Monografia PROCESSOS ESTRUTURAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Monografia PROCESSOS ESTRUTURAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Monografia PROCESSOS ESTRUTURAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO E PROCESSO CIVIL
PORTO ALEGRE
2018
VICTÓRIA FRANCO PASQUALOTTO
Porto Alegre
2018
VICTÓRIA FRANCO PASQUALOTTO
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof. Dr. Klaus Cohen Koplin
Orientador
_______________________________________________________
Prof. Dr. Arthur Thompsen Carpes
_______________________________________________________
Aos meus pais, que nasceram de novo
durante a elaboração deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho marca a conclusão de etapa muito importante de minha vida, de grandes
aprendizados e desenvolvimento, pessoal e profissional. Isso foi possível graças ao suporte de
várias pessoas que estiveram ao meu lado nesses últimos cinco anos e também fazem parte
desta trajetória.
Agradeço aos Professores de Processo Civil da Faculdade de Direito da UFRGS por
terem despertado em mim o interesse pela área e muito contribuído em minha formação
acadêmica. Em especial, agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Klaus Cohen Koplin, pelo
incentivo à pesquisa, pelas recomendações, correções atentas, indicações de bibliografia, por
sempre se mostrar prestativo, pelo exemplo de profissional e pessoa.
Agradeço ao meu chefe no Ministério Público Federal, Prof. Dr. Sérgio Cruz Arenhart,
que me apresentou a temática dos Processos Estruturais, especialmente sob a perspectiva do
procedimento, abordagem pouco explorada no direito brasileiro. Suas obras tiveram grande
influência neste trabalho.
Agradeço aos meus pais e a minha irmã, grandes apoiadores deste trabalho, que se
desenvolveu em um período difícil de nossas vidas. A força de vontade e coragem de vocês é
motivo de muito orgulho e inspiração. Este trabalho é dedicado a vocês.
Agradeço a meu namorado, Daniel, que esteve ao meu lado em todos os momentos desse
processo. Obrigada pelo apoio incondicional, amor, respeito e admiração mútuos. É uma grande
alegria compartilhar a vida com alguém tão especial.
Agradeço também a todos os familiares e amigos que fizeram parte deste ciclo de cinco
anos, tornando-o muito mais feliz. Agradeço, por fim, a Deus, por todas as oportunidades que
tem me dado, dentre elas, a realização deste sonho.
The principles announced in that decision and
the obedience of the States to them, according
to the command of the Constitution, are
indispensable for the protection of the freedoms
guaranteed by our fundamental charter for all
of us. Our constitutional ideal of equal justice
under law is thus made a living truth.
Este trabalho pretende esclarecer como surgiu a ideia de Processo Estrutural no Direito
Processual Civil, do direito comparado ao brasileiro. É realizada breve digressão histórica sobre
modo como o Direito Processual Civil se desenvolveu à luz da evolução dos direitos que são
tutelados por meio dele. A consciência do descompasso dessa relação, diante do
reconhecimento da existência de interesses multipolares e conflitos complexos, foi o contexto
de desenvolvimento do Processo Estrutural. Esse, ocorreu a partir da década de 50 nos Estados
Unidos, mas apenas no início do século XXI no Brasil. Catalogam-se as diferentes expressões
utilizadas para denominar este novo processo, adotando-se, simplesmente, “Processo
Estrutural”. São constatadas dificuldades na elaboração de um conceito, de modo que o estudo
fica centrado em suas características fundamentais. Dentre elas, é possível identificar i) seu
caráter multipolar; ii) efeitos prospectivos; iii) flexibilização procedimental; iv) abertura do
princípio da demanda e v) amplitude na fase de execução. Sua aptidão e importância enquanto
meio adequado de tutela jurisdicional dos conflitos multipolares complexos, na prática, é
evidenciada a partir do caso Mendoza, na Argentina. A doutrina aponta dispositivos do CPC/15
que podem servir de amparo para a consagração do Processo Estrutural no ordenamento
brasileiro. Há também, um projeto de lei que pode ajudar na tarefa. Contudo, entende-se que a
verdadeira internalização da ideia de Processo Estrutural no país já está ocorrendo por meio da
atuação do Poder Judiciário.
The present study intends to show who the idea of Structural Injunction emerged first in
comparative law, then in Brazil. It is made a short analysis about how Procedural Law evolved
due to the evolution of Civil Rights. The awareness of a mismatch in the evolution of both
Procedural Law and Civil Rights was the background for the development of the Structural
Injunction. It arose in the United States in the 50’s but only in the beginning of the 21st century
in Brazil. The different expressions used to identify this new way of litigation are catalogued.
In this study, it is called simply “Processo Estrutural”. Many difficulties in the elaboration of
a concept were detected. For this reason, this study is focused on the fundamental characteristics
of this procedure. Among them, it is possible to identify: i) its multipolar nature; ii) prospective
effects; iii) flexibilization of the forms; iv) the judge is not constrained to the initial request of
the parts; v) flexible and broadly implementation of the decisions. The importance and capacity
to deal with multipolar complex conflicts, in practice, is confirmed by the analysis of
Mendoza`s case, in Argentina. In Brazil, the authors indicate provisions in Procedural Code of
2015 that can be used to justify the adoption of Structural Injunctions in Brazil`s legal system.
There`s also a bill about this subject that can help in this task. However, we believe that the
Structural Injunctions are already being adopted in Brazil through the judge`s practice.
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 8
PARTE I. O PROCESSO CIVIL ENTRE LITÍGIOS TRADICIONAIS E LITÍGIOS
MULTIPOLARES COMPLEXOS
1. O PROCESSO CIVIL E A REALIDADE SOCIAL: DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX
................................................................................................................................................... 9
1.1. Os Litígios Tradicionais e o Processo Civil Individual ...................................................... 9
1.2. O Advento dos Novos Direitos, a Tutela dos Direitos Coletivos, a Tutela Coletiva dos
Direitos e a Resposta do Código de 2015 ................................................................................ 13
2. O PROCESSO ESTRUTURAL COMO UMA FORMA PARTICULAR DE VIABILIZAR
TUTELA DOS DIREITOS .................................................................................................... 21
2.1. O Surgimento do Tema e o Problema da sua Definição................................................... 22
2.2 . O Processo Estrutural entre a Tutela dos Direitos Coletivos e a Tutela Coletiva dos Direitos
................................................................................................................................................. 28
PARTE II. O PROCESSO ESTRUTURAL COMO RESPOSTA AOS LITÍGIOS
MULTIPOLARES COMPLEXOS
1. O DIREITO AO DEVIDO PROCESSO ESTRUTURAL: DA RIGIDEZ À ADEQUAÇÃO
................................................................................................................................................. 29
1.1. Do Direito ao Devido Processo Individual ao Direito ao Devido Processo Estrutural .... 29
1.2. As Características do Processo Estrutural ........................................................................ 30
2. O PROCESSO ESTRUTURAL E OS DIREITOS CARENTES DE EFETIVIDADE ..... 37
2.1. O Campo Típico do Processo Estrutural: o Exemplo do Caso Mendoza ......................... 37
2.2. A Experiência Brasileira ................................................................................................... 49
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 59
REFÊRENCIAS..................................................................................................................... 61
8
INTRODUÇÃO
Depois de um grande período em que o processo civil era pensado como simples
apêndice do direito material, o que o tornava mais sensível à realidade social por conta dessa
sua estreita relação, o processo civil perdeu essa sintonia, dela se afastando. Assim, foi preciso
posteriormente retomar os laços entre o processo civil e a realidade social a fim de que esse
pudesse desempenhar seu papel de meio para prestação de uma tutela adequada e efetiva aos
direitos 1 e, no que agora interessa, como forma de dar resposta aos litígios multipolares
complexos.
1 Para uma análise dessa história do processo civil colocando em evidência sua relação com o direito material e a
realidade social, por todos, MITIDIERO, Daniel, Colaboração no Processo Civil – Pressupostos Sociais,
Lógicos e Éticos, 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 29-52, com a citação de vários autores, dentre
os quais se destacam Cândido Rangel Dinamarco e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.
2 “The lawsuit is bipolar. Litigation is organized as a contest between two individuals or at least two unitary
interests, diametrically opposed, to be decided on a winner-takes-all basis. CHAYES, Abram, The role of the
judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio, 1976), p. 1282.
3 Assim, MITIDIERO, Daniel. O Processualismo e a Formação do Código Buzaid, Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, n. 183; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz;
MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil, 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, vol. I.
4 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil, 3.
5
CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio,
1976), p. 1282/1283.
6 MITIDIERO, Daniel. O Processualismo e a Formação do Código Buzaid, Revista de Processo. São Paulo:
No que agora interessa, importa sublinhar a ideia de que o individualismo foi pensado
para a proteção de direitos fundados em relações obrigacionais entre duas pessoas, e não para
litígios multipolares. Logo, o processo civil tradicional não conseguia dar resposta para esse
tipo de conflito.
Tratando do patrimonialismo do processo civil tradicional, a lição de Daniel Mitidiero
também é esclarecedora:
7MITIDIERO, Daniel. O Processualismo e a Formação do Código Buzaid, Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010, n. 183, com apoio principalmente em Ovídio Baptista da Silva e Luiz Guilherme
Marinoni.
12
8MITIDIERO, Daniel. O Processualismo e a Formação do Código Buzaid, Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010, n. 183, com apoio principalmente em Ovídio Araújo Baptista da Silva e Luiz
Guilherme Marinoni.
13
Muitos litígios que demandam um processo estrutural não estão centrados na reparação
de um dano. Esses litígios exigem a sucessiva remoção de um estado de coisas inconstitucional
(por exemplo, a situação dos presídios brasileiros e dos argentinos, como revela o clássico caso
Verbitsky10, na Argentina), de modo que a tutela pretendida é voltada contra o ato ilícito. Isso
revela a necessidade, também sob essa ótica, de superar o processo civil tradicional.
1.2. O Advento dos Novos Direitos, a Tutela dos Direitos Coletivos, a Tutela Coletiva dos
Direitos e a Resposta do Código de 2015
9 MITIDIERO, Daniel. O Processualismo e a Formação do Código Buzaid, Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010, n. 183, com apoio principalmente em Ovídio Araújo Baptista da Silva e Luiz
Guilherme Marinoni. Ver também, extensamente: MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos
direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
10
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de la Nación. Verbitsky, Horacio S/ Habeas Corpus. Julgado em
03.05.2005. Disponível em: <http://www.saij.gob.ar/corte-suprema-justicia-nacion-federal-ciudad-autonoma-
buenos-aires-verbitsky-horacio-habeas-corpus-fa05000319-2005-05-03/123456789-913-0005-0ots-
eupmocsollaf>. Acesso em nov. 2018.
