Registo de Acções

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Do registo das acções

Luís Gonzaga das Neves Silva Pereira

Trabalho apresentado no Congresso de Direitos Reais, realizado na Faculdade de Direito de


Coimbra, em 28 e 29 de Novembro de 2003, no âmbito das Comemorações dos 35 Anos do Código
Civil

Anexo BRN 02/2004

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Estudo publicado em anexo ao BRN – Boletim dos Registos e do Notariado nº 2/2004, do mês de Fevereiro
Do registo das acções

Se há tema de registo predial que tem vindo a gerar viva polémica, quer na
doutrina quer na jurisprudência, esse é sem dúvida o que respeita ao registo das acções.
Tal polémica é subsequente a um aumento progressivo de litígios na campo dos
direitos sobre imóveis ou com estes relacionados, mas foi manifestamente potenciada
pela circunstância de o CRP de 1984 ter tornado obrigatório o registo enquanto
condição necessária para o prosseguimento das acções, a ele sujeitas, para além da fase
dos articulados (n.° 2 do art.° 3°).
Para tanto terão também contribuído, em muito, alguns preconceitos geralmente
tidos por indiscutíveis, mas que, na realidade, seriam fruto de práticas rotineiras
adquiridas na base de um conhecimento menos exigente e pormenorizado das regras
reguladoras do registo.
Assim, a afirmação de que todas as acções reais, mas só elas, estariam sujeitas a
registo traduz uma ideia menos correcta e, mesmo, inexacta, quando tomadas aquelas na
sua acepção processual (art.º 498°, n.° 4, do CP Civil), e só poderia ganhar alguma
aceitabilidade se interpretada cum grano salis no sentido de que tais acções se
identificariam, antes, com aquelas que se mostrem susceptíveis de obter eficácia perante
terceiros através do registo. Mas ainda assim, para além da equivocidade da
terminologia utilizada, daria por assente aquilo que deverá ser demonstrado.
Na verdade, estabelece o citado art.º 3°, na al. a do seu n.° 1, que estão sujeitas a
registo "as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a
constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo
anterior" e, na alínea c do mesmo n°1, que a registo estão também sujeitas as decisões
finais daquelas acções, logo que transitadas em julgado. O que, desde logo, significa
que a registabilidade das acções se não determina pela natureza real do direito invocado
como fundamento da pretensão do autor, mas antes pelos efeitos - derivem eles de um
direito real ou de um direito de crédito - que esta visa produzir no conteúdo ou na
estrutura (subjectiva ou objectiva) de algum dos direitos taxativamente definidos no art.º
2°, nem todos eles, aliás, revestindo natureza real (jus in re). É o que sucederá,
nomeadamente com os direitos do arrendatário, do preferente convencional e do
promissário, que, segundo a melhor doutrina, têm natureza obrigacional.
Mas porque e para que é que se registam tais acções?
Essa é a questão própria do fundamento do imperativo legal da sua
registabilidade, que demanda resposta na função e efeitos que a lei confere ao registo
das acções. E ela reveste-se da maior importância porque, onde esse fundamento não
exista, também a acção, que bem poderá preencher os requisitos daquele art.° 3°, não
será registável.
É o que de imediato passamos a indagar, numa exposição que, à mingua de
espaço, terá de ser excessivamente sucinta para a vastidão da temática proposta.

1 - Função específica do registo predial não é, consabidamente, criar direitos ou


alterar a substância destes, mas promover a publicidade e assegurar a oponibilidade a
terceiros dos direitos validamente adquiridos (artºs 1° e 5° do CRP). O registo

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configura-se deste modo como uma condicio juris da oponibilidade a terceiros dos
factos a ele sujeitos.
Para tanto, o registo prossegue os seus objectivos na base de que os direitos
publicitados, quando validamente adquiridos nos termos em que nele se configuram, se
mantêm na titularidade daquele a favor de quem, em cada momento, estão inscritos
(art.º 7° do CRP). Daí que seja o titular inscrito quem, perante terceiros, detém a
legitimidade para dispor do direito publicitado, ainda que o tenha transmitido já para
outrem que não registou a aquisição. Do mesmo passo que, efectuado novo registo de
facto translativo do direito a favor de outrem, o poder de dispor (validamente) do
direito, que o anterior titular inscrito vinha mantendo, tem-se por extinto na sua esfera
jurídica por transferência para o novo titular (art.º 10º do CRP).
Do que o registo cuida afinal é de proteger todos aqueles que, ao intervirem no
tráfico jurídico, confiam na aparência que decorre da publicidade registral (cfr., a
propósito, o art.° 17°, n.° 2, do CRP).
A protecção assim concedida a terceiros não pode, porém, deixar de os vincular
também à sua própria lógica. É que não faria sentido que o registo continuasse a
assegurar a terceiros que o mesmo autor (titular inscrito) não dispôs do direito senão nos
precisos termos que o registo define, se, ao mesmo tempo, lhes fosse lícito invocar
desconhecimento dos factos publicitados para afastar, em relação a si, a eficácia destes
mesmos factos. Daí que ao registo esteja ainda indissoluvelmente ligado o efeito de uma
presunção inilídivel de efectivo conhecimento dos factos registados por parte de todos
os sujeitos da ordem jurídica.
Todavia, não fica por aí a função tutelar dos interesses de terceiros que o
ordenamento jurídico português reconhece e confere ao registo.
Com efeito, dispõe ainda o nosso sistema de registo predial de mecanismos que
permitem - mas apenas nos casos (muito excepcionais e restritos) que a lei tipifica -
antecipar a oponibilidade a terceiros de factos (de natureza negocial ou judicial) ainda
não realizados ou concluídos mas que é suposto virem a realizar-se ou a concluir-se.
São, designadamente, os casos de registo provisório por natureza que o n.° 1 do
art.º 92°, do CRP contempla.
Trata-se de registos com uma função eminentemente cautelar, visando a
salvaguarda de direitos que, por emergirem de factos de celebração ou consumação
futuras, não podem, enquanto tais, ingressar no registo com carácter definitivo, mas cuja
registabilidade (provisória) se impõe, de harmonia com os critérios previamente
traçados pelo legislador, com vista a facultar desde logo aos interessados a condicio da
sua oponibilidade a terceiros. Na base desta permissão estarão razões que se ligam com
uma maior estabilidade do tráfico jurídico imobiliário e também com exigências postas
pela boa fé dos seus intervenientes (da qual, aliás, o registo predial, enquanto instituição
essencialmente de direito privado, se não pode alhear ou, mesmo, deixar de promover -
cfr. nomeadamente o art.º 17°, nº 2, do CRP).
Tal concessão legal implica que, a partir do momento em que o registo seja
realizado, nenhum outro interessado poderá prevalecer-se, contra o titular do direito
provisoriamente inscrito, dos direitos que sobre o mesmo prédio venha a adquirir depois
ou dos que, adquiridos antes, não tenha entretanto registado. Como? Garantindo àquele
registo, verificada que seja a sua conversão em definitivo mediante a apresentação dos

