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(arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
SUMRIO
APRESENTAO ....................................................................................06
Ana Maria Mauad
1
A pesquisa foi apresentada no Minissimpsio Temtico Histria, Imagem e Cultura Visual, no XXIV Simpsio
Nacional de Histria da ANPUH, realizado de 15 a 20 de julho de 2007, na UNISINOS (So Leopoldo/RS/Brasil),
e coordenado pelos Professores Doutores Iara Lis Franco Schiavinatto (UNICAMP) e Charles Monteiro (PUCRS),
bem como no VII Congresso Internacional de Estudos Ibero-Americanos, realizado de 21 a 23 de outubro de
2008, na PUCRS (Porto Alegre/RS/Brasil). Verses parciais foram publicadas em: MONTEIRO, Charles. Imagens
sedutoras da modernidade urbana: reflexes sobre a construo de um novo padro de visualidade urbana nas
revistas ilustradas na dcada de 1950. Revista Brasileira de Histria, 2007, Vol. 27, n. 53, p. 159-176; MONTEIRO,
Charles. A construo da imagem dos outros sujeitos urbanos na elaborao da nova visualidade urbana de Porto
Alegre nos anos 1950. Urbana, 2007, ano 2, n. 2, p. 1-21.
2
Doutor em Histria Social (PUCSP/Lyon 2), Professor Adjunto de Histria do Programa de Ps-Graduao em
Histria (PPGH) da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (Brasil/RS/Porto Alegre). Desenvolve
pesquisas na rea de Histria, Fotografia e Cultura Visual; ministra Seminrio Histria, Fotografia e Cultura
Visual: Imagens das cidades brasileiras sc. XIX e XX no PPGH da PUCRS; orientou cinco dissertaes sobre
Histria e Fotografia; publicou vrios artigos em revistas nacionais e papers em anais de congressos nacionais e
internacionais sobre o tema; coordenou organizou simpsios temticos em congressos; organizou dossis sobre
Histria e Fotografia; faz parte do Grupo de Pesquisa interinstitucional do CNPQ Imagem, Cultura Visual e Histria.
Endereo: PPGH/PUCRS Av. Ipiranga, 6681, Prdio 3, Sl. 303 Porto Alegre Brasil CEP. 90619-900. E-mail:
monteiro@pucrs.br.
3
Sobre Cultura Visual, Histria e Fotografia, cf. MENESES (2003, 2005); KNAUS (2006); sobre fotografia e
imprensa ilustrada, cf. MAUAD (2004, 2005); sobre fotografia e cidade, cf. LIMA e CARVALHO (1997).
10 Imagens da cidade de Porto Alegre nos anos 1950
4
KNAUSS (2006, p. 108-110).
5
DEBRAY (1994, p. 22-30).
11 Charles Monteiro
14
KOSSOY (2002).
15
MENESES (2003, 2005).
15 Charles Monteiro
A pesquisa de Ana Maria Mauad16 representa uma nova fase dos estudos
sobre cidade e fotografia, pesquisando a construo da visualidade urbana do Rio de
Janeiro em revistas ilustradas na primeira metade do sculo XX. Seu trabalho, alm
de tratar dos usos privados da fotografia pelo grupo familiar, abordou a fotografia
de imprensa a partir das revistas Careta e O Cruzeiro, tendo sido esta ltima a mais
importante e inovadora revista ilustrada brasileira entre as dcadas de 1930 e 60.
Uma das principais contribuies desse estudo o tratamento da problemtica
do espao na construo de cdigos de representao fotogrfica do comportamento
da sociedade burguesa carioca entre 1900 e 1950. Mauad17 estabeleceu para sua
anlise das imagens fotogrficas cinco categorias espaciais que abrangem tanto o
plano do contedo quanto o da expresso: o espao fotogrfico, o espao geogrfico,
o espao do objeto, o espao da figurao e o espao da vivncia.
Mauad relacionou e cruzou os padres tcnicos envolvidos na forma de
expresso das imagens com os padres de contedo para elaborar a sua interpretao
dos cdigos de representao social da classe dominante carioca. Esse trabalho
sugere uma srie de questes sobre a predominncia de certas imagens (urbanas,
de determinadas zonas da cidade, de determinados grupos sociais, em determinados
espaos urbanos, de um gnero sobre outro, de certos objetos a eles associados, as
ordenaes dos grupos, as poses e os tipos de performances etc.) em detrimento
de outras que ficam fora do quadro fotogrfico, bem como da forma de fotografar
proporcionada por uma tcnica e de publicar essas imagens nas pginas das revistas,
criando sries e narrativas que enfatizam determinados cdigos de representao
social de certos grupos urbanos excluindo outros.
O livro Fotografia e Cidade,18 de Solange Ferraz de Lima e Vnia Carneiro
de Carvalho, deu uma contribuio significativa aos estudos sobre o tema ao propor
uma metodologia prpria para a anlise icnica e formal das imagens de cidade, no
caso de So Paulo, em lbuns de fotografias produzidos entre 1887-1919 e 1951-
1954. A importncia desse estudo est no fato de construir uma metodologia voltada
para a interpretao dos padres visuais de representao da cidade, remetendo
anlise dos modos especficos de tratamento fotogrfico do espao urbano.
Os descritores icnicos (relativos aos contedos e espaos das fotografias)
so agrupados a partir de um vocabulrio controlado em: tipologias do espao;
localizao; tipologia urbana; abrangncia espacial; acidentes naturais/vegetao;
infraestrutura/processos/servios; infraestrutura/comunicaes; infraestrutura/
mobilirio urbano; infraestrutura/paisagismo; estrutura/funes arquitetnicas;
elementos mveis/ gnero/idade; elementos mveis/personagem/categoria;
16
MAUAD (1990, 2004, 2005, 2006, 2008).
17
MAUAD (2004, p. 19-36).
18
LIMA e CARVALHO (1997).
16 Imagens da cidade de Porto Alegre nos anos 1950
O fotojornalismo conheceu o seu auge nos anos 1950 com novas narrativas
fotogrficas srie de imagens de tamanhos variados que contam uma histria visual
ocupando cada vez mais lugar nas pginas dos jornais e revistas. A Revista do Globo,
os jornais A Hora e ltima Hora esto na vanguarda desse processo no mbito local.
No plano formal, multiplicam-se as fotos areas, a fotorreportagem, a foto
de publicidade e as fotos instantneas de grandes manifestaes polticas, bem
como inovaes na composio e no uso da luz. A cultura visual est marcada pela
introduo da televiso no final da dcada de 1950 e pelo perodo ureo dos filmes
hollywoodianos, apresentados no formato cinemascope nas grandes salas de cinemas
de calada do centro da cidade e nos bairros.
Os fotgrafos passam a ser mais valorizados nas revistas ilustradas e a
terem seus nomes mencionados como autores das imagens. Em Porto Alegre,
Leo Guerreiro, Pedro Flores e Sioma Breitman se destacam no fotojornalismo, na
fotografia de publicidade e na produo de retratos em estdio. Leo Guerreiro autor
de famosas vistas areas da cidade, que acompanham o processo de modernizao
e verticalizao da rea central. Muitas dessas fotos tambm eram ampliadas,
tornando-se painis e comercializadas para decorar escritrios e casas comerciais.
O fotojornalismo vai privilegiar a mobilizao poltica envolvendo o
processo de discusso sobre nacionalizao do subsolo, a estatizao de empresas de
energia e transporte pblicos. Nesse perodo ocorreu a irrupo das massas na cena
urbana, ora como ator ora como coadjuvante dos processos polticos.
Em 24 de agosto de 1954, a morte de Getlio Vargas constitui-se em um
momento significativo de mobilizao e utilizao da rua como espao poltico. A
fotografia de imprensa perpetuou os conflitos e as depredaes no centro da cidade
de Porto Alegre.
As fotos desse perodo, produzidas pela Assessoria de Imprensa do Palcio
Piratini (Acervo do Setor de Fotografia do Museu de Comunicao Social Hiplito
Jos da Costa), representam os governadores em plena ao, visitando e inaugurando
obras, recebendo delegaes de polticos ou lideranas dos movimentos sociais. O
populismo transformou algumas fotografias em imagens de culto ao poder poltico.
