Monografia PROCESSOS ESTRUTURAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO E PROCESSO CIVIL

VICTÓRIA FRANCO PASQUALOTTO

PROCESSOS ESTRUTURAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

PORTO ALEGRE
2018
VICTÓRIA FRANCO PASQUALOTTO

PROCESSOS ESTRUTURAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

Monografia de conclusão de curso apresentada


na Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul como requisito
parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Ciências Jurídicas e Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Klaus Cohen Koplin

Porto Alegre
2018
VICTÓRIA FRANCO PASQUALOTTO

PROCESSOS ESTRUTURAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

Monografia de conclusão de curso apresentada


na Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul como requisito
parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Ciências Jurídicas e Sociais.

Aprovada em 11 de dezembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________
Prof. Dr. Klaus Cohen Koplin
Orientador

_______________________________________________________
Prof. Dr. Arthur Thompsen Carpes

_______________________________________________________
Aos meus pais, que nasceram de novo
durante a elaboração deste trabalho.
AGRADECIMENTOS

Este trabalho marca a conclusão de etapa muito importante de minha vida, de grandes
aprendizados e desenvolvimento, pessoal e profissional. Isso foi possível graças ao suporte de
várias pessoas que estiveram ao meu lado nesses últimos cinco anos e também fazem parte
desta trajetória.
Agradeço aos Professores de Processo Civil da Faculdade de Direito da UFRGS por
terem despertado em mim o interesse pela área e muito contribuído em minha formação
acadêmica. Em especial, agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Klaus Cohen Koplin, pelo
incentivo à pesquisa, pelas recomendações, correções atentas, indicações de bibliografia, por
sempre se mostrar prestativo, pelo exemplo de profissional e pessoa.
Agradeço ao meu chefe no Ministério Público Federal, Prof. Dr. Sérgio Cruz Arenhart,
que me apresentou a temática dos Processos Estruturais, especialmente sob a perspectiva do
procedimento, abordagem pouco explorada no direito brasileiro. Suas obras tiveram grande
influência neste trabalho.
Agradeço aos meus pais e a minha irmã, grandes apoiadores deste trabalho, que se
desenvolveu em um período difícil de nossas vidas. A força de vontade e coragem de vocês é
motivo de muito orgulho e inspiração. Este trabalho é dedicado a vocês.
Agradeço a meu namorado, Daniel, que esteve ao meu lado em todos os momentos desse
processo. Obrigada pelo apoio incondicional, amor, respeito e admiração mútuos. É uma grande
alegria compartilhar a vida com alguém tão especial.
Agradeço também a todos os familiares e amigos que fizeram parte deste ciclo de cinco
anos, tornando-o muito mais feliz. Agradeço, por fim, a Deus, por todas as oportunidades que
tem me dado, dentre elas, a realização deste sonho.
The principles announced in that decision and
the obedience of the States to them, according
to the command of the Constitution, are
indispensable for the protection of the freedoms
guaranteed by our fundamental charter for all
of us. Our constitutional ideal of equal justice
under law is thus made a living truth.

Supreme Court of The United States, Cooper v. Aaron,


358 U.S. 1 (1958), em referência à decisão proferida em
Brown v. Board of Education of Topeka (1954).
RESUMO

Este trabalho pretende esclarecer como surgiu a ideia de Processo Estrutural no Direito
Processual Civil, do direito comparado ao brasileiro. É realizada breve digressão histórica sobre
modo como o Direito Processual Civil se desenvolveu à luz da evolução dos direitos que são
tutelados por meio dele. A consciência do descompasso dessa relação, diante do
reconhecimento da existência de interesses multipolares e conflitos complexos, foi o contexto
de desenvolvimento do Processo Estrutural. Esse, ocorreu a partir da década de 50 nos Estados
Unidos, mas apenas no início do século XXI no Brasil. Catalogam-se as diferentes expressões
utilizadas para denominar este novo processo, adotando-se, simplesmente, “Processo
Estrutural”. São constatadas dificuldades na elaboração de um conceito, de modo que o estudo
fica centrado em suas características fundamentais. Dentre elas, é possível identificar i) seu
caráter multipolar; ii) efeitos prospectivos; iii) flexibilização procedimental; iv) abertura do
princípio da demanda e v) amplitude na fase de execução. Sua aptidão e importância enquanto
meio adequado de tutela jurisdicional dos conflitos multipolares complexos, na prática, é
evidenciada a partir do caso Mendoza, na Argentina. A doutrina aponta dispositivos do CPC/15
que podem servir de amparo para a consagração do Processo Estrutural no ordenamento
brasileiro. Há também, um projeto de lei que pode ajudar na tarefa. Contudo, entende-se que a
verdadeira internalização da ideia de Processo Estrutural no país já está ocorrendo por meio da
atuação do Poder Judiciário.

Palavras-chave: Processo Estrutural – Tutela Coletiva - Conflitos Multipolares Complexos –


Controle judicial de políticas públicas. – Devido Processo Legal
ABSTRACT

The present study intends to show who the idea of Structural Injunction emerged first in
comparative law, then in Brazil. It is made a short analysis about how Procedural Law evolved
due to the evolution of Civil Rights. The awareness of a mismatch in the evolution of both
Procedural Law and Civil Rights was the background for the development of the Structural
Injunction. It arose in the United States in the 50’s but only in the beginning of the 21st century
in Brazil. The different expressions used to identify this new way of litigation are catalogued.
In this study, it is called simply “Processo Estrutural”. Many difficulties in the elaboration of
a concept were detected. For this reason, this study is focused on the fundamental characteristics
of this procedure. Among them, it is possible to identify: i) its multipolar nature; ii) prospective
effects; iii) flexibilization of the forms; iv) the judge is not constrained to the initial request of
the parts; v) flexible and broadly implementation of the decisions. The importance and capacity
to deal with multipolar complex conflicts, in practice, is confirmed by the analysis of
Mendoza`s case, in Argentina. In Brazil, the authors indicate provisions in Procedural Code of
2015 that can be used to justify the adoption of Structural Injunctions in Brazil`s legal system.
There`s also a bill about this subject that can help in this task. However, we believe that the
Structural Injunctions are already being adopted in Brazil through the judge`s practice.

Keywords: Structural Injunctions – Class action- Multipolar Complex Conflicts – Judicial


Control of Public Policies
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 8
PARTE I. O PROCESSO CIVIL ENTRE LITÍGIOS TRADICIONAIS E LITÍGIOS
MULTIPOLARES COMPLEXOS
1. O PROCESSO CIVIL E A REALIDADE SOCIAL: DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX
................................................................................................................................................... 9
1.1. Os Litígios Tradicionais e o Processo Civil Individual ...................................................... 9
1.2. O Advento dos Novos Direitos, a Tutela dos Direitos Coletivos, a Tutela Coletiva dos
Direitos e a Resposta do Código de 2015 ................................................................................ 13
2. O PROCESSO ESTRUTURAL COMO UMA FORMA PARTICULAR DE VIABILIZAR
TUTELA DOS DIREITOS .................................................................................................... 21
2.1. O Surgimento do Tema e o Problema da sua Definição................................................... 22
2.2 . O Processo Estrutural entre a Tutela dos Direitos Coletivos e a Tutela Coletiva dos Direitos
................................................................................................................................................. 28
PARTE II. O PROCESSO ESTRUTURAL COMO RESPOSTA AOS LITÍGIOS
MULTIPOLARES COMPLEXOS
1. O DIREITO AO DEVIDO PROCESSO ESTRUTURAL: DA RIGIDEZ À ADEQUAÇÃO
................................................................................................................................................. 29
1.1. Do Direito ao Devido Processo Individual ao Direito ao Devido Processo Estrutural .... 29
1.2. As Características do Processo Estrutural ........................................................................ 30
2. O PROCESSO ESTRUTURAL E OS DIREITOS CARENTES DE EFETIVIDADE ..... 37
2.1. O Campo Típico do Processo Estrutural: o Exemplo do Caso Mendoza ......................... 37
2.2. A Experiência Brasileira ................................................................................................... 49
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 59
REFÊRENCIAS..................................................................................................................... 61
8

INTRODUÇÃO

No atual estágio de desenvolvimento do Processo Civil no Estado Democrático de Direito, não


é mais possível concebê-lo dissociado da realidade social. É necessário, então, que o Direito
Processual Civil seja pensado à luz dos princípios constitucionais que o informam e os
problemas que a realidade apresenta, a fim de que possa prestar tutela adequada efetiva e
tempestiva aos direitos. O trabalho parte de uma constatação: o processo civil tradicional
brasileiro, tanto individual como coletivo, não possui aptidão para atender às particularidades
dos conflitos multipolares, de elevada complexidade que existem na sociedade. Para responder
a esse problema, apresenta-se solução que a doutrina buscou no direito estadunidense, a ideia
de Processo Estrutural. Em um primeiro momento, investiga-se contexto histórico em que
surgiu a ideia de Processo Estrutural, as diferentes terminologias adotadas para designar o
fenômeno e a dificuldade em estabelecer um conceito. Após, demonstra-se no que se diferencia
do processo civil tradicional da perspectiva do devido processo legal e adequação. São
apresentadas suas características fundamentais e analisada sua aplicação a partir do caso
Mendoza, na Argentina. Por fim, são estudados os fundamentos que a doutrina apresenta para
justificar a adoção dos Processos Estruturais no ordenamento brasileiro, qual seria sua base
normativa e casos em que suas características foram adotadas pelo Poder Judiciário brasileiro.
A metodologia aplicada à pesquisa é preponderantemente comparatística, com revisão
bibliográfica e análise de jurisprudência.
9

PARTE I. O PROCESSO CIVIL ENTRE LITÍGIOS TRADICIONAIS E LITÍGIOS


MULTIPOLARES COMPLEXOS

1. O PROCESSO CIVIL E A REALIDADE SOCIAL: DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX

Depois de um grande período em que o processo civil era pensado como simples
apêndice do direito material, o que o tornava mais sensível à realidade social por conta dessa
sua estreita relação, o processo civil perdeu essa sintonia, dela se afastando. Assim, foi preciso
posteriormente retomar os laços entre o processo civil e a realidade social a fim de que esse
pudesse desempenhar seu papel de meio para prestação de uma tutela adequada e efetiva aos
direitos 1 e, no que agora interessa, como forma de dar resposta aos litígios multipolares
complexos.

1.1. Os Litígios Tradicionais e o Processo Civil Individual

Como observa a doutrina, os litígios tradicionais apresentam um modelo bipolar: estão


estruturados a partir da disputa entre dois particulares com interesses diametralmente opostos2.
Esses litígios tradicionais, que envolvem principalmente uma discussão entre duas pessoas
sobre bens por força de obrigações e contratos, acabaram moldando um processo civil bipolar,
individual, patrimonialista e repressivo, despreocupado com outras espécies de direitos3.
Esse modelo bipolar, individualista, patrimonialista e repressivo acabou encontrando no
Brasil sua maior expressão no Código de 1973, que parte da doutrina chama de Código Buzaid
(devido ao nome do autor do seu Anteprojeto, Alfredo Buzaid)4. Essas características do Código
Buzaid são importantes, porque mostram justamente a impossibilidade de se prestar tutela aos
novos direitos tão-somente com o seu emprego.
Abram Chayes, em clássico ensaio sobre o tema, elenca características do que entende
por modelo tradicional de litigância entre particulares, por ele denominado como bipolar: i)

1 Para uma análise dessa história do processo civil colocando em evidência sua relação com o direito material e a
realidade social, por todos, MITIDIERO, Daniel, Colaboração no Processo Civil – Pressupostos Sociais,
Lógicos e Éticos, 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 29-52, com a citação de vários autores, dentre
os quais se destacam Cândido Rangel Dinamarco e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.
2 “The lawsuit is bipolar. Litigation is organized as a contest between two individuals or at least two unitary

interests, diametrically opposed, to be decided on a winner-takes-all basis. CHAYES, Abram, The role of the
judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio, 1976), p. 1282.
3 Assim, MITIDIERO, Daniel. O Processualismo e a Formação do Código Buzaid, Revista de Processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, n. 183; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz;
MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil, 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, vol. I.
4 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil, 3.

Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, vol. I.


10

bipolaridade: o conflito de fundo se dá entre dois particulares, ou dois interesses diametralmente


opostos, sob a lógica de que “o vencedor fica com tudo”; ii) retrospectividadade: a controvérsia
a ser resolvida é sobre uma série de eventos ocorridos no passado. O processo, assim, tem por
escopo responder se esses eventos ocorreram e, em caso afirmativo, quais as consequências
para as partes; iii) o direito e o remédio são interdependentes. O remédio a ser adotado deriva
da violação ao direito, sob a premissa de que o autor será recompensado na extensão do dano
causado pelo réu, como o adimplemento de contrato ou na responsabilidade civil, “pagando” o
valor do dano; iv) o processo é um episódio contido em si mesmo: seus efeitos estão limitados
às partes e a prolação da sentença encerra a atividade judicial; v) o processo é iniciado pelas
partes e por elas controlado. O Juiz é um árbitro neutro da atividade das partes, responsáveis
pela condução do processo, e só age para decidir questões de direito e quando provocado. Por
fim, afirma que esse modelo tradicional não se coaduna com os litígios que tem predominado
nas Cortes Federais dos Estados Unidos: conflitos envolvendo direitos constitucionais e
efetivação de políticas públicas (termo que concebe com amplo significado, abrangendo
conflitos que tenham impacto social)5.
Semelhantes características marcaram o Código de Processo Civil de 1973 no Brasil.
Sobre o aspecto do individualismo, assim observa Daniel Mitidiero:

O individualismo do Código Buzaid é patente. Não tendo


compromisso com questões de cunho social e metaindividuais, a que
o Código Beviláqua e o espírito dos Oitocentos não acudiam, Alfredo
Buzaid desenhou um sistema para tutela dos direitos partindo do
pressuposto da afirmação de um litígio entre duas pessoas em juízo,
supondo-o ainda do tipo obrigacional, permitindo no máximo a
intervenção de terceiros, individualmente considerados, que se julguem
com interesse jurídico, que se afirmem titulares de direito sobre a res in
iudicium deducta ou que apresentem determinadas ligações com o
direito posto em causa. Assim o é porque a regra de legitimação para
causa no Código Buzaid está em que tão-somente o titular do direito
material afirmado em juízo tem legitimidade para propor ação para sua
proteção judicial, sendo excepcional, dependendo de expressa
autorização legal, a possibilidade de propositura de ação em nome
próprio para tutela de direito alheio (art. 6º). A coisa julgada, nessa
mesma linha, alcança apenas aqueles que foram parte no processo (art.
472)6 (grifos nossos).

5
CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio,
1976), p. 1282/1283.
6 MITIDIERO, Daniel. O Processualismo e a Formação do Código Buzaid, Revista de Processo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2010, n. 183.


11

No que agora interessa, importa sublinhar a ideia de que o individualismo foi pensado
para a proteção de direitos fundados em relações obrigacionais entre duas pessoas, e não para
litígios multipolares. Logo, o processo civil tradicional não conseguia dar resposta para esse
tipo de conflito.
Tratando do patrimonialismo do processo civil tradicional, a lição de Daniel Mitidiero
também é esclarecedora:

Da mesma maneira, a influência do patrimonialismo na formação do


Código Buzaid salta aos olhos. (...). Segundo, pelo caráter
patrimonial de toda a execução do Código Buzaid. Para confirmá-lo,
basta perceber que, a fim de disciplinar a execução em geral (Livro II,
Título I), Alfredo Buzaid discorre sobre a responsabilidade patrimonial
do executado (Livro II, Título I, Capítulo IV), pontuando que o
executado responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos
os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei
(art. 591). A suposição aí é igualmente evidente: na ótica do legislador,
toda e qualquer execução, no fundo, tem por objeto bens, que
respondem pelo cumprimento da prestação exigida em juízo. A
patrimonialidade do Código Buzaid deixa antever, ainda, a orientação
do legislador de mercantilização dos direitos, reduzindo todas as
situações substanciais a situações patrimoniais exprimíveis em pecúnia.
Vale dizer: em esperar, como resultado padrão do processo, uma tutela
jurisdicional pelo equivalente monetário. Trata-se de fato perfeitamente
compreensível se tivermos presente o dogma da equivalência das
prestações materiais sobre o qual erigido o Code Civil e daí o espírito
dos Códigos Oitocentistas, dentre os quais se ensarta inequivocamente
o Código Beviláqua7 (grifos nossos).

As consequências mais claras disso tudo na estruturação do processo civil tradicional


também são apontadas por Daniel Mitidiero:

O que determina a patrimonialidade executiva, no fundo, é a


sacralização da autonomia individual e de sua incoercibilidade (nemo
ad factum praecise cogi potest). Por debaixo da patrimonialidade pulsa,
na verdade, a proteção ao valor liberdade individual. A concretização
deste valor no processo civil tem duas direções. A primeira está em
limitar a execução apenas ao patrimônio do executado, com
medidas sub-rogatórias que, por definição, não lhe forçam a
vontade. Não é possível, em outras palavras, coagir a vontade do
executado, exigindo-se a sua colaboração para obtenção da tutela
jurisdicional. A jurisdição é uma atividade substitutiva, que independe
da atividade do executado. A execução é promovida pelo Estado – o
executado apenas sobre a execução, submetendo-se. A execução é

7MITIDIERO, Daniel. O Processualismo e a Formação do Código Buzaid, Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010, n. 183, com apoio principalmente em Ovídio Baptista da Silva e Luiz Guilherme
Marinoni.
12

forçada. A segunda, que as técnicas processuais executivas, voltadas à


agressão do patrimônio do executado, estão todas previstas em lei. São
técnicas processuais típicas. A razão deste posicionamento é singela:
‘as formas do processo sempre foram vistas como ‘garantias das
liberdades’’. Com a previsão legal de técnicas processuais executivas,
exclui-se qualquer outra maneira de agressão à esfera jurídica da parte,
realizando-se o ideal de não-intervenção do Estado nos domínios do
indivíduo, salvo quando expressamente autorizado em lei. Trata-se de
simples especificação do valor liberdade no processo civil, caríssima ao
constitucionalismo liberal triunfante na Revolução Francesa e que
inspirou o Code Civil, chegando por essa mão ao direito brasileiro”8
(grifos nossos).

