelo instituído no Tratado de Roma e, numa fase ulterior, o Tratado de Maastricht. Basta atribuir-lhe personalidade de direito internacional e implantar um marco de disciplina coletiva no exercício das respectivas soberanias nacionais. Um outro campo de avanços “virtuais” seria o da cooperação política entre os países membros. É teoricamente possível pensar, no MERCOSUL, em etapas mais caracterizadas de integração política, a exemplo da Europa de Maastricht. Não há contudo, neste momento, a exemplo dos conhecidos mecanismos europeus, uma instância formal de cooperação política e de coordenação entre as chancelarias respectivas para uma atuação conjunta nos foros internacionais, assim como não há uma instância específica do MERCOSUL para assuntos militares e estratégicos (a despeito mesmo da realização, tanto a nível bilateral Brasil-Argentina, como a nível quadrilateral, de diversas reuniões — de caráter meramente informativo e com características quase acadêmicas — entre representantes militares dos quatro países membros). A prática diplomática, contudo, tem levado a consultas políticas constantes entre os quatro países, sobretudo Brasil e Argentina, tanto a nível presidencial como por meio das chancelarias respectivas. Esses contatos passaram, cada vez mais, a envolver os setores militares respectivos dos países membros. Já, previsivelmente, os Estados Maiores conjuntos das forças armadas nacionais, no Brasil e na Argentina, reduziram ao mínimo, ou pelo menos a proporções insignificantes, os riscos de uma instabilidade político-militar nas relações recíprocas. 80 Isto significa, tão simplesmente que a hipótese de guerra, sempre traçada nas planilhas de planejamento estratégico dos militares, é cada vez mais remota, senão impossível. O futuro do MERCOSUL: a work in progress As fases mais avançadas do processo integracionista no Cone Sul poderão, a exemplo da experiência europeia, permitir o estabelecimento de uma cooperação e coordenação política propriamente institucionalizada e poderão até mesmo desembocar, a longo prazo, num processo ao estilo da Europa-92 e envolver as diversas dimensões discutidas e aprovadas por Maastricht, ou seja, união econômica ampliada (moeda e banco central), coordenação da segurança comum e ampliação do capítulo social em matéria de direitos individuais e coletivos. Nesse particular, as centrais sindicais do MERCOSUL vêm demandando, com uma certa insistência, a adoção de uma “Carta Social”, com direitos sociais e trabalhistas mínimos a serem respeitados pelos “capitalistas selvagens” do Cone Sul. Ainda que se possa conceber novos avanços no capítulo social do MERCOSUL, é previsível que a orientação econômica predominante neste terreno — isto é, tanto empresarial como governamental — continuará privilegiando mais a “flexibilidade” dos mercados laborais, ao estilo anglo-saxão, do que uma estrita regulação dos direitos segundo padrões europeus. No que se refere, finalmente, ao relacionamento externo do MERCOSUL, caberia enfatizar primeiramente o aprofundamento das relações com outros esquemas de integração, a começar obviamente pela União Europeia. O MERCOSUL se constituiu no bojo de uma revitalização dos esquemas de regionalização, sobretudo os de base subregional. Sua primeira fase de transição coincidiu com a constituição de uma área de livre comércio na América do Norte (NAFTA), entre o México, os EUA e o Canadá, logo seguida pelo próprio desenvolvimento da ideia da “Iniciativa para as Américas” sob a forma de uma zona de livre-comércio hemisférica, a ALCA. Ao mesmo tempo, outros esquemas eram lançados ou se desenvolviam em outros quadrantes do planeta: todos eles obedecem, em princípio, à mesma rationale econômica e comercial, qual seja, o da constituição de blocos comerciais relativamente abertos e interdependentes, integrados aos esquemas multilaterais em vigor. A União Europeia, que levou mais longe esse tipo de experiência, talvez seja o bloco menos aberto de todos, mas é também aquele que apresenta o maior coeficiente de abertura externa e de participação no comércio 81 internacional de todos os demais, sendo ademais o principal parceiro externo do MERCOSUL. O MERCOSUL deve relacionar-se amplamente com os diversos esquemas subregionais, mas, ao mesmo tempo, preservar seu capital de conquistas no Cone Sul. Em outros termos, a associação, via acordos de livre-comércio, de parceiros individuais (foi o caso do Chile e da Bolívia, a partir de 1996) ou de grupos de países (os da Comunidade Andina, por exemplo), deve obedecer única e exclusivamente aos interesses dos próprios países membros do MERCOSUL, para que os efeitos benéficos do processo de integração sub-regional não sejam diluídos num movimento livre-cambista que apenas desviaria comércio para fora da região. Tal seria o caso, por exemplo, de uma negociação precipitada em prol da ALCA, sem que antes fossem garantidas condições mínimas de consolidação da complementaridade intra-industrial entre Brasil e Argentina e de expansão do comércio em geral no próprio MERCOSUL e no espaço econômico sulamericano em construção. Um acordo precipitado no âmbito da ALCA introduziria certamente uma demanda excessiva por salvaguardas durante a fase de transição e, sabemos pela experiência do próprio MERCOSUL, que elas devem limitar-se aos ajustes temporários requeridos pelos processos de reconversão ligados à repartição intersetorial dos fluxos comerciais e, em nenhum caso, dificultar ou impedir a marcha da especialização e da interdependência intra-industrial. As regras de origem, por outro lado, que conformam um dos capítulos mais intrincados de qualquer processo de liberalização, poderiam ser indevidamente utilizadas para impedir fluxos de comércio com outras regiões ou investimentos de terceiros países, geralmente europeus ou mesmo asiáticos, reconhecidamente mais dinâmicos em determinados setores de exportação. A “ameaça” da ALCA incitou presumivelmente os europeus a se decidir por avançar na implementação do acordo de cooperação interregional, firmado em Madri em dezembro de 1995. Como registrado nesse instrumento, a liberalização comercial “deverá levar em conta a sensibilidade de certos produtos”, o que constitui uma óbvia referência à Política Agrícola Comum, uma das áreas de maior resistência à abertura no ulterior processo de negociação. Não obstante, é de se esperar que por volta de 2005, e coincidindo com avanços similares nos planos hemisférico e multilateral, o MERCOSUL e a União Europeia tenham delineado as bases de um vasto esforço de cooperação. Uma etapa decisiva no esforço negociador bilateral deverá ser realizada por ocasião da cúpula 82 Europa-América Latina, a realizar-se no Rio de Janeiro no primeiro semestre de 1999, quando também deverão reunir-se representantes de cúpula do Mercosul e da União Europeia com vistas, possivelmente, ao anúncio do início das negociações tendentes a conformar um processo progressivo de liberalização do comércio recíproco dos dois espaços de integração regional. Mais importante do que qualquer esquema “privilegiado” de âmbito regional é, contudo, o reforço contínuo das instituições multilaterais de comércio, condição essencial para que o MERCOSUL não seja discriminado indevidamente em qualquer área de seu interesse específico, seja como ofertante competitivo de produtos diversos, seja como recipiendário de capitais e tecnologias necessárias. A OMC representa, nesse sentido, um foro primordial de negociações econômicas e, como tal, um terreno comum de entendimento com os diversos esquemas regionais de integração. Essa instituição não constitui, entretanto, um guarda-chuvas tranquilo e muito menos uma panaceia multilateralista suscetível de preservar os países-membros dos desafios da globalização já em curso: pelo contrário, ela tende a ser, cada vez mais, o próprio foro da globalização, ao lado de suas “irmãs” mais velhas de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial. Atuando de forma coordenada na OMC, bem como em outros foros relevantes do multilateralismo econômico internacional - como a OCDE, a UNCTAD e as instituições de Bretton Woods -, os países-membros do MERCOSUL logram aumentar seu poder de barganha e ali exercer um talento negociador que os preparará para a fase da “pósglobalização” que já se anuncia. Em síntese, tendo em vista que o processo de construção do MERCOSUL não obedece tão simplesmente a opções de política comercial ou de modernização econômica – ainda que tais objetivos sejam, por si sós, extremamente relevantes do ponto de vista econômico e social de seus países membros – ou a meras definições externas e internacionais de caráter “defensivo”, mas encontra-se no próprio âmago da estratégia político-diplomática dos respectivos Governos e de certa forma entranhado a suas políticas públicas de construção de um novo Estado-nação na presente conjuntura histórica sub-regional, parece cada vez mais claro que o MERCOSUL está aparentemente “condenado” a reforçar-se continuamente e a afirmar-se cada vez mais nos planos regional e internacional. Nesse sentido, ele deixa de ser um “simples” processo de integração econômica, ainda que dotado de razoável capacidade transformadora do ponto de vista estrutural e sistêmico – algo limitado, reconheça-se, para o Brasil enquanto 83 “território ainda em formação”, por mais significativo que ele possa ser no quadro dos sistemas econômicos nacionais respectivos dos demais países membros -, para apresentar-se como uma das etapas historicamente paradigmáticas no itinerário já multissecular das nações platinas e sul-americanas, como uma das opções fundamentais que elas fizeram do ponto de vista de sua inserção econômica internacional e de sua afirmação política mundial na era da globalização. O MERCOSUL é, mais do que nunca, um work in progress. 84 8. Cronologia dos processos integracionistas no hemisfério Origens e desenvolvimento da ideia integracionista 1889-1890: Primeira Conferência Internacional Americana, realizada em Washington, de outubro de 1889 a março de 1890, a convite do Governo dos Estados Unidos, que pretendiam conformar uma união comercial das Américas, unificar procedimentos aduaneiros e de pagamentos, estabelecer regras para a propriedade intelectual e permitir investimentos em infraestrutura. 1939-1941: Novas tentativas americanas de se concretizar uma zona de compensações hemisférica, ao abrigo dos esquemas interamericanos de tipo defensivos concebidos na fase inicial da guerra europeia; propostas americanas são, no entanto, recusadas pelos países latino-americanos. 1944-47: Conferência monetária e financeira de Bretton Woods, que decide a criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, e reuniões preparatórias para constituir uma “Organização Internacional do Comércio”, terceiro pilar do sistema concebido em Bretton Woods. 1944-47: Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, através do Tratado de Londres e do Protocolo da Haia, decidem constituir uma união aduaneira, conhecida como BENELUX. 1947-48: Nas conferências interamericanas de Petrópolis e de Bogotá os países latinoamericanos reclamam a implementação de um plano Marshall para a região: os Estados Unidos recomendam a abertura ao investimento estrangeiro privado. 1947-48: Conferência sobre Comércio e Emprego das Nações Unidas, em Havana, decide a criação de uma “Organização Internacional do Comércio”: diversos países latinoamericanos apoiam a constituição de “zonas de preferências comerciais”, mas outros, adotando as posições multilateralistas norte-americanas, demonstram reservas em relação ao tema. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, negociado pouco antes em Genebra e contendo cláusulas exclusivamente comerciais, tinha previsto em seu artigo 24 apenas o estabelecimento de zonas de livre-comércio e de uniões alfandegárias, tomando por base o modelo e a experiência nascente do BENELUX. 1948: A CEPAL, que tinha acabado de ser criada, defende a idéia da integração regional, mencionando, numa Resolução, a possibilidade de uma “união aduaneira” na América do Sul. Na Europa são criadas a Comissão Econômica para a Europa, da ONU, e a Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE), órgão de coordenação destinado a administrar a distribuição da ajuda norte-americana no quadro do Plano Marshall, de recuperação econômica européia. 1950-51: Memorandum Monet e Plano Schuman lançam o processo de integração na Europa ocidental, mediante o Tratado de Paris, criando a CECA, Comunidade Européia do Carvão e do Aço, que promove a administração comum dos recursos carboníferos e da produção siderúrgica da França, Alemanha, BENELUX e Itália e adota o modelo até então inédito do direito comunitário. A Europa também institui, no quadro da OECE e sob regulação do BIS, uma união de pagamentos, mas as moedas só serão livremente conversíveis no final da década. 85 1956: A CEPAL volta a defender a constituição de um “mercado regional” sul-americano como forma de acelerar o processo de industrialização. O intercâmbio intrarregional se liberaliza um pouco, com a adoção de acordos de tipo multilateral, mas a escassez de divisas fortes impõe limites aos fluxos comerciais. Os países europeus começam a pensar em formas mais avançadas de integração, segundo o modelo comunitário criado pela Alta Autoridade do Tratado da CECA. 1957-58: A assinatura e entrada em vigor do Tratado de Roma, constituindo o Mercado Comum Europeu, provoca grande repercussão na América Latina. Autoridades diplomáticas e econômicas dos países da região começam a considerar a idéia de uma “zona de preferências tarifárias” no cone sul regional, envolvendo a Argentina, o Uruguai e o Chile, países entre os quais era mais intenso o intercâmbio comercial. Em virtude das disposições restritivas do GATT (Artigo 24) se tem contudo de passar diretamente ao modelo da zona de livre-comércio. 1957-59: Na Europa se restabelece a livre conversibilidade das moedas, numa situação de relativa estabilidade das paridades cambiais, segundo o modelo definido em Bretton-Woods em 1944. Na frente comercial, representantes latino-americanos em Genebra começam a reclamar a introdução de disposições especiais para os países em desenvolvimento no âmbito do GATT, sob a égide de um novo regime de concessões não submetidas ao princípio da reciprocidade. 1958-59: O Brasil articula o lançamento da “Operação Pan-Americana” de cooperação hemisférica, de forte conteúdo econômico. Início do processo negociador da integração regional na América do Sul. 1960: Assinatura do Tratado de Montevidéu, criando a Associação Latino-americana de Livre Comércio, baseado fundamentalmente em projeto dos quatro países do Cone Sul. O objetivo último era a constituição de um mercado comum regional, a partir da conformação de uma Zona de Livre Comércio, num prazo de 12 anos, de conformidade com as regras do GATT. 1960-64: Negociação multilateral, na ALALC, de “listas comuns” e “listas nacionais”, produto a produto, de rebaixas tarifárias e eliminação de restrições não-tarifárias, para a ampliação dos mercados, a liberalização do intercâmbio e o desmantelamento das medidas protecionistas vigentes no intercâmbio regional. 1962: Cuba solicita, sem sucesso, seu ingresso na ALALC; a Conferência de Punta del Este, sob pressão dos EUA mas com a oposição de diversos países da região, decide excluir Cuba do sistema interamericano. 1964: Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e reforma do GATT, com a introdução de uma Parte IV, sobre Comércio e Desenvolvimento, precisamente, abrindo caminho ao estabelecimento de um sistema de preferências em favor dos países em desenvolvimento sem obrigação de reciprocidade. 1965: Assinatura do Convênio sobre Créditos e Pagamentos Recíprocos (CCR), criando um sistema de compensação de pagamentos entre os países membros da ALALC, instrumento extremamente útil para a poupança de divisas. 1964-80s: Onda de regimes militares na América Latina, além de tendências claramente substitutivas nas políticas econômicas (de industrialização e de comércio exterior) dos países da região afetam negativamente o processo integracionista; enquanto os países asiáticos começam uma lenta inserção na economia internacional, os países latino-americanos recuam relativamente em sua participação no comércio internacional. 86 1964-69: Paralisação do processo negociador multilateral para a definição de “listas comuns” na ALALC; políticas fortemente protecionistas (tarifas altas e restrições não-tarifárias) e desentendimentos políticos entre os países membros. No plano do sistema comercial multilateral se avança no sentido de reconhecer a especificidade dos países em desenvolvimento (Parte IV do GATT e Sistema Geral de Preferências, com tratamento concessional e não recíproco). 1967: Conferência de chefes de Estado e de Governos americanos em Punta del Este proclama o objetivo de se constituir um “mercado comum latino-americano” num prazo máximo de 15 anos, a partir de 1970. 1968-69: Primeiras fissuras no sistema de Bretton-Woods e crises monetárias no continente europeu levam os responsáveis políticos a considerar a utilidade de um aprofundamento do processo de integração comercial, inclusive em sua dimensão monetária. Relatório Werner, em 1970, propõe o objetivo de uma união monetária num prazo de dez anos. 1969: A clivagem entre países “comercialistas” (Argentina, Brasil e México) e “desenvolvimentistas” (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru) faz com que estes últimos, sem abandonar formalmente a ALALC, decidam criar um subgrupo regional andino, através do Acordo de Cartagena, baseado no modelo do direito comunitário. A Venezuela adere em 1973 e o Chile, vivendo sob um regime militar de orientação econômica liberal, abandona o Grupo Andino em 1976. 