11 UNITED STATES. NATIONAL ARCHIVES CATALOG. Case File for Brown et al. v. Board of Education
ao meio ambiente (como é o caso Mendoza na Argentina12), fizeram com que se tivesse que em
primeiro lugar deixar de lado o individualismo e o patrimonialismo, pensando-se em um
processo civil capaz de dar tutela aos direitos coletivos (tutela dos direitos coletivos) e aos
direitos individuais homogêneos (tutela coletiva dos direitos).
Na Civil Law, os estudos a respeito dessa temática aparecem pela primeira vez em 1969
com a publicação do ensaio de Michele Taruffo sobre as class actions estadunidenses13. Menos
de uma década depois, em 1978, Mauro Cappelletti e Bryant Garth demonstram a necessidade
de se incorporar definitivamente nos países de tradição romano-canônica as ações coletivas
como um meio para responder adequadamente aos novos direitos14.
A partir do final dos anos setenta e do início dos anos oitenta, a doutrina brasileira
desperta para o tema das ações coletivas, principalmente a partir dos trabalhos de José Carlos
Barbosa Moreira e Ada Pellegrini Grinover15. Esses trabalhos inspiram e levam à promulgação
da Lei da Ação Civil Pública, em 1985, e do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, que
formam a parcela mais importante do microssistema processual coletivo brasileiro 16 . Na
doutrina, ganha grande destaque a ideia de que o processo coletivo serve tanto para a tutela
coletiva dos direitos como para a tutela dos direitos coletivos, apresentada pela primeira vez
por Teori Zavascki em 199517.
Com o reconhecimento de novos direitos também no Brasil, ganhando destaque também
casos envolvendo direito ambiental e de encarceramento em condições inconstitucionais, a
doutrina passa a reconhecer a necessidade de se especializar ainda mais o processo coletivo
brasileiro, adaptando-o ainda mais às especificidades desses litígios. O Código de 2015, porém,
embora tenha avanços importantes a respeito da adequação do procedimento às necessidades
do caso concreto18, não levou em consideração a necessidade de tratar do processo coletivo,
sendo insuficiente nesse ponto.
Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 477-482, vol. III.
17 ZAVASCKI, Teori. “Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos”, Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, n. 78; Id., Processo Coletivo – Tutela de Direitos Coletivos e Tutela
Coletiva de Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
18 KLAUS, Klaus. “O Novo CPC e os Direitos Fundamentais Processuais: uma Visão Geral, com Destaque
para o Direito ao Contraditório”. RUBIN, Fernando; REICHELT, Luís Alberto (org.), Grandes Temas do Novo
15
A insuficiência do Código de 2015 a respeito dos processo coletivos e, com maior razão,
em relação aos processos estruturais, deixa um espaço grande para o trabalho do tema pela
doutrina e pelos tribunais.
Ocorre que, se o processo individual não está apto a fornecer tutela a litígios complexos,
o mesmo ocorre com o processo coletivo, como argumenta Sérgio Cruz Arenhart.
Com efeito, esse doutrinador 19 aponta que a redução de um conflito multipolar
envolvendo políticas públicas, por exemplo, a um modelo bipolar de processo, de dedução da
pretensão do autor em face do réu, obscurece o real problema que o litígio encerra: o modo
como os recursos públicos como um todo devem ser distribuídos no país. Tomando o exemplo
das ações sobre fornecimento de medicamentos, evidencia que o problema da distribuição de
recursos no país acaba sendo restringido ao direito fundamental à vida e à saúde do autor por
um lado, e de outro, o interesse patrimonial do Estado.20 Além de obscurecer o problema maior
e de condicionar a distribuição de recursos públicos à existência de pretensões levadas
individualmente a juízo, em vez de facilitar a distribuição dos recursos públicos para efetivação
de direitos, pode ser ainda mais prejudicial: vai acabar privilegiando aqueles que a) têm maior
compreensão da possibilidade de acionamento do Poder Judiciário para tutela dos próprios
interesses (que, a rigor, já são pessoas com melhores condições e, portanto, não são aquelas que
mais necessitam de auxílio); b) ajuízam antes demanda judicial - e, aqui, ocorre o fenômeno de
"furar a fila” pelo simples fato possuir ordem judicial para tanto e, assim, receber recursos em
detrimento de outras pessoas que já estavam aguardando ou necessitam mais; c) detêm o mais
alto nível cultural, econômico e social.21
Semelhante conclusão é feita por Susana Henriques da Costa e Débora Chaves Martines
Fernandes, ao afirmarem, no que tange ao controle judicial de políticas públicas, que sua
abordagem atomizada traz uma série de problemas. Além de impedir que o administrador possa
ter uma visão do “todo”, isto é, um panorama completo do conflito, as decisões judiciais podem
Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 15-51, especialmente p. 23; OLIVEIRA,
Paulo Mendes de. Segurança Jurídica e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
19
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
476.
20
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
476.
21
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
476.
16
ter grande impacto em políticas públicas que já estão sendo executadas, privilegiando alguns
com medidas que não tem condições de serem universalizadas.22 As autoras ainda atentam para
importante conclusão de que “ao conceder determinadas tutelas apenas àqueles que
individualmente o acessam, o Poder Judiciário, acaba tornando-se, ele mesmo, um gerador de
desigualdades”.23
Este cenário ajudou a fomentar o estudo dos processos coletivos no Brasil, conforme
exposto anteriormente. Contudo, em que pese a existência de inegáveis avanços promovidos
pelo microssistema do processo coletivo brasileiro, o modo como vem sendo aplicado se releva
insuficiente para tutelar adequadamente os chamados novos direitos e interesses
metaindividuais.24 Sobre a inadequação do processo coletivo brasileiro para responder a esses
conflitos, reporta-se à interessante análise feita por Sérgio Cruz Arenhart:
22
COSTA, Susana Henriques da; FERNANDES, Débora Chaves Martines. Processo Coletivo e
Controle Judicial de Políticas Públicas - Relatório Brasil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Comp.). O Processo para Solução de Conflitos
de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 371.
23
COSTA, Susana Henriques da; FERNANDES, Débora Chaves Martines. Processo Coletivo e
Controle Judicial de Políticas Públicas - Relatório Brasil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Comp.). O Processo para Solução de Conflitos
de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 371.
24
COSTA, Susana Henriques da; FERNANDES, Débora Chaves Martines. Processo Coletivo e
Controle Judicial de Políticas Públicas - Relatório Brasil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Comp.). O Processo para Solução de Conflitos
de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 372.
25
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
477.
17
mesmos preceitos. Se a tutela coletiva de direitos foi desenvolvida a partir da concepção de que
existem litígios cujo tratamento adequado não é capaz de ser feito pela via individual,
dificilmente a aplicação da mesma lógica dos processos individuais oferecerá melhor resposta.
E ainda além: chega a ser um contra-senso sua aplicação aos processos coletivos, uma vez que
é a própria necessidade de se afastar da lógica individualista que fundamenta sua criação.
Os processos coletivos permanecem regidos pelo princípio da demanda em sua acepção
clássica, de que o Estado-Jurisdição está estritamente limitado aos pedidos que são formulados
pela parte autora, não sendo permitido julgar fora dos seus limites. Sérgio Cruz Arenhart26
aponta que essa concepção pressupõe que aquele que ingressa com a ação é o titular do direito
e, consequentemente, quem dele pode dispor. Ocorre que, na tutela dos interesses coletivos, o
titular da ação não é o titular do direito. É aquele que se diz representante de uma coletividade
e age em nome dela.
Diante desse quadro, aceitar que o juiz está estritamente vinculado aos pedidos desse
representante pode causar prejuízos incontáveis aos representados (vale dizer, os titulares do
direito), uma vez que o autor da ação talvez nem sempre atue tutelando o melhor interesse da
coletividade. Pode ser que se valha do processo para tutelar interesse próprio ou, inclusive, da
parte contrária, sem precisar arcar com as consequências de seus atos. As consequências de sua
má atuação recairão diretamente sobre os titulares do direito debatido em juízo, que sequer
tiveram oportunidade de participar do processo.
Importante considerar aqui também, que o processo coletivo brasileiro não possui
(assim como o argentino27) instrumentos efetivos de controle da representatividade adequada.
controle de representatividade adequada.28 Não há, no país, desenvolvimento de mecanismos
aptos a verificar se o indivíduo que vai à juízo é efetivamente aquele que possui melhores
condições de agir em nome da coletividade e tutelar seus interesses. Por essa razão Sérgio Cruz
Arenhart afirma que a representação no processo coletivo brasileiro é muito mais aparente que
26
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
478.
27
VERBIC, Francisco. El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas custiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación.In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
313.
28
COSTA, Susana Henriques da; FERNANDES, Débora Chaves Martines. Processo Coletivo e
Controle Judicial de Políticas Públicas - Relatório Brasil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Comp.). O Processo para Solução de Conflitos
de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 372.
18
real 29 . Com base em exemplo envolvendo o Ministério Público Federal prossegue o autor
paranaense:
Como o autor acertadamente expõe, pode haver situações em que o representante poderá
agir inclusive em contrariedade aos interesses da coletividade. Assim como ocorre com o
membro do Ministério Público, há legitimados que não apenas prescindem de autorização dos
representados para ingressar em juízo, como também sequer precisam consultá-los antes de
ajuizar a ação.
A questão da falta de representatividade adequada se relaciona diretamente com outro
princípio processual, aplicado do processo individual ao coletivo sem devidas adaptações: o
princípio dispositivo. A correlação feita entre "autor da ação – titular do direito", também
admite prerrogativas de dispor do direito no processo coletivo: decidir se vai ou não recorrer de
decisão judicial, se vai produzir determinada prova, se vai requerer o cumprimento da sentença,
dentre outras. A possibilidade de gerar prejuízo à coletividade pela má atuação do legitimado
ativo, de acordo com Sérgio Cruz Arenhart, teria fundamento em uma espécie de culpa in
elegendo, penalizando-se a coletividade por ter escolhido mal seu representante.31 Conforme
exposto acima, por vezes sequer há escolha sobre o representante.
29
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
477.
30
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
477.
