Florestan Fernandes e A Reflexão Sobre A Educação
Florestan Fernandes e A Reflexão Sobre A Educação
Florestan Fernandes e A Reflexão Sobre A Educação
FLORESTAN FERNANDES E A REFLEXO SOBRE A EDUCAO E O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO.
2 FLORESTAN FERNANDES E A REFLEXO SOBRE A EDUCAO E O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO. Renata Oliveira dos Santos Resumo Os dilemas nacionais sempre embasaram as discusses e as investigaes cientficas na construo do pensamento social brasileiro. Entre esses dilemas, podemos destacar a preocupao com a educao e a sistematizao de um ensino pblico de qualidade. Em meados dos anos de 1930 e 1940, pensadores como Fernando de Azevedo e Ansio Teixeira analisaram e debateram a necessidade da construo e da organizao de um sistema escolar que fosse institudo a partir das realidades histricas, sociais, polticas, econmicas e culturais do pas. Tendo como ponto de partida essas discusses que o socilogo Florestan Fernandes buscou, a partir de 1950, repensar a educao como um dilema nacional e a defender o estudo e o ensino de sociologia, no ensino superior e no ensino secundrio, como uma possibilidade de instrumento de anlise para compreender o desenvolvimento do pas. Dessa forma, torna-se pertinente compreender a anlise feita por esse autor sobre a necessidade e a importncia do ensino da Sociologia no Brasil e como o mesmo entendia a sua insero no mbito escolar. Essa reflexo possibilitar compreender como a disciplina de Sociologia tornou-se obrigatria no incio do sculo XXI e quais sero os dilemas por ela a serem investigados e compreendidos na contemporaneidade. Palavras-Chave: Dilemas, Ensino, Sociologia. Introduo Atualmente, o ensino de Sociologia tornou-se obrigatrio em todas as escolas pblicas e privadas do pas. Depois de anos de luta para esse retorno, finalmente, em 2003, o ento presidente Luis Incio Lula da Silva, aprovou a lei 11.684/08, que alterou o artigo 36, da Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB) de 1996. Com essa resoluo, as disciplinas de Sociologia e Filosofia deveriam ser includas de maneira obrigatria no currculo do ensino mdio. A volta da disciplina de sociologia sala de aula, de todo o pas, promoveu, novamente, a insero dos cientistas sociais nas instituies escolares. Essa presena fez com que muitos voltassem a pensar a educao, os sistemas escolares e o prprio ensino de sociologia como uma problemtica a ser investigada e refletida. Entretanto, engana-se quem acredita que somente agora que o ensino e o estudo de sociologia passaram a ser objeto de investigao cientfica dos socilogos brasileiros. Historicamente, o ano de 1930 fora marcado pelas grandes transformaes que ocorreram no pas. A chegada de Getlio Vargas no poder e todo o projeto de nacionalizao e modernizao da nao brasileira, inspiraram inmeros estudos sobre a realidade nacional. Entre os estudos
Mestranda de Cincias Sociais/ Polticas Pblicas - Universidade Estadual de Maring. Bolsista CAPES.
