Terras Do Xisto
Terras Do Xisto
Terras Do Xisto
Terras do Xisto
“Apontamentos de viajante”
Rumo ao Souto da Casa, aqui nesta avenida de vidoeiros. O viajante toma alturas ao tempo e pensa onde
almoçar. Leva consigo o poema de Herculano Rebordão, poeta do Souto da Casa, ele como ninguém, cantou a
ribeira da sua terra.
Vai-me saber bem este poema quando a estrada serpentear a ribeira e pena é que não a possa acompanhar até
à foz, em Fernandelho.
Julga o
viajante que a
partir daqui a
ribeira
conserva seu
nome até ao
Zêzere, para
quem já
desceu a
ribeira da
Gardunha, do
Tormentoso,
do Carcavão,
Enxabarda,
Açor, do Fuso
e das
Malhadas.
Desde lá do
cimo da Gardunha (Senhora da Serra), viu dezenas de moinhos e lagares. O Moinho da Panegral, nessa altura
ainda não conhecia a poesia de Herculano Rebordão e tem vontade de lá voltar; sabendo que o moinho já não
mói.
Corre por entre muros e fortes esta ribeira, notável obra de gigantes. Por isso merecia classificação no
património português.
Agora ainda esta recta antes da subida para a terra dos bombos, esta bela avenida cercada de vidoeiros,
legendados com desenhos de rara beleza, notas de namoro e outros recados, deixados aqui na mimosa casca das
pobres árvores, esbeltas como não há igual. A meio da recta à direita para quem aprecia arqueologia industrial
ali tem um forno de telha artesanal de três fornalhas, no meio dos pinhais sem nenhuma indicação. Queria falar
de outras coisas, digo adeus à ribeira lanço o olhar ao vale mais bonito da Gardunha, fervilha de histórias este
vale da grande romaria da Senhora da Serra, Santa Luzia, do Carvalhal do Souto da Casa, sempre a pedir-nos
meças.
Lavacolhos
Na subida para Lavacolhos, o olhar estende-se para o cabeço da Argemela, num desafio à indiferença:
Penitentes
Cruzar-me com o meu velho amigo Jesuino, velho de saber, jovem como os outros. É uma figura muito querida
desta aldeia. Foi sempre um prazer conviver com ele nos serões na taberna do Manuel Roda. — Ouviu à sua
mãe: / Pastores da Argemela / que atirais vós ao gado? / Julgais que atirais pedras / mas é oiro encantado!
Que em buracos na Argemela, há oiro escondido!... (Segundo José Inácio Cardoso, 1861, ─ ali costumavam ir
cortar e lavrar os canteiros pedras para os portais dos edifícios, porque não as encontravam n’outro sítio
vizinho. Um pedreiro da Barroca do Zêzere, vendeu uma argola de oiro por 60.000 réis.) Nas noites frias de 15
de Janeiro na festa ao Santo Amaro, o Sr. Jesuino canta sempre cantigas ao santo com a sua voz rouca e meiga.
Esta voz parece carregar toda a história da aldeia, a música pura e as lendas de encantar.
Lavacolhos irmanada com o cabeço da Argemela, lá ao fundo. Ainda se nota a cintura das muralhas do castro
que urge defender!
Vizinha do monte ocupado pelos Romanos, vivia uma linda moça lusitana que tinha o seu casamento ajustado
com um dos mais destacados lugar-tenentes de Viriato.
Na véspera do casamento os Romanos conseguiram raptá-la, procurando forçá-la a revelar notícias respeitantes
ao noivo e à guerra que se travava entre eles e os Lusitanos.
A heróica moça resistiu a todos os maus-tratos ao ponto de morrer queimada sem que revelasse, fosse o que
fosse, contra os seus.
Pelos séculos dos séculos, desde então, ficaram a ouvir-se gemidos que pairavam próximo sobre o monte o que
leva o povo a dizer: — No ar geme ela! Daí o nome por que ainda hoje o monte é conhecido - Argemela.
Das referências que encontramos sobre a Argemela destacamos também: (O Domingo Ilustrado) de
1898.
Fica nos limites desta freguesia o pico do Argemela, que assistiu e dela guarda memória, à homérica luta
entre os lusitanos capitaneados pelo patriota pegureiro dos Hermínios, Viriato, e as hostes romanas. O
Argemela defronte com a povoação, onde está a sede da freguesia, da qual o separa o Zêzere, tem a
altitude de mil metros, acima do nível do rio, é áspero de subir por ser em forma do pico ou cónica. A
meio da encosta para a parte superior encontra-se uma série de três muros, a cerca de distancia uns dos
outros de cinquenta metros; hoje estão arruinados pelo vandalismo ignorante dos vizinhos, que deles têm
arrancado pedra para reparos nas habitações, destruindo assim um monumento arqueológico de valor.
Esses muros davam a volta ao monte e devem ter sido, no seu tempo, boa obra de defesa auxiliados, pela
aspereza do monte, que é muito íngreme. De que esta construção é obra dos romanos não há dúvida,
porque no cimo do Argemela vêem-se as ruínas de um castro ou acampamento, dos que usava aquele
povo. Diz a tradição que foi mandado fazer por um procônsul que se viu apertado pelos lusitanos; está
também arruinado e pelo mesmo motivo como já dissemos corre perigo de desaparecer. É poética a lenda
de que deriva o nome deste lugar. Uma virgem lusitana, que na vizinha povoação residia, tinha casamento
ajustado com um dos chefes defensores da pátria.
Outros etimologistas, menos dados a lirismos, dizem que o nome é corrupção da palavra árabe Aljobeila,
que significa (pequeno monte).
É custosa a subida ao pico do Argemela, mas o viajante que o atinge goza de lá magnifico espectáculo.
O viajante de hoje não repara no desfasamento das cotas de altitude que o autor da época fez. Mas sente que
por todos os tempos os sítios tocam os sentimentos dos seres humanos. Deveríamos fazer da defesa deste lugar
um hino pela nossa história lendária. Vamos troca-lo (desfeito em pó) onde tudo regressará como filhos da
terra perdendo a forma e a honra do Argemela.
Eram de Lavacolhos os capitães de ordenanças: Manuel Antunes Dâmaso, Manuel Fernandes Gravito e José
Fernandes Gravito. 1768/1807.
Silvares
Em Silvares, pela manhã, gosto de subir ao alto do Santuário de S. Luzia, onde o orvalho ribeirinho disfarça o
péssimo urbanismo desta histórica vila. O viajante pensa corrigir a sua opinião depois de visitar o senhor Paulo
Bernardino, exímio tocador de pífaro e construtor de instrumentos típicos: bombos, nos pífaros usa de
Sanguinho-de-água, como manda a tradição. Esta árvore cresce junto das linhas de água nas margens dos rios,
misturado com Salgueiros. Pífaros toque imprescindível, alma musical de um grupo de bombos. Mora este bom
cidadão recentemente homenageado pelo seu povo. Como homem entusiasta das actividades culturais de
Silvares, quer como elemento do Rancho Folclórico de Silvares, ou ainda acompanhando o seu grupo de
bombos ou outros grupos quando solicitado. Fala disso sempre com paixão, e uma vaidade contagiante.
Mora o senhor Paulo, numa colina a caminho do vale da Ribeira do Moinho onde estão as pias sítio mítico para
o povo de Silvares. Dali a vista sobre a vila ao cair da tarde quando da nossa visita surpreendeu o viajante.
Faço-me ao casco central, o xisto mostra toda a sua plenitude, antiga construção em taipa, de um saber milenar.
"Cantiga da Rega"
Ouvia-se por todas as terras ribeirinhas e, em Silvares, faz parte dos desfiles etnográficos, organizados
pelo seu rancho folclórico.
Esta magnifica igreja, merecia mais atenção dos urbanistas, durante anos ficou cercada pelas casas. Hoje
sufocada sem espaço para se admirar, a mais bela igreja das terras do xisto. A sua torre e portados foram
edificados com pedras do cabeço da Argemela. Esta pedra tem textura e cor fresca muito agradável ao
olhar. Já dei por mim a deliciar-me, com os seus vitrais que mal recebem a luz solar. Imagina-la livre em
campo aberto como já fora possivelmente.
Daqui ao Cabeço do Pião, anexa de Silvares, passeio muito agradável, dá-se o primeiro contacto com o rio.
Miradouro excelente à Negra, resta dela as casas, ficaram os segredos dos mineiros: partilhados com o Sr.
Álvaro Ferreira Gomes, ultimo proprietário da taberna, do salto e pilha, contrabando, a meio da viagem para o
trabalho. O viajante recomenda a leitura do livro de: Robert Wilson, (Último Acto em Lisboa) Prémio para o
melhor romance policial de 1999. Tive o privilegio de conhecer o autor, durante as viagens que fez às minas
para recolha de dados para o seu romance. Peça mais do que fundamental para perceber a importância do
minério da Panasqueira, durante o conflito mundial. Por estas terras vizinhas das minas se viveram anos de
alguma loucura tal era a facilidade com que o dinheiro circulava, em mãos pouco habituadas a ele. Há histórias
fabulosas que o viajante guarda para melhor altura, numa viagem mais calma.
A lavaria do rio, proporciona sempre uma visita prolongada, (Avenida dos Aliados) uma bela placa em
azulejos de 1940 fixa o nome da Avenida dos Aliados, transporta-nos para outros segredos que nem os
frequentadores da Negra podiam entender!... Velhos equipamentos, os aterros, montanhas artificiais de detritos
mineiros e as cores ácidas, um paraíso para os fotógrafos.
O caminho ribeirinho para a Barroca é deslumbrante, mas só a pé e nem sempre o viajante!...
Volto ao cruzamento para São Martinho.
São Martinho
Na descida para São Martinho, ali lado a lado o Cabeço Godinho, e Abotureira. Por este vale de Álvaro, na
primeira placa de São Martinho à esquerda. Gosto de apreciar aquela casa fortificada, Curril, no meio de
pinhais feita por um sonhador, António Marques Vicente, natural desta aldeia, a quem nunca tive a coragem de
perguntar qual o seu sonho.
Gosta este sonhador, de pastorear o seu gado pelo Vale de Álvaro e Cabeço das Arcas.
Entro na aldeia como quem vem do Cabeço das Arcas, sítio onde há muitas pedras em cubos. Alguém disse
que os romanos levaram daqui pedras destas para decorar as suas salas. Talvez em Conímbriga se encontrem
pedras do Cabeço das Arcas.
Apresenta ainda algumas casas em xistos, com portados e janelas de muita beleza.
Era daqui a “Ti Emília do Correio”, diz: quem fez as contas, (o total percorrido por esta senhora será: de
420.000 km) transportando alegrias e tristezas nas cartas que carregara por estes montes e vales enquanto
pôde andar, desde menina.
No adro de S. Martinho/Meu corpo será sepultado/Com um garrafão de vinho/E um pão de cada lado.
Verso trágico ou cómico, que ainda se canta.
Ao longo da estrada de S. Martinho, até ao alto de Bogas de Cima, há uma espécie de Eucalipto, que tem casca
como a cortiça.
Nos anos trinta foram encontradas três mós romanas, julga o viajante que se encontram em Lisboa...!
Barroca
Quero ir mais uma vez ao Poço do Caldeirão. Parei junto ao largo das festas, para percorrer a parte velha da
aldeia e ver as suas capelas.
Ainda conserva uma parte do antigo casario, sigo para norte na direcção do rio, mas irei visitar a Capela de S.
Roque.
Serve de casa mortuária. O viajante não entende que uma pequena capela em xisto, de uma traça única, não
possa ser dispensada desta função fúnebre.
Julga o viajante que a capela é de 1889 a julgar pelo ano em que a casa do Dr. Luís Gonzaga, foi
edificada, a capela como se disse é de muito boa traça, a figura central do altar é uma pintura de grandes
dimensões. A fazer lembrar as melhores escolas de pintura do pais, para figurar no altar o seu autor.
Em 1888 foi concedida licença aos carpinteiros para construir uma capela dedicada a S. Roque, Em Lisboa
como consta em José Cândido Correia, Catálogo oficial dos objectos enviados à Exposição Industrial
Portuguesa em 1888. Figura nesse catalogo. uma personalidade desta Aldeia, Senhor Manuel Gonçalves dos
Santos, da Barroca e Boaventura Dória Burrel, natural de Léria, Espanha. Como industriais das minas da
Panasqueira e Cabeço do Pião, estes pioneiros da exploração mineira das minas da Panasqueira. registaram na
câmara da Covilhã em 1885 a mina da Panasqueira, como seus descobridores.