31
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
19
Como é possível observar, tanto o processo individual como o coletivo no Brasil não
conseguem ser meios para prestar tutela adequada, efetiva e tempestiva para os interesses
multipolares. O modo como esses interesses vêm sendo tratados no âmbito do Poder Judiciário,
além de sua manifesta inadequação, pode trazer uma série de prejuízos. De um lado, para os
titulares desses interesses: a falta de efetividade, a possibilidade de serem prejudicados pela má
atuação de seu representante, os obstáculos à manifestação de sua vontade e direito de
influência, assim como o beneficiamento de poucos interessados em detrimento dos demais são
problemas muito recorrentes. De outro, para o Poder Público: a falta de racionalização do
controle judicial da atuação do Poder Público pode gerar efeito contrário ao pretendido e, ao
interferir indevidamente na execução de políticas públicas, prejudicar ainda mais a efetivação
de direitos constitucionalmente assegurados. Além disso, o impacto dos comandos judiciais
sobre os cofres públicos (e, consequentemente, sobre o planejamento orçamentário do Estado)
ainda tem sua extensão desconhecida e, por ser feito de maneira desordenada, pode apresentar
efeitos nefastos.
O crescente número de demandas envolvendo interesses multipolares no país mudou o
foco da atenção dos doutrinadores: a discussão sobre a possibilidade do Poder Judiciário tutelar
esses interesses que, na grande maioria das vezes, envolvem prestações positivas por parte do
Poder Público, tem seu espaço agora restringido ao plano teórico e com grande nível de
abstração. Isso porque, a tutela pela via jurisdicional desses interesses é uma realidade
inquestionável, com impacto social incomensurável.
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
479.
32
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 479.
20
33
Com base nas informações apresentadas é possível perceber que apenas os processos
relacionados ao direito à saúde (mediante prestações positivas do Estado), direito à educação,
garantias constitucionais em sentido lato (direito à moradia, habitação, alimentação, dentre
outros) e meio ambiente totalizaram mais de trezentas e quarenta mil ações. O número é ainda
mais alarmante na medida em que diz respeito apenas aos processos que tiveram início no ano
de 2017, sem considerar todas as demandas que já estavam tramitando.
Semelhante fenômeno pode ser observado a partir dos dados coletados pelo Conselho
Nacional de Justiça, no mesmo relatório, em relação aos processos vinculados ao Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
33 Fonte: Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números (Dez. 2017). Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/paineis. Acesso em: out. de 2018.
21
34
Os dados aqui também são alarmantes: foram mais de cinquenta mil casos novos que
ingressaram na justiça estadual no ano de 2017. Isso sem considerar os casos que tramitam
perante a Justiça Federal do Rio Grande do Sul, cujas estatísticas ficam vinculadas ao Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, em conjunto com os dados dos estados de Santa Catarina e
Paraná.
Como é possível perceber, o controle judicial de conflitos multipolares é realizado todos
os dias, em uma prática crescente. Contudo, é realizado com significativa irresponsabilidade,
sem o desenvolvimento de um procedimento adequado para tanto. Sem que o Direito Processual
Civil brasileiro tenha sido pensado para tutelar adequadamente esses conflitos.
Buscando responder aos problemas que a realidade da atuação do Poder Judiciário tem
apresentado 35 (problemas para os quais os processos tradicionais individual e coletivo
relevaram-se manifestamente inadequados para resolver), a doutrina voltou-se ao direito
comparado. Procurou estudar de que modo outros ordenamentos jurídicos enfrentaram
semelhantes problemas e encontrou, nos Estados Unidos, importante lição: os Processos
Estruturais.
34 Fonte: Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números (Dez. 2017). Disponível em:
36 UNITED STATES. NATIONAL ARCHIVES CATALOG. Case File for Brown et al. v. Board of Education
the Supreme Court’s 1954 decision in Brown v. Board of Education mandating the transformation of the dual-
school systems of the nation.” FISS, Owen. To Make The Constitution a Living Truth: Four Lectures on the
Structural Injunction. In: Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 18. p.
38 UNITED STATES. NATIONAL ARCHIVES CATALOG. Documents Related to Brown v. Board of
os fins deste trabalho, injunction pode ser entendido em sentido amplo como “ordem”, “comando judicial”.
41 CAPPELLETTI, Mauro. “O Processo Civil Italiano no Quadro da Contraposição ‘Civil Law’ - ‘Common
Em outras palavras, significa dizer que os processos estruturais tiveram origem nos
Estados Unidos, país de tradição do Common Law, sob a figura das structural injunctions. Não
obstante, não foram herdados de uma tradição anterior42, dos costumes imemoriais, tampouco
da legislação: trata-se de fenômeno recente, que ganhou força a partir da segunda metade do
Século XX, com origem na prática judicial. Para muito além de uma elaboração teórica, surgiu
a partir da necessidade do processo responder a problemas da realidade, que não podia mais ser
resumida a conflitos privados entre dois particulares. O direito processual deparou-se com uma
sociedade multifacetária, ao mesmo tempo plural e massificada, com debates centrados em
direitos sociais e litígios envolvendo a efetivação de políticas públicas.43
A doutrina brasileira também reconhece a grande importância do direito argentino a
respeito do tema. A partir do caso Mendoza, julgado pela Suprema Corte da Nación Argentina,
que será analisado oportunamente, costuma-se identificar o início de uma importante
elaboração doutrinária sobre processos estruturais, a qual é normalmente invocada pela nossa
doutrina.
No Brasil, o desenvolvimento do tema experimentou maior destaque apenas no século
XXI44, nada obstante o exemplo mais antigo que pode ser individualizado remonte a 1993 (caso
da ACP do Carvão). Isso quer dizer que, ao menos na prática judicial, ainda que sem a utilização
da terminologia apropriada, já se podia vislumbrar aplicação de ferramentas e recursos típicos
dos processos estruturais no Brasil desde essa época.
Pouco foi escrito no Brasil sobre processos estruturais. Embora o cenário político e social
tenha, nos últimos anos, fomentado o debate acerca do papel do Poder Judiciário na efetivação
de direitos, permanece escassa a produção científica sobre o processo estrutural, ainda
desconhecido pela maior parte dos estudantes e operadores do direito. As obras publicadas no
país são, em sua maioria, artigos e compilados de ensaios – grande parte, aliás, limitada à
Processual Civil Brasileiro. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 225, p. 389-410. No
mesmo ano também foram publicados outras duas obras a respeito do tema, porém com enfoque diverso: VIOLIN,
Jordão. Protagonismo judiciário e processo coletivo estrutural: o controle jurisdicional de decisões políticas.
Salvador: Juspodivm, 2013; JOBIM, Marco Félix. Medidas Estruturantes: da Suprema Corte Estadunidense
ao Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 238 p. Sérgio Cruz Arenhart trata
das decisões estruturais a partir da perspectiva do direito processual civil e procedimento (que é o escopo deste
trabalho). Jordão Violin e Marco Félix Jobim, por sua vez, partem da perspectiva constitucional do controle
judicial de políticas públicas.
24
45
CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio,
1976), p. 1281-1316. Como exemplo de ensaio que se limita em grande parte às conclusões de Chayes na doutrina
brasileira, por todos, SALLES, Carlos Alberto de. Processo Civil de Interesse Público. O Processo para Solução de
Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 193-228.
46 Ver: O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. 650 p.
47 LIMA, Edilson Vitorelli Diniz. Litígios Estruturais: decisão e implementação de mudanças socialmente
relevantes pela via processual. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos
Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 370. LIMA, Edilson Vitorelli Diniz. Levando os conceitos a
sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças. Revista de Processo, São
Paulo, Ano 43, n. 284, p.333-369, out. 2018.
48 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 353-268.
49 WATANABE, Kazuo; GRINOVER, Ada Pellegrini; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 238 p.; JOBIM, Marco Felix. A previsão das medidas
estruturantes no artigo 139, IV, do novo Código de Processo Civil brasileiro. Repercussões do novo CPC –
processo coletivo. Hermes Zaneti Jr. (coord.). Salvador: Editora Juspodivm, 2016; ARENHART, Sérgio Cruz.
JOBIM, Marco Félix. Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. 607p.
52 ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista de Processo,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 225, p. 389-410; ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais
no Direito Brasileiro: reflexões a partir do caso ACP do carvão. Revista de Processo Comparado. São Paulo:
Revista dos Tribunais. v. 2. p. 211-232; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo multipolar, participação e
representação de interesses concorrentes. In: ARENHART, Sérgio Cruz., MITIDIERO, Daniel, DOTTI,
Rogéria. (Org.). O processo civil entre a técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 739-758. ARENHART, Sérgio Cruz. JOBIM, Marco Félix. Processos Estruturais. Salvador:
Juspodivm, 2017. 607p.
53 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. Projeto de Lei n.
8058/2014 – Considerações Gerais e Proposta de Substitutivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,
Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público.
Salvador: Juspodivm, 2017. p. 609-650; LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fundamentos do Processo
Estrutural. In: JAYME, Fernando Gonzaga; MAIA, Renata Christiana Vieira; REZENDE, Esther Camila Gomes
Norato; LANNA, Helena. (Org.). Inovações e modificações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte:
DelRey. 2017, vol. 1. p. 11-20.
25
54 Assim, TARUFFO, Michele, “A Atuação Executiva dos Direitos: Perfis Comparados”, Processo Civil
Comparado - Ensaios, apresentação, organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013,
pp. 87 e seguintes; LANGBEIN, John, LERNER, Renée Lettow, e SMITH, Bruce, History of the Common Law
- The Development of Anglo-American Legal Institutions. New York: Aspen Publishers, 2009, pp. 271 e
seguintes.
55 ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 06.
56 Extensamente, MARTINS-COSTA, Judith, A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,
57 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos
Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 354.
58 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 475-492.
27
Observa-se, a partir do excerto, que o autor trata do tema sob a perspectiva de litígio
estrutural. Não trata do processo em si, mas do conflito no plano dos fatos que ele encerra.
Deste modo, sua definição não responde satisfatoriamente à pergunta do que vem a ser o
Processo Estrutural. Nota-se, também, que embora intitule o tópico de seu artigo como o
“Conceito de Litígio Estrutural”, o corpo do texto refere-se a características deste tipo de litígio,
o que reforça a posição de Sérgio Cruz Arenhart. Semelhante entendimento pode ser encontrado
em outro ensaio de Vitorelli, com o provocativo título “Levando Conceitos a Sério: processo
estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças”60.
