Depois Da Rainha Victoria, Edward VII - André Maurois
Depois Da Rainha Victoria, Edward VII - André Maurois
Depois Da Rainha Victoria, Edward VII - André Maurois
Prefcio
msica moderna a desagradava. Certa vez, quando uma pea musical lhe
foi apresentada, perguntou o que era. uma cano de beber, Madame,
de Rubinstein. Que tolice! disse a Rainha, uma cano de beber?
Como? No se pode beber sequer uma xcara de ch a tal ria! Tampouco
mostrava maior indulgncia com os mestres do passado. Handel me
cansa, disse ela, e no vou ingir o contrrio. Por muito tempo recusou
ouvir as peras de Wagner. Totalmente incompreensveis, declarou; e
quando lhe disseram que aquela era a msica do futuro, retorquiu: O
futuro me enfada e no quero ouvir falar dele. No entanto, no im da vida,
ela encantou-se com Lohengrin. Jean de Reszk estava to belo de branco,
com armadura e elmo, e a luz eltrica projetada nele parecia envolv-lo
num halo. Assistiu a Carmen tantas vezes que sabia letra e msica de cor,
e tinha seu repertrio de rias de Gilbert e Sullivan.
Eu no simulo... Sem qualquer esnobismo esttico, era incapaz de ingir
prazer que no sentia. Con iante em seu julgamento e em seus direitos,
jamais cogitava do efeito produzido. Certa vez, comentava sobre um novo
ministro que recm lhe fora apresentado, quando algum mencionou a
opinio que esse homem de estado, por seu lado, tinha de Sua Majestade.
Dear me! disse ela. Nem por um instante pensei nisso... O que importa
o que eu penso dele. Essa plena certeza conferia-lhe uma naturalidade
autntica. Educada como uma princesa do sculo dezoito, mantivera a
peculiar postura vontade, a aisance daquele perodo. Porm, embora pelo
estilo pertencesse mais pura aristocracia de seu reino, os ensinamentos
de Albert haviam-na, desde muito, apartado de quem ela se referia, com
certo desdm, como the upper classes. s vezes, comparava a aristocracia
inglesa com a da Frana em vsperas da Revoluo, e achava que o amor
aos prazeres a levaria runa. Quando chegasse esse dia, a Coroa e o povo
seriam aliados. Assim falara Albert, assim falara Lord Beacons ield. No
poderia ser errado.
Desde o casamento, a Rainha no participava mais da vida brilhante e
escandalosa da sociedade. Por volta de 1900, uma jovem americana,
descrevendo Londres para sua famlia, escreveu: A rainha Victoria no faz
parte da sociedade. Pura verdade: a Corte cessara de ser o centro da vida
mundana. Depois da morte do prncipe Albert, a Rainha abandonara a
colmeia, e as abelhas continuaram suas vidas. Essas abelhas juntavam-se
na Marlborough House, residncia do Prncipe de Gales, e nas casas de
umas poucas grandes an itris. Quando algumas damas piedosas de
Londres quiseram estender o manto da moda a um clrigo que pregava
temas morais e religiosos, pediram Princesa de Gales para assistir aos
Como sua viso era falha (de manh, at pingar gotas de beladona nos
olhos, ela era quase cega), todos os despachos eram copiados mo em
letras grandes. Insistia que os documentos importantes lhe fossem trazidos
imediatamente. O ultimato de presidente Kruger lhe foi entregue quando
estava mesa, e ela, no mesmo instante, levantou-se para telegrafar a Lord
Salisbury. Exigia dos secretrios uma presena constante e notava a mais
leve infrao s regras que estabelecera. Sir Arthur Bigge, seu secretrio
particular, tinha de ter autorizao especial para ir de Windsor a Londres.
Se o emissrio no trouxesse Sir Arthur de volta no momento exato em que
ela chamava, ele acharia uma nota sobre a mesa: A Rainha deseja saber
por que Sir Arthur no estava em seu escritrio?
Aps almoar ela saa numa carruagem de parelha, sempre aberta.
Acostumada aos ventos e chuvas de seu reino, gostava de sentir a neve. As
damas de companhia nesses passeios recebiam recomendaes especiais
dos mdicos. A Rainha, desde os oitenta anos, estava sujeita a surtos de
sonolncia danosos para a sade. Precisavam conversar com ela sem
parar. Logo, as damas, intimidadas, no sabiam mais o que dizer. Ontem,
Madame, ouvi um realejo no Parque. Um realejo! exclamaria a Rainha,
despertada. Um realejo? No me disseram nada... Nunca me dizem nada...
Estava criada uma bela histria. Pois era admissvel que, em seu Imprio,
um realejo estivesse tocando sem seu conhecimento? Na eventualidade de
se deparar com um deles, parava a carruagem e conversava com o
italianinho, inquieta pela sade do smio que o acompanhava. noite ela
comia um bife, uma ma, e passava alguns minutos com os ilhos para
ento retornar ao trabalho e, at s onze horas ou meia-noite, l icava
assinando, assinando... Um estadista mais cnico explicou essa rgia
servido dizendo que poderia sobrevir ao trono da Inglaterra algum
soberano perigoso, e que seria desejvel providenciar-lhe
antecipadamente alguma ocupao inofensiva.
Nada quebrava o ritmo de sua vida. Quando a Rainha estava em Cimiez,
os telegramas cifrados a acompanhavam. Ela no morava em Londres, nem
sequer abria mais as sesses do Parlamento. Por muito tempo esse
retraimento foi desaprovado. Ofendia ao povo essa eterna viuvez, o pesar
sem im por um prncipe alemo que a Inglaterra no amou. Se no queria
reinar, que abdicasse. Depois, a ausncia veio a envolv-la de um prestgio
misterioso. Poetas e soldados louvaram a Viva de Windsor. Seu
fantasma tomou propores divinas; enfeitaram-na dos mais extravagantes
e incongruentes atributos, e aqueles que tentassem, fosse nos mais
respeitosos e mesmo afetuosos termos, separar a fbula da histria e
reduzir esse imenso dolo a propores humanas, eram tidos como cruis
difamadores.
Era to idosa e to poderosa que seres mais jovens no mais esperavam
dela sinais humanos. Era de longe a mais velha dos soberanos europeus.
Reinava havia onze anos quando Franz Joseph acedeu ao trono da ustria.
Em seu reinado, a Frana tivera duas dinastias e uma repblica; a
Espanha, trs monarcas, e a Itlia, quatro reis. Fora instruda em poltica
por estadistas de h muito entrados para a histria: Lord Melbourne, Sir
Robert Peel, Disraeli. Ela foi a primeira soberana da Inglaterra a viajar de
trem; ao que seu cocheiro, indignado, pediu para ao menos simular a
conduo da locomotiva e s renunciou a essa prerrogativa aps ver sua
bela libr escarlate escurecer com a poeira do carvo. O cocheiro de
Cinderela numa locomotiva, o dourado dos gales deslustrados pela
fumaa era um smbolo cabal desse ferico reino de maquinaria e
prosperidade. Quando ela estivera em Paris em 1855 para ver o
Imperador e a Imperatriz, os franceses, admirados com sua pequena
estatura, escreveram que a prpria Rainha Mab os havia visitado.
Tambm Disraeli, de p em frente a ela, inclinado para ouvi-la melhor,
muitas vezes pensara na pequenina soberana do Sonho de uma noite de
vero. E mesmo pelo im do sculo, vendo-a passar em sua carruagem
baixa de um cavalo, as moas, no parque de Osborne, evocavam a imagem
de Titnia.
Toda essa adorao por uma senhora idosa, a vasta importncia de seus
movimentos de viva retirada irritavam os espritos rebeldes, e a reao
natural foi o surgimento de uma lenda contrria. Ela no passava, insistiam
os detratores, de uma velha comum, como tantas vivas herdeiras de
posies, de esprito acanhado, sem gosto em arte e literatura, apegada ao
dinheiro, com certa atividade poltica mas fcil de adular, convencida de
sua posio providencial no mundo e sempre disposta a prolongar e
aumentar essa posio. Lia apenas o Morning Post, s dava ouvidos aos
ministros tories e aos generais, no possua o menor senso de humor e
pretendia regular os costumes com um puritanismo ultrapassado.
A verdade muito mais complexa. A Rainha no foi de forma nenhuma
um esprito acanhado. No tempo da juventude, poca de Lord
Melbourne, esteve perto de adotar a vida livre de seus antepassados,
danando noite afora e vendo o sol nascer nos campos de Windsor. Albert
mostrara-lhe que aquela vida de prazeres e de autoindulgncia era
incompatvel com os deveres de uma soberana moderna. A bela aparncia
dele e seu talento persuasivo convenceram-na de que ele estava com a
O Natal chegou, e muitos regimentos de fato jantaram com Tio Paul em
Pretria como prisioneiros de guerra.
Durante todo o ano de 1900 as notcias foram desastrosas, e ningum
sofreu mais que a octogenria Rainha. Ela se mostrou infatigvel,
escrevendo para generais e para soldados, indo despedir-se dos batalhes
que partiam para o front, visitando feridos nos hospitais, tricotando
cachecis para as tropas, fazendo Lord Wolseley prometer que tudo seria
feito para assegurar conforto nos navios para os cavalos, protestando
contra as demoras do Ministrio da Guerra, inundando seus ministros com
telegramas. Ningum quis menos essa guerra do que ela. Mas jornais, na
Alemanha e na Frana, atacavam-na da forma mais grosseira e injusta. A
hostilidade da imprensa nacionalista francesa forou-a a abandonar sua
visita anual Riviera; em vez disso ela viajou para a Irlanda, com a
inteno de consolidar a lealdade dos irlandeses. Apesar de ter sido bem
recebida, essa temporada a fatigou muito; tantas preocupaes e
contratempos a esgotaram. Quando desembarcou de seu iate Alberta em
18 de dezembro, os moradores de Osborne icaram impressionados vendo
a que ponto ela havia mudado desde o ano anterior. Ela no era mais a
pequena e rechonchuda senhora, quase bonita, que atravessara Londres
com aigrettes brancas em sua touca no dia do Jubileu; era uma moribunda
quem agora chegava Ilha de Wight.
V. A Morte da Rainha: Acesso de Edward VII
Mas a vida da Rainha era to regular, seus dias to imutveis, que por
algum tempo mesmo seu crculo mais prximo teve a iluso de tudo estar
bem. Porm seu dirio icou lamentoso. Em 1 de janeiro de 1901: Ano
novo; to fraca e adoentada que o inicio tristemente. No dormia noite e,
vencida pela fadiga, cochilava de manh, fato irritante, anotou.Ventanias
varriam a ilha. Em 10 de janeiro, recebeu Lord Roberts, nico general,
alm de Kitchener, bem-sucedido na frica. A multido o seguiu at o
castelo gritando Good old Bobs! Na bruma, um homenzinho em uniforme
de gala de general e bicorne com plumas brancas. A Rainha deu-lhe o ttulo
de Conde e a Ordem da Jarreteira. Ele falou sobre as di iculdades do
exrcito, dos mortos conhecidos da Rainha e de um neto dela, Christie,
morto no Transvaal. Garantiu-lhe no ter dvida do resultado inal, se
icasse claro para o inimigo que pelo tempo que fosse e por mais que
custasse, iriam at a vitria. Era o que sempre a Rainha dissera a seus
ministros.
Em 13 de janeiro, ela abriu como de hbito o seu dirio. As ltimas
palavras que escreveu foram: Assinei papis e ditei para Lenchen. No dia
seguinte recebeu Lord Roberts de novo; depois no seria mais vista. Sua
nica doena era a velhice e o extremo cansao daquele ano triste.
Adormeceu de pura exausto. O Prncipe de Gales foi chamado com
urgncia. Seu irmo, o duque de Connaught, estava na Alemanha. Ele deu
ao Kaiser o telegrama anunciando que a rainha estava morte. Wilhelm
chamou seu chanceler, Prncipe von Blow, e anunciou-lhe com grande
nervosismo que sua av estava gravemente doente e que ia para perto
dela. Eu lhe iz ver, disse Blow, que seria aconselhvel esperar para
ver que curso tomaria a doena. O Imperador replicou, impaciente, que era
a vida de sua bem-amada av, e que estava to determinado a v-la uma
vez mais que no levaria em conta ponderao nenhuma. O duque de
Connaught disse a Blow que a ideia partia de um bom corao, mas era
constrangedora. As relaes entre os pases, desde o raid de Jameson e o
telegrama do Kaiser a Kruger, no eram de cordialidade. A presena de
Wilhelm II no leito de morte da Rainha seria constrangedora. A famlia real
Em 22 de janeiro, a multido de jornalistas que invadiu Osborne viu o
Kaiser da Alemanha e o Prncipe de Gales juntos pelo parque. Sabia-se no
haver muito afeto entre tio e sobrinho, porm leitos de morte propiciam
reconciliaes. Pela primeira vez na vida o Kaiser foi popular na Inglaterra.
Ele escreveu imperatriz contando que o povo de Londres chorou de
alegria com a notcia de que ele estava ao lado de sua av. O Daily Mail,
sentimental, estampou a manchete: A friend in need...
A seu chanceler o Kaiser enviou telegramas em tom chistoso sobre o mar
coalhado de navios. Osborne trazia suas primeiras recordaes. No fortim
do prncipe Albert, ele havia brincado com velhos canhes de ferro. Ali
recebera sua primeira lio de nutica no pequeno iate da Rainha, o
Alberta. Sua av fora das poucas pessoas que o amaram sinceramente.
Para ela, ele sempre foi favorito. Chamava-o my dear boy e dizia-lhe que
seu av era o melhor homem do mundo. Agora as enfermeiras louvavam
sua atitude cabeceira da moribunda. A aura de respeito que envolvia a
Rainha era tanta que, mesmo com ela em coma, os ilhos no ousavam
entrar em seus aposentos sem ser chamados. O Imperador se mostrava
mais corajoso e no deixava o quarto. Bem verdade que, com seu excessivo
desvelo, impacientava o prncipe e a princesa de Gales, que esbarravam
nele, como que inadvertidamente, para se aproximar do leito. Mas o
pblico ignorava esses detalhes. Falava-se, entre o pequeno grupo das
damas de companhia, que as ltimas palavras inteligveis da Rainha foi um
pedido para que seu cachorro fosse posto na cama dela mas que ele
recusou ficar ali.
O crculo mais ntimo da casa no podia crer que a Rainha fosse morrer.
Documentos e telegramas se acumulavam em sua mesa; ao ver essa pilha
de papis aumentando com rapidez surpreendente, Mr Balfour pensou na
industriosa e modesta pacincia com que, por sessenta e trs anos, sem um
prprio rei Edward pusera sobre o caixo a coroa com seus diamantes
cintilando luz das velas, a faixa da Ordem da Jarreteira e o manto de
arminho. Um jornalista, ao passar na longa ila, notou que o arminho estava
amarelecido pelo tempo.
O trono no podia icar vago. Era preciso proclamar sem tardana o novo
rei.
Desde o incio da doena da Rainha, os funcionrios do Conselho Privado
estavam seriamente ocupados com o assunto da proclamao. Ningum
mais tinha qualquer lembrana de qual era o cerimonial. Era necessrio
tambm preparar o discurso que o novo soberano faria ao Conselho
Privado no momento de sua acesso. O primeiro-ministro, Lord Salisbury,
foi consultado e emitiu a curiosa e bem inglesa opinio de que seria
su iciente repetir o discurso feito pela Rainha em 1837. O Duque de
Devonshire mostrou-lhe que pelo menos dois teros daquele discurso no
tinham mais signi icado para a presente situao. Mas Lord Salisbury no
dava importncia excessiva aos discursos nem presente situao.
A proclamao foi feita do palcio Saint James em 25 de janeiro de 1901.
O Conde Marechal (que era o duque de Norfolk) apareceu na sacada
central seguido pelo Rei-de-Armas da Jarreteira, os Arautos e os
Passavantes, em seus uniformes bordados com o braso real; atrs deles,
quatro trombeteiros em tnicas douradas. Ao mesmo tempo, no ptio
entrou grande nmero de o iciais em uniformes escarlates sob o comando
de Lord Roberts. O ensombrado quadriltero, iluminado por tantas cores
brilhantes, assemelhou-se de repente a um canteiro de lores. As
trombetas soaram e o Rei-de-Armas da Jarreteira, avanando, bradou:
Considerando que agradou a Deus todo-poderoso chamar para Si nossa
soberana Senhora Rainha Victoria, de memria gloriosa e bendita... ns,
Senhores temporais e espirituais deste reino, assistidos pelos membros do
Conselho Privado da inada Majestade e por numerosos outros cavalheiros
de qualidade, juntamente com o Senhor Prefeito, seus conselheiros
municipais e cidados de Londres, proclamamos em unssono de voz e
corao que o nobre e grandioso Prncipe Albert Edward tornou-se agora
nosso nico legtimo e ldimo soberano Lord Edward Stimo, pela graa de
Deus. God save the King!
As ltimas palavras foram solenemente repetidas pela multido. As
trombetas soaram. Depois, os Arautos e os Passavantes seguiram para o
centro da City; eram obrigados a parar na entrada da Temple Bar, fechada
por uma simblica corda de seda vermelha estendida de um lado a outro
da rua, onde os esperaravam o prefeito de Londres em sua carruagem,
Para galgar os degraus da Capela, o caixo foi carregado nos ombros dos
Guardas Granadeiros. Era to pesado e to curto que os homens tiveram
di iculdade em segur-lo e ele por pouco no caiu. Se os Arautos dArmas
no os ajudassem, um novo acidente poderia ter ocorrido.
Aps o servio, o Rei-de-Armas da Jarreteira chegou frente nos
degraus da Capela pela ltima vez e proclamou o muito nobre, grandioso
e esplndido monarca nosso soberano Lord Edward, agora, pela graa de
Deus, Rei do Reino Unido da Gr-Bretanha e Irlanda, Defensor da F,
Imperador da ndia, e Mestre da Nobilssima Ordem da Jarreteira... Deus
Salve o Rei! Os que ouviram sua poderosa voz nesse dia jamais
esqueceram o som agudo e cortante daquele God Save the King! A cortina
se fechava sobre um sculo de histria.
Funerais sempre terminam com um banquete. Um excelente almoo foi
servido em St. Georges Hall. Havia alguma dvida sobre o adorno do
tmulo da Rainha, mas as autoridades de Windsor informaram ao Rei que
ela havia previsto tudo. No sepultamento do Prncipe Albert, ela dera
instrues sobre seu prprio enterro junto a ele, e ela mesma se deitou no
cho diante do escultor, na posio de uma jacente em leito de morte. Essa
esttua de uma mulher ainda jovem foi instalada sobre a tumba da velha
Rainha. Ela tambm havia escolhido uma inscrio: Vale desideratissime. Hic
demum conquiescam tecum; tecum in Christo consurgam.
O Kaiser icou uns dias aps o enterro. Teve vrias conversas com Lord
Landsdowne, ministro de Assuntos Estrangeiros. O ingls, reservado e
corts, anotou os pitorescos e bruscos comentrios de seu imperial
interlocutor: O Imperador da Rssia s serve para viver numa casa de
campo e cultivar nabos... O nico jeito de se entender com ele sendo o
ltimo a sair da sala... A Frana est desapontada com a Rssia e com o
Czar; no existe amor entre os dois pases... Os gro-duques russos gostam
de Paris e de uma parisiense em cada joelho... Os Estados Unidos odeiam a
Alemanha e se alinharo com a Rssia... Ao retornar, o Kaiser disse a seus
ministros que havia causado uma visvel impresso em Lord Lansdowne.