3 pertencentes a esse perodo, a questo educacional torna-se uma preocupao das reflexes sociolgicas. Podemos auferir essas reflexes a pensadores sociais como Fernando de Azevedo e Ansio Teixeira, que viam na institucionalizao dos sistemas escolares e na gerao de um ensino de qualidade, os caminhos fundamentais para o crescimento da nao e para a manuteno de um Estado forte. Esses estudos refletiam as transformaes scio-culturais, polticas e econmicas que passava o pas naquele momento. Para esses autores, tornava-se pertinente a problematizao e o estudo sobre a questo educacional no pas, a partir do olhar sociolgico, tendo a pretenso de refletir no apenas o carter pedaggico da educao nacional, mas sim, a sistematizao e institucionalizao do ensino brasileiro. Por pensarem a educao dessa maneira, eles foram denominados os pioneiros da educao. A partir dessas primeiras investigaes sobre a questo educacional brasileira que, em meados de 1950, o socilogo Florestan Fernandes retomar a discusso da educao no Brasil, apresentando a mesma como um dilema nacional, que deve ser pensado, conjuntamente, com todo o processo acelerado do desenvolvimento democrtico nesse perodo do pas. Com os sistemas escolares, j institucionalizados, e a implementao curricular e pedaggica de diferentes formas de ensino, uma das preocupaes desse autor passa a ser a reflexo do papel do cientista social ou socilogo na educao e qual a necessidade da sociologia como disciplina no ensino secundrio brasileiro. Assim sendo, o presente artigo tem por objetivo refletir sobre os estudos desses autores e suas investigaes sociolgicas em relao aos sistemas escolares, o desenvolvimento do ensino escolar no Brasil e insero em mbito escolar do ensino de sociologia. O intuito que com essa reflexo possamos pensar, com o olhar de cientistas sociais, os novos desafios e problemticas que o retorno da disciplina nos currculos escolares de todo o pas tem revelado na contemporaneidade. 1. Os Anos 30 e a questo educacional Com a revoluo de 1930, novas mudanas sociais, histricas, polticas, econmicas e culturais ocorreram no pas. A modernizao e a nacionalizao brasileira passaram a ser o foco e a base do desenvolvimento nacional. A conscientizao desse desenvolvimento e dessas transformaes pautaram os estudos que se preocupavam em compreender a realidade brasileira:
A expresso realidade brasileira tpica do momento, tornando-se verdadeiro lugar-comum a que recorriam indiscriminadamente jornalistas, polticos, escritores e estudiosos; havia no ambiente, alm disso, uma solicitao intensa pelos estudos sociais, que se multiplicaram nos diferentes campos da histria, da economia, da
4
poltica, da educao, concorrendo para criar uma atmosfera de receptividade e expectativa em torno da Sociologia (CANDIDO, 2006:284).
Dessa forma, favorecida pelo momento, a Sociologia passa a se desenvolver como uma disciplina acadmica e de ensino secundrio, com o objetivo de repensar a realidade nacional nos diferentes campos de estudo, sendo um deles a educao. Para Candido (2006) , justamente, esse carter sincrtico, ou seja, as diversas abordagens e investigaes cientficas que determinar caractersticas singulares do desenvolvimento da sociologia no Brasil. Como expressa Totti (2005), o perodo de institucionalizao da Sociologia compete formao dos primeiros socilogos brasileiros em 1936, e ao esforo dos estudos de Fernando de Azevedo, entre outros pesquisadores, de criar dentro dos espaos acadmicos as bases tericas para compreender o desenvolvimento da educao no Brasil. A questo educacional, proposta como um problema social brasileiro, nos anos de 1930, refletia uma preocupao funcional da prpria sociedade. Assim, a mesma no pode ser pensada como uma questo isolada de todos os aspectos que configuravam, naquele momento, a modernizao do pas. Porm, no o intuito desse artigo refletir as questes sociais que permeavam as discusses de outros pensadores sociais. O foco a ser discutido, aqui, a educao e como a mesma tornou-se uma problemtica nacional ao ponto se configurar um objeto de estudo. Pensadores como o socilogo Fernando de Azevedo e o filsofo Ansio Teixeira foram denominados pioneiros da educao, por inaugurar uma reflexo que buscava teorizar, de maneira cientfica, a educao nacional. O objetivo era compreender, de forma sistemtica, como se constitua a educao no Brasil, no apenas em seu aspecto pedaggico como tambm em sua forma institucionalizada, o que possibilitaria identificar os problemas existentes na educao escolar nacional e refletir sobre eles. Dessa forma, Fernando de Azevedo define a sociologia educacional como um estudo capaz de contemplar e identificar tanto os fatos quanto as instituies de educao. Para ele, teorizar a educao a partir de um estudo sociolgico era uma maneira de fugir dos estudos, j existentes, sobre a mesma ou sobre as instituies escolares no pas. Conceitualizando-a como um problema que reflete todas as mudanas histricas, sociais, polticas, econmicas e culturais que ocorreram no Brasil. Ao pensar a modernizao nacional que Fernando de Azevedo se inserir como um dos principais representantes, do decnio de 1930-1940, sobre o debate da institucionalizao dos sistemas escolares no Brasil.