Por sua vez, Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti Jr. e Rafael Alexandria de Oliveira, em
seu ensaio “Notas sobre decisões estruturantes”, abordam o tema sobre a perspectiva de decisão
estrutural, e apontam:
Novamente aqui, observa-se que o conceito dado pelos autores para decisão estrutural é
muito mais voltado para o bem da vida tutelado por meio do processo, do que o processo em
si. Como é possível perceber, há grande dificuldade em estabelecer um conceito preciso de
processo estrutural – algo estranho à tradição jurídica brasileira, que valoriza conceitos e
sistematizações. Não obstante, há que se considerar que existe um núcleo importante de
significado comum. Ainda que diversas as terminologias adotadas e diversas as tentativas de
elaboração de um conceito, é possível identificar com facilidade que todos os autores estão
falando sobre a mesma coisa e preocupados com o mesmo problema: que o direito processual
civil acompanhe o desenvolvimento da sociedade e seja capaz de oferecer respostas sobre como
tutelar adequadamente conflitos altamente complexos, com múltiplos polos de interesses.
59 VITORELLI, Edilson. Litígios Estruturais: decisão e implementação de mudanças socialmente relevantes pela
via processual. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador:
Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 370.
60 VITORELLI, Edilson. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico
e suas diferenças. Revista de Processo, São Paulo, Ano 43, n. 284, p.333-369, out. 2018. Mensal.
61 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos
Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 355.
28
2.2 . O Processo Estrutural entre a Tutela dos Direitos Coletivos e a Tutela Coletiva dos Direitos
Os conflitos tipicamente tutelados por meio do Processo Estrutural, são entendidos como
conflitos multipolares complexos. Multipolar, por não se resumir a dois interesses
diametralmente opostos tal qual ocorre no modelo bipolar já descrito. Aqui, há uma
multiplicidade de núcleos de interesses envolvidos, que devem ser ponderados para a
construção da decisão judicial.62 Dificilmente, portanto, o Processo Estrutural trabalhará com a
lógica de “o vencedor leva tudo”. Essa multiplicidade de interesses se dá, em grande parte, em
função da complexidade do problema a ser solucionado por meio desse processo. A questão
enfrentada potencialmente afeta a esfera jurídica de incontáveis indivíduos e demanda solução
escalonada em etapas, mediante a conjunção de diversos esforços.
As circunstâncias apresentadas podem estar presentes tanto quando na diante da tutela de
direitos coletivos propriamente dita, como também na tutela coletiva de direitos.63 O Processo
Estrutural é uma solução que não é pensada exclusivamente para uma ou para outra tutela, mas
para as circunstâncias elencadas. Conclui-se, portanto, que o Processo Estrutural é uma resposta
que doutrina e jurisprudência apresentam para responder aos problemas com os quais deparam-
se tanto a tutela de direitos coletivos como a tutela coletiva de direitos no Brasil.
62
ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais. vol. 225/2013. p. 393.
63 Há que se recordar aqui também, importante lição de Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, sobre direitos
subjetivos que só podem ser tratados em conjunto por atingir a esfera jurídica de outros indivíduos. São o que os
autores denominam de direitos pseudoindividuais. - GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos; Projeto de Lei n. 8058/2014 – Considerações Gerais e Proposta de
Substitutivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). p.
630.
29
A Constituição de 1988 refere que todos têm direito ao devido processo legal (art. 5º,
inciso LIV, CF), recepcionando a expressão due process of law do direito anglo-americano64.
Essa expressão aparece pela primeira vez, segundo leciona Sérgio Mattos, no capítulo 3º do 28º
Estatuto de Eduardo III, de 1354, remontando suas origens à Magna Carta inglesa de 1215
(cláusula n. 39)65.
O devido processo legal constitui um direito subjetivo, especificamente um direito
subjetivo ao “devido processo legal como um todo”66. Isso quer dizer que o devido processo
legal é um conjunto de direitos – como, por exemplo, o direito ao contraditório e à ampla defesa
(art. 5º, inciso LV, CF).
É muito comum ligar o devido processo legal à observância das normas processuais
previstas pela Constituição (art. 1º, CPC) e pelo legislador (art. 8º, CPC). Contudo, como fruto
da sua expansividade, variabilidade e perfectibilidade 67 , o devido processo legal pode se
diferenciar para se adaptar às necessidades dos litígios que esse visa a instrumentalizar.
É aqui que reside a principal diferença do devido processo legal individual para o devido
processo legal estrutural. Enquanto o devido processo legal individual está mais ligado à
legalidade (por exemplo, com respeito ao princípio da demanda e ao princípio da estabilidade
do processo), o devido processo legal estrutural está mais aberto à construção de soluções pelo
juiz e pelas partes para a especificade do direito material e que evolua com a evolução do
64 Nesta monografia adotamos a ideia de que o devido processo legal deve ser entendido apenas como um princípio
processual (conforme MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel, Curso de Direito Constitucional, 7.
Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 798, em coautoria com SARLET, Ingo; ÁVILA, Humberto, “O que é Devido
Processo Legal?”, Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, n. 163). Para um debate a respeito
do tema, defendendo a utilidade da cláusula do devido processo legal substancial, com ampla pesquisa no direito
americano, MATTOS, Sérgio, Devido Processo Legal e Proteção de Direitos. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009.
65 MATTOS, Sérgio, Devido Processo Legal e Proteção de Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009,
p. 17.
66 Sérgio Mattos, Devido Processo Legal e Proteção de Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.
155.
67 Como observam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, com apoio nas lições de Italo Andolina e
Giuseppe Vignera, Curso de Direito Constitucional, 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 799, em coautoria com
Ingo Sarlet, “o direito ao processo justo é um modelo mínimo de conformação do processo. Com rastro fundo na
história e desconhecendo cada vez mais fronteiras, o direito ao processo justo é reconhecido pela doutrina como
um modelo em expansão (tem o condão de conformar a atuação do legislador infraconstitucional – e não é por
outra razão que o art. 1º do CPC de 2015 sintomaticamente refere que o processo civil será ‘ordenado, disciplinado
e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República’),
variável (pode assumir formas diversas, moldando-se às exigências do direito material e do caso concreto) e
perfectibilizável (passível de aperfeiçoamento pelo legislador infraconstitucional)”.
30
tratamento da causa em juízo (por exemplo, a variação das medidas executivas e a própria
alteração ao longo do procedimento das providências que devem ser tomadas para bem tutelar
os direitos). Dada as especifidades do processo estrutural, que serão a seguir exploradas, essa
sua maior abertura a soluções adaptadas para o caso concreto é inclusive maior do que aquelas
praticadas no processo coletivo em geral (por exemplo, a menor rigidez do objeto do processo).
Isso não quer dizer, portanto, que a cláusula do devido processo legal não se aplique aos
processos estruturais. Essa se aplica, apenas atuando de forma diferente diante das
especifidades dos litígios estruturais complexos que dão lugar aos processo estruturais. Essa
conclusão é possível justamente pela “variabilidade” 68 que caracteriza o direito ao devido
processo legal.
Não obstante a inexistência de consenso sobre sua definição, o Processo Estrutural tem
algumas características que são fundamentais, em vista da necessidade de adequação do
processo às peculiaridades da tutela de interesses multipolares complexos. Isso porque, como
já demonstrado, a necessidade de se pensar nas strcutural injunctions surgiu da compreensão
de que o processo tradicional era demasiado rígido para atender às vicissitudes desses conflitos,
que demandam ainda maior adequação ao caso concreto que o processo coletivo tradicional,
por exemplo. Corrobora com essa afirmação o provocante título atribuído por Abram Chayes
ao capítulo de seu ensaio que versa sobre as características do processo para tutelar conflitos
não-bipolares: O Triunfo da Equity. 69 As características que, embora individualmente não
suficientes, em conjunto diferenciam o Processo Estrutural dos processos individual e coletivo
tradicionais, podem ser resumidas em:
Envolver conflitos multipolares complexos: talvez a característica mais importante dos
processos estruturais seja a multiplicidade de interesses envolvidos sobre o objeto do litígio.70
Contrapondo-se ao que a doutrina denomina como modelo bipolar, o Processo Estrutural não
trabalha com a lógica da contraposição de dois interesses diametralmente opostos, mas sim,
com a formação de diversos núcleos de posições e opiniões. A relação processual se desenvolve
68 Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, com apoio nas lições de Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Curso
de Direito Constitucional, 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 799, em coautoria com Ingo Sarlet.
69 “The Triumph of Equity”. - CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law
ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017.
Cap. 13. p. 423/424.
31
71
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 481; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo Multipolar, Participação e Representação de Interesses Concorrentes. In: ARENHART, Sérgio Cruz;
JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 13. p. 424.
72
ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Multipolar, Participação e Representação de Interesses Concorrentes. In:
ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017.
Cap. 13. p. 424. Nota de rodapé n. 5.
32
73 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 480.
74 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 480/481.
75 “Instead of a dispute retrospectively oriented toward the consequences of a closed set of events, the court has a
controversy about future probabilities”. - CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation.
Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio, 1976), p. 1292.
33
efeitos, impactos, custos, problemas que podem gerar, dentre outros fatores. Significa dizer que
o conjunto dos atos processuais é, em quase sua totalidade, orientado para o futuro, visando o
desenvolvimento de verdadeiro “programa” que contenha consequências futuras que
acomodem os múltiplos interesses envolvidos.76
Flexibilização Procedimental. Ainda que se trabalhe com probabilidade dos eventos
futuros, no decorrer de um Processo Estrutural podem ocorrer diversas situações que não são
passíveis de previsão. Ao longo do desenvolvimento do processo não é incomum o
descobrimento de novas informações, alterações no estado de coisas, redimensionamento do
conflito, em síntese, eventos que não podem ser previstos em um momento inicial do processo.
Muitas vezes, ao ingressar com demanda estrutural, a parte autora não tem condições de
apresentar o problema de fundo com profundidade e dimensão adequadas. Do mesmo modo,
pode ocorrer de que no início da demanda não se consiga estabelecer quais são os diversos
núcleos de interesses envolvidos no conflito. Assim como ocorreu no caso Mendoza77, a real
extensão do problema foi sendo descoberta paulatinamente nas fases de cognição e execução
do processo. Por essa razão, a especial variação do direito material debatido em juízo em um
Processo Estrutural, acarreta a necessidade de uma adequação maior e mais constante do
processo ao litígio. O Processo Estrutural é tipicamente organizado em uma sequência de
etapas, de tal sorte que a anterior é necessária e determinante para a seguinte, e assim por diante,
no que Sérgio Cruz Arenhart denomina de provimentos em cascata.78 Referida estrutura requer
grande flexibilização procedimental, que demais modalidades de processo não lograram êxito
em alcançar.
