Magias Do Amor
Magias Do Amor
Magias Do Amor
Resumo: este artigo tem por objetivo analisar as práticas magicas realizadas nos terreiros
de Belém com intuitos afetivos. Estes sortilégios, comumente denominados de
“amarrações”, possuem vasto lastro histórico. Práticas semelhantes foram en-
contradas durante a colônia, por autores que se debruçaram sobre a documenta-
ção inquisitorial como Souza (1986), Freyre (2003) e Meyer (1996). Recuperare-
mos esses trabalhos a fim de tentar verificar as ressignificações e atualizações de
tais práticas no interior das religiões afro-brasileiras da atualidade. A pesquisa
de campo foi realizada em três templos da capital paraense, sendo um de umban-
da, um de tambor de mina e um de candomblé ketu. As técnicas usadas foram a
etnografia de rituais mágicos e a entrevista com sacerdotes e clientes.
E
ste trabalho tem por objetivo central analisar as fórmulas mágicas, conhecidas nos
terreiros de Belém como “magias de amor” ou “feitiços de amor”. Faremos uma
breve incursão pela história colonial e pelos documentos inquisitoriais, apontan-
do práticas que ainda hoje são realizadas, etnografamos rituais e definimos sím-
bolos utilizados, analisando a lógica própria das ações e das palavras proferidas.
Cabe mencionar que tais práticas são comuns a todas as matrizes afro-religiosas
e por isso entrevistamos sacerdotes de diversas nações. As pessoas que acessam
–––––––––––––––––
* Recebido em: 30.10.2020. Aprovado em: 22.03.2021. As entrevistas que constam no texto
foram feitas e são de responsabilidade da autora e do autor do artigo.
** Doutora em Ciências Sociais (UFPA). Mestra em Antropologia (UFPE). Graduada em
História (UFPA). Professora na UEPA (Ciências da Religião, de Sociologia e Antropo-
logia). E-mail: taissaluca@gmail.com
*** Mestrando em Ciências da Religião (UEPA). Graduado em Ciências da Religião (UEPA).
E-mail: fabiooliveiradesena@gmail.com
Não se pode afirmar que as práticas de manipulação mágica para fins afetivos, tenha
como berço a sociedade brasileira. Os autos inquisitoriais apontam muitas re-
ferências a essas atividades praticadas no medievo por mulheres chamadas
pejorativamente pelo termo “bruxas” e muitas vezes indiciadas pelos Tribu-
nais da Santa Inquisição. No nosso país, esses sortilégios são costumeiramente
atribuídos a cultura negra e as religiões afro-brasileiras, muitas vezes tratados
de forma discriminatória pelos adeptos das religiões cristãs, sobretudo por
grupos pentecostais e neopentecostais.
Gilberto Freyre, em seu clássico livro “Casa Grande e Senzala” (2003), reconheceu a
prática do que ele chama de “magia sexual” na sociedade colonial brasileira,
e mais especificamente entre os negros escravizados. Todavia justifica que a
origem desses costumes não remonta a sociedade africana, ou pelo menos, não
só a ela. Tendo como referência o primeiro volume de documentos relativo as
atividades do santo ofício no brasil, mais especificamente, em Recife. Aponta
a existência de vários casos de “bruxas portuguesas”. Suas práticas podem ter
sido resignificadas em território brasileiro a luz da cultura negra e indígena
(FREYRE, 2003).
Para o autor, o amor foi o grande motivo de busca de fórmulas mágicas no reino. Exis-
tiam, em Portugal, especialistas em sortilégios afrodisíacos e em reprodução
que foram úteis ao projeto colonizador de ocupação do novo mundo, uma vez
que eram procuradas para estimular o coito procriador. Muitas delas, quando
aprisionadas pelos tribunais inquisitoriais, recebiam penas de degredo para o
novo mundo para onde traziam suas crenças e práticas rituais.