Na segunda metade dos anos 1950, a Assessoria de Imprensa e o servio
fotogrfico do Palcio Piratini crescem em importncia e ocorre um salto no
nmero de fotografias e na forma de documentao das aes dos governadores e
secretrios de Estado. Alguns fotojornalistas trabalhavam simultaneamente para a
Revista do Globo e para reparties pblicas (Secretaria de Educao e Secretaria de
Agricultura), como nos casos de Pedro Flores e Lo Guerreiro.
No incio da dcada de 1960, foram as imagens da Campanha da Legalidade
que marcaram uma nova postura atravs do uso consciente e macio dos meios de
19 Charles Monteiro
desde poltica internacional, poltica nacional, artes, vida social, cotidiano, esportes,
variedades e publicidade buscando equilibrar informao, formao de opinio
e entretenimento.24 As revistas trabalhavam com polaridades como ns e os
outros,25 presente e passado, tradio e modernidade etc., seguidamente
propondo uma abordagem sensacionalista dos acontecimentos. Atravs de imagens
e palavras, as revistas construram representaes sociais, agregando novidade e
promovendo consenso sobre determinados significados sociais. Quanto menor a
competncia na decifrao dos cdigos verbais, maior a importncia das imagens
fotogrficas que ocupavam a maior parte do espao das pginas.
As fotorreportagens construram uma imagem da cidade em processo de
mudana para o consumo das elites e das camadas mdias, bem como uma imagem
dos novos sujeitos urbanos que chegam cidade: os outros. Uma cidade cada vez
maior e difcil de abarcar pelo olhar humano, que necessitava da mediao dos meios
de comunicao para promover a compreenso e a legitimao das mudanas na
paisagem urbana em um tempo cada vez mais acelerado. Ao congelar fragmentos de
temporalidade, a fotografia permitiu condensar e recriar a nova imagem das cidades
brasileiras em processo de mutao: a destruio de espaos tradicionais e a criao
de espaos modernos submetidos lgica da sociedade de consumo.
Ou seja, a fotografia nas revistas ilustradas e, em especial, as fotorreportagens
davam a ver a cidade, promovendo uma reeducao do olhar, sintetizando e
ressignificando esse processo de expanso horizontal e vertical urbana. Permitiram,
tambm, a difuso de toda uma nova cultura urbana, com novos parmetros de
sociabilidade, de civilidade e de consumo, que passariam ser almejados e buscados
pelos leitores desses peridicos, vidos em participar da modernidade urbana.
O estatuto da imagem fotogrfica que predominava nas revistas ilustradas
era o da cpia da realidade e de documento verdico, que procurava apresentar como
objetiva e verdadeira a interpretao dos fatos abordados. As revistas ilustradas,
atravs das fotorreportagens, visavam ensinar uma nova maneira de ver, que
tanto entretinha e deleitava quanto cumpria a tarefa de informar e difundir uma
nova imagem moderna da cidade e da cultura urbana entre as camadas mdias da
populao brasileira.
Segundo Costa, a fotorreportagem uma narrativa que resulta da conjugao
de texto e imagem, ou seja, de duas estruturas narrativas totalmente distintas e
independentes, dentro de uma armao prpria realizada pela edio.26
De forma geral, as fotorreportagens iniciavam-se com uma fotografia de
pgina inteira ou pgina dupla, uma imagem sntese do tema, que visava mobilizar
24
COSTA (1992, p. 53-68).
25
BAITZ (2003).
26
COSTA (1992, p. 58), SOUSA (2004).
21 Charles Monteiro
privadas), as novas formas de sociabilidade pblicas (muitas dessas ligadas aos novos
padres de consumo), os novos equipamentos culturais, problemas de segurana
pblica, de habitao, de transportes e, tambm, de poltica municipal. A revista
valorizava o processo de modernizao e tambm abordava alguns dos problemas
urbanos de Porto Alegre.
Pode-se dividir a dcada de 1950 em duas metades. Na primeira metade,
observa-se a formulao dessa nova visualidade urbana moderna, mas ainda com
a presena de imagens das contradies sociais e dos problemas urbanos: a falta
de habitaes, de energia, de gua tratada, de esgotos, de hospitais, bem como os
vendedores ambulantes (camels), os acidentes de automveis, as filas de nibus
etc. Na segunda metade dos anos 1950, a revista se engaja no projeto e discurso
desenvolvimentista da administrao do Presidente Juscelino Kubitschek (1956-
1960), de realizar 50 anos em 5, e passou a privilegiar o processo de transformao
e modernizao da sociedade e do espao urbano, deixando em segundo plano as
crticas e as contradies que acompanhavam esse processo. Passa-se, ento, anlise
de algumas das fotorreportagens sobre a elaborao da nova visualidade urbana.
28
Marco Inicial, Revista do Globo, n. 527, 2/3/1951, p. 61-63, 79.
23 Charles Monteiro
Fonte: Marco inicial, Revista do Globo, n. 527, 1951, p. 61 (esquerda), 62 (centro), 63 (direita.).
722, p. 38-42.
25 Charles Monteiro
Fonte: CARNEIRO, Flvio; FARIAS, Thales. Porto Alegre cresce para o cu e para o rio.
Revista do Globo, 1958, n 722, p. 38-39.
26 Imagens da cidade de Porto Alegre nos anos 1950
Fonte: CARNEIRO, Flvio; FARIAS, T. Porto Alegre via area, 1959. Revista do Globo, 1959, n 742, p. 10-11.
30
CARNEIRO, Flvio; FARIAS, T. Porto Alegre via area, 1959. Revista do Globo, 1959, n 742, p. 10-16.
27 Charles Monteiro
31
Bairro sem rua nem terra nem destino, Revista do Globo, 30/9/1950, p. 54-57.
28 Imagens da cidade de Porto Alegre nos anos 1950
Fonte: Bairro sem rua nem terra nem destino, Revista do Globo, 30/9/1950, p.54-55.
na cidade. Porm, o texto tambm alerta que o bairro estava com os dias contatos diante
do projeto de aterro e construo do novo cais da zona norte (Bairro Navegantes).
Essa uma das poucas reportagens que apontam para o problema da expulso
dos moradores de uma rea em decorrncia da realizao de grandes obras urbanas
pelo poder pblico. Entretanto, o texto e as fotografias da reportagem promovem a
estigmatizao e a segregao desses sujeitos chamados de curiosa mistura de
trabalhadores, mendigos e malandros associando-os sujeira, degradao e a um
estado primitivo de vida social (falta de saneamento, escola, assistncia mdica etc.).
Tudo o que aqui falta reaparece no ano seguinte nos projetos habitacionais da Vila
dos Comercirios e na Vila IAPI, visando dar aos trabalhadores todos os confortos e
as comodidades da vida em habitaes higinicas e modernas com aluguis mdicos.
A fotorreportagem Amarelou o sorriso da cidade,32 com texto de Joseph
Zukauska e fotos de Pedro Flores e Wilson Cavalheiro, amplia o elenco dos
problemas urbanos falta de gua, de luz, de transporte e de moradia atravs
de uma srie de 15 fotos, a maioria de pequeno formato. As fotografias que
acompanham o texto apontam para a contradio entre os altos e modernos edifcios
do centro da cidade e as malocas
nas vilas populares da periferia
de Porto Alegre. Porm, o sentido
das fotos, sugerido pela leitura
da esquerda para a direita, parece
sugerir a sua superao por obras
que estavam em curso na cidade.
Fonte: ZUKAUSKA, Joseph; FLORES, Pedro, CAVALHEIRO, Wilson. Amarelou o sorriso da cidade.
Revista do Globo, 1954, n 607, pp. 48-55.
ZUKAUSKA, Joseph; FLORES, Pedro, CAVALHEIRO, Wilson. Amarelou o sorriso da cidade. Revista do Globo,
32
Fonte: TAJES, T.; FLORES, P.; CAVALHEIRO, W. Porto Alegre: Uma cidade entregue aos ladres.
Revista do Globo, 1953, n. 580, p. 60, 61.
Elas parecem conversar ou jogar, pois esto todas olhando para o centro
da roda. A fotografia em P&B, tirada de cima para baixo, ao nvel dos olhos de
um adulto, com luz forte do meio dia, salienta os contornos e os volumes. Ao p
da pgina, trs pequenas fotografias no estilo retrato de meio-corpo e de formato
retangular vertical apresentam trs homens de terno e gravata, sentados em fotos de
interior. O primeiro deles est sentado, com apenas de seu corpo aparecendo na
foto; o segundo est de perfil, sentado, falando ao telefone. O terceiro est de frente,
tendo ao fundo uma parede neutra.