Ainda que o processo individual tradicional e o processo coletivo prevejam, em alguma
medida, alguma forma de flexibilização do procedimento, são processos fortemente marcados
pela rigidez 79 . Possuem fases delimitadas, são marcados por preclusões e, na prática, são
76 “The liability determination is not simply a pronouncemente of the legal consequences of past events, but to
some extent a prediction of what is likely to be in the future. And relief is not a terminal, compensatory transfer,
but an effort to devise a program to contain future consequences in a way that accommodates the range of interests
involved.” - CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N.
7 (Maio, 1976), p. 1294.
77
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de La Nación. Mendoza, Beatriz Silvya y Otros, C/ Estado
Nacional y Otros S/ Daños y Perjuicios (daños Derivados de La Contaminación Ambiental del Río Matanza
- Riachuelo nº M. 1569. XL. ORI. Buenos Aires, 2008. Disponível em:
<https://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/documentos/verDocumentoByIdLinksJSP.html?idDocumento=647639
1&cache=1536770343506>. Acesso em: set. 2018.
78
ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais. vol. 225/2013. p. 395.
79 Adota-se aqui, o conceito de processo rígido explorado por Paulo Mendes de Oliveira em sua tese de doutorado:
“Entende-se por um processo rígido aquele que foi desenhado previamente pelo legislador, estando as partes e o
juiz interditados de nele interferir. Os sujeitos processuais estão submetidos ao trâmite previsto em lei, ainda que
entendam que eventuais características do caso concreto recomendem um tratamento diversos para uma prestação
34
regidos por uma mesma lógica, incompatível com as vicissitudes dos conflitos multipolares
complexos.
Não se ignora que o Código de Processo Civil de 2015 tenha realizado inegáveis
avanços no que tange à flexibilização do procedimento em comparação ao Código de Processo
Civil de 1973.80 Porém, como a doutrina expõe, a flexibilização que foi consagrada na redação
final do projeto de lei que resultou no CPC de 2015 é, em quase sua totalidade, apenas a
convencional. Nesse sentido, Paulo Lucon, entende que uma das grandes respostas para
flexibilização necessária aos Processos Estruturais no Brasil é por meio dos negócios jurídicos
processuais.81
Efetivamente, os negócios jurídicos processuais são ferramentas muito bem-vindas com
o advento do CPC/15 e podem contribuir com o desenvolvimento dos Processos Estruturais.
Contudo, ao falar em flexibilização procedimento no âmbito dos Processos Estruturais,
percebe-se que essa está muito mais ligada à flexibilização judicial, no sentido de o julgador
adequar o procedimento previsto in abstracto às necessidades do concreto.82 Ademais, o caráter
difuso e indisponível de muitos dos direitos tipicamente tutelados no âmbito dos Processos
Estruturais, assim como os problemas relacionados à representatividade, recomendam que essa
flexibilização não seja deixada exclusivamente a encargo das partes.83 É precisamente esse
aspecto da flexibilização procedimental que a redação final do Código de Processo Civil de
2015 deixou de desenvolver adequadamente.84 Por isso a necessidade de se pensar no direito a
um devido processo legal estrutural, marcado pela adequação do processo e ampla possibilidade
de flexibilização do procedimento diante das necessidades do caso concreto.
Abertura do princípio da demanda. Como visto, diversas razões fazem com que, em
uma demanda estrutural, seja muito difícil antever todos os pedidos e medidas necessárias para
jurisdicional adequada”- OLIVEIRA, Paulo Mendes de. Segurança Jurídica e Processo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2018. p. 29.
80 OLIVEIRA, Paulo Mendes de. Segurança Jurídica e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 311
e ss.
81 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fundamentos do Processo Estrutural. In: JAYME, Fernando Gonzaga;
MAIA, Renata Christiana Vieira; REZENDE, Esther Camila Gomes Norato; LANNA, Helena. (Org.). Inovações
e modificações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: DelRey. 2017, vol. 1. p. 11-20. Passim.
82 Sobre a necessidade da adoção de postura mais ativa do juiz na condução de processos envolvendo interesse
público, ver: CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89,
N. 7 (Maio, 1976), p. 1281-1316. Chama ainda maior atenção a posição do autor, considerando estar inserido na
tradição do Common Law, onde tradicionalmente atribui-se ao juiz postura mais passiva. O autor expõe, já na
década de 70, a necessidade de superação dessa concepção que qualifica como equivocada.
83 Sobre a importância da flexibilização judicial, conferir: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização
procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual, de acordo com as
recentes reformas do CPC. São Paulo: Atlas, 2008. Passim.
84 KOPLIN, Klaus. O Novo CPC e os Direitos Fundamentais Processuais: uma Visão Geral, com Destaque para o
Direito ao Contraditório. In: RUBIN, Fernando; REICHELT, Luís Alberto (Org.), Grandes Temas do Novo
Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 35; OLIVEIRA, Paulo Mendes de.
Segurança Jurídica e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 35.
35
85 ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista de Processo,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 225, p. 394.
86 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos direitos
individuais homogêneos. 2 ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. P. 187.
87 “O pedido, embora baseado num direito subjetivo, na verdade, só pode ser formulado coletivamente, pois só
pode afetar diretamente a todos. Trata-se de casos em que a relação do direito material, jurídica ou de fato é
unitária, e só pode ser resolvida de maneira igual para todos.”- ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais
no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo;
COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador:
Juspodivm, 2017. p. 630.
88 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos direitos
individuais homogêneos. 2 ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 187.
36
Quanto à segunda razão, o autor afirma que não é possível confundir imparcialidade
com neutralidade. Juiz imparcial é aquele que não está comprometido com alguma das partes.
Não é aquele que se mantém passivo no processo, como mero espectador.89
Cumpre por fim, salientar que Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti Jr. e Rafael Alexandria
de Oliveira utilizam a expressão “atenuação da regra da congruência objetiva externa”, para
designar a mesma característica.90
Amplitude na fase de execução. O processo estrutural não é marcado por fases bem
delimitadas de cognição e execução. Essas, ao longo do processos, irão se misturar por meio de
provimentos em cascatai, isto é, decisões escalonadas. Isso se dá, em grande parte, em virtude
da dificuldade, já constatada, de prever (seja na dedução dos pedidos iniciais, seja na prolação
da primeira decisão judicial) a real dimensão do conflito enfrentado e respectivas soluções.
Diante desse quadro, é muito comum no processo estrutural que a primeira decisão (ou sentença
de fundo) seja quase que principiológica, fixando apenas em linhas gerais o objetivo a ser
alcançado por meio do processo. Importantes decisões sobre as medidas a serem adotadas para
tanto serão tomadas concomitantemente com o cumprimento da sentença principal. Nesse
sentido, afirma Sérgio Cruz Arenhart:
89 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos direitos
individuais homogêneos. 2 ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 189.
90 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 361.
91 ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista de Processo,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 225, p. 394.
37
décadas. Por isso a necessidade de se pensar em uma fase de execução (se é que há uma fase
delimitada de execução) muito ampla nos processos estruturais.
Em síntese, é possível afirmar que as características essenciais do Processo Estrutural
são: i) seu caráter multipolar; ii) efeitos prospectivos; iii) flexibilização procedimental; iv)
abertura do princípio da demanda e v) amplitude na fase de execução.92
O campo típico do processo estrutural pode ser bem evidenciado pelo caso Mendoza,
julgado pela Suprema Corte da Nación Argentina. A sua análise também revela importantes
características dos litígios complexos e dos processos estuturais trabalhados pela doutrina
argentina, especialmente por Francisco Verbic, um dos principais expoentes do tema.
Francisco Verbic aponta que o caso Mendoza, Beatriz y ots. c/ Estado Nacional y ots. s/
Daños e Perjuicios93 é o exemplo mais importante sobre a experiência do uso de um remédio
estrutural na Argentina. De acordo com o autor, a estrutura e objeto da decisão proferida no
caso possui contornos típicos das estrutural injunctions do sistema estadunidense, o que lhe
confere um duplo interesse para a nossa pesquisa.
Em ensaio que se tornou clássico a respeito do tema94, Verbic salienta a importância de
notar que no caso houve a judicialização de uma problemática ambiental e social muito
profunda no país, notadamente aquela referente aos efeitos da contaminação da bacia
hidrográfica Matanza-Riachuelo, que abrange superfície total de 2.250km na Argentina. Trata-
se de área em que residem mais de 5 milhões de pessoas.
A demanda inicial foi promovida por um grupo de pessoas (que vivia nessa zona
contaminada) diretamente perante a Corte Suprema de Justicia de la Nación (CSJN) contra o
Estado Nacional, a província de Buenos Aires, a cidade de Buenos Aires e quarenta e quatro
92 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 475-492. Passim.
93
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de La Nación Argentina. Mendoza, Beatriz Silvya y Otros, C/
Estado Nacional y Otros S/ Daños y Perjuicios (daños Derivados de La Contaminación Ambiental del Río
Matanza - Riachuelo nº M. 1569. XL. ORI. Buenos Aires, 2008. Disponível em:
<https://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/documentos/verDocumentoByIdLinksJSP.html?idDocumento=647639
1&cache=1536770343506>. Acesso em set. 2018.
94
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 287-316.
38
95
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 289.
96
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 292.
97
ARGENTINA. Ley General del Ambiente n. 25.675. Art. 19: Toda persona tiene derecho a ser consultada y
opinar en procedimientos administrativos que se relacionem con la preservación y protección del ambiente, que
sean de incidencia general o particular, y de alcance general. Disponível em:
http://infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/75000-79999/79980/norma.htm. Acesso em nov. de 2018.
98
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 292.
39
fundamental para a interpretação e a aplicação do processo civil brasileiro em geral (art. 6º,
CPC)99.
Dentre as medidas instrutoras e ordenatórias tomadas pela Suprema Corte neste
momento inicial do processo, destacam-se: i) determinação para que as empresas demandadas
prestassem informações sobre diversos aspectos do caso; ii) determinação para que os entes
estatais demandados juntamente com o Conselho Federal de Meio Ambiente elaborassem plano
integrado que contemplasse as mais diversas atividades necessárias para solucionar o conflito;
iii) determinação de realização de audiência pública para que as partes apresentassem oralmente
o plano integrado e iv) oportunização à parte autora de complementação da petição inicial
mediante o aporte das informações faltantes, indicadas pela Corte na própria sentença.100
Outro recurso interessante do qual a Corte Argentina lançou mão foi a regulação ad hoc
do rito que as audiências públicas por ela designadas deveriam seguir101. Na parte indicial do
regramento, delimitou o objeto das audiências, vale dizer, as perguntas que ensejariam o debate
e fornecimento de informações. Após, estabeleceu o trâmite ao qual a audiência estaria sujeita,
com características como a apresentação de informações escritas antes da realização da
audiência e prerrogativa do Tribunal de formular perguntas e pedir explicações. Também
informou o número de assentos disponíveis na sala e a possibilidade de que fossem realizadas
novas audiências periodicamente102.