Na sede da coroa lusitana o imaginário das chamadas “bruxarias” perpassavam às clas-
ses sociais e acessavam a própria estrutura do clero. Muitos eram os que a
temiam ou a praticavam. Freyre (2003) relata o caso do bispo português D.
Nuno, inquisidor que temia as bruxas e seus feitiços. Médicos recomendavam
sortilégios para infelicidade conjugal, boticários vendiam fórmulas para atrair
a pessoa amada. Segundo o autor, os portugueses aqui chegaram impregnados
com a feitiçaria de forma que as magias de amor africana, aqui se desenvolve-
ram com lastro europeu (FREYRE, 2003).
Além das almas a própria figura de Cristo e a sua cruz eram mencionadas através das
palavras mágicas. Diz a autora:
Conforme já foi dito anteriormente, os dados sobre o uso dos sortilégios de amor na
atualidade, foram coletados a partir de entrevistas realizadas clientes e reli-
giosos afro-brasileiros. Entre estes últimos, entrevistamos dois sendo um da
Eu tenho uma namorada, porém minha mãe não aceita nosso relacionamento,
e isso é meio difícil pra mim, porque antes minha mãe gostava dela, mas depois
que a mãe soube que ela era minha namorada, ela não quis mais saber de papo
sabe [...] Ai a tia da minha namorada é mexida com macumba, é assim que fala?
[...] Então a gente foi pedir pra ela fazer um trabalho, que ia ser feito em dia
de lua cheia pra que a minha mãe voltasse a se aproximar da minha namorada
[...] e pra que eu e minha namorada fosse protegida, pra que o nosso amor fi-
Amarração, já tá dizendo, você tá tentando prender uma pessoa pra você. Isso
é uma amarração. Existi trabalho de..de. união.. vamos supor assim, que não é
uma coisa que você está forçando, entendeu Um ponto de união.. um ponto de
união de anjo de guarda, que trabalha com o anjo de guarda daquela pessoa,
pra unir aquelas duas pessoas (...) não é uma coisa forçada. É uma coisa que
se tiver de acontecer... Vamos supor, se no destino tiver (escrito), se puder acon-
tecer aquelas duas pessoas. Essas duas pessoas vão chegar, vão se unir mais,
Entendeu. Às vezes, por exemplo, tem casal que tá em crise, é..é.. ou se separa-
ram.. por algum motivo, e os dois querem voltar.. voltar o relacionamento. Não
querem perder a pessoa que ama. (...) Aí a gente faz um ponto de união trazer essa
pessoa pra ver se a gente consegue unir esse casal. Vê o que é que tá acontecendo,
pra ver porque essa separação foi causada. Pode ser por algum trabalho de uma
outra mulher ou de algum outro homem. Porque assim, o cara se mete com uma
mulher, ele tem a mulher dele, aí se mete com uma puta, a puta não quer perder
ele, porque ele tem muita coisa pra oferecer pra ela. Ela manda fazer o serviço
O discurso acima estabelece uma diferença entre o que é “amarração” e o que é “união”.
Esta diferença perpassa pelo afeto prévio. Nos pontos de união há uma relação
prévia e duradoura – por vezes uma família – e algo incide de forma negativa
sobre essa relação. Na amarração existe sentimento de posse. Um sujeito que
ama, se atrai e sobretudo, quer estar com o outro. De outra forma, há uma se-
gunda pessoa que não ama, não quer. Esta última pessoa terá seu sentimento e
sua vontade manipulada pela ação mágica.
Para analisar a construção simbólica dessas magias precisamos entender o conceito
antropológico de magia. Não consideramos magia como sinônimo de “feitiça-
ria”. Não conferimos ao termo a conotação pejorativa que historicamente rece-
beu. A magia não é atributo específico das religiões de origem africanas, mas
está presente em todas as religiões, quiçá em outras áreas da nossa vida social.