Outra feliz coincidência, no ano seguinte termina a construção da capela a São Roque. pelo Dr. Luís Gonzaga.
O seu culto propagou-se rapidamente, a sua difusão ficou a dever-se à arte, de pintores e escultores como
Rubens, Carracci, Tintoreto, Luís David. Em Portugal alguns pintores como José da Costa Negreiros, Pintou o
retábulo é uma alegoria a S. Roque, para o altar da Capela da Ribeira das Naus, em Lisboa.
Normalmente surge representado com um cão, o seu amigo fiel. Que lhe trazia comida e lambia as feridas,
enquanto se refugiou num bosque atingido pela peste.
Pintores representam também o nascimento de São Roque como o menino que nasceu santo. Com uma mancha
no peito em forma de cruz. É essa a imagem que o Dr. Luís Gonzaga. Escolheu para o altar da sua belíssima
capela na Barroca, edificada em 1889. A tela figura central do altar é de dimensões consideráveis 156X105 cm.
Apresenta sinais visíveis de má fixação e quebra de nitidez.
Durante algum tempo as gentes da Barroca chamavam erradamente, a capela de São João. Há mesmo dentro da
capela uma cabeça de S. João.
Para o senhor Augusto Barroqueiro, um dos entusiastas do rico património da sua terra, foi ele que nos abriu a
porta da capela, doada ao povo da Barroca pela D. Natália, filha do Dr. Luís Gonzaga.
Vai deixar de ser capela mortuária como tem sido nos últimos anos, visto que as obras da nova casa mortuária
estão quase concluídas. Chegou a altura de reparar a tela do altar, que irá ficar livre do fumo que as velas
acesas durante os velórios tanto efeito nefasto causam à pintura de São Roque. Augusto Barroqueiro, assim
como outros responsáveis da igreja pediram, mais que uma vez apoio às entidades competentes e até agora
nada.
Senhor da Agonia, a matriz tem o oráculo de S. Sebastião. Mesmo em frente à Casa Grande, agora
reconstruída, obra de grande mérito (Mandada construir pelo cónego Gonçalves?). Francisco Gonçalves, foi
cónego magistral na Sé de Évora.
Há dias em que o viajante não se conforma: escreve e anda, como quem chora. Sabe onde param os
bocados mais belos do altar Barroco que compunha a capela da Casa Grande. Decoram hoje um magnífico
salão de gente amiga. Melhor seria observa-lo através desta vidraça. Jorge Listopad, da viagem que
fizemos com ele ao Poço do Caldeirão, 2003, do Jornal de Letras esta pequena passagem da sua escrita.
Refere-se ele à capela que estava em ruínas: ─ Estou aqui sentado nas pedras, esgotado pela marcha,
calçado nos sapatos urbanos, entre silvas e calhaus, num descaminho em cima do Zêzere, aqui rio
aventureiro, tudo não longe mas também não perto da Barroca com sua igreja barroca a perder o desenho e
a alma.
Capela de São Romão. A casa em frente ostenta na tosa a data de 1772 hoje da família Ferreira, foi esta casa
berço de um dos mais ilustres filhos da Barroca, José Inácio Cardoso, nasceu a 31 de Julho de 1806, a ele se
deve varias obras literárias e cientificas, casou a primeira vez em Dornelas do Zêzere, seus pais descendiam das
Portas do Souto e de Alpedrinha, onde a família tinha casa e mais tarde Inácio Cardoso, fixou residência e lá
escreveu parte da sua obra. Participou também com Fabião, na guerrilha como Capitão da 5ª companhia de
Silvares.
A casa grande foi propriedade da família de Fabião António Leitão, até ser adquirida pelo município do
Fundão.
Fabião da Barroca um dos senhores destas paragens, uma longa história para contar. Já o seu pai proprietário
abastado, mui económico, e bom administrador, pelo que juntou boa soma de dinheiro, foi vítima de um
memorável roubo.
Nos princípios de Outubro de 1838, ao serão, apresentou-se no Orvalho uma quadrilha de ladrões a cavalo.
Que consta serem 16 figurando ser força publica, que vinha fazer uma diligência; e invadindo a casa do Fabião,
que vivia só com uma Criada, o deitaram num banco com um alguidar por baixo como para lhe apararem o
sangue, e começarão a dar-lhe facadas por sítios que não fossem mortais; obrigando-o assim a declarar os
lugares onde tinha o dinheiro, e um dos ladrões colocou-se a seu lado, como defendendo-o e procurando
convence-lo que desse o dinheiro, porque pela vida se devia dar tudo. Sete ou nove facadas lhe deram e deste
modo ia ele declarando novo sítio onde tinha dinheiro. A criada porem, que tinham prendido, pôde no meio da
desordem soltar-se e correu logo a uma água furtada, com grande risco de vida gritar por socorro, os ladrões
deram a diligência por concluída, depois de terem juntado o dinheiro do Fabião. O deixaram crivado de facadas.
O ladrão que se tinha declarado protector e conselheiro, lhe fez presente na despedida da caixa de rapé de prata
do mesmo roubo. Do que se vê que iam satisfeitos com o resultado da limpeza.
Foi facto acontecido no tempo que residia-mos em Oleiros, e visitamos pouco tempo depois do acontecimento.
O roubado ainda estava de cama.
Dava ele a entender que conhecia algum dos ladrões, mas nunca constou que os nomeasse.
Ficou tão preocupado com o acontecimento que todas as pessoas dali em diante se lhe figuravam ladrões.
Constou que, indo pela estrada nova na Serra do Zibreiro, e vendo vir um pobre passageiro desarmado, se lhe
figurou um ladrão, que aproximando-se dele atirara com dois cruzados novos para a estrada, metendo esporas à
cavalgadura, e gritando: ─ fica bem, fica bem; adeus, adeus. Ficou pasmado o passageiro que não entendeu
aquele procedimento, com satisfação foi arrecadando o dinheiro abandonado.
Natural do Orvalho, filho de Fabião Francisco Leitão Guedelha, e de Ana Máxima Ribeiro.
Nomeado em 22 de Novembro de 1846, pelo então Chefe de Estado-maior major Joaquim Pedroso. Para
defender a margem direita do Tejo.
"O senhor tenente-coronel Fabião António Leitão, fica nomeado comandante da força na margem
direita do Tejo, e encarregado da defesa do mesmo. Colocará o senhor tenente-coronel toda a
força pela forma seguinte:"
Lanço um olhar ao rio, para ver os aterros das minas, desço a velha calçada à portuguesa, quase ao fundo da
calçada uma marca feita na rocha atesta a cheia de 1909. José Inácio Cardoso, cientista, natural da Barroca
aludia a uma cheia ainda maior que a de 1909. Tarda uma homenagem a esta grande figura da Barroca, homem
de letras e muito saber.
Em Novembro de 1858 foram incalculáveis os prejuízos que causou em toda a bacia hidrográfica do Zêzere,
nestas terras do xisto destruiu: lagares e moinhos, arrastando as terras para a corrente do rio. Lá está o velho
moinho, na margem esquerda do belo açude, o piso em laje dá uma atmosfera das terras do xisto, ali a fonte, a
cruz desenhada na pedra, dizem-me: que é igual à da igreja de S. Cruz em Coimbra e eu não tenho razão para
duvidar.
Em cima da pequena ponte goza-se, a sensação de estar no meio do rio, abaixo do nível da água. Está por ali
outro moinho de rio mas moinhos já o viajante viu muitos. Já na outra margem sigo a torrente da água em
direcção ao poço. O caminho é quase pelo leito do rio, reparo mais uma vez nas legendas que datam 1877, os
muros de suporte das terras, algumas são de uma beleza que só por elas valia a pena a viagem. Os rochedos,
agora estão de uma cor diferente, mudam durante o ano, ficam submersos no Inverno e com as chuvas da
primavera, ficam mais limpos para o olhar.
A água: a relação do Homem com a água, os homens aglomeravam-se junto dos pontos de água, procuravam as
paisagens arbustivas, paradisíacas, como esta do Poço do Caldeirão, lhes permitiam assegurar as actividades
essenciais, como a colheita, a caça ou a pesca. Será que nadavam? Certamente. Haveria para o homem do
paleolítico mais belo espelho que o das águas de um rio? Imagem invertida, como num quadro de Chagal,
ainda hoje toca a alma, nas enganosas águas calmas do Poço do Caldeirão, hoje tão poluídas a invadir a nossa
consciência. Ainda hoje é possível surpreender algum pescador a utilizar, nestas margens do rio, utensílios de
pesca como há milhares de anos, faziam: as guilritas, os cóvãos. Feitos de vime simplesmente. O poder sobre
natural: seria o homem religioso desde a sua origem? Que noção teria do sobrenatural, do não explicável? Que
pensava da morte, perguntas fascinantes sem resposta. O homem ou os homens, que gravaram as pedras do
Poço do Caldeirão “homens do paleolítico” tinham, sem dúvida, consciência das forças, e poderes criadores da
natureza, e deu sentido ao colocar os seus gravados neste altar de pedra, que tive o privilégio de “descobrir”
em 1 de Junho, às cinco da tarde, de 2003, na companhia do meu amigo Belarmino Lopes. Quando aqui volto,
e não têm sido poucas vezes, procuro compreender como viam o rio os antepassados, que sentimentos lhes
despertou este local. Se alguém viu estes gravados, como os leu?... Augusto Cardoso, no seu belo poema,
“Balada”, que dedica ao rio da sua terra, trouxe - me aqui nas asas desse poema. O poema mostra toda a carga
de sentimentos que um rio ainda desperta aos homens dos nossos dias. Onde quer que esteja, Augusto Cardoso,
julgo que cumprimos algum voto que fizeste. Não quero ver as gravuras de longe! Procuro sentir a ilusão de
que as estou a ver pela primeira vez, sentir aquele arrepio. É um sítio para se estar em silêncio! O murmúrio
das águas acossadas pelas pedras que lhe travam a viagem. Volto à Barroca, subo ao alto do cabeço da Senhora
da Rocha. Daqui dá para conferir tudo, avaliar o espaço. / Nossa senhora da Rocha / Olhai o que diz o
mundo / Por detrás da vossa capela / ’stá um poço sem ter fundo.
O espaço é sagrado: maravilha e perturba, afasta e fascina. Um rio de água, uma cascata, um rio de
pedras. Água e lajes de formas estranhas que o rio afeiçoou, esculpiu. Olha a gárgula de catedral, o grito,
o beijo, o dinossauro, a velha, o gogo louco que se deixou ficar naquela torre, um painel liso 1 ...
Malandrando, cobras de água serpenteiam nos seixos cálidos expostos a um sol abrasador. Não há
sombras no rio de pedra. Os pássaros gritam o calor, o gorgolejar da cascata refresca. Sol a pique, no rio
de pedras que as águas ama(cia)ram.
O Criador, no incipit, disse: faça-se um rio de água e um rio de pedra. E o rio de água e de pedra fez-se.
Tem memórias: Esta é a marca onde o rio chegou, no ano de...
A água move-se, às vezes rebela-se, solta-se das margens, enlouquecida. Cobre as pedras, cria figuras,
lava-as, purifica-as, cava poços, caldeirões... enche de mistério espaços e gentes.
No alto, na capelinha branca, lugar de devoção, protectora de horas difíceis, a Senhora ouve as vozes de
gentes que a veneram...
O Criador cansado de harmonia, um dia, em liberdade criadora seguiu o fascínio do desejo, do fazer.
Recusou os cânones e a ortodoxia. (Que artista ousaria uma obra assim?) Temor e maravilha, atracção e
repulsa, caos e prazer misturam-se. Sem modelo, livre, livre, livre... criou o rio de água e o rio de pedras.
Deixou-os, assim, princípio de paraíso e de inferno, de luz e de trevas... espaço de permanente
deslumbramento...
Aquela pedra ressuma metal, em vermelho, os líquenes (pelas mãos de quem?) desenham o que os olhos
sabem ver.
À noite, adensa-se o mistério: a lua envaidece-se na água, aves nocturnas agoiram o que há-de acontecer,
os lobos uivam fomes e cios...
- Nossa Senhora da Rocha: socorrei-nos!
A Senhora quis a sua capelinha naquele espaço. Elegeu-o entre todos. Ali apareceu, conta a memória de
quem sabe, numa rocha; ali quis ficar. Diz-se que, teimosamente, regressava ao local, quando por afecto
a queriam colocar mais próxima da aldeia, do seu povo. Espaço sagrado, o da Senhora: do alto do Monte
domina a rainha piedosa, veladora dos que a veneram.