O regramento prévio, por meio de decisão judicial, do modo como as audiências
públicas viriam a ser desenvolvidas ao longo do processo é grande exemplo de adequação do
processo às especificidades do direito tutelado, às partes e aos interessados. A disponibilização
de informações escritas antes da realização da audiência permite que os magistrados tenham
desde já conhecimento mínimo acerca da matéria debatida e, consequentemente, estejam mais
99
Sobre o princípio da colaboração ou da cooperação, é de se destacar a importância fundamental dos trabalhos
de ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto, “Poderes do Juiz e Visão Cooperativa do Processo”, Revista da
Ajuris. Porto Alegre, 2003, n. 90; Id., Do Formalismo no Processo Civil - Proposta de um Formalismo-
Valorativo, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Ainda, MTIDIERO, Daniel, Colaboração no Processo Civil -
Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
100
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 292.
101
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 293.
102
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de La Nación Argentina. Mendoza, Beatriz Silvya y Otros, C/
Estado Nacional y Otros S/ Daños y Perjuicios (daños Derivados de La Contaminación Ambiental del Río
Matanza - Riachuelo nº M. 1569. XL. ORI. Buenos Aires, 2008. Disponível em:
<https://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/documentos/verDocumentoByIdLinksJSP.html?idDocumento=647639
1&cache=1536770343506>. Acesso em: 12 set. 2018.
40
preparados para a condução dos atos e formular pedidos de esclarecimento das questões que
não foram suficientemente demonstradas pelas partes. Por outro lado, ao informar com
antecedência sobre o número de assentos que a sala de audiências dispunha, permite que a
sociedade se organize de modo a garantir que o maior número de interessados esteja
representado na audiência.
Observa-se, assim, que o regramento previsto pela Corte Argentina no caso permitiu
significativo aperfeiçoamento da atividade de cognição judicial na busca pela verdade, tanto no
plano vertical como também horizontal.103 Em outras palavras, significa dizer que o simples
estabelecimento de regras prévias sobre o modo como o ato processual seria desenvolvido
(aqui, audiência pública) permitiu significativo aumento da atividade de cognição, tornando-se
mais exauriente e com maior amplitude.
No caso Mendoza, a eficiência promovida pelo regramento da primeira audiência
pública, fez com que o rito nele previsto fosse aplicado a todas as audiências subsequentes no
desenvolver do processo.
Além do mecanismo das audiências públicas, no caso Mendoza, a Suprema Corte
Argentina designou o Defensor Publico del Pueblo de la Nación para coordenar grupo
colegiado formado pelas organizações não governamentais que participaram do processo. As
atribuições do grupo colegiado consistiam em ouvir sugestões da população e lhes dar
encaminhamento, bem como receber informações e formular propostas concretas para o melhor
alcance dos objetivos traçados no programa a ser executado pela Autoridad de Cuenca
Matanza-Riachuelo (ACUMAR).
Francisco Verbic aponta que o desenvolvimento de mecanismos de participação da
população foi outra grande novidade que surgiu a partir do caso Mendoza, uma vez que, não
obstante existisse previsão de participação popular na Lei Geral do Meio Ambiente (Lei n.
25.675), essa se restringia ao âmbito da esfera administrativa, nada mencionando sobre a
possibilidade de influência no processo judicial.104
Nesse sentido, o artigo 19 da Lei Geral do Meio Ambiente argentina dispõe que “toda
pessoa tem direito de ser consultada e opinar em procedimentos administrativos que se
103 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000. p. 111.
104
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 302.
41
105
ARGENTINA. Ley General del Ambiente n. 25.675. Art. 19: Toda persona tiene derecho a ser consultada
y opinar en procedimientos administrativos que se relacionem con la preservación y protección del ambiente,
que sean de incidencia general o particular, y de alcance general. Disponível em:
http://infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/75000-79999/79980/norma.htm. Acesso em nov. de 2018.
106
ARENHART, Sérgio Cruz. “Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O
Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 480.
107 LIMA, Edilson Vitoreli Diniz. O Devido Processo Legal Coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015.
200p. Passim. Trata-se da versão comercial da tese de doutorado de Edilso Vitorelli intitulada Devido Processo
Legal Coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, defendida no ano de 2015,
sob orientação do Professor Luiz Guilherme Marinoni.
108
Sobre o tema, ver também: ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Multipolar, Participação e Representação
de Interesses Concorrentes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos
Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 13. p. 423-448.
109 ZANETI JR., Hermes. A Constitucionalização do Processo. 2. Ed. São Paulo: Atlas. 288p. Passim.
110
BERIZONCE. Roberto Omar. Los conflitos de interés público. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de
Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 269.
42
111
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 295/296.
112
ARGENTINA. Ley 26.168, de 15 de nov. de 2006. Disponível em:
<http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/verNorma.do?id=122769>. Acesso em nov. De 2018.
113
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 295.
43
organização acerca das obrigações concretas de cada um para a consecução do objetivo final.
Este é um dos maiores empecilhos para a efetividade das decisões 114 : permite que os
condenados se valham da discussão acerca de sua parcela de responsabilidade para protelar o
cumprimento da decisão ou, até mesmo, torná-lo inócuo pelo decurso do tempo. Nesse sentido,
a centralização das atividades em um ente interjurisdicional de direito público que congrega os
responsáveis pela realização do bem de vida como a ACUMAR possui grande potencial de
neutralizar o problema da falta de efetividade das decisões em sede de tutela coletiva e tutela
de direitos coletivos.
Ademais, a criação da ACUMAR também evidencia importante aspecto dos Processos
Estruturais e controle judicial de políticas públicas muitas vezes mal compreendido: o diálogo
institucional. Desde o surgimento da ideia das structural injunctions e da própria ênfase na
atuação do Poder Judiciário no âmbito do Direito Público, a crítica que insistentemente ecoam
os doutrinadores que lhes são contrários é a falta de legitimidade do Poder Judiciário, uma vez
que estaria invadindo a esfera privativa de competência dos outros órgãos de poder do
Estado115.
Contudo, ao assim procederem, ignoram que uma das principais características dos
processos estruturais é precisamente a viabilização do diálogo institucional quando esse não
ocorre espontaneamente na sociedade. A decisão não é imposta, mas reconstruída com a
participação de outros órgãos do Poder Estatal.
O diálogo institucional pode ser observado inclusive no próprio ato de criação da
ACUMAR: por meio de lei inegavelmente influenciada pela atuação do Poder Judiciário
direcionada à proteção do meio ambiente116. Conforme observado anteriormente, a ACUMAR
não surgiu por imposição do Poder Judiciário, mas por iniciativa de outros poderes estatais.
Ainda assim, foi essencial para a garantia da efetividade da decisão proferida no caso Mendoza.
Seja como for, a Corte Suprema de Justicia de la Nación, ao prolatar sentença no caso
Mendoza, condenou os demandados a uma série de medidas consideradas por ela como parte
de um mandado de cumprimento obrigatório pelos demandados, com fundamento na
114
Exemplo dado pela doutrina são as ações que envolvem o fornecimento de medicamentos, em que a discussão
acerca da parcela de responsabilidade da União, Estados e Municípios obstaculiza (e muitas vezes impede) a
obtenção de tutela efetiva e tempestiva, não obstante o reconhecimento do direito. Conferir: ARENHART, Sérgio
Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos direitos individuais homogêneos.
2 ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
115
Abram Chayes, em seu ensaio The role of the judge in public law litigation (1976), já ressaltava a existência
da crítica, ao afirmar: "One response to the positive law model of litigation would be to condemn it as an intolerable
hogde-pogde of legislative, administrative, executive, and judicial functions addressed to problems that are by
nature inappropriate foi judicial resolution." Op. Cit. p. 55.
116
Corrobora com esta afirmação interessante observação feita por Francisco Verbic em seu artigo El remedio
structural de la causa Mendoza, de que a lei que criou a ACUMAR foi editada menos de cinco meses depois da
primeira decisão proferida no caso Mendoza (Op. Cit. p. 295).
44
117
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 297.
118
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de La Nación Argentina. Mendoza, Beatriz Silvya y Otros, C/ Estado
Nacional y Otros S/ Daños y Perjuicios (daños Derivados de La Contaminación Ambiental del Río Matanza -
Riachuelo nº M. 1569. XL. ORI. Buenos Aires, 2008. Disponível em:
<https://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/documentos/verDocumentoByIdLinksJSP.html?idDocumento=647639
1&cache=1536770343506>. Acesso em: 12 set. 2018.
119
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 297.
120
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 298-300.
45
121
Aliás, técnica semelhante foi adotada no caso brasileiro conhecido como ACP do Carvão, mediante a criação
de endereço eletrônico vinculado ao site da Justiça Federal de Santa Catarina para informar a população acerca
das medidas que vêm sendo tomadas para a recuperação de área no entorno do Município de Criciúma degradada
pela atividade mineradora. A publicidade do caso também foi veiculada no endereço eletrônico do Ministério
Público Federal, que disponibilizou todos os relatórios técnicos de acompanhamento do cumprimento da decisão.
122
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 300.
46
mais importantes para garantir a efetividade das decisões estruturais 123 , encontra forte
resistência no Brasil e Argentina. Tanto é verdade que a cominação de multa ao Presidente da
ACUMAR foi o primeira decisão a ser impugnada no caso Mendoza, pela via de uma espécie
de embargos de declaração, os quais foram rejeitados pela Suprema Corte Argentina foi o
fundamento de inexistência dos pressupostos para sua oposição124.
O principal argumento utilizado por aqueles que rechaçam a ideia de responsabilidade
pessoal do agente público ante o não cumprimento de decisão judicial, consiste na
impossibilidade de cominar sanção a indivíduo que não figurou na relação jurídico-processual.
