Apresentacao Aline - Tese - LJ

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ALINE SEABRA TOSCHI – “A (DES) LEGITIMAÇÃO DO PODER

JUDICIÁRIO: uma análise da degeneração do Direito a partir da Operação


Lava Jato” (2024)

APRESENTAÇÃO
O Lavajatismo Separatista de Curitiba: a Operação Condor do Judiciário

Thiago Aguiar de Pádua1

I. O Tema e Seus Desdobramentos

Os delírios processuais e midiáticos que precederam o período das

ações penais perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, na cognominada Operação

Lava Jato, podem ser identificados já na fase final da precedente Ação Penal 470

(“Mensalão”2), perante o Supremo Tribunal Federal, que já matizava relação

especialmente espúria entre os meios de comunicação e o judiciário. Na época eu

nem sonhava em ser assessor de ministro da Suprema Corte3, mas escrevi um

texto para o Observatório da Imprensa4, datado de 17/09/2013 (a Lava Jato

começaria em março de 2014), registrando:

“Um comentarista da Rádio CBN, na sexta-feira

(13/9), após fazer uma espécie de gozação sobre a expressão

1Advogado. Pós-Doutoramento em Direito (Perugia, Univali e UnB). Doutor em Direito. Especialização em


“Sistemi giudiziari comparati” pela Facoltà di Giurisprudenza dell’Università di Bologna. Professor
Voluntário da Faculdade de Direito da UnB. Ex-assessor de ministro do STF. Membro da ABrL – Academia
Brasiliense de Letras. Membro do CBEC – Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais. Membro da ABCD
– Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas, que constitui a Seção Brasileira do Instituto
Iberoamericano de Derecho Constitucional e é filiada à Associação Internacional de Direito Constitucional.
Membro da ABPC – Associação Brasiliense de Processo Civil. Membro da ANACRIM – Associação Nacional
da Advocacia Criminal. Membro do IBCJ – Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas. Tradutor e Parecerista.
2A própria expressão (“Mensalão”) é não apenas aviltante, mas especialmente indevida dos pontos de vista
político, jurídico e comunicacional, inserida aqui apenas para realização da crítica.
3Tive a honra de assessorar a ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal, e também ao professor
Carlos Ayres Britto (ex-Presidente do STF) no âmbito acadêmico do Centro Brasileiro de Estudos
Constitucionais – CBEC.
4 PÁDUA, Thiago Aguiar. Reality show e o ‘constitucionalismo Charles Bronson’. Observatório da
Imprensa, caderno Feitos & Desfeitas, Edição 764, de 17 de setembro de 2013.
da semana, “o novato”, em clara referência a uma “rusga”

entre o ministro Marco Aurélio Mello e o juiz mais novo da

corte, o ministro Luís Roberto Barroso durante o referido

julgamento transmitido ao vivo pela TV Justiça, mas o

destaque é que a matéria terminou com o jornalista fazendo

uma narrativa no sentido de que o desempate que a nação

espera (sonha), seria com o “voto” do ministro Celso de

Mello pela não admissão dos embargos infringentes, que

terminaria com a população assistindo à cena pela TV nos

supermercados, chorando e se abraçando, mas que como

estamos no Brasil (e a expressão literal é do jornalista) as

coisas seriam de outro modo, que todos já sabem qual é:

novo recurso, protelação, absolvição futura de alguns réus

etc.”.

Uma verdadeira pregação de “catarse processual”, desde um

desfecho sonhado por eles, os interessados, em sentido específico, que

seguramente não encontra amparo na técnica do devido processo legal. Na

verdade, o final com choros, abraços e catarse não ocorreu no final da AP 470

(2013) e nem no início da Lava Jato (2014), mas após as consequências políticas

que envolveram o impeachment de Dilma (2016), a eleição de Bolsonaro (2018), ou

seja, a comemoração nas ruas com as pessoas chorando e se abraçando veio com

a liberdade de Lula, e sua eleição para um terceiro mandato em 2022,

denunciando a manipulação jornalística de anos atrás.

Algumas explicações mais simples poderiam justificar a grave

questão que envolve a circularidade nulificante das famosas ações penais

iniciadas perante a 13ª Vara Federal de Curitiba (TRF4), em termos mais


reducionistas. Poderíamos acusar a gênese, o desenvolvimento e até as

dificuldades de revisão recursal5.