Gostaríamos de recuperar o conceito elaborado por Frazer (1992), em sua obra Ramo
de Ouro, a despeito de todo etnocentrismo presente no texto, em função do
caráter evolucionista do autor. Limpamos seu conceito dos adjetivos negati-
vos que classificavam a magia como “falsa ciência”, “sistema espúrio de lei
natural”. Abstraímos também sua caracterização como sistema de pensamento
primitivo uma vez que o vemos reproduzidos até mesmo dentro dos espaços
de ciência como academia. Recuperamos desse autor a ideia de que a magia é
uma tentativa de manipulação da natureza que funciona através de duas leis; a
da similaridade e do contágio (FRAZER, 1992).
A lei da similaridade parte do pressuposto de que o semelhante atrai o semelhante e
a lei do contágio de que uma vez em contato eternamente em contato (FRA-
ZER, 1992). Essas duas leis mobilizam todo sistema mágico aqui analisado e
Porque o espinho, ele... Tu não gosta de uma planta que tu vai te furar? Então
geralmente planta de espinho é o contrário.. (,,,) Entende-se que vai dar espinho
vai espinhar.. Não vai atrair, então tem que ser uma planta que não dê espinho..
Uma planta bonita, (...) viçosa, que a gente veja e encha os olhos pra pessoa
cuidar (TABARANÁ, Nivaldo, Sacerdote do Tambor de Mina, 2019).
Muitas vezes além das folhas acrescida aos banhos pode-se ainda fazer uso da “bata-
ta” que serve de raiz a muitas dessas plantas. Geralmente corta-se a batata e
insere-se nela um papel com o nome da pessoa amada que será devidamente
enterrado. A planta que brotará dessa batata será carinhosamente cuidada pelo
cliente que pode inclusive banhá-la, em dias específicos com elementos atra-
tivos como o mel.
A ideia que essa ação mágica suscita é de plantar e cultivar a pessoa amada que nasce-
rá, para a relação, frondosa como o vegetal. Prende-se o ser amado e faz-se o
amor brotar:
Essas batatas que foram plantadas vão grelar, elas vão grelar. Vai dar planta tam-
bém, junto com aquilo que tá ali sempre. Ai a pessoa vai cuidar daquilo ali. Aqui-
lo ali vai ser sempre a pessoa… Ela vai cuidar daquela planta como se fosse a
pessoa que ela quer, o companheiro que ela quer, companheiro ou companheira
(TABARANÁ, Nivaldo, Sacerdote do Tambor de mina, 2019).
As ervas podem ainda servir para confecção de infusões, usadas como perfumes, mis-
turadas a sementes, óleos, cascas, extratos vendidos em perfumarias regionais,
e acrescidos de partes sexuais de certos animais considerados mitológicos ou
lendários como a bota. Essas infusões, depois de preparadas podem “dormir”13
por dias aos pés dos assentamentos14 de deuses e entidades conhecidos como
dedicados aos trabalhos afetivos. A função é adquirir o mana, a força vital,
dessas entidades (MAUSS, 1974).
Devemos ressaltar que aqui caberia perfeitamente a discussão sobre o poder uma vez
que a finalidade dos atrativos é a posse do corpo e do desejo de outrem através
dos atos mágicos.
Partes do corpo de animais são utilizadas para trabalhos de amor. Não se sacrifica esses
animais para fins de amarração, mas compra-se em supermercados ou feiras,
retirados de animais já abatidos para consumo alimentar a exemplo do coração
e do cérebro de boi. Na maioria o nome ou foto do ser amado é colocado den-
tro desses órgãos com a finalidade de transformar os sentimentos ou os pensa-
mentos do mesmo. O coração é devidamente preparado com outros produtos
de potencial atrativo como o mel e algumas oferendas votiva a orixá Oxum,
deusa africana ligada a sedução, a fertilidade e ao amor. Todos os ingredientes
são costurados (sentido de prender) e colocados aos pés de uma árvore fron-
dosa (que gera frutos, vida).