Que lugar é este?
Um dia, o homem parou e viu. Estupefacto, ouvido atento à loucura dos gritos dos pássaros, à sinfonia
das águas, escorrega aqui, pula para acolá, cai além, levanta-se atónito, em bebedeira de cores e de sons,
de formas, aterrado, deslumbrado.
Que sentiu?
Uma luz claríssima riscou o céu, baixou ao Zêzere, ao rio de pedra, iluminou os montes... Um estrondo
nascido da terra, o pasmo, o pavor. Juntaram outros homens e mulheres acudindo à voz dos deuses. Os
cavalos relincharam pelos montes. Velozes voavam no vento como se tivessem asas...
Um rio de água, um rio de pedras, o desnorte num centro, num umbigo de um espaço...
Os montes ali protegem e amarfanham; a água corre, o homem em êxtase, de pé, olhos escancarados,
fascinado.
Lugar belo, sagrado, sonho de deuses percebeu-o e soube-o, desde sempre, o homem que parou, viu e
orou:
Terra nossa que dais o pão,
Sol bendito que fecundais a terra,
Água pura que saciais a sede,
Seja feita a Vossa Vontade.
Um dia, o homem pegou num sílex, escolheu a laje lisa virada ao monte mais alto e registou uma
mensagem, que milhares de anos depois, os olhos do Diamantino, estupefactos, desvelaram:
- Olha um cavalo! Olha um cavalo! Dois: um maior, outro mais pequeno.
22 de Março de 2006
Alqueidão
A aldeia está edificada numa língua de terra que desce do Cabeço do Barco. Sobre moledos, ou
“cònheiras” (moledos, nome que se dá aos montes de pedras das explorações mineiras, dos mouros ou romanos
muito frequente, nas terras do xisto: Barroca, Alqueidão, Povoa de Janeiro, Esteirinho, Janeiro de Cima).
Alqueidão. Alguns autores atribuem a origem deste nome (Alqueidão) do Árabe, como: sítio de passagem.
Hoje a viagem já não se faz junto ao rio até ao tanque da Vargem. Esta fonte faz parte da memória das gentes
destas aldeias ribeirinhas. Reconstruída em 1909 pelo proprietário da quinta António Rodrigues Fabião, a fonte
e tanque de granito, servida com água de nascente fica na antiga vereda para o Alqueidão. Tem ainda a seu
lado um majestoso Castanheiro-da-Índia, (Aesculus hippocastanum) que muito provavelmente foi ali plantado
nesse ano de 1909.
O viajante não acredita em nada que a ciência não possa explicar! Mas o meu prezado amigo José
Corceiro Mendes, deixou-nos no seu livro:
(A verdade e o Sonho)
Alguns apontamentos sobre as terras do xisto. O trecho que aqui transcrevo do seu livro, (Almas
penadas.) Algo bizarro mas tanto ao gosto das aldeias ribeirinhas, com os seus mitos e lendas: Numa das
muitas viagens que Couceiro, fez a Dornelas a casa do seu sogro João Ventura, uma figura que marcou
os anos 40/50 dos povos do rio.
─ Era sábado quando cheguei à Barroca, o lusco-fusco caía sobre a povoação silenciosa. Da Barroca a
Dornelas eram vinte minutos bem contados. Estava só. Quando me fiz ao caminho, a lua irrompeu dos
pinhais e subiu ao céu como um disco de prata. Os pinheiros projectavam sombras fantásticas no bulício
da aragem. Acendi um cigarro e fiz-me ao caminho em direcção à margem esquerda do rio. Fiz as
descidas, as subidas e as curvas apertadas. Passei o tanque, e deixei a bica de água à esquerda de quem
desce. O mocho cantou. As águas saltavam as margens do rio devido ás ultimas chuvadas. Lá ao fundo,
o velho moinho desactivado semelhava um castelo feudal nas margens do Reno. Ao desfazer da curva,
atirei uma pedra ao rio. A ladeira quase a pique permitiu-me, seguir a trajectória da pedra que caiu na
corrente sem ruído. O marulhar das águas era o único som que cortava o silêncio daquela aragem
inesquecível. De repente, um burro branco saltou dos penhascos da berma esquerda e estacou no meio do
caminho enluarado. Encarou-me durante segundos que pareceram anos, alçou as patas, deu dois traques
e saltou para a ribanceira escorregadia. Fiquei sem pinta de sangue. Um calafrio enorme percorreu todo o
meu corpo da cabeça aos pés. Sete vezes mudei de cor. O coração tornou-se pequenino como um grão de
arroz. Incrível mistério… movi um pedregulho e fi-lo rolar pela ribanceira. Caiu na água sem se ouvir.
Apresei o passo num silêncio medonho. Passei a vinha de Brás pires, flecti à direita já perto da margem.
Senti que alguém seguia no meu encalço como guarda-fiscal farejando a sombra do contrabandista que
se escapa. Olhei para trás e não vi nada.
Uma sombra soprou-me ao ouvido. Tive vontade de correr mas não o fiz. Um som gelado segredou-me:
”Sou a alma de Diogo Lopes” Devo estar louco, pensei eu cá com os meus botões… A minha chegada
ao local da portagem foi um alívio. Dei dois assobios para chamar os barqueiros acendi um cigarro
iniciou a travessia na minha direcção. A meio do rio vejo o burro branco. Mediu-me com olhar de cólera
e atirou-se ao rio desaparecendo no turbilhão das águas.
Repentinamente, um pintassilgo poisou-me no ombro e disse: “Sou a Alma Penada. Sei o segredo da
vida e da morte. Dou um tesouro a quem me restitua a forma humana”. Antes de o barco atracar o
pintassilgo bateu as asas e voou em direcção à lua.
Na sequência do que acabamos de ler, cheguei a casa com os cabelos em pé. Dei contas do acontecido, e
logo me confirmaram que o mesmo acontecera a outras pessoas, também colhidas de surpresa. O mesmo
me confirmou um dornelense que conheci no Fundão e que muito amou a terra e as gentes de Dornelas.
Meu caro Corceiro, o tanque da Vargem ainda lá está agora de novo com a água correndo para o tanque
de pedra talhada. O castanheiro-da-índia cada vez mais frondoso. A casa no velho caminho, tapada por
outro castanheiro e silvas, assim está o moinho também, desse nem sinal. Limparam o açude das
Alagoas. A falta de algum senso para preservar a nossa memória, a minha alma a penar com a do Lopes.
Revoltada e atenta às mudanças que as terras do xisto apesar de tudo para ser justo, nos últimos anos se
tem verificado.
Conserva ainda o Alqueidão, algumas casas em xisto de boa traça. O viajante gosta de figuras populares e aqui
conheceu duas, os irmãos Monsanto. Os Srs. Alberto e o José, dois actores dignos de qualquer auto de Gil
Vicente, para quem assistiu à simulação de uma chamada telefónica para a mulher do senhor Alberto. não
mais os esquece! Quando estavam fora em aldeias vizinhas. O irmão José assistia e comentava como solteiro
que era, tecia outro tipo de comentários sempre com a maior lisura.
Era uma boa troca toponímica, a actual rua 28 de Maio pela rua dos Monsantos ou mesmo de Gil Vicente.
Aproveito esta passagem da viagem para lembrar: a urgência de uma revisão toponímica das terras do
xisto, visto é que o viajante sabe que grande parte da toponímia existente não corresponde ao sentimento
que dela têm as gentes das terras do xisto, e alguma dela abusivamente ali colocada sem a devida
apreciação tal como as leis obrigam.
Por aqui passaram as tropas do tenente-coronel Frederico Lecor, quando em Setembro de 1810 se deslocaram
do Fundão para a aldeia do Espinhal, passando pela Pampilhosa da Serra, após uma, marcha forçada que se
tornou notável; e dai para a batalha do Buçaco. Passaram o rio no sítio do Cavalo, junto aos moinhos da Bate-
cova, com apoio do Capitão Manuel Dias de Carvalho, natural do Carregal do Zêzere. A divisão Lecor, foi
depois colocada na ponte da Mucela, era composta pela infantaria 12 /13 e caçadores 5, com 2.811 homens e
reforçada com as milícias da Idanha, Covilhã e Castelo Branco, mais 2000, número total de 4.811. Dias de
Carvalho, comandou uma guerrilha, entre outras escaramuças, ficou célebre uma em Bogas de Baixo, onde
tombaram quarenta franceses, conhecida como a batalha da Estrada Nova. O coronel Frederico Lecor, partiu do
Fundão sem ordens dos seus superiores, numa jogada de antecipação, logo que percebeu que o inimigo seguia
pelo vale do Mondego, e não pela Beira Baixa como seria o mais natural.
Proba isso o despacho de Wellington, que é emitido no dia 20 de Setembro dia em que Lecor chega
com as suas tropas ao Espinhal, seguindo mesmo até um percurso diferente daquele que o marechal
recomenda.
' MONSIEUR,
' Je viens de recevoir une lettre du Général Hill de la date d'hier, par laquelle j'apprends que vous êtes arrivé
hier au soir à Pedrogao Grande. Aussitôt que vous recevrez cette lettre je vous prie de marcher sur Ponte da
Murcella et par la route et faisant les marches qui vous conviendront le mieux. Faites moi savoir ce qu'elles
seront. Je compte que vous ferez une marche demain le 21 et que vous serez en arrière de la Serra da Murcella
à St. André de Poyares après demain le 22.
Há quem afirme com alguma dúvida que: Gil Vicente se referiu a este Alqueidão, em duas das suas obras.
ou seu termo. Baseia-se sobretudo no profundo conhecimento que mostra possuir acerca das terras e gentes da
Serra da Estrela e Cova da Beira. Nessa região e com personagens dela, situa e desenvolve a maior parte das
suas obras literárias. Há nestas pelo menos duas referências à povoação do Alqueidão, que aquele Autor afirma
ser, nada mais nada menos do que a pitoresca aldeia em frente de Dornelas, excluindo qualquer das várias
outras do mesmo nome existente no País:
No "Auto da Feira", diz Mateus à Leonarda:
"Vós fazeis de mim rascão ".
Ao que ela retorquiu:
"Pação vos fizeste vós,
porém bem vos vimos nós
guardar bois em Alqueidão
No "Auto dos Agravados", aparece uma pastora Hilária a "guardar gado no Alqueidão ".
Havia nessa altura um caminho da Cova da Beira — Covilhã e Fundão — para Lisboa, ao longo da margem
esquerda do rio Zêzere, referindo Gil Vicente nesse percurso as povoações de Alqueidão, Sertã, Sardoal e
Tomar. 0 citado Autor pensa, que nas suas deslocações para a Côrte, em Lisboa ou Almeirim, Gil Vicente terá
utilizado algumas vezes esse percurso. Será assim? Sem querer pô-lo em dúvida, atrevo-me, no entanto, a
sugerir outra hipótese. No tempo em que ele viveu, já o Carregal ocupava lugar de destaque na freguesia de
Dornelas. A sua situação privilegiada num amplo socalco a meio da alta montanha, do mesmo nome, virada ao
sol nascente, a erguer-se por detrás da Estrela dali bem visível, e com abundância de água de invulgar
qualidade, levara a fixar ali duas famílias, de algumas posses, posição social e muito relacionadas: Meireles
(Gramaxo de Carvalho) e Dias (Barata de Carvalho). A primeira estava profundamente ligada à Cova da Beira
(Donas, Soalheira, Tinalhas, etc.) onde tinha parentes muito próximos, trocando entre eles frequentes visitas.
Dada a ligação de Gil Vicente com as famílias nobres da região — nomeadamente a Figueiredo, da Covilhã,
citada no "Auto da Feira" — não terá sido ele visita da Casa Meireles do Carregal? É que, desta pitoresca
povoação, vê-se mesmo em frente, na outra banda do rio, o Alqueidão que, embora vizinho de Dornelas, era
muito mais rústico e por isso indicado para personagens guardadores de gado, como o Mateus e a Leonarda.
Conversa com o seu avô: Sei que estiveste aqui a olhar estas pedras, talvez enquanto chovia, ou escondido
controlando os guardas que procuravam o teu tabaco, cultivado em canteiros secretos, que só nós conhecíamos,
a avó julgava saber onde era! A tua quinta do Barroco pereceu contigo, da casa só duas paredes teimam em
ficar de pé. Os peixes do rio revoltaram-se e perderam o sabor. Os irós nunca mais voltaram. Dos Bufos Reais
só lá estão restos dos ninhos, estão como a tua casa. Os passantes de outros tempos têm outros caminhos.