Não poderíamos esquecer, contudo, os sinais que foram dados pela

péssima formação acadêmica da principal estrela do “show de horrores”

lavajatista da “República de Curitiba”, o então Juiz Sérgio Moro, depois

declarado suspeito e incompetente pelo Supremo Tribunal Federal.

Sua produção acadêmica envolve ao menos dois livros que

merecem maior atenção da comunidade jurídica. No livro “Legislação Suspeita”6,

sim, é irônico que este seja o título de um livro publicado por um Juiz Suspeito,

ele disse que o magistrado poderia usar elementos não textuais (não previstos no

texto da constituição), podendo se valer de teoria política e filosofia (p. 16), e,

ainda, para cumprir seu papel, o juiz não deve atribuir qualquer deferência à

interpretação realizada pelos outros poderes (legislativo e executivo), devendo

inclusive colocar sob suspeita a atuação dos outros poderes (p. 92). Já em outro

livro, “Desenvolvimento e Efetivação Judicial das Normas Constitucionais”7, o

Juiz Suspeito menciona que o judiciário não pode ser inerte, e deve ser ativo para

forçar a população a exigir de seus representantes eleitos a mesma postura que o

Juiz, ao agir de forma “não inerte” (p. 135).

Assim, um juiz de extrema-direita, alinhado com o colonialismo

imperial, e munido de suas ferramentas, uma “patuscada” de doutrinação sobre

5 Muitos são os professores que criticaram fundamentadamente a Operação Lava Jato, mesmo correndo o
risco de omissão, citemos alguns: Marcelo Neves, Willis Santiago Guerra Filho, Cristiano Paixão, Lenio
Streck, Thomas da Rosa de Bustamante, Marcelo Cattoni, Gisele Cittadino, Carol Proner, Gisele
Ricobom, Aury Lopes Jr., Alexandre Moraes da Rosa, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Fernando
Fernandes, João Ricardo Dornelles, dentre tantos outros, sem mencionar docentes de outros cursos além
do direito, que foram diversos.
6MORO, Sergio. Legislação Suspeita? Afastamento da Presunção de Constitucionalidade da Lei. Curitiba:
Juruá, 2003, p. 16; 92.
7MORO, Sergio. Desenvolvimento e efetivação judicial das normas constitucionais. São Paulo, Limonad,
2001, p. 135.
filosofia política de caráter não apenas duvidoso, similar a uma espécie de

“olavismo jurídico” 8, fornecem as condições para uma tempestade perfeita.

Uma espécie de “passe livre” (ou sinal verde) para manipular e

delinquir a Constituição e os direitos fundamentais. Se aquilo que o juiz pretende

não está presente na norma constitucional, abra-se um manual de ciência política

ou filosofia (de sua predileção), para agir livremente, já que todos são suspeitos

de antemão, na mais pura demonstração de fascismo jurídico. Imagine-se um

caminhão de atrocidades violadoras de direito, ensejando necessidade de

correção (leia-se: nulidade). Tarefa fácil? Nem de longe!

Recordo que um grupo de advogados – dentre eles o que escreve

estas linhas9 – na data de 16/08/2019, ajuizou a ADPF n. 612 perante o Supremo

Tribunal Federal, pelo PSB, buscando a declaração de não-recepção do art. 563,

do CPP, com pedido para que fossem suspensos “os efeitos da decisão prolatada pelo

STJ nos autos do REsp nº 1.765.139/PR” (o número recursal da ação penal que havia

condenado o ex-presidente Lula na Operação Lava Jato) e demais decisões que

tenham se lastreado na noção de que não há nulidade sem prejuízo, como

repercutiram os professores Alexandre Moraes da Rosa e Rosmar Rodrigues

Alencar10.