Em uma delas, a fotografia central, possvel identificar que o local um
escritrio, pois o homem est sentado atrs de uma escrivaninha e fala ao telefone. A
anlise da diagramao das fotografias na pgina da revista aponta para uma oposio/
tenso entre a fotografia dos meninos descalos representados acima da pgina e
as fotografias dos trs homens de terno e gravata na parte de baixo da pgina. Essa
oposio construda tambm no plano formal, pois a primeira fotografia externa
e enquadra um pequeno grupo na rua, enquanto as trs fotografias abaixo enquadram
planos fechados do interior de um escritrio. A primeira tirada de cima para baixo
apontando uma hierarquia do olhar (superioridade do fotgrafo/reprter/adulto que tira
a foto) e cortada no formato retngulo horizontal salientando o cho, no qual as crianas
encontram-se sentadas, j as outras trs fotografias so tomadas da mesma altura dos
olhos dos homens de terno e so cortadas em um retngulo vertical (ascenso).
Na pgina seguinte, outras quatro fotos de formato pequeno e retangular
vertical completam a fotorreportagem. As legendas dessas fotos ampliam essa
contradio e aprofundam a tenso social entre esses dois grupos. Sobre o primeiro
grupo se projeta um olhar externo, que um ser visto pelo outro, ou seja, a objetiva
do reprter fotogrfico, e no segundo h um dar-se a ver da autoridade policial que
olha para a cmera do fotgrafo.
A legenda da primeira foto afirma que sessenta por cento dos larpios que
agem em Porto Alegre so menores e completa que no de estranhar, pois a
qualquer momento, em qualquer parte da capital, podem-se ver grupos de garotos
na malandragem, sem lar, sem escola, sem assistncia.36 As legendas das seis fotos
menores de homens de terno e gravata indicam que se trata do delegado Homero
Schneider, do delegado-adjunto Miranda Meira, do inspetor-chefe Osmar Barreto,
dos inspetores Osvaldo Scherer e Alfredo Vitorino Vargas e do depositrio Agostinho
F. Pena. Todos individualizados ao serem retratados de perto em seu ambiente
de trabalho, no exerccio de suas funes e identificados pelo nome, sobrenome
e respectivos cargos na polcia. A ordem policial representada pelos policiais e
objetos relacionados ao seu trabalho (telefone, livros, cofre).
TAJES, T.; FLORES, P.; CAVALHEIRO, W. Porto Alegre: Uma cidade entregue aos ladres. Revista do Globo,
36
37
Id., Ib., p. 60.
38
Id., Ib., p. 60.
39
Id., Ib., p. 61.
40
Id., Ib., p. 61.
41
Id., Ib., p. 61.
42
TOLEDO, D.; FLORES, P. No doce nem lar. Revista do Globo, 1953, n. 616, p. 48-50, 56.
35 Charles Monteiro
Fonte: TOLEDO, D.; FLORES, P. No doce nem lar. Revista do Globo, 1953, n. 616, p. 48-49.
Fonte: TOLEDO, D.; FLORES, P. No doce nem lar. Revista do Globo, 1953, n. 616, p. 50, 56.
37 Charles Monteiro
44
Id., Ib., p. 50.
45
Id., Ib., p. 50.
46
Id., Ib., p. 50.
47
GOULART, A.; GUERREIRO, L. O novo lar para o pequeno marginal. Revista do Globo, 1957, n. 697, p. 36-41.
39 Charles Monteiro
Fonte: GOULART, A.; GUERREIRO, L. O novo lar para o pequeno marginal. Revista do Globo,
1957, n. 697, p. 36,37.
roupa.48 A segunda foto uma vista parcial que, em primeiro plano, apresenta uma
grande rvore e, em segundo plano, em toda a sua extenso um longo edifcio de dois
andares, em terceiro plano, o cu ocupa boa parte do espao da fotografia.
No plano formal, observa-se que o fotgrafo construiu uma foto tirada a
distncia para enquadrar a rvore alta que se sobrepe e projeta a sua sombra sobre
o longo prdio de dois andares com uma generosa poro de cu ao fundo. A rvore
alta parece proteger o edifcio novo ao projetar sua sombra sobre ele. A tomada a
distncia enfatiza o tamanho do prdio e sua integrao com a natureza (rvore e
cu) construindo significados de salubridade e amplido. O que tambm destacado
na legenda e no incio do texto da fotorreportagem: Num amplo descampado, atrs
de uma colina, ergue-se o moderno edifcio do Novo Lar de Menores.49 O adjetivo
moderno coloca-o em sintonia com os objetivos reiterados da revista de ser porta-
voz do homem e da mulher moderna. No terceiro pargrafo descreve-se o Novo Lar:
Fonte: GOULART, A.; GUERREIRO, L. O novo lar para o pequeno marginal. Revista do Globo,
1957, n. 697, p. 38-39.
Referncias
1
Mestre em Histria pela PUCRS. E-mail: rodrigo.massia@gmail.com.
2
BREITMAN (1976.).
3
SILVA (1978, 2006.).
4
Cf. POSSAMAI (1998, p. 95).
51 Rodrigo Massia
Trata-se de uma fonte textual na qual o escritor teve a oportunidade de escrever, corrigir
e enfatizar momentos de sua trajetria, bem como relegar outros ao esquecimento. O
processo de escrita permite maior controle sobre a edio e a escolha das palavras. A
motivao para a elaborao do livro teria sido de ordem pessoal, ou seja, responderia,
segundo Sioma Breitman, a uma demanda de memria familiar.
No caso de Joo Alberto, as entrevistas realizadas no obedeceram a um
roteiro estabelecido por esta pesquisa. Foram produzidas para registrar a trajetria
do fotgrafo, de modo que abarcasse a totalidade de sua atividade profissional.5 As
entrevistas, ocorridas em tempos distintos, no contaram com a presena ou com
qualquer sugesto de pauta para este trabalho. O contato com a fonte foi feito a
partir do udio e da transcrio das falas do fotgrafo registradas nas fitas cassete.
Apesar de o autor no exercer o papel de entrevistador, a pesquisa contribuiu para
um momento decisivo do acervo oral: quando ele se torna um documento textual. O
material foi digitalizado e entregue ao Museu, que agora conta com o arquivo textual
e sonoro em formato digital.
Dentre os diferentes tipos de enfoque da Histria oral, este trabalho
caracteriza-se como uma histria oral temtica.6 Nessa abordagem o pesquisador
faz um uso direcionado da fonte, pois ela conduz as entrevistas ou as utiliza em
funo de um tema que tem relao com a histria de vida do entrevistado. No
se mensurou aqui a tradio oral, mas os aspectos da memria individual de Joo
Alberto. Entende-se aqui a memria individual como uma reconstruo psquica e
intelectual que acarreta de fato uma representao seletiva do passado, um passado
que nunca aquele do indivduo somente, mas do indivduo inserido num contexto
familiar, social, nacional. A concepo terica sobre a memria visa pensar em que
medida estas fontes podem auxiliar a pensar no circuito social da fotografia em Porto
Alegre nas dcadas de 1940 e 1950.
11
Cf. MAUAD; KNAUSS (2007, p. 9).
12
Cf. COELHO (Opus cit., p. 95).
13 *
O trabalho de trao era a tcnica que tornava possvel o encaixe de uma fotografia area na outra. Essa tcnica
era desenvolvida com o auxlio de aparelhos que aumentavam o foco das fotografias, para que o encaixe fosse o
mais exato possvel.
14
Fala-se de inovao aqui em termos locais. A fotomontagem foi bastante utilizada na nova arte da Revoluo Russa
e ainda timidamente na arte modernista e fotografia moderna brasileira. Sobre estes assuntos ver respectivamente:
FABRIS (2005, p.99-132.) e CHIARELLI (2003, p. 67-81).
15
Cf. LIMA; CARVALHO (1997, p. 99-100).
54 A tcnica de Joo Alberto Fonseca da Silva e a arte de Sioma Breitman
nos anos de 1950. Este tipo de imagem respondia bem demanda por realismo
e equilbrio de propores. Essas fotografias buscavam a exatido em termos de
simetria que, em ltima anlise, era produzida a partir do olhar humano.16 Nesse caso
aqui a presena do observador que visualiza a cena in loco era condio necessria
para a produo da fotomontagem.