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documentos que legalmente comprovem o facto inscrito, a prioridadeconquistada
aquando da sua realização como provisório e assegurando, consequentemente, a
prevalência dos direito que publicita sobre todos os que se lhe seguirem nas tábuas,
independentemente da natureza que possam revistir. Com efeito, o nº 3 do art.º 6º do
CRP é a esse respeito inequívoco ao dispor que "O registo convertido em definitivo
conserva a prioridade que tinha como provisório", quando sabido é que os factos
sujeitos a registo produzem efeitos contra terceiros a partir da data do registo (art.º 5°,
n.° 1) e que "o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que lhe seguirem
(...) por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das
apresentações correspondentes" (n.° 1 do citado art.º 6°).
Deste modo, a antecipação, pelo registo, da oponibilidade a terceiros de factos que
ainda hão-de ocorrer na ordem jurídica, constitui uma verdadeira reserva de lugar para o
registo de factos futuros, (com uma função paralela àquela que o sistema registral
alemão atribui à denominada anotação prévia ou preventiva). Na realidade, com essa
antecipação não pretendeu a lei dotar o registo de efeitos constitutivos, pois que lhe
subjaze manifestamente o entendimento de que são os factos, ainda por ocorrer ou
consumar-se na ordem jurídica, que geram os efeitos objecto de publicidade registral.
Pelo que estamos ainda aqui no âmbito próprio da função, reservada por lei ao registo,
de oponibilidade a terceiros dos efeitos jurídicos levados à tutela registral..
Ora, é precisamente nos registos deste último tipo, isto é, nos registos cautelares
(de natureza provisória por natureza), que a lei enquadra o registo das acções (citado
art.º 91°, n.° 1, al. a), embora reconhecidamente este registo opere normalmente um
efeito distinto daquele que, em geral, deixámos expresso quanto ao registo de factos a
ele sujeitos.
Na verdade, é através do registo das acções que o autor carreia para as tábuas a
pretensão que deduziu em juízo, com o objectivo de garantir antecipadamente, nos
termos sobreditos, a oponibilidade a terceiros da providência ou providências que o
tribunal venha a decretar e impedir, consequentemente, que estes últimos se possam
prevalecer de direitos que sobre o prédio venham a adquirir do réu (ou de outrem) ou, se
adquiridos mesmo anteriormente, os não tenham registado antes do registo da acção
(art.°s 5°, n.1, 6°, n.°s 1 e 3, e 95°, n.° 1, al. g, todos CRP). Pois que, na formulação
feliz e sugestiva do parecer emitido pelo Conselho Técnico da Direcçao-Geral dos
Registos e do Notariado no Proc. n.° e publicado in Regesta n.° 59, o registo provisório
da acção constitui a antecâmara do registo da decisão final que nela venha a ser
proferida, sabido como é não poder o tribunal condenar em quantidade superior ou em
objecto diverso do que tiver sido pedido (cfr. art.º 661°, n.° 1, do Código do Processo
Civil).
Consequentemente, a inoponibilidade dos direitos desses terceiros, em resultado
da prioridade do registo da acção, se torne irreversível sempre que este registo (até
então meramente provisório, repete-se) se converta em definitivo mediante a decisão
final que julgue procedente a acção (art.°s 3°, n.° 1, al. c, e 95, n.° 1, al. g, do CRP), o
que, invariavelmente, excluirá a protecção substantiva daqueles direitos.
A função do registo da acção é, pois, a de assegurar ao autor que os efeitos
materiais da sentença que lhe for favorável vincularão todos aqueles - não
intervenientes na acção - que, não tendo registado a aquisição antes do registo da acção,

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hajam adquirido ou venham a adquirir sobre a coisa litigiosa direitos incompatíveis com
aquele que o autor pretende fazer valer em juízo. Donde resulta que o registo da acção,
quando prioritário, assegura desde logo a exiquibilidade da decisão final em relação a
terceiros ou erga omnes.
É o que também decorre, particularmente, da regra estabelecida no art.º 271°,
n.° 3, do CPC, segundo a qual "a sentença produz efeitos em relação ao adquirente,
ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a
registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção".
Aí se consagra, em princípio, a oponibilidade processual da sentença, pelo menos,
relativamente aos adquirentes pendente lite, que na acção não hajam intervindo. Essa
oponibilidade é, porém, excluída precisamente quando o registo da transmissão
antecede o da acção sujeita, também ela, a registo. A inoponibilidade dos efeitos da
sentença surge assim como consequência necessária da prioridade do registo da
transmissão.
Deste modo, o legislador processual, ao invocar a prioridade enquanto regra do
registo, reconhece explicitamente que o registo da acção constitui também condição de
oponibilidade, estendendo a terceiros, de uma forma preventiva mas decisiva, os efeitos
materiais do caso julgado, e implicitamente que a registabilidade das acções só tem
justificação quando o registo puder assumir essa condição de oponibilidade dos seus
efeitos a terceiros.
Ora, se assim é inequivocamente quanto aos titulares dos direitos adquiridos na
pendência da lide, assim se deverá entender também, em razão do mesmo princípio da
prioridade e da consequente inoponibilidade dos factos não registados, em relação aos
titulares de direitos adquiridos antes da litispendência e que estejam ainda por registar à
data do registo provisório da acção. A questão coloca-se, ainda e sempre, no campo da
eficácia dos factos relativamente a terceiros, ou seja, no domínio próprio dos conflitos
de interesses a dirimir pela prioridade do registo, pelo que a oponibilidade da acção, na
base da prioridade do seu registo, implica que nenhum daqueles adquirentes possa
prevalecer-se do seu direito, mesmo que o tenha adquirido antes da pendência da acção.
E esta é a questão mesma da exiquibildade perante terceiros ou erga omnes da
decisão final.
Só que, como se nos afigura claro, na hipótese que agora consideramos esse efeito
alcançar-se-á fora do quadro da substituição processual prevista no n.° 1 do citado art.º
271°, nos termos da qual o adquirente pendente lite toma a posição de parte material,
que não formal, na acção, e por essa qualidade própria o caso julgado não deixará de
produzir efeitos em relação a ele mesmo. Já a vinculação dos titulares de direitos
adquiridos anteriormente à pendência da acção, que nela não intervieram, advém da
circunstância de, ao deixarem de promover oportunamente o registo, terem colocado a
protecção dos seus direitos numa posição de subalternidade ou de dependência dos
resultados da acção entretanto registada. Esta oponibilidade processual fundar-se-á
ainda aqui, segundo cremos, no disposto no n.° 3 do citado art.º 271°, que estabelece
uma regra cuja aplicabilidade, quando a acção esteja sujeita a registo, se não confina aos
casos de substituição processual que o seu n.° 1 contempla, mas se estende a todos os
casos de aquisição não registada antes do registo da acção. Todavia, ainda que assim se
não entenda, sempre a oponibilidade decorrerá - tal como aconteceria, aliás,