De passagem, importa salientar que Sérgio Cruz Arenhart, um dos grandes defensores da ideia
de cominação de multa ao agente público, procura responder a esse argumento afirmando que
“se a intenção da multa é vencer a vontade do renitente, ela só pode ter por sujeito passivo,
evidentemente, aquele que tem vontade. O Estado não tem, autonomamente, vontade, de modo
que jamais poderia ser o sujeito passivo dessa multa”.125
Aliás, semelhante entendimento já foi aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça
brasileiro no Recurso Especial n. 1399842/ES.126 A discussão travada em sede de mandado de
segurança versava sobre direito à saúde, mais precisamente, a garantia de realização de cirurgia
por meio do Sistema Único de Saúde. No caso, foi cominada multa diária no valor de R$
1.000,00, ao Secretário de Saúde do Estado do Espírito Santo (autoridade coatora), ante a
demora injustificada na realização do procedimento cirúrgico.
O Ministro Relator do caso, Ministro Sérgio Kukina, assevera que não obstante o
Secretário Estadual de Saúde não figure como parte material ou formal no mandado de
segurança, participa ativamente da relação jurídico-processual, na medida em que incumbe-lhe
prestar informações e dar efetivo cumprimento ao comando judicial. Afirma também que a
doutrina vem reconhecendo que o não atendimento de ordem judicial em processos onde ente
123
CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio,
1976), p. 1281-1316. Passim. FISS, Owen. To make the constitution a living truth: four lectures on the structural
injunctions. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador:
Juspodivm, 2017. Cap. 19. p. 583-608. Passim.
124
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes, principales características
y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su implementación”. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de
Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 304.
125
ARENHART, Sérgio Cruz. A doutrina brasileira da multa coercitiva: três questões ainda polêmicas. Revista
Forense, São Paulo, v. 104, n. 396, p. 233-255, mar./abr. 2008. Ver também: MARINONI, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT,
2015, p. 582.
126
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n.1399842/ES. Relator: KUKINA,
Sérgio. Publicado no DJe de 03/02/2015. Disponível em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201302794476&dt_publicacao=03/02/2015>.
Acesso em: nov. 2018.
47
público seja parte, muitas vezes decorre da vontade desviante do agente público que o
representa. Deste modo, considera juridicamente possível e adequada a cominação de multa
coercitiva ao gestor público.127
Ciente da necessidade de imediação entre o órgão jurisdicional e partes, bem como a
repartição de competências entre as instâncias do Poder Judiciário, a Suprema Corte Argentina
delegou a execução da sentença ao Juízo Federal de Primeira Instância de Quilmes. O juízo de
primeiro grau também ficou encarregado de fixar o valor das multas diárias em caso de
descumprimento do programa. Ainda mais importante, foi delegada ao primeiro grau a
competência exclusiva para a revisão judicial das decisões tomadas pela ACUMAR128.
De acordo com Francisco Verbic, a delegação de competências ao juízo de primeiro
grau foi um dos aspectos mais inovadores do caso, diretamente influenciado pelo direito
comparado. Isso porque, de acordo com o autor, a medida muito se assemelha com a figura dos
officers of the Court (oficiais da Corte) dos Estados Unidos129.
Reportando-se às lições de Michele Taruffo130, Verbic explica em linhas gerais, que os
officers of the Court dos tribunais norte-americanos têm como objetivo principal controlar e
assegurar pessoalmente o cumprimento da sentença. Não obstante significativa independência
127
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA À PRÓPRIA
AUTORIDADE COATORA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 461, §§ 4º e 5º DO
CPC. RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DESPROVIDO. 1. É pacífica, no STJ, a possibilidade de aplicação,
em mandado de segurança, da multa diária ou por tempo de atraso prevista no art.461, §§ 4º e 5º do CPC.
Precedentes. 2. Inexiste óbice, por outro lado, a que as astreintes possam também recair sobre a autoridade coatora
recalcitrante que, sem justo motivo, cause embaraço ou deixe de dar cumprimento a decisão judicial proferida no
curso da ação mandamental. 3. Parte sui generis na ação de segurança, a autoridade impetrada, que se revele
refratária ao cumprimento dos comandos judiciais nela exarados, sujeita-se, não apenas às reprimendas da Lei nº
12.016/09 (art. 26), mas também aos mecanismos punitivos e coercitivos elencados no Código de Processo Civil
(hipóteses dos arts. 14 e 461, §§ 4º e 5º). 4. Como refere a doutrina, "a desobediência injustificada de uma ordem
judicial é um ato pessoal e desrespeitoso do administrador público; não está ele, em assim se comportando, agindo
em nome do órgão estatal, mas sim, em nome próprio" (VARGAS, Jorge de Oliveira.As conseqüências da
desobediência da ordem do juiz cível. Curitiba: Juruá, 2001, p. 125), por isso que, se "a pessoa jurídica exterioriza
a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for
imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional" (MARINONI, Luiz Guilherme.
Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 662). 5. Recurso especial a que se nega
provimento. (REsp 1399842/ES, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014,
DJe 03/02/2015)
128
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 300.
129
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 300/301.
130
TARUFFO, Michele. L’attuazione essecutiva dei diritti: profili comparatistici. Rivista trimestale di
diritto e procedura civile. 1988. p. 142-178. Há tradução para o português realizada por Daniel Mitidiero em:
TARUFFO, Michele. A Atuação Executiva dos Direitos: Perfis Comparados. In: Processo Civil Comparado -
Ensaios, apresentação, organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013.
48
131
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 301.
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VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 309.
133
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 310.
49
lógica dos processos estruturais (veja-se, por exemplo, o caso Verbitsky, anterior ao caso
Mendoza), a sua completude faz com que seja considerado, até hoje, um dos mais importantes
exemplos de Processo Estrutural.
Com base no exposto até o momento, é possível concluir que a adoção da ideia de
Processo Estrutural no Brasil decorre diretamente da Constituição Federal, mais precisamente,
do direito ao devido processo legal (entendido aqui como processo justo), que tem como um de
seus desdobramentos também o direito ao devido processo legal estrutural. Esse último, nada
mais é do que necessidade de adequação ainda maior do processo às especificidades dos litígios
multipolares complexos, feito não atingido por meio do processo individual e processo coletivo
brasileiros.
Não obstante, a doutrina aponta disposições do Código de Processo Civil de 2015134
que reforçam a possibilidade de adoção dos Processos Estruturais no país. São elas: i)
interpretação do pedido de acordo com o direito postulado135 – art. 322, § 2°136; ii) interpretação
da decisão em razão do conjunto da postulação e da boa fé137 – art. 489, § 3° 138; iii) decisão
judicial ajusta à realidade dos fatos139 – art. 493.140 ; iv) estímulo às soluções consensuais141 -
134
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em out. 2018.
135 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 362.
136“Art. 322. O pedido deve ser certo. (...) § 2o A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 362.
138 “Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...). § 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 362.
140
“Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito
influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no
momento de proferir a decisão.”
141 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 363; ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito
Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA,
Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador:
Juspodivm, 2017. p. 488.
50
art. 3°, § 3°142 e art. 515, § 2°143; v) cláusulas gerais executivas (atipicidade dos meios de
execução)144 - art. 139, IV145 e art. 536, § 1°146; vi) amicus curiae147 – art. 138148; vii) negócios
jurídicos processuais149 – art. 190150.
Ainda no plano infraconstitucional, só que fora do âmbito exclusivo do processo
civil, a doutrina aponta outras duas leis às quais atribui forte carga estrutural 151 : a Lei de
Falências (Lei n. 11.101/05), ao prever, por exemplo, a possibilidade do juiz determinar as
diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas152; e também a
142
Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. (...). § 3o A conciliação, a
mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
143
“Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos
neste Título: (...) § 2o A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação
jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.”
144 JOBIM, Marco Félix. A previsão das medidas estruturantes no artigo 139, IV, do Novo Código de Processo
Civil Brasileiro. In: Repercussões do novo CPC – processo coletivo. ZANETI JR., Hermes (Coord.). Salvador:
Editora Juspodivm, 2016, p. 230-232. Ver também: DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes;
OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM,
Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 363.
145
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV -
determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.”
146
“Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer,
o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo
resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1o Para atender ao
disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a
remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso
necessário, requisitar o auxílio de força policial.”
147
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fundamentos do Processo Estrutural. In: JAYME, Fernando Gonzaga;
MAIA, Renata Christiana Vieira; REZENDE, Esther Camila Gomes Norato; LANNA, Helena. (Org.). Inovações
e modificações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: DelRey. 2017, vol. 1. p. 5.
148
“Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da
demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das
partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão
ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.”
149 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fundamentos do Processo Estrutural. In: JAYME, Fernando Gonzaga;
MAIA, Renata Christiana Vieira; REZENDE, Esther Camila Gomes Norato; LANNA, Helena. (Org.). Inovações
e modificações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: DelRey. 2017, vol. 1. p. 10. – Foi o único autor
identificado defendendo este artigo do CPC/15 como fundamento para a utilização dos Processos Estruturais no
Brasil.
150
“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os
seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.”
151 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 358.
152 Art. 99., inc. VII, da Lei 11.101/05. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
Lei do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Lei n. 12.259/11)153 que permite, dentre
outras prerrogativas, a efetivação das decisões do CADE mediante intervenção na empresa.154
Especificamente em relação ao controle judicial de políticas públicas, há, atualmente no
Brasil, importante proposta legislativa para regular a atuação do Poder Juciário nesse
âmbito.Trata-se do Projeto de Lei n. 8058/2014155, de autoria do Deputado Paulo Teixeira e
com redação original feita por Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Paulo Henrique dos
Santos Lucon. No lugar de “Processo Estrutural”, os autores do projeto de lei utilizam a
expressão “Processo para conflitos de interesse público”. Não obstante, diversas das
características dos processos estruturais podem ser ali observadas.
O objetivo principal do projeto consiste em fixar princípios e limites aplicáveis ao
Processo para conflitos de interesse público, delineados pela jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça.156 Em seu art. 3° (2° da redação original), refere que o processo coletivo é
a via adequada para a tutela desses interesses e, ressalvadas as hipóteses de cabimento de ações
constitucionais, devem tramitar perante a justiça ordinária. 157 Demais artigos delineiam
procedimento a ser adotado, com participação do Ministério Público, elaboração de
cronogramas e programas de execução e diversas outras disposições características dos
processos estruturais.
Na data de encerramento deste trabalho (03/12/18), o Projeto de Lei encontrava-se na
Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, desde 11/04/2018.158 A última
ocorrência registrada no processo legislativo foi a realização de audiência pública organizada
pela Comissão de Finanças no dia 03/07/2018.159
O projeto é uma grande iniciativa, influenciada pela doutrina de, ao mesmo tempo,
consolidação de um procedimento adequado para o controle judicial de políticas públicas e
fixação dos limites do Poder Judiciário ao atuar nesse âmbito. Contudo, em que pese a inegável
153 ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista de
Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 225, p. 397.