Era verdade.
Quando partiu, no entanto, pelo desvelo e pesar demonstrados, Wilhelm
II reconquistara os ingleses uma raa de sentimentalistas. J os alemes,
por seu lado, se enfureceram por ele ter conferido a Ordem da guia
Negra ao Marechal Roberts, vencedor dos Beres. O Kaiser ainda
permaneceria sob o encanto dos seus quinze dias na Inglaterra muito
tempo aps seu retorno Alemanha. Aquele fantico por uniformes agora
s aparecia em roupas civis, como os ingleses. Os o iciais de servio em
O Prncipe de Gales
Edward VII era mais um mediador do que um estadista, um conversador mais do que um
erudito. Mas era um diplomata no servio pblico. Do saber dos negociantes e da sagacidade
das mulheres, ele aprendeu a lidar com os homens.
shane leslie
Ningum obedece tanto quanto um rei.
alain
I. Infncia
Decidi tomar o nome Edward, usado por seis de meus ancestrais. Com a
escolha no subestimo o nome Albert de meu saudoso, excelente e sbio
pai, conhecido, creio eu com justeza, como Albert, o Bom e desejo que seu
nome permanea nico.
Foi esse o tom do primeiro discurso do Rei Edward VII ao Conselho
Privado, e seus termos, impregnados de devoo ilial, teriam consternado
a Rainha Victoria. Quando o ilho nasceu, em 9 de novembro de 1841, ela
lhe deu o nome de Albert Edward, insistindo na prioridade de Albert, e
descreveu ao Rei Leopoldo da Blgica seu prazer com o querido nome.
Espero e rogo que ele seja como seu querido papai... Voc compreende
minhas fervorosas preces, e as de todos, para que ele seja como o pai em
todos, todos os aspectos, de corpo como de alma.
Seria realmente a prece de todos? Em Albert de Saxe-Coburg a jovem
rainha encontrara, a seus olhos, o ser modelo de beleza, de inteligncia, de
tudo. Mas ingleses no tm muita simpatia pela perfeio, e a ela
preferem, de forma perversa, o natural. Eles no gostavam de Albert. Por
ser estrangeiro, mau cavaleiro, trabalhador incansvel, praticar as
virtudes que pregava, ser puro e pudico en im, pelo temperamento de
professor alemo, e no de gentleman ingls. Na poca de seu casamento,
acossaram-no com dvidas sobre seu nascimento, seu protestantismo, sua
lealdade. Recusaram-lhe precedncia sobre os membros da famlia real, e
o Arcebispo de Canterbury lastimara no haver nenhum antecedente
para permitir oraes em seu favor nos servios religiosos das igrejas.
Lentamente, trabalhosamente, a branda tenacidade do Prncipe venceu.
Ele transformou a frvola mocinha que lhe fora con iada por seu tio
Leopold em uma soberana metdica e consciente de seu dever. Tornou
Buckingham, Osborne, Balmoral, e mesmo Windsor, totalmente
germnicos e gemtlich, introduziu na Inglaterra as rvores natalinas da
vaterland, idealizou as Exposies Internacionais, imps Corte artistas e
eruditos. Tratando com indiferena a aristocracia, conquistou a simpatia
das classes mdias. Ao remodelar assim a Inglaterra, em concordncia com
os ideais austeros e sentimentais dos Coburgs, julgou como derradeiro
dever assegurar a perpetuao de sua obra fazendo do ilho um soberano
educado como ele prprio o fora, com prudncia e sbia severidade. Da
boa educao dos prncipes, dizia ele, depende, em grande parte, a
felicidade do mundo. Era essencial que esse beb, sobre cujo bero ele se
debruava to ternamente com Victoria ao lado, fosse a felicidade da
Inglaterra.
Albert consultou seu antigo tutor e con idente, Baro Stockmar, mdico
de pro isso e preceptor de prncipes por vocao, amigo e fazedor de reis
o Mazzarino, no de um reino, mas de uma famlia doutrinador da
grandeza dos Coburgs e da unidade alem. No sejais demasiado zelosa
com o ensino, escreveu Rainha o ctico Melbourne. A educao pode
valer muito, mas no tanto quanto se cr; ela pode ordenar o carter, mas
raramente modi ic-lo. Porm como poderia Stockmar, que tivera na banca
de experincias Albert, o Bom, produto cem por cento puro de seu
laboratrio moral, duvidar da possibilidade de criar um segundo Albert?
Tratava-se apenas de uma questo de planejamento, de programas, de
prudncia e viso. Mas uma infncia era curta para modelar um soberano!
Todos os minutos deviam ser usados, e o menor dos incidentes servir de
ensinamento moral; companhias da mesma idade do menino era algo a
evitar, s deix-lo em contato com pessoas boas, inteligentes, bem
informadas. Na atmosfera esterilizada, como penetrariam germes nocivos
nessa alma?
Ah, se Stockmar tivesse olhado melhor seu Telmaco! Se reconhecesse os
olhos azuis e um pouco proeminentes dos hanoverianos e detectado, no
fundo desses olhos, a avidez por prazeres que Victoria possura e que
somente o amor conseguira disciplinar, talvez em sua tentativa de formar
esse carter levasse mais em considerao os sentimentos e desejos de
uma criana. Mas em vo os primeiros professores do Prncipe
descreveram ao pai e a Stockmar a averso do aluno aos livros, o gosto
con idencial foi entregue a cada um dos o iciais de servio vinculados a Sua
Alteza Real: O Prncipe de Gales no deve apenas ser um gentleman, mas
sua categoria e posio o destinam a ser o principal... As qualidades que
distinguem um gentleman no mundo so: em primeiro lugar, a aparncia, a
postura, principalmente no jeito de andar e mover-se e o vesturio. Em
segundo, o cunho de suas relaes com os demais e a maneira de trat-los.
Em terceiro, seu desejo e capacidade de tomar parte de modo adequado na
conversao ou em qualquer outra ocupao da sociedade que ele
frequente.
Cada um desses trs tpicos foi ento desdobrado. O memorando
ensinava que um cavalheiro no se refestela nos sofs, no pe as mos
nos bolsos; e na escolha de seus trajes evita tanto a frivolidade do janota
como a negligncia de um guarda-caa. Um prncipe deve corresponder
aos sinais de respeito, no apenas oferecendo imediata resposta com
exatido mas pondo nela certa cordialidade. Um cumprimento respondido
com ar de tdio mais uma afronta que uma cortesia. Um prncipe jamais
deve dirigir palavra spera a algum, nem empregar palavras ou
expresses sarcsticas que possam diminuir a pessoa a que so dirigidas.
No momento em que a conversa de um prncipe deixar seu interlocutor
desconfortvel, porque o prncipe no teve boa educao. A
pontualidade era outro dever; fosse um atraso inevitvel, desculpas devem
ser sempre apresentadas. Ele deve mostrar destreza mental na
conversao. Com meros jogos de cartas e bilhar e tagarelices, ele nunca
vai adquiri-la; e algo muito necessrio para um prncipe, o qual, como
praxe, tem de tomar a iniciativa da conversa, habituar-se a encontrar
outros assuntos afora o tempo ou a sade do interlocutor. Alm disso, era
essencial que, fora de exemplo e perseverante pacincia, os
acompanhantes do prncipe o persuadissem a devotar pequena parte de
seu tempo msica, poesia e, como Goethe queria, contemplao de
portflios de gravuras que ao enriquecer o esprito tornam mais mais fcil
a conversao.
Mas os preceptores do prncipe deploravam a total falta de entusiasmo e
imaginao do pupilo, e a ausncia ou, no mnimo, o torpor do elemento
potico nele. Quando, quarenta e cinco anos mais tarde, o Rei leu em
antigas cartas essa descrio de si na idade de dezoito anos, comentou
gravemente que a avaliao era justa. No entanto, nem todos os
testemunhos sobre sua adolescncia foram assim to severos. Enquanto
seus pais o vigiavam com ansiedade crtica, imaginando-o errado por ser
diferente deles, uma das damas da Corte notava a simplicidade e o frescor
rivalidade, esse sentimento possa s vezes dar lugar irritao, o lastro real sobretudo nos
estados do norte, mais favorecido pelo imenso orgulho racial dos americanos, no diminudo pelo
combate travado pelos ingleses contra a escravatura.
Juntamente com um grande respeito pela Rainha Victoria, essas foram as circunstncias da
acolhida que o Prncipe de Gales teve nos Estados Unidos. Houve, alm disso, a boa sorte de uma
excelente impresso pessoal. Seu exterior em nada desperta imaginaes menos favorveis,
antes por suas encantadoras maneiras, afabilidade, juventude, vivacidade, ele ganhou a
aprovao de quem teve a honra de dele se aproximar.
Seria exagero conferir signi icado poltico viagem de um rapazote, porm
mesmo um pequeno evento pode cristalizar sentimentos. Quando o
Prncipe deixou a Amrica algum da multido gritou-lhe: Volte daqui a
quatro anos e concorra a presidente! Bela maneira de recuperar colnias
perdidas. Pela primeira vez o Prncipe se viu com a responsabilidade de
responder por algo, e desobrigou-se com distino. Mas teve a companhia
e a superviso de um mentor, o general Bruce. Na volta, sem mentor, ele
sentiu o gosto da verdadeira liberdade na Irlanda, em Curragh, num
acampamento de granadeiros e como todo moo educado com muita
severidade, abusou dessa liberdade.
A Rainha e o prncipe Albert, apreensivos, embora ele s tivesse
dezenove anos, acharam chegada a hora de pensar em seu casamento. A
Rainha escreveu-lhe sobre o assunto e se queixou de ele ter dado apenas
uma resposta vaga. Mas o rei Leopold da Blgica estava atento aos
interesses dos Coburgs. Desde 1858 izera uma lista de sete princesas. A
mais atraente era Alexandra da Dinamarca mas, no seria perigoso casar
o futuro Rei da Inglaterra com uma dinamarquesa? A Dinamarca e a
Alemanha estavam s turras pelo Schleswig-Holstein. O Prncipe Consorte,
desejoso do bom entendimento entre seu pas de nascimento e o de
adoo, no queria uma aliana dinamarquesa.
Mas princesas eram raras, e o Prncipe de Gales tinha ideias precisas
sobre a beleza das mulheres. Ele vira a Princesa de Meiningen e a ilha do
Prncipe Albrecht da Prssia quando esteve em Berlin, e no o agradaram.
Vicky esforou-se tambm para nos ajudar a encontrar algum, mas em
vo. A ilha do Prncipe Friedrich dos Pases Baixos muito feia.
Positivamente no h outras princesas. Um de seus tios teve a
imprudncia de falar de Alexandra para o Prncipe de Gales. Ele ouvira
exaltarem o charme da jovem princesa dinamarquesa; e viu retratos dela
na casa da duquesa de Cambridge, que, como nos contos de fadas,
con irmaram os elogios que entoavam sobre ela. Sua irm, a Princesa Real,
havia visto Alexandra e lhe escreveu descrevendo-a como a mais
fascinante criatura do mundo. O prprio Prncipe Consorte estava inclinado
dizendo que de sua parte no tinha objees, mas que sua me e o pblico
ingls ficariam descontentes. Foi sensato.
IV. Primeiras ideias de Europa
Poltica externa atrai os prncipes porque estimula sentimentos
apaixonantes, lida com grandes foras e satisfaz ao mesmo tempo o
orgulho, o gosto pelo mistrio e a curiosidade. Interessou ao Prncipe de
Gales desde a adolescncia. Ele tinha a natural benevolncia do bon vivant
que, amando a vida, no deseja v-la perturbada pelo amargor dos
descontentes. Com prazer reconciliaria os povos como fazia com os
esposos. Totalmente desprovido de malquerena e seguro de sua posio e
da posio de seu pas para se valer de fanfarrices, ele achava que dois
homens de bom senso, fumando bons charutos em confortveis poltronas,
sempre poderiam concordar, no importa em qu. Alm disso, a Europa de
sua juventude no estava separada em campos armados. O liberalismo era
uma fora ativa, mesmo nas cortes. Quando Bismarck assumiu o poder na
Prssia em 1863 e declarou que as grandes questes do momento seriam
resolvidas no com discursos, mas a ferro e sangue, a Princesa Real e o
marido deixaram Berlim para marcar desaprovao. Mas Bismarck riu
dessa diplomacia de saias. O primeiro uso de seu mtodo foi a anexao,
depois de um ultimato Dinamarca, dos ducados de Schleswig e de
Holstein.
Na Inglaterra, a indignao foi grande. Lord Palmerston ameaou com
interveno, mas a Rainha Victoria se ops fortemente. A Rainha sabia que
seu pranteado marido consideraria um pecado qualquer poltica
antialem. Ela passou a acreditar que todo apoio dado Prssia era
dever sagrado. O Prncipe de Gales, que se afeioou ao pas da esposa, e
sofria com a tristeza dela, protestou com vigor: Essa guerra horrvel,
escreveu ele, ser para sempre uma mancha na histria da Prssia, e foi
um erro do nosso governo no ter interferido; as sempiternas notas de
Lord Russell no preocuparam ningum no Continente, e os ministros
destinatrios provavelmente acenderam os charutos com elas. Ele achava
que se a esquadra inglesa se tivesse deslocado para o Bltico j no
primeiro dia, a Inglaterra teria contido Bismarck sem derramamento de
sangue. Quando sua irm veio a Windsor com o marido naquele ano, foi
uma penosa reunio de famlia, e a Rainha Victoria teve de proibir
qualquer meno a Schleswig-Holstein.
Essa guerra, e os sentimentos despertados, puseram o Prncipe em
lembra um dandy gasto e cansado que perdeu todo o brilho. O Prncipe foi
casa de M. Thiers. Homens e mulheres desconhecidos, sem elegncia,
vagavam entre as relquias de uma grandeza decada. No Elyse, a moblia
ainda permanecia ornada de Ns e de abelhas douradas. Mme Thiers
cochilava num sof, resmungando de tempos em tempos; ao esprito de um
dos jovens diplomatas que acompanhavam o Prncipe, ela evocou o drago
dos Nibelungos velando a Repblica recm-nascida.
Por alguns anos, o Prncipe teve esperanas de uma restaurao
monrquica. Prudentemente, ele seguia de Chantilly, onde caava a cavalo
com o duque dAumle, para Marly caar a tiro com o marechal-presidente
Mac-Mahon. Na casa do marechal, o centro da mesa era decorado com
musgos de onde saam rosas. Musgos no tm lores, seria simblico? A
Frana renascia. Bismarck, preocupado, procurava um pretexto para
derrub-la. O Prncipe de Gales encontrou-se com von Mnster,
embaixador alemo em Paris, e falou-lhe do horror com que via essa
poltica. Dessa vez, a Rainha o apoiou. Ela no via mais a Alemanha idlica
do Prncipe Consorte naquela Alemanha de Bismarck. Sempre rpida em
perceber os movimentos de seu povo, sentia agora que a opinio
britnica se opunha a uma hegemonia alem no Continente. De prprio
punho escreveu ao Kaiser e ao Czar, fazendo advertncias contra uma
nova guerra. Para a ilha, disse: Bismarck um homem terrvel e faz a
Alemanha ser odiada... Voc sabe que os prussianos no so, infelizmente,
populares, e que ningum aqui vai tolerar que alguma potncia, seja qual
for, queira dar ordens a toda a Europa. Este pas, apesar do seu desejo de
caminhar lado a lado com a Alemanha, no pode e no quer apoiar isso.
Bismarck se submete, mas expressa com veemncia seus sentimentos
quanto famlia real da Inglaterra.
Entrementes, na Frana, a repblica, inicialmente to frgil, parecia
durar. Herdeiro de um trono, o Prncipe de Gales tinha natural preconceito
contra polticos radicais. Considerava Gambetta, e mais ainda Clemenceau,
revolucionrios perigosos. Alguns de seus amigos monarquistas
imprudentemente incitavam-no contra eles. Quando a Frana, depois de
uma linhagem de grandes embaixadores aristocratas (o duque de Broglie,
o duque Decazes, o duque de la Rochefoucauld-Bisaccia), enviou para o
posto de Londres M. Challemel-Lacour, o Prncipe, estimulado por
opositores franceses do novo regime, protestou. Do Journal indito de
Ludovic Halvy:
O Prncipe de Gales chegou ontem de manh a Paris com a esposa. No perdeu tempo. s duas
Foi uma atitude muito perigosa a que ele resolveu adotar, mas felizmente o
Prncipe tinha em seu crculo parisiense amigos que achavam ser
prefervel reconciliar o futuro rei da Inglaterra com o governo que era
agora o da Frana. Em 12 de janeiro de 1879 o marqus du Lau redigiu
uma carta perspicaz e imparcial ao Prncipe sobre a situao poltica:
Monseigneur
Ao chegar esta manh a Paris encontrei mensagem de Knollys pedindo-me, em nome de Vossa
Alteza Real, expressar meus pontos de vista quanto crise poltica que atravessamos neste
momento na Frana. (...) O resultado das eleies de 5 de janeiro era previsto h muito tempo e
ningum podia duvidar do sucesso dos republicanos. Eles tm o poder, tm um objetivo comum,
disciplina, e so favorecidos por uma inegvel corrente de opinio. Os erros dos conservadores,
suas divergncias e diferentes bandeiras, deram sua poltica hesitao e uma falta de nitidez
antipticas nossa nao, que ama clareza, alvos precisos, estabilidade e paz.
A Repblica no certamente do gosto de todos, mas existe h oito anos a despeito das
profecias. Faltam-lhe, talvez, grandeza e elegncia. Mas pagou os encargos da Guerra sem causar
dano prosperidade do pas. Diz-se da Repblica que o partido que menos nos divide. Seja
como for ela paralisa os outros, cujas alianas no conseguem subsistir.
Eis como uma assembleia, de maioria absolutamente contrria Repblica, acaba por irm-la
com mais solidez do que conseguiriam os prprios republicanos. E fez mais. Atuou por uma
administrao que a tornasse mais aceitvel ao pas, o qual assim se acostuma a temer menos
essa forma de governo, que sempre deixou na Frana pssimas lembranas.
Foram os orleanistas que inventaram a frmula e redigiram a constituio, com o intuito de
descartar o Imprio e a monarquia legtima. Convenceram-se, por outro lado, que o estado no
poderia prescindir deles como governantes, que ganhariam tempo e ocupariam todos os cargos,
e que sua maior habilidade triunfaria sobre as impacincias radicais.
Mas frente a essa burguesia que, chegando ao governo em 1830, acreditou-se predestinada ao
poder, surgiu gradualmente uma burguesia inferior, os novos estratos de M. Gambetta, que
pretende, ela tambm, reivindicar cargos governamentais com igual apetite e sem qualquer
arrire pense monarquista. Ela descobriu que o rtulo republicano no bastava. Quer tambm a
coisa real. numerosa e com a ajuda do sufrgio universal, ei-la no poder. E assim estamos a
pique de assistir a esse espetculo novo de uma Repblica governada por republicanos. no
mnimo lgico, e a experincia pode ter sucesso por algum tempo. A grande maioria, na cmara e
no senado novo, moderada. M Gambetta, cujo valor poltico e in luncia so inegveis,
permanece lder dessa maioria, e a conduz ainda mais facilmente por estar livre de uma
responsabilidade direta.