8Sobre o sentido de “Olavismo Jurídico”, cfr.: PÁDUA, Thiago Aguiar. Quando a Jurisdição Constitucional
não cabe na “Comédia Constitucional” [ou sobre o “Efeito Whitehead” da literatura jurídica para leigos].
Em: MORAES, Dalton Santos; FABRIZ, Daury Cesar; et all. Direitos Fundamentais e Jurisdição
Constitucional. Brasília: CFOAB, 2024.
9 Dentre outros apoiadores, os seguintes nomes: Thiago Aguiar de Pádua, Dinah Lima, Airto Chaves Jr.,
Lenio Streck, Jefferson Guedes, José Rossini Corrêa, Tiago Felipe e Danilo Vasconcelos. Não se esqueça que
também juntamos à inicial, como Anexo, o manifesto internacional dos juristas que afirmava que Lula não
havia sido submetido a um julgamento, mas sim a uma implacável perseguição política, com as assinaturas
dos seguintes professores e autoridades internacionais: Bruce Ackerman, John Ackerman, Susan Rose-
Ackerman, Alfredo Beltrán, William Bourdon, Pablo Cáceres, Alberto Costa, Herta Daubler-Gmelin, Luigi
Ferrajoli, Baltasar Garzón, António Marinho e Pinto, Christophe Marchan, Jean-Pierre Mignard, Eduardo
Montealegre, Philippe Texier, Diego Valadés, Gustavo Zafra.
10Cfr. MORAIS DA ROSA, Alexandre et all. Limite Penal: No processo penal, a instrumentalidade é do
direito material, Conjur de 23 de agosto de 2019.
Naquele momento, ao julgar do tema, o Supremo Tribunal Federal

entendeu não ser cabível a realização da anulação através da dita ação

constitucional, provavelmente avaliando o momento mais adequado, que

somente ocorreria meses depois, em decisão monocrática do ministro Edson

Fachin, datada de 8/03/2021, depois confirmada pelo plenário, mas naquele

momento anterior houve importante ressalva dos ministros Fachin11 e Gilmar

Mendes12, reconhecendo a importância do tema, alegando que tinha encontro

marcado no futuro.

Neste último caso, poderíamos dizer que parte do problema

residiria na adoção do inconstitucional postulado cristalizado no art. 563 do CPP

(“pas de nullité sans grief”), segundo o qual não existe nulidade se não houver

prova de um prejuízo, que representa, ao mesmo tempo, uma espécie de “passe

livre” para os Magistrados delinquirem seletivamente as normas de direitos

fundamentais e também um biombo (ou cavalo de Tróia) para transporte

malicioso de ideias.

E isto porque também representaria um transporte de certo

elemento do direito constitucional diretamente para o processo penal (perdoe-se

a metáfora) de uma espécie de “doutrina das questões políticas” (Political

Questions), que serviria para impedir o escrutínio da nulidade com fundamentos

similares, mas com performance muito mais preocupante, uma vez que no

11Eis o trecho da manifestação: “O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Acompanho o relator pelo não
cabimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, salientando apenas que a questão
constitucional objeto do recurso que o agravante pretendia por esta substituir deve oportunamente ser
deliberada pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal”.
12Eis o trecho da manifestação: “O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: De modo semelhante ao
apontamento apresentado pelo Min. Edson Fachin, acompanho o Relator, com ressalva quanto ao mérito da
questão constitucional, que se mostra relevante e deverá ser analisada pelo Plenário por meio da via
adequada”.
âmbito constitucional servem para “subtrair Parlamento e Governo a amplos

controles por parte da Corte Suprema e manter sua liberdade de criação”13.

Isso potencializa o abuso de um dos poderes, enquanto no processo

penal serviriam à proteção da destruição de direitos fundamentais, sem esquecer

que a origem do “pas de nullité sans grief” remonta à esquecidas questões reais,

quando o único interprete da Lei seria o próprio Rei, vale dizer: “eventual nulidade

constituiria instrumento utilizado pelo rei para se assegurar que os juízes cumprissem

rigorosamente a letra da lei, instrumentalização que impediria que a discricionariedade

dos magistrados suplantasse a vontade do soberano” 14.

Como fica evidente, o atual modelo permite transformar

magistrados e tribunais em soberanos de si mesmos, dificultando (quando não

impedindo) a revisão de suas decisões, algo que ajuda a urdir um conhecido

mantra repetido por muitos dos que afirmam que determinado réu teria sido

condenado “na primeira, segunda e terceira instâncias”, ou seja, suposta prova

inequívoca do acerto judicial, não obstante a impropriedade da referência, uma

capa que esconde a difícil revisão recursal de decisões judiciais absurdas,

especialmente se encomendadas (ou mal-intencionadas).

