SANTILLANA - PORT12 - 3-Herberto Helder

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HERBERTO HELDER

O poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne.
Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
5 ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência


ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
10 do nosso amor,
rios, a grande paz exterior das coisas,
folhas dormindo o silêncio
— a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

15 E já nenhum poder destrói o poema.


Insustentável, único, invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das coisas
e a redonda e livre harmonia do mundo.
20 — Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

— E o poema faz-se contra a carne e o tempo.

HERBERTO HELDER, Poesia toda, Lisboa, Assírio & Alvim, 1990.

1. Identifique o tema desta composição


BIOGRAFIA
poética e justifique a resposta com
expressões textuais.

2. Explicite a relação que se estabelece


entre as três primeiras estrofes e
justifique.
Herberto Helder de Oliveira nasceu no Funchal,
3. Na penúltima estrofe, está presente
em 1930, e morreu em Cascais, em 2015.
uma anáfora.
Frequentou a Faculdade de Letras da
3.1 Explicite o seu valor expressivo. Universidade de Lisboa, foi jornalista, bibliotecário,
tradutor e apresentador de programas de rádio.
4. Interprete o verso final do poema.
É considerado um dos mais originais poetas de
língua portuguesa e o maior poeta português da
segunda metade do século XX. Foi o vencedor do
Prémio Pessoa em 1994, mas recusou recebê-lo.

ENTRE NÓS E AS PALAVRAS • Português • 12.o ano • Material fotocopiável • © Santillana


Tríptico II
Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.
Não sei o que dizer, especialmente quando os teus pulsos
5 se enchem de um brilho precioso
e tu estremeces como um pensamento chegado. Quando
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima,
10 — eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros


ao lado do espaço
o coração é uma semente inventada
15 em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.
— E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
20 Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes caem no meio do tempo,
— não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo


25 os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstrato
correr do espaço —
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra vai cair da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
30 um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
35 o amor,

que te procuram
HERBERTO HELDER, Poesia toda, Lisboa, Assírio & Alvim, 1990.

1. Ao longo do poema, o sujeito poético confessa uma incapacidade.


1.1 Clarifique-a e justifique com expressões textuais.

2. Identifique um dos recursos estilísticos presentes nos versos 16 e 17 e comente a sua expressividade:
«tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.»

3. Interprete a referência às «crianças» no verso 20.

4. Na terceira estrofe, a conjunção «mas» marca uma oposição. Explicite-a.

5. Apresente uma interpretação para a referência aos elementos «sol», «fruto», «criança», «água»,
«deus», «leite», «mãe» (vv. 33 e 34).
ENTRE NÓS E AS PALAVRAS • Português • 12.o ano • Material fotocopiável • © Santillana
Fonte II
No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
5 Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
10 e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
15 e queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
20 Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
25 da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
30 na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jatos
35 para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
40 E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
45 estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

HERBERTO HELDER, Poesia toda, Lisboa, Assírio & Alvim, 1990.

ENTRE NÓS E AS PALAVRAS • Português • 12.o ano • Material fotocopiável • © Santillana


1. Para caracterizar as mães, o sujeito poético utiliza os termos «louco» (v. 1), «loucas (v. 3) e «louca»
(v. 46).
1.1 Tendo em conta a globalidade do poema, interprete a utilização destes adjetivos.

2. Explicite a atitude das mães sugerida pelos versos 13 a 16:


«Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto o amor é cada vez mais forte.»

3. Nos versos 17 e 18, está presente a antítese «amor leve»/«amor feroz».


3.1 Comente a sua expressividade.

4. Explique por que razão o sujeito afirma «Pensam os filhos que elas levitam.» (v. 20).

5. Apresente dois dos aspetos da relação que se estabelece entre as mães e os filhos.

6. Relacione o título «Fonte» com o conteúdo do poema.

ENTRE NÓS E AS PALAVRAS • Português • 12.o ano • Material fotocopiável • © Santillana


[se alguém respirasse e cantasse uma palavra,]

se alguém respirasse e cantasse uma palavra,


e súbito fosse respirado por ela, fosse
cantado assim
de puro júbilo ou, quem sabe? de medo puro,
5
poria no termo o selo de si mesmo?
quem é que sabe onde fica o mundo?
e de quê e de quem e de como é composto e dito,
de como uma palavra, uma só, regula
10 ininterruptamente tudo, e alguém a põe em uso,
oh glória idiomática,
e é posto e disposto até que abuso de que espécie de infuso
espírito
das profundezas dessa palavra

HERBERTO HELDER, A faca não corta o fogo, Lisboa, Assírio & Alvim, 2008.

1. Identifique o tema do poema e fundamente a sua resposta com expressões textuais.

2. Explique, por palavras suas, a hipótese colocada pelo sujeito poético nos dois primeiros versos.

3. No verso 4, o eu poético faz referência a dois sentimentos distintos.


3.1 Interprete essa referência.

4. Atente na frase: «uma palavra, uma só, regula / ininterruptamente tudo» (vv. 8 e 9).
4.1 Explicite o seu sentido.

ENTRE NÓS E AS PALAVRAS • Português • 12.o ano • Material fotocopiável • © Santillana

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