Cabe ressaltar aqui que estes efeitos de realismo tendem a migrar, da imagem
para a cidade.17 Esse tipo de imagem tinha uma circulao bastante ampla e cumpria
funes tcnicas e estticas. As fotografias de arquitetura tambm exerceram forte
influncia no fotojornalismo em ascenso nos anos 1940 e 1950. Essas imagens
fotogrficas tinham um forte apelo de veracidade ao apresentar a modernizao e
o crescimento urbano das cidades brasileiras e eram muito utilizadas pelas revistas
ilustradas.18 Alm das revistas, possvel citar o uso desse tipo de fotografia pelo
fotoclubismo19 e pelos lbuns fotogrficos. Em Porto Alegre tambm identificou-se
essa influncia na produo de painis fotogrficos, que eram imagens de grande
formato produzidas a partir de fotografias. Joo Alberto fez parte do grupo de
fotgrafos pioneiros nesse tipo de fotografia.
Como possvel observar, a trajetria de Joo Alberto se confunde com a
prpria histria da fotografia. Muitas vezes o fotgrafo teve que achar suas prprias
solues para as ideias apresentadas, como no caso de sua primeira fotomontagem,
que ser abordada mais adiante. Do ponto de vista da esttica sua obra no se
encontra isolada. Porm, mais importante do que localizar a imagem do ponto de
vista da esttica, seria conhecer as condies sociais de produo da obra.20 A busca
de compreenso a partir desse enfoque aproxima-se de uma Histria da fotografia em
Porto Alegre. O depoimento de Joo Alberto permite que a compreenso de algumas
de suas imagens extrapole o campo esttico.
A fotomontagem do edifcio Formac na rea central de Porto Alegre foi feita
sob encomenda de um arquiteto carioca que sugeriu ao fotgrafo Joo Alberto que
fizesse a montagem do prdio, ainda inexistente. A fotomontagem causou impacto
ao ser exposta na Casa Comercial Herrmann situada na esquina da Rua dos Andradas
com a Uruguai. Esse fato data de 1953 ou 1954, conforme o relato do fotgrafo. A
casa em questo vendia materiais fotogrficos, relgios e joias. Joo Alberto, pelas
suas relaes de amizade com o dono do estabelecimento, deixou a fotomontagem
exposta na vitrine da loja. O fotgrafo relata sobre os comentrios que ocorriam
entre os transeuntes. Uma das falas que ficou marcada na memria de Joo Alberto
16
Cf. MENESES (2005).
17
Cf. LIMA; CARVALHO (Opus cit., p. 99-104).
18
Cf. MONTEIRO (2007, p. 159-176).
19
Notadamente os de So Paulo e Recife. Cf. LIMA; CARVALHO (Opus cit.), COSTA; SILVA (2004) e SILVA (2005).
20
Cf. BOURDIEU (1996, p. 11-16).
55 Rodrigo Massia
foi que a cidade na imagem no deveria ser Porto Alegre e muito menos que tivesse
sido feita por um fotgrafo local. Conforme o relato do fotgrafo:
causou um choque visual, pois uma imagem tida como reflexo da realidade estava ali
criando fices, conforme possvel observar em seu produto final.
Figura 1: Joo Alberto Fonseca da Silva. Espao de insero da maquete e construo do prdio. In: CANEZ, p. 129.
Figura 2: Joo Alberto Fonseca da Silva. Fotomontagem do edifcio Formac no espao urbano de Porto Alegre,
1953. In: CANEZ (Idem).
57 Rodrigo Massia
27
Cf. SILVA (2006).
28
Cf. DUBOIS (1993).
59 Rodrigo Massia
29
MASSIA (2008).
30
Sobre Marcel Gautherot ver: ANGIOTTI-SALGUEIRO (2007).
31
Sobre Pierre Verger ver: LHNING (2002).
32
Cf. COELHO (Op. cit.).
33
Essa prtica fazia parte dos grandes estdios do sculo XIX e incio do XX. A citao do nome desses artistas que
trabalhavam com os fotgrafos era recorrente nos anncios publicitrios dos estdios, pois conferia ao mesmo o
status de espao de produo de arte. Cf. LIMA (1991, p. 59-82).
60 A tcnica de Joo Alberto Fonseca da Silva e a arte de Sioma Breitman
perguntar o grosso cliente como era o penteado do falecido que figurava no retrato,
a resposta era: Quando voc tirar o chapu, ver no vale rir....34
Em meados dos anos 1960 o fotgrafo j havia trabalhado em uma gama
enorme de atividades como, por exemplo, estdios de retrato,35 as vistas urbanas, as
festas e os casamentos da elite porto-alegrense, fotografia para as peas teatrais que
passavam pela cidade, publicao de lbuns e os concursos de arte fotogrfica que
lhe renderam inmeros ttulos e distines em nvel nacional e internacional. Alm
de participar com trabalhos fotogrficos, Sioma foi membro ativo na organizao
das exposies de arte fotogrfica em Porto Alegre, captando recursos e firmando
parcerias com empresas distribuidoras de material fotogrfico. Ministrou cursos de
fotografia e aulas de russo. Viajou para fora do pas com a Exposio: Rio Grande
do Sul atravs da fotografia e Arte Fotogrfica, no ano de 1958. Percorreu Portugal,
Espanha, Frana, Alemanha, Itlia e Israel. No ano de 1959, com patrocnio da Varig,
exps estes mesmos trabalhos em Nova York.
Depois de mais de 40 anos dedicados ao ofcio da fotografia, grande parte
dele exercido em Porto Alegre, Sioma escreveu um livro de memrias sobre sua
trajetria profissional, o qual fala das suas atividades, da sua condio judaica, relata
histrias sobre alguns de seus registros fotogrficos, os lugares por onde passou, as
premiaes, os colegas de trabalho, a fundao da associao. O livro, intitulado
Respingos de Revelador e Rabiscos, foi editado por seu filho, Irineu Breitman. A
obra no contou com a parceria de nenhuma editora, sendo seu acesso ainda feito em
uma edio caseira, com as folhas batidas mquina e as fotografias fotocopiadas
ao longo do livro, utilizadas como ilustrao dos temas abordados pelo fotgrafo.
No incio da obra, Sioma revela que o objetivo do livro era contar sua
trajetria aos netos e bisnetos, como forma de relatar parte da saga da famlia, que
partiu de uma Europa em guerra e com muito trabalho conseguiu xito no Brasil,
superando as dificuldades naturais do choque entre culturas distintas. Contudo
inegvel que se trata de uma obra na qual o autor imaginou outras possibilidades
de circulao. As evidncias de um texto que se aproxima do histrico so latentes.
Muitas vezes o autor se coloca quase que como uma terceira pessoa, outras vezes
relata experincias pessoais. O texto alterna momentos de narrao de estrias com
relatos de memrias afetivas, ao mesmo tempo em que apresenta trechos de elevada
erudio, com referncias literrias e anlises de cunho histrico e antropolgico.
Os textos e imagens de Sioma Breitman so itinerrios possveis para
percorrer parte do universo da fotografia em Porto Alegre entre os anos de 1930 e
1960. A sua atuao constitui-se em um conjunto amplo de possibilidades da prtica
34
BREITMAN (Op. cit., p. 32).
35
Sioma montou cinco estdios fotogrficos. Quatro deles tinham o nome de Aurora e ficaram sob a gerncia de seus
irmos. O mais importante deles foi montado em 1937 e levava o seu nome: Sioma. Cf. BREITMAN (Ibdem, p. 28.).
61 Rodrigo Massia
fotogrfica. Muitas delas se caracterizam por ser uma novidade para o perodo. So
elementos que se referem prpria expanso da atividade fotogrfica, por inovaes
de ordem tcnica e social. No se pode perder de vista que a fotografia uma
inveno moderna, que surgiu em plena vigncia da segunda revoluo cientfico-
tecnolgica, de forte influncia da filosofia positivista. A prpria ideia de progresso
material, to em voga no perodo, fez da fotografia elemento estratgico da demanda
social por realismo e objetividade. Cabe aqui avaliar essa dimenso da fotografia,
pois justamente esse o caminho de abertura o fotojornalismo, a publicidade e os
eventos sociais que melhor responderam a esse tipo de demanda que s a imagem
tcnica era capaz de proporcionar no perodo a um pblico amplo e variado.
Apesar de todas as inovaes advindas das mquinas portteis e das
possibilidades de trabalho fora dos estdios fotogrficos, esses ainda constituam-se
no espao por excelncia da produo fotogrfica. O retratista mantinha seu status
de artista-fotgrafo, qualidade atribuda a quem atingia algo prximo do sublime em
fotografia: captar a personalidade do retratado e fix-la em uma imagem fotogrfica.