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relativamente aos adquirentes pendente lite de cuja existência não tenha havido
conhecimento no processo1 - dos normativos que estabelecem os requisitos da excepção
do caso julgado, que o autor triunfante poderá opor à pretensão dos mesmos adquirentes
de rediscutirem, em juízo, os efeitos materiais da decisão já tomada, considerando que
aqueles que do réu (directa ou indirectamente) adquiriram direitos, que por não terem
sido registados oportunamente se tornaram definitivamente inoponíveis ao autor, estão a
agir, perante este, na mesma qualidade jurídica com que o réu litigou naquela acção (cfr.
art.°s 497° e 498°, n.° 2, do CPC). Consequentemente e em conclusão, também o
adquirente anterior à pendência da acção, na medida em que é terceiro, deverá registar a
aquisição antes de efectuado o registo da acção para ficar a recato da oponibilidade dos
efeitos materiais da decisão final.
Afloramento desta constatação é, de resto, o que dispõe o art.º 435° do CC quanto
à resolução do contrato. Assim, "a resolução, ainda que expressamente convencionada,
não prejudica os direitos adquiridos por terceiro" (n.° 1); "porém, o registo da acção de
resolução que respeite a bens imóveis ou a móveis sujeitos a registo torna o direito de
resolução oponível a terceiro que não tenha registado o seu direito antes do registo da
acção" (n.° 2).
Deste modo, será pois legítimo concluir que a providência decretada na acção
prioritariamente registada passa a ser oponível, a partir da data do seu registo
provisório, contra todos os interessados que, tendo adquirido ou vindo a adquirir do
réu, ou de outrem, direitos sobre o prédio litigioso incompatíveis com o do autor, não
registaram a sua aquisição antes de efectuado o registo da acção.
E, se esse é o seu objectivo, o registo da acção só se justificará no quadro da
resolução de conflitos de interesses a dirimir pela prioridade do registo, pelo que,
onde ele não puder avocar esse desempenho, também a acção não será registável,
mesmo que reuna os requisitos de registabilidade do referido art. ° 3°, nº 1 al. a).

2 - Para que a sentença obtenha o seu efeito útil erga omnes, indispensável é
ainda que o registo da acção não viole a regra do trato sucessivo, por força da qual o
facto sujeito a registo só será definitivamente registável quando o direito a que respeite
esteja previamente inscrito a favor da pessoa que dele dispõe ou que em relação a ele
seja prejudicada (art.º 34°, n.° 2, do CRP). Torna-se pois necessário, não já como
condição de sujeição a registo, mas como requisito da validade deste (art. 16°, al. e,
parte final), que o titular inscrito intervenha na acção como réu, desde o seu início ou
ulteriormente chamado a título de parte principal.
E impõe-se que o trato sucessivo se mostre preenchido aquando do ingresso da
acção no registo, sob pena de este ser qualificado de provisório também por dúvidas nos
termos do art.º 70° do CRP até que se estabeleça o trato sucessivo, ou mediante a prova
de entretanto ter o titular inscrito sido chamado a intervir na acção (cfr. art.°s 325° e ss.
do CPC), ou mediante a obtenção das inscrições em falta que legitimem o registo a
favor do réu, conforme as circunstâncias de cada caso.
Na verdade, não se vê como é que o princípio da legalidade, estabelecido no art.º
68° do mesmo Código, se compaginaria com o diferimento do juízo crítico da
1
Neste sentido, vd. Paula Costa e Silva, in A transmissão da coisa ou direito em litígio - Contributo
para o estudo da substituição processual, pp. 86/87.