Na Amazônia existe um animal que é muito utilizado para essa finalidade, trata-se do
“tamaquaré”, um lagarto da espécie uranoscodon superciliosus, que habita es-
pecialmente as zonas alagadas próximas a rios ou igarapés. São muito conhe-
cidas no estado do Pará as práticas mágicas envolvendo esse animal, vendido
de forma clandestina, em feiras da capital.
O pó dele pode ser misturado a comida do ser amado ou o próprio animal vivo é posto
a andar em cima das vestes da pessoa a que se pretende amarrar. Vende-se
também um liquido denominado de “água de tamaquaré” onde se coloca a
roupas de molho dando em seguida para o afeto, fazer uso. Acredita-se que
Existe uma crença popular que diz que usando preparos derivado do ta-
maquaré, como o chá ou o pó, pode deixar uma pessoa boba, sendo es-
ses preparos utilizados para “amansar” (para acalmar uma pessoa agres-
siva ou aliviar a raiva de alguém traído por sua esposa ou marido)
As pessoas que acreditam nessa lenda, fazem uma associação das característi-
cas biológicas do tamaquaré e os efeitos que seu uso deve gerar. Animais que
se movem lentamente (“lerdos”) e ficam imóveis para não serem notados, como
o tamaquaré, são usados para acalmar as pessoas (“lerdar”). Nenhuma dessas
“propriedades mágicas” dos tamaquarés foram cientificamente comprovadas,
e essa prática tem contribuído para ameaçar as populações desse lagarto na
Amazônia. Sem falar que comercializar, matar ou injuriar animais silvestres é
crime previsto em lei (PORTAL AMAZÔNIA, 2020).
O ovo e a maçã podem ser utilizados nesses serviços. A maçã é historicamente conside-
rada um símbolo de sedução. No mito cristão da criação do homem contado no
livro de gêneses da Bíblia sagrada, Eva, a primeira mulher, utilizou-se desse
fruto para atrair Adão a infligir as leis de Deus. É considerado o fruto da árvore
proibida e seu consumo foi uma ação de desobediência que levou o ser huma-
no a perdição. A maçã ficou simbolicamente associada ao pecado.
A maçã, você abre ela, (...) cava um pouco, tira um pouco do miolo. Ai dentro
vão algumas coisas de amarração, como mel, para dentro daquela maçã (...). Aí
fecha a maçã, sela ela ai vai cobrir ela. Tampar novamente com fita amarrada,
com fita de cores. O pessoal trabalha muito com vermelho e amarelo que é o
amor e a esperança. Aí tem gente que enterra na praia ou no pé de uma árvore
(TABARANÁ, Nivaldo, Sacerdote do Tambor de Mina, 2019).
O ovo é um óvulo fecundado que será chocado para nascer um novo ser. É símbolo de
nascimento de fertilidade e de fecundação. É fruto de um coito sexual e por
isso usado nas magias de amor. Em entrevista nosso informante confere outra
explicação:
O ovo ele é lacrado, já nasce lacrado (...) Então por exemplo, quando você vai
trabalhar com o ovo, você vai abrir a parte de cima, vai tirar aquela tampinha.
Esvazia o ovo, coloca algumas coisas dentro daquele ovo, referente a amarra-
Os feitiços de amor podem estar diretamente vinculados aos de separação. Muitas ve-
zes para recuperar o marido perdido para uma traição, é preciso afastá-lo de
quem entrou na vida dele. Neste caso os sortilégios configuram-se num sis-
tema que se inicia com a separação e termina com o ponto de união. Se nos
atrativos, amarrações e uniões se usa elementos doces, cheirosos, ou afins, nos
rituais de separação a lógica se inverte. Para separar um casal usa-se urtiga,
pimenta, dos mais diversos tipos (especialmente as mais ardentes), fel de boi
e outras substâncias fedidas, ardentes e amargas.
Muitas vezes o nome do casal a ser separado é inscrito de ponta cabeça, misturado as
potências mágicas acima descritas e jogadas na maré vazante em noite de lua
minguante. As fases da lua e os movimentos das marés variam de acordo com
a intensão do sortilégio. Os que são feitos para atrair, fazer florescer, trazer de
volta, fazer crescer fazem uso da maré enchente e da lua crescente ou cheia.