1969-75: O Grupo Andino evolui de forma bastante dinâmica em suas fases iniciais, com o estabelecimento de programas de desgravação tarifária, tarifa externa mínima comum, tratamento uniforme para o capital estrangeiro, regime comum sobre patentes, organismo de financiamento e programas setoriais de desenvolvimento industrial, instituição de um Tribunal de Justiça, de uma Comissão, da Junta e do Parlamento Andino. Entretanto, o caráter ambicioso do programa integracionista, aliado à recessão econômica que sacudiu a América Latina a partir da crise do petróleo (e, posteriormente, da dívida), levou a uma desaceleração das metas propostas em 1969. 1970: Revisão necessária do programa de liberalização no âmbito da ALALC, com prorrogação até 1980 do período previsto para a implementação de uma zona de livre-comércio. 1971: A desvinculação do dólar do padrão-ouro definido em Bretton-Woods provoca enormes repercussões mundiais (inclusive a nacionalização do petróleo e a correção radical de seus preços), criando uma interação dinâmica relativamente inédita entre inflação e desemprego nas economias avançadas. Vários países em desenvolvimento são afetados pela duplicação do preço do petróleo, mas passam a receber empréstimos em petrodólares (pelos quais pagam juros flutuantes) reciclados pelo sistema financeiro internacional em expansão. 1970-80: A necessidade de expansão das exportações para zonas de moedas fortes e as restrições às importações provocam grande queda nos fluxos de comércio intrarregional e a exacerbação do modelo substitutivo. A ALALC é utilizada como alavanca dos processos de industrialização nacional. O pensamento geopolítico, então em voga na região, descartava a idéia de qualquer cessão de soberania em favor de um projeto integracionista, visto como manobra da esquerda latinoamericana para enfraquecer o “poder nacional” ou a “solidariedade americana”. 1979: Rodada Tóquio de negociações comerciais do GATT aprova o princípio do tratamento preferencial e mais favorável para os países em desenvolvimento: cláusula de habilitação permite a outorga e o intercâmbio recíproco de preferências 87 comerciais parciais, com a derrogação admitida da cláusula de nação-maisfavorecida. 1980: Assinatura do Tratado de Montevidéu que institui a Associação Latino-americana de Integração (ALADI), no quadro de amplo processo de reestruturação dos objetivos, compromissos e modalidades da integração econômica na região: eliminou-se a obrigação de elaboração de listas comuns, abandonou-se a fixação de prazos para o cumprimento das metas integracionistas (zona de livre comércio ou mercado comum) e passou-se a mecanismos mais flexíveis, de caráter bilateralista, para a conformação de uma “área de preferências tarifárias”. 1982-85: Crise da dívida externa na maior parte dos países latino-americanos e prosseguimento das políticas protecionistas. A “Preferência Tarifária Regional”, instituída em 1984 na ALADI, tem níveis meramente simbólicos, produzindo reduzido efeito comercial. O comércio regional que, a despeito das dificuldades existentes, havia alcançado o nível mais elevado de sua história em 1981 (24 bilhões de dólares), enfrenta forte queda e apenas voltaria a se recuperar em princípios da década seguinte. 1986: Declaração de Punta del Este, que dá início à Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT (e processo paralelo para os serviços); previstas para durar 4 anos, elas se estenderão até 1993. Na Europa, o Ato Único das Comunidades Européias prevê a constituição de um mercado unificado dentro de 6 anos, o que efetivamente ocorreu em 1º de janeiro de 1993. O processo Brasil-Argentina: o Mercado Comum do Sul 1941: Brasil e Argentina fazem um ensaio de “união aduaneira”, sem resultados efetivos em virtude de diferenças políticas e diplomáticas que se manifestam entre os dois países depois do ataque japonês a Pearl Harbor e de tomadas de posição distintas no que se refere à atitude em relação às potências do Eixo. O comércio é regulado por acordos estritamente bilaterais, com aplicação limitada e condicional da cláusula da nação-mais-favorecida. 1950-53: Tentativas frustradas de aproximação política e econômica entre o Brasil, a Argentina e o Chile (novo “pacto ABC”): elas encontram a oposição de correntes pró-americanistas e anti-peronistas nesses países. 1959: Reaproximação Brasil-Argentina, depois de um largo período de afastamento recíproco, introduz um programa limitado de cooperação econômica e abre a via para o estabelecimento da ALALC. Os regimes militares nos anos 60 empreendem projetos de capacitação nuclear. 1975-79: Negociação do Tratado bilateral Brasil-Paraguai, constituindo Itaipu Binacional para a exploração da hidroeletricidade do rio Paraná: fase caracterizada por grandes rivalidades político-militares e econômico-comerciais entre os países da região, sobretudo entre o Brasil e a Argentina, que passam a se enfrentar diplomaticamente a propósito do aproveitamento dos recursos hídricos da bacia do Paraná. O tema seria equacionado no final da década, por acordo tripartite, abrindo espaço para que a confrontação fosse superada, mais adiante, pela cooperação econômica e pelo entendimento político, no quadro dos processos de redemocratização política. 1985: “Declaração de Iguaçu”, pela qual os Presidentes civis da Argentina e do Brasil expressam sua “firme vontade de acelerar o processo de integração bilateral” e criam, para tal fim, uma Comissão Mista de Alto Nível, presidida pelos Ministros de Relações Exteriores dos dois países. Na mesma ocasião se firma uma 88 “Declaração Conjunta sobre Política Nuclear”, que proclama os propósitos pacíficos da cooperação bilateral nessa área. 1986: “Ata para a Integração Brasil-Argentina”, estabelecendo, segundo modalidades baseadas na complementação industrial, o Programa de Integração e Cooperação Econômica, de caráter “gradual, flexível e equilibrado” e prevendo tratamentos preferenciais frente a terceiros mercados; diversos protocolos setoriais são assinados bilateralmente. 1988: “Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento” entre o Brasil e a Argentina, com o objetivo de consolidar o processo de integração bilateral e instituir, numa primeira etapa, um espaço econômico comum no prazo máximo de dez anos e a harmonização das políticas aduaneiras, comercial, agrícola, industrial e de transportes e comunicações, assim como a coordenação de políticas monetária, fiscal e cambial; numa segunda etapa, se procederia à harmonização gradual das demais políticas necessárias à formação do mercado comum. 1990: “Ata de Buenos Aires”, assinada em 6 de julho, pela qual os Presidentes da Argentina e do Brasil decidem conformar o mercado comum bilateral até 31 de dezembro de 1994, estabelecem uma metodologia apropriada para tal fim (rebaixas tarifárias generalizadas, lineares e automáticas, eliminação de barreiras nãotarifárias) e criam o Grupo Mercado Comum, de caráter binacional. Na mesma ocasião é firmado o Tratado para o Estabelecimento de um Estatuto das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas. 1990: Acordo de Complementação Econômica nº 14, firmado em dezembro pelos representantes da Argentina e do Brasil junto à ALADI, consolidando no âmbito daquela Associação o programa de liberalização comercial concertado no Tratado de Integração, nos prazos definidos pela Ata de Buenos Aires (até 31.12.94). O MERCOSUL: etapas e desenvolvimento institucional 1990: Assinatura da “Ata de Buenos Aires” dá início a um processo de consultas e negociações com outros países da região com vistas à ampliação do processo de liberalização comercial entre o Brasil e a Argentina. 1991: Tratado de Assunção (26 março) para a constituição de um mercado comum entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai: definiu um programa de liberalização comercial de todo o universo alfandegário num período de transição até 31 de dezembro de 1994 e adotou os mecanismos de caráter intergovernamental já fixados no programa bilateral Brasil-Argentina (Conselho, órgão supremo, de natureza intergovernamental; Grupo Mercado Comum, órgão executivo, coordenando as atividades de onze subgrupos de trabalho; Comissão Parlamentar Conjunta, com representantes designados por cada Parlamento nacional). 1991: “Acordo relativo a um Conselho sobre Comércio e Investimentos” entre os quatro países do Mercosul e os EUA (junho). O Chile e o México firmam na ALADI um acordo de liberalização do comércio; o Grupo dos Três (G3) começa negociações para a liberalização do intercâmbio entre Colômbia, Venezuela e México. Diversas outras iniciativas, na região andina, na América central e no Caribe, relançam a integração continental, em bases subregionais. 1991: “Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias” (dezembro): mecanismo ad hoc de solução arbitral dos conflitos comerciais entre os países membros do Mercosul, adotado no I Conselho do Mercado Comum. O Mercosul não cria um direito comunitário e continua a privilegiar o “modelo BENELUX” de caráter 89 intergovernamental, de preferência a um sistema de tipo supra-nacional do tipo europeu. 1991-94: O Mercosul cria órgãos subsidiários e reuniões de ministros, entre elas a de ministros da Economia e presidentes de Bancos Centrais (anterior à própria vigência do Tratado), da Educação (Plano Trienal para o Setor), da Justiça, do Trabalho, da Agricultura, ademais de diversas reuniões especializadas: de meio ambiente, de cultura, de ciência e tecnologia, de turismo. Intensa atividade de harmonização das legislações internas, de integração aduaneira e de adoção de normas e regulamentos técnicos comuns para a livre circulação de bens no território dos Estados membros. Os países membros passam a coordenar suas posições nos foros econômico-comerciais internacionais e o GMC define critérios comuns para a negociação de acordos parciais de comércio no âmbito da ALADI. 1992: Assinatura do Tratado de Maastricht, criando a União Européia e prevendo inclusive uma união monetária no continente. “Acordo de Cooperação Interinstitucional entre a Comissão das Comunidades Européias e as instituições do Mercosul”: se formaliza um diálogo entre os chanceleres das duas regiões. 1992: O II Conselho do Mercado Comum adota, pela decisão 1/92, um extenso programa de medidas (“Cronograma de Las Leñas”) para o cumprimento dos compromissos fixados no Tratado de Assunção, isto é, a conformação do “mercado comum do Sul” até 31 de dezembro de 1994; o GMC fica encarregado de adotar um cronograma de medidas adicionais para o pleno funcionamento do Mercosul em 1º de janeiro de 1995 (alguns prazos serão prorrogados no decurso dos trabalhos). A decisão 3/92 aprova o procedimento de reclamações e consulta sobre práticas desleais de comércio (dumping e subsídios), e a decisão nº 5/92 um protocolo de cooperação e assistência judiciária em matéria cível, comercial, trabalhista e administrativa. 1992: Criação da “Comissão Sindical do Mercosul”, por iniciativa da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul, entidade constituída em 1987, congregando centrais sindicais dos quatro países membros, ademais do Chile e da Bolívia; pelo Brasil participam a CUT, a CGT e a Força Sindical. Diversas entidades do setor propõem, ademais de um Foro Social, uma Carta dos Trabalhadores do Mercosul, sistematizando princípios básicos na área social e trabalhista. Ulteriormente, o governo brasileiro declarou ser favorável à adoção de uma Carta de Direitos Fundamentais, mas se opõe à vinculação de questões comerciais com as trabalhistas. 1993: Resolução 7/93, cria, no âmbito do GMC, o Grupo Ad hoc sobre Aspectos Institucionais, encarregado de formular propostas sobre a futura arquitetura jurídica do Mercosul (Artigo 18 do Tratado). Convênio Mercosul-BID, de cooperação técnica não-reembolsável, destinado à realização de estudos técnicos e de projetos de consultoria sobre reconversão produtiva. 1993-94: Negociação da Tarifa Externa Comum (TEC) no Mercosul: diferenças de estrutura e de níveis de desenvolvimento industrial entre o Brasil e os demais parceiros resultam na aceitação, durante uma “fase de convergência” (até 20012006), de listas nacionais de exclusão (para bens informáticos e de capital, por exemplo). Os países membros também decidem harmonizar os incentivos às exportações, respeitando disposições do GATT. 1994: Assinatura em Marrakesh dos atos internacionais da Rodada Uruguai, que comandam a substituição do GATT-1947 pelo GATT-1994 e a instituição da Organização Mundial do Comércio a partir de 01.01.95. 90 1994: VI Conselho aprova diversos instrumentos reguladores do mercado comum em construção: protocolos sobre integração educacional, promoção e proteção de investimentos externos e jurisdição internacional em matéria contratual; acordo sobre transporte de mercadorias perigosas; regulamento sobre regime de origem. O CMC também cria a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), de caráter intergovernamental, destinada a administrar a futura união aduaneira: em sua primeira reunião (6-7/10), a CCM aprova seu regimento interno, definindo reuniões mensais. 1994: “Protocolo de Ouro Preto” (17 dezembro), que modifica parcialmente o Tratado de Assunção e dá personalidade jurídica internacional ao Mercosul. A VII reunião do Conselho também aprovou, ademais de listas nacionais de produtos em regime de adequação final à união aduaneira (com prazos adicionais para sua integração à TEC), diversos atos internacionais: acordo sobre transporte multimodal, código aduaneiro, protocolo de medidas cautelares, protocolo sobre promoção e proteção recíprocas de investimentos e acordo bilateral Brasil-Argentina sobre internação de bens de zonas francas. A nova estrutura institucional definida no Protocolo de Ouro Preto (que ainda permanece intergovernamental) compreende os seguintes órgãos: 1. Conselho do Mercado Comum (CMC); 2. Grupo Mercado Comum (GMC); 3. Comissão de Comércio do Mercosul (CCM); 4. Comissão Parlamentar Conjunta (CPC); 5. Fórum Consultivo Econômico e Social (FCES); 6. Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM). As Decisões do Conselho, as Resoluções do GMC e as Diretrizes da CCM constituem fontes jurídicas do Mercosul e são obrigatórias, de direito, para os Estados membros; todos os órgãos são igualitários; a tomada de decisão se faz por consenso; a coordenação principal se dá entre os ministérios das relações exteriores dos quatro países. 1994: “Declaração Solene Conjunta entre o Mercosul e a União Européia” (22.12, em Bruxelas), prevendo a negociação, em 1995, de um Acordo-Quadro Interregional de Cooperação Econômica, conduzindo, em última instância, à liberalização do comércio entre as duas regiões. 1995: Entrada em vigor da União Aduaneira (parcial) do Mercosul, em 1º de janeiro. Encontro dos Presidentes do Cone Sul em Brasília, no dia 2 de janeiro: a Bolívia e o Chile começam a negociar sua associação ao Mercosul. 1995: Reunião especializada de ministros da cultura do Mercosul, em Buenos Aires (15/03), lança o “Mercosul Cultural”, com a assinatura de Protocolo prevendo o funcionamento de 7 comissões. Bolívia e Chile poderão participar como observadores, como aliás em outras instâncias técnicas do Mercosul. 1995: Encontro entre os ministros das relações exteriores do Mercosul e da UE, no dia 17 março, em Paris, reafirma o objetivo de se chegar a um amplo espaço de cooperação e de integração unindo ambas entidades. 1995: Firmado o Acordo-quadro de cooperação interregional entre a UE e o Mercosul, em Madri (dezembro): a liberalização comercial “deverá levar em conta a sensibilidade de certos produtos” (referência à Política Agrícola Comum) e as regras da OMC”. 91 1996: Acordos de associação do Chile e da Bolívia ao Mercosul, previamente à negociação de acordos semelhantes com países do Grupo Andino. 1997: Acordo Brasil-Argentina, em novembro, decide elevar a Tarifa Externa Comum em três pontos percentuais, medida a ser implementada pelos quatro países membros até 31 de dezembro de 2000. O processo de integração hemisférica: a ALCA 1987: Acordo de Livre-Comércio entre os Estados Unidos e o Canadá. 1990: “Iniciativa para as Américas”, lançada em junho pelo Presidente George Bush para acompanhar as transformações políticas e econômicas em curso na América Latina e oferecer uma nova modalidade de relacionamento dos EUA com a região, centrado no comércio, nos investimentos e na solução do problema da dívida, com vistas a chegar a uma zona de livre comércio hemisférica, do Alasca à Terra do Fogo. Os primeiros passos nesse sentido serão dados com o México. 1993: O Brasil, por meio de uma “Iniciativa Amazônica”, propõe acordos de livrecomércio com outros países da América do Sul. Conclusão das negociações do NAFTA entre México, Canadá e Estados Unidos (entrado em vigor em 1º de janeiro de 1994), e dos acordos multilaterais da Rodada Uruguai (em dezembro); o Mercosul é objeto de atento exame, ainda em curso, pelas Partes Contratantes, por meio de “grupo de trabalho” no âmbito do Comitê de Comércio e Desenvolvimento. 1994: O Brasil propõe, na VIII reunião do Conselho de Ministros da ALADI, uma área de Livre-Comércio na América do Sul (ALCSA), que absorve a anterior “Iniciativa Amazônica”. A Bolívia e o Chile consideram sua associação ao Mercosul. Declaração dos Presidentes dos quatro países membros, por ocasião da VI reunião do Conselho do Mercosul, dá início ao processo de negociação de um amplo acordo-quadro entre o Mercosul e a União Européia. 1994: “Cúpula das Américas” (9-11 dezembro), em Miami: a declaração final dos Chefes de Estado proclama o objetivo de negociar uma área de livre-comércio hemisférica até 2005; OEA, CEPAL e BID atuam como suporte técnico de secretaria. Crise monetária no México abala o NAFTA e provoca repercussões no resto da região. 1995: Primeira reunião ministerial do processo hemisférico, em Denver (junho): constituídos sete grupos de trabalho para preparar o início das negociações, “equilibradas e abrangentes” (que seriam concluídas até 2005), sobre a base dos acordos subregionais existentes e de forma plenamente compatível com as obrigações existentes na OMC. 1996: II Reunião Ministerial sobre Comércio, realizada em Cartagena de Índias (março): quatro grupos adicionais de trabalho são constituídos: é proclamado o objetivo de “progressos concretos” até o final do século. 