5 1.1. Fernando de Azevedo e os sistemas escolares Para Fernando de Azevedo (1953), o processo educacional seria um meio de assegurar o desenvolvimento da sociedade, sua unidade, continuidade e evoluo social. Era necessrio que a educao e as instituies escolares pudessem se desenvolver de maneira crtica, baseada no que se configurava como especfico para a formao da nao. Dessa forma, a institucionalizao da sociedade brasileira e de seus meios sociais, a partir da formao e consolidao de um Estado forte, seriam fundamentais para o desenvolvimento de uma educao organizada e sistematizada no pas. O objetivo do autor ao entender a educao, no torn-la um instrumento de interveno social, mas sim, gerar estudos tericos que possibilitem compreender quais so os problemas que afetam a denominada questo educacional brasileira. No caso dos sistemas escolares, Azevedo (1985), compreendia que os mesmos faziam parte de todo o desenvolvimento nacional. Assim, acreditava que esses sistemas seriam pensados, a partir da prpria modernizao da sociedade e dos interesses da classe dominante:
Os sistemas escolares em cuja organizao se refletem os interesses das classes dominantes e as diversas camadas e mobilidades sociais, poltico-econmica, de cada sociedade, tendem, pois a tornar-se sistemas cada vez mais complexos (pluralismo vertical e pluralismo horizontal) para se porem em relao com as diferenciaes mltiplas que impe a diviso do trabalho social em uma sociedade determinada (AZEVEDO, 1985:142).
Ao se modernizar um pas, necessita manter os seus valores sociais e culturais e criar novos espaos para a formao de diferentes tipos profissionais, j que uma das caractersticas da sociedade moderna ser a diviso do trabalho social. Assim, a complexidade dos sistemas escolares refletia a prpria complexidade social, as necessidades particulares e dos variados grupos que compem uma determinada sociedade. Segundo Azevedo (1985), os sistemas educativos brasileiros podem ser analisados como estruturas sobrepostas que, dependendo dos interesses das camadas mais altas da sociedade, tenderiam homogeneizar e diferenciar os indivduos durante a sua formao. O autor analisou a organizao da educao brasileira como uma espcie de pirmide, cuja base seria representada pelo ensino comum a todos, o meio caberia ao ensino secundrio e diferenciador que tinha por funo priorizar e desenvolver as habilidades de cada pessoa e o topo corresponderia ao ensino universitrio e a especializao dos indivduos, segundo a necessidade do mercado de trabalho. Esse ensino comum a todos se iniciaria na escola, que exerce um papel fundamental na formao do indivduo. Para o autor, esse primeiro momento tinha como caracterstica homogeneizar os indivduos, ou seja, ensinar a todos os princpios bsicos da organizao histrico-
6 social e cultural da sociedade brasileira. Era o momento para se aprender e manter os valores sociais e culturais que permeavam a formao do povo brasileiro. Em seguida, j no ensino secundrio, a escola seria responsvel pela diferenciao desses educandos, abrindo caminhos para a escolha pessoal de cada um, mediante suas habilidades para o trabalho social:
[...] a sociedade, medida que se complica, precisa, para manter e perpetuar a sua unidade, da diversificao de funes base de um ideal comum: ela uniformiza e diferencia, mas, especializando, coordena, completa e harmoniza, de modo que, a par das semelhanas essenciais, reclamadas pela vida coletiva, se assegure a persistncia dessas diversidades imposta pela diviso do trabalho social, que uma das causas mais ativas da diferenciao dos grupos (AZEVEDO 1985:141).