Tal informao foi de grande valor para o Prncipe. Seu prprio carter,
lexvel, conciliador, realista, o inclinava ao reconhecimento dos novos
estratos. Apresentaram-lhe Gambetta. O poltico francs achou o Prncipe
inteligente, bem informado, e viu que no era perda de tempo discutir com
ele os assuntos europeus. Props-se persuadir o Prncipe a aceitar duas
ideias que ento alarmavam todos os ingleses: a da expanso colonial da
Frana (a Repblica, depois do Congresso de Berlim, declarara seu
protetorado sobre a Tunsia), e a de uma eventual amizade entre a Frana
e a Rssia. Os almoos amistosos se sucederam. Sir Charles Dilke, agora
subsecretrio do Foreign Of ice e grande amigo do Prncipe de Gales,
juntou Gambetta e o Prncipe no restaurante do Moulin-Rouge e, em torno
da mesa, esboaram-se planos de uma entente entre os dois pases. O
Prncipe depois teve a ideia de reunir tambm num jantar os dois
franceses que ele mais admirava: Gambetta e Galliffet. Parecia di cil pois a
Frana estava muito dividida, e Galliffet era conhecido no campo
republicano como o assassino dos insurgentes comunistas. Mas o
Prncipe conseguiu levar seus dois amigos ao Caf Anglais, e Galliffet nos
deixou um relato da conversa:
No jantar, conversa sobre uma coisa e outra.
Em seguida:
O Prncipe: Monsieur Gambetta, permita-me perguntar-lhe por que o senhor e seus amigos
mantm a aristocracia francesa afastada dos negcios de estado?
Gambetta: Mas, Monseigneur, no existe mais uma aristocracia na Frana. H apenas duques
que no ducem nenhum exrcito e marqueses que no so responsveis por defender
marca nenhuma; os condes, viscondes e bares no tm nem terras nem autoridade, nem
influncia.
O Prncipe: Entenda-se que eu quis mais propriamente dizer a nobreza.
Gambetta: Mas eles no tm nenhum desejo de trabalho... Eles apenas se amuam a ocupao
eterna deles. Ns s os vemos no exrcito e na marinha, algumas vezes no servio diplomtico.
Nessas atividades, fazem boa figura, tenho de reconhecer.
O Prncipe: Mas por que no fazer como no meu pas, onde lanamos mo dos homens mais
notveis na indstria, cincia, literatura, comrcio etc... Ns os fazemos nobres, e nossa nobreza
permanece uma genuna aristocracia.
Gambetta: No vosso pas isso possvel, ainda por algum tempo; aqui, no . O Duque de la
Rocha-Que-Espuma no vai querer se esfregar com o Duque da Indstria, o Duque da
Cincia, o Duque das Artes... Como Repblica, podemos ter apenas uma aristocracia, a da
cincia e do mrito que afirma a si prpria sem necessidade de ttulos.
O Prncipe: O senhor um verdadeiro republicano, Monsieur Gambetta.
Gambetta: Permita-me concordar, Monseigneur; considero lgico que vs, de vossa parte sejais
roialiste.
Riram com bom humor, e falaram de outras coisas.
A amizade entre Gambetta e o Prncipe de Gales foi muito leal e duradoura,
ambos afetuosamente ansiosos por agradar um ao outro no
reconhecimento das qualidades diferenciadas mas no hostis dos dois
regimes.
Por volta de 1881, Bismarck inalmente desejou uma reconciliao,
mesmo que aparente, da Frana com a Alemanha. Sua obra de uni icao
do Imprio Alemo estava concluda. Vivia agora assombrado com o
pesadelo das coalizes e queria manter vivos os motivos de discordncias
entre seus potenciais inimigos. Foi Bismarck quem, em 1878, oferecera a
Tunsia aos franceses na dupla esperana de, por um lado lado, ocup-los e
distra-los da ideia de revanche e, por outro, op-los na frica aos italianos
e aos ingleses, gerando com isso inimigos para a Frana. Pela mesma razo,
desejava ver a Inglaterra ocupar outro pas africano, o Egito, que era ainda
mais capaz do que a Tunsia de se transformar em motivo de atrito entre
ela e a Frana.
Desde os tempos de Napoleo, a Frana e a Inglaterra disputavam entre
si o Egito. Para verdadeiramente derrotar a Inglaterra, dizia Bonaparte,
precisamos conseguir a posse do Egito. Naquele pas, a Frana
desfrutava de uma posio tradicional, vastos interesses comerciais e
extensa in luncia intelectual; j a Inglaterra via no Egito, principalmente
depois da abertura do Canal de Suez, a melhor rota para a ndia, e no
podia permitir que algum mais ali se instalasse de alguma forma
permanente. As graves di iculdades inanceiras do Khediva tornaram
necessrio um controle que foi, naturalmente, exercido por uma gerncia
anglo-francesa, visto o fato de esses dois pases serem os grandes credores
do Egito. Criou-se ento Administrao da Dvida. Contra o Khediva, que se
colocara assim sob a tutela de dois pases estrangeiros, desencadeou-se
uma insurreio nacionalista. Gambetta, primeiro-ministro francs
presidente do Conselho, e Lord Granville, ministro do Exterior ingls,
assinaram uma nota em que os dois governos, francs e ingls,
comprometeram-se a proteger o Khediva, inclusive pela fora.
Pouco tempo depois de assinada a nota, o ministrio de Gambetta caiu;
Graas a Galliffet, o Prncipe pde ser um dos primeiros a alertar o
governo ingls sobre a verdadeira fraqueza do movimento boulangista. E
foi mais alm. Quando M. Rouvier estava a ponto de ser derrubado pelos
amigos do general Boulanger, ele interveio junto ao Conde de Paris para
que aconselhasse os deputados de direita a votarem apoiando o ministrio.
Rouvier foi salvo, mas tudo parecia conspirar contra a amizade do Prncipe
pela Frana. Em 1889 realizou-se em Paris a Exposio Universal para
comemorar o centenrio da Revoluo. Mas a Europa era ento totalmente
monrquica, e as coroas se recusaram a participar de uma cerimnia
ligada apenas sua runa. O Czar, para evitar di iculdades diplomticas,
decidiu que toda a sua Embaixada passaria aquele vero na Blgica. Lord
Salisbury escreveu para o embaixador da Inglaterra: O ms de maio no
poca de in luenza; e nem praga, clera ou catapora prevalecem em Paris
neste momento. Sugiro que o senhor tenha uma tia idosa, no importa
onde, seriamente doente mas que fazer do charg daffaires? Os
parisienses contavam pelo menos com o Prncipe de Gales, que
consideravam como um deles; mas o prprio Prncipe, nesse ano
revolucionrio, no fez visita o icial Frana. Um pouco mais tarde,
porm, no o icialmente, na companhia de Lady Warwick e amigos quis
subir a p at o alto da Torre Eiffel.
pequena esquadra. A Rainha achou de boa poltica agrad-lo concedendolhe o posto de almirante ingls e organizando em sua homenagem um
des ile naval. O Prncipe prestou ao sobrinho as honras navais dos
encouraados ingleses, mas se exasperou um pouco com os conselhos
tcnicos logo oferecidos pelo novel almirante.
Todo ano l retornava ele a Cowes a bordo de seu iate Hohenzollern,
portando-se no como um convidado, mas como dono de Cowes. O Prncipe
de Gales se queixava: As regatas de Cowes eram frias agradveis para
mim; agora, desde que o Kaiser tomou o comando um aborrecimento s.
Talvez eu nem venha no prximo ano. Organizado pelo imperador alemo,
a regata virou guerra. Wilhelm II fazia dos handicaps uma questo de
prestgio. Tratava seu tio vinte anos mais velho com familiaridade ofensiva,
e pelas suas costas chamava-o de velho pavo. O Prncipe, mais
moderado e prudente, referia-se a ele como meu ilustre sobrinho... com
uma expressiva piscadela.
At 1896 a Rainha Victoria foi indulgente com as desconsideraes do
neto. Ele no passa de uma criana, convencido e impetuoso, dizia. Mas
nesse ano a inconvenincia foi longe demais. O raid do Dr. Jameson no
Transvaal propiciou ao Kaiser a chance de dar uma lio aos ingleses.
Chegou a propor ao seu chanceler o envio de tropas a Pretoria em defesa
dos beres. O chanceler respondeu que isso signi icaria guerra com a
Inglaterra. Depois, tolamente instigado pelo ministro Marschall das
Relaes Exteriores, o Kaiser passou um telegrama ao presidente Krger:
Expresso-vos minhas sinceras congratulaes por terdes com sucesso,
apoiado pelo povo e sem apelar para a ajuda de potncias amigas,
conseguido vencer por uma ao enrgica os bandos armados que
invadiram vosso pas.
Quando essa mensagem foi lida na Inglaterra, o pas pegou fogo. O
embaixador alemo arrancou os cabelos tentando entender que
incompreensvel insnia se apossara da Wilhelmstrasse. Na City,
recusaram-se a fazer negcios com os alemes e nos clubes, a servi-los.
Nas docas, marinheiros alemes foram espancados. Lord Salisbury disse
ao embaixador que se tivesse ento declarado guerra Alemanha, teria a
opinio pblica irmemente com ele. O Prncipe pediu a sua me que
desse uma esfregano neto; mas cinquenta anos de reinado ensinara
Rainha a conter seus sentimentos. Essas reaes duras, disse ela ao
Prncipe, s irritaro e causaro danos (...) preciso precaver-se com
cuidado contra qualquer paixo. Os erros de Wilhelm resultam de sua
impulsividade tanto quanto de sua vaidade. Em momentos assim, calma e
modo, minhas relaes com o embaixador da Inglaterra permanecem excelentes. Ele veio ontem
minha recepo e conversamos por meia hora. Disse-me que no espera por novas notcias de
Fashoda antes do fim da semana. Estamos quase l.
26 de setembro de 1898, 4h30 O embaixador acaba de deixar minha sala. O general Kitchener e
Marchand se encontraram em Fashoda, e no houve luta. Uma di iculdade a menos. Por si s as
negociaes j sero su icientemente problemticas, pois temos apenas argumentos e eles tm
soldados no local. En im, eu me congratulo por ter tomado a iniciativa dos pourparlers um ms
atrs e de ter talvez assim evitado um lastimvel banho de sangue.
Ele disse ao embaixador da Inglaterra, Sir Edmund Monsen, que o desejo
do governo francs era ter a Inglaterra como amiga, inclusive
acrescentando: Muito entre ns, pre iro bem mais uma aliana anglofrancesa a uma franco-russa. Pediu ao embaixador para que no se
colocasse numa situao impossvel. Certamente, disse ele, o senhor no
iria romper conosco por causa de Fashoda? Monsen respondeu que isso
era exatamente o que ele temia. Na Inglaterra, um belicoso discurso de
Lord Rosebery, e o tom jingo da imprensa estava levando Lord Salisbury
intransigncia.
1 de outubro de 1898 Sentindo que o embaixador ingls tinha no bolso um ultimato, que
achava embaraoso formular, tomei a iniciativa. Re iz o histrico de nossa marcha para o Nilo e
lembrei que ela remonta a uma poca em que a Inglaterra nada tinha feito ou mesmo dito que
deixasse supor que desejava reconquistar o Sudo egpcio, que ela obrigara o Egito a abandonar
em 1876. (...) Portanto, nada havia em nosso empreendimento que permitisse a irmar estar
sendo contra a Inglaterra a im de contrariar projetos que ela no havia manifestado. Disse-lhe:
Estamos em Fashoda como vocs em Ouadelai, e apenas a tomamos da selvageria. Pedir que nos
retiremos de l antes de qualquer discusso seria, no fundo, nos dar um ultimato. Bem, Sir
Edmund, falo pela Frana ao j dizer-lhe No! O Governo de Sua Majestade no se deve iludir
quanto ao meu desejo de entendimento com a Inglaterra, cuja necessidade o senhor mesmo
reconheceu, nem quanto aos meus sentimentos conciliatrios. A irmei-os muito livremente
apenas por ter certeza de que o senhor mesmo, neste momento, deve estar convicto de que eles
no me levariam alm do limite traado pela honra nacional.
7 de outubro de 1898 Parece-me estar ocorrendo certa calmaria entre a Inglaterra e ns.
Minha franqueza e nitidez, e o tom resoluto embora perfeitamente corts e moderado de minha
linguagem, produziram alguma impresso. Espero que o desejo por entendimento com a
Inglaterra que expressei livremente desde que assumi o ministrio seja compreendido como
proveniente no de fraqueza, mas de uma concepo geral de poltica, e que eu no precise me
colocar o icialmente na obrigao de dizer No. Espero ainda que novas re lexes levem
convico de que o real interesse da Inglaterra est em cultivar a amizade da Frana e que, por
essa amizade, seja razovel sacrificar pretenses exclusivistas.
No incio de outubro, o incidente se transforma em tragdia. De ambos os
lados as esquadras foram mobilizadas. A Inglaterra deslocou seus navios,
que naquele momento estavam perigosamente espalhados, com uma parte
de sua esquadra mediterrnea no Leste e outra parte em Gibraltar, e
desse modo exposta a ser cortada pela esquadra francesa de Toulon. O
Em 27 de outubro, Delcass disse ao capito Baratier, que lhe trazia os
despachos de Marchand: Veja meus cabelos, icaram brancos em um ms.
No se pode querer a hostilidade de um estado poderoso como a
Inglaterra quando ainda estamos a sangrar nas fronteiras do Oriente.
Marchand foi chamado, mas a populao parisiense tornou-se
violentamente anglfoba. O embaixador alemo disse ironicamente ao da
Inglaterra: Fashoda tornou a Alscia-Lorena coisa do passado. A guerra
do Transvaal deu aos nacionalistas franceses a chance de se manifestarem.
Quando Lady Warwick foi assistir LAiglon com Lord Rosebery, a sala
inteira se levantou gritando: Abaixo os ingleses! Vivam os beres! Lord
Rosebery e Lady Warwick saram escoltados pela polcia. O prprio
Prncipe de Gales, antes to popular na Frana, foi atacado pela imprensa
francesa.
Mas onde, na poca, os ingleses no eram impopulares? As primeiras
derrotas no Transvaal mostraram a inveja e os rancores acumulados por
um sculo. Quando o rei Edward subiu ao trono seu pas no tinha, entre
as grandes naes, um s amigo. Talvez fosse a poltica do esplndido
isolamento, mas o isolamento era muito mais visvel que o esplendor.
VII. Inquietudes, esperanas e surpresas
O advento do novo rei mudaria esse estado de coisas e as relaes da
Inglaterra com a Europa? Pouca gente pensava que sim. Por trs da
cortesia formal dos artigos publicados por ocasio da morte da Rainha, o
leitor hbil detectava inquietude. Acreditava-se o Rei estragado por uma
vida de ociosidade e prazeres. Por ocasio do Jubileu de Diamante, W.T.
Stead, in luente porm rude jornalista, via a monarquia slida enquanto a
Rainha vivesse; mas que acontecer quando subir ao trono o gordinho de
uniforme vermelho, triste igura ao lado do belo cunhado de uniforme
branco? Reao no West End, mas era o sentimento de muitos ingleses.
Nada mais di cil de superar do que um preconceito injusto. Desde a
maioridade o Prncipe viu qualquer discutvel ao de sua parte
contraposta por grande hostilidade. Sua vida na Paris do Segundo Imprio
fora um canteiro de escndalos. Por alguns anos, o tifo que o acometeu
vacinou-o contra a malevolncia, mas depois os rumores voltaram. Em
1891, uma mesquinha histria de jogo escandalizou a Inglaterra. Durante
uma partida de baccarat numa residncia particular, um dos parceiros do
Prncipe, Tranby Croft, foi acusado de trapacear, e compelido pelos outros
jogadores a assinar uma admisso de culpa em troca de uma promessa de
silncio. Mas, apesar do compromisso, a histria vazou e o acusado virou
acusador entrando com um processo de difamao na justia. O Prncipe
foi citado como testemunha. A Inglaterra puritana desabou sobre ele.
O qu? Em duas mil de igrejas, duas vezes por domingo, por meio
sculo, os iis rezaram por Albert Edward, Prncipe de Gales, e a resposta
a essas milhes de preces era o escndalo de Tranby Croft? Em Leeds, um
ministro wesleyano, pregando, declarou que o pblico tinha o direito de
exigir que o herdeiro do trono obedecesse s leis cujo respeito era
obrigao dos sditos. A Conferncia dos Pastores Metodistas aprovou a
deliberao de um prncipe que aspire tornar-se rei de um povo cristo,
renegar tais prticas. Em Northampton um granjeiro disse a Stead: Espero
o senhor deixar bem claro que um homem como ele nunca subir ao trono.
No queremos jogadores reinando sobre ns. Ridcula indignao sobre
uma partida de cartas num povo que apostava em cavalos e gravara um
versculo da Bblia na Bolsa. Mas indignaes populares nunca so
racionais. Baccarat para a gente comum, tinha som de pecado mortal.
Revistas mostravam Windsor como um cassino. Um jornal alemo mudou
no braso do Prncipe de Gales o lema Ich dien [eu sirvo] por Ich deal
[dou cartas].
Stead, num artigo para a Review of Reviews, tentou pr o caso em
perspectiva: severo com o Prncipe, mas levou em conta a di cil posio.
Que tipo de vida era a dele? Inauguraes, exposies, cerimnias.
Existncia interessante para um homem de cinquenta anos? O prprio
Prncipe, com um amigo, comparou tristemente seu destino com o do
sobrinho Wilhelm, jovem e no entanto centro de tudo enquanto eu nada
tenho a fazer. Era um homem enfadado. Mas tinha qualidades; sua
bonhomie e tato seriam inestimveis em muitas funes. Por que no uslos? A prova de sua capacidade de ser outro homem era a transformao
que se operava nele quando estava em Sandringham. L, ocupado com sua
propriedade e com a famlia, era um modelo de ternura e sagacidade. Se
pudssemos, concluiu Stead com lirismo, levar Marlborough House um
pouco da atmosfera de Sandringham, seria como um sopro do cu.
Porm o Prncipe, hlas, passava mais do tempo longe de Sandringham.
Diz-se com tristeza que um dia a Princesa de Gales, sentindo-se infeliz,
fugiu para Copenhague, depois para junto de sua famlia russa, e que foi
preciso longa negociao e uma doena de seu ilho para traz-la de volta
Inglaterra. Verdadeira ou no, a histria espantou, pois a Princesa, que
conservara sua beleza e graa quase infantis, era adorada por todo o povo
ingls.
Acrescente-se que a partir de 1890 irritao escandalizada dos
puritanos se ops a tolerncia divertida dos Cavaliers. Se a Rainha
Victoria virou Deusa-me, o Prncipe virou uma daquelas deidades
familiares e libertinas to populares nas canes pags: ele era Ganesha,
Ho-Tei, era o tio universal; e seu charuto, seu sorriso, at mesmo sua
corpulncia, tudo ajudava a dar a impresso de bom sujeito.
Mesmo crticos severos se afeioavam a ele quando vinham a conhec-lo.