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qualificação sobre a verificação dos requisitos processuais do registo para momento
posterior ao da apresentação do pedido, mais precisamente, para o momento da
conversão em definitivo do registo mediante a procedência da acção. Antes, aquele
preceito legal reporta inequivocamente a qualificação do acto à situação tabular
existente à data da apresentação, ainda que admita sob certas condições a apresentação,
com carácter complementar, de documentos para suprir deficiências processuais até à
realização do registo (art.º 73°, n.°s 1 e 2). Lógica não se mostraria sequer outra atitude
perante situações, imediatamente detectáveis, de falta de pressupostos cuja verificação é
tida por essencial ao registo e à segurança do comércio jurídico. Pois que, produzindo a
inscrição, ainda que de natureza cautelar, efeitos logo a partir da sua data (art.°s 5°, 6° e
93°, n.° 1, al. b), a qualificação não poderá deixar de ter lugar, com o rigor exigido pelo
princípio da legalidade, no justo momento da apresentação do pedido, sob pena de se
instalar a insegurança na resolução dos conflitos que a prioridade do registo visa
dirimir.
Nem se contrargumente com o receio de que tal exigência, posta logo no
momento do seu ingresso no registo, poderá provocar atrasos no andamento da acção e
motivar mesmo a sua suspensão (n.° 2 do art.º 3°). Na verdade, a manter-se a falta de
intervenção do titular inscrito requerida pelo trato sucessivo ao longo da lide, essa
circunstância poderia impedir mesmo irremediavelmente, contra a expectativa
tabularmente criada ao autor, a conversão do registo da acção a operar com a decisão
foral que lhe for favorável, gorando-se assim o próprio objectivo do registo em estender
a terceiros a eficácia do caso julgado com todos os prejuízos que daí adviriam para o
autor. Os riscos que este então correria seriam bem maiores do que aqueles que lhe pode
acarretar uma situação de mero atraso no desenvolvimento da acção.
Todavia, não falta quem conteste a aplicação da regra do trato sucessivo,
designadamente, ao registo da acção de reconhecimento da propriedade ou de outros
direitos reais de gozo quando fundados na usucapião.
Dir-se-á e tem sido dito que não seria legítimo que o registo continuasse a exigir a
observância do trato sucessivo, quando, por força da natureza originária de tal
aquisição, a cadeia tabular de transmissões, que serve de suporte a essa regra, não
poderia ser continuada com o registo da propriedade baseada na usucapião. A
ilegitimidade dessa exigência revelar-se-ia mesmo de forma inequívoca em face da
circunstância de a aquisição fundada na usucapião ser eficaz contra terceiros
independentemente de registo (art.º 5% nº 2, a), do CRP).
Na base desse entendimento, estará a constatação de que, afinal, os efeitos do
registo da acção/decisão recognitiva do direito de propriedade e os da inscrição de
aquisição se equivalem, na medida em que ambos condicionam (para o futuro) o
funcionamento da regra da continuidade das inscrições (art.º 93°, n.° 1, a), do CRP).
Deste modo - acrescentam os seus defensores - indiferenciadas deveriam ser também as
exigências do trato sucessivo relativamente a esses registos.
A verdade, porém, é que tais registos inscrevem factos diferentes e estão sujeitos a
requisitos também distintos.
Objecto da inscrição de aquisição é o facto constitutivo ou modificativo, do ponto
de vista subjectivo, do direito de propriedade. Daí que, em princípio, pressuponha a
intervenção do titular anteriormente inscrito enquanto sujeito passivo da relação

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jurídica material geradora daquele efeito. E, como o registo da aquisição por
usucapião inscreve uma relação jurídica onde não existe sujeito passivo, essa
circunstância faz, de facto, interromper a cadeia tabular anteriormente estabelecida,
iniciando-se então um novo trato sucessivo a partir do titular desse registo (116°, nº 3,
do CRP).
Diferentemente se passam as coisas com o registo da acção/decisão recognitiva
desse direito. O que então se inscreve é o objecto da relação processual estabelecida,
isto é, a pretensão do autor e a consequente resposta injuntiva do tribunal a essa
pretensão (art.º 95°, n.° 1, g), do citado Código). E, porque assim é, o trato sucessivo
implica que a acção seja dirigida contra o titular inscrito (sujeito passivo da relação
processual), independentemente do título de aquisição, originária ou outra, invocado
pelo autor. Nem sequer há razão para distinguir as situações perante as exigências do
trato sucessivo, quando, em qualquer caso, o que invariavelmente importa é ilidir a
presunção que do registo resulta em benefício do réu, para que o registo da acção releve
como condição de oponibilidade a terceiros da decisão final do reconhecimento do
direito do autor.
Nem se diga, finalmente, que será irrelevante condicionar o registo da
acção/decisão recognitiva do direito de propriedade fundado na usucapião à regra do
trato sucessivo.
Que assim não é, resulta já do que se acaba de referir. Importa, porém, evidenciar,
através de um exemplo prático, a importância decisiva da opção feita.
A, titular inscrito; B, arrendatário também inscrito; B propõe contra C, mero
detentor do prédio, acção de reivindicação alegando inversão do título de posse e
invocando a aquisição por usucapião como título do seu direito de propriedade, acção
essa que vem a ser julgada procedente, por sentença transitada em julgado.
Inscrevendo B esta acção/decisão, como poderia A reagir contra o registo
efectuado?
Se se entendesse que tal registo não estaria sujeita à regra do trato sucessivo, A
teria que propor contra B (pois só ele teria interesse em contradizer) acção de
reconhecimento de direito de propriedade, para aí ilidir a presunção resultante do registo
a favor de B, cabendo-lhe alegar e provar a posse com início em data anterior à
daquele registo (art.º 1268°, n.° l, do CC). O que convenhamos, implicando uma
inversão injustificada - porque feita à revelia do titular anteriormente inscrito - do ónus
de alegar e provar que não lhe cabia em face da presunção que em seu benefício
resultava do registo antes da inscrição daquela acção/decisão, não seria essa a forma
mais adequada e eficaz de prestar protecção a quem o registo havia garantido a
oponibilidade do direito inscrito perante terceiros.
Mas, se o registo da acção/decisão estiver também nesse caso, como entendemos
que está, sujeita à regra do trato sucessivo, a inscrição a favor de B será nula por
violação dessa mesma regra (art.º 16°, al. e do CRP). Bastará então que A proponha
acção para obter a declaração de nulidade desse registo - art.º 17°, n.° 1, do citado
Código.
E esta será, de entre as soluções que se prefiguram, a única que transmite
fiabilidade ao sistema registral em vigor.

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3 - Concluímos aqui as considerações que tivemos por indispensáveis sobre a
registabilidade das acções e a natureza e função do seu registo, bem como sobre os
pressupostos processuais deste registo. Julgamos estar agora em condições de nos
pronunciarmos acerca de algumas das questões que maior discussão têm levantado no
campo da delimitação das acções sujeitas a registo.