O topo da pirmide, responsvel pelo ensino universitrio, revelaria a presena apenas de uma pequena parcela da sociedade, representada pelos filhos da elite nacional. E justamente por se configurar para poucos, que o mesmo seria supervalorizado e ao invs de se pensar a educao brasileira como uma estrutura de baixo para cima, a mesma ser entendida de cima para baixo, onde o topo da pirmide representa a modernizao do pas. Mas a quem caberia a organizao da educao no pas? Para Azevedo (1985), o Estado seria responsvel pela consolidao de um processo educacional que fosse capaz de beneficiar a todos, por isso a formao e institucionalizao das escolas eram to importantes:
O Estado, em razo de sua funo que consiste na conservao, na consolidao e no desenvolvimento da sociedade da qual expresso soberana (Boukharine)1, tem, na escola, alm de um dos meios do poder poltico, para manter a sua autoridade e defender a sua existncia, um instrumento de equilbrio entre as foras que agem sobre o individuo e a cujas tendncias particulares da educao pblica ope um conjunto de idias e de sentimentos, uma complexidade de hbitos de todas as classes, comum a todos, indispensveis para que todo o indivduo possa cumprir a misso que lhe corresponda na coletividade (AZEVEDO, 1985:88).
Seria funo pblica do Estado promover uma educao de qualidade e universal para todos, assim, como de converger esforos para se pensar uma poltica de educao nacional. Com isso, ao pensar a educao brasileira, Fernando de Azevedo no a desassociou de todo o processo social que a mesma reflete. A educao e os sistemas escolares deveriam ser pensados, em suas particularidades, nos diferentes sistemas pedaggicos, na sua organizao, mas tambm como um conjunto de aes a serem disseminados pelo Estado:
Certamente a interveno do Estado com que, nos regimes totalitrios, se deslocou o centro da gravidade do sistema educativo para o sistema escolar pblico, permite estabelecer rapidamente uma unidade fundamental de esprito e de estrutura, soldando, num bloco macio, a variedade de sistemas e tipos de escolas (AZEVEDO, 1985:149).
1
7 Ser essa variedade de instituies escolares e de interesses sociais em relao educao que se pautar algumas discusses de Ansio Teixeira, denominado tambm de pioneiro da educao. Esse autor se questionar sobre a forma como a educao escolar no Brasil se constituiu e de como a mesma no beneficia a formao de todos. 1.2 Ansio Teixeira e a educao escolar no Brasil As observaes e considerao feitas por Azevedo (1953), esto presentes nas discusses propostas por Ansio Teixeira (1957), ao tentar teorizar a educao escolar brasileira. Suas investigaes tambm se basearam na forma como a educao nacional estava dividida dentro do sistema escolar: ensino primrio, secundrio e universitrio. Partindo dessa diviso, esse autor constatou que desde a formao primria, o indivduo, no Brasil, j entra em um processo seletivo. Segundo Teixeira (1957), a forma como a educao no pas se divide nas escolas, no privilegia o aprendizado dos valores culturais e dos meios sociais, mas sim, cria um processo de adestramento que se compe de uma alfabetizao sumria e de treinamentos posteriores, para os conhecimentos mnimos formais, que possibilitariam sua admisso no exame do ensino secundrio e superior. Porm, essa no seria para o autor a funo da escola primria. A ela compete a homegenizao dos indivduos, o incio do aprendizado, e depois, os subsdios para a sua diferenciao para o mercado de trabalho. Assim:
A didtica dessa escola obedeceria ao princpio de que as atividades infantis, predominantemente ldicas, evoluem naturalmente para o trabalho, que um jogo mais responsvel e com maior ateno nos resultados, e do trabalho evoluem para o estudo, que a preocupao mais intelectual de conduzir o trabalho sob forma racional, sabendo-se pode aperfeioar ou reconstruir esse modo de fazer. Quando esse interesse intelectual se desenvolve bastante para se tornar uma atividade em si mesma, teremos o intelectual, o cientista, o pesquisador e o pensador, que iro constituir os corpos especializados da Nao para o seu desenvolvimento cultural e cientfico (TEIXIERA, 1957:08).