Conto as tuas histórias aos amigos, mas: Sem provas não acreditam no tamanho e sabor das melancias da
quinta de Adonares, nem sequer no sabor dos cachos da Barroca do Cavalo. Se hoje te digo isto sinto que
amavas a natureza deixas-te com ela tudo o que tinhas. Agora ninguém, chama por ti! As garças e águias
poisam por todo o lado. O Barbaças já não ladra e eu não tenho tempo de as pôr a voar.
A Capelinha da Senhora da Peneda, virada a norte é de bom gosto. Pena é que a sua construção quase apagou
vestígios de uma outra construção muito antiga, sem que tivesse sido documentada.
Para quem queira ver todo o vale do Zêzere deve subir junto da antena. Dornelas funde-se com o Alqueidão, o
Carregal do Zêzere desafia-nos a uma visita, terra de muitas histórias. Ao centro da aldeia a sempre verde, belo
exemplar de desenho e porte notável, esta magnólia foi classificada de interesse publico. (Diário da Republica
nº 204 de 3/9/96). Com mais de quatrocentos anos fez parte com a velha casa do quintal talvez: o testemunho
mais importante da pequena aldeia com uma história grande.
A Magnólia
A exaltação do mínimo,
E o magnífico relâmpago
Do acontecimento mestre
Restituem-me a forma
E o meu esplendor.
Um diminuto berço me recolhe
Onde a palavra se elide
Na matéria – na metáfora –
Necessária, e leve, a cada um
Onde se ecoa e resvala.
A magnólia,
O som que se desenvolve nela
Quando pronunciada,
E um exaltado aroma
Perdido na tempestade.
Um mínimo ente magnífico
Desfolhando relâmpagos
Sobre mim.
Aguentou a velha casa, até que os dinamizadores do novo progresso a condenaram a dar lugar a uma
residencial para a terceira idade. Que é assim que hoje se prepara a vinda da quarta ou quinta quem sabe.
Espero que pelo menos a velha magnólia ali esteja para lhes contar a sua história. São dali naturais algumas
figuras que marcaram a região, como os capitães de ordenanças: João de Proença Cardoso e Carvalho, Manuel
Cardoso de Carvalho e Manuel Dias de Carvalho. 1763/1765. Proprietários das melhores terras ribeirinhas e
dos maiores lagares de azeite, como o quase apagado da história, património único no lugar do Pisão. Fez este
lagar parte de um estudo "Tecnologia Tradicional do Azeite em Portugal", do Prof. Benjamim Pereira. Ainda
tentou o viajante mover algumas entidades para a sua salvação mas faltou-lhe às tantas a força, e confiança no
êxito. Deixou cair os braços com muita raiva. Dirigida ao chão nosso onde tudo irá parar.
Casou na capela do Carregal do Zêzere, o 2º visconde de Tinalhas, a sua mãe, irmã do célebre Fabião António
Leitão, (Ver Barroca) figura que se tornou conhecida em toda a Beira, durante as lutas liberais era natural do
Orvalho.
Tomás de Aquino Barriga da Silveira Castro e Câmara,
nasceu em 10-1-1848 e faleceu em 4-1-1916, casou com a sua prima, em 3º grau, Maria José de Meireles
Guedes Cabral, em 24-07-1868 na capela do Carregal, perante o Arcipreste da Pampilhosa da Serra, Padre
Mathias Martins Simões.
Ele com 19 anos, natural de Tinalhas, filho de José Coutinho Barriga da Silveira Castro Câmara, 1º Visconde
de Tinalhas, Título criado por D. Luís I Rei de Portugal por decreto de 10-10-1870, e de Maria Guilhermina
Ribeiro Leitão, ela de 15 anos, natural do Carregal, filha do Dr. Theodoro Cardoso Meireles Gramaxo, e de
Dona Luíza Meireles Taborda de Magalhães.
Deste casamento, um filho e três filhas, D. Estela, D. Saturnina e D. Guilhermina. Filho que foi o terceiro
visconde de Tinalhas, José de Meireles Coutinho Barriga da Silveira Castro e Câmara
Dr. Luís António de Magalhães Taborda, de Aldeia Nova do Cabo, aparentado com a família Meirelles. Deve-
se a este ilustre político, por três vezes Presidente da Câmara do Fundão, a ligação Fundão, Barroca do Zêzere,
depois da sua morte em 1880. Quando as pessoas dos lados do rio Carregal, e Barroca, passavam junto ao
solar, em Aldeia Nova do Cabo, descobriam-se e paravam em silêncio! tal o respeito que lhes merecia a figura
do Dr. Luís António de Magalhães Taborda.
Chega aqui ao alto a força do rio, a toada do açude da Bate-cova, este Zêzere que rasga a nossa Beira.
Dá-se conta da ribeira de Bogas, ela não sabe que o seu rio está perto, a garganta dos penedos de Janeiro de
Baixo será testemunha do feliz encontro.
Figura notável passou toda a campanha em Portugal passou pelas terras da Beira mais que uma
vez esteve entre outras: Alcaria, Castelejo, Enxabarda, Capinha, Fatela, Alpedrinha, Alcaide e
Fundão. Cruzou estes caminhos das terras do xisto, como já se disse. Foi ferido na Estrada Nova
falou dessa estrada na conferência que teve com Napoleão em 23 de Novembro de 1810. Depois
da queda do império tornou-se uma figura da república francesa como notável deputado. As suas
memórias: (Histoire de la Guerre de La Péninsule Sous Napoléon.) Foram concluídas com base
nos seus apontamentos pela sua mulher que esteve em Portugal. O general deixou outros
testemunhos importantes para o estudo da guerra peninsular, como por exemplo: os seus discursos
na assembleia francesa, que também se encontram editados. O seu funeral foi na época, uma das
maiores manifestações onde participaram 100 mil pessoas.
Daqui tudo se vê, o vale da ribeira estende-se até à Panegral por detrás dela a eira dos Três Termos, lugar
mágico de lutas terríveis durante as invasões francesas, que se estenderam ao Cabeço Zibreiro, por toda a
Estrada Nova. Estrada construída em 1801 fazia parte do plano de preparação para a guerra, elaborado também
pelo Marquês de Alorna, que mais tarde combateu ao lado das tropas de Napoleão, morreu na Rússia. A estrada
nova era da maior importância para a estratégia militar da época. Pois encurtava muito a distância do Fundão a
Tomar e ainda com ligações às estradas de Castelo Branco, Vila Velha e Abrantes. A estrada traçada pelo cume
dos montes servia ainda para apoiar o (Telegrafo de Sinais) que chegou a funcionar de Lisboa a Almeida. Cada
estação do telégrafo distava entre si 15.000 metros funcionavam com uma ou duas pessoas, mas tinham de ser
montadas e abastecidas e defendidas
O monte mais alto a sudoeste com os seus 1097 metros. Varrer com olhar desde do alto da Maunça com os
seus 1005, de norte para sul o Candal, Cigarrelho 901 e a Portela da Moura 957, na vertical do Descoberto. No
sopé do Zibreiro os paisanos capitaneados pelo capitão Manuel Dias de Carvalho, descendente do Carregal
infligiram às tropas de Napoleão uma pesada derrota, onde perderam quarenta homens.
Pergunto a mim próprio (?) pelos viajantes do passeio ribeirinho, que se pode fazer junto à margem esquerda
do rio, da Barroca até Janeiro de Cima. Ouvindo a musica que o rio canta, visitando as gravuras rupestres no
poço do Caldeirão e Charquinho. Parar no Penedo da Cruz e tentar desvendar qual a força que levou Francisco
Simões Pedro, a colocar ali naquele lugar de onde não apetece sair, algo tão divino, uma cruz em ferro, para
dar comprimento a uma penitência, por ter furtado uma mala ao Dr. Affonso Costa. Este caminho muito antigo
que em tempos ligava as explorações das muitas Conheiras que ladeavam o rio, ainda hoje completamente
abandonadas à fúria do progresso que as transformam em pavimento de estradas. Estes tesouros que noutras
paragens da península são considerados património único e protegido. A grande quantidade de Conheiras,
algumas permanecem como os exploradores as deixaram. Agora que a Comissão Europeia está a apreciar
outros sítios aumenta a esperança que as Conheiras, da Barroca, Alagoas, Alqueidão, Póvoa, Esteirinho, e
Janeiro de Cima, só para falar das situadas no concelho do Fundão. Alguém desenvolva um processo para a
sua classificação
Foi este caminho destruído durante as invasões francesas pelas nossas forças como estratégia militar para
que melhor se controla-se o vale do Zêzere.
Bogas do Meio
Vinha o viajante entusiasmado com a luz, deixou as Bogas de Cima e do Meio para trás
Conhece um atalho para Bogas do Meio e não perde tempo. Bogas do Meio terra dos afamados linhos. Agora a
(Flor do linho), um grupo de tecedeiras de Bogas, com apoio, da Pinus Verde, tenta a todo o custo manter tão
meritória actividade tradicional, mas com grandes inovações quer ao nível da criatividade, e conforto no
trabalho com novos equipamentos.
É hora de almoço, há um aroma no ar que me transporta às velhas receitas: coelho no azeite, aos peixes de rio
secos, às chanfanas de cabra velha, claro! Maranhos e outros mimos que o viajante bem conhece. Lérias dirão
alguns!
E são mesmo, venham prova-las.
De novo em Bogas do Meio, tenho ainda tempo para apreciar algumas das casas de xisto. A sua humilde capela
guarda um dos altares feitos pelo senhor Bartolomeu da Malhada Velha.
Aqui o artista não tem intenção de imitar, não faz talha pura. Fez um altar com a mesma técnica de quem faz
um banco de lareira, ou de uma taverna, que por vezes era um misto de arca e banco, assento confortável, que
já passou à memória. Usa serras de folha fina, goivas, e formões. E outras ferramentas de marceneiro. Talha
molda e rasga.
As gerações de hoje, não podem imaginar e não há muitos anos, um estaleiro de serradores numa
qualquer aldeia do xisto, ai se abria madeira de troncos enormes, que era retalhada à medida da obra
pretendida. O som dessas serras era música sinfónica que vibrava os músculos dos serradores que num
trabalho duro como o dos escravos, mantinham aquele vaivém interminável sem cansaço, sem
reclamação. Esta dureza da vida criava nas gentes desse tempo uma têmpera. Na luta diária com as
coisas da natureza, uma ligação titânica, e de respeito com a floresta. ─ (Posso estar a abrir as tábuas
do meu caixão. Sina de Serrador)
Para mim este é um dos altares que enche a alma pela sua simplicidade, e alguma tentativa de fazer uma grande
obra, com pequeno orçamento.
Só quem sente ainda o vigor e audácia, das gentes das Terras do Xisto, sabe como é bom entrar nestes
santuários. Dentro das casas há teares, voltaram a tecer belos panos de linho. Agora na antiga escola,
convertida em industria de tecelagem. Sem crianças como quase todas as escolas das aldeias do xisto. Graças à
politica dos governos dos nossos dias. Dizem: que tudo fazem para evitar a desertificação. Meus senhores esta
gente já provou que luta, no concreto mas sem queixas contra as adversidades dos tempos, parte quando precisa
de lágrimas nos olhos, mas não se rende.
De novo este som mágico! que nos prende como amarras ao passado aqui tão perto.
Bogas de Cima
Bogas de Cima, uma descida a pé pela rua central (Rua do Castelo), é sempre complicado descer ou subir esta
rua do Castelo, fica sempre meia rua por fazer. É que tem a praça a meio da aldeia. Nesta praça uma das casas
ostenta portados em xisto no seu melhor.
Acastelada é ela! Esta rua vai-se de janela em janela, de porta em porta. Como de ameia em ameia por toda a
parte elementos de arquitectura rural. Há ainda quem fique às voltas com a casa redonda. O viajante tem aqui
boas recordações e bons amigos, sobe e sobe ao alto.
É subir a rua até à capela, e voltar para depois sim: descer à casa redonda e dar mais atenção ao casario junto
da igreja matriz, descer à ribeira das Bogas por esta rua acastelada, ainda lá está o velho lagar das lagaradas
intermináveis, um desafio sempre se coloca a quem por aqui passa: tentar decifrar de onde proveio esta triplica
das Aldeias das Bogas e meditar. Bogas de Cima, de Baixo, e do Meio.