Os estdios fotogrficos do centro da cidade ainda mantinham seu status de espaos
consagrados nobre arte do retrato. O estdio Sioma era um deles,36 no qual as grandes
personalidades polticas e artsticas confeccionavam seus retratos. Localizado na rua
dos Andradas, na rea central da cidade, o estdio era um catalisador de atividades
fotogrficas. Alm dos tradicionais retratos, se confeccionavam ampliaes,
revelaes, lembranas de aniversrio e casamento. O estdio era tambm um
espao de sociabilidade, onde fotgrafos se reuniam. A vitrine, onde Sioma expunha
seus retratos, fazia publicidade do retrato artstico, como uma capacidade de que
poucos fotgrafos eram dotados, conforme afirmava seu material publicitrio:
Para o melhor retrato procure Sioma. Um retrato artstico... sempre Sioma.37 O
retrato artstico foi o modo de representao do indivduo burgus, como forma de
construo da sua distino social.38
No estdio Sioma foram produzidos os retratos oficiais de personalidades
polticas como Getlio Vargas, Flores da Cunha, Cordeiro de Farias, diversos
funcionrios do alto escalo do estado,39 do escritor Erico Verissimo, do ator e produtor
36
O estdio Sioma mantinha a tradio dos grandes estdios de retrato, tributrios do sc. XIX, no qual a localizao
se constitui em uma evidncia de distino, frente a um contexto de vulgarizao, tanto dos estdios como da
produo de retratos. Cabe lembrar aqui que a rea central ainda era o espao de maior valorizao, tanto econmico
quanto social, da cidade. Cf. POSSAMAI (2005.) e SANTOS (1997.).
37
BREITMAN (Opus cit., p. 148.).
38
Para saber mais sobre a historicidade da relao entre o retrato e o modo de vida burgus ver em especial
FREUND (1999.).
39
Em uma edio da Revista do Globo alusiva aos feitos do Estado Novo e as comemoraes do bicentenrio de
Porto Alegre, foi feita uma extensa reportagem sobre o crescimento do Estado, no qual grande parte dos retratos
dos prefeitos das cidades em destaque foi produzida por Sioma Breitman. interessante notar que a assinatura do
fotgrafo assume destaque na imagem, pelas dimenses, localizada logo abaixo do rosto, na parte inferior direita.
Cf. Revista do Globo (1940, p. 72-160.).
62 A tcnica de Joo Alberto Fonseca da Silva e a arte de Sioma Breitman
msica erudita, a pintura. Fazer da fotografia uma forma de arte , conforme aponta
Bourdieu, uma atitude transgressora.49
Sioma Breitman observa que a prtica corrente impede que novas formas
de expresso em fotografia sejam desenvolvidas, o que tambm obstaculiza a
constituio de espaos de formao e aperfeioamento da atividade fotogrfica.
Sioma evidencia em seu discurso uma viso tradicional, legado pela fotografia
pictorialista,50 na qual o fotgrafo deve ser um sujeito versado nas artes e na
literatura. Sua bagagem cultural deve lhe permitir a obteno de uma fotografia que
fuja prtica corrente e aos imperativos do mercado. Para que tal realidade fosse
possvel em Porto Alegre, fazia-se necessrio a organizao de uma associao
que promovesse sales de arte fotogrfica e oferecesse cursos de fotografia,
concebendo-a como forma de expresso artstica.
O fotgrafo tambm comenta sobre o contexto de produo de algumas de suas
fotografias premiadas, o que permite compreender a apropriao de certas concepes
e prticas fotogrficas que vigoravam no perodo. A ideia de uma fotografia cndida,51
na qual o fotgrafo uma testemunha silenciosa e discreta do acontecido uma
postura, que surge em decorrncia das novas possibilidades tcnicas (mquinas de
pequeno formato que independem do uso do flash), que foi utilizada no fotojornalismo.
No campo da arte fotogrfica, esse tipo de fotografia exigia do sujeito a sensibilidade
de observar uma cena fugidia e lanar um olhar potico sobre a realidade exterior.
Fotos posadas eram prticas associadas fotografia corrente, produzida em eventos
sociais, como casamentos, festas, aniversrios e demais eventos de cunho familiar. A
arte fotogrfica praticada entre os anos 1940 e 1960 procurou se afastar deste tipo de
fotografia. A mquina fotogrfica era entendida como uma espcie de arma silenciosa,
na mira de um instante decisivo, nico. Esta concepo encontra traduo nas palavras
do fotgrafo francs Henri Cartier-Bresson, quando este diz que a fotografia um
momento de cruzamento entre o crebro, olho e o corao.52 A partir da narrativa
de Sioma, possvel entender um pouco mais das motivaes pessoais e as solues
encontradas por ele para fotografar o cenrio, de acordo com a sua ideia. A discusso
recair sobre a fotografia intitulada por ele de Splica.
49
BOURDIEU (Opus cit., p.80-87.). O autor faz aqui uma diviso entre o que ele caracteriza por uma fotografia
corrente e uma fotografia exigente. Estas duas tipologias so analisadas dentro da perspectiva de uma fotografia
amadora. Outra ressalva importante que o autor faz suas consideraes sobre o contexto francs dos anos 1960.
50
Ver em linhas gerais e sob uma perspectiva nacional e internacional, respectivamente: MELLO, (Opus cit.) e
NEWHALL, (2002, p.141-166.).
51
A fotografia cndida, conforme refere o adjetivo, constitui-se em uma imagem na qual a presena do fotgrafo no
foi percebida pelos retratados. Esta prtica s se tornou possvel pela existncia das mquinas portteis como a Leica,
a Ermanox e a Rolleiflex, para citar as mais conhecidas. Esse tipo de fotografia passou a ser praticada principalmente
pelo fotojornalismo alemo dos anos 1920, tendo como principal referncia o fotgrafo Erich Salomon. Na arte
fotogrfica brasileira dos anos 1950 identifica-se essa mesma postura, s que para fins diferentes. Ver por ordem das
referncias abordadas: FREUND, (Opus cit., p. 99-123) e COSTA; SILVA, (Opus cit., p.63-70.).
52
CARTIER-BRESSON (2004.).
66 A tcnica de Joo Alberto Fonseca da Silva e a arte de Sioma Breitman
Sioma conta que certa vez uma de suas inmeras clientes que solicitavam
seu trabalho nos casamentos foi ao seu Estdio para retirar as fotografias. Na ocasio
estava com luvas de couro e as tirou para manusear suas fotos. A cliente teria ficado
to satisfeita com o resultado do trabalho que ao sair esqueceu-se de seu par de
luvas, o que prontamente despertou o interesse do fotgrafo. Ao ver que as luvas,
pela maciez do couro ainda mantinham a forma das mos com suas rugosidades
o fotgrafo comeou a pensar em um projeto fotogrfico com o objeto. A luva
clara sob um fundo escuro com os efeitos de luz artificial sugeriu uma imagem de
um gestual de splica, de conotao fortemente religiosa. De to satisfeito com o
resultado, Sioma decidiu inserir esta imagem em sua Exposio de 1958, chamada
Arte Fotogrfica, que percorreu diversos pases da Europa e Amrica.
da expresso artstica contida na foto seria perdida com o tempo, fazendo de suas
fotografias expresses mudas, completando o caminho de uma imagem automtica
para uma imagem autnoma.56 Os propsitos de Sioma ao fazer seus registros seriam
perdidos sem o recurso das palavras. Mesmo para um homem que viveu imerso
no mundo das imagens, o recurso da palavra se constitui em algo definitivo, que
revelaria e estabilizaria a verdade da cena retratada?
Referncias
109) aponta que a frmula da revista semanal de informao foi criada pela revista
Time na dcada de 1920.
No Brasil, Lima (1989, p. 71) indica que o ciclo das revistas semanais de
informao com a fotografia em cores surgiu no final dos anos 1960, e teve incio
com a revista Veja e Leia. Segundo o autor (p. 71), a revista Veja surgiu em 1968,
e em maro de 1976 foi lanada a revista Isto . Sobre esta ltima, Lima (1989, p.