Essa característica do processo civil tradicional é decisiva para demonstração da sua


inaptidão para tratar dos litígios complexos. Se, como veremos, os litígios complexos exigem
também execução sobre a vontade (a fim de pressionar a vontade do responsável pelo ato ilícito
ou pelo fato danoso), então fica igualmente evidente a necessidade de superação do processo
civil tradicional.
Por fim, a doutrina também chama atenção para o fato de o processo civil tradicional,
porque preocupado apenas com litígios bipolares patrimoniais, limitar-se a viabilizar uma tutela
repressiva contra o dano:

Enfeixando as características gerais do Código Buzaid, pode-se afirmá-


lo como um sistema processual civil totalmente dominado pela ideia de
dano e ordenado à prestação de uma tutela jurisdicional tão-
somente repressiva. O conceito de ato ilícito pressuposto no Código
Beviláqua obviamente concorreu em enorme medida para este caráter
puramente sancionatório da atividade jurisdicional na legislação de
1973. Para o legislador civil de 1916, ato ilícito constituía o ato
contrário a direito, praticado com dolo ou culpa, por ação ou omissão,
de que decorria dano a alguém (art. 159). Fica patente a confusão entre
ato ilícito, fato danoso e responsabilidade civil. A confusão entre estes
conceitos, dentre outras contingências, impediu o legislador de
identificar e disciplinar uma tutela jurisdicional preventiva voltada à
inibição, reiteração ou continuação de um ato ilícito ou de seus efeitos.
Impediu, da mesma forma, de identificar e viabilizar uma tutela
jurisdicional repressiva voltada tão-somente à remoção do ilícito ou de
seus efeitos. Observando-se de perto o Código Buzaid, constata-se com
facilidade que nele não se surpreende nenhum dispositivo idôneo à
viabilização de uma tutela preventiva, especialmente mediante
abstenções. Poder-se-ia supor que o art. 642 teria o condão de
patrocinar a realização de abstenções em juízo, já que abre a Seção II
(da obrigação de não fazer), Capítulo III (da execução das obrigações
de fazer e de não fazer), Título II (das diversas espécies de execução)

8MITIDIERO, Daniel. O Processualismo e a Formação do Código Buzaid, Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010, n. 183, com apoio principalmente em Ovídio Araújo Baptista da Silva e Luiz
Guilherme Marinoni.
13

do Livro II (do processo de execução) do Código. Pela sua simples


leitura, porém, percebe-se que o legislador ali disciplina não a
imposição judicial de uma abstenção, o que permitiria a viabilização de
uma tutela preventiva, como seria de se esperar pela rubrica em que se
insere, mas a simples possibilidade de desfazimento de algo
realizado de maneira indevida. Vale dizer: no lugar de
instrumentalizar a realização de uma tutela preventiva, nosso legislador
previu simplesmente a prestação de uma tutela repressiva. O processo
padrão para tutela dos direitos encampado pelo Código Buzaid não foi,
em nenhum momento, pensado para prestar tutela jurisdicional atípica
contra o ilícito, nem para possibilitar uma tutela preventiva atípica aos
direitos” 9(grifos nossos).

Muitos litígios que demandam um processo estrutural não estão centrados na reparação
de um dano. Esses litígios exigem a sucessiva remoção de um estado de coisas inconstitucional
(por exemplo, a situação dos presídios brasileiros e dos argentinos, como revela o clássico caso
Verbitsky10, na Argentina), de modo que a tutela pretendida é voltada contra o ato ilícito. Isso
revela a necessidade, também sob essa ótica, de superar o processo civil tradicional.

1.2. O Advento dos Novos Direitos, a Tutela dos Direitos Coletivos, a Tutela Coletiva dos
Direitos e a Resposta do Código de 2015

A partir da metade do século XX, os litígios tradicionais começaram a conviver com


outras espécies de litígios, oriundos do reconhecimento de novos direitos. Especialmente no
que interessa à presente monografia, a luta pelos civil rights nos Estados Unidos evidenciou o
conflito mais emblemático a respeito do assunto: o caso Brown v. Board of Education of
Topeka11 como será explorado adiante.
Esses novos direitos logo mostraram a necessidade de se pensar em um novo processo
civil. Litígios complexos e multipolares, como aqueles oriundos do reconhecimento ao direito

9 MITIDIERO, Daniel. O Processualismo e a Formação do Código Buzaid, Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010, n. 183, com apoio principalmente em Ovídio Araújo Baptista da Silva e Luiz
Guilherme Marinoni. Ver também, extensamente: MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos
direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
10
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de la Nación. Verbitsky, Horacio S/ Habeas Corpus. Julgado em
03.05.2005. Disponível em: <http://www.saij.gob.ar/corte-suprema-justicia-nacion-federal-ciudad-autonoma-
buenos-aires-verbitsky-horacio-habeas-corpus-fa05000319-2005-05-03/123456789-913-0005-0ots-
eupmocsollaf>. Acesso em nov. 2018.
11 UNITED STATES. NATIONAL ARCHIVES CATALOG. Case File for Brown et al. v. Board of Education

of Topeka et al. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/561058>. Acesso em: set. 2018.


14

ao meio ambiente (como é o caso Mendoza na Argentina12), fizeram com que se tivesse que em
primeiro lugar deixar de lado o individualismo e o patrimonialismo, pensando-se em um
processo civil capaz de dar tutela aos direitos coletivos (tutela dos direitos coletivos) e aos
direitos individuais homogêneos (tutela coletiva dos direitos).
Na Civil Law, os estudos a respeito dessa temática aparecem pela primeira vez em 1969
com a publicação do ensaio de Michele Taruffo sobre as class actions estadunidenses13. Menos
de uma década depois, em 1978, Mauro Cappelletti e Bryant Garth demonstram a necessidade
de se incorporar definitivamente nos países de tradição romano-canônica as ações coletivas
como um meio para responder adequadamente aos novos direitos14.
A partir do final dos anos setenta e do início dos anos oitenta, a doutrina brasileira
desperta para o tema das ações coletivas, principalmente a partir dos trabalhos de José Carlos
Barbosa Moreira e Ada Pellegrini Grinover15. Esses trabalhos inspiram e levam à promulgação
da Lei da Ação Civil Pública, em 1985, e do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, que
formam a parcela mais importante do microssistema processual coletivo brasileiro 16 . Na
doutrina, ganha grande destaque a ideia de que o processo coletivo serve tanto para a tutela
coletiva dos direitos como para a tutela dos direitos coletivos, apresentada pela primeira vez
por Teori Zavascki em 199517.
Com o reconhecimento de novos direitos também no Brasil, ganhando destaque também
casos envolvendo direito ambiental e de encarceramento em condições inconstitucionais, a
doutrina passa a reconhecer a necessidade de se especializar ainda mais o processo coletivo
brasileiro, adaptando-o ainda mais às especificidades desses litígios. O Código de 2015, porém,
embora tenha avanços importantes a respeito da adequação do procedimento às necessidades
do caso concreto18, não levou em consideração a necessidade de tratar do processo coletivo,
sendo insuficiente nesse ponto.

12 VERBIC, Francisco. El Remedio Estructural de la Causa “Mendoza”. Antecedentes,


Principales Características y Algunas Cuestiones Planteadas durante los Primeros Tres Años de su
Implementación. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 287-316
13 TARUFFO, Michele. I Limiti Soggettivi del Giudicato e le Class Actions, Rivista di Diritto Processuale.

Padova: Cedam, 1969.


14 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:

Sérgio Antônio Fabris Editor, 1978, p. 49-51.


15 TARUFFO, Michele; MITIDIERO, Daniel. A Justiça Civil – da Itália ao Brasil, dos Setecentos a Hoje. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 343, 425 e 453.


16 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil, 3.

Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 477-482, vol. III.
17 ZAVASCKI, Teori. “Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos”, Revista de Processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, n. 78; Id., Processo Coletivo – Tutela de Direitos Coletivos e Tutela
Coletiva de Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
18 KLAUS, Klaus. “O Novo CPC e os Direitos Fundamentais Processuais: uma Visão Geral, com Destaque

para o Direito ao Contraditório”. RUBIN, Fernando; REICHELT, Luís Alberto (org.), Grandes Temas do Novo
15

A insuficiência do Código de 2015 a respeito dos processo coletivos e, com maior razão,
em relação aos processos estruturais, deixa um espaço grande para o trabalho do tema pela
doutrina e pelos tribunais.
Ocorre que, se o processo individual não está apto a fornecer tutela a litígios complexos,
o mesmo ocorre com o processo coletivo, como argumenta Sérgio Cruz Arenhart.
Com efeito, esse doutrinador 19 aponta que a redução de um conflito multipolar
envolvendo políticas públicas, por exemplo, a um modelo bipolar de processo, de dedução da
pretensão do autor em face do réu, obscurece o real problema que o litígio encerra: o modo
como os recursos públicos como um todo devem ser distribuídos no país. Tomando o exemplo
das ações sobre fornecimento de medicamentos, evidencia que o problema da distribuição de
recursos no país acaba sendo restringido ao direito fundamental à vida e à saúde do autor por
um lado, e de outro, o interesse patrimonial do Estado.20 Além de obscurecer o problema maior
e de condicionar a distribuição de recursos públicos à existência de pretensões levadas
individualmente a juízo, em vez de facilitar a distribuição dos recursos públicos para efetivação
de direitos, pode ser ainda mais prejudicial: vai acabar privilegiando aqueles que a) têm maior
compreensão da possibilidade de acionamento do Poder Judiciário para tutela dos próprios
interesses (que, a rigor, já são pessoas com melhores condições e, portanto, não são aquelas que
mais necessitam de auxílio); b) ajuízam antes demanda judicial - e, aqui, ocorre o fenômeno de
"furar a fila” pelo simples fato possuir ordem judicial para tanto e, assim, receber recursos em
detrimento de outras pessoas que já estavam aguardando ou necessitam mais; c) detêm o mais
alto nível cultural, econômico e social.21
Semelhante conclusão é feita por Susana Henriques da Costa e Débora Chaves Martines
Fernandes, ao afirmarem, no que tange ao controle judicial de políticas públicas, que sua
abordagem atomizada traz uma série de problemas. Além de impedir que o administrador possa
ter uma visão do “todo”, isto é, um panorama completo do conflito, as decisões judiciais podem

Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 15-51, especialmente p. 23; OLIVEIRA,
Paulo Mendes de. Segurança Jurídica e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
19
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
476.
20
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
476.
21
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
476.
16

ter grande impacto em políticas públicas que já estão sendo executadas, privilegiando alguns
com medidas que não tem condições de serem universalizadas.22 As autoras ainda atentam para
importante conclusão de que “ao conceder determinadas tutelas apenas àqueles que
individualmente o acessam, o Poder Judiciário, acaba tornando-se, ele mesmo, um gerador de
desigualdades”.23
Este cenário ajudou a fomentar o estudo dos processos coletivos no Brasil, conforme
exposto anteriormente. Contudo, em que pese a existência de inegáveis avanços promovidos
pelo microssistema do processo coletivo brasileiro, o modo como vem sendo aplicado se releva
insuficiente para tutelar adequadamente os chamados novos direitos e interesses
metaindividuais.24 Sobre a inadequação do processo coletivo brasileiro para responder a esses
conflitos, reporta-se à interessante análise feita por Sérgio Cruz Arenhart:

As ações coletivas por outro lado, também não representam resposta


muito melhor. Isso porque, substancialmente, a tutela coletiva
brasileira, grosso modo, pode ser resumida em um processo
“individual”, no qual o autor da demanda se legitima à proteção de
interesses de terceiros ou de toda coletividade. Em verdade, a tutela
coletiva nacional não é, a rigor, uma técnica que permite à coletividade
expressar sua vontade ou seus interesses. Ao contrário, o que ela faz é
autorizar alguns entes a, dizendo-se porta-voz de uma coletividade,
defender os interesses desta. Essa proteção, porém, faz-se exatamente
do mesmo modo como se realiza a proteção de interesses individuais.
Os instrumentos processuais são os mesmos, as técnicas são as mesmas
e mesmo o procedimento desenhado é, substancialmente, o mesmo que
é empregado para a tutela de interesses individuais em sentido estrito.25

De acordo com o autor, o processo coletivo brasileiro não alcançou autonomia


principiológica em relação ao processo individual, permanecendo regido e limitado pelos

22
COSTA, Susana Henriques da; FERNANDES, Débora Chaves Martines. Processo Coletivo e
Controle Judicial de Políticas Públicas - Relatório Brasil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Comp.). O Processo para Solução de Conflitos
de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 371.
23
COSTA, Susana Henriques da; FERNANDES, Débora Chaves Martines. Processo Coletivo e
Controle Judicial de Políticas Públicas - Relatório Brasil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Comp.). O Processo para Solução de Conflitos
de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 371.
24
COSTA, Susana Henriques da; FERNANDES, Débora Chaves Martines. Processo Coletivo e
Controle Judicial de Políticas Públicas - Relatório Brasil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Comp.). O Processo para Solução de Conflitos
de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 372.
25
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
477.
17

mesmos preceitos. Se a tutela coletiva de direitos foi desenvolvida a partir da concepção de que
existem litígios cujo tratamento adequado não é capaz de ser feito pela via individual,
dificilmente a aplicação da mesma lógica dos processos individuais oferecerá melhor resposta.
E ainda além: chega a ser um contra-senso sua aplicação aos processos coletivos, uma vez que
é a própria necessidade de se afastar da lógica individualista que fundamenta sua criação.
Os processos coletivos permanecem regidos pelo princípio da demanda em sua acepção
clássica, de que o Estado-Jurisdição está estritamente limitado aos pedidos que são formulados
pela parte autora, não sendo permitido julgar fora dos seus limites. Sérgio Cruz Arenhart26
aponta que essa concepção pressupõe que aquele que ingressa com a ação é o titular do direito
e, consequentemente, quem dele pode dispor. Ocorre que, na tutela dos interesses coletivos, o
titular da ação não é o titular do direito. É aquele que se diz representante de uma coletividade
e age em nome dela.
Diante desse quadro, aceitar que o juiz está estritamente vinculado aos pedidos desse
representante pode causar prejuízos incontáveis aos representados (vale dizer, os titulares do
direito), uma vez que o autor da ação talvez nem sempre atue tutelando o melhor interesse da
coletividade. Pode ser que se valha do processo para tutelar interesse próprio ou, inclusive, da
parte contrária, sem precisar arcar com as consequências de seus atos. As consequências de sua
má atuação recairão diretamente sobre os titulares do direito debatido em juízo, que sequer
tiveram oportunidade de participar do processo.
Importante considerar aqui também, que o processo coletivo brasileiro não possui
(assim como o argentino27) instrumentos efetivos de controle da representatividade adequada.
controle de representatividade adequada.28 Não há, no país, desenvolvimento de mecanismos
aptos a verificar se o indivíduo que vai à juízo é efetivamente aquele que possui melhores
condições de agir em nome da coletividade e tutelar seus interesses. Por essa razão Sérgio Cruz
Arenhart afirma que a representação no processo coletivo brasileiro é muito mais aparente que

26
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
478.
27
VERBIC, Francisco. El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas custiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación.In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
313.
28
COSTA, Susana Henriques da; FERNANDES, Débora Chaves Martines. Processo Coletivo e
Controle Judicial de Políticas Públicas - Relatório Brasil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Comp.). O Processo para Solução de Conflitos
de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 372.
18

real 29 . Com base em exemplo envolvendo o Ministério Público Federal prossegue o autor
paranaense:

Com efeito, um agente do Ministério Público, por exemplo, pelo


simples fato de sê-lo, está inquestionavelmente legitimado à tutela de
qualquer interesse difuso ou coletivo e, em consequência, passa a ter a
prerrogativa de dizer – sem sequer ser obrigado a consultar qualquer
membro da comunidade ou da coletividade como um todo, ou mesmo
sem nem mesmo dar a oportunidade a esses grupos ou à sociedade
manifestar-se previamente – aquilo que a sociedade precisa, deseja ou
exige. Paradoxalmente, portanto, o processo coletivo aliena exatamente
o grupo que é protegido, na medida em que não permite sua
participação direta, mas apenas autoriza a presença no processo dos
entes legitimados para a tutela desses grupos. E faz tudo isso segundo
a mesma lógica da tutela individual ou seja, segundo um processo
bipolarizado, onde necessariamente se veem posições antagônicas em
que uma deve prevalecer sobre a outra.30

Como o autor acertadamente expõe, pode haver situações em que o representante poderá
agir inclusive em contrariedade aos interesses da coletividade. Assim como ocorre com o
membro do Ministério Público, há legitimados que não apenas prescindem de autorização dos
representados para ingressar em juízo, como também sequer precisam consultá-los antes de
ajuizar a ação.
A questão da falta de representatividade adequada se relaciona diretamente com outro
princípio processual, aplicado do processo individual ao coletivo sem devidas adaptações: o
princípio dispositivo. A correlação feita entre "autor da ação – titular do direito", também
admite prerrogativas de dispor do direito no processo coletivo: decidir se vai ou não recorrer de
decisão judicial, se vai produzir determinada prova, se vai requerer o cumprimento da sentença,
dentre outras. A possibilidade de gerar prejuízo à coletividade pela má atuação do legitimado
ativo, de acordo com Sérgio Cruz Arenhart, teria fundamento em uma espécie de culpa in
elegendo, penalizando-se a coletividade por ter escolhido mal seu representante.31 Conforme
exposto acima, por vezes sequer há escolha sobre o representante.