3.1 - E a primeira dessas questões relaciona-se com a acção de reivindicação


intentada por quem beneficia já da presunção do registo (titular inscrito).
Alegam os defensores da tese da registabilidade desta acção que, preenchendo ela
os requisitos de realidade exigidos pelo art.º 3°, n.° 1, al. a, e verificada que está a
intervenção do titular inscrito pelo lado activo da relação processual estabelecida, nada
deverá obstar ao seu registo, tanto mais que só a sua realização dará cumprimento ao
comando legal que sujeita a registo todas as acções que reunam aqueles requisitos.
A tónica desta tese está assim colocada, ao arrepio aliás das considerações que a
esse respeito tecemos, no entendimento de que para a observância da regra do trato
sucessivo é indiferente que a intervenção do titular inscrito ocorra pelo lado passivo ou,
antes, pelo lado activo da relação jurídica a registar.
Todavia, já sabemos que a questão de saber se determinada acção está ou não
sujeita a registo é logicamente uma questão prévia a toda a problemática que se ligue
com os meros pressupostos processuais do registo, na qual se insere a questão do trato
sucessivo, muito embora a solução de qualquer dessas questões não possa deixar de ter
em devida conta, como factor decisivo aliás, a função e os efeitos do registo das acções.
O que sucede, porém, é que a acção em que reivindicante é o próprio titular
inscrito não prefigura uma situação, ainda que só potencial, de conflitos de direitos
susceptível de ser dirimido pela prioridade do seu registo. Pela razão simples de que,
não visando essa acção, como não visa, ilidir a presunção que resulta do registo de
aquisição anterior, que tornou oponível a terceiros o direito do autor, será sempre em
função da prioridade deste registo que se irão dirimir os conflitos que se suscitem entre
aquele direito e os de terceiros. Tal sucederá obviamente na perspectiva da procedência
da acção (única aliás que poderia ser relevante para o registo). Tal continuará a suceder
mesmo no caso de a acção vir a improceder por se não comprovar o direito invocado
pelo autor, porque, não sendo registralmente relevantes os motivos que concretamente
estão na base do cancelamento do registo das acções - que consabidamente poderão ser
vários e múltiplos, desde a absolvição da instância à improcedência do pedido por
razões outras, que não necessariamente a falta de prova do direito de propriedade
invocado pelo autor, como a própria desistência do pedido -, a validade e os efeitos da
inscrição de aquisição a favor do autor perdurarão para além desse cancelamento, sejam
quais forem as razões que o tenham determinado (art.°s 8°, 10° e 103°, do CRP).
Consequentemente, face à inutilidade do registo, por ser irrelevante precisamente na
área em que é suposto operar, excluída estará a registabilidade da acção em análise.
Reconhecendo aliás essa inoperância do registo da acção, procuraram ainda os
defensores da tese da sua registabilidade descortinar na procedência da acção um efeito
que, de per si, fosse registralmente relevante, qual seria um efeito confirmativo do
direito inscrito a favor do autor na perspectiva da invalidade do título que serviu de base
à inscrição anterior.

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Mas esta afigura-se-nos também uma tentativa votada ao insucesso, na medida em
que, como bem salienta Seabra Magalhães, ou o reconhecimento da propriedade do
autor se sustenta na presunção que decorria da inscrição de aquisição anterior entretanto
posta em causa e a invalidação dessa inscrição acarretaria inelutavelmente a invalidação
do próprio registo da acção ou tal reconhecimento foi pedido invocando-se título de
aquisição diverso (nomeadamente, a usucapião) e, então, "ao autor caberia sempre, ante
o pedido de invalidação, a oportunidade de fazer valer o fundamento válido do seu
direito, sem perder (...) a respectiva prioridade do registo"2. E assim, se no primeiro
caso o pretendido efeito confirmativo se revelaria uma impossibilidade, no segundo ele
continuaria a quedar-se por uma mera inutilidade.
Registável será já, isso sim, o pedido do réu reconvinte de reconhecimento do
direito de propriedade que porventura invoque perante o autor. Mas então o que se
inscreve é já uma outra acção, enxertada na primeira e cuja relação processual
(reconvenção) se estabelece agora entre o réu/reconvinte, como autor, e o
autor/reconvindo, como réu.

3.2 - Por razão semelhante - a de que a registabilidade da acção se não justifica


face à função que o registo deve exercer no nosso ordenamento jurídico - nos leva a
opinar decisivamente pela irregistabilidade da acção pauliana individual.
Na verdade, estamos agora perante uma acção de natureza pessoal ou obrigacional
e de escopo eminentemente indemnizatório, que tem por finalidade obter, na medida do
interesse do credor impugnante, a restituição dos bens alienados para satisfação do
direito de crédito de que é devedor o alienante (art.°s 606° e 616° do CC) e que deixa
intocadas a validade e a eficácia da transmissão operada pelo acto impugnado e
incólume o registo que estender a sua eficácia a terceiros.
Esta circunstância, sendo desde logo indiciadora da sua irregistabilidade, não é
porém conclusiva quanto à não sujeição desta acção a registo, porquanto, como
frisámos já, existem direitos que, apesar de se não revestirem de natureza real, a lei
sujeita também a registo para os tornar oponíveis a terceiros com todas as
consequências que tal acarreta, quer no campo da prioridade do registo quer no da
prevalência sobre os demais direitos que se lhe seguirem, sem distinção de plano ou
grau de concorrência em confronto com os denominados direitos reais (vd. o citado art.º
435° do CC e ainda o art.° 406°, n.° 2, do mesmo Código).
Pois, como salienta o Prof Doutor Henrique Mesquita (in Rev. de Leg. E Jurisp.,
ano 128°, pp, 254/255), haverá mesmo interesse prático no registo da referida acção na
perspectiva de que o credor impugnante "mediante o registo poderá exercer o seu direito
de crédito directa e imediatamente contra eventuais subadquirentes" se e quando a
sentença os atingir também.
Julgamos não ser essa, porém, a opção legislativa de jure constituto.
Com efeito, a natureza obrigacional do direito do credor (a ser indemnizado nos
termos sobreditos) confina os efeitos da procedência da acção às próprias partes (credor
e terceiro adquirente demandado na acção), pelo que são insusceptíveis de atingirem
eventuais subadquirentes, relativamente aos quais o credor só pode exercer aquele