Nos últimos tempos tornou-se esta aldeia no centro das atenções, montou aqui sede a associação Pinus
Verde, depois de recuperar a velha casa redonda. A sua direcção tudo tem feito para colocar as Aldeias
do Xisto, no lugar que bem merecem. O primeiro combate parece-me ganho, falta agora consolidar e
manter vivas as iniciativas.
O viajante tem referências do Padre Tomás Ramalhoso, e um seu irmão. Que durante a Primeira Grande
Guerra, trocaram correspondência, endereçada para Bogas de Cima.
Janeiro de Cima
Bom é uma história triste mas dá para pensar nas leis e nos rios. Não encontro maneira de dizer que nasci aqui,
a ouvir a música que o rio canta mais alto no açude da Quinta do Canal.
Mais tarde segui as pedras que o rio traz até ao recreio da escola de Janeiro de Cima. Ai, os meninos do meu
tempo ensinaram-me o jogo do fito. Nesse jogo tudo é xisto e pontaria. Aprendem cedo a brincar com pedras
os meninos de Janeiro de Cima. Na descida dos Carritos, lanço o olhar ao vale do Zêzere. Lá ao longe a serra
mãe, Serra da Estrela. Só lhe viro as costas para mergulhar na rua da volta. Este anel de casas em volta da
igreja velha, foi salva a velha igreja pela iniciativa de um pequeno grupo, ao qual se juntou mais tarde toda a
população. Esta aliança do velho com o novo torna esta aldeia a jóia, das jóias do xisto.
Hoje Janeiro de Cima impôs-se como uma jóia. Para isso foi determinante a contribuição dos técnicos do
Gabinete Técnico Local. Das aldeias no concelho do Fundão. Desenvolve um trabalho único de classificação,
projectando a recuperação do casario destas aldeias. Tenho o prazer de acompanhar alguns desses técnicos em
algumas acções. Sinto que só com uma vontade imperturbável, a energia estampada no rosto da Arq. Ana
Cunha, para referir um nome. Se pode lutar na defesa e contra alguma incompreensão por vezes chocante dos
próprios interessados. É que aqui os técnicos são confrontados com uma luta desigual, precisam de inovar com
opções técnicas novas adaptadas ao património existente. Alargar largos e ruas. Convencendo quem determina
a obra; os proprietários.
Já não tange a guitarra o Sr. António Almeida. Mais uns meses e fazia os cem anos de vida. Imortalizou a sua
música, o musicólogo Dr. José Alberto Morais Sardinha, ao incluir na colectânea de música popular “Portugal
Raízes Musicais”, duas cantigas do saudoso António Almeida Brito Cardoso. Em boa hora o viajante o
denunciou ao Dr. Sardinha.
Em tempos a tradição era outra: segundo o cura, Joseph Pereyra. Maio de 1758. ─ No dia do espírito santo há
festa cantada, dá-se um bodo a quem se acha presente, que vem a ser dois bolos, e quatro copos de vinho, duas
cuvetes de tremoços.
E ainda o que levou o Reinaldo Ferreira, (Celebre Repórter X,) a ficcionar o seu romance (A Casa Misteriosa)
com o pseudónimo de (Garibaldi Falcão,) este romance leva-nos aos anos 1885 muito antes do seu nascimento.
Reinaldo do Ferreira, nasceu em Lisboa no dia 10 de Agosto de 1897 - arrepia os lisboetas com o crime, tão
tenebroso quanto inexistente. Esta figura notável do jornalismo português, correspondente durante a segunda
guerra mundial, conhecido pela sua criação, noticiou o funeral de Lenine sem sair de Paris. José Leitão Barros,
tentou mesmo adaptar ao cinema com o título "O Homem dos Olhos Tortos".A Casa Misteriosa, Um romance
de ficção que não deixa de afirmar estas paragens, Aquilo que o trouxe a Janeiro de Cima nunca o viajante
pode comprovar. Com o mesmo nome o seu filho, também ele autor de muitos e belos poemas, tais como:
A introdução dada pelo autor da (Casa Misteriosa) como diz: ─ no meio de um frondoso parque entre as
povoações de Janeiro de Cima e Janeiro de Baixo, no Inverno de 1885, embora um romance de pura ficção.
Enaltece as Terras do Xisto. Julga o viajante que ele nunca calcorreou as Terras do Xisto, como é apanágio nas
obras de Reinaldo Ferreira.
Gosta o viajante de dar a volta ao cabeço do mártir S. Sebastião. Está convencido de que este cabeço foi
desbastado pela milenar exploração mineira dos romanos; toda a aldeia está sobre essa exploração. Ir à Folha
de Cima e visitar a Horta das Covas, tirar água com uma das picotas, já o fez sem que o dono o visse. O dono
da horta Sr. Américo, é mestre na arte da pedra e esta horta é prova disso mesmo, um lugar fantástico. Apetece
dar duas varadas na barca serrana, ali na praia fluvial. Esta barca feita cá na terra, o mestre Eduardo Gil, já não
precisa de montar estaleiro como antigamente que a construção de um barco destes era obra de meses, tudo era
pensado a tempo de seleccionar parte das madeiras ainda na árvore, é que não se faz um Galaripo de um pau
qualquer.
Janeiro de Baixo
Situado na margem direita do rio Zêzere, hoje faz parte do concelho da Pampilhosa da Serra, distrito de
Coimbra.
Aldeia edificada numa orelhita do rio, que lhe confere uma situação muito bela e algo nostálgica.
Cresceu a aldeia em cima de uma conheira da antiga mineralização de romanos e árabes. Mais em baixo,
a garganta apertada pelos cabeços Mosqueiro e Raposo, parece querer segurar as águas do rio para uma
despedida mais lenta. Hoje como dantes todos os caminhos vêm dar a Janeiro de Baixo, terra de uma
história rica. Para quem chega surge à vista a torre branca da igreja matriz, balizando todo o casario
tradicional. A soada do Zêzere um rumor confuso e mítico, mistura-se com vestígios milenares da sua
história e lendas. Lenda da Cabeça Murada, do Cabeço Mosqueiro, a dos Irmãos Januários, que irmanou
as duas aldeias vizinhas Janeiro de Cima, e de Baixo. A do Penedo-Paio. A do Poço do Pego, Tem
Janeiro de Baixo nos últimos tempos chamado a si alguma atracão turística, deve-se sobre tudo à sua
arquitectura típica. Faz parte das aldeias do xisto.
Identidade a aldeia é definida ainda pelo seu património natural, potentado pelo Rio Zêzere, cujas águas
cristalinas marcaram o modos de vida da população.
As paisagens bucólicas das margens, os dourados areais e as construções empedradas dos fortes e
açudes, moinhos e lagares preenchem um quadro de sonho, enriquecido por muitos outros pontos que
fazem desabrochar momentos de nostalgia para quem os visita. A seus pés o Zêzere, nas suas margens
ainda se pode apreciar a famosa barca serrana que outrora servia também para ajudar no transporte das
madeiras para o porto de Lisboa, por exemplo: aquando do terramoto foram praticamente dizimadas as
matas de carvalhos da região da Serra da Estrela, eram levadas pelo rio até ao Tejo. Janeiro de Baixo é
ladeado por uma paisagem surpreendente, completada pelos afloramentos de xisto que começam nos
penedos de Fajão, sobem ao alto do Vale Derradeiro, mergulham para o Vale Grande apertando o maciço
num abraço com a belíssima Barragem de Santa Luzia, complexo hidrográfico dos mais bem
conseguidos na Europa. Desce depois para o Cabeço Raposo, onde o rio passa em cachão numa das mais
belas cachoeiras de Portugal, e sobe, sobe para ao Cabeço Mosqueiro, de onde tudo se vê. Cabeça
Murada, antes de subir para o coruto do Marmoural, descansa na senhora da confiança obra do
digníssimo Padre Tomás. Ouve-se já a soada da cascata de água d’Alta, fora da época estival a água cai
de uma altura de 25 metros, ai sim o viajante pode sonhar, e voltar quando quiser. A cordilheira xistosa
ora mergulha nas profundezas da terra, ora se levanta graciosa, uma estátua do tempo e segue o seu
caminho como quem vai para Espanha. Em tempos dai, vinham as forças do mal trazer fome e guerra. Os
últimos foram os franceses, certamente que as milícias de Janeiro de Baixo estiveram à altura do seu
dever. Na ultima guerra que se travou na península, que a paz dure para sempre. E estas aldeias
irmanadas pela sua história continuem de mão dada no caminho do progresso.
Quando se passeia pelos caminhos rurais de horta em horta caminhos planos de pedra rolada, sente-se
essa paz e um carinho no linguajar doce, como se saúda o viajante, parece inocente (Venham com Deus.)
Origens, e Igreja
Janeiro de Baixo, segundo Pinho Leal, Janeiro terá tido origem eventualmente de Joaneiro ou Januário,
aplica-se a Janeiro de Cima e Janeiro de Baixo, provavelmente Janeiro de Baixo primeiro. Tem
referência no catálogo de todas as igrejas e mosteiros de Portugal, de 1320-1321 não era ainda freguesia.
É de admitir que pertencesse ao mosteiro de Arganil que Dom Fernando Pães fundou em 1086 ao qual
pertencia também a freguesia de Pampilhosa da Serra, que confinava com Janeiro de Baixo. Depois em
1321, Janeiro de Baixo aparece como centro religioso de uma área enorme de aquém e além Zêzere,
agregando as freguesias de Bogas de Baixo, Orvalho e Janeiro de Cima, suas anexas. Taxada em 80
libras. Comenda da Ordem de Cristo. O vigário apresentava curas para as três anexas: Orvalho, Janeiro
de Cima e Bogas de Baixo. Tinha então juízes de vara, e mais tarde milícia, foram seus capitães Manuel
Gaspar, Capitão de ordenanças, de que era Alferes, que vagou por morte de Gaspar Dias, em 23-07-
1761. Manuel Lopes, Capitão de ordenanças, que vagou por morte de Manuel Gaspar, em 23-09-1779.
Em 1758 Janeiro de Baixo tinha 117 fogos. Em 1625, foi ordenado ao cura João Martins, do Orvalho que
faça os assentos de casamento, baptizados e óbitos como manda a constituição, talvez seja essa a data da
desanexação desta freguesia, certo é que até ai a igreja do Orvalho, não tinha púlpito nem baptistério. A
comenda do Orvalho ainda existia no século XVII, na visitação de 1643 ordena-se que da renda se dêem
três alqueires de azeite para a lâmpada que há-de arder ante o santíssimo.
Parece que o comendador não esteve pelos ajustes e é ameaçado de excomunhão maior. Como não
obedece ficam, sobe ameaça de sequestro os bens da comenda pelos juízes de Janeiro de Baixo. Não se
pode apurar se houve apelação. Parece que o comendador se resolveu a pagar pois não se falou mais de
azeite e vinho. Na visitação de 1679 ainda se fala da comenda mas a partir de ai não se fala mais da
comenda. No livro das visitações mostra-se que os bens da igreja de Janeiro de Baixo foram doados em
comenda. Até prova em contrário não é de rejeitar que tenha sido para o mosteiro de Arganil.