Algum tempo depois do artigo de Stead, Lady Warwick teve a ideia de
reunir modelo e pintor. Convidou Stead para almoar com o Prncipe, e a
experincia foi um sucesso. No que Stead achasse seu futuro soberano
u m causeur paradoxal ou brilhante. Dizia os erres guturais em frases
curtas pontuadas de Yes... Yes... Does he really?... Yes, yes... It is indeed...
Conversa de salo. Lembrou-me, escreveu Stead, a senhora de bom-tom
que d a impresso de interessada no que lhe dizem e, cinco minutos
depois, esqueceu tudo. Mas o Prncipe de Gales era franco, despretensioso,
liberal e de muito bom senso. Stead anotou seus comentrios:
Gosto dos russos. Mulheres encantadoras e talentosas, homens
interessantes, mas no gosto do sistema de governo deles. Acho deplorvel
I. A Eleio Cqui
Quem eram os futuros colaboradores do novo Rei? Em todo pas
parlamentarista, disfarados sob mscaras transparentes e convencionais,
dois grandes partidos disputam o poder. A Frana, no tempo de Louis
Philippe, conhecia-os como Resistncia e Movimento; sob Loubet, foram
intitulados Direita e Esquerda. A Inglaterra de 1830 dizia Whigs e Tories; a
de 1870, Conservadores e Liberais. Os nomes mudam; o debate continua.
Os traos de carter que levam uma pessoa a escolher um ou outro
partido so complexos. Em certas famlias inglesas, a rebelio era
hereditria. As Igrejas dissidentes tendiam a se agregar ao partido menos
conservador, em razo da preferncia pelo livre julgamento e da averso
Igreja Estabelecida. Eventualmente, em algumas famlias nobres, o ilho
mais velho pertencia Resistncia e o mais moo, ao Movimento. Quando o
irmo mais moo, pela morte do mais velho, se tornava herdeiro do
patrimnio, isso podia lev-lo a mudar de partido. Outras migraes
polticas tm causa em ambies contrariadas; um aspirante a cargo
ministerial, rejeitado, pode vir a descobrir divergncias de doutrina entre
ele prprio e um chefe ingrato. Na Frana, onde os grupos parlamentares
so numerosos, tais evolues se escondem pudicamente por trs de
legendas partidrias incompreensveis. Na Inglaterra, pas onde dois bem
entrincheirados partidos por geraes partilham a nao, as converses
so eventos conspcuos; tambm ocorrem em massa a im de tranquilizar
os tmidos. Como as cartas foram vrias vezes embaralhadas no sculo
dezoito, bom entender a forma dos grandes partidos quando da acesso
ao trono do Rei Edward e relembrar algo de sua histria.
queixavam; aquilo lhes dava enjoo. Muitas vezes, tambm, seus longos
dedos rodavam uma esptula. Mas quando discursava, seus braos
pendiam ao longo do corpo. Pensava em voz alta, sem efeitos oratrios, em
aparente esquecimento de sua audincia. Tinha horror dos argumentos
elevados e moralistas que a maior parte dos polticos pem a servio de
interesses prprios. O senhor anuvia sua fala, disse certa vez, com
eloquentes expresses de desejo em satisfazer as naturais aspiraes da
Irlanda. Com ou sem razo, eu no tenho o menor anseio em satisfazer as
naturais aspiraes da Irlanda.
Quando os liberais, contra os grandes cervejeiros Tories propuseram
menos licenas de bares, o pretexto invocado foi naturalmente o combater
a embriaguez, e no um lance de vantagem eleitoral. Lord Salisbury
argumentou com desdm que a embriaguez no depende do nmero de
bares. Na minha casa, em Hat ield, h uma centena de camas. No
constato que isso faa dormir mais, disse. Detestava frmulas abstratas
como pretexto para pensamentos super iciais. Se lhe falavam dos desejos
do povo, ele tentava pensar em algum particular homem do povo que
conhecesse. A popularidade lhe era indiferente; a impopularidade,
incompreensvel. Quando algum longo ajuntamento de manifestantes
passava vaiando em frente sua casa, ele perguntava distraidamente ao
seu criado: O que todo esse barulho?
Na poltica interna, pouco acreditava em reformas. Considerava as
sociedades humanas organismos frgeis em que era bom mexer o mnimo
possvel. Seus maiores sucessos foram por negao. Ele no resolveu nem
os problemas sociais, nem a questo da Irlanda, mas impediu que
causassem desordens enquanto esteve no poder. Teve de fazer muitas
nomeaes eclesisticas, diplomticas e polticas. Suas escolhas
seguidamente surpreendiam. Achava que para a maior parte dos cargos
no havia diferena entre um homem e outro. Certa ocasio, um bispo o
visitou para discutir uma nomeao eclesistica, e acabou por se irritar
com seu desinteresse. Realmente, lord Salisbury, queixou-se, essa
nomeao extremamente importante. My lord, replica o PrimeiroMinistro, neste pas s existem dois cargos extremamente importantes:
um o de primeiro-ministro, o outro o de ministro do Foreign Of ice;
para o restante serve qualquer pessoa razoavelmente capaz. Ele poderia
at ter tirado dessa curta lista a posio de primeiro-ministro, pois era uma
funo que pouco o interessava, sendo da opinio de que nela nada h a
ser feito, e que o primeiro-ministro ingls dispunha apenas da aparncia
do poder.
massacres, aptas nutrizes dos futuros senhores da criao, tenham gradualmente criado, aps
in inita labuta, uma raa com su iciente nobreza para sentir que desprezvel, e su iciente
inteligncia para saber que insigni icante. Ns olhamos o passado, e vemos que sua histria
formada de lgrimas e sangue, de revoltas selvagens, de resignao estpida, de aspiraes
vazias. Sondamos o futuro e aprendemos que aps um perodo, longo comparado com nossa vida
individual mas in initamente breve comparado com a eternidade, as energias do sistema
de inharo. O homem afundar na voragem, e todos os pensamentos perecero. A matria
cessar de se conhecer. Monumentos imperecveis e faanhas imortais, a prpria morte, e o amor
mais forte que a morte, sero como jamais tivessem existido. E nada do que existir valer nem
mais nem menos por tanta faina, gnio, devotamento e sofrimento que o homem prodigalizou
por inumerveis geraes.
Esse desespero sereno lhe permitir lutar no Parlamento como um soldado, como um gladiador
pro issional, ou seja, mais efetivamente do que os entusiastas. Ele era capaz de defender
qualquer doutrina com brilhantismo e plausibilidade. E sentia um prazer malicioso em desviar
um debate, em confundir a Casa com uma dialtica complicada, e tornar a sentar-se com um
gracioso movimento sobre as longas pernas de uma rpida e destra pirueta, e tambm depois de
emergir de uma discusso parlamentar sobre leis de licenciamento, de presidir a British
Association e ter pronunciado inventivo e obscuro discurso sobre as novas teorias da matria.
A poltica, para ele, era mera esgrima na qual era mestre. Tocava sem
muita fora, mas no ponto sensvel, e sempre o mais leve toque de seus
loretes desencapados, dmuchets, era fatal. Ele sabia disso, mas no
hesitava. Arthur implacvel, e pode ser cruel, disse Winston Churchill a
Scawen Blunt. Ele era a favor, disse Mr Reymond, de deixar dormir os
ces que dormem. Quando os ces no dormem, ele no se preocupa com a
forma de bot-los para fora. Segundo Desmond McCarthy, ele era uma
ilha inteiramente cercada por polidez mas uma polidez percorrida por
correntes martimas bastante perigosas e que no era homem de exibir
cartazes s margens dos rios convidando passantes a aportar. Era
espirituoso e o mais impiedoso dos moderados. Corajoso, no temia os
inimigos; provocava-os frequentemente, nunca os poupava. Detestava em
especial gente de ideias ou princpios generalizados. Os Puritanos, pela
falta de sutileza, o enfadavam e a ligiam. Sobre Cromwell, dizia ser um
grande soldado, mas, no conjunto, ine icaz. Nada ajuda melhor a
compreend-lo do que saber que ele preferia Jane Austen a Dickens, e
apreciava a pintura de Burne-Jones. Pudesse ele ter escolhido seu destino,
teria acrescentado algumas grandes verdades s cincias naturais. Porm,
por ser brilhante e eloquente, e sobrinho de Lord Salisbury, os ventos da
fortuna o conduziram liderana de um grande partido. Por que ento
resistir? Ele tentava, nessa posio, levar uma existncia resguardada e
pac ica, lutando bravamente quando necessrio. Assim era esse homem
encantador, to formidvel para seus oponentes, e que teria sucedido a
Lord Salisbury no partido conservador de forma incontestvel, no tivesse
levantava para falar. Um dia, uma amiga que foi assisti-lo discursar da
galeria da Cmara sem chegar a entend-lo, censurou-o pelo seu ar de
tdio. Ah, my dear Lady, suspirou ele, se a senhora tivesse entendido
meu discurso, meus bocejos no a surpreenderiam tanto. Como ele
defendia na Cmara dos Lords um projeto do governo, um dos jovens
whigs unionistas que assistia seo, surpreendeu-se ao ouvir o Duque
sustentar tese contrria do Gabinete, e logo passou-lhe uma nota. O
Duque interrompe seu o pronunciamento, l o bilhete e diz
tranquilamente: Ah!... Parece que eu estava errado... A opinio do Governo
de Sua Majestade exatamente oposta que acabei de expor a your
lordships. Noutra ocasio, como havia feito um longo discurso, logo ps-se
a dormir. Um nobre colega levanta-se para apartear e pede explicaes
complementares. O Duque despertado; ergue-se, pe diante de si os
papis que j havia lido, os l uma segunda vez do incio ao im e torna a
sentar.
Suas maneiras abruptas, seu desdm pela eloquncia, a idedignidade de
seu carter, izeram-no adorado pelo Parlamento e pela nao. Concordava
com Lord Salisbury e o sobrinho deste quanto sensatez da inao.
Modestamente dizia agir como um freio na mquina do estado, e talvez,
sem a presena de Mr Chamberlain, o ministrio unionista poderia ser
acusado de ter trs freios e nenhum motor. Mas trs ilsofos da inao
eram muito pouco para brecar a velocidade de um veculo dirigido por
Joseph Chamberlain.
Mr Chamberlain era diferente de quase todos os estadistas dos dois
grandes partidos: no provinha de nenhuma das famlias governantes;
nem se formara em universidade. Sua famlia, por vrias geraes, fora
fabricante de sapatos em Londres e pertencia Igreja Unitria, uma seita
radical que negava a Trindade gente acostumada a crenas consideradas
herticas pela massa do pas, levando vidas sem temores ou reprovaes,
trabalhadores incansveis, pilares da Chapel de no pertencentes Igreja
Anglicana e da Corporation; nem pobres nem ricos em suma, as classes
mdias inglesas personi icadas. O pai de Chamberlain costumava se
apresentar a pessoas de fora com estas palavras: Yes, Sir, Joseph
Chamberlain and a Unitarian. Se o outro engolisse o desafio, tudo bem.
As primeiras lies de Joseph Chamberlain foram contra religies
o iciais. Teve slida educao, e aos dezoito anos era um moo ativo e
deixem em paz. Nesse e em muitos outros pontos, ele se via em con lito
direto com Lord Rosebery, que se tornara o lder do partido, como ministro
escolhido pela Rainha para che iar um ministrio liberal aps a renncia
final de Mr Gladstone.
Lord Rosebery, tal como Arthur Balfour no campo oposto, era um desses
brilhantes favoritos da sorte a quem os fados recusaram somente um dom:
obstculos. Aos vinte e um anos, herdou do av a fortuna e o ttulo; suas
bonitas feies permaneciam juvenis; era culto, escrevia bem, falava
eloquentemente. H uma histria de que em Eton ele disse a um amigo que
tinha trs ambies: casar-se com uma herdeira, tornar-se primeiroministro e ganhar o Derby. Ele desposou uma Rothschild, tornou-se
primeiro-ministro nos seus quarentas e venceu o Derby no mesmo ano em
que chegou quela posio.
Porm, obtidos facilmente esses galardes, no usufrua deles. O
segredo de minha vida, revelou, sempre ter detestado a poltica; e
desde que me vi nesse pntano quero sair dele. Tinha um esprito
delicado demais para aceitar, sem nuanas os dogmas partidrios, e o
julgamento por demais justo para convencer, como Mr Gladstone fizera, os
outros de muitas coisas, e a si prprio de no importa o qu. Era muito
Rosebery para ser at mesmo um roseberiano. Ele meditava; avaliava; e,
pois, desconcertava. Posso dizer dele trs coisas, escreveu Gladstone: I.
um dos homens mais capazes que conheci; II. impossvel ter maior
probidade e honra. III. No creio que tenha bom senso.
A Rainha Victoria, que tinha grande afeio por Lord Rosebery
(ningum, desde a morte de Disraeli lhe escrevera cartas to belas,
lisonjeiras e poticas), mas que entendia bem seu povo, delicadamente
chamava seu formoso primeiro-ministro ao bom senso. O que a Rainha
deseja dizer a Lord Rosebery, de forma muito aberta, que em seus
discursos no Parlamento ele deveria adotar tom mais srio e, se assim ela
pode dizer, menos jocoso, pois pouco condiz com o primeiro-ministro. Lord
Rosebery to talentoso que pode se deixar levar pelo senso de humor,
coisa um tanto perigosa. por desejar o bem de Lord Rosebery que a
rainha assim lhe fala. As classes mdias, como sempre, pensavam da
mesma forma que a Rainha Victoria. Aos olhos dos velhos liberais e dos
eleitores no conformistas, um primeiro-ministro no devia se mostrar
muito chistoso ou vencer o Derby. Quanto a esse ltimo ponto, Lord
dos ministros. Mas isso aos ingleses no era obstculo; pelo contrrio.
Como remdio para as intrigas internacionais, ele sugeria que todos os
estadistas estrangeiros fossem educados em public schools inglesas, e
aplicassem nas relaes entre os povos o cdigo de honra dessas escolas.
No d para imaginar.
Tais eram os futuros chefes do Partido Liberal. Os nacionalistas
irlandeses tinham frente John Redmond, que sucedera Parnell depois de
t-lo corajosamente defendido quando os liberais seus aliados, pelo infeliz
caso de divrcio OShea, exigiram a demisso do grande lder irlands.
Tempestade em copo dgua, disse Parnell. Mas quem no se afogaria em
vrios milhes de copos puritanos? Disse-lhe, relata Morley, que ele
talvez conhecesse a Irlanda, mas no conhecia a Inglaterra. Com
Redmond, no havia escndalo. Imponente personagem de feies e porte
de imperador romano, era honesto e corts, sem ambio e sem inveja.
Respeitoso do regime parlamentar, considerava que lder de partido no
devia dar familiaridades nem sorrir. Na Casa, via-se um embaixador
estrangeiro cuja aliana era s vezes indispensvel, sempre til, e podia
ser exigente. Ele no desejava, como tantos de seus compatriotas, romper
todo vnculo da Irlanda com o Imprio, mas obter, como o Canad,
independncia interna. Feliz oportunidade para os conservadores que o
grupo irlands tivesse em sua liderana um homem de tal calibre moral.
Por im, em 1901, o Partido Trabalhista s tinha no Parlamento dois
deputados: John Burns, um desses agitadores razoveis que j carregam o
alforje de manifestante como uma pasta ministerial, e Keir Hardie, exsecretrio do sindicato dos mineiros escoceses, socialista sentimental que
ia ao Parlamento de bon de tweed. Ramsey MacDonald e Philip Snowden,
dois moos ainda na casa dos trinta, tinham perdido, aps honrosa luta, a
disputa da eleio cqui.
A Poltica Interna
dos Conservadores
I. Pax Britannica
A eleio cqui de 1900 levou os conservadores ao poder para misso bem
de inida: terminar a guerra. No era fcil. Sem dvida um grande pas
como a Inglaterra poderia, sacri icando vidas e dinheiro, impedir que um
exrcito regular fosse invencvel na frica do Sul. Mas os beres no
tinham exrcito regular. Seus soldados eram fazendeiros; seus fazendeiros,
soldados. Como venc-los em guerrilha, trabalhando nos campos quando
os ingleses estavam distantes, refugiando-se nos celeiros com ri les e
munio quando uma tropa inglesa fosse avistada? Como impedi-los de
atacar destacamentos isolados, capturar trens de suprimento e explodir
ferrovias? A disparidade entre a extenso do territrio e os efetivos
engajados era tanta que um o icial ingls, escrevendo para casa, comentou:
Proibir os beres de ir para onde bem entenderem como tentar, com um
s esquadro, deter outro de cruzar a linha Bath-Salisbury.
Pois essa guerra custava perto de dois milhes de libras por semana, e a
Inglaterra, embora tivesse prontamente fornecido com silenciosa bravura
milhares de voluntrios, comeava a se cansar de ver, depois de todos
aqueles meses, os impostos subirem, os jovens partirem, e a paz recuar
cada vez mais. O governo procurou aplacar a opinio pblica a irmando
que a guerra terminara, as capitais inimigas tomadas, Orange e Transvaal
o icialmente anexadas ao Imprio e que o problema pendente dali em
diante seria ao de polcia contra alguns rebeldes. Mas essa ao de
polcia exigia grandes efetivos e enormes somas de dinheiro. A opinio
pblica externa era favorvel aos dois pequenos pases que defendiam a
Lord Kitchener cansara de receber destacamentos de cavalarianos que
no sabiam montar, cavalos incapazes de participar de uma campanha,
voluntrios nem sequer aprovados em exame mdico. Desgostoso com
esse exrcito de amadores, pediu permisso para deix-lo e ir para a ndia.
O Rei precisou intervir para mant-lo onde estava. O pblico se
impacientava; os ltimos beres se escondiam; os liberais tentavam juntar
os cacos do partido despedaado. E inalmente, no ms de dezembro, Lord
Rosebery emerge de seu sulco solitrio em Chester ield com um
formidvel discurso em favor da paz.
O primeiro-ministro nos diz: Os beres no jogam o jogo direito; o
inimigo brioso, quando sua capital tomada, vem propor a paz; faz-se a
paz, as hostilidades cessam e tudo se encerra. Mas como tratar com um
inimigo que no aceita lutar pelos mtodos reconhecidos de campanhas
militares civilizadas? Lembro-me de algo assim dito pelos velhos generais
austracos sobre o jovem Napoleo quando ele os venceu na Itlia: Sem
dvida alguma, venceu a batalha, porm de forma contrria a todas as
regras conhecidas da guerra. Conforto igual ao dos generais austracos
naquela circunstncia, Lord Rosebery pode encontrar para si.
Lord Rosebery considerava o momento propcio para a paz. Percebia
que duas teorias se opunham: a de Lord Kitchener defendendo ampla
anistia, e a de Lord Milner, exigindo a rendio incondicional e o direito de
tratar os prisioneiros como rebeldes. Lord Rosebery deu total apoio a
Kitchener. No pediu que se levassem propostas aos generais beres. Isso
teria sido di cil, pois era preciso saber primeiro onde estavam; mas
recomendava que, se eles prprios propusessem a paz, fossem ouvidos
com benevolncia.
Essa fala de Chester ield teve um grande sucesso. Rosebery dera voz ao
cansao e ao desejo de generosidade de toda a nao. Pertencente ele
terras na outra!