Também fica evidente que a suposta estrangulação da

discricionariedade que surge no modelo do “pas de nullité sans grief”, é reforçada

em sentido contrário (com poder máximo à discricionariedade) quando se aplica

uma regra de proteção da soberania imperial e majestática dos magistrados.

Cfr. STARCK, Chritian. A legitimidade da justiça constitucional e o princípio democrático. Em: Ensaios
13

Constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 282; HENKIN, Louis. Is there a ‘political question’ doctrine?
Yale L. J., v. 85, n. 5, 1976.
14Cfr. PÁDUA, Thiago Aguiar; CHAVES JR., Airto; et all. O prejuízo da “regra do prejuízo”: a não recepção
constitucional do art. 563 do Código de Processo Penal (pas de nullité sans grief). Revista Brasileira de
Ciências Criminais (RBCCrim), ano 29, n. 182, 2021; ZACLIS, Daniel. A regra do prejuízo e as nulidades
processuais: construção de um modelo racional de aplicação do 'pas de nullité sans grief' no âmbito do
Processo Penal brasileiro. São Paulo: USP, Faculdade de Direito, 2015, p. 100.
Como dito, seriam respostas simples, mas a obra ora apresentada,

“A (DES) LEGITIMAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO: uma análise da

degeneração do Direito a partir da Operação Lava Jato”, busca uma explicação

um tanto mais sofisticada. Trata-se da tese com que a professora Aline Seabra

Toschi obteve o título de doutora em direito através de uma instigante análise da

Operação Judicial midiática que foi “batizada” naquela mencionada 13ª Vara

Federal de Curitiba.

É provável que daqui há 100 anos os nomes dos sujeitos

responsáveis pela Operação Lava Jato e pelo “Lavajatismo” (instigadores,

mentores, financiadores, apoiadores, admiradores e executores) não estejam

mencionados nem mesmo na nota de rodapé da história; os críticos

acrescentariam: talvez, quem sabe, num outro local (“a trash can”).

Aliás, as notas de rodapé são curiosas. Um conhecido professor

espanhol, após período de estudos na Alemanha, resolveu dar vida às notas de

rodapé dos livros que folheou durante sua pesquisa, criando uma obra

fenomenal: “Maestros alemanes del Derecho público” 15, dialogando com o passado.

A Suprema Corte americana, a seu turno, ao julgar um caso

despretensioso, mas fazendo uso de um fundamento poderoso inserido em nota

de rodapé (“Footnote Four”, no caso United States v. Carolene Products Co, 1938),

teria criado a nota de rodapé mais famosa de todo o direito constitucional

ocidental, ao estabelecer a necessidade de maior sensibilidade constitucional

para os casos que discutam direitos de pessoas sem poder relevante de

representatividade político-institucional (leia-se: minorias “discretas e

insulares”)16, dialogando com o futuro.

15 Cfr. SOSA WAGNER, Francisco. Maestros alemanes del Derecho público. Madrid: Marcial Pons, 2005.
16Cfr. POWE, L. A. Scot. Does Footnote Four Describe? Constitutional Commentary n. 586., 1994; FARBER,
Daniel; FRICKEY, Philip. Is Carotene Products Dead? 79 Cal. L. Rev. 685, 690, 1991; BALKIN, J. M. The
Footnote. Northwestern University Law Review, Vol. 83, No& 1 & 2, 1989; ACKERMAN, Bruce. Beyond
Carolene Products, 98 HARV. L. REv. 713, 1985; BALL, Milner S. Judicial Protection of Powerless Minorities,
Com efeito, também não é usual realizar uma apresentação de livro

dando destaque às notas de rodapé em geral, e a uma delas em particular, mas

correremos o risco da quebra do protocolo das “apresentações”, uma vez que a

tese, ora apresentada, faz excelente uso das notas de rodapé, seja dialogando com

autores, seja porque pretendemos destacar uma nota em particular, e a partir dela

fazer uma breve incursão.

A nota n. 25, no início do Segundo Capítulo, é direta ao afirmar,

desde seu referencial teórico, que no direito: “a perda da autonomia está diretamente

ligada à ideologia de um determinado governo. Por meio de uma interpretação do texto da

lei e esvaziada de valores humanos, a degeneração corrompe a ciência e,

consequentemente, o direito”, e, prossegue: “Nesse sentido, quando um direito é ilegal

e injusto, ele nada mais é do que a representação do caos e da ilegalidade. A degeneração

está presente quando, sem qualquer objeção ou debate, a lei é descumprida para se fazer a

coisa certa, pois o que é certo ou não, depende de subjetividades, ideologias”.