1997: III Reunião ministerial, realizada em maio em Belo Horizonte: criou um grupo de trabalho sobre Solução de Controvérsias, mas não logrou definir o formato, cronograma e organização das negociações, cujo início deverá presumivelmente ser anunciado por ocasião da cúpula hemisférica de Santiago, em abril de 1998. Foi também realizado encontro de negócios, o Foro Empresarial, que vem tendo significativo sucesso na ampliação do intercâmbio em toda a região. 1997: Reunião de vice-ministros responsáveis por comércio do hemisfério reune-se em Guanacaste, Costa Rica, de 28 a 30 de outubro, que examinou os progressos havidos nos preparativos para a abertura do processo de negociação da futura ALCA. 92 Desenvolvimentos recentes e agenda futura da integração 1997: Brasil e Argentina decidem, em novembro, aumentar a Tarifa Externa Comum em 3 pontos percentuais, com o que o MERCOSUL passa a contar, de fato, com duas TECs, na medida em que o Paraguai e o Uruguai não se juntaram, de imediato, à aplicação da medida. O perfil da união aduaneira se encontra, assim, fragilizado, no confronto com as regras da Organização Mundial de Comércio. 1998: IV Reunião ministerial do processo hemisférico, em março, em São José, Costa Rica, com definição do formato, da agenda negociadora e dos locais e presidências sucessivas do processo de negociação (Comitê e grupos de negociação), sobre a base dos princípios da transparência, da participação e da decisão consensual. Paralelamente realizaram-se o IV Foro Empresarial e um encontro acadêmico sobre o tema da integração hemisférica, reunindo intelectuais da região. 1998: II Cúpula das Américas em abril, em Santiago do Chile, com Declaração Política dos Presidentes e Plano de Ação, tendo como principais temas a educação, o livre comércio, a democracia e os direitos humanos e a erradicação da pobreza. 1998: Início, em setembro em Miami, das negociações da ALCA. 1999: Realização, no Rio de Janeiro, de reunião de cúpula dos Chefes de Estado e de Governo da União Européia e da América Latina, com vistas a estreitar os laços de cooperação e de integração econômica entre as duas reuniões. 2000: Definição e estabelecimento da política automotiva comum do MERCOSUL, no quadro da implementação da chamada Agenda 2000, atendendo também às obrigações dos países membros no âmbito do sistema multilateral de comércio. No mesmo ano poderá ter início a chamada “Rodada do Milênio” de negociações comerciais multilaterais no âmbito da OMC. 2001-2005: Processo de convergência das últimas exceções à TEC do MERCOSUL. 2005: Término hipotético das negociações hemisféricas para a conformação, a partir de 2006, da ALCA. Possível prazo, também, de futuras negociações para um acordo de associação entre o MERCOSUL e a União Européia, cujas negociações poderão ter início a partir de 1999. 93 9. Documentos Fundamentais TRATADO DE ASSUNÇÃO - 26/03/1991 A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominados "Estados Partes"; Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social; Entendendo que esse objetivo deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões físicas, a coordenação de políticas macroeconômicas da complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio; Tendo em conta a evolução dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidação de grandes espaços econômicos, e a importância de lograr uma adequada inserção internacional para seus países; Expressando que este processo de integração constitui uma resposta adequada a tais acontecimentos; Conscientes de que o presente Tratado deve ser considerado como um novo avanço no esforço tendente ao desenvolvimento progressivo da integração da América Latina, conforme o objetivo do Tratado de Montevidéu de 1980; Convencidos da necessidade de promover o desenvolvimento científico e tecnológico dos Estados Partes e de modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens de serviços disponíveis, a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes; Reafirmando sua vontade política de deixar estabelecidas as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos, com a finalidade de alcançar os objetivos supramencionados; Acordam: CAPÍTULO I Propósito, Princípios e Instrumentos ARTIGO 1 Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará "Mercado Comum do Sul" (MERCOSUL). Este Mercado Comum implica: A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de 94 serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. ARTIGO 2 O Mercado Comum estará fundado na reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados Partes. ARTIGO 3 Durante o período de transição, que se estenderá desde a entrada em vigor do presente Tratado até 31 de dezembro de 1994, e a fim de facilitar a constituição do Mercado Comum, os Estados Partes adotam um Regime Geral de Origem, um Sistema de Solução de Controvérsias e Cláusulas de Salvaguarda, que constam como Anexos II, III e IV ao presente Tratado. ARTIGO 4 Nas relações com terceiros países, os Estados Partes assegurarão condições eqüitativas de comércio. Para tal fim, aplicarão suas legislações nacionais, para inibir importações cujos preços estejam influenciados por subsídios, dumping qualquer outra prática desleal. Paralelamente, os Estados Partes coordenarão suas respectivas políticas nacionais com o objetivo de elaborar normas comuns sobre concorrência comercial. ARTIGO 5 Durante o período de transição, os principais instrumentos para a constituição do Mercado Comum são: a) Um Programa de Liberação Comercial, que consistirá em redução tarifárias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas das eliminação de restrições não tarifárias ou medidas de efeito equivalente, assim como de outras restrições ao comércio entre os Estados Partes, para chegar a 31 de dezembro de 1994 com tarifa zero, sem barreiras não tarifárias sobre a totalidade do universo tarifário (Anexo I); b) A coordenação de políticas macroeconômicas que se realizará gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e eliminação de restrições não tarifárias, indicados na letra anterior; c) Uma tarifa externa comum, que incentiva a competitividade externa dos Estados Partes; d) A adoção de acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilização e mobilidade dos fatores de produção e alcançar escalas operativas eficientes. ARTIGO 6 Os Estados Partes reconhecem diferenças pontuais de ritmo para a República do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai, que constam no Programa de Liberação Comercial (Anexo I). ARTIGO 7 95 Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado Parte gozarão, nos outros Estados Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional. ARTIGO 8 Os Estados Partes se comprometem a preservar os compromissos assumidos até a data de celebração do presente Tratado, inclusive os Acordos firmados no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração, e a coordenar suas posições nas negociações comerciais externas que empreendam durante o período de transição. Para tanto: a) Evitarão afetar os interesses dos Estados Partes nas negociações comerciais que realizem entre si até 31 de dezembro de 1994; b) Evitarão afetar os interesses dos demais Estados Partes ou os objetivos do Mercado Comum nos Acordos que celebrarem com outros países membros da Associação Latino-Americana de Integração durante o período de transição; c) Realizarão consultas entre si sempre que negociem esquemas amplos de desgravação tarifárias, tendentes à formação de zonas de livre comércio com os demais países membros da Associação Latino-Americana de Integração; d) Estenderão automaticamente aos demais Estados Partes qualquer vantagem, favor, franquia, imunidade ou privilégio que concedam a um produto originário de ou destinado a terceiros países não membros da Associação Latino-Americana de Integração. CAPÍTULO II Estrutura Orgânica ARTIGO 9 A administração e execução do presente Tratado e dos Acordos específicos e decisões que se adotem no quadro jurídido que o mesmo estabelece durante o período de transição estarão a cargo dos seguintes órgãos: a) Conselho do Mercado Comum; b) Grupo do Mercado Comum. ARTIGO 10 O Conselho é o órgão superior do Mercado Comum, correspondendo-lhe a condução política do mesmo e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos e prazos estabelecidos para a constituição definitiva do Mercado Comum. ARTIGO 11 O Conselho estará integrado pelos Ministros de Relações Exteriores e os Ministros de Economia dos Estados Partes. Reunir-se-á quantas vezes estime oportuno, e, pelo menos uma vez ao ano, o fará com a participação dos Presidentes dos Estados Partes. ARTIGO 12 A Presidência do Conselho se exercerá por rotação dos Estados Partes e em ordem alfabética, por períodos de seis meses. 96 As reuniões do Conselho serão coordenadas pelos Ministérios de Relações Exteriores e poderão ser convidados a delas participar outros Ministros ou autoridades de nível Ministerial. ARTIGO 13 O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercado Comum e será coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores. O Grupo Mercado Comum terá faculdade de iniciativa. Suas funções serão as seguintes: · velar pelo cumprimento do Tratado; · tomar as providências necessárias ao cumprimento das decisões adotadas pelo Conselho; · propor medidas concretas tendentes à aplicação do Programa de Liberação Comercial, à coordenação de política macroeconômica e à negociação de Acordos frente a terceiros; · fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do Mercado Comum. O Grupo Mercado Comum poderá constituir os Subgrupos de Trabalho que forem necessários para o cumprimento de seus objetivos. Contará inicialmente com os Subgrupos mencionados no Anexo V. O Grupo Mercado Comum estabelecerá seu regime interno no prazo de 60 dias de sua instalação. ARTIGO 14 O Grupo Mercado Comum estará integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternos por país, que representem os seguintes órgãos públicos: · Ministério das Relações Exteriores; · Ministério da Economia seus equivalentes (áreas de indústria, comércio exterior e ou coordenação econômica); · Banco Central. Ao elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento de seus trabalhos, até 31 de dezembro de 1994, o Grupo Mercado Comum poderá convocar, quando julgar conveniente, representantes de outros órgãos da Administração Pública e do setor privado. ARTIGO 15 O Grupo Mercado Comum contará com uma Secretaria Administrativa cujas principais funções consistirão na guarda de documentos e comunicações de atividades do mesmo. Terá sua sede na cidade de Montevidéu. ARTIGO 16 Durante o período de transição, as decisões do Conselho do Mercado Comum e do Grupo Mercado Comum serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados Partes. ARTIGO 17 97 Os idiomas oficiais do Mercado Comum serão o português e o espanhol e a versão oficial dos documentos de trabalho será a do idioma do país sede de cada reunião. ARTIGO 18 Antes do estabelecimento do Mercado Comum, a 31 de dezembro de 1994, os Estados Partes convocarão uma reunião extraordinária com o objetivo de determinar a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercado Comum, assim como as atribuições específicas de cada um deles e seu sistema de tomada de decisões. CAPÍTULO III Vigência ARTIGO 19 O presente Tratado terá duração indefinida e entrará em vigor 30 dias após a data do depósito do terceiro instrumento de ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados ante o Governo da República do Paraguai, que comunicará a data do depósito aos Governos dos demais Estados Partes. O Governo da República do Paraguai notificará ao Governo de cada um dos demais Estados Partes a data de entrada em vigor do presente Tratado. CAPÍTULO IV Adesão ARTIGO 20 O presente Tratado estará aberto à adesão, mediante negociação, dos demais países membros da Associação Latino-Americana de Integração, cujas solicitações poderão ser examinadas pelos Estados Partes depois de cinco anos de vigência deste Tratado. Não obstante, poderão ser consideradas antes do referido prazo as solicitações apresentadas por países membros da Associação Latino-Americana de Integração que não façam parte de esquemas de integração subregional ou de uma associação extra-regional. A aprovação das solicitações será objeto de decisão unânime dos Estados Partes. CAPÍTULO V Denúncia ARTIGO 21 O Estado Parte que desejar desvincular-se do presente Tratado deverá comunicar essa intenção aos demais Estados Partes de maneira expressa e formal, efetuando no prazo de sessenta (60) dias a entrega do documento de denúncia ao Ministério das Relações Exteriores da República do Paraguai, que o distribuirá aos demais Estados Partes. ARTIGO 22 Formalizada a denúncia, cessarão para o Estado denunciante os direitos e obrigações que correspondam a sua condição de Estado Parte, mantendo-se os referentes ao programa de liberação do presente Tratado e outros aspectos que os Estados Partes, juntos com o Estado denunciante, acordem no prazo de sessenta (60 ) dias após a 98 formalização da denúncia. Esses direitos e obrigações do Estado denunciante continuarão em vigor por um período de dois (2) anos a partir da data da mencionada formalização. CAPÍTULO VI Disposições Gerais ARTIGO 23 O presente Tratado se chamará "Tratado de Assunção". ARTIGO 24 Com o objetivo de facilitar a implementação do Mercado Comum, estabelecer-seá Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL. Os Poderes Executivos dos Estados Partes manterão seus respectivos Poderes Legislativos informados sobre a evolução do Mercado Comum objeto do presente Tratado. Feito na cidade de Assunção, aos 26 dias do mês março de mil novecentos e noventa e um, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo ambos os textos igualmente autênticos. O Governo da República do Paraguai será o depositário do presente Tratado e enviará cópia devidamente autenticada do mesmo aos Governos dos demais Estados Partes signatários e aderentes. ANEXO I PROGRAMA DE LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL ARTIGO PRIMEIRO Os Estados Partes acordam eliminar, o mais tardar a 31 de dezembro de l994, os gravames e demais restrições aplicadas ao seu comércio recíproco. No que se refere às Listas de Exceções apresentadas pela República do Paraguai e pela República Oriental do Uruguai, o prazo para sua eliminação se estenderá até 31 de dezembro de l995, nos termos do Artigo Sétimo do presente Anexo. ARTIGO SEGUNDO Para efeito do disposto no Artigo anterior, se entenderá: a) por "gravames", os direitos aduaneiros e quaisquer outras medidas de feito equivalente, sejam de caráter fiscal, monetário, cambial ou de qualquer natureza, que incidam sobre o comércio exterior. Não estão compreendidas neste conceito taxas e medidas análogas quando respondam ao custo aproximado dos serviços prestados; e b) por "restrições", qualquer medida de caráter administrativo, financeiro, cambial ou de qualquer natureza, mediante a qual um Estado Parte impeça ou dificulte, por decisão unilateral, o comércio recíproco. Não estão compreendidas no mencionado conceito as medidas adotadas em virtude das situações previstas no Artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980. ARTIGO TERCEIRO A partir da data de entrada em vigor do Tratado, os Estados Partes iniciarão um programa de desgravação progressivo, linear e automático, que beneficiará os produtos compreendidos no universo tarifário, classificados em conformidade com a nomenclatura 99 tarifária utilizada pela Associação Latino-Americana de Integração, de acordo com o cronograma que se estabelece a seguir: DATA 30/06/1991 30/12/1991 30/06/1992 31/12/1992 30/06/1993 31/12/1993 30/06/1994 30/12/1994 % DE DESGRAVAÇÃO 47 54 61 68 75 82 89 100 As preferências serão aplicadas sobre a tarifa vigente no momento de sua aplicação e consistem em uma redução percentual dos gravames mais favoráveis aplicados à importação dos produtos procedentes de terceiros países não membros da Associação Latino-Americana de Integração. No caso de algum dos Estados Partes elevar essa tarifa para a importação de terceiros países, o cronograma estabelecido continuará a ser aplicado sobre o nível tarifário vigente a 1 de janeiro de 1991. Se se redurizem as tarifas, a preferência correspondente será aplicada automaticamente sobre a nova tarifa na data de entrada em vigência da mesma. Para tal efeito, os Estados Partes intercambiarão entre si e remeterão à Associação Latino-Americana de Integração, dentro de trinta dias a partir da entrada em vigor do Tratado, cópias atualizadas de suas tarifas aduaneiras, assim como das vigentes em 1 de janeiro de 1991. ARTIGO QUARTO As preferências negociadas nos Acordos de Alcance Parcial, celebrados no marco da Associação Latino-Americana de Integração pelos Estados Partes entre sí, serão aprofundadas dentro do presente Programa de Desgravação de acordo com o seguinte cronograma: DATA/PERCENTUAL DE DESGRAVAÇÃO 31/12/9 30/06/9 30/12/9 30/06/9 31/12/9 30/06/9 31/12/9 30/06/9 31/12/9 0 1 1 2 2 3 3 4 4 00 a 40 41 a 45 46 a 50 51 a 55 56 a 60 100 47 54 61 68 75 82 89 100 52 59 66 73 80 87 94 100 57 64 71 78 85 92 100 61 67 73 79 86 93 100 67 74 81 88 95 100 61 a 65 66 a 70 71 a 75 76 a 80 81 a 85 86 a 90 91 a 95 96 a 100 71 77 83 89 96 100 75 80 85 90 95 100 80 85 90 95 100 85 90 95 100 89 93 97 100 95 100 100 Estas desgravações se aplicarão exclusivamente no âmbito dos respectivos Acordos de Alcance Parcial, não beneficiando os demais integrantes do Mercado Comum, e não alcançarão os produtos incluídos nas respectivas Listas de Exceções. ARTIGO QUINTO Sem prejuízo do mecanismo descrito nos Artigos Terceiro e Quarto, os Estados Partes poderão aprofundar adicionalmente as preferências, mediante negociações a efetuarem-se no âmbito dos Acordos previstos