29
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
477.
30
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
477.
31
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
19

Com base nesses fundamentos, o autor reafirma:

Conclui-se, portanto, que o processo coletivo brasileiro, embora


adaptado para atender a algumas modalidades de interesses
metaindividuais, ainda está longe de servir de palco adequado à tutela
de interesses sociais. Porque mantém suas raízes no mesmo ideário do
processo individual, carrega consigo os mesmos defeitos daquele e,
portanto, não é capaz de servir de cenário para o debate de políticas
públicas. Por outras palavras, porque o processo coletivo brasileiro
mantém-se arraigado à mesma racionalidade do processo individual, à
sua dinâmica bipolar, à adstrição da sentença ao pedido, à
disponibilidade do processo e todas as consequências dessa lógica, os
mesmos defeitos que se vê em um processo individual podem também
ser vistos no processo coletivo.32

Como é possível observar, tanto o processo individual como o coletivo no Brasil não
conseguem ser meios para prestar tutela adequada, efetiva e tempestiva para os interesses
multipolares. O modo como esses interesses vêm sendo tratados no âmbito do Poder Judiciário,
além de sua manifesta inadequação, pode trazer uma série de prejuízos. De um lado, para os
titulares desses interesses: a falta de efetividade, a possibilidade de serem prejudicados pela má
atuação de seu representante, os obstáculos à manifestação de sua vontade e direito de
influência, assim como o beneficiamento de poucos interessados em detrimento dos demais são
problemas muito recorrentes. De outro, para o Poder Público: a falta de racionalização do
controle judicial da atuação do Poder Público pode gerar efeito contrário ao pretendido e, ao
interferir indevidamente na execução de políticas públicas, prejudicar ainda mais a efetivação
de direitos constitucionalmente assegurados. Além disso, o impacto dos comandos judiciais
sobre os cofres públicos (e, consequentemente, sobre o planejamento orçamentário do Estado)
ainda tem sua extensão desconhecida e, por ser feito de maneira desordenada, pode apresentar
efeitos nefastos.
O crescente número de demandas envolvendo interesses multipolares no país mudou o
foco da atenção dos doutrinadores: a discussão sobre a possibilidade do Poder Judiciário tutelar
esses interesses que, na grande maioria das vezes, envolvem prestações positivas por parte do
Poder Público, tem seu espaço agora restringido ao plano teórico e com grande nível de
abstração. Isso porque, a tutela pela via jurisdicional desses interesses é uma realidade
inquestionável, com impacto social incomensurável.

(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p.
479.
32
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 479.
20

Especificamente em relação aos conflitos que envolvem a efetivação de políticas


públicas (que correspondem à quase totalidade dos conflitos multipolares), foram coletados
dados do último Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, tendo por
base o ano de 2017. São informações sobre a quantidade de demandas que tramitam atualmente
no Brasil, classificadas por assuntos. Os dados ignoram a diferença entre demandas coletivas e
individuais e são referentes aos principais assuntos ligados à efetivação de políticas públicas
pela via jurisdicional. Vejamos:

33

Com base nas informações apresentadas é possível perceber que apenas os processos
relacionados ao direito à saúde (mediante prestações positivas do Estado), direito à educação,
garantias constitucionais em sentido lato (direito à moradia, habitação, alimentação, dentre
outros) e meio ambiente totalizaram mais de trezentas e quarenta mil ações. O número é ainda
mais alarmante na medida em que diz respeito apenas aos processos que tiveram início no ano
de 2017, sem considerar todas as demandas que já estavam tramitando.
Semelhante fenômeno pode ser observado a partir dos dados coletados pelo Conselho
Nacional de Justiça, no mesmo relatório, em relação aos processos vinculados ao Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

33 Fonte: Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números (Dez. 2017). Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/paineis. Acesso em: out. de 2018.
21

34

Os dados aqui também são alarmantes: foram mais de cinquenta mil casos novos que
ingressaram na justiça estadual no ano de 2017. Isso sem considerar os casos que tramitam
perante a Justiça Federal do Rio Grande do Sul, cujas estatísticas ficam vinculadas ao Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, em conjunto com os dados dos estados de Santa Catarina e
Paraná.
Como é possível perceber, o controle judicial de conflitos multipolares é realizado todos
os dias, em uma prática crescente. Contudo, é realizado com significativa irresponsabilidade,
sem o desenvolvimento de um procedimento adequado para tanto. Sem que o Direito Processual
Civil brasileiro tenha sido pensado para tutelar adequadamente esses conflitos.
Buscando responder aos problemas que a realidade da atuação do Poder Judiciário tem
apresentado 35 (problemas para os quais os processos tradicionais individual e coletivo
relevaram-se manifestamente inadequados para resolver), a doutrina voltou-se ao direito
comparado. Procurou estudar de que modo outros ordenamentos jurídicos enfrentaram
semelhantes problemas e encontrou, nos Estados Unidos, importante lição: os Processos
Estruturais.

2. O PROCESSO ESTRUTURAL COMO UMA FORMA PARTICULAR DE VIABILIZAR


TUTELA AOS DIREITOS

34 Fonte: Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números (Dez. 2017). Disponível em:

http://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/paineis. Acesso em: out. de 2018.


35
OSNA, Gustavo. Nem “tudo”, nem “nada” - decisões estruturais e efeitos jurisdicionais complexos. In:
ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017.
Cap. 06. p. 190.
22

Com efeito, os processos estruturais diferenciam-se do processo civil tradicional em virtude de


uma necessidade ainda mais de adequação ao caso concreto. Por isso, diz-se ser uma forma
particular de viabilizar tutela aos direitos, como se passará a expor.

2.1. O Surgimento do Tema e o Problema da sua Definição

A doutrina é uníssona em reconhecer como marco histórico para o surgimento da ideia


de processo estrutural a decisão proferida pela Suprema Corte dos Estados Unidos no caso
Brown v. Board of Education of Topeka36, no ano de 1954. No caso Brown foi reconhecida a
inconstitucionalidade do sistema dual de ensino que havia nos país em razão da cor de pele dos
alunos: escolas para alunos brancos diferenciadas das escolas para alunos negros, organizadas
segundo o princípio “separate but equal”.37 Considerado um dos casos mais importantes já
enfrentados pela Suprema Corte dos Estados Unidos38, a efetivação de sua decisão provocou
profundas mudanças sociais mediante a reforma de todo o sistema de ensino do país.39 Contudo,
os instrumentos processuais que estavam à disposição dos juízes na época, fortemente marcada
por um modelo de processo bipolar pensado para resolução de conflitos entre particulares, não
eram capazes de fazer frente a objetivo tão complexo como a reforma da totalidade do sistema
de ensino de um país.
Foi, portanto, diante da constatação, por parte dos juízes responsáveis pelo cumprimento
da decisão proferida no caso Brown, da inadequação das tradicionais injunctions40 e injunctions
negativas (negative injunctions) (as quais, como veremos, já representavam remédios mais
flexíveis que os previstos at law)41 que a ideia de injunctions estruturais (structural injunctions)
foi desenvolvida.

36 UNITED STATES. NATIONAL ARCHIVES CATALOG. Case File for Brown et al. v. Board of Education

of Topeka et al. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/561058>. Acesso em: set. 2018.


37 "The structural injunction was not handed down from high. It emerged as federal judges sought to implement

the Supreme Court’s 1954 decision in Brown v. Board of Education mandating the transformation of the dual-
school systems of the nation.” FISS, Owen. To Make The Constitution a Living Truth: Four Lectures on the
Structural Injunction. In: Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 18. p.
38 UNITED STATES. NATIONAL ARCHIVES CATALOG. Documents Related to Brown v. Board of

Education. Disponível em: <https://www.archives.gov/education/lessons/brown-v-board>. Acesso em: 12 set.


2018.
39
PUGA, Mariela. La litis estructural en el caso Brown v. Board of Education. In: ARENHART, Sérgio Cruz;
JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 4. p. 105.
40 Termo mantido na língua de origem por não haver no direito brasileiro figura com correspondência exata. Para

os fins deste trabalho, injunction pode ser entendido em sentido amplo como “ordem”, “comando judicial”.
41 CAPPELLETTI, Mauro. “O Processo Civil Italiano no Quadro da Contraposição ‘Civil Law’ - ‘Common

Law’: Apontamentos Histórico-Comparativos”. In: Processo, Ideologias e Sociedade, tradução de Hermes


Zaneti Júnior. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2010, pp. 115/116, vol. II; TARUFFO, Michele, “A
Atuação Executiva dos Direitos: Perfis Comparados”, Processo Civil Comparado - Ensaios, apresentação,
organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013, pp. 87 e seguintes.
23

Em outras palavras, significa dizer que os processos estruturais tiveram origem nos
Estados Unidos, país de tradição do Common Law, sob a figura das structural injunctions. Não
obstante, não foram herdados de uma tradição anterior42, dos costumes imemoriais, tampouco
da legislação: trata-se de fenômeno recente, que ganhou força a partir da segunda metade do
Século XX, com origem na prática judicial. Para muito além de uma elaboração teórica, surgiu
a partir da necessidade do processo responder a problemas da realidade, que não podia mais ser
resumida a conflitos privados entre dois particulares. O direito processual deparou-se com uma
sociedade multifacetária, ao mesmo tempo plural e massificada, com debates centrados em
direitos sociais e litígios envolvendo a efetivação de políticas públicas.43
A doutrina brasileira também reconhece a grande importância do direito argentino a
respeito do tema. A partir do caso Mendoza, julgado pela Suprema Corte da Nación Argentina,
que será analisado oportunamente, costuma-se identificar o início de uma importante
elaboração doutrinária sobre processos estruturais, a qual é normalmente invocada pela nossa
doutrina.
No Brasil, o desenvolvimento do tema experimentou maior destaque apenas no século
XXI44, nada obstante o exemplo mais antigo que pode ser individualizado remonte a 1993 (caso
da ACP do Carvão). Isso quer dizer que, ao menos na prática judicial, ainda que sem a utilização
da terminologia apropriada, já se podia vislumbrar aplicação de ferramentas e recursos típicos
dos processos estruturais no Brasil desde essa época.
Pouco foi escrito no Brasil sobre processos estruturais. Embora o cenário político e social
tenha, nos últimos anos, fomentado o debate acerca do papel do Poder Judiciário na efetivação
de direitos, permanece escassa a produção científica sobre o processo estrutural, ainda
desconhecido pela maior parte dos estudantes e operadores do direito. As obras publicadas no
país são, em sua maioria, artigos e compilados de ensaios – grande parte, aliás, limitada à

42 Owen Fiss, Op. cit., p. 583.


43 “The class suit is a reflection of our growing awareness that a host of important public and private interactions
– perhaps the most important in defining the conditions and oppotunities of life for most people – are conducted
on a routine of bureaucratized basis and can no longer be visualized as bilateral transactions between private
individuals. From another angle, the class action responds to the proliferation of more or less well-organized
groups in our society and the tendency to perceive interests as group interests, at least in very important aspects.”-
CHAYES, Abram, The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio,
1976), p. 1291.
44 Com a publicação, por exemplo, do ensaio de Sérgio Cruz Arenhart, Decisões Estruturais no Direito

Processual Civil Brasileiro. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 225, p. 389-410. No
mesmo ano também foram publicados outras duas obras a respeito do tema, porém com enfoque diverso: VIOLIN,
Jordão. Protagonismo judiciário e processo coletivo estrutural: o controle jurisdicional de decisões políticas.
Salvador: Juspodivm, 2013; JOBIM, Marco Félix. Medidas Estruturantes: da Suprema Corte Estadunidense
ao Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 238 p. Sérgio Cruz Arenhart trata
das decisões estruturais a partir da perspectiva do direito processual civil e procedimento (que é o escopo deste
trabalho). Jordão Violin e Marco Félix Jobim, por sua vez, partem da perspectiva constitucional do controle
judicial de políticas públicas.
24

reprodução da experiência estrangeira da década de cinquenta e das conclusões da doutrina


norte-americana da década de setenta, especialmente do clássico ensaio de Abram Chayes a
respeito do tema45.
Apesar disso, grandes expoentes do Processo Civil brasileiro vêm, nos últimos anos,
preocupando-se com a introdução da ideia de Processo Estrutural no país, sua difusão e
importância, principalmente para o controle judicial de políticas públicas. Dentre eles é possível
mencionar em ordem alfabética: Ada Pellegrini Grinover46, Edilson Vitorelli47, Hermes Zaneti
Jr.48, Kazuo Watanabe49, Jordão Violin50, Marco Félix Jobim51, Sérgio Cruz Arenhart52 e Paulo
Henrique dos Santos Lucon53.
Embora haja relativo consenso entre os autores brasileiros sobre as características que
compõem os processos estruturais (as quais serão abordadas oportunamente ao longo do
trabalho), o mesmo não se pode dizer acerca de sua terminologia. Isso porque, conforme
exposto, a ideia de um processo estrutural teve origem no direito norte-americano com o

45
CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio,
1976), p. 1281-1316. Como exemplo de ensaio que se limita em grande parte às conclusões de Chayes na doutrina
brasileira, por todos, SALLES, Carlos Alberto de. Processo Civil de Interesse Público. O Processo para Solução de
Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 193-228.
46 Ver: O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. 650 p.
47 LIMA, Edilson Vitorelli Diniz. Litígios Estruturais: decisão e implementação de mudanças socialmente
relevantes pela via processual. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos
Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 370. LIMA, Edilson Vitorelli Diniz. Levando os conceitos a
sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças. Revista de Processo, São
Paulo, Ano 43, n. 284, p.333-369, out. 2018.
48 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as

decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 353-268.
49 WATANABE, Kazuo; GRINOVER, Ada Pellegrini; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para

Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. 650 p.


50 VIOLIN, Jordão. Protagonismo judiciário e processo coletivo estrutural: o controle jurisdicional de

decisões políticas. Salvador: Juspodivm, 2013.


51 JOBIM, Marco Félix. Medidas Estruturantes: da Suprema Corte Estadunidense ao Supremo Tribunal

Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 238 p.; JOBIM, Marco Felix. A previsão das medidas
estruturantes no artigo 139, IV, do novo Código de Processo Civil brasileiro. Repercussões do novo CPC –
processo coletivo. Hermes Zaneti Jr. (coord.). Salvador: Editora Juspodivm, 2016; ARENHART, Sérgio Cruz.
JOBIM, Marco Félix. Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. 607p.
52 ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista de Processo,

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 225, p. 389-410; ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais
no Direito Brasileiro: reflexões a partir do caso ACP do carvão. Revista de Processo Comparado. São Paulo:
Revista dos Tribunais. v. 2. p. 211-232; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo multipolar, participação e
representação de interesses concorrentes. In: ARENHART, Sérgio Cruz., MITIDIERO, Daniel, DOTTI,
Rogéria. (Org.). O processo civil entre a técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 739-758. ARENHART, Sérgio Cruz. JOBIM, Marco Félix. Processos Estruturais. Salvador:
Juspodivm, 2017. 607p.
53 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. Projeto de Lei n.

