Capítulo 1
Capítulo 1
Capítulo 1
V estida com o seu avental vermelho sobre uma blusa com folhos
e uma saia castanha lisa, Ceony pôs‑se em bicos de pés num
banco de três pernas e colou um quadrado de papel branco na pa‑
rede leste da sala dos Holloway, no ponto onde a parede se unia ao
teto. Aquela família celebrava a atribuição ao Sr. Holloway da Me‑
dalha por Serviço Militar Geral em África, e tinha apresentado um
requerimento para contratar o Dobrador local — o Mago Emery
Thane — para tratar da decoração para a festa.
Claro que Emery passara aquela «tarefa frívola» à sua aprendiza.
Ceony desceu do banco e recuou até ao centro da sala para ava‑
liar o seu trabalho. A maior parte da mobília da grande sala de vi‑
sitas já fora removida para dar lugar aos ornamentos altamente ela‑
borados. Até ao momento, Ceony já colara na parede 24 quadrados
de suporte e colocara grandes folhas de papel branco liso por toda
a sala, cortadas de acordo com as medidas que a Sra. Holloway lhe
enviara por telegrama.
Depois de verificar que os seus quadrados de suporte estavam
corretamente alinhados, disse:
— Afixem‑se.
Vinte e quatro grandes folhas de papel saltaram das suas molas
em espiral no chão como lebres a correr velozmente através de um
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fazer o teste para maga. Tencionava fazer o teste uma semana de‑
pois do seu segundo aniversário como segunda aprendiza e meio
de Emery Thane.
Retrocedendo até à porta da frente, Ceony agachou‑se junto
ao seu grande saco de feitiços e tirou de lá um estojo de madeira
cheio de estrelas, que Langston, o primeiro aprendiz de Emery, a
ensinara a Dobrar há tanto tempo. As pequenas estrelas em forma
de almofada não eram maiores do que uma moeda, e todas tinham
sido Dobradas em papel cor de âmbar, embora o comerciante que
vendera o papel a Ceony tivesse classificado aquela cor como «vir‑
ga‑áurea». Ceony Dobrara dúzias daquelas estrelas em três dias, até
ter cãibras nos dedos e recear ficar com artrite precoce. Depois, afi‑
xara um pequeno papel em ziguezague, também cor de âmbar, à
parte de trás de cada estrela.
Deixou cair as estrelas no soalho escuro e encerado e ordenou:
— Flutuem.
As estrelas viraram‑se todas com o lado em ziguezague para
cima e subiram como bolas de sabão até ao teto. Ceony ordenou‑lhes:
— Brilhem — e as estrelas cintilaram com um suave fogo in‑
terior. Assim que os Holloway apagassem as luzes elétricas, a sala
adquiriria uma radiância misteriosa e algo romântica.
Ceony animou pequenas borboletas de papel que esvoaçariam
pela sala, assim como confetes triangulares que deixou no chão e
que se revolveriam em volta dos pés dos convidados, criando a ilu‑
são de um sopro de vento. Tinha até Dobrado e encantado guar‑
danapos de papel para o jantar que, quando os convidados os des‑
dobrassem, se tornariam azul‑turquesa e onde se leria «Parabéns,
Alton Holloway». Ponderara incluir uma ou outra ilusão de um
elefante ou de um leão retirados de histórias fantasmagóricas, mas
para isso teria de estar ali durante a festa para ler os feitiços. Além
disso, temia que alguns dos convidados mais idosos reagissem mal.
Há apenas alguns meses, lera um artigo no jornal acerca de uma
avó que tivera um ataque cardíaco depois de ver, num espelho, uma
ilusão de um comboio a aproximar‑se ao lado do teatro, um anún‑
cio imprudente à nova peça americana que aí estava em cena. A
festa ficaria certamente estragada se um convidado tentasse alvejar
um leão de papel.
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CAPÍTULO 2
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de salmão e violeta, até se encontrar com o azul cada vez mais es‑
curo do céu noturno. As nuvens pareciam criaturas etéreas, peixes
celestiais que nadavam na vastidão azul, seguindo o sol até ao outro
lado do mundo.
Uma mão pousou‑lhe no ombro, junto à nuca, interrompendo
a sua contemplação do mural para lá do vidro.
— Que inacreditavelmente romântico — disse Emery, e um
canto da sua boca inclinou‑se para cima, quase o suficiente para
fazer uma covinha. À luz que vinha da janela, os seus olhos adqui‑
riam um tom mais verde‑azeitona. Tinha os dedos frios da água de
lavar a louça.
— É como nos romances — concordou Ceony, recuando para
se aninhar no braço dele e encostando o seu corpo ao dele. — Pen‑
sei o mesmo. Estava com esperança de que pudéssemos recriar uma
cena de Jane Eyre.
— Admito que não conheço esse livro.
— É bastante bom — disse ela. — É triste, mas acaba bem.
Emery virou‑se para ela e ergueu a mão, tocando‑lhe no maxilar.
— O que interessa é que acabe bem — disse. Passou‑lhe o po‑
legar pela face e estudou‑a por um momento, com os seus olhos de
pedras preciosas a percorrerem‑lhe a boca, as maçãs do rosto, os
olhos. Ceony adorava que ele a olhasse assim. Fazia‑a sentir‑se…
presente.