O tema é central para a tese que o leitor tem em mãos, não obstante

comporte leituras diversas e recortes institucionais fragmentados. De nossa

parte, entendemos que a Operação Lava Jato, como mecanismo de investigação

e instrumento jurisdicional, só pode ser compreendida de modo adequado à luz

(e em função) do princípio do Estado Democrático de Direito, enquanto aquilo

que denominamos de “espírito lavajatista” só tem significado, à luz da

democracia, se estudado sob o prisma da Constituição de 1988.

De fato, como denunciado nas páginas do The New York Times17,

a Operação Lava Jato “era vendida como a maior operação anticorrupção do mundo,

59 Iowa L. Rev. 1059, 1974; BRILMAYER, Lea. Carolene, Conflicts and the Fate of the "Insider-Outsider",
134 U. PA. L. REv. 1291, 1986; COVER, Robert. The Origins of Judicial Activism in the Protection of
Minorities, 91 Yale. L.J. 1287 (1982); Lusky, Footnote Redux: A Carolene Products Reminiscence, 82
COLUM. L. REv. (1982), dentre outros.
17Cfr. El desairado fin de Lava Jato Se vendía como la mayor operación anticorrupción del mundo, pero se
volvió el mayor escándalo judicial de la historia. Por: Gaspard Estrada, em: The New York Times, 9/02/2021.
mas se transformou no maior escândalo judicial da história”, enquanto o jornal francês

Le Monde18 mostrou como os EUA usaram a mesma Operação Lava Jato para

seu próprio benefício e fins geopolíticos.

Por este motivo, a Operação Lava Jato se converte numa espécie de

renovação, por outros meios, da Operação Condor, que foi uma antiga

articulação dos EUA que “possibilitou a repressão aos opositores políticos hostis aos

governos militares das ditaduras chilena, argentina, paraguaia, uruguaia, boliviana e

brasileira, além das fronteiras nacionais, realizada sob completo desprezo pelas normas de

regulamentos internacionais”19.

É que o Petróleo nacional e a Petrobras estiveram envolvidos na

cobiça dos americanos do norte em ambos os momentos, valendo recordar

Getúlio Vargas, levado ao extremo do gesto suicida em 1954, quando procurou,

horas antes, seu ministro do Trabalho (João Goulart) lhe entregando um envelope

lacrado, conforme memória de Denize Goulart: “Entregou-lhe uma carta lacrada e

disse-lhe o seguinte: Toma Jango. Guarda contigo para ler em casa. Vai hoje mesmo para

o Rio Grande. Depois de mim, eles vão sobre ti”. Só em Porto Alegre abriu o envelope,

que continha uma cópia da carta-testamento20.

Suicídio, aliás, que remonta a outro episódio latino-americano,

quando o então presidente do Chile, José Manuel Balmaceda, tirou a própria vida

igualmente com um tiro, um dia após o término de seu mandato, em setembro

de 1891, já refugiado na embaixada da Argentina, pondo fim à guerra civil

daquele ano, que escondia a ganância da Inglaterra pelo cobre chileno, eis que os

18Cfr. Le naufrage de l’opération anticorruption « Lava Jato » au Brésil. Por: Gaspard Estrada e Nicolas
Bourcier, em: Le Monde, 11/04/2021.
19Cfr. SOUZA, Fabiano Farias de. Operação Condor: Terrorismo de Estado no Cone Sul das Américas,
Revista AEDOS, Num.8, vol. 3, Jan/Jun, 2011, e, ainda: DINGES, John. Os anos do Condor: Uma década de
terrorismo internacional no Cone Sul. São Paulo, Cia das Letras, 2005; MARIANO, Nilson. As Garras do
Condor. São Paulo: Vozes, 2003;
20Cfr. GOULART, Denize. Em: O Brasil de João Goulart: um projeto de nação. São Paulo: Editora PUC/SP,
2006.
europeus financiaram e apoiaram a derrubada do governo constitucional21. No

Brasil, como se diz, o suicídio de Getúlio atrasou em 10 anos a sanha golpista, e

também evitou uma guerra civil.

