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Trabalho Final - Antropologia 2023

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O que podemos levar a sério e aprender com Davi Kopenawa e

Ailton Krenak?

Matheus Alves Silveira - 113924

“O mundo não é o objeto de estudo, mas o seu meio”, frase do célebre Tim Ingold
(2019, p. 11), que conceitua os processos e as relações antropológicas pelos quais
o pesquisador obtém conhecimento acerca de culturas distintas e suas visões de
mundo intrínsecas. Este trabalho, da obtenção de conhecimento, parte da premissa
do envolvimento do antropólogo com o nativo mediante uma observação
participativa, estudar com as pessoas, não sobre as pessoas.

Em 2010, o antropólogo francês Bruce Albert lançou o renomadíssimo livro “A


queda do céu - Palavras de um xamã yanomami” (Companhia das Letras, 2015),
após trinta anos de observação participativa com a tribo Yanomami, residentes da
Floresta Amazônica. A obra se trata de relatos e testemunhos autobiográficos do
líder político e xamã Davi Kopenawa – seus modos de interpretação de mundo, os
contatos e as relações com a civilização dos homens brancos, assim como a
degradação ambiental mediante uma ganância insaciável dos ocidentais e como
isso vem levando ao genocídio dos povos originários – a morte dos xamãs traria a
queda do céu.

As tribos Yanomamis, desde o início do século passado, vem sendo alvo de


intervenções, seja por órgãos governamentais ou povos missionários, fator este
responsável pelo extermínio de muitos povos indígenas, devido a epidemias de
doenças como a varíola, por exemplo. O etnocentrismo dos forasteiros se fez
presente desde o primeiro contato com estes povos tradicionais. Há uma passagem
em seu livro em que Kopenawa diz ter recebido seu nome “Davi” antes mesmo que
seus próprios familiares o nomeassem segundo suas tradições. Segundo ele, “antes
de os brancos aparecerem na floresta, distribuindo seus nomes a esmo, tínhamos
os apelidos que nos davam nossos familiares” (KOPENAWA, ALBERT, 2015, p. 69).
Logo, o contato estabelecido entre homem civilizado e indígena não se deu de
forma antropológica, com cunho científico, houve uma imprudência na influência
ocidental aos povos originários.

Existe uma forte crítica ao padrão ocidental de consumo e acumulação feito por
Kopenawa, em seu capítulo “Paixão pela mercadoria”. Observa-se que os povos
tradicionais mantêm um desapego em relação aos bens materiais, uma aversão à
sociedade de acumulação que se tornou o sistema capitalista moderno. Os
Yanomamis, estão inseridos em sistemas de trocas de ferramentas e objetos, que
se estendem por todas as regiões habitadas por povos originários.
Esta forma de desapego também se apresenta aos objetos de uso das pessoas que
vêm a falecer, não existindo espólios para os Yanomamis. Rixas e disputas por
heranças se tornam algo inconcebível numa cultura onde se queima e, ou, destrói o
que o falecido utilizava em seu cotidiano. Isso, devido ao entendimento que estes
povos possuem em relação à vida e sobre a existência, sendo que, somente a
natureza seria eterna. Segundo Kopenawa (2015, p. 411), “as pedras, as águas, a
terra, as montanhas, o céu e o sol nunca morrem, como também os xapiri. São
seres que não podem ser destruídos e que dizemos parimi, eternos. O sopro de vida
dos humanos, ao contrário, é muito curto”.

Davi Kopenawa é citado em algumas passagens da obra “Ideias para adiar o fim do
mundo” (Companhia das Letras, 2020) do pensador Ailton Krenak (líder indígena,
jornalista, escritor, ativista socioambiental, defensor dos direitos indígenas, etc.).
Krenak reconhece a importância da valorização dos saberes compartilhados por
Kopenawa e, assim como este, vem espalhando as visões de mundo – ou
cosmovisões – dos povos tradicionais, por todo o globo.

O nome Krenak pode ser traduzido como “cabeça da terra”, uma denominação a
uma tribo que sempre manteve uma forte conexão com a terra. Segundo o próprio
Ailton (2020, p. 24), “não [seria] a terra como um sítio, mas como esse lugar que
todos compartilhamos [...] lugar que para nós sempre foi sagrado”. O território do
povo Krenak localiza-se em Minas Gerais, no vale do rio Doce, este, é chamado
pelos Krenaks de Watu, ou avô, sendo assim, considerado como uma pessoa, um
ser integrante desta sociedade. Outro elemento natural que se atribui personalidade,
seria a serra Takukrak, importante para estes indígenas, ao através da leitura do seu
“humor”, prever se será um dia bom para as atividades da aldeia, ou, um dia de
reclusão, caso sua aparência esteja nublada.

Esta humanização da natureza, presente no folclore dos povos tradicionais, possui


um aspecto de reverência, de respeito aos elementos da paisagem que constituem
a subsistência desses povos, porém, existe também uma sabedoria por trás deste
comportamento. O autor nos fala que “quando despersonalizamos o rio, a
montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo
exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos
da atividade industrial e extrativista” (KRENAK, 2020, p. 24). A região do vale do rio
Doce, em Minas Gerais, é uma região de imensa especulação mineratória. As
atividades desenvolvidas pelas mineradoras em sua busca pelo progresso, são
responsáveis por disputas territoriais em todo o território brasileiro.

A máquina estatal vê a natureza como um recurso para gerir a economia, os


indígenas, são vistos como um empecilho, já que estes deveriam ser contribuintes
do projeto de “exaustão da natureza”, conhecido como progresso. Esse discurso
progressista, gera um afastamento entre humanidade e natureza, uma ideologia que
Krenak chama de “antropocentrismo”, algo como a superestimação que o homem
dá a sua espécie, enquanto leva à extinção uma variedade de outras espécies
animais e vegetais.

Os povos tradicionais ao redor do globo mantêm uma existência milenar, partindo de


práticas de subsistência sustentáveis, de respeito aos elementos da paisagem.
Segundo Krenak (2020, p. 47), esses povos seriam uma “camada mais rústica e
orgânica, uma sub-humanidade, que fica agarrada na Terra, [são os] caiçaras,
índios, quilombolas, aborígenes”. Esta sub-humanidade então seria a periferia dos
povos periféricos, os habitantes de margens de rios ou oceanos da África, Ásia e
América Latina.

Estes povos originários possuem um importante ponto em comum: a referência


sagrada e maternal à natureza. Em diversas tradições, a Terra é denominada de
Gaia, de Mãe, ou ainda Pachamama – nomes femininos que reverenciam a
natureza provedora de alimentos, de água potável, de vida. Possuindo assim uma
visão holística sobre a existência, mediante uma dialética acerca da natureza, pois,
segundo Krenak (2020, p. 47), “eu não percebo que exista algo que não seja
natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é
natureza”.

Referências Bibliográficas

INGOLD, Tim. Antropologia: para que serve? Petrópolis: Vozes, 2019.

KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. “Prólogo” e “Capítulo 19: Paixão pela


mercadoria” in: A queda do céu: relatos de um xamã yanomami. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2020.

KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

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