A funo do ensino escolar no adestrar as crianas, mas, um processo de aprendizado que, segundo Ansio Teixeira (1957), no ocorre e piora no desenvolvimento dos ensinos subseqentes, ou seja, no ensino secundrio e universitrio. Esses se tornam ainda mais seletivos, j que o objetivo principal, adotado por algumas escolas, ser no ensino secundrio o preparo para o ensino superior. Entretanto, esse processo no pode e nem deve negar a compreenso e a educao do indivduo para a transmisso de conhecimentos indispensveis para a sua convivncia social. Com essa seletividade at mesmo no conhecimento, o autor chama ateno para a presena da disciplina de sociologia nos currculos pedaggicos do ensino secundrio. A mesma tinha como serventia a preparao para admisso dos alunos no ensino superior e nada mais. No se discutia
8 sua necessidade como uma rea de conhecimento para a compreenso da realidade nacional, tornando-se assim, mais uma ferramenta de adestramento. A problemtica que Teixeira (1957) teoriza, que, se a educao escolar continuasse a se preocupar apenas com a formao para uma promoo social, essa acabaria por se tornar um instrumento de desordem nacional, j que no conseguiria formar as crianas para a compreenso dos meios sociais e muito menos jovens e adultos, capacitando-os para consciente na sociedade. Dessa maneira, o que se realizava no Brasil em meados dos anos de 1930-1940, eram duas formas educacionais: um sistema de ensino primrio que se dizia comum a todos, e um sistema secundrio subdividido em: tcnico para as classes mais pobres e adestrador para o ingresso ao ensino superior das elites nacionais. Faz-se necessrio ressaltar que a educao e a escolarizao de uma pessoa determinava o seu status social. Com isso, uma democratizao escolar no seria bem-vinda aos interesses da elite brasileira. Conseqentemente, um ensino de qualidade e pblico tambm no. Assim, segundo Teixeira (1957), o ensino escolar nacional se caracterizou como demagogo por buscar medidas e recursos imediatos para resolver a questo educacional, sem ao menos considerar quais de fato eram os problemas que permeavam essa questo. A partir de suas pesquisas empricas, o autor pode perceber que o que se desenvolvia no pas, aps 1930, era uma educao deficiente, que no beneficiava a todos. Para ele de nada era vlido um ensino superior universal e gratuito, se no pas o ensino primrio e secundrio eram seletivos:
Os nossos deveres para o povo brasileiro esto, assim, a exigir que demos primeiro educao adequada s classes populares, a fim de lhes aumentar a produtividade e com ela o seu nvel de vida. Depois de darmos estas oportunidades educativas bsicas-que a todos devem ser obrigatoriamente dadas, poderemos passar educao da classe mdia e da superior, pedindo-lhes, ento, que socorram o Estado, assumindo, parte do custo dessa educao em retribuio manuteno do status social que lhes , muito justamente, to precioso (TEIXEIRA, 1957:28)
atuarem de forma