Reforçaram-se a partir daí em resposta à perda dos bens, os poderes das irmandades e confraria das
almas, com grande actividade, estendeu os seus braços por toda a região de aquém e além Zêzere, nas
freguesias e aldeias de Janeiro de Baixo, Janeiro de Cima, Orvalho, Cambas e Vilar Barroco. Não foi no
entanto muito pacífica a vida da confraria como se pode testemunhar: em 1691 o visitador levantou
embargos à tramóia de a minoria dos irmãos do Orvalho, torpedear as eleições por maneira a não dar
representação à maioria dos irmãos moradores nas freguesias dos dois Janeiros. ─ Não guardando a
igualdade que se deve guardar em boa irmandade pelo que mando que daqui em diante na eleição dos
mordomos se guarde da forma seguinte: eleger-se-á deste lugar, um mordomo e das outras freguesias
outro, e que ambas tratem dos seus bens da irmandade conforme o seu juramento. Nos três dias
imediatos ao quinto domingo depois da pascoa são consagrados pela igreja, desde o século V a orações
publicas e solenes, acompanhadas de abstinências e procissões. Estas orações, chamadas rogações ou
ladainhas, faziam-se em Janeiro de Cima na segunda-feira imediata ao quinto domingo do Mês de Maio,
com a assistência dos párocos de Janeiro de Baixo e Orvalho, que lá acorriam com os seus fregueses e as
insígnias das suas paróquias. Na terça-feira, ultimo dia das Rogações iam a Janeiro de Baixo os párocos
de Janeiro de Cima e Orvalho. Em 1755 o padre Manuel Antunes, pároco de Janeiro de Cima, enviou ao
prelado da Guarda uma petição para que fosse abolido esse costume. Disse: ─ devido ao incómodo que
era em tempo de rio cheio, sem pontes para a sua passagem, as pessoas andavam léguas. Em resposta o
prelado da Guarda perguntou qual a origem do dito costume? Em 10 de Maio de 1755 o pároco Janeiro
de Baixo e o cura do Orvalho, em ofício por eles assinado, ─ responderam: não haver memória do
costume, parecendo ter nascido no tempo em que as três freguesias faziam parte de uma só. O perlado da
Guarda despachou: ─ ponderados os inconvenientes. Que cada um faça procissões, e rogações no limite
da sua freguesia. Pertenceu às comendas do padroado real. Em 1600 foi avaliada em 100 mil réis, em
1882 deixou de pertencer à diocese da Guarda passando para a de Coimbra e em 1885 passou do
concelho de Fajão para o da Pampilhosa da Serra. Em 1758 tinha as seguintes igrejas: oráculo de São
Domingos. Com três altares, Altar-mor São domingos, Santa Ana e São Caetano, em um dos colaterais,
está o divino Espírito Santo, e Nossa senhora do Rosário. Fora do lugar Santo Cristo, Brejo de Baixo
Santo António, são Jacinto no lugar do Souto, Esteiro Nossa Senhora do Pé da Cruz, Porto de Vacas São
Miguel, e Machialinho São Vicente Ferreira. No lugar da Baralha Nossa Senhora dos Prazeres, e São
Mamede do outro lado do rio, no sítio dos chãos. Estas duas últimas capelas, Baralha e S. Mamede, ou
pelo menos os terrenos adjacentes, foram dadas em testamento em 1742 pelo senhor Manuel Cardoso de
Carvalho, dono da casa Carregal, ─ conforme escritura feita em Coimbra nas notas do tabelião, entraram
as fazendas que comprei a Raimundo de Macedo, da vila da Lousã e metade do lagar e tapada da Foz da
Baralha, tudo rústico, e metade do chão de S. Mamede com as fazendas da capela, ao meu tio Bernardo
de Carvalho.
Património Religioso
Janeiro de Baixo é detentor de um vasto e rico património construído. A Igreja Paroquial, recentemente
recuperada, está rodeada de pitoresco casario. É um pequeno templo, de traça simples, localizado à
entrada da povoação. A porta da fachada principal é de verga curva, dominada por uma janela também
de verga. Numa porta lateral encontra-se gravada a data - 1878, ano em que Janeiro de Baixo se agregou
ao Apostolado da Oração. A torre, de construção posterior, está adoçada ao lado direito do edifício. No
interior sobressaem os retábulos entalhados dos séculos XVII / XVIII.
Além da Igreja Matriz, Janeiro de Baixo tem ainda mais duas capelas: a do Santo Cristo e a de S.
Sebastião. Merecem ainda referência: a capela do sítio da Baralha, (é urgente a sua reparação,) a alminha
que fica à entrada norte da povoação, assim como uma outra alminha junto ao Esteiro no caminho antigo
para o Porto de Vacas. É tradição na freguesia realizar-se um Bodo junto à Capela de S. Sebastião, a 20
de Janeiro de cada ano. A procissão em louvor do Divino Espírito Santo é outra manifestação da grande
religiosidade dos habitantes desta freguesia.
Actualmente a freguesia é constituída pelos lugares de Brejo de Baixo, Brejo de Cima, Casal da Lapa,
Esteiro, Janeiro de Baixo, Machialinho, Porto de Vacas, Safra, Souto do Brejo e Vale de Abutre. Todas
as aldeias descritas nas memórias paróquias de 1758 mantêm os seus santos e capelas, os novos lugares
também tem os seus símbolos religiosos.
Património Arqueológico
Decorreu recentemente algum levantamento arqueológico na freguesia de Janeiro de Baixo, tendo sido
encontrado alguns túmulos e minas antigas, espera-se que essa investigação continue, não é de estranhar
que venha ainda a dar mais frutos. Atendendo ao contexto destas minas há que referir que uma delas
escavada no xisto, e hoje emparedada para não haver acidentes, pode fazer conjunto com a conheira da
Cova de São Sebastião, situada do outro lado do Zêzere quase em frente da povoação, onde, para além da
exploração da conheira propriamente dita, foi aberta uma galeria no terraço fluvial, cuja entrada ainda
hoje é visível. Em Janeiro de Baixo, o facto de ter aparecido uma moeda do século XVIII numa das
galerias não significa necessariamente que a mina tenha laborado nesta época. Há registos também uma
mina com duas galerias junto do Brejo Fundeiro. Um caneiro de uma roda de rio, escavada num
belíssimo painel de xisto, com nervuras e cristas surpreendentes, no sítio do açude do moinho em frente à
mina de S. Sebastião, na outra margem. Leva-nos a pensar e pela dimensão da mesma com o desgaste
que apresenta tratar-se de um antigo acento de uma roda de rio de grandes dimensões, do tempo da
exploração mineira. Foi ainda recuperado um tronco antigo como memória dos artífices da aldeia.
Moinhos
Uma menção especial ao exemplar que se encontra na aldeia de Janeiro de Baixo, trata-se de uma azenha
temporária, escavada na rocha das margens do Zêzere. Muito provavelmente será caso único, ou no
mínimo muito raro, que merece o nosso destaque e atenção. Em Agosto 2001, encontrava-se em bom
estado de conservação e ainda tinha moído durante o último Inverno. Existe algum interesse nas
populações em preservar e valorizar este património. Esperemos que assim seja e que este verdadeiro
monumento possa continuar a ser admirado por todos. Há alguns moinhos e lagares um pouco por toda a
freguesia, merece também atenção o conjunto de moinhos ou o que resta deles, na aldeia do Porto de
Vacas.
Urgeiro
A caminho de Janeiro de Baixo, pela estrada nova é num abrir e fechar de olhos (Podia o viajante optar pela
estrada Porto de Vacas, Esteiro). Quero ir a Janeiro de Baixo ver o moinho na rocha, a sua belíssima igreja
matriz, ver se ainda há vestígios do lagar da Tapada e da capela da Nossa Senhora dos Prazeres, na quinta da
Foz da Baralha. S. Mamede, na outra margem do rio, tinha também registo no sítio dos Chãos. Hoje a ponte
liga as duas margens ou seja o lugar da Baralha, com o sítio de S. Mamede. Será o mesmo S. Mamede, que está
na capela no Urgeiro? (o Urgeiro é uma aldeia posterior a este documento) Dos quais há registos desde 1742.
Haverá ainda por aqui desdentes dos capitães de ordenanças de Janeiro de Baixo: Manuel Gaspar, Gaspar Dias
e Manuel Lopes, 1761/1779.
Tomara tempo para subir ao alto do Cabeço Mosqueiro, agora com um parque de merendas de elogiar,
obra de dois concelhos: Fundão e Oleiros. Ora ai está um exemplo a seguir. (Embora tenha muita pena,
pelo desaparecimento dos vestígios de um antigo castro ali existente.) Lá do alto vê-se tudo, podia ainda
sonhar com a queda de água a caminho do Vilar Barroco, digna de uma visita em tempo de chuva, um
paraíso desconhecido a precisar de sinalética mais sugestiva.
Água d’Alta. Umas das quedas de água mais espectaculares da Beira. Local muito acessível pode-se tocar a
água sem risco nem esforço. Fica no caminho antigo de Orvalho para Vilar Barroco.
Junto à Cabeça Murada, num vale, cortado pelo afloramento xistoso da Serra do Moradal, corte de uma altura
de quinze metros na vertical deixa cair em queda livre todo o caudal, da ribeira da Água Alta, inicia ai um
percurso com varias cascatas até se juntar ao Ribeiro da Presa na Quinta do Moinho do Cubo, segue a sua
viajem para se juntar com a Ribeira do Orvalho, no Vale das Fragosas e dai ao Zêzere muna viajem até à ponte
de Cambas.
Local paradisíaco este da Água d’Alta, em estado natural sem intervenção urbanística, isso o torna num dos
locais mais autênticos, um recanto da natureza. Uma zona húmida tem como esta uma luxuriante vegetação
composta de Azereiro, Sanguinho, Fetos. E outras espécies mais vulgares da região. Seguindo a cordilheira
encontra-se muitas cavidades e pequenas grutas, como esta com uma mesa central, a lembrar um altar tão ao
jeito das lendas e contos. Onde nos sentamos junto à cascata para gravar na memória, esta música que só a
água sabe compor. Fica mais um segredo, junto de outros que julgamos aqui perdidos nas grutas que os sabem
guardar.
O reverendo Padre Tomaz, teve a ideia de para ali fazer caminho, ao que julgo ainda é mesmo.
Bogas de Baixo
Pedras que mais parecem madeira, texturas surpreendentes estas do xistos de Bogas de Baixo, Maxial da
Ladeira.
Bogas de Baixo, para quem a vê da capela da Nossa Senhora das Dores. Parece ali colocada para aquecer ao
sol nos dias de Inverno, onde reina a calma. Conserva rico património xistoso.
Como seria bom ouvir a banda de música de Bogas de Baixo! Contaram-me que: durante uma procissão, a
banda de Bogas de Baixo, mudou de partitura, passou a tocar o raspa. Nunca o viajante confirmou a história e
ainda bem.
A casa brasonada junto da igreja em Bogas de Baixo, (Recebeu Brasão de Armas, atribuído por: D. João VI o
Clemente, a 21.06.1802, o Capitão Manuel Dias Barata de Carvalho. Unico nas redondezas, foi pertença do
Capitão Manuel Dias Barata de Carvalho.
Manuel Dias Barata de Carvalho, capitão auxiliar da comarca da Guarda, cavaleiro professo na ordem de
Cristo, Comissº das habilitações das três Ordens Militares, nasceu e foi baptizado em Bogas de Baixo
29.7.1745, seu padrinho: Rodrigo Vaz de Carvalho, do Fundão.
Maxial da Ladeira
O viajante tem vontade de seguir caminho pela margem da Ribeira das Bogas. Este caminho leva-nos às
aldeias deste vale, até à Panegral, de lá para a Cova da Beira. Caminho utilizado intensamente, como ligação
cómoda para o tempo em que os caminhos se faziam a pé ou montados em animais.
Mas nos dias de hoje, já não se faz caminho pelas quintas da ribeira: Ladeirinhas, Lodeiro, Vargem Redonda,
Antas, Malhada Verde, Ponte de Pedra, Panegral. Quantas quintas na ribeira do Descoberto e da Ladeira (?...) o
viajante sabe das terras de aluvião hoje incultas, sem grande explicação. Ribeira de Bogas, um exemplo ainda
vivo de como os homens souberam tirar partido do que a natureza lhe oferecia, assim: tornaram um fio de água
num fio de vida. Em certos sítios mudaram o curso das águas e dai tiram proveito à custa de um esforço
notável. Disso demos testemunho, ao fundo da Pela lavra, na Malhada Velha, sítio magnífico que bem merece
uma visita demorada.
Partiram os exploradores destas terras, alguns cultivando outras terras que não as suas, porque noutras paragens
o trabalho tem mais valor, atribuído.
Daqui, o Canadá foi um dos destinos dos povos da ribeira, assim como Lisboa e a França. O viajante nunca
saiu do país e compreende as necessidades, mas a imigração é uma viagem sem retorno, por mais que me
tentem convencer do contrário. Quem parte não deixa, nem leva nada. Êxodo da humanidade feito vezes sem
conta. O meu país exporta o que de melhor tem, a sua gente. A realidade incomoda o viajante e segue caminho.
Fiz-me à ponte da ribeira, sei que esta ponte dará lugar a uma outra ainda mais rápida. Será mais larga que
Este balcão, da rua central, de um xisto único, texturas surpreendentes. Uma passagem na rua e pátio, sob
aquele portal enorme. Ganha o viajante o dia. Mas não verá nunca mais os frescos do tecto da capela que não
fotografou, por uns minutos de espera. Conta-se que um soldado francês, que por aqui ficou, aquando das
invasões, retocou os frescos do tecto da capelinha.