Para essa nova paz, o Rei encontrou no ministrio dois aliados: o prprio
Mr Balfour, que conhecia bem a Irlanda, e o ministro para a Irlanda George
Wyndham, homem de grande charme, inteligncia e originalidade, que no
partilhava dos preconceitos anti-irlandeses dos tories fanticos. Uma nova
lei agrria foi aprovada. Em vista de os arrendatrios e os proprietrios
no conseguirem acordo sobre os preos das fazendas, elas seriam
compradas pelo estado por uma soma mais alta que a oferecida pelos
arrendatrios, e a diferena seria completada pelos pagadores de impostos
britnicos. Estes, por sua vez, seriam recompensados com paz na Irlanda,
economia nos encargos policiais e segurana para o Imprio. Graas a John
Redmond, os nacionalistas irlandeses aceitaram essa transao provisria,
e o Rei pde ir Irlanda, onde foi recebido com inesperado entusiasmo. No
seminrio catlico de Maynooth, os jovens padres deram-lhe as boasvindas em frente a uma pintura representando Persimmon, o cavalo do Rei
que recentemente ganhara o Derby; eles decoraram a moldura do quadro
com itas nas cores da sua escuderia. Essa mistura de lealdade, esprito
esportivo e religio divertiu e comoveu o rei Edward.
Porm, ao contrrio do que pensaram os conservadores otimistas, essa
trgua de boas-vindas no seria duradoura.
IV. O Esprito de Milton
Um pas desunido recobra sua unidade se um inimigo externo o ataca; os
membros de um partido dividido tornam a se agregar por ao do prprio
adversrio, se este tiver a inabilidade de espicaar o nico ponto onde
todos os pedaos soltos se ligam por ios sensveis e vitais. O partido
unionista, no momento da eleio cqui, parecia invencvel, e o partido
liberal, desintegrado. Foram os ministros unionistas que, por uma longa
sequncia de falsas manobras, reconstituram de novo um partido liberal.
Muitos dos elementos mais capazes em ambos os partidos havia muito
tinham se convencido da necessidade de refazer as leis educacionais. Para
as classes privilegiadas a Inglaterra possua as melhores e mais re inadas
universidades, mas a educao popular do pas estava bastante atrasada
em relao Frana e Alemanha. A principal causa dessa de icincia no
era, como na Frana, rivalidades entre as escolas laicas e religiosas, mas
uma hostilidade violenta entre as vrias formas de escolas religiosas.
At o incio do sculo dezenove, os privilgios polticos da Igreja da
Inglaterra, nica do estado, foram extraordinrios. No s catlicos e
A Poltica Externa
dos Conservadores
I. Princpios Gerais da Poltica Inglesa
um sbio princpio da sabedoria inglesa no ter princpios. Na Inglaterra,
a lgica uma ofensa; planos muito precisos so suspeitos; a deciso
tomada no momento da ao. Os ingleses, dir-se-ia, acham que, ao prever
as reaes imprevisveis do Universo, o esprito humano se desgasta e
perde o rumo. Mas assim como bom jogador segue sem razo leis
dinmicas que a longa experincia transformou em instinto, tambm o
Foreign Of ice, por geraes, segue algumas regras permanentes. Podemos
assim resumi-las:
a) Nunca esqueamos, dizia Bolingbroke, que no fazemos parte do
Continente, mas dele somos vizinhos. Por no fazer parte do Continente, a
Inglaterra evitar, se possvel, ser arrastada para suas querelas; mas
estamos ao lado, portanto, no devemos permitir que nao europeia
nenhuma atinja uma dominao continental que possa vir a ameaar nossa
segurana.
b) Qualquer nao que estiver formando uma grande esquadra deve ser
dissuadida desse projeto; caso se obstine, deve ser abatida. Essa uma
questo de vida ou morte para a Inglaterra. No s ela uma ilha, como
uma ilha superpovoada que s pode alimentar seus habitantes por meio de
comrcio. Precisa ter o domnio dos mares. Quem quer que conteste isso
inimigo.
c) Esse temor ao poderio martimo de outra grande nao a torna hostil a
qualquer hegemonia militar no Continente, pois a experincia mostrou-lhe
que, toda vez que um pas dominou a Europa por meio de seus exrcitos,
quis em seguida uma esquadra capaz de vencer a esquadra inglesa. A
Espanha, cuja infantaria a tornara suprema em terra, lanou a Invencvel
Armada; Napoleo, insupervel no campo de batalha, preparou a base de
Boulogne; a Alemanha de 1905, segura de seu exrcito, equipa uma
grande marinha de guerra.
d) Interesse nacional e moralidade internacional juntaram-se no sculo
dezenove para fazer da Inglaterra uma potncia liberal. Ela era a protetora
dos fracos, em parte porque esse papel permitia conscincia puritana
no conformista apoiar uma poltica de poder com uma sensao de
virtude, mas tambm porque uma coalizo de potncias fracas jamais teria
uma esquadra perigosa. Em particular, a Inglaterra esteve sempre pronta
guerra em defesa da Blgica, pas prximo de seu litoral e uma possvel
base para invasores.
e) Mas o planeta no tem s a Europa. A Inglaterra um Imprio.
Qualquer ameaa s linhas de comunicao do Imprio a faz pegar em
armas. A partir da abertura do canal de Suez, o Egito se tornou ponto vital
para ela. Isso tambm verdade quanto a Gibraltar, Tnger, Singapura, o
Golfo Prsico e, em menor escala, o Afganisto e a Prsia.
f) Esses pontos sensveis precisam ser defendidos, e esses princpios
mantidos tanto quanto possvel somente pelas foras da Inglaterra; porm,
se o esplndido isolamento mostrar-se inadequado, sero mantidos com
o apoio de naes cujos interesses, no dado momento, coincidirem com os
do Imprio Britnico.
II. Ensaio de Entente Anglo-alem
Desde o im do sculo dezenove icou bvio que o esplndido isolamento
seria perigoso para uma nao exposta a tantos riscos em tantos pontos do
globo. Enfrentar a Europa sem um amigo certo seria se expor, quando
estivesse totalmente engajada em algum pas distante, a um ataque, em seu
prprias costas, na ndia ou no Sudo. A Inglaterra corria srio perigo se
esses pases a Londres como lhe tendo sugerido a mesma ideia. Seu
chanceler, Blow, homem espirituoso e culto, o lder ctico e desdenhoso
de um povo crdulo, tinha to pouco carter que seu colega Tirpitz dizia
dele: Comparada com Blow, uma enguia uma sanguessuga. O
verdadeiro chefe-mestre na Wilhelmstrasse era o misterioso Holstein,
antiga eminncia parda de Bismarck; Holstein, que segurava Blow e
Eulenburg por meio de dossis secretos abarrotados de testemunhos de
jovens marinheiros e atendentes de banho; Holstein, de quem Bismarck
certa vez comentou que se o medo do bem demonaco, ento Holstein
um legtimo demnio, e de quem um outro Chanceler, Hohenlohe, dizia
temeroso: Eu sei exatamente o que ele , mas preciso dele. Holstein, de
quem qualquer pensamento era um estratagema e que lidava
simultaneamente com tantas intrigas maquiavlicas que ele prprio se
enredava em suas teias.
No caos de ideias confusas que ento formava a poltica alem, os nicos
pontos ixos eram alguns dos princpios de Bismarck a regra de que em
qualquer aliana onde a Alemanha entrasse, deveria ser a mais forte dos
participantes; a necessidade para a Alemanha de no se indispor com a
Rssia; o temor das coalizes. A assinatura do acordo franco-russo no
interrompeu o lerte russo-alemo e, na mente do Kaiser havia ainda a
secreta esperana de coagir a prpria Frana a aceitar uma grande aliana
continental que consagraria a hegemonia alem. Mas embora assim se
apegasse ideia de cativar a combinao franco-russa, no resistia,
noutros momentos, ao prazer de brincar com a viso de uma aliana
inglesa.
Ele desejava construir uma grande marinha de guerra, com a inteno
mais de impressionar seus parentes ingleses do que combat-los. Sua
infelicidade, como a de seus conselheiros, foi estar nesse tempo sofrendo
de um cruel complexo de inferioridade. Tem-se muita di iculdade em
compreender esse sentimento, pois em 1900 a Alemanha era a nao mais
poderosa do mundo, e a idelidade poltica externa de Bismarck a teria
deixado invencvel. Mas a Weltpolitik, a miragem do prestgio mundial, a
atraia perigosamente. Nao jovem, tinha a ambio difusa e o orgulho
in lamvel da juventude. Foi um alemo, Benckendorff, quem no incio do
sculo observou a um diplomata ingls: Ns, alemes, no nos podemos
libertar do sentimento de pertencer a uma nao parvenue, e passamos a
vida vigiando as outras naes com medo que nos ofendam. A frase era
particularmente aplicvel s relaes entre a Alemanha e a Inglaterra.
Enquanto isso Mr Chamberlain, envolvido na di cil aventura do
dias 1 e 3 de abril.
Perguntei ao ministro do Exterior se ele julgava que o Rei se limitaria a uma simples visita ou
poderia ser do seu agrado um convite para almoar ou jantar com nosso presidente. (...) Lord
Lansdowne respondeu-me ser-lhe fcil averiguar o que mais agradaria ao seu soberano, e que
me passaria a informao con idencialmente. (...) Acrescentou que em sua opinio a preferncia
do Rei seria por um almoo privado no Elyse, com o Presidente do Conselho e com o senhor. (...)
Quanto a mim, considero esse modo de recepo prefervel a qualquer outro. As relaes entre a
Frana e a Inglaterra melhoram a cada dia, e a visita do Rei um ato dos mais signi icativos, mas
nossa relao ainda no de monta a comportar manifestaes muito solenes. No devemos
esquecer o preconceito de uma considervel parte da opinio francesa contra a Inglaterra. Um
almoo privado conciliaria as exigncias da cortesia e da poltica.
Tudo isso evidncia de um desejo de rapprochement que no devemos desencorajar.
Reconhecidamente, a Inglaterra jamais se aliar por completo com ningum, e mesmo que ela
desejasse, ns no estamos agora em situao de nos aliar a ela; no entanto, devemos tentar
permanecer nos mais amigveis termos.
Carta curiosa, pois prova que ministro e embaixador, na poca,
consideravam quimrica uma entente verdadeira entre Frana e
Inglaterra. O Rei no partilhava dos temores dos diplomatas e,
transformando de repente o almoo furtivo em visita de estado, solicita ser
recebido to o icialmente quanto possvel. Plano audacioso. Era di cil
prever qual seria o acolhimento de Paris. O Prncipe von Radolin,
embaixador da Alemanha, escreveu alegre ao Conde von Blow:
Conforme se aproxima o dia da chegada do Rei Edward, os jornais
nacionalistas franceses icam cada vez mais contra um rapprochement. O
Rei chegou em 1 de maio de 1903. M. Loubet vai esper-lo na estao do
Bois de Boulogne. Em todas as ruas vendiam-se exemplares do Patrie, que
trazia na primeira pgina o retrato do Rei cercado pelos de Marchand, do
presidente Kruger, de Joana dArc, e do Condestvel de Richemont. Na
passagem do cortejo, a multido, zombeteira, gritava: Vivam os beres!
Viva a Rssia! Viva Marchand! para grande constrangimento de M.
Delcass, cuja carruagem seguia a do Rei. Um dos acompanhantes de
Edward VII lhe disse: Os franceses no gostam de ns. Ao que o Rei, com
seu bom senso habitual, respondeu: E por que gostariam? Ele se
mantinha obstinadamente de bom humor, saudava direita e esquerda e
admirava o batedor presidencial do lElyse, Troude, que cavalgava
frente do landau. Distribudos entre as outras carruagens com os ingleses,
os funcionrios franceses se aplicavam em distrair a ateno de seus
visitantes, falando de outros assuntos, mostrando os ocasionais acenos de
chapus e de lenos.
noite, o Rei foi ao Thtre Franais assistir LAutre Danger de Maurice
Donnay. A Comdie Franaise havia proposto Le Misanthrope de Molire.
Oh, no! respondera o rei Edward. J vi Le Misanthope umas dez vezes
No muito tempo depois, M. Loubet, por sua vez, foi convidado a retribuir a
visita. Cambon escreveu a Delcass:
Em meu regresso, encontrei Londres entusiasmadssima com a viagem do Presidente. O
Prefeito, sentado ao meu lado durante o jantar do nosso hospital, no parou de falar sobre isso.
Devo dizer que aqui, quando se recebe um chefe de estado, costume o Prefeito dar-lhe um
ttulo. E sem dvida essa ideia o agrada muito!
Para a visita ter conotao poltica, Delcass devia acompanhar o
Presidente, com uma manh reservada para um encontro entre ele e Lord
Lansdowne. Cambon a Delcass:
O senhor ter umas duas horas para conversar a ss com ele; acho que lhe ser su iciente (...)
noite, na Embaixada, eu gostaria que o senhor se sentasse entre Lord Lansdowne e Mr
Chamberlain, pois no momento Chamberlain o governo da Inglaterra e eu sei que, desgostoso
com os alemes, est ansioso em se voltar para nosso lado. Nessas circunstncias, que podem no
mais se repetir, o protocolo deve ser sacrificado poltica.
O Rei dera a entender que gostaria de M. Loubet, pelo menos uma vez,
aparecer na corte usando o traje protocolar de calo curto e meias pelo
joelho, para que o soberano lhe pudesse conceder a Ordem da Jarreteira. O
Presidente respondeu que estava muito velho para envergar uma
vestimenta to pouco familiar a ele e, assim, rogava ao Rei que o
desculpasse por declinar do traje e da Jarreteira. A im de ajudar o
ambiente nos primeiros encontros, um diplomata francs enviara ao
Presidente pequenos mementos pessoais, um tanto cnicos porm
utilssimos:
A Rainha. A rainha Alexandra entrar nos seus sessenta anos no prximo ms de dezembro. Ela
surpreendente e se conserva com cuidados meticulosos; pode passar por ter trinta e cinco
anos... Devido a uma acentuada surdez, ela no nos ouve, porm se articularmos as palavras
claramente, compreender. Dizem-na curta de ideias, rumor espalhado pelas amigas do Rei que
a detestam, embora erradamente visto ser ela muito indulgente no que lhes diz respeito,
suportando-as com bastante pacincia. Ela mais receptiva e culta do que se supe; fala
livremente sobre todas coisas e no esconde seus sentimentos. sensvel quanto impresso
que causa e gosta de ler admirao nos olhos de seus interlocutores.
O Rei ocupou-se pessoalmente, como gostava de fazer, de todos os detalhes
da recepo quartos, quadros, livros. O povo ingls deu boas-vindas aos
visitantes franceses com to prazeroso entusiasmo que surpreendeu os
que acreditavam na lenda da frieza britnica. Londres foi como se
estivssemos no Midi, diria mais tarde outro visitante, o presidente
Fallires. Faixas de pano que atravessavam as ruas diziam: Welcome To
Mr Loubet! e algumas vezes, por um re inar de simpatia, a inscrio
vinha em francs, e traduzia Long Live the President por Vive le long
Prsident! O povo gostou do semblante bondoso de M. Loubet. Nas ruas,
diziam: Hes a dear old man, a decent old bloke... Just a nice little man in a
silk hat...
Durante o banquete no Palcio de Buckingham, falou-se dos laos de
amizade que uniam os dois pases. Aps o que, o Rei perguntou se o
Presidente teria a bondade de abrir o baile com a Rainha, tendo Sua
Majestade e a Duquesa de Connaught como como vis--vis. M. Loubet, em
pnico, perguntou se seu Embaixador poderia substitu-lo. M. Cambon
desincumbiu-se na pista de dana. Durante a quadrilha, M. Combarieu,
pela opinio pblica, a menos que o ministro pudesse mostrar ter obtido
compensaes. Lord Lansdowne respondeu que, tambm para a
Inglaterra, a questo da lagosta era de ordem sentimental. M. Delcass,
saltando corajosamente das pequenas diferenas para os grandes temas,
aventou que as necessrias compensaes poderiam facilmente ser
encontradas em algum outro ponto do globo: no Marrocos, por exemplo.
No desejava fundar ali nenhuma colnia francesa, nem livrar-se do
Sulto; pelo contrrio, achava mais cmodo mant-lo do que instalar no
Marrocos uma administrao francesa. De fato, M. Delcass seguidamente
lamentava que a Frana no tivesse mantido o Bey no trono da Arglia.
Lord Lansdowne disse estar disposto, em troca de vantagens no Egito, a
con iar a paci icao do Marrocos aos franceses, sob a condio de se
respeitarem trs clusulas restritivas: primeira: a Espanha ser consultada;
segunda, portos abertos a todos os pases; e terceira, Tnger deveria se
tornar neutra.
Para grande surpresa de Lord Lansdowne que, como Chamberlain,
achava di cil crer que os franceses pudessem olhar o Marrocos com a
mesma seriedade com que ele prprio via o Egito M. Delcass respondeu
que era completamente a favor de um acerto geral da frica, que o Egito
faria parte desse acerto, e que, tratada em conjunto, a questo do
Marrocos e do Egito seria facilmente resolvida. A isca fora lanada para a
grande negociao.
A notcia do sucesso dessa visita chegou Alemanha e desagradou o
Kaiser Wilhelm. Nas regatas de Kiel, ele convocou o adido naval francs,
disse-lhe do seu pesar por no ver ali uma esquadra francesa e o preveniu
contra a diplomacia inglesa. Sei muito bem, disse ele, que nada pode ser
feito quanto a M. Delcass. Os avanos para a Inglaterra so obra de M.
Delcass e M. Cambon, que conheci em Constantinopla. Mas os russos esto
insatisfeitos e, um dia, eles... (o Kaiser fez o pied-de-nez de desprezo, o
polegar na ponta do nariz com os dedos abertos, para de inir a profecia).
En im, espero que Chamberlain caia logo. Alguns ingleses de topo que
encontrei durante a corrida Dover-Heligoland disseram-me que gostariam
de v-lo pelas costas de uma vez por todas... E Marchand, que feito dele?
Temos muita simpatia por ele na Alemanha. Eis a um pobre funcionrio
que, por trs anos, perseguiu um objetivo em meio a incontveis
di iculdades, ignorando o que se passava no mundo e, justamente quando
atingia sua meta, foi obrigado a recolher a bandeira! Gostei muito da fala
do almirante Rieunier quando ele reuniu seus o iciais na poca do caso
Fashoda e disse: Parece-me, senhores, que no con iam em ns. uma
ingleses, tanto melhor. Mas o Kaiser estava orgulhoso de poder exibir seus
navios para o Rei da Inglaterra, e reuniu todos eles, at o menor escaler.
Queria que a recepo tivesse um brilho excepcional. Os ministros
receberam ordem para se apresentar recamados de ouro e cravejados de
condecoraes. O iate imperial conduziu o Rei e sua comitiva entre duas
colossais linhas de encouraados e cruzadores. Um ingls ouviu o Rei
Edward dizer ao sobrinho, quando ambos contemplavam aquela
formidvel esquadra: Yes, yes... I know... Youve always been very fond of
yachting. noite, na hora dos brindes, o Kaiser fez um longo discurso.
Comeou recordando que ainda menino visitara Portsmouth e Plymouth
guiado por suas queridas tias, e havia admirado os esplndidos navios
ingleses naqueles dois portos. Foi l que nasceu seu desejo de um dia
construir navios como aqueles e o projeto de ter um dia uma esquadra to
bela quanto a esquadra inglesa.