Dez anos depois, Jango, já Presidente da República, às vésperas do

golpe de 1964, realiza seu famoso discurso de 13 de março, na Central do Brasil,

mencionando as reformas que pretendia fazer nos campos agrário, democrático,

educacional, além da reversão da dolarização do preço dos aluguéis imobiliários,

recordando Getúlio e o Petróleo, quando disse: “um outro decreto, que também

assinei, interpretando o sentimento nacional. Acabei de assinar o decreto de encampação

de todas as refinarias particulares. A partir desta data, trabalhadores brasileiros, a

Ipiranga, a Capuava e outras pertencem ao povo, porque pertencem ao governo” 22.

Já em momento posterior, na Operação Lava Jato, mais uma vez a

Petrobras foi o alvo certeiro, quando a famosa operação foi utilizada para

21 Segundo a observação do jornalista José Augusto Ribeiro, autor da trilogia “A Era Vargas” e assessor de
Tancredo Neves durante a campanha de 1964, sobre o pensamento de Vargas sobre o suicídio e a ligação
com o caso chileno, em diálogo com seu filho Lutero: “E o suicídio – prosseguiu Getúlio – é quase sempre
um ato de fuga e covardia. Num caso, porém, o suicídio não é covardia. E quando um líder político sacrifica
a própria vida para salvar a de compatriotas. Nessa conversa, Getúlio contou a Lutero a história de José
Manuel Balmaceda, presidente do Chile. No fim do século 19, Balmaceda foi um presidente decidido a
defender os interesses de seu país contra os interesses estrangeiros que o ameaçavam, exploravam e
roubavam. A maior riqueza natural do Chile era o cobre, explorado por capitais ingleses, que levavam-no
embora, exauriam suas minas e quase nada deixavam em troca. Balmaceda opôs-se a isso. A Inglaterra era
rica, forte e implacável, conhecida na época como a “pérfida Albion”, mandava e desmandava no mundo
inteiro, não gostava de ser contrariada e reagia com os canhões de sua marinha. Balmaceda tentou até atrair
capitais norte-americanos, para concorrerem com os ingleses. Não adiantou. Uma guerra civil, apoiada e
financiada pelos ingleses, derrubou-o e amigos o levaram para a embaixada da Argentina, que lhe concedeu
asilo. Mas para o novo regime, dócil aos ingleses, seria um perigo Balmaceda asilado na Argentina. Jovens
partidários de Balmaceda começaram a armar-se, para reiniciar a guerra civil, uma guerra impossível.
Balmaceda percebia isso e não queria que milhares perdessem a vida. Escreveu seu testamento político,
chamou alguns amigos e entregou-lhes a carta. Em seus aposentos na embaixada, pouco depois, matou-se
com um tiro. No caso de Balmaceda – disse Getúlio a Lutero – o suicídio não foi um ato de covardia. Era até
um dever, o dever de preservar a vida de milhares de chilenos decididos a recomeçar a guerra civil.”. Cfr.
RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas, o suicídio e o petróleo. CSB – Central dos Sindicatos Brasileiros, 8
de set. de 2014; RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas (3 v.). Rio de Janeiro: Casa Jorge Editorial, 2001.
22E prosseguiu: “Procurei, depois de estudos cuidadosos elaborados por técnicos e guiado pelo espírito que
criou a Lei nº 2.004, lei que surgiu e foi inspirada pelos mais altos ideais patrióticos e imortais do brasileiro
que continua imortal na alma do povo brasileiro – ao decretar a emancipação das refinarias particulares –,
prestar ao povo brasileiro uma homenagem de respeito e solidariedade àquele que sempre teve respeito
e foi solidário com os sentimentos do nosso povo, ao grande Presidente Getúlio Vargas” (sem destaque
no original). Cfr. Discurso de João Goulart de 13 de março de 1964 na Central do Brasil, publicado no Jornal
do Brasil no dia seguinte.
desnacionalizar a Petrobras e o pré-sal, fazendo com que um grande esquema

orquestrado pelos Estados Unidos, em parceria com Ministério Público Federal

e o Poder Judiciário desde a 13ª Vara Federal de Curitiba (TRF4), em consórcio

com os meios de comunicação e setores empresariais, mirassem objetivos

espúrios, mesmo que pelo caminho realizassem nada além de destruição.

