Alvaro Campos
Alvaro Campos
Alvaro Campos
meteorológicas evolui de uma relação de contraste para uma relação de semelhança. No início do
dia, o estado de espírito do sujeito é de alguma tristeza (v. 4), mas o céu azul indicia alegria (v. 2). No
decurso do dia, há uma evolução das condições meteorológicas («O dia deu em chuvoso» vv. 1, 3 e
7), tornando-se mais parecidas com o estado de tristeza do sujeito poético.
Nos versos 8 a 13, o sujeito poético assume uma opinião que diverge da opinião dos outros
relativamente ao conceito de elegância associado ao estado do tempo. Os outros consideram que o
tempo chuvoso é elegante e o sol vulgar e desagradável. Contudo, o sujeito poético é indiferente a
essa ideia de elegância, preferindo inequivocamente o sol e o céu azul, já que para tempo chuvoso e
frio basta o do seu mundo interior.
O ritmo do poema é marcado pela utilização de processos como: a repetição do verso «O dia deu em
chuvoso» (vv. 1, 3, 7, 19, 23 e 28), que funciona como um refrão; a anáfora (“Bem sei” vv. 8-10); a
enumeração (vv. 5, 13 e 20) e por fim as repetições lexicais em final de verso (vv. 4 e 6; 8-11; 14 e
16).
A relação que o sujeito poético estabelece com “os outros” nas seis primeiras estrofes é marcada
pela diferença. Os “outros” são felizes, como se deduz dos elementos referidos no texto, uma alegria
aparente (v. 2 e v. 4), brincadeira (v. 5), flores (v. 6), canto (vv. 8 a 10), festa (v. 11). Porém, o sujeito
poético considera-se à parte e diferente deles “São felizes, porque não são eu.” (v. 4), “Que grande
felicidade não ser eu!” (v. 14).
A dor e o vazio expressos na última estrofe, particularmente no verso “Um nada que dói...” (v. 26),
decorrem das reflexões desenvolvidas nas duas estrofes anteriores. O sujeito poético questiona-se
quanto aos «outros» (v. 15) e aos seus sentimentos. Concluindo que cada outro é um eu (v. 16); só é
possível sentir enquanto «eu» ou «nós» (vv. 21-24). Não se pode saber o que eles, os «outros»,
sentem (vv. 17-20), existe uma incomunicabilidade essencial entre os seres humanos, de que resulta
a consciência individual separada de cada eu.
1.Os sentimentos do «eu» expressos nas três primeiras estrofes são, nomeadamente, os seguintes: –
«desespero» pela «insónia» que o afecta, em plena noite; – surpresa e júbilo, quando abre a janela e
depara com luz na janela de uma casa, sinalizando a presença de outro ser humano acordado àquela
hora; – interesse pelo desconhecido também em vigília nocturna; – «Fraternidade» face a esse outro
ser também acordado àquela hora da noite.
O verso referido pode ser interpretado nos seguintes termos: – a percepção das «duas luzes» e do
seu tremeluzir convoca a ideia de um «coração» que pulsa, unindo aqueles dois seres, na solidão da
noite; – as «duas luzes» assinalam a presença do humano na noite «eterna, informe, infinita» e
apelam a um sentimento de partilha de «humanidade» entre os dois únicos seres acordados; – as
«duas luzes» são sinal da presença de duas consciências despertas na noite «informe».
A apóstrofe «Ó candeeiros de petróleo da minha infância perdida!» faz intervir, no final do poema, a
nostalgia da infância e a consciência da sua perda, por parte do «eu». Este facto pode ter, entre
outras, as interpretações seguintes: – o texto encerra, tal como se inicia, com a representação de
uma atitude interior negativa (ou disfórica) do sujeito poético. Deste modo, a apóstrofe do último
verso instaura (ou reinstaura), no final do poema, a angústia do «eu» como o eixo central dos
sentidos expressos no texto; – o verso final traz a lembrança, ou a saudade, da infância como novo
sentimento despertado pela sensação visual da luz ao longe, pois essa luz é, tal como na infância do
sujeito poético, produzida por um candeeiro a petróleo. A apóstrofe é, assim, a irrupção dessa
recordação nostálgica num ambiente marcado por sensações e por considerações sobre o presente.