74) afirma que o surgimento da revista Isto foi fundamental para o surgimento
de grupos de fotgrafos independentes e para a posterior criao de agncias de
fotgrafos. Finalmente, de acordo com Lima (1989, p. 74), em 25 de maio de 1977,
na edio 22, a revista Isto viria a publicar a sua primeira grande reportagem
fotogrfica. Na poca, foram mostrados, em vrias fotografias, os conflitos da Polcia
com estudantes universitrios.
A partir desse momento, informar passou a significar mostrar, como indica
Muniz Sodr (1972, p. 52), e essa regra parece persistir at hoje, at porque a
fotografia compreendida de maneira mais direta e rpida do que o texto. Como
ressalta Lima (1989, p. 10), a facilidade do entendimento e a fora da imagem
que colocaram a imagem produzida pela fotografia na vanguarda da transmisso
da informao nos meios impressos. De acordo com o autor (p. 39), a notcia
vinculada com a fotografia em um jornal sempre mais lida.
Para abordar sobre o tema fotografia preciso, inicialmente, registrar que
as primeiras mquinas fotogrficas surgiram na Frana e na Inglaterra, no incio da
dcada de 1840, de acordo com Susan Sontag (2004, p. 18), e s contavam com os
inventores e os aficcionados para oper-las. Conforme a obra citada, a fotografia,
nessa poca, no tinha nenhuma utilidade social clara (p. 18), sendo que sua
importncia, como registro da realidade, foi reconhecida somente mais tarde. Em
termos de estrutura, a fotografia de imprensa e, dentro dela, o fotojornalismo -
considerada como uma vertente da fotografia documental, de acordo com Lima
(1989, p. 11). O valor da fotografia documental inquestionvel, no sentido de
mostrar e denunciar realidades s quais no teramos acesso de outras maneiras.
As primeiras guerras registradas por fotgrafos foram a Guerra da Crimeia
(1854-56) e a Guerra Civil Espanhola (1936-39), de acordo com Sontag (2003, p.
21). A autora comenta que at a Primeira Guerra Mundial, o combate propriamente
dito esteve fora do alcance das cmeras e que as imagens da guerra publicadas
entre 1914 e 1918, quase todas annimas, eram, em geral [...] de estilo pico (p.
21-22). A filsofa cita o exemplo da Guerra Civil Espanhola, como sendo a primeira
guerra testemunhada (coberta) no sentido moderno: por um corpo de fotgrafos
profissionais nas linhas de frente e nas cidades sob bombardeio (p. 22). Em relao
fotografia de guerra, Sontag (2004, p. 51) oferece um interessante relato:
74 Por trs das lentes, uma histria
atual afirma que o jornalista no pode divulgar informaes [...] de carter mrbido,
sensacionalista ou contrrio aos valores humanos, especialmente em cobertura de
crimes e acidentes. O artigo 12 informa que o jornalista deve rejeitar alteraes
nas imagens captadas que deturpem a realidade, sempre informando ao pblico o
eventual uso de recursos de fotomontagem, edio de imagem, reconstituio de
udio ou quaisquer outras manipulaes. Esses so alguns exemplos da atual
preocupao da Comunicao com as questes de ordem tica.
As questes sobre a tica na Comunicao tambm dividem os profissionais
do meio, e, como ressalta Eugnio Bucci (2000, p. 11), o jornalismo conflito,
e quando no h conflito, um alarme deve soar. Alis, a tica s existe porque a
Comunicao Social lugar de conflito. O jornalista (p. 10) comenta, ainda, que
maiores abstraes. Aps a publicao de uma foto, uma nova pauta recebida,
e uma nova imagem deve ser feita. A dinmica da velocidade na imprensa acaba
por servir de justificativa para o no pensar a reao do pblico. E dessa forma
os dias se passam, pauta aps pauta, com profissionais despejando imagens s
vezes impensadas sobre um pblico consumidor que pode querer dedicar tempo a
essas imagens. O receptor pode se tornar consciente de tais imagens, nutrindo uma
autoridade no assunto que o emissor nem sempre parece ter, por estar algumas vezes
mais envolvido com a velocidade da informao do que com o contedo. Nesse
caso, a posse da imagem pode passar do emissor distrado ao receptor mais atento,
que dispe de tempo para analisar e absorver a imagem. Durante todo o processo,
a imagem interage mais com o receptor do que com o emissor, que est focado,
naturalmente, com a pauta do dia seguinte.
Sobre o contedo da mensagem, despertar a emoo no pblico parece
significar que, assim, a comunicao humanista. possvel perceber isso pelo
relato de Bucci (2000, p. 95) ao dizer que banir a emoo da informao banir a
humanidade do jornalismo. E banir o pblico. Os leitores, internautas, ouvintes e
telespectadores reagem emocionalmente [...] aos acontecimentos. Ser que podemos
afirmar que reagir ao acontecimento significa que a comunicao humanista?
Despertar emoo significa necessariamente que a comunicao humanista, se o
sentimento gerado for negativo e angustiante para seus consumidores?
Para Dominique Wolton (2002a, p. 64), doutor em Sociologia, a comunicao
torna-se um setor explosivo se, ao lado da tcnica e da economia, no se incluem
orientaes humanistas. A comunicao, segundo Wolton, um grande desafio
cientfico e poltico do sculo XXI (2002b, p. 1). Para o autor, atravs dela joga-se
em definitivo a relao de cada um de ns com o mundo (p. 3). Wolton (2005, p.
12-13) indica, ainda, que o essencial da comunicao o respeito ao outro, dilogo
entre as culturas, construo da tolerncia. E sobre isso que a comunicao
certamente responsvel. Dessa forma, Wolton (2003b, p. 42) salienta quatro pontos
a serem considerados sobre as imagens: (1) valorizar a importncia do contexto,
da histria; (2) reconhecer a dimenso crtica do receptor; (3) jamais pensar a
imagem em si (independente do seu pblico-alvo, considerando-o como um ser
universal, sem identidade) e (4) no h imagem sem imaginrio (o imaginrio
do produtor da imagem pode ser diferente do receptor). Refletir sobre essas quatro
dimenses fundamental para aquele que deseja pesquisar sobre imagens publicadas
na mdia. Ainda hoje, a capacidade crtica do receptor nem sempre parece ser
valorizada como deveria e o pblico frequentemente visto como um ser universal
comum supor o que o pblico gosta ou deseja e usar tais argumentos para legitimar
as formas como as notcias so produzidas.
80 Por trs das lentes, uma histria
Relato de Pesquisa
ser publicada ou no, o que deve contar o bom-senso. Outros acreditam que, nesse
momento, o respeito s pessoas deve ser a prioridade, assim como a reao do
pblico. Sobre a aprovao do pblico, os relatos enfatizaram a importncia de estar-
se atento forma como esse reage diante da publicao de imagens violentas, atravs
de contatos feitos com a redao do jornal ou revista. Vrios fotgrafos entrevistados
relataram preocupao em no expor imagens violentas. Outra preocupao relatada
foi no sentido de produzir fotos de qualidade, resgatando um aspecto artstico e
valorizando o fotojornalismo perante o campo da Fotografia.
Durante as entrevistas, apareceram, tambm, elementos importantes sobre a
subjetividade e emotividade dos profissionais, alguns relataram sobre dificuldades
encontradas em situaes nas quais se depararam com notcias tristes sobre pessoas
conhecidas ou sobre o medo que sentiram em situaes de risco na cobertura de certas
matrias, enfatizando a dicotomia entre a procura da beleza nas situaes e a possibilidade
real de estar exposto a riscos. Em algumas situaes relatadas, a preocupao em
captar o instante parece se sobressair ao cuidado com a prpria segurana: o fotgrafo
deseja conseguir tal foto e ser reconhecido por isso, inclusive, pelo risco ao qual se
submeteu. Lima (1989, p. 37) observa que o fotgrafo tambm no pode ser um
espectador passivo nem se envolver emocionalmente com o acontecimento. Porm, a
busca desse equilbrio parece fcil em teoria, mas difcil de ser aplicada no momento
em que cenas chocantes acontecem diante dos olhos do fotgrafo.
Sobre as imagens selecionadas para as capas de revistas, vrios entrevistados
lembraram-se de imagens de situaes difceis, mas que foram captadas de maneira
bela e sensvel por outros fotgrafos, enfatizando a importncia da sensibilidade do
profissional e tambm da identificao que certas imagens so capazes de produzir
nas pessoas. O importante que sejam consideradas as diferenas nos imaginrios
dos consumidores e dos produtores das imagens. Nesse aspecto, Wolton (2003b, p.