Aquilo cujo objetivo é desfazer, levar embora, fazer morrer, faz uso da lua
minguante e da maré vazante.
Os pontos de união “funcionam como elo mágico entre a intenção amorosa do indiví-
duo e a entidade”, diz Pai Ubiratã (do Candomblé), invocada em auxílio. São
espécie de “altares” temporários armado em cima de desenhos riscados ao
chão, que representam a entidade invocada, ou a intenção do trabalho. Usa-se
velas dos mais diversos formatos, fotos, nomes, datas de nascimento e ou-
tros produtos atrativos já citados anteriormente como mel. Em cima deles os
sacerdotes realizam orações pedindo o intento do contratante a entidades da
umbanda ou a santos católicos como Santo Antônio, responsável por fazer a
mediação entre o humano e o divino (Pai Ubiratã, Candomblé).
Esses pontos de união são riscados com pemba em cores diversas. Trata-se de um giz
de composição calcária para traçar desenhos, corriqueiramente chamados de
“pontos” que representam entidades e simbolizam os serviços que estão sendo
realizados.
De acordo com informações fornecidas por pai Ubiratã, nosso interlocutor, a diversi-
dade de cores pode representar tanto a entidade responsável pela realização do
serviço como o intento do mesmo.
Existem ainda as magias correlacionadas a potência sexual. Muitas vezes os sacerdotes
são procurados para solucionar problemas afetivos causados por essa disfun-
ção. Podem também fazer uso desses sortilégios de potência para minar uma
Saia vermelha, camisa preta / Chegou pra abalar / Quando tu for na casa dela,
lhe buscar / Ela vai preparar / Café coado na calcinha / Só pra lhe enfeitiçar /
E se tu for na aparelhagem / Tu vai ver só o que ela vai aprontar Eu vou sam-
plear, eu vou te roubar! (Roubar! Roubar! Roubar!) / Eu vou samplear, eu vou
te roubar / Eu vou samplear, eu vou te roubar! (AMARANTOS, Gabi. Xirley.
Belém: Som Livre: 2012).
Fios de cabelo, pedaços de unha, suor e outro elementos segregados do corpo do ser
amado também são alvo de ações mágicas. No caso do suor ele está entranha-
do nas roupas usadas do sujeito a ser seduzido, que são preferidas em caso dos
trabalhos de amor.
De uma forma geral, os serviços realizados por afro-religiosos podem ou não ser cobra-
dos. Existem sacerdotes que não possuem fonte de renda e que realizam ativi-
dades mediante a pagamento. Há os que acreditam que as mesmas são fruto de
um dom sobrenatural recebido e que, num circuito de dádiva (MAUSS,1974),
deve ser doado. Estes trabalham pela caridade e não fazem cobranças. Há os
que cobram certos serviços e outros não. Geralmente deixam de cobrar servi-
ços fundamentais a pessoas que não possuem condições financeiras de pagar.
Os serviços de amor, entretanto, são invariavelmente cobrados uma vez que
não são pensados como necessidade primordial:
Porque isso ai não é uma necessidade, isso é uma vaidade. Então geralmente
esses trabalhos eles são cobrados. (...) Você quer alguém, você tá querendo que
aquela pessoa seja sua, (...) isso ai não é uma necessidade, isso é uma vaidade
do ser humano, porque você pode muito bem procurar uma outra pessoa. Por
exemplo, se aquela pessoa não lhe quer, você pode procurar outro. Tem tanta
gente ai no mundo, é tão fácil você encontrar outra pessoa, sabe? Então isso
ai pra mim não é necessidade é vaidade. Então é..é.. como eu tô te falando tem
gente que.. tem pessoas que trabalham que não procura olhar o lado da outra
No panteão afro-brasileiro existem entidades que mais comumente realizam esses tipos
de sortilégios. São os exus, mais especificamente sua corruptela feminina ins-
tituída pela Umbanda, conhecidas como pombas-gira.