2
In Estudos de Registo Predial, Livraria Almedina, Coimbra - 1986, p.46.

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direito em acção adrede contra eles intentada visando que, também em relação a eles,
se verifiquem os requisitos gerais da impugnação pauliana (artigo 613° do Código
Civil).
É que entre os interesses do credor prejudicado com o acto de alienação
praticados pelo devedor e os interesses daqueles subadquirentes (a título oneroso) que
tenham procedido de boa fé, não obstante o vencimento na impugnação daquele acto, o
legislador dá prevalência absoluta a estes últimos.3
Deste modo, face à ausência de efeito útil, cremos não ser também viável o registo
da acção pauliana.
Não obstante, ainda aqui pretenderam os defensores da sua registabilidade
perscrutar nesse registo um efeito, como que acessório ou lateral, que consistiria numa
presunção de má fé de todo aquele que viesse a adquirir o prédio depois de efectuado o
registo da acção, evitando assim que o credor tivesse de demonstrar esse requisito na
nova acção a intentar contra esse subadquirente.
Em vão, porém, o fizeram, na medida em que esse poderia ser o efeito do registo
... se esse efeito lhe fosse expressa ou implicitamente atribuído por lei. Mas tal não só
não acontece, como também essa possibilidade fica mesmo arredada com a exigência
legal, para que se verifique o requisito em causa, de um conhecimento psicológico por
parte do subadquirente do prejuízo que a transmissão causa ao credor (art.º 612°, n.° 2,
do Código Civil). Na verdade, requerendo a má-fé essa c o n s c i ê n c i a , não poderá
ela bastar-se com um mero conhecimento virtual que do registo se poderia presumir.
Daí que o credor impugnante, a quem cabe o ónus da prova, tenha sempre de
demonstrar a má fé do subadquirente.4

3.3 - Situações muito diversas são, finalmente, aquelas que se prefiguram com a
acção de execução específica do contrato-promessa de contrato transmissivo de direitos
reais a favor do autor.
Desde logo, porque esta acção preenche os requisitos de r e a l i d a d e exigidos
pelo art.º 3°, n.° 1, al. a, do CRI? para a sua sujeição a registo. De facto, visando ela a
prolação de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitente
faltoso (art.º 830°, n.° l, do Código Civil), ou seja, os efeitos do contrato prometido que,
no caso, implicam a transmissão, do réu (e titular inscrito) para o autor, do direito em
causa, ninguém duvidará da alteração que a sua procedência operará na titularidade do
direito objecto desse contrato.
Fácil será assim perceber quão relevante será o registo dessa acção como condição
de oponibilidade a terceiros dos efeitos da sua procedência e consequente exiquibilidade
e r g a o m n e s da respectiva sentença.
Daí que se rejeite a tese que recusa a registabilidade da acção a pretexto de que a
natureza obrigacional do direito que nela se faz valer obstaria a que o autor se possa

3
Vd., neste sentido, o parecer do Conselho Técnico de 27.05.98, publicado no BRN n.° 4/99 (Abril de
1999), pp. 8 a 19, de que aliás fomos relator.
4
No sentido de que a acção pauliana não está sujeita a registo são também o parecer n.° 36/2000 emitido
em 21.12.2000 pela Procuradoria-Geral da República e publicado no Diário da República, 11 série, de
30.03.2001 e, mais recentemente, a jurisprudência firmada pelo Acórdão de 27.05.2003 do STJ, proferido
no Processo n.° 1174/02-6a Secção.

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prevalecer desse direito sobre os direitos reais que terceiros adquiram. Na verdade, nem
essa restrição resulta do princípio estabelecido no art.º 6°, n.° 1, do CRP - que não
distingue - nem releva para a sua sujeição a registo que a acção se funde num direito
real ou, antes, num direito de crédito para atingir a alteração da estrutura subjectiva do
direito real determinante, esta sim, da sua registabilidade (art.º 3.°, n.° 1, al. a).
Segundo aquela tese, registáveis seriam somente a decisão final como título
transmissivo ou constitutivo de um direito real a favor do autor e a acção baseada em
promessa provida de eficácia real mediante o seu registo prévio (art.°s 413°, n.° 1, do
Código Civil e 2% nº 1, al. f, do CRP).
Mas é precisamente quando atentamos nesta última situação que maiores dúvidas
suscita a registabilidade, nesse caso mas só nesse caso, da acção de execução específica,
dada a ineficácia que o seu registo poderá então revelar.
Na verdade, logo que realizado, o registo condicionante da eficácia real da
promessa torna ineficazes em relação ao promissário todos os direitos que sobre o
prédio terceiros tenham adquirido ou venham a adquirir do proprietário inscrito
(promitente alienante) e que, estando sujeitos a registo, se não mostrem registados até
então. Esta ineficácia não impede, porém, que os factos praticados pelo promitente
alienante a favor de terceiros ingressem no registo com carácter definitivo, dado que o
seu registo não viola a regra do trato sucessivo enquanto proprietário inscrito for aquele
promitente. Mas, porque a promessa registada visa, ela própria, um resultado, qual seja
o da celebração (voluntária ou coerciva) do contrato prometido, o registo da aquisição a
favor do promissário/autor com base na decisão final de procedência da acção não
constitui mais do que a consequência natural e lógica do registo da promessa (art.º 34°,
n.° 2, in fine), "saltando por cima" de todos os registos entretanto efectuados a favor de
terceiros, que, por inscreverem factos ineficazes relativamente ao promissário inscrito,
tem a sua vigência resolutivamente condicionada à realização do registo de aquisição a
favor deste mesmo promissário (cfr. art.º 11 °, n.° 1-1ª parte, do CRP). Registar, ainda
assim, a acção tendente à obtenção daquele título de aquisição pareceria não alcançar
outro significado que não fosse o de chover no molhado ....
Importa porém não cair na tentação fácil da pura lógica do sistema e perscrutar
todas as virtualidades que o seu funcionamento oferece e as implicações que no caso o
registo suscita para confirmar ou infirmar aquela conclusão.
E a verdade é que do registo resulta apenas uma presunção juris tantum de que a
promessa inscrita tem eficácia real, pelo que esta pode em qualquer momento ser
impugnada mediante a prova de que as partes a não convencionaram na realidade, com
o cancelamento, na sequência da procedência da impugnação, do registo que constituiu
suposta condição de tal eficácia (art.°s 413° do CC e 8°, 13° e 101°, n.° 4, estes do
CRP). Ora, esta possibilidade, contrariando manifestamente a aparente lógica para
excluir a sua sujeição a registo, obriga a repensar a questão mesma da registabilidade da
acção de execução específica de contrato-promessa com eficácia real.
É o que tentaremos fazer, usando para tal de outro exemplo prático.
A, promitente-comprador, inscreve no registo a promessa do promitente-vendedor
e titular inscrito (B), a que presumidamente atribuíram eficácia real. A, alegando falta
de cumprimento do contrato-promessa por parte do promitente-vendedor, intenta contra
este acção de execução específica. Já depois de ter sido pedido o registo dessa acção, C