8058/2014 – Considerações Gerais e Proposta de Substitutivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,
Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público.
Salvador: Juspodivm, 2017. p. 609-650; LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fundamentos do Processo
Estrutural. In: JAYME, Fernando Gonzaga; MAIA, Renata Christiana Vieira; REZENDE, Esther Camila Gomes
Norato; LANNA, Helena. (Org.). Inovações e modificações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte:
DelRey. 2017, vol. 1. p. 11-20.
25

desenvolvimento da chamada structural injunction. Entretanto, não há, no direito brasileiro,


figura jurídica com correspondência exata a injunction.
As injunctions desenvolveram-se como remédios que visavam a complementar as ações
at law do Common Law, formando um sistema paralelo ao do Common Law (o sistema da
Equity). A principal característica dessas injunctions estava na sua capacidade de adaptação
para proteção de situações não previstas pelas forms of actions. Embora tenha havido a fusão
entre a Equity e o Common Law, a maleabilidade permaneceu como a principal característica
das injunctions em contraposição às ações at law.54
É por isso que as injunctions não têm paralelo no direito brasileiro. Embora possam ser
traduzidas livremente como “ordens”, o ideal é a manutenção da expressão em inglês, sob pena
de perder sua origem histórica. Além disso, com a conservação da terminologia mantém-se
não apenas a ideia inicial da injunction como um remédio supletivo e adaptável ao caso, mas
também a structural injunction como um remédio ainda mais específico: constitui um remédio
adaptável, que nasceu da ausência de previsões normativas, para situações que exigem ainda
maior especificação e adaptação: os litígios de interesse público.
A ausência de perfeita tradução do termo deu lugar às mais diversas terminologias no
direito brasileiro: litígios estruturais, processos estruturais, medidas estruturantes, decisões
estruturais, ações estruturais, técnicas estruturantes, reformas estruturantes e remédios
estruturantes, dentre outras. Não obstante, todas designam um novo modelo de processo
preocupado com as vicissitudes da concretização de direitos fundamentais.55
Optou-se, neste trabalho, pelo uso da expressão Processo Estrutural, por contemplar
adequadamente todos os institutos e ferramentas atribuídos pela doutrina a um modelo
estrutural, ao mesmo tempo em que encerra a ideia de unidade, na medida em que o termo
“processo” remete mais facilmente à disciplina do tema como um todo. É também o termo
utilizado com preferência por Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Paulo Lucon e Sérgio
Cruz Arenhart.
Desafio ainda maior encontrado pela doutrina brasileira é a elaboração de conceito e
definição de Processo Estrutural. Em um país cujo Direito foi fortemente influenciado pela
Tradição Romano-Germânica, sabidamente alicerçado no papel da doutrina na sua exposição56,

54 Assim, TARUFFO, Michele, “A Atuação Executiva dos Direitos: Perfis Comparados”, Processo Civil

Comparado - Ensaios, apresentação, organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013,
pp. 87 e seguintes; LANGBEIN, John, LERNER, Renée Lettow, e SMITH, Bruce, History of the Common Law
- The Development of Anglo-American Legal Institutions. New York: Aspen Publishers, 2009, pp. 271 e
seguintes.
55 ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 06.
56 Extensamente, MARTINS-COSTA, Judith, A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000, pp. 238 e seguintes.


26

há significativa preocupação com sistematizações, classificações, distinções, conceitos e


definições. Todavia, semelhante preocupação não é encontrada com o mesmo rigor nos países
de tradição do Common Law, fortemente marcados pelo pragmatismo. Daí porque, como bem
observam Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti Jr. e Rafael Alexandria de Oliveira57, é muito difícil
estabelecer um conceito analítico de um modelo que surgiu a partir da atuação do Poder
Judiciário norte-americano a partir da década de cinquenta.
Nos Estados Unidos, não houve preocupação com a elaboração de um conceito, mas
com o estudo das características que marcam o Processo Estrutural e como responde a
problemas da realidade por meio da atuação jurisdicional.
Por essa razão, Sérgio Cruz Arenhart conclui inexistir de fato uma definição de Processo
Estrutural. Esse teria, na verdade, características fundamentais, vale mencionar, seu caráter
multipolar, efeitos prospectivos, flexibilização procedimental, abertura do princípio da
demanda e amplitude na fase de execução.58 O Processo Estrutural encerraria, deste modo,
uma forma de flexibilização que trabalha com princípios e com finalidades, viabilizando o
desenvolvimento de ferramentas para que essas sejam satisfatoriamente realizadas.
De outra banda, há alguns autores brasileiros que defendem a existência de um conceito
de Processo Estrutural ou que, mesmo conscientes da dificuldade desta tarefa, buscam elaborar
definições mínimas, que passarão a ser objeto de análise.
Edilson Vitorelli, inaugura seu artigo “Litígios Estruturais: decisão e implementação de
políticas públicas pela via processual” com tópico intitulado “Conceito de Litígio Estrutural”,
com a seguinte redação:

Embora o assunto de litígios estruturais não seja exatamente novo ou


inédito no Brasil, a conceituação de sua natureza nem sempre é unívoca,
de modo que não é inútil deixar claro o entendimento aqui esposado.
A caracterização de um litígio estrutural envolve a superposição de
algumas características. Primeiro, trata-se de um conflito de elevada
complexidade, que envolve múltiplos polos de interesse, os quais se
apresentam em oposições e alianças parciais. (…) Segundo, o litígio
estrutural implica a implementação, pela via jurisdicional, de valores
públicos reputados juridicamente relevantes, mas que não foram bem-
sucedidos espontaneamente, na sociedade. (…) Em terceiro lugar, o
litígio estrutural se diferencia pela necessidade de reforma de uma

57 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos
Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 354.
58 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 475-492.
27

instituição, pública ou privada, para permitir a promoção do valor


público visado59.

Observa-se, a partir do excerto, que o autor trata do tema sob a perspectiva de litígio
estrutural. Não trata do processo em si, mas do conflito no plano dos fatos que ele encerra.
Deste modo, sua definição não responde satisfatoriamente à pergunta do que vem a ser o
Processo Estrutural. Nota-se, também, que embora intitule o tópico de seu artigo como o
“Conceito de Litígio Estrutural”, o corpo do texto refere-se a características deste tipo de litígio,
o que reforça a posição de Sérgio Cruz Arenhart. Semelhante entendimento pode ser encontrado
em outro ensaio de Vitorelli, com o provocativo título “Levando Conceitos a Sério: processo
estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças”60.
Por sua vez, Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti Jr. e Rafael Alexandria de Oliveira, em
seu ensaio “Notas sobre decisões estruturantes”, abordam o tema sobre a perspectiva de decisão
estrutural, e apontam:

A decisão estrutural (structural injunction) é, pois, aquela que busca


implantar uma reforma estrutural (structural reform) em um ente,
organização ou instituição, com o objetivo de concretizar um direito
fundamental, realizar uma determinada política pública ou resolver
litígios complexos. Por isso, o processo em que ela se constrói é
chamado de processo estrutural61.

Novamente aqui, observa-se que o conceito dado pelos autores para decisão estrutural é
muito mais voltado para o bem da vida tutelado por meio do processo, do que o processo em
si. Como é possível perceber, há grande dificuldade em estabelecer um conceito preciso de
processo estrutural – algo estranho à tradição jurídica brasileira, que valoriza conceitos e
sistematizações. Não obstante, há que se considerar que existe um núcleo importante de
significado comum. Ainda que diversas as terminologias adotadas e diversas as tentativas de
elaboração de um conceito, é possível identificar com facilidade que todos os autores estão
falando sobre a mesma coisa e preocupados com o mesmo problema: que o direito processual
civil acompanhe o desenvolvimento da sociedade e seja capaz de oferecer respostas sobre como
tutelar adequadamente conflitos altamente complexos, com múltiplos polos de interesses.

59 VITORELLI, Edilson. Litígios Estruturais: decisão e implementação de mudanças socialmente relevantes pela
via processual. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador:
Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 370.
60 VITORELLI, Edilson. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico

e suas diferenças. Revista de Processo, São Paulo, Ano 43, n. 284, p.333-369, out. 2018. Mensal.
61 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as

decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos
Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 355.
28

Alinhando-se à lição de Sérgio Cruz Arenhart, é possível concluir que o problema


conceitual não é tão significativo quanto a necessidade de desenvolver instrumentos para que
o processo possa ser ambiente adequado para a discussão e tutela de interesses multipolares
complexos, como será demonstrado a seguir.

2.2 . O Processo Estrutural entre a Tutela dos Direitos Coletivos e a Tutela Coletiva dos Direitos

Os conflitos tipicamente tutelados por meio do Processo Estrutural, são entendidos como
conflitos multipolares complexos. Multipolar, por não se resumir a dois interesses
diametralmente opostos tal qual ocorre no modelo bipolar já descrito. Aqui, há uma
multiplicidade de núcleos de interesses envolvidos, que devem ser ponderados para a
construção da decisão judicial.62 Dificilmente, portanto, o Processo Estrutural trabalhará com a
lógica de “o vencedor leva tudo”. Essa multiplicidade de interesses se dá, em grande parte, em
função da complexidade do problema a ser solucionado por meio desse processo. A questão
enfrentada potencialmente afeta a esfera jurídica de incontáveis indivíduos e demanda solução
escalonada em etapas, mediante a conjunção de diversos esforços.
As circunstâncias apresentadas podem estar presentes tanto quando na diante da tutela de
direitos coletivos propriamente dita, como também na tutela coletiva de direitos.63 O Processo
Estrutural é uma solução que não é pensada exclusivamente para uma ou para outra tutela, mas
para as circunstâncias elencadas. Conclui-se, portanto, que o Processo Estrutural é uma resposta
que doutrina e jurisprudência apresentam para responder aos problemas com os quais deparam-
se tanto a tutela de direitos coletivos como a tutela coletiva de direitos no Brasil.

PARTE II. O PROCESSO ESTRUTURAL COMO RESPOSTA AOS LITÍGIOS


MULTIPOLARES COMPLEXOS

62
ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais. vol. 225/2013. p. 393.
63 Há que se recordar aqui também, importante lição de Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, sobre direitos

subjetivos que só podem ser tratados em conjunto por atingir a esfera jurídica de outros indivíduos. São o que os
autores denominam de direitos pseudoindividuais. - GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos; Projeto de Lei n. 8058/2014 – Considerações Gerais e Proposta de
Substitutivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). p.
630.
29

1. O DIREITO AO DEVIDO PROCESSO ESTRUTURAL: DA RIGIDEZ À ADEQUAÇÃO

1.1. Do Direito ao Devido Processo Individual ao Direito ao Devido Processo Estrutural

A Constituição de 1988 refere que todos têm direito ao devido processo legal (art. 5º,
inciso LIV, CF), recepcionando a expressão due process of law do direito anglo-americano64.
Essa expressão aparece pela primeira vez, segundo leciona Sérgio Mattos, no capítulo 3º do 28º
Estatuto de Eduardo III, de 1354, remontando suas origens à Magna Carta inglesa de 1215
(cláusula n. 39)65.
O devido processo legal constitui um direito subjetivo, especificamente um direito
subjetivo ao “devido processo legal como um todo”66. Isso quer dizer que o devido processo
legal é um conjunto de direitos – como, por exemplo, o direito ao contraditório e à ampla defesa
(art. 5º, inciso LV, CF).
É muito comum ligar o devido processo legal à observância das normas processuais
previstas pela Constituição (art. 1º, CPC) e pelo legislador (art. 8º, CPC). Contudo, como fruto
da sua expansividade, variabilidade e perfectibilidade 67 , o devido processo legal pode se
diferenciar para se adaptar às necessidades dos litígios que esse visa a instrumentalizar.
É aqui que reside a principal diferença do devido processo legal individual para o devido
processo legal estrutural. Enquanto o devido processo legal individual está mais ligado à
legalidade (por exemplo, com respeito ao princípio da demanda e ao princípio da estabilidade
do processo), o devido processo legal estrutural está mais aberto à construção de soluções pelo
juiz e pelas partes para a especificade do direito material e que evolua com a evolução do

64 Nesta monografia adotamos a ideia de que o devido processo legal deve ser entendido apenas como um princípio

processual (conforme MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel, Curso de Direito Constitucional, 7.
Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 798, em coautoria com SARLET, Ingo; ÁVILA, Humberto, “O que é Devido
Processo Legal?”, Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, n. 163). Para um debate a respeito
do tema, defendendo a utilidade da cláusula do devido processo legal substancial, com ampla pesquisa no direito
americano, MATTOS, Sérgio, Devido Processo Legal e Proteção de Direitos. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009.
65 MATTOS, Sérgio, Devido Processo Legal e Proteção de Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009,

p. 17.
66 Sérgio Mattos, Devido Processo Legal e Proteção de Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.

155.
67 Como observam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, com apoio nas lições de Italo Andolina e

Giuseppe Vignera, Curso de Direito Constitucional, 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 799, em coautoria com
Ingo Sarlet, “o direito ao processo justo é um modelo mínimo de conformação do processo. Com rastro fundo na
história e desconhecendo cada vez mais fronteiras, o direito ao processo justo é reconhecido pela doutrina como
um modelo em expansão (tem o condão de conformar a atuação do legislador infraconstitucional – e não é por
outra razão que o art. 1º do CPC de 2015 sintomaticamente refere que o processo civil será ‘ordenado, disciplinado
e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República’),
variável (pode assumir formas diversas, moldando-se às exigências do direito material e do caso concreto) e
perfectibilizável (passível de aperfeiçoamento pelo legislador infraconstitucional)”.
30

tratamento da causa em juízo (por exemplo, a variação das medidas executivas e a própria
alteração ao longo do procedimento das providências que devem ser tomadas para bem tutelar
os direitos). Dada as especifidades do processo estrutural, que serão a seguir exploradas, essa
sua maior abertura a soluções adaptadas para o caso concreto é inclusive maior do que aquelas
praticadas no processo coletivo em geral (por exemplo, a menor rigidez do objeto do processo).
Isso não quer dizer, portanto, que a cláusula do devido processo legal não se aplique aos
processos estruturais. Essa se aplica, apenas atuando de forma diferente diante das
especifidades dos litígios estruturais complexos que dão lugar aos processo estruturais. Essa
conclusão é possível justamente pela “variabilidade” 68 que caracteriza o direito ao devido
processo legal.

1.2. As Características do Processo Estrutural

Não obstante a inexistência de consenso sobre sua definição, o Processo Estrutural tem
algumas características que são fundamentais, em vista da necessidade de adequação do
processo às peculiaridades da tutela de interesses multipolares complexos. Isso porque, como
já demonstrado, a necessidade de se pensar nas strcutural injunctions surgiu da compreensão
de que o processo tradicional era demasiado rígido para atender às vicissitudes desses conflitos,
que demandam ainda maior adequação ao caso concreto que o processo coletivo tradicional,
por exemplo. Corrobora com essa afirmação o provocante título atribuído por Abram Chayes
ao capítulo de seu ensaio que versa sobre as características do processo para tutelar conflitos
não-bipolares: O Triunfo da Equity. 69 As características que, embora individualmente não
suficientes, em conjunto diferenciam o Processo Estrutural dos processos individual e coletivo
tradicionais, podem ser resumidas em:
Envolver conflitos multipolares complexos: talvez a característica mais importante dos
processos estruturais seja a multiplicidade de interesses envolvidos sobre o objeto do litígio.70
Contrapondo-se ao que a doutrina denomina como modelo bipolar, o Processo Estrutural não
trabalha com a lógica da contraposição de dois interesses diametralmente opostos, mas sim,
com a formação de diversos núcleos de posições e opiniões. A relação processual se desenvolve

68 Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, com apoio nas lições de Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Curso

de Direito Constitucional, 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 799, em coautoria com Ingo Sarlet.
69 “The Triumph of Equity”. - CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law

Review. Vol. 89, N. 7 (Maio, 1976), p. 1292.


70 ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Multipolar, Participação e Representação de Interesses Concorrentes. In:

ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017.
Cap. 13. p. 423/424.
31

de maneira plúrima, multifacetária, com multiplicidade de sujeitos com pontos de vista


diferentes que merecem ser ouvidos e influenciar a construção da decisão judicial.71 Por essa
razão multipolaridade não pode ser entendida como oposição. Nem sempre em um processo
estrutural terá um vencedor ou perdedor, haja vista que, embora haja multiplicidade de
interesses eles não são necessariamente antagônicos. É possível que se atinja no processo
estrutural um denominador comum na ponderação dos interesses. Por essa razão, Sérgio Cruz
Arenhart questiona inclusive o emprego da expressão “conflito” no âmbito dos Processos
Estruturais, ao sustentar:

Embora o texto aluda, constantemente, a expressões classicamente


ligadas à finalidade da prestação jurisdicional – “conflito”, “litígio”,
etc. – é até mesmo de se duvidar da adequação do emprego desses
vocábulos em relação aos processos estruturais. A rigor, essas
expressões ligam-se aos conflitos bipolarizados, em que há um polo
demandante, a que se opõe outro, demandado. No caso dos “conflitos”
estruturais, porém, o que há é um problema, que demanda solução, e
que envolve diversos interesses e pontos de vista diferentes. Nem
sempre haverá conflito, no seu sentido próprio, já que, muitas vezes, os
sujeitos envolvidos convergem na conclusão sobre a necessidade de dar
solução ao problema; divergem, porém, quanto à forma de solução, ao
tempo ou a aspectos dessa resposta.72

Referida característica importa na dedução pela doutrina de requisitos indispensáveis


para os processos estruturais: redefinição do contraditório enquanto direito de influir e
participação no processo. Sobre a redefinição da noção de contraditório, leciona Sérgio Cruz
Arenhart:

O contraditório visto como direito de efetivamente influir no


convencimento do juiz, aqui, não pode limitar-se a partes de um conflito
abstrato. Exige a participação de toda coletividade, na medida em que
a política pública também se destina a toda ela. Logicamente, porém,
essa ampla participação de todos os sujeitos individuais que compõem
o grupo ou a sociedade como um todo é inviável, o que impõe o
emprego de técnicas de representação adequada dos vários interesses
em jogo e dos vários segmentos que possam utilmente contribuir para
a construção da decisão judicial. Ainda assim, porém, trata-se de uma

71
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 481; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo Multipolar, Participação e Representação de Interesses Concorrentes. In: ARENHART, Sérgio Cruz;
JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 13. p. 424.
72
ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Multipolar, Participação e Representação de Interesses Concorrentes. In:
ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017.
Cap. 13. p. 424. Nota de rodapé n. 5.
32

visão muito mais ampla do que o tradicional dualismo que impregna o


processo individual e o processo coletivo tal como praticado hoje em
dia.73

Sobre a necessidade de participação no processo estrutural não apenas dos núcleos de


interesses envolvidos, mas também de especialistas a fim de contribuir com conhecimento
técnico necessário para elaborar soluções para o conflito de fundo, o autor prossegue:

As questões típicas dos litígios estruturais envolvem valores amplos da


sociedade, no sentido não apenas de que há vários interesses
concorrentes em jogo, mas também que a esfera jurídica de vários
terceiros podem ser afetados pela decisão judicial. Para a consecução
desse objetivo, instrumentos como as audiências públicas e o amicus
curiae são fundamentais. Audiências que permitam participação ampla
da comunidade envolvida, embora não disciplinadas expressamente
nem no CPC, nem na legislação básica a respeito do processo coletivo.
Do mesmo modo, é fundamental que o processo seja capaz de absorver
a experiência técnica de especialistas no tema objeto da demanda, em
que possam contribuir tanto no dimensionamento adequado do
problema a ser examinado, como em alternativas à solução da
controvérsia.74

A multiplicidade de interesses envolvidos e complexidade das questões enfrentadas nos


processos estruturais fazem com que todo o procedimento seja pensando a partir de lógica
diversa. Em outras palavras, as regras do direito processual civil devem ser pensadas no
Processo Estrutural à luz dessa especificidade a fim de seja capaz de prestar tutela adequada.
Prospectividade. Os Processos Estruturais, para muito além da reparação de um dano já
ocorrido em espaço delimitado de tempo no passado, visam à alteração de determinada prática
ou instituição cujo estado de ilicitude pode se protrair por tempo indeterminado. A
complexidade do conflito de fundo e sua extensão demandam soluções igualmente complexas,
orientadas para o futuro.75 Por isso, o Processo Estrutural encerra procedimento que, além de
tratar de fatos passados, precisa trabalhar com probabilidades sobre fatos futuros. Com base
nos exemplos analisados ao longo do trabalho, percebe-se que no Processo Estrutural é
necessário analisar os diversos projetos para alteração no estado de coisas, seus possíveis

73 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 480.
74 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 480/481.
75 “Instead of a dispute retrospectively oriented toward the consequences of a closed set of events, the court has a

controversy about future probabilities”. - CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation.
Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio, 1976), p. 1292.
33

efeitos, impactos, custos, problemas que podem gerar, dentre outros fatores. Significa dizer que
o conjunto dos atos processuais é, em quase sua totalidade, orientado para o futuro, visando o
desenvolvimento de verdadeiro “programa” que contenha consequências futuras que
acomodem os múltiplos interesses envolvidos.76
Flexibilização Procedimental. Ainda que se trabalhe com probabilidade dos eventos
futuros, no decorrer de um Processo Estrutural podem ocorrer diversas situações que não são
passíveis de previsão. Ao longo do desenvolvimento do processo não é incomum o
descobrimento de novas informações, alterações no estado de coisas, redimensionamento do
conflito, em síntese, eventos que não podem ser previstos em um momento inicial do processo.
Muitas vezes, ao ingressar com demanda estrutural, a parte autora não tem condições de
apresentar o problema de fundo com profundidade e dimensão adequadas. Do mesmo modo,
pode ocorrer de que no início da demanda não se consiga estabelecer quais são os diversos
núcleos de interesses envolvidos no conflito. Assim como ocorreu no caso Mendoza77, a real
extensão do problema foi sendo descoberta paulatinamente nas fases de cognição e execução
do processo. Por essa razão, a especial variação do direito material debatido em juízo em um
Processo Estrutural, acarreta a necessidade de uma adequação maior e mais constante do
processo ao litígio. O Processo Estrutural é tipicamente organizado em uma sequência de
etapas, de tal sorte que a anterior é necessária e determinante para a seguinte, e assim por diante,
no que Sérgio Cruz Arenhart denomina de provimentos em cascata.78 Referida estrutura requer
grande flexibilização procedimental, que demais modalidades de processo não lograram êxito
em alcançar.
Ainda que o processo individual tradicional e o processo coletivo prevejam, em alguma
medida, alguma forma de flexibilização do procedimento, são processos fortemente marcados
pela rigidez 79 . Possuem fases delimitadas, são marcados por preclusões e, na prática, são

76 “The liability determination is not simply a pronouncemente of the legal consequences of past events, but to

some extent a prediction of what is likely to be in the future. And relief is not a terminal, compensatory transfer,
but an effort to devise a program to contain future consequences in a way that accommodates the range of interests
involved.” - CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N.
7 (Maio, 1976), p. 1294.
77
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de La Nación. Mendoza, Beatriz Silvya y Otros, C/ Estado
Nacional y Otros S/ Daños y Perjuicios (daños Derivados de La Contaminación Ambiental del Río Matanza
- Riachuelo nº M. 1569. XL. ORI. Buenos Aires, 2008. Disponível em:
<https://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/documentos/verDocumentoByIdLinksJSP.html?idDocumento=647639
1&cache=1536770343506>. Acesso em: set. 2018.
78
ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais. vol. 225/2013. p. 395.
79 Adota-se aqui, o conceito de processo rígido explorado por Paulo Mendes de Oliveira em sua tese de doutorado:

“Entende-se por um processo rígido aquele que foi desenhado previamente pelo legislador, estando as partes e o
juiz interditados de nele interferir. Os sujeitos processuais estão submetidos ao trâmite previsto em lei, ainda que
entendam que eventuais características do caso concreto recomendem um tratamento diversos para uma prestação
34

regidos por uma mesma lógica, incompatível com as vicissitudes dos conflitos multipolares
complexos.
Não se ignora que o Código de Processo Civil de 2015 tenha realizado inegáveis
avanços no que tange à flexibilização do procedimento em comparação ao Código de Processo
Civil de 1973.80 Porém, como a doutrina expõe, a flexibilização que foi consagrada na redação
final do projeto de lei que resultou no CPC de 2015 é, em quase sua totalidade, apenas a
convencional. Nesse sentido, Paulo Lucon, entende que uma das grandes respostas para
flexibilização necessária aos Processos Estruturais no Brasil é por meio dos negócios jurídicos
processuais.81
Efetivamente, os negócios jurídicos processuais são ferramentas muito bem-vindas com
o advento do CPC/15 e podem contribuir com o desenvolvimento dos Processos Estruturais.
Contudo, ao falar em flexibilização procedimento no âmbito dos Processos Estruturais,
percebe-se que essa está muito mais ligada à flexibilização judicial, no sentido de o julgador
adequar o procedimento previsto in abstracto às necessidades do concreto.82 Ademais, o caráter
difuso e indisponível de muitos dos direitos tipicamente tutelados no âmbito dos Processos
Estruturais, assim como os problemas relacionados à representatividade, recomendam que essa
flexibilização não seja deixada exclusivamente a encargo das partes.83 É precisamente esse
aspecto da flexibilização procedimental que a redação final do Código de Processo Civil de
2015 deixou de desenvolver adequadamente.84 Por isso a necessidade de se pensar no direito a
um devido processo legal estrutural, marcado pela adequação do processo e ampla possibilidade
de flexibilização do procedimento diante das necessidades do caso concreto.
Abertura do princípio da demanda. Como visto, diversas razões fazem com que, em
uma demanda estrutural, seja muito difícil antever todos os pedidos e medidas necessárias para

jurisdicional adequada”- OLIVEIRA, Paulo Mendes de. Segurança Jurídica e Processo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2018. p. 29.
80 OLIVEIRA, Paulo Mendes de. Segurança Jurídica e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 311

e ss.
81 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fundamentos do Processo Estrutural. In: JAYME, Fernando Gonzaga;

MAIA, Renata Christiana Vieira; REZENDE, Esther Camila Gomes Norato; LANNA, Helena. (Org.). Inovações
e modificações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: DelRey. 2017, vol. 1. p. 11-20. Passim.
82 Sobre a necessidade da adoção de postura mais ativa do juiz na condução de processos envolvendo interesse

público, ver: CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89,
N. 7 (Maio, 1976), p. 1281-1316. Chama ainda maior atenção a posição do autor, considerando estar inserido na
tradição do Common Law, onde tradicionalmente atribui-se ao juiz postura mais passiva. O autor expõe, já na
década de 70, a necessidade de superação dessa concepção que qualifica como equivocada.
83 Sobre a importância da flexibilização judicial, conferir: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização

procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual, de acordo com as
recentes reformas do CPC. São Paulo: Atlas, 2008. Passim.
84 KOPLIN, Klaus. O Novo CPC e os Direitos Fundamentais Processuais: uma Visão Geral, com Destaque para o

Direito ao Contraditório. In: RUBIN, Fernando; REICHELT, Luís Alberto (Org.), Grandes Temas do Novo
Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 35; OLIVEIRA, Paulo Mendes de.
Segurança Jurídica e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 35.
35

a realização da pretensão. Normalmente, em um Processo Estrutural, essa aferição só será


possível ao final do processo. Por isso, o princípio da demanda deve ser visto de maneira aberta
nesse processo, com incidência sem o mesmo rigor de como é tradicionalmente concebida. Isso
não significa que o juiz terá total liberdade para decidir sobre o que quiser no processo. As
medidas por ele impostas devem estar em consonância com a lesão que se pretende impedir ou
reparar. Do contrário, tolerar que a decisão judicial extrapole os limites do ilícito, importará em
atribuir ao magistrado função de gestor que não lhe pertence. 85
Dentro dos limites apontados, é muito comum e esperado no processo estrutural que a
atividade judicial seja mais ampla e, por muitas vezes, extrapole os limites dos pedidos
inicialmente formulados na demanda. A respeito da necessidade de revisão do princípio da
demanda no ordenamento atual, Sérgio Cruz Arenhart sustenta que é necessário levar em
consideração o duplo fundamento em que se apoia o princípio: a natureza disponível dos
direitos envolvidos no processo civil e a preservação da imparcialidade do juiz.86
Sobre a primeira razão invocada, importante considerar que a maior parte dos interesses
tutelados por meio do Processo Estrutural ou são indisponíveis ou são interesses pseudo-
individuais 87 . Além disso, ainda que o processo verse exclusivamente sobre direitos
disponíveis, não se pode esquecer o manifesto interesse do Estado (de cunho nitidamente
indisponível) de aplicar o direito objetivo e manter a paz social.88 Portanto, a razão invocada
não é fundamento suficiente e válido para a aplicação do princípio da demanda tal qual
originalmente concebido.

85 ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista de Processo,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 225, p. 394.
86 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos direitos
individuais homogêneos. 2 ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. P. 187.
87 “O pedido, embora baseado num direito subjetivo, na verdade, só pode ser formulado coletivamente, pois só
pode afetar diretamente a todos. Trata-se de casos em que a relação do direito material, jurídica ou de fato é
unitária, e só pode ser resolvida de maneira igual para todos.”- ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais
no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo;
COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador:
Juspodivm, 2017. p. 630.
88 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos direitos
individuais homogêneos. 2 ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 187.
36

Quanto à segunda razão, o autor afirma que não é possível confundir imparcialidade
com neutralidade. Juiz imparcial é aquele que não está comprometido com alguma das partes.
Não é aquele que se mantém passivo no processo, como mero espectador.89
Cumpre por fim, salientar que Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti Jr. e Rafael Alexandria
de Oliveira utilizam a expressão “atenuação da regra da congruência objetiva externa”, para
designar a mesma característica.90
Amplitude na fase de execução. O processo estrutural não é marcado por fases bem
delimitadas de cognição e execução. Essas, ao longo do processos, irão se misturar por meio de
provimentos em cascatai, isto é, decisões escalonadas. Isso se dá, em grande parte, em virtude
da dificuldade, já constatada, de prever (seja na dedução dos pedidos iniciais, seja na prolação
da primeira decisão judicial) a real dimensão do conflito enfrentado e respectivas soluções.
Diante desse quadro, é muito comum no processo estrutural que a primeira decisão (ou sentença
de fundo) seja quase que principiológica, fixando apenas em linhas gerais o objetivo a ser
alcançado por meio do processo. Importantes decisões sobre as medidas a serem adotadas para
tanto serão tomadas concomitantemente com o cumprimento da sentença principal. Nesse
sentido, afirma Sérgio Cruz Arenhart:

Após essa primeira decisão – normalmente, mais genérica, abrangente


e quase “principiológica”, no sentido de que terá como principal função
estabelecer a “primeira impressão” sobre as necessidades da tutela
jurisdicional – outras decisões serão exigidas, para a solução de
problemas e questões pontuais, surgidas na implementação da “decisão-
núcleo”, ou para a especificação de alguma prática devida.
Possivelmente, isso se sucederá em uma ampla cadeia de decisões, que
implicarão avanços e retrocessos no âmbito de proteção inicialmente
afirmado, de forma a adequar, da melhor forma viável a tutela judicial
àquilo que seja efetivamente possível de se lograr no caso concreto.91

Evidentemente, a complexidade do conflito de fundo, além de demandar que o processo


seja estruturado à sua luz, pode demandar atividades executivas por diversos anos, inclusive

89 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos direitos
individuais homogêneos. 2 ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 189.
90 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 361.
91 ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista de Processo,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 225, p. 394.
37

décadas. Por isso a necessidade de se pensar em uma fase de execução (se é que há uma fase
delimitada de execução) muito ampla nos processos estruturais.
Em síntese, é possível afirmar que as características essenciais do Processo Estrutural
são: i) seu caráter multipolar; ii) efeitos prospectivos; iii) flexibilização procedimental; iv)
abertura do princípio da demanda e v) amplitude na fase de execução.92

2. Um Procedimento Adequado para o Controle Judicial de Políticas Públicas

2.1. O Campo Típico do Processo Estrutural: o Exemplo do Caso Mendoza

O campo típico do processo estrutural pode ser bem evidenciado pelo caso Mendoza,
julgado pela Suprema Corte da Nación Argentina. A sua análise também revela importantes
características dos litígios complexos e dos processos estuturais trabalhados pela doutrina
argentina, especialmente por Francisco Verbic, um dos principais expoentes do tema.
Francisco Verbic aponta que o caso Mendoza, Beatriz y ots. c/ Estado Nacional y ots. s/
Daños e Perjuicios93 é o exemplo mais importante sobre a experiência do uso de um remédio
estrutural na Argentina. De acordo com o autor, a estrutura e objeto da decisão proferida no
caso possui contornos típicos das estrutural injunctions do sistema estadunidense, o que lhe
confere um duplo interesse para a nossa pesquisa.
Em ensaio que se tornou clássico a respeito do tema94, Verbic salienta a importância de
notar que no caso houve a judicialização de uma problemática ambiental e social muito
profunda no país, notadamente aquela referente aos efeitos da contaminação da bacia
hidrográfica Matanza-Riachuelo, que abrange superfície total de 2.250km na Argentina. Trata-
se de área em que residem mais de 5 milhões de pessoas.
A demanda inicial foi promovida por um grupo de pessoas (que vivia nessa zona
contaminada) diretamente perante a Corte Suprema de Justicia de la Nación (CSJN) contra o
Estado Nacional, a província de Buenos Aires, a cidade de Buenos Aires e quarenta e quatro

92 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 475-492. Passim.
93
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de La Nación Argentina. Mendoza, Beatriz Silvya y Otros, C/
Estado Nacional y Otros S/ Daños y Perjuicios (daños Derivados de La Contaminación Ambiental del Río
Matanza - Riachuelo nº M. 1569. XL. ORI. Buenos Aires, 2008. Disponível em:
<https://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/documentos/verDocumentoByIdLinksJSP.html?idDocumento=647639
1&cache=1536770343506>. Acesso em set. 2018.
94
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 287-316.
38

empresas com estabelecimento na área da bacia hidrográfica. Em momento posterior foram


também incluídas no polo passivo outras quatorze cidades da província de Buenos Aires.
Dentre os pedidos formulados na petição inicial, destacam-se: i) reparação dos danos
ambientais decorrentes da contaminação da bacia hidrográfica e indenização coletiva pelos
prejuízos; ii) criação de um fundo público para reparar os danos individuais homogêneos
suportados pelas vítimas; iii) obtenção de ordem judicial para que o Poder Executivo
restabeleça e prossiga com a execução do Plano de Gestão Ambiental de Manejo da Bacia
Hidrográfica Matanza-Riachuelo; iv) implementação de medidas urgentes para atender à saúde
da população ribeirinha e v) inscrição da execução no registro imobiliário dos bens a fim de
evitar fraudes futuras por parte das empresas demandadas95.
A primeira decisão do caso foi prolatada em 20 de junho de 2006, oportunidade em que
a Suprema Corte Argentina resolveu separar os pedidos a fim de reafirmar sua competência
originária. Considerou que as pretensões que poderiam ser cumuladas perante a Corte são
aquelas que dizem respeito somente aos danos de incidência coletiva, os únicos tutelados pela
Lei Geral do Meio Ambiente n. 25.67596 97. Aliás, diga-se de passagem, é importante observar
que essa decisão de modo algum considerou que os direitos individuais homogêneos não são
passíveis de tutela mediante um processo estrutural, limitando-se simplesmente a declarar a
ausência de competência da Suprema Corte para conhecê-los.
Cindidos os pedidos, a Suprema Corte constatou diversas deficiências de informação na
petição inicial que obstavam o reconhecimento do pedido final dos autores. Assim, e aqui é de
grande relevância observar, a Corte adotou postura ativa ainda inédita em sua atuação: em vez
de extinguir o feito sem resolução do mérito, determinou uma série de medidas instrutórias e
ordenatórias a fim de viabilizar seu prosseguimento98. Aliás, como veremos ao seu tempo, essas
medidas podem ser reconduzidas ao modelo de processo cooperativo, o qual serve de norma