42) sinaliza que entre a inteno dos autores e a dos receptores no operam somente
os diferentes sistemas de interpretao, de codificao e de seleo, mas igualmente
todos os imaginrios.
Como vimos, a discusso sobre as imagens publicadas na mdia impressa
abarca uma srie de questes sobre variadas prticas. O processo precisa ser
compreendido cada vez mais a partir de um olhar mlti e interdisciplinar, que possa
compreender e respeitar os diversos campos de atuao, mas que tambm possa
lanar um olhar crtico sobre os fenmenos contemporneos que nos cercam. A
proliferao das imagens abre margem a uma espcie de anestesia social na qual o
risco da banalizao est intrnseco no processo. Cada vez mais, parece ser necessrio
despertar para essas questes, lanar um olhar atento s imagens, s subjetividades
envolvidas nos processos e prpria necessidade de se consumirem tantas imagens.
83 Maria Cludia Quinto
Referncias
Sites consultados
ASSOCIAO NACIONAL DE JORNAIS. Disponvel em: <http://www.
anj.org.br>. Acesso em: 22 mar. 2009.
ASSOCIAO NACIONAL DOS EDITORES DE REVISTAS. Disponvel
em: <http://www.aner.org.br>. Acesso em: 05 jun. 2007.
88 Por trs das lentes, uma histria
Pode-se perceber que o critrio utilizado pelos autores para definir o que
seria a fotografia moderna e onde ela se posicionaria dentro do panorama geral da
fotografia est baseado na sua insero em um meio legitimador o Foto Cine Clube
Bandeirante. As contribuies esparsas, ainda que relevantes, so colocadas em
segundo plano por no se inserirem nesta categorizao.
1
Mestre em Histria, Teoria e Crtica da Arte e Doutoranda em Histria do PPGH/PUCRS. E-mail: etchev@gmail.com.
2
Cf.: Kossoy (1998, 2002 a, 2002 b, 1983), Fabris (1998, 2007, 2008), Pedro Karp Vasquez (1985, 2002, 2003),
Solange Ferraz de Lima (1997), Vnia Carneiro de Carvalho (1997), Zita Possamai (2005).
3
Cf. Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004).
4
Cf. Tadeu Chiarelli (2003).
5
Cf. Rubens Fernandes Jnior (2006).
6
Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004, p. 36). As especulaes a que os autores referem-se dizem
respeito s imagens de Jorge de Lima, Athos Bulco e Fernando Lemos, os dois primeiros ligados fotomontagem,
em textos escritos por Paulo Herkenhoff, Annateresa Fabris, Fernando Cocchiarale e Ricardo Mendes.
91 Carolina Etcheverry
dos principais textos escritos sobre Geraldo de Barros e Jos Oiticica Filho; a quarta
parte deste texto dedicada insero das fotografias no contexto geral da Histria
da Fotografia brasileira e, por fim, a quinta parte dedica-se a analisar as imagens dos
fotgrafos dentro do contexto nacional das Artes Visuais. Com isto buscamos abarcar as
principais questes relacionadas s fotografias de Geraldo de Barros e de Jos Oiticica
Filho, fornecendo um panorama de sua obra, procurando facilitar estudos posteriores.
Neste ponto preciso fazer uma digresso para entendermos de que modo as
fotografias de Geraldo de Barros e de Jos Oiticica Filho podem ser entendidas em
termos conceituais, visto que os vrios autores que pensaram a respeito de tais imagens
(e no apenas as destes artistas) as denominam de modos bastante diferentes. preciso
definir estes modos, a fim de melhor entender as implicaes de cada um deles.
As fotografias de Geraldo de Barros e Jos Oiticica Filho podem ser inseridas
na ideia de campo expandido da fotografia. Segundo Rubens Fernandes Jnior,
criador da ideia,
experimentos que culminariam na srie Vorticism (na qual ele se utiliza de prismas
para criar a imagem). Tambm foi o responsvel pela organizao de uma exposio
de fotografia abstrata, na qual buscava a apreciao do extraordinrio. Entretanto,
no caso de Gernsheim conhecido fotgrafo e historiador da fotografia o termo
fotografia abstrata no tem um uso crtico, apenas operatrio.
Na esteira desta terminologia, Paulo Herkenhoff, em 1983, escreve para o
catlogo da exposio de fotografias de Jos Oiticica Filho aquilo que entende por
fotografia abstrata. Segundo o autor,
19
Paulo Herkenhoff (1983, p. 13).
20
Filiberto Menna (1977, p. 50-52, traduo nossa).
97 Carolina Etcheverry
Nota-se que o que parece ser fcil encontrar um termo justo para referir-se a
determinadas fotografias mostra-se, em realidade, uma reflexo bastante profcua.
Percebe-se que o termo fotografia abstrata no explica por si s as imagens
fotogrficas de Barros, Oiticica Filho e muitos outros. Ela apenas refere-se ao fato
de que o objeto da fotografia no se faz claro aos nossos olhos, mostra-se ns
de maneira abstrata. Mas se a fotografia o registro de luz emanada por objetos
reais em uma superfcie fotossensvel, possvel pensar em abstrao, em oposio
existncia de uma figura? No seria mais apropriado buscar outros modos de
referir-se a determinadas imagens, sem engess-las em uma terminologia demasiado
genrica e, por vezes, inapropriada? Em alguns casos, fotografia no narrativa
basta, em outros preciso ir alm, identificando-a como fotografia construtiva, de
composio geomtrica, com referente no identificvel, no denotativa o que
melhor se aplicar fotografia que se tem frente.
O debate dos crticos: uma reviso historiogrfica
Sobre Geraldo de Barros e Jos Oiticica Filho, foram escritos alguns textos,
de pesquisadores e crticos de renome, que servem como baliza para uma primeira
aproximao pesquisa sobre tais personagens. Ao revisar tais textos, pretendemos
reafirmar a importncia que tiveram na divulgao e na valorizao do trabalho destes
fotgrafos no contexto da fotografia nacional. Assim, trataremos de textos de Pietro
28
Arlindo Machado (1984, p. 155).
100 Histria da fotografia moderna brasileira
Maria Bardi, Radh Abramo, Annateresa Fabris, Maria Teresa Bandeira de Mello,
Antonio Fatorelli, Helouise Costa, Paulo Herkenhoff, Helosa Espada Lima e Paulo
Henrique Camargo Batista. Entre artigos, ensaios, captulos de livros e dissertaes
de mestrado, pretendemos mostrar como estes fotgrafos foram construdos enquanto
objeto de estudos pelos mais diversos autores, preocupados em sistematizar o estudo
a respeito das obras de Geraldo de Barros e Jos Oiticica Filho.
Procurando manter uma ordem cronolgica na abordagem dos textos, de
modo que fique visvel a tentativa de reconstruo crtica da historiografia a respeito
destes fotgrafos, parece-nos conveniente iniciar este percurso pensando sobre dois
pequenos ensaios, escritos por Pietro Maria Bardi, em 1950, para o catlogo da
exposio de Geraldo de Barros, Fotoformas, e por Radh Abramo, em 1977, para o
catlogo da exposio Geraldo de Barros: 12 anos de pintura 1964 a 1976, realizada
no MAM-SP, em 1977.29 Bardi inicia este ensaio para o catlogo da exposio
Fotoformas afirmando que Barros tinha a composio como um dever, transformando
segmentos lineares em harmonias formais agradveis. Para o autor, o fotgrafo
utiliza a fotografia como meio de fugir dos verismos da pintura, pois, ainda que a
fotografia seja um meio verista por excelncia, ela tambm se presta a transformar
a sensao numa expresso sem artisticidade, pura derivao de sombras e por
isso mais ligada abstrao.30 Bardi encerra a apresentao s fotografias de
Geraldo de Barros anunciando sua viagem de estudos a Paris, da qual ele voltaria,
certamente, muito enriquecido. O texto de Radh Abramo busca apresentar o artista
e sua criao, por ocasio de sua exposio de pinturas. A autora no aborda tanto as
fotografias quanto suas pinturas, que so caracterizadas por ela como ambguas.31
Entretanto, ao traar a biografia de Barros, Abramo acaba por pincelar sua pesquisa
fotogrfica, elencando seu papel na organizao do Laboratrio de Fotografia do
Masp, em 1949, e sua participao em inmeras exposies fotogrficas, nas quais
inclusive fotgrafo premiado.
Paulo Herkenhoff32 escreveu trs textos importantes para o tema em estudo.