no Tratado de Montevidéu 1980. ARTIGO SEXTO Estarão excluídos do cronograma de desgravação a que se referem os Artigos Terceiro e Quarto do presente Anexo os produtos compreendidos nas Listas de Exceções apresentadas por cada um dos Estados Partes com as seguintes quantidades de itens NALADI: · República Argentina: 394 · República Federativa do Brasil: 324 · República do Paraguai: 439 · República Oriental do Uruguai: 960 ARTIGO SÉTIMO As Listas de Exceções serão reduzidas no vencimento de cada ano calendário de acordo com o cronograma que se detalha a seguir: a) Para a República Argentina e a República Federativa do Brasil na razão de vinte por cento (20%) anuais dos itens que a compõem, redução que se aplica desde 31 de dezembro de 1990; b) Para a República do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai, a redução se fará na razão de: · 10% na data de entrada em vigor do Tratado, · 10% em 31 de dezembro de 1991, · 20% em 31 de dezembro de 1992, 101 · 20% em 31 de dezembro de 1993, · 20% em 31 de dezembro de 1994, · 20% em 31 de dezembro de 1995. ARTIGO OITAVO As Listas de Exceções incorporadas nos Apêndices I, II, III e IV incluem a primeira redução contemplada no Artigo anterior. ARTIGO NONO Os produtos que forem retirados das Listas de Exceções nos termos previstos no Artigo Sétimo se beneficiarão automaticamente das preferências que resultem do Programa de Desgravação estabelecido no Artigo Terceiro do presente Anexo com, pelo menos, o percentual de desgravação mínimo previsto na data em que se opere sua retirada dessas Listas. ARTIGO DÉCIMO Os Estados Partes somente poderão aplicar até 31 de dezembro de 1994, aos produtos compreendidos no programa de desgravação, as restrições não tarifárias expressamente declaradas nas Notas Complementares ao Acordo de Complementação que os Estados Partes celebram no marco do Tratado de Montevidéu 1980. A 31 de dezembro de 1994 e no âmbito do Mercado Comum, ficarão eliminadas todas as restrições não tarifárias. ARTIGO DÉCIMO PRIMEIRO A fim de assegurar o cumprimento do cronograma de desgravação estabelecido nos Artigos Terceiro e Quarto, assim como o Estabelecimento do Mercado Comum, os Estados Partes coordenarão as políticas macroeconômicas e as setoriais que se acordem, a que se refere o Tratado para da Constituição do Mercado Comum, começando por aquelas relacionadas aos fluxos de comércio e à configuração dos setores produtivos dos Estados Partes. ARTIGO DÉCIMO SEGUNDO As normas contidas no presente Anexo não se aplicarão aos Acordos de Alcance Parcial, de Complementação Econômica Números 1, 2, 13 e 14, nem aos comerciais e agropecuários subscritos no âmbito do Tratado de Montevidéu 1980, os quais se regerão exclusivamente pelas disposições neles estabelecidas. ANEXO II REGIME GERAL DE ORIGEM CAPÍTULO I Regime Geral de Qualificação de Origem ARTIGO PRIMEIRO Serão considerados originários dos Estados Partes: 102 a) Os produtos elaborados integralmente no território de qualquer um deles, quando em sua elaboração forem utilizados exclusivamente materiais originários dos Estados Partes; b) Os produtos compreendidos nos capítulos ou posições da Nomenclatura Tarifária da Associação Latino-Americana de Integração que se identificam no Anexo I da Resolução 78 do Comitê de Representante da citada Associação, pelo simples fato de serem produzidos em seus respectivos territórios. Considerar-se-ão produzidos no território de um Estado Parte: i) Os produtos dos reinos minerais, vegetal ou animal, incluindo os de caça e da pesca, extraídos, colhidos ou apanhados, nascidos e criados em seu território ou em suas Águas Territoriais ou Zona Econômica Exclusiva; ii) Os produtos do mar extraídos fora de suas Águas Territoriais e Zona Econômica Exclusiva por barcos de sua bandeira ou arrendados por empresas estabelecidas em seu território; e iii)Os produtos que resultem de operações ou processos efetuados em seu território pelos quais adquiram a forma final em que serão comercializados, exceto quando esses processos ou operações consistam somente em simples montagens ou ensamblagens, embalagem, fracionamento em lotes ou volumes, seleção e classificação, marcação, composição de sortimentos de mercadoriais ou outras operações ou processos equivalentes. c) Os produtos em cuja elaboração se utilizem materiais não originários dos Estados Partes, quando resultem de um processo de transformação, realizado no território de algum deles, que lhes confira uma nova individualidade, caracterizada pelo fato de estarem classificados na Nomenclatura Aduaneira da Associação LatinoAmericana de Integração em posição diferente à dos mencionados materiais, exceto nos casos em que os Estados Partes determinem que, ademais, se cumpra com o requisito previsto no Artigo Segundo do presente Anexo. Não obstante, não serão considerados originários os produtos resultantes de operações ou processos efetuados no território de um Estado Parte pelos quais adqüiram a forma final que serão comercializados, quando nessas operações ou processos forem utilizados exclusivamente materiais ou insumos não originários de seus respectivos países e consistam apenas em montagem ou ensamblagens, fracionamento em lotes ou volumes, seleção, classificação, marcação, composição de sortimentos de mercadorias ou outras operações ou processos semelhantes; d) Até 31 de dezembro de 1994, os produtos resultantes de operações de ensamblagem e montagem realizadas no território de um Estado Parte utilizando materiais originários dos Estados Partes e de terceiros países, quando o valor dos materiais originários não for inferior a 40% do valor FOB de exportação do produto final, e e) Os produtos que, além de serem produzidos em seu território, cumpram com os requisitos específicos estabelecidos no Anexo 2 da Resolução 78 do Comitê de Representantes da Associação Latino-Americana de Integração. ARTIGO SEGUNDO Nos casos em que o requisito estabelecido na letra "C" do Artigo Primeiro não possa ser cumprido porque o processo de transformação operado não implica mudança de posição na nomenclatura, bastará que o valor CIF porto de destino ou CIF porto marítimo dos materiais de terceiros países não exceda a 50 (cinqüenta) por cento do valor FOB de exportação das mercadorias de que se trata. 103 Na ponderação dos materiais originários de terceiros países para os Estados Partes sem litoral marítimo, ter-se-ão em conta, como porto de destino, os depósitos e zonas francas concedidos pelos demais Estados Partes, quando os materiais chegarem por via marítima. ARTIGO TERCEIRO Os Estados Partes poderão estabelecer, de comum acordo, requisitos específicos de origem, que prevalecerão sobre os critérios gerais de qualificação. ARTIGO QUARTO Na determinação dos requisitos específicos de origem a que se refere o Artigo Terceiro, assim como na revisão dos que tiverem sido establecidos, os Estados Partes tomarão como base, individual ou conjuntamente, os seguintes elementos: I. Materiais e outros insumos empregados na produção: a) Matérias primas: i) Matéria prima preponderante ou que confira ao produto sua característica essencial; e ii) Matéria primas principais. b) Partes ou peças: i) Parte ou peça que confira ao produto sua característica essencial; ii) Partes ou peças principais; e iii) Percentual das partes ou peças em relação ao peso total. c) Outros insumos. II. Processo de transformação ou elaboração utilizado. III. Proporção máxima do valor dos materiais importados de terceiros países em relação ao valor total do produto, que resulte do procedimento de valorização acordado em cada caso. ARTIGO QUINTO Em casos excepcionais, quando os requisitos específicos não puderem ser cumpridos porque ocorrem problemas circunstanciais de abastecimento: disponibilidade, especificações técnica, prazo de entrega e preço, tendo em conta o disposto no Artigo 4 do Tratado, poderão ser utilizados materiais não originários dos Estados Partes. Dada a situação prevista no parágrafo anterior, o país exportador emitirá o certificado correspondente informando ao Estado Parte importador e ao Grupo Mercado Comum, acompanhando os antecedentes e constâncias que justifiquem a expedição do referido documento. Caso se produza uma contínua reiteração desses casos, o Estado Parte exportador ou o Estado Parte importador comunicará esta situação ao Grupo Mercado Comum, para fins de revisão do requisito específico. Este Artigo não compreende os produtos que resultem de operações de ensamblagem ou montagem, e será aplicável até a entrada em vigor da Tarifa Externa Comum para os produtos objeto de requisitos específicos de origem e seus materiais ou insumos. ARTIGO SEXTO 104 Qualquer dos Estados Partes poderá solicitar a revisão dos requisitos de origem estabelecidos de conformidade com o Artigo Primeiro. Em sua solicitação, deverá propor e fundamentar os requisitos aplicáveis ao produto ou produtos de que se trate. ARTIGO SÉTIMO Para fins do comprimento dos requisitos de origem, os materiais e outros insumos, originários do território de qualquer dos Estados Partes, incorporados por um Estado Parte na elaboração de determinado produto, serão considerados originários do território deste último. ARTIGO OITAVO O critério de máxima utilização de materiais ou outros insumos originários dos Estados Partes não poderá ser considerado para fixar requisitos que impliquem a imposição de materiais ou outros insumos dos referidos Estados Partes, quando, a juízo dos mesmos, estes não cumpram condições adequadas de abastecimento, qualidade e preço, ou que não se adaptem aos processos industriais ou tecnologias aplicadas. ARTIGO NONO Para que as mercadorias originárias se beneficiem dos tratamentos preferenciais, as mesmas deverão ter sido expedidas diretamente do país exportador ao país importador. Para tal fim, se considera expedição direta: a) As mercadorias transportadas sem passar pelo território de algum país não participante do Tratado. b) As mercadorias transportadas em trânsito por um ou mais países não participantes, com ou sem transbordo ou armazenamento temporário, sob a vigilância de autoridade alfandegária competente em tais países, sempre que: i) o trânsito estiver justificado por razões geográficas ou por considerações relativas a requerimentos do transporte; ii) não estiverem destinadas ao comércio, uso ou emprego no país de trânsito, e iii) não sofram, durante o transporte e depósito, nenhuma operação distinta às de carga ou manuseio para mantê-las em boas condições ou assegurar sua conservação. ARTIGO DÉCIMO Para os efeitos do presente Regime Geral se entenderá: a) que os produtos procedentes das zonas francas situadas nos limites geográficos de qualquer dos Estados Partes deverão cumprir os requisitos previstos no presente Regime Geral; b) que a expressão "materiais" compreende as matérias primas, os produtos intermediários e as partes e peças utilizadas na elaboração das mercadorias. CAPÍTULO II Declaração, Certificação e Comprovação ARTIGO DÉCIMO PRIMEIRO Para que a importação dos produtos originários dos Estados Partes possa beneficiarse das reduções de gravames e restrições outorgadas entre si, na documentação correspondente às exportações de tais produtos deverá constar uma declaração que 105 certifique o cumprimento dos requisitos de origem estabelecidos de acordo com o disposto no Capítulo anterior. ARTIGO DÉCIMO SEGUNDO A declaração a que se refere o Artigo precedente será expedida pelo produtor final ou pelo exportador da mercadoria, e certificada por uma repartição oficial ou entidade de classe com personalidade jurídica, credenciada pelo Governo do Estado Parte exportador. Ao credenciar entidades de classe, os Estados Partes velarão para que se trate de organizações que atuem com jurisdição nacional, podendo delegar atribuições a entidades regionais ou locais, conservando sempre a responsabilidade direta pela veracidade das certificações que forem expedidas. Os Estados Partes se comprometem, no prazo de 90 dias a partir da entrada em vigor do Tratado, a estabelecer um regime harmonizado de sanções administrativas para casos de falsidade nos certificados, sem prejuízo das ações penais correspondentes. ARTIGO DÉCIMO TERCEIRO Os certificados de origem emitidos para os fins do presente do presente Tratado terão prazo de validade de 180 dias, a contar da data de sua expedição. ARTIGO DÉCIMO QUARTO Em todos os casos, se utilizará o formulário-padrão que figura anexo ao Acordo 25 do Comitê de Representantes da Associação Latino-Americana de Integração, enquanto não entrar em vigor outro formulário aprovado pelos Estados Partes. ARTIGO DÉCIMO QUINTO Os Estados Partes comunicarão à Associação Latino-Americana de Integração a relação das repartições oficiais e entidades de classe credenciadas a expedir a certificação a que se refere o Artigo anterior, com o registro e fac-simile das assinaturas autorizadas. ARTIGO DÉCIMO SEXTO Sempre que um Estado Parte considerar que os certificados emitidos por uma repartição oficial ou entidade de classe credenciada de outro Estado Parte não se ajustam às disposições contidas no presente Regime Geral, comunicará o fato ao outro Estado Parte para que este adote as medidas que estime necessárias para solucionar os problemas apresentados. Em nenhum caso o país importador deterá o trâmite de importação dos produtos amparados nos certificados a que se refere o parágrafo anterior, mas poderá, além de solicitar as informações adicionais que correspondam às autoridades governamentais do país exportador, adotar as medidas que considere necessárias para resguardar o interesse fiscal. ARTIGO DÉCIMO SÉTIMO Para fins de um controle posterior, as cópias dos certificados e os documentos respectivos deverão ser conservados durante dois anos a partir de sua emissão. 106 ARTIGO DÉCIMO OITAVO As disposições do presente Regime Geral e as modificações que lhe forem introduzidas não afetarão as mercadorias embarcadas na data de sua adoção. ARTIGO DÉCIMO NONO As normas contidas no presente Anexo não se aplicam aos Acordos de Alcance Parcial, de Complementação Econômica no 1, 2, 13 e 14, idem aos comerciais e agropecuários subscritos no âmbito do Tratado de Montevidéu 1980, os quais se regerão exclusivamente pelas posições neles estabelecidas. ANEXO III SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS 1. As controvérsias que possam surgir entre os Estados Partes como consequência da aplicação do Tratado serão resolvidas mediante negociações diretas. No caso de não lograrem uma solução, os Estados Partes submeterão a controvérsia à consideração do Grupo Mercado Comum que, após avaliar a situação, formulará no lapso de sessenta (60) dias as recomendações pertinentes às Partes para a solução do diferendo. Para tal fim, o Grupo Mercado Comum poderá estabelecer ou convocar painéis de especialistas ou grupos de peritos com o objetivo de contar com assessoramento técnico. Se no âmbito do Grupo Mercado Comum tampouco for alcançada uma solução, a controvérsia será elevada ao Conselho do Mercado Comum para que este adote as recomendações pertinentes. 2. Dentro de cento e vinte (120) dias a partir da entrada em vigor do Tratado, o Grupo Mercado Comum elevará aos Governos dos Estados Partes uma proposta de Sistema de Solução de Controvérsias, que vigerá durante o período de transição. 3. Até 31 de dezembro de 1994, os Estados Partes adotarão um Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum. ANEXO IV CLÁUSULA DE SALVAGUARDA ARTIGO 1 Cada Estado Parte poderá aplicar, até 31 de dezembro de 1994, cláusulas de salvaguarda à importação dos produtos que se beneficiem do Programa de Liberação Comercial estabelecido no âmbito do Tratado. Os Estados Partes acordam que somente deverão recorrer ao presente Regime em casos excepcionais. ARTIGO 2 Se as importações de determinado produto causarem dano ou ameaça de dano grave a seu mercado, como consequência de um sensível aumento, em um curto período, das importações desse produto provenientes dos outros Estados Partes, o país importador solicitará ao Grupo Mercado Comum a realização da consultas com vistas a eliminar essa situação. 107 O pedido do país importador estará acompanhado de uma declaração promenorizada dos fatos, razões e justificativas do mesmo. O Grupo Mercado Comum deverá iniciar as consultas no prazo máximo de dez (10) dias corridos a partir da apresentação do pedido do país importador e deverá concluí-las, havendo tomado uma decisão a respeito, dentro de vinte (20) dias corridos após seu início. ARTIGO 3 A determinação do dano ou ameaça de dano grave no sentido do presente Regime será analisada por cada país, levando em conta a evolução, entre outros, dos seguintes aspectos relacionados com o produto em questão: a) Nível de produção e capacidade utilizada; b) Nível de emprego; c) Participação no mercado; d) Nível de comércio entre as Partes envolvidas ou participantes de consulta; e) Desempenho das importações e exportações com relação a terceiros países. Nenhum dos fatores acima mencionados constitui, por si só, um critéro decisivo para a determinação do dano ou ameaça de dano grave. Não serão considerado, na determinação do dano ou ameaça de dano grave, fatores tais como as mudanças tecnológicas ou mudanças nas preferências dos consumidores em favor de produtos similares e/ou diretamente competitivos dentro do mesmo setor. A aplicação da cláusula de salvaguarda dependerá, em cada país, da aprovação final da seção nacional do Grupo Mercado Comum. ARTIGO 4 Com o objetivo de não interromper as correntes de comércio que tiverem sido geradas, o país importador negociará uma quota para a importação do produto objeto de salvaguarda, que se regerá pelas mesmas preferências e demais condições estabelecidas no Programa de Liberação Comercial. A mencionada quota será negociada com o Estado Parte de onde se originam as importações, durante o período de consulta a que se refere o Artigo 2. Vencido o prazo da consulta e não havendo acordo, o país importador que se considerar afetado poderá fixar uma quota, que será mantida pelo prazo de uma ano. Em nenhum caso a quota fixada unilateralmente pelo país importador será menor que a média dos volumes físicos importados nos últimos três anos calendário. ARTIGO 5 As cláusulas de salvaguarda terão um ano de duração e poderão ser prorrogadas por um novo período anual e consecutivo, aplicando-se-lhes os termos e condições estabelecidas no presente Anexo. Estas medidas apenas poderão ser adotadas uma vez para cada produto. Em nenhum caso a aplicação de cláusulas de salvaguarda poderá estender-se além de 31 de dezembro de 1994. ARTIGO 6 A aplicação das cláusulas de salvaguarda não afetará as mercadorias embarcadas na data de sua adoção, as quais serão computadas na quota prevista no Artigo 4. 