Geralmente, por exemplo, quando é pra exú é pomba gira, né?! Quando é cabo-
co geralmente é caboca mulher, porque os caboco homem dificilmente se mete
nisso. Muito difícil caboco homem trabalhar amarração, essas coisas. As amar-
rações geralmente é feita.. ou.. por pomba gira ou por cabocas mulheres, ou
pelo próprio macumbeiro, puro, porque ele não precisa tá atuado pra fazer o
trabalho.. muitas das vezes (TABARANÁ, Nivaldo, Sacerdote do Tambor de
Mina, 2019).
O informante constrói uma narrativa que reproduz a relação do feminino com a se-
dução. Podemos rememorar o ideal de perigo feminino presente no livro de
Gêneses a partir da figura de Eva. Foi ela a responsável pela perda do paraíso
e pela origem do pecado. Foi a emissária da cobra que usou a maçã para a
prática da desobediência.
Exu é uma das entidades mais importantes dos cultos afro-brasileiros, o senhor dos
caminhos, o mensageiro entre os deuses e os homens. Representa o movimen-
to, a “boca que tudo come”. Suas funções são diversas, sem ele nada se faz
dentro de uma casa-de-santo. Habita o espaço da rua onde são colocadas suas
oferendas. Possui relação com a sexualidade, mais especificamente a potência
e ao prazer sexual. Em função disso, seus assentamentos possuírem símbolos
fálicos. Foi sincretizado pelos cristãos com a figura do Diabo.
Nas práticas da umbanda, ganhou variação de gênero através da figura das pombas-gira
(BIRMAN, 1985). Dado o forte vínculo da religião com o espiritismo kar-
decista, exu ganha novo contorno assumindo, na lógica da evolução. Passa a
ser representado pela imagem das pessoas que vivem no espaço da rua. Além
do vínculo com os caminhos mantêm-se sua relação com a sexualidade. Exu
vira o malandro, o menino de rua e pomba-gira passa a ser caracterizada pelo
imaginário do feminino que circula por esse espaço, num tempo histórico onde
cabia a mulher estar restrita a casa.
Estas entidades são descritas como ciganas, prostitutas, mulheres da transgressão que
falam e gargalham alto, vestem roupas insinuantes e possuem autonomia sobre
a própria sexualidade. É a mulher “que possui sete maridos e ainda quer casar”
(doutrina de umbanda). Suas doutrinas as associam as práticas divinatórias como
Tem o cachorrinho, que assim como o cachorro é fiel ao seu dono, que a pessoa
seja fiel aquela pessoa, entende. Tem o cala boca.. que é pra não tá se rebarban-
do, calar a boca pra aquela pessoa (DINORÁ, Ataíde. Pai de Santo, Sacerdote
da Umbanda, 2019)16.
Apesar deste artigo trazer a baila um tema curioso e expor diversas receitas que re-
solvem problemas corriqueiros da vida social, é preciso concluir esse texto
informando que, em função do caráter de “sociedade secreta” das religiões
de matrizes africanas, os interlocutores repassam, durante entrevistas, apenas
uma parte do conhecimento mágico.
Por outro lado, os pesquisadores compromissados com a ética acadêmica, apesar de
adquirir certas informações, por vivência, não revelam nada além do que lhes é
permitido. Desta forma esses sortilégios são acompanhados de detalhes rituais
jamais mencionados, palavras por vezes proferidas de forma quase inaudível,
por entre os dentes do agente mágico.
Fazer uso dessas ações rituais sem conhecimento aprofundado de todos os detalhes
pode fazer surtir resultado contrário. Durante a coleta de dados tivemos co-
nhecimento de uma mulher que, manipulou pimenta malagueta para afastar o
esposo da amante e enterrou num vaso a frente de sua residência, provocando
uma grande briga com o cônjuge que teria culminado na separação.