95
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 289.
96
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 292.
97
ARGENTINA. Ley General del Ambiente n. 25.675. Art. 19: Toda persona tiene derecho a ser consultada y
opinar en procedimientos administrativos que se relacionem con la preservación y protección del ambiente, que
sean de incidencia general o particular, y de alcance general. Disponível em:
http://infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/75000-79999/79980/norma.htm. Acesso em nov. de 2018.
98
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 292.
39

fundamental para a interpretação e a aplicação do processo civil brasileiro em geral (art. 6º,
CPC)99.
Dentre as medidas instrutoras e ordenatórias tomadas pela Suprema Corte neste
momento inicial do processo, destacam-se: i) determinação para que as empresas demandadas
prestassem informações sobre diversos aspectos do caso; ii) determinação para que os entes
estatais demandados juntamente com o Conselho Federal de Meio Ambiente elaborassem plano
integrado que contemplasse as mais diversas atividades necessárias para solucionar o conflito;
iii) determinação de realização de audiência pública para que as partes apresentassem oralmente
o plano integrado e iv) oportunização à parte autora de complementação da petição inicial
mediante o aporte das informações faltantes, indicadas pela Corte na própria sentença.100
Outro recurso interessante do qual a Corte Argentina lançou mão foi a regulação ad hoc
do rito que as audiências públicas por ela designadas deveriam seguir101. Na parte indicial do
regramento, delimitou o objeto das audiências, vale dizer, as perguntas que ensejariam o debate
e fornecimento de informações. Após, estabeleceu o trâmite ao qual a audiência estaria sujeita,
com características como a apresentação de informações escritas antes da realização da
audiência e prerrogativa do Tribunal de formular perguntas e pedir explicações. Também
informou o número de assentos disponíveis na sala e a possibilidade de que fossem realizadas
novas audiências periodicamente102.
O regramento prévio, por meio de decisão judicial, do modo como as audiências
públicas viriam a ser desenvolvidas ao longo do processo é grande exemplo de adequação do
processo às especificidades do direito tutelado, às partes e aos interessados. A disponibilização
de informações escritas antes da realização da audiência permite que os magistrados tenham
desde já conhecimento mínimo acerca da matéria debatida e, consequentemente, estejam mais

99
Sobre o princípio da colaboração ou da cooperação, é de se destacar a importância fundamental dos trabalhos
de ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto, “Poderes do Juiz e Visão Cooperativa do Processo”, Revista da
Ajuris. Porto Alegre, 2003, n. 90; Id., Do Formalismo no Processo Civil - Proposta de um Formalismo-
Valorativo, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Ainda, MTIDIERO, Daniel, Colaboração no Processo Civil -
Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
100
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 292.
101
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 293.
102
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de La Nación Argentina. Mendoza, Beatriz Silvya y Otros, C/
Estado Nacional y Otros S/ Daños y Perjuicios (daños Derivados de La Contaminación Ambiental del Río
Matanza - Riachuelo nº M. 1569. XL. ORI. Buenos Aires, 2008. Disponível em:
<https://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/documentos/verDocumentoByIdLinksJSP.html?idDocumento=647639
1&cache=1536770343506>. Acesso em: 12 set. 2018.
40

preparados para a condução dos atos e formular pedidos de esclarecimento das questões que
não foram suficientemente demonstradas pelas partes. Por outro lado, ao informar com
antecedência sobre o número de assentos que a sala de audiências dispunha, permite que a
sociedade se organize de modo a garantir que o maior número de interessados esteja
representado na audiência.
Observa-se, assim, que o regramento previsto pela Corte Argentina no caso permitiu
significativo aperfeiçoamento da atividade de cognição judicial na busca pela verdade, tanto no
plano vertical como também horizontal.103 Em outras palavras, significa dizer que o simples
estabelecimento de regras prévias sobre o modo como o ato processual seria desenvolvido
(aqui, audiência pública) permitiu significativo aumento da atividade de cognição, tornando-se
mais exauriente e com maior amplitude.
No caso Mendoza, a eficiência promovida pelo regramento da primeira audiência
pública, fez com que o rito nele previsto fosse aplicado a todas as audiências subsequentes no
desenvolver do processo.
Além do mecanismo das audiências públicas, no caso Mendoza, a Suprema Corte
Argentina designou o Defensor Publico del Pueblo de la Nación para coordenar grupo
colegiado formado pelas organizações não governamentais que participaram do processo. As
atribuições do grupo colegiado consistiam em ouvir sugestões da população e lhes dar
encaminhamento, bem como receber informações e formular propostas concretas para o melhor
alcance dos objetivos traçados no programa a ser executado pela Autoridad de Cuenca
Matanza-Riachuelo (ACUMAR).
Francisco Verbic aponta que o desenvolvimento de mecanismos de participação da
população foi outra grande novidade que surgiu a partir do caso Mendoza, uma vez que, não
obstante existisse previsão de participação popular na Lei Geral do Meio Ambiente (Lei n.
25.675), essa se restringia ao âmbito da esfera administrativa, nada mencionando sobre a
possibilidade de influência no processo judicial.104
Nesse sentido, o artigo 19 da Lei Geral do Meio Ambiente argentina dispõe que “toda
pessoa tem direito de ser consultada e opinar em procedimentos administrativos que se

103 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000. p. 111.
104
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 302.
41

relacionem com a preservação e proteção do meio ambiente, de incidência geral ou particular,


e de alcance geral.”105
Contudo, sequer seria necessário previsão legislativa de participação popular ou
interpretação analógica da Lei Geral do Meio Ambiente para que pudesse ser realizada. A
participação popular enquanto mecanismo de legitimação da intervenção do Poder Judiciário
em outras esferas, como ocorre com a proteção do meio ambiente e efetivação de políticas
públicas em sentido lato, está intimamente ligada a importante característica dos processos
estruturais, evidenciada por Sérgio Cruz Arenhart: a redefinição de contraditório enquanto
direito de influir.106 Se em um Estado Democrático de Direito como o Brasil, todo poder emana
do povo e é ele o destinatário último das políticas públicas e efetivação de direitos, é evidente
que deve poder participar na construção da decisão judicial que visa tutelar esses direitos.
É certo, contudo, que essa participação não deve ocorrer de forma indiscriminada, em
todo e qualquer caso sem levar em consideração as características do litígio que o processo
encerra e prévia análise do binômio utilidade/necessidade de sua realização. Em interessante
estudo sobre diferenças e aproximações de participação e representação no âmbito do
processo, Edilson Vitorelli107 adverte que abrir espaço para participação popular no processo
aumenta seus custos e também o tempo do processo. Deste modo, deve ser realizada se e na
medida em que as características do litígio trazido a juízo requeiram.108
Seja como for, a participação e influência da população em processos estruturais que
versam sobre políticas públicas, como o caso Mendoza, promove o que Roberto Omar
109
Berizonce evidenciou, com base na tese de Hermes Zaneti Jr. como sendo a
institucionalização de procedimentos democráticos, em um paradigma cooperativo de
administração da justiça.110

105
ARGENTINA. Ley General del Ambiente n. 25.675. Art. 19: Toda persona tiene derecho a ser consultada
y opinar en procedimientos administrativos que se relacionem con la preservación y protección del ambiente,
que sean de incidencia general o particular, y de alcance general. Disponível em:
http://infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/75000-79999/79980/norma.htm. Acesso em nov. de 2018.
106
ARENHART, Sérgio Cruz. “Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do
carvão”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O
Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 480.
107 LIMA, Edilson Vitoreli Diniz. O Devido Processo Legal Coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015.

200p. Passim. Trata-se da versão comercial da tese de doutorado de Edilso Vitorelli intitulada Devido Processo
Legal Coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, defendida no ano de 2015,
sob orientação do Professor Luiz Guilherme Marinoni.
108
Sobre o tema, ver também: ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Multipolar, Participação e Representação
de Interesses Concorrentes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos
Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 13. p. 423-448.
109 ZANETI JR., Hermes. A Constitucionalização do Processo. 2. Ed. São Paulo: Atlas. 288p. Passim.
110
BERIZONCE. Roberto Omar. Los conflitos de interés público. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de
Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 269.
42

Concomitantemente ao desenrolar do processo judicial no caso Mendoza foi criado


importante ente responsável pela proteção da bacia hidrográfica de Matanza-Riachuelo que,
como será visto adiante, foi o principal condenado pela Suprema Corte Argentina na decisão
principal. Trata-se da Autoridad de Cuenca Matanza-Riachuelo (ACUMAR), ente
interjurisdicional de direito público composto pela Província de Buenos Aires, pela cidade de
Buenos Aires, Estado Nacional e o chefe da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável da Argentina (que também exerce a presidência da ACUMAR)111.
O ente foi criado por meio de Lei (Lei n. 26.168/16), por meio da qual foram
estabelecidas suas competências: regular controlar e fomentar atividades industriais, a
prestação de serviços públicos e qualquer outra atividade com impacto ambiental na bacia.112
Conta, em sua estrutura, com Conselho Municipal, composto por um representante de cada
município abrangido pela bacia de Matanza-Riachuelo e Comissão de Participação Social,
composta por representantes de organizações interessadas para o desempenho de funções
consultivas. A lei de sua criação também previu a criação de Fundo de Compensação
Ambiental, administrado pela ACUMAR, com o objetivo de prevenir e reparar os danos
ambientais113.
A proteção e recuperação ambiental de uma bacia hidrográfica poluída é um excelente
exemplo de um litígio multipolar complexo, no qual há diversos polos de interesses que
convergem à apresentação de soluções complexas mediante a conjunção de esforços de
diferentes frentes. Considerando que a proteção do meio ambiente incumbe, em última ratio,
ao Estado em suas diferentes instâncias de poder, a criação da ACUMAR possibilitou a
organização e centralização desses esforços (inclusive das pessoas jurídicas de direito privado)
sob uma autoridade. Embora não provenha diretamente do Poder Judiciário, a criação deste
ente foi fundamental para a realização do direito fundamental a uma tutela efetiva.
Não raro, a tutela coletiva de direitos e a tutela de direitos coletivos pela via judicial
envolvem diversos indivíduos no polo passivo da demanda. Diante de sua responsabilidade
concorrente, é muito comum que não haja (seja no âmbito do processo judicial ou fora dele)

111
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 295/296.
112
ARGENTINA. Ley 26.168, de 15 de nov. de 2006. Disponível em:
<http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/verNorma.do?id=122769>. Acesso em nov. De 2018.
113
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 295.
43

organização acerca das obrigações concretas de cada um para a consecução do objetivo final.
Este é um dos maiores empecilhos para a efetividade das decisões 114 : permite que os
condenados se valham da discussão acerca de sua parcela de responsabilidade para protelar o
cumprimento da decisão ou, até mesmo, torná-lo inócuo pelo decurso do tempo. Nesse sentido,
a centralização das atividades em um ente interjurisdicional de direito público que congrega os
responsáveis pela realização do bem de vida como a ACUMAR possui grande potencial de
neutralizar o problema da falta de efetividade das decisões em sede de tutela coletiva e tutela
de direitos coletivos.
Ademais, a criação da ACUMAR também evidencia importante aspecto dos Processos
Estruturais e controle judicial de políticas públicas muitas vezes mal compreendido: o diálogo
institucional. Desde o surgimento da ideia das structural injunctions e da própria ênfase na
atuação do Poder Judiciário no âmbito do Direito Público, a crítica que insistentemente ecoam
os doutrinadores que lhes são contrários é a falta de legitimidade do Poder Judiciário, uma vez
que estaria invadindo a esfera privativa de competência dos outros órgãos de poder do
Estado115.
Contudo, ao assim procederem, ignoram que uma das principais características dos
processos estruturais é precisamente a viabilização do diálogo institucional quando esse não
ocorre espontaneamente na sociedade. A decisão não é imposta, mas reconstruída com a
participação de outros órgãos do Poder Estatal.
O diálogo institucional pode ser observado inclusive no próprio ato de criação da
ACUMAR: por meio de lei inegavelmente influenciada pela atuação do Poder Judiciário
direcionada à proteção do meio ambiente116. Conforme observado anteriormente, a ACUMAR
não surgiu por imposição do Poder Judiciário, mas por iniciativa de outros poderes estatais.
Ainda assim, foi essencial para a garantia da efetividade da decisão proferida no caso Mendoza.
Seja como for, a Corte Suprema de Justicia de la Nación, ao prolatar sentença no caso
Mendoza, condenou os demandados a uma série de medidas consideradas por ela como parte
de um mandado de cumprimento obrigatório pelos demandados, com fundamento na

114
Exemplo dado pela doutrina são as ações que envolvem o fornecimento de medicamentos, em que a discussão
acerca da parcela de responsabilidade da União, Estados e Municípios obstaculiza (e muitas vezes impede) a
obtenção de tutela efetiva e tempestiva, não obstante o reconhecimento do direito. Conferir: ARENHART, Sérgio
Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos direitos individuais homogêneos.
2 ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
115
Abram Chayes, em seu ensaio The role of the judge in public law litigation (1976), já ressaltava a existência
da crítica, ao afirmar: "One response to the positive law model of litigation would be to condemn it as an intolerable
hogde-pogde of legislative, administrative, executive, and judicial functions addressed to problems that are by
nature inappropriate foi judicial resolution." Op. Cit. p. 55.
116
Corrobora com esta afirmação interessante observação feita por Francisco Verbic em seu artigo El remedio
structural de la causa Mendoza, de que a lei que criou a ACUMAR foi editada menos de cinco meses depois da
primeira decisão proferida no caso Mendoza (Op. Cit. p. 295).
44

Constituição Nacional da Argentina e na Lei Geral do Meio Ambiente (Lei n. 25.675). O


conteúdo desse mandado foi especificado pela própria Corte.
Com efeito, o conteúdo da manifestação judicial nos processos estruturais tipicamente
tem maior ênfase no reconhecimento da obrigação e homologação do projeto de recuperação
proposto como resultado do diálogo entre as partes e Ministério Público. Contudo, no caso
Mendoza, a Corte Argentina também delineou, ainda que de maneira geral, o conteúdo do
mandado de recuperação ambiental mediante a especificação dos objetivos a serem alcançados.
A justificativa para tanto fora de que, não obstante tenha oportunizado diversas vezes que as
partes propusessem soluções e apresentassem seu próprio projeto de recuperação, os
demandados deixaram de trazer ao processo propostas e informações suficientes.117 Ciente da
adoção de postura mais ativa no processo, a Suprema Corte argentina asseverou que não
avançou a fronteira constitucional de competência dos outros poderes estatais, pois apenas fixou
as finalidades a serem atingidas (como, por exemplo, a recuperação do meio ambiente no
entorno da bacia hidrográfica), sem determinar os meios e procedimentos que devem ser
adotados para sua realização118.
Conforme observa Francisco Verbic, a manifestação caracteriza consciente
autorrestrição por parte da CSJN, com o intuito de salientar a necessidade de não invadir a
esfera de atuação dos outros entres estatais119. O mandado obrigatório fixou os objetivos que
devem ser alcançados, mas as ações concretas, isto é, o modo como seriam alcançadas ficaria
a cargo de eleição por parte dos demandados, com fiscalização do Poder Judiciário e Ministério
Público.
Em apertada síntese, são objetivos fixados pela decisão120: i) a melhora de qualidade de
vida dos habitantes da região abrangida pela bacia hidrográfica; a recomposição dos

117
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 297.
118
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de La Nación Argentina. Mendoza, Beatriz Silvya y Otros, C/ Estado
Nacional y Otros S/ Daños y Perjuicios (daños Derivados de La Contaminación Ambiental del Río Matanza -
Riachuelo nº M. 1569. XL. ORI. Buenos Aires, 2008. Disponível em:
<https://sjconsulta.csjn.gov.ar/sjconsulta/documentos/verDocumentoByIdLinksJSP.html?idDocumento=647639
1&cache=1536770343506>. Acesso em: 12 set. 2018.
119
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 297.
120
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 298-300.
45

componentes do meio ambiente degradados pela atividade industrial e prevenção de danos


futuros; ii) obrigação de organizar um sistema de informação pública digital na internet para o
público em geral, que contenha com linguagem acessível todos os dados acerca do
cumprimento das obrigações impostas aos demandados, sendo constantemente atualizado121;
iii) obrigação imposta ao Poder Público de realizar inspeções em todas as empresas com
estabelecimento na área da bacia hidrográfica, intimar todas as empresas poluentes para que
apresentem plano de recuperação cuja viabilidade e suficiência serão aferidos perante a
ACUMAR; iv) informar as empresas sobre as linhas de crédito oferecidas para a implementação
dos planos de recuperação; v) implementação de medidas para interdição e fechamento de todos
os lixões a céu aberto nas margens do rio, clandestinos ou não; vi) elaboração de plano sanitário
emergencial, diagnóstico das condições da população de risco e mapa sociodemográfico da
região afetada.
Os prazos previstos no plano sanitário para a implementação de cada medida variaram,
em um primeiro momento, de trinta das a um ano. Posteriormente - e após a superação da
urgência principal de remoção da população ribeirinha das regiões de risco, constatou-se que a
realização das medidas era mais complexa do que previsto e os prazos fixados para tanto eram
demasiados exíguos122. Por essa razão (e aqui há importante flexibilização estranha ao modelo
tradicional de processo rígido), o plano sanitário foi inteiramente reformulado e posteriormente
reapresentado.
Para assegurar o efetivo cumprimento das determinações elencadas, a Corte Suprema
de Justicia de la Nación adotou polêmica medida coercitiva, que não é típica do direito
argentino ou brasileiro, mas encontra amparo na prática das structural injunctions nos Estados
Unidos: determinou que a ACUMAR adote um dos sistemas internacionais de medição para
informar o cumprimento da decisão em um prazo de trinta dias, sob pena de aplicação de multa
diária ao presidente da Autoridade da Bacia Hidrográfica.
A medida de responsabilização pessoal do agente público embora tenha significativa
aplicação nos Estados Unidos e seja considerada pelos autores americanos um dos recursos