108 ARTIGO 7 Durante o período de transição no caso de algum Estado Parte se considerar afetado por graves dificuldades em suas atividades econômicas, solicitará do Grupo Mercado Comum a realização de consultas, a fim de que se tomem as medidas corretivas que forem necessárias. O Grupo Mercado Comum, dentro dos prazos estabelecidos no Artigo 2 do presente Anexo, avaliará a situação e se pronunciará sobre a medidas a serem adotadas, em função das circunstâncias. ANEXO V SUBGRUPOS DE TRABALHO DO GRUPO MERCADO COMUM O Grupo Mercado Comum, para fins de coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais, constituirá, no prazo de 30 dias após sua instalação os seguintes Subgrupos de Trabalho: · Subgrupo 1: Assuntos Comerciais · Subgrupo 2: Assuntos Aduaneiros · Subgrupo 3: Normas Técnicas · Subgrupo 4: Políticas Físcal e Monetária Relacionadas com o Comércio · Subgrupo 5: Transporte Terrestre · Subgrupo 6: Transporte Marítimo · Subgrupo 7: Política Industrial e Tecnológica · Subgrupo 8: Política Agrícola · Subgrupo 9: Política Energética · Subgrupo 10: Coordenação de Políticas Macro-econômicas. Nota: · Resolução MERCOSUL/GMC/RES. Nº 11/1991(I), criou o Subgrupo de Trabalho Nº 11 - Assuntos Trabalhistas. · Resolução MERCOSUL/GMC/RES. Nº 11/1992, modificou o nome do Subgrupo de Trabalho Nº 11 para Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social. 109 PROTOCOLO DE OURO PRETO PROTOCOLO ADICIONAL AO TRATADO DE ASSUNÇÃO SOBRE A ESTRUTURA INSTITUCIONAL DO MERCOSUL (OURO PRETO, 17/12/1994) A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominadas "Estados Partes", Em cumprimento ao disposto no artigo 18 do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991; Conscientes da importância dos avanços alcançados e da implementação da união aduaneira como etapa para a construção do mercado comum; Reafirmando os princípios e objetivos do Tratado de Assunção e atentos para a necessidade de uma consideração especial para países e regiões menos desenvolvidos do Mercosul; Atentos para a dinâmica implícita em todo processo de integração e para a conseqüente necessidade de adaptar a estrutura institucional do Mercosul às mudanças ocorridas; Reconhecendo o destacado trabalho desenvolvido pelos órgãos existentes durante o período de transição, Acordam: Capítulo I Estrutura do Mercosul Artigo 1 A estrutura institucional do Mercosul contará com os seguintes órgãos: I. O Conselho do Mercado Comum (CMC); II. O Grupo Mercado Comum (GMC); III. A Comissão de Comércio do Mercosul (CCM); IV. A Comissão Parlamentar Conjunta (CPC); V. O Foro Consultivo Econômico-Social (FCES); VI. A Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM). Parágrafo único - Poderão ser criados, nos termos do presente Protocolo, os órgãos auxiliares que se fizerem necessários à consecução dos objetivos do processo de integração. Artigo 2 São órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul. Seção I Do Conselho do Mercado Comum Artigo 3 110 O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior do Mercosul ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e para lograr a constituição final do mercado comum. Artigo 4 O Conselho do Mercado Comum será integrado pelos Ministros das Relações Exteriores; e pelos Ministros da Economia, ou seus equivalentes, dos Estados Partes. Artigo 5 A Presidência do Conselho do Mercado Comum será exercida por rotação dos Estados Partes, em ordem alfabética, pelo período de seis meses. Artigo 6 O Conselho do Mercado Comum reunir-se-á quantas vezes estime oportuno, devendo fazê-lo pelo menos uma vez por semestre com a participação dos Presidentes dos Estados Partes. Artigo 7 As reuniões do Conselho do Mercado Comum serão coordenadas pelos Ministérios das Relações Exteriores e poderão ser convidados a delas participar outros Ministros ou autoridades de nível ministerial. Artigo 8 São funções e atribuições do Conselho do Mercado Comum: I. Velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito; II. Formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado comum; III. Exercer a titularidade da personalidade jurídica do Mercosul. IV. Negociar e firmar acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais. Estas funções podem ser delegadas ao Grupo Mercado Comum por mandato expresso, nas condições estipuladas no inciso VII do artigo 14; V. Manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam elevadas pelo Grupo Mercado Comum; VI. Criar reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos que lhe sejam remetidos pelas mesmas; VII. Criar os órgãos que estime pertinentes, assim como modificá-los ou extingui-los; VIII. Esclarecer, quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas Decisões; IX. Designar o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul. X. Adotar Decisões em matéria financeira e orçamentária; XI. Homologar o Regimento Interno do Grupo Mercado Comum; Artigo 9 O Conselho do Mercado Comum manifestar-se-á mediante Decisões, as quais serão obrigatórias para os Estados Partes. 111 Seção II Do Grupo Mercado Comum Artigo 10 O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercosul. Artigo 11 O Grupo Mercado Comum será integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternos por país, designados pelos respectivos Governos, dentre os quais devem constar necessariamente representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais. O Grupo Mercado Comum será coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores. Artigo 12 Ao elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento de seus trabalhos, o Grupo Mercado Comum poderá convocar, quando julgar conveniente, representantes de outros órgãos da Administração Pública ou da estrutura institucional do Mercosul. Artigo 13 O Grupo Mercado Comum reunir-se-á de forma ordinária ou extraordinária, quantas vezes se fizerem necessárias, nas condições estipuladas por seu Regimento Interno. Artigo 14 São funções e atribuições do Grupo Mercado Comum: I. Velar, nos limites de suas competências, pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito; II. Propor projetos de Decisão ao Conselho do Mercado Comum; III. Tomar as medidas necessárias ao cumprimento das Decisões adotadas pelo Conselho do Mercado Comum; IV. Fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do mercado comum; V. Criar, modificar ou extinguir órgãos tais como subgrupos de trabalho e reuniões especializadas, para o cumprimento de seus objetivos; VI. Manifestar-se sobre as propostas ou recomendações que lhe forem submetidas pelos demais órgãos do Mercosul no âmbito de suas competências; VII. Negociar, com a participação de representantes de todos os Estados Partes, por delegação expressa do Conselho do Mercado Comum e dentro dos limites estabelecidos em mandatos específicos concedidos para esse fim, acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais. O Grupo Mercado Comum, quando dispuser de mandato para tal fim, procederá à assinatura dos mencionados acordos. O Grupo Mercado Comum, quando autorizado pelo Conselho do Mercado Comum, poderá delegar os referidos poderes à Comissão de Comércio do Mercosul; VIII. Aprovar o orçamento e a prestação de contas anual apresentada pela Secretaria Administrativa do Mercosul; 112 IX. Adotar Resoluções em matéria financeira e orçamentária, com base nas orientações emanadas do Conselho do Mercado Comum; X. Submeter ao Conselho do Mercado Comum seu Regimento Interno; XI. Organizar as reuniões do Conselho do Mercado Comum e preparar os relatórios e estudos que este lhe solicitar. XII. Eleger o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul; XIII. Supervisionar as atividades da Secretaria Administrativa do Mercosul; XIV. Homologar os Regimentos Internos da Comissão de Comércio e do Foro Consultivo Econômico-Social; Artigo 15 O Grupo Mercado Comum manifestar-se-á mediante Resoluções, as quais serão obrigatórias para os Estados Partes. Seção III Da Comissão de Comércio do Mercosul Artigo 16 À Comissão de Comércio do Mercosul, órgão encarregado de assistir o Grupo Mercado Comum, compete velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes para o funcionamento da união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-Mercosul e com terceiros países. Artigo 17 A Comissão de Comércio do Mercosul será integrada por quatro membros titulares e quatro membros alternos por Estado Parte e será coordenada pelos Ministérios das Relações Exteriores. Artigo 18 A Comissão de Comércio do Mercosul reunir-se-á pelo menos uma vez por mês ou sempre que solicitado pelo Grupo Mercado Comum ou por qualquer dos Estados Partes. Artigo 19 São funções e atribuições da Comissão de Comércio do Mercosul: I. Velar pela aplicação dos instrumentos comuns de política comercial intra-Mercosul e com terceiros países, organismos internacionais e acordos de comércio; II. Considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelos Estados Partes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum; III. Acompanhar a aplicação dos instrumentos de política comercial comum nos Estados Partes; IV. Analisar a evolução dos instrumentos de política comercial comum para o funcionamento da união aduaneira e formular Propostas a respeito ao Grupo Mercado Comum; V. Tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifa externa comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes; 113 VI. Informar ao Grupo Mercado Comum sobre a evolução e a aplicação dos instrumentos de política comercial comum, sobre o trâmite das solicitações recebidas e sobre as decisões adotadas a respeito delas; VII. Propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações às normas existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul; VIII. Propor a revisão das alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividades produtivas no âmbito do Mercosul; IX. Estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimento de suas funções, bem como dirigir e supervisionar as atividades dos mesmos; X. Desempenhar as tarefas vinculadas à política comercial comum que lhe solicite o Grupo Mercado Comum; XI. Adotar o Regimento Interno, que submeterá ao Grupo Mercado Comum para sua homologação. Artigo 20 A Comissão de Comércio do Mercosul manifestar-se-á mediante Diretrizes ou Propostas. As Diretrizes serão obrigatórias para os Estados Partes. Artigo 21 Além das funções e atribuições estabelecidas nos artigos 16 e 19 do presente Protocolo, caberá à Comissão de Comércio do Mercosul considerar reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de Comércio do Mercosul, originadas pelos Estados Partes ou em demandas de particulares - pessoas físicas ou jurídicas -, relacionadas com as situações previstas nos artigos 1 ou 25 do Protocolo de Brasília, quando estiverem em sua área de competência. Parágrafo primeiro - O exame das referidas reclamações no âmbito da Comissão de Comércio do Mercosul não obstará a ação do Estado Parte que efetuou a reclamação ao amparo do Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias. Parágrafo segundo - As reclamações originadas nos casos estabelecidos no presente artigo obedecerão ao procedimento previsto no Anexo deste Protocolo. Seção IV Da Comissão Parlamentar Conjunta Artigo 22 A Comissão Parlamentar Conjunta é o órgão representativo dos Parlamentos dos Estados Partes no âmbito do Mercosul. Artigo 23 A Comissão Parlamentar Conjunta será integrada por igual número de parlamentares representantes dos Estados Partes. Artigo 24 Os integrantes da Comissão Parlamentar Conjunta serão designados pelos respectivos Parlamentos nacionais, de acordo com seus procedimentos internos. 114 Artigo 25 A Comissão Parlamentar Conjunta procurará acelerar os procedimentos internos correspondentes nos Estados Partes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo. Da mesma forma, coadjuvará na harmonização de legislações, tal como requerido pelo avanço do processo de integração. Quando necessário, o Conselho do Mercado Comum solicitará à Comissão Parlamentar Conjunta o exame de temas prioritários. Artigo 26 A Comissão Parlamentar Conjunta encaminhará, por intermédio do Grupo Mercado Comum, Recomendações ao Conselho do Mercado Comum. Artigo 27 A Comissão Parlamentar Conjunta adotará o seu Regimento Interno. Seção V Do Foro Consultivo Econômico-Social Artigo 28 O Foro Consultivo Econômico-Social é o órgão de representação dos setores econômicos e sociais e será integrado por igual número de representantes de cada Estado Parte. Artigo 29 O Foro Consultivo Econômico-Social terá função consultiva e manifestar-se-á mediante Recomendações ao Grupo Mercado Comum. Artigo 30 O Foro Consultivo Econômico-Social submeterá seu Regimento Interno ao Grupo Mercado Comum, para homologação. Seção VI Da Secretaria Administrativa do Mercosul Artigo 31 O Mercosul contará com uma Secretaria Administrativa como órgão de apoio operacional. A Secretaria Administrativa do Mercosul será responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do Mercosul e terá sede permanente na cidade de Montevidéu. Artigo 32 A Secretaria Administrativa do Mercosul desempenhará as seguintes atividades: I. Servir como arquivo oficial da documentação do Mercosul; II. Realizar a publicação e a difusão das decisões adotadas no âmbito do Mercosul. Nesse contexto, lhe corresponderá: 115 i) Realizar, em coordenação com os Estados Partes, as traduções autênticas para os idiomas espanhol e português de todas as decisões adotadas pelos órgãos da estrutura institucional do Mercosul, conforme previsto no artigo 39. ii) Editar o Boletim Oficial do Mercosul. III. Organizar os aspectos logísticos das reuniões do Conselho do Mercado Comum, do Grupo Mercado Comum e da Comissão de Comércio do Mercosul e, dentro de suas possibilidades, dos demais órgãos do Mercosul, quando as mesmas forem realizadas em sua sede permanente. No que se refere às reuniões realizadas fora de sua sede permanente, a Secretaria Administrativa do Mercosul fornecerá apoio ao Estado que sediar o evento. IV. Informar regularmente os Estados Partes sobre as medidas implementadas por cada país para incorporar em seu ordenamento jurídico as normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo. V. Registrar as listas nacionais dos árbitros e especialistas, bem como desempenhar outras tarefas determinadas pelo Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991; VI. Desempenhar as tarefas que lhe sejam solicitadas pelo Conselho do Mercado Comum, pelo Grupo Mercado Comum e pela Comissão do Comércio do Mercosul; VII. Elaborar seu projeto de orçamento e, uma vez aprovado pelo Grupo Mercado Comum, praticar todos os atos necessários à sua correta execução; VIII. Apresentar anualmente ao Grupo Mercado Comum a sua prestação de contas, bem como relatório sobre suas atividades. Artigo 33 A Secretaria Administrativa do Mercosul estará a cargo de um Diretor, o qual será nacional de um dos Estados Partes. Será eleito pelo Grupo Mercado Comum, em bases rotativas, prévia consulta aos Estados Partes, e designado pelo Conselho do Mercado Comum. Terá mandato de dois anos, vedada a reeleição. Capítulo II Personalidade Jurídica Artigo 34 O Mercosul terá personalidade jurídica de Direito Internacional. Artigo 35 O Mercosul poderá, no uso de suas atribuições, praticar todos os atos necessários à realização de seus objetivos, em especial contratar, adquirir ou alienar bens móveis e imóveis, comparecer em juízo, conservar fundos e fazer transferências. Artigo 36 O Mercosul celebrará acordos de sede. Capítulo III Sistema de Tomada de Decisões Artigo 37 As decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados Partes. 