O Estado teria que ser responsvel pelo custeamento do ensino e a institucionalizao da educao se possibilitaria por sua interveno. Se no quisesse a desordem nacional, o Estado deveria pensar a educao como uma arma de [...] revoluo ou catstrofe (TEIXEIRA, 1957:29), sendo necessrio que o seu desenvolvimento no beneficiasse a uma pequena minoria social. Uma poltica de educao pensada pelo Estado, seria uma forma de desenvolver a educao no pas (TEIXEIRA, 1957). A inteno dos pioneiros da educao, aqui apresentados, era teorizar a educao e apresent-la como uma questo nacional, para que o Estado pudesse ser responsvel pelo seu desenvolvimento. Logo, reconhecendo as dificuldades e a realidade que se desenvolvia com a
9 modernizao do pas. A questo educacional poderia ser pensada como um problema social a ser analisado cientificamente e teorizado a partir do conhecimento emprico de suas aes. Com esse conhecimento, era possvel operar na prtica, o que teoricamente tornava-se claro sobre os limites e as debilidades do ensino e das instituies escolares brasileiras. 2. Os Anos 50: Florestan Fernandes e o dilema educacional Ao analisar a educao brasileira em meados de 1950, Florestan Fernandes (1966), compreende que a mesma se mantm como um privilgio social, e como um fator esttico e neutro, que no beneficia o desenvolvimento democrtico do pas. Para ele, povos modernos tem no desenvolvimento da educao escolarizada e em sua organizao, uma das ferramentas necessrias para o seu crescimento. Para o autor, torna-se impossvel pensar em desenvolvimento econmico acelerado e poltica de desenvolvimento, se a educao continua a se configurar como uma forma de conhecimento, que tende a manter a sociedade de maneira tradicional e patriarcal, refletindo um sistema societrio ambguo, que embora se mostre democrtico e defenda o processo educativo como um mecanismo de ascenso e incluso social, o mesmo se consolida como um processo seletivo e beneficia apenas uma pequena parcela da sociedade (FREITAG, 2005). Segundo Totti (2005), ao pensar a educao como dilemas educacionais2, Florestan Fernandes reitera em suas discusses os valores interpretativos e tericos da sociologia educacional, criada por Azevedo. Entretanto, acreditava que essas interpretaes no permitiam pensar o que poderia acontecer educao com desenvolvimento da sociedade nacional. Ento, defendia que caberia ao cientista social esse exerccio de prever os desafios educacionais no Brasil, intervindo sobre os mesmos:
A cincia e a tecnologia cientfica revolucionaram, por sua vez, as bases materiais e morais da existncia humana. Elevaram, simultaneamente, o padro de conforto e o nvel de aspirao do homem, fixando alvos completamente novos para o processo educacional. [...] Por isso, os influxos da cincia e da tecnologia cientifica sobre a educao parecem mais profundos. Ambas requerem um complexo tipo de ensino, que ajuste os processos educacionais natureza do pensamento cientifico e s funes da cincia e da tecnologia cientfica no mundo em que vivemos. Isso equivale a dizer que elas apelam para uma filosofia da educao com um padro de humanismo prprio (FERNANDES, 1966:102).
Para Fernandes (1966), a viso que os cientistas sociais apresentam da escola fundamental para a compreenso da educao brasileira. Para ele, a presena desse tipo de profissional no campo educacional ser decisiva, se os mesmos, compreendessem e fossem capazes de atuar na chamada
[...] que traduzem as inconsistncias das instituies educacionais e dos sistemas de ensino em face da ordem econmica, poltica e social da sociedade de massas (FERNANDES, 1966:102).
