Registo de Acções
Registo de Acções
Registo de Acções
Se há tema de registo predial que tem vindo a gerar viva polémica, quer na
doutrina quer na jurisprudência, esse é sem dúvida o que respeita ao registo das acções.
Tal polémica é subsequente a um aumento progressivo de litígios na campo dos
direitos sobre imóveis ou com estes relacionados, mas foi manifestamente potenciada
pela circunstância de o CRP de 1984 ter tornado obrigatório o registo enquanto
condição necessária para o prosseguimento das acções, a ele sujeitas, para além da fase
dos articulados (n.° 2 do art.° 3°).
Para tanto terão também contribuído, em muito, alguns preconceitos geralmente
tidos por indiscutíveis, mas que, na realidade, seriam fruto de práticas rotineiras
adquiridas na base de um conhecimento menos exigente e pormenorizado das regras
reguladoras do registo.
Assim, a afirmação de que todas as acções reais, mas só elas, estariam sujeitas a
registo traduz uma ideia menos correcta e, mesmo, inexacta, quando tomadas aquelas na
sua acepção processual (art.º 498°, n.° 4, do CP Civil), e só poderia ganhar alguma
aceitabilidade se interpretada cum grano salis no sentido de que tais acções se
identificariam, antes, com aquelas que se mostrem susceptíveis de obter eficácia perante
terceiros através do registo. Mas ainda assim, para além da equivocidade da
terminologia utilizada, daria por assente aquilo que deverá ser demonstrado.
Na verdade, estabelece o citado art.º 3°, na al. a do seu n.° 1, que estão sujeitas a
registo "as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a
constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo
anterior" e, na alínea c do mesmo n°1, que a registo estão também sujeitas as decisões
finais daquelas acções, logo que transitadas em julgado. O que, desde logo, significa
que a registabilidade das acções se não determina pela natureza real do direito invocado
como fundamento da pretensão do autor, mas antes pelos efeitos - derivem eles de um
direito real ou de um direito de crédito - que esta visa produzir no conteúdo ou na
estrutura (subjectiva ou objectiva) de algum dos direitos taxativamente definidos no art.º
2°, nem todos eles, aliás, revestindo natureza real (jus in re). É o que sucederá,
nomeadamente com os direitos do arrendatário, do preferente convencional e do
promissário, que, segundo a melhor doutrina, têm natureza obrigacional.
Mas porque e para que é que se registam tais acções?
Essa é a questão própria do fundamento do imperativo legal da sua
registabilidade, que demanda resposta na função e efeitos que a lei confere ao registo
das acções. E ela reveste-se da maior importância porque, onde esse fundamento não
exista, também a acção, que bem poderá preencher os requisitos daquele art.° 3°, não
será registável.
É o que de imediato passamos a indagar, numa exposição que, à mingua de
espaço, terá de ser excessivamente sucinta para a vastidão da temática proposta.
2 - Para que a sentença obtenha o seu efeito útil erga omnes, indispensável é
ainda que o registo da acção não viole a regra do trato sucessivo, por força da qual o
facto sujeito a registo só será definitivamente registável quando o direito a que respeite
esteja previamente inscrito a favor da pessoa que dele dispõe ou que em relação a ele
seja prejudicada (art.º 34°, n.° 2, do CRP). Torna-se pois necessário, não já como
condição de sujeição a registo, mas como requisito da validade deste (art. 16°, al. e,
parte final), que o titular inscrito intervenha na acção como réu, desde o seu início ou
ulteriormente chamado a título de parte principal.
E impõe-se que o trato sucessivo se mostre preenchido aquando do ingresso da
acção no registo, sob pena de este ser qualificado de provisório também por dúvidas nos
termos do art.º 70° do CRP até que se estabeleça o trato sucessivo, ou mediante a prova
de entretanto ter o titular inscrito sido chamado a intervir na acção (cfr. art.°s 325° e ss.
do CPC), ou mediante a obtenção das inscrições em falta que legitimem o registo a
favor do réu, conforme as circunstâncias de cada caso.
Na verdade, não se vê como é que o princípio da legalidade, estabelecido no art.º
68° do mesmo Código, se compaginaria com o diferimento do juízo crítico da
1
Neste sentido, vd. Paula Costa e Silva, in A transmissão da coisa ou direito em litígio - Contributo
para o estudo da substituição processual, pp. 86/87.
2
In Estudos de Registo Predial, Livraria Almedina, Coimbra - 1986, p.46.
3.3 - Situações muito diversas são, finalmente, aquelas que se prefiguram com a
acção de execução específica do contrato-promessa de contrato transmissivo de direitos
reais a favor do autor.
Desde logo, porque esta acção preenche os requisitos de r e a l i d a d e exigidos
pelo art.º 3°, n.° 1, al. a, do CRI? para a sua sujeição a registo. De facto, visando ela a
prolação de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitente
faltoso (art.º 830°, n.° l, do Código Civil), ou seja, os efeitos do contrato prometido que,
no caso, implicam a transmissão, do réu (e titular inscrito) para o autor, do direito em
causa, ninguém duvidará da alteração que a sua procedência operará na titularidade do
direito objecto desse contrato.
Fácil será assim perceber quão relevante será o registo dessa acção como condição
de oponibilidade a terceiros dos efeitos da sua procedência e consequente exiquibilidade
e r g a o m n e s da respectiva sentença.
Daí que se rejeite a tese que recusa a registabilidade da acção a pretexto de que a
natureza obrigacional do direito que nela se faz valer obstaria a que o autor se possa
3
Vd., neste sentido, o parecer do Conselho Técnico de 27.05.98, publicado no BRN n.° 4/99 (Abril de
1999), pp. 8 a 19, de que aliás fomos relator.
4
No sentido de que a acção pauliana não está sujeita a registo são também o parecer n.° 36/2000 emitido
em 21.12.2000 pela Procuradoria-Geral da República e publicado no Diário da República, 11 série, de
30.03.2001 e, mais recentemente, a jurisprudência firmada pelo Acórdão de 27.05.2003 do STJ, proferido
no Processo n.° 1174/02-6a Secção.
5
Que vimos perfilhando desde o parecer do Conselho Técnico da DGRN emitido no proc. n.° 101/96 em
28.02.97 e publicado no BRN n.° 7/97 (Julho de 1997), pp. 5/13.