116 Capítulo IV Aplicação Interna das Normas Emanadas dos Órgãos do Mercosul Artigo 38 Os Estados Partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias para assegurar, em seus respectivos territórios, o cumprimento das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no artigo 2 deste Protocolo. Parágrafo único - Os Estados Partes informarão à Secretaria Administrativa do Mercosul as medidas adotadas para esse fim. Artigo 39 Serão publicados no Boletim Oficial do Mercosul, em sua íntegra, nos idiomas espanhol e português, o teor das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum, das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul e dos Laudos Arbitrais de solução de controvérsias, bem como de quaisquer atos aos quais o Conselho do Mercado Comum ou o Grupo Mercado Comum entendam necessário atribuir publicidade oficial. Artigo 40 A fim de garantir a vigência simultânea nos Estados Partes das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo, deverá ser observado o seguinte procedimento: i) Uma vez aprovada a norma, os Estados Partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul; ii) Quando todos os Estados Partes tiverem informado sua incorporação aos respectivos ordenamentos jurídicos internos, a Secretaria Administrativa do Mercosul comunicará o fato a cada Estado Parte; iii)As normas entrarão em vigor simultaneamente nos Estados Partes 30 dias após a data da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul, nos termos do item anterior. Com esse objetivo, os Estados Partes, dentro do prazo acima, darão publicidade do início da vigência das referidas normas por intermédio de seus respectivos diários oficiais. Capítulo V Fontes Jurídicas do Mercosul Artigo 41 As fontes jurídicas do Mercosul são: I. O Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos adicionais ou complementares; II. Os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus protocolos; III. As Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção. 117 Artigo 42 As normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país. Capítulo VI Sistema de Solução de Controvérsias Artigo 43 As controvérsias que surgirem entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, serão submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos no Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991. Parágrafo único - Ficam também incorporadas aos Artigos 19 e 25 do Protocolo de Brasília as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul. Artigo 44 Antes de culminar o processo de convergência da tarifa externa comum, os Estados Partes efetuarão uma revisão do atual sistema de solução de controvérsias do Mercosul, com vistas à adoção do sistema permanente a que se referem o item 3 do Anexo III do Tratado de Assunção e o artigo 34 do Protocolo de Brasília. Capítulo VII Orçamento Artigo 45 A Secretaria Administrativa do Mercosul contará com orçamento para cobrir seus gastos de funcionamento e aqueles que determine o Grupo Mercado Comum. Tal orçamento será financiado, em partes iguais, por contribuições dos Estados Partes. Capítulo VIII Idiomas Artigo 46 Os idiomas oficiais do Mercosul são o espanhol e o português. A versão oficial dos documentos de trabalho será a do idioma do país sede de cada reunião. Capítulo IX Revisão Artigo 47 118 Os Estados Partes convocarão, quando julgarem oportuno, conferência diplomática com o objetivo de revisar a estrutura institucional do Mercosul estabelecida pelo presente Protocolo, assim como as atribuições específicas de cada um de seus órgãos. Capítulo X Vigência Artigo 48 O presente Protocolo, parte integrante do Tratado de Assunção, terá duração indefinida e entrará em vigor 30 dias após a data do depósito do terceiro instrumento de ratificação. O presente Protocolo e seus instrumentos de ratificação serão depositados ante o Governo da República do Paraguai. Artigo 49 O Governo da República do Paraguai notificará aos Governos dos demais Estados Partes a data do depósito dos instrumentos de ratificação e da entrada em vigor do presente Protocolo. Artigo 50 Em matéria de adesão ou denúncia, regerão como um todo, para o presente Protocolo, as normas estabelecidas pelo Tratado de Assunção. A adesão ou denúncia ao Tratado de Assunção ou ao presente Protocolo significam, ipso iure, a adesão ou denúncia ao presente Protocolo e ao Tratado de Assunção. Capítulo XI Disposição Transitória Artigo 51 A estrutura institucional prevista no Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, assim como seus órgãos, será mantida até a data de entrada em vigor do presente Protocolo. Capítulo XII Disposições Gerais Artigo 52 O presente Protocolo chamar-se-á "Protocolo de Ouro Preto". Artigo 53 Ficam revogadas todas as disposições do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, que conflitem com os termos do presente Protocolo e com o teor das Decisões aprovadas pelo Conselho do Mercado Comum durante o período de transição. Feito na cidade de Ouro Preto, República Federativa do Brasil, aos dezessete dias do mês de dezembro de mil novecentos e noventa e quatro, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo ambos os textos igualmente autênticos. O Governo da 119 República do Paraguai enviará cópia devidamente autenticada do presente Protocolo aos Governos dos demais Estados Partes. ANEXO PROCEDIMENTO GERAL PARA RECLAMAÇÕES PERANTE A COMISSÃO DE COMÉRCIO DO MERCOSUL Artigo 1 As reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de Comércio do Mercosul, originadas pelos Estados Partes ou em reclamações de particulares - pessoas físicas ou jurídicas -, de acordo com o previsto no Artigo 21 do Protocolo de Ouro Preto, observarão o procedimento estabelecido no presente Anexo. Artigo 2 O Estado Parte reclamante apresentará sua reclamação perante a Presidência ProTempore da Comissão de Comércio do Mercosul, a qual tomará as providências necessárias para a incorporação do tema na agenda da primeira reunião subsequente da Comissão de Comércio do Mercosul, respeitado o prazo mínimo de uma semana de antecedência. Se não for adotada decisão na referida reunião, a Comissão de Comércio do Mercosul remeterá os antecedentes, sem outro procedimento, a um Comitê Técnico. Artigo 3 O Comitê Técnico preparará e encaminhará à Comissão de Comércio do Mercosul, no prazo máximo de 30 dias corridos, um parecer conjunto sobre a matéria. Esse parecer, bem como as conclusões dos especialistas integrantes do Comitê Técnico, quando não for adotado parecer, serão levados em consideração pela Comissão de Comércio do Mercosul, quando esta decidir sobre a reclamação. Artigo 4 A Comissão de Comércio do Mercosul decidirá sobre a questão em sua primeira reunião ordinária posterior ao recebimento do parecer conjunto ou, na sua ausência, as conclusões dos especialistas, podendo também ser convocada uma reunião extraordinária com essa finalidade. Artigo 5 Se não for alcançado o consenso na primeira reunião mencionada no Artigo 4, a Comissão de Comércio do Mercosul encaminhará ao Grupo Mercado Comum as diferentes alternativas propostas, assim como o parecer conjunto ou as conclusões dos especialistas do Comitê Técnico, a fim de que seja tomada uma decisão sobre a matéria. O Grupo Mercado Comum pronunciar-se-á a respeito no prazo de trinta (30) dias corridos, contados do recebimento, pela Presidência Pro-Tempore, das propostas encaminhadas pela Comissão de Comércio do Mercosul. Artigo 6 Se houver consenso quanto à procedência da reclamação, o Estado Parte reclamado deverá tomar as medidas aprovadas na Comissão de Comércio do Mercosul ou no Grupo 120 Mercado Comum. Em cada caso, a Comissão de Comércio do Mercosul ou, posteriormente, o Grupo Mercado Comum, determinarão prazo razoável para a implementação dessas medidas. Decorrido tal prazo sem que o Estado reclamado tenha observado o disposto na decisão alcançada, seja na Comissão de Comércio do Mercosul ou no Grupo Mercado Comum, o Estado reclamante poderá recorrer diretamente ao procedimento previsto no Capítulo IV do Protocolo de Brasília. Artigo 7 Se não for alcançado consenso na Comissão de Comércio do Mercosul e, posteriormente, no Grupo Mercado Comum, ou se o Estado reclamado não observar, no prazo previsto no Artigo 6, o disposto na decisão alcançada, o Estado reclamante poderá recorrer diretamente ao procedimento previsto no Capítulo IV do Protocolo de Brasília, fato que será comunicado à Secretaria Administrativa do Mercosul. O Tribunal Arbitral, antes da emissão de seu Laudo, deverá, se assim solicitar o Estado reclamante, manifestar-se, no prazo de até quinze (15) dias após sua constituição, sobre as medidas provisórias que considere apropriadas, nas condições estipuladas pelo Artigo 18 do Protocolo de Brasília. 121 PROTOCOLO DE BRASÍLIA PARA A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominados "Estados Partes"; Em cumprimento ao disposto no Artigo 3 e no Anexo III do Tratado de Assunção, firmado em 26 de março de 1991, em virtude do qual os Estados Partes se comprometeram a adotar um Sistema de Solução de Controvérsias que vigorará durante o período de transição; RECONHECENDO a importância de dispor de um instrumento eficaz para assegurar o cumprimento do mencionado Tratado e das disposições que dele derivem; CONVENCIDOS de que o Sistema de Solução de Controvérsias contido no presente Protocolo contribuirá para o fortalecimento das relações entre as Partes com base na justiça e na eqüidade; CONVIERAM no seguinte: CAPÍTULO I ÂMBITO DE APLICAÇÃO Artigo 1 As controvérsias que surgirem entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das decisões do Conselho do Mercado Comum e das Resoluções do Grupo Mercado Comum, serão submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos no presente Protocolo. CAPÍTULO II NEGOCIAÇÕES DIRETAS Artigo 2 Os Estados partes numa controvérsia procurarão resolvê-la, antes de tudo, mediante negociações diretas. Artigo 3 1. Os Estados partes numa controvérsia informarão o Grupo Mercado Comum, por intermédio da Secretaria Administrativa, sobre as gestões que se realizarem durante as negociações e os resultados das mesmas. 2. As negociações diretas não poderão, salvo acordo entre as partes, exceder um prazo de quinze (15) dias, a partir da data em que um dos Estados Partes levantar a controvérsia. CAPÍTULO III INTERVENÇÃO DO GRUPO MERCADO COMUM Artigo 4 122 1. Se mediante negociações diretas não se alcançar um acordo ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, qualquer dos Estados partes na controvérsia poderá submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum. 2. O Grupo Mercado Comum avaliará a situação, dando oportunidade às partes na controvérsia para que exponham suas respectivas posições e requerendo, quando considere necessário, o assessoramento de especialistas selecionados da lista referida no Artigo 30 do presente Protocolo. 3. As despesas relativas a esse assessoramento serão custeadas em montantes iguais pelos Estados partes na controvérsia ou na proporção que o Grupo Mercado Comum determinar. Artigo 5 Ao término deste procedimento o Grupo Mercado Comum formulará recomendações aos Estados partes na controvérsia, visando à solução do diferendo. Artigo 6 O procedimento descrito no presente capítulo não poderá estender-se por um prazo superior a trinta (30) dias, a partir da data em que foi submetida a controvérsia à consideração do Grupo Mercado Comum. CAPÍTULO IV PROCEDIMENTO ARBITRAL Artigo 7 1. Quando não tiver sido possível solucionar a controvérsia mediante a aplicação dos procedimentos referidos nos capítulos II e III, qualquer dos Estados partes na controvérsia poderá comunicar à Secretaria Administrativa sua intenção de recorrer ao procedimento arbitral que se estabelece no presente Protocolo. 2. A Secretaria Administrativa levará, de imediato, o comunicado ao conhecimento do outro ou dos outros Estados envolvidos na controvérsia e ao Grupo Mercado Comum e se encarregará da tramitação do procedimento. Artigo 8 Os Estados Partes declaram que reconhecem como obrigatória, ipso facto e sem necessidade de acordo especial, a jurisdição do Tribunal Arbitral que em cada caso se constitua para conhecer e resolver todas as controvérsias a que se refere o presente Protocolo. Artigo 9 1. O procedimento arbitral tramitará ante um Tribunal ad hoc composto de três (3) árbitros pertencentes à lista referida no Artigo 10. 2. Os árbitros serão designados da seguinte maneira: i) cada Estado parte na controvérsia designará um (1) árbitro. O terceiro árbitro, que não poderá ser nacional dos Estados partes na controvérsia, será designado de comum acordo por eles e presidirá o Tribunal Arbitral. Os árbitros deverão ser nomeados no período de quinze (15) dias, a partir da data em que a Secretaria Administrativa tiver 123 comunicado aos demais Estados partes na controvérsia a intenção de um deles de recorrer à arbitragem; ii) cada Estado parte na controvérsia nomeará, ainda, um árbitro suplente, que reúna os mesmos requisitos, para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade ou excusa deste para formar o Tribunal Arbitral, seja no momento de sua instalação ou no curso do procedimento. Artigo 10 Cada Estado Parte designará dez (10) árbitros que integrarão uma lista que ficará registrada na Secretaria Administrativa. A lista, bem como suas sucessivas modificações, será comunicada aos Estados Partes. Artigo 11 Se um dos Estados partes na controvérsia não tiver nomeado seu árbitro no período indicado no Artigo 9, este será designado pela Secretaria Administrativa dentre os árbitros desse Estado, segundo a ordem estabelecida na lista respectiva. Artigo 12 1. Se não houver acordo entre os Estados partes na controvérsia para escolher o terceiro árbitro no prazo estabelecido no Artigo 9, a Secretaria Administrativa, a pedido de qualquer deles, procederá a sua designação por sorteio de uma lista de dezesseis (16) árbitros elaborada pelo Grupo Mercado Comum. 2. A referida lista, que também ficará registrada na Secretaria Administrativa, estará integrada em partes iguais por nacionais dos Estados Partes e por nacionais de terceiros países. Artigo 13 Os árbitros que integrem as listas a que fazem referência os artigos 10 e 12 deverão ser juristas de reconhecida competência nas matérias que possam ser objeto de controvérsia. Artigo 14 Se dois ou mais Estados Partes sustentarem a mesma posição na controvérsia, unificarão sua representação ante o Tribunal Arbitral e designarão um árbitro de comum acordo no prazo estabelecido no Artigo 9.2.i). Artigo 15 O Tribunal Arbitral fixará em cada caso sua sede em algum dos Estados Partes e adotará suas próprias regras de procedimento. Tais regras garantirão que cada uma das partes na controvérsia tenha plena oportunidade de ser escutada e de apresentar suas provas e argumentos, e também assegurarão que os processos se realizem de forma expedita. Artigo 16 124 Os Estados partes na controvérsia informarão o Tribunal Arbitral sobre as instâncias cumpridas anteriormente ao procedimento arbitral e farão uma breve exposição dos fundamentos de fato ou de direito de suas respectivas posições. Artigo 17 Os Estados partes na controvérsia designarão seus representantes ante o Tribunal Arbitral e poderão ainda designar assessores para a defesa de seus direitos. Artigo 18 1. O Tribunal Arbitral poderá, por solicitação da parte interessada e na medida em que existam presunções fundadas de que a manutenção da situação venha a ocasionar danos graves e irreparáveis a uma das partes, ditar as medidas provisionais que considere apropriadas, segundo as circunstâncias e nas condições que o próprio Tribunal estabelecer, para prevenir tais danos. 2. As partes na controvérsia cumprirão, imediatamente ou no prazo que o Tribunal Arbitral determinar, qualquer medida provisional, até que se dite o laudo a que se refere o Artigo 20. Artigo 19 1. O Tribunal Arbitral decidirá a controvérsia com base nas disposições do Tratado de Assunção, nos acordos celebrados no âmbito do mesmo, nas decisões do Conselho do Mercado Comum, nas Resoluções do Grupo Mercado Comum, bem como nos princípios e disposições de direito internacional aplicáveis na matéria. 2. A presente disposição não restringe a faculdade do Tribunal Arbitral de decidir uma controvérsia ex aequo et bono, se as partes assim o convierem. Artigo 20 1. O Tribunal Arbitral se pronunciará por escrito num prazo de sessenta (60) dias, prorrogáveis por um prazo máximo de trinta (30) dias, a partir da designação de seu Presidente. 2. O laudo do Tribunal Arbitral será adotado por maioria, fundamentado e firmado pelo Presidente e pelos demais árbitros. Os membros do Tribunal Arbitral não poderão fundamentar votos dissidentes e deverão manter a votação confidencial. Artigo 21 1. Os laudos do Tribunal Arbitral são inapeláveis, obrigatórios para os Estados partes na controvérsia a partir do recebimento da respectiva notificação e terão relativamente a eles força de coisa julgada. 2. Os laudos deverão ser cumpridos em um prazo de quinze (15) dias, a menos que o Tribunal Arbitral fixe outro prazo. Artigo 22 1. Qualquer dos Estados partes na controvérsia poderá, dentro de quinze (15) dias da notificação do laudo, solicitar um esclarecimento do mesmo ou uma interpretação sobre a forma com que deverá cumprir-se. 125 2. O Tribunal Arbitral disto se desincumbirá nos quinze (15) dias subsequentes. 3. Se o Tribunal Arbitral considerar que as circunstâncias o exigirem, poderá suspender o cumprimento do laudo até que decida sobre a solicitação apresentada. Artigo 23 Se um Estado Parte não cumprir o laudo do Tribunal Arbitral, no prazo de trinta (30) dias, os outros Estados partes na controvérsia poderão adotar medidas compensatórias temporárias, tais como a suspensão de concessões ou outras equivalentes, visando a obter seu cumprimento. Artigo 24 1. Cada Estado parte na controvérsia custeará as despesas ocasionadas pela atividade do árbitro por ele nomeado. 2. O Presidente do Tribunal Arbitral receberá uma compensação pecuniária, a qual, juntamente com as demais despesas do Tribunal Arbitral, serão custeadas em montantes iguais pelos Estados partes na controvérsia, a menos que o Tribunal decida distribuí-los em proporção distinta. CAPÍTULO V RECLAMAÇÕES DE PARTICULARES Artigo 25 O procedimento estabelecido no presente capítulo aplicar-se-á às reclamações efetuadas por particulares (pessoas físicas ou jurídicas) em razão da sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, das decisões do Conselho do Mercado Comum ou das Resoluções do Grupo Mercado Comum. Artigo 26 1. Os particulares afetados formalizarão as reclamações ante a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte onde tenham sua residência habitual ou a sede de seus negócios. 2. Os particulares deverão fornecer elementos que permitam à referida Seção Nacional determinar a veracidade da violação e a existência ou ameaça de um prejuízo. Artigo 27 A menos que a reclamação se refira a uma questão que tenha motivado o início de um procedimento de Solução de Controvérsias consoante os capítulos II, III e IV deste Protocolo, a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum que tenha admitido a reclamação conforme o Artigo 26 do presente capítulo poderá, em consulta com o particular afetado: a) Entabular contatos diretos com a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte a que se atribui a violação a fim de buscar, mediante consultas, uma solução imediata à questão levantada; ou b) Elevar a reclamação sem mais exame ao Grupo Mercado Comum. Artigo 28 126 Se a questão não tiver sido resolvida no prazo de quinze (15) dias a partir da comunicação da reclamação conforme o previsto no Artigo 27 a), a Seção Nacional que efetuou a comunicação poderá, por solicitação do particular afetado, elevá-la sem mais exame ao Grupo Mercado Comum. Artigo 29 1. Recebida a reclamação, o Grupo Mercado Comum, na primeira reunião subsequente ao seu recebimento, avaliará os fundamentos sobre os quais se baseou sua admissão pela Seção Nacional. Se concluir que não estão reunidos os requisitos necessários para dar-lhe curso, recusará a reclamação sem mais exame. 