2
10 reconstruo pedaggica, detectando as falhas nos sistemas educacionais e repensando uma nova maneira de atuao conjunta com educadores, comunidade e educandos. Entre inmeros artigos que defendeu sobre os dilemas educacionais no pas, destaca-se a preocupao de Fernandes quanto atuao do socilogo como professor. Na verdade, a problemtica da ao do professor em sala de aula algo freqente em suas inquietaes. Assim, para o autor torna-se claro que, o socilogo ao chegar sala de aula deve estar atento no apenas a ensinar sociologia, mas, de entender como a escola participa da formao dos alunos para a sua insero no meio social, ou seja, a educao no se faz apenas nos muros das instituies escolares, mas a partir do conhecimento de todos os fatores sociais que constituem a sua consolidao dentro das salas de aulas. Compreendendo a deficincia da educao nacional, Fernandes reafirma as anlises feitas por Ansio Teixeira e Fernando de Azevedo, de que a educao brasileira um problema de carter social, que deve ser discutido a partir de tcnicas sociais relevantes a sua soluo. Essas solues devem estar baseadas nas transformaes das estruturas das instituies escolares, no sistema nacional de ensino e na atuao consciente de seus educadores:
Enquanto a educao no se converte em objetiva, subjetiva e praticamente em problema social, os homens no lutam por ela socialmente nem a integram quanto s formas, aos contedos e s funes nos processos histrico-culturais de transformao da ordem social (FERNANDES, 1966:113)
No existem dvidas para o autor que a educao um instrumento transformador da sociedade. Assim como defendiam os pioneiros da educao, ela deve ser instituda de maneira gratuita e de qualidade para todos e proporcionar ao mesmo tempo a capacidade de diferenciao para o mercado de trabalho. Ento, para haver uma integrao do homem com os problemas da educao e da sociedade como um todo, teria a disciplina de sociologia, no mbito escolar, uma funo conscientizadora? Segundo Florestan Fernandes (1976), sua presena nas grades e nos currculos escolares, teria como objetivo aplicar na prtica o que os graduados em Cincias Sociais aprendiam na teoria dentro das universidades. Porm, no seriam apenas os conceitos sociolgicos que deveriam ser transmitidos aos educandos, mas sim, o despertar de suas capacidades interpretativas do meio em que vivem:
O ensino das cincias sociais no curso secundrio seria uma condio natural para a formao de atitudes capazes de orientar o comportamento humano no sentido de aumentar a eficincia e a harmonia de atividades baseadas em uma compreenso racional das relaes entre meios e os fins, em qualquer setor da vida social (FERNANDES, 1976:106)
11 Faz- se necessrio lembrar que a disciplina de sociologia foi institucionalizada em 1930 no ensino universitrio e secundrio no pas, e se consolidou de duas maneiras: em relao ao ensino superior, tornou-se um meio de formao e compreenso da sociedade brasileira e objetivava a construo terica e pragmtica de conceitos cientficos; j em ambiente escolar, afirma Teixeira (1953), ela tinha papel decisivo na admisso dos indivduos nos cursos de bacharelado das universidades, ou seja, era usada como uma forma de instrumento de exame para o ensino superior. Em 1950 inicia-se um processo de repensar a funo da sociologia no ensino secundrio. Dessa forma, o ensino de sociologia assumiria a funo, no apenas de um instrumento adestrador da educao, mas um instrumento capaz de gerar conscincia e opinies que poderiam levar a transformao social do Brasil, a partir da conscientizao dos indivduos ainda em sala de aula. Consideraes Finais A presena ou ausncia da disciplina de sociologia nas grades escolares e nos currculos universitrios, sempre esteve condicionada s prprias mudanas histricas, sociais, polticas, econmicas e culturais do pas. Aps o golpe militar de 1964, a sociologia deixou de fazer parte dos currculos escolares. Alguns cursos universitrios de Cincias Sociais foram fechados e inmeros cientistas sociais foram perseguidos e exilados em outros pases. O pensamento sociolgico brasileiro continuou a florescer nesse perodo, porm, em outros lugares e atravs de outras atividades. Com a volta dos exilados em 1979 ao pas, e da efervescncia da democracia, aps 1985, a sociologia volta a fazer parte das aspiraes intelectuais do ensino superior, mas no do ensino secundrio. Isso por que, ainda existia ,no pas, um ensino secundarista tecnicista que no abria