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vem também ao registo pedir não só a inscrição da aquisição do prédio objecto da
promessa de alienação, por o ter comprado ao promitente-vendedor (eventualmente, do
nosso ponto de vista pouco importará) depois de A ter formulado o seu pedido de
registo de acção, mas também a inscrição de uma outra acção que C, por sua vez,
intentou contra A para declaração de nulidade do registo da promessa alegando não
terem as partes do contrato-promessa atribuído de forma expressa eficácia real a esse
facto (art.°s 413°, n.° l, do CC e 3°, n.° 1, al. b, e 16°, al. b, estes do CRP).
Caso se entendesse que a acção de execução específica não é no caso registável a
pretexto de que os efeitos que visa acautelar estariam já salvaguardados pelo registo da
promessa, o pedido do seu registo teria sido recusado (art.º 69°, n.° 1, al. c, do CRP).
Deste modo, efectuadas posteriormente a inscrição (definitiva) de aquisição a favor de
C e a inscrição provisória por natureza da acção de declaração de nulidade do registo da
promessa, o promitente-comprador ficaria desprotegido para o caso de vir a obter ganho
de causa na acção que intentara contra o promitente-vendedor, sempre que o registo da
promessa fosse declarado nulo, na medida em que C teria então registado
prioritariamente a aquisição do seu direito, com o consequente prejuízo da eficácia
e r g a o m n e s da sentença que titulasse o contrato prometido.
Tal não aconteceria já, se tivesse sido também registada a acção de execução
específica. Então essa inscrição não só teria influenciado a qualificação do posterior
registo de aquisição a favor do terceiro C, definindo-o como provisório por natureza nos
termos da alínea b) do n.° 2, do art.º 92° do CRP, como também se mostraria decisiva
para assegurar a exequibilidade e r g a e s da sentença que der ganho de causa ao
promitente-comprador.
Daí decorre como necessária a conclusão de que a acção sub judicio,
independentemente de a promessa ter ou não eficácia real, está sujeita a registo, nos
termos do já citado art.º 3°, n.° 1, al. a, do CRP, como condição indispensável para
assegurar a eficácia da sua procedência perante todos aqueles que, tendo adquirido ou
vindo a adquirir do promitente-vendedor direitos sobre o prédio litigioso incompatíveis
com o do autor, não registem esses direitos antes de efectuado o registo da acção.
Com isto não se esgotam, porém, as questões relacionadas com a registabilidade
da acção que vimos analisando e a conjugação dos seus efeitos com os efeitos de outros
registos, sabido como é que o contrato-promessa de alienação constitui ainda título para
o registo provisório por natureza de aquisição antes de titulado o contrato prometido
(artºs 47°, n.° 3, e 92°, n.°s l, al. g, e 4, do CRP), que visa, também ele, opor a terceiros
os efeitos decorrente da celebração deste contrato.
Na verdade, verificando-se que este registo provisório de aquisição não tem um
conteúdo substancialmente diverso daquele que resultaria da inscrição provisória da
acção de execução específica - ambos opõem a terceiros o efeito transmissivo do
contrato prometido (art.º 879° do Código Civil) e qualquer deles tem ao nível das tábuas
o mesmo efeito condicionador para o futuro do trato sucessivo (art.º 34°, n.° 2) -
parecerá forçoso concluir que, inscrita cautelarmente a aquisição emergente do contrato
a titular, não faria sentido, por inútil, que se procedesse a novo registo de um facto (a
acção) que, embora distinto, visa ainda e sempre a titulação daquele contrato, neste caso
por via coerciva.
Todavia, tal inutilidade só aparentemente existe.

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É que, consubstanciando a acção uma alteração na p e r s p e c t i v a de titular o
contrato prometido - o mesmo que gerará a aquisição provisoriamente inscrita – de
harmonia com a pretensão manifestada pelo promissário de exercer o direito potestativo
que a lei lhe confere para obter ope judicis tal titulação, o registo não poderá deixar de
reflectir essa alteração sob pena de inoponibilidade a terceiros. Realidade e objectivo
esses que são tabularmente conseguidos registando-se a alteração, não por nova
inscrição cautelar e preventiva, que no caso se não justificaria dada a preexistência da
inscrição provisória de aquisição a que o novo registo não visa pôr termo, mas mediante
um averbamento a esta mesma inscrição, actualizando-a (art.º 100°, nº 1, do CRP).
Actualização esta que, sem ampliar o objecto da inscrição dada a identidade dos
seus efeitos com os visados pela acção, provocará, isso sim, a "conversão" do registo
provisório de aquisição em registo provisório de acção, que como tal, sem qualquer
solução de continuidade ou quebra de prioridade, passará a vigorar. O que implica, por
sua vez, uma alteração no regime de provisoriedade do registo, que, estando enquanto
inscrição de aquisição sujeito ao prazo geral de vigência de seis meses, renovável por
períodos de igual duração até perfazer um ano a contar do termo do prazo fixado para a
celebração do contrato prometido, com base em documento que comprove o
consentimento das partes (art.°s 10°, n.° 3, e 92.°, n.° 4, do CRP), passa a beneficiar
como inscrição de acção de um prazo mais alargado de três anos, renovável por
períodos de igual duração a pedido dos interessados sem outra condição que não seja a
de comprovarem a subsistência da razão da provisoriedade (citado art.º 92°, n.° 3).
Este entendimento5 parece também transparecer da opinião expressa pelo Prof.
Doutor Almeida Costa, in Contrato-Promessa, uma síntese do regime vigente, 7ª
edição, 2001, p. 50, nota (68), onde, depois de referir a admissibilidade legal do registo
provisório de aquisição com base em contrato-promessa, cuja conversão fará retroagir
a aquisição à data do registo provisório, conclui:- "Pode, portanto, o registo provisório
de um contrato-promessa sem eficácia real antecipar os efeitos da sentença que julgue
procedente a acção de execução específica para um momento anterior ao do registo da
própria acção em que a sentença foi proferida. (....). O art.º 47° do Cód. do Reg. Pred.
está assim muito perto da «prenotação» («Vormerkung») do direito alemão (....). Não se
alcança outro entendimento que dê sentido, nas hipóteses consideradas, ao registo
provisório".
Nem se nos afigura contrariar decisivamente esse mesmo entendimento o Acórdão
n.° 4/98 do STJ de 05.11.98 (publicado no D.R. n.° 291, 1ª série-A, de 18.12.98), que
não contempla, de resto, a hipótese, que colocámos, de ao registo da acção preexistir o
registo da aquisição pre-contratual.
Esse Acórdão, na esteira aliás da doutrina defendida por aquele Ilustre Professor,
firma jurisprudência no sentido de que a execução específica de contratopromessa sem
eficácia real - e não é o registo da acção que lhe vai conferir tal eficácia - não é admitida
no caso de impossibilidade de cumprimento por o promitente-vendedor ter transmitido a
coisa objecto do contrato prometido para terceiro antes de registada a acção,
independentemente de ter havido registo dessa transmissão.