2. Se o Grupo Mercado Comum não rejeitar a reclamação, procederá de imediato à convocação de um grupo de especialistas que deverá emitir um parecer sobre sua procedência no prazo improrrogável de trinta (30) dias, a partir da sua designação. 3. Nesse prazo, o grupo de especialistas dará oportunidade ao particular reclamante e ao Estado contra o qual se efetuou a reclamação de serem escutados e de apresentarem seus argumentos. Artigo 30 1. O grupo de especialistas a que faz referência o Artigo 29 será composto de três (3) membros designados pelo Grupo Mercado Comum ou, na falta de acordo sobre um ou mais especialistas, estes serão eleitos dentre os integrantes de uma lista de vinte e quatro (24) especialistas por votação que os Estados Partes realizarão. A Secretaria Administrativa comunicará ao Grupo Mercado Comum o nome do especialista ou dos especialistas que tiverem recebido o maior número de votos. Neste último caso, e salvo se o Grupo Mercado Comum decidir de outra maneira, um dos especialistas designados não poderá ser nacional do Estado contra o qual foi formulada a reclamação, nem do Estado no qual o particular formalizou sua reclamação, nos termos do Artigo 26. 2. Com o fim de constituir a lista dos especialistas, cada um dos Estados Partes designará seis (6) pessoas de reconhecida competência nas questões que possam ser objeto de controvérsia. Esta lista ficará registrada na Secretaria Administrativa. Artigo 31 As despesas derivadas da atuação do grupo de especialistas serão custeadas na proporção que determinar o Grupo Mercado Comum ou, na falta de acordo, em montantes iguais pelas partes diretamente envolvidas. Artigo 32 O grupo de especialistas elevará seu parecer ao Grupo Mercado Comum. Se nesse parecer se verificar a procedência da reclamação formulada contra um Estado Parte, qualquer outro Estado Parte poderá requerer-lhe a adoção de medidas corretivas ou a anulação das medidas questionadas. Se seu requerimento não prosperar num prazo de quinze (15) dias, o Estado Parte que o efetuou poderá recorrer diretamente ao procedimento arbitral, nas condições estabelecidas no Capítulo IV do presente Protocolo. CAPÍTULO VI DISPOSIÇÕES FINAIS 127 Artigo 33 O presente Protocolo, parte integrante do Tratado de Assunção, entrará em vigor uma vez que os quatro Estados Partes tiverem depositado os respectivos instrumentos de ratificação. Tais instrumentos serão depositados junto ao Governo da República do Paraguai que comunicará a data de depósito aos Governos dos demais Estados Partes. Artigo 34 O presente Protocolo permanecerá vigente até que entre em vigor o Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum a que se refere o número 3 do Anexo III do Tratado de Assunção. Artigo 35 A adesão por parte de um Estado ao Tratado de Assunção implicará ipso jure a adesão ao presente Protocolo. Artigo 36 Serão idiomas oficiais em todos os procedimentos previstos no presente Protocolo o português e o espanhol, segundo resultar aplicável. Feito na cidade de Brasília aos dezessete dias do mês de dezembro do ano de mil novecentos e noventa e um, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo ambos textos igualmente autênticos. O Governo da República do Paraguai será o depositário do presente Protocolo e enviará cópia devidamente autenticada do mesmo aos Governos dos demais Estados Partes. 128 Glossário AEC: Associação dos Estados do Caribe (1994); Antígua e Barbuda, Barbados, Bahamas, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominica, El Salvador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Santa Lucia, São Cristovão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname; Trinidad Tobago e Venezuela; tem objetivos de concertação e de cooperação econômica e política. ALADI: Associação Latino-Americana de Integração, criada pelo Tratado de Montevidéu de 1980, para substituir a ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio, que tinha sido criada em 1960 para realizar o projeto de uma zona livre-cambista); funciona segundo o princípio das preferências tarifárias entre dois ou mais membros (acordos de alcance parcial), até chegar, no longo prazo, a um mercado comum, realizando gradualmente a integração completa do continente; reúne quase toda a América do Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela) mais o México, mas este último pediu derrogação de suas obrigações sob a cláusula de nação-mais-favorecida (Artigo 44 do TM-80), em 1994, por motivo de sua entrada no NAFTA, uma vez que não estendeu aos demais parceiros da ALADI as concessões que efetivou na área de livre-comércio da América do Norte. ALCA: Área de Livre Comércio das Américas (em inglês, FTAA: Free Trade Area of the Americas), designa o processo lançado na Cúpula das Américas (Miami, dezembro de 1994), tendente a negociar, até 2005, e a conformar, a partir dessa data, uma vasta zona de livre comércio (incluindo-se aspectos não exclusivamente comerciais, como propriedade intelectual, compras governamentais, investimentos e finanças) no hemisfério americano, desde o Alasca até a Terra do Fogo; participam das negociações todos os países (34) dos três continentes e do Caribe, à exceção de Cuba, sendo que o Mercosul negocia como bloco; as negociações, segundo o que foi decidido na IV reunião ministerial (San José, abril de 1998), serão conduzidas em 9 grupos, uma segunda reunião de cúpula dos chefes de Estado foi realizada em Santiago (abril de 1998), quando foram lançadas as negociações. APEC: Asia Pacific Economic Cooperation (Cooperação Econômica da Ásia Pacífico), designa o esquema de cooperação intergovernamental entre 18 países da bacia do Pacífico (Ásia oriental, com participação proeminente do Japão e dos tigres asiáticos, e das Américas, entre eles o Canadá, os Estados Unidos, o México e o Chile), com vista à conformação de uma vasta zona de livre comércio na região até 2010 (para os países mais desenvolvidos) ou até 2020 (para os ainda em desenvolvimento); atualmente se estão negociando preferências na região, mas o modelo adotado é o do regionalismo aberto. ASEAN: Association of the South-East Asian Nations (Associação de Nações do Sudeste Asiático), agrupamento de países anticomunistas criado na época da Guerra Fria (1967) para fins de cooperação política e, em especial, bloquear o progresso do socialismo na região da Ásia oriental; composta por Brunei, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia, veio recentemente a admitir o Vietnã ainda formalmente socialista; converteu-se em mais um espaço integracionista regional, passando a negociar esquemas preferenciais de comércio e encaminhando-se para uma zona de livre comércio. 129 BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento, entidade financeira hemisférica, com sede em Washington, criada em 1959 para financiar projetos de desenvolvimento no continente; dotado de sistema decisório mais favorável aos países latinoamericanos do que o BIRD. BIRD: Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, ou Banco Mundial, criado em 1944, na conferência de Bretton Woods para sustentar a reconstrução dos países destruídos pela guerra e financiar projetos de desenvolvimento em países pobres; entrou em vigor em 27 Dezembro 1945; distingue-se das organizações da ONU no sentido em que o processo decisório é determinado pela participação no capital votante e não segundo o princípio de um país um voto. BIS: Bank for International Settlements (Banco de Compensações Internacionais), criado em 1930 na Haia, com base no Plano Young, para resolver o problema da dívida da Alemanha; tem sede em Basiléia e facilita a cooperação entre bancos centrais dos países membros; participação inicial da França, Bélgica, Reino Unido, Itália e Suíça; estatutos emendados diversas vezes, em 1937, 1950, 1961, 1969, 1974 e 1975; administrou, nos anos 50, a Convenção Europeia de Pagamentos, da OECE; o Board é composto pelo G-10; fazem parte da Assembleia-Geral, com direito a voto, 32 bancos centrais, europeus, mais os do Canadá, Japão, Estados Unidos, Austrália e África do Sul; em 1996 o Brasil foi convidado, com vários outros países, a ingressar no BIS, o que foi feito em 1997. O BIS administra o Acordo de Basiléia sobre convergência internacional de padrões e normas aplicadas ao capital bancário (1988) que estabelece normas relativas a fundos próprios (prudência bancária: nível mínimo de capital compatível com a estrutura de ativos). BNTs: Barreiras não tarifárias: designa o conjunto de medidas — de caráter técnico, mas algumas vezes determinadas por razões de protecionismo comercial — eventualmente adotadas por países, em sua política comercial, para opor-se à entrada de produtos competidores em seus mercados; podem estar associadas a medidas antidumping ou de salvaguardas, que são disciplinadas pelo sistema multilateral de comércio administrado pelo GATT. CAN: Comunidade Andina, sucessora em 1996 do Grupo Andino (1969); Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela; trata-se de uma união aduaneira parcial (Colômbia e Venezuela), com proposta para evoluir para um mercado comum. Assinou acordo-quadro de livre comércio com o Mercosul (1998) e está negociando esquemas de liberalização tarifária e de cooperação em diversas áreas. CARICOM: Caribbean Common Market (1968); Antígua e Barbuda, Barbados, Bahamas, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, Montserrat, Santa Lucia, São Cristovão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname (1995) e Trinidad Tobago; objetiva um mercado comum. CECA: Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, organização comum da produção siderúrgica, estabelecida pelo Tratado de Paris em 1951, entre Alemanha, França, Bélgica, Luxemburgo, Países Baixos e Itália, criando um primeiro embrião de supranacionalidade na Europa ocidental, que depois evoluiria para a Comunidade Europeia (1957), sob a forma de um mercado comum para o conjunto de produtos e serviços dos países membros. CEI: Comunidade dos Estados Independentes, federação flexível constituída por alguns países ex-estados federados da extinta União Soviética, que se desmembrou em 1991; pretende evoluir para uma união aduaneira e até para uma zona monetária única. CEPAL: Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe; organismo especializado da ONU para a realização de estudos técnicos sobre a 130 região; desempenhou um papel importante no processo de industrialização e de promoção da integração. EFTA: European Free Trade Association (Associação Europeia de Livre Comércio), criada em 1960 para oferecer uma perspectiva de liberalização de comércio aos países que não aderiram, em 1957, ao projeto comunitário dos Tratados de Roma, com destaque para ao Reino Unido e países escandinavos; congregou praticamente todos os demais países capitalistas europeus não pertencentes à Comunidade Europeia, mas quase todos eles decidiram aderir, progressivamente, ao esquema comunitário, com as notáveis exceções da Suíça, Noruega e Islândia. FMI: Fundo Monetário Internacional, criado com o Banco Mundial na Conferência de Bretton Woods, em 1944, no contexto da preparação da ordem econômica mundial do pós-guerra; entrou em vigor em 27 Dezembro 1945, quando 29 países assinaram os Artigos do Acordo e começou a funcionar efetivamente em 1º Março 1947; o Brasil faz reservas a seu Artigo VIII (que trata do não recurso a restrições sobre pagamentos correntes e às práticas monetárias discriminatórias, da conversibilidade dos haveres detidos por outros Estados membros e da comunicação de informações), utilizando-se do recurso ao Artigo XIV, que autoriza “restrições temporárias”; o FMI destinava-se originalmente a administrar um sistema financeiro e monetário internacional baseado em paridades estáveis entre as moedas, cuja garantia era dada pela conversibilidade assegurada do dólar em ouro (35 dólares por onça de ouro); essa obrigatoriedade foi rompida unilateralmente pelos Estados Unidos em 1971 e desde então funciona um regime flexível com flutuação de moedas e liberdade cambial. A primeira emenda ao Acordo constitutivo foi adotada em 1969, criando os Direitos Especiais de Saque, uma moeda de reserva internacional baseada em 5 moedas mais importantes; a segunda emenda foi introduzida em 1976 (em vigor desde 1978), para oficializar o abandono do sistema monetário criado em Bretton Woods; encontra-se em discussão nova emenda ao convênio constitutivo, prevendo a liberalização progressiva dos movimentos de capitais e dando eventualmente jurisdição ao FMI para monitorar as práticas dos países nessa área. FONPLATA: Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata, criado em 1974, no âmbito do Tratado da Bacia do Prata; sede inicial em Sucre, Bolívia, depois trasladada a Santa Cruz de la Sierra; encontra-se em processo de reforma, com possível constituição de uma entidade financeira da América do Sul, dedicada prioritariamente ao Mercosul e países associados, nos moldes de um banco regional de desenvolvimento. GATS: General Agreement on Trade on Services (Acordo Geral sobre Serviços), adotado em 14 Abril 1994, em Marrakesh, como parte dos acordos da Rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais; estabelece o princípio do tratamento nacional no acesso a mercados, segundo lista de ofertas e compromissos dos países membros. GATT: General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio), acordo assinado entre partes contratantes de esquemas comerciais contendo a cláusula de nação-mais-favorecida em 1947, entrou provisoriamente em vigor em 1° Janeiro 1948 enquanto não fosse ratificada a Carta de Havana criando a OIC; em 1955, em sessão de revisão do GATT, um Protocolo emendou seu Preâmbulo e as Partes II e III; um Conselho de Representantes foi criado por Decisão das Partes Contratantes em 4 Junho 1960; outro Protocolo, de 1965, inseriu no Acordo Geral uma Parte IV, relativa a Comércio e Desenvolvimento; várias rodadas de negociações. O GATT-47 permaneceu 131 provisoriamente em vigor até 1995, quando foi declarado formalmente extinto e substituído pelo GATT-94, resultante da Rodada Uruguai, que passou a ser administrado pela OMC. G-3: Grupo dos Três (1995); Colômbia, México e Venezuela; acordo tendente a constituir uma zona de livre comércio no prazo de dez anos. A sigla também pode identificar os três países mais avançados em termos de poder econômico e monetário: Estados Unidos, Alemanha e Japão. G-5: Grupo dos Cinco, constituído em 1967, para coordenação de questões financeiras e monetárias; representa os países detendo as moedas incluídas na definição dos Direitos Especiais de Saque (DES/SDR): Estados Unidos, Japão, Alemanha França e Reino Unido, das quais o marco alemão e o franco francês (e talvez mais adiante a libra britânica) deverão desaparecer em virtude da união monetária no âmbito da União Europeia e a instituição do euro. G-7/G-8: Grupo dos Sete países mais desenvolvidos (Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália e Canadá), criado em 1975 no auge da crise financeira internacional provocada pelo rompimento do acordo de Bretton Woods e pela primeira crise do petróleo; se reúne anualmente num dos sete países para a coordenação de políticas macroeconômicas e, crescentemente para cuidar também de temas políticos; participam também o Presidente da Comissão Europeia (vide UE) e, a partir de 1994, a Rússia, em reconhecimento de sua importância política e militar (nuclear), embora ela não participe ainda de todas as instâncias de discussão e coordenação, em especial as financeiras e monetárias. G-10: Grupo dos Dez, criado em 1962, conjuntamente com a constituição dos GAB (General Arrangements to Borrow), para disponibilizar recursos adicionais aos do FMI a seus próprios membros quando vítimas de ataques especulativos (como ocorreu com a libra, a lira e o próprio dólar); é de fato um G-11, pois que constituído pelos países do G-7 mais Bélgica, Países Baixos, Suécia e Suíça; a Arábia Saudita também participou de algumas de suas reconstituições de fundos; também participam representantes do FMI, do BIS e da OCDE, mais o Diretor-Gerente do FMI; em 1996 foi aprovada a criação dos NAB (New Arrangements to Borrow), com ampliação do número de países participantes e dos recursos disponíveis. G-15: Grupo dos 15, criado em 1989, em Belgrado, durante Conferência do Movimento Não-Alinhado (MNA) para facilitar a cooperação entre países em desenvolvimento e estimular o diálogo com o G-7; países participantes originais: Argentina, Brasil, Jamaica, Peru, Venezuela, México, Argélia, Egito, Nigéria, Senegal, Zimbábue, Iugoslávia, Índia, Malásia, Indonésia; em 1992, o Chile foi admitido, em substituição à antiga Iugoslávia; em 1996, foi aprovada a admissão do Quênia e, em 1998, a do Sri Lanka, convertendo-o, de fato, em um G-17. G-22: Grupo informal, constituído em 1998 com a participação do G-7 e 15 outros países emergentes (entre eles o Brasil) e ex-socialistas, para estimular a cooperação em matéria financeira e monetária. G-24: Grupo dos Vinte e Quatro, constituído em 1971, em Genebra por um grupo seleto de países do Grupo dos 77, para fazer contrapeso ao G-10 em matéria de questões monetárias internacionais; oito países de cada grupo regional: Argélia, Côted’Ivoire, Egito, Etiópia, Gabão, Gana, Nigéria, Zaire; Argentina, Brasil, Colômbia, Guatemala, México, Peru, Trinidad-Tobago, Venezuela; Índia, Irã, Líbano, Paquistão; Filipinas, Sri Lanka, Síria, Iugoslávia; o FMI assegura o Secretariado e a UNCTAD e o PNUD colaboram na pesquisa e em outras atividades; o DiretorGerente do FMI e o Presidente do BIRD assistem suas reuniões ministeriais, assim como a China. 