121
Aliás, técnica semelhante foi adotada no caso brasileiro conhecido como ACP do Carvão, mediante a criação
de endereço eletrônico vinculado ao site da Justiça Federal de Santa Catarina para informar a população acerca
das medidas que vêm sendo tomadas para a recuperação de área no entorno do Município de Criciúma degradada
pela atividade mineradora. A publicidade do caso também foi veiculada no endereço eletrônico do Ministério
Público Federal, que disponibilizou todos os relatórios técnicos de acompanhamento do cumprimento da decisão.
122
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 300.
46

mais importantes para garantir a efetividade das decisões estruturais 123 , encontra forte
resistência no Brasil e Argentina. Tanto é verdade que a cominação de multa ao Presidente da
ACUMAR foi o primeira decisão a ser impugnada no caso Mendoza, pela via de uma espécie
de embargos de declaração, os quais foram rejeitados pela Suprema Corte Argentina foi o
fundamento de inexistência dos pressupostos para sua oposição124.
O principal argumento utilizado por aqueles que rechaçam a ideia de responsabilidade
pessoal do agente público ante o não cumprimento de decisão judicial, consiste na
impossibilidade de cominar sanção a indivíduo que não figurou na relação jurídico-processual.
De passagem, importa salientar que Sérgio Cruz Arenhart, um dos grandes defensores da ideia
de cominação de multa ao agente público, procura responder a esse argumento afirmando que
“se a intenção da multa é vencer a vontade do renitente, ela só pode ter por sujeito passivo,
evidentemente, aquele que tem vontade. O Estado não tem, autonomamente, vontade, de modo
que jamais poderia ser o sujeito passivo dessa multa”.125
Aliás, semelhante entendimento já foi aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça
brasileiro no Recurso Especial n. 1399842/ES.126 A discussão travada em sede de mandado de
segurança versava sobre direito à saúde, mais precisamente, a garantia de realização de cirurgia
por meio do Sistema Único de Saúde. No caso, foi cominada multa diária no valor de R$
1.000,00, ao Secretário de Saúde do Estado do Espírito Santo (autoridade coatora), ante a
demora injustificada na realização do procedimento cirúrgico.
O Ministro Relator do caso, Ministro Sérgio Kukina, assevera que não obstante o
Secretário Estadual de Saúde não figure como parte material ou formal no mandado de
segurança, participa ativamente da relação jurídico-processual, na medida em que incumbe-lhe
prestar informações e dar efetivo cumprimento ao comando judicial. Afirma também que a
doutrina vem reconhecendo que o não atendimento de ordem judicial em processos onde ente

123
CHAYES, Abram. The role of the judge in public law litigation. Harvard Law Review. Vol. 89, N. 7 (Maio,
1976), p. 1281-1316. Passim. FISS, Owen. To make the constitution a living truth: four lectures on the structural
injunctions. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais. Salvador:
Juspodivm, 2017. Cap. 19. p. 583-608. Passim.
124
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes, principales características
y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su implementación”. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de
Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 304.
125
ARENHART, Sérgio Cruz. A doutrina brasileira da multa coercitiva: três questões ainda polêmicas. Revista
Forense, São Paulo, v. 104, n. 396, p. 233-255, mar./abr. 2008. Ver também: MARINONI, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT,
2015, p. 582.
126
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n.1399842/ES. Relator: KUKINA,
Sérgio. Publicado no DJe de 03/02/2015. Disponível em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201302794476&dt_publicacao=03/02/2015>.
Acesso em: nov. 2018.
47

público seja parte, muitas vezes decorre da vontade desviante do agente público que o
representa. Deste modo, considera juridicamente possível e adequada a cominação de multa
coercitiva ao gestor público.127
Ciente da necessidade de imediação entre o órgão jurisdicional e partes, bem como a
repartição de competências entre as instâncias do Poder Judiciário, a Suprema Corte Argentina
delegou a execução da sentença ao Juízo Federal de Primeira Instância de Quilmes. O juízo de
primeiro grau também ficou encarregado de fixar o valor das multas diárias em caso de
descumprimento do programa. Ainda mais importante, foi delegada ao primeiro grau a
competência exclusiva para a revisão judicial das decisões tomadas pela ACUMAR128.
De acordo com Francisco Verbic, a delegação de competências ao juízo de primeiro
grau foi um dos aspectos mais inovadores do caso, diretamente influenciado pelo direito
comparado. Isso porque, de acordo com o autor, a medida muito se assemelha com a figura dos
officers of the Court (oficiais da Corte) dos Estados Unidos129.
Reportando-se às lições de Michele Taruffo130, Verbic explica em linhas gerais, que os
officers of the Court dos tribunais norte-americanos têm como objetivo principal controlar e
assegurar pessoalmente o cumprimento da sentença. Não obstante significativa independência

127
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA À PRÓPRIA
AUTORIDADE COATORA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 461, §§ 4º e 5º DO
CPC. RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DESPROVIDO. 1. É pacífica, no STJ, a possibilidade de aplicação,
em mandado de segurança, da multa diária ou por tempo de atraso prevista no art.461, §§ 4º e 5º do CPC.
Precedentes. 2. Inexiste óbice, por outro lado, a que as astreintes possam também recair sobre a autoridade coatora
recalcitrante que, sem justo motivo, cause embaraço ou deixe de dar cumprimento a decisão judicial proferida no
curso da ação mandamental. 3. Parte sui generis na ação de segurança, a autoridade impetrada, que se revele
refratária ao cumprimento dos comandos judiciais nela exarados, sujeita-se, não apenas às reprimendas da Lei nº
12.016/09 (art. 26), mas também aos mecanismos punitivos e coercitivos elencados no Código de Processo Civil
(hipóteses dos arts. 14 e 461, §§ 4º e 5º). 4. Como refere a doutrina, "a desobediência injustificada de uma ordem
judicial é um ato pessoal e desrespeitoso do administrador público; não está ele, em assim se comportando, agindo
em nome do órgão estatal, mas sim, em nome próprio" (VARGAS, Jorge de Oliveira.As conseqüências da
desobediência da ordem do juiz cível. Curitiba: Juruá, 2001, p. 125), por isso que, se "a pessoa jurídica exterioriza
a sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for
imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional" (MARINONI, Luiz Guilherme.
Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 662). 5. Recurso especial a que se nega
provimento. (REsp 1399842/ES, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014,
DJe 03/02/2015)
128
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 300.
129
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 300/301.
130
TARUFFO, Michele. L’attuazione essecutiva dei diritti: profili comparatistici. Rivista trimestale di
diritto e procedura civile. 1988. p. 142-178. Há tradução para o português realizada por Daniel Mitidiero em:
TARUFFO, Michele. A Atuação Executiva dos Direitos: Perfis Comparados. In: Processo Civil Comparado -
Ensaios, apresentação, organização e tradução de Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013.
48

no agir, os oficiais permanecem vinculados ao tribunal e a ele devem se reportar para a


eliminação de obstáculos e entraves que surgirem ao longo do cumprimento da decisão, assim
como para a prestação de contas acerca de suas atividades131.
Por fim, é importante ter presente o monitoramento constante do cumprimento da
decisão como um fator decisivo para a caracterização do caso Mendoza.
Dois anos após o pronunciamento da sentença principal docas Mendoza, a Suprema
Corte argentina proferiu nova decisão em que ordenou a ACUMAR e demais entes estatais
condenados a apresentar relatório circunstanciado sobre o fiel cumprimento de cada objetivo
específico fixado na decisão principal, sem prejuízo dos inúmeros relatórios e informativos que
o juízo federal de Quilmes enviou à Suprema Corte132.
Interessante aspecto na nova decisão da CSJN foi que ela delimitou bem os requisitos que
deveriam estar presentes nos relatórios: i) indicação do grau de cumprimento de cada objetivo
traçado no plano de recuperação, ii) cópia digital do relatório, iii) forma sinóptica, com índices
quantitativos específicos, iii) prazo de 15 dias para elaboração.
O relatório foi apresentado pelos condenados, mas, como consigna Francisco Verbic,
sem cumprir nenhum dos requisitos elencados pela Suprema Corte, o que gerou nova intimação
para seu efetivo cumprimento. Verbic aponta que o fato demonstra que ainda que a CSJN tenha
delegado o cumprimento da decisão ao juízo de primeiro grau, manteve, ao longo de todo o
processo, fortes atribuições de fiscalização e emissão de comandos para a execução da
decisão.133
Diante da ausência de apresentação do relatório comprovando o cumprimento da
decisão principal, a CSJN proferiu nova decisão na qual reafirmou a autoridade do "juízo
delegado" para adotar todas as medidas necessárias, inclusive pecuniárias para assegurar o
imediato cumprimento da decisão principal.
Embora não utilize a expressão “Processo Estrutural” é possível observar ao longo de
todo o desenvolvimento do caso Mendoza a presença de todas as características fundamentais
deste tipo de processo. Deste modo, ainda que não seja o único caso na Argentina que adote a

131
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 301.
132
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 309.
133
VERBIC, Francisco. “El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes,
principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros tres años de su
implementación”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da
(Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 310.
49

lógica dos processos estruturais (veja-se, por exemplo, o caso Verbitsky, anterior ao caso
Mendoza), a sua completude faz com que seja considerado, até hoje, um dos mais importantes
exemplos de Processo Estrutural.

2.2. A Experiência Brasileira

Com base no exposto até o momento, é possível concluir que a adoção da ideia de
Processo Estrutural no Brasil decorre diretamente da Constituição Federal, mais precisamente,
do direito ao devido processo legal (entendido aqui como processo justo), que tem como um de
seus desdobramentos também o direito ao devido processo legal estrutural. Esse último, nada
mais é do que necessidade de adequação ainda maior do processo às especificidades dos litígios
multipolares complexos, feito não atingido por meio do processo individual e processo coletivo
brasileiros.
Não obstante, a doutrina aponta disposições do Código de Processo Civil de 2015134
que reforçam a possibilidade de adoção dos Processos Estruturais no país. São elas: i)
interpretação do pedido de acordo com o direito postulado135 – art. 322, § 2°136; ii) interpretação
da decisão em razão do conjunto da postulação e da boa fé137 – art. 489, § 3° 138; iii) decisão
judicial ajusta à realidade dos fatos139 – art. 493.140 ; iv) estímulo às soluções consensuais141 -

134
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em out. 2018.
135 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as

decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 362.
136“Art. 322. O pedido deve ser certo. (...) § 2o A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e

observará o princípio da boa-fé.”


137 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as

decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 362.
138 “Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...). § 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da

conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.”


139 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as

decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 362.
140
“Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito
influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no
momento de proferir a decisão.”
141 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as

decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 363; ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito
Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA,
Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador:
Juspodivm, 2017. p. 488.
50

art. 3°, § 3°142 e art. 515, § 2°143; v) cláusulas gerais executivas (atipicidade dos meios de
execução)144 - art. 139, IV145 e art. 536, § 1°146; vi) amicus curiae147 – art. 138148; vii) negócios
jurídicos processuais149 – art. 190150.
Ainda no plano infraconstitucional, só que fora do âmbito exclusivo do processo
civil, a doutrina aponta outras duas leis às quais atribui forte carga estrutural 151 : a Lei de
Falências (Lei n. 11.101/05), ao prever, por exemplo, a possibilidade do juiz determinar as
diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas152; e também a

142
Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. (...). § 3o A conciliação, a
mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
143
“Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos
neste Título: (...) § 2o A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação
jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.”
144 JOBIM, Marco Félix. A previsão das medidas estruturantes no artigo 139, IV, do Novo Código de Processo

Civil Brasileiro. In: Repercussões do novo CPC – processo coletivo. ZANETI JR., Hermes (Coord.). Salvador:
Editora Juspodivm, 2016, p. 230-232. Ver também: DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes;
OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM,
Marco Félix (Comp.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 363.
145
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV -
determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.”
146
“Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer,
o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo
resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1o Para atender ao
disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a
remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso
necessário, requisitar o auxílio de força policial.”
147
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fundamentos do Processo Estrutural. In: JAYME, Fernando Gonzaga;
MAIA, Renata Christiana Vieira; REZENDE, Esther Camila Gomes Norato; LANNA, Helena. (Org.). Inovações
e modificações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: DelRey. 2017, vol. 1. p. 5.
148
“Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da
demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das
partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão
ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.”
149 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Fundamentos do Processo Estrutural. In: JAYME, Fernando Gonzaga;

MAIA, Renata Christiana Vieira; REZENDE, Esther Camila Gomes Norato; LANNA, Helena. (Org.). Inovações
e modificações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: DelRey. 2017, vol. 1. p. 10. – Foi o único autor
identificado defendendo este artigo do CPC/15 como fundamento para a utilização dos Processos Estruturais no
Brasil.
150
“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os
seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.”
151 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as

decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 358.
152 Art. 99., inc. VII, da Lei 11.101/05. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-

2006/2005/Lei/L11105.htm. Acesso em nov. de 2018.


51

Lei do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Lei n. 12.259/11)153 que permite, dentre
outras prerrogativas, a efetivação das decisões do CADE mediante intervenção na empresa.154
Especificamente em relação ao controle judicial de políticas públicas, há, atualmente no
Brasil, importante proposta legislativa para regular a atuação do Poder Juciário nesse
âmbito.Trata-se do Projeto de Lei n. 8058/2014155, de autoria do Deputado Paulo Teixeira e
com redação original feita por Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Paulo Henrique dos
Santos Lucon. No lugar de “Processo Estrutural”, os autores do projeto de lei utilizam a
expressão “Processo para conflitos de interesse público”. Não obstante, diversas das
características dos processos estruturais podem ser ali observadas.
O objetivo principal do projeto consiste em fixar princípios e limites aplicáveis ao
Processo para conflitos de interesse público, delineados pela jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça.156 Em seu art. 3° (2° da redação original), refere que o processo coletivo é
a via adequada para a tutela desses interesses e, ressalvadas as hipóteses de cabimento de ações
constitucionais, devem tramitar perante a justiça ordinária. 157 Demais artigos delineiam
procedimento a ser adotado, com participação do Ministério Público, elaboração de
cronogramas e programas de execução e diversas outras disposições características dos
processos estruturais.
Na data de encerramento deste trabalho (03/12/18), o Projeto de Lei encontrava-se na
Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, desde 11/04/2018.158 A última
ocorrência registrada no processo legislativo foi a realização de audiência pública organizada
pela Comissão de Finanças no dia 03/07/2018.159
O projeto é uma grande iniciativa, influenciada pela doutrina de, ao mesmo tempo,
consolidação de um procedimento adequado para o controle judicial de políticas públicas e
fixação dos limites do Poder Judiciário ao atuar nesse âmbito. Contudo, em que pese a inegável

153 ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões Estruturais no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista de
Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. 225, p. 397.
154 Art. 96, Lei 12.259/11. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Lei/L12529.htm. Acesso em nov. de 2018.
155 Projeto de Lei n. 8058/2014. Disponível em:
https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=687758. Acesso em dez. de 2018.
156 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Projeto de Lei n.

8058/2014- Considerações Gerais e Proposta de Substitutivo. In: COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O
Processo para Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 475-492.
157Art. 3° - É competente para o controle judicial de políticas públicas a justiça ordinária, estadual ou federal, por

intermédio de ação coletiva proposta por legitimado estabelecido pela legislação pertinente, ressalvadas as
hipóteses de cabimento de ações constitucionais. Parágrafo Único: Para a implementação ou correção de política
pública é admissível qualquer espécie de ação ou provimento.
158 https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=687758. Acesso em dez. de

2018.
159 http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/559791-FINANCAS-E-

TRIBUTACAO-DEBATE-PROCESSO-ESPECIAL-PARA-INTERVENCAO-DO-JUDICIARIO-EM-
POLITICAS-PUBLICAS.html. Acesso em dez. de 2018.
52

importância de sua aprovação e inclusão na legislação pátria, a Lei servirá como auxílio e
racionalização da aplicação dos processos estruturais no Brasil, mas não seu fundamento de
validade.
A despeito da reconstrução, por parte da doutrina, de uma base normativa para
fundamentar a adoção dos processos estruturais no Brasil, é de suma importância a constatação
de que, assim como nos Estados Unidos e na Argentina, as ferramentas dos Processos
Estruturais foram introduzidas no Brasil por meio da atuação judicial. Foram os magistrados
brasileiros e membros do Ministério Público que, cientes das limitações do processo civil
tradicional brasileiro, passaram a adotar medidas e procedimentos que muito se aproximam da
ideia de Processo Estrutural.
Mais de uma década antes do advento do Código de Processo Civil de 2015, já havia,
no Brasil, demandas judiciais que, não obstante não haverem adotado o termo Processo
Estrutural, desenvolveram-se de acordo com algumas suas características. A doutrina aponta
como um dos mais emblemáticos, o caso que ficou conhecido como Ação Civil Pública do
Carvão (ACP do Carvão).160
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada no ano de 1993161 , pelo Ministério Público
Federal de Santa Catarina, perante a Justiça Federal de Criciúma, por meio da qual postulou a
criação e implementação de plano de recuperação de áreas degradadas pela mineração nos
arredores do Município de Criciúma. No polo passivo havia, inicialmente, 24 réus: a União e
empresas mineradoras. A sentença de fundo, prolatada no ano 2000, determinou que os réus
apresentassem plano de recuperação da área degradada, contemplando os itens indicados na
decisão. Assim como no caso Mendoza, na ACP do Carvão os réus foram condenados a elaborar
e apresentar ao juízo plano de recuperação ambiental. 162
Para efetivar a decisão, foram impostas medidas coercitivas e medidas de sub-rogação.
Por fim, a decisão também determinou que o Ministério Público Federal deveria opinar sobre
o plano de recuperação que seria apresentado pelos réus. A decisão transitou em julgado no ano
de 2014 (11 anos depois do ajuizamento da demanda).