A Estrada Nova muito bem visível pelo cume do monte desde o Cabeço da Moeda, alto da Enxabarda, até aqui
ao alto do Zibreiro, onde a foto foi colhida. Ali onde chega a sombra divide-se em duas uma segue pelo
Ingernal, a outra contorna o monte do Zibreiro. Não seria muito diferente o caminho que os franceses fizeram
naqueles dias de Inverno, onde pagaram com muitas vidas a sua terrível passagem.
Descoberto
Descobre-se, à entrada da aldeia, que o xisto aqui ainda é bem tratado. Sabe o viajante que aqueles muros
foram obra do S. António Mateus, dono da casa, tece elogios e agradece. Gente desta merece o que tem. Entro
na aldeia para ver se a varanda da casa antiga, na encosta de lá ainda está de pé. Este tipo de trabalho, em
madeira, vê o viajante ainda em todas as aldeias do xisto e fica feliz.
A escola de Joaquim (Bartolomeu) deu os seus frutos. Não é só do xisto que estas aldeias são feitas. As
madeiras e o ferro forjado, fazem a aparição no seu melhor. Foram homens como J. (Bartolomeu), Alberto
Vicente, do Carregal do Zêzere e tantos outros que deixaram a sua marca, por estas terras de encantar.
Um pouco mais adiante, como aqui se diz: medronheiro, ou ervedeiro. Como se fosse árvore rara, ali está
imponente. Um exemplar de grande porte junto de uma casa, este medronheiro faz justiça à sua espécie. O
senhor Virgílio, pessoa muito afável no seu café conta: sei quem o plantou! (ena pá…!) O viajante faz contas e
regista: o clima é bom, a árvore agradece o trato como se vê. O viajante também se sente bem no Descoberto.
Mas que este exemplar só por si é digno de uma visita, lá isso é.
Malhada Velha
É vê-la por entre cortados de pinhal a Malhada Velha! Por aqui tratam dos pinhais como se fossem jardins e
são compensados pelo esforço titânico, em preservar a floresta. Só os incêndios quebram a paz dos povos do
pinhal.
Do coelho ao tinto foi um salto, a fechar a festa uma aguardente de mel, de estalo.
Sai o viajante a caminho dos Boxinos. Acena à Malhada Verde, como quem diz: verde para sempre! A ponte
de pedra, velho caminho da memória, está junto da ribeira a caminho da Panegral. Outro destino, na queda de
água infatigável.
Que sinfonia esta que só a água cristalina dá! Ao subir a vereda que serpenteia a ribeira das Bogas. Da
Malhada Velha à ponte de pedra e de lá para a Panegral, numa tarde outonal a melodia natural ofegante
da respiração junta-se à toada da água, nem sempre forte nem fraco, revoltada em cachão. Cada passo,
dado ao arrepio da torrente. O viajante experimenta em cada ribeiro que engrossa a ribeira das Bogas, o
mesmo carinho dos bravos que nestas aldeias moram.
Um acontecimento veio cobrar a monotonia verificou-se em 1936, uma candidata a vidente de seu nome
Graciosa Luísa Catarino, de 13 anos de idade, natural da Malhada Velha, uma rapariga pastora afirma:
que lá na serra da Maunça tinha visto a Sant'ana junto de uma pedra. Não tardou que as aldeias da região
se deslocassem à serra para orar e ver se a aparição se repetia. Dá gozo ler os relatos feitos no jornal O
Gardunha em estilo de reportagem. A pastorinha foi levada para o Fundão esteve algum tempo no
colégio das Imãs Hospitaleiras e por fim, atestou-se que a pastora não podia ser levada em conta. O
viajante escusa-se a relatar aqui alguns comentários que ouviu sobre este assunto mas deixo aqui uma
parte da notícia do Jornal.
Por altura dos Boxinos, um homem de Silvares, nosso companheiro, aponta-nos, entusiasmado, à direita
da serra Maunça, o local das aparições... que não conseguimos descortinar, por detrás dum monte
fronteiro a outro que é mister ainda vencer. Todavia ao longe, por aquelas encostas e cumes das serras
vêm-se já pessoas em linha, na direcção de seus desejos, que são também os nossos.
Para a esquerda do lado da Enxabarda, na Eira Tença, local onde a boa, rija e patriótica gente da Beira
fez pagar caro a ousadia napoleónica, vem um rancho que deve ser da Enxabarda, do Castelejo e Souto
da Casa. Além, e mais além e por todos os lados daqueles montes se distinguem, já carreiros de gente,
dirigindo-se para o mesmo ponto.
Estamos a um quilometro do local apetecido e ouvem-se, já perfeitamente, pessoas quebradas dos montes,
desprendidos por milhares de peitos de almas, os cânticos:
À Virgem Pura e o Avé, Avé Maria.
Nota Oficiosa
A esta Administração chegou a notícia de que no lugar da Malhada Velha, deste concelho, se estavam
passando factos extraordinários a propósito de supostas aparições de nossa senhora. A Autoridade
Administrativa não podia deixar de intervir a fim de averiguar da verdade dos acontecimentos, e cônscia do seu
dever, foi ela própria ao local assistir a uma dessas reuniões. Porque nada de extraordinário ali observou, a
Autoridade Administrativa entendeu por bem trazer a suposta vidente para o Hospital desta vila, confiando-a
aos cuidados das Irmãs Hospitaleiras, ao mesmo tempo que solicitou de algumas entidades eclesiásticas, com
autoridade sobre o assunto, que interrogassem a rapariga e verificassem o que de verdade havia. Realizada esta
«démarche», as referidas entidades, pelo interrogatório minucioso feito, reconheceram que se tratava apenas ou
dum embuste ou duma alucinação, pois que «uma das primeiras condições exigidas para se admitir a
possibilidade duma aparição é que o vidente, por criança que seja, não transmitir erros de doutrina. Ora,
acontece que a suposta vidente atribui à Senhora aparecida afirmações absolutamente contrarias à verdade da
fé. Não há portanto que hesitar sobre o juízo a formar do caso em questão».
Em face disto a Autoridade Administrativa, como é seu rigoroso dever não pode de forma alguma consentir
que continue a fazer-se em volta deste caso uma exploração inexplicável.
Boxinos
Chega o viajante aos Boxinos, e mal pára, tem paixão pelos Boxinos Velhos. Na verdade são a mesma aldeia.
Mas como fica no Vale do Abutre, a destruição das casas mais parece obra de abutres. E não do abandono
forçado pelas contingência da vida. O viajante sabe disso e fica mudo e pensa...! Deixaram as rocas à janela,
andam tropeças pelo chão das casas, feitas de grandes torgas da Maunça. Penduraram os artefactos agrícolas ao
adro.
Panegral
Quer o viajante gozar o espectáculo da sombra, do maior castanheiro que conhece nestas paragens. Faz-se ao
caminho contornando o cabeço do Alto das Ceias, chega ao Panegral Fundeiro. Alguém colocou uma mesa à
sombra do castanheiro, o viajante tem inveja, ainda há vidas assim. Parte para a Panegral Cimeira
Pela margem do pequeno ribeiro dá gosto ver ainda hortas e hortas tratadas e nisso o viajante não vê mal
algum. Passa o ribeiro para a outra margem e chega ao pequeno povoado praticamente irreconhecível. Sabe das
famílias que aqui viveram. Há vinte anos tinha forma de aldeia. Sai à meia encosta a caminho do Aral, o vale
que nos trás aos Boxinos, olhando à altitude, é paradisíaco, e o arranjo das hortas é emocionante. Uma volta ao
Monte das Ceias mata a fome e a sede na fonte, do vale do Aral.
Agora, de novo nos Boxinos. Parte o viajante rumo ao Açor. De repente surge no horizonte todo o vale do alto
Zêzere. Ninguém, resiste a uma paragem.
Encantado com a Deusa a Estrela, esqueci a ribeira, que desce a caminho de Silvares e das pias no leito
da ribeira onde a água brinca decantando-se de pia em pia. Dizem: que os mouros iam ali arear oiro.
Faz o viajante caminho, devagar, até ao cruzamento para o Açor. A vista é soberba. Apetece subir ao alto da
Maunça. Com os seus 1005 m goza-se de lá a melhor vista das Terras do Xisto.
Junto ao marco geodésico está a “Pedra do Gato”. Diz a lenda que ali está um gato de oiro enterrado. O
viajante pode seguir de lá para o Açor, pelo cume da Maunça e contemplar o dorso do cabeço Zibreiro.
Toneladas de carvão em tempos não muito distantes, aqui se fizera trabalho duro e sábio. Cortados de
pinheiros, até se perder no horizonte.
Desta montanha escreveu a Dr.ª Antonieta Garcia,
— Entenda-se: A montanha tem a virtude consagrada das alturas. Durante o êxodo. Moisés recebe as
tábuas da lei, no monte Sinai. O alto é morada de divindades; subindo as escadas de um santuário acede-se
ao sagrado. O monte é um templo, local de privilégio, também, para as senhoras dos altos céus.
Açor
O viajante está em casa! Vem aqui muitas vezes e tem cá casa própria. Aprendeu aqui a viver em comunidade.
A gente do Açor é uma lição de humanidade e disciplina social. Quando aperto a mão ao Sr. José Barroca, sorri
toda a aldeia que ele traz no coração.
Este artista passa o tempo a fazer miniaturas dos sete martírios do linho, e a ajudar quem precisa.
A associação do rancho folclórico, “Pastores do Açor” dá corpo a uma data de actividades, que se tem
materializado nas comemorações das invasões francesas, na Eira dos Três Termos, local mítico, de passagem
de gerações.
Maunça!
Canção
D. G.
Por estas ladeiras souberam os soldados do general Foy ao que vinham, no dia 1 de Fevereiro de 1811. Foram
combatidos pela milícia do coronel Grant e pelos paisanos das aldeias vizinhas, o que restou das forças do
general Foy, chegou aos campos de Santarém, com muito custo no dia 5 de Março.
Carta do temente coronel J. Grant, dirigida da Enxabarda ao coronel d’Urban Benjamin, em 2 de Fevereiro de
1811:
(1) Tinha Razão no dia 4 de Fevereiro enviou outra carta e adiantou que no dia 2 acharam-se mortos
duzentos e sete do inimigo, entre eles dois coronéis, no espaço de quatro léguas parte dos quais
morreram em consequência de feridas e da inclemência do tempo.
Certo é que o general Foy quando a 5 de Fevereiro se reuniu a Massena chegou com 1800 homens, e ordens
para retirar de Portugal.
Napoleão não tem contacto com as tropas de Massena, nos vales de Santarém frente ao inimigo e às
linhas de torres, sabe Napoleão notícias pelos jornais ingleses e tenta levar reforços às suas forças.
Mas uma figura menos conhecida dos portugueses o general Gardanne, tentou por estas paragens levar reforços
aos campos de Santarém, tentou em Novembro de 1810 com 9000 homens este trajecto, daquilo que se sabe
Gardanne, nunca chegou ao contacto com as tropas de Massena. Perdeu-se nestas serranias, perdeu muitos
soldados, sem saber onde ir retirou-se para Espanha. Por isso muitos estudiosos das invasões na Beira
estranham haver tantos mortos em aldeias isoladas, nestes messes de 1810 a 1811.
General Gardanne
(vimos pelos mapas do general Gardanne, esteve a duas léguas de Abrantes e nunca chegou ao contacto com os
seus. ─ Esqueceu este general as mais elementares regras que é: seguir os cursos de água, ou subir aos montes
para ver e ser visto) Nesse tempo sai o general Foy, de Santarém para ir reunir-se com o imperador, dando
conta das dificuldades extremas das tropas ali sitiadas, sem comida e sem saber como ultrapassar as linhas de
Torres. Ao mesmo tempo estão construindo barcos em (Punhet) hoje Constância, para passar o rio Tejo, julgam
que no Alentejo será mais fácil adquirir comida. e tentar atacar Lisboa, a partir da margem Sul.
O imperador interpelou o general Foy: por que é que o marechal Massena não foi pela Estrada Nova,
perguntou Napoleão. Mal sabia o general Foy e Napoleão, dos pesadelos que o general Gardanne, estava
passando nestas paragens. Perdeu mais de um milhar de homens sem sequer entrar em combate. No regresso de
Paris, o mesmo se passou com o general Foy.
Enxabarda
Nas manhãs de Inverno, lareiras acesas o fumo vai a caminho do Cabeço da Moeda, da Eira dos Três
Termos!... O vale da Enxabarda desafia a olhar. Não se cansa o viajante de ver, imaginar as lendas, os
milagres e as histórias que já ouviu ao Sr. António Jorge, conversador e “cientista nato". Ficou ali o viajante a
saber como se faz um odre para transporte de azeite. Quantos odres e almocreves não terão cruzado o vale da
Enxabarda a caminho de melhor mercado. A caminho das terras do xisto mais profundas.