O primeiro deles, de 1983, sobre Jos Oiticica Filho, e os dois ltimos, de 1987 e
1989, so sobre Geraldo de Barros. O texto A trajetria: da fotografia acadmica
ao projeto construtivo busca traar um panorama da obra de Jos Oiticica Filho,
enumerando as quatro fases pelas quais o fotgrafo teria passado: o utilitrio, o
fotoclubista, o abstrato e o construtivo. Segundo Herkenhoff,
Na mesma linha, o autor encerra o artigo afirmando que, nos anos 50, a
arte concreta podia ser relacionada com a utopia do desenvolvimento nacional.
Do mesmo modo, as fotografias de Geraldo de Barros podem ser entendidas como
pertencentes a este ideal, em razo do rigor compositivo. Todos os textos de Paulo
Herkenhoff tm como mrito o fato de terem realizado um apanhado crtico da obra
destes fotgrafos, alando-os a um outro patamar de reconhecimento pelo pblico e
pelos estudiosos acadmicos.
Merece destaque tambm o livro A fotografia moderna no Brasil, publicado em
1995, com reedio em 2004, escrito por Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva.
Este livro pioneiro tem a importncia de trazer tona a formao de uma fotografia
moderna brasileira, gestada no Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB), em So Paulo.
No que tange Geraldo de Barros e Jos Oiticica Filho, os autores os colocam como a
expresso mxima da fotografia moderna no Brasil. Geraldo de Barros ganha destaque
por ser o primeiro fotgrafo moderno, membro do FCCB a intervir no processo clssico
de produo da fotografia fotografar, revelar, ampliar , dando corpo a um profundo
questionamento dos limites da linguagem fotogrfica.39 Esta liberdade a que Barros
se permitia ao criar suas imagens o manteve ao largo das atividades do fotoclube, que,
na poca, no se encontrava aberto aos seus experimentos fotogrficos. Entretanto, o
fotgrafo, como j mencionado anteriormente, teve profunda influncia nas relaes
entre o FCCB e a Bienal de So Paulo.
38
Paulo Herkenhoff apud Geraldo de Barros (2006, p. 157). Este texto foi publicado originalmente em 1989, para o
catlogo da exposio no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
39
Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004, p. 43).
103 Carolina Etcheverry
Com isto podemos perceber que houve, por parte dos autores, uma percepo
de que Jos Oiticica Filho extrapola o ambiente fotoclubista, sendo considerado um
artista que explora seu potencial potico atravs da fotografia, em consonncia com
o panorama das artes visuais brasileiras.
40
Neste sentido Jos Oiticica Filho tem uma srie de artigos publicados a respeito das principais tcnicas pictorialistas
de fotografar.
41
Ibidem, p. 72.
42
Ibidem, p. 73.
43
Ibidem, p. 75. Ver tambm a edio de 2005 da obra: Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva. A fotografia
moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Funarte/IPHAN/Editora UFRJ, 2005.
104 Histria da fotografia moderna brasileira
54
Annateresa Fabris (1998, p. 77-8).
55
Antonio Fatorelli (2000). Fatorelli expande suas ideias sobre as diversas fases da histria da fotografia, culminando
com uma expanso do campo fotogrfico, um apagamento das fronteiras entre fotografia e artes visuais, atravs da
ideia de suspeita na fotografia, presentes neste artigo sobre Jos Oiticica Filho, no seu livro intitulado Fotografia e
Viagem. Ver Antonio Fatorelli (2003).
56
Antonio Fatorelli (2000, p. 141).
107 Carolina Etcheverry
O Photo Club Brasileiro foi fundado em 1923. O primeiro fotoclube de que se tem notcias no Brasil foi o Sploro
61
Photo Club, fundado em 1903, em Porto Alegre. Este foi seguido pelo Photo Club do Rio de Janeiro, de 1910 e pelo
Photo Club Hlios, em 1916, em Porto Alegre.
109 Carolina Etcheverry
Com este breve panorama, que certamente deixa de lado algumas nuances da
histria da fotografia brasileira,64 como, por exemplo, a importante participao da
fotografia nas revistas ilustradas e nos jornais, pretendemos mostrar que a fotografia
comeou a ganhar espao na cultura brasileira. A histria da cultura visual no pode
deixar de lado estes aspectos aqui abordados.
uma preocupao com a cor e ausncia de meios-tons, ele tambm realiza, com a
srie Ouropretenses, fotografias abstratas informais, na qual h uma ligao com o
sentimento, mais do que com a razo.
A fotografia concreta de Oiticica Filho foi chamada, por ele prprio, de
Recriaes, pois, como explica Herkenhoff:
Desse modo, o fotgrafo insere seu trabalho como fotografia e explica o que
interessa a ele no momento de feitura da imagem: a forma e a dinmica do plano.
75
Paulo Herkenhoff (1983, p. 15).
76
A proposta de uma cor pura, abstrata, seria encontrvel, segundo ele [Mondrian], na cor primria claramente
definida, chapada, sem meios-tons, matrias ou texturas. (COCCHIARALE, GEIGER, 1987, p. 16). importante
mencionar, a este respeito, que Jos Oiticica Filho pai de Hlio Oiticica, importante artista brasileiro, vinculado
ao concretismo e neoconcretismo. Com isto podemos depreender que o fotgrafo tinha trnsito entre as artes visuais
e a fotografia.
77
Oiticica: fotografia se faz no laboratrio, Jornal do Brasil, 24/08/1958, suplemento dominical de artes plsticas.
113 Carolina Etcheverry
Referncias
Sites consultados
http://www.heliooiticica.com.br/home/home.php
http://www.itaucultural.org.br
Captulo 5
social). Desta forma, o presente texto busca comunicar o valor histrico da expresso
artstica de Mujeres Presas, elaborada por Lestido.
meio Barthes escreve em 1980 o livro A Cmara Clara,18 defendendo a mesma linha
de pensamento, isto , que o referente adere imagem.
Em oposio defesa da fotografia como espelho do real, Machado19
comenta:
18
Barthes (1984).
19
Machado (1984, p. 40).
20
No livro O ato fotogrfico (DUBOIS, 1999), o pesquisador aborda essa problemtica citando diferentes
pensadores da rea com principal ateno anlise dos conceitos cone, ndice e smbolo junto ao
entendimento do ato fotogrfico.
21
You press the button, we do the rest (Frizot, 1998).
121 Patricia Camera
34
Touraine (2007).
35
Touraine (2008).
36
Touraine (2008, p. 119).
37
Touraine (2008, p. 14).
38
Principal exemplo: estudiosos que compem a Escola de Frankfurt.
125 Patricia Camera
Com essas duas citaes, observa-se que das posturas intelectuais referentes
morte do sujeito, Touraine no compartilha integralmente porque o objeto central
de sua discusso o sujeito. Sendo assim, no poderia concordar nem com a morte
deste, como tambm com o conceito de humanidade quando pensado a partir da
ideia de homogeneizao presente na clssica teoria desenvolvida por Comte na obra
O sistema de poltica positiva (1851-1854).
Sendo o sujeito o foco central da pesquisa, Touraine parte para problematiz-
lo levando em conta uma srie de anlises sobre o Ser. Para isso, considera
diversas situaes histricas, sociais e econmicas para entender o sujeito de modo
simultneo s mudanas filosficas que orientam a defesa ou no deste sujeito
como ator social. Desloca o clssico objeto de estudo das cincias sociais, ou seja,
39
Touraine (2008, p. 159).
40
Touraine entende que este contexto contribuiu para o fortalecimento do sujeito (self-identity). Assim, Touraine vai
ao encontro de Anthony Giddens (2002) quando estuda sobre a necessidade e a busca do sujeito em refletir sobre sua
condio pessoal (Touraine, 2007, p. 119-120).
41
Touraine (2008, p. 99)
42
Touraine (2008, p. 99-100).
126 A dimenso histrica em Mujeres Presas
45
Touraine (2008, p. 119).
46
Touraine (2008, p. 123)
47
Touraine (2008, p. 132).
48
Touraine (2007, p. 120-121).
49
Touraine (2007, p. 120-121).
128 A dimenso histrica em Mujeres Presas
50
Touraine (2007, p. 215) explica: [...] nossa experincia j no mais transtornada pela sociedade de massa apenas
na ordem de produo, mas tambm na ordem do consumo e da comunicao.
130 A dimenso histrica em Mujeres Presas
Referncias