160
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 475-492.
161 Ação Civil Pública n. 93.8000533-4. Disponível em:
https://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?txtOrigemPesquisa=1&selForma=NU&txtValor=9380005334&sel
Origem=SC&acao=consulta_processual_valida_pesquisa. Acesso em nov. de 2018.
162 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão.

In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 482.
53

Sucede que, o Ministério Público Federal, antevendo a possibilidade de prejuízo pela


demora, paralelamente ao trâmite dos recursos, entrou com pedido de cumprimento provisório
da sentença. Medida importante contra o risco de ineficácia da decisão pelo decurso do tempo,
ou seja, para garantia de uma tutela jurisdicional tempestiva. A complexidade da matéria de
fundo exigiu que os provimentos para dar cumprimento à decisão se estruturassem em forma
de cascata, divididos em três grandes fases.
A primeira fase foi de 2000 a 2004. Sobre ela, explica Sérgio Cruz Arenhart163, que com
as informações disponíveis até o momento, não se tinha a exata noção da dimensão do
problema. Também por essa razão, a sentença então prolatada condenada os réus a obrigação
genérica de recuperação ambiental. Percebe-se, aqui, a característica mencionada dos Processos
Estruturais acerca da dificuldade de antever, de plano, a correta dimensão do problema
enfrentado e, consequente, as medidas necessárias para sua solução. Por isso, a primeira fase
de execução da decisão na ACP do carvão consistiu na reunião de informações para subsidiar,
posteriormente, a adoção de medidas mais concretas.
Na segunda fase, que se desenvolveu entre os anos de 2004 e 2005, as ações foram
concentradas na atuação do Ministério Público Federal que, com auxílio de técnicos e
especialistas, identificou as partes do programa de recuperação apresentado pelos réus que não
condiziam ou a realidade ou não ofereciam soluções adequadas.
Na terceira fase, que vai de 2006 a 2009, os réus foram obrigados a apresentar plano de
recuperação de acordo com a padronização e indicadores sugeridos pelo Ministério Público
Federal. Foi criado também Grupo de Assessoramento Técnico do Juízo (GTA), composto por
especialistas da área ambiental externos ao processo, responsáveis por propor soluções e
técnicas para a recuperação ambiental. Sérgio Cruz Arenhart também chama atenção para o
fato de que todas as decisões tomadas pelo GTA necessitavam de consenso.164
Observa-se, assim, que ao longo do processo procurou-se, a todo momento, permitir
ampla participação daqueles que poderiam contribuir para a construção da decisão. Para
conferir publicidade ao cumprimento da decisão, foi também criado, como já mencionado,
endereço eletrônico para que a população tivesse fácil acesso às informações do caso e pudesse
acompanhar seu cumprimento.

163
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 486.
164
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: reflexões a partir da ACP do carvão.
In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para
Solução de Conflitos de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 490.
54

Ainda que não tenha adotado a expressão “Processo Estrutural”, o modo como o caso
conhecido como ACP do Carvão se desenvolveu apresenta características que são próprias do
Processo Estrutural.
Assim como no caso Mendoza, na ACP do Carvão pode ser constatada postura
consciente de autocontenção dos magistrados ao determinarem, em um primeiro momento,
apenas objetivo a ser alcançado (a recuperação ambiental de área degradada pela ação humana).
Aos demandados, ficou a possibilidade de escolha sobre os meios empregados para a
consecução dos objetivos. Apenas diante da inércia dos réus ou apresentação de planos em
desconformidade com dados objetivos sobre a realidade, que adotaram postura mais ativa ao
concretizar suas determinações.
A ACP do Carvão também foi marcada por ampla participação e possibilidade de
influência de diversos núcleos de interesse, seja mediante a realização de audiências públicas,
oitiva de amicus curiae ou assessoramento técnico ao juízo. Importante destacar também a
prospectividade presente no caso: os planos de recuperação tem execução prevista até o ano de
2020. Presentes essas características, é possível concluir que a ACP do Carvão é exemplo de
uma das primeiras vezes (talvez a primeira) em que a lógica do Processo Estrutural foi aplicado
no Brasil.
Por sua vez, Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti Jr. e Rafael Alexandria de Oliveira165
indicam que o caso conhecido como Raposa Serra do Sol166 também adotou ferramentas típicas
dos processos estruturais, ainda que de maneira não tão ostensiva como ocorreu na ACP do
Carvão. No caso, o Supremo Tribunal Federal fixou condições para a demarcação como área
indígena de extensão de terra conhecida como Raposa Serra do Sol. A área foi demarcada pelo
Ministério da Justiça, através da Portaria No 820/98, modificada pela Portaria 534/2005.A
demarcação foi homologada por decreto da Presidência da República, em 15 de abril de 2005.
Não obstante, foi o Supremo Tribunal Federal que fixou diversos requisitos para o exercício
dos direitos dos indígenas sobre a terra.167

165 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Notas sobre as

decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Coord.). Processos Estruturais.
Salvador: Juspodivm, 2017. Cap. 11. p. 359.
166 Petição n. 3.388/RR. Julgada em 19.03.09. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630133. Acesso em: nov. de 2018/

167
“1 – O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado
de maneira genérica sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6o, da Constituição Federal) o
interesse público da União na forma de Lei Complementar; 2 – O usufruto dos índios não abrange a exploração
de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional; 3 –
O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de
autorização do Congresso Nacional; 4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação,
dependendo—se o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira; 5 – O usufruto dos índios fica condicionado
55

Os autores indicam como outro exemplo de decisão estrutural a proferida no Mandado


de Injunção n. 708/DF, no qual o Supremo Tribunal Federal delineou o modo como o direito
de greve dos servidores públicos civis deveria ser exercido. Diante da constatação de omissão
inconstitucional por parte do Poder Legislativo em regulamentar o exercício do direito de greve
previsto na Constituição, o STF determinou qual a regra que deveria ser adotada, no caso, a Lei
n. 7.783/89, que regulamenta o direito de greve dos trabalhadores celetistas.
Atribui-se, também, a lógica estrutural às decisões proferidas em sede de Medida
Cautelar na ADPF 378, por meio das quais foi reconhecido pelo STF o estado de coisas
inconstitucional em que se encontra o sistema carcerário brasileiro.
Com efeito, os últimos exemplos mencionados diferenciam-se da ACP do Carvão por
versarem sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal com características dos Processos

ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais
intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho
estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da
Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades
indígenas envolvidas e à Funai; 6 – A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no
âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas
envolvidas e à Funai; 7 – O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos
públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de
serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação; 8 – O usufruto dos índios na área afetada
por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e
extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de
conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; 9
– O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade
de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, em
caráter apenas opinativo, levando em conta as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar
com a consultoria da Funai; 10 – O trânsito de visitantes e pesquisadores não—índios deve ser admitido na área
afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pela administração; 11 – Deve ser
admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não—índios no restante da área da terra indígena, observadas
as condições estabelecidas pela Funai; 12 – O ingresso, trânsito e a permanência de não—índios não pode ser
objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
13 – A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca
da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros
equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação
ou não; 14 – As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico,
que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas; 15 – É vedada, nas
terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca
ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa; 16 — Os bens do patrimônio indígena, isto
é, as terras pertencentes ao domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas
naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo
3o, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo
a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros; 17 – É vedada a ampliação da terra
indígena já demarcada; 18 – Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são
inalienáveis e indisponíveis”. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612760. Acesso em dez. de 2018..
56

Estruturais. Semelhante enfoque também é visto na tese de doutorado de Marco Félix Jobim168
que, ao tratar das medidas estruturantes, parte do prisma da atuação do STF.
Contudo, ainda que a Corte Suprema delineie, em linhas gerais, o procedimento a ser
adotado nos processos estruturais (seja em abstrato como ad hoc, como ocorreu no caso
Mendoza), a grande maioria dos atos neste tipo de processo está concentrado nas instâncias
inferiores, vale dizer, na primeira instância. Isso porque, há grande necessidade de imediação
do julgador com as partes, com os interessados, maior proximidade com o local do conflito,
coisas que estão fora do alcance de uma Corte Suprema. O Processo Estrutural gira, em grande
parte, em fatos que constantemente estão mudando ao longo do processo.
Evidentemente, uma Corte Suprema, além de não ter condições de fazer esse
acompanhamento, sequer tem por função fazê-lo.169O argumento histórico corrobora com a
afirmação. Basta observar que embora as structural injunctions tenham surgido nos Estados
Unidos a partir da decisão proferida no caso Brown pela Supreme Court, na realidade, tiveram
seu desenvolvimento a partir da atuação dos magistrados que tiveram o desafio de implementar
a decisão proferida pela Suprema Corte. Em outras palavras, tiveram seu desenvolvimento nas
instâncias inferiores.
De todo modo, ainda que a instância central da atuação jurisdicional em um processo
estrutural ser a de origem, espera-se, com grande entusiasmo, que o Supremo Tribunal Federal
brasileiro forme precedente sobre núcleos de significado mínimos relacionados aos processos
estruturais. O delineamento mínimo do procedimento a ser adotado, além de conferir
previsibilidade, segurança jurídica e não deixe dúvidas sobre a adoção dos processos estruturais
no Brasil também liga-se a importante conclusão feita por Francisco Verbic: de que dificilmente
outra “instância” do Poder Judiciário teria poder suficiente para delinear e exigir cumprimento
das decisões estruturais.170
O fato da maior parte do Processo Estrutural ocorrer perante a primeira instância
também gera importante impacto no âmbito da pesquisa: a dificuldade de localizar processos
que apresentem essas características e realizar seu monitoramento. O gigantesco número de
processos atualmente em tramitação no Brasil, em sua grande maioria nas instâncias inferiores,

168 JOBIM, Marco. Medidas Estruturantes: Da Suprema Corte Estadunidense ao Supremo Tribunal Federal. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 238p.
169 Sobre a função das Cortes Supremas, extensamente: MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes
Supremas: Do Controle à Interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2°
Ed. 2014. 144p.
170
VERBIC, Francisco. El remedio estructural de la causa “Mendoza”. Antecedentes, principales características
y algunas custiones planteadas durante los primeros tres años de su implementación.In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; WATANABE, Kazuo; COSTA, Susana Henriques da (Coord.). O Processo para Solução de Conflitos
de Interesse Público. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 313.
57

gera grande pulverização e dificulta a identificação de casos com as características dos


processos estruturais. Deste modo, acabam sendo identificados, em sua maioria, casos com
grande repercussão social.
Talvez o mais importante caso com grande repercussão social que encerra conflito de
cunho inegavelmente multipolar e complexo seja o caso de Mariana-MG, considerado o maior
desastre ambiental já ocorrido no Brasil e o maior do mundo envolvendo barragem de dejeitos.
Trata-se do rompimento de barragem próxima ao município de Mariana (MG) da empresa
Samarco Mineração S/A ocorrido em 05.11.2015. Com o rompimento, mais de 40 milhões de
metros cúbicos de rejeitos de minério foram despejados na região, atingindo o Rio Doce. Isso
fez com que os rejeitos fosse propagados para mais de 41 municípios de Minas Gerais e Espírito
Santo. Dezenove pessoas morreram no desastre.171
Desde novembro de 2015, foram firmados diversos termos de compromisso ambiental
e de ajustamento de conduta entre a empresa Samarco, Ministério Público Federal e Ministério
Público Estadual de Minas Gerais e do Espírito Santo. Nos termos de compromisso, foram
fixadas diversas medidas preventivas emergenciais, mitigatórias, reparadoras e compensatórias
dos danos causados à população e ao meio ambiente com o rompimento da barragem. Foram
também realizadas audiências públicas pelo Ministério Público Federal para ouvir a população
afetada, composta por indígenas, pescadores, ribeirinhos e moradores dos arredores.172
Paralelamente a essa atuação, tramitam duas ações civis públicas principais, de números
0023863-07.2016.4.01.3800 e 0069758-61.2015.5.01.3400. Foi também criado endereço
eletrônico vinculado ao site do Ministério Público Federal para acompanhamento do caso.173
De acordo com informações extraídas do site, atualmente, as ações civis públicas foram
suspensas para tentativa de transação entre os entes estatais, a Samarco e o Ministério Público.
O acordo resultou em Termo Aditivo ao Termo de Ajustamento Preliminar (TAP), que fixa
deveres que devem ser cumpridos para que possa ser celebrado um Termo de Ajustamento de
Conduta Final (TACF). A íntegra deste termo preliminar já firmado pode ser consultada pelo
endereço: http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/aditivoTAP.pdf.
Não há dúvidas de que o caso do Rio Doce encerra conflito multipolar de alta
complexidade. Nesse sentido, a lógica dos processos estruturais têm muito a contribuir para sua

171 BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Caso Mariana – Linha do Tempo. Disponível em:
http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/atuacao-do-mpf/linha-do-tempo/linha-do-tempo. Acessoem
dez de 2018.
172 BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Caso Mariana – Linha do Tempo. Disponível em:

http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/atuacao-do-mpf/linha-do-tempo/linha-do-tempo. Acessoem
dez de 2018.
173BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Para o cidadão. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/para-

o-cidadao/caso-mariana. Acesso em dez. de 2018.


58

resolução, com maior adequação do procedimento às necessidades do caso concreto, estímulo


à construção de uma solução pelas partes (como é possível perceber que já vem ocorrendo, com
base nas informações apresentadas), pensar nas soluções para o futuro e ter amplitude na sua
execução. Resta acompanhar os próximos desdobramentos do caso.
59

CONCLUSÃO

A sociedade vem se transformando em ritmo acelerado ao longo das últimas décadas.


Se antes o Processo Civil precisava ser pensado para tutelar direitos individuais, entre privados,
de cunho preponderantemente patrimonial, atualmente, depara-se com uma sociedade
multifacetária, plural e massificada, com debates centrados em direitos sociais e litígios
envolvendo a efetivação de políticas públicas. Estatísticas demonstram que milhares desses
conflitos são levados todos os anos ao Poder Judiciário brasileiro. Assim, para muito além de
se pensar se o Poder Judiciário pode tutelá-los, é necessário estudar o modo como deve fazê-lo,
para que não invada esferas onde não detém conhecimento ou competência, mas também não
coadune com omissões na efetivação desses direitos.
Evidentemente, a aplicação da lógica individualista do processo individual não
conseguiu tutelar adequadamente os direitos sociais pela via jurisdicional. Por sua vez, o
desenvolvimento do processo coletivo no Brasil promoveu grandes avanços em direção a
obtenção de uma tutela adequada para os chamados novos direitos. Contudo, por razões cuja
investigação foge ao escopo deste trabalho, o processo coletivo brasileiro não conseguiu romper
suficientemente com essa lógica individualista, marcada por um processo rígido. Por isso, a
necessidade da incorporação da ideia de Processo Estrutural no ordenamento brasileiro. Não se
trata propriamente de um contraponto ao Processo Coletivo, mas um novo modo de concebê-
lo para tutelar interesses multipolares e complexos.
Para tanto, esse processo apresenta características fundamentais que rompem com a
lógica tradicional, a saber: trabalha com múltiplos polos de interesse e seu respectivo direito de
influir; ampla possibilidade de flexibilização procedimental; a decisão é construída mediante
conjunção de diversos esforços, inclusive de especialistas na área do conflito que o processo
encerra; as medidas deles emanadas tem efeitos preponderantemente prospectivos; é
estruturado com base em provimentos em cascata, marcados por avanços e retrocessos em
direção ao objetivo final.
Não há dúvidas sobre os benefícios da adoção deste processo pela via legislativa:
sedimenta a adoção do Processo Estrutural no Brasil, conferindo-lhe maior segurança jurídica
e previsibilidade. Contudo, entende-se que, independentemente de previsão legislativa, o
Processo Estrutural pode e deve ser adotado no país. Isso porque não encontra seu fundamento
no âmbito infraconstitucional. Decorre diretamente da Constituição Federal, mais
precisamente, do direito ao devido processo legal compreendido aqui também o direito ao
devido processo legal estrutural. Acredita-se, assim, que o grande desenvolvimento do Processo
60

Estrutural ocorrerá a partir da atuação dos magistrados ao depararem-se com conflitos


complexos e a necessidade de prestar-lhes tutela adequada. É, enfim, como a Suprema Corte
dos Estados Unidos já afirmou, corroborada por Owen Fiss, um modo para que se possa fazer
da Constituição uma realidade.
61

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