O Rei Edward respondeu em poucas palavras, no tom mais
desinteressado e simples: Meu querido Willy, disse, voc sempre foi to
gentil e amvel comigo que ica realmente di cil expressar meus
agradecimentos. Estou orgulhoso de ser membro desse clube. Dito isso
tornou a sentar-se. Porm, embora continuasse a se sentir um pouco
irritado com um sobrinho to diferente dele, o Rei Edward no levou dessa
visita Alemanha m impresso. Tivera uma conversa longa e pac ica com
o Chanceler Blow.
Ao regressar a Londres, falou a Cambon de sua viagem. Encontrara o
Imperador e Blow preocupados com o rapprochement entre Frana e
Inglaterra; mas os tranquilizara dizendo que os dois pases tinham muitos
problemas em comum, que era natural procurarem resolv-los e que
aquelas conciliaes, ao eliminarem causas de con lito, eram tambm
garantia paz da Europa. M. Cambon respondeu que no deviam encobrir
a causa real da insatisfao do Kaiser, centrada no fato de que, em suas
re lexes sobre as causas de con litos entre as potncias, Sua Imperial
Majestade esforara-se ao extremo para aparecer como o grande rbitro
da Europa. At ento, desempenhara o papel principal, e via com azedume
o soberano britnico assumir a posio dominante. Sim, disse o rei rindo,
ele gosta que falem nele. Nossos acordos, concebidos sem mencion-lo,
surpreendeu-o e causou-lhe uma sensao de isolamento a que no estava
acostumado. Manifestou muito mau humor e por isso foi bom ter-lhe feito
uma visita.
Cambon disse que a visita do Rei serviu de sedativo: O brinde de Vossa
Majestade foi muito comentado, e tambm a arte com que soube indicar
devolvendo-lhe uma de suas cartas sem abri-la. Esses eram pontos sobre
os quais Lord Lansdowne gostaria de ter uma franca discusso com
Benckendorff; mas Lord Lansdowne no era o tipo que se sasse de seu
normal para se encontrar com algum ou que tomasse iniciativa; e
Benckendorff, temendo assumir riscos e ser desautorizado por S.
Petersburgo, no ousava abordar o assunto o icialmente. Na vida privada,
ele no hesitava em esboar um futuro acordo dos dois pases. Em 1903,
Maurice Baring ouviu-o certa noite anunciar, no fumoir, o que aconteceria
quatro anos mais tarde.
Quando Delcass veio a Londres e transmitiu ao embaixador russo a
proposta de Chamberlain, para Benckendorff foi bebida refrescante num
Saara poltico. Dias depois, ele correu embaixada francesa e disse a
Cambon: Recebi despachos de Petersburg. Esto felizes com a viagem do
Presidente a Londres e com seu rapprochement com a Inglaterra. Estimam
sua ajuda aqui como de grande prstimo. Conto com voc, mon cher
collgue. Lord Lansdowne havia, de fato, usado Delcass para pedir aos
russos que se mostrassem mais con iantes, e depois agradecera pelo
favor de amigo. As conversas comearam. No resultaro, escreveu
Cambon a Delcass, numa entente, pois os pontos de vista so muito
divergentes, mas numa dtente.
Porm os acontecimentos paralisariam por algum tempo a boa vontade
dos homens. A Inglaterra era aliada do Japo que, no Extremo Oriente,
estava em direto con lito com os russos. O Czar ocupara provisoriamente
a Manchria. Os interesses comerciais russos agora rumavam para as
lorestas do Yalu, na Coreia, pas sob in luncia japonesa. O Japo exigia
explicaes e garantias contra a instalao na China de uma potncia
europeia. O Kaiser, sempre paladino de uma Cruzada Branca contra o
Perigo Amarelo, encorajava o Czar. No incio de fevereiro de 1904, a
esquadra japonesa, sem declarao de guerra, afundou trs navios russos
em Port Arthur. Dois dias depois, a guerra estava declarada.
O tratado anglo-japons s se aplicava contra duas potncias. Como a
Frana no se juntara Rssia, a Inglaterra permaneceu neutra. Os
especialistas ingleses previam uma derrota do Japo, e o almirante Fisher
apontava no mapa o ponto exato onde a marinha japonesa seria
aniquilada. Mas a guerra mostrou a fragilidade da Rssia, e sua derrota
tranquilizou os ingleses, deixando um rapprochement mais fcil. Punch
publicou a caricatura de um urso com bon de funcionrio russo, colando
num muro um enorme cartaz: circo russo kuropatkine , Grande
apresentao de gala. Conquista da ndia, cobrindo-o depois com uma
servio da paz. Nunca a Liga das Naes foi mais improvisada, nem mais
eficaz.
Quanto ao desditoso Rodjestvensky, entrou em guas japonesas em
maro de 1905 para encontrar a derrota em Tsushima. A esquadra russa
foi desbaratada exatamente no ponto onde Sir John Fisher havia predito
que a esquadra japonesa estaria. Alguns dias mais tarde, o presidente
Theodore Roosevelt ofereceu sua mediao, que foi aceita. A derrota da
Rssia alterou o equilbrio de foras na Europa; facilitou uma entente
anglo-russa, mas inspirou ousadia aos Imprios Centrais e tornou bem
menos quimrico o grande projeto do Kaiser: atrair a Rssia, depois a
Frana, para a rbita da Alemanha.
VI. Tnger. A queda de Delcass
Quando o acordo franco-ingls foi assinado em 1904, o governo alemo foi
cuidadoso em no mostrar insatisfao. O Chanceler Blow, no Reichstag,
dera suas bnos Entente, e quando o Kaiser lhe escreveu para
perguntar se os interesses comerciais da Alemanha no Marrocos estavam
protegidos, respondeu que haviam sido tomadas todas as providncias
necessrias para isso. surpreendente, depois de tanta brandura, ver esse
mesmo Chanceler, em 1905, prestes a iniciar uma guerra europeia por
causa do Marrocos. Houve muitas causas para essa mudana de atitude.
a) A mudana menos profunda do que parecia. Desde 1904, a Entente
inquietava os alemes, como j se observara nos comentrios do Rei para
Cambon, e tambm pela nota de ansiedade na correspondncia de von
Blow com seu embaixador em Londres, Metternich. Nela, o Chanceler fala
em romper, assim que possvel, a ligao ainda frgil da Frana com a
Inglaterra: Quando esse momento favorvel chegar? Somente a marcha
dos acontecimentos vai poder me dizer.
b) Muitos argumentos fortssimos favoreciam, em 1904, uma poltica de
pacincia. Primeiro, o Kaiser Wilhelm e o Estado-Maior Alemo no eram
contrrios ideia de deixar a Frana engajar-se a fundo no Marrocos. Isso
desviaria sua ateno do Reno e ixaria uma boa parte de suas foras.
Depois, icou claro para Metternich, aps 1904, que o ministrio
Conservador na Inglaterra estava para cair. Caso a Alemanha quisesse
iniciar uma poltica mais ativa, seria melhor esperar que o poder passasse
para as mos dos Liberais, que, por ter um matiz paci ista, reagiria menos
energicamente.
c) A tese o icial da Wilhelmstrasse foi a seguinte. No momento da
23 de maio de 1905.
Fui encarregado por Sua Majestade o Rei Edward de levar ao vosso conhecimento que ele
pessoalmente icar desolado com seu afastamento. Na conversa disse-me que a notcia muito o
consternou e pediu-me para insistir vivamente em sua permanncia na pasta, em vista das
relaes de con iana e lealdade que ambos mantm e da grande autoridade que Vossa
Excelncia possui presentemente para a deciso de questes ainda pendentes.
Delcass retirou sua demisso. O Rei Edward, que passou por Paris no im
de abril, pde falar com Rodolin no Elyse e com Delcass num almoo em
casa do Marqus de Breteuil. M. de Breteuil con idenciou a M. Palologue
os pontos principais da conversa do Rei com M. Delcass, conforme
relatado a ele pelo prprio Rei. Edward VII aconselhou uma atitude irme
na parte fundamental, mas muita habilidade para distender as relaes da
Frana com a Alemanha. O Rei alertou tambm diferentes pessoas para
no se inquietarem demais, pois o Imperador da Alemanha mais falava do
que fazia. Ao Prncipe von Radolin, que no pareceu encantado com a
entrevista, falou francamente sobre a perigosa situao criada pelo
Kaiser.
As ofertas de apoio do governo ingls tornaram-se mais precisas e foram
alm dos termos da Entente. Lord Lansdowne, tendo razes para crer que
os alemes exigiriam um porto na costa marroquina (falava-se de
Mogador), dirigiu a Sir Francis Bertie, seu embaixador em Paris, a seguinte
nota:
O governo de Sua Majestade Britnica julga que os procedimentos da Alemanha na questo do
Marrocos so dos mais desarrazoados, em vista da atitude de M. Delcass, e deseja assegurar a
Sua Excelncia todo o apoio a seu alcance. No parecendo impossvel que o governo alemo exija
um porto na costa do Marrocos, o governo de Sua Majestade Britnica estar pronto a juntar-se
ao governo da Repblica para se opor fortemente a tal proposta, e roga a M. Delcass, no caso de
surgir essa questo, que d ao governo de Sua Majestade Britnica a oportunidade de compor-se
com o governo francs nas medidas contra essa pretenso.
M. Delcass expressou sua gratido; mas o problema previsto (a exigncia
de um porto) no se concretizou. Uma vez mais, o objetivo alemo era algo
bem maior. Como M. Cambon, com muita clarividncia, escreveu de
Londres a Delcass:
Todos acham que no fundo o Imperador Wilhelm se importa pouco com o Marrocos, e sim
persegue um duplo objetivo: primeiro, a destituio de Vossa Excelncia; e segundo, a ruptura de
nossa entente com a Inglaterra. Ele atribui, no sem razo, a Vossa Excelncia, o rapprochement da
Frana com a Itlia, com a Gr-Bretanha, com a Espanha, rapprochement tanto mais notvel por se
operar sem prejuzo de nossos vnculos com a Rssia. Estando ele convencido que a aliana russa
no suportaria nossos acordos com o governo britnico, desde o ano passado multiplicou sem
Entrementes, M. Rouvier jantou em Paris na casa do embaixador da
Alemanha, Prncipe von Radolin, e lhe disse: O povo francs se inclina
mais fortemente para os alemes que para os ingleses. Alguns insensatos
irresponsveis pregam a ideia da vingana e procuram fazer da retomada
das provncias perdidas a meta da poltica francesa, mas pura
verbosidade. Devemos aproveitar a situao para encetar com a Alemanha
relaes de estreita amizade. Se os dois estados caminharem lado a lado, a
paz no mundo estar assegurada.
No comeo de maio, veio a Paris o Baro de Donnesmarck, amigo pessoal
de Wilhelm II, que almoou com o premier Rouvier, M. Etienne, M. Jean
Dupuy, M. Francis Charmes e lhes exps os sentimentos do Kaiser. Este,
nada queria no Marrocos. Pensava que a Frana e a Alemanha deviam
aproximar-se e viver unidas, pelo bem comum e pela paz do mundo. Mas
formulava quatro reivindicaes: 1 no admitiria a diplomacia de M.
Delcass mant-lo distncia, e pedia que M. Delcass fosse sacri icado; 2
gostaria de visitar Paris e ser recebido ali como outros soberanos; 3
gostaria de receber o Grand Cordon da Legio de Honra; 4 pedia a
retirada de Bihourd, o embaixador francs em Berlim, que ele no achava
muito brilhante.
O Presidente da Repblica, posto ao corrente dessa conversa, respondeu,
em 15 de maio de 1905: concebvel aceitar as propostas do Imperador?
Puro sonho. Quanto a mim, no posso estar testa de tais mudanas. Se
isso for feito ou tentado, ser preciso esperar minha sada em nove meses,
ou no esperarei eu o im do meu mandato. Dou importncia, pelo bem do
meu pas, continuao da poltica de M. Delcass, a ponto de associar-me
sua demisso.
O con lito tornou-se mais claro. Tratava-se de saber se a Frana,
sacri icando M. Delcass, entraria na rbita alem (seria talvez a paz, mas
tambm a vassalagem, pois se perderia o apoio da Inglaterra) ou se, ao
contrrio, fortalecida pela amizade da Inglaterra, a Frana resistiria a essa
chantagem. M. Delcass ansiava saber at que ponto a Inglaterra se
comprometeria. Por intermdio de M. Cambon, Lord Lansdowne foi
indagado. A irmava-se, nos meios polticos franceses e alemes, que o
ministro ingls havia oferecido para a Frana uma aliana defensiva e
ofensiva. Quando Lord Lansdowne soube disso, protestou e disse que no
compreendia de onde teria surgido essa histria. Eis exatamente em que
termos M. Cambon con irmara a conversa que mais tarde se tornaria o
tema desse debate:
Caro Lord Lansdowne
Em nossa ltima conversa relativa ao Marrocos, Your Lordship teve a bondade de lembrar da
nota entregue a M. Delcass no ltimo 24 de abril por Sir Francis Bertie, acrescentando ento
que, doravante, se as circunstncias o exigirem, como por exemplo se tivermos razes srias para
crer numa agresso injusti icada da parte de certa potncia, o Governo Britnico estaria pronto
ao concerto com o Governo Francs sobre as medidas a tomar.[1]
Lord Lansdowne acusou o recebimento dessa carta, acrescentando que o
desejo do Governo Britnico era de um pleno e con idencial debate entre
os dois governos, nem tanto em consequncia de atos de agresso, e mais
como antecipao de complicaes a temer. Ao transmitir essa carta para
Delcass, M. Cambon adicionou um ps-escrito particular:
Est bem claro neste documento, cujos termos parecem ter sido cuidadosamente redigidos, e
que foi certamente expedido com a aprovao do primeiro-ministro e talvez do Rei, que Lord
Lansdowne reconhece ter-me feito uma proposta espontnea de discutir de antemo as medidas
a serem tomadas em razo de quaisquer eventualidades. Mas na declarao que transmiti a
Vossa Excelncia, a questo referia-se apenas proposta de ao conjunta no caso de termos
srias razes para temer uma agresso injusti icada. O ministro dos Assuntos Externos reti ica
nesse ponto o sentido de sua declarao, dando-lhe uma dimenso maior e mais imediata.
No mais para uma entente em caso de agresso que ele nos convida, mas para uma imediata
discusso e um exame da situao geral. A resposta para tais antecipaes assunto
extremamente delicado. Ficar em silncio ser desencorajar uma evidente boa vontade, e
parecer recuar. Aceitar a conversao signi ica entrar no caminho de uma entente geral que na
realidade consistir em aliana, e eu no sei se o governo da Repblica estar inclinado a fechar
semelhantes acordos.
A proposta de Lord Lansdowne no era, portanto, literalmente uma oferta
de aliana, mas o reconhecimento o icial de uma identidade de poltica e
um convite a estreitar os laos entre os dois pases. M. Delcass deu a
conhecer esses primeiros passos durante uma reunio do conselho de
ministros no qual Paul Cambon e Barrre estavam presentes, e props
responder com a proposta de uma entente geral. O Premier protestou:
intimidade muito grande com a Inglaterra, disse ele, provocaria
represlias. Cambon, temendo que Delcass, assumindo compromisso com
os ingleses, fosse repudiado por seus colegas, escreveu-lhe ao regressar a
Londres:
Ainda no falei com Lord Lansdowne sobre sua carta referente a uma Entente geral entre
nossos dois governos. (...)
Uma conversa desse gnero no se pode ter sem que se considerem todas as consequncias e
se tenha o consentimento de M. Rouvier. Lembremos sua ltima observao ao sairmos do
lyse: Sobretudo no pactuar! A menos que ele tenha mudado completamente de ideia,
parece-me di cil o senhor arcar com a responsabilidade de responder s aberturas que nos
levaro a uma aliana. O que responder a Lord Lansdowne se ele propuser, em vista de temveis
eventualidades, reunir os chefes de estado-maior de nossas foras de terra e mar? a uma
sugesto desse gnero que estaremos expostos caso nos prestemos muito facilmente a uma troca
geral de ideias. O senhor certamente no ser seguido por seus colegas no Gabinete, nem pela
opinio pblica, e poder ser acusado de preparar a guerra.
Creio, pois, ser mais prudente responder em termos su icientemente cordiais para no
desencorajar a boa vontade de Lord Lansdowne, e vagos o bastante para afastar propostas de
concerto imediato (...)
Escolha imediata e grave imposta Frana; seu governo, dividido. O
ministro responsvel sem autoridade. Di cil uma situao mais falsa ou
mais perigosa. Em nota redigida para ele prprio, M. Delcass tentou
delimitar o problema.
E ns? conclua ele. Iremos ns falhar com aqueles que, no interesse comum, quiseram nos
apoiar? Ateno! Os ingleses no vo perder tempo derramando lgrimas sobre as runas da
entente francesa; daro meia-volta-volver, e ns icaremos sozinhos pois nem a Itlia, nem a
Espanha tero dvidas quanto ao perigo de lealdade a uma causa que fomos os primeiros a
abandonar.
Simultaneamente, no outro campo, Rouvier ainda receava as reaes da
Alemanha.
Dirio de M. Combarieu,
secretrio-geral da Presidncia da Repblica
Esta manh, M. Rouvier entrou agitado na sala do Presidente. Recebera notcias, as mais
alarmantes, sobre o estado de esprito de Wilhelm II. Pendia guerra sobre nossas cabeas; o
Kaiser pode invadir a Frana dentro de vinte e quatro horas; devemos temer as piores
eventualidades; se a guerra estourar, signi ica que num par de dias, eclodir uma revoluo em
Paris e nas grandes cidades.
De onde o senhor recebeu essa informao? perguntei-lhe quando saa.
De emissrios con iveis, e principalmente de uma comunicao feita a mim por Blow. No
o impressionou o silncio do Imperador? O fato de que apenas ele, entre todos os chefes de
estado europeus, no enviou ao Presidente o tradicional telegrama de felicitaes e simpatia pelo
atentado a sua vida na Rue de Rohan?
Nesse caso, qual a soluo a considerar?
Delcass precisa entregar sua demisso. Caso contrrio, a Cmara vai derrub-lo e
estaremos numa indescritvel confuso.
Isso me parece muito penoso...
Em 7 de junho, consumou-se a execuo. Delcass havia lido no Conselho a
carta de Lord Lansdowne assegurando a presteza da Inglaterra em
examinar as eventualidades possveis. O Gabinete foi unnime em pedirlhe para no responder a essas aberturas. Signi icou a demisso de
Delcass e o triunfo da poltica alem de ameaas.
A decepo na Inglaterra foi grande. Mr Balfour escreveu ao Rei:
A dispensa de Delcass sob presso do governo da Alemanha mostrou, da parte da Frana, uma
fraqueza que indica no ser possvel, presentemente, consider-la uma fora efetiva na poltica
internacional. No se pode mais con iar que ela resista a ameaas no momento crtico de uma
negociao. Se, portanto, a Alemanha realmente quiser obter um porto na costa do Marrocos, e se
tal ao for contrria aos nossos interesses, devemos recorrer a outros meios para nos proteger
que no a cooperao francesa na nossa proteo.