Nesta medida deixamos a cargo dos desdobramentos dessas pesquisas a análise da
performance corporal, da entonação de voz e das fórmulas mágicas proferidas
que ora apelam a Nossa Senhora, ora referenciam as mais diversas devoções
santorais ora citam a figura do demônio em suas diversas acepções. A com-
posição visual dessas oferendas podem ser alvo de pesquisas vindouras numa
abordagem da estética das amarrações.
Também ficou fora dos limites desse trabalho as diversas velas mágicas utilizadas em
consonância com a manipulação das ervas e demais objetos mágicos. As mes-
mas já foram previamente analisadas em outro trabalho (OLIVEIRA, 2018),
no qual foi tratada não só a estética das velas, seus formatos e funções como
o simbolismo das cores.
Deve-se considerar a estrutura de segredo própria dessas matrizes religiosas, todavia a
importância desse referido texto está no caráter de produção de conhecimento
acerca das religiões africanas em território paraense, apontando suas ressigni-
ficações, sincretismos e apropriações, em especial dos símbolos e divindades
das religiões “dominantes” para o amor.
Notas
1 Feitura é sinônimo de iniciação.
2 O conhecimento é repassado para os mais novos de forma lenta através da oralidade e da
ação ritual. O acesso as informações acompanham a carreira religiosa do sujeito e considera
o chamado “tempo de aprender”.
3 Nome dado aos templos sagrados.
4 Podem ainda acessar os terreiros, na categoria de clientes, pessoas que não possuem per-
tencimento religioso nenhum.
5 Esse chavão é muito utilizado em panfletos comerciais que as cartomantes que distribuem
panfletos nos centros das grandes metrópoles oferecendo tais trabalhos.
6 Adepto da umbanda, religião nascida no Brasil, mais especificamente no eixo Rio-São
Paulo, que migrou para o resto do país na primeira metade do século. Caracteriza-se por
ser uma religião sincrética por identidade que adora os deuses africanos (orixás), cabocos
(ancestral da terra), pretos velhos (negro escravizado característico da lei do sexagenário),
exus (povo da rua) e erês (espíritos infantis). Sofre forte influência do Kardecismo a partir
das ideias de reencarnação, evolução, carma e caridade (NEGRÃO,1993).
7 Religião radicada no “eixo norte cultural” formado pelos estados do Maranhão (Nordeste
geográfoco), Pará, Amapá, Amazonas, etc... Oriunda da Costa Ocidental da África, antigo
reino do Dahomé, atual Benim. Recebe esse nome em função da referência do porto de
embarque desses negros, escravizados, o Porto de São Jorde Del Mina. Caracteriza-se pelo
culto aos Orixás, Voduns, Fidalgos Europeus e Caboclos (LUCA, 2010).
8 Religião cujo panteão e sistema ritual e de crenças são oriundos de cidades que compõe a nação
ou yorubá de fala yorubá. Caracterizam-se principalmente, pelo culto aos orixás (Luca, 2010).
9 Um dos sacerdotes mora no centro urbano da capital e faz seus trabalhos religiosos na sala
de sua casa. O outro mora no centro da cidade, mas possui terreiro em outro município da
chamada grande Belém.
10 Pedra colocada no altar, onde se celebra a eucaristia, fundamental para a igreja católica.
11 Quase todos os adeptos do candomblé (ketu, jeje e angola) no Pará, passaram previamente por
outras matrizes, sendo posteriormente iniciados nesta tradição. Neste sentido, é importante
mencionar que nosso informante possui duplo pertencimento. É iniciado e sustenta a identi-
dade Ketu, mas possui um terreiro a parte e pratica seus rituais de umbanda paralelamente.
12 Os nomes dos informantes foram quase todos trocados a fim de proteger a identidade dos
mesmos. Apenas um sacerdote pediu que seu nome fosse mantido no texto e foi atendido.
13 Termo utilizado quando um banho ou qualquer outro “remédio” é posto a frente do altar
sagrado de uma entidade, por um tempo determinado.
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