Como observado por José Luís Fiori, existe uma intima ligação

entre os interesses americanos por petróleo e seus derivados e a profusão de

guerras na Europa e Oriente Médio, que também mobiliza sofisticados aparatos

judiais baseados no mesmo tema (corrupção), quando as guerras não funcionam

ou não convém. Em suas palavras: “Basta dizer que um estudo do cientista político da

Universidade da Califórnia, Paasha Mahdavi, constatou que dos 141 processos movidos

entre 1977 e 2013 pela Security and Exchange Commission (SEC) e pelo Departamento

de Justiça norte-americano (DoJ), 41 – praticamente um terço – foram ações

anticorrupção relacionadas ao setor de óleo e gás” 23.

Corrupção, não se pode esquecer, também foi um dos panos de

fundo discursivo para o apoio interno ao golpe civil-militar de 1964 contra Jango,

como dito por Goffredo Telles Jr em artigo pouco conhecido, publicado na

Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: “as torpezas

cometidas às custas da nação”, pois “negociatas seriam realizadas a sombra do gabinete

presidencial, nas antessalas dos ministérios e nos corredores da câmara”, defendendo a

necessidade de pegar em armas (golpe)24. Nada foi provado.

Assim, pelo Petróleo e contra a Petrobras, interesses americanos

interferiram diretamente na democracia brasileira com a manipulação política do

impeachment de Dilma Rousseff em 2016 (afastamento sem crime de

Cfr. FIORI, José Luís. Commodity Geopolítica: Petróleo, Guerra e Corrupção: Para Entender Curitiba. Le
23

Monde Diplomatique, 9 de setembro de 2019.


24Cfr. TELLES JUNIOR, Goffredo. Lineamentos de uma Democracia autêntica para o Brasil. Revista de
Direito da Universidade de São Paulo, v. 58, p. 142-143, 1963.
responsabilidade), ascensão do Vice, Michel Temer, com início brutal de

reformas neoliberais, além da prisão no dia 7 de abril de 2018 do então candidato

da esquerda, Lula, impedindo-o de concorrer ao pleito daquele ano, culminando

com a eleição de Jair Bolsonaro, que convida o então Juiz da Lava Jato para ser

seu Ministro da Justiça no novo governo, depois eleito Senador da República,

mas antes foi trabalhar recebendo altos salários pela consultoria à Alvarez &

Marsal, responsável, entre outras, pela recuperação judicial da Odebrecht, um

dos principais alvos da quebradeira lavajatista.

Esta é a Operação Lava Jato, ou nova Operação Condor do

Judiciário, que produziu um retumbante prejuízo de 600 bilhões de reais ao

Brasil, conforme dados de 2022, enquanto os supostos atos de corrupção teriam

permitido que fossem recuperados apenas 6 bilhões25. Uma operação que

interferiu na soberania nacional e na democracia constitucional do país.

Coisa diferente, entretanto, é o “espírito lavajatista”, que em nosso

país precede a Operação Lava Jato, por mais paradoxal que possa parecer, uma

vez que a feição “Judicialiforme da Operação Condor” só poderia ser conduzida,

como de fato o foi, por grupos de agentes públicos comprometidos com certa

finalidade separatista com tempero elitista que sempre buscou opor sul/sudeste

contra o norte/nordeste, embora comporte algumas exceções notáveis.

Bem entendido, não mencionamos aqui um separatismo de ruptura

federativa, em sentido estrito, vale dizer, agressão territorial contra o pacto de

não secessão, mas sim um separatismo de preponderância de costumes,

identidade e preponderância normativa avessa aos recortes qualitativos de raça,

classe e gênero, que possui origem colonial bastante distante, mas familiar.

25Cfr. Consórcio de Curitiba deu prejuízo de R$ 600 bilhões ao país, Redação Editorial do Conjur, de 31
de janeiro de 2022.
Por ora, em síntese, parece suficiente esta breve referência sobre o

tema e seus desdobramentos, na perspectiva do apresentador, de um

“Lavajatismo Separatista de Curitiba: a Operação Condor do Judiciário”, que

ainda poderia ser destrinchada sob o recorte explicativo do “Lawfare”26, ou do

papel subvertido do poder judiciário (de guardião à vilão)27 ou dos aspectos

tipológicos de erros judiciários sob a explicação dos Regimes de autoveridição e

heteroveridição no processo penal28, que permitiriam outros distintos momentos

de exposição de um cadáver que não morre (e nem é enterrado).