E Lord Lansdowne escreveu a Sir Francis Bertie:
A demisso de M. Delcass, como pode imaginar, causou aqui pssima impresso. Dizem que se
um dos nossos ministros fosse visado assim por uma potncia estrangeira, no s o pas e o
governo icariam com ele como o apoiariam com mais vigor do que nunca. (...) Naturalmente, o
resultado que a Entente est cotada bem abaixo do que estava h quinze dias.
As relaes entre o Kaiser e o Rei Edward estavam piores que nunca. O Rei
considerava o Imperador responsvel pela atitude alem no episdio
Delcass, e, por solidariedade com a Frana recusava encontrar-se com o
sobrinho. Ao mesmo tempo, a im de deixar claro que sua rixa no era com
a Alemanha mas com seu soberano, convidou o Prncipe Herdeiro, que
havia pouco casara com a encantadora Duquesa Cecile de MecklenburgSchwerin, para visitar a Inglaterra. O Kaiser, furioso, proibiu seu ilho de
aceitar. No Lustige Bltter, jornal humorstico alemo, um desenho
representou o Rei da Inglaterra, inclinado sobre um mapa da Europa,
planejando sua viagem anual ao exterior. Como chegar a Marienbad,
dizia a legenda, sem dar com meu querido sobrinho? Vlissingen,
Anturpia, Calais, Rouen, Madrid, Lisboa, Nice, Mnaco? No... Muito
perigoso... Ah! passarei por Berlim: l com certeza no o encontrarei. All
Right!
A Poltica Externa
dos Liberais
I. Os Liberais no Poder
A derrota une, a vitria divide. As heresias protecionistas de Chamberlain
haviam reagregado o Partido Liberal em defesa da f do livre-comrcio;
mas quando, pela decomposio do Unionismo, o triunfo dos Liberais
pareceu prximo, ambies, antipatias e rancores acordaram.
Havia pelo menos um dos velhos lderes do partido que nada aspirava
para si Lord Rosebery. Embora seu discurso de Chester ield o sinal
para a paz sul-africana tivesse aumentado seu prestgio e marcado sua
autoridade, ele se retraiu. Vrias vezes, durante seus anos de retiro, ele
redigiu para uso pessoal notas sinceras e desencantadas: Por que digo me
ser impossvel formar um governo? Porque no traria harmonia ao Partido
Liberal. Sempre serei (com toda justia) objeto de suspeita para a faco
radical, ou pelo menos para seus elementos mais histricos, pr-beres,
pr-armnios, pr-macednios... No os culpo, nem a mim. Simplesmente
registro uma antipatia natural. Fosse eu mais um farsante, poderia
sobrepujar isso...
A verdade que Rosebery, inteligente demais para ser um partidrio
simplrio, era tambm honesto demais para ingir um conformismo de
clculo. Preocupao com o interesse geral e com a prpria sade frgil,
prevaleciam sobre as paixes polticas fraqueza dupla que o
desqualificava em qualquer corrida ao poder.
Mas se o principal dos imperialistas Liberais renunciava batalha, os
membros mais moos dessa ala do partido, Haldane, Grey e Asquith,
permaneciam em armas. Reconheciam que Campbell-Bannerman
adquirira certos mritos como lder o icial do partido, e estavam prontos a
reservas.
Nessas conferncias, a escolha de representantes de cada pas tem,
naturalmente, extrema importncia. Do ingls Sir Arthur Nicolson, o
correspondente do Temps esboou o seguinte retrato: pequeno, com as
costas ligeiramente curvadas e um rosto rosado e ossudo, Sir Arthur
Nicolson passa uma impresso bastante simptica. Raramente vi olhos to
cintilantes de vida e humor. Ele expe os assuntos sob discusso com
clareza, preciso e irmeza que se impem. Asseguro-lhes que esse homem
sabe o que quer e isso ser percebido na Conferncia. O francs, M.
Revoil, era um homem baixo, de bigodes cados, sempre simptico, rindo
da inteligncia dos epigramas que ele mesmo no ousava fazer, sorrindo
de forma admirvel para todas as potncias menores. A Alemanha tinha
dois delegados. O primeiro, Herr von Radowitz, um diplomata que parecia
um o icial, mostrava-se polidamente arrogante e ferozmente polido; o
segundo, Herr von Tattenbach, diplomata que parecia um subo icial, era,
escreveu Nicolson, o pior tipo de alemo que jamais encontrei. Thodore
Wolff o descreveu como aquele tipo de diplomata ufanamente convencido
de que pode impor suas solues dando no adversrio um pontap no
estmago. Quando Tattenbach viu que entre seu p e o estmago de M.
Revoil se interpunha o obstculo, frgil em aparncia, mas na verdade
intransponvel, de Sir Arthur Nicolson, icou furioso. Os ingleses, diz ele,
so mais franceses do que os franceses.
O tenebroso Holstein que, de sua sala na Wilhelmstrasse, pusera em
movimento toda essa mquina de guerra a im de despedaar a Entente,
sentiu a fora da oposio inglesa. Fez enviar um telegrama a Sir Edward
Grey pelo embaixador da Inglaterra em Berlim, referindo-se sua
convico de que todo o perigo seria evitado se o governo de Sua
Majestade pudesse fazer os franceses entenderem que numa guerra
provocada pela questo marroquina, a opinio pblica inglesa no apoiaria
a Frana. A que Grey respondeu: Espero que o resultado da Conferncia
seja impedir que se concretize o caso imaginado por Holstein. Podendo isso
vir, no entanto, a ocorrer, no ser possvel desaprovar nenhuma ao
empreendida pela Frana que estiver dentro dos termos das declaraes
anglo-francesas de abril de 1904. Herr von Holstein deveria saber isso.
Era fcil prever que o ponto crtico da negociao seria o policiamento
dos portos. A Frana concordara com a Espanha em partilharem, ambos os
pases, dessa responsabilidade. A Alemanha provavelmente proporia
entreg-la a uma potncia neutra. A Frana recusaria. O perigo seria a
Alemanha ver nessa recusa um bom motivo para ruptura.
IV. O Urso e a Baleia
Lembremos que no momento dos acordos anglo-franceses de 1904
Chamberlain dissera a Delcass: E agora traga-nos os russos. Era
evidente que se a Inglaterra quisesse contar em todas as circunstncias
com o apoio da Frana, tambm precisaria estar em termos amigveis com
a Rssia, aliada da Frana. Mas um acordo anglo-russo seria tarefa mais
difcil que a do acordo de 1904.
E isso por trs razes. A primeira, porque a Rssia e a Inglaterra ainda
se atribuam, uma outra, desgnios de conquista e planos hostis. A
partilha da frica terminara, pondo im rivalidade colonial anglofrancesa, mas a partilha da sia ainda no era mais que um esboo. No
Tibet, no Afganisto e na Prsia, a Inglaterra e a Rssia brigavam pelo
direito de proteger estados que no queriam ser protegidos.
A segunda: para obter absteno da Rssia na sia, a Inglaterra no
dispunha de moeda de troca, por assim dizer. Para manter a Frana
distante do Egito, pde se servir do Marrocos; mas o que oferecer aos
russos? Passagem livre pelos Estreitos? Isso no dependia somente da
Inglaterra, e alis nem era algo desejvel.
Finalmente, a terceira: a Frana era um estado liberal cujas instituies
lembravam as da Inglaterra; a Rssia era um estado autocrtico cujo
despotismo ofendia os liberais ingleses. Passara-se um curioso incidente
em Londres, em julho de 1906, quando representantes da Duma russa
participaram do Congresso Interparlamentar. Na manh do primeiro
encontro, soube-se que o Czar acabara de dissolver a Duma. A notcia no
impediu o primeiro-ministro liberal, Sir Henry Campbell-Bannerman, de
dar boas-vindas aos representantes russos, terminando seu discurso com
a frase em francs: La Duma est morte! Vive la Duma! Pareceu dar uma
lio ao Czar. Justamente naquele momento, a Frana e a Inglaterra eram
muito mais impopulares do que a Alemanha em So Petersburgo entre os
altos funcionrios e tambm na corte. Apesar da aliana franco-russa, os
conselheiros do Czar no tinham simpatia por aquele pas republicano cuja
imprensa, dizia-se, encorajava os revolucionrios russos. Quanto
Inglaterra, consideravam-na responsvel pelas vitrias do Japo, aliado
dela.
Durante a guerra russo-japonesa, a Frana nada izera para ajudar a
Rssia, ao passo que Wilhelm II abastecera generosamente a esquadra
russa. Blow recomendou a von Pourtals, embaixador da Alemanha na
A Poltica Interna
dos Liberais
I. O poodle de Mr Balfour
Os acontecimentos vingam-se das doutrinas de formas estranhas e cruis.
Os Liberais, eleitos para uma poltica de reformas e de paz, tiveram como
primeira obrigao fazer acordos militares. Haviam, assim, descontentado
os paci istas do partido. S uma poltica interna audaciosamente reformista
manteria o equilbrio e tranquilizaria seus eleitores. Mas toda vez que
esboaram mover-se nessa direo esbarraram em obstculos
intransponveis.
Nenhuma dificuldade na Cmara dos Comuns. A eleio geral do incio de
1906 deu-lhes 356 cadeiras maioria absoluta. Mesmo sem os 83
nacionalistas irlandeses e os 43 trabalhistas, tinham mais nmero que
qualquer outra combinao de partidos. Os Conservadores,
simultaneamente atacados pelos no conformistas, pelo livre-comrcio e
pelos socialistas, foram aniquilados. Mr Balfour perdeu sua cadeira, e as
multides liberais em Londres gritavam de alegria: Pobre Fanny! Agora
pegaremos Joe! Mas Joe Chamberlain, com a solidez eleitoral de uma
impecvel organizao, ao contrrio, passara em Birmingham,
reelegendo-se com votao ainda maior.
A muito custo achou-se para o ex-primeiro-ministro um distrito seguro, e
ele pde continuar lder do partido. Mas o novo Parlamento era contra
tudo o que Arthur Balfour defendia. Quando ele se aventurou a fazer, em
meio quele tropel de Cabeas Redondas, uma de suas tiradas espirituosas
e propositalmente obscuras, Campbell-Bannerman replicou: O Honorvel
Os dois oramentos da defesa nacional sempre foram considerados os
sanguessugas do Tesouro pelos radicais do partido liberal, mas o
Almirantado custava ainda mais caro que o Ministrio da Guerra, e era
sobretudo ali que, por razes de poltica interna, o Gabinete desejava fazer
economias.
Nisso foi ajudado por um assombroso personagem, o Almirante Sir John
Fisher (mais tarde Lord Fisher). Homem de linguagem brutal e corao
generoso, feies de malts e alma de ingls, um pouco genial, um pouco
maluco, Fisher, transbordante de citaes de Nelson, de Napoleo e da
Bblia, props reformas tcnicas que indignaram os demais almirantes,
mas que acabaram sendo adotadas porque permitiam aos polticos,
acossados por seus eleitores, diminuir o oramento sem enfraquecer a
esquadra. O Rei Edward, que gostava da imaginao fantasiosa de Fisher,
da sua respeitosa familiaridade e franqueza brutal, dava-lhe total apoio.
O plano de Fisher compunha-se de vrios artigos: 1 Ele queria
desarmar todas as embarcaes obsoletas, cruzadores de terceira classe,
canhoneiras sem valor combativo, que o Almirantado mantinha
dispendiosamente pelo mundo inteiro para mostrar a bandeira.
2 Desejava concentrar o esforo oramentrio em vasos de guerra
modernos e imbatveis. Acreditava ter encontrado esse modelo no
Dreadnought, uma nova classe de encouraado. Em sua opinio o
Dreadnought era o supremo triunfo da engenharia naval. Por ordem sua,
os jornais foram carregados de elogios ao navio, era o primeiro
encouraado que levava somente canhes pesados, todos do mesmo
calibre. No futuro, a irmou Fisher, mediremos o poderio de uma
esquadra pelo nmero de belonaves da mesma classe.
3 Tal como Haldane, antes de mais nada, ele se perguntou quando foi
feito Primeiro Lord do Mar: De que se trata? Quem poderia atacar a
esquadra inglesa? Seria a esquadra francesa? A esquadra italiana? A
situao poltica tornava improvveis ambas as hipteses. O nico perigo
era a Grande Marinha Alem. Ora, j no im de 1904, Fisher veri icara que
quase todos os navios modernos da Inglaterra estavam no Mediterrneo. O
restante formava a Esquadra do Canal, a Esquadra de Casa e a Esquadra
do Atlntico fracas, destinadas sobretudo a proporcionar comandos para
os almirantes. Fisher alterou a distribuio, recolheu do Mediterrneo
grande nmero de navios para criar uma Grande Esquadra em constante
aprestamento, a empregar no em defesa costeira, mas para destruir no
mar as esquadras inimigas. Essa estratgia chamou-se na Inglaterra the
blue water school, por pensar que em tempo de guerra o domnio das
guas se decidia em mar aberto, num confronto entre duas foras. O
princpio da guerra naval ser capaz de ir aonde bem quiser com
qualquer diabo de navio que tiver.
Contra essa escola alinharam-se os almirantes dispensados, em
particular Lord Charles Beresford, velho amigo do Rei, igura excntrica,
ora poltico ora marujo, sempre sedutor, s vezes furioso. A doutrina de
Fisher parecia traio e loucura a Beresford. O Dreadnought? Um
brinquedinho de Sir John Fisher que ser copiado pelos outros povos e
ultrapassado assim que a Inglaterra tiver gasto milhes na construo de
toda uma esquadra. E os submarinos, caldeiras tubulares to do gosto de
Fisher? Outros brinquedos mecnicos frgeis e imprestveis na batalha. O
desarmamento de navios velhos ? Um brilhante esforo para mostrar que
quanto menos navios uma Marinha tiver, mais ela ser forte. A
redistribuio da Esquadra? Truque para mascarar a fragilidade de uma
arma enfraquecida por economias insultantes. Onde esto os dias em que o
Almirantado mantinha o two powers standard , uma esquadra mais forte
que duas marinhas juntas de quaisquer duas potncias? Agora eles mal e
mal queriam manter-se frente da Alemanha! Quais eram os nmeros da
construo naval dos dois pases?
1906
1907
1908
inglaterra
3 Dreadnoughts
3 Dreadnoughts
2 Dreadnoughts
alemanha
3 Dreadnoughts
3 Dreadnoughts
4 Dreadnoughts
A continuar assim, em 1914 a Inglaterra ter vinte e dois Dreadnoughts,
e a Alemanha vinte e seis. Em 1920, a esquadra alem ser a mais forte de
todo o mundo.
Fisher salientava que a invaso da Inglaterra por um exrcito alemo
era impossvel. Como um grande comboio passaria desapercebido pelo
Mar do Norte, dizia ele, patrulhado dia e noite por nossas embarcaes?
Mas supondo que pudesse atravessar, no seria destrudo por nossos
submarinos e torpedeiros no momento do desembarque? Admitindo-se
mesmo que a esquadra alem, num autossacri cio, consiga desviar metade
da esquadra inglesa para longe do percurso do comboio, a outra metade
Nestas coisas todas, parece-me que temos ouvido Lord Rothschild demais. No teremos leis de
temperana neste pas. Por qu? Porque Lord Rothschild enviou circular aos seus colegas
dizendo isso. Devemos ter mais Dreadnoughts. Por qu? Porque Lord Rothschild o disse em um
comcio na City. No devemos pag-los quando os tivermos. Por qu? Porque Lord Rothschild o
disse em outro comcio na City. No deveis ter impostos sobre as propriedades nem a supertaxa.
Por qu? Porque Lord Rothschild assinou um protesto a favor dos banqueiros dizendo que no
poderia aguent-los. No deveis ter taxa sobre seguros de vida. Por qu? Porque Lord Rothschild,
chairman de uma companhia de seguros, acha que no se deve. No tereis penso para os
velhos. Por qu? Porque Lord Rothschild era membro de um comit que disse no ser possvel.
Ora pois! Realmente, gostaria de lhes perguntar: Lord Rothschild o ditador deste pas? Ser que
todas as vias que levam a reformas inanceiras e sociais icaro bloqueadas simplesmente por
um cartaz: Passagem interditada por ordem de Nathaniel Rothschild?
Lord Milner, ao dizer num discurso que o dever dos que condenavam o
oramento era resistir a uma poltica que julgavam danosa, e danem-se as
consequncias, forneceu a Lloyd George ocasio para um engenhoso
movimento oratrio. Lord Milner, disse ele, referindo-se parte que
teve na guerra do Transvaal, tinha
um gnio peculiar para levar instituies e pases a caminhos destruidores. J conhecemos seu
lema: Danem-se as consequncias. A guerra, disse ele outrora, s custar dez milhes. Algum
advertiu-o que custaria duzentos. E ele diz danem-se as consequncias! O protecionismo, disse
ele um pouco mais tarde, renderia ao estado vinte milhes por ano e reanimaria nossa indstria.
Vai-se a ele e diz-se que no render nem cinco, e que prejudicar e atrapalhar metade do
comrcio. Danem-se as consequncias! Tal o esprito, tal o carter, tal o gnio que pretende
rejeitar o Oramento.
Essas banderillas deixaram o adversrio exatamente no estado de raiva
que o Chanceler do Tesouro precisava. No entanto o Rei, agarrando-se
resolutamente s suas esperanas de conciliador pro issional, continuou
com as dmarches, gestes, os passos para garantir a aceitao do
Oramento pelos Lords. Chamou Asquith a Balmoral e perguntou-lhe se,
como primeiro-ministro, ele consideraria inconstitucional o soberano
entrar em negociao direta sobre o assunto com os lderes da oposio.
Asquith muito menos belicoso do que seu Chanceler do Tesouro respondeu
que veria essa ao como perfeitamente correta, e telegrafou de Balmoral
a Lloyd George que ia fazer um novo discurso em Newcastle dizendolhe que ele prprio faria uma parada naquela cidade na manh seguinte e
pedindo para esper-lo na estao. Lloyd George veio, e Asquith disse-lhe
que o Rei tinha esperana de poder acomodar tudo, contanto que ele
parasse de provocar os pares unionistas. Lloyd George re letiu. Seria
renunciar a todo o seu plano de ataque. No mesmo dia fez um dos seus
discursos mais violentos.
Aumenta a Brecha
Sobrevoar at o futuro e julgar tudo com os mesmos olhos o mal dos profetas da desgraa
que so os profetas... O profeta tenta enxergar o que ainda vem, o que implica que o futuro j
est feito e irrevogvel. concluir que nada se pode fazer demitir-se e, como se diz, largar o
leme. O pessimismo verdadeiro se nada se quer. o silncio da natureza sem o homem.
alain
I. O Complexo do cerco
di cil imaginar algo mais trgico que o lento inexorvel aumento da
brecha Inglaterra-Alemanha entre 1906 e 1914. Na Inglaterra, o problema
era claro para os dirigentes do Foreign Of ice Sir Edward Grey; seu
secretrio particular WilliamTyrrell; Sir Charles Hardinger, Eyre Crowe e
mais tarde Sir Arthur Nicolson que formavam uma das mais notveis
equipes de diplomatas que um pas j possuiu. A poltica inglesa sempre
foi, escreveram eles, opor-se hegemonia de outra nao na Europa; e
para um povo insular essa orientao permanecia ainda uma questo de
vida ou morte. Mas a Prssia, tendo uni icado a Alemanha a ferro e sangue,
sonhava desde a partida de Bismark ser uma potncia mundial. Ao se
tornar uma grande nao industrial, comercial e martima por suas
qualidades de trabalho pesado e metdico, descobriu o mundo e construiu,
de modestas fatias e retalhos, um pequeno imprio colonial; agora
deplorava a mediocridade desse imprio. Devemos ter colnias (...)
precisamos de um lugar ao sol (...) eram as queixas dirias de todo
estadista alemo no fim do sculo.