Pôs‑se em bicos de pés e Emery ocupou o espaço que restava
entre eles, tocando nos lábios dela com os seus.
Apesar da sua excelente memória, Ceony não se lembrava de
quantas vezes já beijara Emery Thane desde aquele dia, há quase
dois anos, do lado de fora da estação de comboios. Muitas vezes,
e, ainda assim, o toque da boca dele ainda a enchia de um deleite
infantil, ainda fazia o sangue correr‑lhe mais depressa.
Talvez depressa demais.
Os seus dedos dançaram pelo pescoço dele acima, tocando‑lhe
nos lóbulos das orelhas, passando‑lhe pelas patilhas e pela barba de
um dia que confinava com elas. Os cheiros dele — a açúcar masca‑
vado, papel e carvão — encheram‑lhe os pulmões quando fez uma
pausa para inspirar fundo. Depois, beijou‑o como uma senhora
nunca deveria beijar um homem com quem não estivesse casada.
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— Eu já as conheço.
— Tens a certeza?
Ceony fez uma pausa.
— Isto é uma pista para o meu teste?
Emery enfiou as mãos nos bolsos das calças.
— Não me é permitido dar‑te quaisquer pistas, Ceony. Não
correria o risco de pôr em perigo a tua aprovação.
O seu tom tornou‑se um pouco mais sério na última frase.
Aproximando‑se da mesa colocada contra a parede oeste, deu umas
palmadinhas num livro usado tão grosso como o pulso de Ceony.
Ela deixou descair os ombros. Tinha a certeza de que aquele volu‑
me não lhe seria útil no teste.
Mas não tinha mais vontade do que Emery de diminuir as suas
probabilidades de passar. Suspirando — mais alto do que o necessá‑
rio —, Ceony pegou no pesado livro com as duas mãos e ergueu‑o
até à anca.
O telégrafo sobre a mesa começou a funcionar.
Emery ergueu uma sobrancelha. Ceony ficou muito quieta e es‑
cutou atentamente, traduzindo mentalmente o código Morse. Uma
questão interessante. Acei…
— Estuda com afinco — disse Emery, pousando‑lhe uma mão
nas costas. Empurrou‑a na direção do corredor.
— Mas e quanto a…
Os olhos dele cintilaram.
— É segredo, minha querida — e, com isto, fechou a porta da
biblioteca.
Ceony franziu o sobrolho e depois encostou o ouvido à porta
de madeira, tentando distinguir o som do telégrafo. Passados dois
segundos, Emery deu uma pancada na porta. Durante aquele tem‑
po juntos, já aprendera todas as táticas de Ceony para escutar às
portas.
Carrancuda, Ceony retirou‑se para o seu quarto e abriu a dis‑
sertação, sacudindo o pó que se soltou da capa grossa.
«Capítulo 1: A Meia Dobra».
Ia ser uma longa noite.
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CAPÍTULO 4
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— Ele não sabe onde eles vivem agora, Ceony — disse, tão doce‑
mente como uma brisa de verão. Entrou lentamente no quarto, com
passos tão leves como os de um veado no solo da floresta. — E o Alfred
dará prioridade à segurança deles. Provavelmente, já tratou disso.
Ceony abanou a cabeça.
A mão do mago de papel encontrou novamente o seu ombro,
cingindo‑o gentilmente com os dedos.
— Lamento muito — sussurrou.
Ceony bateu com o lápis contra o tampo da mesa, partindo‑lhe
o bico. Virou‑se para Emery e sentiu lágrimas a arder‑lhe nos can‑
tos dos olhos.
— Porque não o executaram ainda? — questionou, com a per‑
gunta a queimar‑lhe a língua. — Já passaram dois anos. Com todas
as pessoas a quem ele fez mal…
Emery envolveu‑lhe o rosto com as duas mãos, passando‑lhe
um polegar por baixo de um dos olhos para limpar uma lágrima.
— Perderam o Grath e a Lira. O Saraj era o único meio de obterem
informações do submundo.
— Não interessa!
— Não estou a discordar de ti — disse ele, numa voz ténue.
Pressionou a testa contra a dela.
Ceony baixou os olhos e afastou‑se daquele toque, mas depois
encostou‑se ao ombro dele. Os braços dele rodearam‑na, e o seu
calor reconfortou‑a um pouco.
— E se ele ainda andar atrás deles… de nós? — sussurrou.
— Não irá longe. Deixemos isso para o Gabinete. Eles tratam
do assunto.
— Se deixássemos tudo para o Gabinete, estaríamos os dois
mortos.
Ele afagou‑lhe o cabelo.
— Seja como for, a principal preocupação do Saraj será fugir. Já
não tem qualquer motivo para te perseguir, e duvido que se dê ao
trabalho de me vir atormentar. Irá em direção à costa, na esperança
de atravessar o canal. Se o Alfred teve tempo de nos avisar, pode‑
mos partir do princípio de que já tem homens a seguir o Saraj.
Ceony expirou longamente, tentando aconchegar‑se nas palavras
tranquilizadoras de Emery como num cobertor quente. Acalmou‑se
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