II. O Livro

Como o leitor observará, a autora articula uma visão particular

sobre a Operação Lava Jato, o que é excelente, pois temos um livro composto por

4 (quatro) capítulos bem estruturados até chegarmos à parte conclusiva, que não

deve ser adiantada, uma vez que é de extrema importância que o leitor caminhe,

pé-ante-pé, de maneira crítica, acompanhando a voz da autora pelos corredores

do labirinto.

O primeiro capítulo articula a explicação metodológica em: “UMA

ESCOLHA METODOLÓGICA A PARTIR DA TEORIA DOS SISTEMAS

SOCIAIS”, permitindo ao leitor compreender não apenas o caminho, mas a

planta que pavimenta a estrada e a velocidade da jornada, oferecendo segurança.

O segundo capítulo, “A (DES) LEGITIMAÇÃO DO PODER

JUDICIÁRIO PELA DEGENERAÇÃO DA CIÊNCIA E DA DOGMÁTICA

JURÍDICAS EM RAZÃO DO PROCEDER DO PODER JUDICIÁRIO”, introduz

26 Cfr. ZANIN MARTINS, Cristiano; et all. Lawfare: uma Introdução. São Paulo: Contracorrente, 2019.
27Cfr. SILVA, Denival Francisco da Silva. De guardião a vilão: a contribuição do Poder Judiciário no
desmonte da democracia no Brasil. EMais: Florianópolis, 2018.
28Cfr. CANI, Luiz Eduardo. Regimes de autoveridição e heteroveridição no processo penal: genealogia
dos erros judiciários. Florianópolis: Emais editora, 2023.
o primeiro grupo de perguntas e oferece a primeira leva de respostas, desde uma

preocupação com o esfacelamento normativo da construção da ordem jurídica.

O terceiro capítulo “A (DES) LEGITIMAÇÃO DO PODER

JUDICIÁRIO PELA DEGENERAÇÃO DO DIREITO EM RAZÃO DA “VOZ DAS

RUAS”, fornece uma jornada ao passado recente, e de como as massas

manipuladas e manipuláveis exercem um poder paralelo e incompatível.

O quarto capítulo “A (DES) LEGITIMAÇÃO DO PODER

JUDICIÁRIO PELA DEGENERAÇÃO DO DIREITO EM RAZÃO DO

POLÍTICO”, talvez o ponto alto da tese, coloca ouvido no solo para antecipar as

pegadas de um velho conhecido dos regimes autoritários, o velho Carl Schmitt,

se dirigindo à galope para o centro do debate, que vinha caminhando por dentro

dos capítulos anteriores naquilo que a autora articula conceitualmente como

“ciclo schmittiano”, seguido de uma conclusão que deve ser visitada e revisitada

pelos leitoras, de modo a não apenas instigar o debate, mas refletir sobre aspectos

deletérios da Operação Lava jato.

III. Conclusão

Enfim, o leitor possui uma excelente análise crítica em suas mãos, e

deve estar disposto a deixar de lado concepções prévias que porventura tenham

sido transmitidas pelos grandes meios de comunicação, que não apenas deixam

de fazer uma autocrítica (aquela mesma que sempre exigem dos outros), mas

continuam insistindo em tese heroica sobre a estrela maior do “show de

horrores” lavajatista da “República de Curitiba”.

O que essa trupe parece querer, não é difícil percebê-lo, é um combo

mixado: a destruição da Petrobrás, aliado a proveito político e econômico

pessoal, regado a muito cinismo, e o bônus do suicídio, prisão ou exílio dos chefes

de estado que tentarem defender a soberania nacional e a autossuficiência


energética baseada no petróleo e em seus derivados, arrastando o país para uma

espiral de destruição brutal.

A versão judicial dessa nova Operação Condor, batizada de

Operação Lava Jato, separatista e guiada pelo espírito lavajatista, recebeu notável

tratamento na pesquisa doutoral que a autora dá a público, em sua versão

comercial, merecendo leitura séria e reflexão comprometida desde os elementos

mais sensíveis de nossa Democracia Constitucional e da Constituição de 1988.

Brasília-DF, 28 de fevereiro de 2024.

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