Porm as verdadeiras colnias, as terras ricas cultivveis boas para
colonos, pertenciam a conquistadores mais antigos; e nesse ponto de seu
raciocnio, os diplomatas ingleses lembravam velhas mximas da poltica
prussiana: A necessidade no tem lei... A fora pode criar um direito
novo. Para ganhar e depois proteger um imprio alm-mar, a Alemanha
precisava da marinha poderosa que construiu persistente desde 1892, de
incio com sigilo e prudncia, depois com audcia e ostentao. Nos
discursos, o Kaiser revelava a ambio: Nosso futuro est no mar (...)
diferentes das que ele desejara. O Czar icou profundamente magoado pelo
ultimato das Potncias Centrais. Quando recebeu, alguns dias aps a
tempestade, o embaixador da Inglaterra, Sir Arthur Nicolson, o Czar disselhe que o nico resultado da crise tinha sido fortalecer o entendimento
anglo-russo. Juntando as mos e entrelaando os dedos, falou
enfaticamente: Precisamos nos unir cada vez mais estreitamente. Assim,
a fraqueza da Entente levaria seus membros a test-la contnua e
apreensivamente. Descobririam nela os perigos de uma aliana, sem sua
fora preventiva. De todas as combinaes, essa era a mais grave. Mas no
foi o Edward II, foram Aerenthal e Holstein que conseguiram cercar a
Alemanha.
III. A Crise Alem de 1908
Em relao Frana, o Kaiser e Blow continuaram com seu velho jogo,
alternadamente galanteando e ameaando. Em julho de 1908,
evidentemente agindo sob ordens e para jogar verde, a imprensa alem
anunciou que o Kaiser, durante seu cruzeiro pelo Mediterrneo, visitaria o
Prncipe de Mnaco e ali se encontraria com o presidente Fallires; Paris
desmentiu a notcia. Em agosto, o cnsul alemo em Casablanca reivindicou
como sditos seis desertores da Legio Estrangeira. Esse pequeno
incidente provocou na Alemanha efeitos aparatosos, assustadores e
desmesurados. Falando em nome da classe militar, o Prncipe Herdeiro
cobrou de Blow o envio de um vaso de guerra alemo a Casablanca.
Estou irmemente convencido, escreveu para o Chanceler, que essa
ocorrncia em Casablanca no fortuita, mas um teste de fora feito pela
Frana para saber at onde nosso amor pela paz lhe permite ir. Nossa
honra est profundamente envolvida, e j mais do que hora desse bando
insolente de Paris sentir novamente a fora de um granadeiro pomerano.
Acredite-me Vossa Excelncia quando digo que grande parte da nao
dessa opinio, e que o exrcito inteiro s deseja um coisa: mostrar seu
valor.
Blow respondeu, primeiro, que do ponto de vista do direito
internacional, no competia ao Consulado apoiar a fuga de desertores
franceses; depois, que o consulado alemo, com um zelo imprudente,
concedera certi icados falsos que citavam como alemes homens que na
verdade eram austracos; e, portanto, talvez fosse aconselhvel cautela. E
acrescentou algumas consideraes gerais: Concordo plenamente com
Vossa Alteza no ser de bom alvitre proclamar muito frequentemente o
amor que temos pela paz; isso tornaria demasiado con iantes aqueles que
nos confrontam... Porm, onde nossa honra no estiver envolvida, temos
sempre a considerar o que se pode obter de uma guerra, e uma guerra na
Europa no nos traz grande coisa.
O governo francs, sabiamente, props arbitragem em Haia, e Sir
Edward Grey elogiou a moderao e irmeza de sua diplomacia. Escreveu a
Sir Francis Bertie, o embaixador em Paris, dizendo-lhe da impresso
favorvel criada na Inglaterra pelo tom, carter, e atitude do governo
francs e da Frana na crise de Casablanca. A completa ausncia de pnico
(poderia mesmo dizer de excitao) e a forma como foram combinadas
conciliao e irmeza, mostraram-se ao mesmo tempo impressionantes e
satisfatrias.
Berlim concordou com a arbitragem porque Blow, justamente naquele
momento, estava a braos com uma histria que ocupava toda sua ateno.
Um dia, no vero anterior, quando o Chanceler passava frias beira-mar,
o secretariado do Kaiser enviou-lhe o texto em ingls de uma entrevista de
Sua Majestade, e perguntava se o Chanceler autorizava sua publicao. Era
o resumo de uma conversa que o Kaiser tivera com o coronel ingls Stuart
Wortley. Quatro pginas de seu imperial senhor... Blow no leu nem uma
linha, mas as enviou Wilhelmstrasse para exame e deciso. Ali, o
documento passou pelas mos de vrios funcionrios, em ordem de
importncia decrescente. Os mais graduados o rubricaram, como convinha,
sem l-lo; o conselheiro do nvel mais baixo leu, mas se achou indigno e
sem competncia para critic-lo. Desse misto de negligncia e humildade
emergiu uma aprovao e, em 28 de outubro, o artigo apareceu no Daily
Telegraph.
Era carregado de explosivo: o Kaiser discorria sobre seu desejo de
amizade com a Inglaterra, um desejo que, disse ele, merecia
reconhecimento ainda maior por ser contrrio aos sentimentos de uma
grande parte do povo alemo. E prosseguiu dizendo: 1) que durante a
Guerra dos Beres, os governos russo e francs haviam-no convidado para
juntar-se a eles a im de humilhar a Inglaterra, mas que ele recusara e
enviara Rainha Victoria o texto das notas; 2) que em 1899 ele prprio
havia traado um plano de campanha para as foras inglesas no Transvaal,
e que esse plano, adotado por Lord Roberts, foi o que obteve sucesso; 3)
que a Alemanha estava construindo sua esquadra no para us-la contra a
Inglaterra, mas para empreg-la no Extremo Oriente o que era uma
inesperada provocao aos japoneses.
A grita foi geral. Na Inglaterra, a imprensa tratou a entrevista
I. Oramento ou Veto
As eleies de janeiro de 1910 mostraram o quanto a Inglaterra
eduardiana permanecia conservadora. Uma populao inteira de eleitores
precisava escolher entre uma assembleia aristocrtica e um oramento
demaggico. O resultado foi surpreendente. Elegeram-se 275 liberais (em
vez de 356), 273 unionistas, 82 nacionalistas irlandeses e 43 trabalhistas.
Os liberais perderam um grande nmero de cadeiras; na prpria
Inglaterra estavam em minoria; com a ajuda da Esccia e do Pas de Gales,
retinham a frgil maioria de dois votos. Punch representou Mr Asquith em
armadura de cavaleiro, contemplando com tristeza um cavalo esqulido
oferecido por seus vassalos, dizendo: Pedi um cavalo de batalha, e isso o
que eles me trazem...
Para se manterem no governo depois dessa eleio, os liberais
precisaram do apoio dos irlandeses nacionalistas posio perigosa que os
deixava expostos a chantagem permanente. Foi o Punch ainda que
representou John Redmond, mais imperial que nunca, sentado no trono
britnico com o globo e o cetro nas mos. Os irlandeses professavam uma
desdenhosa indiferena pela poltica geral, e cinicamente admitiam que a
atitude deles era ditada por um s pensamento: a Home Rule. O oramento
de Lloyd George no os interessava e at mesmo os desagradava com os
itens sobre whisky. Porm votariam pela aprovao, salvando assim os
liberais, se estes lhes prometessem solenemente a Home Rule. Mas para a
promessa ter algum valor era preciso primeiro conseguir que o poder de
veto dos Lords fosse abolido. Enquanto pudessem embargar uma lei, os
pares unionistas com certeza recusariam Irlanda sua independncia. A
preponderncia irlandesa distorcia assim o panorama poltico: o
dolorosa.
II. Doena e Morte do Rei
O Rei retornara de Biarritz em 26 de abril, e na noite desse mesmo dia foi
ao teatro, apesar do cansao. No dia seguinte recebeu Asquith, para um
exame da situao poltica. Tambm quis ver o embaixador dos Estados
Unidos para preparar a iminente visita do ex-presidente Theodore
Roosevelt.
Roosevelt, igura arrojada e pitoresca, estivera percorrendo a frica e a
Europa, abatendo todo tipo de caa e prodigalizando conselhos s cabeas
coroadas sobre os mais variados assuntos. Enquanto aguardavam sua
chegada em Londres, o Punch sugeriu colocar nos lees da coluna de
Nelson, em Trafalgar Square, o cartaz: Estes lees no devem ser mortos.
O Rei, admirador do ex-presidente, disse ao Embaixador: homem muito
corajoso; lutou como um tigre... Espero v-lo e conversar com ele.
Recebeu tambm vrios ministros e governadores dos Domnios e das
Colnias; mas conversar provocava-lhe crises de tosse e falta de ar. O erro
de um oficial do Almirantado fez com que ele conversasse longo tempo com
um primeiro-ministro australiano sob a impresso de que era ministro da
Nova Zelndia. Quando timidamente o advertiram do erro, encolerizou-se e
perdeu o flego. Grandes manchas marrons apareceram em sua pele,
como se a circulao estivesse obstruda. Um de seus visitantes criou
coragem e sugeriu que repousasse. No, no, disse o Rei. Trabalharei
at o im... que adianta estar vivo se no se pode trabalhar? No dia
seguinte visitou a Academia Real de Pintura. Mrs Keppel, sua melhor
amiga, mulher espirituosa e de grande beleza, na casa de quem tinha ido
para jogar cartas, viu seu sofrimento e o convenceu a voltar para o Palcio
s dez e meia.
O primeiro-ministro, tendo inalmente conseguido votar o oramento,
compareceu a um grande jantar oferecido por Mr Lloyd George em
celebrao do evento, depois partiu com Mc Kenna a bordo do iate do
Almirantado, para inspecionar as forti icaes de Gibraltar, ou seja, para
umas frias no Mediterrneo. Mal havia partido quando o estado do Rei
piorou. Os mdicos aconselharam chamar a rainha, que estava em Corfu.
Os menores movimentos causavam-lhe agora sufocaes dolorosas e,
sintoma grave, o corao fraquejava. Em 5 de maio o Rei ainda recebeu
ministros. Mrs Keppel veio tomar o ch com ele. No acreditando estar em
perigo, tentou fumar um de seus charutos, mas depois de outro acesso de
viu que no havia mais esperanas, mandou chamar Mrs Keppel para vir
ao Palcio, e ela mesma a levou pela mo para perto do Rei moribundo. s
onze horas e quarenta e cinco minutos ele deu seu ltimo suspiro. Um
membro da Casa Real foi at os portes e falou imensa multido
aglomerada no lado de fora: O Rei morreu. Os homens se descobriram, e
por toda a noite milhares de pessoas permaneceram no Parque, de viglia,
sob as estrelas. Muitas mulheres choravam.
No n 10 de Downing Street, Mrs Asquith escrevia cartas para a Rainha
Alexandra e Lord Knollys. O primeiro-ministro recebeu a notcia da morte
do Rei a bordo do Enchantress por volta das trs horas da madrugada.
Subiu ao convs e, no plido claro da aurora, viu o cometa Halley.
No dia seguinte, todas as bandeiras em Londres estavam a meio mastro;
os jornais saram emoldurados com tarja preta; homens e mulheres
vestiram-se de luto. Ambulantes j vendiam cartes-postais com retratos
do Rei falecido e lenos de souvenir estampados com Edward, o
Paci icador e guarnecidos de bordas lorais. Nas ruas comerciais, as lojas
mudaram suas vitrines para oferecer apenas artigos de luto. O contraste
de todo esse preto com a alegre claridade da primavera dava uma
estranha beleza s ruas da capital.
Mas o novo Rei devia ser imediatamente proclamado. Edward VII ainda
estava vivo e j as convocaes do Conselho Privado para proclamar seu
sucessor vinham sendo preparadas. O Presidente do Conselho, Lord
Tweedmouth, achava-se incapacitado de exercer suas funes, e foi Lord
Crewe que, ento, tornou-se o personagem principal do reino, desde as
11h45, instante da morte do Rei, at as 16h30 do dia seguinte. Nesse
momento, cento e cinquenta conselheiros privados se reuniram no Palcio
de Saint James. Ningum conversava. No trocavam saudaes nem
apertos de mo. Foi preciso, como ocorreu na morte da Rainha Victoria,
expulsar o Prefeito e outras autoridades da City, pois seus direitos de
presena no eram reconhecidos pelo Conselho.
Lord Crewe anunciou a morte do Rei lembrando seu dever de proclamar
o sucessor. O Lord Chanceler e o Arcebispo de Canterbury saram,
retornando depois com o Prncipe de Gales, apresentando-o ao Conselho
como Rei George V. Este, aps breves palavras, tomou seu lugar no trono, e
os presentes, um por um, izeram a genu lexo numa almofada diante dele,
jurando-lhe idelidade, cada f sua maneira, os protestantes sobre a
Bblia, os catlicos sobre o cruci ixo e os judeus sobre o Velho Testamento.
Para surpresa geral, Cassel fez o juramento da maneira catlica, tendo-se
convertido quando da morte de sua mulher.
povo, este sabia que o Rei ia tambm fum-los, e apreciava essa igualdade
no prazer. Toda sua vida, quer se tratasse de povos ou de indivduos, o Rei
sentia genuno desconforto ao saber de a lies daqueles que conhecia, e
fazia tudo ao seu alcance para ajudar.
Os tributos que os jornais lhe prodigalizaram nos dias de espera e no
luto irritaram um pouco quem lembrava das ressalvas feitas a ele por
aqueles mesmo redatores, quando de sua acesso ao trono, dez anos antes.
Wilfrid Scawen Blunt, to incapaz de platitudes, anotou em seu dirio:
Toda a gente se ps de preto pela morte do Rei, e alguns exaltados falam
em continuar de luto por um ano. um tanto absurdo, considerando quem
era o coitado do Rei; mas os jornais se encheram de louvores como se ele
tivesse sido um santo de Deus... Se as descries que ora fazem dele
fossem exatas, ele teria sido uma mistura de Solon e So Francisco de
Assis. Nenhuma publicao ousou sequer leve aluso mais mnima de
suas amveis pequenas fraquezas... E certamente foi um exagero
escrever, como alguns, que o Rei fora um competente paladino das artes e
das letras. No entanto era justo dizer que ele se sara bem em seu o cio
de Rei e que possura o instinto da paz.
Quando Edward VII sucedeu sua me, era grande o prestgio da Coroa
prestgio que ele deixava intacto e talvez engrandecido. Era possvel
monarquia e democracia coexistirem? A Inglaterra resolvera o problema,
como sempre fazia: no por raciocnios abstratos, mas pela experincia de
vida. O Rei, como rbitro dos partidos, como smbolo da Nao aos olhos do
Imprio e dos povos estrangeiros, havia desempenhado seu papel de
forma perfeita. Compreendera, tal como sua me, que a fora secreta da
Coroa era a deciso de jamais con litar com a vontade do povo, claramente
expressa pelos Comuns. Quando, mais tarde, o Rei George V aceitou o
princpio de um acrscimo de pares para assegurar a derrubada do veto,
ele perguntaria ao primeiro-ministro: o conselho que o senhor daria ao
meu pai? Sim, respondeu Mr Asquith, e vosso pai o teria seguido. Era
verdade. Se as regras da constituio tivessem exigido de Edward VII
convocar ao poder Mr Lloyd George, contra o qual tinha fortes
preconceitos, ele o faria de imediato, e colaboraria lealmente com ele.
Acontecia com frequncia o Rei sugerir a seus ministros candidato para
algum alto cargo. Mas se o ministro, aps as devidas averiguaes,
respondesse que o interesse do pas exigia outra escolha, o Rei Edward
prontamente anua. Ento, com certeza, o senhor no deve faz-lo, diria.
Quando recomendava uma escolha por meio de Lord Knollys, sempre o
fazia em termos cautelosos. H alguma possibilidade de nomear o Dr.
pelo Rei George V, depositar uma coroa no atade de quem ele dissera ser
um Sat no podem imaginar o diabo que ele . Inclinou-se por uns
momentos em silncio e depois, olhando o primo nos olhos, apertou-lhe a
mo resolutamente e permaneceu por muito tempo nessa postura, imvel.
Mr Roosevelt chegou ainda a tempo de representar seu pas nos funerais
misso que muito apreciou. O embaixador dos Estados Unidos, sabendo
que o ex-presidente tinha na bagagem um uniforme de coronel dos Rough
Riders, inquietou-se por um dia ou dois; temia que Roosevelt pudesse
querer ir montado a cavalo junto com os nove reis que deveriam
acompanhar o cortejo. Mas o velho presidente aceitou sem di iculdade
envergar roupa de gala e ir de carro com o enviado da Repblica Francesa,
M. Stephen Pichon.
Roosevelt foi convidado para o jantar oferecido s cabeas coroadas e
representantes extraordinrios no Palcio de Buckingham. Todos tomaram
seus lugares mesa com rostos desolados dor ou respeito; mas depois do
primeiro prato, pareciam ter esquecido o motivo de sua presena em
Londres. Falei, escreveu Theodore Roosevelt, com o Rei da Grcia, que
me narrou lamentoso todas as suas contrariedades. Foi ento segurado
pelo czar da Bulgria, mas o Kaiser conseguiu arrancar o americano dessa
situao. Esse homem, disse em voz baixa para Roosevelt, totalmente
indigno de conhec-lo. Em seu lugar eu no falaria mais com ele. uma
pobre criatura. O relato que Roosevelt deixou desse jantar um misto de
Alice no Pas das Maravilhas e Um Yankee na Corte do Rei Arthur.
No dia do funeral, M. Pichon tomou Mr Roosevelt como testemunha da
maneira vil com que tratavam as repblicas. No teria notado o expresidente que o cocheiro deles estava vestido de preto, enquanto os das
carruagens reais usavam librs escarlates? Roosevelt respondeu no ter
notado, e mesmo que lhe tivessem dado um cocheiro em vermelho e
amarelo, isso lhe seria indiferente.
Como ele pronunciava mal o francs, M. Pichon entendeu que Mr
Roosevelt protestava porque sua libr era verde e amarela e expressou
simpatia. Alm do mais, a carruagem deles era a oitava, e um prncipe
persa a partilhava com eles outros tantos agravos. Roosevelt desistiu
melancolicamente de aplacar o amor-prprio de seu irritado companheiro.
Entrementes, os cavalos dos monarcas escarvarvam o cho diante de
Westminster. Calmamente a procisso moveu-se. O Rei George ia na frente,
tendo direita o Imperador da Alemanha e esquerda o Duque de
Connaugth, ambos em uniformes de marechal, com o basto na mo. O
Imperador tinha o semblante austero. Atrs desse grupo cavalgavam o Rei
ice de British Documents on the Origin of the War, editado por G.P. Gooch e
ice de British Documents on the Origin of the War, editado por G.P. Gooch e
ice de British Documents on the Origin of the War, editado por G.P. Gooch e
ice de British Documents on the Origin of the War, editado por G.P. Gooch e
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