— Olhe: que a Enxabarda tinha um protectorado, daqui não iam à tropa!... bastava não sair daqui e aqui
não podiam vir buscar ninguém. — Era a Ordem de Malta a que a Enxabarda pertencia. O viajante ouve e
cala-se. No salão da associação local, as fotografias expostas confirmam o mistério. O viajante tem pena de não
conhecer assim a Enxabarda, para alguma coisa servem as fotografias.
Já se aventurou o viajante pelos vales da Enxabarda, numa e noutra ribeira, naquele e neste vale, chega sempre
à mesma conclusão: porquê tanto abandono?... Sítios fantásticos, lugares sagrados e um silêncio de morte. A
natureza implacável repõe o coberto vegetar tapando muros e árvores de fruto, construções belas de que nada
servem. Dá vontade de pedir outro milagre ao Santo António. Que floresçam e se encham de gente os campos
da Enxabarda.
Castelejo
Agora de volta ao ponto de partida, entro devagar nesta rua que tanto gosto! Vou parar no único lugar possível,
junto da igreja. Miro sempre aquela figueira na torre da igreja. Do que vive esta figueira?... Sempre a conheci
assim! Não morreu do raio que há anos decapitou a torre da igreja. Ficou feia a torre depois da reconstrução.
Merecia melhor sorte. Agora tem um cata-vento com pára-raios. Gosta o viajante de vitrais e este é bonito.
Entra e vê.
A história do Castelejo, é ainda pouco conhecida. Tinha comenda, “Senhora da Silva”. Não se sabe da casa da
comenda. Muitos se afirmaram comendadores do Castelejo (?).
Era filho: de João Gomes da Silva, 3º senhor da Chamusca, e D. Joana Henriques. Neto paterno: de Rui
Gomes da Silva, 2º Senhor da Chamusca, e Branca de Almeida, Neto Materno: de D. Fernando
Henriques, 2º senhor das Alcáçovas, e Branca de Melo, senhora de Barbacena.
D. Diogo da Silva, Arcebispo de Braga e Inquisidor Mor, de Aldeia Nova do Cabo, filho de João Gomes
da Silva, (irmão ?) de Braz da Silva, comendador do Castelejo.
A comenda do Castelejo dominava um vasto território, que se estendia em grande parte pelas terras que
o hoje visitamos.
Bem dizia o meu saudoso amigo Virgílio Gonçalves: (No Castelejo, o tempo corre devagar!... Na história
antiga: AC, Antes de Cristo. DC, Depois de Cristo, aqui no Castelejo, é: antes e depois de Santa Luzia.) Não
se cansava de contar histórias da história da sua terra. Recomendava: vai ao cabeço de Santo Onofre, Cibrão,
ao casal de S. Bartolomeu, no alto da aldeia na barreira, a caminho do Freixial vê aquele tanque em
granito, o forno da telha ali no vale a caminho da Argemela.
Para ele o símbolo, do Castelejo, era a careta na rua principal. Muito igual à de Lavacolhos.
Um dia está o viajante de visita à careta. Abre-se com estrondo um portão. Augusto Pires convida, — anda
provar um copo do novo. O viajante entra e vê uma ara romana. Serve de apoio a uma videira da latada.
Durante a prova pensa no amigo e na história da terra. Esta pedra estava aqui? — Sempre aqui a conheci e
dizem que estava ali um forno antigo e ela fazia parte dessa parede.
O viajante teve vontade de dar a notícia ao Virgílio Gonçalves. Ele já não está entre nós! Caiu na rua de que
tanto gostava e levou consigo os segredos que não partilhou. E outros que não entendemos.
Agora, no santuário da maior romaria da Beira - Santa Luzia. Não tem a harmonia da rua central, mas este
santuário dá para meditar.
referenciado como indiciar vestígios da presença humana desde tempos remotos. Enquanto trabalhava na sua
horta, no sopé do Cabeço de Santo Onofre, Horácio Martins, foi surpreendido pelo achado que guardou e teve a
amabilidade de nos mostrar. Este é só mais um indicador que algum dia a arqueologia dará resposta, da grande
possibilidade de neste magnífico vale se encontrarem mais surpresas, apesar da falta de algum cuidado aqui
como noutros lugares, em preservar os sítios. São três moedas romanas que quase não merecem notícia de tão
comuns que elas são. Mas estas encontradas no Vale da Gardunha revestem-se de particular importância.
Desde há muito tempo que neste Vale da Gardunha se encontraram vestígios importantes da idade do bronze:
um machado de talão e argolas, e ainda um monumento votivo, o primeiro lusitano-romano, uma ara ao par
divino Arência e Arêncio, do século 1 d.C.
Talhada a esperança
menino de oiro
da romaria!...
Tanta terra abandonada, casas esventradas até à alma, que loucura a nossa…? Não oiço isto nos sermões. Mas
ao sol onde se sentam os velhos é tema de conversa. O viajante julga-se consciente, não tem palavras para dar
conselhos. Sabe sim que aqui há heróis. Sossega o olhar nas serranias azuladas do fim de tarde. Cala a revolta
no estalido da pele dos bombos que parece vir da Eira dos Três Termos. Só este povo que pede e torna sem se
cansar. A partilha começa: no fio do claro vinho que brota do espicho arrancado ao pequeno pipo, empoleirado
na reserva que a vida ensinou a guardar.
Mas acrescenta (e interroga-se) o viajante: o que o xisto podia representar nestas escadas e nas ruas do
Santuário, ajardinado? Um exemplo de como o xisto também é pedra de altar.
FIM
Bibliografia
Obras consultadas:
O serras on-line.
Tradição oral, recolha do autor.
Os poemas não identificados são populares, excepto o poema: "Saúdo-te com Tambores" é do autor destas notas.
Fundão, 2004
Diamantino Gonçalves
O autor deste trabalho agradece, qualquer comentário ou sugestão para o endereço: email
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Nas manhãs de Inverno, lareiras acesas o fumo vai a caminho do Cabeço da Moeda, da Eira dos Três Termos!... O vale da
Enxabarda desafia a olhar. Não se cansa o viajante de ver, imaginar as lendas, os milagres e as histórias que já ouviu ao Sr.
António Jorge, conversador e “cientista nato". Ficou ali o viajante a saber como se faz um odre para transporte de azeite.
Quantos odres e almocreves não terão cruzado o vale da Enxabarda a caminho de melhor mercado. A caminho das terras do
xisto mais profundas.
— Olhe: que a Enxabarda tinha um protectorado, daqui não iam à tropa!... bastava não sair daqui e aqui não podiam
vir buscar ninguém. — Era a Ordem de Malta a que a Enxabarda pertencia. O viajante ouve e cala-se. No salão da
associação local, as fotografias expostas confirmam o mistério. O viajante tem pena de não conhecer assim a Enxabarda,
para alguma coisa servem as fotografias.
Já se aventurou o viajante pelos vales da Enxabarda, numa e noutra ribeira, naquele e neste vale, chega sempre à mesma
conclusão: porquê tanto abandono?... Sítios fantásticos, lugares sagrados e um silêncio de morte. A natureza implacável
repõe o coberto vegetar tapando muros e árvores de fruto, construções belas de que nada servem. Dá vontade de pedir outro
milagre ao Santo António. Que floresçam e se encham de gente os campos da Enxabarda.
Castelejo
Agora de volta ao ponto de partida, entro devagar nesta rua que tanto gosto! Vou parar no único lugar possível, junto da
igreja. Miro sempre aquela figueira na torre da igreja. Do que vive esta figueira?... Sempre a conheci assim! Não morreu do
raio que há anos decapitou a torre da igreja. Ficou feia a torre depois da reconstrução. Merecia melhor sorte. Agora tem um
cata-vento com pára-raios. Gosta o viajante de vitrais e este é bonito. Entra e vê.
A história do Castelejo, é ainda pouco conhecida. Tinha comenda, “Senhora da Silva”. Não se sabe da casa da comenda.
Muitos se afirmaram comendadores do Castelejo (?).
Era filho: de João Gomes da Silva, 3º senhor da Chamusca, e D. Joana Henriques. Neto paterno: de Rui Gomes da Silva, 2º
Senhor da Chamusca, e Branca de Almeida, Neto Materno: de D. Fernando Henriques, 2º senhor das Alcáçovas, e Branca
de Melo, senhora de Barbacena.
D. Diogo da Silva, Arcebispo de Braga e Inquisidor Mor, de Aldeia Nova do Cabo, filho de João Gomes da Silva, (irmão ?)
de Braz da Silva, comendador do Castelejo.
A comenda do Castelejo dominava um vasto território, que se estendia em grande parte pelas terras que o hoje visitamos.
Bem dizia o meu saudoso amigo Virgílio Gonçalves: (No Castelejo, o tempo corre devagar!... Na história antiga: AC,
Antes de Cristo. DC, Depois de Cristo, aqui no Castelejo, é: antes e depois de Santa Luzia.) Não se cansava de contar
histórias da história da sua terra. Recomendava: vai ao cabeço de Santo Onofre, Cibrão, ao casal de S. Bartolomeu, no
alto da aldeia na barreira, a caminho do Freixial vê aquele tanque em granito, o forno da telha ali no vale a caminho da
Argemela.
Para ele o símbolo, do Castelejo, era a careta na rua principal. Muito igual à de Lavacolhos.
Um dia está o viajante de visita à careta. Abre-se com estrondo um portão. Augusto Pires convida, — anda provar um
copo do novo. O viajante entra e vê uma ara romana. Serve de apoio a uma videira da latada. Durante a prova pensa no
amigo e na história da terra. Esta pedra estava aqui? — Sempre aqui a conheci e dizem que estava ali um forno antigo e
ela fazia parte dessa parede.
O viajante teve vontade de dar a notícia ao Virgílio Gonçalves. Ele já não está entre nós! Caiu na rua de que tanto gostava e
levou consigo os segredos que não partilhou. E outros que não entendemos.
Agora, no santuário da maior romaria da Beira - Santa Luzia. Não tem a harmonia da rua central, mas este santuário dá para
meditar.
surpresas, apesar da falta de algum cuidado aqui como noutros lugares, em preservar os sítios. São três moedas romanas
que quase não merecem notícia de tão comuns que elas são. Mas estas encontradas no Vale da Gardunha revestem-se de
particular importância. Desde há muito tempo que neste Vale da Gardunha se encontraram vestígios importantes da idade
do bronze: um machado de talão e argolas, e ainda um monumento votivo, o primeiro lusitano-romano, uma ara ao par
divino Arência e Arêncio, do século 1 d.C.
Talhada a esperança
menino de oiro
da romaria!...
É o espelho das terras do xisto, onde vêm uma vez por ano,
em peregrinação. Não entende o viajante a arrumação
arquitectónica do lugar, onde nada joga e dá pena. Este
santuário liga-se à história do Castelejo: antes e depois de
Santa Luzia. Colunas em granito em telheiros algumas
camufladas já pelo cimento maldosamente vestidas. Ao fim
do dia o viajante revê tudo. Se fosse possível juntar todas as construções em xisto que já viu hoje. Seria o maior santuário
alguma vez visto.
Tanta terra abandonada, casas esventradas até à alma, que loucura a nossa…? Não oiço isto nos sermões. Mas ao sol onde
se sentam os velhos é tema de conversa. O viajante julga-se consciente, não tem palavras para dar conselhos. Sabe sim que
aqui há heróis. Sossega o olhar nas serranias azuladas do fim de tarde. Cala a revolta no estalido da pele dos bombos que
parece vir da Eira dos Três Termos. Só este povo que pede e torna sem se cansar. A partilha começa: no fio do claro vinho
que brota do espicho arrancado ao pequeno pipo, empoleirado na reserva que a vida ensinou a guardar.
Mas acrescenta (e interroga-se) o viajante: o que o xisto podia representar nestas escadas e nas ruas do Santuário,
ajardinado? Um exemplo de como o xisto também é pedra de altar.
FIM
Bibliografia
Obras consultadas:
O serras on-line.
Tradição oral, recolha do autor.
Os poemas não identificados são populares, excepto o poema: "Saúdo-te com Tambores" é do autor destas notas.
Fundão, 2004
Diamantino Gonçalves
O autor deste trabalho agradece, qualquer comentário ou sugestão para o endereço: email
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