154 Art. 96, Lei 12.259/11. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Lei/L12529.htm. Acesso em nov. de 2018.
155 Projeto de Lei n. 8058/2014. Disponível em:
https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=687758. Acesso em dez. de 2018.
156 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Projeto de Lei n.
8058/2014- Considerações Gerais e Proposta de Substitutivo. In: COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O
Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 475-492.
157Art. 3° - É competente para o controle judicial de políticas públicas a justiça ordinária, estadual ou federal, por
intermédio de ação coletiva proposta por legitimado estabelecido pela legislação pertinente, ressalvadas as
hipóteses de cabimento de ações constitucionais. Parágrafo Único: Para a implementação ou correção de política
pública é admissível qualquer espécie de ação ou provimento.
158 https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=687758. Acesso em dez. de
2018.
159 http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/559791-FINANCAS-E-
TRIBUTACAO-DEBATE-PROCESSO-ESPECIAL-PARA-INTERVENCAO-DO-JUDICIARIO-EM-
POLITICAS-PUBLICAS.html. Acesso em dez. de 2018.
52
importância de sua aprovação e inclusão na legislação pátria, a Lei servirá como auxílio e
racionalização da aplicação dos processos estruturais no Brasil, mas não seu fundamento de
validade.
A despeito da reconstrução, por parte da doutrina, de uma base normativa para
fundamentar a adoção dos processos estruturais no Brasil, é de suma importância a constatação
de que, assim como nos Estados Unidos e na Argentina, as ferramentas dos Processos
Estruturais foram introduzidas no Brasil por meio da atuação judicial. Foram os magistrados
brasileiros e membros do Ministério Público que, cientes das limitações do processo civil
tradicional brasileiro, passaram a adotar medidas e procedimentos que muito se aproximam da
ideia de Processo Estrutural.
Mais de uma década antes do advento do Código de Processo Civil de 2015, já havia,
no Brasil, demandas judiciais que, não obstante não haverem adotado o termo Processo
Estrutural, desenvolveram-se de acordo com algumas suas características. A doutrina aponta
como um dos mais emblemáticos, o caso que ficou conhecido como Ação Civil Pública do
Carvão (ACP do Carvão).160
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada no ano de 1993161 , pelo Ministério Público
Federal de Santa Catarina, perante a Justiça Federal de Criciúma, por meio da qual postulou a
criação e implementação de plano de recuperação de áreas degradadas pela mineração nos
arredores do Município de Criciúma. No polo passivo havia, inicialmente, 24 réus: a União e
empresas mineradoras. A sentença de fundo, prolatada no ano 2000, determinou que os réus
apresentassem plano de recuperação da área degradada, contemplando os itens indicados na
decisão. Assim como no caso Mendoza, na ACP do Carvão os réus foram condenados a elaborar
e apresentar ao juízo plano de recuperação ambiental. 162
Para efetivar a decisão, foram impostas medidas coercitivas e medidas de sub-rogação.
Por fim, a decisão também determinou que o Ministério Público Federal deveria opinar sobre
o plano de recuperação que seria apresentado pelos réus. A decisão transitou em julgado no ano
de 2014 (11 anos depois do ajuizamento da demanda).
160
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 475-492.
161 Ação Civil Pública n. 93.8000533-4. Disponível em:
https://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?txtOrigemPesquisa=1&selForma=NU&txtValor=9380005334&sel
Origem=SC&acao=consulta_processual_valida_pesquisa. Acesso em nov. de 2018.
162 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 482.
53
163
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 486.
164
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 490.
54
Ainda que não tenha adotado a expressão “Processo Estrutural”, o modo como o caso
conhecido como ACP do Carvão se desenvolveu apresenta características que são próprias do
Processo Estrutural.
Assim como no caso Mendoza, na ACP do Carvão pode ser constatada postura
consciente de autocontenção dos magistrados ao determinarem, em um primeiro momento,
apenas objetivo a ser alcançado (a recuperação ambiental de área degradada pela ação humana).
Aos demandados, ficou a possibilidade de escolha sobre os meios empregados para a
consecução dos objetivos. Apenas diante da inércia dos réus ou apresentação de planos em
desconformidade com dados objetivos sobre a realidade, que adotaram postura mais ativa ao
concretizar suas determinações.
A ACP do Carvão também foi marcada por ampla participação e possibilidade de
influência de diversos núcleos de interesse, seja mediante a realização de audiências públicas,
oitiva de amicus curiae ou assessoramento técnico ao juízo. Importante destacar também a
prospectividade presente no caso: os planos de recuperação tem execução prevista até o ano de
2020. Presentes essas características, é possível concluir que a ACP do Carvão é exemplo de
uma das primeiras vezes (talvez a primeira) em que a lógica do Processo Estrutural foi aplicado
no Brasil.
Por sua vez, Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti Jr. e Rafael Alexandria de Oliveira165
indicam que o caso conhecido como Raposa Serra do Sol166 também adotou ferramentas típicas
dos processos estruturais, ainda que de maneira não tão ostensiva como ocorreu na ACP do
Carvão. No caso, o Supremo Tribunal Federal fixou condições para a demarcação como área
indígena de extensão de terra conhecida como Raposa Serra do Sol. A área foi demarcada pelo
Ministério da Justiça, através da Portaria No 820/98, modificada pela Portaria 534/2005.A
demarcação foi homologada por decreto da Presidência da República, em 15 de abril de 2005.
Não obstante, foi o Supremo Tribunal Federal que fixou diversos requisitos para o exercício
dos direitos dos indígenas sobre a terra.167
165 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 359.
166 Petição n. 3.388/RR. Julgada em 19.03.09. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630133. Acesso em: nov. de 2018/
167
“1 – O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado
de maneira genérica sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6o, da Constituição Federal) o
interesse público da União na forma de Lei Complementar; 2 – O usufruto dos índios não abrange a exploração
de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional; 3 –
O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de
autorização do Congresso Nacional; 4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação,
dependendo—se o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira; 5 – O usufruto dos índios fica condicionado
55
ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais
intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho
estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da
Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades
indígenas envolvidas e à Funai; 6 – A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no
âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas
envolvidas e à Funai; 7 – O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos
públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de
serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação; 8 – O usufruto dos índios na área afetada
por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e
extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de
conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; 9
– O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade
de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, em
caráter apenas opinativo, levando em conta as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar
com a consultoria da Funai; 10 – O trânsito de visitantes e pesquisadores não—índios deve ser admitido na área
afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pela administração; 11 – Deve ser
admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não—índios no restante da área da terra indígena, observadas
as condições estabelecidas pela Funai; 12 – O ingresso, trânsito e a permanência de não—índios não pode ser
objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
13 – A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca
da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros
equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação
ou não; 14 – As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico,
que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas; 15 – É vedada, nas
terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca
ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa; 16 — Os bens do patrimônio indígena, isto
é, as terras pertencentes ao domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas
naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo
3o, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo
a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros; 17 – É vedada a ampliação da terra
indígena já demarcada; 18 – Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são
inalienáveis e indisponíveis”. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612760. Acesso em dez. de 2018..
56
Estruturais. Semelhante enfoque também é visto na tese de doutorado de Marco Félix Jobim168
que, ao tratar das medidas estruturantes, parte do prisma da atuação do STF.
Contudo, ainda que a Corte Suprema delineie, em linhas gerais, o procedimento a ser
adotado nos processos estruturais (seja em abstrato como ad hoc, como ocorreu no caso
Mendoza), a grande maioria dos atos neste tipo de processo está concentrado nas instâncias
inferiores, vale dizer, na primeira instância. Isso porque, há grande necessidade de imediação
do julgador com as partes, com os interessados, maior proximidade com o local do conflito,
coisas que estão fora do alcance de uma Corte Suprema. O Processo Estrutural gira, em grande
parte, em fatos que constantemente estão mudando ao longo do processo.
Evidentemente, uma Corte Suprema, além de não ter condições de fazer esse
acompanhamento, sequer tem por função fazê-lo.169O argumento histórico corrobora com a
afirmação. Basta observar que embora as structural injunctions tenham surgido nos Estados
Unidos a partir da decisão proferida no caso Brown pela Supreme Court, na realidade, tiveram
seu desenvolvimento a partir da atuação dos magistrados que tiveram o desafio de implementar
a decisão proferida pela Suprema Corte. Em outras palavras, tiveram seu desenvolvimento nas
instâncias inferiores.
De todo modo, ainda que a instância central da atuação jurisdicional em um processo
estrutural ser a de origem, espera-se, com grande entusiasmo, que o Supremo Tribunal Federal
brasileiro forme precedente sobre núcleos de significado mínimos relacionados aos processos
estruturais. O delineamento mínimo do procedimento a ser adotado, além de conferir
previsibilidade, segurança jurídica e não deixe dúvidas sobre a adoção dos processos estruturais
no Brasil também liga-se a importante conclusão feita por Francisco Verbic: de que dificilmente
outra “instância” do Poder Judiciário teria poder suficiente para delinear e exigir cumprimento
das decisões estruturais.170
O fato da maior parte do Processo Estrutural ocorrer perante a primeira instância
também gera importante impacto no âmbito da pesquisa: a dificuldade de localizar processos
que apresentem essas características e realizar seu monitoramento. O gigantesco número de
processos atualmente em tramitação no Brasil, em sua grande maioria nas instâncias inferiores,
168 JOBIM, Marco. Medidas Estruturantes: Da Suprema Corte Estadunidense ao Supremo Tribunal Federal. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 238p.
169 Sobre a função das Cortes Supremas, extensamente: MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes
Supremas: Do Controle à Interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2°
Ed. 2014. 144p.
170
VERBIC, Francisco. El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes, principales características
y algunas custiones planteadas durante los primeros tres años de su implementación.In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de Conflitos
de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 313.
57
171 BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Caso Mariana – Linha do Tempo. Disponível em:
http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/atuacao-do-mpf/linha-do-tempo/linha-do-tempo. Acessoem
dez de 2018.
172 BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Caso Mariana – Linha do Tempo. Disponível em:
http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/atuacao-do-mpf/linha-do-tempo/linha-do-tempo. Acessoem
dez de 2018.
173BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Para o cidadão. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/para-
CONCLUSÃO
REFÊRENCIAS
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