132 G-77: criado em 1964, para coordenar os interesses dos países em desenvolvimento no foro da UNCTAD e de outras organizações das Nações Unidas; organizado em subgrupos regionais, atuando sobretudo em Nova York e Genebra. GRULAC: Grupo Latino-Americano e do Caribe, realiza a coordenação dos países da região para atuação no G-77 e em outras instâncias multilaterais. Grupo Andino: Esquema sub-regional constituído em 1969 com base no Acordo de Cartagena (1966), tendente a criar um mercado comum entre os seis países originalmente participantes: Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Chile; este último abandonou formalmente o Grupo em 1975; o GRAN evoluiu para a CAN. Grupo de Cairns: criado em 1986 (na Austrália), para coordenar a cooperação entre países exportadores agrícolas no quadro das negociações comerciais multilaterais da Rodada Uruguai; formado por 14 países exportadores de produtos agrícolas que não praticam subsídios à produção ou exportação, entre eles o Brasil e parceiros do Mercosul; grupo voltado para combater, no âmbito do GATT/OMC, as políticas de subvenções de países desenvolvidos; os EUA, que também praticam um regime de apoio à agricultura, tinham no início da Rodada Uruguai uma posição maximalista liberalizadora e são aliados na luta contra o protecionismo agrícola da Política Agrícola Comum da UE. MCCA: Mercado Comum Centro-Americano (1961); Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá; objetivo de um mercado comum. MERCOSUL: Mercado Comum do Sul, designa o espaço integracionista instituído pelo Tratado de Assunção (março de 1991) com vistas a criar um mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, num esquema intergovernamental de cooperação e de coordenação, e não comunitário, como no modelo da UE; em dezembro de 1994, o Protocolo de Ouro Preto definiu as instituições do projeto de integração, confirmando seu caráter intergovernamental, consolidou a zona de livre comércio entre os quatro países e definiu o funcionamento da união aduaneira, que deverá estar plenamente implementada até 2006; outros países da América do Sul (Chile e Bolívia inicialmente, países da CAN) negociaram acordos de associação com o Mercosul, que possui também um acordo-quadro de cooperação interregional com a União Europeia (1995). NAFTA: North American Free Trade Agreement (ou Acordo de Livre Comércio da América do Norte), assinado em 1992 e constituído em 1994 pelo Canadá, Estados Unidos (que já possuíam um acordo bilateral de livre comércio desde 1987) e o México; pode estender-se a outros países do hemisfério, mas o Congresso dos EUA negou, em 1995, autorização para o Executivo negociar a entrada do Chile no espaço livre-cambista. OCDE: Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, entidade criada em 1960 para substituir a antiga OECE (Organização Europeia de Cooperação Econômica) da Guerra Fria; realiza a coordenação de políticas econômicas entre os países mais desenvolvidos; nos últimos anos têm absorvido alguns países emergentes (México, Coréia) e ex-socialistas (Hungria, Polônia e República Checa) e prepara-se para integrar a Eslováquia. Argentina e Rússia são candidatos à adesão. O Brasil integra, desde 1994, o Centro de Desenvolvimento, criado em 1962, tornou-se membro pleno do Comitê do Aço (1996) e vem adotando uma política de aproximação gradual, consubstanciada na participação como observador em diversos comitês técnicos: Comitê de Comércio, de Investimentos e Empresas Multinacionais (1997), de Política da Concorrência e de Agricultura (1998). 133 OEA: Organização dos Estados Americanos, criada em 1948, em Bogotá, com sede em Washington, pois que sucedendo à antiga União Pan-Americana; Cuba foi expulsa em 1962. OIC: Organização Internacional de Comércio, criada pela Carta de Havana de 1948; deveria incorporar o GATT-1947 como um de seus capítulos, mas nunca entrou em vigor por falta de ratificações. OMC: Organização Mundial do Comércio (WTO, em inglês), última das “três irmãs de Bretton Woods”, criada em 1994 para administrar o GATT e diversos outros acordos de comércio de bens, serviços e outros mecanismos econômicos vinculados ao comércio. SADC: Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (Southern African Development Community); formada por África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Malawi, Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue, com o objetivo de constituir um mercado comum a médio prazo. SELA: Sistema Econômico Latino-Americano; mecanismo de coordenação de políticas econômicas criado em 1975, no quadro dos esforços empreendidos pelos países em desenvolvimento para estabelecer uma “nova ordem econômica internacional” e oferecer um espaço exclusivo dos países latino-americanos (uma vez que a OEA, Organização dos Estados Americanos, conta com a participação dos Estados Unidos). SGP: Sistema Geral de Preferências, adotado no final dos anos 60, no quadro do processo de reformas do sistema multilateral de comércio para criar mecanismos de tratamento diferencial e de apoio aos países em desenvolvimento, consistindo de concessões unilaterais das Partes Contratantes ao GATT, sob a forma de reduções tarifárias e levantamento de algumas barreiras não-tarifárias, sem obrigação de extensão a outras PCs mais desenvolvidas (derrogação parcial do princípio de reciprocidade e da cláusula de nação-mais-favorecida). SGPC: Sistema Global de Preferências Comerciais entre Países em Desenvolvimento, adotado em 1988, dotado de menor eficácia relativa. TEC: Tarifa Externa Comum do Mercosul, adotada em 1994, na conferência de Ouro Preto, mediante Resolução 22/94 do Conselho do Mercosul. TPRM: Trade Policy Review Mechanism (Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais), adotado ainda no curso da Rodada Uruguai para sistematizar o monitoramento das legislações e práticas comerciais das Partes Contratantes ao GATT; com base nesse esquema de funcionamento foi criado um Comitê para o exame dos blocos comerciais na OMC. TRIMs: Trade Related Aspects of Investment Measures (Acordo sobre Medidas de Investimento vinculadas a Comércio), adotado no quadro da Rodada Uruguai e administrado pela OMC; aplicável ao comércio de mercadorias apenas; trata das medidas inconsistentes com o princípio do tratamento nacional, como requisitos de desempenho: conteúdo local, vinculações e restrições a importações e exportações. TRIPs: Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights (Acordo sobre Aspectos Comerciais dos Direitos de Propriedade Intelectual), igualmente adotado no âmbito da Rodada Uruguai em 1994 e administrado pela OMC; introduz um conjunto básico de princípios e normas controladoras, reforça a proteção e abre espaço à adoção de medidas de retorsão no âmbito do sistema de solução de controvérsias da OMC. UE: União Europeia, sucedeu em 1993 à Comunidade Europeia, que vinha evoluindo desde o primeiro acordo da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951) e, sobretudo, dos Tratados de Roma (1957), que criaram, com os seis países membros 134 originais da Europa ocidental (Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos) a Comunidade Econômica Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atômica. Integrou progressivamente outros países da região (Dinamarca, Reino Unido e Irlanda, posteriormente a Grécia, Espanha e Portugal) e, depois do Tratado de Maastricht (1992), incorporou três novos membros (Áustria, Finlândia e Suécia); encontra-se em evolução para uma união monetária, dispondo de uma moeda única e de um Banco Central, que será comum aos hoje 11 países membros participantes do esquema do euro. Poderá integrar, a partir do ano 2000 novos países da Europa central e meridional. Possui acordo de cooperação firmado com o Mercosul em Madri, em 15 de Dezembro de 1995. UNCTAD: Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, órgão permanente da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, criado em 1964 e dedicado à promoção do desenvolvimento dos países menos avançados; seu Secretário-Geral atualmente é o ex-ministro da Fazenda e Embaixador brasileiro Rubens Ricupero, que está orientando a entidade para uma agenda mais cooperativa com as entidades de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial) e a OMC, Organização Mundial do Comércio. 135 Bibliografia selecionada sobre o MERCOSUL e a integração ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Mercosul no contexto regional e internacional. São Paulo: Ed. Aduaneiras, 1993 _______ . “Mercosur y Unión Europea: de la cooperación a la asociación” in Georges Couffignal y Germán A. de la Reza (eds.), Los Procesos de Integración en América Latina: enfoques y perspectivas. 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Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 139 Biobibliografia do autor Nascido em São Paulo (19.11.49), iniciei meus estudos de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (1969-1970), continuei o curso na Universidade de Bruxelas e licenciei-me em 1975, com dissertação intitulada Idéologie et Politique dans le Développement Brésilien, 1945-1964. Obtive, em 1976 o título de Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia, com a tese Problèmes Actuels du Commerce Extérieur Brésilien: une évaluation de la période 1968-1975. Sou Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas, tendo defendido com “Grande Distinção”, em 1984, tese sobre a interação entre o poder político e as classes sociais nos processos de modernização: Classes Sociales et Pouvoir Politique au Brésil: une étude sur les fondements méthodologiques et empiriques de la Révolution Bourgeoise. Fui Professor de Sociologia Política no curso de Mestrado em Sociologia da Universidade de Brasília (1985-1986) e no Curso de Preparação à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco do Ministério das Relações Exteriores (1986). Antes de tornarme diplomata, era Professor de Economia Brasileira e de Economia Internacional na Faculdade Campos Salles e de Sociologia nas Faculdades Metropolitanas Unidas (São Paulo, 1977). Leciono regularmente em instituições de ensino superior de Brasília em matérias de minhas especialidades (direito econômico Internacional, comércio exterior, integração regional etc.). Ingressei na carreira diplomática por concurso direto em 1977, tendo servido na Secretaria de Estado nas áreas de Europa Oriental (1977-79), Relações com o Congresso (1985), Assuntos Políticos Multilaterais (1986) e Assuntos de Integração e Comércio Exterior (1992-93). No exterior, fui chefe dos setores Econômico e de Promoção Comercial nas Embaixadas em Berna (1979-1982) e Belgrado (1982-84), servi como Encarregado de Negócios na Delegação para o Desarmamento e os Direitos Humanos em Genebra (1987) e como chefe do Setor de Ciência e Tecnologia na Delegação Permanente em Genebra (1987-90). Fui também Representante Alterno do Brasil junto à Associação Latinoamericana de Integração (ALADI), em Montevidéu (1990-91). De volta à Secretaria de Estado, em 1992, trabalhei como Coordenador Executivo na Subsecretaria-Geral de Assuntos de Integração, Econômicos e de Comércio Exterior, tendo sido criador e editor do Boletim de Integração Latino-Americana. Meu posto mais recente, entre 1993 e 1995, foi como Conselheiro na Embaixada em Paris, na chefia do Setor Econômico, onde ocupei-me de temas como Clube de Paris, OCDE e informação econômica em geral. Aproveitei o período para participar de seminários acadêmicos e proferir palestras em diversas instituições de ensino superior: universidades de Paris I, III e IV, Institut d’Études Politiques, Institut de Hautes Études de l’Amérique Latine. Estou trabalhando atualmente como Chefe da Divisão de Política Financeira e de Desenvolvimento do Departamento Econômico do Itamaraty. Produzi diversos trabalhos acadêmicos, geralmente ensaios sobre problemas sociais e políticos brasileiros ou estudos sobre questões estratégicas e de relações internacionais. Vários de meus artigos e resenhas foram publicados em livros, jornais e revistas do Brasil e do exterior. Tenho também pronunciado palestras e conferências em universidades brasileiras e estrangeiras, bem como participado de seminários nas minhas áreas de atuação acadêmica. Colaborei na transferência para Brasília do Instituto 140 Brasileiro de Relações Internacionais (fundado no velho Palácio do Itamaraty do Rio de Janeiro em 1954), do qual sou Diretor Geral, e também sou editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional, a mais antiga publicação nessa área no Brasil, estabelecida no Rio de Janeiro em 1958 e editada em Brasília a partir de 1993, em nova série. Seleção de trabalhos publicados: A) Livros e contribuições em obras coletivas: Mercosul: Textos Básicos (coord., Brasília: IPRI, 1992) O Mercosul no contexto regional e internacional (São Paulo: Edições Aduaneiras, 1993) L’Intégration latino-américaine et le Mercosud (Paris: Ambassade du Brésil, 1995) “O Paradigma Perdido: a Revolução Burguesa de Florestan Fernandes”, in Maria Angela d’INCAO (org.), O Saber Militante: Ensaios sobre Florestan Fernandes (São Paulo: UNESP/Paz e Terra, 1987, pp. 209-229) “The ‘New’ Intellectual Property Regime and its Economic Impact of Developing Countries” in Giorgio Sacerdoti (ed), Liberalization of Services and Intellectual Property in the Uruguay Round of GATT (Fribourg: University Press of Fribourg, 1990, pp. 74-86) “Le Brésil de 1984 à 1995: Consolidation du régime démocratique et tentatives de stabilisation économique” in Katia de Queirós Mattoso, Antonio Fernando Guerreiro de Freitas e Paulo Roberto de Almeida, Brésil: cinq siècles d’histoire (Paris: Ambassade du Brésil, 1995) “La Consolidación del Mercosur” in Consejo Español de Estudios Iberoamericanos: Segundo Seminario Español sobre la Realidad Brasileña, Anales, tomo II (Madrid: Casa do Brasil en Madrid/Embajada de Brasil, 1996, pp. 33-58) “Mercosur y Unión Europea: de la cooperación a la asociación” in Georges Couffignal e Germán A. de la Reza (eds.), Los Procesos de Integración en América Latina: enfoques y perspectivas (Estocolmo: Institute of Latin American Studies-University of Stockholm, 1996, pp. 113-130) “A Diplomacia do Liberalismo Econômico” in José Augusto Guilhon de Albuquerque (org.), Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990), Volume I: Crescimento, modernização e política externa (São Paulo: Cultura Editores associados, 1996, pp. 173-210) “Um roteiro de quatro séculos das relações internacionais do Brasil” in José Manoel Cardoso de Oliveira, Actos Diplomaticos do Brasil: tratados do periodo colonial e varios documentos desde 1492 (Brasília: Senado Federal, 1997, edição fac-similar, coleção “Memória Brasileira”, Tomo I, pp. III-XXXIX) Addendum: “Relação dos principais instrumentos multilaterais vinculando o Brasil a partir de 1912”: Tomo II, pp. I-LV. “Os anos 1980: da nova Guerra Fria ao fim da bipolaridade” in José Flávio Sombra Saraiva (org.), Amado Luiz Cervo, Wolfgang Döpcke e Paulo Roberto de Almeida, Relações internacionais contemporâneas: da construção do mundo liberal à globalização, 1815 a nossos dias (Brasília: Paralelo 15, 1997, pp. 303-353) “OCDE, UNCTAD e OMC: uma perspectiva comparada sobre a macroestrutura política das relações econômicas internacionais” in Paulo Borba Casella e Araminta de Azevedo Mercadante (coords.), Guerra Comercial ou Integração Mundial pelo Comércio? A OMC e o Brasil (São Paulo: Ltr Editores, 1998, pp. 149-198). Em fase de edição: 141 Relações internacionais e política externa do Brasil:dos descobrimentos à globalização (a ser publicado pela Editora da UFRGS, 1998) Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais na Império (em fase de edição) O Brasil e o multilateralismo econômico (a ser publicado pela Livraria do Advogado Editora) B) Artigos selecionados: “O Mercosul no contexto regional e internacional”, Política Externa (2, 2, 1993) “A Propriedade Intelectual na Política Exterior e nos Processos de Integração Econômica”, Revista Brasileira de Política Internacional (36, 2, 1993) “O Brasil e o Mercosul em face do NAFTA”, Política Externa (3, 1, 1994) “A Cláusula Social no Comércio Internacional”, Revista Brasileira de Comércio Exterior (40, 1994) “Mercosul e União Europeia: Vidas Paralelas?”, Boletim de Integração LatinoAmericana (14, 1994) “The Political Economy of Intellectual Property Protection: technological protectionism and transfer of revenue among nations”, International Journal of Technology Management (10, 2/2, 1995) “O MERCOSUL e os processos de integração nas Américas no contexto do sistema econômico internacional: uma cronologia comentada”, Boletim de Diplomacia Econômica (20/21, 1996/97) “A democratização da sociedade internacional e o Brasil: ensaio sobre uma mutação histórica de longo prazo (1815-1997)”, Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 40, nº 2, julho-dezembro 1997, pp. 76-105) “Estrutura institucional das relações econômicas internacionais do Brasil: acordos e organizações multilaterais de 1815 a 1997”, Contexto Internacional (Rio de Janeiro: IRI/PUC-RJ, vol. 19, nº 2, julho-dezembro 1997, pp. 307-401) “Manifesto do Partido Comunista (atualizado para o século XXI)”, Política Comparada - Revista Brasiliense de Políticas Comparadas (vol. II, nº 1, janeiro-junho 1998) “Formação do sistema patentário no Brasil: o século XIX”, Economia e Tecnologia (vol. 1, nº 2, abril-junho 1998, pp. 81-92) A ser publicado: “Brasileiros na Guerra Civil Espanhola, 1936-1939: combatentes brasileiros na luta contra o fascismo”, revista Sociologia e Política (UFPR, 1999) “A ideia de revolução burguesa no marxismo brasileiro”, vol. 4 do História do Marxismo no Brasil (coord. de Marcos Del Roio e Angelo J. Silva) “The Future of Mercosur”, Trade & Integration (INTAL-BID, nº 4) 142 143
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