5
Que vimos perfilhando desde o parecer do Conselho Técnico da DGRN emitido no proc. n.° 101/96 em
28.02.97 e publicado no BRN n.° 7/97 (Julho de 1997), pp. 5/13.

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Terá assim entendido o STJ que a transmissão, do promitente-vendedor para
terceiro, da coisa objecto do contrato prometido, tornando impossível por culpa do
devedor o cumprimento da promessa, opera uma modificação objectiva do direito do
promissário, que, sem prejuízo da sua identidade, de um direito de exigir a celebração
do contrato final se transforma ope legis num direito a uma indemnização
compensatória nos termos do art.º 801°, n.° 1, do CC, a menos que a acção esteja
registada quando ocorrer aquela transmissão.
Parece assim claro que aquele, aliás, douto Tribunal acaba por reconhecer que o
registo da acção impede já que a transmissão que lhe for posterior produza o referido
efeito modificativo do direito do promissário, relevando então justamente na ordem
substantiva que a decisão teve por indiferente e imune ao registo para tirar aquelas
conclusões.
O que, a nosso ver e salvo o devido respeito pela opinião contrária, será deixar
sair pela janela o que se fez entrar pela porta ...
Na verdade, essa relevância, que não poderia em caso algum ter o alcance de
conferir eficácia real à promessa por carência do acordo expresso das partes, só poderá
traduzir a prevalência dos efeitos da acção em razão da prioridade do registo e da
consequente inoponibilidade perante terceiros das transmissões posteriores.
Mas se assim é relativamente às transmissões posteriores ao registo da acção, por
que razão não há-de ser assim também quanto às transmissões anteriores que não
tenham sido registadas antes de efectuado aquele registo (ou antes mesmo de efectuado
o registo provisório de aquisição, quando este tiver precedido o da acção), sabido como
é que qualquer facto sujeito a registo - que não apenas as acções - só alcançam eficácia
relativamente a terceiros a partir do seu registo? Questão esta da maior acuidade
porquanto os factos parecem contrariar a invocada impossibilidade de cumprimento da
promessa, designadamente, por via coerciva, isto é, mediante a realização da prestação
obrigacional ope judicis. Assim acontece quanto às transmissões que ocorram depois do
registo da acção, acontecerá assim também quando, independentemente do fundamento
da decisão, for proferida sentença de procedência da acção de execução específica, que
o autor registe depois da transmissão para terceiro mas antes de efectuado o registo
deste facto.
E é esta contradição que, a nosso ver, o Acórdão em causa não consegue
ultrapassar e que perspectiva, ao arrepio da uniformização pretendida, a continuação de
viva polémica em torno dos próprios fundamentos e objectivos do sistema registral
português, estando, como está, em causa a função mesma que a lei reserva ao registo.
Nem deve ser preocupação do intérprete na demanda das melhores soluções para a
problemática que a acção de execução específica encerra pretender moldar as regras do
registo ao objectivo que casuisticamente se proponha atingir. Pois deve ter-se sempre
presente que, efectuado o registo da acção (ou da aquisição provisória, que o tenha
precedido), o direito aí inscrito só prevalecerá sobre a aquisição posteriormente
registada a favor de terceiro se aquele registo se converter em definitivo mediante a
decisão final favorável ao autor (art.º 6°, n.°s 1 e 3). Do mesmo modo que, registada
provisoriamente aquela aquisição, por dependência na razão inversa da sorte que o
registo da acção vier a merecer, o direito do terceiro tem garantida a sua prevalência,
pela conversão automática do seu registo em definitivo no caso de o registo da acção vir

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a caducar ou a ser cancelado mediante a sentença desfavorável ao autor.(citadas
disposições legais e art.º 92°, n.°s 2, al. b, e 6, do mesmo Código). E para o registo o
importante é isso mesmo, é que as regras do registo não constituam obstáculo às
diversas soluções possíveis, por forma a assegurar sempre a prevalência do direito
prioritariamente registado em definitivo, qualquer que ele venha a ser. O contrário é que
seria subverter os objectivos mesmos do registo predial. De resto, o mérito das decisões
que os tribunais tomem constitui matéria insindicável na qualificação do registo.
Não obstante, a discussão em torno desta problemática será sempre frutuosa se e
quando pondere, de forma abrangente e global, as múltiplas componentes que ela abarca
e todas as suas implicações quer no plano dos direitos substantivo e processual quer no
próprio âmbito do registo. E, perante um cenário de crescente conflitualidade e
promessas não cumpridas, esse será, sem dúvida, o rumo certo para uma melhor e mais
eficiente prevenção que, com crescente premência também, vêm demandando a
segurança do comércio jurídico e a boa fé de todos quantos no registo confiam.
A nossa convicção é, porém, a de que, se a lei (art.° 830°, n.° 3, do Código Civil)
tornou o direito à execução específica como efeito necessário - e, como tal, inderrogável
por vontade das partes - da promessa a que se refere o n.° 3 do art.° 410° do mesmo
Código, propondo-se impedir situações menos claras ou, mesmo, imorais, a previsão do
seu registo, através das inscrições cautelares de aquisição e da acção de execução
específica (a primeira, aliás, com um regime de provisoriedade especialmente alargado
após, justamente, a lei assim ter determinado a imperatividade da execução específica),
teve em vista assegurar precisamente esse mesmo objectivo de protecção,
nomeadamente, dos consumidores de habitação própria, tornando-o actuante e eficaz
perante terceiros.

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