espao para uma educao conscientizadora e, por que no dizer transformadora. Somente aps a Constituio Cidad de 1988, e a atuao dos movimentos sociais em prol da educao que, novamente, volta ser questionada a educao brasileira como um problema social e ser reivindicado por alguns socilogos, a necessidade da presena da disciplina de sociologia nos currculos e grades escolares de todo o pas. Entretanto, ser apenas em 2003, que a disciplina se tornar obrigatria nas instituies de ensino brasileira. Essa deciso ser baseada na reforma educacional ocorrida em meados de 1990 e na reformulao da Lei de diretrizes e bases da educao nacional de 1996, que inseriu, em seu artigo 36, a necessidade de que ao trmino do ensino mdio todos os alunos deveriam ter: III domnio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessrios ao exerccio da cidadania (BRASIL,2006:23). Porm, apenas a obrigatoriedade do retorno da disciplina de sociologia ao mbito escolar no ameniza todos os problemas e dilemas que a educao brasileira enfrenta no incio do sculo
12 XXI. Ainda no possumos uma educao pblica e de qualidade que beneficie a todos. A elite nacional continua a ter acesso a educao privada e o ensino universitrio tem se dividido entre a esfera pblica e privada como uma disputa de especializaes para abastecer o crescente e seletivo mercado de trabalho. A forma como esto organizados os sistemas escolares ainda revelam um ensino deficiente e problemtico, seja na formao inicial ou no ensino mdio. Embora, com todas as mudanas obtidas com a LDB/1996, ainda so adotados modelos pedaggicos que no condizem realidade cultural brasileira e, infelizmente, o ensino mdio no tem como objetivo principal o ensino para cidadania. Com isso, o ensino da sociologia nas escolas, no pode se desenvolver como acreditava Florestan Fernandes em 1950, e acreditam inmeros cientistas sociais no sculo XXI, como uma disciplina de carter reflexivo e interpretativo sobre os problemas e dilemas sociais e nacionais que possibilite ao educando atuar de maneira consciente em sua sociedade. Aos poucos, observamos que em muitas instituies de ensino, o retorno da disciplina est assumindo o carter novamente de um instrumento para ingresso ao ensino superior. A Universidade Estadual de Maring, por exemplo, ao transformar a disciplina de sociologia em uma matria especifica para a admisso do curso de Direito no exame do vestibular, tem alimentado a busca, em instituies privadas, de frmulas rpidas para a compreenso da sociologia, que possibilite o maior nmero de acertos nas questes do vestibular. A oportunidade de retornar a sala de aula como professor da disciplina, nos leva a questionar mais uma vez, se estaremos, como cientistas sociais em mbito escolar, adestrando nossos alunos, ou contribuindo para despertar o seu olhar reflexivo e consciente sobre a realidade social brasileira? Quais sero as questes e os dilemas educacionais que permeiam as nossas observaes, discusses e investigaes cientficas no sculo XXI? Questionamentos esses que, como vimos, esto presentes ao longo do desenvolvimento da Sociologia e, da prpria histria nacional e que propem novas anlises e compreenso.
13 Referncias Bibliogrficas AZEVEDO, Fernando. A educao e seus problemas. Tomo Primeiro. Saulo Paulo, 1953. AZEVEDO, Fernando. Sociologia educacional: Introduo ao estudo dos fenmenos educacionais e de suas relaes com outros fenmenos sociais: Os sistemas escolares, So Paulo, 1951. In: FORACCHI, Marialice M. e PEREIRA, Luiz (Org.) Educao e sociedade: leituras de sociologia da educao. So Paulo: Nacional, 1985, p. 138-149. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Braslia: Centro de Documentao e Informao, coordenao de publicaes, 2006. CANDIDO, Antonio. A Sociologia no Brasil. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v.18, n.1, 2006. FERNANDES, Florestan. Educao e Sociedade no Brasil. So Paulo, 1966. ____________________. A sociologia no Brasil. Petrpolis, 1976. FREITAG, Barbara. Florestan Fernandes: revisitado. Estudos Avanados 19 (55), 2005. TEIXEIRA, Ansio. A educao escolar no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos, n67. So Paulo, 1957, p.03-29. TOTTI, Marcelo Augusto. Florestan Fernandes e a construo de um padro cientfico na educao brasileira. UNESP-Araraquara, 2005.Disponvel em: http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuaiscoautorais/eixo06/Marcelo%20Augusto%20Totti%20-%20Texto.pdf. Acesso em: 01/Jul/2009.